QUALIFICAÇÃO DE PROFESSORES PRIMÁRIOS NOS PRIMÓRDIOS DEBRASÍLIA: CONTRIBUIÇÕES DO INEP (1957-1964)
Valéria Rocha Melo 67
Resumo: A construção de Brasília gerou a demanda de se criar um projeto educacionalcondizente com o planejamento arrojado e inovador da nova Capital. Esta tarefa coube aAnísio Teixeira, que, em seu Plano de Construções Escolares de Brasília, propôs um novomodelo de escola, para servir de exemplo a todo o País. Anísio via na educação apossibilidade de formar um homem adequado à vida moderna, favorecendo seu crescimentointegral, de maneira a promover a sua emancipação e integração, de forma consciente, àsociedade brasileira, a fim de contribuir para o desenvolvimento do país. Para isso, propunhaa “educação comum” – definida como a educação para todos –, mediante a oferta de umaescola pública, obrigatória, gratuita, universal e eficiente, não como uma benemérice da classedominante, mas como um direito do povo. Diante dos ideais futurísticos que se almejavampara Brasília, importava que houvesse a qualificação de professores para a efetivação daeducação inovadora que se pretendia fazer na Capital nascente. O estudo a ser realizado,consoante este projeto, tem em vista a análise das políticas, estratégias e processos adotadosno tocante ao aperfeiçoamento de professores do magistério primário de Brasília, no períodode fundação da Capital Federal, em especial no que tange à atuação do Instituto Nacional deEstudos Pedagógicos nas ações empreendidas. Trata-se de uma pesquisa histórica, comfundamento nos pressupostos teórico-metodológicos da nova história, a ser desenvolvidamediante análise documental, bibliográfica e de depoimentos orais.
Palavras-chave. Aperfeiçoamento de professores, primórdios de Brasília, História daeducação do Distrito Federal, Anísio Teixeira, Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos.
1 INTRODUÇÃO
Este artigo versa sobre um projeto de pesquisa de mestrado que se destina ao estudo
das políticas, estratégias e processos relativos à qualificação profissional dos professores em
exercício nas escolas primárias de Brasília, no período de 1957 a 1964. O corte temporal
estabelecido relaciona-se ao período de transferência da capital federal do Rio de Janeiro para
67Mestranda da Faculdade de Educação- Universidade de Brasilia. Mail to: [email protected].
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o Planalto Central, com a construção e inauguração de Brasília, ocasião em que se deu a
concepção e implantação de um plano educacional inovador, e se estende até a ocorrência do
Golpe Militar, o qual provocou mudanças radicais na condução do país, incidindo fortemente
também nas políticas educacionais.
O objeto da pesquisa refere-se à qualificação em serviço de professores na nova
Capital. A leitura preliminar de documentos indica que o aperfeiçoamento profissional dos
primeiros docentes de Brasília deu-se mediante cursos, estágios, seminários, dentre outros,
por iniciativa do Instituto Nacional de Pesquisas Pedagógicas (INEP), sob a presidência de
Anísio Teixeira. Essa qualificação, entendida pelo educador como um processo contínuo,
teria desdobramentos no âmbito do sistema educacional proposto para a nova Capital.
Estudos históricos relativos às décadas de 1950 e 1960 referem-se à nomenclatura
diversa, no que tange à formação em serviço de professores, a exemplo de “formação de
professores” (LEITE FILHO, et. al., in: MENDONÇA, 2008) e “qualificação,
perfeiçoamento, ou treinamento do magistério” (MENDONÇA, 2008 e LIMA, 2008). Essa
formação, nos dias atuais, é concebida como um processo abrangente, que abarca a formação
inicial e a formação continuada, que se estende ao longo de toda a carreira docente.
A ideia de transferência da Capital Federal é bastante antiga e existia desde o Brasil
Colônia. Sendo que as motivações para a mesma variavam conforme o período histórico em
questão. Em meados do século XX, tal tranferência justificava-se pela necessidade de
integração nacional, de adentrar na era da modernidade, do urbanismo e do industrialismo.
Fatores de ordem geográfica, econômica, política e social foram responsáveis por
influenciar a decisão de transferência da Capital brasileira do litoral para o interior. A esse
respeito, ao final dos anos de 1950, o Presidente JK aponta que o Brasil estava diante de uma
encruzilhada histórica: por um lado tinha-se o mundo rural visto como representação do
passado, de imobilismo e atraso e, como anteposição a este, se apresentava a modernidade
baseada, sobretudo, na industrialização.
Acreditava-se, então, que as forças do novo possibilitariam a inserção do país a um
patamar mais avançado de desenvolvimento. Datam desse período os movimentos de
renovação cultural atrelados a esse ideário: arquitetura moderna, bossa nova, cinema novo. A
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construção de Brasília significou um desafio, para além da edificação de prédios, pois se
constituiu na meta-síntese do governo JK. A cidade ergue-se sob o marco da inovação em
diferentes setores: urbanístico, arquitetônico, paisagístico e educacional. Pretendia-se
estabelecê-la como modelo de modernidade que irradiasse para todo o país. Sua construção,
ao mesmo tempo em que possibilitava a necessária interiorização do país, também se
apresentava ao mundo como símbolo arrojado da inventividade brasileira.
Para a sua concepção foram escolhidos os melhores profissionais. Assim, personagens
como Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Burle Marx, Athos Bulcão e Israel Pinheiro, dentre
outros, participaram da elaboração dos projetos e da construção de Brasília. Anísio Teixeira é
o escolhido para pensar o seu sistema educacional.
Esse renomado educador destacava-se no cenário educacional brasileiro pela sua
atuação à frente de importantes cargos públicos de gestão da educação, nos quais sempre
atuou em prol da escola pública, democrática e universal. Anísio iniciou sua carreira pública
como Inspetor Geral de Ensino do Estado da Bahia, em 1924, passando, posteriormente, a
exercer a função de Diretor Geral, na qual permaneceu até 1932.
