RELAÇÕES CONCEITUAIS
“As crianças não brincam de brincar. Ela brincam de verdade.” Mário Quintana introduz
assim um de seus poemas, quando representa em doces palavras, elementos mágicos de nossos
primeiros anos de passagem pela vida. De fato a criança não finge estar brincando. Ela vive
espontaneamente enquanto um ser brincante. Assim, representa a essência criativa, exploradora e
desafiadora do ser humano. Já, segundo Osvaldir Viegas, “gente grande é criança adulterada”, ou
seja: crescemos e perdemos essa essência brincante do ser humano nos modificando e nos
tornando sérios, confundindo seriedade com maturidade. Em um mundo cada vez mais complexo e
competitivo, este momento tem sido encurtado e o ser brincante tem tido seu brincar reduzido à
primeira infância e a poucos espaços. Destes, o que tem se popularizado é a brinquedoteca – ou
como preferimos chamar, “espaço de interações lúdicas”.
O “Espaço de Interações Lúdicas” da Oficina do Aprendiz parte de concepções práticas e
teóricas. Ambas caminham na direção de oferecer condições favoráveis para ser brincante. Assim,
os ambientes promovem e fortalecem as condições básicas para isso, em especial aos
comportamentos de flow (imersão), espontaneidade e imaginação.
Ao propor um espaço de interações lúdicas, passamos por uma série de escolhas e assim,
deixamos de lado outras possibilidades. Não acreditamos que haja um único espaço de brincar,
nem mesmo que haja a “brinquedoteca” ideal e muito menos que toda cultura da infância possa
estar representada entre quatro paredes. Contudo, sabemos que o brincar ocorre no campo real,
na interação vívida da criança com seu espaço e, assim sendo, este ambos se modificam
continuamente. Escolher como será um espaço de interações lúdicas é fruto de um longo processo
contínuo de aprendizado, que envolve nossa compreensão da infância, nosso potencial criativo
produtivo, referências estéticas acerca e o acesso as centenas de fornecedores (artesãos ou
indústrias) nacionais. Este processo continua e o mantemos em permanente aperfeiçoamento.
Neste documento, será apresentado uma proposta de layout completa que engloba
diferentes nichos de interações lúdicas.
Com materiais em madeira e tecido, os ambientes são projetados e produzidos pela Oficina
do Aprendiz. O tato nestes materiais orgânicos sintoniza a criança aos elementos da natureza e
amplia sua relação do espaço de circunscrito de brincar ao mundo externo. A estética dos materiais
preserva a relação positiva com a natureza ao explorar as cores, formas e texturas próprias da
madeira e tecido. Todas unidades passam por etapas de acabamento, dando um toque único na
experiência lúdica. As dimensões dos espaços são próprias às necessidades das crianças,
atendendo seus requisitos de acessibilidade, segurança e exploração e preservando seus espaços,
ou nichos de brincar.
Dividimos este espaço de interações lúdicas em diferentes nichos, respeitando as mais
recentes contribuições acadêmicas quanto ao tema. A circuscrição de espaços gera referências
espaciais para as crianças que as permite ter uma melhor apropriação do lugar. É vital que a criança
sinta-se a vontade para explorar o que tem ao seu entorno. Com nichos, temos a intenção de 1)
incentivar crianças a brincarem por mais tempo em cada um dos ambientes e, assim, explorá-lo
mais profundamente; 2) permitir que a criança encontre espaços compartilhados com outras
crianças e espaços para ficar mais sozinha, conforme sua vontade; 3) brincar em 1ª pessoa, sendo a
própria criança atriz no processo de brincar e 3ª pessoa, quando ela projeta nos objetos (como
bonecos, carrinhos e outros) suas ações, planos e desejos 4) preservar a organização do espaço e
dos brinquedos;.
Percebemos que favorecer a criança a explorar os diferentes papeis é fundamental em seu
brincar. Assim, ao ter um espaço próprio para representar algum papel ou para existir, em 1ª ou 3ª
pessoa, a criança pode acessar condições para aprender a aprender. Estes preceitos estão em
concordância com a diretrizes da UNICEF para o século XXI, em sua proposta de 4 pilares
fundamentais ao desenvolvimento humano por meio da educação: Aprender a conhecer, Aprender
a fazer, Aprender a conviver e Aprender a ser.
