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REFLEXÕES SOBRE O CUIDADO PASTORAL NA ADMISSÃO À
CEIA DO SENHOR1
Heitor Bragança Kester2
Resumo
Este trabalho teve por objetivo apontar a responsabilidade e o cuidado pastoral frente
à administração da Ceia do Senhor. A pesquisa foi realizada tendo como base a
história, a Bíblia e autores de cunho confessional. O que se observou foi não haver
alicerce que sustente uma Santa Ceia sem preocupação pastoral com aqueles que
irão participar. O cuidado pastoral é precípuo! O pastor é sim responsável pelo comer
e beber!
Palavras-chave: Pastor – Ceia do Senhor – cuidado pastoral – servo – instrução.
Abstract
This research had as goal to point to the responsibility and to the pastoral care toward
the administration of the Lord's Supper. The research was conducted having as base
the history, the Bible and authors of confessional nature. It was noted that there is no
foundation that supports Holy Supper, without the pastoral care concerning those who
will participate. The pastoral care is crucial. The pastor is responsible about the eat
and drink indeed.
Key-words: Pastor – Lord’s Supper – pastoral care – servant – instruction.
1 Artigo apresentado à UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL como requisito para
conclusão de Pós-Graduação Lato Sensu, especialização em Ministério Pastoral. 2 Heitor Bragança Kester possui graduação de BACHAREL EM TEOLOGIA pela
UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL - ULBRA (2013). Atualmente está cursando pós-graduação pela mesma entidade. E-mail: [email protected]. Orientação por Paulo Moisés Nerbas. Possui graduação em Teologia pelo Seminário Concórdia (1972), graduação em Letras pela Faculdade Porto-Alegrense (1972) e mestrado em Teologia pela Concordia Seminary (2001). Atualmente é professor titular da Universidade Luterana do Brasil e do Seminário Concórdia. Tem experiência na área de Teologia, com ênfase em Teologia Sistemática.
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INTRODUÇÃO
A problemática que legitima o artigo é constituída de fatos que acontecem
dentro da IELB3. Ocorrências que geram preocupação pastoral, isso porque envolvem
diretamente a vida do povo de Deus. Ao que parece, dentro da igreja, encontram-se
opiniões divergentes com relação à prática da Santa Ceia. Sua recepção muitas vezes
se dá a partir do princípio: “a Ceia é para os cristãos.” Desta maneira a determinação
da possibilidade de participação da Ceia do Senhor é deixada exclusivamente nas
mãos do indivíduo que pretende comer e beber o Corpo e Sangue de Jesus, sob pão
e vinho.
Isso é normal dentro de uma sociedade caracterizada por ser uma sociedade
do espetáculo, que celebra o indivíduo, na qual a função da comunidade é
desconsiderada e onde predomina a mentalidade do direito. Oferecer uma decisão
como essa ao indivíduo é razoavelmente fácil, afinal, o pensamento que “anda” por aí
é o seguinte: “isso é assunto entre o visitante e Deus”. Alguns simplesmente negam
que o pastor tenha alguma responsabilidade na administração do Sacramento. O
cuidado pastoral na supervisão do Sacramento, pelo que parece, está sendo deixado
de lado.
Por isso é necessário refletir mais sobre o assunto. Há falta de clareza e
uniformidade teológica em se tratando da administração da Ceia do Senhor. Desse
modo, o objetivo do presente artigo é tratar especificamente desta questão: o cuidado
pastoral na admissão à Ceia do Senhor. Para isso, serão abordadas questões
concernentes à história da igreja e indicativos bíblicos, e também será feita uma
análise do que autores confessionais têm a dizer sobre este assunto tão discutido e
debatido dentro da igreja.
A PRÁTICA DA CEIA NA IGREJA ANTIGA
Na Liturgia do culto
3 Igreja Evangélica Luterana do Brasil
3
A Santa Ceia sempre teve um lugar de destaque dentro do culto e também na
vida do povo de Deus, que se reunia em torno do Sacramento. Isso está claro nos
escritos da igreja antiga.4 O formato básico dos cultos cristãos primitivos era bastante
simples. Conforme relata Ernest Bartels, “o culto era dividido em duas partes.”5 A
primeira parte do culto era aberta a todos: os batizados, os não-batizados, os
catecúmenos, enfim, para o público em geral.6 Luther D. Reed também atesta essa
questão: “a primeira parte do serviço era de carácter geral e não-cristãos eram
admitidos.”7 Essa primeira seção era composta de uma liturgia breve que incluía
leituras bíblicas, um sermão, cânticos e orações.8 No final desta parte, uma oração
era feita e a bênção era dada.9 “Depois disso um dos diáconos anunciava: ‘Que todos
os que não são batizados saiam.’”10 Em algum momento, neste contexto, o diácono
também dizia: “coisas santas para os santos.” Esse pronunciamento estava baseado
nas palavras de Jesus: “Não deis aos cães o que é santo” (Mateus 7. 6).11 Norman
Nagel diz que as “coisas santas” são o corpo e o sangue de Jesus que são oferecidos
no sacramento, e os “santos” são aqueles que o Senhor tornou santos por meio do
Batismo.12
Na segunda parte do culto, onde a Ceia era celebrada, somente os batizados
eram admitidos.13 Reed declara: “a segunda parte era apenas para os crentes”14.
Ainda sobre isso, Werner Elert afirma que na liturgia Clementina o diácono anunciava
antes do início da Eucaristia que nenhum incrédulo, nenhum heterodoxo participava.15
4 WIETING, Kenneth W. The Blessings of Weekly Communion. Saint Louis:
Concordia Publishing House, 2006, p.60 5 BARTELS, Ernest. Take Eat, Take Drink: The Lord’s Supper through the
Centuries. Saint Louis: Concordia Publishing House, 2004, p.69. “The service was divided into two parts.”
6 Idem. 7 REED, Luther D. The Lutheran Liturgy: A Study of the Common Liturgy of the
Lutheran Church in America. Philadelphia: Muhlenberg Press, 1947, p.25: “The first part of the service was general in character and non-Christians were admitted.”