No desempenho da sua missão, percebeu a precariedade do ensino público naquele
estado, o que o desafiou a buscar novas formas de se pensar a educação. Esse caminho foi
traçado quando, inspirado pelas ideias do educador americano John Dewey, Anísio projeta,
em meados da década de 1940, a Escola Parque de Salvador, também conhecida como Centro
Educacional Carneiro Ribeiro, situada em área periférica da capital baiana.
Naquele Centro desenvolveu-se uma experiência baseada em formas inovadoras de
organização e funcionamento. Segundo defendia esse educador, a escola não deveria ser vista
apenas como locus de instrução, mas onde se ofereceria “oportunidades completas de vida, o
que compreendia atividades de estudo, de trabalho, de vida social e de recreação e jogos”
(TEIXEIRA, 1962, apud PEREIRA, 2011, p.164). Tais oportunidades significaram na prática
educação com dia letivo integral, em que as aulas de cunho informativo mesclavam-se com
aulas de artes industriais, teatro, dança desenho, dentre outras.
Com essa experiência, Anísio buscava uma resposta à política de educação popular
vigente à época, bastante reduzida, com professores também de preparo reduzido. Dizia que,
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“a despeito da tremenda expansão do conhecimento humano, um paradoxal imediatismo
escolar reduziu a duração dos cursos e do dia escolar, a fim de oferecer a maior número de
alunos uma educação primária reduzida ao mínimo” (TEIXEIRA, 2001, p. 201).
O educador baiano propunha a “educação comum” definida por ele como a escola
pública, obrigatória, gratuita, universal e eficiente, não como uma benemérice ou favor da
classe dominante aos menos possuídos, mas como um “direito do povo.” (TEIXEIRA, 1957,
p.70 e 80). Anísio Teixeira via a educação como a única saída para o subdesenvolvimento
nacional, assim, em sua concepção, a formação de um “novo homem” com capacidade de
pensar e agir conscientemente, integrando-se, desta forma, à modernidade cada vez mais
impessoal e racionalista de que o mundo se revestia, era para ele, “questão de sobrevivência”
(PEREIRA; ROCHA, 2005. in: PEREIRA et. al., 2001, p. 29).
Embora tenha buscado em John Dewey o embasamento teórico para fundamentar sua
concepção de educação, Anísio Teixeira preocupava-se em adequá-la à realidade e à cultura
brasileiras, não abraçando as ideias deweyanas como mera transplantação (NUNES, 1999).
Na defesa desses ideais, destaca-se a sua participação no movimento de renovação
educacional no Brasil, nas décadas de 1920-1930, sendo Anísio um dos signatários do
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, em 1932. Nesse importante documento histórico
em prol da renovação educacional buscava-se a primazia da questão educacional sobre os
demais problemas nacionais e propunha-se a reformulação da política educacional brasileira
baseada nos princípios democráticos da escola nova. Os ideais expressos no Manifesto
ensejavam a educação como propulsora de uma formação mais técnica e científica, e,
também, procuravam promover a inserção da escola à vida sociocultural.
Assim, o convite para que Teixeira elaborasse o plano educacional da capital em
construção, em 1957 foi a oportunidade de constituir, em pleno cerrado brasileiro, sua
proposta de renovação do sistema educacional, voltada para a educação pública, democrática
e de qualidade que almejava para o país. Nesse sistema a escola pública destinava-se tanto aos
filhos dos estadistas quanto aos filhos dos operários, em um modelo educacional que não
privilegiava as ‘origens’ da criança, mas que buscava desenvolver o potencial de todas elas.
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Tais ideias configuram-se no “Plano de Construções Escolares de Brasília”, que
“obedeceu o propósito de abrir oportunidade para a Capital Federal oferecer à Nação um
conjunto de escolas que pudessem constituir exemplo e demonstração para o sistema
educacional do País” (TEIXEIRA, 1961, p.195-199).
Depreende-se, pelo exposto, que na nova Capital ocorreu um movimento de relevância
para a história da educação brasileira. A importância que o ensino em Brasília assume é
evidenciada no Relatório Quinquenal do MEC (1956-1960), tornando patente que a educação
brasiliense não seria “um mero adendo, mas uma espécie de culminância do trabalho
desenvolvido pelo Ministério ao longo daqueles anos” (MENDONÇA, in: PEREIRA, 2011,
p. 13).
Para o desenvolvimento desse trabalho caberia ao professor da escola elementar estar
apto a promover uma educação que atendesse a necessidade de vida e convívio social do
aluno, tendo em vista o seu desenvolvimento artístico, físico e recreativo e sua iniciação ao
trabalho. O docente deveria, então, atuar mediante uma organização diferenciada de jornada
escolar, de oito horas de duração, dividida em atividades de estudo, de trabalho e de lazer.
A exigência de habilitação para o magistério era condição para a admissão, sendo que
os docentes que vieram à Brasília se defrontavam com a necessidade de desenvolver práticas
pedagógicas inovadoras. Diante desse quadro, a qualificação dos professores em exercício
constituiu-se alvo de preocupação da administração do ensino nos primórdios de Brasília.
Pelas fontes já consultadas, e, especialmente, os relatos dos primeiros docentes,
evidencia-se que essa tarefa foi conduzida pelo INEP que, à época, representava o centro de
inspiração do magistério nacional, promovendo a elevação do seu nível profissional.
Questiona-se assim, quais políticas, estratégias e processos foram adotados para a
qualificação de professores do magistério primário, no período de fundação de Brasília, em
especial no que tange à atuação do INEP?
