REGISTROS PÚBLICOS
Lei n.o 4827 de 7 de Fevereiro de 1924
(Comentário e Desenvolvimento)
Filadelfo Azevedo
REGISTROS PÚBLICOS
Lei n.o 4827 de 7 de Fevereiro de 1924
(Comentário e Desenvolvimento)
Filadelfo Azevedo
PREFÁCIO
Tanto se apartou do critério comum o autor deste livro, na escolha de quem lho
prefaciasse, que revelou carência dos intuitos que, de ordinário, a determinam, talvez o
sentimento íntimo da desnecessidade do próprio prefácio.
Em verdade, se o livro se justifica e recomenda por si mesmo, pela relevância da
matéria, quanto pela competência com que foi esta versada.
Não raro, a relevância da matéria acentua a inferioridade do comentador. No caso
presente, mostra-lhe a capacidade já bem conhecida – e, ao mesmo tempo, ela própria se
realça.
Os comentários do Sr. Filadelfo Azevedo à nova lei dos registros, não só a
esclarecem, e facilitam-lhe a aplicação; acentuam-lhe a importância, as ligações com
algumas das mais difíceis e consideráveis questões do Direito Civil, a influência imediata e
profunda sobre o crédito pessoal e o real.
De mim – que, há perto de vinte anos (e vinte anos correspondem a mais de dois
terços da idade do autor) lhe acompanho o desenvolver da inteligência magnífica, e, agora,
em convívio diário, através de sua colaboração cotidiana, tanto lhe conheço e prezo a
formação mental – de mim posso dizer que sabia apto, como os mais provectos, à tarefa
empreendida.
Relator da Comissão especial do Instituto dos Advogados, e, assim, autor de muitos
dos dispositivos adotados; antigo e constante estudioso das questões de nosso Direito,
especialmente das de direito hipotecário – o Sr. Filadelfo Azevedo soube ver a nova lei sem
a paixão cega do colaborador, sem o despeito do crítico desatendido, sem o terra-a-terra dos
práticos inscientes. Via-o com a preocupação dos grandes interesses a que ela atinge; com o
zelo e conhecimento de nosso sistema jurídico, de suas tradições, e de seu aperfeiçoamento.
Assim deve ser ela entendida e aplicada.
É a primeira das leis que o Código exigia. Por isso mesmo, nela, como nas demais,
deve-se ter o cuidado de observar os princípios, as regras, o sistema do Código. Houve,
acaso, essa preocupação? Vereis, com o Sr. Filadelfo Azevedo, que não houve – ao menos
tanto quanto pareceria desejável. Surgirão conflitos entre a nova lei e o Código. E, ainda
que ambas emanem da mesma fonte legislativa, parece-me erro grave, e mau precedente,
que se tenha procurado, duvidosamente, nessa lei ou em outra das leis que se possam
considerar „regulamentos‟ de institutos do próprio Código. Também se não deveria manter,
consolidar, agravar defeitos do Código, já conhecidos, levando-os por diante a novas e mais
graves conseqüências.
Parece-me antes, imprescindível que se adote – talvez mediante, dispositivo
regimental das duas casas do Congresso – a prática, entre nós mesmos já recomendada, de
só emendar o Código por substituição dos dispositivos, de modo a conservar-lhe sempre o
texto completo. Foi o que fez, em relação ao próprio Código, a lei n.o 3725 de 15 de
janeiro de 1919.
É o que se faz em França. Quem possui um exemplar do Código Civil francês, na
pequena coleção Dalloz, por exemplo, com 2281 artigos, como Napoleão o promulgou há
mais de um século, tem aí o texto completo da lei atual, mas não dezenas e dezenas de
artigos já substituídos. Só assim o Código serve aos fins de vulgarização, de certeza de
direito, que o recomendam - maximé em país, como o nosso, de cultura deficientíssima,
sem unidade de magistratura, de elaboração legislativa retardada e lacunosa.
A nova lei de registro pode abrir no Código Civil algumas infiltrações, minando-lhe
a estrutura. Por outro lado, no entanto, parece-me caracterizar-se pela mesma timidez
peculiar às nossas leis. Muito mais audaciosos costumavam ser os regulamentos, que, ao
contrário, se deveriam restringir aos detalhes de aplicação das leis. Quanto às leis – é
comum que, como esta, não avancem de uma linha a solução das questões conexas à
matéria que versam, e até pareçam ignorá-las.
Várias alterações já têm sofrido o Código, e as de menor importância não são as
menos censuráveis. Assim, o Decreto legislativo n.o 4790 de 2 de Janeiro de 1924, sobre
direito autorais, além de outras modificações mais apreciáveis, parece ter alterado o art.
6731 do Código, estabelecendo no art. 1 , que o registro das composições musicais se faça
na Biblioteca Nacional, e não no Instituto de Música. No entanto, o art. 6, § 4 da nova lei de
registros repete o texto do art. 673 do Código, parecendo, assim, restaurá-lo, um mês e
cinco dias depois de derrogado.
O Código estabeleceu, no art. 862, uma regra muito aceitável:
“salvo convenção em contrário, incumbem ao
adquirente as despesas da transcrição dos títulos de
transmissão de propriedade e ao devedor as da inscrição ou
transcrição dos ônus reais”.
A lei n.o 4827 subverte esse critério, determinando:
“as despesas com o registro incumbem ao interessado
que o requerer”. (art. 9).
Logo, as despesas da inscrição de ônus reais, incumbem, agora, ao credor – nem se
ressalvando a hipótese de convenção em contrário. Não tenho dúvida, aliás, de que
precisamente a convenção das partes derrogará a regra estabelecida, troando-a letra morta.
Ao passo que assim modificava inutilmente o Código Civil, a nova lei não corrigiu,
ou melhor, não lhe acentuou a orientação jurídica sobre a tormentosa e importantíssima
questão da transcrição – deixando subsistirem, ou agravando, as dúvidas em que se
debatem a doutrina e a jurisprudência.
1 Os arts. 649 a 673 foram revogados pela Lei n.
o 9610, de 19/02/1998.
Sem poder expor aqui as divergências, a que me animo, com o ilustrado autor, sobre
esse ponto – referirei uma outra questão, por ele estudada neste livro, e que a nova lei
também deixou no mesmo estado de confusão em que se encontrava. É a questão do nome
civil (vide n.o 32).
O Sr. Filadelfo Azevedo recorda o voto recente do Congresso Jurídico do
Centenário, apoiado na grande autoridade do Sr. Carvalho Mendonça, no sentido de se
condenar a perpetuidade das firmas comerciais; e, com razão, assinala o contraste entre a
regra da omissão dos sobrenomes, no Registro Civil, e o rigor das decisões administrativas
que denegam a mudança de nome.
A lei determina (Cod. Civil, art. 2402) um caso de mudança de nome: a mulher
adotará o apelido do marido.
Numerosíssimas são, também, em nossos anais administrativos, decisões que
permitem ou reconhecem mudanças de tal espécie; arraigada e inspirada em interesses que
se não podem menosprezar, a prática da alteração de nomes individuais de sócios, para
perpetuar as firmas comerciais.
Invocam-se, em contrário, os arts. 16 e 25 do Decreto 9886, de 1888, por força das
quais nenhuma „retificação‟ se poderá admitir senão em caso de “erro, engano ou
inexatidão”, e mediante certas formalidades (vide C. Tavares Bastos, in Jornal do
Comércio de 25 de Setembro de 1923).
Não é, porém, a mudança de nome, caso de retificação.
Evidentemente não tem lugar por erro, nem por engano, ou inexatidão.
Não retroage. Não anula o nome anterior. Há simples mudança, e o Regulamento a
ela se referiria se determinasse a averbação dela.
Mas não a poderia ter em vista quando tratou da retificação, da corrigenda de erro,
engano ou inexatidão. O Decreto 9886 não cogita, pois, a mudança de nome; não a proíbe.
Dir-se-á que também a não autoriza. Mas a prática inveterada, corrente, comuníssima, de
tantos homens eminentes, ligada a interesses de tão alta monta – não de pode fulminar ou
considerar ilegal, no silêncio da lei.
O atual Ministro da Justiça, Sr. João Luiz Alves, que alia à autoridade de seu cargo
a da sua cultura jurídica, entende que “fora dos casos, ou das regras previstas por esse
2 Art. 1565 do Novo Código Civil de 2002.
regulamento, ninguém tem o „direito de fazer alterações no seu nome‟”. Mas, com razão, o
Sr. Astolfo Rezende mostrou a admissibilidade da alteração de nome civil em nosso
Direito, quando não arbitrária e fraudulenta, e encareceu a necessidade de regulá-la (Revista
de Direito, vol. 2, pág. 305). A nova lei de registros – enquanto não vem a esperada lei de
registro civil – poderia ter esclarecido, encaminhado a solução da questão. Não o fez.
Por esse e por outros motivos análogos, não me parece que a nova lei seja tão boa,
como a vê e a faz o Sr. Filadelfo Azevedo. Mas por isso mesmo, mais lhe louvo o
empreendimento, que por certo atenuará os inconvenientes da lei, facilitando-lhe e
esclarecendo-lhe a aplicação.
Fevereiro, 1924
Levi Carneiro.
DECRETO N.o 44827 DE 7 DE FEVEREIRO DE 1924
Reorganiza os registros públicos instituídos pelo Código Civil
1 – A aplicação do Código Civil, em 1917, pôs em evidência a necessidade de
sistematizar-se a matéria relativa aos registros públicos, até então esparsa e contraditória.
Atendendo a esse reclamo, expediu o Poder Executivo, desde logo, um regulamento
provisório, que, suprindo a falta de providências oriundas do poder competente, evitou
ficassem desamparadas tantas disposições salutares cobre o assunto, constantes do Código.
Esse ato tomou o número 12343 de 3 de Janeiro de 1917 e, a despeito do seu caráter
provisório, regulou, mais ou menos satisfatoriamente, o assunto durante sete anos.
2 – Mas, logo no primeiro ano de vigência do Código, o Congresso começou a
cogitar do assunto, tendo o saudoso deputado e hábil jurista João Maximiano de Figueiredo
oferecido à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, que o adotou em 27 de
Dezembro, o projeto n.o 441 de 1917.
Em artigo publicado no “Jornal do Comércio” de 9 de Julho de 1921, o finado
promotor público Renato Carmil atribuiu, sem contestação, a feitura desse projeto a uma
troca de idéias, em que tomara parte com os deputados Maximiano de Figueiredo e
Veríssimo de Mello, não lhes sendo estranho o concurso do curador Raul Camargo e do
eminente jurisconsulto Alfredo Bernardes.
No ano seguinte, o projeto, então sob o n.o 436, não teve maior andamento, o que
também se verificou em 1919; em 1920, porém, já sob o n.o 533, recebeu no plenário, em
terceira discussão, várias emendas assinadas pelos Srs. Paulo Frontin, Joaquim Osório e
Ubaldo Ramalhete.
3 – Voltado à Comissão, o ilustrado relator, deputado Veríssimo de Mello,
aceitando algumas das emendas e sugerindo outras, ofereceu um substitutivo, que logrou
aprovação pacífica da Câmara.
As modificações feitas afetaram, de preferência, a parte propriamente
administrativa; a mais importante das poucas alterações trazidas à essência da matéria de
registros consistiu na transferência da inscrição das locações, que podem valor contra os
adquirentes (Código – art. 1197), do registro de títulos, impropriamente indicado pelo
Decreto 12342, para o hipotecário, conforme lembrara o autor do presente trabalho em
artigo inserido na “Revista Jurídica”, (V. 14 pág. 233), desvanecedoramente citado pelo
relator em seu parecer de 22 de Outubro de 1920.
4 – Passando o projeto ao Senado, em 1921, ainda o autor dessas linhas, no
Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, lembrou, em sessão de 8 de Junho, que essa
conceituada corporação poderia, patrioticamente, colaborar na feitura da lei sobre registros
para que tivéssemos obra bem apurada em assunto, não só de apreço teórico, como de alta
valia na prática das relações jurídicas.
Aceitando o Instituto a sugestão, com maior entusiasmo, nomeou, ao mesmo dia,
para tratar da matéria uma comissão composta dos Sr.s Eduardo Duvivier e Filadelfo
Azevedo, proponente, sob a direção do então Presidente, o eminente Professor Alfredo
Bernardes.
Oferecido o parecer em sessão de 29 de Junho, sendo ainda relator o mesmo
proponente, mereceu ele aprovação do Instituto em sessão de 7 de Julho de 1921.
5 – Nesse ínterim, o relator no Senado, Dr. Marcílio de Lacerda, provecto membro
do Instituto, gentilmente retardou a discussão do projeto de modo a aguardar a colaboração
dessa associação científica, lisonjeiramente apreciada e adotada no parecer, para terceira
discussão, assinado pela Comissão em 27 de Dezembro de 1921.
Aprovado, porém, apenas no ano seguinte, também a Câmara dos Deputados não se
pode manifestar sobre as emendas do Senado, no decorrer de 1922, apesar de ter sido
assinado o parecer, na Comissão, em 28 de Dezembro deste ano.
6 – Em 1923 homologou, entretanto, a Câmara o parecer da lavra do ilustrado
jurista, deputado Heitor de Souza, que declarou “ter ouvido sobre a espécie a opinião
autorizada pelo saber e pela experiência do eminente Desembargador Caetano Montenegro,
Presidente da Corte de Apelação”.
A Câmara, assim, aceitou 22 das 37 emendas apresentadas pelo Senado, rejeitando
as 15 restantes e o Senado, por sua vez, conformou-se com a rejeição, não obstante ser
certo que “algumas das modificações recusadas, sem alterar o Código Civil viriam dar
maior eficiência aos registros a que se referem e outras, com melhor redação da proposição,
dariam a interpretação autêntica a vários dispositivos daquele Código e os tornariam assim
mais amoldáveis na prática (Parecer da Comissão de 5 de Novembro de 1923)”.
Sancionado pelo Senado esse modo de ver, veio o projeto afinal a ser convertido na
lei n.o 4827 de 7 de Fevereiro de 1923, publicada no “Diário Oficial” de 10 do mesmo mês.
7 – O grande movimento das transações e os prejuízos que, inversamente,
advinham de sua pequena repercussão, determinaram, nos tempos modernos, o
desenvolvimento do instituto dos registros públicos, cujos fins principais são a conservação
e a publicidade dos atos jurídicos.
A simples guarda dos fatos não teria grande eficiência, se não a acompanhasse o
princípio de completa publicidade, de modo a impedir a ocultação dos negócios,
fornecendo a terceiros, a quem seus efeitos pudessem atingir, um meio seguro de pesquisa e
autorizando, reciprocamente, uma presunção geral de ciência das relações jurídicas
registradas.
A propósito dos diversos dispositivos da lei, abordaremos o estudo desses dois
grandes efeitos do instituto dos registros, bem como do valor da prova, que deles decorre,
conforme os fins visados, em cada caso, pelo legislador em atenção ao interesse privado,
como ao público, segundo o grão de repercussão social que alcançam os fatos jurídicos.
8 – A divisão dos registros não tem obedecido aos preceitos da lógica, antes se tem
submetido à evolução das necessidades práticas, sem um sistema rigoroso e científico.
O próprio Código não prima por uma técnica apurada, referindo-se, confusamente, a
registro público, (arts. 12, 135 e 1197), registro geral (art. 16), registro de imóveis (art. 856)
registro peculiar a pessoas jurídicas (art. 18), etc.
Em um estudo teórico poderíamos estabelecer um critério, que obedecesse ao
predomínio de um dos três grandes elementos – a pessoa, a coisa e o ato, sem que,
entretanto, qualquer classe se pudesse considerar exclusiva de um deles.
Assim, o registro deveria ser dividido em pessoal, real e de títulos, e sujeito às
discriminações que sofrem cada um dos fatores pessoas, coisas e atos jurídicos, quer nas
transações comuns, quer nas mercantis.
A nova lei procurou adaptar-se, mais ou menos, a essa classificação, destacando
apenas as pessoas jurídicas e os direitos autorais, mas, nas atribuições das serventias, teve
de se render à contingências da prática, entregando, p. ex., o registro das pessoas jurídicas
ao cartório de títulos e documentos, que também abrangerá, em regra, as constituições de
penhor, como adiante verificaremos minuciosamente.
E, salvo exceções explicáveis perante a legislação anterior, a nova lei só cogitou de
matéria propriamente civil, desinteressando-se da parte relativa ao registro mercantil.
9 – Não vamos empreender aqui o estudo completo dos diversos regulamentos de
registros, sujeitos até a modificações decorrente da execução da presente lei; o nosso
instituto é o de abordar o problema, em seu aspecto geral, estudando principalmente os
casos de registros e os efeitos que deles decorrem, assunto de magna relevância no
comércio das relações jurídicas.
O ato legislativo que vamos apreciar mereceria de certo a classificação de lei,
segundo a própria distinção firmada pelo decreto n.o 3191 de 7 de Janeiro de 1899 (art. 39 e
40) – foi, entretanto denominado “decreto legislativo”; isto, porém, não impedirá que, para
evitar confusões, o chamemos lei, no decurso deste trabalho.
Art. 1.o Os registros públicos instituídos pelo Código Civil para a
autenticidade, segurança e validade dos atos jurídicos, ou tão somente para os seus
efeitos com relação a terceiros, compreendem:
10 – Os efeitos dos registros não são idênticos, variando em suas diversas espécies;
somente na apreciação minuciosa de cada um será possível salientar os respectivos matizes.
Há, entretanto, grandes modalidades perceptíveis à primeira vista: o valor absoluto
do registro, que o eleva à categoria de elemento substancial, indispensável mesmo em
relação às partes, como no caso de aquisição da propriedade imóvel por ato inter vivos e o
valor relativo, para os terceiros, que possam ser atingidos, sem alteração dos efeitos entre as
partes, independentemente do registro, como se dava no regime das leis de 1864 e 1890 e
ainda agora, incoerentemente, em relação à hipoteca (Código Civil, art. 848).
Outras vezes é ainda indicado como meio de autenticidade, acautelando as partes
contra o extravio de documentos.
Em relação ao valor da prova por eles produzida, também variam os efeitos dos
registros, ora produzindo uma presunção juris et de jure da veracidade da inscrição, ora
apenas juris tantum, sem purgar os vícios do título, ora ainda diferindo as conseqüências,
quer se trate de terceiros, quer dos interessados diretos.
Em outros casos, é simplesmente facultativo pela admissão de meios supletórios,
como o registro de obras literárias e até, praticamente, o civil, que não tem recebido o apoio
a que tem incontestável direito, favorecendo-se a praxe abusiva das despesas de prazo,
justificações, etc.
11 – A redação do art. 1.o ficou vaga e redundante, denunciando a sua origem na lei
973 de 1903, que criou o registro facultativo de títulos para a sua autenticidade,
conservação e perpetuidade ou apenas para a validade contra terceiros.
O Senado propusera uma emenda não só para corrigir a impropriedade da expressão
“registros instituídos pelo Código Civil”, como para simplificar os termos do artigo, à vista
da redundância que neles enxergava.
Entre, porém, o inócuo defeito de declarar instituídos pelo Código, registros de há
muito estabelecidos pela nossa legislação e a incorreção de confundir o duplo objetivo dos
registros – o ato em si e os seus efeitos, em determinados casos, contra terceiros, a Câmara,
não podendo cindir a emenda, manteve, acertadamente, o artigo primitivo.
A emenda estava assim redigida:
“Os registros públicos instituídos para a autenticidade,
segurança e validade dos atos jurídicos, compreendem.”
12 – Também foi suprimido, por proposta do Instituto o seguinte artigo (8.o do
Projeto):
Art. 8.o Todos os fatos ou atos sujeitos ao registro não
operam seus efeitos senão pela transcrição, inscrição, ou
averbação, conforme o caso, e, desde o momento em que ele
se realize”.
Assim justificou o Instituto a sua sugestão:
“Como já dissemos, é preferível suprimir tal artigo,
deixando apenas a referência ampla do art. 1.o, mesmo porque
há casos em que o registro não tem sanção, é simplesmente
facultativo como no da propriedade literária, simples
segurança que deriva do registro ex-vi do art. 673 do Código3
e art. 72, § 26 da Constituição”.
I, o registro civil das pessoas naturais;
3 Os arts. 649 a 673 foram revogados pela Lei n.
o 9610, de 19/02/1998.
13 – Vigorosa e difícil foi a campanha para introdução do registro civil no Brasil,
em substituição aos assentos eclesiásticos.
Autorizado pelo art. 17 § 3 da lei 586 de 6 de Setembro de 1850, foi expedido o
primeiro regulamento para o registro civil pelo decreto n.o 798 de 18 de Janeiro de 1852,
que declarava não ser afetado o registro religioso, regulado pelas disposições do Concílio
Tridentino e das Constituições do Arcebispo da Bahia (§ 70 do tit. 20, quanto aos
batismos); a sua execução foi, porém, sobrestada por decreto de 29 de Janeiro de 1852.
Em 1861 foi permitido o casamento leigo para os católicos, e, como conseqüência,
instituído o registro dos atos dele decorrentes (lei 1144 de 11 de Setembro e regulamento
3069 de 17 de Abril de 1863).
Após várias outras tentativas foi, porém, definitivamente aprovado o regulamento
do registro civil pelo Decreto 9886 de 7 de Março de 1888, sendo marcado o início do
serviço para o dia 1.o de Janeiro de 1889, pelo decreto 10044 de 22
de Setembro de 1888.
Para o novo registro passou a função de prova do nascimento e, portanto, da idade,
nome e filiação das pessoas naturais, bem como dos óbitos e casamentos, ainda que
celebrados estes perante autoridades religiosas.
Proclamada a República chegou a evolução a seu termo com a decretação do
casamento civil, único reconhecido oficialmente e decorrendo a sua prova do próprio
registro das solenidades do ato, prescritas pelo decreto 181 de 1890 e, ultimamente, pelo
Código Civil (art. 1954).
14 – Infelizmente a matéria de registro civil não tem sido tratada com carinho, que
devia merecer, a par da natural dificuldade de modificação dos arraigados costumes de
certa parte da nossa população do interior, atrasada e crente, de modo a, ainda hoje,
disputar, em certos lugares, com vantagem, o registro eclesiástico, os direito do registro
oficial, como é fácil verificar pelos documentos em tempo publicados pela Diretoria de
Estatística.
O próprio Estado se tem encarregado de apoucar o importante serviço de registro
civil, permitindo legisladores e magistrados o uso de abuso de provas graciosas e
4 Art. 1536 do Novo Código Civil de 2002.
justificações fáceis, sem cogitar da existência ou possibilidade da verdadeira prova pelo
registro.
Urge uma nova orientação no sentido de prestigiar o importante instituto, cujas
vantagens publicadas, não estão em plano inferior aos interesses privados, nele
comprometidos; é certo que vários projetos têm sido oferecidos, entre os quais um,
completo, da lavra do Dr. Manoel Coelho Rodrigues, mas já bastava a aplicação rigorosa
do decreto 9886 de 1888, ligeiramente revisto nos pontos, que uma experiência de 30 anos
tem indicado.
O ideal do registro será espelhar perfeitamente a vida do indivíduo, limitada entre os
fatos do nascimento e da morte, com os atos principais relativos ao seu estado civil,
continuando ainda às conseqüências por sua prole e parentes. E razão não há para separar o
registro de casamentos dos demais atos do registro civil, como já se tem feito em alguns
Estados.
15 – O registro, como é imprescindível, obedece à ordem cronológica e é lançado
em livros, cujos modelos foram descriminados, escriturados seguidamente e sem
abreviaturas nem algarismos, sendo cada termo subscrito pelo oficial, testemunhas e
declarante; se, após a leitura, não sofrer retificação imediata, só por decisão judiciária
poderá ser ela feita, ouvido o Ministério Público.
Os assentos tomados a bordo ou em campanha devem ser devidamente remetidos ao
cartório de registro para inscrição definitiva; os novos assentos (casamentos e óbitos, nos de
nascimento p. ex.) exigem ainda a remissão recíproca aos anteriores, o que não tem sido
cumprido, maximé quando constantes, de cartórios diversos (Art. 41 do Reg. 9886).
No fim do ano deve o oficial encerrar os livros e organizar um índice, tendo o
decreto 722 de 1890 determinado a remessa trimensal de mapas à Repartição de Estatísticas
para trabalhos do censo da população do país, o que também não tem sido cumprido até
hoje, e caba de ser modificado pela lei 4632 de 1923 (v. n.o 184).
16 – As declarações feitas fora do prazo estipulado no regulamento e ampliado pela
lei 3917 de 1919, são admitidas por despacho do juiz, que aplicará uma multa; aliás, a partir
de 1917, têm sido promulgadas sucessivas leis, a última das quais admitiu até 31 de
Dezembro de 1922, e sem a multa, os registros de nascimento não inscritos a partir de 1889
(lei 3764 de 10 de Setembro de 1919), por despacho do juiz togado.
Cogita-se, ora de renovar essa lei, que se vai tornando permanente entre nós, na
frase do ilustrado Dr. Levi Carneiro, que assim apreciou as tendências da nossa legislação:
“de ocasião, de favorzinhos, de condescendência com a fraude, de burla de instituições
utilíssimas, e despercebida de inovações adotadas pelos povos mais adiantados.”
“Sabemos todos os abusos, de conseqüências incalculáveis, que se têm praticado e
que se praticam, nesse sentido, especialmente com o impatriótico intuito de burlar a
obrigação do serviço militar, e, em certos casos, de burlar o rigorosismo atrasado da lei
atual do próprio registro.”
“Sabemos todos que há, assim, dezenas e dezenas de indivíduos registrados
duplicadamente, aqui e ali, para se aproveitarem de um ou de outro registro, segundo
melhor lhes convenha aos interesses de ocasião” (“Gazeta Jurídica” de 19 de Setembro de
1923).
17 – Concorrendo para essa desmoralização, existe a deficiência da nossa lei penal,
que deixa na impunidade os falsificadores de papéis do registro civil, conforme tem tantas
vezes decidido o Supremo Tribunal Federal (v.g. in Revista do S. T. Federal, v. 1.o , 1.
a
parte, pág. 92). Felizmente a lei n.o 4780 de 27 de Dezembro de 1923 acaba de sanar essa
lacuna da nossa legislação penal (art. 21).
Diante disso, é muito pouco o favor da isenção de selo para os “livros de registro
civil, e todos os papéis, documento, justificações, etc., concernentes ao casamento civil
(decreto n.o 14339 de 1
o de Setembro de 1920 – art. 30 n.
os 4 e 35).
II, o registro civil das pessoas jurídicas;
18 – Em 1893, a lei 173 criou, a cargo do oficial do registro hipotecário, o registro
das sociedades civis, associações de fins não econômicos; mais tarde, foi confiado esse
encargo ao oficial do registro de títulos.
Ainda que, a rigor, devesse caber ao registro de pessoas, as conveniências práticas
desviaram os princípios teóricos, confiando a outros serventuários o registro das pessoas
jurídicas de direito privado, que o Código estendeu a todas as espécies de sociedades civis,
revistam ou não a fórmula comercial, inclusive a anônima, bem como às fundações.
Assim, o Decreto 973 de 2 de Janeiro de 1903 confiou, no Distrito Federal, ao
oficial de títulos e documentos o registro das sociedades religiosas, científicas, recreativas e
outras a que se refere o decreto 173 de 1893.
O Decreto 4775 de 16 de Fevereiro de 1903 regulamentou a lei 973, cogitando do
registro das pessoas jurídicas especialmente no artigo 32.
19 – Dada a orientação tradicional de nossa legislação, aceitando a dicotomização
do direito privado, ficou excluída das disposições da presente lei a parte relativa ao direito
comercial, na qual avulta o registro das pessoas jurídicas de caráter mercantil, por meio de
arquivamento de seus atos constitutivos na Junta Comercial.
III, o registro de títulos e documentos;
20 – O projeto da Câmara incluía no registro civil das pessoas jurídicas a matéria,
ora compendiada no art. 4 da lei; foi destacada em título especial, por emenda do Senado,
que veio a prevalecer.
Ainda que, como já dissemos, fique, praticamente, cargo do mesmo oficial o
registro de títulos e o das pessoas jurídicas não há confusão possível no terreno da teoria.
Mas, a prática nesta matéria é fértil em contradições, como teremos de verificar no
discrime das várias atribuições dos registros, visados pela lei; em São Paulo chegaram a
mandar registrar no cartório de hipotecas as emancipações, interdições e ausências!
O registro de títulos foi criado pela lei 973 de 2 de Janeiro de 1903 e regulamentado
pelo Decreto n.o 4775 de 16 de Fevereiro de 1903; diversas leis estaduais o têm encaixado
em suas organizações autônomas.
IV, o registro de imóveis;
21 – Ao adquirir o Brasil sua independência política revestia-se a propriedade
imobiliária de uma instabilidade incompatível com o grande valor que representava, quando
ainda não se fizera sentir o surto moderno dos valores móveis: impunha-se a aplicação
imediata do sistema, já empregado alhures, da publicidade necessária à segurança da
propriedade e capaz de oferecer apoio eficiente ao respeito, que todos devem aos direitos
reais e que se não poderia exigir, com sinceridade, num regime de privilégios e hipotecas
gerais e ocultas; por maiores formalidades, de que se cercasse a transmissão de bens
imóveis, insuficientes seriam para trazer esse ato básico ao conhecimento geral, afastando a
incerteza da propriedade, suspeita ainda pelo imperfeito sistema de remissão.
Razões de tal monta determinaram, em outros países, o movimento legislativo em
prol do regime de ampla publicidade, consagrada nos registros, adotados até naqueles, cuja
tradição era refratária à exigência de formalidades para eficiência dos contratos de compra
e venda de imóveis, como é sabido.
Tendo a nossa lei de 20 de Outubro de 1823 mandado vigorar no Brasil a legislação
portuguesa, vigente em 25 de Abril de 1821, ordenações, leis extravagantes, regulamentos,
alvarás, decretos e resoluções reais, a aquisição do domínio dependia da tradição real ou
ficta, abastardada, quanto aos imóveis, pela inserção nas escrituras da clausula constituti;
confundiam-se, destarte, o nosso direito e o francês, anulada de fato a decantada antinomia
entre sistema deste e o romano: a tradição solene em Roma foi se degenerando até reduzir-
se a tênue ficção.
O Código Civil francês, ressalvado o período de vigência das leis revolucionárias,
praticamente restrita aos países chamados de nantissement (Troplong – Transcrição - § 19),
nenhuma inovação fez, pois, ao estabelecer a transmissão da propriedade pelos simples
pactos, o que de fato já se praticava em França, como em Portugal (T. de Freitas. Consol.,
art. 908), fiel ao Regime Romano.
Mas, de qualquer modo, era evidentemente precário o sistema de transmissão para o
conhecimento público e, por isso, foi ganhando terreno a prática do registro, ensaiado
timidamente em várias partes e afinal francamente desenvolvido no direito germânico; a ele
se rendeu, ainda que imperfeitamente, o próprio direito francês pela lei de 1855.
Com uma exata organização de registro, aplicável a imóveis e mesmo a certa classe
de móveis, como havemos de ver, fácil se tornava a investigação da propriedade, bem como
das relações entre os titulares de direito reais sobre eles existentes.
22 – Impunha-se, pois, no Brasil a aplicação do registro imobiliário não só para a
consolidação da propriedade, como para estimular o crédito real em condições econômicas,
pelos interesses módicos ante a solidez da garantia; o conhecimento exato de quem seja o
proprietário e da existência de ônus reais sobre a coisa tornavam-se indispensáveis para
assento desse crédito, amparado nos dois predicados da seqüela da preferência, e
impossível era obtê-los num regime de hipotecas ocultas e gerais, com preferência regulada
até sobre a prioridade das penhoras (Ord. 1. 3 tit. 91); ainda com a reforma de Pombal,
pelas leis de 22 de Dezembro de 1761 e 20 de Junho de 1774, concorriam as hipotecas em
igualdade e até inferioridade de situação com privilégios gerais e especiais.
A agravação desses males no Brasil, dada a sua imensa extensão territorial, tornava
premente a reforma da legislação a respeito e é interessante observar-se a evolução que
sofreu o problema, por períodos quase normais de 20 anos, no decorrer do século de
independência: a partir de 1823, ponto de referência da legislação reinícula, tivemos as
reformas de 1843, com a primeira tentativa de registro, 1864, com a lei notável de Nabuco
de Araújo, 1855-1890, com a adoção do regime de franca publicidade e especialização,
mantido afinal no Código Civil, em 1916, como um sistema hipotecário quase perfeito,
superior ao de muitos países adiantados.
23 – Já, desde 1834, no projeto do Código Comercial, buscava-se lançar as
hipotecas no registro de comércio, mas só em 1843 a lei 317 de 21 de Outubro criou o
registro hipotecário, cuja organização foi feita pelo regulamento 482 de 14 de Novembro de
1846, mas de um modo imperfeito pela manutenção de hipotecas ocultas e gerais sobre
bens presentes e futuros, ainda mesmo as de origem convencional.
Concorrendo para a solução do problema, a lei 601 de 18 de Setembro de 1850 e o
regulamento 1318 de 30 de Janeiro de 1854, obras de Euzébio de Queiroz, instauraram o
registro dos títulos de aquisição das terras devolutas; logo em seguida foi promulgada a lei
de 15 de Setembro de 1855, que exigiu escritura pública para as vendas de bens de raiz de
valor excedente a $200000.
Foram estes os primeiros passos para a regularização do imperfeito e incerto sistema
de propriedade territorial no país, mas sem dúvida, ainda insuficientes, pelo seu caráter
tímido e restrito, para escoimar os vícios da propriedade e oferecer base ao
desenvolvimento do crédito real.
24 – Em 1824 apresentou Nabuco de Araújo o projeto de reforma do regime
hipotecário, que estabelecia ainda a transcrição como formalidade substitutiva da tradição
para transferência da propriedade imóvel por atos inter vivos, salvo pela via judicial, mas só
logrou ele tornar-se lei (1236 de 24 de Setembro) em 1864, após brilhantes debates nas
duas casas do parlamento imperial, tendo sido da lavra do mesmo eminente jurisconsulto os
dois regulamentos relativos ao registro hipotecário e às sociedades de crédito real,
aprovados respectivamente pelos Decretos ns. 3453 e 3465, ambos de 1865.
Ainda que o intuito principal da lei fosse, como dissemos, o de incrementar o
crédito real, vinha ela, como o fizera também a lei francesa do ano VII, regularizar
necessariamente a situação da propriedade imobiliária, pois todos os imóveis corpóreos são
suscetíveis de hipoteca; para maior coerência e certeza, aboliu os privilégios em
concorrência com as hipotecas e, portanto, as hipotecas privilegiadas (T. de Freitas.
Consolidação – art. 1271), de que legislações adiantadas ainda não se puderam libertar,
com graves prejuízos, reconhecem-no seus mais abalizados comentadores; resolvida ficou
ainda a impossibilidade de hipotecas gerais de natureza convencional, como a lei anterior
permitia.
A nova legislação manteve ocultas e gerais as hipotecas legais das mulheres
casadas, menores e interditos, mas, apesar disso, procurou indiretamente dar uma
publicidade genérica por meio de providências dirigidas aos juízes, escrivães e tabeliães,
que processassem atos relativos à responsabilidade de maridos, tutores e curadores e a estes
ameaçando do crime de estelionato, tudo, porém, sem prejuízo dos interessados. Para os
demais casos de hipoteca legal estabelecia provisoriamente a prenotação, durante o
processo de especialização, aliás também facultado em relação às hipotecas gerais.
25 – Pela lei 3272 de 5 de Outubro de 1885, regulamentada pelo decreto 9549 de
23 de Janeiro de 1886, mais um passo foi dado para a solução do problema, abolindo-se as
hipotecas ocultas, mantendo-se, embora, a imprecisão das hipotecas gerais nos dois casos
de mulheres casadas e menores e interditos, cuja inscrição se tornou, porém, obrigatória.
O legislador revolucionário resolveu afinal a questão pelo regime de completa
publicidade e estrita especialização nos Decretos ns. 169 A de 19 de Janeiro e 370 de 2
Maio de 1890, prescrevendo a inscrição e especialização obrigatórias de quaisquer
hipotecas convencionais, legais e judiciárias.
Ficou, portanto, tão perfeito quanto possível a nossa legislação hipotecária, superior,
assim, à observada em outros países de grande civilização e cultura jurídica.
26 – Durante a elaboração do nosso Código Civil surgiram fundas divergências em
relação ao valor e à organização do registro predial: quanto à hipoteca, o projeto primitivo
de Clóvis Bevilaqua regressava ao regime da generalidade para a proteção dos incapazes,
mas o revisto manteve o sistema de completa especialização, obtido pelos decretos do
Governo Provisório e afinal vitorioso, a despeito do tremendo ataque de Andrade Figueira,
que sustentava o ponto de vista contrário, escudado talvez em Lafaiete (Direito das coisas
§173).
Adiante abordaremos, em seu devido lugar, os diversos casos relativos ao registro
predial. A lei procurou coordenar os dispositivos esparsos no Código e em diplomas
anteriores, a bem da sistematização desse registro, cuja valiosa função não é preciso
encarecer.
V, o registro da propriedade literária, científica e artística.
27 – Dada a tendência universalmente constatada de assimilação, embora
incompleta (Cod. Civil art. 524 § único5), dos produtos da inteligência, como manifestações
das ciências, letras e artes, à propriedade das coisas corpóreas e refletidas no Brasil em
diversos atos, é o momento de apreciar a propriedade literária em relação ao registro, tendo
5 Art. 1228 do Novo Código Civil de 2002.
ficado para a especialidade comercial as suas irmãs-propriedade de marcas e patentes,
embora em relação a esta nada justificasse a sua exclusão do direito civil.
O Código Criminal de 1830 apenas se limitou à proteção dos escritos e o de 1890
estendeu-a a papéis de Estado, livros, discursos, representações, composições musicais e
reprodução de obras de arte: a Constituição republicana garantiu aos autores de obras
literárias a reprodução exclusiva pela imprensa ou qualquer outro processo mecânico (art.
72 § 26).
A primeira lei promulgada especialmente sobre o assunto foi a de n.o 496 de 1 de
Agosto de 1898, que estabeleceu como formalidade essencial para o gozo dos direitos
autorais o registro na Biblioteca Nacional, dentro de dois anos, de um exemplar de obras
impressas ou de fotografias de obras de arte, sendo o processo exposto minuciosamente nas
instruções de 14 de Junho de 1901, substituídas pelas de 18 de Janeiro de 1917.
O Código Civil, no artigo 6736, manteve o registro mas, apenas „para segurança‟
dos direitos do autor.
Art. 2.o No registro civil das pessoas naturais far-se-á:
28 – O aspecto geral do registro civil já foi esboçado no n.o 13; em relação a cada
espécie de atos a ele sujeitos, indicaremos as respectivas peculiaridades.
a) a inscrição:
I, dos nascimentos, casamentos e óbitos (Código Civil, art. 12, n. 17);
NASCIMENTO
6 Arts. 649 a 673 revogados pela Lei n.
o 9610, de 19/02/1998.