8 Idem. 9 BARTELS, Op. Cit., p.70. 10Idem. “After this one of the deacons announced, “Let all who are unbaptized leave.”” 11Idem. 12 NAGEL, Norman. Closed Communion: In the Way of the Gospel: in the Way of
the Law. In: Concordia Journal 17, n.1, 1991. p.21. 13 BARTELS, Op. Cit., p.70. 14 REED, Op. Cit., p.25: “The second part was for believers only.” 15 ELERT, Werner. Eucharist and Church Fellowship in the First Four Centuries.
Saint Louis: Concordia Publishing House. 1966. p. 115.
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Depois que aqueles que não eram autorizados a participar saíam da sala,
onde acontecia a reunião, os diáconos fechavam as portas e as vigiavam. Somente
depois disso aqueles que estavam presentes no recinto celebravam a Santa Ceia. Os
primeiros cristão praticavam o que chamamos hoje de “comunhão fechada”,
expressão que deriva da prática de fechar as portas.16
Comunhão fechada na igreja antiga
Como pôde ser observado a igreja antiga praticava a “comunhão fechada”.
Martin Wittenberg é ainda mais enfático e afirma que a “igreja antiga não conheceu
qualquer forma de comunhão aberta.”17 Essa prática dá testemunho da preocupação
amorosa e do cuidado pastoral que havia na igreja antiga para com aqueles que
recebiam o Sacramento da Santa Ceia.18
As palavras de Inácio de Antioquia, um dos pais da igreja, revelam o cuidado
e a preocupação que a igreja antiga tinha para com a questão da administração da
Ceia do Senhor: “sem o bispo, ninguém faça nada do que diz respeito à Igreja.”19
Inácio deixa claro neste texto que quando fala das coisas que dizem respeito à Igreja,
está falando da administração dos Sacramentos, ou seja, Batismo e Santa Ceia.
Crisóstomo também manifestou preocupação com a administração do Sacramento da
Santa Ceia. Em dado momento, ele afirma: “Prefiro deixar meu corpo e minha alma
(ser martirizado) do que dar o corpo e o sangue de Cristo a uma pessoa indigna.”20
Essa preocupação relatada por Crisóstomo está intimamente ligada ao fato
de que na Santa Ceia o Corpo e o Sangue de Jesus estão verdadeiramente presentes.
Inácio revela que os hereges devem se afastar da eucaristia, “porque não professam
que a eucaristia é a carne de nosso Salvador Jesus Cristo.”21 A igreja confessava a
16 BARTELS, Op. Cit., p.70. 17 WITTENBERG, Martin. Comunhão Eclesiástica e Comunhão de Altar à Luz da
História da Igreja. Tradução para o Português: Rev. Eugênio Dauernheimer, a pedido da Comissão de Teologia e Relações Eclesiais (CTRE) da IELB. p.2.
18 WIETING, Op. Cit., p.58. 19 Inácio de Antioquia. In: Padres apostólicos. Introdução e notas explicativas Roque
Frangiotti; Tradução: Ivo Storniolo, Euclides M. Balancin. São Paulo: Paulus, 1995. p.118. 20 CRISÓSTOMO, João. apud WALTHER, Carl Ferdinand Wilhelm. Teologia
Pastoral Evangélica Luterana. Tradução Horst R. Kuchenbecker. Livro não publicado em Português. p.88
21 Inácio de Antioquia. Op. Cit., p.117.
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presença do corpo de Cristo ressuscitado na Ceia do Senhor para alimentar e perdoar
seu povo reunido.22
Em sua Primeira Apologia, Justino de Roma revela profunda preocupação
pastoral e amor para com os que participam da Santa Ceia do Senhor. Ele declara:
“Este alimento se chama entre nós Eucaristia, da qual ninguém pode participar, a não
ser que creia serem verdadeiros nossos ensinamentos e se lavou no banho que traz
a remissão dos pecados e a regeneração e vive conforme o que Cristo nos ensinou.”23
Para Justino, o Batismo era essencial àqueles que participam da Ceia. Também neste
sentido o Didaquê afirma: “Ninguém coma nem beba de vossa Eucaristia, se não
estiver batizado em nome do Senhor. Pois a respeito dela disse o Senhor: Não deis
as coisas santas aos cães!”24 Isso não significa que todos os batizados podiam, sem
distinção, participar da Eucaristia.
Elert destaca que o “Batismo é o requerimento básico. Um homem batizado é
alguém cuja vida foi provada e sua confiança demonstrada. Instruções foram dadas
para ele. Ele tem sua confissão reconhecida.”25 A partir disso, fica claro que a
Comunhão na igreja antiga era reservada somente para aqueles que eram batizados
e plenamente instruídos. O Batismo inevitavelmente estava ligado à instrução. Um
fato interessante, relatado por Wieting, é que, no terceiro século, a instrução na fé
(catequese) geralmente durava três anos.26 O que demonstra profundo cuidado
pastoral e evidencia a importância dada ao ensino na igreja antiga. Elert destaca ainda
que a congregação inteira é responsável em prevenir que uma pessoa, por ignorância,
amontoe culpa sobre si mesma.27
A prática da Comunhão fechada na igreja antiga é, essencialmente, uma
prática amorosa e demostra preocupação, tanto do bispo quanto da congregação
envolvida, para com as pessoas, que, sem a devida instrução, possivelmente não têm
22 WIETING, Op. Cit., p.60. 23 Justino de Roma. Justino, Mártir, Santo Justino de Roma: I e II apologias:
diálogo com Trifão. Introdução e notas explicativas Roque Frangiotti; Tradução: Ivo Storniolo, Euclides M. Balancin. São Paulo: Paulus, 1995. p.82
24 CATECISMO DOS PRIMEIROS CRISTÃOS. Didaquê. Prefácio, tradução do original grego e comentário de Urbano Zilles. Ed. Vozes. Petrópolis, RJ. 9ª Edição. 2009. p. 28.
