COMÉRCIO INTERNACIONAL E O AGRONEGÓCIO BRASILEIRO
RELATÓRIO COMPLETO
Think Tank do Agronegócio Brasileiro
2015
COMÉRCIO INTERNACIONAL E O AGRONEGÓCIO BRASILEIRO
RELATÓRIO COMPLETO
Think Tank do Agronegócio Brasileiro
Instituição de caráter técnico-científico, educativo e filantrópico, criada em 20 de dezembro de 1944, como pessoa jurídica de direito privado, tem por finalidade atuar no âmbito das Ciências Sociais, particularmente Economia e Administração, bem como contribuir para a proteção ambiental e o desenvolvimento sustentável.
Sede: Praia de Botafogo, 190, Rio de Janeiro - RJ, CEP 22253-900 ou Postal Code 62.591 - CEP 22257-970 | Tel.: (21) 2559 6000 | www.fgv.br
Primeiro Presidente e FundadorLuiz Simões Lopes
PresidenteCarlos Ivan Simonsen Leal
Vice-presidenteFrancisco Oswaldo Neves Dornelles, Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, Sergio Franklin Quintella
CONSELHO DIRETOR
PresidenteCarlos Ivan Simonsen Leal
Vice-presidentesFrancisco Oswaldo Neves Dornelles, Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, Sergio Franklin Quintella
VogaisArmando Klabin, Carlos Alberto Pires de Carvalho e Albuquerque, Cristiano Buarque Franco Neto, Ernane Galvêas, José Luiz Miranda, Lindolpho de Carvalho Dias, Marcílio Marques Moreira, Roberto Paulo Cezar de Andrade
SuplentesAldo Floris, Antonio Monteiro de Castro Filho, Ary Oswaldo Mattos Filho, Eduardo Baptista Vianna, Gilberto Duarte Prado, Jacob Palis Júnior, José Ermírio de Moraes Neto, Marcelo José Basílio de Souza Marinho, Mauricio Matos Peixoto
CONSELHO CURADOR
PresidenteCarlos Alberto Lenz César Protásio
Vice-presidenteJoão Alfredo Dias Lins (Klabin Irmãos & Cia.)
VogaisAlexandre Koch Torres de Assis, Antonio Alberto Gouvêa Vieira, Andrea Martini (Souza Cruz S/A), Eduardo M. Krieger, Estado do Rio Grande do Sul, Heitor Chagas de Oliveira, Estado da Bahia, Luiz Chor, Marcelo Serfaty, Marcio João de Andrade Fortes, Marcus Antonio de Souza Faver, Murilo Portugal Filho (Federação Brasileira de Bancos), Pedro Henrique Mariani Bittencourt (Banco BBM S.A), Orlando dos Santos Marques (Publicis Brasil Comunicação Ltda), Raul Calfat (Votorantim Participações S.A), José Carlos Cardoso (IRB-Brasil Resseguros S.A), Ronaldo Vilela (Sindicato das Empresas de Seguros Privados, de Previdência Complementar e de Capitalização nos Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo), Sandoval Carneiro Junior, Willy Otto Jordan Neto
SuplentesCesar Camacho, José Carlos Schmidt Murta Ribeiro, Luiz Ildefonso Simões Lopes (Brookfield Brasil Ltda), Luiz Roberto Nascimento Silva, Manoel Fernando Thompson Motta Filho, Nilson Teixeira (Banco de Investimentos Crédit Suisse S.A), Olavo Monteiro de Carvalho (Monteiro Aranha Participações S.A), Patrick de Larragoiti Lucas (Sul América Companhia Nacional de Seguros), Clóvis Torres (VALE S.A.), Rui Barreto, Sergio Lins Andrade, Victório Carlos De Marchi
Diretor da FGV-EESPYoshiaki Nakano
Diretor da FGV ProjetosCesar Cunha Campos
Diretor da FGV-IBRELuiz Guilherme Schymura de Oliveira
Diretor da FGV-EAESPLuiz Artur Ledur Brito
Coordenador do GV Agro Roberto Rodrigues
CoordenaçãoClodoaldo Hugueney (in memoriam)
Equipe técnicaLidong SunCecília Fagan Costa Felippe Cauê Serigati Gabriel Dib Tebechrani Neto Ricardo Pizcioneri
Projeto gráfico e diagramaçãoAlexandre Monteiro
RevisãoAlexandre Sobreiro
Esta edição está disponível para download no site:
http://gvagro.fgv.br/publicacoes
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APRESENTAÇÃO
Nos últimos anos, a FGV consolidou sua posição como think tank em diversas áreas, como econômica, social, segurança pública e política externa. Nesse contexto o GVagro atua tendo como foco primordial o estudo do agronegócio e temas correlacionados, como o comércio internacional, o investimento, a logística, a matriz energética e o desenvolvimento sustentável.
A presente publicação é o primeiro produto da área internacional do GVagro, cobrindo aspectos de extrema relevância para a compreensão das transformações em curso no comércio internacional, bem como a importân-cia da inserção externa do agronegócio brasileiro. Adicionalmente, o trabalho traz conteúdo inédito – a partir de bases de dados e referências chinesas – para compreender a emergência da China tanto como principal parceira comercial do Brasil, quanto como potência econômica e polo dinâmico da economia mundial.
Infelizmente, no decorrer do processo de elaboração deste documento, o projeto perdeu seu coordenador, o Embaixador Clodoaldo Hugueney Filho, de ilustre carreira. Até poucos dias antes de seu falecimento, liderava a equipe de especialistas e pesquisadores responsáveis pelo desenvolvimento dos trabalhos na área internacional do Think Agro. Esta publicação inclui, como homenagem póstuma, uma versão traduzida do último texto de sua autoria – uma reflexão lúcida sobre o momento atual do comércio internacional e para avaliação dos de-safios comerciais e diplomáticos do Brasil, inserido em um mundo em transformação. Este texto foi publicado originalmente na Revista Tempo do Mundo, do Ipea, em agosto de 2015.
Os esforços em torno da continuidade e da conclusão dos trabalhos que resultaram nesta publicação foram guiados, em todos os momentos, pelo intuito de fazer juz ao profissionalismo e ao legado deixados pelo em-baixador Clodoaldo Hugueney à sociedade brasileira.
Boa leitura!
Prof. Roberto RodriguesCoordenador | GV Agro
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ..................................................................................................................................................................................................3SUMÁRIO EXECUTIVO ....................................................................................................................................................................................... 7INTRODUÇÃO E ESTRUTURA DO ESTUDO ........................................................................................................................................... 18
1. REBALANCEAMENTO E A POLÍTICA ECONÔMICA COMERCIAL: UMA PERSPECTIVA DIPLOMÁTICA ................ 231.1. Um período de transição ................................................................................................................................................................ 251.2 Rebalanceamento e comércio .......................................................................................................................................................271.3 Algumas tendências no plano comercial ................................................................................................................................. 291.4 Universo das negociações comerciais ...................................................................................................................................... 331.5 O MTS e a Rodada de Doha .......................................................................................................................................................... 361.6 Os mega-acordos .............................................................................................................................................................................. 381.7 A política comercial brasileira e o cenário internacional em transformação ............................................................. 421.8 O MTS e a OMC ..................................................................................................................................................................................451.9 Negociações plurilaterais e bilaterais ........................................................................................................................................481.10 O Plano regional ............................................................................................................................................................................... 521.11 Considerações finais ......................................................................................................................................................................... 53
2. A DIMENSÃO INTERNACIONAL DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO ...................................................................................... 572.1 Agronegócio: conceitos, dimensões e especificidades ...................................................................................................... 592.2 Parorama do agronegócio brasileiro .......................................................................................................................................... 612.3 Breve histórico do desenvolvimento do setor ....................................................................................................................... 622.4 Características e singularidades do agronegócio brasileiro .............................................................................................642.5 A dimensão do agronegócio no PIB brasileiro ...................................................................................................................... 652.6 Geração de emprego .........................................................................................................................................................................712.7 Área, produção e produtividade ................................................................................................................................................. 752.8 O agronegócio brasileiro e o setor externo ............................................................................................................................ 852.9 A ascensão da China como parceira comercial do agronegócio brasileiro ............................................................... 972.10 Investimento Estrangeiro Direto no agronegócio brasileiro .......................................................................................... 1072.11 Oportunidades e desafios do agronegócio brasileiro .......................................................................................................... 111
3. TRANSFORMAÇÕES EM CURSO NO CENÁRIO INTERNACIONAL ........................................................................................ 1153.1 Aspectos e principais vetores da globalização ..................................................................................................................... 1173.2 Tendências e consequências para o comércio mundial ....................................................................................................1333.3 Aspectos demográficos: crescimento populacional e urbanização .............................................................................1393.4 A ascensão da China e seus impactos no comércio internacional ...............................................................................1483.5 Os acordos comerciais e a nova agenda das negociações .............................................................................................1633.6 A logística e os novos fatores de competitividade .............................................................................................................1763.7 Considerações sobre as transformações em curso no comércio internacional ......................................................179
4. TRANSFORMAÇÕES E OPORTUNIDADES DA ECONOMIA CHINESA ..................................................................................1814.1 Panorama da economia e da agricultura chinesas ..............................................................................................................1834.2 As políticas chinesas para o desenvolvimento agropecuário .......................................................................................2004.3 A inserção da agricultura chinesa no contexto mundial ................................................................................................. 205
SOBRE A FGV .....................................................................................................................................................................................................213
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SUMÁRIO EXECUTIVO
É inegável que o agronegócio brasileiro tenha vivido anos dourados na década passada. Os números são abun-dantes e já foram amplamente divulgados. Além da forte expansão da produção, da área plantada, da produ-tividade e da renda gerada pelas cadeias agroindustriais, o agronegócio se mostrou como o setor econômico brasileiro que mais êxito teve no esforço de se inserir nos fluxos internacionais de comércio.
Todavia, embora haja méritos internos, o setor foi beneficiado de uma conjuntura bastante favorável, a saber, a forte expansão do comércio internacional e um significativo grau de complementaridade com a economia chinesa. É justamente a partir dessa constatação que este relatório sugere uma reflexão a respeito das limitações deste modelo de sucesso adotado para os próximos anos, que devem oferecer uma conjuntura não tão promissora para o agronegócio brasileiro. Será que a estratégia adotada anteriormente funcionará nos próximos anos?
Nessa direção, além de apresentar as principais características do agronegócio chinês, este relatório também buscar fazer uma reflexão a respeito das interações deste com o agronegócio brasileiro e sua expansão para o mercado internacional. Efetivamente, qual é o espaço que o agronegócio brasileiro ainda tem para ocupar no mercado chinês? Quais são as oportunidades disponíveis aos produtores brasileiros em um ambiente em que, por um lado, o governo tem como meta ser autossuficiente em alguns produtos básicos para a alimentação do seu povo e, por outro, claramente não tem as condições materiais (terra, água, tecnologia e fatores climáticos) para produzi-los internamente na sua totalidade?
Embora haja farta literatura nos organismos multilaterais sobre o agronegócio chinês, com especial destaque para documentos da FAO e da OECD, este relatório realizou um esforço diferente para oferecer respostas e reflexões às perguntas anteriores: sempre que possível, foi utilizada a literatura chinesa para caracterizar tanto a sua inserção no comércio internacional e quanto a evolução do agronegócio local. Com isso, a síntese apresentada ao longo desse texto representa muita mais a visão que os chineses têm da sua produção agrope-cuária do que uma leitura de um especialista fora desse ambiente, por exemplo, de um organismo multilateral.
A partir da análise realizada, fica claro que o agronegócio brasileiro tem conseguido avançar principalmente nos mercados cujos produtos os chineses não têm condições minimamente favoráveis para produzi-los inter-namente ou que não são prioritários na sua política de segurança alimentar. Ou seja, para ampliar e, principal-mente, para diversificar as exportações brasileiras para a China, o Brasil terá que avançar a sua produção em bens agropecuários que estão fora da lista de bens essenciais para os chineses garantirem sua autossuficiência. Nessa direção merece especial destaque a produção de alimentos mais processados, ao invés de commodities e matérias-primas.
Enfim, o agronegócio brasileiro tem aproveitado as oportunidades abertas por uma China em transformação ao ocupar um papel fundamental no suprimento de recursos naturais e produtos do agronegócio, fato que lhe garante a liderança na produção e exportação mundial em alguns dos mais importantes mercados agrícolas. Neste mesmo cenário, marcado pelo aumento significativo do fluxo comercial entre os dois países, tem se pautado por uma clara divisão entre as atividades de maior e de menor valor agregado, resultante, por um lado, dos diferenciais competitivos entre os dois países e seus setores produtivos; e, por outro, do ajustamento passivo do Brasil frente às transformações em curso na China. Neste último ponto, é importante destacar outras variáveis e obstáculos de ordem geopolítica e diplomática, focalizados na redução das restrições de comércio externo impostas pelos dois países.
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A INSERÇÃO DO AGRONEGÓCIO NAS CADEIAS GLOBAIS DE VALOR
A forte expansão do comércio internacional
Pode-se afirmar que as últimas quatro décadas foram marcadas pelo aprofundamento do fenômeno conhecido como globalização. Na literatura, o termo é empregado comumente para identificar a crescente interdepen-dência entre as economias nacionais, por meio da intensificação dos fluxos de mão de obra, de bens e serviços, de capitais e informações através de suas fronteiras.
Tomando como referência o intercâmbio de bens e serviços, a dimensão do fenômeno recente de abertura e integração entre as diferentes nações do globo pode ser evidenciada a partir da comparação entre a evolu-ção do valor dos fluxos comerciais relativamente ao à renda e produção mundiais. De fato, segundo dados do Banco Mundial, ao longo dos últimos 50 anos, as exportações do mundo cresceram a uma taxa média anual de 5,1%, ao passo que o PIB mundial se expandiu, em média, 3,5% ao ano.
É possível destacar um conjunto de fatores responsáveis por reduzir os obstáculos e aumentar os vínculos comerciais e produtivos entre as nações:
nMelhorias na oferta de infraestrutura, reduzindo os custos de transporte (as chamadas “barreiras na-turais” ao comércio) e de telecomunicação;
n A redução das barreiras e das restrições comerciais (tarifárias e não tarifárias), implicando menores custos de transação (custos de informação, custo de fazer valer os contratos, custos legais e regula-tórios, custos alfandegários e administrativos, etc.); e
nO grau de internacionalização das empresas e da produção mundial.
Embora todos os fatores anteriores sejam essenciais para explicar a expansão do comércio internacional envolvendo o agronegócio, dois fenômenos adicionais mereceram especial destaque neste relatório: o surgi-mento das chamadas Cadeias Globais de Valor e a emergência da economia chinesa como um dos principais players globais.
A importância das Cadeias Globais de Valor
Além dos avanços tecnológicos, das novas instituições e formas de integração político-econômica, a expansão do comércio internacional foi marcada por novos padrões de organização produtiva e geográfica das empresas e da produção mundial. Nesse contexto, a aplicação do termo “globalização” deve ser qualificada não só pelo aumento quantitativo do fluxo internacional de bens e capitais – fenômeno que se repete em outros períodos históricos da história – mas, sobretudo, pela emergência de novos padrões de produção e de integração pro-dutiva, conduzidos em escala global. Para avaliar este fenômeno, a literatura tem empregado comumente o termo Cadeias Globais de Valor.
No berço das Cadeias Globais de Valor, a significativa redução dos custos de transporte e de comunicação, aliada às menores restrições internacionais para comércio e investimentos, criou condições inéditas, inicialmente, para que as empresas coordenassem suas atividades em diferentes espaços competitivos do globo, levando à consolidação de sistemas de governança global por grandes corporações transnacionais. Aproveitando-se dos processos de desregulação e privatização em voga no mundo emergente, bem como da consolidação de um mercado consumidor internacional, as empresas passaram a controlar a produção e disputar mercados tanto nos países-sede, onde se localizavam as matrizes, como nos países em desenvolvimento, por meio do aumento do fluxo líquido de investimentos externos diretos (IED).
