Quarta-feira • 10/6/1992
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A TARDE
Bahia mostra arte na Río-92 Carlos Ribeiro
Rio — Nada mais surpreende na salada ecológica que se lornou a Rio-92. Aqui, monges budistas dançam tranquilamente com máes-de-santo sorridentes: índios de cinco continentes (você sabia que existem índios no Japão?} oram pela salvação da humanidade com franciscanos e hare knshnas; dona Leda Collor pede ao Dalai Lama juízo para seu filho Pedrinho; Shiriey MacLaine, de mãos dadas com Pele, é agarrada pelo beijoqueiro, enquanto todos aguardam do Grande Cacique Cara Pálida, da tribo do Tio Sam, um recuo na sua decisão de se tornar o dono do mundo e senhor absoluto das inúmeras formas de vida que pululam silenciosamente nas cobiçadas florestas da Amazónia.
Enquanto nas manchetes da mídia, um "bon sauvage" é acusado de estupro, uma princesa encantada de ler lentado (várias vezes!) o suicídio, e de um príncipe valente eslar metido alé o pescoço em negócios escusos, aqui tudo acontece naturalmente, diante dos olhos multicoloridos dos habilanles desle planeta chamado Rio.
É nesle palco pós-moderno (pré-apocalíplico?) que cerca de 200 artislas baianos moslram, através da música, do leatro, da dança, das artes plásticas, da fotografia, do vídeo e do circo, enlre outras expressões da nossa cultura, o que é que a Bahia tem. Isto sem falar, é claro, nas per
formances, no mínimo surpreendentes, como a do arlista pláslico Almandrade. que. subitamente tomado pelo espirito ecológico reinante, promele uma tempestade de fósforos queimados sobre a Baía de Guanabara. "A tempestade de fósforos deverá durar cerca de 15 minutos", diz ele gravemente, acrescentando que. pela sua magnitude, o acontecimento certamente irá empanar o brilho da chegada de Bush, atraindo as atenções do mundo para algo, sem dúvida, muito mais importante do que a simples presença de um presidente americano,
PARQUE DAS ÁRVORES QUEIMADAS
O Parque das Árvores Queimadas, um projeto da Cabinda (Casa Baiana para Integração Cullural Latlno-Americana) é o carro-chefe das atividades culturais da Bahia na Rio-92 — uma ponta-de-lança que atinge direlamente o centro do Rio de Janeiro, mais precisamente os
3.800m2 do Palácio da Cullura Guslavo Capanema, na Cinelândia. Até odia 12, alise apresentarão Elomar, Xangai, Vai Macambira, Décio Marques. Fábio Paes, Cida Lobo, Sérgio Otanazetra, Carlinhos Cor das Águas e a alriz Andréa Elia, além de grupos folclóricos e bandas musicais como o Zambiapunga (de Nilo Peçanha), a Academia de Capoeira Angola Pelourinho, a Companhia Clic 9 a Banda Olodum Mirim, acrescentando ao verde da cidade os ritmos quentes do reggae, do rock, dos repentes e afoxés, do jazz e das cantorias.
O projeto conta com o apoio da Fundação Cullural do Estado da Bahia, Fundação Gregório de Mattos e Prefeitura Municipal de Cachoeira e é uma iniciativa do artista plástico e cineasta Zenildo Barreto, que define o Parque das Árvores Queimadas "como um espaço publico no qual palélicas esculturas esculpidas pelo fogo (espectros de árvores queimadas), recolhidas de diferentes regiões do País, são expostas em sua trisle e crua beleza". Aos troncos enegrecidos sáo acrescidos os espetáculos musicais, teatrais etc, além de um grande número de obras (pinturas, esculturas, artesanato, máscaras e fotos, entre outros). O Parque das Árvores Queimadas já foi exposto várias vezes em Salvador, em cidades do interior da Bahia e no Xapuri, no Acre, duranle o julgamento dos assassinos de Chico Mendes.