25 ELERT, 1966. Op. Cit., p. 78: “Baptism is the basic requirement. A man baptized is one whose life has been proven and his trustworthiness demonstrated. Instruction has been given him. He has avowed his confession.”
26 WIETING, Op. Cit., p.62. 27 ELERT, 1966. Op. Cit., p. 78.
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condições de distinguir o Corpo e o Sangue de Cristo. Nestas circunstâncias,
tomariam a Ceia não para bênção, mas para juízo. Esta prática demostra também um
profundo cuidado para com a unidade da confissão da comunidade.
Unidade na confissão da fé
A confissão do conteúdo da fé foi exigida pela igreja primitiva a cada um de
seus membros. Isso a partir de uma cuidadosa instrução dada aos catecúmenos.
Essa instrução era parte da atividade da congregação local pela qual sua vida era
sustentada.28 Justino, em sua primeira Apologia, quando fala do batismo, relata que
os candidatos ao batismo eram instruídos e posteriormente indagados para ver se
realmente tinham convicção daquilo que lhes havia sido transmitido.29 Elert assegura
que só era admitido quem pessoalmente e claramente tinha feito uma confissão do
conteúdo específico de sua fé.30 Ele também diz que “a ‘koinonia’ de cada
congregação era a comunhão de fé, e, já que a boca deve confessar o que o coração
acredita, essa era uma comunhão confessional.”31
O cuidado amoroso da igreja e o seu testemunho no mundo de forma
consistente levaram-na a determinar a unidade na confissão da fé e o conhecimento
da vida daqueles que vinham ao altar como critérios para receberem a Santa
Comunhão.32 A confissão de fé comum daqueles que faziam parte da comunidade era
muito estimada. Elert afirma que “comunhão somente é possível com base na fé
confessada.”33 Por isso é que, na igreja antiga, “comunhão eclesiástica em sua
essência é compreendida como sendo comunhão confessional. E onde esta
comunhão confessional não existe lá também está excluída a comunhão de altar.”34
Daí é importante lembrar que os que não estavam “autorizados” a participar
da Santa Comunhão eram aqueles que não confessavam a doutrina de Nicéia,
28 ELERT, 1966. Op. Cit., p.71. 29 Justino de Roma. Op. Cit., p.76. 30 ELERT, 1966. Op. Cit., p.72. 31 ELERT, 1966. Op. Cit., p.72: “The koinonia of every congregation was a fellowship
of faith, and, since the mouth must confess what the heart believes, it was a confessional fellowship.”
32 WIETING, Op. Cit., p.75. 33 ELERT, 1966. Op. Cit., p.71: “Fellowship is possible only on the basis of the
confessed faith.” 34 WITTENBERG, Op. Cit., p.3.
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Constantinopla e Calcedônia.35 A igreja primitiva nunca esteve em dúvida que a
unidade na doutrina era um pré-requisito para a comunhão no altar. Ninguém que
ensinava falsas doutrinas podia receber a Santa Comunhão em uma congregação
ortodoxa.36 Em suma, em assuntos de comunhão eclesiástica e comunhão de altar, a
igreja antiga exercia sua rigorosa exclusividade num mundo e numa situação
eclesiástica muito similar à de hoje.37
Cartas de Paz
Em observância a essa unidade, e em respeito à Escritura e à doutrina
ensinada por ela (2 Timóteo 3.16), as congregações na igreja antiga estabeleceram
meios para regular e expressar a comunhão que tinham com Cristo e umas com as
outras.38 Um desses meios eram as “Cartas de Paz”. As cartas de paz constituíram
um “cuidadoso sistema por meio do qual concedeu aos seus membros que se
mudavam um testemunho sobre o que era crido na congregação de origem a fim de
tornar possível a estes membros continuarem em congregações da mesma
confissão.”39 Os cristãos podiam se mover de uma congregação para a outra e receber
a Ceia do Senhor.
Essas cartas diziam aos seus destinatários quem eles deveriam procurar, no
lugar em que estariam. Se a pessoa estivesse mudando de residência, a carta servia
como uma transferência de uma congregação para a outra.40 Um fato curioso é que
se a assinatura estivesse ilegível as cartas não eram aceitas.41 As cartas de paz
também foram expressões da comunhão existente entre os bispos daquelas várias
congregações.42
E por falar em bispo, quando o assunto dizia respeito ao clero, somente as
cartas não bastavam. Eles precisavam passar primeiro por um colóquio para então
35 Idem. 36 ELERT, 1966. Op. Cit., p.109. 37 WITTENBERG, Op. Cit., p.4. 38 BARTELS, Op. Cit., p.84. 39 WITTENBERG, Op. Cit., p.4. 40 BARTELS, Op. Cit.,84. 41 WITTENBERG, Op. Cit., p.5. 42 BARTELS, Op. Cit., p.84.
8
administrarem a Ceia do Senhor. Só eram aceitos na “koinonia” quando
demonstravam serem arautos da verdade e pregadores tementes a Deus.43
A partir desses pontos abordados pode-se perceber que na igreja antiga nem
todo aquele que dizia “Sou cristão,” era aceito para participar do Sacramento da Ceia.
Ao contrário, a igreja antiga tentou, por meio das mais diferentes maneiras, resguardar
que o altar fosse profanado, impedir que alguém que não era um companheiro na fé
e um irmão na confissão se insinuasse ao altar e, o que é mais relevante, impedir que
pessoas amontoassem culpa sobre si ao participar da Ceia do Senhor de maneira
indigna. Isso reflete o cuidado e a preocupação pastoral para com os receptores do
Corpo e Sangue de Cristo na Ceia.