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GARIMPANDO INFORMAÇÕES
Observa-se que a formação de professores é tema recorrente na literatura educacional,
referindo-se a momentos distintos da trajetória docente. Gatti (2010) e Tanuri (2000)
reportam-se especificamente a formação inicial do futuro professor, Imbernón (2002), Tardiff
(2002) e Pimenta (1999) entendem a formação do docente em exercício como um processo
contínuo e permanente de qualificação profissional. A profissionalização do professor requer
constante atualização do seu saber visando à adequação de sua prática à necessidade de
significação do seu trabalho. Imbernón (2002) é categórico ao afirmar que a profissão docente
“exige que se continue a estudar durante toda a vida profissional” (p.65). Nessa mesma
direção, Tardiff (2002) argumenta que a aprendizagem da profissão docente postula uma
escolarização prolongada, no sentido de propiciar aos futuros professores conhecimentos
teóricos e técnicos que os habilitem a desempenhar a profissão de modo a capacitá-los para
articular os diferentes saberes que constituem o repertório de conhecimentos presentes em sua
prática diária.
Ao tratar acerca do processo de formação continuada, Pimenta (1999) considera a
importância de a escola se constituir num espaço privilegiado de trabalho e formação, no qual
se constitua uma “rede de formação contínua”. A qualificação do professor, segundo a autora,
deve ser pensada como um projeto único, permanente, de auto formação e de reelaboração de
saberes, que englobe tanto a formação inicial como a continuada. Corroborando com essa
ideia, Imbernón (2002) expressa o entendimento de que a formação do professor seja no
sentido de tornar-se um profissional “prático-reflexivo” (p. 39), que recorre à investigação
como forma de decidir e de intervir em situações práticas.
A formação continuada a que se referem, dentre outros, os autores citados, tem o
propósito de promover a contínua formação dos professores. É nessa perspectiva que se
enquadra a investigação que se propõe por meio deste projeto, cujo foco diz respeito à
qualificação de professores primários em exercício no período de construção e fundação de
Brasília.
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Com o propósito de buscar fundamentos teóricos para a pesquisa que se pretende
desenvolver, empreendeu-se ao levantamento de informações nos seguintes sites: Biblioteca
Digital Brasileira de Teses e Dissertações – BDTD; Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Educação-ANPED e Grupo de Estudos e Pesquisa História, Sociedade e
Educação no Brasil–HISTEDBR. Nessa busca foram utilizadas as expressões: história da
formação de professores no Distrito Federal e história da formação docente no Brasil.
O levantamento realizado evidenciou a inexistência de estudos que tratem do recorte específico, embora tenham sido localizados artigos que guardam aproximação com temática relacionada à educação nos primeiros anos da nova Capital. Esses artigos advêm da produção do grupo da pesquisa intitulada “Educação básica pública do Distrito Federal (1956-1964): origens de um projeto inovador”, que também é responsável pela organização da obra “Nas Asas de Brasília; Memórias de uma utopia educativa (1956-1964)”, de 2011, um dos pilares para a fundamentação do estudo pretendido.
Com referência à formação e profissionalização docente no Distrito Federal foram
localizadas duas dissertações desenvolvidas na Faculdade de Educação da Universidade de
Brasília, de cunho historiográfico. A primeira (Silva, 2010a) teve em vista o resgate da
história profissional dos professores pioneiros do Distrito Federal, no período de 1957 a 1960,
e a segunda (Amaral, 2014), a reconstrução da história da formação do magistério primário no
decorrer dos primeiros anos da Capital Federal, tendo como foco o Curso Normal proposto no
Plano de Construções Escolares de Brasília.
De igual importância é a produção levantada sobre as políticas públicas adotadas para a atualização e qualificação de professores, no contexto nacional e regional, no decorrer das décadas de 1950-1960, período em que se insere a pesquisa proposta. Cabe pontuar, todavia, que a produção acadêmica sobre essa temática, no aludido período, ainda é reduzida. Mendonça (2008) atribui tal fato ao “apagamento” de nossa memória e a interrupção de experiências inovadoras em virtude do Golpe Militar de 1964.
No site HISTEDBR foram localizados uma dissertação de mestrado e dois artigos. A primeira refere-se a uma pesquisa sobre a Escola Guatemala (MACEDO, 2007), uma experiência pioneira em formação de professores, nos anos de 1950-1960, no âmbito das ações de Anísio Teixeira à frente do INEP. O primeiro artigo versa sobre a relação simbólica entre essa escola e as categorias memória, identidade e projeto (STRANG, BATTINI, NISHIKAWA, 2013) e o outro trata das estratégias centrais utilizadas no período analisado para a qualificação de professores (LUIGLI, 2003).
No site Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações – BDTD foi encontrada apenas uma dissertação (GUIMARÃES, 2008a), que apresenta as contribuições de Anísio Teixeira para melhoria da atuação docente no campo do ensino primário, abrangendo suas ideias, propostas e políticas para a formação do magistério primário brasileiro.
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No site da ANPEd foi localizado um artigo apresentado no Grupo de Trabalho,
História da Educação - GT-02, da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Educação que trata dos projetos de reforma educacional brasileira das décadas de 1950 e
1960, operacionalizados pelos Centros Regionais de Pesquisa Educacional – CRPE/INEP,
(Luigli, 2003).
As duas pesquisas a seguir tratam das ações de aperfeiçoamento do magistério
desenvolvidas no âmbito do Centro Brasileiro de Pesquisa Educacional e Centros Regionais
de Pesquisa Educacional - CBPE/CRPE/INEP, nas décadas de 1950/1960. A primeira, refere-
se a uma dissertação que analisa as principais diretrizes e linhas de ação dos cursos de
formação continuada para o aperfeiçoamento do magistério oferecidos pelo INEP, por meio
das ações da Divisão de Aperfeiçoamento do Magistério - DAM, no período de 1955 a 1964
(LIMA, 2008) e, a segunda, relatada em um artigo, trata dos cursos de Especialistas em
Educação para a América Latina, que ocorreram no Brasil e no Chile, a partir de 1958,
buscando a generalização e melhoria da educação primária e a qualificação de professores e
especialistas em educação na América Latina. (FERREIRA, 2011).