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A fragmentação e dispersão das cadeias produtivas pelo mundo se traduzem no aumento do fluxo interna-cional de bens intermediários (partes e componentes), vis-à-vis bens finais, fenômeno mediado pelo aumento do comércio intrafirma. Em uma ótica de valor adicionada, mais apropriada para avaliar o comércio entre os países, é possível destacar a parcela significativa do valor adicionado das exportações mundiais representada por partes, componentes e insumos importados.
Do exposto anteriormente, fica claro que há duas proxies importantes para avaliar a inserção de um setor nas Ca-deias Globais de Valor: o fluxo de investimentos diretos externos e o volume de comércio de bens intermediários, principalmente, na modalidade intrafirma. Em breve, serão apresentados esses números relativos ao agronegócio brasileiro para avaliar de que forma que o setor efetivamente conseguiu se inserir nas Cadeias Globais de Valor.
A inserção internacional do agronegócio brasileiro
Na esteira da expansão do comércio internacional, o agronegócio brasileiro elevou consideravelmente o grau de abertura do setor entre 1996 e 2014, passando de 14,3% a 22,6% - tendo atingido seu pico em 2004 25,9%. Entre 1989 e 2014, as exportações do setor passaram de US$ 13,9 bilhões para US$ 96,7 bilhões, o equivalente a um aumento de 7,7% ao ano. No mesmo período, as importações evoluíram de US$ 3,1 bilhões para US$ 16,6 bilhões, crescendo a taxas anuais de 6,7% ao ano. Como resultado deste desempenho excepcional, o saldo da balança comercial do agronegócio elevou-se de US$ 10,8 bilhões, em 1989, para cerca de R$ 80 bilhões, em 2014, ano em que o setor movimentou 25% do fluxo comercial brasileiro (exportações e importações). No último ano da série, o Brasil exportou cerca de seis vezes mais do que importou em produtos agropecuários.
Com base no desempenho do setor, suficiente para abastecer o mercado interno e gerar excedentes expor-táveis, o Brasil consolidou-se como um dos mais importantes ofertantes de bens agropecuários no mercado internacional. Além de ampliar sua participação no comércio mundial, o agronegócio brasileiro se firmou tam-bém como o principal player em diversas cadeias.
A partir desses resultados, a produção do agronegócio brasileiro tem desempenhado um papel singular no equilíbrio das contas externas brasileiras. Nessa direção, o aumento da produção e da produtividade dos prin-cipais produtos, aliado ao atendimento da crescente demanda internacional, permitiram ao setor a geração consecutiva de superávits, atraindo as divisas necessárias para financiar o déficit em transações correntes – importações de bens e serviços. Todavia, e é importante ressaltar que o grau de abertura do setor se manteve em um patamar praticamente estável desde o início do século XXI.
As novas características da pauta exportadora do agronegócio brasileiro
Em termos de pauta de exportação, tomando como referência o ano de 2000, constata-se como o agrone-gócio brasileiro respondeu em linhas com as mudanças no cenário internacional no período. Destacam-se ao longo desses anos, a evolução da participação de produtos do complexo da soja, carne, produtos do complexo sucroalcooleiro; ao passo que produtos florestais, couros, sucos, fibras e produtos têxteis, café e fumo, perde-ram espaço relativamente aos demais. De fato, a participação conjunta de produtos do complexo da soja e de carnes subiu de 29,9% para 50,5% da pauta exportadora do agronegócio.
Uma opção para avaliar o desempenho externo do agronegócio brasileiro é analisar o grau de industrializa-ção dos produtos exportados. De fato, em uma depuração da pauta, segundo o grau de processamento dos produtos do agronegócio, é possível afirmar que cerca de 70% da pauta de exportação nacional em 2014 era constituída por produtos com baixo valor agregado (soja em grãos; açúcar de cana em bruto; farelo de soja; carne de frango in natura; café verde; carne bovina in natura; celulose; milho e fumo não faturado). Na compa-ração da pauta de exportação do agronegócio entre 2000 e 2014, segundo diversas óticas (setores de contas nacionais, fator agregado e grau de industrialização) é possível constatar como o crescimento das exportações do setor concentrou-se em bens intermediários, produtos básicos e produtos não industriais.
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Na realidade, essa dinâmica não é novidade, uma vez que um fator importante para explicar a evolução do agronegócio foi justamente a especialização crescente nas etapas do processo produtivo associadas à pro-dução da matéria-prima, geralmente com menor valor agregado. A dificuldade do agronegócio brasileiro em avançar em bens com maior grau de processamento pode ser explicado tanto por fatores externos, como custo da mão de obra, deficiências de infraestrutura, burocracia e elevados impostos incidentes sobre o pro-duto industrializado no Brasil, quanto por fatores externos, como as diferenças no tratamento tarifário e não tarifário dos países importadores.
A concentração da pauta exportadora do agronegócio brasileiro não se deu apenas entre os produtos comer-cializados, mas também entre os seus destinos. Em termos de principais parceiros comerciais, a China, a União Europeia, os países do Oriente Médio e os Estados Unidos foram responsáveis, em 2014, por 78,4% de todo valor exportado pelo agronegócio brasileiro. Este cenário contrasta com o observado em 2000, quando mais da metade valor das exportações do agronegócio eram direcionadas à União Europeia e aos Estados Unidos. Neste período, a participação do MERCOSUL se reduziu de 7,7% para 2,4% do valor exportado.
O agronegócio nos fluxos de investimento direto externo
Em termos de investimento estrangeiro direto (IED), dados do Banco Central, apresentados no Quadro 54, dão conta de que o Brasil recebeu, entre 2001 e 2014, cerca US$ 517 bilhões. Apesar do ingresso de recursos ter oscilado sensivelmente no período, o bom desempenho em 2004, e nos biênios 2007/08 e 2010/11 garantiu que a taxa de média de crescimento do IED ficasse em torno de 7,2% ao ano. Como será visto adiante, apesar de sua importância para a economia brasileira, a China não está entre os grandes investidores na economia brasileira; aliás, quatro países concentraram metade do volume de recursos ingressados no período, quais sejam: Países Baixos (18,6%); Estados Unidos (16,6%); Luxemburgo (7,9%) e Espanha (7,4%).
Em termos setoriais, o segmento de agricultura, pecuária, produção florestal e atividades relacionadas rece-beu, anualmente, apenas uma pequena parcela do montante total. Comparando as atividades agropecuárias aos valores recebidos pela indústria, extração mineral e pelo setor de serviços, o percentual alcançou 1,2% no acumulado entre 2001 e 2014, totalizando US$ 6,3 bilhões no período. Parte deste resultado pode ser expli-cada pelas restrições legais e entraves burocráticos impostos aos investimentos estrangeiros em atividades do campo, a exemplo da aquisição de áreas próprias ou arrendamento de terras por estrangeiros no país. Por outro lado, considerando a participação limitada da agropecuária no âmbito do agronegócio, é de se esperar que a maior parte do IED no agronegócio brasileiro se concentre nos segmentos fora da porteira, sobretudo na indústria, distribuição e serviços de apoio (financeiros).
Tal tese é corroborada pelos dados do Banco Central: entre 2001 e 2014, as atividades industriais associadas à produção de: (i) alimentos e bebidas; (ii) celulose, papel e produtos de papel; e (iii) produtos de madeira, que responderam conjuntamente pelo ingresso de US$ 41,5 bilhões: o equivalente a 15,6% do IED da indústria e extração mineral e 8,1% do IED total no período. O valor recebido em 2011 por este agrupamento de atividades (US$ 8 bilhões) foi superior ao recebido pela agropecuária em todo o período analisado.
De fato, embora as atividades de agropecuária e de serviços diretos na agropecuária tenham apresentado uma reduzida participação no montante total, os valores totais recebidos de investimentos por esses setores cresceram de forma significativa, desde 2002, passando de US$ 44,8 milhões em 2002 para US$ 772,8 milhões em 2014. Isso indica, entre outros aspectos, que movimento de “internacionalização” do agronegócio brasilei-ro vinculou-se a parcerias e operações entre empresas brasileiras e estrangeiras, parte das quais associada à aquisição de imóveis rurais para produção de commodities e matérias primas de interesse. Exemplos podem ser encontrados na lista de maiores empresas de produção agropecuária do Brasil, cuja liderança é assegurada por multinacionais de controle estrangeiro: Louis Dreyfus (França) e ADM (Estados Unidos), sem considerar empresas com espectro amplo de atuação no agronegócio, como a Bunge (Países Baixos) e Cargill (Estados Unidos). Por outro lado, empresas brasileiras do agronegócio, com importante inserção internacional, também se destacam nas vendas, caso da BRF, JBS e Coopersucar.
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CHINA: CARACTERÍSTICAS DO GRANDE PARCEIRO COMERCIAL
Muito já foi discutido sobre as transformações ocorridas na economia chinesa. Assim como os números do agronegócio, a expansão é farta a literatura sobre o boom econômico chinês. Diante disso, este relatório abor-dou de forma mais detalhada uma dimensão que não tem recebido a devido atenção dos agentes do agrone-gócio brasileiro: as características do agronegócio chinês. Até que ponto a produção brasileira se insere nos interesses da sociedade chinesa?
A dimensão e o desafio do agronegócio chinês
Como no caso brasileiro o setor agropecuário chinês também desempenha um papel fundamental na sua economia. Embora a produção setorial ainda tenha respondido nos últimos anos por cerca de 10% do produto interno bruto (PIB), o setor emprega um terço da população economicamente ativa (793 milhões de habi-tantes), sendo que pouco menos da metade (46%) dos 1,36 bilhão de chineses encontra-se ainda registrada, oficialmente, como população rural.
Apesar da qualidade limitada das terras cultiváveis e da escassez de água em certas áreas da China, a produção vem crescendo desde a década de 1970, de maneira que o País se classifica, hoje, como o maior produtor mun-dial de produtos como arroz, algodão, carne suína, ovo, e responde por 18% da produção mundial de cereais, 29% da produção de carne e quase 50% da produção mundial de frutas e verduras. Essa expansão se deve, em grande parte, ao aumento substancial da produtividade por meio de melhorias tecnológicas, o que possibilitou uma taxa de crescimento anual média de 2,5% entre 1970 a 2007. Além do crescimento geral da produção, a composição também mudou ao longo do tempo, com notável incremento na produção de hortaliças, carne e laticínios – ao mesmo tempo em que se observou uma queda de importância relativa de culturas tradicionais, sobretudo grãos e tubérculos.
Enfim, com 135 milhões de hectares de terras aráveis, 9% do total do planeta, a China alimenta 21% da popula-ção mundial. Ainda assim, o setor é dominado por milhões de agricultores com pequena parcela de terra, com uma média de apenas 0,6 hectare por unidade produtiva rural. Além do desenvolvimento do setor, a agenda estratégica do governo chinês tem como principais objetivos a serem alcançados: a garantia do aumento da renda dos produtores e a autossuficiência na produção doméstica de grãos. É dentro desse contexto que o agronegócio brasileiro precisa encontrar o seu espaço nesse mercado.
A importância da segurança alimentar para os chineses
Desde a antiguidade, garantir a segurança alimentar sempre foi uma prioridade e um desafio para o Estado chinês, motivo pelo qual o governo adota uma série de políticas voltadas para reduzir a dependência externa do país para atender ao elevado e crescente consumo nacional. Essa política foi consagrada no início do pe-ríodo da República Popular (1949), que sempre destinou espaço prioritário para autossuficiência na agenda nacional de segurança alimentar, de sorte a alimentar a maior população do mundo e mitigar as calamidades naturais que afligem o País com alguma frequência (inundações, por exemplo). Essa prioridade é reafirmada em diversas ações do governo chinês:
n Em dezembro de 2013, a Conferência Central sobre Assuntos Rurais, realizada pelo governo chinês, reafirmou a estratégia nacional de segurança alimentar baseada na “oferta doméstica e importação moderada, garantia da capacidade produtiva com o apoio da ciência e tecnologia”;
n De acordo com o Plano Nacional de Médio e Longo Prazo para a Segurança Alimentar (2008-2020), lançado em novembro de 2008, logo após a alta mundial no preço dos grãos, o setor agrícola da China pretende manter a produção na casa dos 540 milhões de toneladas, de forma a garantir uma taxa de autossuficiência de grãos acima de 95% até 2020.
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Enfim, a autossuficiência é, portanto, um componente-chave da estratégia da segurança alimentar do governo chinês. A pauta da autossuficiência está centrada, fundamentalmente, na produção de grãos. Note-se que, para os chineses no sentido de segurança alimentar, o termo “grãos” abrange trigo, arroz, milho, leguminosas e tubérculos. Destacam-se, neste contexto, o arroz e o trigo – dois produtos de que o governo exige um alto grau de autossuficiência. O Plano Nacional de Médio e Longo Prazo para a Segurança Alimentar define o piso de 120 milhões de hectares de terra arável e 105 milhões de hectares de área de cultivo de grãos para o final do período e prevê que a produtividade em média deverá crescer de 4,74 toneladas/hectare em 2007 para 5,25 toneladas/hectare em 2020.
O governo chinês tem trabalhado no sentido de reajustar (ou melhor, flexibilizar) esta questionável taxa de autossuficiência. Em vez de definir metas quantitativas, a Conferência Central sobre Assuntos Rurais de 2013 estabeleceu como diretriz manter a “autossuficiência básica de cereais e a segurança absoluta de grãos para alimento (arroz e trigo)”, além de incluir, pela primeira vez, a “importação moderada” como elemento inte-grante de sua estratégia de segurança alimentar. É justamente neste ponto que o agronegócio brasileiro tem que centrar seus esforços para conquistar fatias ainda maiores desse mercado.
Desafios dos chineses para alcançar e manter a meta de autossuficiência na pro-dução de “grãos”
Apesar da grande esforço, a sociedade chinesa se defronta com um grande desafio para conseguir manter a sua política de autossuficiência na produção de alimentos:
A disponibilidade de terras aráveis
Com cerca de 9,6 milhões de quilômetros quadrados de área, o censo mais recente das terras aráveis na China registrou cerca de 135,2 milhões de hectares de terras agrícolas, 14,3% do território nacional. Contudo, subtraindo-se as áreas reservadas para a restituição de florestas e pastagens, bem como os terrenos considerados impróprios (poluídos) para o cultivo, a extensão das terras realmente agricultáveis fica apenas pouco acima do nível mínimo defendido pelo governo de 120 milhões de hectares, o que equivale a menos de 0,1 hectare per capita, ou 40% da média mundial. Este percentual continua diminuindo devido à expansão rápida da urbanização, degradação do solo, uso excessivo de fertilizantes, bem como por conta dos inúmeros problemas ambientais, tais como: inundações, erosão do solo e desertificação. Além disso, a população da China continuará a crescer até por volta de 2030. Com isso, estima-se que, em 2050, a demanda total de terras aráveis supere a oferta em mais de 12%.
Disponibilidade de recursos hídricos
Além das restrições de terras próprias para o cultivo, a escassez e a poluição da água também podem limitar a produção de grãos no futuro. Apesar de a China ser dotada da quarta maior oferta total de recursos hídricos no mundo, a quantidade per capita era de 2.059 m3 em 2013, ou um quarto da média global. De acordo com a WWF (World Wildlife Fund), 13% dos lagos da China desapareceram nos últimos 40 anos, assim como metade de suas zonas úmidas costeiras. Entre as principais causas dessa escassez, pode-se citar: a grande demanda gerada pela agricultura; o processo de industrialização e urbanização; a distribuição desigual dos recursos hídricos e o alto nível de poluentes depostos nas reservas hídricas chinesas.
A falta de água já afeta seriamente a produção de grãos, em especial nas regiões áridas e semiáridas da pla-nície do norte da China, área potencial para a expansão da produção de grãos no futuro. Além da escassez, problemas com o sistema de irrigação também poderão complicar a capacidade produtiva do agronegócio chinês. Isto porque a China usa tanto os rios como os aquíferos subterrâneos para irrigar suas plantações. Me-tade das terras cultivadas na China é irrigada e produz cerca de 75% dos cereais e mais de 90% da produção de algodão, frutas, legumes e outros produtos agrícolas. O Banco Mundial, no entanto, estima que, ao ritmo atual de exploração, os aquíferos no norte da China podem secar em menos de 30 anos.
