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    Mrio Srgio Vasconcelos

    Marcelo Carbone Carneiro

    Elizabeth Piemonte Constantino(Orgs.)

    So Paulo - 2014

    1 Edio

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    Copyright Cultura Acadmica, 2014

    Editora UnespPraa da S, 108

    01001-900 So Paulo - SPwww.editoraunesp.com.br

    [email protected]

    Psicologia: reflexes sobre as relaes sujeito-objeto / Mrio SrgioVasconcelos, Marcelo Carbone Carneiro e Elizabeth Piemonte

    Constantino (organizadores). So Paulo: Cultura Acadmica, 2014.116 p. ; 21 cm.

    Inclui bibliografia.

    ISBN 978-85-7983-514-8

    1. Psicologia. 2. Relaes sujeito-objeto. I. Vasconcelos, Mrio S-

    rgio. II. Carneiro, Marcelo Carbone. III. Constantino, Elizabeth Pie-

    monte. IV. Ttulo.

    CDD: 150.1

    P9742

    Comisso Editorial e Cientfica

    Joo Batista Martins (UEL)

    Valria Amorin Arantes (FEUSP)Francisco Haschimoto (FCLAssis/UNESP)

    Jonas Gonalves Coelho (FAAC Bauru/UNESP)

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    Sumrio

    Prefcio .............................................................................................................7

    Apresentao .................................................................................................11

    Construtivismo e epistemologia gentica ...............................................15

    Mrio Srgio VASCONCELOS, Leonardo LEMOS DE SOUZA,

    Maria Elvira BELLOTTO, Marcelo Carbone CARNEIRO, Amlia

    de Lourdes MENCK e Luciane Guimares Batistella BIANCHINI

    Teoria histrico-cultural: implicaes para a psicologia.....................39

    Elizabeth Piemonte CONSTANTINO, Alvaro Marcel Palomo

    ALVES, Flavia Cristina Oliveira Murbach de BARROS e Cludia

    Aparecida Valderramas GOMES

    Representaes sociais no contemporneo .............................................55Elizabeth Piemonte CONSTANTINO, Deborah Karolina PEREZ,

    Ktia Hatsue ENDO, Lus Fernando ROCHA e Luiz Bosco

    Sardinha MACHADO JNIOR

    A vinculao do sujeito ao seu mundo: o construcionismo social ......71

    Joana Sanches JUSTO, Mrio Srgio VASCONCELOS, Jos Sterza

    JUSTO e Adriano da Silva ROZENDO

    Sobre acasos e acontecimentos: a proposta do mtodo cartogrfico.87

    Mrcio Alessandro Neman do NASCIMENTO, Tnia PINAFI e

    Wiliam Siqueira PERES

    Sobre os autores ...........................................................................................109

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    Dancing on the edgefoi o tema escolhido para o Quinto Con-

    gresso Europeu de Psicologia realizado em Dublin, no ano de 1997,

    tendo como referncia a ento recente comemorao do primeiro

    centenrio da criao do Laboratrio de Psicologia de Wundt, emLeipzig. A ambiguidade inerente ao tema propicia inmeras inter-

    pretaes, tais como as tenses entre avano do conhecimento e

    a aplicao da tecnologia dela resultante, e entre as realizaes da

    Psicologia no sculo anterior e as perspectivas no limiar do novo

    sculo e milnio, para mencionarmos apenas duas. Desse evento,

    para o qual foram convidados pesquisadores de diversas subreas

    da Psicologia para fazer um balano dos seus respectivos campos,resultou um livro organizado por Ray Fuller, Patricia Noonam Wal-

    sh e Patrick McGinley denominadoA century of Psychology. Nele, os

    organizadores avaliam que o sculo teria testemunhado um explo-

    sivo crescimento da Psicologia, mudando irremediavelmente nossa

    concepo do significado do ser humano. Por essa razo, afirmam,

    corrigindo o ttulo que deram ao livro, de que se tratou no de um

    sculo dePsicologia, mas do sculo daPsicologia.

    O sculo XX, que os autores acima referidos afirmam ser da

    Psicologia, foi avaliado pelo historiador marxista Eric Hobsbawm

    como o sculo dos extremos. De uma lado, os resultados alcanados

    PREFCIO

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    pela cincia e pela tecnologia no sculo XX certamente ultrapas-

    saram as expectativas do mais otimista visionrio do sculo XIX.

    No preciso ir longe: basta lembrar o que mudou em um sculo notransporte areo, nas telecomunicaes, no processamento da infor-

    mao, na biotecnologia, apenas para citar alguns exemplos. Toda-

    via, Hobsbawm lembra, invocando o testemunho de personalidades

    marcantes do sculo XX, que foi o sculo mais destrutivo da histria

    da Humanidade.

    Os extremos podem, tambm, ser representados pelo avano no

    domnio da natureza pelas cincias naturais e pela tecnologia, assim

    como pela imensa incapacidade da Humanidade em equacionar as

    questes humanas fundamentais. Embora no se possam imputar

    esses fracassos s cincias do homem, impossvel negar a nossa

    responsabilidade: avanamos pouco nesse campo. Ou teria a Psico-

    logia, em seusculo, contribudo decisivamente para o que Berthold

    Brecht definia como o nico objetivo admissvel para a cincia, a de

    reduzir a misria da existncia humana?

    No campo da produo de conhecimento, o crescimento do

    volume das publicaes da rea extraordinrio, tanto em termos

    mundiais, como no caso brasileiro. Nosso pas liderana absoluta

    entre as naes latino-americanas, ocupa uma posio de destaque

    no grupo dos pases do BRICS e se situa frente da maior parte das

    naes europeias quanto ao volume de publicaes indexadas. E a

    Psicologia e a Psiquiatria esto na linha de frente desse crescimento.

    No possvel, portanto, negar o imenso avano no conheci-

    mento produzido pela Psicologia nesse sculo. Todavia, para que

    possamos subscrever a tese de que se tratou do sculo daPsicologia,

    teramos de admitir que algumas das questes fundamentais da Psi-

    cologia como campo do saber e como uma tecnologia de interveno

    nas questes cruciais enfrentadas pela Humanidade no sculo quefindou teriam sido, minimamente, equacionadas.

    Ao lado das avaliaes mais otimistas, teses (polmicas) como

    a de que a Psicologia constitui uma disciplina pr-paradigmtica,

    as constataes de que ela um espao de fragmentao, as crticas

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    9Prefcio |

    com relao s insuficincias do saber psicolgico em compreender

    as novas configuraes da sociabilidade humanas, so abundantes.

    nesse terreno de polmica que se situa esta obra, Psicologia:

    reflexes sobre as relaes sujeito objeto.O livro aborda, de maneira

    bastante didtica, cinco das principais vertentes do conhecimento

    no campo da Psicologia. E indaga: possvel um dilogo entre elas?

    Em que medida abordagens tericas que partem de perspectivas

    epistemolgicas to dspares como as que encontramos na Psicolo-

    gia podem encontrar pontos de convergncia? Em que medida pode

    o psiclogo lanar mo de contributos dessas perspectivas tericas

    diversas sem resvalar no ecletismo? A estruturao do texto um

    dos seus pontos fortes: inicia situando o leitor no campo epistemol-

    gico, no qual a discusso da Psicologia se coloca, para, na sequncia,

    apresentar os rebatimentos para a Psicologia.

    Certamente, a tarefa abraada pelos autores e organizadores do

    livro, docentes e discentes vinculados Universidade Estadual Pau-

    lista Jlio de Mesquita Filho, campus de Assis, no simples. Mas ela

    no poderia ser diferente, dada a complexidade do campo em que os

    autores se movimentam.

    No tenho dvidas de que estamos diante de uma obra que tem

    uma importante contribuio a dar no tratamento da relao epis-

    temologia/psicologia e que oferece um valioso material de consulta

    para os cursos de formao em Psicologia. Nunca demais enfatizar

    que o livro trata de questes essenciais que so, muitas vezes, negli-

    genciadas nos nossos cursos.

    Gostaria, para finalizar, de ressaltar um aspecto que julgo de

    fundamental importncia: o livro que ora se apresenta ao leitor foge

    de uma tendncia corrente na academia, que se poderia denominar

    solipsismo intelectual. Eventualmente, poderemos chegar con-

    cluso de que a Psicologia inexoravelmente um campo de diversi-dade, mas no pelo caminho da intolerncia. O que este livro busca

    exatamente o oposto, ou seja, resgatar uma tradio cara academia,

    que o estabelecimento de imprescindveis espaos de interlocuo.

    Um pequeno passo, mas indispensvel no caminho de uma efetiva

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    consolidao da Psicologia, para, qui, fazer jus avaliao de co-

    nhecimento desse sculo.

    Natal, maio de 2013

    Oswaldo H. Yamamoto

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    possvel um dilogo aprofundado entre diferentes modelos

    tericos no campo da Psicologia? Distintas bases epistemolgicas

    permitem aproximaes conceituais entre teorias? A relao sujeito-

    -objeto presente em cada referencial implica em uma nica meto-dologia de trabalho? Uma pesquisa temtica emprica pode utilizar

    diferentes modelos tericos? Foram questes desta natureza, surgi-

    das nas discusses realizadas no Grupo de Pesquisa Epistemologia

    e Psicologia: processos e contextos de desenvolvimento humano, que

    despertaram nosso interesse em organizar este livro. A partir do

    confronto de ideias a respeito da relao sujeito e objeto nas dife-

    rentes abordagens psicolgicas subjacentes aos projetos de pesquisados participantes do grupo, ficamos instigados para compor uma

    obra que pudesse oferecer aos estudantes de graduao e iniciantes

    de ps-graduao elementos terico-metodolgicos fundamentais

    para o debate sobre o fazer cientfico em Psicologia.