Por meio do levantamento realizado verificou-se a inexistência de estudo relativo à
qualificação dos professores em Brasília, no período de 1957 a 1964, o que mostra a
originalidade do tema proposto para a pesquisa a ser desenvolvida.
PROCESSO HISTÓRICO DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES PRIMÁRIOS
A necessidade de formação dos professores já era apontada por Comenius, no século XVII, sendo que a instituição do primeiro local de ensino destinado a essa finalidade foi feita por La Salle, em 1684, no Seminário dos Mestres (SAVIANI, 2009 apud Duarte, 1986). Segundo o citado autor, uma resposta institucional para essa questão surgiu somente no séculoXIX, posteriormente a Revolução Francesa, quando foi aventada a questão da instrução popular. Data desse período o tratamento de Escolas Normais como “instituições encarregadasde preparar professores” (p. 143).
No Brasil o desafio da formação de professores teve início após a expulsão dos jesuítas e a implantação das Reformas Pombalinas, em 1759, época em que ocorre o envio dosprofessores régios pela metrópole. Com a vinda da realeza para o Brasil, em 1808, foi
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possível uma direção estatal sobre a educação formal. Tal evento significou a composição de um sistema de instrução primária, e o inicio da profissionalização dos professores.
Todavia, faltava-lhes a capacitação adequada para exercício do ensino pela inexistência de cursos de formação de professores, sendo estes indicados mais em virtude de seus atributos morais que por competência profissional.
Era de se esperar que a escola normal adotasse um direcionamento didático-metodológico específico, porém, o que se observou, foi um currículo idêntico ao das escolas de primeiras letras, demonstrando um enfoque escolar centrado no processo de ler e escrever do professor, subvalorizando questões relativas ao preparo técnico-pedagógico. Saviani (2009) aponta que a formação via escola normal só veio a se estabilizar a partir de 1870, trintae cinco anos após a inauguração da primeira escola normal, em Niterói.
O padrão de organização e funcionamento das escolas normais foi fixado com a reforma da instituição pública do estado de São Paulo, em 1890, já com o intuito de preparação de professores e adoção de metodologias modernas.
Adentrando o século XX, a formação de professores sofreu a influência do processo de
industrialização, especialmente a partir das décadas de 1920-1930, tendo em vista atender às
demandas de mão-de-obra. Nessa perspectiva, tem início, em 1933, em São Paulo, uma
reforma radical do ensino primário - por meio do Código de Educação do estado de São
Paulo, que estabelece que o ensino público primário passe a ser obrigatório e gratuito às
crianças de oito a quatorze anos de idade e passe a ter a duração cinco de anos - visando
estendê-lo a toda a população e não apenas às classes abastadas. Tal ampliação gerou uma
pressão pela formação de professores.
Novo modo de conceber a formação de professores é inaugurado a partir de 1932, coma abertura dos Institutos de Educação, vistos não apenas como espaços de transmissão de conhecimentos, mas também de pesquisa e disseminação de uma nova cultura de educação.
A partir da reforma instituída pelo Decreto nº 3.810, de 19 de março de 193268, foram criados o Instituto de Educação do Distrito Federal, e o Instituto de Educação de São Paulo.
A criação do Instituto de Educação no Rio de Janeiro, em substituição ao curso
normal, aponta que este seria o local de “cultivo de educação” e não apenas espaço de
transmissão de conhecimento, possibilitando formar uma nova geração de professores de
modo compatível com os ideais propostos no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova,
68O Decreto Nº 3.810, de 19 de março de 1932, reorganiza a antiga Escola Normal do Distrito Federal, e cria o Instituto de Educação, que reúne as escolas, Primária, secundária e de Professores e o Jardim de Infância que estarão sob a administração central do diretor da Escola de Professores. Institui, também, a formação de professores a nível superior.
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preconizando a educação como propulsora para o avanço da nação por meio de sua
intervenção na realidade educacional.
Não obstante, a realidade nacional permaneceu distante do que a legislação
preconizava em termos de estender a escolarização a toda população, bem como de ampliar e
melhorar a formação docente. Nesse sentido, Anísio Teixeira (2001) denuncia o fato de que, à
época, aproximadamente 50% dos professores primários eram leigos.
Afora a carência de professores habilitados para o exercício da profissão, a expansão
do acesso e a inclusão das classes populares na escola elementar deram-se à custa da redução
da duração do curso primário, o que se refletiu na perda de qualidade do ensino. O mesmo
ocorreu com os cursos de formação de professores, que, ao invés de serem ampliados, foram
encurtados para atender à crescente demanda.
A instalação do Estado Novo, em 1937, no Brasil, atingiu vários setores da sociedade.
O campo educacional, como os demais, também foi alcançado pelas intervenções decorrentes
da implantação do regime ditatorial e uma das consequências sofridas foi a de estancar as
mudanças progressistas em curso.
Para Anísio Teixeira, a questão da formação de professores era “problema máximo da
reconstrução educacional do Brasil” (idem). Segundo o educador, a formação docente deveria
ter em vista a realidade e a cultura regionais, considerando seus costumes e valores, como
também o ensino de orientação pragmatista69, que privilegia a formação do indivíduo, sua
inserção na sociedade e apreensão de valores para a vida, superando os preceitos do ensino
enciclopédico tradicional.
O INEP E A QUALIFICAÇÃO DO MAGISTÉRIO NO BRASIL (1950-1960)
Para Mendonça (2008), ao se analisar o sistema educacional brasileiro das décadas de
1950/60, há necessariamente, que se abordar duas entidades: o educador Anísio Teixeira, no
69A concepção pragmatista de educação baseia-se nas ideias do educador americano John Dewey e pressupõe a aprendizagem baseada na vivência de situações práticas, reais, na experiência do aluno, buscando utilizar-se de seu interesse para a formação de hábitos saudáveis de vida
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campo individual, e o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos – INEP, no campo
institucional. Tal fato se dá em virtude das ações empreendidas por Anísio, enquanto educador
e homem público, e do papel de destaque ocupado pela referida instituição como órgão gestor
e empreendedor de políticas públicas, no referido período.
