QUESTÃO AGRÁRIA E A LUTA PELA TERRA: um olhar sobre a gênese do MST no Maranhão
Arleane Débora dos Santos Gonçalves1
Aylana Cristina Rabelo Silva2
RESUMO: Nesta abordagem, atentamos para os processos de acirramento da questão agrária no Brasil e Maranhão, bem como a necessidade de instâncias organizativas que travam suas lutas em prol da minimização das consequências desse acirramento. Evidenciamos a gênese e formas organizativas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST, enquanto expressivo movimento social e político na contemporaneidade. O processo de construção realizou-se por meio de levantamento e revisão de literatura, considerando a importância das reflexões que almejem a relação em tela, a fim de opulentar o debate e a produção teórica. Palavras-chave: Questão agrária. Luta pela terra. MST
ABSTRACT: In This approach, we pay attention to the processes of aggravation of the agrarian issue in Brazil and Maranhão, as well as the need for organizing bodies that fight their struggles in order to minimize the consequences of this worsening. We Evidenced The Genesis and organizational forms of the Landless Rural Workers Movement-MST, as a significant social and political movement in contemporaneity. The construction process was carried out by means of a literature survey and review, considering the importance of the reflections that aim at the screen relationship, in order to opule the debate and theoretical production. Keywords: Agrarian issue. Fight for the land. MST
1 INTRODUÇÃO
A presente proposta intitulada “Questão agrária e a luta pela terra: um olhar sobre a
gênese do MST no Maranhão”elege como objeto de estudo as particularidades da questão
1Assistente social (Universidade Federal do Maranhão – UFMA). Pós- Graduanda Lato Sensu. Programa de Residência Multiprofissional em Saúde. Empresa Maranhense de Serviços Hospitalares - EMSERH. E-mail: [email protected]. 2Assistente social (Universidade Federal do Maranhão – UFMA). Pós- Graduanda Stricto Sensu. Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Sociespacial e Regional. Universidade Estadual do Maranhão – UEMA. E-mail: [email protected].
agrária no cenário nacional e maranhense, assim como as estratégias de luta e resistência
que objetivaram o acesso e permanência na terra, com ênfase para a gênese e formas de
organização do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST.
O processo de construção deste trabalho realizou-se por meio de levantamento
e revisão de literatura através de livros, artigos e dissertações, como importante fase da
averiguação, com objetivo de explorar e refletir os imprescindíveis subsídios teóricos,
tornando-se mecanismo essencial a esta elaboração. Como base teórico-metodológica
utilizamos o materialismo histórico dialético, por considerar o movimento contraditório da
dinâmica social, inclusive como fruto de uma construção histórico-social, que possui como
“mola propulsora” a dialética.
Ao nos aproximarmos do estudo da questão agrária no Maranhão podemos
perceber dilemas históricos como a demasiada concentração fundiária e avanço do
agronegócio. Além dos conflitos violentos que marcam a história, seja com a grilagem que
tão bem caracteriza as décadas de 1960 e 1970, seja na atualidade com os investimentos
do capital estrangeiro e o discurso ideológico do “desenvolvimento.
Contudo, podemos perceber que há diversas formas de resistência a esse sistema,
afinal são muitos os esforços de denúncia e de fazer com que a sociedade como um todo
visualize as expressões da questão social3 oriundas da concentração fundiária. Entre as
instituições que possuem tais esforços está o MST, que se caracteriza enquanto um
movimento que além de possuir um rol de ações voltadas para o compromisso com a classe
trabalhadora rural, possui como horizonte uma transformação do modo de produção
hegemônico.
Desse modo, o trabalho contém, além desta introdução, os seguintes pontos: A
dinâmica da questão agrária no Maranhão: Algumas considerações e a luta pela terra: um
olhar sobre a gênese do MST no Maranhão
2 A dinâmica da questão agrária no Maranhão: algumas considerações
Neste item abordamos aspectos sobre a questão agrária, entendendo-a como uma
categoria histórica, apontando alguns elementos que a caracterizam na realidade brasileira
e, particularmente maranhense.