    Nesta perspectiva, os captulos que constituem este livro foram

    elaborados num formato semelhante: comeam localizando, de for-

    ma breve, as bases epistemolgicas das teorias abordadas, para, em

    seguida, discutir as suas implicaes no campo da Psicologia, com

    destaque para os principais protagonistas dessas teorias.

    APRESENTAO

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    Assim, o primeiro captulo focaliza as vrias vertentes tericas

    que englobam o construtivismo, cujo principal representante , sem

    dvida, Jean Piaget. Na epistemologia construtivista, desde sua ori-gem na filosofia, o processo de construo do conhecimento inte-

    rativo, no cabendo a clssica distino que separa e coloca em p-

    los antitticos o sujeito e o objeto. Para Piaget, abordar o problema

    do conhecimento pressupe ultrapassar a ideia de uma adaptao

    simples e, inevitavelmente, nos remete ao problema da permanen-

    te construo de novidades e de novas possibilidades criativas. A

    atualizao de uma ao ou de uma ideia pressupe, antes de tudo,

    que elas tenham sido tornadas possveis no processo interativo entre

    sujeito e objeto. Uma novidade, na medida em que se diferencia de

    construes cognitivas anteriores, compreendida como uma reor-

    ganizao dos elementos estruturais num novo sistema de relaes

    que amplia o mbito das abstraes e do pensamento humano.

    O captulo seguinte trata da teoria histrico-cultural de

    Vygotsky, autor que, sem dvida, contribuiu de maneira significati-

    va para anlise das questes metodolgicas em Psicologia. Em seus

    escritos, ele discute a crise dos paradigmas objetivistas e idealistas,

    predominantes na cincia psicolgica do sculo XX, que produzi-

    ram as dicotomias entre interno/externo, indivduo/sociedade e,

    principalmente, entre sujeito/objeto. Baseando-se nos princpios do

    materialismo histrico e dialtico, Vygotsky viu a possibilidade de

    romper com tendncias conf litantes na compreenso do psiquismo,

    da aprendizagem e do desenvolvimento humano. Neste sentido, a

    importncia do sujeito ativo e a existncia objetiva do objeto so

    mantidas e formam uma unidade de contrrios que agem continua-

    mente um sobre o outro.

    Outra tentativa de superao dessas dicotomias apresentada,

    no terceiro captulo, atravs da Teoria das Representaes Sociaisformulada por Moscovici. A representao social, entendida como

    processo de assimilao da realidade pelo indivduo, atua como

    elemento de mediao entre o homem e a sociedade, vinculando o

    objeto a um sistema de valores, noes e prticas, conforme a viso

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    13Apresentao |

    de mundo do sujeito. Isso no significa que o sujeito passivamente

    determinado por uma representao exterior a ele, nem que a re-

    presentao moldada na mente individual. Desse modo, sujeito eobjeto formam uma relao dialtica, um processo no qual o sujeito

    ativo, reelabora o prprio objeto e o reconstri em seu sistema cog-

    nitivo, a partir de sua histria pessoal e do contexto social e ideol-

    gico em que est inserido.

    Na teoria do construcionismo social, foco do quarto captulo,

    as terminologias sujeito e objeto se completam, uma vez que no

    h supremacia de um sobre o outro. Diferentemente da teoria das

    representaes sociais, essa teoria postula que a construo de sen-

    tidos pelo sujeito acontece nas prticas sociais cotidianas e emerge

    da interao, no estando nem no polo de uma interioridade indivi-

    dual, nem no polo de determinaes objetivas. Portanto, o sentido

    uma construo social, intermediada pela linguagem e pelos siste-

    mas de significao que do sentido ao mundo. Sendo rejeitados os

    discursos universalizantes e generalizveis sobre a relao sujeito e

    objeto, os saberes sobre o objeto devem ser construdos no contato

    direto com ele, delegando-se a autoria do saber ao sujeito que narra

    a sua prpria histria.

    Em contraste aos enfoques acima abordados, o quinto e ltimo

    captulo se ocupa do mtodo cartogrfico, que prope a emergncia

    de um novo paradigma para as cincias contemporneas. Tal atitude

    abandona as intenes da cincia moderna e pretende compreender

    a relao sujeito - objeto campo social numa trade discursiva. Fica

    claro, no texto, que a pesquisa cartogrfica sempre um rizoma,

    aberto para entender o fluxo do desejo e, principalmente, do discur-

    so social que busca aprisionar a vida e, por conseqncia, o sujeito.

    Para finalizar, devemos enfatizar que os textos que compem

    esta publicao representam apenas o ponto de partida para o co-nhecimento das singularidades de cada aporte terico aqui discu-

    tido. preciso lembrar, ainda, que existem muitas questes sobre

    as quais no nos debruamos, mas, mesmo assim, acreditamos que

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    esta obra propicie o debate e contribua para o aprofundamento da

    pesquisa no campo da Psicologia.

    Elizabeth Piemonte Constantino

    Marcelo Carbone Carneiro

    Mrio Srgio Vasconcelos

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    O termo construtivismo tem sido utilizado em diferentes reas

    do conhecimento e carrega consigo aquecidos debates epistemol-

    gicos no campo da filosofia, histria da cincia, fsica, psicologia,

    sociologia, literatura e artes. Possui variaes em suas definies eem algumas reas chegou a alcanar dimenso de sistema terico-

    -metodolgico. Embora na atualidade o uso do termo seja frequente,

    a ideia construtivista no nova. Perpassa discusses desde a Gr-

    cia antiga e, em sua concepo mais abrangente,traduz uma viso de

    mundo e realidade retratada na relao entre sujeito e objeto.

    No teatro, por exemplo, o construtivismo caracterizou-se como

    uma nova forma de representao esttica. Representou o rompi-mento com o naturalismo divino, propondo um estilo de cenogra-

    fia e encenao que, no palco, se materializa em gestos e estruturas

    tridimensionais formada por praticveis, escadas, caixas, andaimes,

    manequins etc., expressivamente simplificadas, por meio das quais

    se objetivava a abstrao e estilizao do real. O teatro construtivista

    difundiu-se em vrios pases e muitos atores e teatrlogos assumi-

    ram essa esttica. Entre os mais conhecidos esto Meyerhold, Tairov,

    Construtivismo e epistemologia gentica

    Mrio Srgio VASCONCELOSLeonardo LEMOS DE SOUZA

    Maria Elvira BELLOTTOMarcelo Carbone CARNEIRO

    Amlia de Lourdes MENCKLuciane Guimares Batistella BIANCHINI

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    Bauhaus, Kantor, Schlemmer e outros1. Tadeusz Kantor (1915-1990),

    artista polons, referindo-se a esse movimento expressou-se da se-

    guinte maneira:

    o construtivismo reivindicava a emancipao da

    arte das rdeas da reproduo naturalista da vida.

    Tal emancipao era a condio necessria para

    criar uma obra autnoma, independente, uma cria-

    o no mesmo nvel hierrquico da natureza, ou de

    Deus. A obra humana e no a obra da natureza ou

    obra divina. (KANTOR, 1993, p. 30).

    Nas artes plsticas o construtivismo se constituiu num movi-

    mento semelhante ao do teatro e, no incio, tendo como principal

    protagonista Vladimir Tatlin (1885-1953), se desenvolveu princi-

    palmente entre artistas russos no perodo revolucionrio da extintaUnio Sovitica. Ganhou notoriedade pela disposio rigidamente

    formal do espao, das massas e dos volumes e pela utilizao de

    materiais e tcnicas industriais modernas (plsticos, metal, vidros,

    etc.). No cinema, tambm da Rssia, o nome de maior destaque foi

    Serguei Eisenstein (1898-1948), diretor da obra prima O Encouraa-

    do Potemkin(1925). Sua cmera filmou fatos cotidianos assim como

    eles se apresentavam, num sentido de urgncia e especialmente deimprevisto. Defendia a necessidade do registro das imagens sem que

    o processo de filmagens interferisse no comportamento natural des-

    sa realidade, isto , os fatos do cotidiano precisavam ser filmados

    sem destruir a espontaneidade do registro. Como tcnica, explorava

    1 No Brasil, nas artes, o construtivismo no se constituiu num movimen-to artstico articulado, mas ganhou flego entre os concretistas. No te-atro e no cinema, alguns diretores como Jos Celso Martinez Correa,Amir Haddad, Glauber Rocha, vez ou outra, foram denominados cons-trutivistas.

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    profundamente o contraste de imagens para expressar a realidade

    histrica.

    O construtivismo sovitico, em suas vrias modalidades, in-fluenciou artistas, escritores e educadores em todo o mundo. Tam-

    bm ganhou notoriedade atravs de trabalhos e instalaes crticas

    e reflexivas confeccionadas com metais e sucatas, nos quais a juno

    de vrias peas de diferentes utilidades articulava-se em um novo

    significado (VASCONCELOS; MELLES, 2004). Nessa perspectiva, a

    utilizao de sucatas coloca a pessoa em contato com objetos descar-

    tados, com possibilidades de resignific-los por meio de sua prpria

    ao. As partes resignificadas tornam a formar uma nova totalidade.

    A arte com sucata traz consigo o elemento da transformao: era sig-

    nificado, deixou de ser e ser significado. A sucata pode permane-

    cer com aspecto de lixo, de amontoado, de cacarecos misturados e

    confusos de serem distinguidos. Mas pode tambm, mediante o ato

    criativo, dar origem a novos objetos expressivos. A novidade deses-

    truturada (sucata) provoca o espanto e o desequilbrio instigando

    o novo fazer. Procura-se a superao, expresso da construo do

    conhecimento e de novas estruturas. A sucata inclui o objeto des-

    manchado rumo a uma nova ordem, no desvencilhada do real, mas

    a ordem humana da construo simblica e do pensamento.