O INEP foi criado em 1936, tendo por principal função divulgar, pelos diferentes
processos de difusão, os conhecimentos relativos à teoria e à prática pedagógicas.
Após sua criação, o INEP assumiu também o papel de executor de políticas públicas.
Dentre as mais marcantes destas que lhe foram imbuídas estão: a participação no
recrutamento de pessoal, a responsabilidade pelas construções escolares e as Campanhas dos
Livros Didáticos e Manuais de Ensino – Caldeme e a Campanha de Inquéritos e
Levantamentos do Ensino Médio e Elementar – CILEME.
Segundo Rotthen (2008), o INEP, desde a sua fundação, abarca funções primordiais,
como a documentação, a pesquisa e a divulgação pedagógica. Em 1952, Anísio Teixeira
assume a direção do INEP, permanecendo nesse posto até a instauração do Governo Militar,
em 1964, quando foi afastado do cargo. Seu trabalho à frente desse órgão foi tão significativo
que Rotthen (2008) o consagrou como o verdadeiro fundador do INEP.
Sua atuação não se resumiu apenas a um projeto, mas desenvolveu “um verdadeiro
programa de governo”, no qual a formação do “magistério nacional” foi designada como eixo
norteador das ações governamentais (MENDONÇA, 2007 e 2008).
Uma das suas primeiras iniciativas na direção do INEP foi a de organizar pesquisas,
possibilitando-se, assim, conhecer o real cenário educacional brasileiro. Segundo Lima
(2008), Anísio realizou uma verdadeira radiografia do sistema escolar brasileiro.
A organização dessas pesquisas ocorreu sob forma de duas campanhas – CILEME e a
– CALDEME, sendo que os dados delas provenientes serviram como indicadores para
estabelecer as estratégias para o aperfeiçoamento de professores.
Em 1955, são criados o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), no Rio
de Janeiro e os Centros Regionais de Pesquisa Educacionais, (CRPE) em Porto Alegre,
Recife, Salvador, Belo Horizonte e São Paulo. Anísio Teixeira torna o INEP em um grande
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centro de produção e formulação de políticas educacionais, baseadas nos inquéritos sobre a
realidade escolar a brasileira.
Com a fundação dos Centros Regionais de Pesquisa Educacionais - CBPE, Anísio
Teixeira inaugura a centralidade da figura do professor, cujo papel deixa ser o de transmissor
de conhecimento para tornar-se, então, um pesquisador, verdadeiro promotor da cultura local.
Para o autor, a educação mostrava-se fator decisivo para a transformação do país.
Com referência aos cursos de formação de professores apregoa a necessidade de terem alto
padrão e contarem com numerosos formadores, o que implicava a utilização de largos
recursos. Para possibilitar que este conhecimento alcançasse todo o professorado brasileiro,
seria necessário o estabelecimento de verdadeira “rede” de formação de professores.
Enquanto isso não ocorresse seria necessário munir os professores de material didático que
lhes desse o suporte pedagógico necessário para o desempenho de suas funções.
Assim, o CBPE era responsável pela elaboração e implementação de estudos e
pesquisas, tanto no campo educacional como no das ciências sociais, visando conhecer os
problemas e necessidades particulares de cada região brasileira, para planejar e estabelecer
políticas adequadas a cada setor. Essas pesquisas, também chamadas à época de inquéritos,
serviam ainda como subsídio às ações voltadas para o aperfeiçoamento de professores.
O CBPE representava o desejo de Anísio Teixeira de criar o “espírito científico” no
professorado brasileiro, sendo uma das suas funções oferecer aos professores acesso a
metodologias inovadoras de ensino, baseadas nos fundamentos científicos das ciências
sociais, com o objetivo de aperfeiçoar a prática docente.
Os CRPEs eram as instâncias responsáveis por materializar essas ações, sendo que o
seu papel era o de investigar e realizar experiências educacionais nas diferentes localidades,
utilizando as metodologias das ciências sociais e, simultaneamente, formar especialistas em
educação, na maior parte das vezes, ocupantes dos postos de direção ou superiores na
hierarquia do sistema, que aplicariam na administração do ensino as informações adquiridas
(GUIMARÃES, 2008a).
Cada CRPE possuía uma identidade adequada à região em que se inseria.
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A partir de 1957 o Centro passou a atuar em duas vertentes a de Aperfeiçoamento do
Magistério e Escolas Experimentais e a de Documentação e Informação Pedagógica, o que
tornou o trabalho mais dinâmico.
Na estrutura do INEP, a Divisão de Aperfeiçoamento do Magistério - DAM era a
executora das ações para o magistério e, juntamente com o CBPE, mediante de parcerias com
as secretarias de educação e órgãos internacionais, ofereciam a docentes e supervisores de
todo o país cursos de formação, estudos sobre programas de ensino primário, publicação de
guias de ensino e material de apoio para o professorado. Esses cursos contavam com
professores bolsistas que se deslocavam de suas regiões para os CRPE e para o CBPE com o
intuito de adquirirem conhecimentos especializados em determinada temática (LIMA, 2008).
Autores como Mendonça (2007 e 2008), Xavier (2008), Rotthen (2008), Breglia e
Lima (2008) e Guimarães (2008a e 2008b) são enfáticos em afirmarem a importância do
CBPE e CRPE no cenário educacional brasileiro, no que se refere à qualificação de
professores. Sua contribuição fundamental nesse setor se deu por meio da promoção de
cursos, estágios e seminários de atualização e aperfeiçoamento do magistério primário e
normal.