3 [...] considerada em suas expressões no contexto da sociedade capitalista, como produto das contradições engendradas historicamente pelas relações capital versus trabalho, que se expressam no conjunto dos problemas sociais, econômicos e políticos e nas formas de intervenção do Estado e da sociedade civil sobre os mesmos.
Sendo a realidade agrária um universo de inúmeras questões, passíveis de
análises e interpretações multifacetadas, optamos por destacar alguns elementos que
permitam a compreensão da relação dos impactos sociais no âmbito do campo, através de
fenômenos como a “industrialização” da agricultura, as relações de produção no campo e a
concentração fundiária, tudo isso base para entender as relações sociais estabelecidas no
campo.
Sob este ângulo o entendimento da questão agrária deve ser considerado
indissociável da categoria agricultura, ao levarmos em consideração que “O caráter político-
econômico adquirido pela categoria agricultura deu-lhe uma dimensão mais ampla, fazendo-
a assumir a forma de questão agrária [...]” (AZAR, 2009, p. 2). No que concerne à referida
categoria observamos que esta não pode ser compreendida apenas como um evento único
existente no plano objetivo, “[...] o termo agricultura não esclarece em si o teor histórico e
político nele embutido, nem revela um fenômeno desprovido de conflitos [...]” (AZAR, 2009,
p. 2). E, um dos conflitos efetivos é a oposição existente entre os dois padrões da sua
produção, a força de trabalho familiar camponesa e o empresariado.
A força de trabalho familiar camponesa4 caracteriza-se pelo “[...] trabalho com mão
de obra familiar em pequenas áreas de terra, com cultivos diversificados para subsistência,
atendendo com o seu excedente o mercado interno [...]” (Id.Ibid) Ou seja, podemos
considerar o camponês como aquele que retira tudo da terra para sua subsistência, com
uma integração parcial ao mercado.
Oposta à produção camponesa tem-se a agricultura empresarial, que pode ser
entendida como consequência da difusão massiva do capital no campo, onde a expansão
da produção capitalista se concretiza a partir do processo de industrialização da agricultura.
As principais características dessa forma de produção agrícola são os monocultivos,
grandes extensões de terra (latifúndio) e uma produção voltada para a comercialização-
exportação, e, ainda, o emprego de tecnologias que reduzem a força de trabalho.
Características estas que remontam aos primórdios da história do Brasil, aos
embriões da constituição da questão agrária, logo quando os lusitanos fracionaram as
nossas terras e organizaram uma produção para exportação. Por conseguinte, as bases da
formação da estrutura fundiária nos reportam ao processo de formação dessa sociedade,
quando predominava os latifúndios, a utilização da força de trabalho escrava, o uso de
grandes extensões de terra e a produção de monocultivos para o mercado externo.
4 Compreendemos como unidade produtiva camponesa o núcleo dedicado a uma produção agrícola e artesanal autônoma que, apoiado essencialmente na força e na divisão familiar do trabalho, orienta sua produção, por um lado, à satisfação das necessidades familiares de subsistência e, por outro, mercantiliza parte da produção a fim de obter recursos monetários necessários para a compra de produtos e serviços que não produz; ao pagamento de impostos etc. (MAESTRI, 2005, p. 219).
Nesse contexto houve a decretação da Lei 601, datada de 1850, também chamada
de Lei de Terras, consequência do aumento populacional e surgimento dos posseiros, e que
constituiu numa medida que viria mercantilizar a terra, “[...] a Lei de Terras significou o
casamento do capital com a propriedade da terra. Com isso foi transformada em uma
mercadoria à qual somente os ricos poderiam ter acesso”. (MORISSAWA, 2001, p. 71)
Os reportados mecanismos contribuíram de forma contundente para os dilemas
enfrentados ao longo da história com relação à utilização e concentração fundiária. Dilemas
estes que incluem a disparidade entre as classes sociais, oriunda das relações antagônicas
e interesses diversos existentes na luta pelo acesso e condições de sobrevivência na terra,
por isso entende-se que a “[...] questão agrária está na base do processo constituinte da
questão social no Brasil [...]” (DELGADO, 2010, p. 32).