É provável que a única coisa tão importante quanto um espaço de interações lúdicas
pensado com carinho e com critérios, seja a mediação do processo de brincar. Esta ocorre nos mais
distintos âmbitos, incluindo quando se contam histórias ou se apresentam novos jogos para as
crianças em uma relação direta – ou em uma relação indireta, quando é feita a escolha dos
materiais e nichos que irão compor um espaço de brincar. Mas nenhuma mediação é tão cheia de
valores quanto àquela própria da relação intergeracional, feita de modo presencial. Ao brincar com
pais, tios, avós e outras pessoas próximas, as crianças ampliam sua rede de significados e
amadurecem sua inteligência emocional. Já os adultos têm aqui a grande oportunidade de
explorarem seu ser brincante, junto à criança e, assim, colherem os frutos do brincar.
MÓDULOS PARA COMPOSIÇÃO DE ESPAÇO DE INTERAÇÕES LÚDICAS
Este documento apresenta módulos para a composição de um “Espaço de Interações
Lúdicas” (brinquedoteca). Os módulos para a composição dos espaços para brincar foram pensados
e desenvolvidos a partir do layout lançado durante a 5ª Bienal Brasileira de Design.
Os módulos têm por base a realidade e fantasia que perpassa o brincar infantil. Foram
escolhidos: quintal, casa, biblioteca, mercado, brinquedoteca, ludoteca, teatro, fábrica, coreto,
clínica veterinária, fazenda, hospital.
Layout conceitual de brinquedoteca com aproximadamente 18x13m, lembrando que
como são módulos, podem ser escolhidos e adaptados ao espaço que se pretende. Nesta
figura representativa os módulos variam entre 3x3m e 3x6m.
Figura 1 – Layout conceitual do Espaço de Interações Lúdicas
DESCRITIVO DOS ESPAÇOS
Quintal
Figura 2 – Módulo Quintal
O espaço do quintal foi pensado para dar maior liberdade às crianças para se
movimentarem e construirem brincadeiras com materiais alternativos (caixas de papelão, garrafas
pets, tecidos entre outros). Além disso, para o espaço foram pensados materiais que favoreçam o
movimento corporal, tais como: andador pé de pau, malabares, cavalo de pau, cavalo de balanço,
chinelão, peteca, pião, elástico,bambolês, carretões, carriolas, balanços, pula-tábua e outros.
Também é indicado para este espaço um circuito de movimento composto de pontes de travessia e
túneis que buscam estimular o movimento corporal amplo.
Figura 3 – Quintal desenvolvido para a brinquedoteca do SESC Cacupé
Casa
Figura 4 – Módulo Casa
Este nicho foi organizado em um espaço circunscrito. Possui, além de uma estrutura de
madeira de reflorestamento e cercas em duas laterais, uma cobertura de tecido para criar um
espaço aconchegante onde a criança possa brincar com elementos do seu dia a dia. Para este
espaço, três ambientes: cozinha (composta de mesa, quatro cadeiras, geladeira, fogão, pia e
cristaleira), o quarto (cama, carrinho de bebê, armário e biombo) e a lavanderia (tanque, máquina
de lavar roupa, varal e tábua de passar roupa). Compõem ainda panelas, roupinhas, kit de limpeza,
bonecos e alimentos para potencializar a experiencia de imersão da criança na brincadeira.
Figura 5 – Casa desenvolvida para a brinquedoteca do SESC Cacupé
Biblioteca
Figura 6 – Módulo Biblioteca
Buscamos oferecer além de uma realidade já conhecida pela criança, uma forma de
ressignificação. Um espaço de escola convencional possui mesa e cadeira para o professor. Nossa
proposta situa o Educador em qualquer local desse ambiente, reservando para ele uma poltrona de
onde ele interage direta ou indiretamente com os educandos, ora sentado, ora circulando,
possibilitando assim a ocupação dessa poltrona por um educando. Esse ambiente que
denominamos biblioteca é compreendido como espaço do “conhecimento acumulado” capaz de
proporcionar ao aprendiz novas derivações constituindo assim um lugar especial de aprendizado.
Esse ambiente possui estante para os livros e um tapete com futtons que compõe espaço para
leitura e contação de histórias, além de mesas e cadeiras e lousa.
Outros elementos podem fazer parte deste espaço, como materiais para pintura (papel
pardo, pincéis, giz de cera), telas para bordado e teares. Indicamos também que fiquem disponíveis
para as crianças neste espaço vários brinquedos e quebra-cabeças como blocos lógicos, dominó de
alfabetização e matemática, loto leituras, jogos de memória, sequencias lógicas. Além de materiais
para inclusão de pessoas cegas (baixo relevo, alto relevo e braile), pessoas surdas (materiais com
libras) e também materiais em inglês e espanhol e outras línguas.
