PSICOLOGIA E ARTE: POSSIBILIDADES DE INTERVENÇÃO E REFLEXÃO ACERCA DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
Karen Brustolin (Universidade Paranaense – UNIPAR)
Tatiane Superti (Universidade Paranaense – UNIPAR)
E-mail: [email protected]
Resumo O presente artigo, tem por intuito destacar o uso da arte como possibilidade de intervenção, frisando seus resultados como forma de reflexão dos sentimentos construídos ao longo da vida da mulher atendida, permeada por violência. Para tal, foram necessárias leituras teóricas que embasassem esta prática, buscando compreender o arranjo social atual, em que vivemos e a historicidade do mesmo, destacando aspectos relevantes como a posição em que homens e mulheres ocupam atualmente na sociedade. As mulheres em um lugar de submissão, opressão e medo, e os homens como seres de dominação nas relações. A arte por sua vez, foi de extrema importância, impactando nas reflexões acerca de suas vivências, as músicas levadas, fizeram com que a mulher pudesse entrar em contato com sua realidade de forma diferente. Palavras-chave: Arte; Violência; Feminino; Submissão. Introdução A arte é uma ação humana, que recria a realidade material e transforma o
sujeito, sendo o resultado do social, pois a arte é o social em nós, materializando
objetos externos, que se tornam por meio do trabalho instrumentos para a
sociedade, ou seja, a arte é resultado da apreensão da realidade, por meio das
compreensões necessárias de um processo dialético. (BARROCO, SUPERTI, 2014)
Os papéis sociais exercidos historicamente e culturalmente, em destaque o
ser masculino e o ser feminino na sociedade atual, fazem parte da estrutura social,
como um grupo de normas e regras a serem seguidas que condicionam o
comportamento dos indivíduos, sendo assim o ser feminino, encontra-se em um
lugar de opressão social, submissão e vulnerabilidade, por vezes em situação de
violência, e o ser masculino ocupando um lugar de dominação sobre o feminino,
construindo sentimentos de posse e dependência. (MARTINS, 2010; NOGUEIRA,
2017).
Sendo assim, o referido artigo, explanará sobre o caso de atendimento
psicossocial individual com uma mulher vítima de violência, baseado na psicologia
histórico cultural que entende o sujeito como um ser histórico e cultural construído
por meio de suas apropriações ao longo da história; (BRAGA, 2010) O instrumento
essencial para o atendimento foi a arte enquanto técnica social do sentimento. A arte
contribui para a humanização do sentimento, podendo transformar o outro, via
reconstrução dos próprios sentimentos. (BARROCO, SUPERTI, 2014)
Violência contra o feminino e uso da música para a reflexão de sentimentos
Vivemos em uma sociedade permeada e estruturada por papéis sociais. O
feminino atribuído ao papel social: Mulher. Muitos autores afirmam que socialmente
as pessoas não tem o conhecimento da distinção e diferenciação de gênero e sexo,
atribuindo o sexo ao gênero. (NOGUEIRA, 2017) Buttler (2003), afirma que o sexo
está ligado a aspectos biológicos, enquanto o gênero é uma construção social.
Por conta disso, historicamente foi construído uma lógica social em que a
mulher faz parte do sexo frágil, ligada automaticamente ao gênero feminino,
enquanto o homem sendo do sexo e gênero, “mais fortes” biologicamente, detém o
poder sobre as mulheres. Sendo este poder construído socialmente em nossas
relações. (SILVA, 2000). Socialmente a instituição família é colocada para a
sociedade como um espaço de segurança e afeto, entretanto o agressor e efetivador
de violência se faz presente neste espaço, sendo alguém de confiança, tanto para a
vítima, quando para as pessoas próximas deste espaço. A violência, sendo ela física
ou psicológica, ocorre normalmente no cotidiano das mulheres de forma
naturalizada, disfarçada por comportamentos de dominação, cobrança e críticas
constantes. A partir disso, o sujeito faz com que a mulher se sinta dependente dele,
criando sentimento de falsa ilusão de sua relação. (PRESTES, OLIVEIRA, 2005).
Acredita-se que o sentimento é o resultado de relações ocorrentes em nossas
vivências. (BARROS et al, 2011)
A música, como instrumento de exploração de sentimentos faz com que o
indivíduo possa se apropriar da canção, da melodia, dos sons, podendo assim
ressignificar seu sentimento, materializando-o através da linguagem, em que o
indivíduo sente a melodia refletindo acerca de si e de suas vivencias, despertando
uma nova forma de ver a si e ao mundo que o cerca. (MAHEIRIE, et al 2007)
Considerações finais
A usuária atendida, vítima de violência desde sua infância, sofreu violência
sexual, física e psicológica. Foram realizadas cerca de 9 intervenções, contendo
muitas faltas ao decorrer do processo, sendo justificadas a uma lógica social de
cuidado da casa. Neste processo foram utilizadas cerca de duas músicas, sendo
elas: “Triste louca ou má – Francisco El Hombre” (2016) e “Aí, que saudade da
Amélia – Mario Lago” (1942), ambas em sessões diferentes e com intervalos de
atendimentos para reflexão das mesmas.
A música de “Francisco, El Hombre – Triste louca ou má” (2016), foi o
primeiro instrumento a ser utilizado com a usuária após duas sessões. Esta música
foi um instrumento essencial para impactos relevantes do início das primeiras
reflexões, voltadas a realidade da usuária, em que a mesma conseguiu materializa-
la por meio da linguagem, observando aspectos de sua existência, como a
submissão ao gênero masculino, sua reprodução de lógica social, ao entender que o
homem a definiria. Em que via o homem como provedor de sua vida, e o carinho
apresentado por ele seria de submissão, a uma idealização acerca do papel social
de homem. Posterior a este instrumento e outras sessões foi discutido a música de:
“Mario Lago – Aí, que saudade da Amélia” (1942). Com base na reflexão acerca da
música, a usuária entrou em contradição, pois ao mesmo tempo que a partir do
processo reflexivo não se sentira a Amélia, ainda ocupava um lugar de Amélia, ou
seja, ela precisava de distanciamento para refletir, por meio de vias indiretas, as
quais seriam os instrumentos que eu levara, para a mesma refletir. Ou seja, ela
estava negando sua condição de existência, encaminhando-se nesse processo,
pois, ser Amélia implica em uma construção subjetiva de submissão em várias
relações em seu contexto conjugal, como afetiva e sexual, construídas na relação
com o agressor. Neste sentido a usuária é a extensão da violência do marido, e por
meio das reflexões propostas está questionando sua realidade visualizando outras
maneiras de ser.
Por via da arte foi nítido o processo em que a usuária atendida se via como
um feminino que ocupa um lugar de opressão, construindo sentimento de submissão
ligado ao homem, em que cria um laço de dependência e perde o estimulo de
reflexão sobre a situação vivenciada, que se distância por medo de refletir e sair de
uma relação de dependência, criada pelo masculino, em que cria por meio dessa
relação um sentimento de adoração ao parceiro e ideação do relacionamento,
sentindo-se culpada pela violência que vive. O caso em teve como foco o
desenvolvimento da consciência, utilizando-se da arte como técnica social do
sentimento, impactando na reflexão sobre sua realidade, por meio da música,
materializando seus sentimentos por meio da linguagem.
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