7 Art. 9
o , I do Novo Código Civil de 2002.
29 – O regulamento estabeleceu o prazo de três dias para o registro de nascimento,
alargando-o para lugares distantes do cartório, mas, em 1919, a lei 3917 de 3 de Dezembro
estendeu-o para 15 dias; em caso de dúvida, o oficial pode verificar o nascimento ou exigir
atestado médico, da parteira ou de duas testemunhas, que não os pais.
Se a criança nascer morta ou morrer no parto ou dentro de 30 dias, basta declaração
assinada pelo pai ou mãe ou quem fizer suas vezes. O nascimento deve ser comunicado
pelo pai ou, em falta ou impedimento, pela mãe, parentes mais próximos, médico, parteira
ou pessoa idônea. Deve-se declarar o dia e hora, o sexo, a ocorrência da geminação, a
legitimidade, o nome e os sobrenomes, e os nomes dos pais e avós, suprimida pelo atual
regime de separação da Igreja a declaração dos padrinhos, tudo perante duas testemunhas.
As crianças nascidas em viagem terão o nascimento anotado em três vias, remetidas
duas ao cônsul do 1.o porto e ao cartório da residência dos pais e entregue outra à parte;
serão registradas, na falta de lugar de residência, no 1.o distrito do porto de registro da
embarcação.
Em campanha de haver um livro de nascimentos no comando militar para civis e
militares, sendo remetidas as cópias dos assentos à Secretaria do Interior.
O Código Penal no art. 388 (sem falar no esdrúxulo art. 286) comina pena de multa
a quem deixar de dar o registro nascimento, mas nunca teve aplicação, tendo as leis 2887,
3024 e 3764 permitido sem multa até 31 de Dezembro de 1922 o registro de pessoas
nascidas a partir de 1.o de Janeiro de 1998, como vimos (n. 16).
E tão habituados ficaram os oficiais ao regime dessas leis de favor, salienta o Dr.
Levi Carneiro, que se pratica desassombradamente o registro de pessoas de toda a idade,
apesar de ter expirado o prazo marcado na última delas.
30 – O próprio Código Civil, que cogitou expressamente do registro civil, abriu a
porta à fraude, admitindo displicentemente no art. 180 n. I a certidão de idade ou “prova
equivalente”.
Continuou, assim, falseada a aplicação do registro civil, desde logo, após sua
criação iludido por uma falsa interpretação do Decreto 773 de 20 de Setembro de 1890, que
permitiu, na falta ou impossibilidade da apresentação do registro, entre outros processos, a
justificação pelo depoimento de duas testemunhas e até o exame de peritos.
A justificação ou o novo registro só deveriam ser permitidos, ante a prova
inequívoca de falta ou perda do primitivo assento, mas infelizmente na prática nunca se
cogitou dessa preliminar, senão agora, pelas enérgicas providências do ilustrado Procurador
Geral do Distrito, Dr. André de Faria Pereira (circular n.o 12 de 2 de Junho de 1924).
31 – Para salientar a gravidade da função do registro civil, basta recordar que o
próprio Código Civil assim dispõe, p. exemplo:
Art. 3478 – A filiação legítima prova-se pela certidão do termo de nascimento,
inscrito no registro civil.
Art. 3489 - Ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de
nascimento.
Clóvis Bevilaqua, mostrando a mutilação sofrida por esses artigos através da
elaboração do Código, subentende a exceção “salvo provando-se erro ou falsidade do
registro”: o próprio regulamento n.o 9886 prevê exatamente a hipótese de retificação, que,
segundo os arts. 16, 17 e 25, deve ser feita com a maior cautela sob decisão do magistrado,
que tiver sob sua jurisdição o serviço de registro civil.
Entretanto, na hipótese do art. 339 n.o II o assento não mais pode ser impugnado
pelo pai se este foi o declarante, pessoalmente ou por procuração; ainda assim a proa da
falsidade caberá, analogamente ao que dispõe o Código no art. 35610
em relação à
maternidade.
O art. 14311
do Código permite que os ascendentes por consangüinidade ou
afinidade possam ser admitidos como testemunhas em questões em que se trate de verificar
o nascimento ou óbito dos filhos.
NOME
8 Revogado pela Lei n
o 8560, de 29/12/1992.
9 Art. 1604 do Novo Código Civil de 2002.
10 Art. 1608 do Novo Código Civil de 2002.
11 Art. 228 do Novo Código Civil de 2002.
32 – O art. 58 do Decreto 9886 exige, entre outras circunstâncias, a menção no
assento do “nome e sobre nomes que forem ou houverem de ser postos à criança”.
Mas, não havendo propriedade do nome civil, ao contrário, reinando grande
incoerência na formação dos sobrenomes, resulta que “não registramos as crianças com
sobrenomes, pois os pais, ao virem registrar seus filhos, lhes dão apenas o nome, dizendo,
quando se fala em sobrenome, que, depois de crescerem o escolherão à vontade” – é o
depoimento de um provecto oficial do registro em apreciável trabalho que publicou a
respeito (Adolfo Correa de Barros – Tratado de Registro Civil, pág. 101).
Eis, porque, se nos afigura demasiado rigorosa a solução dada recentemente pelo
Ministério da Justiça a um pedido de alteração de nome:
“- Indeferido; não há que retificar visto que o nome
constante do registro é o seu verdadeiro nome, que pode ser
simplificado para fins comerciais, mas não para fins civis,
atendendo a que são coisas diversas – assinatura e nome –
não podendo neste ser feitas alterações fora dos casos
previstos e das regras determinadas pelo decreto n. 9886 de 7
de março de 1888, não tendo efeito jurídico tais alterações
feitas arbitrariamente que não podem ser permitidas por este
ministério, ao qual falece competência para isso; em acórdão
de dezembro de 1919 sob n. 3341, já a Corte de Apelação
declarou que, em face do disposto no art. 25 do decreto n.
9886 citado só se permite a retificação do registro civil
quando se verificar erro, engano, inexatidão ou omissão de
fato ou circunstância essencial; ao requerente cabe retificar
pelos meios legais, os registros de nascimento e casamento”.
(V. Rev. de Direito, v. 58, págs. 358 e 54 pág 18).
Se há, em regra, omissão na declaração dos sobrenomes, no ato do registro, não se
justifica esse rigor, contrastante com a facilidade com que se admitem as mais esdrúxulas
combinações de nomes comerciais para a perpetuação de firmas, em desacordo com a
verdadeira identidade dos novos sócios.
O Congresso Jurídico de 1922 chegou a aprovar, na seção de Direito Comercial,
uma conclusão condenatória desse procedimento; em todo o caso, injusta é essa disparidade
na modificação do nome, concedida a uns e negada a outros.
A melhor solução seria facultar às partes a escolha de seu nome integral, ao
atingirem a maioridade civil, por meio de averbação no respectivo registro de nascimento;
somente nestas condições seria razoável prescrever a imutabilidade (Rev. de Dir., v. 2,
págs. 305 , 70 e 231).
O casamento acarreta a adição do sobrenome do marido ao nome da mulher (Cod.
art. 24012
), mas o divórcio anula essa modificação, quando for a mulher condenada (Cód.
civil, art. 32413
e penal, art. 379 § único).
CASAMENTO
33 – Como formalidade destinada a produzir a necessária publicidade,
estabeleceram, imemorialmente, os preceitos do direito canônico, os editais, proclamas ou
banhos e do casamento, celebrado regularmente perante os sacerdotes, no Brasil, tomava-se
além disso um assento em livro competente, com nomes dos cônjuges e testemunhas e a
menção do dia e lugar em que se passou o ato, sendo consideradas as respectivas certidões
como instrumentos públicos; a feitura minuciosa dos assentos em um livro especial estava
indicada nos §§ 318 e 319 do tit. 73 do livr. 1.o das Constituições do Arcebispado da Bahia,
em referência às disposições do Sagrado Concílio Tridentino.
O casamento misto estava sujeito às mesmas formalidades e o acatólico, admitido
pela lei 1144 de 1861, dependia do registro dentro de um mês das certidões do ministro
celebrante no livro competente, estabelecido pelo regulamento 3069 de 1863, como prova
do ato e conhecimento de terceiros, aos quais só era oponível, da data do registro, o
12
Art. 1565, § 1o e § 2
o do Novo Código Civil de 2002.
13 Arts. 315 a 324 revogados pela Lei n.
o 6515, de 26/12/1977.
casamento não registrado, no prazo normal de um mês; permitiu-se ainda o registro dos
casamentos anteriormente celebrados fora do rito da religião oficial.
Foram essas as primeiras manifestações do registro civil entre nós; na falta ou perda
dos livros paroquiais admitiam-se, como prova do casamento, justificações eclesiásticas,
instrumentos públicos e até testemunhas.
34 – O decreto 9886 de 1888 determinou que, dentro de 3 dias da celebração do
casamento no país, os esposos por si ou procuradores especiais deviam registrar no cartório
civil a certidão do casamento, qualquer que fosse a comunhão religiosa, descriminando o
art. 70 as declarações necessárias; os casamentos realizados no estrangeiro deviam ser
notificados, após 30 dias da chegada ao país, ao oficial do registro civil juntamente com a
certidão do ato contraído perante autoridades estrangeiras ou nossos cônsules, fazendo-se o
registro, caso ainda não tivesse sido feito pela comunicação a que os cônsules são
obrigados.
O Decreto 181 de 1890, como conseqüência da separação, entre a Igreja e o Estado,
estabelecendo o casamento civil, concluiu a evolução do problema, derivando ao mesmo
tempo a prova e o registro do termo de casamento, lavrado pelo respectivo oficial no ato,
presidido pelo juiz. O referido decreto mandava averbar no registro civil de casamento as
sentenças de divórcio, nulidade e anulação do casamento, bem como inscrever os
casamentos de brasileiros no estrangeiro, 3 meses depois do ato ou um mês do regresso ao
país.
35 – O Código Civil pouco modificou o assunto; além dos editais ou proclamas,
registrados em livro próprio, como já dispunha o decreto 181, deve ser lavrado após a
celebração do matrimônio no livro respectivo e com assinatura do presidente do ato,
cônjuges, testemunhas e oficial do registro, um termo (art. 19514
) com os nomes, prenomes,
data do nascimento, profissão, domicílio e residência dos cônjuges e de seus pais,
casamento anterior, relação dos documentos de habilitação, regime de bens com a
especificação da escritura antenupcial, se houver (art. 19615
).
14
Art. 1536 do Novo Código Civil de 2002. 15
Art. 1537 do Novo Código Civil de 2002.
Em certos casos permite o termo em avulso para transcrição posterior (art. 19816
), e,
in extremis, o registro será tomado dentro de 5 dias pelo depoimento de 6 testemunhas não
parentes, com retroação, salvo se o doente, convalescendo, puder ratificar o casamento,
regularmente (art. 200 e seus parágrafos17
).
A prova do casamento faz-se pela certidão do registro (art. 20218
), que aliás o
próprio Código se encarregou de enfraquecer, admitindo, sob justificação da falta ou perda
daquele, qualquer outra espécie de prova (§ único); admite ainda a posse de estado, que,
cederá, entretanto,à prova em contrário do registro (art. 20319
).
O casamento celebrado fora do Brasil prova-se, segundo a lei do lugar da celebração
ou pelo registro do consulado, quando nele contraído, parecendo dispensar o Código a
averbação desse registro no país, (art. 20420
), cautela, entretanto, sempre recomendável.
36 – Quando a prova da celebração legal do casamento resultar de processo
judicial, a inscrição da sentença no livro do registro civil produzirá, assim no que toca aos
cônjuges, como no que respeita aos filhos, todos os efeitos civis, desde a data do
casamento (art. 20521
).
O eminente Clóvis Bevilaqua, no comentário a este artigo (Código civil comentado,
v. 2., pág. 62) salienta o alcance da emenda introduzida no art. 205 pela lei 3725 de 1919
para manter o seu verdadeiro fim, que largamente explica – qualquer processo judicial e
não somente o de homologação de casamento celebrado in articulo mortis.
ÓBITO
37 – A morte das pessoas provava-se ainda pelas certidões de óbito, extraídas dos
livros eclesiásticos, na forma dos §§ 831 a 833 do tit. 49 das Constituições do Arcebispado
da Bahia, e a partir de 1863 os de acatólicos por certidões dos escrivães do juízo de paz, e
16
Art. 1539 do Novo Código Civil de 2002. 17
Art. 1541 e seus parágrafos do Novo Código Civil de 2002. 18
Art. 1543 do Novo Código Civil de 2002. 19
Art. 1545, § único do Novo Código Civil de 2002. 20
Art. 1544 do Novo Código Civil de 2002. 21
Art. 1546 do Novo Código Civil de 2002.
também pelas certidões dos livros das Colônias, hospitais, prisões, etc.; quanto às pessoas
em viagem ou no estrangeiro as disposições eram idênticas às dos nascimentos.
38 – Com o decreto 9886 de 1888 e a secularização constitucional dos cemitérios
nenhum enterro se podia mais fazer sem certidão de óbito do registro civil, tomado à vista
de atestado médico ou, na falta, de duas pessoas idôneas, rigorosamente exigia-se, ainda,
para as pessoas nascidas após 1889 a prova do nascimento pelo registro, o que nunca se
verificou na prática (art. 74, § único).
No caso de impossibilidade do registro por epidemia, o enterro se faz por ordem da
polícia, tomando-se o assento no dia imediato, o que fará ainda quanto aos óbitos ocorridos
longe do cartório.
São obrigados à declaração, na ordem, o chefe de família, a viúva, o filho, o
administrador, a última pessoa que assistiu ou a autoridade policial. O assento deve conter
dia, hora e lugar do óbito, nome, estado civil, pais e filhos do falecido, a circunstância de
deixar testamento, o cemitério e a causa-mortis. Se se tratar de desconhecido, registram-se
os sinais característicos. Em campanha far-se-á o registro no comando militar, com
anotações para o registro.
Já vimos que os ascendentes podem ser admitidos como testemunhas em questões
em que se trate de verificar o nascimento ou o óbito dos filhos (Cód. art. 14322
).
39 – A morte é presumida pela ausência, (art. 1023
), cuja sentença será inscrita no
registro civil, mas nunca terá o efeito de dissolver o casamento anterior (art. 315, § único
do Cód. Civil24
).
Há dificuldade em certos casos de provar o óbito de que, embora incontestável, não
se pode alcançar o direto exame cadavérico; um aviso de 14 de Janeiro de 1891 mandou
também admitir a justificação como supletoria nesses casos, que a nossa lei silenciou.
Se dois ou mais indivíduos faleceram na mesma ocasião, não se podendo averiguar
se algum dos comorientes precedem aos outros aos outros, presumir-se-ão simultaneamente
mortos (Cód. art. 1125
).
22
Art. 228 do Novo Código Civil de 2002. 23
Art. 6o do Novo Código Civil de 2002.
24 Os arts. 315 a 324 foram revogados pela Lei n.
o 6515 de 26/12/1977.
25 Art. 8
o do Novo Código Civil de 2002.
II, da emancipação por outorga do pai ou mãe, ou por sentença do juiz
(Código Civil, art. 12, n. 2).
40 – Além dos nascimentos, casamentos e óbitos, constantes das leis anteriores o
Código Civil submeteu ao registro das pessoas físicas a emancipação por outorga do pai ou
da mãe ou sentença do juiz, já que nos demais casos deriva ela de atos solenes constantes
de registros, salvo de estabelecimento civil, terrivelmente duvidoso (art. 926
).
O Decreto 12343 de 1917, que regulou provisoriamente as novas hipóteses de
registros, de que cogitara o Código, mandou averbar os atos acima referidos no registro
civil, por extrato, salvo quando estivesse em outro cartório o assento primitivo, caso em que
se abriria novo, fazendo-se aquele notificação ex-officio.
Fê-lo, certamente, para contornar a dificuldade de um assento, sem um livro
especial preestabelecido e ante a dificuldade e problemática publicidade, que teria a
inscrição perdida entre os assentos de nascimentos, que obedecem a uma ordem
cronológica, quebrada, aliás, pelas sucessivas leis desmoralizadoras do registro, que têm
permitido o registro de nascimentos em qualquer tempo e lugar.
O mais razoável seria ordenar o registro em livro especial, com a averbação
obrigatória no assento de nascimento, solução já dotada em parte pelo § 2.o do art. 2.
o do
decreto 12343 para o caso de diversidade de cartórios.
E de certo, o fará definitivamente o regulamento revisto, a ser baixado em
cumprimentos à nova lei, que aliás não exige cópia integral dos documentos para a
inscrição (art. 8).
41 – Ficou ainda resolvida a contradição notada por Clóvis Bevilaqua (op. cit., v. 1,
pág. 200) entre o decreto 12343 e a lei 3232 de 5 de Janeiro de 1917, ambos publicados no
mesmo dia, confiando aquele os novos casos de registros aos oficiais privativos desse
serviço e este (art. 10, § 3) aos escrivães de órfãos, no Distrito Federal.
26
Art. 5o do Novo Código Civil de 2002.
A predominância, que a disposição legislativa naturalmente conservava,
desapareceu com o sistema acertado da lei n.o 4827, ficando os oficiais do registro civil,
encarregados do novo serviço perfeitamente compatível com os respectivos ofícios.
Parece-nos que o dispositivo novo, pelo seu caráter, deve primar mesmo sobre as
leis estudais, que têm, diversamente, disposto sobre a matéria, como, por exemplo, a do
Estado de São Paulo, que confiou esse serviço ao registro hipotecário.
42 – No caso de emancipação por ato dos pais, o Conselho Supremo da Corte de
Apelação exigiu homologação judicial, cuja certidão seria o documento autêntico para
inscrição no registro civil (Provimentos, v. 1, pág. 61; Rev. de Direito, v. 46, pág. 578),
exigência depois limitada aos casos de escrito particular, reconhecendo-se a perfeita
autenticidade da escritura pública (Provimentos v. 2, pág. 33).
O certo é que essa exigência de homologação constava expressamente do art. 9 de
ambos os projetos, primitivo e revisto, e foi intencionalmente suprimida pela Comissão
especial da Câmara dos Deputados, por proposta do Sr. Andrade Figueira, aceita pelo
relator; e não é admissível que os Estados possam regular diversamente, em suas leis
processuais, matéria essencial de direito civil exigindo, dispensando ou graduando a
intervenção do magistrado – só a lei federal poderia dispor a respeito e nenhum artigo do
Código pode, talvez, apresentar maiores e mais graves defeitos de que o de n.o 9.
Recentemente nomeado para a judicatura orfanológica do Distrito Federal, o acato
jurista Pontes de Miranda já teve, entretanto, ocasião de produzir sentença, notável pelos
conceitos científicos e minuciosa documentação histórica, em que sustenta opinião oposta à
da generalização dos comentadores para exigir sempre, não só a homologação, como o
exame intrínseco do caso pelo juiz que a tiver de conceder; assaz aconselhável é a sua
leitura, na Gazeta Jurídica de 20 de Abril de 1924.
III, da interdição dos loucos, surdos-mudos e dos pródigos (Código
Civil, art. 12, n. 327
);
27
Art. 9o, III do Novo Código Civil de 2002.
43 – Na redação final da Comissão especial da Câmara foi incluído este novo caso
de registro, além do previsto na alínea anterior, da autoria de Andrade Figueira; a lei 3725
melhorou o texto, incluindo os surdos-mudos.
É interesse lembrar a respeito o art. 451 do Código28
: “Pronunciada a interdição do
surdo-mudo, o juiz assinará, segundo o desenvolvimento mental do interdito, os limites da
curatela”.
Devem ficar constando claramente do registro a extensão e limites da curatela para
conhecimento dos terceiro interessados; em relação aos pródigos vigora o disposto no art.
45929
.
O mesmo princípio foi advogado para o caso dos loucos, que, genericamente,
consignado no Código, deve ser particularizado na prática. A idéia agitada pelo provecto
curador de Órfãos Dr. Raul Camargo, com o decidido apoio do brilhante juiz Eurico Cruz,
foi aplaudida e indiretamente aplicada no § 5 do art. 12 do Decreto 14969 de 3 de Setembro
de 1921, que regulamentou a lei 4294 de 6 de Julho de 1921 sobre os intoxicados pelo
álcool ou substâncias venenosas (v. Raul Camargo – Loucos de todo o gênero).
44 – O Senado, cedendo às inspirações do Dr. Renato Carmil, que sempre se batera
pela criação do registro dos menores sob tutela, assim justificou uma emenda aditiva:
Art. 2.o A alínea III do art. 2.
o , além de mal redigida,
é deficiente, por isso que não abriga o registro de maior parte
dos incapazes, que são os órfãos já sujeitos a registro pela
velha Ordenação do liv. I, tit. 88 e § 3.o, que ordenava aos
juízes de Órfãos mandasse inscrever em um livro todos os
órfãos da sua cidade, vila ou lugar, com o nome, idade e
filiação de cada um, e quem o seu tutor. É verdade que o
Código não cogitou dessa espécie de registro; mas isso não
impede que se dê pleno vigor àquele texto da legislação
28
Art. 1772 do Novo Código Civil de 2002. 29
Art. 1782 do Novo Código Civil de 2002.
reinícola e se procure, com tal dispositivo, amparar ainda
mais essa grande classe de infelizes a cujo respeito escreveu o
Sr. Dr. Renato Carmil, ilustre promotor público desta capital,
e que muito se tem interessado pela criação do registro de
órfãos as seguintes palavras: “O cuidado na guarda pessoal
dos órfãos e na conservação dos seus bens sempre foi
considerado como uma necessidade de ordem pública.”
(Contribuição para o resguardo da pessoa e bens dos
menores, órfãos e interditos, pág. 2).
A redação do dispositivo em questão deixa fora
também outros indivíduos igualmente incapazes e sujeitos à
interdição, por não serem loucos, surdos-mudos ou pródigos,
como toxicômanos, e deve ser substituída pela palavra –
„interditos‟que compreende todas as pessoas julgadas
incapazes em virtude de sentença.
Por sua vez, a palavra – „órfão‟, segundo a técnica
jurídica, não abrange todos os menores que precisam da
proteção dos poderes públicos, como os filhos de pais
privados de patria potestas, os quais, apesar de não serem
órfãos, estão, todavia, sujeitos à tutela. Por isso devemos
empregar, de preferência, a expressão – „menores sob tutela‟
que compreende perfeitamente as duas hipóteses. E, em vista
disso, propomos a substituição daquela alínea pela seguinte:
III, dos interditos e menores sob tutela (Código Civil,
arts. 406 e 44630
).
A Câmara, porém, rejeitou a emenda, pelos seguintes fundamentos:
“O registro de menores é dispensável diante da forma
por que são escriturados os livros de tutelas. Por vezes há
30
Arts. 1728 e 1767 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente.
sido sugerida e tentada a criação, mas as iniciativas têm sido
frustradas.
As declarações lançadas nos livros de tutelas, no
sentido do censo estatístico da Ord. Liv. 1o Tit. 88, § 3
o são
mais eficazes do que a simples inscrição da menoridade.
O que se registra, no caso do n. 3, art. 12 do Código
Civil31
, é a sentença ad instar do que se faz na hipótese da
alínea do n. 4 no tocante à sentença declaratória da ausência
para os efeitos da sucessão provisória ou definitiva”.
O art. 43 do Decreto 16272 de 20 de Dezembro de 1923, criando o juiz de menores
no Distrito Federal, atribuiu ao respectivo escrivão a feitura de um registro no qual serão
inscritos os assentamentos dos menores abandonados e delinqüentes.
IV, da sentença declaratória da ausência (Código Civil, art. 12, n. 432
).
45 – Por disposição do Código devem ser ainda registradas as sentenças
declaratórias de ausência.
A sentença a inscrever é a primeira que nomeia curador ao ausente (Código Civil,
arts. 463 a 46433
).
A morte é presumida pela ausência (art. 10, 2a parte
34) nos casos dos arts. 481 e 482
do Código35
, isto é, 30 anos depois de passada em julgado a sentença que concede a
abertura de sucessão provisória ou provando-se que o ausente conta 80 anos de nascido e
que de cinco datam as últimas notícias suas.
Para o efeito, porém, de dissolver o casamento anterior a morte não se presume pela
ausência (Código art. 315, § único36
).
31
Art. 9o, III do Novo Código Civil de 2002.
32 Art. 9
o , Iv do Novo Código Civil de 2002.
33 Arts. 22 e 23 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente.
34 Art. 6
o do Novo Código Civil de 2002.
35 Arts. 37 e 38 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente.
36 Os arts. 315 a 324 foram revogados pela Lei n.
o 6515 de 26/12/1977.
b) a averbação;
46 – O atual regulamento do registro civil estabelece a maior confusão entre os
casos de anotação, averbação e retificação (arts. 24, 28 e 29).
A anotação é feita ex-oficio e limita-se como vimos às remissões que pelos
casamentos e óbitos deve fazer o serventuário nos assentos anteriores do nascimento e
casamento.
A averbação depende de sentença, mandado, certidão ou documento autêntico: é
feita ou à vista dos autos originais, de carta de sentença ou mandado; nos demais casos de
documentos, quando muito se poderia exigir autorização do juiz, superintendente do
serviço do registro, mediante simples despacho. (Corrêa de Barros – op. cit.).
Para os casos de retificação o art. 25 do Regulamento 9886 exige justificação co
audiência dos interessados e do Ministério Público, sendo passado afinal mandado de
retificação ou de abertura de novos assentos, se se pretender, ao invés de retificar, suprir o
registro, afim de fazer, ao lado, as averbações que forem ocorrendo.
I, das sentenças que decidirem a nulidade ou a anulação do casamento, o
desquite e o restabelecimento da sociedade conjugal.
47 – A lei, por sugestão do Instituto dos Advogados, reafirmou a exigência dos
arts. 116 e 117 do Decreto n.o 181 de 24 de Janeiro de 1890:
As sentenças que decidirem a nulidade ou anulação do casamento ou divórcio serão
averbadas na casa das observações do respectivo registro civil.
A averbação se fará nos casos de nulidade ou anulação, do casamento do seguinte
modo: “declarado nulo (ou anulado) por sentença de... de... de....; do juiz de (escrivão F:);
confirmada por acórdão de ... de... do Tribunal, apelação n.o ... (escrivão F.) e mutatis
mutandis ara as sentenças de divórcio.
O art. 118 do Decreto 181 declarava que só produziriam efeitos contra terceiros as
sentenças depois de averbadas.
48 – O código silenciara a respeito, mas o Instituto lembrou a conveniência da
restauração, ampliada, dos arts. 116 e 117, a despeito do disposto no art. 261 do Código
Civil37
, pois não se devem confundir os dois registros para fins diversos – um tendente ao
conhecimento perfeito do estado civil da pessoa e outro destinado, especialmente, a dar
terceiros a situação exata da propriedade de imóveis, aquele a constar no lugar do
casamento e este no da situação dos bens. Sobre a imperfeição do art. 261 do Código,
diremos, oportunamente, ao comentar o art. 5, letra a n.o 2 da lei.
O Conselho Supremo da Corte de Apelação já distinguira nitidamente os dois
efeitos no luminoso provimento de 24 de Novembro de 1919 (Provimentos, vol. II, pág.
31).
Serão averbadas não só as sentenças de desquite, (art. 32238
), de anulação ou
nulidade de casamento (art. 222) como o restabelecimento da sociedade conjugal feita por
ato regular no juízo competente (Cód. art. 32339
).
Seria também conveniente a averbação da separação preliminar de corpos e do
suprimento judicial de autorização para que os cônjuges pratiquem os atos especificados no
Código.
A dissolução da sociedade conjugal pela morte de um dos cônjuges (Código, art.
315, n.o 1) deve ser, não averbada, mas simplesmente anotada ex-officiono assento do
nascimento do cônjuge superstite, como já vimos.
II, das sentenças que julgarem ilegítimos os filhos concebidos na
constância do casamento (Código Civil, art. 34440
) e das que provarem a filiação
legítima (art. 35041
).
37
Art. 1657 do Novo Código Civil de 2002. 38
Arts. 315 a 324 revogados pela Lei n.o 6515 de 26/12/1977.
39 Arts. 315 a 324 revogados pela Lei n.
o 6515 de 26/12/1977.
40 Art. 1601 do Novo Código Civil de 2002.
41 Art. 1606 do Novo Código Civil de 2002.
49 – Para aperfeiçoar o sistema de completa publicidade do estado civil das
pessoas naturais, a lei, por sugestão do Instituto, mandou averbar nos assentos de
nascimento, entre outras circunstâncias, as sentenças que julgarem ilegítimos os filhos
nascidos na constância do casamento (Cod. art. 344), em ação privativa do marido, com a
breve prescrição de dois meses (art. 178, §342
).
O art. 33843
estabelece a presunção geral de legitimidade, que o art. 339 amplia, em
certos casos, um dos quais se refere à declaração no assento, pessoalmente ou por
procurador.
Os arts. 340 a 34344
fixam os casos em que se pode verificar a contestação de
legitimidade e o art. 34645
exclui a confissão materna como prova suficiente.
50 – O art. 34746
, já vimos, firma a prova de legitimidade pela certidão do termo de
nascimento, acrescentando o art. 34847
que ninguém pode vindicar estado contrário ao que
resulta do registro de nascimento.
Este dispositivo, já salientamos, não pode ser entendido com rigor, sob pena de se
chegar ao absurdo; por isso o egrégio Clóvis assim condiciona a regra: “salvo provando-se
erro ou falsidade do registro”, exceção, aliás, expressa na hipótese análoga do art. 35648
,
relativa à maternidade.
E tanto é assim que o Código, logo em seguida, dá ação de prova de filiação
legítima aos filhos e seus herdeiros (arts. 350 e 35149
), nos casos de art. 34950
; a sentença de
declarar a legitimidade deve também ser averbada no registro para retificá-lo.
III, dos casamentos de que resultar legitimação de filhos ou concebidos
anteriormente (Código Civil, art. 353).
42
Art. 206 do Novo Código Civil de 2002. 43
Art. 1597 do Novo Código Civil de 2002. 44
Os arts. 342 e 342 correspondem, respectivamente, aos arts. 1599 e 1600 do Novo Código Civil de 2002. 45
Art. 1602 do Novo Código Civil de 2002. 46
Revogado pela Lei n.o 8560 de 29/12/1992.
47 Art. 1604 do Novo Código Civil de 2002.
48 Art. 1608 do Novo Código Civil de 2002.
49 Art. 1606, Parágrafo Único do Novo Código Civil de 2002.
50 Art. 1606 do Novo Código Civil de 2002.
51 – É circunstância também para ser averbada no registro a legitimação de filhos
pelo casamento dos pais, quer sejam aquele naturais, quer espúrios, como sustentam os
autores e tem decidido os tribunais.
A lei determinou neste e em casos análogos (alíneas II e IV) a averbação, mas
preferível seria a retificação do assento de nascimento.
Na palestra feita no Instituto dos Advogados sobre o registro civil, e a que já nos
referimos várias vezes, o brilhante Dr. Levi Carneiro assim abordou a espécie:
“A questão mais interessante, porém, a que me desejo
referir – é a da menção da circunstância da legitimidade ou
ilegitimidade da filiação. As legislações mais adiantadas e
mais recentes estão adotando soluções que poupem ao filho
natural o vexame de ver apregoada, na sua própria certidão de
nascimento, uma culpa que lhe não cabe. Assim, ou se omite
qualquer indicação sobre circunstância de legitimidade, ou
não, da filiação; ou, pelo menos se cancela a primitiva
declaração da filiação natural, quando sobrevenha a
legitimação ou o reconhecimento; ou, ainda se permite a
renovação do assentamento, se ocorrer qualquer dessas
hipóteses. Não querendo detalhar o que preceituaram, nesse
sentido, as leis a que me referi, tão evidentemente justos e
belos são esses dispositivos, concluirei, almejando que o
Congresso não vote mais uma lei de condescendência e de
permissão de abusos, e sim uma lei que se inspire nos
verdadeiros interesses da sociedade e da infância, nos
sentimentos que esta desperta em todos os espíritos bem
formados. (A nova legislação da infância – Levi Carneiro -
1924 – pág. 210).
52 – O Conselho Supremo da Corte de Apelação em provimento de 23 de Julho de
1923 (Provimentos v. 3, pág. 69) declarou isentos de selo em face do regulamento desse
imposto os termos de casamento e escrituras públicas, de que resultarem a legitimação e
reconhecimento de filhos ilegítimos.
IV, dos atos judiciais ou extra-judiciais de reconhecimento de filhos
ilegítimos (Código Civil, arts. 35551
e 363).
53 – Devem ainda ser averbados os atos judiciais ou extrajudiciais de
reconhecimento pelos pais, conjunta ou separadamente, de filhos ilegítimos.
Os três modos de reconhecimento voluntário são testamento, a escritura pública e a
declaração no assento (Código art. 35752
); este não pode ser averbado, porque constitui a
própria substância do assento, mas apenas os demais.
A declaração de filiação ilegítima no assento só valerá, porém, se feita pelo pai ou
procurador especial; aliás, o art. 61 do regulamento 9886, completando o art. 59, dispõe
que, sem autorização e comparecimento do pai, ou procurador especial, não se declarará o
nome daquele.
54 – O Código no art. 35853
proíbe o reconhecimento dos filhos incestuosos e
adulterinos; grave controvérsia tem surgido, entretanto, sobre a hipótese de filhos de
pessoas legalmente divorciados, em que o adultério não mais se pode verificar, extinto o
dever de fidelidade.
A nós, talvez por sermos adeptos do divórcio a vinculo, mais nos agrada a corrente
liberal que permite esse reconhecimento, tanto mais quanto se admite a legitimação de
filhos, francamente adulterinos; opinam a favor – Estevão de Almeida, Carlos de Carvalho,
(já anteriormente), Tibúrcio de Azevedo (Rev. de Direito, v. 51, pág. 245) e a Corte de
Apelação deste Distrito (Rev., cit. v. 50, págs. 539, 53 e 203) e contra – Soares de Faria,
51
Art. 1607 do Novo Código Civil de 2002. 52
Art. 1609 do Novo Código Civil de 2002. 53
Revogado pela Lei n.o 7841, de 17/10/1989.
Ferreira Alves, Hermenegildo de Barros, Lacerda de Almeida e o Tribunal de São Paulo
(Revista dos Tribunais ,v. 25, págs. 485, 38 e 93).
55 – O reconhecimento forçado é obtido pela ação de investigação, que os artigos
363 e 364 do Código permitem em certos casos.
Deve constar do registro ainda a impugnação que o menor reconhecido venha a
fazer nos quatro anos, que se seguirem à maioridade ou emancipação (art. 362 do Código54
)
– é antes um caso típico de cancelamento da averbação anterior.
V, das escrituras de adoção e dos atos que a dissolverem (arts. 373 e
37555
).
56 – Para completar o sistema o Instituto propôs a averbação no registro dos atos
de adoção e dos que venham a dissolvê-la.
Já o egrégio Clóvis lembrará a medida no comentário ao art. 12 do Código56
(op.
cit., v. 1, pág. 199).
A adoção é feita em escritura pública, em que se não admite condição nem termo
(art. 37557
); o adotado, quando menor ou interdito, poderá desligar-se da adoção no ano
imediato ao em que cessar a interdição, ou a menoridade (art. 37358
).
Também se dissolve o vínculo da adoção quando as duas partes convierem ou
quando o adotado cometer ingratidão contra o adotante (art. 374).
Art. 3.o No registro civil das pessoas jurídicas far-se-á:
54
Art. 1614 do Novo Código Civil de 2002. 55
Arts. 1626 e 1623 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente. 56
Art. 9o do Novo Código Civil de 2002.
57 Art. 1623 do Novo Código Civil de 2002.
58 Art. 1626 do Novo Código Civil de 2002.
57 – Já dissemos, ao apreciar a alínea II do art. 1.o que não havia ainda entre nós
um ofício especial para registro civil das pessoas jurídicas, constituindo esse serviço apenas
um dos encargos confiados, sem sistema, a diversos funcionários, ainda que em maior parte
ao oficial do registro de títulos e documentos.
Estudando detalhadamente a espécie, depararemos com a maior imprecisão e falta
de técnica em assunto tão importante, como este.
a) inscrição;
I, dos contratos, atos constitutivos, estatutos ou compromissos das
sociedades civis, religiosas, pias, morais científicas ou literárias, das associações de
utilidade pública, e das fundações (Código Civil, art. 1659
, n. 1, e § 1o e arts. 18 e 19
60).
58 – A lei 173 de 1893 concedeu personalidade às sociedades civis de fins
científicos, religiosos, morais, artísticos ou de simples recreio inscritas à vista do contrato
social, compromisso ou estatutos autenticados e devidamente arquivados; antes da inscrição
são estes publicados, integralmente ou por extrato, no jornal oficial com as declarações
essenciais, bem como as alterações também registráveis para valerem contra terceiros.
O Código Civil considera pessoas jurídicas de direito privado, além das sociedades
mercantis, as sociedades civis, religiosas, pias, morais, científicas ou literárias, as
associações de utilidade pública e as fundações, as quais só se poderão constituir por
escrito, começando a sua existência com o registro e a autorização, se desta carecerem (art.
20 §161
), e regendo-se pelo disposto a seu respeito na parte especial do Código (arts. 16 e
1862
).
Reconheceu ainda as pessoas jurídicas estrangeiras (Intr. art. 1963
), dependendo de
aprovação do Governo os estatutos ou compromissos das sociedades por ações e de intuitos
59
Art. 44 do Novo Código Civil de 2002. 60
Arts. 45 e 46 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente. 61
Art. 53 do Novo Código Civil de 2002. 62
Arts. 45 e 46 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente. 63
Art. 46 do Novo Código Civil de 2002.
não econômicos para funcionarem no Brasil, por si ou por filiais, e ficando sempre sujeitas
às leis e aos tribunais brasileiros (art. 2064
).
A falta de registro importa na proibição de acionar a sociedade a seus membros ou a
terceiros, podendo, porém, estar em juízo passivamente, a chamado de terceiros (art. 20, §
2); o Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, na apelação cível 1924 aplicou esta
disposição a uma sociedade estrangeira (Rev. do S. T. Federal v. 25 pág. 30).
59 – O registro declarará: I – a denominação, os fins e a sede de associação ou
fundação; II – o modo por que se administra e representa, ativa e passiva, judicial e
extrajudicialmente; III – se os estatutos, o contrato ou o compromisso são reformáveis, no
tocante à administração, e de que o modo; IV - se os membros respondem, ou não,
subsidiariamente, pelas obrigações sociais e V – as condições de extinção da pessoa
jurídica e o destino do seu patrimônio neste caso (Código Civil, art. 1965
).
O regulamento do registro de títulos n.o 4775 de 16 de Fevereiro de 1903 para
execução da lei 973 de 2 de Janeiro de 1903 discrimina o processo do registro das
sociedades, sendo apresentados dois exemplares do Diário Oficial, em que tenham sido
publicados os estatutos e, lançando-se as declarações do apontamento do protocolo e do
registro; um dos exemplares será devolvido ao apresentante, com uma cópia autenticada da
inscrição e outro, arquivado.