Figura 7 – Biblioteca desenvolvida para a brinquedoteca do SESC Cacupé
Mercado
Figura 8 – Módulo Mercado
Este ambiente também possui estrutura de pergolado feito em madeira de reflorestamento
com cercas em duas laterais, coberto com tecido. Tem o mesmo modelo de apresentar um espaço
circunscrito com aspecto mais aconchegante. O espaço teve como orientação a vivência de uma
troca comercial que as crianças experienciam junto com suas famílias e uma oporunidade para
entender a necessidade da troca e do valor que é representado, bem como questões relacionadas
ao consumo consciente.
Entre os brinquedos que compõem o espaço estão: carrinho e cestinhas para carregar as
compras; estantes simples e dupla para exposição das mercadorias; feira para organização de frutas
e legumes; geladeira com porta em acrilico; balcão do caixa; caixa registradora e sacolas
retornáveis. Além disso, as mercadorias como frutas, pão, leite entre outros. Propomos também a
utilização de notas de brinquedo para que a criança possa compreender a noção de troca entre
mercadoria e valor.
Figura 9 – Mercado desenvolvido para a brinquedoteca do SESC Cacupé
Brinquedoteca
Figura 10 - Módulo Brinquedoteca
Este espaço foi projetado com a intenção de estimular a brincadeira em 3ª pessoa. Partimos
do conceito amplo do brincar compreendido como atividade vital para o existir da criança que,
portanto, brinca em todo e qualquer lugar, servindo-se de todo e qualquer objeto, lugar e/ou
situação (representada em nosso projeto – “Espaço de Interações Lúdicas”) recriando os diferentes
ambientes que proporcionam ao brincante ser o sujeito executor das ações possíveis nesses
cenários (espaço macro).
A “brinquedoteca” aqui é compreendida como um espaço micro onde a criança projeta nos
brinquedos o eu e o outro, possibilitando uma visão a nível macro. Tanto as distancias quanto os
tamanhos apresentam uma relação diferenciada, da mesma forma que situações onde a criança
não poderia representar em 1ª pessoa ela o faz na projeção. O ambiente é pensado para apresentar
tatames ou tapetes e futtons que possam deixar o espaço mais aconchegante assim como estantes
para os brinquedos que não estão na brincadeira naquele momento.
Os brinquedos indicados para este espaço são os que possam representar uma projeção da
criança, tais como: casinhas de boneca, animais de madeira articulados, carrinhos, fazendinha,
bonecos, caminhões entre outros.
Figura 11 – Brinquedoteca desenvolvido para a brinquedoteca do SESC Cacupé
Ludoteca
Figura 12 – Módulo Ludoteca
Este espaço caracteriza-se pela utilização de materiais que possibilitem a utilização de regras
explicitas, sendo estes principalmente jogos. A criança sempre brinca por meio de regras, sejam
elas explicitas ou implicitas, sociais ou impostas por um terceiro. Assim, este espaço foi pensado
para gerar essa possibilidade, a relação entre sujeitos a partir do uso compartilhado de regras
explicitas. Neste espaço a criança encontra vários quebra-cabeças e jogos (de mesa e gigantes)
indicados para crianças entre dois e seis anos de idade.
Os materiais fisicos pensados para o espaço são duas mesas cada uma com quatro cadeiras
– podendo ser em maior número dependendo do espaço – duas estantes com nichos para a
colocação dos jogos. Os jogos variam entre jogos de equilibrio, alinhamento de peças, jogos de
coordenação motora fina, jogos de percurso, jogos de território e desafios de ordem lógica e
compreensão do todo e suas partes.
Figura 13 – Ludoteca desenvolvida para a brinquedoteca do SESC Cacupé
Teatro
Figura 14 – Módulo Teatro
O teatro instiga e provoca as crianças a apresentarem ao público tudo o que é criado
durante as brincadeiras de faz de conta. Para este módulo foi pensado dois ambientes: o palco e o
camarim.
O palco possui tablado de madeira de reflorestamento e pergolado no mesmo material. O
pergolado possui cortinas que recriam a atmosfera encontrada nos teatros, a cortina se abre para o
espetáculo começar e se fecha depois dos aplausos e durante a preparação do próximo espetáculo.