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Força de trabalho e produtividade no campo
Depois de alcançar a alta histórica de 844 milhões em 1992, a população rural na China diminuiu para 695 milhões em 2012, com uma redução líquida de quase 150 milhões de pessoas. Projeções populacionais feitas pelas Nações Unidas indicam uma redução de mais 100 milhões na população residente na zona rural até 2022. A dimensão desta cifra trará enorme impacto sobre a força de trabalho agrícola, a estrutura de produção, a gestão de terra e especialmente a economia rural. Além do processo de urbanização, a migração motivada por melhores salários nas cidades reforça o fluxo migratório, contribuindo para a redução da força de trabalho no campo, sobretudo entre os mais jovens e com maior escolaridade.
Efetivamente, essa situação continuará privando o setor agrícola chinês da mão de obra necessária para as operações agrícolas de escala de maior e complexidade, como a utilizada para o manuseio de máquinas e equipamentos modernos, o diagnóstico de pestes e pragas, o uso de ferramentas de investimento e comer-cialização, e a gestão eficaz de unidades operativas complexas. Isso poderá, no futuro, limitar a produtividade, reduzir o potencial de oferta e restringir a competitividade do setor agrícola chinês – ameaças que se impõem sobre as diretrizes estratégicas do Estado chinês com relação à segurança alimentar no país.
Estrutura da produção agropecuária chinesa
O desenvolvimento agrícola na China foi alcançado, principalmente, pelo modelo de produção em pequena escala, realizado em pequenas propriedades. A produção agrícola chinesa é dominada por cerca de 200 milhões de peque-nos agricultores, distribuídos pelos diversos territórios do país. Apesar do crescimento da produção pecuária em grande escala, as pequenas propriedades continuam desempenhando um papel importante na produção de suínos e laticínios. Na produção de grãos, a extensão média dos terrenos é pequena e a terra cultivada é fragmentada.
Sabe-se que a pequena extensão e a fragmentação dos terrenos impossibilitam o uso de equipamentos mecâni-cos avançados e, consequentemente, inibem o aumento da produtividade por falta de economia de escala. Essa estrutura também dificulta os investimentos em obras de infraestrutura como estradas e sistemas de irrigação e a implementação de políticas agrícolas regionais como a atribuição de zonas específicas para a produção agrícola comercial. Tudo isso tem, como consequência, um efeito negativo na produção regional ou nacional.
Apesar das características do agronegócio chinês e da política chinesa de autos-suficiência, a demanda por alimentos continuará crescendo
País mais populoso do mundo, a China abriga um quinto da população global. Entre 2009 e 2012, a população chinesa aumentou cerca de 2%, apesar da tendência de redução na taxa de crescimento populacional observada desde a década de 1990 e que deve continuar nos próximos anos. Estima-se que o declínio deva acontecer em 2030, quando a população terá crescido dos atuais 1,3 bilhão para a casa de 1,5 bilhão. Dado o tamanho da população, cada pequena variação na demanda per capita de produtos alimentares vai se traduzir em uma grande cifra em nível nacional. Logo, a China permanecerá como um grande consumidor mundial de produtos agrícolas e a demanda de grãos pode chegar a 700 milhões de toneladas em 2050.
Mais que o crescimento populacional, fatores como a urbanização e o aumento da renda desempenharão um papel cada vez maior na configuração do lado da demanda da balança alimentar na China. Um dos principais motivos da desaceleração do crescimento demográfico, a política de planejamento familiar em vigor desde 1978 conduziu ao envelhecimento mais acelerado da população. Em 2000, a população com menos de 15 anos de idade era quase quatro vezes maior que a parcela com mais de 65 anos, mas até 2030 os dois grupos terão praticamente o mesmo tamanho. Dadas as diferenças na composição de alimentos demandados pelas populações idosa, adulta e jovem, o envelhecimento da sociedade terá impacto sobre o consumo de vários gêneros alimentícios. Por exemplo, pode-se reduzir o consumo de carne, especialmente carne vermelha, com a substituição por outros itens. Embora esse impacto não tenha se manifestado, é uma área que merecerá atenção no futuro.
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Enfim, com a expansão da urbanização e o aumento da renda, o consumo direto de grãos tende a diminuir e o consumo indireto tende a aumentar em função da mudança estrutural da dieta, com preferência para a pro-teína animal, os alimentos processados e o consumo alimentar fora do domicílio. Isso implica maior demanda de rações e farelos proteicos, principal fator impulsionador da demanda de grãos na China nos próximos anos. Para o agronegócio brasileiro, a demanda por soja parece estar assegurada.
Quais são as oportunidades de investimento no agronegócio chinês?
Por ser de interesse para os agentes do agronegócio brasileiro, é importante detalhar minimamente a política de incentivo ao investimento direto estrangeiro no setor agrícola. O investimento estrangeiro direto (IED) na China é regido principalmente pelo Catálogo de Investimento Estrangeiro, com a emenda mais recente feita em 2015. O documento classifica indústrias em categorias nas quais o investimento é encorajado, restrito ou proibido:
n No setor agrícola, a China encoraja o IED para elevar a capacidade produtiva ou desenvolver tecnologia destinada a reduzir a poluição;
n As restrições aplicam-se ao desenvolvimento de sementes convencionais, venda por atacado de grãos e algodão, processamento de sementes oleaginosas, beneficiamento de arroz, trigo, açúcar bruto e milho, bem como produção de biocombustíveis (etanol e biodiesel);
nO catálogo proíbe o IED no desenvolvimento e produção de plantas agrícolas e animais geneticamente modificados.
Como a China mudou o comércio internacional?
Até seu ingresso na Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2001, a participação da China no comércio inter-nacional envolvia essencialmente exportação de bens agropecuários e manufaturas mais simples (o país continua sendo o quarto maior exportador mundial de produtos do agronegócio). No entanto, as transformações radicais dos últimos dez anos alçaram a China à posição de segundo maior importador mundial (atrás apenas dos EUA).
Como exposto, a urbanização acelerada da China (10 milhões deixam o campo a cada ano), a elevação da ren-da, as mudanças nos hábitos alimentares (mais lácteos e mais carnes) e a insuficiente produção doméstica de certos itens de demanda crescente levaram o país a assumir compromissos na OMC que ampliaram o acesso a seu mercado. Apesar de as tradings estatais continuarem desempenhando um papel importante no merca-do de algumas commodities como grãos e algodão, o comércio de produtos agrícolas chineses exibiu novos padrões nas categorias de matérias-primas, refletindo mudanças na estrutura de produção.
É visível o impacto da adesão à OMC sobre o comércio agrícola e de produtos afins, de maneira que as exportações e as importações aumentaram 353% e 407%, respectivamente, de 2001 a 2013, mesmo com a desvalorização do dólar, com exceção de 2009, provavelmente devido à crise econômica mundial. No entanto, o saldo do comércio agrícola da China evoluiu de US$ 15 bilhões em superávit no ano de pico de 2006, para US$ 18,5 bilhões em déficit em 2013. Essa mudança é coerente com a vantagem comparativa da agricultura chinesa, uma vez que é vantajoso para a China importar culturas e produtos com uso intensivo de terra, tais como sementes oleaginosas e óleos comestíveis, e exportar produtos processados trabalho-intensivos, tais como alimentos industrializados, artigos de couro, móveis e produtos têxteis. Em outras palavras, o desafio para o agronegócio brasileiro de conquistar mercado de alimentos na China é bem maior do que o de fornecedor de matérias-primas mais básicas.
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Desde 1993, o crescimento econômico da China oscila entre 5% e 15% ao ano, com uma média anual de 9,6%. Mesmo com uma projeção de crescimento desacelerado nos próximos anos, a renda per capita na China deve dobrar até 2022. Com isso aumentaria, obviamente, a pressão de demanda sobre o mercado de commodities agrícolas da China:
n Tendo em conta os objetivos da política atual, esta crescente demanda provavelmente requereria maiores importações de grãos secundários e sementes oleaginosas para alimentar o setor pecuário em expansão, assim como atender a produção de óleos comestíveis;
n Conforme a economia chinesa se integra à economia mundial, seu crescimento oferece mais oportu-nidades do que desafios para o resto do mundo. É provável que haja uma queda moderada no índice de autossuficiência de todas as culturas com uso intensivo de terra, com exceção de arroz. Isso ocorre dado que essas culturas têm menor vantagem comparativa no mercado mundial;
n Neste mesmo cenário, o aumento mais significativo na importação é esperado entre as oleaginosas;
n A produção de algodão e de outras fibras vegetais deve expandir ao longo do tempo, principalmente por causa do aumento da produtividade, mas continua aquém da demanda doméstica;
n Entre os cereais, os grãos forrageiros representam a maior parte das importações;
n A produção doméstica de açúcar também vai ficar muito aquém da demanda interna e seu nível de autossuficiência será o segundo mais baixo, logo após as oleaginosas;
n As hortaliças constituem o grupo de produtos mais heterogêneos que a China tanto importará quanto exportará em grande volume;
n Já no setor pecuário, a China poderá aumentar as exportações de carne suína e de aves para a Ásia Oriental, União Europeia e NAFTA, enquanto suas importações provenientes da Austrália, Nova Ze-lândia, NAFTA e América do Sul registrarão significativo crescimento.
Em suma, o padrão de comércio agrícola da China é coerente com sua vantagem comparativa e dotação de recursos. Após a entrada na OMC, esse padrão foi reforçado, em um sinal de que a China está se aproximando ainda mais da sua vantagem comparativa no agronegócio com o resto do mundo. O crescimento econômico e a liberalização do comércio facilitarão as mudanças estruturais da agricultura chinesa, que migrará dos se-tores intensivos em terra com menor vantagem comparativa para setores intensivos em trabalho com maior vantagem. Isso deve gerar mais comércio e ganhos para quase todos os países e regiões. O tamanho desse ganho dependerá, no entanto, da natureza da estrutura econômica de cada região. As economias conside-radas complementares em relação à da China sairão mais beneficiadas, ao passo que aquelas que dispõem de estrutura econômica semelhante podem enfrentar efeitos adversos da concorrência chinesa. Será que o agronegócio brasileiro, se quiser aproveitar o mercado chinês, deverá buscar as complementaridades e não arriscar em produtos que a China já é uma grande produtora ou que pretende ser?
Brasil e China: economias complementares?
Ao longo dos últimos anos, as relações econômicas entre Brasil e China passaram por mudanças significativas, sobretudo no que se refere ao intercâmbio comercial entre os dois países. Em boa medida, tais transformações se devem ao desempenho econômico excepcional da China no período, e o consequente deslocamento parcial do eixo econômico e comercial mundial para a Ásia.
No caso das relações sino-brasileiras, o estreitamento das relações pode ser explicado pela complementariedade entre cadeias produtivas das duas economias, exacerbada pelos limites da China em prover as matérias-pri-mas, recursos naturais e outros bens necessários para impulsionar sua própria indústria, bem como alimentar
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uma população cada vez mais urbanizada. Neste cenário, o Brasil passa a ocupar um papel crescente no su-primento de produtos do agronegócio e de extração mineral para o mercado chinês. Coroando este processo, desde 2009, a China se tornou o principal parceiro comercial do Brasil e o principal destino das exportações brasileiras, superando os Estados Unidos, a despeito dos efeitos da crise internacional sobre o comércio in-ternacional. Em números, o fluxo comercial entre os dois países cresceu 26,4% ao ano entre 2000 e 2014, ao passo que o comércio brasileiro com o resto do mundo evoluiu, em média, 8,6% ao ano. O agronegócio foi um dos pilares do aumento das relações comerciais entre os países, crescendo a uma taxa média de 27,6% ao ano no mesmo período.
O fato das importações do agronegócio representarem menos de 5,0% das importações totais brasileiras da China torna o agronegócio um dos fundamentos para que o Brasil financie as importações crescentes de ou-tros setores da economia (por exemplo, produtos eletrônicos, vestuários, etc.). Esta importância é ressaltada a partir da análise da composição do saldo comercial do Brasil com a China entre produtos básicos1 e produtos industrializados (manufaturados e semimanufaturados). O superávit no âmbito dos produtos primários (US$ 33,6 bilhões) é responsável por financiar a importação líquida de produtos industrializados de origem chinesa (US$ 30,4 bilhões) e pela geração de um superávit de US$ 3,3 bilhões em 2014. Vale ressaltar, neste ponto, que o agronegócio é responsável por 60,6% do saldo positivo do comércio bilateral de produtos básicos (US$ 20,4 bilhões dos US$ 33,6 bilhões).
Tal fato implica reconhecer que a composição recente da pauta de exportações para a China está concentrada em produtos de menor valor agregado (básicos e, dentre os industrializados, produtos semimanufaturados), ao passo que as importações brasileiras são praticamente todas relacionadas a produtos com grau elevado de industrialização (manufaturados). Mais precisamente, comparando-se a composição das exportações entre 2000 e 2014, é possível notar que, embora o crescimento no valor exportado tenha sido generalizado, ele ocorreu de forma mais intensa entre os chamados bens intermediários e combustíveis e lubrificantes (entre os setores das contas nacionais); produtos básicos (em termos de valor agregado); e produtos não industriais (em termos de intensidade tecnológica).
São, exatamente, bens classificados nestas categorias que ocupam a maior parte da pauta exportadora brasileira para a China em 2014. Se, em parte, esta concentração reflete a complementariedade entre as economias dos países, por outro lado, ela também é uma consequência do significativo diferencial competitivo da produção industrial sediada na China. No que se refere à pauta do agronegócio, a maior parte das exportações do agro-negócio brasileiro para a China era formada, em 2014, por bens com baixo nível de processamento industrial e/ou nível tecnológico, incluindo: soja em grãos (75,3%); celulose (7,7%); açúcar de cana em bruto (4,0%); outros couros curtidos/peles de bovinos (2,4%); e carne de frango in natura (2,4%).
Enfim, o agronegócio brasileiro tem aproveitado as oportunidades abertas por uma China em transformação para ocupar um papel fundamental no suprimento de recursos naturais e produtos do agronegócio, fato que lhe garante a liderança na produção e exportação mundial em alguns dos mais importantes mercados agrí-colas. Neste mesmo cenário, marcado pelo aumento significativo do fluxo comercial entre os dois países, tem se pautado por uma clara divisão entre as atividades de maior e de menor valor agregado, resultante, por um lado, dos diferenciais competitivos entre os dois países e seus setores produtivos; e, por outro, do ajustamento passivo do Brasil frente às transformações em curso na China. Neste último ponto, é importante destacar outras variáveis e obstáculos de ordem geopolítica e diplomática, focalizados na redução das restrições de comércio externo impostas pelos dois países.
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A China é um grande parceiro, mas não um grande investidor do agronegócio brasileiro
Apesar de a China ter assumido a posição de principal parceiro comercial do Brasil, os investimentos diretos originados naquele país totalizaram apenas US$ 1,93 bilhões no período, valor inferior a 0,4% do total. O fluxo, entretanto, teve incremento significativo a partir de 2010, destacando-se o volume de recursos recebidos em 2014: US$ 1,1 bilhão, ou 50,5% do total no período analisado.
Segundo relatório do Conselho Empresarial Brasil-China, o aumento dos investimentos chineses no Brasil está associado aos efeitos negativos da crise internacional sobre mercados mais tradicionais, caso dos Estados Unidos e da União Europeia. Como resultado, os investidores chineses têm procurados novos mercados, sobre-tudo no chamado mundo emergente. O interesse e a distribuição setorial do IED ressaltam a predominância de projetos que tenham como alvo o aprofundamento da integração entre as economias, sobretudo na expansão e facilitação do comércio bilateral. Assim, além de responder à demanda crescente da China por recursos na-turais (minérios, petróleo e gás, produtos agropecuários), os investimentos chineses têm atuado em prol da instalação de empresas chinesas em território nacional.
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INTRODUÇÃO E ESTRUTURA DO ESTUDO
O agronegócio é conhecido por ser um dos setores mais importantes da economia brasileira na geração de emprego e renda, além de cumprir outras funções decisivas para o desenvolvimento socioeconômico do País, como abastecimento interno e regulação dos preços e do custo de vida.