Os estatutos das fundações devem ser previamente aprovados pela autoridade
competente, que, no Distrito Federal, é o chefe do Ministério Público, Procurador Geral, em
cuja Secretaria também são aqueles registrados, em livro próprio.
60 – Neste assunto havia ainda grande falta de sistematização; o Código no art. 20
§ 166
exigiu autorização para as sociedades, agências ou estabelecimentos de seguros,
montepios e caixas econômicas, mas, excetuou as cooperativas e os sindicatos profissionais
e agrícolas, legalmente organizados.
A confusão culminava na questão de registro, pois os sindicatos profissionais se
constituíam livremente, sem autorização do Governo, bastando depositar no cartório do
64
Art. 53 do Novo Código Civil de 2002. 65
Art. 46 do Novo Código Civil de 2002. 66
Art. 53 do Novo Código Civil de 2002.
registro hipotecário três exemplares do estatuto, ata da instalação e lista nominativa de
membros da diretoria com indicações pessoais, remetidos dois exemplares à Junta
Comercial e ao Procurador da República, adquirindo assim personalidade jurídica (leis
1637 de 1907 e 979 de 1903). As sociedades cooperativas eram registradas na Junta
Comercial e os sindicatos agrícolas pelo mesmo processo de registro em duplicata, com
remessa de um exemplar à Junta Comercial.
Dava-se assim nesses casos, ao menos nesta Capital, a intervenção esdrúxula do
registro hipotecário e da Junta Comercial.
II, das sociedades civis que revestirem as formas estabelecidas nas leis
comerciais (Código Civil, arts. 1667
n. 2, e 136468
);
61 – As sociedades anônimas foram sempre registradas na Junta Comercial,
devidamente autorizadas as estrangeiras e as nacionais em certos casos – seguro, montepio,
monte socorro e comércio de gêneros alimentícios; depois do registro, vêm a publicação e o
arquivamento no registro hipotecário.
O Código Civil submeteu as sociedades sob formas comerciais, mesmo anônimas,
de fins civis ao registro civil, exigindo autorização prévia para os estabelecimentos de
seguro, montepio e caixas econômicas, salvo as cooperativas e sindicatos profissionais e
agrícolas.
Sendo a forma comercial o registro devia ter o mesmo caráter, mas, diante da
redação decisiva do Código (art. 136469
) e da lei, não seria possível tentar, regularmente,
qualquer modificação, embora mais conducente aos fins visados pelo código.
O autor do Código é o primeiro a reconhecer essa falta de técnica: “o registro das
sociedades civis de fins econômicos, assim como o das fundações, não foi instituído, mas,
enquanto se não unificar, como convém, esta matéria, devem ser da competência do oficial
do registro facultativo de títulos (op. cit. v. 1, pág. 215).
67
Art. 44 do Novo Código Civil de 2002. 68
Art. 1089 do Novo Código Civil de 2002. 69
Art. 1089 do Novo Código Civil de 2002.
Art. 4.o No registro de títulos e documento far-se-á:
62 – O sistema de provas, pela sua excepcional importância, sempre mereceu
grande cuidado do legislador em atenção ao interesse não só das partes, como de terceiros,
ainda quando não se trate de direito reais, pois mesmo os de natureza pessoal podem trazer
àqueles sérios prejuízos, maximé em casos de concurso.
Assim, sempre se cogitou do regime de provas, determinando-se formas especiais
para os atos jurídicos, umas de natureza irremediável, outras admitindo suprimento. Desde
logo se exigia para os atos mais importantes a forma clássica de escritura pública, como
meio de autenticidade e publicidade necessárias a tais atos; o movimento de negócios civis
e comerciais não admitia, porém, a generalização dessa forma morosa e complicada,
contentando-se para outros atos com simples escritos particulares e mesmo, para alguns,
nada havia determinado.
Escapa à nossa tarefa o estudo da forma dos atos jurídicos, intimamente ligado ao
sistema de provas, submetido por sua importância ao império da lei federal; procuraremos,
antes, apreciar as relações em que possam terceiros se encontrar, diante de atos passados
inter alios para, indiretamente, chegar aos registros.
63 – Se as próprias escrituras públicas, apesar da distribuição, buscas e certidões,
não representam às vezes a plena publicidade, que o legislador teve em mira, reconhecia-o
o grande Lafaiete (Direito das cousas, § 5o , nt. 4), quanto mais os escritos particulares, que
podem afetar a terceiros, maximé nas liquidações, inventários, concursos de credores,
divórcios, falências, etc.
Para obviar aos possíveis inconvenientes que daí advinham a lei 79 de 23 de Agosto
de 1892 determinou no art. 3 que os escritos particulares só valessem contra terceiros,
desde a data do reconhecimento da firma, do registro em notas do tabelião, da apresentação
em juízo ou repartições públicas ou do falecimento dos signatários.
O registro de documentos já era feito pelos tabeliães em livros próprios (Ord. do
livro 3, tit. 60 e reg. 4824 de 1871), quando não os incorporavam nas escrituras a que se
referissem, bem como dos papéis avulsos apresentados pelas partes para o registro,
verdadeira pública forma feita em livro de notas públicas com as solenidades do estilo; a
dispensa de conserto era objeto de dúvida, ex-vi do disposto no art. 153 do Reg.o 737, mas
indispensável se fazia o prévio reconhecimento das firmas.
64 – A lei 973 de 2 de Janeiro de 1903 transferiu para um cartório especialmente
criado no Rio de Janeiro, e seguido nos Estados, o registro de títulos, documento e outros
papéis para sua autenticidade, conservação e perpetuidade, ficando a cargo dos tabeliães de
notas apenas o registro das procurações e documento a que se referissem as escrituras e
nestas não incorporadas.
Esse ato, oriundo do projeto do então senador Martinho Garcez, tinha por intuito
principal evitar as fraudes que o sistema de simples reconhecimento avulso, dominante na
prática, permitia, por meio de antedatas; assim se determinou a inscrição em um registro
sujeito a colocação em ordem ininterrupta pela data da apresentação, de modo a prevenir as
fraudes contra terceiros interessados: a falta do registro acarretaria a inanidade do
documento em relação a terceiros.
Mas a lei, embora denominando registro facultativo, cogitou de duas hipóteses
diversas – a da transcrição integral dos documentos para sua perpetuação e autenticidade,
propriamente facultativa, e a da simples averbação desses documentos para autenticação da
data em relação a terceiros, como acabamos de ver; neste caso, o registro já tinha uma
sanção pesada, embora indireta, de modo a perder o caráter de simples faculdade, salvo
para os títulos já autenticados pelos demais processos – a apresentação em juízo ou
repartição e o falecimento da parte.
O regulamento 4.775 de 16 de Fevereiro de 1903, cogitou minuciosamente da
aplicação desses princípios e da escrituração do registro, constante, além de outros
secundários, dos livros de registro, constante, além de outros secundários, dos livros de
registro, de averbações, do indicador pessoal e do protocolo, em torno do qual, como no
registro hipotecário, gravitam os demais. O registro era feito pela transcrição integral com
conferência e concerto do oficial e averbação, por extrato, com a declaração do documento,
do nome das partes e da data do reconhecimento feito pelo tabelião, notando-se no título o
número e a data do protocolo; determinou ainda o regulamento os meios de cancelar o
registro por sentença, quitação ou exoneração; declarou a prioridade dos títulos registrados
em concorrência com outros não registrados, salvo se estes contarem de livros comerciais,
devidamente formalizados.
Os tabeliães não poderiam subscrever públicas formas de títulos não registrados,
nem os oficiais do registro hipotecário admitir escritos particulares de compra e venda
nessas condições (arts. 81 e 82).
65 – O regulamento ainda dispôs que, em falências, liquidações e inventários, a
data do aceite e promessa de pagamento nas letras e quaisquer documentos particulares de
obrigações firmados por pessoas não comerciais presumir-se-ia a do registro ou averbação
(art. 79); quando comerciantes os seus portadores ou apresentantes, presumia-se igualmente
a data da apresentação ou a do registro, quando não constassem da escrituração de seus
livros, devidamente formalizados (art. 80).
Poderia ser irrogada ao regulamento a pecha de exorbitante, quanto à parte
comercial, por isso que a lei 973 só se referiu à de n.o 79, relativa apenas a documentos
civis, tanto assim que a lei paulista, instituindo o mesmo registro, exclui expressamente as
obrigações comerciais (art. 4.o ) (Spencer Vampré – Cód. Civil – Parte Geral – pág. 106).
O caso mais interessante era o de títulos cambiários emitidos por devedores civis
nos casos de falência e concurso de credores: por ocasião de falências a lei 859 de 16 de
Agosto de 1902 que no art. 49, 2.a parte exigia as formalidades do art. 3.
o do decreto 79 de
1892 para as letras e títulos, de que fossem portadores pessoas não comerciantes, quanto à
autenticidade da data, disposição devida a parecer do Instituto dos Advogados.
Justificada, assim, nesta parte a exorbitância do regulamento, qual ficou a sua
situação em face da reforma operada nas matérias cambiária e de falências pelas leis 2044 e
2024 de 1908? Ainda que alguns juízes, mormente de São Paulo, tenham excluído, nas
falências, credores civis por promissórias não registradas, a maioria das decisões e a
opinião dos doutos (v., p. ex., Magarinos Torres – Nota promissória – pág. 380), concluem
de modo diverso, à vista da natureza desses títulos e dos amplos poderes ora confiados ao
juiz para exclusão de créditos fraudulentos por sua íntima convicção, sem entretanto,
deixarem de ressaltar o inestimável valor da documentação da data em caso de concurso.
a) transcrição
I, dos instrumentos particulares para prova das obrigações
convencionais de qualquer valor, bem como da cessão de créditos e de outros direitos,
por eles criados para valer contra terceiros, e do pagamento com sub-rogação (Código
Civil, arts. 135, 1067, 1078 e 98770
).
66 – O Código Civil estabeleceu no art. 13571
que o instrumento particular feito e
assinado ou somente assinado por quem esteja na disposição e livre administração de seus
bens, sendo subscrito por duas testemunhas, prova as obrigações de qualquer valor, mas os
seus efeitos e os da cessão só operam em relação a terceiros após a transcrição no registro
público, suprimida a referência dos projetos primitivos e revisto aos outros modos de
autenticação da data, admitidos pela lei 79 de 1892.
O Código terminou ainda o registro da cessão (art. 106772
) e da sub-rogação
convencional (arts. 987 e 107873
), por instrumento particular, mas para a quitação nada
exige, valendo ela de qualquer forma (art. 109374
).
Embora impropriamente, só se referiu, pois, ao antigo caso de averbação para valer
contra terceiros, silenciando quanto ao registro integral e facultativo para conservação,
autenticidade e perpetuação dos documentos.
67 – A nova lei, porém, por sugestão do Instituto, cogitou novamente dos dois
casos nos ns. I e VI do presente antigo; ao comentarmos o n.o VI examinaremos o valor do
registro facultativo para a conservação e perpetuidade dos documentos.
Agora queremos apenas minudear o caso do n.o I, em que o registro é exigido para
valer contra terceiros, como processo de autenticação da data do escrito particular.
Será necessária a transcrição integral?
70
Arts. 221, 228, 298 e 348 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente. 71
Art. 221 do Novo Código Civil de 2002. 72
Art. 228 do Novo Código Civil de 2002. 73
Arts. 348 e 298 do Novo Código Civil de 2002. 74
Art. 472 do Novo Código Civil de 2002.
Literalmente apreciado o dispositivo, poderia autorizar resposta afirmativa, mas
havemos de ver que na técnica da lei, como até da tradição do nosso direito não existe esta
distinção em função dos termos, porque, p. ex., a aquisição de imóveis se transcreve e a
hipoteca se inscreve da mesma forma, isto é, por extratos.
A inteligência oposta viria anular a distinção entre os dois casos, tendentes a fins
diversos – um para atender aos interesses de terceiros, outro para conservação do
documento.
Além disso desapareceria a vantagem do escrito particular, pois a ter este de ser
integralmente transcrito, seria sempre preferível a escritura pública, absurdo que o Código
não poderia autorizar.
Mas, a lei geral não revoga a especial, senão por meio de referência expressa ou
implícita, o que felizmente não se verificou; e o artigo 8 da lei resolve de uma vez o caso,
mandando que, em regra, o registro seja feito por extrato.
Aqui só se trata de autenticar a data para valer contra terceiro – “foi com este efeito
do registro que se preocupou o art. 135 do Código75
(Clóvis Bevilaqua – op. cit., vol. I, pág.
386); nestas condições, parece-nos improcedente a observação do ilustrado professor
Spencer Vampré de que o Código exige o registro integral do documento, em qualquer caso
(op. cit. pág. 108).
O regulamento n.o 4775 de 1903 exige a tradução do documento (art. 36), bem
como o reconhecimento das firmas dos signatários e das testemunhas (art. 78); dispensa
ainda do registro as procurações para fins judiciais e extrajudiciais, com poderes de simples
representação, administração ou gestão (art. 76).
II, do penhor comum sobre coisas móveis, feito por instrumento
particular (Código Civil, art. 77176
);
68 – No registro de títulos deve se fazer a transcrição do penhor sobre coisas
móveis por instrumento particular, dada a dificuldade de estabelecer um registro real
75
Art. 221 do Novo Código Civil de 2002. 76
Art. 1432 do Novo Código Civil de 2002.
subordinado a uma sede efetiva; já Lafaiete advogava, todavia, uma providência que
trouxesse à publicidade os atos constitutivos do penhor (Direito das coisas, § 162, nt. 8).
Mas, se o caso é distinto da transcrição, a que estão sujeitos todos os escritos
particulares para valerem contra terceiros (e sem o respeito destes não se concebe direito
real), não se descobre o intuito da lei em limitar o registro ao penhor constituído por
instrumento particular, que teria uma dupla e inútil transcrição.
O registro do penhor deve ser em livro especial, diverso do de transcrições e
averbações, comuns a todos os escritos particulares e a ele deviam estar sujeitas também as
escrituras públicas, pelas quais se constituírem penhores.
Do contrário, não se compreenderia a providência legal: o registro de títulos não
bastaria para publicar a existência do penhor; seria preciso uma busca em todos os cartórios
de notas, ou ao menos no do distribuidor de escrituras.
Nem o art. 77177
, nem o art. 800 do Código autorizam a restrição “particular” feita
pela lei e que, aliás, não constava do § 3 do artigo 3 do Decreto 12343 de 1917.
69 – Não estando ainda disciplinado o registro de comércio, nesta parte, parece de
bom aviso, apesar do caráter francamente civil da lei, transcrever o penhor mercantil nos
registros de títulos para dar-lhe a publicidade tão necessária a esses atos, prejudiciais aos
direitos dos credores comuns, maximé nos casos em que não se verifica a tradição da coisa
apenhada; assim se vão aproveitando os excessos que o decreto n.o 4775, por ventura,
contenha em relação à lei 973, a que serve de regulamento.
70 – Se o contrato se fizer mediante instrumento particular será firmado pelas
partes e lavrado em duplicata, ficando um exemplar com cada um dos contraentes, qualquer
dos quais pode levá-lo à transcrição (Cod. art. 77178
).
O credor ou o devedor, um na ausência do outro contraente, pode fazer transcrever o
penhor, apresentando o respectivo instrumento, na forma do art. 13579
, se for particular (art.
800).
77
Art. 1432 do Novo Código Civil de 2002. 78
Art. 1432 do Novo Código Civil de 2002. 79
Art. 221 do Novo Código Civil de 2002.
Poderá o devedor fazer cancelar a transcrição do instrumento pignoratício,
apresentando com a firma reconhecida, se o documento for particular, a quitação do credor
(art. 801).
O mesmo direito compete ao adquirente do objeto do penhor por adjudicação,
compra, sucessão ou remissão, exibindo seu título (art. 801 § único).
III, da caução de títulos de crédito pessoal e da dívida pública federal,
estadual ou municipal, ou de bolsa, ao portador;
71 – Oriunda de emenda do Instituto é a presente alínea, pois o dispositivo da
Câmara, apesar da correção feita pelo ilustre relator Veríssimo de Melo, em seu parecer,
ainda se apresentava defeituoso.
Disse o relator:
“Um outro ponto que também feriu a atenção da
Comissão, é o que diz respeito ao registro da caução de
títulos da dívida pública da União, dos Estados e dos
municípios, mandando o projeto que o registro fosse feito
pelos oficiais do registro de imóveis. Ora, não se tratando de
imóveis, parece que o registro deve ser feito no registro civil
das pessoas jurídicas”.
O projeto da Câmara ficou assim redigido:
V, a transcrição da caução de títulos nominativos de
dívida da União, dos Estados e dos municípios, ressalvado o
disposto no art. 79780
do Código Civil, e de títulos de crédito
pessoal (arts. 789 e 79181
);
80
Art. 1386 do Novo Código Civil de 2002. 81
Art. 1452 do Novo Código Civil de 2002.
72 – A sugestão do Instituto foi apreciada pelo Senado nos seguintes termos:
“O Instituto aventa a substituição da alínea V por esta:
V, a transcrição da caução de títulos de crédito
pessoal e da dívida pública federal, estadual ou municipal ou
da bolsa, ao portador.
E dá, para isso, o seguinte argumento que aceitamos:
Deve ser: „caução de títulos de crédito pessoal e de
títulos da dívida pública federal, estadual ou municipal ou da
bolsa, ao portador‟, como decorre da inteligência combinada
dos arts. 790, 791 e 797, corrigidos pelo decreto n. 3725, de
1919, pois os títulos nominativos destas últimas espécies têm
o seu penhor averbado nas repartições competentes.
Prevaleceu, destarte, a emenda do Instituto, decorrente, aliás, das modificações
sensatamente introduzidas nesta parte do Código pela lei 3723 de 1919, corrigindo-se os,
até então incompreensíveis artigos 789 e 790.
Quando o título é ao portador, dá-se a tradição, o que não impede a exigência legal
da transcrição, como nos demais casos de penhor, a que o artigo 789 equipara à caução (art.
771 e 79182
).
Na caução de títulos nominativos faze-se ainda a transcrição não só como meio de
publicidade, mas como formalidade essencial, que dispensa a tradição do título,
aproximando-se, assim, da noção de hipoteca.
Estes bens móveis, por sua individuação e estabilidade, oferecem base sólida à
aplicação dos princípios relativos aos imóveis, de predominância do registro sobre a
tradição real, como meio de publicidade e autenticidade, o que é difícil, senão impossível,
estender à grande maioria dos bens móveis, sem sede fixa e sujeitos, assim, a dispositivos
especiais.
82
Arts. 1432 e 1452 do Novo Código Civil de 2002.
Essa distinção coincide, aliás, nem ponto importante e que entre nós tem sido
considerado predominante sobre o da propriedade – o do crédito real, que determinou a
criação dos registros; assim, verificamos que, mesmo nesse ponto, tais móveis se
equiparam a imóveis, permitindo não um penhor com entrega da cousa ao credor, mas uma
verdadeira hipoteca, independente de tradição e apenas sujeita ao registro, demonstrando
ainda uma vez a pureza da técnica romana no distinguir dos direitos reais de garantia.
Se o sistema, pois, de registro com caráter territorial para garantia da propriedade
não pode ser aplicado com a mesma eficácia para os móveis corpóreos pela sua extrema
mobilidade, falta de sede e fisionomia, qualquer inscrição a seu respeito só poderá ser feita
no registro de títulos; também a propriedade e o penhor de títulos ao portador ou de crédito
particular só deve obedecer às regras gerais sobre os móveis, em que, pela tradição, a boa fé
de terceiros não pode sofrer os efeitos absolutos da propriedade com a rigorosa
reivindicação.
73 – Não estando ainda perfeitamente organizado o registro mercantil, nesta parte,
é o caso de fazer ainda a transcrição do penhor ou caução mercantil no registro de títulos,
como já lembramos em outro ponto; entretanto, nenhuma obrigação decorre nesse sentido
da lei que apenas regulou, salvo desvios explicáveis, a matéria civil, sendo mesmo difícil
conciliar a exigência com grande giro das transações bancárias, salvo o caso previsto no art.
7.
IV, do contrato, por instrumento particular de penhor de animais, não
compreendido nas disposições do art. 781, n. 583
do Código Civil;
74 – O registro de títulos é o órgão mais apropriado para transcrição do penhor
pecuário, inconfundível com penhor agrícola, mesmo no caso especial em que este pode
abranger „os animais do serviço ordinário do estabelecimento agrícola (art. 781, n.o 5)‟.
O penhor agrícola pode e deve ser transcrito no registro hipotecário da situação
imóvel, mas o pecuário nada tem com este, que pode pertencer a outrem.
83
Art. 1442, V do Novo Código Civil de 2002.
Muitas vezes até o penhor se faz durante a viagem como lembra Clóvis Bevilaqua
(op. cit. v. 3, pág. 346), não nos parecendo, assim, aceitável a opinião deste mestre sobre a
conveniência, no caso, do registro hipotecário, de preferência ao de títulos, ora
definitivamente escolhido pela lei (op. cit. v. 3, pág. 332).
V, do contrato, por instrumento particular, de parceria agrícola ou
pecuária (Código Civil, arts. 1414 e 1423);
75 – O Instituto fez a seguinte observação:
“Os contratos de parceria agrícola, qualquer que seja
a sua forma, devem ser inscritos no registro de imóveis,
porque o adquirente tem de respeitá-los. (Cod. art. 1415) e a
situação é idêntica à das locações de prédios, na forma do art.
119784
, que o honrado relator da Câmara incluiu no registro
de imóveis, segundo as observações do relator do presente
parecer (Rev. Jurídica, 14, pág. 223).”
mas não logrou, desta vez, a aceitação do Senado, cujo relator assim opinou
a parceria agrícola, segundo a opinião de Clóvis
Bevilaqua, não constitui ônus real e, portanto, não há razão
para ser inscrita no registro de imóveis.
Mas, ninguém catalogara a parceria agrícola entre os direitos reais, embora
praticamente o seja, a pari do que se verifica em certos casos de locação (Código art.
119785
).
84
Art. 576 do Novo Código Civil de 2002. 85
Art. 576 do Novo Código Civil de 2002.
Clóvis Bevilaqua justifica ex-abundantia a identidade de soluções com que escreveu
a fls.. 230 usque 233 do Manual do Código Civil volume XIV.
Expõe as razões de ordem econômica e de ordem moral que levaram o legislador
nacional a assegurar a permanência da parceria: „se o prazo não for respeitado os cálculos
do agricultor não terão base, com prejuízo seu e do país e o adquirente não terá prejuízo
com essa solução, porque já conta com ela.
Quem contrata ceder, por determinado prazo, o seu prédio a outrem, deve sentir-se
preso por sua palavra, para não aliená-lo sem resolver os interesses daquele com quem
primeiro contratou. O direito dando segurança ao parceiro agricultor sanciona um postulado
da moral.
E na parceria há aproximação mais íntima entre os contratantes do que na locação,
há identificação de interesses.
Sobre as conveniências práticas que levaram, sensatamente, à solução oposta no
caso análogo da locação, diremos no lugar competente, ao qual remetemos o leitor.
VI, facultativa de documentos para a conservação dos mesmos;
76 – Já vimos no n.o I do presente artigo ter a lei restabelecido nitidamente, os dois
casos de registro de documentos previstos na lei 973; assim se aperfeiçoa técnica do
Código, de acordo com o seu artigo oitavo; para efeitos contra terceiros basta o registro
resumido e para conservação dos documentos mister se faz a sua transcrição integral,
embora sempre facultativa (Decreto n.o 16273 de 1923, art. 181).
A emenda partiu do Instituto dos Advogados que assim a redigiu e fundamentou:
“O registro facultativo de documento para a sua
conservação, sujeitas as respectivas certidões à oportuna
conferência.
O decreto n. 973 de 1903 abrangia dois casos: o
registro integral de documentos para autenticidade,
conservação e perpetuidade, com caráter facultativo e a
simples averbação para legitimar a data contra terceiros. O
projeto só cogita da segunda hipótese, mas não há
inconveniente em incluir a primeira, desde que fique expressa
a necessidade de conferência em juízo ou em cartório das
certidões desse registro, isto é, referindo-as ao caso do art.
13986
e não ao do art. 13887
do Código Civil, como poderiam
propositadamente, confundir (v. proj. Cod. Esmeraldino, art.
113).
O Instituto assim votou, a despeito da crítica, anonimamente feita por algum
interessado, nos seguintes termos:
“A douta comissão do Instituto dos Advogados, que
acaba de emitir parecer sobre o projeto que organiza registros
públicos, projeto em vias de aprovação no Senado, subverte,
data venia, os princípios evolutivos do nosso direito, quando
derrocando a regra incondicional do art. 135 do C. Civil88
,
fala em registro para valer contra terceiro e em registro
facultativo, mandando que aquele seja feito por extrato e este
verbo ad verbum. É mister não se perder de vista que o
registro dos instrumentos particulares é uno e pode, nos
termos do art. 6o do projeto que se pretende corrigir, ser
parcial ou integral, isto é, para conservação e perpetuidade ou
para fixar a data, contra terceiros.
Não há, pois, motivo para divisão proposta.
E não tendo significação uma tal medida, improcede,
ipso fato, a inovação no tocante às certidões dos respectivos
oficiais, por isso que tal medida, sobre equiparar as certidões
86
Art. 218 do Novo Código Civil de 2002. 87
Art. 127 do Novo Código Civil de 2002. 88
Art. 221 do Novo Código Civil de 2002.
às públicas formas, ferindo o disposto no art. 154 do vetusto
Reg. 737 e no art. 138 do C. Civil89
, desvirtua o fim colimado
pelo próprio Senado, ao polir as arestas da nossa codificação
civil, como se vê em Clóvis (Comentários ao C. Civil
Brasileiro, vol. 1o , nota ao art. 138).
77 – Pretendeu-se, assim, resolver a questão oriunda do aviso do Ministério da
Justiça de 17 de Novembro de 1905, que tirou um corolário, a que não ousara chegar o
próprio regulamento 4775: das às certidões dos documentos registrados a mesma fé pública
outorgada às extraídas pelos tabeliães de seus livros de notas.
Grave perigo decorreria para a seriedade das transações do reconhecimento absoluto
desse princípio, pois as certidões, apesar das cautelas do regulamento, apagariam todos os
indícios de falsidade que pudessem oferecer os documentos; o portador de má fé poderia
registrar documento, até mesmo sem reconhecimento (art. 48, 1a parte do regulamento), e
depois inutilizá-lo, suprindo-o por uma certidão, em que impossível seria qualquer perícia.
Assim, ilusórias seriam as garantias firmadas pela legislação processual para
prevenir as fraudes de públicas formas, sujeitas sempre à conferência em juízo, quando, no
tocante à autenticidade, e não ao valor probante, até a escritura pública pode ser atacada.
Não temos, infelizmente, notícia de que o poder judiciário haja sancionado tão
perigosa doutrina.
Nenhum inconveniente havia, porém, na continuação desta prática, desde que não
fossem adotadas as conseqüências do citado aviso de 1905, isto é, o reconhecimento do
valor absoluto das certidões do registro, independente de conferência pela parte signatária
do documento.
O eminente Clóvis Bevilaqua (Comentários, v. I, pág 391) acha, contudo, que essas
certidões têm pleno valor em face dos termos vagos do art. 13890
, relativo às certidões
extraídas por oficial público de instrumentos ou documentos lançados em suas notas.
Pela erudita discussão travada entre os Srs. Epitacio Pessoa e João Luiz Alves, a
propósito das emendas do Código, depreende-se, porém, que o caso, não explícito, das
89
Art. 217 do Novo Código Civil de 2002. 90
Art. 217 do Novo Código Civil de 2002.
certidões do registro de documentos só se pode enquadrar no preceito do art. 13991
, que faz
depender certos traslados e certidões da produção dos originais em juízo, para a devida
conferência, como se dá com as públicas-formas, a que o Código, aliás, não se referiu
expressamente.
Seria o caso da aplicação do art. 113 do projeto do Código Processual, aprovado
pelo Decreto 8332 de 1910, que exige a conferência em presença do obrigado no ato do
registro, ou quando tenha o documento de produzir efeito, pena de revelia.
O próprio regulamento 4775, em seu artigo 60, previa a hipótese, obrigando o
oficial, quando solicitado, a notificar, do registro ou averbação, às partes que figurarem no
título, documento ou papel apresentado e a quaisquer terceiros interessados que lhe sejam
indicados.
É o temor dos perigosos efeitos já apontados, como é a suspeita do nenhum
valimento das certidões, sem o exame da parte.
78 – O relator do Senado, entretanto, preferiu a opinião oposta nos seguintes
termos:
“Aceitamos a sugestão, mas não podemos concordar
com a parte relativa à conferência, não só por se tratar de
certidão, isenta por sua natureza, dessa formalidade, senão
porque a conferência tornaria o registro inútil, visto o
portador do documento ficar no dever de conservá-lo consigo
para aquele fim.”
As argüições, porém, continuam de pé, e de certo, não será esse fraquíssimo
elemento de interpretação histórica, em parecer assinado com restrições pela metade da
Comissão, que vá autorizar as sérias conseqüências, que os interessado em vão têm
procurado obter.
91
Art. 218 do Novo Código Civil de 2002.
O original só se poderá perpetuar, quando tiver sido conferido com assistência ou
intimação daqueles contra quem tiver de provar sob pena de se tornarem ilusórias todas as
garantias, com que as leis têm tradicionalmente cercado a prova por escrito particular.
Nem a lei 973, nem o seu regulamento, chegaram a declarar a intangibilidade dessas
certidões, que sublimariam quaisquer papéis avulsos, sempre sujeitos à verificação; a
conferência prévia não prejudica o elemento da conservação e respeita o da autenticidade,
sem dúvida muito mais importante.
b) averbação de prorrogação do contrato particular de penhor de
animais (Código Civil, art. 78892
);
79 – É uma cautela reconhecida pelo próprio autor do Código (op. cit., v. 3., pág.
348).
Entretanto, poderia ter sido deixada para matéria regulamentar, onde certamente
seria previsto o caso, como tantos outros em idêntica situação.
Parágrafo único. O registro que não for atribuído expressamente a
outro ofício, pertencerá a este.
80 – Ainda, por comodidade, se atribui ao registro de títulos o que não for
designado privativamente a outro ofício e, para maior coerência do sistema, quando não no
registro de comércio, nele deviam ser inscritos os empréstimos em obrigações ao portador
(debêntures), espécies de preferência geral, salvo a hipoteca especial que os abonasse,
registrável então e só ela no respectivo cartório real da situação dos imóveis.
O art. 20 da lei 4743 de 31 de Outubro de 1923 mandou registrar no cartório de
títulos, no Distrito Federal, e nos Estados, onde fosse designado, a matrícula das oficinas
impressoras e dos jornais e outros periódicos, a que se refere o art. 383 do Código Penal.
92
Art. 1439 do Novo Código Civil de 2002.
O registro é obrigatório e feito em virtude de despacho judicial, sendo punida sua
falta com pesadas multas, assim como as declarações falsas e a omissão de alterações; o
Diário Oficial de 13 de Janeiro de 1924 publicou o modelo do livro criado especialmente
para esse fim.
Art. 5o No registro de imóveis far-se-á:
81 – O nosso registro hipotecário obedece ao critério real combinado com o
pessoal, mas com predominância daquele: todos os dispositivos legais têm determinado que
o registro deve ser feito no lugar do imóvel e se este participar de várias circunscrições a
inscrição se fará em todas, salvo para as hipotecas de vias férreas, inscritas apenas no
município da estação inicial da respectiva linha (Cód. arts. 831, 852 e 86193
).
O sistema é, pois, excelente, e dotado de referência por índices pessoal e real e, se a
falta de cadastro nos impede de chegar ao rigoroso regime germânico, contudo, gozamos de
situação bem melhor que o direito francês, p. ex., em que o registro obedece ao nome dos
titulares das hipotecas, que ainda exigem, salvo as de Credit Foncier, a renovação decenal.
Aperfeiçoado, como fez a lei o nosso registro, direta ou indiretamente, pela
inscrição de tudo o que interessa ao imóvel, de modo a garantir a boa-fé de terceiros contra
as possíveis reivindicações, inclusive das locações, parceria e cláusulas dotais ou de
inalienabilidade, aliada à das penhoras e ações reais, teremos, por caminho diverso,
chegado quase à perfeição do sistema germânico, que, é preciso frisar, admite também a
anulação do registro, embora apenas produzindo efeito após a prenotação da demanda
(Cod. civil all. art. 89194
), como, aliás, se deve entender a retificação prevista no nosso art.
860; o registro real será para os imóveis o que é o registro civil para as pessoas.
82 – Da competência da legislação federal sendo ainda a discriminação dos livros
necessários (Cod. Civ. art. 83295
), desde a lei de 1864 foram estabelecidos oito principais –
o protocolo, os indicadores real e pessoal, os de transcrição das transmissões, dos ônus reais
93
Os arts. 831 e 852 correspondem aos arts. 1492 e 1502 do Novo Código Civil, respectivamente. 94
Art. 259 do Novo Código Civil de 2002. 95
Art. 1493 do Novo Código Civil de 2002.
e do penhor de escravos e os de inscrições especiais e gerais, além de dois auxiliares para as
transcrições verbo ad verbum e não por extrato, a pedido das partes, e inscrições das
hipotecas legais.
Com a abolição da escravatura e das hipotecas gerais, ficaram dois livros sem
aplicação e os decretos de 1890 suprimiram-nos, criando outro para transcrição do penhor
agrícola, sendo os modelos aprovados pelo decreto 544 de 5 de Julho de 1890. Em 1893 foi
restaurado o oitavo livro para inscrição de empréstimos das sociedades anônimas em
obrigações ao portador (debêntures), sendo criados mais dois pelas leis de minas e pelo art.
261 do Código Civil96
, para as convenções antenupciais, embora nunca praticamente
adotados. Os oficiais têm transcrito provisoriamente ditas escrituras no livro auxiliar das
transmissões.
83 – Os regulamentos hipotecários têm detalhado a organização dos registros
prediais entre nós e o último, n.o 370 de 2 de Maio de 1890, ainda está em vigor, embora
carecesse de reformas que o ponham de acordo com o Código, e a lei presente, e atendam à
competência constitucional dos Estados para organizar sua judicatura e órgãos auxiliares,
bem como o direito processual; entendia, já se vê, essa faculdade com as restrições
unanimemente aceitas com o intuito de não serem afetadas as disposições de direito
substantivo, uniformes para todo o país, maximé em matéria hipotecária, em que é difícil
distinguir a forma do fundo, tão respeitáveis são os interesses do crédito real.
Segundo, talvez, a justificável distinção alhures feita entre transcrição pelo registro
integral, no caso de transmissão da propriedade e inscrição por extrato, no caso de
hipotecas, a nossa lei de 1864, adotando critério diverso, isto é, o registro abreviado para
todos os casos, salvo se a parte preferisse, por exceção, o registro completo, contudo,
distinguiu irrefletidamente a transcrição da inscrição a ponto do projeto Clóvis não ter tido
força para vencer a tradição, quando denominou indistintamente todos esses atos de
inscrição, sendo corrigido por sugestão de Rui Barbosa (v., n.o 176).
96
Art. 1657 do Novo Código Civil de 2002.
84 – Sem entrar no exame minucioso do funcionamento do registro predial, que
esses atos regulamentares estabeleceram, referiremos, sem síntese, os princípios peculiares
a essa espécie de registro:
I – Precedência rigorosa dos direitos reais, segundo a ordem de prenotação dos
títulos no protocolo, comprovada por numeração sucessiva, mesmo em caso de falência, o
que aliás não constitui uma exceção à retroatividade do registro pela data de prenotação,
como defeituosamente declara o art. 535, mas a regra geral, que deflui dos arts. 533, 534,
831, 832 e 835 do Código Civil97
. A legislação fiscal tem, entretanto, injustificadamente
referido esse princípio (Lisipo Garcia – op. cit., pág. 336).
II – Em caso de dúvida do oficial, desprezada pela autoridade judiciária competente,
retroagirá ainda o registro à data da prenotação, durante o prazo de 30 dias, segundo o art.
83598
, que, ao menos para as hipotecas, restringiu o prazo indefinido que a legislação
anterior, sem inconveniente, estabelecera para todos os casos.
III – No caso da segunda hipoteca, declarada expressamente será a primeira
esperada por 30 dias, findo os quais, não aparecendo, inscrever-se-á aquela como primeira
(art. 83799
).
IV – Em caso de conflito de duas hipotecas ou de hipoteca e outro direito real no
mesmo dia, o Código dá preferência à hora da escritura (art. 836100
), o que evidentemente
fere o sistema, pois a hora reguladora deve ser a da apresentação ao oficial; no regime
anterior, ainda aplicável, talvez, ao caso de dupla venda, o dia era dividido em duas partes e
as inscrições feitas na mesma metade tomavam um só número, sem preferência entre si.
V – Incumbe o registro aos interessados, adquirentes e credores, seus representantes
e sucessores e, nos atos a título gratuito, ainda ao transferente com prova de aceitação do
beneficiado (art. 857); no caso de hipotecas legais são os interessados indicados nos arts.
838 a 844101
.
97
Os arts. 533, 534, 831, 832 e 835 correspondem aos arts. 1245, 1246, 1492, 1493 e 1496. 98
Art. 1496 do Novo Código Civil de 2002. 99
Art. 1495 do Novo Código Civil de 2002. 100
Art. 1494 do Novo Código Civil de 2002. 101
Art. 838 corresponde ao art. 1492, parágrafo único do Novo Código Civil de 2002.
VI – A aquiescência do credor hipotecário, se existir, é necessária à transcrição do
penhor agrícola (art. 783102
), com a extinção de servidão mencionada no título de hipoteca
do prédio dominante (art. 712103
).
VII – O registro de hipotecas convencionais só vale por 30 anos, exigindo-se para
revalidação do ônus, findo esse prazo, novo título e nova inscrição (art. 817104
) e para as
legais apenas nova especialização (art. 830105
), quando o regime anterior contentava-se,
melhormente, com nova inscrição (v. n.o 189).
VIII – A transcrição do domínio direto aproveita ao útil e vice-versa, na enfiteuse
(art. 858).
IX – O registro se fazia por meio de extratos, cuja necessidade já Lafaiete (op. cit. §
243, art. 9), contestava, desde que o oficial devia supri-los pelo título; hoje, ao menos em
relação às hipotecas, são dispensáveis (art. 838106
), só as fazendo as partes pelo hábito e
pela situação duvidosa do regulamento, ainda não retocado.
X - No registro far-se-á a averbação das cessões e sub-rogações, do implemento de
condições e o cancelamento pela extinção total ou parcial das hipotecas e ônus, à vista da
respectiva prova, a requerimento de ambas as partes, se capazes e conhecidas do Oficial
(art. 851107
); deste modo ainda se poderá prorrogar a hipoteca até 30 anos da data do
contrato (art. 817108
).