O outro ambiente é o camarim com penteadeira e espelho para a preparação de maquiagens (se
quiser ser disponibilizado), arara com fantasias e chapeus, e também fantoches para que as
crianças possam soltar a imaginação.
Figura 15 – Teatro desenvolvido para a brinquedoteca do SESC Cacupé
Fábrica
Figura 16 – Módulo Fábrica
Neste espaço os brincantes têm à disposição o kit de brinquedos do projeto Fábrica
de Idéias que permite a construção e criação de diversos brinquedos, objetos e cenários. Por meio
da conexão ou sobreposição dos blocos as crianças podem exteriorizar seus projetos e invenções.
Possi ainda uma bancada de marceneiro equipada com ferramentas. Um portal com a identificação
do ambiente e duas cercas fixas em cada lado do portal delimitam esse ambiente.
O módulo foi pensado de forma a ser agradavel tanto para adultos quanto crianças
explorarem. Composto por três futtons apoiados sobre um tablado de madeira em formato “U”,
delimitanto assim um espaço para sentar e no centro há um tapete emborrachado onde as peças
ficam dispostas.
Imagem do espaço “Fábrica de idéias” da Oficina do Aprendiz.
Coreto
Figura 17 – Módulo Coreto
Este módulo busca recriar um ambiente bem característico de praças de pequenas cidades,
servindo como um palco utilizado para apresentações musicais, discursos e encontros. O coreto é
uma peça emblemática, construída em madeira de reflorestamento e será utilizado como espaço
para organização dos instrumentos e para as brincadeiras musicais. Brincadeiras estas que buscam
estimular as crianças à percepção de diferentes sons, diferentes notas musicais e ao mesmo tempo
que os coloca em um lugar de destaque trabalhando o medo de se apresentar em público.
Compõe o ambiente vários instrumentos musicais de percussão (xilofone, pandeiro,
tambores, sinos, cuicas, reco-recos, maracas, tringulos), de sopro (apitos, harmônicas de boca) e de
corda (citaras e ukuleles) para soltar a imaginação e desenvolver o gosto pela música.
Coreto da Oficina do Aprendiz.
Clínica veterinária
Figura 18 – Módulo Clínica Veterinária
Neste ambiente a criança veste o jaleco do veterinário e pode exercitar o cuidar de animais.
Há a disposição quatro compartimentos para hospedar os animais que esperam atendimento ou
que já foram tratados. Recriando o espaço de uma clínica veterinária a criança pode cuidar de
animais alimentando a fantasia do papel de médico veterinário.
O módulo é composto por maca de procedimento, bandeja de instrumentos , balança,
lavatório e bancada com secador. Além do jaleco, estetoscópio, seringa e remédios para cuidar da
saúde dos nossos bichinhos. Indicamos alguns animais com filhotes para que possam compor o
ambiente.
Fazenda
Figura 19 – Módulo Fazenda
A fazenda sempre faz parte do imaginário infantil, seja pela experiência de conhecer animais
e plantas ou mesmo por poder estar em um ambiente não tão comum para crianças criadas na
cidade. Neste módulo levamos à criança um espaço para contato com os animais comuns da
fazenda, para assim vivenciarem por meio da brincadeira esse tipo de rotina. O contato com
sementes de variadas plantas proporcionam o reconhecimento de diferentes espécies que poderão
fazer parte do seu ambiente e da sua alimentação.
Para este ambiente teremos um galinheiro em madeira de reflorestamento com galinhas de
pelúcia além de cercas para cavalos, vacas, porcos e demais animais de fazenda, sem esquecer da
casinha do cachorro e claro, o lago com peixes e varinhas de pescar. Além disso, um “sementário”e
painel ilustrativo com imagens e informações das plantas. Incluímos um jogo que se utiliza de
sementes naturais gigantes cuja dinâmica reproduz a vida agrária.
Hospital
Figura 20 – Módulo Hospital
O cuidado também é com as pessoas. Nesse espaço a criança pode cuidar dos outros como
se estivesse em um hospital, recriamos a ideia de um consultório com as peças básicas para um
atendimento ou para um pequeno curativo. O espaço permite a criança explorar uma brincadeira
de contato e cuidado do outro ser humano.
Espaço será composto por maca e escada de acesso, biombo, mesa e cadeira do médico e
cadeira do paciente. Jaleco para o médico, conjunto de instrumentos médicos feitos em madeira,
como estetoscópio, termômetro, seringa e régua de crescimento.
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