O CUIDADO PASTORAL NA ADMINISTRAÇÃO DA CEIA
A presença real de Cristo na Santa Ceia
A Fórmula de Concórdia ensina que em virtude da união pessoal, pela sua
encarnação, Cristo possui, conforme sua natureza humana, também o atributo divino
da onipresença, e que pode estar – e está – presente onde quer que queira. A Epítome
declara que Cristo, em seu estado de humilhação, sempre teve majestade, mas se
absteve do seu uso (dela). Ele a usou somente (porém fez uso dela) quando era
necessário, e isso aconteceu até sua ressurreição44, “de modo que agora, não só
como Deus, mas também como homem, sabe tudo, pode fazer tudo, está presente a
todas as criaturas... Esse seu poder ele o pode exercer em toda a parte, e tudo lhe é
possível e conhecido”.45
A Declaração Sólida afirma que Cristo “verdadeiramente enche todas as
coisas, e, presente em toda a parte, não só como Deus, mas também como homem,
governa de um mar a outro e até os confins da terra”.46 Declara também que:
Cremos... que também segundo essa sua natureza humana assumida e com ela pode estar e está presente onde quer, e, particularmente,
43 WITTENBERG, Op. Cit.,p.5. 44 Fórmula de Concórdia Epítome. (FC. EP.) In: LIVRO DE CONCÓRDIA. Traduzido
por Arnaldo Schüler. São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia, 2006. p.525. 45 Ibid., p. 525-526. 46 Fórmula de Concórdia Declaração Sólida. (FC. DS) In: LIVRO DE CONCÓRDIA.
Traduzido por Arnaldo Schüler. São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia, 2006. p.639.
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que está presente à sua igreja e congregação na terra, como mediador, cabeça, rei e sumo sacerdote. Não em parte, ou somente com a metade, mas a pessoa inteira de Cristo, a que pertencem ambas as naturezas, a divina e humana. Está presente não apenas segundo a sua divindade, mas também segundo a sua natureza humana assumida e com ela, segundo a qual ele é nosso irmão e nós somos carne de sua carne e osso de seu osso.47
Martin Chemnitz ensina que Cristo, conforme sua natureza humana, foi ungido
com todos os dons divinos; que em consequência da união pessoal, a natureza
humana de Cristo pode estar presente onde quiser. Por isso, de acordo com sua
promessa, ele está realmente presente em sua igreja e em sua Ceia.48 A Declaração
Sólida deixa claro que “na santa ceia as duas essências, o pão natural e o verdadeiro,
natural corpo de Cristo estão juntamente presentes aqui na terra, na ação ordenada
do sacramento.”49 John Brenz, baseado em Lutero, afirma que na Santa Ceia o
verdadeiro corpo e sangue de Cristo são, pelo poder da palavra, verdadeira e
essencialmente oferecidos e dados com o pão e o vinho a todos os que participam da
Mesa do Senhor.50 Assegura também que da mesma forma que “a substância e a
essência do pão e do vinho estão presentes na Ceia do Senhor, assim também a
substância e a essência do corpo e do sangue de Cristo estão presentes e são
verdadeiramente oferecidos e recebidos com os sinais do pão e do vinho”51
Chemnitz diz que a presença de Cristo é voluntária, livre, e depende
unicamente da vontade e do poder de Cristo. Quando ele, por meio de uma palavra,
prometeu que estaria presente com sua natureza humana, precisamos acreditar que,
de fato, ele está sendo verdadeiro.52 A Fórmula de Concórdia, citando Lutero, afirma
que “esta sua ordem e instituição podem fazer e fazem com que distribuamos e
recebamos não mero pão e vinho, mas o seu corpo e sangue, conforme rezam suas
palavras: Isto é o meu corpo, etc. Isto é o meu sangue, etc.”53 A Fórmula de Concórdia
declara ainda que:
47 Ibid., p.650. 48 CHEMNITZ, Martin. apud FRIEDRICH, Bente. Historical introductions to the
book of Concord. Saint Louis: Concordia Plublishing House, 1965. p.184 49 FC. DS. Op. Cit., p.617. 50 BRENZ, Joh. apud FRIEDRICH, 1965. Op. Cit., p.183. 51 Ibid. “the substance and the essence of the bread and wine are present in the Lord’s
Supper, so also the substance and the essence of the body and blood of Christ are present and truly tendered and received with the signs of bread and wine.”
52 CHEMNITZ, apud FRIEDRICH, 1965. Op. Cit., p.184. 53 FC. DS. Op. Cit., p.624.
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Cremos, ensinamos e confessamos que não só os verdadeiros crentes e os dignos recebem o verdadeiro corpo e sangue de Cristo, mas, também, os indignos e os incrédulos. Todavia, se não se convertem e não se arrependem, recebem-nos não para vida e consolo, mas para juízo e condenação. Pois, ainda que rejeitem a Cristo como Salvador, contudo, têm de admiti-lo, mesmo contra a vontade deles, como severo Juiz, o qual é tão presente para, também, exercer e manifestar o juízo relativamente aos convivas impenitentes, como está presente para operar vida e consolo no coração dos crentes verdadeiros e convivas dignos.54
Lutero, também a esse respeito, estabelece que o verdadeiro corpo e sangue
de Cristo “é administrado e recebido não somente por cristãos piedosos, mas também
por cristãos ímpios.”55 Elert diz que “assim como a incredulidade nunca tira a eficácia
da Palavra de Deus, assim ela não tira a eficácia da Palavra de Cristo que garante a
sua presença real.”56 Bente, a partir da Fórmula de Concórdia, ensina que o
verdadeiro corpo e o Sangue de Cristo, juntamente com o pão e o vinho, estão
presentes na Ceia,57 e que há “a manducação oral ou o comer e beber de ambas as
substâncias tanto pelos comungantes que não creem como pelos que creem.”58 Elert
sustenta que:
...assim como... a incredulidade em face da Palavra da promessa é o pecado mais grave, assim ela também é a marca real de “indignidade” para a Ceia do Senhor. A convicção de Lutero é acuradamente reproduzida quando a Fórmula de Concórdia deseja que esse conceito seja aplicado, não à “fé cristã fraca, tímida e triste” mas àqueles que “vão ao sacramento sem a verdadeira contrição e tristeza por seus pecados, sem verdadeira fé e sem a boa intenção de corrigir sua vida”... ...As mais veementemente contestadas afirmações da doutrina Luterana do “comer oral” (manducatio oralis) e do comer “dos indignos” (indignorum) são duras, porém, resultados inevitáveis da
54 FC. EP. Op. Cit., p.521. 55 Artigos de Esmalcalde. In: Livro de Concórdia. Traduzido por Arnaldo Schüler.
São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia, 2006, p.333. 56 ELERT, Werner. The structure of lutheranism. Traduzido por Walter A. Hansen.