Estudo sobre a formação de professores no período de 1950-1960 aponta para o
considerável investimento no processo de formação docente, seja em relação à infraestrutura
material, como acomodação para os professores bolsistas e criação de escolas experimentais,
bem como para a infraestrutura pedagógica, com a estruturação dos cursos, corpo docente
com competência técnica, sistema avaliativo e metodologias apropriadas, numa evidência de
que “a política do INEP à época tinha na formação de professores um foco privilegiado”
(Breglia e Lima, 2008, p.185).
Em análise desenvolvida sobre o tema, Guimarães (2008b) pontua que, as ações do
CBPR e dos CRPE, em seus dez anos de atuação, possibilitaram o conhecimento de modo
profundo da cultura e da sociedade brasileira, como também permitiram a compreensão dos
fatos educacionais brasileiros, em seu conjunto e em cada região.
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A EDUCAÇÃO INOVADORA E OS PROFESSORES DE BRASÍLIA
Estudos dos diferentes autores, mostram o papel fundamental exercido pelo INEP, nas
décadas 1950-1960, na qualificação do magistério nacional. É nesse período que Brasília
emerge como projeto-síntese do programa desenvolvimentista do governo de Juscelino
Kubitschek. Modelo de cidade moderna, arrojada, monumental, foi concebida pelos mais
renomados profissionais das diversas áreas. A educação da nova Capital, também
vanguardista, decorreu de proposta formulada por Anísio Teixeira, com o propósito de servir
de exemplo para o restante do país.
No período em que é planejada a mudança da capital brasileira, Anísio ocupava o
cargo de Presidente do INEP e, de forma coerente com os ideais há muito acalentados,
ensejava estabelecer transformações na educação brasileira de maneira que esta estivesse em
sintonia com o Estado democrático moderno. Afirmava o educador que seria necessário
empreender uma revolução educacional, modificando-se as bases em que esta se instituía. Na
sua concepção, a escola não se destinava apenas a reproduzir a sociedade na qual se inseria,
mas a sobrelevá-la a um patamar superior ao existente (TEIXEIRA, 1962). Nesse sentido
vaticinava que: “nenhum outro dever é maior do que o da reconstrução educacional” (idem,
1963, p. 132), e, para isso, ressaltava a urgente necessidade em se traçar os rumos para que
essa reconstrução acontecesse.
As ações do INEP desenvolveram-se na perspectiva de transformação educacional e de
busca pela constituição de um novo magistério, que contribuísse para as mudanças necessárias
ao avanço da nação. Por meio dos seus órgãos executores, o CBPE, os CRPE e a DAM, foram
empreendidos esforços a fim de qualificar e atualizar o professorado brasileiro. Todavia, não
sendo possível em face dos recursos financeiros disponíveis e da falta de pessoal habilitado
para capacitar todos os professores, optou-se, naquele momento, por se estabelecer uma
estrutura de qualificação em forma de rede, cuja capilaridade permitiria a replicação dessa
qualificação aos demais docentes.
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Deliberou-se, ainda, que se iniciaria o processo de qualificação pelos professores do
ensino primário, sendo, para tanto, instalados centros de demonstração em várias regiões do
país (PEREIRA e ROCHA, 2011). Em consonância com essa proposta, foi criado o Centro
Carneiro Ribeiro, na Bahia, a primeira experiência de centro de demonstração do ensino
primário no Brasil. Em discurso proferido por ocasião da inauguração desse Centro, Anísio
Teixeira pleiteia a escola primária com dia letivo integral, cujo currículo seria composto por
leitura, aritmética e escrita, ciências físicas e sociais, artes industriais, desenho e música
possibilitando preparar a criança para inserir-se na “civilização técnica e industrial, tão difícil
e complexa por estar em mutação permanente” (TEIXEIRA, 1959, s/n).
É possível dimensionar a importância de que o Centro Carneiro Ribeiro se revestiu no
cenário educacional brasileiro, segundo comenta Anísio Teixeira:
[...] Caso o permitam as circunstâncias, a experiência em desenvolvimento emSalvador, Bahia, poderá constituir o passo inicial de um esforço que não seja apenasum remédio circunstancial, mas a própria solução do problema de educação primáriacomum do Brasil, ou seja, a necessária mudança estrutural da escola primária, paraatender aos objetivos da sociedade nova que o desenvolvimento econômicoacelerado virá inevitavelmente trazer, e que, só por meio do agente catalítico dêssenovo tipo de educação, deixará de ser uma convulsão para ser uma solução (idem,1962, p.9).
Nessa experiência buscou-se estipular um novo parâmetro para a educação primária,
alvo de críticas pelo educador, principalmente quanto ao seu caráter seletivo, a que chamou de
“escola para poucos”, pontuando que esta não era democrática, ou seja, que beneficiava
justamente aqueles que menos necessitavam, sendo que aos alunos desfavorecidos restava a
reprovação e a exclusão decorrentes da inadequação e incapacidade da escola em atender às
demandas das camadas mais pobres da população (idem. p. 1).
Desse modo, com a criação do Centro Carneiro Ribeiro, Anísio Teixeira personificou o
que considerava um modelo apropriado de escola primária, implantando uma escola que não
era meramente de instrução, mas que oferecia à criança “oportunidades completas de vida,
com nôvo currículo, nôvo programa e nôvo professor”. Nesse centro, o dia letivo era
composto por dois períodos, um de estudos em classe e outro de trabalho, educação física,
atividades sociais e atividades artísticas, visando oferecer ao aluno “um retrato da vida em
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sociedade”, por meio de atividades diversificadas, que lhe proporcionasse experiências de
estudo e também de “fruição dos bens do espírito” (idem, p. 3 e 4).