XI – Nulas são as transcrições e averbações cuja prenotação no protocolo tenha sido
posterior à declaração da falência ou inscrição do seqüestro (Reg. 370 – art. 129, Código
arts. 830109
e 860, § único e lei 2024 art. 55, § 7).
a) a inscrição;
I, do instrumento público da instituição de bem de família (Código
Civil, art. 73110
);
102
Art. 1440 do Novo Código Civil de 2002. 103
Art. 1387, parágrafo único do Novo Código Civil de 2002. 104
Art. 1485 do Novo Código Civil de 2002. 105
Art. 1498 do Novo Código Civil de 2002. 106
Art. 1492, parágrafo único do Novo Código Civil de 2002. 107
Art. 1501 do Novo Código Civil de 2002. 108
Art. 1485 do Novo Código Civil de 2002. 109
Art. 1498 do Novo Código Civil de 2002.
85 – O Instituto dos Advogados, com aplauso do Senado, propôs a seguinte
emenda:
“Substituam-se na alínea I, as palavras „inscrição‟ e
„instrumento‟ por „transcrição e escrituras‟, respectivamente.
Entretanto, o ilustrado relator da Câmara, Dr. Heitor de Souza rejeitou a emenda a
pretexto de que a „proposição da Câmara reproduz o texto e o espírito do Código Civil‟.
O Instituto propusera, porém, a emenda justamente para adaptar a lei ao Código
Civil; certo, não atendeu o nobre deputado a que a lei 3725 de 1919 expressamente
substituíra no art. 73111
do Código os termos: „inscrição‟ e „instrumento‟ por „transcrição‟
e „escritura‟.
86 – O Código exige ainda a publicação da escritura na imprensa local e, na falta
desta, na da Capital do Estado; é uma exigência excessiva, em relação ao sistema de
suficiente publicidade pelo registro, onde os interessados buscam informações, constituindo
exceção não justificada entre todos os atos submetidos ao registro predial.
O Prof. Spencer Vampré (Revista de Direito, vol. 71, pág. 21) entende que, no
silêncio da lei, a publicação pode ser feita por extratos e em qualquer folha do lugar, oficial
ou não, pouco importando que a promova o interessado ou o oficial do registro.
II, do instrumento público das convenções antenupciais (Código Civil,
art. 261112
);
87 – Sobre esta alínea, conjugadamente com o que dispunha o projeto sobre os
casos de separação de dote, divórcio, anulação de casamento e restabelecimento da
110
Art. 1714 do Novo Código Civil de 2002. 111
Art. 1714 do Novo Código Civil de 2002. 112
Art. 1657 do Novo Código Civil de 2002.
sociedade conjugal ofereceu o Instituto as seguintes sugestões plenamente aceitas pelo
Senado:
“O único meio de se obter um registro eficiente para
conhecimento de terceiros seria a averbação especializada em
cada imóvel das cláusulas de convenções antenupciais que os
atingissem: o registro das convenções em livro especial no
domicílio dos cônjuges é absolutamente inócuo, maximé
quando houver mudança de domicílio ou estiverem os
imóveis em circunscrições diferentes – nada mais é do que a
revivescência das hipotecas gerais, incompatíveis com o
sistema do Código. Não havendo imóveis, é ainda inútil o
registro das convenções, além do que constar do registro de
casamento.
Por esses motivos ousamos apresentar o seguinte
substitutivo que, com o intuito de aperfeiçoar senão de
efetivar o pensamento do codificador importará na alteração
do art. 261 do Código113
em partes não essenciais.
Substitua-se a alínea II pela seguinte:
II, averbação especializada das convenções
antenupciais em relação aos imóveis existentes ou
posteriormente adquiridos, que forem atingidos pelas
cláusulas exclusivas do regime legal (art. 261).”
O relator da Câmara, embora reconhecendo a procedência dessas argüições,
inexplicavelmente recusou-as de modo a manter o atual e defeituosíssimo sistema, que
nenhuma publicidade garante.
113
Art. 1657 do Novo Código Civil de 2002.
88 – O regime anterior, dos Decretos de 1890 era muito mais preciso porque exigia
a especificação dos bens e o valor em que estavam estimados (Decrs. 169 A, art. 3, § 9 e
370 ,arts. 132 e 173).
O registro civil não supre a inscrição no registro de imóveis para que o adquirente
ou o hipotecante possam ter ciência inequívoca e certa dessas restrições; aliás, a Câmara,
contraditoriamente, aceitou disposição idêntica em relação aos bens inalienáveis (art. 5 letra
c, n.o III).
A propósito do art. 2, letra b, n.o I, já mostramos que não se devem confundir os
dois registros de fins diversos – um tendente ao conhecimento do estado civil da pessoa e
outro destinado principalmente a dar a terceiros a situação exata da propriedade de imóveis,
obedecendo a orientações diversas, aquele, segundo o domicílio dos cônjuges, e este, a
situação dos bens; daí a imperfeição do Código em determinar a inscrição no registro de
imóveis de contrato antenupcial, sem menor necessidade (art. 261114
); o registro civil já
denuncia o regime de bens e o lugar da lavratura do contrato, que tendo obrigatoriamente a
forma da escritura pública, conta de um verdadeiro registro público, que são os livros de
notas do tabelião – é um legítimo bis in idem.
89 – As relações de família podem atingir, porém, a determinados imóveis e assim
deverão repercutir no registro predial afim de que terceiros tenham conhecimento das
responsabilidades a que possam estar sujeitos os ditos prédios. O Código, por isso,
estabeleceu medidas para publicidade dos regimes matrimoniais, que se desviarem do tipo
normal de comunhão atribuído no silêncio das partes: devem ser transcritas em livro
especial do registro de imóveis do domicílio dos cônjuges para valer contra terceiros, as
escrituras antenupciais (art. 261).
É uma disposição imperfeita a atentatória da tradição do sistema do registro predial:
a conveniência não é fazer conhecido de terceiros o regime do casamento, já constante de
escritura pública e do registro civil, mas de fazer conhecido dos interessados, compradores
e prestamistas, o estado de determinado prédio e assim, o registro deveria ser em cada um
dos imóveis, se existissem ou fossem adquiridos e na circunscrição de sua sede. O livro
especial quebra o sistema de registro, pois não obedece a indicação real e os imóveis podem
114
Art. 1657 do Novo Código Civil de 2002.
estar situados em lugar diverso, além de nada referir dos bens futuros. Um exemplo
frisante: A e B casam-se no Rio e inscrevem a escritura antenupcial no cartório do seu
domicílio (3.o ofício), mas os seus bens estão situados em Campos ou Vitória?
Quem poderá descobrir qualquer indicação?
O conveniente seria, portanto, a modificação do Código para mandar inscrever no
registro predial, especializadamente, tudo o que se relacionasse com os imóveis, quer pelos
contratos antenupciais, quer pelas sentenças de separação do dote, desquite, nulidade e
restabelecimento da sociedade conjugal, bem como ainda todos os atos inter-vivos ou
causa-mortis que declarassem a inalienabilidade de imóveis, como se pratica com o bem de
família e em geral com as apólices.
A emenda apontava o único meio de publicidade idôneo, segundo o sistema do
registro hipotecário.
O Conselho Supremo da Corte de Apelação já chegara, em caso análogo, às mesmas
conclusões salientando a desnecessidade do registro hipotecário na falta de bens imóveis
(Provimentos, v. II, pág. 31).
Renato Carmil (“Jornal do Comércio” – 9 de Julho de 1921) também fizera
observações sobre o caso.
90 – É preciso notar ainda que o disposto no art. 261115
não se aplica aos regimes
matrimoniais que resultam de determinação positiva da lei (Cod. art. 258, § único116
), caso
ainda mais sério, porque muitas vezes pode não estar expresso sequer no registro civil do
casamento.
É, sem dúvida, uma grande lacuna do nosso sistema de especialização hipotecária,
sendo, sempre que possível, de aconselhar o registro.
III, do descobrimento de minas (decreto n. 4265, de 15 de janeiro de
1921, art. 12 e parágrafo único).
115
Art. 1657 do Novo Código Civil de 2002. 116
Art. 1640 do Novo Código Civil de 2002.
91 – Por proposta do Instituto foi ainda corrigida a anacrônica referência à
lei 2933 de 6 de Janeiro de 1915, substituída pela de n.o 4265 de 1921.
O art. 12 desta lei chegou a dispor:
“Haverá em cada cartório de registro de hipotecas um livro destinado ao registro das
minas.
O lançamento no „Registro de Minas‟ ratifica a propriedade, quer seja integral do
solo, quer seja parcial, adquiridas pelos direitos do condomínio, de descoberta ou de outra
origem legal.
Parágrafo único – A pessoa natural ou jurídica, em cujo nome estiver registrada a
mina, cabe o direito de a lavrar, ou de obter a concessão para isso.
O regulamento n.o 15211 de 28 de Dezembro de 1921 foi mais longe, criando, no
art. 14, dois livros – um para registro de manifestos de descoberta (Registro de manifesto de
minas) e outro para registro do direito a lavrar (Registro de minas).
Não nos constam, entretanto, que essas providências tenham sido postas em prática,
ao menos por falta de uma regulamentação precisa, que pode ser agora estabelecida.
Adotando o princípio de acessão mitigada das minas ao solo (Cologeras – As minas
do Brasil, v. III), as referidas leis permitem separá-las deste para os fins de arrendamento,
hipoteca e alienação, sendo consideradas partes integrantes das minas as coisas destinadas
permanentemente à sua exploração.
IV, da hipoteca marítima (Código Civil, art. 810, n. 10117
);
92 – Os navios, embora móveis por natureza, gozam em geral de uma certa
equiparação aos bens imóveis; devido à sua perfeita capacidade de individuação, têm nome,
estado, nacionalidade e domicílio, reconhecidos pelo Direito Internacional.
Além do registro, a transmissão de sua propriedade depende de escritura pública
(Cod. Comercial, art. 468) e não extingue os ônus dos privilégios, sendo que as vendas
judiciais exigem o depósito até o lapso da prescrição das dívidas privilegiadas, constantes
do registro, para o efeito de extinguir o privilégio.
117
Art. 1473 do Novo Código Civil de 2002.
Reservada constitucionalmente aos nacionais a navegação de cabotagem têm as
nossas leis firmado as condições necessárias para a aquisição da nacionalidade brasileira
pelos navios e que são – a propriedade por brasileiros, a direção de um capitão brasileiro e
2/3 da equipagem também nacionais; caso pertençam a sociedades, os gerentes e diretores
deverão ser brasileiros.
Para verificação do estado do navio exigiu o Código Comercial o seu registro no
Tribunal do Comércio do domicílio do proprietário com todas as especificações (arts. 460,
461); depois, pelos regulamentos especiais relativos à navegação, marinha mercante e
capitanias de portos o registro ficou a cargo das capitanias de portos, arsenais, estações
fiscais dos portos onde não houvesse capitania e dos consulados, quando adquiridas as
embarcações no estrangeiro; se o proprietário residir fora do Brasil registrará no porto que
lhe convier, medida com que, sem maior conveniência, o regulamento 10524 de 1923
substituiu a do de n.o 2304 que designava neste caso o Distrito Federal. Além do registro de
que são dispensadas as embarcações de pesca e tráfego do porto, consideradas todas
nacionais, os navios são sujeitos ainda à matrícula ou rol de equipagem, feita no porto de
armamento e renovável semestralmente, ao contrário do registro, que é permanente, tendo
cada um o seu objetivo diverso.
93 – A transferência de propriedade do navio deve ser inscrita no registro
marítimo, pena de não valer contra terceiros, sendo a inscrição cancelada quando se
desmanchar o navio, ou este estiver perdido há mais de dois anos; ficará sujeita a apreensão
e venda como contrabando a embarcação, cujo registro não for cancelado até seis meses
após ter perdido a qualidade de brasileira.
O registro do navio, feito em livro próprio e reproduzido em títulos entregue ao
interessado, descrimina nome, classe, tipo, dimensões, tonelagem, lugar da construção,
nacionalidade anterior, se tiver tido, nome do proprietário e lotação: é pedido em
requerimento, devidamente instruído, e neles se fazem as averbações da mudança de nome
do navio e do capitão. A transferência ou baixa do registro não se fazem sem o pagamento
ou depósito das soldadas devidas à tripulação pela última viagem.
Em todos os casos de transferência da propriedade inclusive os oriundos de falência,
casamento ou morte, o exercício dos direitos, de propriedade depende de declaração de
estar o adquirente nas condições previstas nas leis de cabotagem (Decreto 16197 de 31 de
Outubro de 1923).
94 – É interessante frisar a nenhuma importância que pode ter a denominação
penhor ou hipoteca naval, porque sendo o navio perfeitamente indivíduo, por esse lado, não
há motivos para se negar a hipoteca e a legítima e eterna distinção feita pelos romanos entre
esses direitos reais de garantia pela conservação ou não da posse de coisa em mão do
devedor, não pode ceder à decorrente do caráter móvel ou imóvel do bem onerado e assim,
os móveis sujeitos a individualização e dotados de certa estabilidade aceitam uma legítima
hipoteca, como os navios e os títulos nominativos, apólices e ações.
Quase todos os países admitem a hipoteca naval e os que não o fazem conservam
sob o nome de penhor, um instituto que, em verdade, nada difere daquele.
O Código Comercial falava ainda de hipoteca dos navios, sujeita a escritura pública,
mas a lei de 1864, declarando que não haveria outras hipotecas ou ônus reais senão os que
estabelecesse e revogando as disposições daquele relativas à hipoteca de bens de raiz,
fomentou um sério debate; o regulamento de 1877 concluiu que os navios não eram objeto
de hipoteca e registro, subsistindo, porém, as obrigações reais que, sem o nome de hipoteca,
estabeleceu o Código Comercial, as quais se registrariam no lugar competente.
Entretanto, a questão era simplesmente de rótulo, tanto que os decretos de 1890
mantiveram-na em seus termos e o Decreto 848 de 1890 se refere à hipoteca naval; segundo
Teixeira de Freitas, por argumento a contrario sensu, a intenção foi revogar a hipoteca de
embarcações, bens móveis, mas o regulamento assim não entendeu; continuaram, porém, os
ônus registráveis.
Os regulamentos sobre a marinha mercante cogitaram do penhor naval, que devia
subsistir, ao lado dos créditos privilegiados, que no direito marítimo são aliás um
empecilho à implantação de um perfeito e rigoroso sistema de preferência pela absoluta
ordem de inscrição.
O Código Civil declarou as embarcações suscetíveis de hipoteca, referindo-se a
regulamentos especiais que sobre o assunto se expedissem. (art. 825).
95 – O Instituto dos Advogados, estudando a feitura da presente lei em Junho de
1921, opinara pela impraticabilidade do registro de hipoteca naval nos cartórios de imóveis;
como constava do projeto e veio a permanecer na lei: “a inscrição só pode ser feita no
registro marítimo, isto é, nas Capitanias dos Portos e nunca no registro de imóveis”.
O registro marítimo entre nós abrangia tudo o que respeitava à vida do navio,
inclusive os créditos privilegiados; a hipoteca naval que apenas mudou o nome do antigo
penhor naval deveria continuar onde este era registrado (Clóvis – op. cit. – v. 3, art. 825 –
1a edição) tanto mais que a pluralidade dos cartórios e a organização dos livros
dificultariam a inscrição: basta atender a que o navio não se acha situado em zona alguma
do território do modo a não se pode verificar qual dos ofícios na mesma cidade seria
competente.
A Comissão do Senado rejeitou a sugestão pelos seguintes motivos:
“O Código dispôs nos arts. 831 e 832118
que „todas as
hipotecas‟ serão inscritas no „cartório do registro de imóveis‟
e subordinando, no art. 825, a hipoteca marítima aos
preceitos gerais por ele estabelecidos sobre a matéria,
idêntica, para esse efeito as duas espécies; e, além disso, o
sistema da proposição da Câmara encontra precedentes na
legislação da Alemanha, Bélgica e Holanda que manda se
faça a inscrição no registro geral de imóveis, e na Inglaterra
em que a inscrição pode ser feita nesse registro ou nas
repartições marítimas”.
96 – Enquanto o projeto seguia a sua marcha morosa foi a questão resolvida pelos
Decretos 15788 de 8 de 15809 de 11, ambos de Novembro de 1922 que, reconhecendo a
impropriedade do registro de imóveis, contudo, complicaram a solução do problema,
criando três registros especiais para a hipoteca naval, sendo dividido o território nacional
em três zonas com sede respectivamente em Pernambuco (De Amazonas a Sergipe) Distrito
Federal (Bahia a São Paulo) e Rio Grande do Sul (demais estados).
118
Os arts. 831 e 832 correspondem aos arts. 1492 e 1493 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente.
Foi uma criação inútil, instituindo-se uma duplicidade de registros injustificável,
pois além da inscrição deve ser feita a averbação nas Capitanias de Portos (Decreto 15788 –
art. 21).
Melhor seria fazer a inscrição logo nessas repartições, onde existe o registro
marítimo completo a partir das alienações foi apenas uma invenção infeliz, sem a menor
conveniência prática.
Para mostrar a balbúrdia reinante no assunto basta referir que o recente regulamento
das Capitanias de Portos (16197 de 1923) só cogitou do antigo penhor naval, silenciando
sobre a hipoteca, criada desde 1917 (v. artigo nosso in Gazeta Jurídica de 23 de Abril de
1924)!
Resta uma questão interessante: terá a lei 4827 revogado os decretos acima
referidos, extinguindo os cartórios de hipoteca naval, desde que manda registrar certos atos
no cartório de imóveis?
Pelo princípio de que a lei geral não revoga a especial (Cod. Introdução art. 4) e
mais pelo elemento histórico, que demonstrou já estar elaborada a lei naqueles termos e
sem possibilidade de novas modificações quando foram expedidos os regulamentos, parece
que estes continuam de pé.
O art. 49 do Regulamento 15809 mandou inscrever no registro do distrito em que
estiver matriculado a hipoteca de navio brasileiro, constituída em país estrangeiro.
Os demais atos, relativos aos navios, repetimos, continuam sujeitos ao registro
marítimo que os regulamentos a partir de 1895 retiraram das Juntas Comerciais.
Entre os diversos créditos privilegiados, exigem o Código Comercial e os
regulamentos navais o respectivo registro na capitania do porto, em tempo útil (15 dias),
salvo as dívidas contraídas no estrangeiro, com o visto consular, os dos seguintes casos:
custeio na última viagem, letras a risco, concerto do navio, prêmio de seguro, despesas de
construção e preço de compra.
Em caso de venda judicial será depositado o valor desses créditos registrados, até
sua prescrição.
São ainda registráveis, dentro de 15 dias, as cartas fretamento e, de 8 dias, as letras
de dinheiro a risco para valerem contra terceiros. Carvalho de Mendonça e Spencer Vampré
contestam a legalidade da transferência do registro desses atos da Junta Comercial para as
repartições navais por falta de expressa autorização legislativa – trata-se de um fato
consumado há 28 anos e mantido sem qualquer reclamação.
V, das hipotecas legais ou convencionais (Código Civil, arts. 831 e
852119
):
98 – Já vimos (ns. 25 e 26) o rigor de especialização a que atingiu o nosso regime
hipotecário através das etapas de 1864, 1885 e 1890.
O Código, entretanto, que teve tanto rigor em distinguir o ponto de aquisição do
direito, equiparando o próprio adquirente aos terceiros, v. g. nos arts. 533, 676120
e 860, §
único, abriu uma exceção no art. 848 para a hipoteca que, segundo a legislação anterior,
valerá entre as partes independente de registro; a questão é de simples coerência de
princípios, pois a hipoteca somente contra devedor, sem o respeito de terceiros, nada vale; o
seu grande efeito de preferência desaparece degenerando em simples dívida quirografária.
É mais um defeito da intervenção variada no Código e conseqüência do menor
esforço pela imitação servil de leis anteriores, no caso oriunda de emenda do Senado.
O regime anterior fora, aliás, criticado pelos maiores jurisconsultos pátrios (v. g.
Teixeira de Freitas, Consolidação, 2.a ed. Introdução, pág. 162; Lafaiete – Direito das
coisas, § 48, nt. 2, Dídimo, Direito Hipotecário, ns. 87 e 222, etc.): - domínio e direitos
reais, não absolutos, só entre as partes, sem obrigarem ao respeito das demais pessoas, em
formal desmentido ao caráter distintivo dessa grande classe de direitos, importa em
verdadeiro contra-senso.
Ainda no direito francês, se concebe essa transação, porque os terceiros, que os
podem desconhecer são apenas os que também têm direitos reais sobre a coisa (Planiol, op.
cit. vol I, § 2616), mas, entre nós, não havendo essa restrição a ninguém poderia ser oposto
o direito real antes de registrado.
119
Os arts. 831 e 852 correspondem aos arts. 1492 e 1502 do Novo Código Civil de 2002. 120
Os arts. 533 e 676 correspondem aos arts. 1245 e 1227 do Novo Código Civil de 2002.
Por isso tiraram os regulamentos hipotecários anteriores a jurídica conclusão de
que: até a transcrição os atos são simples contratos, que só obrigam as partes
contratantes” (Decreto 370 – art. 234).
99 – O atual regulamento hipotecário n.o 370 dispõe detalhadamente sobre os
requisitos e fórmulas das inscrições; conforme os nossos intuitos já confessados, além dos
princípios gerais indicados no início do art. 5, apenas daremos, em resumo, os elementos
que deve conter a inscrição, nos termos dos arts. 761121
e 846 do Código Civil e que são,
além do número de ordem e data do protocolo, os nomes domicílios e profissões das partes,
data e natureza do título, valor do crédito e da coisa ou sua estimação, prazo e juros
estipulados e a situação, denominação e característicos da coisa hipotecada.
100 – A lei de 1854 vedava a hipoteca do imóvel
comum sem o consentimento geral e da parte, quando fosse
ele indivisível; concluiu o aviso n. 382, de 14 de setembro de
1868 que não era admissível o „registro de hipoteca de
imóvel possuído em comum sem o consentimento dos co-
proprietários ou divisibilidade manifesta‟, sendo o seu
conteúdo incorporado ao parágrafo 8o do art. 4
o do decreto n.
169 A, de 1890, ainda que não repetido no art. 219 do decreto
número 370 por inadvertência de quem copiou inertemente o
regulamento de 1865; mas, fujamos de reviver as decantadas
antinomias dos ditos decretos emanados da mesma autoridade
revolucionária...
O princípio era, porém, de tal forma inconveniente
que alguns jurisconsultos e magistrados procuraram justificar
uma interpretação fora da letra, mas muito sabia; Lafaiete,
por exemplo, entendia que a indivisibilidade devia ser a
jurídica, como a do prédio enfitêutico, e não a material, à
falta de razões para proibir a hipoteca de imóveis de difícil
121
Art. 1424 do Novo Código Civil de 2002.
divisão, como as casas (Direito das Coisas, parágrafo 219, nt.
12).
Dídimo da Veiga, colocando-se em ponto de vista
diverso (Direito Hipotecário, parágrafo 172), bem como
Clóvis Bevilaqua (Revista de Direito, volume 4o, pág. 47),
Carlos de Carvalho (Nova Consolidação, arts. 745 e 783) e
Lacerda de Almeida (Direito das Coisas, parágrafo 167)
sustentaram a interpretação literal, mas, força é convir,
nenhum destes acatados mestres conseguiu destruir a opinião
daquele notável jurisconsulto e estadista.
O projeto primitivo apenas impedia a hipoteca
integral do bem comum sem o consentimento de todos os
consenhores (art. 855122
), deixando certamente livre a
hipoteca da parte pela elementar aplicação do princípio de
que tal ônus é função de venda quer quanto à capacidade do
sujeito, quer quanto à disponibilidade da coisa e o projeto
admitia a alienação da parte indivisa (art. 731123
, n. 2).
A comissão revisora, pouco feliz como tantas vezes
foi, ao passo que tornou explícita a possibilidade de gravar a
parte indivisa (proj. rev., art. 721124
) acrescentou, além a
esdrúxula disposição da lei anterior, condicionando a
hipoteca da parte à divisibilidade do todo (proj. rev. art.
891125
); com essas modificações constituíram-se
definitivamente os artigos 623 e 757 do Código Civil126
.
Interpretemo-los: pelo art. 623, n. III cada condômino
pode alhear ou gravar a respectiva parte indivisa mas pela
última parte do art. 757127
, incongruentemente, se veda a
122
Art. 1505 do Novo Código Civil de 2002. 123
Art. 1400 do Novo Código Civil de 2002. 124
Art. 1396 do Novo Código Civil de 2002. 125
Art. 259 do Novo Código Civil de 2002. 126
Os arts. 623 e 757 correspondem aos arts. 1314 e 1420 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente. 127
Art. 1420, § 2o do Novo Código Civil de 2002.
hipoteca da parte, quando o todo for indivisível, e como não
se deve entender contradição entre cláusulas da mesma lei,
que tem a presunção de consistente, ao intérprete cabe,
harmonizá-las.
O que será gravar a parte indivisa? POr certo não se
tratará de servidões, nem de usufruto, uso ou habitação, aliás
expressamente proibidos pelos arts. 633 e 628128
; pelo mesmo
motivo fica excluída a anticrese, bem como o penhor,
dependente da tradição efetiva da coisa, o que só se poderá
realizar após a divisão e em relação a móveis.
O que restará no art. 623, II, 2a parte
129? Certamente,
para que não fique letra morta, a hipoteca, aliás incluída na 1a
parte desse artigo pelo princípio geral já constatado e repetido
no art. 756130
„só quem pode alienar pode hipotecar; só coisa
alienável é hipotecável‟.‟
Será, por ventura, o art. 623, III, apenas aplicável às
coisas indivisas, mas manifestamente divisíveis? Não, porque
livre é a alienação de quinhões de imóveis, divisíveis ou
indivisíveis.
Uma única hipótese sobrara: a de ter o art. 757131
, in
fine, restringindo só para o caso de hipoteca parcial os
conceitos dos arts. 623132
e 756, com exigência da
divisibilidade nos casos de indivisão.
Haverá, porém, alguma razão plausível que justifique
a proibição de gravar partes indivisíveis, quando se permite a
sua alienação?
O próprio conceito da hipoteca responde-o – o fato
material da indivisão e conseqüentemente, a indivisibilidade
128
Art. 1314, parágrafo único do Novo Código Civil de 2002. 129
Art. 1314 do Novo Código Civil de 2002. 130
Art. 1420, § 1o do Novo Código Civil de 2002.
131 Art. 1420, § 2
o do Novo Código Civil de 2002.
132 Art. 1314 do Novo Código Civil de 2002.
nenhum óbice traz, porque o credor hipotecário não toma
posse nem tem ingerência na administração do imóveis
gravado; é o único direito real que não perturbará o livre
exercício do condomínio e o ônus recai apenas sobre a livre
alienação da parte onerada, o que é sempre permitido.
O seu legítimo conceito não foi melhor focalizado que
por Chironi – a hipoteca incide, não sobre a coisa
materialmente, mas sobre o seu valor; este é que sofre
começo de alienação, como se verifica nitidamente nos casos
de incêndio ou desapropriação, em que o ônus se sub-roga
sobre a indenização do seguro ou sobre o preço pago.
Desde que a parte, divisível ou não, tenha valor
econômico, apurável por venda ou adjudicação, o ônus caberá
perfeitamente, transportando-se para o preço.
Haverá algum empecilho decorrente do regime de
estrita especialização por nós, há muito, adotado?
A não ser Lafaiete, todos os demais anteviam uma
impossibilidade, fundados embora em preceitos de leis
estrangeiras, muita vez orientados diversamente dos nossos.
Ora, o art. 757, na 1a parte, ainda que repetindo o
direito anterior, encerra um verdadeiro truísmo,
absolutamente ocioso, pois ninguém admitiria que o
condômino por si só alienasse ou gravasse todo o imóvel;
escapa ao bom sendo comum.
Resta a segunda parte: convém lembrar desde logo
que, contrariamente à legislação de vários países, não se
cogita de uma oneração vaga e problemática; não é hipoteca,
por exemplo, de uma parte em prédio incluído em herança,
em que sou interessado, pois o nosso regime de
especialização e inscrição e não pessoal o vedaria. (Cod. art.
1580133
).
Trata-se de condomínio determinado; figuremos a
hipótese: pela partilha o prédio x coube a A, B e C em três
parte iguais – cada um pode hipotecar a sua terça parte,
independente da possibilidade ou facilidade da divisão e
simplesmente na razão direta da faculdade de alienação, é o
que reconhece o egrégio Clóvis no comentário ao art.
1133134
.
A objeção de que a partilha poderia trazer a
desaparição do ônus, além de incabível no nosso direito em
tal caso, não é absolutamente removida pelo critério de
divisibilidade, manifesta ou latente; ao contrário, a partilha da
coisa divisível pode prejudicar gravemente o credor pelo
conluio dos condôminos, ao passo que a coisa indivisível só
se parte pelo seu preço em praça ou licitação.
Assim é que os países, que admitem o livre gravame
das porções de imóveis, não incluem a cláusula da
divisibilidade, mas apenas lembram que o resultado do ônus
dependerá da partilha (cód. it. – art. 679, fr. 2125, Esp. Chil.
e do Uruguai).
O Código Civil distingue perfeitamente no art. 641 a
comunhão em um patrimônio do condomínio delimitado em
certo imóvel, em que as partes podem alhear os seus quinhões
aritmeticamente fixados, quer ideais, que reais, divisos, ou
indivisos, divisíveis ou não; naquele caso, por ex., na
herança, ao contrário, o herdeiro não pode vender a sua quota
hereditária sobre um determinado bem, mas apenas o seu
133
Art. 1791 do Novo Código Civil de 2002. 134
Art. 497 do Novo Código Civil de 2002.
direito e ação indeterminados, como conseqüência do regime
especializado do registro hipotecário.
Mas julgada a partilha e feita a divisão aritmética na
ação familiae e ciscundae, indiferente será a possibilidade de
divisão geométrica pela ação communi dividundo para regular
a venda ou hipoteca da parte ideal.
Se é possível alienar 3/7 sobre um campo divisível ou
sobre uma casa indivisível, não há razão para distinguir as
hipóteses em relação à hipoteca; o único inconveniente é
geral, para todos os casos, e decorre do próprio condomínio –
a depreciação que o valor do prédio sofre, quando fracionado,
e por certo a ela atenderão tanto o credor, como o comprador.
Quanto à inscrição não há ainda inconveniente como
pareceu a Dias Ferreira (comentário ao art. 915 do Cod. Port.
análogo ao nosso 757) e a Relação de Lisboa acabou de
explicar em notável aresto (Rev. de Direito, v. 46, pág. 63):
assim como o oficial transcreve a alienação de 3/7 que faça o
condômino a outro ou a estranho, inscreverá igualmente a
hipoteca de 3/7 feita a estranho ou condômino; em ambos os
casos se terá atendido ao fim da lei, isto é, ao pleno
conhecimento para terceiros, da coisa, seu proprietário e ônus
existentes.
Nada importará ainda a indivisão temporária até 5
anos (art. 630 do Código135
), como a preferência dos
condôminos (arts. 632 e 1139136
); de qualquer forma, a parte
pode ser vendida e o preço subsistirá para que o credor
exercite sua prelação.
A parte aritmeticamente fixada e economicamente
determinada caberá ao arrematante, como ao comprador
135
Art. 1320 do Novo Código Civil de 2002. 136
Os arts. 632 e 1139 correspondem aos arts. 1322 e 504 do Novo Código Civil de 2002.
particular, independente da possibilidade da divisão
geométrica, de indivisão temporária ou da futura licitação
entre todos os condôminos. Os próprios credores podem pedir
a divisão (Clóvis, Com. ao art. 647137
).
Mas, busquemos o intuito da lei; haverá algum
prejudicado na hipoteca da parte indivisa?
Os condôminos não o serão, sujeitos sempre a que os
outros vendam a estranhos suas parte, senão puderem adquiri-
las em igualdade condições quer na venda particular, quer na
judicial.
Proteger o credor, é ser mais realista que o rei, tutelar
os capazes, dar benefícios contra vontade; o credor é o único
interessado e se satisfaz, com a garantia parcial, mais valiosa
que a dos remanescentes de 1a hipoteca, ou da anticrese,
permitidas pela lei, para que impedir esse recurso ao crédito?
Já Lafaiete dizia que é melhor ter a hipoteca assim do que
nenhuma. O condômino é ainda o mais prejudicado com a
proibição; o proprietário, p. ex., de metade de um prédio na
Avenida Rio Branco de valor superior a mil contos não poder
levantar $ 1 pelo crédito real, com vantagens do juro módico
e do prazo longo!
O único que se poderia queixar seria o arrematante,
maximé no caso justamente oposto da divisibilidade, quando
uma posterior divisão pudesse prejudicá-lo, mas ninguém o
obriga a adquirir e de certo oferecerá um preço que atenda a
tais eventualidades.
A opção dos condôminos, mesmo na venda judicial,
não é embaraço para o credor, porque o preço sempre
aparecerá; aliás, já a lei anterior dispunha que a hipoteca do
137
Art. 1359 do Novo Código Civil de 2002.
domínio útil não prejudicaria o direito de opção do senhorio,
o que o Código manteve no art. 683.
Só haveria um impedimento sério se as partes ideais
de bens comuns fossem inalienáveis ou apenas
impenhoráveis, coisa que ninguém até hoje sustentou.
Se qualquer parte pode, pois, ser vendida
particularmente, se o pode judicialmente pela execução
comum de um credor quirografário, qual a razão que
impedirá a hipoteca, conducente a uma mesmíssima
execução, apenas com um privilégio para o credor,
perfeitamente conhecido?
Não havendo, assim, motivo sequer para a proibição
do art. 757 do Código138
, estando ele em contradição formal
com os de ns. 756 e 623 n. III139
e sendo circunstância
desprezível a divisibilidade da coisa, para evitar o absurdo ou
deixar sem aplicação um dos dispositivos, mais acertado será
entender o referido artigo, como fez Lafaiete com seu raro
tino jurídico, na frase de Ruy Barbosa (Rev. S. T. Federal, v.
I, pág. 230) – divisibilidade jurídica, a que se referem os arts.
53 n. II do Código140
, em geral, e 681, em particular, para a
enfiteuse.
Aliás, o artigo não traz sanção expressa, com os
análogos 783141
e 693 e, se constituísse nulidade a hipoteca
de parte indivisa, sujeita a venda e penhora pelos credores,
muito difícil seria caracterizá-la com absoluta ou relativa e
por quem poderia ser invocada, como é fácil apreciar nas
decisões contraditórias citadas por Dídimo da Veiga (loc.
138
Art. 1420, § 2o do Novo Código Civil de 2002.
139 Os arts. 756 e 623 n. III correspondem aos arts. 1420, § 1
o e 1314, parágrafo único do Novo Código Civil
de 2002. 140
Art. 88 do Novo Código Civil de 2002. 141
Art. 1440 do Novo Código Civil de 2002.
cit.); pelo devedor seria torpe, pelo credor cretinice e pelos
condôminos ociosos ou de má fé.
Não há razão de ordem pública ou privada que
justifique a proibição: a própria indivisibilidade da hipoteca é
apenas no sentido jurídico (decreto 370, de 1890, art. 216) e
não da essência da relação „benefício que pode ser
renunciado‟ (Clóvis, v. 3, pág. 323).
A dúvida anterior não foi, portanto, resolvida; prova-o
o discurso do Sr. Luciano Pereira da Silva, quando a Câmara
votava as emendas do Senado, propugnando pela
interpretação de Lafaiete, quando à hipoteca de partes ideais
(D. Congresso, 24-4-1913, pág. 151), com a adesão pessoal
do relator geral Adolfo Gordo (D. Congresso de 26 de Agosto
de 1913, pág. 886).
Se é possível o gravame da propriedade resolúvel,
porque impedir o da propriedade em comum; o Cod. alemão
permitiu-o decisivamente (artigos 1114 e 1258), bem como o
projeto Coelho Rodrigues (arts. 1371 e 1372).
Sufragou ainda a opinião de Lafaiete, após o Código
Civil, o preclaro prof. Azevedo Marques no seu livro „A
hipoteca‟, demonstrando a possibilidade e conveniência da
hipoteca de partes ideais, como também o fazem Planiol (Dt.
civ. v. 2, § 2653) e o professor do Recife Adolfo Cirne.
A nossa jurisprudência na maioria dos casos
interpretara, neste ponto, os decretos de 1890 liberalmente,
salientando-se o Tribunal de S. Paulo, em atenção talvez aos
interesses do crédito, tão desenvolvido em seu território, no
ac. in Rev. de Direito, v. 45, pág. 206, admitiu a hipoteca de
fração precisa de prédio em comum, independente de divisão
geométrica, porque se pode fazer dela excussão e venda
judicial, com valor realizável e sem prejuízo dos condôminos;
é a falência, pois, do critério inútil da divisibilidade,
constatada ainda nos acs. in Rev. Jurídica vs. 2, pág. 162 e 5,
página 544.
Para terminar, invocaremos um acórdão
unanimemente proferido pelo Supremo Tribunal Federal em
4 de dezembro de 1918 (Rev. de Dir., v. 56, pág. 385),
admitindo a hipoteca da parte ideal de um prédio; a única
interpretação razoável, pois, do art. 757142
, de acordo com o
sistema dos arts. 756 e 623 n. II143
, é que a proibição só se
entende com os imóveis juridicamente indivisíveis (artigo 53,
n. II144
).
VI, dos empréstimos por obrigação ao portador (lei n. 177 A, de 1893).
101 – Lembrou o Instituto que a lei 177 A de 15 de Setembro de 1893 determinara
a inscrição no registro hipotecário dos empréstimos contraídos sob debêntures pelas
sociedades anônimas, bem como das hipotecas, que especialmente os abonassem, com o
fito de colocar os imóveis fora do comércio; exigira ainda uma inscrição em livro especial
para tais empréstimos, onde se deveria fazer uma espécie de prenotação, inscrição eventual,
antes da subscrição e válida desde esse ato se, dentro de seis meses, se fizesse a definitiva
pelos administradores da sociedade ou por qualquer obrigacionista.
É, entretanto, certo que só deveria haver inscrição no registro hipotecário, quando
os debêntures fossem garantidos por hipoteca especial e em todos os cartórios
correspondentes aos imóveis onerados; em caso contrário, não se justifica a inscrição no
registro de hipotecas (e em qual deles?), mas apenas no registro de comércio ou no civil de
títulos e documentos, conforme o caso.
142
Art. 1420, § 2o do Novo Código Civil de 2002.
143 Os arts. 756 e 623 n. II correspondem aos arts. 1420, § 1
o e 1314, parágrafo único do Novo Código Civil
de 2002, respectivamente. 144
Art. 88 do Novo Código Civil de 2002.
A lei 177 A confiou, porém, sem técnica, essa função em todos os casos, ao registro
hipotecário, esdruxulamente encarregado até do arquivamento de jornais que publicarem os
atos constitutivos de sociedades anônimas ( Decreto 434 de 1891 – art. 81).
O regulamento a expedir para execução da presente lei poderia, talvez, resolver
essas anomalias, maximé se a reforma tivesse abrangido o registro mercantil.