Projeto Papel da Gente Nas artes plásticas, a Bahia anti
ga eslá representada, na programação cultural da Rlo-92, pelas obras expostas na exposição Pelourinho via Brasil — Arte e Vida do Centro Histórico de Salvador. Ali, o artesanato, a pintura e a escultura de artistas como Scl-Bahia, Góia Lopes, Licia Bastos, J. Cunha e Ubiraci Tibi-riçá disputam a atençáo do público, que lota diariamenle o pátio externo do Palácio da Cultura. Apresentado já em Brasília, Curitiba e Rio, o projeto itinerante já tem data marcada em Ouro Preto. Beio Horizonte, Salvador e Senegal, de onde retornará ao Brasil, percorrendo Manaus, Recife e Porto Alegre. A exposição é valorizada ainda pelas fotos do etnólogo Pierre Verger, retratando o cotidiano de Salvador nos anos 40 6 50.
Um outro público que aflui diaria
mente para o Parque das Arvores Queimadas é o de esludantes de 1? e 2? graus. Para este público, a atividade prática e educativa desenvolvida na Oficina de Papel Reciclado — Projeto Papel da Geníe, levado à Rio-92 pela Umpurfa e coordenado pela artista pláslica Maria Luedy, é a maior atrar.âo em uma programação, na quoi a arte é entendida pela sua função transformadora. Transformar o papel usado, reciclando-o, num produto útil à comunidade, é também uma forma de dizer não a uma sociedade de consumo e desperdício. Uma forma real de participação e de conscientiza-ção.
Após sete dias de viagem no Ver de Trem. com a realização de oficinas em cada cidade onde parava, sempre com "vagões lotados", o
Eacuituras e outros trabalhos completam a exposição no Rio
Projeto Papel da Gente aterrissou no Rio com o objetivo de divulgar um trabalho importante, que é realizado há dois anos em Salvador. "A oficina na Limpurb é hoje uma fábrica com 13 empregados que produz envelopes de vários tamanhos, cadernos, cartões de visita e oulros objetos para a própria empresa, utilizando papel de computador, papel-of ício, caixas de ovos, além de fibras de bananeiras e sisal, dentre outros", diz Maria Luedy. Para ela, a participação na Rio-92 é uma oportunidade importante de divulgar esse trabalho e, quem sabe, contribuir para a conscienlização de que a militância ecológica deve ser feila, sobretudo com a realização de atividades práticas. "Nós apostamos no trabalho educativo feito junto ás crianças e adolescentes".
Escola de circo chama a atenção dos visitantes Dentre as diversas atrações culturais da Bahia na Rio-92, uma tocou de forma especial a sensibilidade do público presente, pela grande carga de ludicidade, graça e alegria. A Escola Pícolino de Artes do Circo foi um acontecimento marcante para as pessoas de diversas nacionalidades que lotaram a tenda número 6 (O Fórum do Futuro), no Aterro do Flamengo, e o Palácio da Cultura Guslavo Capanema, Em espetáculos nos quais se incluem apresentações de trapézio, malabarismo, ciclismo e palhaços, com doses equilibradas de humor e suspense, a Escola Picolino chamou a atenção da imprensa internacional, a ponto de receber visitas, no local onde estavam hospedados, em Petrópolis, de jornalislas americanos e ingleses, interessados em mais informações sobre o grupo. "Nós recebemos inclusive o convite de uma autoridade do Canadá para nos apresentarmos naquele pafs", diz Anselmo Serrat, criador e instrulor da escola,
A função social do grupo, que trabalha também com crianças de rua (conta com 100 alunos alualmente), além dos da escola particular, através de um convénio com o Projeto Axé, é ressaltada por Anselmo, que identifica como alguns dos efeilos positivos nas crianças o desenvolvimento da ' w v . y i t . ^ v i , da .^opunsabilidade, do sentimento de conjunto e da participação coleliva na realização de um objetivo comum.