Quando Anísio é convidado a formular o projeto educacional para Brasília, vê, então, a
oportunidade de implantar, em sua integridade, um novo sistema educacional, alicerçado no
ideário que defendeu ao longo de sua vida pública. Para tanto, contava com o apoio do
governo brasileiro, já que havia abertura para que a cidade proporcionasse espaço para se
experimentar novas ideias, e, assim, estariam asseguradas as condições financeiras e
assistência técnica especializada para sua concretização. Além disso, tratando-se de uma
cidade planejada e em fase inicial de construção, havia disponibilidade de espaços físicos
adequados para a construção de um novo tipo de instituição escolar.
No Plano de Construções Escolares de Brasília (TEIXEIRA, 1961) Anísio traça em
linhas gerais a estrutura para o Sistema Educacional da nova Capital que abrange desde o
jardim de infância à universidade.
No que tange ao ensino elementar, Anísio retoma a ideia de Escola Parque e Escolas
Classe, constituídas como núcleo da proposta do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, citado
anteriormente. Brasília erguia-se como “cidade laboratório” em que a “escola – laboratório”,
projetada por Anísio Teixeira, poderia instalar-se na sua plenitude. (MENDONÇA, in:
PEREIRA, 2011, p. 15).
Assim, simultaneamente ao nascimento da Nova Capital, surgem as primeiras escolas
nos moldes propostos no Plano de Construções Escolares de Brasília. Configura-se um
sistema de educação inovador, pautado na formação integral e integradora do cidadão
brasiliense. À organização ampliada das escolas primárias, que Anísio denominou Centros de
Educação Elementar, compreendia jardins de infância, escolas classe e escolas parque,
destinadas a múltiplas funções educativas.
A proposta delineada por Anísio seguia os princípios da filosofia pragmatista, de
origem deweyana. Conforme apontam Pereira e Rocha (2011) Anísio preferia utilizar a
expressão “escola progressiva”, como referência à escola inserida em uma sociedade em
constante mudança.
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A nova escola, segundo Anísio, tem por desígnios educacionais “preparar o homem
para indagar e resolver por si seus problemas; construir a escola, não como preparação para
um futuro conhecido, mas para um futuro rigorosamente imprevisível” (Teixeira, 2007, p. 40,
apud Pereira et al., 2011, p. 50). Nesse sentido, observa o autor que a escola tradicional, com
sua ênfase no ensino, na transmissão e reprodução do conhecimento, já não consegue atender
às necessidades impostas pela sociedade moderna. Nessa perspectiva, cabe à escola formar
um novo homem, que possa buscar o conhecimento por meio da investigação, da apropriação
das inovações da ciência e, sobretudo, do estímulo à capacidade de resolver os seus próprios
problemas.
As exigências com o nível de formação docente, ainda no período de construção de
Brasília não se deram ao acaso, já que havia particular interesse em que a nova Capital
abrigasse um modelo de educação consonante com os ideais cosmopolitas que se
vislumbravam para a cidade. Assim, procurou-se estabelecer um padrão elevado para o
magistério.
A princípio, o recrutamento das candidatas deu-se mediante a busca de professoras
entre as esposas e familiares de engenheiros que vieram participar da construção de Brasília70,
conforme relatado por Silva (2010b), em seguida inicia-se a busca por professoras na
circunvizinhança da nova Capital, por meio de informações junto às escolas normais dessas
cidades. Procurava-se pelas normalistas que houvessem se destacado pelo seu desempenho no
curso, o que, provavelmente, lhes permitiria uma atuação notável. Estas eram convidadas a
participar da seleção para o magistério na nova Capital71. A elas vieram somar educadoras
provenientes de várias regiões do país, constituindo um grupo representativo da diversidade
brasileira. Para os primeiros quadros de professores houve um rigoroso processo de seleção,
sendo exigida a formação mínima de normalista para o ingresso no sistema educacional.
Conforme descreve Pereira (2011), “tratava-se de um concurso com base em critérios que
70De acordo com Silva (2010a), o Dr. Ernesto Silva procurou junto aos funcionários da parte administrativa quem conhecia uma professora formada, normalista, que pudesse atender as crianças.
71Informação obtida oralmente, pela autora, junto à professora pioneira, Olinda Rocha Lobo.
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compreendiam titulação, entrevista e prova prática, cujo rigor resultava numa taxa de
reprovação na ordem de 40% dos candidatos ao magistério” ( p. 150).
Ladeada a exigência de formação inicial do professorado, havia também preocupação
no sentido de assegurar que os docentes estivessem aptos a desenvolverem as suas atividades
pedagógicas de forma compatível com a proposta formulada para a educação brasiliense,
cujos princípios, baseados na filosofia da escola nova, previam uma nova postura e preparo de
seus professores.
Ainda no período de construção foi inaugurada a primeira escola pública do Distrito
Federal, na Candangolândia72, nomeada Grupo Escolar 1 que teve o seu nome posteriormente
modificado para Escola Júlia Kubitschek, em homenagem à mãe do Presidente da República.
Essa escola constituiu-se no embrião da experiência da educação inovadora implantada na
nova Capital, em termos de organização escolar e de prática pedagógica. A estrutura física da
escola, construída em madeira, foi planejada de modo a proporcionar aos alunos atividades
diversificadas, que rompiam com o modelo escolar tradicional existente à época. É possível
perceber no planejamento e constituição da Escola Júlia Kubitschek a conformidade com as
ideias de Anísio Teixeira (Pereira e Henriques, 2011).
As fontes documentais consultadas e a produção acadêmica sobre o sistema
educacional implantado na capital Federal73 mostram que, ainda no período de construção da
cidade, os docentes em exercício foram inseridos na pauta de formação do INEP. Assim, a
Escola Júlia Kubitschek passou a receber a orientação técnica do INEP e as suas professoras
realizaram um estágio de quinze dias em Salvador, com a finalidade de conhecer o
funcionamento das escolas classe e escola parque implantadas naquela cidade, uma vez que o
sistema escolar de Brasília seguiria a mesma filosofia de educação que as sustentavam.
