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Srgio Nazar David
Tercetos queimados
Mquina de escrever
Vivi numa estao sem chuva e sem estio.Os vendavais mais puros sabiam-meno corpo a distantes acontecimentos:
eram noites de gigantes que a um meninono convinham. Eu era impuro mesmo quando,meio bbado, meio santo, guardava
o pouco que tinha numa noz secreta e mida. minha mquina de escrever branquinha, meu amor mais infame, quanto de teu sal
so lgrimas, so mar, so a seiva aindaa me embalar! Nada me faz mais felizque o tique-taque dos teus braos dentro
dos flocos do travesseiro ditando-me o futuro.Meu pai viu-me debulhar o alfabetonas molas do meu crebro infantil.
Tudo que fez na vida resumir-se-ia nisto:dar-me a mquina Remington porttile contrafeito reconciliar-se comigo.
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Amor
Vou construir um aquriopara que venhas bebericar peixesenquanto durmodentro do teu corpo de pomboda madrugada. Hoje refiz o trajeto daquelafria e leda madrugada.Primeiro cortei-te sem que acordasses,depois fiquei esperando que renascessesmeu filho amado.
O filho que terei se banhar de sanguesem morrer jovem. Com as mospego-o como um paideve pegar um filho: brando e solitrioem sua concha platnica.
Treme assim s o passarinhopela primeira vezseguropor umamo de homem.
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Natureza morta
Escreves-me em rascunhoverso atpico de rapazpreso s iguarias do futuro.Vamos um dia comer juntosos pratos mineira, no agora,decerto j num vago outubro.Quando os mitos estiveremdestingidos, talvez possa enfimdizer do amor que tive e cubronestes versos. Amar nadaensina. um breve fruto,sombra pretrita do paique nomeamos um no outro,estigma de Caim nos nossos rostos.
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ltimo desejo
Quando eu morrernada de cinzas numa rua de Lisboa,nada de sumir-se o corpo
como gua como nada como rionum vale. Escrevam apenas meu nomeao lado do de meu pai:
que fique o corpo a perder-sena areia no sonho no surdo vazioda cova. Quando eu morrer
ponham-me entre quatro tbuas.Quero a solidode mergulhar na terra
a bordo de um navio.Aqui se vive bem, e at faz menos frio.
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