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As árvores queimadas na Cinelândia: palco para a atuaçáo dos artistas baianos
Trabalho de Shlgeo Fukuda, do Japão Cartaz do finlandês Junka Veistola: opção
Cartazes sobre o meio ambiente estão no MAB
Fernando Queiroz
Enquanto isso, no Museu de Arte da Bahia, na Vitória, estão em exposição até domingo cópias dos mesmos 30 Cartazes para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, feitos por vários dos melhores designers, do mundo, a pedido do Centro de Promoção Design Rio, para serem vistos num programa paralelo às atividades da Rio-92, no Museu de Arte Moderna. A intenção de ampliar o evento em mostras concomitantes em várias capitais, incluindo Salvador, foi oportuna. Faltou, no entanto, mais divulgação.
Sylvia Alhaide, a diretora do museu, justifica pelo atraso no envio dos cartazes — que chegaram em cima da hora — e pela falta de informações sobre os autores e os respectivos trabalhos. Uma pena, porque a exposição poderia atrair um número de visitantes bem maior. Ainda mais porque, ao lado dos cartazes, podem ser vistos óleos sobre telas onde a natureza pontifica na visão de artistas europeus (vários, desconhecidos) e brasileiros, desde o século 18, Há. por exemplo, uma interessante alegoria que poder ia ser chamada de "Kitsch", de José Teófilo de Jesus (1758-1847) sobre os quatro continentes, paisagens locais captadas por Mendonça Filho (1894-1964), e quadros
de Presciliano com influências impressionistas.
Mas, voltando aos cartazes. Há alguns de grande impacto, com uma elaboração bem pensada de conjunção de signos — enfim, a essência dos gra-phicctes/pn —outros que poderiam ser situados no limite do lugar-comum, uns suaves, outros agressivos. Desse lugar-comum escapa, por exemplo, o representante do Zimbawe, Chaz Maviyane-Davies. que partiu da mais recorrente simbologia — a Terra como a mãe universal — para construir uma pequena obra de apuro estético e grande penetração. Em tons sépia, ele misturou, com o auxílio de um computador, fotografias de uma mae segurando um bebé, um tronco de árvore e pinturas rupesties. O resultado chama imediatamente a atenção.
Já o finlandês Junka Veistola, com pleno domínio da técnica do design, fez uso do humor para dar seu recado a crianças e adullos, de comunicação também imediata. Seu cartaz pode ser visto em duas posições. Voeé decide: a harmonia, ou a catástrofe ecológica? A Terra, no centro do cartaz, responde com um sorriso bonachão ou com uma zanga infernal. O húngaro Istévan Orosz fez um trabalho Ião singelo quanto detalhista. Colheu da Natureza insetos de vida
efémera e plantas ameaçadas pela poluição, em figuras que se transformam em letras numa frase de apelo ã vida.
Cinco artistas gráficos representam o Brasil, mas curiosamente Ziraldo não está enlre eles: Guto Lacaz. Sérgio Liuzzi. — sólido e cerebral — Mirar. Rafic Farah e Rico Lins. Radicado em Nova Iorque, de fama internacional, Lins fez um carlaz agressivo, mas partiu de uma simbologia gasta — a serpente do mal. sendo o globo terrestre a maçã. Há quem não goste. Shlgeo Fukuda, o mais importante artista gráfico do Japão (numa terra em que Impera a linguagem visual) comparece com um elo vertical de braços e máos brancas formando um corpo sobre fundo vermelho. O inglês Neville Brody, criador da célebre revista The Face. lambem eslá na mostra. Os dois estiveram no Rio, semana passada. Brody, que achou o Rio "uma bagunça visual", chamou Tóquio de "maior expoente dessa poluição". Fukuda res-sentiu-se e disse que faltou entendimento da cultura japonesa. Mas o inglês, sem dúvida, acertou ao diagnosticar a causa da poluição do mundo: "A ganância".
Em tempo: Sylvia Alhaide promele para a segunda melade de julho o retorno desta exposição.
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