72Acampamento formado pelos primeiros moradores de Brasília, onde se localizava a NOVACAP, instituição responsável pela construção da Capital federal.
73Foram utilizadas dentre outras, as fontes do acervo do grupo de pesquisa “Educação básica pública do Distrito Federal (1956-1964): origens de um projeto inovador” .
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Constam informações de que professoras pioneiras participaram também de cursos,
seminários e outros eventos, via de regra, promovidos pelo INEP, visando capacitá-las para o
desempenho das funções requeridas para a implantação do plano educacional elaborado por
Anísio Teixeira. Com os processos de qualificação então adotados pretendia-se a constituição
de uma nova postura pedagógica do professorado, condizente com os pressupostos almejados
para o sistema de ensino da Capital.
Face aos estudos realizados e as informações obtidas mediante o acesso preliminar a
depoimentos de professores que atuaram nos primeiros anos da nova Capital do País74, é
possível perceber indícios de que havia preocupação e zelo em buscar uma formação que
possibilitasse o exercício docente atualizado e de qualidade.
Espera-se que, por meio da pesquisa em pauta, aprofundar o conhecimento sobre as
políticas, as estratégias e os processos de aperfeiçoamento do magistério adotados na nova
Capital, considerando, especialmente, a importância atribuída à qualificação dos professores
para a reestruturação educacional proposta no Plano de Construções Escolares de Brasília –
que se configurou como oportunidade sem precedentes para a concretização de uma prática
educativa alicerçada nos princípios de renovação educacional no Brasil, e, assim, oferecer
novos elementos para desvelar o sentido e o significado dessa formação.
METODOLOGIA
Em face da natureza da pesquisa e do caráter histórico de que se reveste, optou-se por
realizá-la com base nos pressupostos teórico-metodológicos da nova história. Enquanto na
perspectiva tradicional, a pesquisa histórica estrutura-se a partir de eventos, comemorações e
personalidades, essa nova concepção revela-nos, sobretudo, o sentimento de duração, nas
comunidades e nos indivíduos, daquilo que muda e do que permanece – a própria percepção
da história (LE GOFF, 1986).
74Tratam-se de depoimentos colhidos, transcritos e organizados pelo grupo de pesquisa citado na nota anterior.
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As representações que se fazem acerca de determinada circunstância são diferentes
conforme as sociedades e a época, pois são baseadas na cultura e na visão de mundo dos
sujeitos que vivenciam o acontecimento. Daí, a importância de, ao se contextualizar os fatos,
“ter fixado com precisão o momento na curva dos destinos”, pois, “nunca um fenômeno
histórico se explica plenamente fora do seu momento” (BLOCH, 2008, p. 90 e 94). Importa
ressaltar que a nova história é concebida como “uma história-problema e não somente uma
história descritiva” (idem, p. 80). Assim, problematizar, relacionar, estabelecer vínculos é o
papel do historiador. Diferentemente da abordagem positivista, para a qual o investigador
deve ser neutro e sua ação, quase dispensável, deixando que os fatos falem por si só, a nova
concepção requer “uma análise dos sistemas históricos, que contribuem para explicar seu
funcionamento” ( idem, p.79).
Nessa ótica, Meksenas (2002) e Vieira (2002) afirmam que a escolha do método não é
arbitrária, ela resulta da relação entre a postura teórica do investigador e o objeto pesquisado,
assim como se encontra presente na seleção dos dados. Isso porque a ciência e a pesquisa- tal
qual a educação não são espaços neutros, mas estão atreladas às convicções e escolhas
políticas e éticas, tanto do pesquisador como do educador. Da mesma forma, a escolha dos
procedimentos metodológicos de uma pesquisa também não se faz ao acaso. Sendo que o
objeto de estudo é o principal responsável pela determinação dos percursos a serem trilhados
na investigação.
Assim, na pesquisa histórica em pauta buscar-se-á recorrer a fontes, de naturezas e
tipologias diversas, com a intenção de recompor ou de tecer, qual um tecelão recorre à
variedade de fios para compor seu tecido, a realidade da formação em serviço dos professores
à época da construção da nova Capital brasileira, e, dessa forma, elucidar aspectos ainda
pouco conhecidos da história da educação de Brasília. Para isso, pretende-se recorrer aos
seguintes procedimentos metodológicos: pesquisa bibliográfica, pesquisa documental e
história oral. Importa esclarecer que a busca do passado mediante a utilização de relatos de
memórias de professores pode possibilitar a reconstituição dos fatos históricos por seus
protagonistas.
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A interpretação dos dados dar-se-á a partir da leitura e organização das informações
oriundas das fontes. Saliente-se que, segundo Pimentel (2001), para se organizar o material de
uma pesquisa deve-se proceder à leitura de acordo com critérios de análise do seu conteúdo, o
qual comporta técnicas, como fichamento, levantamento quantitativo e qualitativo de
vocábulos e temas recorrentes e o estabelecimento de códigos para facilitar o seu manejo e
acompanhamento.
Pretende-se ordenar os dados coletados sob forma de fichas de leitura e elaboração de
quadros nos quais serão registrados aspectos relevantes obtidos por meio dos relatos dos
docentes e nos demais documentos a serem investigados, a fim de possibilitar uma visão
panorâmica das informações levantadas.
Inicialmente, serão analisados os depoimentos dos professores pioneiros, com o
propósito de reunir indícios relativos à participação de cada docente em atividades de
formação. Em seguida, pretende-se estabelecer diálogo entre esses dados e os oriundos de
outras fontes documentais analisadas.
Em se tratando de dados qualitativos, sua organização e interpretação envolverão um
processo complexo de análise sistemática, a fim de permitir uma descrição coerente, bem
como promover a sua articulação com os referenciais teóricos e os pressupostos que norteiam
a pesquisa. Serão agregadas as evidências descobertas ao longo da investigação, a fim de
compor um quadro teórico consistente, que enseje aproximação com os questionamentos
apresentados.
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