Saint Louis: Concordia Plublishing House, 1962. p.308: “Just as unbelief never does away with the efficacy of the Word of God, so it does not do away with the efficacy of the Word of Christ which guarantees His real presence.”
57 FRIEDRICH, 1965. Op. Cit., p.173. 58 Ibid. p.173. “the oral manducation or eating and drinking of both substances by
unbelieving as well as believing communicants.”
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doutrina da presença real. Elas foram o padrão pelo qual se podia medir se essa doutrina foi tomada a sério.59
Pastor, servo fiel de Deus
Dado que o corpo e sangue de Jesus estão verdadeiramente presentes e são
distribuídos na Ceia, juntamente com o pão e o vinho, e que tanto o digno quanto o
indigno os recebem, é necessário cuidado e responsabilidade na distribuição do
Sacramento. Em 1 Coríntios 11.17-3460, Paulo expõe tanto a doutrina adequada
quanto a prática adequada em torno do Sacramento, mostrando que a prática é
determinada pela doutrina. Paulo adverte que nem todo mundo deve receber o
sacramento, já que quem o recebe de forma indigna recebe-o para seu próprio
julgamento (1 Co 11.29). Paulo se preocupa com as pessoas que recebem o
Sacramento indignamente, por isso sua exortação. Vilson Scholz, um dos maiores
conhecedores do Novo Testamento do meio Luterano, declara que ignorar a questão
da dignidade seria “sugerir que Paulo fez vistas grossas a tudo que se passava em
Corinto”61.
Lutero, no Catecismo Menor, esclarece o que é ser digno e bem preparado,
ele afirma:
“digno e bem preparado é aquele que tem fé nestas palavras: “Dado em favor de vós” e “derramado para remissão dos pecados”. Aquele, porém, que não crê nessas palavras ou delas duvida, é indigno e não está preparado, pois as palavras “por vós” exigem corações verdadeiramente crentes.62
59 ELERT, 1962. Op. Cit., p.308-309: “just as… unbelief in the face of the Word of
promise is the gravest sin, so it is also mark of “unworthiness” at the Lords Supper. Luther's conviction is accurately reproduced when the Formula of Concord wants this concept applied, not to “Christians weak in faith, timid, and sorrowful” but to those who “go to the sacrament without true contrition and sorrow for their sins, without true faith, and without the good intention to improve their life... The most vehemently contested statements of the Lutheran doctrine of the “oral eating” (manducatio oralis) and the eating “of the unworthy” (indignorum) are hard but inevitable results of the doctrine of the real presence. They were the standard by which one could measure whether this doctrine was taken seriously.”
60 BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudo Almeida. 2ª ed. Tradução de João Ferreira de Almeida Revista e Atualizada. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999. Sempre que for citado um texto bíblico, este, terá sido extraído desta versão.
61 SCHOLZ, Vilson. Sacramento Do Altar: Convidados. In: Igreja Luterana. 2004/02. p.190.
62 Catecismo Menor. In: LIVRO DE CONCÓRDIA. Traduzido por Arnaldo Schüler. São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia, 2006. p. 379.
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As palavras de Lutero sobre a dignidade individual não devem ser tomadas
fora do contexto. Elas não significam que os pastores e as congregações devem
praticar comunhão aberta, afinal, o próprio Lutero disse que, para se comungar juntos
todos devem ter a mesma fé e doutrina.63 O modo de pensar de Lutero com toda
certeza reflete a preocupação do apóstolo. Paulo diz que o cristão deve “examinar-se
a si mesmo” antes de comer e beber (v.28), para que assim coma e beba dignamente.
Dignidade, Paulo observa, consiste em “discernir o corpo” (v.29), ou seja, no
reconhecimento da presença real – de que o corpo e o sangue de Cristo são dados
em com e sob o pão e o vinho para o perdão dos pecados. Elert afirma que o “perigo
de se tornar culpado é explicado pelo fato de que o comungante indigno não ‘discerne
o corpo’, isto é, que ele come o pão como se assim não estivesse recebendo o corpo
de Cristo. O ponto é que ele se torna culpado por comer e beber”64. Paulo não proíbe
ninguém de participar da Ceia, mas também não declara que a Ceia é para quem
quiser vir.65 Ele insiste no examinar-se a si mesmo. Vale lembrar que Paulo escrevia
para a comunidade de Corinto, a pessoas que já haviam sido instruídas. As palavras
“porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei” (v.23) testificam essa
questão.
O documento Closed Communion in contemporary context, da Igreja Luterana
do Canadá, declara que preparar as pessoas para receber o sacramento se inicia com
uma catequese apropriada. Compete àqueles que ocupam o ofício do ministério
público zelar pelas almas que estão sob seu cuidado, ensinando-os a fazer isto:
“examinar-se”. Deus colocou esses pastores sobre o seu povo para cuidar deles a fim
de que não sofressem nenhum dano (Atos 20.28; 1 Pedro 5.2-3). Ele, o pastor, deve
ajudar o seu povo em seu autoexame, para que eles possam receber o sacramento
dignamente. Em algum momento o pastor terá de declarar a um indivíduo que, por
causa de seu bem-estar espiritual, em sã consciência não poderá lhe dar o
Sacramento.66 Citando Crisóstomo, as Confissões afirmam que também faz parte da
63 BARTELS, Op. Cit., p.146. 64 ELERT, Werner. The Lord's Supper today. Saint Louis: Concordia Publishing
House, 1973. p.25: “The danger of becoming guilty is explained by the fact that the unworthy communicant fails to ‘discern the body’ that is, that he eats the bread as though he were thereby not receiving the body of Christ. The point is that he becomes guilty by eating and drinking.”