O eminente Alfredo Bernardes, como Gastão Vidigal, já salientaram a confusão que
há na prática entre a inscrição no livro especial (oitavo) e nos livros comuns de hipoteca,
quando esta abona especialmente a emissão de debêntures (Rev. de Dir., v. 30, pág. 444).
VII, das penhoras, arrestos e seqüestros de imóveis.
102 – O Instituto dos Advogados assim justificou a sugestão desta e da alínea
seguinte:
“A Confissão propõe ainda a inclusão no registro de
imóveis das seguintes hipóteses cuja aplicação o regulamento
determinará:
N. – A inscrição das penhoras, arrestos e seqüestros
de imóveis.
N. – A inscrição das citações de ações reais ou
pessoais reipersecutórias, relativas a imóveis.
N. – A inscrição especializada da hipoteca judicial
sobre imóveis do executado, em virtude de sentença
condenatória da primeira instância (Cód., art. 824).
São providências já incluídas no Projeto de Código de
Processo elaborado sob os auspícios do Ministro Esmeraldino
Bandeira (Decreto 8332 de 3 de Novembro de 1910, arts.
192, 817-9 e 839-42), e que vêm apurar o sistema de
transmissão da propriedade imóvel, no qual temos progredido
até o regime da absoluta publicidade das hipotecas,
convencionais ou legais; visam garantir os interesses dos
credores e os dos adquirentes, cuja boa fé será resguardada,
mediante um perfeito conhecimento da situação dos bens,
superior ao que decorrer das certidões dos distribuidores, em
que a posição dos litigantes e o foro do litígio podem não
coincidir com os dados constantes do registro hipotecário, fiel
espelho que deve ser da vida desses bens, maximé quando
ainda não conseguimos constitui-lo como prova absoluta da
propriedade, sujeita a reivindicações.
O Código, no art. 824, repetiu o disposto nas leis
hipotecárias anteriores (Decreto 169-A, de 1890, art. 3o § 11),
que os regulamentos estiolaram pela dependência, da coisa
julgada (Decreto 370 de 1890, arts. 131, § 10 e 201); sobre
este assunto reina a maior confusão em nosso direito,
perigosamente refletida na jurisprudência, como demonstrou
o relator deste em trabalho mais desenvolvido (Tese de
concurso – 1920), dada a coexistência da hipoteca judicial,
inútil, com a faculdade de anulação dos bens alienados em
fraude de execução.
O próprio legislador misturou as hipóteses (Reg. 370,
artigo 201), permitindo a inscrição da hipoteca sobre bens
existentes ou alienados em fraude, de tal sorte que as decisões
ora validam casos patentes de fraude pela falta de inscrição
hipotecária, ora dispensam-na para anular casos duvidosos,
até contra terceiros mediatos, pela transmissão sucessiva, em
razão da proximidade de penhora, que o adquirente de boa fé
não tem elementos para conhecer.
A execução aparelhada e até a eminência de penhora
em ação executiva por um título cambiário podem prejudicar
ao adquirente de boa fé, como se verifica, p. ex., no Código
do Rio Grande do Sul, que fixa em 30 dias essa „eminência‟ e
equiparou para todos os efeitos as ações executivas às
execuções.
Ora, evidentemente a propriedade não pode estar à
mercê dessas interpretações e será em vão todo o esforço
feito para aperfeiçoar o nosso regime hipotecário, matéria da
alçada exclusiva da lei federal.
Se assim é, porque não aproveitar a semente do art.
824 para criar, sem preferência, as prenotações ou inscrições
condicionais pelas sentenças de primeira instância que, não
confirmadas, determinarão o cancelamento daquelas?
Acrescentando a análoga inscrição das penhoras e das ações
reais, desde o início, ter-se-á obtido perfeitamente a
segurança de todos os interessados, substituindo-se com
vantagem o disposto no art. 494 do Reg. 737 de 1850, em
suas três hipóteses. Restarão apenas os casos de alienações
anteriores às sentenças de primeira instância e próximas a
penhora em ação executiva, em que a fraude, na falta de
presunção pelo registro, será apreciada segundo os preceitos
dos arts. 106 e 107 do Código Civil145
e mediante meio
expedito que a lei processual pode estabelecer, mesmo
porque, em rigor, o art. 494 do Reg. 737 contendo
simultaneamente parte de forma e parte de fundo, que afeta
ao direito de propriedade, está revogado nesta última pelo
Código Civil e não pode ser reproduzido ou ampliado por leis
estaduais sem desrespeito ao direito federal.
Com as medidas propostas teremos caminhado
muitíssimo na senda do direito, dando um rigor
extraordinário à propriedade e quase chegando,
indiretamente, à perfeição do sistema germânico; aliás não
constituem novidade alguma e só sentimos que a angústia do
145
Os arts. 106 e 107 correspondem aos arts. 158 e 159 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente.
tempo não permita desenvolver a matéria, mostrando como
são essas medidas adotadas em legislações de outros países
cultos: o registro das penhoras na França, Itália, Bélgica,
Argentina, etc., a hipoteca condicional das sentenças de
primeira instância nesses mesmos países, que todos eles
adotam, como a Alemanha e a Espanha a prenotação das
ações reais, que só valerão (como no caso da nossa lei sobre
títulos ao portador) contra os adquirentes posteriores.
Eis em síntese, as sugestões que a Comissão ousa
oferecer ao instituto para que este, em sua sabedoria, delibere
sobre o endosso co que deve transmiti-las aos honrados
membros do Senado Federal.
Rio de Janeiro, 23 de junho de 1921 – Alfredo
Bernardes da Silva – Filadelfo Azevedo relator – Eduardo
Duvivier, com restrições quanto à hipoteca judicial que me
parece não dever ser concedida, quanto às sentenças não
passadas em julgado, senão em casos de justificada
necessidade da mesma”.
103 – O Senado aceitou essas sugestões, embora restringindo a relativa à hipoteca
somente às sentenças passadas em julgado, segundo a lição de Clóvis Bevilaqua (op. cit.
vol. 3, pág. 397).
Não atinamos com a repugnância que levantou a proposta, porque, praticamente, se
verifica ainda a prenotação que propugnamos: quem compra ou empresta exige certidão dos
distribuidores e quando há ações, em regra, deixa de fazer a transação.
Pelo regime proposto limitar-se-iam os futuros efeitos da condenação e os demais
bens poderiam ser transmitidos; se a condenação não tivesse probabilidade de ser
confirmada, o comprador poderia aceitar o risco, adquirindo um domínio resolúvel, uma
vez que não subsiste a proibição de compra de bens litigiosos.
Mais séria é a possibilidade, firmada no regulamento 370 (art. 201) de inscrever a
hipoteca por sentença, embora passada em julgado, em bens na posse do devedor ou
alienados em fraude de execução; mais vale, pois, prevenir do que reprimir, assim,
perigosamente, os atos fraudulentos.
É certo que o grande Clóvis Bevilaqua entendeu, restritivamente o art. 824 mas com
certeza influenciado pela letra dos regulamentos hipotecários, que, exigindo a condição, de
último julgamento, anularam de fato as úteis disposições das respectivas leis, análogas
àquele e quebrando ainda a tradição da nossa Ord. do liv. 3, tit. 84, § 14. O que convém é
seguir, como em todos os países, o sistema das anotações preventivas, já lembrado pelo
Código Esmeraldino e facilmente adaptável ao referido art. 824 do Código.
104 – A Câmara, entretanto, foi mais longe e chegou a rejeitar in totum a idéia,
negando apoio à emenda do Senado
“porque é inútil, à vista dos termos genéricos da
emenda n. 27 aceita pela Comissão, onde se manda fazer o
registro dos penhores, arrestos e seqüestros de imóveis.
Além de inútil, é inconveniente porque importará na
revivescência da hipoteca judicial.”
Não sabemos, entretanto, como seria possível reviver a hipoteca judicial, se ela
nunca morrera, tendo o art. 824 do Código Civil mantido, nos mesmos termos, o disposto a
respeito nas leis 1864 e 1890:
Apesar da supressão, subsistirá, portanto, a hipoteca judicial, enquanto não for
revogado o artigo do Código.
O fato de ter aplicação quase nula decorreu justamente dos defeituosos dispositivos
regulamentares, que restringiram a hipoteca judicial às sentenças passadas em julgado,
contra a prática anterior e das legislações estrangeiras. Essa lacuna tem sido preenchida,
com graves prejuízos, pelo disposto no art. 494 do Reg. 737 sobre a alienação em fraude de
execução, aplicação indireta da ação pauliana.
105 – Em tese de concurso sobre a questão da fraude de execução sustentamos que
as disposições do Código Civil sobre a fraude (arts. 106 e 113146
) revogaram a parte
substantiva do art. 494, embora permanecesse a fórmula processual de aplicação indireta da
ação pauliana (Lafaiete – op. cit., § 208, art. 9).
O egrégio autor do Código deu-nos a subida honra de uma contestação na 2.a edição
dos seus comentários (vol. I, pág. 347), reconhecendo, embora, a conveniência de modificar
o disposto no reg. 737, que tem dado lugar a interpretações desencontradas.
Com explicável constrangimento ante a estatura do contraditor somos forçados a
voltar a carga para insistirmos em nossas conclusões, evidentemente apoiadas por um
notável acórdão das Câmaras Reunidas, redigido com o costumeiro brilho pelo
Desembargador Sá Pereira (Rev. de Dir., v. 58, pág. 307).
A matéria do art. 494, salvo a fórmula processual, sendo confessadamente de direito
substantivo, não pode persistir em desacordo com as regras estatuídas pelo Código Civil
sobre fraude de credores, circunstância que torna anuláveis apenas os atos eivados desse
vício (Cod. arts. 147, 148 e 152147
).
Em nenhum desses casos será possível tripudiar sobre boa-fé do adquirente a título
oneroso, sem a prova em contrário – „insolvência notória ou motivadamente conhecida do
outro contratante‟, que aliás, o n.o III do art. 494 já exigia: foi por isso que impugnamos na
prática a inútil distinção (originariamente exata – Ords. do I. 3 tit. 84 § 14 e tit. 86, § 16),
apontada pelo egrégio Lafaiete e sempre repetida entre a fraude de execução em suas três
modalidades e a hipoteca judicial (tese de concurso cit., §§ 9, 10 e 29).
Não só as duas hipóteses se confundiam, em face do disposto nos arts. 224 e 201148
dos regulamentos hipotecários de 1865 e 1890, respectivamente, como a da fraude de
execução abrangia três casos diversos , (art. 494 do reg. 1850), dos quais apenas o último
exigia os três elementos distinguidos classicamente pelo excelso autor do Direito das
coisas; os demais prescindiam da prova de fraude do adquirente, importando em verdadeira
hipoteca judicial oculta, sem dependência de inscrição.
146
Os arts. 106 e 113 correspondem aos arts. 158 e 165 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente. 147
Os arts. 147, 148 e 152 correspondem aos arts. 171, 172 e 177 do Novo Código Civil de 2002,
respectivamente. 148
Art. 1542 do Novo Código Civil de 2002.
O regime de presunção absoluta (consideram-se – reg. 737) modificou-se, portanto,
a partir do Código Civil, para o de presunção relativa (Cod. art. 111149
– presumem-se); as
alienações em qualquer caso só devem ceder à prova de fraude, o que não importa em
proscrever as presunções, pois é clara a distinção entre o „não se presume‟ e a „prova por
presunções‟ (lei 2024 de 1918 – art. 60, § 3). Só nos atos gratuitos se dispensa a prova de
fraude porque os beneficiados (lucro captando) devem ceder aos prejudicados (damno
vitando); em contrário, vigora a máxima in pari causa meliot est conditio possidentis.
106 – A lei n.o 4827 veio, felizmente, aplainar as dificuldades e resolver a situação,
pondo o caso do reg. 737 dentro dos princípios gerais do Código.
Assim é que registradas as ações reais e as penhoras estará desde logo feita a prova
da fraude do adquirente, que tem para se informar, o recurso dos livros hipotecários: não
haverá mais razão para qualquer tolerância da jurisprudência, censurada por Teixeira de
Freitas em nota ao artigo 929 da Consolidação (Chironi – Dei privilegi, delle ipotechi e del
pegno, 2.a ed., §§ 99 e 202 nt. 2).
Se, porém, a alienação tiver precedido a inscrição da penhora ou da ação, recair-se-á
na hipótese do n.o
3 do art. 494 ou melhor na do art. 107 do Código Civil150
, sendo
necessária a prova de fraude do adquirente; o simples resultado do objetivo só poderá
autorizar a anulação nos atos a título gratuito.
A penhora iminente, a execução aparelhada, o simples vencimento de um título
cambiário a propositura de ações pessoais serão, não mais presunções irremovíveis, mas
elementos, ainda que valiosos, para convicção do juiz, quanto à notoriedade ou ciência da
insolvência por parte do adquirente, cuja boa-fé será apreciada com toda a amplitude.
VIII, das citações de ações reais ou pessoais, reipersecutórias, relativas a
imóveis.
149
Art. 163 do Novo Código Civil de 2002. 150
Art. 159 do Novo Código Civil de 2002.
107 – Nos mesmos termos da alínea anterior, o Congresso aceitou a sugestão do
Instituto, que veio a concorrer para a perfeição do nosso registro de imóveis, ainda que
indiretamente, como vimos, por esse conjunto de medidas, que vêm facilitar o
conhecimento de terceiros sobre circunstâncias úteis; independentemente do cadastro
aproximar-nos-emos do sistema germânico, sem desvantagem. Praticamente a exceção
declarada no art. 968 do Código Civil151
tornar-se-á regra geral, ao menos para a opinião
corrente que a não admite com esse caráter.
Assim, além das locações a que nos referimos, ficarão constando dos registros de
imóveis não só os arrestos, seqüestros e penhoras, com as ações reais e pessoais
reipersecutórias: alcançado estará o duplo escopo, dificilmente colimado em leis diversas –
a boa-fé de terceiros e a não fraudação dos credores, perfeitamente conciliáveis por essas
providências.
O próprio registro hipotecário suprirá, o subsídio em grande parte, imperfeito das
certidões dos distribuidores, que muitas vezes, não podem fornecer informações precisas, v.
g. nos embargos de terceiros, e, o que é mais, não obedecem aos estrito critério real,
demandando uma busca rigorosa em todos os cartórios espalhados pelo país.
É um regime análogo ao das prenotações, usado na Alemanha (Código civil, arts.
883, 892 e 899), na Itália (Cód. civ. arts. 1933, 1080, 1235, 1308, 1511, 1553 e 1787), na
Argentina (Cod. proc. Buenos Aires, art. 482 e federal 247) em Portugal (Cod. civ. arts. 949
e 966), na França (aliás, com preferência para as hipotecas judiciais, o que a maioria dos
autores condena) e na Espanha sob o título de „anotaciones preventivas‟ (leis sucessivas a
partir de 1861, sendo o atual de 16 de Dezembro de 1909).
Entre nós, o projeto de Código Processual organizado sob os auspícios do MInistro
Esmeraldino Bandeira (Decreto 8332 de 3 de Novembro de 1910) já consagrava com
felicidade essas medidas, que aliás deviam constar de lei federal, como a presente, sobre
registros públicos.
108 – O regulamento n.o 737 referia-se no art. 494, n.
o 1 a: „bens litigiosos ou
sobre os quais pende demanda‟, sendo a sua origem a Ord. do I., 4, tit. 10; execução era
sempre real ou pessoal in rem scriptae, quer tivesse sido o adquirente particeps fraudis,
151
Art. 879 do Novo Código Civil de 2002.
quer não, com a única diferença de ser ouvido sumariamente no segundo caso (T. de
Freitas, Consol., arts. 348, 349, 925 e 976).
A lei estabeleceu o mesmo princípio, condicionado à inscrição prévia no registro
predial; do contrário será necessária a prova de fraude do adquirente.
Reinando certa controvérsia sobre a classificação das ações, andou bem o legislador
consagrando uma fórmula genérica, ao invés de enumeração taxativa, seguida, por
exemplo, no código italiano.
Ao profissional caberá verificar em cada caso o caráter da ação para promover a
cautela da inscrição (Chironi, loc. cit.), devendo a interpretação ser extensiva; assim, tudo
aconselhará a inscrição das ações possessórias (Câmara Leal – Teoria e prática das ações –
1923, n. 30. Sá Pereira – in Gazeta Jurídica de 18/01/1924, Azevedo Marques – Da ação
possessória, § 51), das ações divisórias cuja classificação definitiva é uma vexada quaestio,
etc.
O prof. Aureliano de Gusmão considera ações pessoais reipersecutórias as que,
derivando de uma obrigação, têm uma direção real, recaindo sobre uma coisa certa (rem
sequuntur) e podendo ser propostas ou contra a pessoa obrigada ou contra o possuidor da
coisa, quais sejam, por exemplo, a ação ad exhibendum, a revogatoria ou pauliana, a
remissoria pela clausula a retro, a quod metus causa etc. (Processo civil, - 1922, pág. 309
e 315 a 320).
João Mendes (Dir. Judiciário, pág. 135), João Monteiro (Doutrina das ações, n.o
14), Camara Leal (op. cit.), Jorge Americano (Da ação pauliana - § 14) contra as opiniões
de Correa Teles (Doutrina das ações, § 111) e Paula Batista (Processo, § 22), não admitem
a classe das ações pessoais in rem scriptae; a lei, seguindo o código de Processo do Distrito
Federal (projeto Esmeraldino), empregando essa fórmula, não quis decidir a questão
doutrinária – apenas permitiu uma certa latitude em benefício do aperfeiçoamento do
registro hipotecário.
b) a transcrição;
I, da sentença de desquite e de nulidade ou anulação do casamento,
quando nas respectivas partilhas existirem imóveis, ou direitos reais sujeitos à
transcrição (Código Civil, art. 267, ns. 2 e 3);
109 – Como já referimos no art. 5 letra a, n.o II a Câmara recusou apoio à seguinte
fórmula, proposta pelo Instituto e aceita pelo Senado:
III, averbação especializada das sentenças de desquite,
nulidade ou anulação de casamento em relação aos imóveis,
ou direitos reais compreendidos na partilha (art. 267, ns. 2 e
3, e 268).
Assim ficaria mais claro e coerente com o sistema então proposto; entretanto, a
redação atual satisfaz os fins colimados.
Somente quando houver imóveis far-se-á a transcrição da sentença em relação a
eles, independentemente da averbação da sentença no registro civil para os demais fins.
Aliás, entendemos que as sentenças de partilha devem ser sempre registradas e,
assim, já estaria regulada a hipótese, como aliás afirmara o ilustrado oficial do registro
hipotecário de São Paulo – Dr. Gastão Vidigal (Rev. dos Tribunais, v. 23, pág. 310).
II, do contrato de locação no qual tenha sido consignada a cláusula de
sua vigência, no caso de alienação da coisa locada (Código Civil, art. 1197152
);
110 – O provecto relator da Câmara, Dr. Veríssimo modificara o primitivo projeto
Maximiano de Figueiredo:
O projeto manda que seja feito no registro civil das
pessoas jurídicas, a transcrição do contrato de locação, no
152
Art. 418 do Novo Código Civil de 2002.
qual tenha sido consignada a cláusula de sua vigência, no
caso de alienação da coisa locada.
Ora, o Código Civil, em seu art. 1197, criou um
verdadeiro ônus real, que acompanha o imóvel, e no registro,
portanto, de imóveis, é que deve ser feito o registro, ou
melhor, a averbação.
Há a esse respeito um excelente trabalho de um jovem
jurista, estudioso advogado, publicado no vol. 14, página 223,
da Revista Jurídica, mostrando que realmente o Código criou
um ônus real, no caso em questão, sendo o único meio eficaz
de dar a conhecer atos interessados um encargo que pesa
sobre o imóvel, averbá-lo no registro de imóveis.
Não será demais inserir aqui as razões que expusemos, gentilmente aceitas pelo
parecer:
111 – O elemento econômico primando ao jurídico,
na questão do crédito real, determinou a evolução do sistema
hipotecário para o regime da publicidade, sujeito a variantes,
que oferecem as diversas legislações, desde a feição
defeituosa do direito francês, até a forma rigorosamente
mecânica preferida pelo germânico.
O direito pátrio, seguindo uma marcha evolutiva,
desde a lei de 1864 até a de 1890, e o Código Civil, através
do regime intermédio da lei de 1885 e sem assumir o caráter
radical da legislação alemã, adota um sistema eclético que
satisfaz às necessidades do crédito real em nosso país,
cedendo às injunções da falta de organização cadastral
perfeita – o que se nos afigura tarefa dificílima para a imensa
extensão do território nacional.
Assim, foi criando o registro de transmissão de
propriedade imóvel com o fito de facilitar o crédito real,
objetivo que determinou ainda a abolição das hipotecas gerais
e ocultas, para que o capitalista ficasse, habilitado a conhecer
com segurança não só o proprietário, como os ônus reais
anteriores para avaliação da parte viril do imóvel e,
certamente, com o complemento das prenotações, ter-se-ia
obviado grande parte do perigo das ações de reivindicações e
nulidade, aproximando mais o sistema da perfeição do
germânico.
Em conformidade ao regime imobiliário, adstrito aos
dois lemas da publicidade e especialização, têm as leis
determinado taxativamente os ônus reais, reconhecendo
conseqüentemente a questão que lhe é de íntima dependência
– a dos privilégios.
Essa matéria foi superiormente resolvida nas leis
hipotecárias: os privilégios são simplesmente pessoais e
cedem ao crédito real, ao contrário do sistema francês em que
se transformam em ônus, verdadeiras hipotecas privilegiadas
– pela inscrição ou mesmo sem esta formalidade, quanto a
certos créditos, na falta de bens móveis.
O Código manteve o princípio geral, no art. 1563,
apenas com duas exceções - a das despesas e custas judiciais
e a do trabalhador rural sobre o produto da colheita, aquela
perfeitamente aceitável e está determinada por motivos de
ordem econômica e que pouco afetará o crédito real,
atingindo só acessoriamente a propriedade imóvel.
O art. 6, do Decreto n. 169 A, sempre foi entendido
como disposição exclusiva, rigorosa de limitação dos ônus
reais, tanto que o seu parágrafo primeiro, continuava: „os
outros ônus reais que os proprietários impuserem a seus
prédios se haverão como pessoais e não podem prejudicar os
credores hipotecários‟; mesmo registrados, não seriam
oponíveis aos ônus posteriores, sendo simples créditos
pessoais com privilégios apenas sobre as sobras ou imóveis
não gravados. Entre outra, sobressai a opinião de LACERDA,
sobre esse princípio da restrição dos ônus reais (Direito das
coisas, §§ 5o , nt. 6), e um de seus muitos corolários – a
ineficácia do direito de retenção contra os ônus reais, quer na
seqüela, quer na prelação (§ 1o, nt. 16), embora em nosso
humilde entender se mostre o acatado mestre incoerente ao
apreciar os efeitos dos casos, que considera de verdadeiro
direito real de superfície, não incluído na enumeração legal (§
1o, nt. 9).
O Código, embora menos explicitamente, declara no
art. 674153
, que são direitos reais, além da propriedade a
enfiteuse, usufruto, etc, tendo sido repelida a proposta da
Comissão revisora para a adoção do direito de superfície.
Logo, todos os outros que as partes criarem serão meros
privilégios pessoais que, mesmo inscritos, não terão a menor
influência sobre os ônus reais.
Esses ônus nascem (ao menos, praticamente, seus
efeitos, erga omnes, que os caracterizam e distinguem dos
direitos pessoais), com a inscrição dos respectivos títulos no
registro de imóveis e se regulam entre si pela prioridade no
registro, objetivada no número de ordem (Código Civil, arts.
676, 759, 833, parágrafo único154
e 848).
Ainda redundante o art. 811155
, declara subsistirem os
ônus reais constituídos e transcritos anteriormente à hipoteca
153
Art. 1225 do Novo Código Civil de 2002. 154
Os arts. 676, 759 e 833 correspondem aos arts. 1227, 1422 e 1492 do Novo Código Civil de 2002,
respectivamente. 155
Art. 1474 do Novo Código Civil de 2002.
sobre o mesmo imóvel. Mas, eis que o próprio Código
estabelece exceções a esse rígido e harmônico sistema e, sem
falar na dispensa de transcrição das transmissões de
propriedade imóvel, causa mortis (Clóvis, v. 3, pág. 63), e
das servidões aparentes, vamos encontrar uma,
importantíssima e aberrante do sistema do Código, que é a do
art. 1197156
, relativa à locação.
Vimos que os ônus reais caracterizados por seus
efeitos, adversus omnes, estão enumerados, no art. 674157
, e
que o art. 811158
, só a eles manda respeitar e que a locação,
como na maioria das legislações, é considerada direito
pessoal, legítimo contrato e como tal o nosso Código a
considerou, mas uma disposição de última hora encaixada se
não alterou de todo a sua feição, sem dúvida afetou
grandemente os seus efeitos.
Não queremos entrar aqui na apreciação teórica da
verdadeira natureza da locação, o que não é nosso intuito,
mas impossível é omitir, estudando rapidamente a feitura do
Código nessa parte, o dissídio que nas letras jurídicas se tem
levantado sobre o caráter da locação de coisas, mormente
imóveis, e assim, veremos que a tradição do nosso direito,
segundo a romana, considerava a locação mero direito
pessoal, não oponível a terceiros, salvo o caso especial de
hipoteca acessória (TEIXEIRA DE FREITAS, Intr. à
Consolidação; CARVALHO DE MENDONÇA, Contratos, v. II, n.
185; CARLOS DE CARVALHO, Nova Consol., artigos 1126-7).
Outras legislações (Cods. português, 1619; francês, 1743;
italiano, 1597, etc.), fazem respeitar a locação pelos
posteriores adquirentes dos prédios, ainda que de modo
156
Art. 576 do Novo Código Civil de 2002. 157
Art. 1225 do Novo Código Civil de 2002. 158
Art. 1474 do Novo Código Civil de 2002.
incoerente, só exigindo registro para as locações chamadas de
longo prazo (no direito italiano, 9 anos – art. 1932, § 5, e no
francês, 18 anos – lei de 23/03/1855, art. 2, n. 4), de modo a
alimentar a mesma divergência quanto ao caráter do
arrendamento, sendo conhecido o apartamento do grande
TROPLONG, da maioria dos autores franceses que sustentam a
sua natureza pessoal, com o auxílio de uma cláusula
subentendida, que a dificuldade da matéria exigiu e fez
imaginar.
O Código, como vimos, não inclui a locação entre os
ônus reais, antes o faz no capítulo dos contratos da parte
relativa às Obrigações; o projeto mantinha o direito vigente,
isto é, que a locação só seria respeitada pelo adquirente, que
se obrigasse expressamente a tal: o relator na Câmara, Sr.
Desembargador TEIXEIRA DE SÁ propunha que se alterasse a
fisionomia, fazendo respeitar a locação, ao menos nos casos
de transmissão causa-mortis. A Câmara não aceitou a
inovação e anos depois, com a maior inconseqüência, aceitou
sem discussão e contra o parecer do relator, aliás, muito bem
poderado, a emenda introduzida no Senado, dando à locação
efeitos gerais, pelo simples registro do contrato, que os
estabelecesse, o que veio afinal a constituir o atual. art.
1197159
!
Assim é irrecusável desconhecer o efeito prático desse
artigo que, declarando uma perfeita conseqüência do caráter
pessoa da locação – o não ser obrigatoriamente respeitada
pelo adquirente do prédio, estabelece efeito diametralmente
oposto, quando no contrato for consignado a cláusula de sua
vigência, no caso de alienação e „constar do registro
público‟.
159
Art. 576 do Novo Código Civil de 2002.
Os juristas pátrios e estrangeiros que estudam a
questão se vêem em sérias dificuldades para conciliar os
princípios e, apesar do caráter pessoal da locação, o seu
valimento erga-omnes, equipara-a irrecusavelmente aos
direitos reais; isso todos o reconhecem inclusive LACERDA
que, confessando a dificuldade de distinção entre esses
direitos, mais complexa no caso do arrendamento, mostra
que coerente e lógico foi o projeto do Sr. COELHO
RODRIGUES, dando efeitos de direito real perfeito, com a
inscrição no registro de imóveis, aos contratos de locação
(LACERDA,Direitos das coisas, Intr., pág. II, §§ 1o, nts. 8 e 7,
not. 4); maior satisfação não poderia ter tido esse notável
jurisconsulto que com valiosa opinião do insigne civilista
para o ponto mais criticado do seu trabalho e que, sem
exagero, pode ser considerado como a melhor e mais perfeita
disposição sobre o assunto. (Proj. COELHO RODRIGUES, arts.
736, 1700, § 2o , e 1811 a 1815).
Mas, o Código estabelecendo um sistema rígido de
discriminação de ônus reais e considerando a locação direito
pessoal não poderia jamais incluir uma disposição aberrante
como a do artigo 1197, adotada anonimamente – só o deveria
fazer, como direito real, harmonicamente ao sistema do
Código e pelo registro, como fez o Código COELHO
RODRIGUES, e jamais adotar as medidas defeituosas do
Código francês que até PLANIOL deseja ver reformada com a
criação do direito real de locação (v. 2, § 1711).
Mas, diante do texto enxertado, sem sistema, ainda
havia dois caminhos a seguir e este é o verdadeiro fim do
nosso trabalho: ou minorar os defeitos, transigindo e
aplicando a essa locação o tratamento dos ônus reais, sujeitos
ao registro real e a conseqüente precedência cronológica pelo
número de ordem ou dar-lhe um caráter absoluto com
maiores absurdos, em detrimento de todo sistema edificado
em garantia do crédito hipotecário.
A lei fala em registro público e, tratando-se um dos
muitos casos da zona intermediária entre o direito material e
o formal e em que difícil é a sua distinção, facilmente se
demonstra a conveniência de sua regulação uniforme e ampla
pela influência que atinge as relações sustantivas e assim, o
Governo Federal, no Decreto n. 12437, de 03/01/1917,
regulou, ainda que, provisoriamente, os casos novos de
registro, criados pelo Código Civil e à Câmara foi
apresentado pelo então Deputado Maximiano de Figueiredo,
projeto mais desenvolvido e definitivo sobre o assunto.
Ambos, porém, cometeram a nosso ver a gravíssima
falha de incluir no Registro especial de títulos e documentos
a inscrição desses arrendamentos e vejamos as conseqüências
dessa determinação, que preferiu o segundo dos caminhos
apontados. O que o Código exige para a locação assumir
efeitos reais é a sua ciência por todos, mas, tratando-se de
incidência direta sobre coisa e imóvel, qual o meio seguro de
fazê-la conhecer com eficiência? Evidentemente o Registro
Geral de Hipotecas, criando exclusivamente com o intuito de
tornar pública a condição de cada imóvel, o seu proprietário e
os ônus reais que o afetam, de onde a predominância do
aspecto real, como prova a tendência exclusivista dos
registros por indicações reais, que se acentuam nas mais
adiantadas legislações sobre o assunto.
Este registro é ainda feito na comarca da situação do
imóvel e pela disposição preferida o registro dessas locações
pode ser feito em qualquer cartório de registro especial do
país, sem limitação de lugar, em geral no da escritura, às
vezes, diverso do da situação, v. g., nas grandes cidades, em
que há registros gerais correspondentes a zonas diversas.
Como conhecer esses ônus publicados sem menor indicação
real, não se tratando simplesmente de uma questão de boa ou
má fé ou de autenticação de datas, mas da plena avaliação
para o crédito real? Não seria preciso grande perspicácia ao
legislador, nem mesmo faculdade inovadora, pois um código
antigo – o italiano, no artigo 1932, § 5, já prescrevia a
inscrição do Registro predial das locações excedentes de 9
anos e a lei francesa de 1855 para os de 18 anos.
Nem se pode argumentar com diversidade de
situações; qualquer que seja a feição dada à locação é
inadmissível no caso considerá-la diversa do ônus real ou
negar a afetação do próprio crédito hipotecário; verdadeiro
ônus pesa sobre o imóvel, embora temporariamente
diminuindo o crédito e o valor do prédio e facilitando mesmo
fraudes de locações por preços excessivos, de modo a impedir
a arrematação de um prédio, onerado com tal contrato,
quando a hipoteca só deveria respeitar ônus reais anteriores
(art. 811160
).
E, pelo sistema adotado, de inscrever no registro
pessoal, não está a locação sujeita a número de ordem e,
portanto, a ordem cronológica e os abusos decuplicarão, pois
os devedores mais facilmente fraudarão os credores
hipotecários fazendo locações fictícias e exorbitantes, de
modo a produzir uma liquidação ruinosa. E pelo sistema nem
se poderia alegar a precedência da hipoteca, porque o Decreto
não equiparou a locação aos ônus reais, únicos ressalvados no
art. 811, antes a incluiu como direito pessoal, no Registro
especial de títulos, tornando possível não só a sua oposição
160
Art. 1474 do Novo Código Civil de 2002.
aos créditos posteriores (como para as alienações e do
contrário seria inócuo o art. 1197161
), como ainda aos
anteriores!
Mas, ao contrário, deve-se reconhecer a identidade de
aspectos e abstrair das falhas do sistema dos arts. 676 e
811162
, pois a emenda de última hora não atendeu às
conseqüências e remissões, como, aliás, acontece quase
sempre; equiparando, porém, o regulamento do registro a
locação aos ônus reais pela sua simples inclusão no Registro
Real, ter-se-iam mitigado as funestas conseqüências
apontadas, ou mesmo completado um sistema harmônico;
sujeito a esse registro e à competente ordem, o credor já
conhece as forças vivas do prédio e os ônus que acarreta a
locação anterior devidamente registrada, não se lhe podendo
opor as posteriores, que sucumbiriam, quando o
prejudicassem, como qualquer ônus real, pois se a hipoteca
deixa livre a posse e administração do imóvel, inclusive, pois,
o direito de arrendamento como verdadeiro direito pessoal,
sem efeitos gerais, não pode permitir, contudo, a constituição
de arrendamento, nas condições apontadas com caráter real,
desde que se desconhece o valor dos menores ônus reais
opostos, às vezes menos vexatórios que certas locações.
É certo que os direitos francês e italiano restringem a
exigência do registro às locações chamadas de longo prazo,
mas entre nós a disposição é genérica, sendo verdadeiros
ônus reais, sujeitas ao registro, qualquer que seja o valor ou
prazo ou primadas pelos direitos reais anteriores; não pode
haver outro raciocínio, nem outras conseqüências serem
deduzidas – é preciso ceder à evidência, por isso, ainda uma
161
Art. 576 do Novo Código Civil de 2002. 162
Os arts. 676 e 811 correspondem aos arts. 1227 e 1474 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente.
vez invocamos a excelência dos dispositivos do projeto
COELHO RODRIGUES, principalmente dos arts. 1811 a 1815
em que regulou o registro dos contratos de arrendamento e
ainda o conflito destes com as hipotecas, respeitando-os
quando não importassem em prejuízos ao credor hipotecário.
É um verdadeiro absurdo classificar a locação
referida, como direito pessoal puro e sujeitá-la ao registro de
títulos, a que aliás qualquer locação por escrito particular está
sujeita para sua autenticação (Cod., art. 135163
).
Seguida a doutrina do Decreto citado, sujeita apenas a
locação, como qualquer direito pessoal, ao registro especial
sem os requisitos da ordem e local certo, volveríamos ao
regime obsoleto da Ord., liv. 4, tit. 9, mirabile dictu, depois
da evolução completa do sistema de especialização e abolição
das hipotecas gerais e ocultas; retrogradaríamos à época
anterior à lei de 1864, depois da qual a jurisprudência e os
autores (FREITAS, CARLOS DE CARVALHO, etc.), considerando
revogada a dita Ordenação, navegavam efeitos erga-omnes a
qualquer locação em que se pactuasse o seu respeito por
terceiros, embora registrada no registro de imóveis (e jamais
no especial); só admitiam essa cláusula como válida, quando
inscrita com o acessório de hipoteca, sujeita esta à dupla
especialização da identidade do imóvel e do valor exato do
arrendamento garantido.
O Código, que determinou até a inscrição em livro
especial no registro de imóveis das convenções antenupciais,
não autoriza evidentemente o absurdo de garantir os
arrendamentos pela simples inscrição no registro de títulos e
documentos. CLÓVIS (Código Civil, v. 4., pág. 374),
reconhece o desvio dos princípios e o sacrifício da lógica
163
Art. 221 do Novo Código Civil de 2002.
jurídica, na exceção da segunda parte, do art. 1197164
, sem
exigência de hipoteca inscrita e especializada, mas para nós
foi infeliz em sustentar, com maior inconseqüência, que o
registro deve ser o especial, embora reconhecendo que esse
efeito das locações exigiria a sua inscrição no registro predial.
Mas, assim pensa, porque o legislador não exprimiu essa
intenção; se a teve, reuniu na mesma regra móveis e imóveis,
não havendo no registro predial espaço para a transcrição de
locações (art. 856).
Ousamos discordar do mestre para sustentar opinião
diversa: o dispositivo fala em registro público e a intenção do
legislador foi dupla – garantir aos locatários e dar ciência a
terceiros, o que só de pode conseguir com eficiência pelo
registro real, o que só se pode conseguir com eficiência pelo
registro real, vendo-se também que a medida só se referia a
imóveis. Se há irregularidade na inclusão do dispositivo, na
parte geral da locação e no silêncio do registro, isto se deve
unicamente à falta de cuidado com que são encaixadas as
emendas de última hora, sem uma revisão completa; mas, os
intuitos da emenda (Diário Oficial, de 10/04/1913, pág. 11,
etc), e, sobretudo, o elemento sistemático, além do auxílio da
legislação comparada e dos projetos anteriores tudo isso
demonstra que a emenda só se aplica aos bens de raiz e que o
registro público a que se refere é o de imóveis.
O art. 1197165
encerra disposição especial introduzida
depois das gerais do art. 856, e mesmo ninguém pode, como
reconhece o próprio Clóvis, sem sacrificar a lógica jurídica,
desconhecer os efeitos de ônus real sobre coisas alheias. E
como fazer conhecido de todos esses ônus, pondo-os de má-
164
Art. 576 do Novo Código Civil de 2002. 165
Art 576 do Novo Código Civil de 2002.
fé, por um registro incerto, quando há (inclusive Clóvis, ob.
cit., v. 3, pág. 436), quem julgue que o próprio registro real
não é suficiente para por a qualquer de má fé, admitindo a
prescrição aquisitiva contra o credor hipotecário devidamente
inscrito? E o art. 261166
, como vimos também se refere a um
novo livro de inscrição de pactos antenupciais, não previstos
na disposição geral do art. 856. Quanto à mistura de móveis e
imóveis, em nosso entender inexistente pelo histórico da
emenda, também se dá quanto ao penhor e só se entende para
transcrição, no registro de imóveis, o penhor de acessórios de
imóveis; assim, o art. 771167
se refere à transcrição do penhor
em geral, bem como o art. 800; os arts. 796168
e 797
distinguem, porém, o lugar da transcrição, para o penhor
agrícola, etc.