    A abrangncia do termo construtivismo perpassou discusses

    epistemolgicas e posicionamentos sobre os mistrios do processo

    criativo e do conhecimento humano. Dessa forma, inclu a discusso

    filosfica e cientfica e, em tais esferas, de um modo geral, dois prin-

    cpios podem ser anunciados. Em primeiro lugar, que o construtivis-

    mo, em sua diversidade de interpretaes, traz uma regularidade de

    significado, pois sempre aparece como uma construo e inveno

    humana. Em segundo lugar, concebe o sujeito e objeto como entida-

    des interdependentes.

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    Na filosofia e na cincia

    Na histria da filosofia no possvel afirmar com preciso,

    quando o termo construtivismo comeou a ser utilizado. Prez

    (1996), afirma que o primeiro construtivista foi Protgoras. Nascido

    aproximadamente no ano 490 a.C., Protgoras viveu em Atenas e

    na Siclia. Chegando a Atenas em 444 a.C., ganhou aprecivel fama

    como mestre sofista. Dedicou-se ao ensino de jovens baseado na arte

    do discurso persuasivo, exercitando as tcnicas de arguir a favor das

    duas faces de um mesmo argumento. Num ambiente acostumado a

    ouvir que a verdade, produzida por deuses, era eterna e imutvel,

    exps provocativamente a frase com a qual inicia seu texto Sobre a

    Verdade, dizendo: O homem a medida de todas as coisas: das coi-

    sas que existem, como existentes; das coisas que no existem, como

    no existentes (PROTGORAS apud PREZ, 1996, p. 27).

    Para um mundo cuja tradio intelectual considerava comofato as essncias permanentes, Protgoras provocou uma ruptura ao

    apresentar uma proposta na qual o homem o nico responsvel

    por suas ideias. Surge, assim, pela primeira vez, uma formulao do

    homem como construtor da realidade e uma proposio no deter-

    minista relativa origem, ao sentido e ao valor do conhecimento

    para os homens, j que a verdade somente aquilo que se manifesta

    ante a conscincia, nada em si e para si, pois tudo contm uma ver-dade relativa (PROTGORAS apud PREZ, 2002, p. 4).

    Com um olhar que antecipa os pressupostos do iluminismo e da

    ilustrao do sc. XVIII, Protgoras nega toda a autoridade externa,

    os orculos, os mitos e lendas hericas para impor os direitos do

    pensamento. Enfatiza que nada que sustenta o pensamento tem sua

    origem na vontade divina. Tal posio denota responsabilidade e

    conscincia humana no ato de pensar e est relacionada com ques-tes e relaes sociais, que inevitavelmente envolvem as interaes

    como ponto de partida de constituies de pensamentos, persuaso

    e conflitos.

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    Ainda no perodo de ascenso das ideias gregas podemos encon-

    trar outros pensadores precursores do construtivismo. Na escola fi-

    losfica do ceticismo2, fundada por Pirrn de Elis (360-270 a.C.), foiproposto, pela primeira vez, de forma sistemtica, um conjunto de

    argumentos para se questionar a possibilidade de um conhecimento

    totalmente absoluto. Entende-se por ceticismo a dvida radical sobre

    o conhecimento verdadeiro. Pirrn de Elis considerou fracassado o

    propsito de se fixar um critrio firme para determinar a verdade

    ou a falsidade das coisas. Sua crtica ao objetivo e ao absoluto se

    apoia na ideia de que os homens so incapazes de conhecer os obje-

    tos fora dos limites de sua percepo sensorial, pois esta no garante

    uma apreenso das coisas tal qual elas so. A percepo revela o que

    parece, mas no se tem jamais o testemunho direto do que .

    Von Glasersfeld (1996b), psiclogo e filsofo protagonista de

    uma corrente atual de pensamento que denomina de construtivismo

    radical3, fez as seguintes consideraes sobre o ceticismo:

    Os cticos sustentavam que o que chegamos a co-

    nhecer passa por nosso sistema sensorial e o nosso

    sistema conceitual, e nos brinda com um quadro

    ou uma imagem verdadeira de um mundo externo;

    o que vemos visto de novo, atravs de nosso sis-

    tema sensorial e nosso sistema conceitual. Fomos

    apanhados, pois, num paradoxo. Queremos acre-

    ditar que somos capazes de conhecer algo sobre o

    mundo externo, mas jamais poderemos dizer se tal

    conhecimento ou no verdadeiro, j que, para es-

    tabelecer esta verdade, deveramos fazer uma com-

    parao que simplesmente no podemos fazer. No

    2 H uma multiplicidade de concepes cticas, nos restringiremos as te-ses fundamentais do ceticismo pirrnico.

    3 Mais adiante faremos algumas consideraes a respeito do construtivis-mo radical.

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    temos maneira de chegar ao mundo externo seno

    atravs de nossa experincia dele; e, ao ter essa ex-

    perincia, podemos cometer os mesmos erros; por

    mais que o vssemos corretamente, no teramos

    como saber que nossa viso correta. (VON GLA

    SERSFELD, 1996b, p. 77).

    Para os cticos, a natureza das coisas no pode ser conhecida;

    no existe uma natureza slida essencial para decidir sobre a certezado conhecimento. Os juzos sobre a realidade seriam construes e

    convenes, baseadas em sensaes mutveis. Anuncia-se a neces-

    sidade de no se considerar verdadeiros os juzos formulados sobre

    as coisas, pois so relativos aos modos que temos de perceb-los.

    Vrios sculos depois, no sc. XVIII, Gianbattista Vico (1686-

    1744) reivindica um valor maior para as manifestaes das fantasias

    mentais e do pensamento que no pretende a objetividade. Destacaque o valor do conhecimento est no saber humano e em sua cons-

    truo. Afirma, ainda, que (...) a verdade humana o que o homem

    chega a conhecer ao constru-la, formando-a por suas aes (VICO,

    1961, p. 38). Nessa perspectiva a cincia o conhecimento das ori-

    gens, das formas e da maneira com a qual foram feitas as coisas. Sob

    o princpio de que s podemos conhecer aquilo que criamos, Gian-

    battista Vico separa o conhecimento divino do conhecimento hu-mano. O ato de criar e de constituir algo o que permite chegar ao

    domnio dos elementos que tornam possveis o conhecimento. Para

    Vico, o conhecimento decididamente uma construo humana.

    Ainda no sc. XVIII, Immanuel Kant (1724-1804) elaborou uma

    teoria4que busca a compreenso de elementos envolvidos na cons-

    truo do conhecimento. Buscando desvendar a relao desses ele-

    4 A discusso sobre o Conhecimento em Kant aparece nos seguintes tex-tos: na Dissertao de 1770, na 1. edio da Crtica da Razo Pura(1781),nos Prolegmenos(1783) e na 2. edio da Crtica da Razo Pura(1787).

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    21Construtivismo e epistemologia gentica |

    mentos, indaga: na relao do sujeito com as coisas (objetos), como

    conhecemos?

    A contribuio da experincia inegvel na teoria do conheci-mento de Kant, no entanto, para o autor, o sujeito que organiza os

    dados externos (construo) e estabelece relaes que possibilitam

    o conhecimento. O projeto crtico de Kant consiste em substituir a

    ideia de uma harmonia entre o sujeito e o objeto (acordo final) pelo

    princpio de uma submisso necessria do objeto ao sujeito, pois a

    faculdade de conhecer legisladora.

    Para Kant o conhecimento uma construo das faculdades

    da mente que organizam os objetos. Portanto, deve-se abandonar a

    busca da essncia dos objetos e procurar investigar as condies do

    conhecimento no sujeito, quer dizer, os objetos devem gravitar em

    torno das formas a priori5do sujeito. Todo o nosso conhecimento

    inclui a experincia, pois este desperta a faculdade da mente para

    o exerccio e funciona como matria-bruta das intuies sensveis.

    Mas, nem por isso se inicia na experincia, pois as faculdades da

    mente organizam os objetos segundo formas apriori. Portanto, no

    a nossa percepo sensvel que se regula pela natureza dos objetos

    e no nosso intelecto que se deve regular pelos objetos para extrair

    os conceitos, mas so os objetos que se regulam pelas formas inter-

    nas ao sujeito.

    No sc. XIX ganharam foras orientaes filosficas antagni-

    cas aos pressupostos que valorizavam o papel do indivduo na cons-

    truo do conhecimento, e que serviram de base para correntes

    cientficas modernas e objetivas. O positivismo de Auguste Comte

    (1798-1857), por exemplo, serviu de referencial para o objetivismo

    psicolgico de John B. Watson (1878-1958)6. A maioria das cincias

    5 A priori significa anterioridade cronolgica (anterior experincia) elgica (condio necessria para que algo seja).

    6 O sistema de psicologia objetiva, denominado por Watson de behavio-rismo, desejava aplicar as tcnicas e os princpios da psicologia animalaos seres humanos. A esse aspecto positivo do behaviorismo foi dado o

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    22 | Psicologia: reflexes sobre as relaes sujeito-objeto

    que se ancoraram nos pressupostos positivistas se disps a reconhe-

    cer e a compreender o mundo em seu carter objetivo, independen-

    te do sujeito. Essa forte tendncia sustentou-se em paradigmas queviam a possibilidade de uma epistemologia cientfica livre de qual-

    quer contaminao subjetiva7.

    Contudo, desde o final do sc. XIX, tal posio tem sido muito

    contestada, pois exterminar o sujeito tornar impossvel a obser-

    vao e o conhecimento. Os filsofos Willian James (1842-1910) e

    John Dewey (1859-1952), criticando a objetividade absoluta, se per-

    guntavam como as coisas se tornaram reais para as pessoas. Mesmo

    considerando as devidas diferenas entre as ideias desses dois pensa-

    dores, conhecido que ambos propunham que toda distino entre

    o real e o irreal se baseava em atividades mentais ativas. Destacaram

    que possvel pensar de maneira diferente um mesmo objeto e valo-

    rizaram o fato de que possvel eleger, por interesse, uma dessas ma-

    neiras de pensar e desejar outras. Dewey, por exemplo, argumentava

    que o ser humano tinha interesses profundos e interesses superfi-

    ciais; o interesse era sempre o sinal de alguma capacidade subjacente

    que deveria ser interpretada e utilizada8. James (1889) dizia que cada

    mundo real sua maneira, mas sua realidade desaparece quando

    desaparece a ateno.