65 SCHOLZ, Op. Cit., p.189. 66 CTRE Lutheran Church-Canada: The Sacrament of Unity in a Divided
Christendom: Closed Communion in Contemporary Context. p.9.
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função do administrador dos mistérios de Deus “convidar uns à comunhão e a outros
proibir que se aproximem.”67 Logicamente este texto não deve ser interpretado de uma
forma legalista.
Outro texto digno de nota é 1Corítios 4.1-2, onde Paulo diz as seguintes
palavras: “Assim, pois, importa que os homens nos considerem como ministros de
Cristo e despenseiros dos mistérios de Deus. Ora, além disso, o que se requer dos
despenseiros é que cada um deles seja encontrado fiel.” As confissões luteranas
interpretam esse texto da seguinte forma: “assim, o homem nos considere como
ministros de Cristo, e despenseiros dos Sacramentos de Deus, isto é, do evangelho e
dos sacramentos.”68 O ministro é sim responsável pela administração do Sacramento.
Joel D. Biermann afirma que, quando o ministro “entrega a hóstia a um comungante,
ele deveria estar completamente certo de que essa pessoa que está recebendo este
dom do evangelho o está recebendo de forma correta: em fé e em confissão da
verdade.”69
O pastor não é simplesmente professor, mas também pastor, bispo e vigia (Ef
4.11; 1 Tm 3.1; Hb 13.17; Ez 3.17-21); não somente um distribuidor do santo
Sacramento, mas também administrador do mesmo (1 Co 4.1).70 “O pregador deve
considerar que ele foi escolhido por Deus para ser despenseiro dos mistérios de Deus
(1 Co 4.1). Um administrador não pode, de forma irresponsável, fazer o que quer com
o que lhe foi confiado.”71
As Confissões Luteranas afirmam o papel do ministério pastoral na
administração da Ceia do Senhor. As palavras do artigo XIV da Confissão de
Augsburgo são pertinentes: “Da ordem eclesiástica se ensina que sem chamado
regular ninguém deve publicamente ensinar ou pregar ou administrar os sacramentos
na igreja.”72 As Confissões deixam claro ainda que esta questão não é nova, mas que
existe “na igreja desde tempos antigos.”73 Afirmam também que: “Os nossos ensinam
67 Confissão de Augsburg. In: LIVRO DE CONCÓRDIA. Traduzido por Arnaldo
Schüler. São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia, 2006. Op. Cit., p.46 68 Apologia da Confissão. In: LIVRO DE CONCÓRDIA. Traduzido por Arnaldo
Schüler. São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia, 2006. p.282. 69 BIERMANN, Joel D. Aproxime-se do altar: uma reflexão sobre a teologia e
prática da Santa Ceia. In: Igreja luterana, Vol. 67, n. 2, 2008. p.63 70 WALTHER, Carl Ferdinand Wilhelm. Teologia Pastoral Evangélica Luterana.
Tradução Horst R. Kuchenbecker. Livro não publicado em Português. 2011 p.88. 71 Ibid. p.92. 72 CA. Op. Cit., p.34. 73 Idem.
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que, de acordo com o evangelho, o poder das chaves ou dos bispos é o poder e ordem
de Deus de pregar o evangelho, remitir e reter pecados e administrar e distribuir
sacramentos”74
O pastor, como supervisor, deve então administrar corretamente os
sacramentos. Ele “não é uma insensível máquina de vender espiritual, sem
responsabilidade por aqueles que estão recebendo a Ceia.”75 Ele tem muita
responsabilidade, pois “o participar indignamente, a falta do “examinar-se” e de
“discernir o corpo”, que estão ligados à instrução na fé, trazem ao participante juízo,
ao invés de bênção.”76
Por isso, é digno de nota dar ênfase ao primeiro item concernente ao artigo
XIV da Confissão de Augsburgo, que trata Da Ordem Eclesiástica: ensinar. Com
relação ao ensino sobre a Ceia do Senhor e o que a pessoa crê sobre o Sacramento,
Linden diz que:
Só Deus conhece os corações. Por isso, a Igreja e os ministros não têm o direito de julgarem a fé “interior” daqueles que a confessaram, segundo o correto ensino, negando-lhes o sacramento, a menos que seus atos (frutos) deponham contra sua integridade. Da mesma forma, Igreja e ministros não têm o direito de julgar os que não foram devidamente instruídos e examinados, considerando-os aptos a participarem da Ceia, sem que tenham confessado sua fé.77
A Apologia da Confissão deixa claro que a instrução é parte essencial e
primordial quando sustenta que: “entre nós, muitos fazem uso da ceia do Senhor
dominicalmente, mas primeiro são instruídos, examinados e absolvidos... Entre nós
os pastores e ministros das igrejas são compelidos a instruir...”78 Linden sustenta que
“o episcopado (pastoreio) se faz pelo ensino do Evangelho, nas suas diversas formas.
A Ceia do Senhor, como dádiva de perdão e vida para a Igreja, faz parte do
pastoreio.”79 Diante de tudo que foi visto, cabe ao pastor como fiel despenseiro dos
mistérios de Deus, ensinar e administrar o Sacramento ao povo de Deus, para que os
74 Ibid. p.56 75 BIERMANN, Op. Cit., p.63 76 LINDEN, Gerson Luís. Aspectos Quanto à Administração da Santa Ceia. In:
Igreja Luterana. Volume 60. 2001, p.8. 77 Ibid. 78 Apologia da Confissão. In: Livro de Concórdia. Traduzido por Arnaldo Schüler.
São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia, 2006. p.233. 79 LINDEN, Op. Cit., p.9.