Logo, sob esse prisma compreendemos a questão agrária enquanto uma categoria
histórica, que engloba as desigualdades existentes entre as camadas sociais, que “[...]tem
se manifestado como resultante das relações sociais entre portugueses e indígenas,
senhores de engenho e escravos, latifundiários e trabalhadores camponeses, etc.”
(DELGADO, 2010, p. 33)
Como explicitamos a história do Brasil inicia-se entremeada pela questão agrária,
porém só bem mais tarde que esta ocupará um lugar de destaque em meio a uma discussão
nacional, especificamente no contexto entre os anos de 1940 e 1960, quando acreditava-se
que a estrutura agrária representava um obstáculo para o desenvolvimento do país.
No período posterior, entre os anos de 1964 e 1985, período da ditadura civil e
militar, no Brasil foram implementadas medidas dos militares com vistas a “camuflar” os
embates originários do campo. Salienta-se a lei nº 4.504 de 30 de novembro de 1964,
decretada pelo então presidente Marechal Castelo Branco, a cognominada Estatuto da
Terra, considerada “1ª lei de Reforma Agrária do Brasil” (MORISSAWA, 2001, p. 99).
No caso do Maranhão, exatamente nesta conjuntura, inúmeras famílias sofreram
com a ação de grileiros Esta unidade federativa rica em produção de arroz, começou a
registrar incontáveis conflitos, que tornaram o estado o primeiro em número de hostilidades
existentes por questões fundiárias. (MORISSAWA, 2001).
Vale destacar que grileiros são os sujeitos que falsificam documentos a fim de
tomar posse de terras, sendo que estas podem ser de terceiros ou devolutas. Por tais ações
pode-se dizer que o grileiro é um sujeito que se constitui como central no acirramento da
questão agrária, devido as suas articulações que culminam na expropriação de inúmeros
camponeses de suas terras. Nesses termos Asselin (2009, p. 43) destaca que, “O grileiro é
um alquimista. Envelhece papéis, ressuscita selos do império, inventa guias de impostos,
promove genealogias [...] embaça juízes, suborna escrivães”.
Logo após, em 1969 foi criada a Lei nº 2979 datada de julho de 1969, também
conhecida por “Lei Sarney de Terras”, o que favoreceu ainda mais a concentração fundiária,
pois se constituía de medidas que fomentavam a implantação e disseminação das empresas
agropecuárias. No caso, podemos registrar com a constituição desta lei, o papel do Estado
em assegurar os direitos dos latifundiários. A respeito dessa lei Pedrosa (s/d, p. 18) contribui
ao explanar que: Nos anos 50 e 60, o Maranhão detinha cerca de 90.000 km² de terras devolutas. Somente na região pré-amazônica era 100.000 km² de terras sem ocupação. Tais terras deveriam ser utilizadas como ‘válvulas de escape’ para os conflitos das regiões de colonização antiga. Também deveriam funcionar como um polo de atração de grupos empresariais com a missão de promover a modernização no campo maranhense. O instrumental jurídico para as transferências das áreas era a Lei Sarney de Terras de 17 de julho de 1969 (Lei 2.979).
Nessa trama os subsídios outorgados pelo governo aos grandes projetos
agropecuários incentivaram a grilagem visto que a fixação do capital produtivo nas grandes
fazendas sempre foi precedida pela grilagem das imensas áreas de ocupação camponesa,
com a devida conveniência de cartórios (ARCANGELI, 1987). Sobre as particularidades
desse cenário Arcangeli (1987, p. 156) ressalta que: A valorização das terras do Estado, em decorrência da generalização do monopólio privado deste meio de produção, representa um entrave adicional para o desenvolvimento da economia camponesa, uma vez que o pequeno produtor descapitalizado não tem acesso, como comprador; ao mercado fundiário. Pior que isso, quando ele não é expropriado pela violência, (o pequeno produtor) entra nesse mercado como vendedor, permitindo que o direito adquirido, ao longo dos anos, sobre a terra em que trabalha, seja ofertado e negociado no mercado imobiliário, pelos especuladores profissionais de terra.