    Longe de estarmos afirmando que James e Dewey se enquadram

    em qualquer denominao construtivista contempornea, o fato

    nome de behaviorismo metodolgicoou emprico. O seu principal pontometodolgico se fundamentou na insistncia da primazia do comporta-mento (behavior) como fonte dos dados psicolgicos.

    7 Desde essa poca iniciou-se uma longa discusso que culminou em con-fuses extremas como, por exemplo, a associao irredutvel de objeti-vidade com neutralidade.

    8 As ideias de Dewey tinham como referncia o pragmatismo de WilliamJames. A noo de interesse conservou lugar de primeiro plano na hist-ria da educao, principalmente no denominado Movimento da EscolaNova que se desenvolveu em vrios pases no final do sc. XIX e inciodo sc. XX.

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    23Construtivismo e epistemologia gentica |

    que ambos valorizaram ainda mais o sujeito exaltando a ideia de

    atividade. Nesse sentido, ideia de construo individual adicio-

    nada a ideia de sujeito ativo, que mais tarde, no incio do sc. XX,ganharia mais destaque, no campo da psicologia, atravs de dou-

    ard Claparde (1961) em suas pesquisas sobre psicologia gentica e

    pedagogia experimental, e depois atravs da epistemologia gentica

    de Jean Piaget.

    O socilogo construtivista Alfred Schutz, simpatizante das

    ideias de William James, ao expor sua concepo de conhecimento,

    afirma que:

    [...] todo nosso conhecimento do mundo, tanto no

    sentido comum como no pensamento cientfico,

    supe construes, quer dizer, conjuntos de abs-

    traes, generalizaes, formalizaes e idealiza-

    es prprias do nvel receptivo de organizao do

    pensamento. Em termos estritos, os fatos puros e

    simples no existem. O que constitui a realidade

    no a estrutura ontolgica dos objetos, mas a in-

    terao entre os sujeitos e esses objetos. (SCHUTZ,

    1978, p. 35).

    Recentemente na rea das cincias exatas, bastante receptiva aodebate que envolve a questo da objetividade e subjetividade no fa-

    zer cientfico, o construtivismo tambm se faz presente. O matem-

    tico, fsico e ciberntico austraco Heinz Von Foerster (1911-2002),

    estimou que uma iluso peculiar de nossa tradio ocidental, presa

    na objetividade, pretender que as propriedades do observador no

    entrem nas descries de suas observaes. Este autor, que no cam-

    po da fsica reconhecido como um pensador construtivista tem,por reiterada vezes, insistido que a objetividade a iluso de que

    as observaes podem fazer-se sem um observador (VON FOERS-

    TER, 1991 apudWATZLAWICK & KRIEG, 1994, p. 19).

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    24 | Psicologia: reflexes sobre as relaes sujeito-objeto

    Paul Watzlawick (1921-2007), psiclogo e filsofo, ao analisar o

    problema das relaes entre subjetividade e objetividade, no campo da

    comunicao, apontou uma diferenciao entre uma realidade de pri-meira ordem e uma realidade de segunda ordem. Conforme essa di-

    ferenciao, na primeira ordem esto os objetos fsicos com suas pro-

    priedades, o sentido, o significado e o valor que lhes atribumos. Na

    segunda ordem j existem critrios objetivos e a realidade de segunda

    ordem constituda de processos de comunicao mais complexos

    (WATZLAWICK, 1981, p. 149). Para esse autor, de um enfoque causal

    e linear, passamos a um tipo interacionista, circular e sistmico.

    As anlises feitas por Watzlawisck o levaram a afirmar que, em

    termos gerais, no devir cotidiano, os homens no so conscientes

    dos processos de construo da realidade. Para o autor:

    o construtivismo moderno analisa aqueles processos

    de percepo, de comportamento e de comunicao,

    atravs dos quais nos inventamos propriamente e

    no encontramos como ingenuamente supomos

    nossas realidades individuais, sociais, cientficas e

    ideolgicas. (WATZLAWICK, 1981, p. 123).

    De um modo geral, o construtivismo ganhou distintas conota-

    es em diferentes pocas e reas, mas manteve certa regularidadeconceitual sobre a valorizao da atividade do sujeito e a tendncia

    interacionista nas relaes sujeito objeto.

    Talvez a forma mais direta de corroborar o esprito das ideias

    filosficas nomeadas como construtivistas tenha sido expressa por

    Gregory Bateson (1904-1980) na rea da epistemologia da comuni-

    cao ao afirmar que a realidade coisa da f (1972, p. 9). F no

    sentido de criao humana, pois para Bateson no h dvida de que a interveno humana que outorga existncia realidade. A ideia

    de que a realidade est ali, sem depender do sujeito, no tem lugar

    em seu referencial construtivista.

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    25Construtivismo e epistemologia gentica |

    Na psicologia

    No campo da psicologia, o trajeto do termo construtivismo no

    foi diferente, pois vrios modelos tericos so denominados cons-

    trutivistas. Nas ltimas dcadas, ganhou destaque o construtivismo

    radical, expresso difundida pelo filsofo e psiclogo Ernest von

    Glasersfeld (1996b)9. Para esse autor, radical em sua recusa em fo-

    calizar outra coisa que no seja os modelos construdos pela mente

    humana, sempre existe uma interdependncia entre o observador e

    o mundo observado, mas essa relao, necessariamente, uma ela-

    borao cognitiva do sujeito. A esse respeito, Von Glasersfeld (1996b,

    p. 34) comenta que o construtivismo uma teoria do conhecimento

    ativo, no uma epistemologia convencional que trata o conhecimen-

    to como uma encarnao da verdade que reflete o mundo em si mes-

    mo independente do sujeito cognoscente.

    A partir dessa premissa o autor reconhece dois princpios bsi-cos no construtivismo radical. De um lado entende que o conheci-

    mento no se recebe passivamente, nem surge meramente por ao

    dos sentidos, nem por meio da comunicao, mas construdo pelo

    sujeito cognoscente. Por outro lado, concebe que a funo da cog-

    nio adaptativa e serve organizao do mundo experiencial do

    sujeito, e no simplesmente ao descobrimento de uma realidade on-

    tolgica objetiva. Em sntese, nessa perspectiva, o construtivismo uma proposta de situar-se frente experincia.

    No sc. XX, sem sombra de dvida, duas correntes tericas fo-

    ram as que mais se destacaram com a denominao de construtivis-

    ta10. Uma foi a epistemologia gentica de Jean Piaget, a outra, para

    9 Cabe destacar que esse autor no apresenta o construtivismo radical

    como uma corrente dentro do construtivismo. Na realidade, entendeque o construtivismo radical e que essa radicalidade j se faz presentena obra de Jean Piaget.

    10 So vrias as teorias que so relacionadas como construtivistas na psi-cologia. Infinitamente maior a quantidade de pesquisadores na rea

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    26 | Psicologia: reflexes sobre as relaes sujeito-objeto

    muitos inadequadamente, a psicologia que emana das ideias de Lev

    Semenovich Vygotsky (1896-1934) e que recebeu as diferentes de-

    nominaes de psicologia scio-interacionista, socioconstrutivista,sociocultural e sociohistrica, conforme o enfoque dado pelo pes-

    quisador e/ou leitor de sua obra.

    Vygotsky, ao estudar as relaes entre sujeito e objeto, procurou

    situar essa discusso no mbito das condies histricas de consti-

    tuio do sujeito. Buscou superar tanto a viso idealista quanto o

    materialismo mecanicista que reduz o pensamento a determinaes

    empricas. A postura assumida ao abordar o estudo do conflito en-

    tre observador e observado, caminha para longe das cincias natu-

    rais e se aproxima das cincias do homem. Considera os planos da

    linguagem e da cultura como lugares privilegiados para investigar a

    mente humana.

    Do ponto de vista de Vygotsky e seus colaboradores, as pergun-

    tas relacionadas ao como ocorre o desenvolvimento do pensamento,

    devem ser respondidas levando em conta que o desenvolvimento hu-

    mano um processo e um produto social e que a aprendizagem a

    novidade prospectiva de todo esse processo. Dando intenso relevo s

    condies como a vida se processa, Vygotsky acredita que o homem

    pode se constituir enquanto sujeito de vrias maneiras, dependendo

    das situaes concretas em que vive. pela apropriao ativa, que se

    d nas e pelas interaes humanas organizadas em atividades, que

    os seres humanos se constituem como sujeitos capazes de pensar au-

    tonomamente. A maior facilidade ou dificuldade para criar, assim

    como as muitas diferenas entre os indivduos, nessa perspectiva,

    teriam origem na complexa trama de relaes que caracteriza a inte-

    rao e a participao de diferentes grupos na vida social e no modo

    de fazer parte da cultura.

    da psicologia e da educao. Porm, neste captulo, no nossa intenonomear todas e todos ou fazer um estudo comparativo entre suas ideias.No entanto, enquanto teorias, no poderamos deixar de mencionar osnomes de Henry Wallon e a Teoria da Ao Simblica de Ernst Boesch.

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    Portanto, como vimos, o construtivismo engloba diferentes re-

    as e vertentes tericas que garantem essa denominao por tratarem

    a realidade remetendo-a ao sujeito e suas interaes com o objeto.Nessa vertente, o processo de construo do conhecimento tambm

    se faz interativo e no cabe na clssica distino que separa e coloca

    em plos antitticos o sujeito e objeto. A objetividade, como era com-

    preendida por muitos, ficou fragilizada e a realidade um resultado

    de autoria que, necessariamente, passa pelo sujeito. E, nessa perspec-

    tiva, sem dvida, Piaget formulou uma teoria que merece destaque.