Assim, pensamos que para a perfeita consecução dos
fins colimados pelo legislador, harmônica e coerência do
sistema imobiliário adotado pelo Código, segurança do
crédito e firmeza e seriedade das transações, deve ser aceito
irrecusavelmente como constituindo ônus real a locação de
imóveis com cláusula de valimento, erga omnes e, como
conseqüência necessária, indeclinável, deve ser a sua
inscrição feita no registro real para perfeita ciência de
terceiros e garantia do locatário, sob pena de regressarmos ao
regime das hipotecas gerais e ocultas, a quanto equivale a
dispersão em todos os cartórios de registro de títulos do país
da inscrição dos contratos de arrendamento de imóveis
situados em lugares bem diversos e sem a menor indicação
real. Não se trata só de prevenir fraudes e autenticar datas,
mas principalmente de publicar a situação dos prédios,
166
Art. 1657 do Novo Código Civil de 2002. 167
Art. 1432 do Novo Código Civil de 2002. 168
Art. 1438 do Novo Código Civil de 2002.
tornando conhecidos os ônus e locações, que possam
interessar ao capitalista, que busca o trilho seguro do crédito
real e isso jamais se conseguira sem o registro real das
locações.
É ao nosso ver errada, infeliz e funesta a disposição
regulamentar do Decreto n. 12437, e, quanto antes, se impõe
a sua reforma pela inclusão no registro de imóveis das
locações que devam ser respeitadas por terceiros.
112 – Derrogada, ficou, assim, a parte do art. 4o da Lei n.
o 4403 de 22 de
Dezembro de 1921, que se refere ao registro dos contratos de arrendamento de prédios
urbanos nos cartórios de títulos e documentos.
Para valerem contra o adquirente existindo cláusula expressa a respeito (Cod. art.
1197169
), devem os contratos ser transcritos no registro hipotecário, qualquer que seja a sua
forma escrita; se particulares não há necessidade de levar o instrumento ao registro de
títulos (Clóvis Bevilaqua in Rev. do S. T. Federal, v. 10, pág. 243) – uma das vias ficará,
porém, arquivada no cartório de hipotecas.
Quando não houver a dita cláusula, ou mesmo estipulação escrita (e neste caso a lei
do inquilinato presume o prazo de um ano) o adquirente não é obrigado a respeitar a
locação (Cod. art. 1197 e histórico da lei 4403); no primeiro caso, se o escrito for particular,
convirá transcrevê-lo no registro de títulos apenas para autenticar a data em relação a
terceiros.
III, dos títulos translativos da propriedade de imóvel, entre-vivos, para
sua aquisição e extinção (Código Civil, arts. 530, n. I, e 589, § 1o170
);
169
Art. 576 do Novo Código Civil de 2002. 170
Art. 1275 do Novo Código Civil de 2002.
113 – O Instituto propôs a supressão das palavras „extinção‟ e „art. 589, § 1‟,
porque a letra c, n.o 4 do artigo já cogitava de modo geral, da extinção; A Câmara,
entretanto, desconhecendo o valor sistemático da emenda, rejeitou-a.
114 – A propósito deste artigo suscita-se o magno problema do valor do registro
em relação à transmissão da propriedade imóvel.
Já vimos o estado do problema, entre nós, até o advento da lei de 1864 (ns. 21 e 22);
A transcrição veio então substituir a formalidade da tradição, que, embora incerta
nas escrituras sob a forma de clausula constituti,não tinha a publicidade suficiente para
valer contra todos, que devem respeitar o domínio pelo seu caráter absoluto. Surgiu então a
dúvida sobre o valor desse ato, de natureza unilateral, se requisito imprescindível para a
transferência do domínio de imóveis, se formalidade para oposição dos efeitos da
transferência a terceiros.
As duas maiores autoridades, Teixeira de Freitas e Lafaiete, considerando tímida a
fórmula legal e recusando o conceito de propriedade não absoluta, sem o respeito de
ninguém, julgaram que de fato a transcrição era essencial, chegando o segundo a considerar
como legitimidade lógica a conclusão tirada nessa ordem de idéias pelo regulamento, no
art. 234, de que, antes da transcrição, as vendas são meros contratos, que só obrigam as
partes; o que vem salientar a diferença do direito francês, por exemplo, em que os terceiros
protegidos pela lei de 23 de Março de 1855 são apenas os titulares de direitos reais (e de
locações registradas) sobre o imóvel e não todos, inclusive os credores quirografários,
como entre nós. A legislação de 1890 manteve o mesmo sistema da lei.
115 – Durante a elaboração do Código Civil, culminou porém o debate sobre o
valor da transcrição em que, após longa discussão que se pode, sem quebra de respeito,
chamar caótica, chegou-se a uma reforma, segundo o conceito mais corrente, antes teórica
do que prática, de mera elegância de construção jurídica, de simples palavras (Prof.
Gondim Filho – Rev. de Direito v. 68, pág. 259). Como bem observou o erudito
Desembargador e professor Sá Pereira (Manual do Código Civil, v. 5), o elemento histórico
não fornece ao intérprete, nesta parte, segura orientação: defrontaram-se dois sistemas – o
da aquisição pelo contrato, registrável para o respeito geral de terceiros, como antes, e o da
aquisição pelo registro, de valor decisivo e autônomo, como é adotado pelo direito
germânico.
A primeira vista parece que o codificador afinal se decidiu pelo último regime, pois
que declara ser o registro o modo de aquisição da propriedade (atuais arts. 530 a 534171
) e
mais, recusou expressamente conservar o parágrafo proposto pela comissão revisora,
semelhante ao da legislação anterior e declarando expressamente que a transcrição apenas
dava a presunção do domínio, que ficaria salvo a quem pertencesse.
Havia, entretanto, muito escrúpulo em adotar entre nós o rígido e mecânico sistema
alemão, para o qual, dizia-se, não estávamos preparados em pessoas e coisas, isto é, com
falta de pessoal habilitado a exercer, na vasta extensão do país, com competência e critério,
as delicadas funções de conservador do registro real, transformando em tombo inapelável
da propriedade, e na ausência de um cadastro regular em tão grande nação, impraticável até
hoje em países de mínima superfície e elevada densidade de população.
Teixeira de Freitas não o aceitara, quando a Câmara em 1854 pensou em tal sistema,
e tão pouco Lafaiete (op. cit., § 49); o próprio autor do Código não o preconizara
francamente, pois às suas palavras de exposição de motivos se podem contrapor as
proferidas perante a comissão dos 21, achando que a reforma não era radical e havia falta
de cadastro (Trabalhos, v. 5, pág. 277), apesar de aludir aos conceitos de Dídimo da Veiga,
que só podem agravar a confusão no assunto (Direito hipotecário, pág. 251 a 253).
116 – Destarte se tem conciliado os indícios ousados com a timidez dos
reformadores para chegar à conclusão de que a propriedade se adquire pela transcrição, mas
dependente de um título anterior, cujos requisitos influirão sobre a validade do registro,
suscetível de prova em contrário. Seria pois, o mesmo regime anterior com a diferença
platônica de que, antes, a transmissão do imóvel se dava só entre as partes, e hoje, mesmo
para estar, se exigiria o registro, diferença que a nada se reduz, pois, como vimos, a
propriedade sem respeito de terceiros não merece esse nome e a legislação, como doutrina,
consideravam meros contratos os títulos ainda não registrados.
171
Art. 1246 do Novo Código Civil de 2002.
Assim, a despeito da expressa supressão do parágrafo ao atual art. 531172
, o registro
continuaria a admitir prova em contrário, não purgando os vícios do título – elemento
intrínseco, formalidade essencial, mas por si só sem o poder de transferir o domínio,
dependente de um título anterior; para justificar essas conclusões é preciso, como já fez o
eminente autor do Código (Trabalhos do Senado, v. 3, pág 76), atribuir a supressão do
parágrafo não ao desejo de seguir o sistema alemão, mas exclusivamente à sua inutilidade,
desde que o atual art. 859, relativo ao registro de imóveis, já declara de modo amplo que
„presume-se pertencer o direito real à pessoa em cujo nome se inscreveu ou transcreveu‟,
encerrando assim uma presunção juris tantum, até prova em contrário, além do art. 860
admitir a retificação por erro do registro.
Ter-se-ia adotado, em suma, segundo a opinião geral, um sistema análogo ao dos
Código holandês e chileno, em que a transcrição é modo de adquirir o domínio, mas, no
entretanto, vale como tradição, não purga os vícios do contrato; é certo, porém, que neste
caso a forma escorreita e exata fora a proposta por Barbosa Lima, „adquire-se o domínio
pelo transcrição de titulo hábil...‟.
117 – Uma corrente, entretanto, formou-se para sustentar que o sistema seguido
pelo Código Civil, em face da semelhança dos seus arts. 859 e 860, acima citados, com as
disposições dos Códigos alemão e suíço e do elemento histórico é o da força probante do
direito germânico, plenamente aplicável em tudo que não depender do cadastro, de sorte
que a transcrição, anulável para as partes, constituirá para terceiros de boa-fé – presunção
juris et de jure – a disposição do art. 968 constituirá, assim, não uma exceção mas um
simples exemplo da teoria geral. Clóvis Bevilaqua acaba de prestar adesão a essa doutrina
bilhantemente sustentada pelo Dr. Lisipo Garcia no seu excelente livro A Transcrição, de
99 a 131 (op. cit., 2a edição, v. 3, pág. 63).
Não sentimos também o menor constrangimento em decidirmos a hesitação em que
estávamos (Lisipo, op. cit., pág. 19) diante desse fundamental problema do nosso direito
civil, cuja alta importância social e econômica é impossível escurecer, para aderir
francamente é opinião expedida pelo Dr. Lisipo, com o aplauso já manifestado de Clóvis,
172
Art. 1245 do Novo Código Civil de 2002.
Paulo Lacerda e Sá Freire (op. cit. pág. 7, 15 e 17), a despeito das considerações feitas nos
ns. anteriores, reproduzidas de trabalho elaborado para o livro do Centenário.
118 – Invocando a analógica entre o art. 859 do Código brasileiro e art. 891173
do
Código alemão, único alicerce da teoria de absoluto prestígio do registro, em relação a
terceiros, o Dr. Lisipo distingue a feição privada do registro da pública, de modo a sustentar
a aplicação da regra nemo plus jus ad alium transferre protest quam ipse habet apenas nas
relações entre as partes, para as quais a presunção do registro cede, mas não em relação a
terceiros, em que ela se torna irremovível.
Típico, neste caso, vimos, seria o exemplo citado do art. 968 do Código Civil174
,
pelo qual o adquirente de boa fé a título oneroso está a coberto de reivindicações, no caso
de pagamento indébito de um imóvel. E se esse é o princípio ditado pelo respeito à boa fé
do terceiro adquirente, que, pelo menos, em igualdade de condições com o prejudicado,
deve ter a preferência, de acordo com a máxima que domina a aplicação da ação Pauliana
„in pari causa melior est conditio possidentis‟, porque não erigi-lo em regra geral?
119 – Ninguém em melhores condições estaria para defendê-lo que o eminente Sr.
Sá Pereira, que, na sua nobilíssima função de julgador tem sido o campeão incansável do
respeito à boa fé, cujo conceito traçou em lídimas expressões, que não nos furtamos em
deixar aqui transcritas: „No comércio jurídico, como na vida social, há um elemento
subjetivo que informa, estrutura e vivifica todas as relações – é a boa-fé. Por onde ela possa
suprem-se as nulidades, sanam-se os vícios e as incapacidades se integram.
É ela que valida para todos os efeitos o casamento nulo (Cod. art. 221175
), faz do
detentor possuidor (arts. 690 e 691), do possuidor proprietário (arts. 551 e 618176
), e
desonera da dívida o que pagou a outrem que não o credor (art. 935177
).
Muitas vezes entram em conflito o domínio e a boa-fé e o direito não pode proteger
com a mesma eficiência os dois. Estruturando o domínio com a rigidez e o absolutismo que
173
Art. 259 do Novo Código Civil de 2002. 174
Art. 879 do Novo Código Civil de 2002. 175
Art. 1561 do Novo Código Civil de 2002. 176
Os arts. 551 e 618 correspondem aos arts. 1242 e 1260 do Novo Código Civil de 2002. 177
Art. 309 do Novo Código Civil de 2002.
exageradamente se atribuem ao Direito Romano, muitos entendiam que sacrificada deve ser
a boa-fé e vitorioso domínio. Res mea est. O proprietário est arbiter et dominus. Esta
concepção que os próprios romanos a perfilhassem.‟ (Rev. de Direito, v. 54, pág. 500).
Com essas premissas justificou o eminente magistrado a tese de que nos títulos
nominativos, como nos ao portador, a reivindicação não pode atingir a terceiros de boa-fé,
importando a declaração dos registros oficiais ou particulares em presunção juris et jure
para os adquirentes.
E porque não ampliar essa tese aos imóveis, cujas analogias, como essa espécie de
móveis foi o primeiro a reconhecer? Não será um valioso indício o brilhante acórdão
unânime, de que foi relator (Rev. S. T. Federal, v. 63, pág. 652), recentemente?
120 – É, todavia inegável a dificuldade do intérprete em procurar um sistema
dentro dos desencontrados elementos, que o histórico da elaboração do Código fornece.
Já mostramos os embaraços com que teve de lutar o ilustrado comentador para
descobrir um sistema entre tantos elementos díspares – não lhe queremos, entretanto, alterar
os termos da conclusão que, assim, sintetizou (Rev. cit.,pág. 505): „um sistema um tanto
heteroclito no qual a transcrição é modo de adquirir e no entanto vale como tradição solene,
de forma que, como esta, não tem força de purgar o domínio e forrar o adquirente à
reivindicação.
Não há, porém, razão para que o registro de imóveis ofereça menor garantia, que o
de certos móveis, de valia equivalente, ao menos em tudo que não depender do cadastro,
que praticamente não prejudica à individuação de uma grande dos imóveis, principalmente
os urbanos, com limites definidos e incontestáveis – „é o sistema germânico no que ele tem
de essencial e de aplicável, sem dependência da organização cadastro‟, no pensar do autor
do Código.
121 – Lisipo Garcia mostra que a diferença fundamental entre os sistemas francês e
germânico reside na força probante do registro; a questão do modo de adquirir é secundária,
pois há regimes de transferência independente do registro, filiados ao sistema germânico,
(Portugal e Espanha), e vice-versa, regimes de transcrição obrigatória, subordinado aos
princípios franceses. (Chile e Holanda) (op. cit. pág. 119).
A máxima nemo plus jus ad alium transferre potest quam ipse habet vigorará
apenas entre os contraentes e adquirentes de má-fé, ou a título gratuito, que a lei sempre
trata mais severamente (arts. 106 e 968178
) pelo princípio de que o lucro captando deve
ceder ao damno vitando; nestes casos, haverá sempre reivindicações como em todas as
legislações, mesmo na alemã.
A anulação nunca poderá atingir, porém, a terceiros que registraram anteriormente
seus títulos onerosos e em boa fé (arts. 107 e 968179
), sendo que a inscrição das ações e
penhoras virá felizmente dificultar a verificação dessas hipóteses.
O princípio de força probante está, portanto, consignado no art. 859 e o da
legalidade no art. 834180
; reconhece, entretanto, o Dr. Lisipo a conveniência de medidas
complementares que importem em exame minucioso dos títulos, antes do registro, dadas as
importantes conseqüências que passam a decorrer deste ato, atribuição confiada, como é
sabido, em certos países e autoridades judiciais.
122 – Não é possível, porém, aceitar uma conseqüência, aliás secundária, que tirou
o ilustre jurista a que nos vimos referindo – isto é, de que as comunicações determinadas
pelo Código (arts. 839 e 841) sobre as escrituras antenupciais e termos de tutela e curatela
podem assegurar às ações anulatórias a retroatividade, que a sentença tem de imprimir ao
registro.
Quando muito essas comunicações servirão para facilitar a declaração das dúvidas
na transmissão dos direitos desses incapazes, mas nunca podem prejudicar a terceiros.
Apesar do apoio valioso de Clóvis (op. cit. vol. III, pág. 420 e 424), estamos com
Azevedo Marques (op. cit, pág. 103) e Gastão Vidigal (Rev. dos tribs., v. 34, pág. 253) – de
modo que a espécie será sempre, por analogia, de aplicação do artigo 648181
e nunca do art.
647182
do Código Civil, pois, do contrário, anular-se-ia o sistema de absoluta especialização
das hipotecas legais.
178
Os arts. 107 e 968 correspondem aos arts. 158 e 879 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente. 179
Os arts. 107 e 968 correspondem aos arts. 159 e 879 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente. 180
Art. 1496 do Novo Código Civil de 2002. 181
Art. 1360 do Novo Código Civil de 2002. 182
Art. 1359 do Novo Código Civil de 2002.
Esses dispositivos dos arts. 839 e 841 escaparam, por equívoco, à revogação
conseqüente à do princípio de hipotecas gerais para os incapazes, que os projetos primitivo
e revisto estabeleceram; perderam a finalidade e não podem receber aplacação prática.
Como fazer obedecer ao princípio real da situação dos imóveis as comunicações
feitas no lugar em que se verificaram o contrato antenupcial ou a assinatura do termo de
tutela?
Já mostramos essa impossibilidade, ao apreciarmos a questão do registro dos
contratos antenupciais.
122 – Constituirá por ventura sintoma contrário ao princípio da força probante, o
instituto do usucapião, mantido pelo Código?
Evidentemente não – o usucapião extraordinário independe de título e o ordinário
redundará em benefício do próprio contratante, ao qual ainda se aplica a regra nemo ad
alium... só os terceiros, imunes desta, poderiam dispensar o benefício do usucapião.
Além disso, para os imóveis sem limites determinados e individuação precisa, o
usucapião suprirá as falhas da aplicação do sistema germânico, quando se ressentir este da
falta de organização cadastral.
E mesmo na Alemanha, com todo o regime rigoroso, a par de um cadastro apurado,
não foi proscrito o instituto do usucapião indicado em certos casos (Cod. art. 927183
).
124 – Sobre a possível inconstitucionalidade do sistema da força probante (S.
Vampré – Registro Torrens – Rev. dos Tribunais, v. 53 – pág. 5), responderemos ser o
mesmo adotado para os títulos de crédito e evidentemente análogo ao do usucapião. O
direito de propriedade não pode ser garantido a duas pessoas, ao mesmo tempo, e quem o
adquiriu regularmente deve ser respeitado.
125 – O regulamento anterior enumerava no art. 236 entre os atos inter-vivos,
sujeitos à transcrição a compra e venda pura ou condicional, a permuta, a dação da
pagamento, a transferência, sociedade, como quota de capital, a doação entre vivos, o dote
estimado e outros contratos em geral. Lafaiete (Direito das coisas, § 51) acrescenta a
183
Art. 416 do Novo Código Civil de 2002.
cessão da ação de reivindicação, a transação e a sub-rogação de imóveis, como ainda os
distratos de contratos translativos de imóveis.
No caso de permuta o art. 256 do Reg. 370 manda fazer automaticamente a dupla
transcrição.
126 – A transcrição do título de domínio, no silêncio do Código e pelo
regulamento de 1890, deve conter, além da data o número de ordem no protocolo, a divisão
territorial, que substituiu a eclesiástica, a denominação do imóvel rural ou menção da rua e
número, se urbano, confrontações e característico, nome e domicílio das partes, nome e
forma do título, nome do tabelião, se houve, valor do contrato e suas condições maximé as
acessórias do contrato de compra e venda contidas na seção II do capítulo do título V do
livro III do Código, cujo conhecimento é de grande relevância para resguardar a boa-fé de
terceiros.
O Instituto, de acordo com os exemplos dos códigos alemão (art. 833) e suíço (art.
959), propôs a averbação desses pactos adjetos, mas o Senado entendeu que isso era
matéria puramente regulamentar; o perigo resultante do art. 1142 do Código, censurado por
Clóvis, deve ser obviado, assim, pelo regulamento com toda a cautela.
Lisipo Garcia estuda minuciosamente essas hipóteses no seu apreciado livro (págs.
180 a 201).
127 – A essas medidas, que o Instituto de Ordem dos Advogados Brasileiros
unanimemente sugeriu em representação remetida ao Senado Federal como subsídio à
elaboração da lei sobre registros públicos, acrescentou a conveniência de uma prenotação
também para as aquisições inter-vivos por título judicial ou extrajudicial afim de obviar a
possível fraude entre a assinatura do contrato ou auto e a transcrição no registro, que pelo
atual regime do Código é o verdadeiro momento de aquisição da propriedade.
É interessante, por isso, mostrar que o primeiro regulamento sobre registro
hipotecário, o de n.o 482 de 1846, já providenciava a esse respeito de maneira diversa, mas
visando o mesmo fim: as certidões negativas só eram passadas aos proprietários ou
legítimos procurador e apenas valiam por 6 meses, não se passando segunda, mesmo em
caso de extravio; tais certidões seriam incorporadas às escrituras de venda ou hipoteca e se
estas fossem levadas ao registro, sem aquela formalidade, teriam uma inscrição provisória,
condicional durante o prazo de 6 meses, na expectativa de surgir outra com a necessária
certidão (arts. 26 a 28).
Seria conveniente voltar a esse regime? Parece que não, ante o princípio de ampla
publicidade, que hoje domina em matéria de registros (n.o 186).
IV, dos julgados nas ações divisórias pelos quais se põem termo à
indivisão (Código Civil, art. 532, n. 1);
128 – Mandou o Código Civil incluir no registro os julgados nas ações divisórias
que pusessem termo à indivisão (art. 532, n.o I) e, como nos atos sujeitos à transcrição o
domínio só daí nasce (art. 533184
), havia nos casos de partilhas em inventários uma colisão
com o disposto no art. 530, n.o IV, que considera o direito hereditário modo de aquisição
diverso do de registro, e 1572, que determina a transmissão do domínio e posse pela morte
do de cujus desde logo aos herdeiros legítimos e testamentários; reconheceu-a o Decreto n.o
3725 de 1919 que, entre as emendas do Código, incluiu a relativa ao art. 533, que passou a
ter referência somente aos ns. II e II do art. 532 e não mais às ações divisórias, que, aliás,
apenas declaram e não atribuem a propriedade (art. 631185
).
Qual a solução? Ficará revogado o art. 533, n.o I ou haverá uma sanção, outra que
não a do art. 533, para a falta de inscrição dos julgados nas ações divisórias? Convém logo
notar que o conflito se referia principalmente às ações familiae erciscundae, decorrentes em
regra do direito hereditário; será então facultativo o registro nesses casos e nos das ações
communi dividundo e finium regundorum?
Atendendo ao justo intuito do legislador de canalizar para o registro todas as
mutações, por que passam os imóveis, pensamos que a sanção indireta está encontrada na
exigência dessa inscrição para que qualquer alienação ou oneração relativas ao novo
proprietário possam ser registradas; assim se aperfeiçoará o registro, apurando-se mais a
propriedade, por uma aplicação direta dos bons princípios.
184
Art. 1245 do Novo Código Civil de 2002. 185
Art. 1320 do Novo Código Civil de 2002.
129 – Suprir-se-á, assim, a grande lacuna do nosso direito, que, tradicionalmente,
limita a inscrição no registro, às transmissões inter-vivos; as transmissões mortis-causa,
que, em regra, se regulam pela partilha ficarão submetidos ao regime pela sanção indireta –
do contrário, constituiriam terrível óbice à força probante do registro, nos termos já
apreciados.
130 – Sobre a inclusão da ação familiar esciscundae nos termos genéricos do art.
532, n.o I parece que não há dúvida alguma: aceitam-na entre outros Clóvis Bevilaqua (op.
cit. v. 3., pág. 65), Lisipo Garcia (op. cit., págs. 156 e 236), além do parecer da Comissão
dos 21 (Trabalhos do Código – vol. VIII, pág. 40).
O fato do art. 532, n.o II referir-se especialmente aos inventários e partilhas, em
outra hipótese, não pode autorizar a suposição de que esses atos foram excluídos do n.o I;
ao contrário, demonstra que, embora suprimida a aplicação direta do registro às
transmissões causa-mortis, quis, o Código em bem da publicidade, aplicá-la indiretamente
a todos os casos, inclusive a esse, especialíssimo, de adjudicação para pagamento de
dívidas.
O professor Morato, com muita clareza, afastou essa pecha de incoerência,
entendendo que o legislador, com grande acerto, achou conveniente generalizar e estender o
registro a todos os atos que operam ou atestam a transmissão de domínio, assim como aos
que modificam a propriedade em relação aos seus titulares: „na sucessão hereditária há
transmissão de domínio, ao invés de sujeitar o registro a mesma sucessão diretamente, a lei
manda transcrever a partilha, tomando esta por título da transcrição e como instrumento
declaratório do modo por que aquela concretizou definitivamente (loc. cit.)‟.
Para que os interessados possam apreciar o direito do transmitente é preciso que ele
esteja registrado, antes disso, não se poderá admitir que o imóvel seja objeto de qualquer
outro registro.
E, sanção e bem forte é, portanto, a dessa fórmula de indisponibilidade.
131 – Para completar o sistema restariam, talvez, poucos casos que não aberrando
do sistema, poderiam ser incluídos no regulamento: o das adjudicações, quando houver um
só herdeiro, e o dos legados de imóveis.
Também estão sujeitas ao registro as partilhas conseqüentes do divórcio ou
anulação de casamento, como em tempo fizemos notar.
E, sem dúvida todas as espécies de partilhas previstas no art. 1773 do Código186
,
haja ou não homologação judicial, e mesmo quando feitas em vida do pai (art. 1776187
).
V, das sentenças que nos inventários e partilhas, adjudicaram bens de
raiz em pagamento das dívidas da herança (Código Civil, art. 532, n. 2);
132 – Clóvis assim fundamenta a necessidade deste caso de registro:
“a adjudicação de imóveis para pagamento de dívida de herança é uma doação em
pagamento com intervenção do juiz, mas o ato, passando-se no processo do inventário,
entre herdeiros, não teria a publicidade necessária para evitar as fraudes, se não fosse
registrado (op. cit. v. 3, pág. 65). A sentença: eis o que se deve transcrever (Rev. do S. T.
Federal, v. 10, pág. 244)”.
VI, da arrematação e adjudicação em hasta pública (Código Civil, art.
532, n. 3);
133 – O Código alargou os casos de transcrição, de modo a fornecer pelo registro,
tanto quanto possível, os dados completos sobre a situação dos imóveis; assim, estendeu-o
aos atos judiciais, arrematações e adjudicações, excluídos no regime anterior, ante a sua
publicidade, julgada então suficiente.
Já Lafaiete, apontava porém, a insuficiente publicidade desses atos (op. cit., § 50,
art. 4); Clóvis explica que ela é momentânea pois a hasta pública passa-se aos olhos de
186
Art. 2015 do Novo Código Civil de 2002. 187
Art. 2018 do Novo Código Civil de 2002.
todos, mas o direito real exige uma publicidade permanente, de modo que os interessados
possam, a toda hora, verificar o estado da propriedade imóvel.
Nos termos do art. 533188
, só há transferência do imóvel, quando se verificar a
transcrição das cartas de arrematação ou adjudicação.
134 – Em caso de pluralidade de execuções, sobre o mesmo imóvel, não há acordo
de opiniões: o Supremo Tribunal Federal tem uniformemente aplicado o princípio da
admissibilidade de várias penhoras, com a restrição de haver um só depositário (v. g. Rev.
do S. T. Federal, v. 48, pág. 68), prevalecendo afinal a da ação que primeiro chegar à
arrematação; a Corte de Apelação desta Capital aplica doutrina oposta: prevalece a primeira
execução, ainda que os demais credores possam, ante a inércia do exeqüente, promover o
andamento da causa. (Provimentos, vs. I, pág. 45 e II, 43 e 47).
No estado das legislações processuais da União ou do Distrito, que ainda não
consagrava a vantajoso instituto de sub-rogação. Parece-nos preferível a jurisprudência do
Supremo Tribunal, como já tivemos ocasião de opinar (Tese de concurso – págs. 80 a 83).
135 – A questão sobe de interesse, quando se trata de execução hipotecária, mesmo
a jurisprudência da Corte de Apelação submete ao mesmo princípio, negando ingresso em
juízo, quando o imóvel já está penhorado por credor quirografário.
Não é desarrazoada a apreciação da matéria, neste passo porque declarando o art.
849, n.o VII do Código Civil
189 que a transcrição das cartas de arrematação ou adjudicação
importa na extinção da hipoteca é preciso apurar bem a extensão desta conseqüência.
Dispondo ainda o Código no art. 826 „não será válida a venda judicial de imóveis
gravados de hipotecas devidamente inscritas sem que tenham sido notificados judicialmente
os respectivos credores hipotecários, que não forem de qualquer modo partes na execução‟,
Clóvis Bevilaqua (op. cit., 2a ed., v. 3, págs. 436 e 435) conclui que só a execução do
credor hipotecário extingue a hipoteca, pois a dos quirografários ou será nula se não houver
citação daquele, ou não produzirá a extinção da hipoteca, se mesmo notificado, o credor se
conservar interte.
188
Art. 1245 do Novo Código Civil de 2002. 189
Art. 1499 do Novo Código Civil de 2002.
Só a hipótese do comparecimento do credor hipotecário para se pagar
precipuamente pode a arrematação produzir a extinção do ônus.
O notável jurisconsulto assim desenvolveu sua acatada lição em resposta à doutrina
por nós sustentada no artigo abaixo inserido, que submetemos à apreciação do leitor:
136 – A tradição do nosso direito hipotecário até o art.
16, do decreto 169 A de Janeiro de 1890, era a de que o
credor hipotecário, ao contrário do que preceituam as
legislações estrangeiras, tinha a faculdade de só ele poder
executar o imóvel hipotecado e para isso ficava armado do
recurso de embargos para evitar a incidência de outras
penhoras. Praticamente, porém, a aplicação desse princípio,
era atenuada pelas exceções admitidas pela jurisprudência –
do vencimento da hipoteca, falência do devedor ou sua
insolvabilidade, caso este que favorecia o maior arbítrio dos
julgadores, dada a dificuldade prática para a caracterização
do estado de insolvabilidade, que Teixeira de Freitas
(Consolidação – art. 833, parágrafo 3), contra a maioria dos
autores, fazia decorrer do próprio fato do concurso, salvo
prova em contrário.
Havendo ainda quem como o grande Lafaiete (Direito
das coisas, parágrafo 273, nt. 8), sustentasse que qualquer
arrematação (e não só a feita no executivo hipotecário),
extinguia o ônus real, grave perigo ameaçava o credor
hipotecário, quando outra execução corria, sem sua ciência,
sobre os bens gravados, sob o pretexto falso ou real de
insolvabilidade do devedor (outra, o acórdão do S. T. Federal
in Rev. S. T. Federal, v. 24, pág. 135).
Qual será, porém, a situação em face do Código
Civil?
Praticamente a mesma, embora sob uma aparência
mais rigorosa.
Abolido o seu privilégio de execução (salvo o caso
restrito da segunda hipoteca), o credor hipotecário não mais
se pode servir dos embargos do artigo 16, do Decreto 169 A,
para impedir execuções de credores quirografários sobre os
bens hipotecados, mesmo independe da insolvabilidade, que
se presume, mas por outro lado adquiriu a sua tranqüilidade e
segurança, desde que qualquer venda judicial só extinguirá o
seu ônus, quando dela for avisado, em virtude de sua pública
inscrição (Cód., art. 826).
Se o exeqüente não prosseguir, resta ao credor
hipotecário, como a qualquer outro, o recurso de ajuizar sua
execução, que concorrerá com a anterior, segundo a regra
geral, até que alguma atinja ao termo comum.
As leis estrangeiras nada mais concedem além da
seqüela e da preferência pois conferir ao credor hipotecário o
monopólio da execução seria tirar por longo tempo do
patrimônio do devedor, garantia geral dos credores, possíveis
saldos de bens valiosos e até acoroçoar a fraude pela
oneração fictícia desses bens. O que convém, pois, é facultar
a ação dos credores quirografários nos casos em que ela possa
ser eficaz de modo a evitar execuções inúteis, quando o valor
dos imóveis apenas possa cobrir a dívida privilegiada.
Assim, o sistema mais aperfeiçoado, análogo ao
Romano é o do direito alemão, que permite as execuções dos
credores quirografários ou segundos hipotecários, mas com a
obrigação de darem um lanço superior aos créditos
hipotecários anteriores e o arrematante, como qualquer
adquirente particular, continua com os ônus anteriores até o
respectivo vencimento, só pagando no ato a importância que
deles exceder (lei de 24 de Março de 1897, artigos 44, 111 e
112); obtém-se assim o respeito ao prazo da hipoteca, que
tanto ou mais interessa ao credor que ao devedor.
No direito francês, qualquer credor, mesmo sem
chance de recebimento, pode penhorar bens hipotecados,
determinando o vencimento das hipotecas, cujos titulares são
citados para o concurso, pena de revelia e perda da
preferência, mas não pode impedir o processo (Guioullard,
Hipotecas, § 1938); na Itália há o depósito oficial do valor
das hipotecas, perdendo então os credores hipotecários os
juros posteriores, o que se afigura justo a Mortara (Processo,
vol. 5, parágrafo 241).
Entre nós havia o privilégio da execução hipotecário
pelo aludido art. 16, do decreto n. 169 A, de 1890, e
disposições anteriores, mas esse rigor era praticamente
temperado pelas exceções que a jurisprudência, como vimos,
admitia nos casos de vencimento e insolvabilidade. Na
feitura do Código esforçaram-se alguns membros da
comissão da Câmara em garantir a hipoteca a todo o transe de
modo a, por um privilégio na execução do bem onerado,
obter-se rigoroso respeito ao prazo do mútuo; o resultado
alcançado foi, entretanto, diverso e defeituosas se tornaram as
disposições do Código relativas ao assunto, como passamos a
ver.
Em relação ao segundo credor hipotecário ficou a
disposição restritiva do art. 813190
– não pode executar o
imóvel antes de vencida a primeira hipoteca e não se
considera insolvência o não pagamento da segunda no prazo
190
Art. 1477 do Novo Código Civil de 2002.
determinado, quebrando-se, assim, o critério estatuído no art.
1554191
.
Entretanto, para o credor quirografário, em que se
poderia esperar maior severidade, foi estabelecida ampla
liberdade e desde que ao intérprete não é dado chegar ao
absurdo, pelo rigor da lógica, encontrar-se-á para esse
aparente paradoxo a explicação de que o segundo credor
hipotecário, conhecendo o vencimento da primeira hipoteca,
sujeitou-se de antemão a esperá-lo para exercitar o seu
crédito e por isso é tratado com maior rigor.
As razões nos levam a, divergindo da douta opinião
de Clóvis Bevilaqua (Comentários, vol. 3, págs. 433 e 436),
sustentar que o credor quirografário é livre de a qualquer
momento penhorar o imóvel hipotecado, sem dependência do
vencimento da hipoteca, são em resumo as seguintes:
1o – O silêncio do Código em dar o privilégio de
execução ao credor hipotecário, pois a impenhorabilidade de
bens sendo matéria de direito substantivo, ficou revogado, na
parte de fundo, o dito artigo 16, restando a parte de forma,
relativa aos embargos, meio de efetivar o privilégio, para
defender apenas o credor contra a ação da segunda hipoteca.
2o – A exigência do art. 826
192, de notificação ao
credor das execuções contra os imóveis hipotecados, em que
não tenham tomado parte; se tal ação não fosse possível, a
proibição seria expressa, pena de nulidade, ou indicada
estaria a faculdade de oposição, como no direito anterior.
3o – A expressa disposição do art. 954
193, mantida
através de toda a discussão, que permite o vencimento da
hipoteca e conseqüente exigibilidade da dívida, não só
191
Art. 955 do Novo Código Civil de 2002. 192
Art. 1490 do Novo Código Civil de 2002. 193
Art. 333 do Novo Código Civil de 2002.
quando se abrir o concurso creditório (I) ou se tornar
insuficiente a garantia (III), repetindo o art. 762 (I e II)194
,
como ainda quando os „bens hipotecados empenhados ou
dados em anticrese forem penhorados em execução por outro
credor‟.
Assim se satisfizeram os reclamos de Dídimo e
Lafaiete (Direito das coisas, parágrafo 227), permitindo ao
credor quirografário, que tenha interesse no saldo, a execução
dos bens gravados e resguardando o hipotecário pelo
vencimento de sua dívida e conseqüente recebimento
precípuo.
Não há dúvida que, para eficácia do crédito real, é de
toda a conveniência garantir-se aos prestamistas a certeza do
prazo, como exceção presumida à regra do art. 126 do
Código195
, mas este efeito já era irrealizável por outros
motivos: a decadência do prazo se dá pela impontualidade do
devedor (762, III) sem continuação de juros (763196
) e, mais
ainda, pela alienação particular do imóvel (815-816197
), que
faculta imediatamente o processo de remissão, sem respeito
ao termo convencionado. Logo, a proteção excepcional e
sempre imperfeita do prazo não deveria autorizar esse
perigoso monopólio, convindo antes ao credor, como nos
empréstimos a longo prazo das sociedades de crédito real,
convencionar uma indenização que compense a devolução
extemporânea do capital.
O art. 954198
vem ainda justamente beneficiar o
segundo credor hipotecário, porque, se não é justo que este
prejudique o primeiro, não menos injusto, que, vencida a
194
Art. 1425 do Novo Código Civil de 2002. 195
Art. 133 do Novo Código Civil de 2002. 196
Art. 1426 do Novo Código Civil de 2002. 197
Os arts. 815 e 816 correspondem ao art. 1481 do Novo Código Civil de 2002. 198
Art. 333 do Novo Código Civil de 2002.
primeira hipoteca, se faça a execução do imóvel,
desaparecendo o ônus da segunda, o que ora não se dará,
desde que por esse fato se verifique o vencimento da
segunda, ex-vi da dita disposição.
Convém ainda salientar que, na execução do credor
quirografário se exige a notificação ao hipotecário para
reclamar o seu pagamento da dívida, assim vencida, mas na
sua falta deve-se inferir, não a nulidade absoluta da
arrematação, mas que o arrematante recebe o imóvel com o
ônus da hipoteca anterior, a exemplo do sistema alemão; o
melhor seria a ampliação deste a todas as transações
particulares e judiciais, que não purgariam os ônus
hipotecários; assim se garantiriam os credores quirografários
para apuração dos saldos dos imóveis e os capitalistas, que
veriam mantidos os prazos convencionais.
137 – Diante dessas dúvidas, deve a transcrição declarar expressamente a
circunstância de terem sido ou não notificados os credores hipotecários em todos os casos
de venda judicial, mesmo nas causas administrativas, para que não possam mais tarde
alegar ignorância dessas circunstâncias.
É inaceitável, portanto, a doutrina do Tribunal de São Paulo (Rev. dos Tribunais, v.
24, pág. 310), considerando extinta a hipoteca de prédio vendido em leilão na falência do
devedor, em que este deixou de ser notificado sob o pretexto de não se ter habilitado
naquela.
O registro da hipoteca será o suficiente para não permitir a sua ignorância, como o é
para impedir a prescrição aquisitiva do imóvel, em prejuízo do credor inscrito.