Com isso, na realidade maranhense seguiram-se os incentivos ao desenvolvimento
industrial, o que continuava a fomentar os latifúndios. Nos anos que se seguiram,
especificamente 1980 e 1990, agravou-se o alastramento dos grandes projetos no âmbito
rural e a intensificação da inserção do capital estrangeiro no estado. E, apesar das
particularidades estaduais, percebe-se que a questão agrária no Maranhão configura-se de
forma bastante similar à nacional, em outras palavras, com demasiada concentração de
terras, porém, com suas particularidades históricas, sociais, econômicas e políticas. Tais
particularidades o colocam em destaque no cenário nacional no que se refere à
desigualdade na distribuição de terras.
Além da irresoluta concentração fundiária, outra conformação da questão agrária no
Brasil é o processo de globalização do capital na agricultura, que pode ser caracterizado
pelo atendimento das exigências do capital no campo. Em um movimento gradativo, o
capital se estabeleceu no campo a partir de várias frentes, uma delas, a tecnológica, que
possui na revolução verde um expoente e um marco histórico.
Assim, com a globalização aumenta e se diversifica exorbitantemente os modos de
subordinação e precarização dos trabalhadores camponeses, bem como expropriação e
expulsão destes de suas terras, e ainda a produção não de alimentos, mas a transformação
da produção agrícola em produção de mercadorias. O conjunto dessas transformações
introduzidas na agricultura será denominado de agronegócio, sistema este que é definido
por Teubal (2008, p. 38) como: [...] um modelo cujo modo de funcionamento global, com predomínio do capital financeiro, orienta-se, em grande parte, rumo a uma especialização crescente em determinadas commodities orientadas para o mercado externo e com uma tendência á concentração em grandes unidades de exploração.
Sob a égide do agronegócio, a produção comercial ou empresarial intensifica a produção de commodities5. Em termos nacionais, assumem destaque neste tipo de
produção, produtos como a cana-de-açúcar, milho, soja, laranja, café, alumínio, minério de
ferro e o petróleo, dentre tantos outros. No Maranhão, os monocultivos da soja e do
eucalipto estão entre os grandes interesses do agronegócio. Miranda (2010, p.82) falando
acerca da ampliação da produção do agronegócio, no âmbito do estado do Maranhão,
destaca que:
No Sul do estado, a expansão da soja; no Oeste maranhense, as empresas de ferro- gusa e monocultura do eucalipto; no Baixo Paranaíba, as empresas de papel e celulose e, atualmente, também a soja, que têm como consequência mais imediata o controle sobre a mão de obra desqualificada do pequeno trabalhador rural.
A soja enquanto um condutor do agronegócio na realidade maranhense inclui-se na
lista dos principais produtos exportados pelo estado, perdendo apenas para a mineração e o
ferro gusa, conforme assinalou Carneiro (2008, 80-81)
[...] a expansão das áreas de produção da monocultura da soja alcançou um patamar importante entre os principais produtos exportados pelo estado do Maranhão, tem ficado atrás apenas de três commodities minerais, que são: ferro-gusa, minério de ferro e alumínio. As exportações da soja in natura têm respondido em média por 14% do valor anual das exportações estaduais nos últimos nove anos. [...] o valor das exportações da soja no Maranhão quase duplicou, pois saiu de US$ 65, 4 milhões, em 1999, para a cifra de US$ 235, 16 milhões, em 2007.
5Commodities podem ser definidas como gêneros alimentícios que são mercantilizados a nível mundial. Seus valores são deliberados a nível global, ou seja, pelo mercado internacional. São mercadorias produzidas por diferentes produtores, mas que possuem características invariáveis.