    Mas, em que termos Piaget justif ica sua Epistemologia Gentica

    como construtivista? Quais conceitos esto diretamente envolvidos

    nessa nova denominao? As relaes entre sujeito e objeto na

    epistemologia construtivista piagetiana so as mesmas da epistemo-

    logia gentica?

    Da epistemologia gentica epistemologia

    construtivista11

    Os conceitos bsicos

    Jean Piaget nasceu em Neuchtel, na Sua, em 9 de agosto de

    1896 e morreu em 16 de setembro de 1980. Na primeira etapa de suavida intelectual seus interesses estiveram dirigidos para a biologia.

    11 No nosso objetivo, neste captulo, realizar um estudo sobre as in-fluncias que vrios autores, dentre bilogos, filsofos, matemticos,psiclogos, epistemlogos, etc., exerceram sobre Piaget no trajeto deconstruo de sua teoria construtivista. No entanto, cabe ressaltar, quequalquer estudo com esse propsito, no poder deixar de lado umaanlise sobre o papel que as ideias de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), Immanuel Kant (1724-1804), F. Le Dantec (1869-1917), J.M. Ba-dwim (1861-1934), E. Meyerson (1859-1931), Henry Bergson (1859-1941)e douard Claparde (1873-1940), tiveram sobre a obra piagetiana.

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    28 | Psicologia: reflexes sobre as relaes sujeito-objeto

    Em seguida se dedicou ao estudo de filosofia, lgica, epistemologia e

    psicologia. Tendo, como principal preocupao compreender como

    o ser humano constri o conhecimento, isto , como o ser humanoconsegue organizar, estruturar e explicar o mundo em que vive ela-

    borou uma teoria do desenvolvimento da inteligncia.

    Para Piaget o desenvolvimento da inteligncia ocorre por adap-

    taes nas quais as operaes intelectuais so construdas atravs

    de interaes do indivduo com o mundo externo. A criana, o ado-

    lescente ou o adulto desenvolve formas de pensar e agir buscando

    solucionar os desafios e desequilbrios colocados pelo ambiente em

    que vivem. Um sujeito diante de um problema que provoca desequi-

    lbrios capaz de reordenar suas ideias e criar novas hipteses para

    solucionar o problema.

    Piaget difunde a ideia de que o processo que leva o indivduo

    a conhecer o mundo um processo de criao ativa em que toda

    a aprendizagem se d a partir da ao do sujeito sobre os objetos.

    Um sujeito intelectualmente ativo, que constri seu conhecimento

    atravs da ao, no um sujeito que tem apenas uma atividade ob-

    servvel, mas um sujeito que compara, exclui, categoriza, coopera,

    formula hipteses e as reorganiza, tambm em ao interiorizada; o

    ato de conhecer um ato de interpretao e no apenas uma cpia

    da realidade.

    Para Piaget, a capacidade de conhecer depende de interaes e

    de operaes intelectuais que se processam em torno de estruturas

    construdas atravs de processos adaptativos interdependentes: assi-

    milao e acomodao. Assimilao a incorporao de elementos

    novos a estruturas j existentes (biolgicas ou no), e acomodao

    toda modificao dos esquemas de assimilao por influncia

    do meio. Desse modo, a assimilao e a acomodao, que ocorrem

    inicialmente com a participao dos esquemas reflexos, marcam oincio da construo das estruturas mentais e do conhecimento. As-

    sim, a adaptao do sujeito se d por equilibrao entre esses dois

    mecanismos. No se trata, porm, de um equilbrio esttico, mas

    essencialmente ativo e dinmico. Trata-se de sucesses progressivas

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    de uma equilibrao cada vez mais ampla, majorante, que possibilita

    as modificaes dos esquemas existentes a fim de atender as ruptu-

    ras do equilbrio, representadas pelas vivncias de situaes novas,para as quais ainda no existe um esquema prprio de pensamento.

    Nessa dinmica de equilbrios e desequilbrios contnuos - que

    no linear, mas sim dialtica12 - est o aspecto funcional do de-

    senvolvimento do pensamento e construo do conhecimento. A

    assimilao e a acomodao no impedem o desequilbrio, mas

    promovem a sua superao. no desequilbrio e na necessidade de

    superar-se que se encontram os aspectos de tenso e de regulao

    que levam construo do conhecimento.

    caracterstica do desenvolvimento da inteligncia, a amplia-

    o das operaes mentais elaboradas a partir da reorganizao das

    estruturas em cada fase do desenvolvimento. Isso representa, num

    plano mais amplo, a emergncia de novas capacidades em nveis e

    estdios de pensamento. Assim, o desenvolvimento mental do in-

    divduo constitui, ento, um processo que se define como um alar-

    gamento de potencialidades, numa sucesso de estgios, denomina-

    dos, por Piaget (1964), em idades aprox imadas, de sensrio motor

    (0 a 2 anos),pr-operatrio (2 a 7 anos), operatrio concreto(7 a

    11 anos) e operatrio formal (11 anos em diante). Um indivduo

    , portanto, um centro de reorganizao de seu prprio agir em dire-

    o a uma equilibrao qualitativamente superior, uma equilibrao

    majorante, que permite abstraes mais abrangentes, denominadas

    por Piaget de abstraes reflexionantes (PIAGET, 1977).

    Atravs desse processo o conhecimento humano, depen-

    dente da qualidade das interaes, se estrutura em estdios em

    direo ao pensamento lgico.

    12 A esse respeito ver PIAGET, J. et al. As formas elementares da dialtica.So Paulo: Casa do Psiclogo, 1996.

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    A travessia para o construtivismo

    Em 1950, Jean Piaget (1896-1980) publicou Introduction

    lEpistmologie Gntique. Nessa obra fez uma sntesedas pesquisas

    que tinha produzido at aquele momento sobre o desenvolvimento

    da inteligncia humana e a construo do conhecimento. Era a snte-

    se com que sonhara desde que havia iniciado seus trabalhos sobre

    psicologia (PIAGET, 1976a, p. 2). Nessa obra, raramente refere-se ao

    termo construtivismo.

    Em 1955, Piaget inaugurou, em Genebra, o Centro Internacional

    de Epistemologia Genticaonde desenvolveu um trabalho interdis-

    ciplinar e transdisciplinar com pesquisadores de vrios pases. Nes-

    se Centro, pouco a pouco, foi encontrando pesquisadores que, por

    outros caminhos, compartilhavam suas ideias. Eram, fsicos, mate-

    mticos, bilogos, socilogos, antroplogos, qumicos, literatos etc.,

    que viam o conhecimento como resultado de um sistema complexo,

    construdo na ao do sujeito sobre o meio, expresso na interao

    ativa entre sujeito e objeto e que possui suas razes e origem nos

    esquemas construdos progressivamente desde as primeiras aes

    sensrio-motoras. Tecendo crticas a outras epistemologias13, prin-

    cipalmente ao positivismo lgico, que valorizava o conhecimento de

    um objeto indiferente s interpretaes do sujeito, esses pesquisado-

    res adotaram uma perspectiva de investigao que no privilegiava ocontrole e a excluso de variveis, mas sim a interdependncia entre

    dados, o espao e o tempo, o caos e a ordem, o conhecido e o des-

    conhecido num sistema. Tais aspectos eram, agora, tratados como

    parte integrante do mesmo todo (MACEDO, 1994, p. 28). Nesse

    contexto, a excluso experimental de variveis cedeu lugar mul-

    tideterminao, a generalizao especificidade ou singularidade

    temtica, a formalizao valorizao de contedos e contextos desua produo histrica (gnese e histria das cincias). No debate

    13 Uma anlise minuciosa dessas epistemologias feita por Piaget e cola-boradores no livro Logique et Connaissence Scientifique(1967).

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    31Construtivismo e epistemologia gentica |

    entre as relaes sujeito objeto, o sujeito pde ser pensado na intera-

    o com o objeto e vice-versa.

    Inserido nesse trabalho interdisciplinar, a epistemologia genti-ca tornou-se, assim, um caso particular da epistemologia construti-

    vista, pois na dcada de 1960 e 1970, Piaget passou, cada vez mais, a

    denominar a epistemologia gentica de epistemologia construtivista.

    Dessa poca em diante, o termo construtivismo esteve presente em

    todas as suas obras e foi amplamente difundido pelo mundo nas re-

    as psicologia e da educao, mesmo Piaget no sendo um educador

    (VASCONCELOS, 1996)14.

    A primeira referncia mais completa a uma epistemologia cons-

    trutivista foi feita por Piaget, em 1967, no ltimo captulo da obra

    Logique et Connaissance Scientifique. Nessa obra ele evidenciou o

    desejo de produzir uma epistemologia construtivista, acrescentando

    epistemologia gentica o problema da produo de novidades por

    meio da formao dos possveis. Anunciando essa perspectiva, em

    um dos seus ltimos trabalhos Le Possible et le Ncessaire (PIAGET,

    1981a)15, justifica uma Epistemologia Construtivista sustentando a

    ideia de que no suficiente mostrar, como j o havia feito, que todo

    conhecimento novo resulta de regulaes e equilibraes (PIAGET,

    1981a, p. 7), pois sempre se poder supor que o mecanismo regula-

    dor hereditrio, ou ainda, que apenas resulta de aprendizagens.

    Procura, por essa razo, abordar o problema da construo de novi-

    dades de outro modo, centrando as questes na formao das infe-

    rncias e dos possveis.

    Para Piaget, a atualizao de uma ao ou de uma ideia pres-

    supe que antes de tudo elas tenham sido tornadas possveis e que

    o nascimento de um possvel geralmente provoca outros. Essas no-

    14 Desse modo, o construtivismo um termo que passou a ser utilizadopelo velho Piaget, pois este comeou a empreg-lo com maior frequ-ncia nos ltimos anos, dos 60 em que escreveu sobre psicologia e epis-temologia.