Apesar de o contexto e as perspectivas do momento atual das economias brasileira e mundial não serem favo-ráveis – no plano interno, eventos climáticos, restrições na oferta de crédito rural e aumento da taxa de câmbio; no plano externo, a desaceleração econômica da China, a reversão dos preços das commodities agrícolas –, os desafios do agronegócio permanecem os mesmos: reduzir custos de produção, aumentar a produtividade, empregar o melhor pacote tecnológico disponível, firmar novas parcerias e explorar novos mercados. Para compreender o cenário atual do agronegócio e projetar o seu futuro, entretanto, é necessário, por um lado, reconhecer a importância do setor e, por outro, avaliar os fatores, os fenômenos e as tendências relacionados ao desenvolvimento recente do setor no Brasil e sua inserção internacional.
De fato, segundo dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq-USP) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o setor consolidou-se como um dos que mais cresce no País, respondendo, atualmente, por quase um quarto da renda nacional. Em 2014, o PIB do agronegócio – in-cluindo os segmentos: (i) insumos para a agropecuária; (ii) produção agropecuária básica ou, como também é chamada, primária ou “dentro da porteira”; (iii) agroindústria (processamento); e (vi) serviços – totalizou R$ 1,23 trilhões1.
Além das características favoráveis do território e do clima brasileiros (extensão e topografia territorial, va-riabilidade climática, disponibilidade de recursos hídricos), a trajetória excepcional do agronegócio nacional foi beneficiada por um conjunto de fatores favoráveis, dentre os quais se podem elencar: a disponibilidade de área para expansão da fronteira agrícola; o desenvolvimento de tecnologias que permitiram a expansão da área plantada e o aumento da produtividade; e o apoio dos instrumentos de política agrícola, sobretudo do crédito agrícola, para financiar os investimentos necessários para a expansão da safra.
Com base no desempenho do agronegócio e na competitividade internacional dos produtos do setor, o Brasil tornou-se autossuficiente no abastecimento interno em diversas culturas, além de ter alçado-se à posição de liderança internacional em cadeias produtivas como soja (em grãos), suco de laranja, carnes de frango e bo-vina, açúcar, café e fumo. Além de ser o líder em tecnologia e produção de energia renovável (álcool), o País firmou-se, também, entre os maiores fornecedores mundiais de milho, algodão e carne suína.
Segundo dados do IBGE, entre 2000 e 2013, a área ocupada pelas lavouras temporárias passou de cerca de 46 milhões para mais de 66 milhões de hectares, uma expansão da ordem de 45%. Trata-se de um avanço inédito no período, sobretudo quando se compara à evolução da área plantada entre países conhecidos como grandes produtores, como Estados Unidos e China. No caso específico de grãos, por exemplo, a área ocupada para plantio expandiu-se em 50,8% no período, atingindo 57,1 milhões de hectares na safra 2013/14; em paralelo, a produtividade (associada a conjunção de novos métodos de produção, melhoramentos em sementes, uso de
1 Segundo o Cepea, o cálculo do PIB do agronegócio é feito pela ótica do valor adicionado, a preços de mercado, computando-se os impostos indiretos líquidos de subsídios. A quantificação dessa medida reflete a evolução do setor em termos de renda real, a qual se destina à remuneração dos fatores de produção: trabalho (salários e equivalentes), capital físico (juros e depreciação), terra (aluguel e juros) e lucros. Considera-se, portanto, no cômputo do PIB do agronegócio tanto o crescimento do volume produzido, como dos preços, já descontada a inflação. O agronegócio é entendido como a soma de quatro segmentos: (a) insumos para a agropecuária, (b) produção agropecuária básica ou, como também é chamada, primária ou “dentro da porteira”, (c) agroindústria (processamento) e (d) serviços. A análise deste conjunto de segmentos é feita para o setor agrícola (vegetal) e para o pecuário (animal). Ao serem somados, com as devidas ponderações, obtém-se a análise do agronegócio.
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fertilizantes, condições financeiras e climáticas favoráveis2) elevou-se de 2,6 toneladas por hectare para 3,4 toneladas por hectare, um aumento de 28,1% (1,8% a.a.).
Além de dinamizar a economia doméstica, o agronegócio tem desempenhado um papel singular no equilíbrio das contas externas brasileiras. O aumento da produção e da produtividade dos principais produtos, aliado ao atendimento da crescente demanda internacional, permitiu ao setor a geração consecutiva de superávits na balança comercial de bens e serviços. Especificamente, o saldo da balança comercial do agronegócio elevou-se de US$ 10,8 bilhões, em 1989, para cerca de R$ 80 bilhões, em 2014. Neste último ano, o setor movimentou 25% do fluxo comercial brasileiro (exportações e importações), exportando cerca de seis vezes mais do que importou em produtos agropecuários.
Com base no desempenho do setor, suficiente para abastecer o mercado interno e gerar excedentes expor-táveis, o Brasil consolidou-se como um dos mais importantes ofertantes de bens agropecuários no mercado internacional. Além de ampliar sua participação no comércio mundial, o agronegócio brasileiro firmou-se, também, como o principal player em diversas cadeias.
O objetivo deste estudo é triplo: (i) elaborar um diagnóstico da importância da dimensão internacional e do papel da China para o agronegócio brasileiro nas últimas décadas; (ii) examinar as transformações que estão ocorrendo no comércio internacional, bem como seu impacto nos segmentos que integram o agronegócio brasileiro; e (iii) produzir informações e análises que permitam a construção de uma agenda estratégica capaz de alavancar a presença do agronegócio brasileiro no mundo e, particularmente, no mercado chinês. Para tanto, ao olhar a questão do comércio internacional e o papel da China e da Ásia, o estudo adota um enfoque amplo do conceito de comércio internacional, compatível com as novas tendências em matéria de negociação comercial, que privilegiam o conceito de cadeias globais de valor, o tema da regulação e os novos acordos comerciais, investimentos e logística.
O estudo encontra-se estruturado em quatro capítulos. No primeiro deles, o documento apresenta uma versão em português de um dos últimos textos do embaixador Clodoaldo Hugueney, intitulado “Rebalanceamento e a política econômica comercial: uma perspectiva diplomática”. Ao longo do texto, o embaixador elucida as-pectos referentes às transformações na ordem mundial, sobretudo no âmbito diplomático. Em um cenário em que prevalecem as incertezas, avalia as opções e estratégias de inserção do Brasil no comércio internacional, vis-à-vis às estratégias e tendências prevalecentes nas agendas de outros países, caso da China, dos Estados Unidos e de membros da União Europeia. Com base nesse diangóstico e em um balanço dos riscos e dos cus-tos das posições brasileiras nas negociações internacionais, procura oferecer, com base em sua experiência, propostas e diretrizes fundamentais para a construção da política comercial brasileira no século XXI.
O segundo capítulo procura, por sua vez, além de oferecer um panorama recente do agronegócio no Brasil, com foco no desempenho recente de algumas variáveis de interesse, analisar a dimensão internacional do agronegócio brasileiro, isto é, avaliar de que formas atividades econômicas envolvidas no sistema agroindustrial nacional encontram-se inseridas no contexto mundial do comércio de bens e investimentos. No plano interna-cional, em particular interessa ao estudo avaliar de que forma as relações comerciais entre Brasil e China têm evoluído com referência à pauta de produtos do agronegócio.
Na sequência, a terceira parte do estudo destaca alguns principais fatores que têm influenciado e condicionado a trajetória e os padrões do comércio internacional nas últimas décadas, a partir de evidências e fatos estilizados que emergem da reconfiguração recente dos fluxos de bens e investimentos e da produção mundial. Nesse âmbito, são avaliados diversos fenômenos fundamentais para compreender as tendências prevalecentes no mundo, incluindo a trajetória excepcional do agronegócio brasileiro. Incluem-se, nesse contexto: a ascensão
2 Boa parte desse avanço nos níveis de produtividade que o setor registou ao longo da última década deve-se ao papel estratégico desempenhado por diversas instituições de pesquisa e apoio, como é o caso da Embrapa, do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), das universidades, dos laboratórios privados etc. Os instrumentos de política agrícola também exerceram um papel importante nesse processo ao dar suporte e viabilizar a produção agropecuária em diversas regiões, sobretudo via expansão do crédito rural no período.
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da economia chinesa, negociações e acordos comerciais, a proliferação de acordos regionais e barreiras não tarifárias etc. Complementarmente, o capítulo avalia, também, os chamados “novos fatores” que influenciam a capacidade dos países em alavancar a competitividade de seus produtos e serviços, caso da logística e da infraestrutura de transportes.
Por fim, em seu quarto capítulo, o estudo dirige seu foco para as transformações e os desafios recentes na China, considerando os impactos do fenômeno e da dimensão da economia chinesa nas estratégias comerciais do país, com destaque para os seus efeitos sobre o agronegócio e o comércio de seus produtos. De fato, a consolidação da posição de destaque da China subordina-se a um conjunto de fatores cujo cerne encontra-se fortemente dependente do setor agropecuário chinês, bem como das complementaridades desenvolvidas no âmbito internacional com vistas à garantia do abastecimento interno do seu gigantesco mercado doméstico.
Para perseguir esses objetivos, o capítulo analisa os principais aspectos relativos às reformas institucionais e socioeconômicas promovidas pelo Estado chinês nas últimas décadas. Afirma-se, nesse sentido, que a inserção e o protagonismo da China no comércio internacional só podem ser entendidos, em sua totalidade, tendo como referência uma agenda estratégica que contempla, entre outros aspectos, as mudanças no campo sociodemo-gráfico e nos hábitos de consumo da população chinesa, seus impactos na demanda por alimentos e produtos agrícolas e os objetivos de segurança alimentar e abastecimento interno adotados pelo governo chinês.
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1. REBALANCEAMENTO E A POLÍTICA ECONÔMICA
COMERCIAL: UMA PERSPECTIVA DIPLOMÁTICA
Clodoaldo Hugueney3
3 O conteúdo deste capítulo é uma tradução do artigo, originalmente em inglês, intitulado: “Rebalancing and the political economy of trade: a diplomatic perspective”. Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada em um painel da conferência The International Politics of Economic Globalization and Emerging Market Economies, realizada no dia 20 de março de 2015, na Faculdade de Administração, Economia e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Pouco antes do falecimento do embaixador Clodoaldo Hugueney, em abril de 2015, o artigo foi submetido à revista Tempo do Mundo, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Meses depois, o artigo foi publicado como homenagem póstuma, na mesma revista (Volume 1, Número 2, Julho de 2015), disponível em: <http://goo.gl/mXZifI>.
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1.1. UM PERÍODO DE TRANSIÇÃO
Atravessamos um período de grande transformação na ordem mundial. Essas mudanças são anteriores à crise,
mas foram revigoradas por ela. Elas incluem uma possível redefinição da ordem mundial de um mundo unipolar
para um multipolar, além do reposicionamento de países e regiões. Elas também englobam uma reanálise da
natureza dos modelos de crescimento e desenvolvimento e dos sistemas econômico e político. O período atual
pode ser caracterizado como um período de transição no sentido de que as relações de poder que prevaleciam
interna e externamente estão sofrendo alterações importantes, cujas natureza e direção estão em discussão.
O resultado desse processo ainda é indeterminado.
Internamente, há um debate aberto acerca da natureza do sistema capitalista e das mudanças às quais ele pre-
cisa submeter-se a fim de evitar uma crise, continuar sendo um impulso para o crescimento, a modernização e
a inovação e corrigir algumas de suas falhas, como, por exemplo, a concentração de renda. Os caminhos para
o desenvolvimento econômico também estão em discussão com o colapso do Consenso de Washington e a
possibilidade de um Consenso de Pequim, pautado por quase quarenta anos de crescimento extraordinário
e pela resposta da China à crise. No âmbito político, o consenso democrático também está em debate, e o
nacionalismo e as formas autoritárias de organização política e social estão em alta. Mesmo que os princípios
básicos do regime liberal-democrático não sejam questionados, a maneira como ele funciona e os métodos
empregados para se chegar a decisões e para instituí-las são postos em xeque, e presenciamos novamente o
ressurgimento do interesse em uma visão mais meritocrática da organização do governo, juntamente com o
aumento dos limites impostos às liberdades individuais.
Em nível regional, há um deslocamento do centro da globalização do Atlântico para o Pacífico. A ascensão da
China, que representa um fator crucial neste deslocamento, está transformando a natureza da globalização. As
cadeias de produção e comercialização, em especial no Leste Asiático, estão mudando os padrões de comér-
cio e dos fluxos de investimento. Esses desdobramentos já produzem efeitos em termos normativos, a partir
de novas ideias de como promover a liberalização de forma plurilateral e multilateral. Modelos de integração
regional estão sendo questionados. O modelo europeu de integração profunda por meio de um processo de
expansão horizontal e verticalização vem enfrentando dificuldades que se devem, apenas em parte, à reces-
são. O modelo de Áreas de Livre Comércio (ALCs) também está sendo discutido, afetado pelas mudanças na
competitividade e pela integração de novas cadeias de produção e comercialização.
Internacionalmente, a ordem de magnitude econômica vem passando por mudanças importantes. A ascensão da
China ao segundo lugar em termos de Produto Interno Bruto (PIB) e a possibilidade de que a economia chinesa
possa superar a dos Estados Unidos nos próximos dez a quinze anos torna essa mudança mais dramática. Outros
países emergentes e em desenvolvimento também fazem parte dessa transformação. A participação de diferentes
países e grupos no PIB mundial, comércio e investimento e sua contribuição para o crescimento global também
vêm mudando com a participação crescente de países emergentes e em desenvolvimento. Isso também está
acontecendo na área monetária, em que presenciamos um papel maior do renminbi4. Em uma economia globa-
lizada, não existe dissociação completa, mas esta ocorre em certa medida. Há, também, um novo crescimento
Sul-Sul no comércio, no investimento e na cooperação que faz parte da dissociação. Há uma nova geografia do
comércio mundial e do investimento em formação. As relações entre o Brasil e a China são um bom exemplo disso.
4 O renminbi é a moeda da República Popular da China e é distribuído pelo Banco Popular da China (N.T.).
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Se o poder econômico está ficando mais difuso, o mesmo não está ocorrendo nos campos político e militar.
Porém, as mudanças no campo econômico devem propagar-se para os outros dois campos. No plano político,
a difusão do poder vem ocorrendo, embora de forma um tanto ofuscada pelas consequências da crise e pelas
crescentes dificuldades em obter o consenso necessário para tratar dos problemas globais e regionais. Não
nos encontramos em um mundo com gravidade zero, mas o consenso internacional sob condições de menor
centralização do poder é mais difícil de se atingir. Os países ascendentes representam poderes assimétricos,
e seus problemas centrais são internos e estão relacionados ao desenvolvimento, limitando sua capacidade e
disposição para assumir maiores responsabilidades. Faltam-lhes o poder individual para influenciar a direção da
mudança, e seus esforços de coordenação são fracos e incipientes. São basicamente poderes revisionistas, mas
até mesmo mudanças restritas no processo de decisão e na distribuição do poder são negadas ou postergadas.
Essas dificuldades na busca de um consenso ocorrem em um momento em que problemas globais, tais como
desenvolvimento, mudanças climáticas, epidemias e terrorismo, carecem de soluções. O BRICS5 e o G-206 são
dois exemplos desse problema. As mudanças em termos políticos também são difusas em várias regiões onde
as estruturas políticas do passado estão sob pressão. Esse é obviamente o caso do Oriente Médio e da África.
Finalmente, a dimensão militar do poder vem se tornando menos relevante para a solução de problemas globais
ou para o enfrentamento das novas ameaças à segurança, como terrorismo e segurança cibernética. A contra-
dição entre supremacia militar e estabilidade econômica também tem aumentado. As estruturas institucionais
também vêm sofrendo pressões em consequência da redefinição dos modelos de crescimento e desenvol-
vimento e de mudanças estruturais. Não apenas a história bem-sucedida da China promoveu o Consenso de
Pequim, como abriu uma rota alternativa para o desenvolvimento. O mal-estar dos países desenvolvidos e sua
dificuldade em buscar um consenso político interno para enfrentar a crise e suas consequências indicam que
alguns dos princípios basilares dos sistemas econômico, social e político desses países estão sendo novamente
questionados. As consequências da crise ainda precisam ser totalmente elucidadas.