VII, da sentença declaratória da posse do imóvel por 30 anos, sem
interrupção, nem oposição para servir de título ao adquirente por usucapião (Código
Civil, art. 550199
);
138 – É o caso da prescrição aquisitiva extraordinária, em que se dá aquisição do
imóvel pela posse e certo lapso de tempo, independentemente de título e boa fé.
O registro também neste caso não é para aquisição, mas para regularizar a situação,
e permitir a alienação ou hipoteca.
Para assentar a transcrição a lei autoriza a criação de um título, cujo processo ainda
não está bem assentado, na maioria das leis adjetivas, tendo os Drs. Sabóia de Medeiros
(Rev. S. T. F.,v. 18, pág. 493) e Daniel de Carvalho (Rev. Jurídica, v. 14, pág. 246),
opinando pela aplicação do processo indicado na lei Torrens (ver o magistral artigo de
Pereira Braga, Rev. Direito., v. 62, pág. 262).
Além da citação edital de qualquer interessado, lembrou o Dr. Lisipo Garcia, como
elemento essencial desse processo, a exigência de certidão negativa do Registro nos últimos
30 anos em relação ao imóvel a usucapir; os diversos Códigos processuais (Estado do Rio,
Minas Gerais) têm cogitado da matéria, fixando as normas para aplicação do Código Civil.
139 – De acordo com Azevedo Marques (A hipoteca, pág. 113) não podemos, data
venia, aderir à opinião do egrégio Clóvis (op. cit., v. 3, pág. 434), que, defendendo a
doutrina de Lafaiete (op. cit. §278) admite a usucapião de terceiro contra o credor
hipotecário inscrito.
O credor não é obrigado a consultar freqüentemente o registro para verificar se
algum terceiro transcreveu um título que possa levá-lo a usucapião.
Ao contrário o registro de seu direito deve deixá-lo garantido constituindo
justamente para o adquirente uma presunção contrária à sua boa fé; a inscrição da hipoteca
vale por 30 anos e durante esse prazo ninguém pode transcrever um título sem ignorar a
precedência daquela.
Ainda no tempo em que escreveu Lafaiete existiam hipotecas gerais e ocultas, mas
hoje nem um motivo pode subsistir em defesa de sua opinião; afirmou-o Dídimo (Direito
199
Art, 1238 do Novo Código Civil de 2002.
hipotecário, n.o 325); „não pode ter aplicação o que doutrina Lafaiete sobre a extinção da
hipoteca por efeito de uma espécie de prescrição aquisitiva, conforme a doutrina do direito
francês, fundado no regime da clandestinidade das hipotecas.
Felizmente, afastado, in limine, o caso da prescrição ordinária, o da extraordinária
será impossível de se verificar, porque, ao cabo de trinta anos de posse, já deve estar
perempta a inscrição anterior.
O Código de Processo de Minas, portanto, logicamente exigiu para propositura da
ação de usucapião, a certidão negativa de hipoteca ou outros ônus reais constituídos sobre o
imóvel.
VIII, da sentença declaratória da posse incontestada e contínua de uma
servidão aparente por 10 ou 20 anos, nos termos do art. 551 do Código Civil, para
servir de título aquisitivo (Código Civil, art. 698200
);
140 – O Instituto, à vista da manifesta contradição entre o art. 698 do Código e seu
parágrafo único propôs que o presente n.o fosse redigido nos termos do anterior, isto é,
como simples referência à prescrição de 30 anos, em que se não exige título.
A Comissão do Senado assim se manifestou:
“O Instituto propõe a substituição da alínea XI por
esta:
„A posse de uma servidão aparente por 30 anos sem
oposição para servir de título ao adquirente por usucapião
(art. 698 e parágrafo único201
)‟.
E dá, como razão disso, o propósito de conciliar o
artigo 698 com o respectivo parágrafo único. Mas forçoso é
convir que essa emenda não resolve a questão.Pois o tal
parágrafo só dispensa o justo título para a aquisição das
servidões pelo usucapião, quando a posse desta tiver mais de
200
Art. 1379 do Novo Código Civil de 2002. 201
Art. 1379 do Novo Código Civil de 2002.
trinta anos; ao passo que o principium do artigo o dispensa
também depois de dez ou vinte anos (conforme a hipótese do
art. 551202
), como se conclui da circunstância de mandar ele
que o possuidor transcreva a posse „em seu nome no registro
de imóveis, servindo-lhe de título a sentença que julgar o
consumado usucapião. E se fosse intenção do legislador
exigir nesse caso o justo título, como se faz em relação aos
imóveis, ordenaria o registro dele, e não o da sentença; esta,
portanto, vem substituir aquele, desempenhando-lhe as
funções aquisitivas.
Como se vê, a antinomia é flagrante e indestrutível
pela hermenêutica.
Do elemento histórico, verifica-se que o projeto
primitivo do Código não admitia a prescrição aquisitiva
senão de trinta anos, para a qual dispensava o justo título e a
boa fé, que se tratasse de imóveis quer de servidões (artigos
632 e 808203
). A Comissão revisora, porém, entendeu que
devia conservar a tradição de nosso direito e estabeleceu o
usucapião de dez e vinte anos, conforme estivesse o
proprietário presente ou ausente, desde que o possuidor
tivesse justo título e boa fé, tratando-se de imóveis (art.
645204
), e apenas a sentença que julgasse consumado o
usucapião, tratando-se de servidões (art. 836205
); mas achou
necessário acrescentar a esse artigo uma 2a parte tirada do
projeto Clóvis, dispensando o justo título na posse das
servidões de mais de trinta anos, sem atentar todavia no
contra-senso. E assim se formou o parágrafo único do art.
698 do Código.
202
Art. 1242 do Novo Código Civil de 2002. 203
Os arts. 632 e 808 correspondem aos arts. 1322 e 1509 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente. 204
Art. 1330 do Novo Código Civil de 2002. 205
Art. 1494 do Novo Código Civil de 2002.
Uma de duas: ou, no caso da prescrição ordinária, é a
sentença declaratória do usucapião que serve de título
aquisitivo da servidão, e, sendo assim, não há razão para a
existência do parágrafo único, porquanto, quem pode
usucapir, sem justo título, dentro de dez anos (entre
presentes), ou, de vinte (entre ausentes), com maioria de
força, o poderá fazer também, depois de trinta anos, ou, ao
contrário o tal parágrafo é necessário e só se dispensa o justo
título na prescrição extraordinária, e, nesse caso, a exigência
da transcrição da sentença, à guisa de título aquisitivo, feita
no principium do artigo, é inteiramente descabida, por isso
que tal formalidade não se encontra no art. 551206
, que trata
da prescrição ordinária para a aquisição de imóveis, e não é
de supor que o legislador quisesse cercar de maiores garantias
o jus in re alinea do que o jus ad rem no tocante ao
usucapião, quando justamente devia ser o contrário disso,
como se verifica de outros dispositivos do Código.
Diante dessa contradição entre dois textos da mesma
lei, cabe ao Poder Legislativo dar-lhes uma interpretação
autêntica, afim de dirimir definitivamente a questão. Para
isso, tem dois caminhos a seguir: equiparar o usucapião das
servidões ao dos imóveis, dispensando a sentença
declaratória do art. 698207
e exigindo o justo título e a boa fé,
de acordo com o art. 551. Ou, ao contrário, dispensar o justo
título, no primeiro caso, afim de que o possuidor de uma
servidão aparente, incontestada e contínua durante 10 anos,
entre presentes, e 20, entre ausentes, possa registrá-la em seu
nome servindo-lhe de título a sentença que julgar provados
esse requisitos.
206
Art. 1242 do Novo Código Civil de 2002. 207
Art. 1379 do Novo Código Civil de 2002.
A segunda solução parece-nos mais consentânea com
o espírito do art. 698, de cuja leitura atenta se depreende que
a remissão por ele feita ao 551 tem por fim apenas indicar o
modo de contar os dois prazos (10 e 20 anos), isto é, que a
prescrição aquisitiva da servidão só se verifica no fim de 10
anos, quando o senhor do imóvel mora no município onde
este está situado, e, no fim de 20, em caso contrário; e não
exigir, como requisito para o usucapião das servidões, o justo
título ali estabelecido para o dos imóveis, conforme faz crer o
tal parágrafo único que está apenso àquele artigo, e que só
admite a aquisição sem título, depois de 30 anos. E é de supor
que esse adendo tenha sido adotado pela comissão revisora,
no propósito de conciliar a teoria por ela aceita, no principio
do artigo, com a consagrada no projeto primitivo, sem
perceber, todavia, que os dois dispositivos se repeliam.
A interpretação adequada à primeira hipótese dá-no-la
a emenda do Instituto à alínea XI, enquanto que este
dispositivo da proposição da Câmara traduz a segunda.
Continuamos a pensar que foi a pior a solução preferida conforme demonstramos
em artigo publicado na „Gazeta dos Tribunais‟ (n.o 379 de 26 de Abril de 1922; v., Lisipo
Garcia – op. cit. pág. 275):
141 – Já tem sido apontado, notadamente pelo erudito
professor Sauerbronn Carpenter no volume que lhe tocou do
manual do Código Civil, o erro do artigo 177 do Código208
em relação aos prazos da prescrição.
Tendo a Comissão Revisora, em má hora, restringido
com qualificativo „pessoais‟ o correto preceito do projeto
primitivo, fixando o prazo geral de 30 anos para a prescrição
208
Art. 205 do Novo Código Civil de 2002.
das ações, salvo as exceções expressas, a comissão dos vinte
e um entendeu por sua vez, para completar a matéria ou
salvar a estética, de se referir às ações reais; mas, ao invés de
jungir ao mesmo princípio geral as duas classes de ações,
colocou, aliás, incompletamente, a prescrição das ações reais
em função dos prazos do usucapião.
Em princípio, seguiu logo caminho errado, porque as
ações reais não se resumem na de reivindicação, como é fácil
verificar em qualquer quadro divisório de ações, v. g., no
formulado por João Mendes em seu Direito Judiciário,
corrigindo os anteriores, e, conseqüentemente, não será muita
vez a usucapião a matéria predominante a ser alegada em
defesa e até ser possivelmente estranha, indiferente sendo,
assim, como nas ações pessoais, a circunstância da ausência
das partes.
Na ação hipotecária, p. ex., por todos considerada
real, a prescrição só pode ser a correspondente à obrigação, a
que estiver adstrita a hipoteca, entre nós ainda mantida em
sua feição adjetiva, não tendo assumido as formas
substantivas há muito usadas no direito germânico, de plena
autonomia, como incentivo à mobilização do crédito real.
Nessas ações não poderá surgir a alegação de usucapião por
parte de qualquer adquirente, que venha a sofrer a execução,
porque contra a inscrição hipotecária, regularmente feita, não
pode prevalecer a prescrição, como procuramos demonstrar
em outra oportunidade (n.o 139).
Mas, tomando o critério da relação direta da
prescrição extintiva com a aquisitiva pelo usucapião, o
razoável seria estabelecer o confronto preciso e completo e
não avançar superficial e apressadamente o preceito geral da
prescrição das ações reais em 20 anos entre ausentes e 10
entre presentes, erro crasso que não pode prevalecer na
prática, como muito bem sustentou o professor Carpenter.
A vigorar a dependência referida, seria preciso
formular no art. 177209
quatro hipóteses correspondentes aos
arts. 550, 551, 618 e 619210
, isto é, distinguindo as ações reais
relativas a móveis e a imóveis e em cada caso a prescrição
ordinária da extraordinária em que o único requisito exigido é
o decurso de tempo; assim, ficariam estabelecidos em prazos
de 30 e de 10 ou 20, para os imóveis e os de 10 e 3, para os
móveis.
O melhor seria, porém, estabelecer apenas os prazos
mais longos de 30 anos, igual ao das ações pessoais, provada
assim a desnecessidade das emendas, e de 10, se se tratasse
de móveis.
Do contrário chegar-se-ia ao absurdo, hoje, vigente,
de marcar prazos segundo a situação peculiar ao réu,
beneficiando-se com uma restrição de tempo em detrimento
do reivindicante; fácil será figurar a hipótese de uma ação
proposta no prazo de 21 anos vir a decair pelo fundamento da
prescrição, quando réu, sem título e boa fé, ainda estivesse
longe de atingir o tempo legal do usucapião extraordinário e
assim se consolidar uma injusta situação.
O que, porém, mais fundamente fere os princípios da
lógica, constituindo verdadeira e insolúvel contradição é a
coexistência das regras contidas sobre o assunto em questão
no art. 698 e seu parágrafo único: referem-se à usucapião das
servidões, em que duas hipóteses se podem dar,
analogamente ao que acontece com o domínio, a da
prescrição ordinária pelo simples decurso de tempo
209
Art. 205 do Novo Código Civil de 2002. 210
Os arts. 550, 551, 618 e 619 correspondem aos arts. 1238, 1242, 1260 e 1261/1262 do Novo Código Civil
de 2002, respectivamente.
excetuadas as servidões não aparentes, que o art. 697211
exclui expressamente desse meio de aquisição.
De certo, sabia a intenção da Comissão revisora que
digamos francamente – ante a abundância dos casos apurados
foi a pior colaboradora do Código Civil, a despeito do valor
pessoal dos membros que a constituíam, mas a fórmula
encontrada para a modificação do projeto primitivo
concretizou flagrante absurdo: na primeira parte, isto é, no
corpo do artigo, faz-se referência expressa ao art. 551,
relativo à prescrição ordinária e no entanto se considera título
a sentença que julgar a usucapião!
Mas, neste caso o título já existe e transcrito,
purgados os vícios que porventura o inquinam pelos
requisitos de boa fé e tempo – não há a menor ação da parte
do prescribente, aliás, seria contraditória com a ausência da
malícia; o título sublima-se, apagando-se quaisquer manchas
provindas do anterior proprietário – no caso qualquer defeito
do título constitutivo da servidão.
Na segunda hipótese, prevista no parágrafo único, é
que há necessidade de um título criador da propriedade, como
um prêmio à posse diuturna e incontestada; daí a faculdade de
se provocar a sentença judiciária, inadmissível na situação
precedente. Por isso o parágrafo único do art. 698212
declara
que, se não houver título, o lapso será de 30 anos, mas sem se
lembrar que antes estipula os prazos de 10 e 20 anos para o
mesmo caso de falta de título, uma vez que exige a sentença
de reconhecimento, em contradição, embora, com a
referência expressa ao art. 551213
.
211
Art. 1378 do Novo Código Civil de 2002. 212
Art. 1379 do Novo Código Civil de 2002. 213
Art. 1242 do Novo Código Civil de 2002.
Poder-se-á, porém, lembrar que a referência ao art.
551 é apenas para aplicação da diferença de prazo, segundo a
presença ou ausência das partes, e não dos requisitos da
prescrição ordinária, mas então sairíamos de Sila para
Caribides, porque seria reconhecer o contra-senso do Código
em não cogitar da prescrição ordinária e fazê-lo em duplicata
quanto à extraordinária, se ando dois prazos, um breve e um
longo, e, como quem pode o mais (no caso a maior
brevidade), pode o menos, segue-se a inutilidade do preceito
do parágrafo único, falando em 30 anos, quando bastam 10
ou 20.
Dir-se-á que, como no caso do art. 177214
, o juiz
corrigirá o erro crasso, palpável do Código, mas o que não
pode permanecer é o absurdo gritante que encerram as regras
do art. 698 e seu parágrafo, pois para manter tal antinomia,
como outras tantas, não deve prevalecer o fetichismo da
intangibilidade da grande lei civil, como tão
inconvenientemente se tem verificado em relação à grande lei
política.
E a prova dos perigos e da necessidade de corrigir a
berrante incoerência é que a Comissão de Legislação do
Senado Federal, tomando conhecimento de emenda
formulada pelo Instituto dos Advogados ao projeto de
registro públicos, entendeu, aliás incidentemente, que seria
preferível aceitar o prazo mais breve, com desprezo tácito do
parágrafo único do art. 698, de sorte a admitir a prescrição da
servidão sem título, em 10 ou 20 anos, embora incidindo no
erro de silenciar sobre o caso ordinário, da existência de
título, e, mais, em novo atentado à lógica, prescrevendo
regras mais brandas (10 anos em vez de 30) para um jus in re
214
Art. 205 do Novo Código Civil de 2002.
aliena do que para o domínio, padrão dos direitos reais,
sujeito às disposições gerais dos art. 550 e 551 do Código
Civil215
.
142 – Convém ainda salientar que, nos termos do art. 697216
as servidões não
aparentes não se podem adquirir por usucapião, sem título.
IX, para a perda do domínio da propriedade imóvel, dos títulos
transmissíveis, ou dos atos renunciativos (Código Civil, art. 589, ns. 1 e 2 e § 1o 217
);
143 – O artigo, como está redigido, é perfeitamente inútil - não só a extinção se
verifica por cancelamento, averbação ou ainda, automaticamente pela transcrição do novo
ato, como há o n.o IV da letra c, que abrange a generalidade dos casos de extinção.
Além disso, já o n.o 1 da letra b se refere à hipótese da extinção do domínio, com
expressa remissão ao art. 589 do Código.
X, dos títulos ou a inscrição dos atos inter-vivos, relativamente aos
direitos reais sobre imóveis, quer para a aquisição do domínio (Código Civil, arts. 533
e 676218
), que para a validade contra terceiros (Código Civil, arts. 789, 796, parágrafo
único, 848 e 850219
);
144 – Defeituoso como o anterior ficou o n.o, redigido em termos vagos e inúteis; o
Senado propôs, assim, a supressão, baseado no seguinte parecer do Instituto:
215
Os arts. 550 e 551 correspondem aos arts. 1238 e 1242 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente. 216
Art. 1378 do Novo Código Civil de 2002. 217
Art. 1275 do Novo Código Civil de 2002. 218
Os arts. 533 e 676 correspondem aos arts. 1245 e 1227 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente. 219
Os arts. 796 e 850 correspondem aos arts. 1438 1500 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente.
“O n. X deve ser suprimido por inútil, porque os casos
de domínio já estão previstos em números anteriores e os de
ônus reais da mesma fórmula, salvo a enfiteuse, cuja
inscrição se compreende na própria transmissão do domínio
útil (Código, art. 858). Quanto à distinção dos efeitos do
registro já está feita na redação genérica do art. 1o, que se
reporta ao Código Civil conforme o caso, e é o melhor
processo; o artigo 533, por exemplo, sofreu modificações de
modo a conciliar os ns. I e IV (ligado ao art. 1572220
) do art.
530, sendo no caso de direito hereditário, indireta a sanção do
registro (vide Decreto 3725, de 1919).”
145 – A Câmara, porém, manteve o dispositivo, rejeitando, por outro lado, o
aditivo proposto pelo Instituto para o único caso que faltava – o da anticrese (Cód. art.
808221
).
Em todo o caso ficou esse artigo todo para regular a hipótese da anticrese, e como a
redundância não é dos maiores defeitos...
XIII, das rendas constituídas ou vinculadas a imóveis por disposição de
última vontade (Código Civil, art. 753);
148 – Como no anterior, o Código ampliou neste caso o princípio do art. 676222
,
exigindo a transcrição em qualquer caso, quer por atos inter-vivos, quer causa-mortis.
XIV, do contrato de penhor agrícola;
220
Art. 1784 do Novo Código Civil de 2002. 221
Art. 1509 do Novo Código Civil de 2002. 222
Art, 1227 do Novo Código Civil de 2002.
149 – O Código no art. 796223
manda transcrever o penhor agrícola no registro de
imóveis, mas para que tal se dê, no caso de estar o prédio hipotecado, é necessária a
anuência do credor hipotecário, dada no próprio instrumento de constituição do penhor (art.
783224
).
Abolida ficou a restrição do valor (Decreto 370 arts. 369 e 370) – todo o penhor
agrícola deve ser registrado no cartório de imóveis.
c) a averbação;
I, na inscrição da sentença de separação de dote (Código Civil, art. 309,
parágrafo único);
150 – Nos mesmos termos da proposta sobre as convenções antenupciais, o
Instituto sugeriu a seguinte emenda, sobre este e o número posterior, rejeitada pela Câmara,
após a aceitação pelo Senado.
Substitua-se a alínea IV pela seguinte:
“IV, averbação especializada da sentença de
separação do dote e do julgado sobre o restabelecimento da
sociedade conjugal em relação aos imóveis porventura
existentes (artigos 309 e 323225
).”
151 – O Código manda conservar no registro de que trato o art. 261226
a sentença
de separação do dote para valer contra terceiros (art. 309, § único); defeituoso como ficou
esse registro (v. n.o 89) dos mesmos vícios padecerá a averbação a ele adjeta.
223
Art. 1438 do Novo Código Civil de 2002. 224
Art. 1440 do Novo Código Civil de 2002. 225
Arts. 315 a 324 revogados pela Lei n.o 6515, de 26/12/1977.
226 Art. 1657 do Novo Código Civil de 2002.
Pena foi que a Câmara não tivesse adotado as emendas propostas quando aceitou o
mesmo princípio em relação às cláusulas de inalienabilidade.
Sem obedecer ao regime de absoluta especialização que é o característico essencial
do nosso regime hipotecário, nada se pode fazer de eficiente.
II, do julgado sobre o restabelecimento da sociedade conjugal (Código
Civil, a t. 323227
);
152 – Já temos observado várias vezes os defeitos da lei, em matéria de regimes
matrimoniais; se não tivesse havido o fetichismo pela letra do Código, mas vontade de
adaptá-la a uma aplicação eficiente, teriam eles desaparecido.
153 – Vamos repetir que o restabelecimento da sociedade conjugal em regra só
deve ser averbado no registro civil; no caso especial de haver imóveis, com a volta ao
regime anterior, é que caberá a inscrição ou averbação especializada e no cartório da
respectiva situação.
III, da cláusula da inalienabilidade imposta a imóveis pelos testadores e
doadores.
154 – É uma providência sugerida pelo Instituto para apurar o regime de
especialização e, portanto, a segurança nas transmissões de imóveis.
A medida veio completar o art. 1676 do Código:
„A cláusula de inalienabilidade temporária ou vitalícia, imposta aos bens pelos
testadores ou doadores não poderá, em caso algum, salvo os de expropriação por
necessidade ou utilidade pública, e de execução por dívidas provenientes de impostos
227
Arts. 315 a 324 revogados pela Lei n.o 6515 de 26/12/1977.
relativos aos respectivos imóveis ser invalidade ou dispensada por atos judiciais de
qualquer espécie, sob pena de nulidade.
Criada a formalidade do registro, deve o regulamento aplicar as providências que
venham resguardar os interesses dos beneficiários pela impenhorabilidade.
O artigo aplica-se a todos os casos, entre vivos ou causa-mortis, e muitas vezes a
averbação será verdadeira inscrição, mencionando-se a cláusula na coluna das condições.
IV, por cancelamento da extinção dos direitos reais.
155 – O Código no art. 589, § 1o 228
,manda transcrever o ato renunciativo do
domínio no registro para subordinar-lhe os efeitos da perda do domínio; no caso de
alienação, a extinção se verificar automaticamente com a transcrição do título aquisitivo. O
n.o III da letra b do presente artigo já dispôs a respeito.
156 – É interessante apreciar o problema do registro, invertidamente, isto é, quanto
à extinção dos ônus reais, pois acabamos de ver que, no domínio (salvo o caso quase
irrealizável de renúncia expressa), se dá a automática extinção do direito anterior.
O Código, que infringe a técnica tantas vezes, leva-a, neste caso ao rigor de só
considerar como valendo para terceiros a extinção averbada no registro (arts. 708, 796, §
único e 850229
).
Não contestamos que sem o cancelamento o registro pode trazer muitos prejuízos,
permitindo a cessão maliciosa de ônus com a mesma inscrição, mas queremos abordar uma
conseqüência comumente tirada, com exagero, daquele princípio.
É o caso de certos julgados exigirem cancelamento em relação a terceiros, a
despeito da prova da extinção do ônus anterior; o registro é feito em benefício de terceiros e
nunca em seu prejuízo; outra conseqüência exagerada é a exigência da averbação da cessão
da hipoteca, que o Código (art. 1067, § único230
), autoriza em benefício do cessionário e
nunca no do devedor.
228
Art. 1275 do Novo Código Civil de 2002. 229
Os arts. 708, 796 e 850 correspondem aos arts. 1387, 1438 e 1500 do Novo Código Civil de 2002,
respectivamente. 230
Arts. 288 e 289 do Novo Código Civil de 2002.
O fato da lei reconhecer a hipoteca apenas entre os contraentes, antes do registro
(art. 848) não autoriza ainda a recíproca de que cancelado este, o ônus possa existir mesmo
entre as partes somente; no máximo, como vimos, seria lícito concluir que apesar de não
cancelado o registro, poderia estar extinta a hipoteca entre as partes, por ter sido solvida a
obrigação, a que aquela é normalmente adjeta, pela sua função acessória, em nosso direito,
e não substantiva, como no direito alemão, em certos casos.
O cancelamento há de fazer perimir todos os ônus, maximé os compreendidos na
regra geral do art. 676231
, de modo que a sua possível restauração não possa prejudicar os
atos intermediários.
Por isso foi denegado o cancelamento de uma hipoteca anulada, à vista da
interposição do recurso extraordinário pela parte vencida; do contrário, a restauração
porventura ordenada pelo Supremo Tribunal Federal ficaria irremediavelmente prejudicada
pelos atos registrados nesse ínterim (despacho do ilustrado juiz Cesário Pereira in Rev. de
Direito, v. 53, pág. 345).
157 – O Código admite o cancelamento da inscrição hipotecária, à vista da
respectiva prova, ou, independente desta, a requerimento de ambas as partes, se forem
capazes, e conhecidas do oficial do registro (art. 851232
).
Para o penhor exige a quitação do credor, com a firma reconhecida se o documento
for particular (art. 800); o mesmo direito compete ao adquirente do penhor por adjudicação,
compra, sucessão ou remissão, exibindo seu título (art. 801, § único).
O dono do prédio serviente tem direito pelos meios judiciais, ao cancelamento da
transcrição, embora o dono do prédio dominante lho impugne:
I - Quando o titular houver renunciado a sua servidão;
II – Quando a servidão for de passagem, que tenha cessado pela abertura de estrada
pública, acessível ao prédio dominante.
III - Quanto o dono do prédio serviente resgatar a servidão (art. 709233
).
231
Art. 1227 do Novo Código Civil de 2002. 232
Art. 1501 do Novo Código Civil de 2002. 233
Art. 1388 do Novo Código Civil de 2002.
Extinta pela reunião dos prédios, supressão de obras e não uso durante 10 anos
contínuos, o dono do prédio serviente pode cancelar a servidão, mediante a respectiva
prova (art. 711234
).
Se o prédio dominante estiver hipoteca e a servidão se mencionar no título
hipotecário, será também preciso, para a cancelar, o consentimento do credor (art. 712235
).
158 – O regulamento n.o 370 de 1890 no artigo 75 explicava que as averbações
compreendem as cessões, sub-rogações, a extinção total ou parcial geralmente todas as
ocorrências que por qualquer modo, alterem a inscrição ou transveis que nesses atos
figuram; o art. 817 do Código236
acrescentou o caso de prorrogação da hipoteca até perfazer
30 anos.
O art. 103, § único do mesmo regulamento declara que as nulidades de pleno direito
e não dependentes de ação, uma vez provadas invalidam o registro ainda que este não se
tenha cancelado; é óbvio que no caso só se trata de nulidade inerente à formalística do
registro pela falta de elementos prescritos no Código; em caso contrário, prevalece a regra
do art. 847 deste.
Art. 6.o Os registros enumerados no art. 2.
o desta lei ficarão a cargo de
oficiais privativos e vitalícios, providos do Distrito Federal, pelo Presidente da
República, mediante concurso, e nos Estados na forma estabelecida pelas respectivas
leis de organização judiciária, e serão feitos:
159 – Esse dispositivo, oriundo da Câmara resultou do aproveitamento de emendas
do deputado Joaquim Osório pelo relator Veríssimo de Melo, em seu substitutivo ao projeto
Maximiano de Figueiredo.
O Senado pretendeu modificá-lo pela seguinte forma:
234
Art. 1389 do Novo Código Civil de 2002. 235
Art. 1387, parágrafo único do Novo Código Civil de 2002. 236
Art. 1485 do Novo Código Civil de 2002.
Art. 5.o Competindo às leis de organização judiciária
a decretação das condições para o provimento e exercício dos
cargos de justiça, não vemos razão para se legislar a respeito
em uma resolução de caráter geral e que tem por fim apenas
compendiar e regularizar os diversos registros públicos, sem
se preocupar com a investidura dos seus serventuários. Em
vista disso, o art. 5.o deve ser substituído pelo seguinte:
„Art. 5.o Os registros constantes das alíneas I, II, e do
art. 1.o ficarão a cargo de oficiais privativos e vitalícios,
providos na forma das leis de organização judiciária. E os da
alínea IV serão feitos na Biblioteca Nacional de Belas ARtes,
conforme a natureza predominante na produção.‟
Como emenda complementar a essa, oferecemos a
seguinte:
„Art. No Distrito Federal e no Território do Acre, os
registro competirão:
a) aos oficiais de registro civil, os constantes
do art. 2o, menos o da alínea III;
b) aos escrivães de órfãos, o constante da
alínea III do art. 2.o , os quais o exercerão a
título provisório, durante um ano, cada uma
por sua vez, e se sucederão na ordem de
antiguidade;
c) aos oficiais do registro de títulos e
documentos (lei 973, de 1903), os
mencionados no art. 3o ;
d) aos oficiais do registro geral (dec. 169 A,
de 1890) os de que trata o art. 4o;
A Câmara pelo novo relator, Heitor de Souza, assim manteve o artigo:
No tocante à emenda n. 31, porque o art. 5o do projeto exprime com mais clareza e
precisão a natureza federal dos ofícios, e a competência da União e dos Estados para
regular o seu provimento.
160 – De fato, o parecer anterior já demonstrava a sua conveniência, nestes termos:
„A primeira emenda do Sr. Joaquim Osório está assim
concebida:
Ao art. 7o - Substitua-se pelo seguinte:
„Os registros enumerados no art. 2o desta lei,
ficarão a cargo de oficiais privativos e vitalícios, providos no
Distrito Federal pelo Presidente da República, mediante
concurso, e nos Estados, na forma estabelecida pelas
respectivas leis de organização judiciária.‟
A Comissão aceita a emenda porquanto
evidentemente melhora o texto do art. 7o do projeto,
afastando qualquer idéia de inconstitucionalidade a esse
dispositivo (art. 7o ), mandando que o provimento de tais
cargos seja feito aos Estados, na conformidade do que
estabelecerem as leis de organização judiciária.
Determina, ainda a emenda, que o cargo seja obtido
mediante concurso, medida essa moralizadora, aliás já
estabelecida quer no decreto n. 9263, de 28 de dezembro de
1911, com relação aos ofícios de justiça (art. 18) quer no
decreto n. 9420, de 28 de abril de 1885 art. 1o quer finalmente
na lei n. 973, de 2 de janeiro de 1903.
As emendas ns. 2, 3 e 4 são uma conseqüência da
emenda n. 1, e como a Comissão vai redigir de modo
diferente os parágrafos 1o, 2
o e 3
o do art. 7
o, julgo
prejudicadas as ditas emendas, aceitando, entretanto, as idéias
nelas contidas.
161 – A lei federal provê assim, a criação dos registros e regula os seus efeitos,
cabendo à esfera estadual a parte propriamente administrativa do provimento dos cargos,
discriminação das competências, substituições, emolumentos, etc; em geral, estabelecem os
registros hipotecários e de títulos em cada comarca, subdividindo-os nas grandes cidades e
distribuindo o registro civil pelas menores circunscrições; os funcionários, vitalícios e
inamovíveis, estão sujeitos a uma autoridade judicial, que dirime as dúvidas e exerce a
correção.
No Distrito Federal são providos pelo Poder Executivo, mediante concurso; ao Juiz
da Vara Eleitoral compete julgar as suspeições, rubricar os livros, decidir as dúvidas, impor
multas e penas, habilitar os pretendentes, sendo que os oficiais do registro civil estão
sujeitos aos pretores sob a alta vigilância do Ministério Público (decreto 16173 e 1923).
Os registros comercial, marítimo e de direitos autorais estão confiados a autoridades
administrativas – respectivamente, Junta Comercial, Capitania do Porto, Biblioteca
Nacional, Instituto de Música e Belas Artes, abrangendo estas todo o território nacional.
Os cartórios de hipoteca naval são apenas três, como vimos, de natureza federal e
sujeitos à justiça da União, em face do preceito constitucional do art. 60, letra g.
162 – Em São Paulo foram também adotadas provisoriamente pelo Governo
diversas medidas sobre o registro no decreto 2273 de 28 de Fevereiro de 1917.
§ 1.o
O de número I nos ofícios privativos ou nos cartórios do registro
de nascimentos, casamentos e óbitos.
163 – O projeto primitivo cogitava de criação de ofícios privativos para o registro
civil; sobre as emendas assim se pronunciou a comissão:
“A emenda do Sr. Ubaldo Ramalhete manda suprimir
do art. 7o, § 1
o as palavras „enquanto não forem criados
oficiais privativos‟, e a do Sr. Fontin manda substituir o § 1o
referido pelo seguinte:
„O de n. I, na Capital da República, pelos
escrivães das Pretorias Cíveis, de acordo com o disposto no
art. 174, do decreto n. 9263, de 28 de dezembro de 1911, e
nos distritos e municípios, enquanto não forem criados
oficiais privativos, pelos escrivães de paz‟.
O intuito do projeto não é o de criar ofícios de justiça
para neles serem feitos os registro públicos instituídos pelo
Código Civil.
O Governo, logo que foi promulgado o Código,
baixou o decreto n. 12343, de 3 de janeiro de 1917, dando
instruções para execução provisória do registro público,
instituído pelo Código Civil para a autenticidade e validade
dos atos, ou tão somente para os seus efeitos com relação a
terceiros.
O projeto procura regular definitivamente o assunto,
fazendo uma distribuição, não arbitrária, mas jurídica e
criteriosa de todos os atos que exigem as formalidades do
registro pelos serventuários de justiça já existentes,
mandando que os registros de nascimentos, casamentos e
óbitos continuassem a ser feitos na Capital da República
pelos escrivães das Pretorias, e no Estados, pelos escrivães da
paz, e isso enquanto não fossem criados ofícios privativos.
Ora, esse dispositivo, além de ferir direitos
adquiridos, em certas circunscrições da República, fala em
„juízes de paz‟ quando é sabido que em alguns Estados os
encarregados do Registro Civil não tem esta denominação,
como por exemplo, em Nictheroy, sendo eles denominados
„oficiais do registro civil‟, e não são ou não acumulam eles as
funções de escrivão de paz.
Por todas essas razões, a Comissão aceita as idéias
contidas nas emendas dos ilustres Deputados Paulo de
Frontin e Ubaldo Ramalhete, e redigiu o n. 1 do art. 7o, que
passa a ter o n. 6 no substitutivo, e assim ficam, nesta Capital,
encarregados do registro civil das pessoas naturais os
escrivães das pretorias cíveis, e nos Estados os oficias ou
serventuários – tenham a denominação que tiveram –
encarregados de fazerem o registro civil de nascimentos,
casamentos e óbitos.
164 – Assim continuou o registro civil com os serventuários já existentes que, no
Distrito Federal, são os 15 escrivães das oito pretorias, segundo a organização judiciária do
Decreto 9263 de 28 de Dezembro de 1911, mantida neste ponto pela recentíssima, aprovada
pelo Decreto 16273 de 1923.
Desapareceu, como vimos, a anomalia da lei 3232 de 1917, art. 10, que desviava
uma parte desse registro para os escrivães de órfãos, e também a emenda do Senado que
mantinha essa exceção, acrescida com o registro de menores sob tutela, repelido pela
Câmara.
§ 2o Os de números II e III nos ofícios privativos ou nos cartórios do
registro especial de títulos e documentos, criado pela lei n. 973, de 2 de janeiro de
1903, e na falta, nos cartórios, e ofícios privativos do registro geral, criado pelo
decreto n. 169 A, de 1890.
165 – É claro que os Estados dentro de sua autonomia constitucional, embora sem
confundir as espécies de registros, podem reuni-los em mão de um só oficial ou dividi-los
quando isto não prejudicar os seus caracteres.
166 – No Distrito Federal foi dividido o cartório do registro de títulos (lei 3232 de
5 de Janeiro de 1917 art. 10, § 4) e pelo art. 13 da lei 3454 de 6 de Janeiro de 1918 foi
estabelecido a distribuição obrigatória pelos dois ofícios, o que exigiu a criação de um
distribuidor não só „para igualar o serviço, como para servir de repertório ou registro por
onde as partes possam descobrir os papéis do seu interesse e os serventuários dar conta
deles (Provimentos do Conselho Supremo da Corte de Apelação, v. 2, pág. 34 e 36).
§ 3.o O de número IX, nos ofícios privativos, ou nos cartórios do
registro geral.
167 – São os cartórios do registro hipotecário, criados desde 1843 e normalmente
existentes na sede de cada circunscrição judiciária – comarca; em muitas destas é o registro
subdividido, correspondentemente a certas zonas do território.
Com grande prejuízo para o serviço e pesados ônus para as partes, obrigadas a tirar
certidões negativas em diversos cartórios, conforme as modificações das zonas, no Distrito
Federal o cartório único foi se subdividindo até chegar a quatro, como atualmente.
Lisipo Garcia (op. cit, pág. 137) transcreve a copiosa legislação republicana a
respeito, sendo que atualmente vigora a divisão do Decreto 14811 de 19 de Março de 1917,
expedido, aliás, sem autorização legislativa.
A nova lei ainda nos ameaça de outra divisão (art. 11 b)!
§ 4o O de número V na Biblioteca Nacional no Instituto Nacional de
Música ou na Escola Nacional de Belas Artes, do Distrito Federal, conforme a
natureza da produção e sendo esta de caráter misto, no estabelecimento que for mais
compatível com a natureza predominante da mesma produção.
168 – A lei 496 de 1o de Agosto de 1898 estabeleceu o registro dentro de dois anos
como formalidade essencial para o gozo dos direitos autorais, na Biblioteca Nacional.
Para esse registro foram expedidas instruções em 1899 (6 de Dezembro) 1901 (11
de Junho) e afinal em 1917 (18 de Janeiro).
O Código Civil (art. 673237
) mandou fazer o registro no Instituto Nacional de
Música, na Biblioteca Nacional ou na Escola Nacional de Belas Artes, conforme a natureza
da produção. Sendo a lei 4827 posterior à de n.o 4790 de 2 de Janeiro de 1924, ficou sem
efeito a esdrúxula alteração por este trazida ao Código Civil mandando no art. 1o que as
composições musicais fossem registradas na Biblioteca Nacional.
Por uma fortuita circunstância cronológica, decorrente da maior ou menor rapidez
na sanção de vários projetos, obviaram-se, desta vez, os inconvenientes da balbúrdia e falta
de sistema que presidem à elaboração de nossas leis.