    15 Publicado aps sua morte, ocorrida em setembro de 1980.

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    32 | Psicologia: reflexes sobre as relaes sujeito-objeto

    vas e sucessivas formaes, na medida em que se diferenciam das

    construes anteriores, compreendem-se como uma reorganizao

    dos elementos num novo sistema de relaes, que amplia o mbitodas que eram anteriormente possveis. As possibilidades abertas em

    cada momento do processo constituem uma condio indispensvel

    para os desenvolvimentos seguintes, configurando-se em um cont-

    nuo de emergncia de novas propriedades e possibilidades criativas.

    A questo dos possveis tem, para Piaget, um interesse epistemo-

    lgico. Na obra Le Possible et le Ncessaire, tendo como parmetro a

    dialtica dos possveis,Piaget (1981a, p. 7) reitera vrias crticas s cor-

    rentes de pensamento que considerava reducionistas. Enaltecendo o

    construtivismo e fazendo uma crtica ao empirismo, afirma:

    A formao dos possveis e sua multiplicidade du-

    rante o desenvolvimento constituem mesmo um

    dos melhores argumentos contra o empirismo.

    Com efeito, o possvel no algo observvel, mas o

    produto de uma construo do sujeito em interao

    com as propriedades do objeto, mas inserindo-as

    em interpretaes devidas s atividades do sujeito,

    atividades essas que determinam, simultaneamen-

    te, a abertura dos possveis cada vez mais numero-

    sos, cujas interpretaes so cada vez mais ricas.

    Por conseguinte, existe a um processo formador

    bem diverso do invocado pelo empirismo e que se

    reduz a uma simples leitura.

    Para Piaget, o construtivismo s pode ser pensado a partir do

    sujeito em interao com as propriedades do objeto, mas so as

    interpretaes devidas s atividades do sujeito que determinam aabertura dos possveis.

    Montoya (2005) expressa, em sntese, de modo bastante adequa-

    do, a ideia piagetiana de processo construtivo:

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    33Construtivismo e epistemologia gentica |

    Processo em que o sujeito cria e produz novas es-

    truturas e formas de conhecimento a partir de no-

    es mais elementares, at alcanar formas mais

    complexas, estveis e mveis. O processo constru-

    tivo implica tambm que os novos conhecimentos

    ultrapassem as novidades adquiridas anteriormen-

    te, reconstruindo-as. Nesse sentido, a construo

    no significa a ruptura absoluta com as conquistas

    anteriores, tampouco um simples prolongamento

    das estruturas anteriores, mas sim uma continui-

    dade em reconstruo. (MONTOYA, 2005, p. 143).

    A reconstruo, enquanto novidade incide sobre o processo cog-

    nitivo cuja base ele prprio resultado de autorregulaes, combi-

    naes e interdependncias funcionais e dialticas. No entanto, tais

    reconstrues no ocorrem aleatoriamente, so decorrentes de umsentido interior, construes com um vetor lgico, prprio do pro-

    cesso de abstrao ref lexionante embalado por uma ref lexo. Como

    sabemos, a reflexo entendida como ato mental de reconstruo

    e reorganizao sobre o patamar superior daquilo que foi assim

    transferido do inferior (PIAGET, 1995, p. 274). Envolve operaes

    e imaginao. Para podermos contar, por exemplo, distinguimos os

    elementos contados, imaginamos uma srie de colees crescentes edecrescentes, imaginamos objetos numa sequncia de ordem ou em

    espaos de comprimento e simbolizamos os nmeros. Desse modo,

    no existem operaes lgico-matemticas que no envolvam ima-

    ginao, mas essas imaginaes e representaes seguem uma lgi-

    ca; uma lgica construtiva e criativa.

    Fica claro, ento, que adentrar mais profundamente nos meca-

    nismos construtivistas, significa reafirmar que s possvel com-preend-los quando inseridos no quadro das relaes sujeito objeto.

    Julgamos, porm, que no caso da epistemologia piagetiana, tal inser-

    o necessria, mas no suficiente, pois, como afirmamos, no in-

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    34 | Psicologia: reflexes sobre as relaes sujeito-objeto

    cio deste estudo, so vrias as epistemologias que tratam dessa rela-

    o. Cabe, ento, destacar os aspectos que do identidade proposta

    piagetiana. E isso, Piaget fez questo de anunciar num filme, que fezjuntamente com Claude Gorreta, sobre Lpistmologie gntique.

    Gostaria de falar, em poucas palavras, de nossa

    epistemologia, porque ela sempre mal compreen-

    dida. Alguns me tomam por empirista, outros por

    neo-behaviorista, como colocou Berlyne, porque eu

    sustento que o conhecimento parte da ao que se

    exerce sobre os objetos, mas exercer uma ao sobre

    os objetos no o mesmo que tirar o conhecimen-

    to do prprio objeto. Essa a primeira confuso.

    Outros, pelo contrrio, me consideram neo-matu-

    racionista, ou mesmo inatista, visto que considero

    a ao do sujeito. Mas eles esquecem que a ao do

    sujeito justamente a ao sobre os objetos, que h

    interao, e no somente uma ao em uma direo

    s. Ou seja, no sou nem empirista, nem inatista,

    sou construtivista. Isso quer dizer que considero

    o conhecimento como uma contnua construo,

    continuamente nova, por interao com a realida-

    de, no como algo pr-formado; h uma criao

    permanente. Queria, ento, mostrar que o conhe-

    cimento no pr-formado nem no objeto, nem no

    sujeito, havendo sempre auto-organizao e, conse-

    quentemente, uma contnua construo. (PIAGET;

    GORRETA, 1977 - grifo nosso).

    Nesse mesmo filme, complementando sua declarao, Piaget,mais uma vez, procurando se diferenciar do empirismo e do inatis-

    mo, comenta:

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    36 | Psicologia: reflexes sobre as relaes sujeito-objeto

    Portanto, para o construtivismo piagetiano, condio bsica

    que o conhecimento seja visto como uma contnua construo, con-

    tinuamente nova, por interao com a realidade, em que haja umacriao permanente. pela relevncia que outorga ao processo ativo

    e criativo que a teoria piagetiana se faz construtivista. Alm disso,

    como revela nesse filme de 1977, a concepo de construtivismo de

    Piaget bastante ampla e ultrapassa os limites de uma psicologia

    gentica, alimentando hipteses ousadas sobre o desenvolvimento

    humano, o processo criativo no fazer cientfico e na histria da cin-

    cia. Sobre estes temas, ainda temos muito que explorar.

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    A crescente sofisticao do conhecimento levou o homem a du-

    vidar da milenar explicao mgica do mundo e a tentar compreen-

    d-lo com teorias que, baseadas na experincia objetiva, abranges-

    sem desde a natureza e a origem da vida e do universo at a relaodo prprio ser humano com essa realidade. Essas teorias dividiram-

    -se de modo esquemtico em duas grandes tendncias: Idealismo e

    Materialismo.

    O Idealismo uma corrente filosfica que tem incio com o pen-

    samento de Ren Descartes no sculo XVII e inf luencia todo o pen-

    samento cientfico moderno. Seu pressuposto central justamente

    a centralidade da subjetividade humana. Passando pelo idealismodogmtico de Immanuel Kant no sculo XVIII, esta corrente filo-

    sfica desenvolveu-se muito a partir do pensamento de Georg Hegel

    nos sculos XVIII e XIX, influenciando inclusive a teoria marxiana.

    J o Materialismo uma concepo filosfica que remonta ao

    pensamento helnico pr-socrtico e aponta a matria como subs-

    tncia primeira e ltima de qualquer ser, coisa ou fenmeno do

    universo. Para os materialistas, o pressuposto primeiro de realidade

    a matria em movimento, que, por sua riqueza e complexidade,

    pode compor tanto a pedra quanto osextremamente variados reinos

    animal e vegetal, e produzir efeitos surpreendentes como a luz, o

    Teoria histrico-cultural:

    implicaes para a psicologia

    Elizabeth Piemonte CONSTANTINOAlvaro Marcel Palomo ALVES

    Flavia Cristina Oliveira Murbach de BARROS

    Cludia Aparecida Valderramas GOMES

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    40 | Psicologia: reflexes sobre as relaes sujeito-objeto

    som, a emoo e a conscincia. Assim, o pressuposto ontolgico do

    materialismo define que a matria antecede a ideia. Dessa forma, o

    materialismo contrape-se ao idealismo, cujo elemento primordial a ideia, o pensamento ou o esprito (MORA, 1995).

    Tecendo consideraes sobre essas duas correntes, Lev Semi-

    novich Vygotsky (1896-1934), ao refletir sobre as relaes entre o

    mundo subjetivo e o objetivo, sustentou que o sujeito e a subjeti-

    vidade humana no se resumem simples construtos idealistas ou

    materialistas, quer dizer, no esto no subjetivo abstrato e nem no

    objetivo mecanicista, mas so constitudos e constituintes na e pela

    relao social, na e pela linguagem. (MOLON, 2003, p.44).

    A partir dessa perspectiva Vygotsky vai buscar no materialismo

    histrico-dialtico uma nova alternativa metodolgica para estudar

    o fenmeno psicolgico e superar a dicotomia objetividade e subjeti-

    vidade, ressaltando o carter histrico e dialtico como caractersti-

    cas fundamentais no processo de formao do sujeito.

    Para tratarmos das implicaes dessas ideias no campo da Psico-

    logia, apresentaremos, brevemente, algumas das formulaes essen-

    ciais do materialismo histrico-dialtico e, posteriormente, algumas

    reflexes sobre a relao sujeito-objeto na teoria histrico-cultural.