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cristãos possam receber tal nobre presente, e dádiva, que é a Santa Ceia. E nesta
tarefa de despenseiro está incluído ensinar as pessoas, para que confessem:
Cremos, de acordo com as simples palavras do testamento de Cristo, um comer verdadeiro, porém sobrenatural, do corpo de Cristo, como também o beber do seu sangue, o que os sentidos e a razão do homem não compreendem, mas, como em todos os outros artigos da fé, trazemos o entendimento cativo à obediência de Cristo, e esse mistério não é apreendido de nenhuma outra maneira senão pela fé somente, sendo revelado na palavra.80
O administrador dos mistérios de Deus deve ser encontrado fiel e, conforme
relata Roland F. Ziegler, os sacramentos não são administrados corretamente de
acordo com a instituição de Cristo quando não há nenhum ensino sobre o sacramento.
De modo semelhante, uma igreja que não pratica a comunhão fechada ou uma igreja
que aceita no seu altar membros de igrejas heterodoxas não administra a Ceia do
Senhor de acordo com a instituição de Cristo.81
Comunhão Fechada
Como a história da Igreja e as Escrituras deixam claro, o pastor e a
congregação devem ter preocupação diante da fé e da vida daqueles que
comungam.82 Por isso, a Igreja cristã sempre teve o costume de celebrar a Ceia de
maneira fechada, ou seja, participam da Ceia somente aquelas pessoas que fazem
parte da comunidade.83
Lutero, em uma carta escrita em 1533, mostra que ele pensa da mesma forma
que Crisóstomo.84 Ele argumenta que a presença real e a comunhão aberta não
podem coexistir no mesmo altar:
É realmente verdade que onde quer que o pregador administre somente o pão e o vinho para o Sacramento, ele não está muito preocupado para quem ele o dá, o que eles sabem ou creem, ou o que
80 FC. Op. Cit., p.523. 81 ZIEGLER, Roland F. Doctrinal Unity and Church Fellowship. In: Concordia
Theological Quarterly, Vol.78. 2014. p.70. 82 WIETING, Op. Cit., p.134. 83 MALYSZ, Piotyr. Closed Communion, Sin, and Salvation. In: Logia: A Journal
of Lutheran Theology. Volume 12, Number 4. 2003. p.34. 84 Citação feita anteriormente: “Prefiro deixar meu corpo e minha alma (ser
martirizado) do que dar o corpo e o sangue de Cristo a uma pessoa indigna.”
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eles recebem... Eles prefeririam ter ignorantes, santos estáticos, do que ter o cuidado de nutrir cristãos. Em vez disso, eles querem fazer coisas de tal maneira que depois de três anos tudo seria perdido e nem Deus, nem Cristo, nem Sacramento, nem Cristãos permaneceriam. Entretanto, porque estamos preocupados em nutrir cristãos que vão continuar aqui depois que nós partirmos, e porque é o corpo e o sangue de Cristo que são dados no Sacramento, nós não vamos e não podemos dar o Sacramento a qualquer um a menos que este primeiro seja examinado a respeito do que ele aprendeu do catecismo e se ele pretende abandonar os pecados que ele tem novamente cometido. Pois nós não queremos fazer da igreja de Cristo um chiqueiro de porcos [Mateus 7.6], deixando cada um vir sem ser examinado para o Sacramento, como um porco em seu cocho. Tal igreja nós deixamos para os Entusiastas!85
Um pastor cristão honesto em nenhuma circunstância deve agir de forma tal
que ofereça e administre a preciosa dádiva e tesouro da Santa Ceia do Senhor
àquelas pessoas que sobre a mesma não pensam e acreditam de modo correto.86 Em
uma de suas teses sobre comunhão, Walther destaca que “na Santa Comunhão o
Corpo e Sangue de Cristo estão realmente presentes, são distribuídos e recebidos
por cada comungante. Portanto a Comunhão não pode ser administrada a qualquer
um que não confessa a crença neste mistério...”87 Walther, falando de pastores que
na sua época distribuíam o sacramento a qualquer pessoa sem de fato conhecê-la,
diz:
Experimentamos com tristeza que não poucos pregadores que se intitulam a si mesmos de luteranos, quando preparam a mesa para o santo sacramento, convidam para este meio da graça cada um que
85 LUTHER, Martin. An Open Letter to Those in Frankfurt on the Main, 1533. In:
Concordia Journal. Outubro de 1993, Tradução: Jon D. Vieker. p.343: “It is quite true that wherever the preacher administers only bread and wine for the Sacrament, he is not very concerned about to whom he gives it, what they know or believe, or what they receive… They would rather have uninstructed, ecstatic saints than have the care of nurturing Christians. Rather, they want to do things in such a way that after three years every thing would be laid waste, and neither God nor Christ nor Sacrament nor Christians would remain anymore. However, because we are concerned about nurturing Christians who will still be here after we are gone, and because it is Christ's body and blood that are given out in the Sacrament, we will not and cannot give such a Sacrament to anyone unless he is first examined regarding what he has learned from the Catechism and whether he intends to forsake the sins which he has again committed. For we do not want to make Christ's church into a pig pen [Matthew 7:6], letting each one come unexamined to the Sacrament as a pig to its trough. Such a church we leave to the Enthusiasts!”