Estruturalmente, as mudanças demográficas terão um impacto crescente no nível institucional, por exemplo,
em termos de sistemas de bem-estar e do consenso social que subjaz a eles. O impacto de uma nova gera-
ção de inovações tecnológicas pode fazer com que muitas estruturas institucionais tornem-se obsoletas. A
definição de um novo consenso, interna e externamente, para solucionar esses problemas e para desenvolver
um novo grupo de instituições, tanto nacionais, como internacionais, a fim de promover o desenvolvimento, a
democracia e a mudança, é uma tarefa hercúlea.
A natureza dos problemas do Norte e do Sul costumava ser diferente e salientava a enorme divisão entre ambos.
Hoje, ainda existem diferenças, desníveis e clivagens, mas muitos dos problemas atuais são compartilhados pelos
países desenvolvidos e em desenvolvimento. Isso vem ocorrendo internamente com a ineficácia crescente dos
sistemas políticos, com o aumento da concentração de renda e com a dificuldade de se aceitar uma perspectiva
multicultural em nível global, devido à resistência ao compartilhamento do poder e à obtenção de um consenso,
além da tentativa de considerar países emergentes e em desenvolvimento como desvirtuadores ou obstrucionistas.
Como mencionado anteriormente, os modelos de integração regional também vêm sendo questionados. O
modelo europeu enfrenta um teste crucial em relação à sua capacidade de responder à crise, devido à con-
centração de poder na Europa, ressaltando ainda mais a importância da Alemanha, em razão do declínio da
5 Bloco de países formado por: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (N.T.).
6 Grupo formado pelas dezenove maiores economias do mundo mais a União Europeia (N.T.).
27
importância da Europa e do ressurgimento do nacionalismo e seu efeito debilitante sobre o modelo de integra-
ção. As instituições europeias estão sob tensão, e isso gera repercussões em todos os modelos de integração.
O reaparecimento de um confronto estratégico com a Rússia reabriu o debate que parecia ter acabado com o
fim da Guerra Fria. As negociações do Acordo Transatlântico de Livre Comércio (TTIP ou TAFTA7) podem ser
um grande teste para o modelo europeu e um divisor de águas na União Europeia (UE).
Outros modelos mais simples de integração, tais como as ALCs, também estão sendo questionados, em razão
do crescimento do protecionismo alimentado pela crise, das guerras cambiais que podem intensificar-se e da
nova arquitetura do comércio mundial que vem sendo moldada por meio das cadeias de produção e comercia-
lização globais e regionais. A Ásia e o Pacífico são as duas áreas dinâmicas onde ainda se buscam iniciativas de
integração. Algumas delas têm, também, conteúdo político importante e refletem mudanças no poder global.
Vemos, agora, o ressurgimento do interesse nas negociações regionais e uma mudança no modo e na progra-
mação destas negociações, com mega-acordos inter-regionais, tais como o TTP8 e o TTIP. Estas negociações
são em si extremamente complexas e enfrentam não somente dificuldades na área de comércio, mas também
restrições políticas. Porém, se levados a cabo, estes acordos alterarão o cenário das negociações de comércio
e poderão proclamar o fim do sistema multilateral de comércio, atualmente estruturado e centrado na Orga-
nização Mundial do Comércio (OMC).
Podemos afirmar que temos, agora, três categorias de países em termos de política comercial e abordagem
das negociações comerciais: (i) um grupo de países totalmente integrados ao sistema global de comércio e
que buscam mais oportunidades para melhorar sua participação no comércio mundial por meio da abertura
de mercado e da harmonização e da simplificação de seu investimento e outras regras; (ii) um grupo de eco-
nomias importantes que mantêm uma atitude recalcitrante em relação às negociações comerciais e que viram
sua participação no comércio mundial estagnar (os principais representantes deste grupo seriam Brasil e Índia);
e (iii) um grande grupo de países que possuem uma participação marginal no sistema de comércio mundial e
que, em termos de números, representam a grande maioria da OMC.
1.2 REBALANCEAMENTO E COMÉRCIO
Podemos olhar para as mudanças que vêm ocorrendo no mundo a partir de diferentes perspectivas: mudanças
no poder, transição de um mundo unipolar para um mundo multipolar, reaparecimento da geopolítica, uma era
de entropia e caos etc. Independentemente da perspectiva, algumas características do período parecem so-
bressair-se: um rebalanceamento está ocorrendo nos planos global, regional e interno; o período é considerado
complexo e imprevisível, e é difícil entender a natureza das mudanças em andamento, bem como sua direção e
seu possível desfecho. Não é que as lições do passado tornaram-se irrelevantes, mas estamos adentrando águas
desconhecidas. Nessas circunstâncias, há riscos de tentarmos interpretar as mudanças atuais à luz do passado
ou permanecermos perplexos diante do que está acontecendo e nos escondermos por detrás de generalidades.
7 Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP) ou Transatlantic Free Trade Agreement (TAFTA) (N. T.).
8 Tratado Transpacífico (TTP); em inglês, tem-se Trans-Pacific Partnership (TPP), sigla utilizada por alguns dos autores referenciados pelo autor do artigo (N.T.).
28
Se olharmos para o período atual pela perspectiva do rebalanceamento9, poderemos, talvez, compreender al-
gumas de suas características principais e integrar melhor os planos externo e interno. O primeiro aspecto a ser
notado é que estamos lidando com rebalanceamentos múltiplos. Apenas para mencionar alguns deles: existem
rebalanceamentos internos, entre os quais o mais notável é o processo de reforma na China e a mudança de
um modelo de desenvolvimento baseado em investimento e exportações para um modelo impulsionado pelo
consumo doméstico; há um rebalanceamento global com múltiplas dimensões (política, econômica, militar), que
refletem na redução do poder hegemônico dos EUA e na ascensão da China e de outros países emergentes;
há um rebalanceamento multilateral, refletido na crise das regras multilaterais e das instituições do século XX
e na busca de novas formas de organização do sistema internacional.
O rebalanceamento abrange situações muito diferentes. Devemos, ainda, reconhecer que existem diferentes
rebalanceamentos e que eles possuem lógicas distintas. Por exemplo, na área econômica, um rebalanceamen-
to interno não leva ao rebalanceamento externo. Partindo da ampla análise da introdução para os aspectos
específicos, o presente texto tratará das várias dimensões do rebalanceamento na área do comércio.
Inicialmente, é importante notar que o conceito de rebalanceamento é definido mais ou menos formalmente
em termos econômicos. Para os economistas, há um rebalanceamento interno e um externo, sendo que um
não necessariamente leva ao outro10. Em outros contextos, a ideia de rebalanceamento é definida menos for-
malmente. A aplicação do conceito de rebalanceamento às áreas geopolítica ou militar, como mencionado
neste artigo, teria o risco de tornar um conceito econômico em um termo geral usado de forma imprecisa em
situações muito diferentes. Nesse sentido, o rebalanceamento pode contribuir para a compreensão de algumas
das mudanças em andamento, mas necessitaria da aplicação do conceito fora de sua área original em Econo-
mia, requerendo uma teoria de rebalanceamento.
Seguindo minha experiência diplomática, concentrarei minhas observações sobre a questão do comércio. A
perspectiva diplomática implica uma tomada de consciência sobre as relações de poder e um viés nas ne-
gociações e no pensamento estratégico. Parte-se de interesses nacionais, que são, então, colocados em uma
perspectiva internacional mais ampla em busca de consenso e negociação. As dimensões interna e externa são
cruciais para uma perspectiva diplomática. Em um mundo em que a interdependência está crescendo e em que
a globalização e a integração na economia mundial são fatores determinantes, é importante vislumbrar o am-
biente internacional em termos de desafios e oportunidades e estar sintonizado com as mudanças e tendências
em âmbito internacional. O Brasil, como país continental, sempre foi centrado em si mesmo e introspectivo. O
fato de ter adotado a substituição de importações para promover a industrialização reforçou essa orientação.
A percepção de globalização em termos de ameaças à independência nacional e a persistência de pontos de
vista que consideram a relação interamericana em oposição à autonomia sul-americana impedem uma maior
abertura comercial, uma melhor trajetória de desenvolvimento e uma política externa mais sintonizada com a
tradição internacionalista do Brasil e com as crescentes importância e dimensão do país.
Como uma potência regional e um país em desenvolvimento, assim como a China e a Índia, o Brasil deve colo-
car o desenvolvimento em primeiro lugar. Como a principal potência em sua região e um país sem problemas
9 No original, o termo rebalancing, no estudo das Relações Internacionais, faz referência à balança de poder; daí a opção desta tradução pelo termo “rebalanceamento”, em detrimento de “reequilíbrio” ou, ainda, como prefere a publicação do Ipea, “reajustamento” (N.T.).
10 Ver, a respeito, FUKUMOTO, T.; MUTO, I. (2011). Rebalancing China’s economic growth: some insights from Japan’s experience. Tokyo: Bank of Japan, Jul. (Bank of Japan Working Papers Series, n. 11-E-5). Disponível em: <https://goo.gl/5dpfxG>. Acesso em: 10/03/2015; e DOLLAR, D. (2013). China’s rebalancing: lessons from East Asian economic history. Washington: Brookings Institution, Oct. (Working Paper Series). Disponível em: <http://goo.gl/hQIXAS>. Acesso em: 10/03/2015.
29
territoriais com seus vizinhos, o Brasil não tem ameaças importantes. Como parte de uma região sem rele-
vância geopolítica, o Brasil fica distante de confrontos políticos e militares e de áreas de interesse estratégico
para as principais potências. O Brasil não é uma potência militar importante, e seu poder coercitivo está bem
abaixo do que seria necessário para um país com dimensões, fronteiras e litoral como os que são observados
nele. A política externa brasileira é determinada, em grande parte, pela projeção dos interesses econômicos.
Em termos políticos, o Brasil é um país que sempre buscou a solução pacífica de conflitos, a não interferência
nos assuntos internos e a não intervenção. O Brasil faz parte do mundo ocidental e compartilha muitos de
seus valores, mas, ao mesmo tempo, tem outras dimensões culturais e uma experiência bem-sucedida com o
multiculturalismo. Todas essas características levaram a uma diplomacia ativa, dando ênfase ao direito, e não
ao poder11. Em nenhum outro lugar, isso é mais aparente do que na importância que a diplomacia multilateral
assume no contexto da política externa brasileira.
A prioridade dada ao multilateralismo é uma característica tão forte da política comercial brasileira que, atual-
mente, as pessoas criticam o posicionamento do Brasil em apostar todas as suas fichas em apenas uma opção.
Diferentemente de outros países, as negociações comerciais do Brasil são coordenadas pelo Ministério das
Relações Exteriores. O Itamaraty sempre foi respeitado, tanto dentro, como fora do País, como uma instituição
estatal construída sobre a meritocracia e o profissionalismo. Muito dessa reputação deve-se à condução das
negociações comerciais e à capacidade de combinar interesses ofensivos e defensivos. Atualmente, todavia,
com a Rodada de Doha em suspensão, com o enfraquecimento da OMC e as mudanças que estão acontecendo
no mundo, há uma pressão crescente para revisar a política comercial brasileira, favorecendo uma agenda mais
diversificada de negociações comerciais. O comércio é um excelente tópico para desenvolver a questão das
relações internacionais, já que um grande rebalanceamento vem ocorrendo no campo comercial. Ao mesmo
tempo, a teoria e a prática das negociações comerciais vêm sofrendo mudanças, e algumas delas têm uma
dimensão geopolítica. Finalmente, estas mudanças terão um impacto no Brasil, e o rebalanceamento em an-
damento apresenta desafios e oportunidades para o País que merecem ser considerados.
A discussão a seguir examinará, primeiramente, e de forma breve, três tendências no comércio mundial, dan-
do enfoque ao rebalanceamento em andamento no sistema de comércio mundial. A próxima seção tratará
das negociações comerciais, ressaltando a mudança do âmbito multilateral para o regional e as mudanças na
agenda de negociações comerciais, apresentando algumas considerações acerca da perspectiva dos países em
desenvolvimento. Por fim, o texto discutirá o impacto destas mudanças no Brasil e fará algumas recomenda-
ções em relação à política comercial brasileira, fazendo referência a outros países, especialmente China e Índia.
1.3 ALGUMAS TENDÊNCIAS NO PLANO COMERCIAL
Os relatórios da OMC de 2013 e 2014 procuram analisar as tendências atuais no plano comercial e discutir a
situação dos países em desenvolvimento. Tomando por base os objetivos deste artigo, a discussão será focada
em três das tendências identificadas: redistribuição dos fluxos comerciais e crescente importância dos países
em desenvolvimento; reorganização do sistema mundial de produção e a questão das Cadeias Globais de Valor
(CGVs); e regionalismo e mudança do centro da globalização do Atlântico para o Pacífico. Esta última tendência
11 Em inglês, o autor opõe os termos right (“o direito”) e might (“poder”) (N.T.).
30
põe em voga a relação entre geopolítica e comércio, um assunto que ganha importância com a transição de
um mundo unipolar para outro multipolar.
A primeira década do século XXI presenciou uma maior redistribuição geográfica dos fluxos comerciais, incluindo
um crescimento significativo da participação dos países em desenvolvimento no PIB mundial e no comércio
e, ao mesmo tempo, uma redução na participação da região do Atlântico em prol da região do Pacífico e um
aumento do regionalismo. Na verdade, esses movimentos iniciaram mais cedo, mas se intensificaram com a
ascensão da China e de outros países emergentes e com o impacto da crise nos países desenvolvidos.
Esses movimentos apresentam duas dimensões importantes: o crescimento do PIB acelerou nos países em
desenvolvimento, e as taxas de crescimento dos países desenvolvidos e em desenvolvimento foram, até certo
ponto, dissociadas; e o crescimento da participação dos países em desenvolvimento no comércio mundial,
indicando que os processos de globalização e integração na economia mundial continuaram apesar da crise.
Vamos olhar com atenção estas duas tendências. O crescimento do PIB não foi distribuído igualmente, porém
foi difundido de forma justa em todas as regiões. O impacto da China foi significativo, e a Índia também passou
por um período de grande crescimento. Juntamente com estes dois gigantes asiáticos, outros países também
aumentaram sua participação no PIB mundial, como foi o caso do Brasil. A África continuou a ter taxas de
crescimento bem acima daquelas registradas em períodos anteriores. Em termos de distribuição do PIB, isso
é observado nas projeções de que a ordem de magnitude dos países desenvolvidos e em desenvolvimento irá
mudar drasticamente, fazendo com que, nos próximos dez a quinze anos, o G-712 seja provavelmente formado
pela maioria dos países em desenvolvimento, sendo a China a maior economia do mundo. Isso demonstra uma
grande mudança na distribuição do poder econômico e na divisão entre Norte e Sul, levando à afirmação de
que poderemos presenciar uma “grande convergência”.
Do ponto de vista deste artigo, há duas questões especialmente relevantes sobre a tendência atual: a susten-
tabilidade da tendência atual e a possibilidade de uma grande convergência. Em relação à sustentabilidade,
a incerteza que caracteriza o momento atual torna as projeções de longo prazo arriscadas. Já estamos per-
cebendo uma mudança radical nas projeções de crescimento em alguns países emergentes, e, até mesmo, a
China está direcionando-se a um “novo padrão normal”, em que as baixas taxas de crescimento do PIB serão
a regra e a qualidade irá substituir a quantidade como principal preocupação dos formuladores de políticas.
O Banco Asiático de Desenvolvimento (Asian Development Bank, ou ADB) vem promovendo, por algum tem-
po, a ideia de um “século asiático”. As projeções do ADB baseiam-se na hipótese de que os países asiáticos
conseguirão instituir reformas estruturais e evitar a “armadilha da renda média” (middle-income trap). A China
e a instituição das reformas adotadas na III Assembleia do Partido Comunista Chinês (PCC), em novembro de
2014, são os pontos cruciais para o sucesso dessa reforma. Por outro lado, a economia estadunidense está a
caminho da recuperação, mas a Europa e o Japão estão ficando para trás e enfrentando grandes obstáculos.