    O materialismo histrico-dialtico

    O materialismo histrico-dialtico uma concepo terico-

    -filosfica e metodolgica que tem origem nas ideias dos pensadores

    alemes Friedrich Engels e Karl Marx (1818-1883) sobre as transfor-

    maes econmicas e sociais determinadas pela evoluo dos meios

    de produo, fundamento de uma teoria crtica da alienao huma-

    na no interior do sistema capitalista. Eles constroem uma dialticamaterialista em oposio dialtica idealista hegeliana e, ao con-

    trrio de Hegel, em seus estudos consideram que so nas condies

    materiais e concretas de existncia do homem que encontramos o

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    41Teoria histrico-cultural: implicaes para a psicologia |

    homem real. Desse modo, o ponto de partida da teoria marxiana

    so os indivduos reais e no suas idias. Nesta concepo [...] o

    modo de produo da vida material condiciona o processo da vidasocial, poltica e espiritual em geral. No a conscincia que de-

    termina a vida, mas a vida que determina a conscincia (MARX;

    ENGELS, 1986, p. 37).

    Para Silveira (1989), o marxismo fundou uma ontologia ancora-

    da em uma dialtica eminentemente histrica, que redimensionou

    um conjunto de questes concernentes relao do homem consigo

    mesmo e com sua histria. Pensar o homem, para o materialismo

    histrico e dialtico pens-lo como produtor de sua historia atravs

    de sua atividade vital, o trabalho, mediador de sua relao com a

    natureza [...] (ELOY, et al., 2007, p. 41), sendo a prxis a forma por

    excelncia dessa relao.

    Neste sentido, o materialismo dialtico representa o incio de

    uma nova filosofia uma filosofia da prxis , que no se limita a

    pensar o mundo, mas pretende tambm transform-lo. Para Marx,

    os filsofos no fizeram mais que interpretar o mundo de forma

    diferente; trata-se, porm de, modific-lo (MARX, s/d., p. 210). As-

    sim, para o materialismo histrico-dialtico os sujeitos histricos

    interpretam e agem sobre o mundo atravs da prxis.

    Na viso marxiana o trabalho um processo de que partici-

    pam o homem e a natureza, processo em que o ser humano, com sua

    prpria ao, impulsiona, regula e controla seu intercmbio material

    com a natureza (MARX, 1987, p. 211). O trabalho, enquanto obje-

    tivaes humanas que sintetizam a prxis, cria a histria e o ser ho-

    mem. o carter objetivo do trabalho que permite que os produtos,

    instrumentos e fenmenos sociais existam independentes da consci-

    ncia individual; existam como criaes objetivadas, como cultura.

    Contudo, essa atividade vital humana, o trabalho, por meio daqual o ser humano produz e reproduz sua existncia ao longo da his-

    tria, no tem implicaes apenas objetivas, mas tambm subjetivas,

    o que significa dizer que o sujeito, para utilizar os objetos ou instru-

    mentos humanos historicamente constitudos, tem de desenvolver,

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    43Teoria histrico-cultural: implicaes para a psicologia |

    sua vida, de satisfazer e desenvolver suas necessida-

    des materiais e espirituais, objetivadas e transforma-

    das nos motivos de sua atividade. (traduo nossa)1.

    Nessa perspectiva epistemolgica, o conhecimento uma pro-

    duo social que emerge da atividade humana e construdo a partir

    da inter-relao das pessoas, assumindo, portanto, um carter dia-

    ltico e transformador. Essa concepo, ao considerar a dicotomia

    terica e prtica como uma relao em movimento, tem implicaesmetodolgicas importantes para a anlise da relao sujeito-objeto

    estudada pela Psicologia, uma vez que inclui, por ser dialtica, a

    existncia de contradies entre as instncias sociais e individuais,

    entre objetividade e subjetividade e/ou interno e externo.

    Assim, podemos depreender que a grande maioria dos conheci-

    mentos e habilidades humanas de que o homem dispe no advm

    apenas de sua experincia individual, mas adquirida por meio daapropriao da experincia acumulada pelas geraes passadas, ou

    seja, um produto histrico (MRKUS, 1974). Dessa forma o su-

    jeito, ancorado em conhecimentos produzidos pela humanidade, se

    desenvolve e transforma a realidade, que entendida dialeticamen-

    te como um constante vir-a-ser. Portanto, a subjetividade do sujeito

    tambm est em constante construo, determinada pelas condies

    objetivas, pois, para o materialismo histrico-dialtico, as aes dohomem so determinadas historicamente: Os homens fazem sua

    prpria histria, mas no a fazem como querem; no a fazem sob cir-

    cunstncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defronta di-

    retamente, legadas e transmitidas pelo passado (MARX, s/d, p. 203).

    1 Estas relacionessonlas decisivas em plano psicolgico. Lo que ocorre esque para elpropiosujetolaaprehensin y logro de objetivos concretos, eldomnio de losmedios y operaciones de laaccion es un modo de afirmarsu vida, de satisfacer y desarrollar sus necessidades materiales y espiri-tuales, objetivadas y trasformadas em los motivos de suactividad.

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    44 | Psicologia: reflexes sobre as relaes sujeito-objeto

    As circunstancias histricas produzem novas relaes do ho-

    mem com o trabalho e as aes realizadas nesse processo configu-

    ram o sentido pessoal que, muitas vezes, no coincide com os sig-nificados objetivos. Com o aparecimento da sociedade mercantil,

    por exemplo, o homem passa a vender sua mo de obra, cumprindo

    racionalmente suas funes de assalariado, deixando de ver o resul-

    tado de suas atividades produtivas, modificando o sentido de sua

    atividade laboral que, antes, se constitua em uma finalidade subs-

    tancial da sobrevivncia. Marx e Engels (1984) nos esclarecem que:

    O sistema capitalista pressupe a dissociao entre

    os trabalhadores e a propriedade dos meios pelos

    quais realizam o trabalho. Quando a produo

    capitalista se torna independente, no se limita a

    manter essa dissociao, mas a reproduo em es-

    cala cada vez maior. O processo que cria o sistema

    capitalista consiste apenas no processo que retirado trabalhador a propriedade de seus meios de

    trabalho, um processo que transforma em capital

    os meios sociais de subsistncia e os de produo

    e converte em assalariados os produtores diretos.

    (MARX & ENGELS,1984, p.830).

    A constituio dessa nova relao com o trabalho, atividade hu-mana, provocou um estranhamento do homem com o trabalho, ao

    ponto de promover um choque entre o sentido pessoal e os signifi-

    cados sociais objetivos. Tal processo nas sociedades de classes serve

    apenas aos interesses do capital, na medida em que este se apropria

    e explora a fora de trabalho daqueles que necessitam vend-la para

    garantir sua sobrevivncia. Assim, a relao sujeito-objeto ganha

    outros contornos na sociedade capitalista.2

    2 No nos aprofundaremos neste tema por fugir ao objetivo do presentetexto, mas merece um estudo a parte, pois foi amplamente estudado porMarx, Engels e demais pensadores marxistas.

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    45Teoria histrico-cultural: implicaes para a psicologia |

    Implicaes do materialismo histrico-

    dialtico para a Psicologia

    No campo da Psicologia as implicaes dessa viso marxista de

    homem representaram a possibilidade de romper com as dicotomias

    elaboradas pelas concepes empiristas e idealistas, predominantes

    na cincia psicolgica no incio do sculo XX. Como analisam Facci

    e Silva (1998), temos, de um lado, o empirismo que considera a Psi-

    cologia uma cincia natural, cujo objeto de estudo deve ser o com-portamento externo do homem; de outro, o idealismo, que considera

    a Psicologia uma cincia mental, que deve se ocupar do estudo dos

    processos subjetivos, psquicos e internos do homem.

    Vygotsky viu nos princpios do materialismo histrico-dialtico

    a forma de superao dessas tendncias conflitantes da Psicologia

    e de enfrentamento da problemtica que envolve as relaes sujei-

    to/objeto e indivduo/sociedade, para a compreenso do psiquis-mo humano, da aprendizagem e do desenvolvimento. Admitindo

    a materialidade dos processos psicolgicos, Vygotsky elaborou, em

    conjunto com seus colaboradores, um sistema terico-metodolgico

    original, fundamento da Teoria Psicolgica Geral da Atividade que,

    posteriormente, foi aprofundada por Aleksei Nikolaevich Leontiev

    (1903-1979).

    Os trabalhos de Vygotsky e dos demais integrantes da teoria his-trico-cultural3, tambm denominada Escola de Vygotsky, refletem

    3 Saviani (2004) aponta Vigotski (1896-1934), Leontiev (1903-1979), Da-vidov (1930), Luria (1902-1977) e Elkonin (1904-1984) como os autoresque compem a Escola sovitica de Psicologia. Entre os demais pes-quisadores e continuadores da obra de Vigotski que compem essa esco-la de pensamento, podemos citar A. Zaporzhets (1905-1981), L. Bozh-vich (1908-1981), P. Galperin (1902), M.I. Lisina (1929-1983) e outros.Para maiores informaes, consultar: DAVDOV, V.; SHUARE, M. Datossobre los autores. In: DAVDOV, V.; SHUARE, M. (Orgs.). La PsicologiaEvolutiva y Pedaggica en la URSS (Antologia). Moscou: Editorial Pro-

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    46 | Psicologia: reflexes sobre as relaes sujeito-objeto

    a disposio em propor uma nova Psicologia. Para Tuleski (2002, p.

    55), Vygotsky objetivou uma psicologia que

    [...] fosse capaz de eliminar a dicotomia entre cor-

    po e mente e realizar a sntese. Esta dicotomia foi

    historicamente o pomo da discrdia entre as teo-

    rias psicolgicas, justificando sua classificao

    entre idealistas e materialistas. Vygotski parece

    perseguir o objetivo de super-la, trazendo para a

    Psicologia o mtodo proposto por Marx e Engels e

    construindo a ponte que eliminaria a ciso entre

    matria e esprito. (TULESKI, 2002, p. 55).