169 – Já em 1912, um especialista na matéria, o Dr. Armando Vidal impugnava a
constitucionalidade do registro como formalidade essencial para aquisição dos direitos
autorais (Rev. de Direito, v. 27, pág. 482 e Convenção literária com a França – págs. 129 e
segs.).
Clóvis Bevilaqua prestou inteiro apoio a essa opinião (op. cit. vol. 3, pág. 209),
mostrando que o Código Civil não só dividiu a sede de registro, conforme a natureza da
obra, como atenuou o rigor do direito anterior, que julgava atentatório do art. 72, § 26 da
Constituição Federal: „o Código cria o registro, porque é útil para a segurança das relações
jurídicas, como meio de prova e verificação de prioridade. Mas não faz ele depender o
exercício de um direito que, na obra, tem uma objetivação certa.‟
No Instituto dos Advogados predominou a mesma opinião (Rev. de Direito, v. 58,
pág. 273), a despeito da impugnação que tem sido levantado contra a mudança operada na
redação final do projeto da expressão „gozo‟ pela de „segurança‟.
O parágrafo único do art. 673 diz que as certidões do registro induzem a
propriedade da obra, salvo prova em contrário: é, assim, uma utilíssima presunção juris
tantum para conhecimento de terceiros, mas sem trazer a última palavra à propriedade.
170 – As instruções mandavam fazer o registro em vários lugares, quando a abra
apresentasse feições diversas - a lei, porém, preferiu um só registro, onde for mais
237
Arts. 649 a 673 revogados pela Lei n.o 9610, de 19/02/1998.
compatível com o caráter predominante da produção, o que poderá trazer muitos
inconvenientes.
As instruções, nos casos controvertidos pelo pedido simultâneo, mandam sobrestar
no registro até que a questão se decida por acordo das partes ou perante o juiz competente
(art. 11).
171 – Pela adesão à convenção de Berna (lei 4541 de Fevereiro de 1922 e dec.
15530 de 21 de Junho de 1922) garantimos as nossas obras no estrangeiro, sendo que no
Brasil em particular, v. g. pela convenção literária com a França, e de um modo geral pelo
Código Civil já estavam garantidos os direitos de autores estrangeiros, aqui residentes ou
não, independentemente de registro (lei 2577 de 1912, Clóvis – op. cit, v. 3, pág. 177,
Armando Vidal – op. cit, pág. 111).
Art. 7o Serão averbadas na Caixa de Amortização e nas
repartições estaduais e municipais competentes nas cauções de títulos nominativos da
dívida pública (Código, arts. 789 e 797) e nas sedes das sociedades emissoras as ações
nominativas de sociedades anônimas (decreto n. 434, de 1891, arts. 23 e 37 e Código
Civil, 797).
172 – A propósito do art. 4, letra a, n.o III já mostramos que, por intervenção do
Instituto, foram as disposições da lei melhor acomodadas ao sistema do Código, corrigido
pela lei 3725 de 1919.
Uma certa classe de móveis, dissemos, pode aceitar os princípios relativos ao
registro real – os títulos de créditos nominativos, perfeitamente individuados e susceptíveis
de um legítimo domicílio.
Os títulos nominativos da dívida pública da União, dos Estados e dos Municípios
são inscritos nos livros de suas dívidas públicas e neles se averbam as transferências, assim
devidamente publicadas. Qual será o valor desse registro em relação à prova da
propriedade?
É certo que a tradição, no caso o registro, não purga a propriedade dos bens móveis
(art. 622238
), salvo a usucapião (art. 618, 619239
), mas não escaparão esses bens
incorpóreos, certos e individuados, a tais regras, dada a sua perfeita assimilação aos
imóveis? É incontestável que a jurisprudência recente, seguindo a de países adiantados, tem
atribuído a esse registro um caráter certo, mais rigoroso ainda que o registro de imóveis,
escudado nas contingências do crédito que em matéria de títulos ao portador tem mitigado a
aplicação dos princípios clássicos sobre a reivindicação em atenção a outro magno
elemento – a boa-fé (Rev. de Direito, v. 54, pág, 498).
Desaparecendo neste caso a necessidade do cadastro e havendo a intervenção
forçada dos corretores de fundos e do da Caixa de Amortização não há motivo para se
negar inteiro valor às declarações do registro em prol da boa-fé de terceiros, além de que o
regulamento veda expressamente qualquer oposição ao que estiver inscrito como
proprietário salvo o não cumprimento do penhor pactuado.
Explica-se assim, a impossibilidade de reivindicações de tais bens, respondendo,
porém, a administração, com ação regressiva contra o corretor até 10 anos, pelo prejuízos
causados aos legítimos proprietários por inverídicos assentos no registro, como aplicação
do princípio formalista a assunto fundamental para o crédito público.
173 – Assim, os títulos da dívida federal constam do grande livro da dívida
pública, referido nos regulamentos da Caixa de Amortização, desde o de 15 de Novembro
de 1827, que descriminam o processo de transferência pelos termos no livro e nos casos de
morte mediante autorização judicial, sempre necessária para o recebimento de juros.
O regulamento cogita ainda do penhor de apólices nominativas sob a forma de
caução, também constante de termo, independente de tradição dos títulos, justificada
exceção ao sistema adotado pelo Código no art. 768240
de entrega da coisa apenhada ao
credor, a interpretação combinada dos arts. 790, 791241
e 797, segundo a última correção,
demonstra que o penhor dos títulos nominativos da dívida pública e os de bolsa emitidos
por sociedades anônimas independente de tradição e deve ser inscrito nas repartições
238
Art. 1268 do Novo Código Civil de 2002. 239
Os arts. 618 e 619 correspondem aos arts. 1260 e 1261/1262 do Novo Código Civil de 2002,
rescpetivamente. 240
Art. 1431 do Novo Código Civil de 2002. 241
Art. 1452, parágrafo único do Novo Código Civil de 2002.
competentes, ficando para o registro dos atos, cuja publicidade é muito menos rigorosa pela
dificuldade de busca, o penhor dos títulos ao portador e os de crédito pessoal, particulares,
em que a tradição é indispensável.
174 – As leis sobre sociedades anônimas criaram na sede das companhias, o livro,
formalizado, de registro da propriedade para o fim de se lançarem os nomes dos acionistas,
as entradas feitas, as inscrições da propriedade, as transferências das ações assinadas pelas
partes e as conversões em títulos ao portador, sendo facultado aos acionistas o exame desse
registro.
A cessão opera-se pelo termo de transferência lavrado no livro e assinado pelo
cedente e pelo cessionário (transmissão real); nos casos de sucessão universal, legado,
arrematação ou adjudicação o termo só será lavrado à vista do formal de partilha, alvará do
juiz competente, carta de arrematação ou de adjudicação (transmissão formal).
O penhor das ações nominativas constitui-se por simples averbação no registro, sem
tradição, pois que o proprietário exerce os seus direitos de voto em assembléia e do
recebimento de juros (Decreto 434 de 1891, art. 38); às vezes lavra-se um verdadeiro termo
de transferência „em caução‟.
Os efeitos do registro dessas ações serão sem dúvida idênticos aos decorrentes dos
títulos públicos, a que já nos referimos, dada a completa analogia entre eles; o registro será
uma presunção juris et jure, restando aos prejudicados, na falta de reivindicação contra o
adquirente de boa-fé, a indenização pela sociedade culpada do ato inidôneo.
O mesmo sistema, mutatis mutandis, é adotado pelas empresas de armazéns gerais
para emissão de warrants e conhecimentos.
Essas razões levaram o Instituto a propor a emenda aditiva que, aceita pelos dois
ramos do Congresso, veio a constituir o atual artigo.
Art. 8o O registro em regra será feito por extrato e
voluntariamente ‘verbo ad verbum’, quando os interessados o requeiram.
175 – A redação deste artigo foi feliz, como já notamos, para suprir a omissão do
Código Civil em relação às formas do registro de títulos – a integral para conservação dos
documentos e a abreviada, para constatação da data em relação a terceiros.
Nos termos manteve o princípio já ante adotado nos regulamentos hipotecários, que
prescrevem até um livro especial para transcrição integral dos títulos, a pedido dos
interessados.
Essas vantagens vêm, por outro lado, quebrar o sistema da lei que foi tão minuciosa
em distinguir, principalmente, no registro de imóveis, casos de inscrição e transcrição.
176 – É de todos sabido o arraigamento que tomou entre nós a distinção alhures
feita, com fundamento, entre a transcrição integral e a inscrição por extrato; a nossa lei de
1864 adotou impensadamente essa distinção, sem razão de ser, porque o princípio básico
era o do registro abreviado em todos os casos.
A tradição foi, porém, tão forte que o projeto Clóvis Bevilaqua não teve força para
sobrepujá-la, quando terminou todos os atos, genericamente, de inscrição, sendo corrigido,
nos termos atuais, por sugestão de Rui Barbosa (Trabalhos do Senado, v. 1, pág. 239), a
despeito da réplica de Clóvis (Em defesa, pág. 45).
Nestas condições, a simples questão de palavras fica reduzida a minuciosa
separação que o Código faz de atos sujeitos a inscrição e a transcrição, pois o verdadeiro
princípio é o do art. 8, que manda, em regra, fazer o registro resumido, segundo os
elementos essenciais indicados pelo regulamento.
Art. 9o As despesas com o registro incumbem ao interessado que
requerer.
177 – O art. 862 do Código dispõe que, salvo convenção em contrário incumbem
ao adquirente as despesas da transcrição dos títulos da propriedade e ao devedor as da
inscrição ou transcrição dos ônus reais.
O Decreto n.o 544 de 5 de Julho de 1890 especifica quais são os credores e
devedores nos direitos reais sobre a coisa alheia para os fins da escrituração uniforme nos
livros do registro hipotecário.
A transcrição de atos a título gratuito poderá ser promovida pelo adquirente ou seu
representante ou pelo próprio transmitente, com prova de aceitação do beneficiado (art.
857).
A inscrição das hipotecas legais incumbe às pessoas indicadas nos arts. 839 e 845242
do Código.
178 – O Reg. 370 de 1890 prescrevia regras análogas para o caso deste artigo (arts.
87 e 94), chegando a dar direito regressivo, por ação executiva ao alienante ou credor, que
tivessem feito as despesas, que deveriam caber ao adquirente ou ao devedor (art. 90).
A nova lei, sem razão plausível, vem perturbar essas normas tradicionais.
Art. 10 Os serventuários ou oficiais encarregados dos registros
estabelecidos nesta lei ficam responsáveis pela ordem e conservação dos respectivos
livros, documentos e papéis sob as penas legais.
179 – O Instituto achando inútil a presente disposição, propôs a sua supressão, e o
Senado concordou, mas a Câmara manteve, porque „tudo aconselha a repetição e reiteração
da regra legal da responsabilidade e dos titulares dos ofícios respectivos pela ordem e
conservação dos livros e documentos‟.
Os serventuários, além das responsabilidades penal e administrativa, respondem
civilmente pelo dolo ou culpa no exercício de suas atribuições, de modo a trazer prejuízo às
partes, v. g., no registro hipotecário, fornecendo certidões negativas, quando existem ônus,
etc.; para evitar isso já o regulamento hipotecário impõe, nas certidões, a inserção de todos
os ônus posteriores ao pedido, ainda mesmo que não sejam requeridos.
A propósito deste artigo cabe-nos falar sobre os dois grandes princípios sobre que
assenta a instituição dos registros públicos: a conservação e a publicidade.
242
Art. 1497 do Novo Código Civil de 2002.
180 – O processo de conservação tem entre nós diferido, ora sendo feito pelo
inteiro teor dos títulos, ora pelo resumo de declarações orais, ora por extratos, insertos os
lançamentos em livros encadernados e devidamente formalizados pela rubrica judicial e
termos de abertura e encerramento, de acordo com os modelos estabelecidos por leis e
regulamentos federais.
No registro de imóveis, como vimos, assentou-se o princípio da inscrição resumida,
salvo desejo expresso da parte na transcrição integral dos títulos, o que ainda se faz no
registro de títulos para o efeito da conservação dos documentos, pois um simples resumo
bastará para autenticidade da data em relação a terceiros.
Outro sistema foi seguindo para o registro comercial, mais expedito e compatível
com a multiplicidade e extensão dos negócios mercantis – o do arquivamento de um
exemplar dos títulos oferecidos em duplicata e, afinal, encadernados por períodos e
referidos em índices.
181 – Existe, entretanto, grande insegurança na conservação desses registros,
sujeitos a perda e incêndio, com a falta de elementos para uma restauração precisa. A
remoção dos livros findos para as municipalidades ou para os Arquivos, além de não
resolver o problema, traz inconvenientes para as averbações necessárias, a par do prejuízo
que acarreta de emolumentos aos serventuários; a verdadeira segurança só pode ser
encontrada no sistema do registro em duplicata, depositado em lugares diversos.
Teixeira de Freitas compendiou o meio de nos casos em espécie, suprir as perdas de
escrituras publicadas, naturalmente aplicável aos registros (Consolidação, art. 399 e 402) e
o Código Civil dispôs que a perda do registro de casamento é suprível por qualquer outra
espécie de prova (art. 202243
).
182 – A propósito ainda da conservação do registro é interessante lembrar que o
projeto primitivo consignava o seguinte preceito:
243
Art. 1543 do Novo Código Civil de 2002.
Art. 10 Os registros de nascimentos,
casamentos e óbitos, uma vez efetuados, serão imediatamente
remetidos, por extrato, pelos oficias deles encarregados, no
Distrito Federal, ao Arquivo Público e, nos Estados, às
repartições designadas nas respectivas legislações, afim de
serem arquivadas.
Parágrafo único. O serventuário que não cumprir essa
disposição poderá ser suspenso de suas funções por dois a
seis meses.
Pelo deputado Joaquim Osório, acatado jurista, foi oferecida a seguinte emenda:
“Os livros de nascimentos, casamentos e óbitos, uma
vez findos, serão remetidos pelos oficiais deles encarregados,
no Distrito Federal, ao arquivo público, e nos Estados, às
repartições designadas nas respectivas legislações e pela
forma nelas estabelecidas.”
Assim se pronunciou o relato Dr. Veríssimo de Mello sobre a sugestão, que
reproduzia o disposto no art. 335 do Regulamento n.o 9263 de 1911, revogado afinal pelo
art. 7 da lei 4242 de 5 de Janeiro de 1921:
„O dispositivo do art. 10 manda que ao Arquivo
Público do Distrito Federal, e às repartições designadas nas
respectivas legislações, sejam enviadas, por extrato, os
registros de nascimentos, casamentos e óbitos, uma vez
efetuados.
A medida que se contém na emenda n. VI, vem sendo
desde muito pleiteada pelo operoso Deputado, mas sempre
repelida pela Câmara, como aconteceu o ano passado, ao ser
discutido um projeto sobre registro de nascimentos,
casamentos e óbitos, e a Comissão não vê razões para
modificar a sua anterior decisão.
A remessa dos livros de nascimentos, casamentos e
óbitos uma fez findos, ao Arquivo Público, impossibilitaria
por exemplo o oficial encarregado do registro de nascimentos
de cumprir um dispositivo da própria lei n. 9886, que obriga
o oficial a verificar se o indivíduo que faleceu, e cujo óbito
vai ser registrado, estava registrado no registro de
nascimentos. Outras atribuições ainda poderiam ser
cumpridas pelo encarregado do registro, como por exemplo a
que diz respeito a modificações feitas no primitivo registro,
que a lei manda que seja feita pelo oficial do registro.
Acresce não ser justo que se tire do oficial um
provento qual o que diz respeito às certidões dos registrados,
ele que adquiriu o livro, fez o registro percebendo por esse
registro um pequeno emolumento, e em grande número de
casos, nada percebendo.
O intuito do nobre autor da emenda, sem dúvida é o
do procurar acautelar os livros de nascimentos, casamentos e
óbitos, mandado-os recolher a um lugar mais seguro do que
os cartórios, evitando, assim, futuros prejuízos aos
interessados. Mas, o art. 10 evita esse perigo, conforme se
poderá ver do seu contexto.
183 – Entretanto, a utilíssima providência, contida no projeto primitivo não chegou
a ser aprovada, de sorte que foi apenas submetido ao Senado o texto do atual artigo 9.
O Senado ofereceu ainda a seguinte emenda:
Acrescente-se o seguinte:
„Art. Os livros do registro civil ficarão sob a
guarda dos respectivos oficiais.
Parágrafo único – As câmaras municipais entregarão
àqueles serventuários os livros dessa natureza que tiverem em
seu poder.‟
A Câmara, porém, rejeitou-a „porque não é conveniente a alteração que ela visa no
regime legal vigente‟, afirmação lacunosa porquanto, já vimos, o regime, vigente desde
1921 (lei 4242, art. 7) era justamente o proposto na emenda.
184 – A melhor solução do problema seria, sem dúvida alguma, a do projeto
primitivo, que o regulamento poderá determinar, tanto mais que a adotou a recente lei
orçamentária n.o 4632 de 6 de Janeiro de 1923, nos seguintes termos:
„Os oficiais do Registro civil das pessoas naturais no Distrito Federal e no Território
do Acre deverão remeter mensalmente até o décimo dia do mês seguinte ao Ministro da
Justiça e Negócios Interiores e os dos Estados à repartição que for designada, uma cópia
autêntica das inscrições, feitas nos respectivos livros e das retificações que ordenarem as
competentes autoridades.
§ 1o – As cópias serão mandadas encadernar anualmente, servindo o respectivo
volume de duplicata dos registros para os efeitos legais deles decorrentes.
§ 2o – A omissão da remessa das cópias, no devido tempo sujeita o oficial do
registro à multa de $50 a $200 imposta pelo Ministro ou chefe da repartição além da
responsabilidade civil ou criminal que no caso couber‟.
Aperfeiçoado esse sistema, estaria prevenida a hipóteses de perda do registro, bem
como satisfeitos os fins de estatística, visados pelo Decreto 722 de 6 de Setembro de 1890
que, cremos, nunca foi executado, como não fora o preceito do Decreto 9886 que mandava
remeter os livros findos às Câmaras Municipais (A. Correa de Barros – op. cit., pág. 232).
185 – O princípio de publicidade dos registros sempre constou de nossa legislação,
ainda que sofrendo, a princípio limitações em relação a certos atos; assim é que o
regulamento do primeiro registro hipotecário, criado pela lei de 1843 (Decreto 482 de
1846) determinava que as certidões negativas só fossem dadas aos proprietários dos prédios
ou a seus procuradores.
Evoluiu, porém, até se firmar na fórmula empregada por Inglês de Souza em seu
projeto de Código de Direito Privado: „qualquer pessoa tem o direito de consultar os livros
dos Registros públicos sem necessidade de provar interesse em horas e na forma
determinada pelo regulamento e de pedir as certidões que desejar, pagando os emolumentos
devidos (art. 1614)‟.
Os regulamentos hipotecários de 1865 e 1890 facultaram o exame dos livros e as
certidões requeridas por quaisquer pessoas sem importar o interesse que possam ter (arts.
77 e 78), como também os de registro de títulos (arts. 54 e 55), de firmas comerciais (art.
12), de patentes de invenção (art. 84), de sociedades anônimas (art. 81), da Junta Comercial
(art. 81), etc.
186 – A última palavra no assunto deu-a recentemente o Conselho Supremo da
Corte de Apelação do Distrito Federal (Rev. de Direito, v. 62, pág. 331) determinando ao
oficial de protesto de letras que, sem indagar o interesse do requerente, fornecesse as
certidões, mesmo em termos gerais, sobre os títulos protestados, em vista de não admitir
limitações o princípio da publicidade, base da formação dos registros públicos e não tendo
ainda a falta de certidões o poder de evitar a publicidade que o exame direto dos livros
evidentemente acarreta.
É uma peça deveras notável esse julgado, em que o seu egrégio relator, o
Desembargador Montenegro, esmiuçou a questão da publicidade: “os registros públicos são
arquivos oficiais destinados a salvaguardar a autenticidade de direitos, cujos títulos, ou atos
jurídicos de que provém, exarados nos competentes livros a cargo de oficiais privativos,
seus respectivos assentos consideram-se instrumentos específicos de publicidade, por eles
transmitidos a terceiros, fim primordial da sua instituição”.
“As inscrições dos títulos nos registros públicos, como sinal exterior, ou meio legal
de publicidade, em garantia dos direitos em relação a seus titulares e à validade dos seus
efeitos, relativamente a terceiros têm precisamente em vista – „prevenir fraudes que a má fé
de uns, protegida pela clandestinidade pudera preparar em prejuízo da boa-fé de outros
(Lafaiete – op. cit. § 43)‟”.
“Publicidade absoluta, a do sistema da nossa legislação, tendo por objetivo e intuito
a honestidade das transações e ampara o crédito em geral; como em França os registros são
feitos para ficar à disposição do público e pelo pedido de certidões não estão os que neles
têm interesse à mercê dos oficiais.”
“O direito de examinar os livros dos registros e o de pedir certidões dos atos
inscritos tem a presunção legal do interesse legítimo, que dispensa a sua justificativa
(Provimentos, vol. III, págs. 27 a 36).
187 – Como corolário da publicidade o art. 84 do decreto 370 prescreve que
„sempre que houver inscrição, transcrição ou averbação posteriores ao ato cuja certidão se
pede, as quais por qualquer modo o alterem, o oficial é obrigado a mencionar nesta, não
obstante as especificações do quesito, essas circunstâncias sob pena de responsabilidade
pelas perdas e danos decorrentes da certidão ob ou sub-reptícia‟.
188 – Sobre a vida da inscrição hipotecária é interessante apreciar os limites de
duração, que têm de alguma sorte variado; pedimos vênia para inserir um artigo escrito a
respeito:
189 – O Código Civil, tratando da hipoteca legal,
declara que a inscrição vale enquanto perdura a obrigação, se
a especialização for renovada no fim de 30 anos (art. 830244
),
mas, para a hipoteca convencional, manda aplicar o preceito
geral do art. 817245
, que exige para a „subsistência do contrato
novo título e nova inscrição, sendo então mantida a
precedência conquistada.
Foi evidentemente infeliz a adoção desse preceito
modificativo das disposições das leis hipotecárias anteriores,
que declaravam depender de simples „renovação‟ o
validamento da inscrição por outro período de 30 anos, como
se procede em toda a parte.
244
Art. 1498 do Novo Código Civil de 2002. 245
Art. 1485 do Novo Código Civil de 2002.
Não se trata de um caso de prescrição, porque, a da
hipoteca, dada a feição adjetiva desse instituto no direito
pátrio, segue, como acessório, a da obrigação principal, mas
de perempção da inscrição no registro, verdadeiro prazo
extintivo, sem dependência de causas suspensivas ou
interruptivas; entretanto, praticamente a perempção influirá
sobre a prescrição, pois que, verificando-se „a contar do
contrato‟, muito mais cedo do que esta, só „iniciada no
vencimento da obrigação‟, virá forçosamente anular as
garantias do crédito hipotecário, tornando-o simplesmente
quirografário.
Daí a necessidade de uma providência que, unificando
os prazos da prescrição e da perempção do registro, viesse
pôr o privilégio a salvo de uma extinção antecipada e ruinosa
para o credor: facilmente achada pela lei de 1864, como pelo
direito estrangeiro, na „renovação de inscrição‟, foi
inexplicavelmente substituída, com vimos pela exigência de
„novo título‟ e „nova inscrição‟, embora se tivesse mantido a
boa prática para as hipotecas legais.
E onde a inconveniência da nova medida?
Simplesmente em que a inscrição, sendo ato de
conservação de direito, cabe por excelência ao credor, como
principal interessado, independente de ação ou anuência do
devedor, que, caso exigidas, viriam colocar aquele sob o seu
exclusivo arbítrio; reconhecida ainda a conveniência de se
renovarem as inscrições dentro de um certo limite para
facilitar as buscas, logicamente deveria ainda caber ao credor
o exercício exclusivo dessa providência acautelatória, mas
nunca sujeitá-lo à vontade do devedor como no caso de um
novo título. E se o devedor tiver caído em incapacidade para
criar um novo título, como no caso de falência?
O grande mestre Clóvis Bevilaqua (Comentários, vol.
3o, pág. 398), argumenta que, no fim de 30, os contratos
perdem sua eficácia e as ações, que deles se originam
extinguem-se pela prescrição, mas não é tanto assim, porque
a prescrição só corre do vencimento da obrigação, o que se
pode dar após, 20, 25, 30 ou 40 anos da data do contrato e
prolongando-se até indefinidamente pela superveniência de
causas suspensivas ou interruptivas, como nota Lafaiete
(Direito das Coisas, parágrafo 249, n. 4).
A prevalecer o novo preceito o prazo da hipoteca tem
que ser bem inferior a 30 anos para dar tempo a execução do
imóvel antes de extinto o ônus, pois a tanto vale colocá-lo
sob a vontade plena do devedor em assinar novo título; e
deve haver cautelosa antecedência para chegar no prazo até o
depósito do preço da arrematação, termo por todos apontado
como ultimador dos efeitos da hipoteca.
O verdadeiro princípio é, pois, o consignado no art.
830246
quanto à especialização das hipotecas legais, que
valem durante toda a vida da obrigação que as gera, já sem
falar na imprecisão da técnica do art. 817247
, que manda conta
os 30 anos da data do contrato e não da inscrição, verdadeiro
ato iniciador do ônus real.
Em França, a obrigação de „renovar a inscrição e não
o título‟é decenal pela maior dificuldade das buscas, em um
sistema de registro exclusivamente orientado pelos nomes
dos titulares dos direitos reais, sem referência aos imóveis,
como entre nós; contudo, para as hipotecas do Credit Foncier
foi dispensada a renovação periódica.
246
Art. 1498 do Novo Código Civil de 2002. 247
Art. 1485 do Novo Código Civil de 2002.
A nossa lei anterior, adotando o bom princípio com a
declaração de que permaneceria a precedência do ônus, se
não houvesse interrupção entre a 1a e 2
a inscrições, todavia
manteve as sociedades de crédito real (decreto n. 370, de
1890, art. 215), uma exceção injustificada, porquanto assim
anulava, pela dispensa de uma fácil formalidade, a grande
conveniência da perempção do registro – limitar as buscas
muito antigas, abandonando-se os livros remotos e
cancelando-se automaticamente inscrições de hipotecas já
extintas de fato e não averbadas pela inércia das partes
interessadas.
A perempção, pois, no regime anterior nunca poderia
constituir causa extintiva da hipoteca, como atualmente,
porque mesmo viesse a renovação fora do prazo, adquiria
aquela novo número de ordem, sem novo título, mas apenas
por novos extratos feitos pelo credor, podendo talvez manter
a situação privilegiada anterior se no interregno não fosse
inscrito outro ônus.
Aliás, os mesmos princípios devem ainda vigorar, em
face dos imprecisos termos do art. 817; ainda que haja novo
título (hipótese difícil para a tolerância do devedor), a
precedência só deve ser mantida, se a inscrição for feita
„ante‟ de findos os 30 anos.
Outra ressalva deve se fazer à primeira parte do art.
817, que permite a prorrogação da hipoteca até 30 anos por
simples averbação a requerimento das partes – é que tal
prorrogação não pode prejudicar direito de terceiros também
inscritos posteriormente, como seria o caso do segundo
credor, obrigado a aguardar, nos termos do artigo 813248
, o
vencimento da primeira hipoteca, mas nunca o da
248
Art. 1477 do Novo Código Civil de 2002.
superveniente prorrogação, sob pena de se inutilizar todo o
sistema de publicidade rigorosa dos ônus pelo registro, como
todos os característicos de tempo, valor e individuação do
imóvel garante.
Se na própria França, em que as dificuldades são
maiores, se considera a temporariedade da inscrição como um
pis aller, que a aspiração unânime dos tratadistas intenta
modificar (v. g., Guillouard – Des privileges et hipoteques,
vol. 4o, parágrafos 1353-5), como é que no Brasil vamos
inexplicavelmente retrogradar?
Conseqüências mais sérias poderá ainda gerar o atual
art. 817249
, oriundo aliás do art. 1711 do projeto Coelho
Rodrigues, se for entendido literalmente, pois declara que
„não subsiste o contrato de hipoteca‟, findos os 30 anos – será
somente a inscrição, e com ela o ônus real, ou desaparecerá
todo o contrato, inclusive a obrigação principal, que nem
como quirografária restaria? Patente seria o absurdo da última
hipótese pela subversão de todos os princípio que regem as
obrigações e especialmente os seus modos de extinção
criando-se um insólito prazo extintivo para as obrigações
garantidas por hipoteca.
Eis a que extremos pode chegar a imperfeição desse
artigo do Código, em que forma inexplicável – „contrato de
hipoteca‟, desafiando os princípio da hermenêutica até uma
reforma, que urgentemente se impõe.
190 – O artigo 860 do Código dispõe que „se o teor do registro de imóveis não
exprimir a verdade, poderá o prejudicado pedir que se retifique‟; Clóvis comentando-o,
refere-se à ação anulatória do registro, não tendo oficial competência para fazer qualquer
modificação, senão à vista de sentença proferida por juiz competente.
249
Art. 1485 do Novo Código Civil de 2002.
Já o regulamento 370 previa que nos casos de nulidade de registro o oficial não
poderia repará-las (art. 10, § único, 212, 214 e 256) e os terceiros adquiriam o direito de
invocá-las a seu favor (art. 84).
Mas sempre era possível fazer novo registro, o qual só valeria desde sua data (art.
104 e 105) – nunca pode retroagir, limitando-se a projetar seus efeitos para o futuro, pois os
atos intermediários não convalescem com a retificação.
Clóvis, ainda de acordo com o elemento histórico, que suprimiu a referência à ação
competente (Trabalhos – 2a. ed., vol. 1, pág. 479) acrescenta que se houver acordo entre as
partes, podem estas apresentar-se ao oficial e sem dependência de ação pedir a retificação,
sendo claro que vigorará o mesmo princípio restritivo acima exposto em relação a terceiros.
Essas conclusões foram já aplicada pelas Câmaras Reunidas da Corte de Apelação
em notável decisão a que já nos referimos: „o mais ligeiro exame patenteia que aos Juízes
falece competência par andar administrativamente cancelar, emendar e alterar transcrições
de imóveis.
„O regime assenta na intangibilidade do registro (Rev. de Direito, v. 62, pág. 309).
191 – Para os lapsos de forma, todas legislações admitem uma corrigenda expedita
(Clóvis, v. 3, pág. 446 – Azevedo Marques, A hipoteca, pág. 122); podem ser feitos de
officio, mas sempre respeitados os direitos anteriores.
Art. 11 Fica o Presidente da República autorizado:
a) a consolidar todas as disposições relativas à organização destes
registros, conforme a legislação vigente, e no regulamento de expedir
estabelecerá a ordem, modo do processo estabelecido na legislação
federal com as modificações feitas pelo Código Civil e modelo para
escrituração dos respectivos livros;
192 – A lei autoriza o pode Executivo a fazer uma consolidação, reunindo e
modificando os diversos regulamentos vigentes sobre cada um dos registros, de que cogitou
a presente lei.
Isso não impede que a lei comece a vigorar nos prazos legais em tudo que não
depender da regulamentação (Clóvis Bevilaqua – Comentário ao art. 2o da Introdução do
CódigoCivil, v. 1, pág. 94).
193 – Sobre a organização dos livros é de todos recomendável em relação, por
exemplo, ao registro predial a excelente simplificação proposta pelo Dr. Lisipo Garcia (op.
cit. apêndice), que mereceu elogiosas referências de Lacenda de Almeida, Clóvis Bevilaqua
e outros notáveis juristas; é ainda interessante o que propõe a respeito dos extratos (op. cit,
pág. 338).
b) a expedir novo regulamento para execução do decreto n. 169 A, de 19
de Janeiro de 1890, observando as modificações feitas pelo Código
Civil e fazendo, no Distrito Federal, uma divisão eqüitativa das
circunscrições para os efeitos dos atos do registro geral de imóveis.
194 – O Instituto propôs a supressão da letra b, não só porque a sua matéria estava
evidentemente incluída na letra anterior, como notória era a inconveniência da parte final.
Ainda em 1921 foi feita a quinta divisão de zonas no Distrito Federal (Decreto
14881 de 19 de Março) com grandes prejuízos para os interessados e complicação para o
serviço.
Não se justifica absolutamente uma nova divisão, que irá obrigar as partes a mais
uma certidão negativa.
Sobre a legalidade da divisão do território em várias zonas para o registro
hipotecário há um interessante acórdão do Conselho Supremo da Corte de Apelação (Provs.
II, pág. 39), de cuja doutrina de poderá, entretanto, dissentir.
195 – A Faculdade de Direito do Rio de Janeiro em parecer elaborado, quando foi
da organização do Código Civil (Trabalhos, v. II, pág. 57), salientou a situação em que
podia ficar o regulamento hipotecário em face da revogação de toda a matéria atinente ao
direito civil, sem que o Código cogitasse da matéria minuciosamente; de certo, em rigor
caberia a objeção, mas em se tratando de matéria acessória e para evitar o absurdo, cremos
que até hoje ninguém sustentou a extinção daquele ato, que continua a ser aplicado, à
sombra talvez do art. 4 da Introdução do Código. É esse, porém, ainda um motivo para
aconselhar a revisão do regulamento.
Art. 12 Revogam-se as disposições em contrário.
196 – O Código, como presente lei, silenciou sobre o registro Torrens; é uma
questão interessante de conflito de leis no tempo, cuja solução se apresenta emaranhada aos
olhos do intérprete.
Obra de Rui Barbosa foram os Decretos do Governo Provisório n.os
451 B de 31 de
Maio e 945 A de 5 de Novembro de 1890, estabelecendo e regulamentando entre nós, como
caráter facultativo, o regime Torrens para definir a propriedade territorial. Precedido o
primeiro de notabilíssima exposição de motivos sobre esse sistema inventado e aplicado na
Austrália por Robert Torrens.
Infelizmente as nossas condições sociais formaram um poderoso elemento de
resistência a tão profunda reforma no regime da propriedade imobiliária por um golpe
legislativo; a dificuldade da organização do cadastro, o atraso das populações do
hinterland, a passagem das terras devolutas para o domínio dos Estados constituíam
estorvos à implantação desse regime aperfeiçoado, que assim fracassou quase
completamente.
O sistema para esclarecer, expurgar e mobilizar a propriedade territorial exige ceras
habilitações dos respectivos encarregados e pode favorecer a fraude em prejuízo de suas
incontáveis vantagens.
Foi apenas um ensaio abortado e mais um exemplo da impossibilidade de, por um
golpe legislativo, contrariar as condições do meio e as conveniências sociais, promovendo
uma reforma, para que não estávamos preparados, anda a falta e a dificuldade de cadastro e
o atraso da população do interior; as terras públicas passaram para o domínio dos Estados
Federados e o perigo da fraude era muito grande.
197 – A comissão da Câmara suprimiu na redação final de Código Civil as
referências feitas nos projetos primitivos e revisto à propriedade cadastrada, cuja
transmissão poderia ser feita por simples endosses nos títulos representativos, sendo a
regulamentação da matéria deixada a lei especial; Clóvis Bevilaqua chegou, por isso, à
conclusão de que o Código impediu a germinação da semente sobre o cadastro na forma do
sistema Torrens (op. cit., 1a ed., v. 3, pág. 458).
Em contrário, manifestou-se, porém, o deputado Mello Franco que chega a
considerar uma injúria ao bom senso do Congresso acreditar tenha ele conscientemente
suprimido o sistema Torrens (Rev. do S. T. Federal, v. 11, pág. 313).
Analogamente ao caso do regulamento hipotecário, cuja vigência a necessidade e o
bom senso advogam em face do bloco indecomponível que a escrituração e o regime devem
formar com os preceitos de ordem substantiva para absoluta uniformidade do instituto
hipotecário em todo o Brasil, como se reconhece nemine discrepante, é preciso conciliar a
categórica disposição do art. 1807, revogatória dos diplomas legislativos anteriores sobre as
matérias contidas no Código, como a do art. 4o da Introdução sobre as disposições especiais
não alteradas explícita ou implicitamente.
Assim, o intérprete que não se comprazer em suscitar abismos, tudo destruindo, será
obrigado a, ampliando o referido artigo de modo a mitigar o radicalismo do outro, verificar
com circunspeção e boa-fé, o que em leis especiais não foi alterado, explícita ou
implicitamente, como é o caso indiscutido da maioria das disposições do decreto 370 de
1890.
198 – A supressão final silenciosa e após a aprovação expressa embora não fosse
por si só elemento decisivo, seria um argumento poderoso para embaraçar a aplicação,
mesmo facultativa, do regime Torrens que, paulatinamente, fomentaria o desenvolvimento
do nosso cadastro, base para qualquer organização rel perfeita.
Mas, em matéria de direitos reais a lei é entendida restritivamente, segundo a nossa
tradição; neste caso o art. 530, não incluindo o sistema Torrens entre os modos de aquisição
da propriedade de imóveis, revogados estariam os decretos de 1890.
Não o entendeu, porém, assim o Estado do Rio de Janeiro que regulamentou o
regime Torrens em seu território de acordo com os decretos do Governo Provisório de 1890
(lei 1223 de 26 de Fevereiro de 1914 e regulamento 1621 de 14 de Julho de 1918), sob o
protesto, embora um dos mais conspícuos membros de sua magistratura, o Dr. Zotico
Batista (Jornal do Comércio de 29 de Setembro de 1918).
199 – Um elemento inesperado veio, entretanto, resolver a questão e de um modo
valioso por mais que repugne a modificação das normas basilares do direito civil por
disposições orçamentárias, aprovadas atabalhoadamente e sem maior exame.
O que é certo é que a lei da receita para 1918, n.o 3446 de 31 de Dezembro de 1917
no art. 1o, n.
o 90, a pretexto de incluir nova rubrica tributária, orçada aliás em um
indecifrável cifrão, declarou categoricamente que a lei Torrens „está e continua em vigor‟.
Seria um ato interpretativo ou uma verdadeira alteração do Código, irregularmente
feita?
Não importa indagar, uma vez que pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
é legítima a inclusão nas leis anuais de disposição de caráter permanente e assim foi
irrecusavelmente restaurado o sistema Torrens. Oxalá possa ele preparar os fundamento do
nosso cadastro, tão necessário e valioso.
200 – Essas observações que tivemos oportunidade de fazer m artigo na Gazeta
dos Tribunais (n.o 179 de 13 de Agosto de 1921), foram aceitas pelo eminente Clóvis
Bevilaqua na segunda edição de seus comentários (v. 3, pág. 59).
O Conselheiro Silva Costa (Rev. de Direito, v. 55, pág. 450), e o acatado prof.
Spencer Vamprés (Rev. dos Tribunais, v. 43, pág. 3), impugnaram esse registro por falta de
eficácia dos atos do Governo Provisório, razão talvez frágil e que deixaria de proceder em
face da aprovação legislativa, de 1917.
O professor Lacerda de Almeida em erudito artigo parecer (Rev. do S. T. Federal, v.
58, pág. 493) acaba de sustentar esta opinião, atacando a validade do dispositivo
orçamentário, que argúi de inconstitucional.
Top Related