Novamente, a última reunião do G-20 na Turquia revelou a preocupação das autoridades econômicas com a
sustentabilidade e a extensão da recuperação e advertiu sobre os perigos de uma “estagnação secular”.
Este artigo não pretende discutir as projeções econômicas mundiais. Tendo em mente o conceito de rebalan-
ceamento, o que poderia ser dito é que ele vem ocorrendo. Parte dele é irreversível, principalmente no plano
12 Grupo formado pelos seguintes países: Estados Unidos, Alemanha, Canadá, França, Itália, Japão e Reino Unido (N.T.).
31
comercial. Em uma economia globalizada, não existe dissociação completa das taxas de crescimento e nenhuma
economia é capaz de sustentar a recuperação da economia mundial por um longo período. O comércio pode
contribuir, mas, na ausência de ajustes internos, isso não ocorrerá por muito tempo. A manutenção da tendên-
cia de rebalanceamento dependerá de aspectos internos, em particular de países maiores como a China, e da
adoção de medidas complementares por todos os países para a correção de desbalanceamentos externos.
Uma grande convergência, bem como um grande reequilíbrio, exigiria uma nova estrutura de regras e institui-
ções multilaterais calcada na ideia de uma redistribuição equilibrada do poder mundial e na sustentação e no
manejo da multipolaridade e da globalização. A transição atual não indica que um novo consenso possa ser
obtido. Pelo contrário, há indícios de que a resistência a mudança está aumentando. No setor do comércio,
com o fracasso da Rodada de Doha e a promoção de mega-acordos, poderemos presenciar uma tentativa de
procurar reverter os ganhos dos países em desenvolvimento e emergentes e de desconstruir o sistema mul-
tilateral de comércio. Com base nessas considerações, parece prematuro falar de uma grande convergência
ou de um grande reequilíbrio.
Em termos de relações comerciais, notamos, novamente, que há uma concentração e uma diversificação no
desempenho comercial dos países em desenvolvimento. A China encontra-se, novamente, em uma categoria
diferente, mas vários outros países aumentaram sua participação nas exportações e importações. Em parte,
isso se deve ao efeito China, especialmente após a crise. O efeito China tem seis componentes principais: (i) a
taxa de crescimento do PIB; (ii) a dimensão da economia chinesa; (iii) o grau de abertura, no qual o comércio
exterior representa uma grande proporção do PIB; (iv) a redução do superávit comercial e o crescimento das
importações; (v) a demanda por commodities que tiveram um grande impacto sobre os países em desenvol-
vimento e cujas exportações ainda se concentram em produtos primários; e, finalmente, (vi) o crescimento de
investimentos chineses em outros países. Porém, a distribuição geográfica do comércio também mudou com
o crescimento contínuo do comércio Sul-Sul.
O efeito China teve um poderoso efeito anticíclico, especialmente em relação aos países em desenvolvimento.
As exportações dos países em desenvolvimento ainda se concentram em commodities e na gigantesca demanda
chinesa por energia, minerais e produtos agrícolas e florestais. Graças à aceleração de projetos de infraestrutura
na China, uma resposta à crise internacional, e aos limites de sua agricultura em atender a crescente demanda
doméstica, produziu-se o chamado “superciclo” nos preços das commodities. Como isso, agora, já é passado,
o consequente declínio nos preços das commodities explica parte da redução nas taxas de crescimento nos
países em desenvolvimento e em sua participação no comércio mundial.
Os rebalanceamentos interno e externo da economia chinesa foram postergados em prol do crescimento em
curto prazo, mas, agora, inevitavelmente, sustentam as projeções de longo prazo da economia chinesa. Se esse
reequilíbrio ainda será obtido, é outra história. Em um estudo recente sobre as consequências das reformas
chinesas na economia brasileira, o Banco Mundial conclui que as reformas em andamento na China podem ge-
rar novas fontes de dinamismo para o Brasil e para a diversificação das exportações brasileiras. O projeto das
reformas envolve grandes mudanças no modelo de crescimento e um aprofundamento das reformas orientadas
para o mercado e para a abertura da economia. O Brasil também terá que fazer reformas para rebalancear e
abrir sua economia a fim de beneficiar-se das mudanças na China.
Existem indícios de que o reequilíbrio está ocorrendo no comércio e no investimento mundiais, em parte impul-
sionado pela crise e em parte motivado pela necessidade de abandonar os modelos anteriores de crescimento.
Contudo, um grande reequilíbrio necessitará de uma combinação de reformas internas e uma reformulação
do comércio mundial e dos sistemas financeiros. Parte da reforma será uma consequência do funcionamento
32
de variáveis econômicas que levarão a correções das taxas de crescimento, balanças comerciais e taxas de
câmbio. Parte resultará de reformas internas, em particular na China, para corrigir seu superávit comercial e
para reformar seus sistemas financeiro e cambial. Outros países superavitários, como a Alemanha, também
terão que passar por reforma, e as principais economias de mercado emergentes, como o Brasil e a Índia, te-
rão que desenvolver e executar uma nova geração de reformas econômicas nas quais o reequilíbrio e maiores
abertura e integração na economia mundial terão um papel importante. Porém, um grande rebalanceamento
exigiria um novo consenso sobre o funcionamento dos regimes monetário, financeiro e comercial e sobre as
instituições que são os pilares destes regimes.
Outro aspecto que parece importante em termos de reformulação do sistema de comércio mundial em um
mundo mais multipolar: a relação entre multilateralismo e regionalismo, e, ligados a ela, o declínio da região
do Atlântico e a ascensão da região do Pacífico. Isso tem múltiplas dimensões, mas o que nos preocupa aqui é
a questão da dimensão econômica e comercial dessa mudança. Esse processo vem acontecendo há algumas
décadas, desde a recuperação do Japão e a ascensão de países recentemente industrializados. Podemos falar
deste período como sendo a primeira fase do rebalanceamento geográfico da região do Atlântico para a região
do Pacífico. Entretanto, o período atual é caracterizado pela ascensão da China e, em menor grau, da Índia.
O regionalismo sempre esteve presente como um elemento importante na criação e no desvio do comércio.
Ademais, o regionalismo responde a elementos geopolíticos em termos da integração de áreas contíguas e da
consolidação de países integrados pelo comércio em um único espaço. O que está em debate aqui é se esta-
mos presenciando uma tendência irreversível ao regionalismo e a importância decrescente do multilateralismo.
O que é novo no regionalismo é o fato de que o comércio está indo em direção à integração nos moldes das
CGVs, e isso tem uma importante dimensão regional.
A outra questão cuja importância vem crescendo é a perspectiva reduzida de integração profunda e o sucesso
de abordagens mais pragmáticas para a integração nos moldes de ALCs de segunda e terceira gerações. Uma
comparação entre MERCOSUL e a ASEAN13 seria instrutiva. O outro elemento nessa equação é o futuro da UE,
onde os incentivos à integração foram profundos e responderam a questões geopolíticas e estratégicas difíceis
de serem reproduzidas em outras regiões do mundo.
Finalmente, devemos levar em consideração a dimensão geopolítica do regionalismo em um mundo mais
multipolar e a possibilidade de organizar o comércio nos moldes dos blocos em conflito liderados por pode-
res regionais e entrepostos regionais. Os elementos dessa tendência já estão presentes em todas as regiões,
especialmente na Ásia.
A concorrência entre multilateralismo e regionalismo sempre foi uma característica do sistema comercial. O
artigo XXIV do GATT14 tentou regular a relação entre os dois sistemas, mas nunca obteve sucesso; além disso,
suas disposições eram frequentemente evitadas ou ignoradas. As tentativas de reforma das disciplinas sempre
enfrentaram a falta de interesse em preservar uma dimensão regional e a habilidade de derrogar as regras do
GATT. Não causa nenhum estranhamento que, nessas circunstâncias, a aplicação do artigo XXIV e as tentativas
de reforçá-lo não tenham progredido muito.
13 Associação de Nações do Sudeste Asiático (ANSEA); em inglês: Association of Southeast Asian Nations (ASEAN) (N.T.).
14 General Agreement on Tariffs and Trade; em português: Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (N.T.).
33
A concorrência entre as duas abordagens das relações internacionais obviamente não está restrita ao comércio,
e o regionalismo pode ser visto como um tipo de componente básico de um sistema multilateral, como ocorre
na relação entre a ONU e organizações internacionais regionais, caso da OEA (Organização dos Estados Ame-
ricanos). A abordagem regional pode, também, preencher as lacunas da abordagem multilateral em regiões
em que o regionalismo é a única alternativa disponível, a exemplo dos acordos e pactos de cooperação militar
e de segurança durante a Guerra Fria, marcada por arranjos de segurança concorrentes. Ela pode competir
com a abordagem multilateral (por exemplo, no comércio), desviando os fluxos comerciais, garantindo acesso
preferencial e cobrindo áreas não sujeitas a disciplinas multilaterais em planos de integração profunda.
Essa relação, às vezes harmoniosa e complementar, mas geralmente concorrente e até mesmo conflitante, não
é novidade. Na verdade, a possibilidade de um mundo organizado em torno de blocos comerciais competindo
por supremacia e expansão tem sido discutida exaustivamente. “Fortaleza Europa” (fortress Europe) era uma
expressão popular utilizada nos primórdios da integração europeia. Os avanços da globalização foram um
poderoso obstáculo para o regionalismo. A presença de um poder hegemônico também é a força principal
por detrás da não discriminação e da abordagem NMF (Nação Mais Favorecida) para a liberalização comercial.
A supremacia ocidental criou um amálgama para o sistema, tanto em termos do processo de abertura do
mercado, que priorizava regiões onde a criação do comércio era benéfica aos participantes dominantes das
negociações comerciais, como em termos das disciplinas essenciais e da teoria de comércio clássica subjacente.
O que estamos vendo agora é o enfraquecimento de todas essas forças que atuaram em prol da abordagem
multilateral para as negociações comerciais. Em um mundo mais multipolar, forças centrípetas tendem a fir-
mar-se e os poderes regionais disputam com a hegemonia a supremacia em suas regiões. O comércio não
é nenhuma exceção. Pelo contrário, o comércio está tornando-se um elemento fundamental nessa disputa,
como mostram os mega-acordos que estão sendo negociados. O regionalismo não ganhou a liderança, mas
está mais fortalecido agora.
1.4 UNIVERSO DAS NEGOCIAÇÕES COMERCIAIS
Agora, podemos nos concentrar nas negociações comerciais e tentar estabelecer uma inter-relação entre as
tendências discutidas acima e o universo das negociações comerciais. A finalidade desta discussão será realçar
algumas das consequências das mudanças na agenda de negociação em termos de negociações multilaterais,
regionais e bilaterais, e em termos das novas questões em debate. Isso não envolve apenas uma tendência que
iniciou décadas atrás para expandir o conceito de comércio, mas também pode levar a negociações comple-
tamente diferentes baseadas no valor agregado e nas CGVs. Desta forma, daremos atenção especial ao futuro
da OMC e da Rodada de Doha, aos mega-acordos e sua dimensão geopolítica e às respostas que essas nego-
ciações estão obtendo no principal país excluído, a China. Os chineses, agora, buscam integrar infraestrutura,
não apenas no Leste Asiático, mas em todo o continente e, também, com a Europa e, até mesmo, a América
do Norte e a América do Sul, como ocorreu, por exemplo, com os dois projetos Rota da Seda e com as iniciati-
vas na África e na América Latina, indicando que a diplomacia comercial chinesa recente está preparada para
contestar o papel de pivô estadunidense para a Ásia e sua dimensão equivalente, a iniciativa transatlântica.
A OMC enfrenta, atualmente, um evidente desafio em relação ao seu papel como sustentáculo do sistema
comercial multilateral. O desafio, na verdade, é do multilateralismo como melhor forma de promover a liberali-
34
zação comercial e a integração dos países em desenvolvimento na economia mundial. Em um artigo publicado
em 2003 na Foreign Affairs, intitulado A high-risk trade policy15 (“Uma política comercial de alto risco”, em
tradução livre), Bernard Gordon discute as mudanças na política comercial dos EUA introduzidas por Robert
Zoellick16 e exemplificadas por sua crença de que:
(...) uma estratégia de liberalização comercial em várias frentes -- globalmente,
regionalmente, e bilateralmente -- melhora nossa alavancagem e promove os
mercados abertos. Como os europeus me apontaram, foi preciso a conclusão do
Encontro entre NAFTA [Tratado Norte-Americano de Livre Comércio] e a primeira
APEC [Cooperação Econômica Ásia-Pacífico] em 1993-94 para convencer a UE a
concluir a Rodada Uruguai. Sou a favor da ‘concorrência na liberalização’ com os
EUA no centro da rede (GORDON, 2003).
Gordon (2003) critica, ainda, essa política e defende o sistema comercial multilateral e a participação dos EUA,
fazendo um esforço para concluir a Rodada de Doha. É interessante notar que o argumento principal do artigo
no que diz respeito à importância do Sistema Multilateral de Comércio (em inglês, Multilateral Trading System
ou MTS) para os EUA tem a ver com a distribuição geográfica equilibrada do comércio estadunidense, um
argumento que foi frequentemente usado pelo Brasil para defender a prioridade das negociações comerciais
multilaterais. Para o propósito deste texto, duas questões levantadas pelo autor são relevantes: a contradição
entre multilateralismo e regionalismo e a concorrência em termos de liberalização comercial e elos comerciais,
uma vez que o processo de negociações comerciais bilaterais e regionais ganha impulso.
Entre 2003, quando Gordon escreveu seu artigo, e o período atual, as mudanças foram significativas, com a
participação dos EUA no PIB mundial e no declínio do comércio e a ascensão da China, agora o maior expor-
tador e a segunda economia mundial. A China alterou o cenário econômico e comercial no Leste Asiático, e,
agora, quase todos os países da região têm a China como seu principal parceiro comercial. Esses números
ressaltam a importância da dimensão comercial do papel de pivô que os EUA têm para a Ásia. O que não
está tão claro é se ainda é possível para os EUA, na eventualidade de uma grande crise econômica na China,
recuperarem sua posição econômica e comercial, e se os países asiáticos estão preparados para optar pelos
EUA em vez de pela China.
O sucesso do MTS em garantir a contínua expansão do comércio mundial e promover a globalização e a inte-
gração dos países no sistema comercial mundial sugere que as vantagens do multilateralismo são evidentes.
O sistema desenvolveu-se desde 1948, e a transformação do GATT na OMC simplesmente é o passo principal
para um processo contínuo de mudanças. Todavia, ao longo de seus quase setenta anos de história, o MTS
não conseguiu lidar satisfatoriamente com certas questões importantes relacionadas ao equilíbrio de direi-
tos e deveres entre os principais parceiros comerciais, originalmente apenas os países desenvolvidos, cujas
exportações concentravam-se nos bens manufaturados e nos serviços, e países que tiveram uma pequena
participação no comércio mundial e cujas exportações giravam principalmente em torno de commodities, ou
seja, os países em desenvolvimento.
15 GORDON, B. K. (2003). A high-risk trade policy. Foreign Affairs, Jul-Aug. Disponível em: <https://goo.gl/2hTPhz>. Acesso em: 10/03/2015.
16 Robert Zoellick foi presidente do Banco Mundial entre 2007 e 2012 (N.T.).
35
O rebalanceamento no crescimento do PIB e nas relações comerciais em andamento colocou essas ques-
tões em evidência. A fórmula de que o desenvolvimento e a agricultura estão no centro da Rodada de Doha,
frequentemente utilizada pelo G-20, é uma indicação concisa da mudança no equilíbrio de forças no MTS. A
questão da redistribuição dos benefícios do livre comércio e da condução e da administração das negociações
comerciais na OMC provou ser um obstáculo difícil, mas inevitável, de ser transposto. Essas questões apresen-
tam, ainda, uma dimensão Norte-Sul, conforme demonstrado no fracasso da reunião ministerial de Cancún e
na habilidade dos países em desenvolvimento de influenciarem decisivamente o ritmo, a agenda e o processo
de decisão das negociações.