As referidas características conferem ao Maranhão destaque nos índices de
conflitos fundiários, observando que entre os anos 1979 e 1981, o referido estado
respondeu por 22,5% dos casos nacionais de conflitos pela terra, segundo a Comissão
Pastoral da Terra – CPT (CARNEIRO, 2013). Entre 2001 – 2015 de todos os estados
brasileiros, o Maranhão é o que apresenta o maior número de conflitos por terra, em termos
percentuais, os números correspondem a 16% dos conflitos registrados no país, os dados
revelam cerca de 107 conflitos por ano no Maranhão, segundo a CPT. (SODRÉ, 2017)
Com isso, a propagação do agronegócio determinou para os movimentos sociais no
campo a necessidade de ações defensivas que marcaram as lutas sociais dos anos
1970/1980, com a composição de movimentos de defesa da terra (CARNEIRO, 2013).
Dentre estes movimentos sociais6, destacamos o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra - MST, cuja composição se dá pela necessidade de uma instância que possa discutir e
organizar as mobilizações em prol da garantia do direito à terra, para além disto busca-se
uma sociedade em que além do acesso, tenha-se também assegurados às condições
necessárias de sobrevivência através da produção e reprodução na terra.
Diante dos traços expostos a respeito do universo agrário brasileiro e maranhense
prosseguimos para a necessária reflexão das tendências nas formas de resistência dos
camponeses, com destaque de como a luta pela terra acompanha a história nacional e local,
a fim de que possamos compreender as particularidades da sua organização política na
contemporaneidade, com um enfoque na gênese do MST.
2.1 A luta pela terra: um olhar sobre a gênese do MST no Maranhão
No cenário maranhense desponta diversas associações de trabalhadores rurais,
especificamente no início de 1957 foram criadas, e devidamente registradas em cartório, as
Associações de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas, também denominadas de União dos
Trabalhadores Agrícolas em Rosário, Santa Rita, Bacabal, Pedreiras e em outros
municípios. (MIRANDA, 2003, p. 109). Manuel da Conceição, em “Essa terra é nossa”
(1980) destaca entre outras a Associação de Bacabal, designada União dos Lavradores e
Trabalhadores Agrícola de Bacabal, que se caracteriza pela extensão de suas ações, se
ampliando por 24 agências onde agregava em seu quadro mais de 2.500 (dois mil e
quinhentos) lavradores. 6Quando falamos de movimento social, importante demarcar que estamos considerando as especificidades de organizações sociais que atuam nesta sociedade ampla, e não o movimento da sociedade, a dinâmica social em geral.
Logo após, durante o regime militar, a Confederação Nacional dos trabalhadores na
Agricultura - CONTAG instalou uma Delegacia Regional no Maranhão. Nesse momento a já
mencionada Delegacia objetivava a organização dos trabalhadores rurais o que contribuiu
para a fundação de muitos sindicatos no estado, e em 1972 especificamente, houve a
formação da Federação Estadual dos Trabalhadores do Vale do Pindaré.
Em 1979 emerge o Movimento dos trabalhadores Rurais Sem Terra7, no dia 07 de
setembro, quando 110 famílias ocuparam a gleba Macali no Município de Ronda Alta, no Rio
Grande do Sul. Nos anos 80, as experiências com as ocupações de terra nos estados do
Sul, em São Paulo e Mato Grosso do Sul agruparam os trabalhadores que principiaram o
decurso de formação do Movimento dos trabalhadores Rurais Sem Terra. (MIRANDA, 2003
p. 71)
Sobre o processo de constituição do MST no cenário nacional Stédile e Mançano
(2012, p. 17) destacam que:
[...] a gênese do MST foi determinada por vários fatores. O principal deles foi o aspecto socioeconômico das transformações que a agricultura brasileira sofreu na década de 1970. Nessa década, houve um processo de desenvolvimento [...] foi o período mais rápido e mais intenso da mecanização da lavoura brasileira. No Sul do país, considerado o berço do MST, o fenômeno da introdução da soja agilizou a mecanização da agricultura, seja no Rio Grande do Sul, com uma lavoura casada com o trigo, que já tinha uma certa tradição, seja no Paraná, com uma alternativa ao café.