86 WITTENBERG, Op. Cit., p.13 87 WALTHER, Carl Ferdinand Wilhelm. Theses on Communion Fellowship with
Those Who Believe Differently: “In Holy Communion the Body and Blood of Christ is actually present, distributed and received by every communicant. Therefore Communion can not be administered to anyone who does not confess a belief in this mystery…”
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deseja vir e os admitem sem qualquer exame de sua fé e vida, (na opinião de que isto é verdadeiramente evangélico). Temo, no entanto, que muitos deles agem dessa forma por razões impuras, “por quererem ser consideradas realmente pessoas de coração aberto, que merecem ser louvadas”.88
Lutero afirma que “ninguém deve ser admitido ao Sacramento sem uma
entrevista prévia com o pastor, para que se verifique que está bem informado sobre o
Sacramento, se precisa de mais outros conselhos, etc...89. Fica claro a partir desta
afirmação, que Lutero jamais foi da opinião de que tudo deve ceder para que a maioria
possível de pessoas possa ser trazida ao sacramento. Walther expõe que “não há
nada, em todo o cuidado pastoral (Seelsoge), que causa ao pastor fiel da igreja mais
preocupação do que admissão à Santa Ceia, ao procurar agir de forma
conscienciosa.”90 Lutero se preocupava muito com o povo de Deus e insistia em que
este povo viesse preparado para a Mesa do Senhor, ele diz que:
Aqui, porém, deve-se observar o mesmo rito que se observa no Batismo, ou seja, que o pastor seja previamente informado quem quer comungar, e esses devem solicitar que Ihes seja ministrada a Ceia do Senhor, a fim de saber seus nomes e conhecer sua vida. Depois, não admita os solicitantes se não souberem dar a razão de sua fé, e se, quando perguntados, não souberem responder se entendem o que é a Ceia do Senhor, para que serve e para que fim a querem tomar. Em outras palavras, se sabem recitar de memória as palavras da instituição e explicar que vêm porque são atormentados pela consciência do pecado, pelo medo da morte ou outro mal... Acho, porém, que é suficiente fazer esse interrogatório e exame uma vez por ano com aquele que deseja comungar... Pois com essa prática queremos evitar que acorram à Ceia do Senhor dignos e indignos...91
Lutero com isso tinha a mais pura intenção. A intenção de proteger aquelas
pessoas que não tinham a correta compreensão com relação ao Sacramento da Santa
Ceia. Neste sentido, Walther diz que “receber a Santa Ceia não é em si e por si algo
bom; isso depende de como o recebo.”92 A Ceia não é uma obra, que se realizada
88 WALTHER, Carl Ferdinand Wilhelm. Teologia Pastoral Evangélica Luterana.
Tradução Horst R. Kuchenbecker. Livro não publicado em Português. p.89. 89 LUTERO, Martinho. Instrução aos visitadores. In: Obras Selecionadas. Vol.7.
Tradução: Arnaldo Schüler, Ilson Kayser e Walter O. Schlupp. São Leopoldo: Editora Sinodal; Porto Alegre: Editora Concórdia, 2000, p.286.
90 WALTHER, 2011. Op. Cit., p.89. 91 LUTERO, Martinho. Formulário da Missa. In: Obras Selecionadas. Vol.7.
Tradução: Arnaldo Schüler, Ilson Kayser e Walter O. Schlupp. São Leopoldo: Editora Sinodal; Porto Alegre: Editora Concórdia, 2000, p.167.
92 WALTHER, 2011. Op. Cit., p.90.
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traz benefícios (ex opere operato). Não é um medicamento que só precisa ser tomado
para obter os resultados. A Santa Ceia do Senhor é, antes de tudo, um tesouro
precioso que a pessoa só pode tomar e segurar com as mãos da fé. E aquele que
recebe o Sacramento sem a verdadeira fé, o recebe da mesma forma. Mas, por não
crer, ele não recebe para a bênção, para sua salvação e alma.93 “Por isso, quem
recebe a Santa Ceia sem a correta fé, a recebe de maneira indigna, não recebe a
graça que há no sacramento, mas encontra em vez da graça a ira; em vez da vida a
morte; em vez da bênção a maldição.”94 É por isso que Linden afirma que a “comunhão
fechada traz consigo um aspecto de proteção ao ‘visitante’”.95
O caráter amoroso da comunhão fechada
Somente quando é compreendida a natureza amorosa da prática da
comunhão fechada é que se estará disposto a ensiná-la e praticá-la com alegria e
gratidão. Como já foi observado, esta é a prática histórica da igreja através dos
séculos. Comunhão fechada não é uma declaração de que a igreja que a pratica é
melhor que as outras. Também não é uma negação de que existem verdadeiros
cristãos em outras confissões de fé. Ao contrário, é uma declaração de amor para com
aqueles que receberiam a Ceia indignamente.
Wieting argumenta que comunhão fechada não indica que uma congregação
luterana quer impedir que outros irmãos recebam as bênçãos do Sacramento. Nem
que os luteranos desejam ser separatistas e juízes de outros. Mas a prática da
comunhão fechada é motivada pelo amor e nasce da convicção, do coração, com
base na Escritura, de que se deve cumprir o mandamento de Cristo. Não é amoroso,
no sentido bíblico, permitir que uma pessoa faça algo que lhe será espiritualmente
prejudicial.96
Pastores e congregações devem ser encorajados à prática fiel da comunhão
fechada, e devem fazê-la com humildade. Devem também fazê-la com alegria, pois é
um ato profundamente amoroso que tem sido praticado desde os primeiros séculos
da história da igreja. É uma prática adotada por Lutero e os reformadores. Foi também
93 WALTHER, 2011 Op. Cit., p.90. 94 WALTHER, 2011. Op. Cit., p.90. 95 LINDEN, Op. Cit., p.8. 96 WIETING, Op. Cit., p.245.
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adotada por Walther, um dos fundadores da LCMS97. Apesar da uniformidade
confessional ser inexistente, com relação à prática fechada da Santa Ceia, a
comunhão fechada continuará a ser uma prática profundamente amorosa até a vinda
do Senhor.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir desta pesquisa pôde-se perceber que o pastor tem responsabilidades
na administração da Ceia do Senhor, principalmente no que tange ao cuidado
pastoral, daqueles que recebem a Ceia. Os achados da investigação denotam isso!
Tendo dito isso, acredita-se que as informações encontradas só têm a contribuir e
fomentar esta área da teologia que foi estudada.
Logicamente muitas coisas poderiam ter sido aprofundadas. Lutero, por
exemplo, em toda gama de seus escritos teológicos, estabelece três critérios para se
receber dignamente o Sacramento do Altar, isso poderia ter sido tratado. Mas sairia
do foco primário do trabalho. Em um outro momento essa questão pode ser
trabalhada.
97 The Lutheran Church Missouri Synod.
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