Porém, essa dimensão está mudando à luz de dois desdobramentos: o crescimento do movimento antiglobali-
zação nos países desenvolvidos e a crescente importância das chamadas economias de mercado emergentes.
Já há algum tempo, percebemos que alguns dos críticos mais severos da globalização e do livre comércio
estão no Norte, e não no Sul. Existe um sentimento crescente de que essas duas forças agora atuam contra os
interesses das classes trabalhadoras e em prol da concentração e da desigualdade de renda. Isso vem sendo
apoiado e tem adquirido importância entre acadêmicos renomados, como Rodrik e Stiglitz, que atacam as
imperfeições do sistema e seus fundamentos teóricos. Stiglitz, em um artigo em que critica as negociações
do TTP, afirma que:
Hoje, a finalidade dos acordos comerciais é diferente. As tarifas em todo o mundo
já são baixas. O foco mudou para “barreiras não tarifárias”, e as mais importantes
delas — para os interesses corporativos que movem os acordos — são regulamenta-
ções. (...) Mas a maioria das regulamentações, mesmo que sejam imperfeitas, estão
ali por um motivo: para proteger os trabalhadores, os consumidores, a economia e
o meio ambiente. (...) Seria possível, obviamente, obter uma harmonização regu-
latória aplicando os mais altos padrões às regulamentações em todos os lugares.
Mas quando as empresas pedem harmonização, o que elas realmente querem é
um nivelamento por baixo.17
Se olharmos para a relação entre comércio e desenvolvimento, uma característica essencial do movimento
de reforma liderado pelo G-77, notamos que, desde 1964 e a I UNCTAD18, esta relação evoluiu e o ponto de
vista sobre a divisão Norte-Sul e sobre a estruturação dos debates, das negociações e das regras baseadas
na distinção entre países desenvolvidos e em desenvolvimento perdeu terreno e, hoje, é um elemento de
importância secundária nas negociações comerciais. Mesmo nas fases iniciais do debate, três outras ideias
conduziam-no em sentidos opostos: segmentação, diferenciação e graduação. A elas, devemos acrescentar
a supremacia da economia liberal e o sistema financeiro internacional. O término da Guerra Fria e o fim do
Consenso de Washington estrearam o século XXI e as projeções de um mundo mais multipolar e de um debate
mais aberto sobre o modo de desenvolvimento. É necessário reavaliar a questão do desenvolvimento como
uma categoria de estruturação à luz das tendências à multipolaridade, à diferenciação e à graduação e à nova
agenda econômica. A forma como o Brasil, a China e a Índia posicionam-se nesse debate, como os principais
países emergentes, será fundamental para uma perspectiva sobre a questão do desenvolvimento.
17 STIGLITZ, J. (2014). On the wrong side of globalization. The New York Times, 15 Mar. Disponível em: <http://opinionator.blogs.nytimes.com/ 2014/03/15/on-the-wrong-side-of-globalization/?_r=0>. Acesso em: 15/02/2015.
18 Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento – UNCTAD (N.T.).
36
1.5 O MTS E A RODADA DE DOHA
O Sistema Multilateral de Comércio (MTS) encontra-se em uma encruzilhada: como injetar dinamismo em sua
agenda de negociação e revitalizar e concluir a Rodada de Doha em meio a uma recessão e como reformar-se
à luz dos novos desdobramentos do sistema global de comércio? Ao mesmo tempo, o MTS depara-se com uma
crescente concorrência a partir de acordos comerciais bilaterais e regionais. Isso não é novidade, mas, agora,
o sistema e seu pilar estão enfraquecidos, a agenda de negociação está mudando, e algumas das iniciativas
de negociação em andamento concentram-se nesta agenda e incluem uma grande quantidade de comércio
mundial. Estas iniciativas poderiam, então, ser vistas como a base de uma estrutura diferente para o comércio
mundial e de um diferente sistema baseado em regras.
A liderança estadunidense nas negociações comerciais foi associada tradicionalmente a uma preferência por
uma abordagem multilateral. A UE e o Japão, nas atuais circunstâncias, não estão em posição de liderança,
ainda às voltas com a crise e precisando fazer concessões na área onde têm seus maiores interesses defen-
sivos – a agricultura. Os países em desenvolvimento são classificados conforme descrito anteriormente e nas
negociações comerciais sempre tendem a dividir-se de acordo com seus interesses específicos. Além disso,
atualmente, enfrentam o impacto da recessão e da redução na taxa de crescimento da China e precisam en-
carar o desafio de uma nova geração de reforma sob condições difíceis.
Dentre as economias emergentes, a China, como a grande vencedora da globalização, pode exercer um tipo
de liderança em prol do MTS e da liberalização comercial, pois suas reformas exigem uma maior abertura e
uma economia em sua melhor forma. No entanto, os chineses andam ocupados tentando preservar seu espa-
ço regional e contrapor-se às iniciativas estadunidenses. A China também se movimenta cuidadosamente no
plano multilateral.
O Brasil e a Índia estão em uma posição muito menos favorável para contribuírem para a conclusão da Rodada
de Doha e para a reformulação do MTS. O Brasil tem uma agricultura muito competitiva, mas sua indústria
e seu setor de serviços precisam ser reestruturados a fim de tornarem-se competitivos. A Índia também en-
frenta dificuldades, com uma agricultura protegida, uma indústria que necessita de modernização e um setor
de serviços que precisa ser mais competitivo. Ambos os países sempre foram comprometidos com o MTS e,
durante a Rodada de Doha, assumiram posições de liderança e, agora, poderiam tentar atrelar seus processos
de reforma à contribuição nas negociações comerciais. Talvez eles sejam os países que tenham mais a perder
com um novo conjunto de regras comerciais e uma nova geração de acordos comerciais dos quais são exclu-
ídos. Suas opções são reduzidas, mas eles não parecem prontos para comprometerem-se e para liderarem,
como se observa na decisão da Índia de bloquear o acordo de Bali e na falta de iniciativas do Brasil no plano
comercial. O BRICS encontra-se, atualmente, em uma posição difícil para liderar e não tem sido muito ativo
nas questões comerciais.
O MTS enfrenta grandes desafios e não tem liderança, apesar dos esforços do DG19 Roberto Azevêdo. A con-
clusão da Rodada de Doha continua a não ser compreendida pelos negociadores comerciais. A agenda de ne-
gociação da OMC está sendo subjugada pelos desdobramentos atuais. Um processo de reforma para preparar
a OMC para o século XXI parece ainda mais difícil. Se os mega-acordos forem bem-sucedidos – o que é um
19 Roberto Azevêdo é o atual diretor-geral (DG) da OMC (N.T.).
37
grande “se” –, a OMC deparar-se-ia com um enorme obstáculo para integrar seus resultados, mesmo que mais
limitados do que se esperava inicialmente, ao MTS. Nesse cenário, o MTS poderia tornar-se uma espécie de
denominador mínimo comum das regras a serem aplicadas a uma proporção decrescente do comércio mundial.
Nesse contexto, há a necessidade de revitalizar a Rodada de Doha e reformar a OMC, e o Brasil deve participar,
juntamente com outros países emergentes, como a China e a Índia, a fim de ganhar liderança em Genebra.
As dificuldades atuais indicam que seria difícil concluir a Rodada com um alto nível de ambição, algo que tem
escapado aos negociadores comerciais há uma década e que tem sido inatingível em condições econômicas
melhores. Abandonar a Rodada e concentrar-se em uma visão sobre o futuro deixaria uma ferida aberta. Um
consenso sobre a reforma da OMC, necessário para dar legitimidade às reformas, seria ainda mais difícil de con-
seguir, e a OMC poderia envolver-se em uma negociação de divisão interminável que acabaria enfraquecendo-a
ainda mais. Obviamente, é possível analisar as duas questões ao mesmo tempo, e os últimos discursos do DG
parecem indicar que ele está considerando essa abordagem. Esta abordagem, entretanto, pode causar mais
complexidades, pois engendra um novo equilíbrio na agenda da Rodada e reabre a Agenda Doha de Desenvol-
vimento (ADD). Também devemos ter em mente que as reformas necessitam de tempo para amadurecer e ser
negociadas e que sua discussão provavelmente sairia ganhando com um melhor cenário econômico. Sempre
é possível olhar para diferentes combinações e abordagens, mas eu preferiria fazer uma última tentativa e
concluir a Rodada antes de entrar no processo de reforma. O Brasil tem interesses estratégicos em ambas as
questões: a conclusão da Rodada e o futuro da OMC.
A conclusão da Rodada é o primeiro passo para o sucesso, do qual a nova agenda depende. Para o Brasil, prin-
cipal exportador de produtos agrícolas e um país que tem níveis muito baixos de subsídios domésticos e não
utiliza subsídios de exportação, a Rodada, desde o início, representa a oportunidade de integrar totalmente a
agricultura às disciplinas do MTS, limitando os abusos dos grandes subsídios. As negociações dessas disciplinas
apenas podem ser feitas no âmbito multilateral, pois este requer um equilíbrio complexo entre um grande número
de participantes, em particular os EUA e a UE, e uma abordagem técnica complexa das diferentes formas de
apoio doméstico e um equilíbrio entre as reduções nos níveis de subsídios e a abertura do mercado. Também
é necessário que exista um equilíbrio complexo entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, incluindo
segurança alimentar na agricultura e concessões no Acesso ao Mercado para os Produtos Não Agrícolas (Non-
Agricultural Market Access ou NAMA) e serviços. As dificuldades relacionadas a esses tópicos impossibilitaram
chegar a um equilíbrio que pudesse levar à conclusão da Rodada de Doha e, mais recentemente, quase levaram
ao fracasso da conferência ministerial de Bali e ao colapso do pacote de Bali.
O acordo finalmente conseguiu resolver esses últimos impasses, abrindo espaço para um consenso na questão
dos estoques públicos de alimentos até o final de 2015. Em vista da segurança alimentar em muitos países em
termos de seus interesses ofensivos ou defensivos, essa data de final de 2015 pode oferecer a oportunidade de
construir um pacote final para a Rodada. Para chegar a um acordo sobre segurança alimentar, seria necessário
incluir outros tópicos importantes para os países desenvolvidos e em desenvolvimento e lidar com o equilí-
brio central na ADD entre agricultura e NAMA. Evidentemente, os países podem simplesmente concordar em
criar outra data-limite, como têm feito há anos. Porém, sob essas circunstâncias, isso poderia ser um erro de
estratégia. Os países não se reúnem em Genebra para decretar o fracasso de uma rodada comercial, mas isso
poderia ocorrer em consequência da omissão e do tácito consenso para estabelecer negociações em outro lugar.
Concluir a rodada exigiria um esforço conjunto por parte de todos os membros da OMC para engajar, negociar
com seriedade e fazer concessões a fim de se chegar a um possível pacote que não seria ideal ou um pacote
que poderia ter sido instituído há alguns anos, mas que seria equilibrado e aceitável para todos. A principal res-
38
ponsabilidade em obter esse resultado é dos principais parceiros comerciais e dos países em desenvolvimento
emergentes. Tal resultado somente pode ser obtido se os principais envolvidos valorizarem o MTS e a OMC.
E esse é o cerne da questão. Ao lermos um artigo de Michael Froman20, temos a impressão de que os EUA não
apenas reduziram a importância das negociações multilaterais em sua agenda comercial, mas, na verdade, eli-
minaram a Rodada de Doha e a OMC de suas prioridades. Outro aspecto claramente apresentado pelo artigo
é a relação entre comércio e considerações estratégicas. De acordo com o texto:
Os três objetivos comerciais estratégicos do governo de Obama — estabelecer e
aplicar as diretrizes a serem seguidas, fortalecer parcerias e promover o desenvolvi-
mento — têm o objetivo maior de revitalizar a arquitetura econômica internacional.
O estabelecimento e a aplicação das diretrizes a serem seguidas garantirão que
o sistema comercial de amanhã esteja de acordo com os valores e interesses dos
EUA. O fortalecimento das parcerias e alianças dos EUA com outros países pro-
tegerá esse sistema e determinará as bases para a busca de interesses comuns. A
promoção de um desenvolvimento de base ampla e inclusivo expandirá esse sis-
tema para que seus benefícios sejam maiores e mais amplamente compartilhados.
A base econômica da agenda comercial da administração do presidente Obama é
sólida, e os riscos estratégicos de prosseguir com essa agenda não poderiam ser
maiores. Devido às restrições atuais às políticas fiscal e monetária, não há fonte
de crescimento melhor que o comércio. À medida que as tensões aumentam na
Ásia e nas regiões periféricas da Europa, os méritos estratégicos do TTP e TTIP
tornam-se ainda mais claros (FROMAN, 2014, p. 5).
Se os objetivos de negociação dos EUA, juntamente com os objetivos de seus parceiros estratégicos nos me-
ga-acordos, forem os de construir uma nova arquitetura e definir uma nova agenda de negociação focada em
transações plurilaterais com vistas a torná-las multilaterais após a conclusão das negociações, então a conclu-
são da Rodada de Doha perderia o sentido ou seria obtida às custas dos objetivos de negociação dos outros
participantes. Esse seria um resultado difícil de justificar, pois significaria que o custo de salvar a rodada e
manter o sistema multilateral de comércio dependeria apenas daqueles que não participam dos mega-acordos.
1.6 OS MEGA-ACORDOS
Os mega-acordos em negociação podem definir os novos padrões nas regras comerciais e estabelecer seus
próprios mecanismos para a solução de disputas. O segredo por detrás dessas negociações, especialmente no
caso do TTP, contrasta com o processo multilateral da OMC e levanta questionamentos sobre seus objetivos.
Certamente eles respondem a preocupações geopolíticas e constituem parte de uma estratégia global dos
EUA, em que o papel do pivô para a Ásia ocupa uma posição central, como reiterado na Nova Estratégia de
Segurança Nacional21, recém-publicada. Essas mudanças implicam que os mega-acordos possuem uma impor-
20 FROMAN, M. B. (2014). The strategic logic of trade: new rules of the road for the global market. Foreign Affairs, Nov-Dec. Disponível em: <http://goo.gl/upKoxE>. Acesso em: 10/03/2015.
21 National Security Strategy, ou NSS (N.T.).
39
tância que transcende a dimensão comercial e podem representar o passo final na mudança da estratégia de
negociação comercial dos EUA, passando do âmbito multilateral para o regional. Olhemos com atenção para
os mega-acordos sob a ótica de algumas questões horizontais: simetria, agenda, CGVs, parâmetros societários,
transparência e orientação geopolítica. Nesse contexto, haverá, também, questões acerca da relação entre
multilateralismo e regionalismo e entre o Atlântico e o Pacífico.
A simetria está presente em qualquer negociação. Nas negociações comerciais, as dimensões do tamanho de
mercado e o grau de abertura da economia são de especial relevância. A simetria explica a preferência por
negociações multilaterais como uma forma de equilibrar melhor o poder dos principais parceiros comerciais
por meio de coalizões.
Nos mega-acordos, a questão de simetria está presente principalmente no TTP e nos países que não têm
acordos com os EUA. A entrada do Japão nas negociações conferiu um equilíbrio melhor e possibilitou uma
agenda de negociação mais aberta e complexa, haja vista o tamanho da economia japonesa, sua presença nos
mercados asiáticos e as divergências entre o Japão e os EUA quanto a assuntos importantes como agricultura
e indústria automotiva.
O TTIP parece ser uma negociação mais equilibrada. No entanto, mesmo em um acordo entre as duas principais
economias mundiais, a questão da falta de simetria encontra-se presente. Como apontado por Pierre Defraigne22,
“a assimetria das negociações entre duas potências políticas e econômicas muito diferentes, uma América de
ferro e uma Europa de argila, resulta de suas respectivas características e orientações de política”. E, ainda:
O sucesso do TTIP, longe de ser garantido, certamente prejudicaria ainda mais
a parceria já assimétrica da Europa com a América. Ao adicionarmos o domínio
econômico dos EUA à liderança estratégica, o sonho de unificação da Europa
diluir-se-ia. Isso certamente levaria o relativo declínio econômico da Europa, que
é um fato estatístico, à decadência, o que é uma escolha política (DEFRAIGNE,
2014, p. 3).