O MST se institucionalizou no Maranhão no contexto em que agravou-se a entrada
do capital estrangeiro e os grandes projetos no âmbito rural. Momento em que
neoliberalismo8 no Brasil ganha vigor com o governo de Fernando Collor de Melo (1990-
1992), que investiu na repressão, pois “Para a questão agrária a política de Collor foi
‘porrete neles’, os sem-terra [...]”. (MORISSAWA, 2001, p. 109). Pertinente à gênese do
MST no Maranhão Delgado (2010, p.22) destaca que:
O MST se constituiu a partir da Amazônia Legal maranhense em meados de 1980 no âmbito do processo de organização do MST em todo país. Constitui-se no enfretamento à expansão do latifúndio e expropriação dos trabalhadores camponeses no estado. Desde então, este movimento se consolidou no estado e tem lutado pela construção de novas relações sociais no campo, tendo como perspectiva a transformação social.
Em 1988, o MST iniciou o processo de acampamento na região de Imperatriz,
especificamente na fazenda Gameleira, nesse âmbito estendeu sua atuação para
7A constituição do movimento está relacionada com outras instituições, de forma especial com a Igreja Católica, através da Comissão Pastoral da Terra – CPT. 8Perry Anderson (1995) concebe o neoliberalismo como uma reação teórica e política ao Keynesianismo e ao Welfare State, promovida pelos liberais no final dos anos 1970 e 1980, expandindo-se na década de 1990 por todo o mundo.
Buruticupu, na fazenda Terra Bela. Sobre repercussões deste último acampamento
Morissawa (2001, p. 190) expõe que: [...] Paralelamente, com o apoio do PT, DA CUT e da CPT, buscavam negociar a desapropriação da área. O caso foi bastante divulgado e atraiu outras famílias, que chegaram a somar 200 no acampamento. Em dezembro, o Incra começou a demarcação de uma área para assentar 380 famílias. Essas duas ocupações consolidaram o MST maranhense.
Ampliando sua atuação para o norte Maranhense, o MST ocupou a Fazenda
Diamante Negro, localizada em Vitória do Mearim. Sobre as circunstâncias desses
processos de luta e resistência enfatizamos que de julho a setembro de 1991, foram
conferidas 10 liminares de despejo. (MORISSAWA, 2001) E o cenário maranhense era de
violência e arbitrariedade, expressas nas prisões de lavradores e assassinatos de
lideranças.
Sobre esse contexto Morissawa (2001, p. 190) relataque os sem-terra foram
recompensados em 1992 quando: [...] Em 1992, conseguiram: a desapropriação e o mandato de imissão de posse da Fazenda Gameleira, ocupada havia quase 3 anos; a construção de 50 km de estrada para os acampamentos Gameleira, Juçara e Criminosa, agentes de saúde e dois professores para cada assentamento, medicamentos, regulamentação das escolas, dois monitores para alfabetização e mudas de caju; a vistoria das fazendas Tatajuba e Bela Vista.
Sobre os princípios organizativos do referido movimento realçamos a direção
coletiva, que consiste em não centralizar a dirigência. Outro princípio organizativo é a
divisão de tarefas, que propicia o crescimento da organização e a absorção das
competências pessoais. Além do estudo, da educação de forma ampla, refletida entre outros
elementos, na preocupação com a formação do seu próprio quadro técnico. (STÉDILE;
MANÇANO, 2012)
Dessa forma, a organização do movimento é composta, por alguns setores, que
são vitais no seu processo de atuação. Dentre estes, destacamos: a) Frente de massa:
responsável no processo de conquista da terra, por desenvolver as estratégias de
enfrentamento, manifestações, negociações, entre outros; b) Setor de formação: incumbido
pela formação militante, com objetivo de ponderar o sistema vigente e suas nuances, bem
como o processo de construção da consciência de classe; c) Setor de educação: as escolas
para crianças, jovens e adultos desde o princípio foi interesse do movimento; d) Setor de
produção: fruto da percepção de que “[...] a luta não termina na conquista da terra; ela
continua na organização simultânea da cooperação agrícola e das ocupações
(MORISSAWA, p. 206); e) Instâncias de representação: congresso nacional, encontro
nacional, coordenação nacional, direção nacional, encontros estaduais, coordenações
estaduais, direções estaduais, coordenações regionais, coordenações de assentamentos e
acampamentos e grupos de base.