    As atividades profissionais e a elaborao das obras de Vygotsky

    foram desenvolvidas num perodo em que a Rssia passava por

    transformaes sociais profundas. As condies objetivas da UnioSovitica, no perodo da Revoluo Social e Poltica de 1917, exigiam

    uma nova compreenso da sociedade e do psiquismo humano. Em

    seu texto O significado histrico da crise da Psicologia, escrito em

    1927, Vygotsky (1991) anunciou para a comunidade cientfica que a

    dificuldade primeira da Psicologia, como cincia, era pensar dialeti-

    camente a relao entre o homem e a natureza.

    No cerne dessa relao est o problema do conhecimento. Comoconhecer uma atividade do homem concreto, Vygotsky colocou em

    evidncia um problema da Psicologia para o qual buscou respostas

    na corrente histrico-cultural propondo a aplicao dos princpios

    dialticos Psicologia. Dessa forma reiterou a perspectiva mar-

    xiana de que a especificidade da atividade humana reside em que,

    ao transformar os objetos da natureza para o atendimento de suas

    necessidades, o homem, alm de transformar a natureza exterior,transforma, tambm e ao mesmo tempo, sua natureza interior.

    gresso, 1987, p.338-344 e SHUARE, Marta. La psicologa sovitica talcomo yo la veo. Mosc: Editorial Progresso, 1990. (GOMES, 2008).

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    47Teoria histrico-cultural: implicaes para a psicologia |

    No decurso do desenvolvimento histrico da atividade dos ho-

    mens, as suas aptides, os conhecimentos e o seu saber-fazer cris-

    talizaram-se nos seus produtos (materiais, intelectuais, ideais), ouseja, a experincia scio-histrica se concretizou sob a forma de fe-

    nmenos do mundo exterior objetivo: a tecnologia, as cincias, as

    artes. Isso colocou ao sujeito do conhecimento a possibilidade de

    apropriar-se desses produtos e, por meio da reorganizao dos seus

    movimentos naturais instintivos, alcanar a formao das funes

    psicolgicas superiores, tais como, ateno e memria voluntria,

    linguagem, pensamento abstrato, controle da prpria conduta (LE-

    ONTIEV, 1978).

    As explicaes de Vygotsky sobre as funes psquicas elemen-

    tares e do papel que o contexto social desempenha na superao des-

    sas, com vistas ao desenvolvimento das funes psicolgicas supe-

    riores, trazem implicaes acerca das relaes sujeito objeto.

    As funes psicolgicas superiores se constituem na histria sin-

    gular de cada sujeito. Individuo e sociedade se constitui num conflito

    de contradies, ora afirmando-se, ora negando-se, numa relao de

    constituio-negao expressa nos fundamentos dialticos.

    Num trabalho publicado em 1931, Vygotsky (1995) se prope a

    analisar a histria do desenvolvimento das funes psquicas superio-

    res4, destacando a gnese e a estrutura delas e inaugurando, assim, a

    possibilidade de uma nova maneira de pensar o desenvolvimento do

    4 Nesta obra o autor discute algumas teses acerca das funes psicol-gicas superiores destacando a base natural, a atividademediadorae odominio da prpria condutacomo elementos constituidores das formasculturais do comportamento. A primeira indica o uso ativo que o sujei-to faz das propriedades naturais do crebro, em que tais processos setornam objeto de controle e domnio por parte do sujeito. A segundapostula o fato de os instrumentos psicolgicos signos atuarem comomeio de autorregulao exercendo um controle artificial dos fenme-nos psquicos naturais e a terceira preconiza que esse processo de in-ternalizao das ferramentas psicolgicas capacita o sujeito a dominaros estmulos externos, tanto quanto os seus prprios comportamentos(VYGOTSKI, 1995, p. 152-153).

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    psiquismo humano. As funes psquicas elementares so, por ex-

    celncia, um produto essencialmente biolgico, natural e consistem

    em respostas imediatas que o organismo disponibiliza na sua rela-o com o real; consequentemente so no conscientes e involunt-

    rias. Vygotsky (1995) menciona o comportamento reflexo incondi-

    cionado, a memria natural, a ateno e percepo involuntrias e

    as emoes como exemplos desse tipo de funcionamento psquico.

    As funes psicolgicas superiores, ao contrrio, no resultam

    natural e espontaneamente das elementares, mas possuem qualida-

    des especficas e assentam sobre o substrato das elementares. O que

    ocorre, portanto, um processo de transmutao em que as fun-

    es psquicas deixam de operar num nvel elementar e atingem um

    grau superior ao serem incorporadas, alterando, assim, a natureza e

    a qualidade do funcionamento psicolgico do sujeito.

    O que est posto o reconhecimento da base natural das for-

    mas culturais de comportamento, explicado a partir do mtodo

    empregado por Vygotsky, que nos ajuda a responder a respeito da

    indissociao entre as esferas biolgicas e psicolgicas na leitura do

    comportamento do sujeito.

    Para a teoria histrico-cultural o psiquismo aparece como a ima-

    gem, a ideia, como atividade reflexa de um rgo material, o crebro,

    que se expressa por meio do pensamento e das vivncias emocionais.

    Essa atividade reflexa o que constitui o elo essencial e necess-

    rio do sujeito com o mundo. Compreender o desenvolvimento do

    psiquismo humano implica pensar o reflexo psquico, analisando-o

    como um sistema que funciona na inter-relao dos elementos biol-

    gicos, psicolgicos e sociais e que tem, nas categorias de conscincia

    e atividade, seu ncleo de sustentao e desenvolvimento.

    O psiquismo compreende um substrato material, orgnico e na-

    tural como ponto de partida, ou seja, o desenvolvimento psicolgi-co do sujeito principia por uma atividade psquica que acontece em

    funo do mundo exterior, respondendo a uma ao que este mundo

    exerce sobre o sujeito.

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    Isto no significa conceber os fenmenos psquicos como uma

    atividade determinada a partir do crebro, de seu interior, de sua

    estrutura celular, mas como uma atividade de resposta influnciaque o meio externo exerce sobre o crebro do sujeito. O crebro

    somente o rgo da atividade psquica, mas no suafonte (RUBINS-

    TEIN, 1965, p.13, traduo nossa, grifo do autor).

    Por isso mesmo, na teoria vygotskyana a mediao se coloca

    como um pressuposto norteador de todo seu edifcio terico e me-

    todolgico e fundamental na relao sujeito-objeto. Analisando a

    estrutura das funes psicolgicas superiores, Vygotsky reitera sua

    disposio de pensar a mediao como um processo. Segundo ele,

    o fenmeno psicolgico s existe pelas mediaes, o que significa

    dizer que o homem constri suas formas de ao, realiza suas ati-

    vidades com o emprego de ferramentas sociais de pensamento, ou

    seja, com a utilizao de signos: [...] na estrutura superior o signo e o

    modo de seu emprego o determinante funcional ou o foco de todo o

    processo (VYGOTSKI, 1995, p.123, traduo nossa, grifo do autor).

    A questo dos signos, na teoria histrico-cultural, aparece como

    apoio ao tratamento dispensado mediao e esse conceito de me-

    diao uma das apropriaes mais decisivas que Vygotsky faz do

    pensamento marxiano.

    Assim, podemos entender que os signos se originam da neces-

    sidade de operar sobre a natureza, seres ou objetos. medida que

    o homem cria instrumentos psicolgicos e os estrutura para agir e

    controlar o outro, ele acaba utilizando-os para atuar sobre si mes-

    mo, controlando seus prprios processos psicolgicos.

    Com base na explicao desse processo, Vygotsky (1995) formu-

    la a lei gentica geral do desenvolvimento cultural do seguinte modo:

    [...] toda funo no desenvolvimento cultural dacriana aparece em cena duas vezes, em dois pla-

    nos; primeiro no plano social e depois no plano

    psicolgico, no princpio entre os homens como ca-

    tegoria interpsquica e logo depois no interior da

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    criana como categoria intrapsquica [...] Temos

    pleno direito a considerar a tese exposta como uma

    lei, porm, a passagem, naturalmente, do externo

    ao interno, modifica o prprio processo, transfor-

    ma sua estrutura e funes. Por detrs de todas as

    funes superiores e suas relaes se encontram

    geneticamente as relaes sociais, as autnticas re-

    laes humanas. (VYGOTSKI, 1995, p.150, tradu-

    o e grifo nosso).

    no desenvolvimento dessa ideia que Vygotsky prope, ento,

    o desenvolvimento do psiquismo processos intrapsquicos como

    internalizao, por meio dos signos, dos processos interpsquicos.

    Como criaes artificiais, convencionais, de natureza social, os sig-

    nos funcionam como um meio auxiliar para o domnio da sua pr-

    pria conduta (VYGOTSKI, 1995, p.126).O princpio da mediao na teoria vygotskyana sustenta o con-

    ceito de desenvolvimento cultural, que se d a partir do emprego de

    instrumentos e signos. Esses ltimos advm sempre de uma situao

    social, de uma utilizao social que inaugurada, primeiramente,

    como forma de comunicao e s num segundo momento passa a se

    constituir num recurso auxiliar, mediador, para o controle do com-

    portamento do prprio sujeito.Os papis do signo e do processo de significao que garan-

    tem as particularidades na relao individuo-sociedade. O sujeito

    vygotskyano um sujeito construtor de sentidos, em que a conver-

    so do social em individual se d pelas determinaes histrico-

    -polticas vivenciadas pelo sujeito, demarcada em sua subjetividade,

    registrada por suas funes psicolgicas.

    Portanto, para Vygotsky, a cultura, a mediao e a atividade sofatores essenciais para o processo de humanizao. O homem se hu-

    maniza pela apropriao das relaes sociais por meio da atividade,

    de sorte que a cultura tem suma importncia nesse processo. As-

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    sim, humanizar-se desenvolver-se como homem social e histrico;

    a produo das potencialidades humanas resulta desse processo de

    humanizao em que a fora mediadora se torna propulsora.

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