Acerca das principais formas e mecanismos estratégicos de luta e resistência
podemos elencar: a) Ocupação: o critério relevante é a definição do local. Segundo
MORISSAWA (p. 199) “[...] os sem-terra entenderam que a ocupação é sua forma de luta
mais importante. De modo geral, é a partir de sua efetivação que as demais formas de luta
são utilizadas”; b)Acampamento permanente: quando a justiça sentencia o despejo,
ordinariamente com reintegração de posse, os sem-terra retiram-sedo local e se instalam
em área próxima; c) Marcha pelas rodovias: possui como escopo acionar a atenção da
população para as reivindicações dos sem-terra; d) Jejuns e greves de fome: são utilizados
nas situações em que o grupo perdura na frente de alguma instituição ou órgão público; e)
ocupação de prédios públicos: o prédio alvo da ocupação é aquele responsável por
responder as demandas das reivindicações específicas; f) Vigílias: são manifestações que
compreendem um lapso temporal menor, no entanto, de modo contínuo, mantendo-se dia e
noite; g) Manifestações nas grandes cidades: são realizadas manifestações e passeatas nas
grandes cidades, no intuito de evidenciar para a população suas demandas.
O MST construiu ao longo da sua atuação distintos símbolos que possuem como
objetivo representar o seu ideário, a título de exemplo, o hino e a bandeira. Elementos estes
utilizados nas manifestações, bem como nas demais formas de luta e resistência. Os
referidos aspectos constituem a mística, que segundo Stédile e Mançano (2012, p. 132)
significa: [...] a mística é uma prática que o movimento desenvolve. De certa forma, é seu alimento ideológico, de esperança, de solidariedade. A mística, para o MST, é um ritual. Ela tem um caráter histórico, de esperança, de celebração permanente. [...] a mística só tem sentido se faz parte da tua vida. Queremos que esse sentimento aflore em direção a um ideal, que não seja apenas um obrigação.
Destarte, o MST apresenta uma história de inúmeras campanhas, jornadas de
lutas, marchas e gritos, sendo considerado um dos maiores e mais significativos movimento
de representação dos trabalhadores (as) camponeses. Assim, para além de uma
representação, prima pelos direitos historicamente conquistados da classe “que vive do
trabalho” no âmbito rural, e como horizonte uma transformação do modo em que a
sociedade está organizada. Evidenciando que “as lutas pela terra e pela reforma agrária
são, antes de tudo, a luta contra o capital e sua estratégia de apropriação do território”.
(MIRANDA, 2003, p. 74)
3 CONCLUSÃO
Isto exposto, podemos inferir que, é nesta esfera de embates na busca pelo
direito à terra e por direitos humanos em sua complexidade, que o MST se insere, a partir de
estratégias de luta no contexto em que há um processo de acirramento da questão agrária.
E, por sua vez, assinalando o campo enquanto um espaço de conflitos de classes. Nesse
enredo temos a importância do MST para as lutas sociais dos trabalhadores do campo, visto
que emerge como notável movimento social e político do Brasil na contemporaneidade,
engendrando a renovação da luta dos trabalhadores camponeses.
A partir da ótica das estratégias, articulações de luta e forma de organização do
MST imersas numa correlação de forças, consideramos que o cenário explana a
necessidade de resistência, onde há carências que são alvos de lutas históricas, num
processo de intensa insistência,considerando que a pobreza e a exploração não podem ser
compreendidas como oriundas de ordens naturais, mas dos modos de produção, e por
consequência das divergências nas articulações de forças existentes ao longo da dinâmica
histórico-social.
Desse modo, destacamos o caráter inacabado deste trabalho, e das inquietações
sobre os elementos levantados, a fim de possibilitar problematizações para debates e
sistematizações futuras acerca da complexidade vigente entre as categorias manifestadas.
REFERÊNCIAS
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