A agenda de negociações reflete a intenção de ultrapassar as barreiras tradicionais ao comércio e abranger a
área de políticas internas, a fim de estabelecer uma igualdade de condições para o funcionamento das CGVs.
No caso do TTIP, estima-se que 80% dos ganhos em termos de crescimento do PIB e o aumento do comércio
venham de medidas de liberalização na área de regulamentação. Questões mais tradicionais de acesso ao
mercado são importantes no TTP, mas a importância de medidas reguladoras é essencial. Esses acordos estão
sendo vendidos como acordos do século XXI, pois suas agendas indicariam as novas prioridades em termos de
negociações comerciais. No caso do TTIP, a ênfase tem sido na capacidade de estabelecer regras e padrões
globais, fazendo dos dois participantes “criadores de padrões”, e não “seguidores de padrões”23.
Outro assunto que é crucial nas negociações é o tratamento do investimento como um componente indispen-
sável para o estabelecimento e funcionamento das CGVs. Ligada ao tratamento do investimento estrangeiro
está a questão do estabelecimento de um novo mecanismo para solução de disputas com a participação de
investidores privados. O caráter crucial da regulação e do investimento nos mega-acordos tem sido motivo
22 DEFRAIGNE, P. (2014). Departing from TTIP and going plurilateral. Madariaga Paper, v. 7, n. 9, Oct. Disponível em: <http://goo.gl/JKN92H>. Acesso em: 10/03/2015.
23 No inglês, respectivamente, standard makers e standard takers (N.T.).
40
de grande preocupação por parte de movimentos sociais e opositores da globalização. Porém, mesmo um
negociador comercial experiente como Pierre Defraigne defende que:
As regulamentações internas ao comércio internacional são muito diferentes das
barreiras tarifárias. Elas têm impacto sobre o comércio, mas seu propósito principal
não é conter importações, mas proteger o meio ambiente e valores da sociedade.
Isso inclui produção doméstica e importações. Por um lado, elas refletem prefe-
rências coletivas; por outro lado, refletem diferenças técnicas que são, às vezes,
utilizadas como artifícios protecionistas. Nos EUA e na UE, as preferências coletivas
diferem consideravelmente em questões como o princípio da precaução, ilustrado
pela disputa judicial envolvendo hormônios em carne bovina, frango com cloro,
OGMs, proteção à privacidade de dados ou pela preferência por regulamentação ex
ante sobre o litígio ex post e ação judicial coletiva. Em tais casos, a harmonização
das regras e padrões já não é mais apenas uma negociação comercial. Trata-se de
um verdadeiro processo legal. O TTIP está centrado na convergência reguladora
que implica harmonização ou reconhecimento mútuo (DEFRAIGNE, 2014, p. 4).
O Electronic Code of Federal Regulations (e-CFR, ou Código Eletrônico de Regulamentos Federais, em por-
tuguês) realizou um estudo do TTIP24 e concluiu que o acordo seria do interesse da UE. Mesmo essa análise
favorável das negociações reconhece a crescente resistência a algumas das disposições e sugere a remoção
das questões mais controversas, como investimento e o novo mecanismo para solução de disputas. O docu-
mento declara que:
Em razão da oposição pública, a UE deve renovar sua busca por apoio ao TTIP.
Ela deve procurar, rapidamente, estabelecer um acordo estreito que vise à elimi-
nação das tarifas remanescentes no lugar das barreiras não tarifárias. Deve buscar
fazer do TTIP um “acordo vivo” que possa harmonizar gradativamente as normas
e padrões e possibilite compartilhar o fardo entre as entidades reguladoras no
futuro. A resolução de disputas entre investidor e Estado não deve ser aplicada
ao mercado transatlântico (DULLIEN, GARCIA & JANNING, 2015, p. 1).
Este é um ponto interessante a ser realçado em algumas das principais questões suscitadas por essas nego-
ciações: questões de parâmetros societários e transparência. Quando as negociações comerciais passam das
barreiras liberalizantes na fronteira e de outras restrições específicas ao produto para regras e regulamenta-
ções domésticas, elas tendem a incorporar aspectos mais amplos, que têm a ver com diferentes valores em
diferentes sociedades. Essa expansão do conceito de comércio e negociações comerciais está em andamento
há algum tempo. Até certo ponto, esse movimento está por trás de algumas das dificuldades enfrentadas pelo
sistema multilateral de comércio. Agora, estamos entrando em uma nova fase dessa expansão, na tentativa
de harmonizar e simplificar as regulamentações, além de incluir políticas de investimento e tratamento de
investidores. Isso seria coerente com o progresso da globalização e com a expansão das CGVs. Isso explica
a resistência a essas mudanças sob o pretexto de preservação dos valores e das preferências nacionais e de
tentativa de evitar um “nivelamento por baixo”.
24 DULLIEN, S.; GARCIA, A.; JANNING, J. (2015). A fresh start for TTIP. [S.l.]: e-CFR, Feb. (e-CFR Policy Brief). Disponível em: <http://goo.gl/xxuHJV>. Acesso em: 10/03/2015.
41
Atrelada à questão dos parâmetros societários está a questão da transparência. Levantaram-se continuamen-
te dúvidas sobre a falta de transparência dessas negociações. Existe uma clara suspeita de que esta falta de
transparência justifique-se pela natureza das questões em pauta. Uma questão diz respeito aos chamados
Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) e às profundas diferenças entre as sociedades europeia e
estadunidense em relação ao tratamento do tema.
Conforme descrito, o elemento que dá consistência às agendas de negociações é o conceito de CGVs. Se os
principais objetivos dessas negociações são rebalancear os padrões comerciais atuais, conter o crescimento
da China e recuperar a área do Atlântico Norte, o conceito de CGVs é um instrumento valioso para fazê-lo.
Este rebalanceamento tem duas dimensões: o reposicionamento dos EUA na área do Pacífico, com o fortale-
cimento do Japão como seu principal aliado na região, e a contenção da China; e a recuperação da vitalidade
econômica do Atlântico Norte por meio de um elo econômico mais robusto entre os dois lados do oceano. A
OTAN25 teria no TAFTA um braço econômico.
Se considerarmos as três “fábricas mundiais” – EUA, Alemanha e Japão, polos das CGVs –, os dois acordos
recolocariam a importância da área do Atlântico no centro da globalização como criadora de padrões globais,
enquanto, no Pacífico, contrapesariam a ascensão da China e de seu crescente comércio e as relações de in-
vestimento no Leste Asiático com o ressurgimento do Japão.
Podemos, agora, ater-nos à orientação geopolítica dos mega-acordos. Como discutido, existem dois fatores
principais nessa dimensão: a exclusão da China e o uso do TTP como instrumento de contenção, como braço
econômico dos EUA no Pacífico, e como movimento paralelo para recuperar a dimensão do Atlântico, cola-
borando para dar um novo impulso ao Ocidente por meio do TTIP. Nas palavras de Charles A. Kupchan26, em
seu texto sobre as implicações geopolíticas do TTIP:
O TTIP seria, portanto, um passo importante para a renovação da vitalidade política
do ocidente, possibilitando que ele continue atuando como âncora da democra-
cia liberal em meio a um mundo em transformação. A recuperação do ocidente
também reestabeleceria o fascínio pelo modelo ocidental, que assume especial
importância à medida que as potências emergentes traçam seu percurso para os
próximos anos. (...) O TTIP tem, portanto, o potencial de consolidar o elo político
entre os EUA e a Europa em um período em que os laços de segurança podem
estar afrouxando-se. Todavia, como a próxima seção indica, seria uma ilusão, e
talvez perigoso, considerar a expansão comercial como substituto da parceria
estratégica (KUPCHAN, 2014, p. 4).
Essa preocupação com o uso geopolítico das negociações comerciais não é nenhuma novidade. O lançamen-
to das negociações da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) levantou questões sobre a verdadeira
natureza da iniciativa, e estas questões finalmente causaram o fracasso das negociações. No TTP, a tentativa
dos EUA de usar esquemas para equilibrar o poder a fim de conter a expansão da China e criar dificuldades
em sua vizinhança vem provocando contra-ataques da China e um aumento da tensão na região. A ascensão
da China e seu comportamento em relação às disputas territoriais também contribuem muito para as tensões.
25 Organização do Tratado do Atlântico Norte (N.T.).
26 KUPCHAN, C. A. (2014). TTIP’s geopolitical implications. Baltimore: John Hopkins University, Jun.
42
No TTIP, a questão é se faz sentido a UE entrar nesse jogo. Em ambos os casos, a questão, em termos simples,
é se estamos lidando com uma opção inevitável entre os EUA e a China em uma disputa por hegemonia ou se
podemos vislumbrar uma conciliação, o que os chineses gostam de chamar de uma nova relação entre grandes
potências e uma situação em que todos saem ganhando. Os países asiáticos não querem uma situação em
que deverão optar entre os EUA e a China. Na Europa, a resposta pode ser semelhante, e Defraigne sugere a
inclusão da China nas negociações como uma solução:
A UE e os EUA devem tomar mais cuidado ao unirem-se contra a China. Essa
aliança será percebida como duas potências hegemônicas em declínio tentando
ditar suas regras para as potências emergentes. Em vez de engajar-se na cons-
trução de uma nova ordem econômica mundial, o TTIP está tentando prolongar
a velha ordem. Ainda há tempo para interromper o arriscado processo do TTIP
ou, ainda, deixá-lo chafurdar nas areias movediças da contestação popular. Uma
colheita precoce serviria como uma maneira de salvar as aparências. A “multila-
teralização” do TTIP com a inclusão da China seria, portanto, o melhor desfecho
possível (DEFRAIGNE, 2014, p. 16).
1.7 A POLÍTICA COMERCIAL BRASILEIRA E O CENÁRIO
INTERNACIONAL EM TRANSFORMAÇÃO
O Brasil não estava bem preparado para as mudanças que vêm ocorrendo no mundo. Em um exercício de pla-
nejamento de políticas no Itamaraty em 1993, no qual meu amigo, o embaixador Gelson Fonseca, e eu olhamos
para as mudanças que estavam acontecendo no mundo e como o Brasil deveria reagir a elas, praticamente não
existia um espaço para a China. O documento intitulado “Reflexões sobre a Política Externa Brasileira” identifi-
cava a tendência à multipolaridade no cenário pós-Guerra Fria e a necessidade de um maior aggiornamento27
de nossa política externa. Três cenários foram considerados: expansão da globalização, o cenário básico, e
regionalização e fragmentação. Porém, pouca atenção foi dada ao que estava ocorrendo do outro lado do mun-
do e que impacto essas mudanças teriam no Brasil. As dimensões Ocidente e Atlântico ainda monopolizavam
nossa atenção. É interessante mencionar que, em um trecho, o documento sugeria a crescente importância de
um grupo de países continentais, tais como Brasil, China, Índia e Rússia, e identificava seus interesses comuns
em relação a uma reforma da ordem mundial que não levava totalmente em conta seus pesos e interesses. Isso
moldou a base para uma crescente coordenação entre aqueles países e para uma articulação política conjunta
mais sistemática entre os quatro países.
Na esfera comercial, a atenção continuou a privilegiar a área multilateral, a integração regional concentrada
no MERCOSUL e na América do Sul, o hemisfério ocidental, com a ALCA, o Atlântico, a Europa e a África. O
Pacífico raramente era mencionado, e, na Ásia, as atenções eram dirigidas ao Japão e à Índia.
27 O termo poderia ser traduzido, do italiano, como “atualização” ou “modernização” (N.T.).
43
Recentemente, o Itamaraty lançou um exercício semelhante, em um formato um tanto diferente, intitulado Diá-
logos sobre a Política Externa28, para o qual fui convidado para duas mesas-redondas: uma sobre a Ásia e outra
sobre a política comercial. O debate sobre a Ásia foi dominado pela China e seu impacto no Brasil. Em 2000,
ninguém aventava a possibilidade de a China tornar-se o primeiro parceiro comercial do Brasil e um grande
investidor em nosso país e na América Latina. Agora, as oportunidades e desafios da crescente relação com a
China estão no centro do debate. Mas, a discussão também revelou uma falta de experiência sobre a Ásia e a
China e o fato de que a atenção dirigida a essa área no Brasil está ainda engatinhando, um fato apontado por
David Shambaugh quando nos encontramos em Pequim, em 2009, para discutir a crescente presença da China
na América Latina. Apesar da ascensão da China e sua crescente influência no exterior e a possibilidade de
que o Pacífico desbanque o Atlântico como centro de globalização, ainda não reconhecemos completamente
a importância desses desdobramentos para o Brasil.
O debate sobre comércio foi o mais polêmico e animado durante a série de seminários que se estendeu por
um mês. De um lado, estavam os proponentes de uma grande revisão da política comercial brasileira e de sua
agenda de negociações. Do outro, os defensores do status quo e das prioridades do mercado doméstico, do
MERCOSUL e da integração regional e da OMC. Este grupo estava basicamente preocupado com o que viu
como defesa do mercado interno brasileiro e os perigos da integração na economia mundial.
Como resultado de minha intervenção no debate, escrevi um artigo29, publicado como parte de uma série
sobre a política comercial e a diplomacia comercial na Revista do Comércio Exterior. Naquele artigo, defendo
algumas ideias básicas: a política comercial do Brasil está desatualizada, não é funcional e necessita de uma
revisão completa; esta reforma deve ser realizada no contexto de uma revisão da política macroeconômica
brasileira, juntamente com algumas políticas setoriais, em especial a taxa de câmbio e políticas industriais; esta
reforma deve ser acompanhada por grandes esforços para simplificar procedimentos burocráticos e reduzir
as barreiras ao comércio e ao investimento.
Também proponho uma vasta reorientação de nossa estratégia de negociação comercial, mas advirto para o
fato de que as negociações não podem comandar o processo de reforma. Na ausência de mudanças internas
na política que possam mudar o foco, passando de uma abordagem defensiva para uma ofensiva, seria inútil
desenvolver uma agenda ambiciosa de negociação. A política comercial atual não favorece o engajamento nas
negociações comerciais com seu viés em relação à proteção do mercado interno, o uso de instrumentos que
datam da época áurea da substituição da importação e sua defesa das margens de preferência do MERCOSUL
como uma espécie de bastião contra a integração hemisférica liderada pelos EUA.
Esse duplo condicionamento da nossa estratégia de negociação comercial é parte integrante de uma visão
negativa da globalização e do papel que a liberalização comercial tem no crescimento e no desenvolvimento.
Também justifica a preferência pela abordagem multilateral, para que, na OMC, os interesses de defesa, que
são prioridade, possam ser salvaguardados. Esses posicionamentos deram origem, ao longo dos anos, a uma
série de interesses que apoiam uma agenda de negociação focada na OMC e no MERCOSUL e contra as ne-
gociações com os principais parceiros comerciais. Mais recentemente, acharam argumentos em defesa de sua
abordagem no chamado custo Brasil, uma extensa lista de problemas que conspiram contra a competitividade
do Brasil e para a deterioração do setor industrial.
28 Ver página do evento no Itamaraty: <http://goo.gl/w1bdcE>. Acesso em: 10/03/2015.
29 HUGUENEY, C. (2014). Brazilian trade policy: old questions, new challenges. Revista Brasileira de Comércio Exterior – RBCE, n. 119, p. 4-9, Apr-Jun. Disponível em: <http://goo.gl/GBdvWR>. Acesso em: 10/03/2015.
44
A essas orientações, devemos acrescentar a competitividade do Brasil no setor agrícola e a queda da produtivi-
dade no setor de transformação como um obstáculo para um engajamento bem-sucedido. Nas últimas décadas,
o Brasil tornou-se um grande produtor e exportador de produtos agrícolas e um concorrente sério dos EUA.
Em consequência desses desdobramentos, o setor agrícola assumiu uma posição de liderança em favor da
liberalização comercial, da eliminação de todas as medidas distorcivas de apoio à agricultura e da proposição de
uma agenda de negociação comercial mais agressiva. Um resultado equilibrado em uma negociação comercial
para o Brasil exigiria a abertura de mercado na agricultura e a proteção dos produtos industriais. Essa não é
uma combinação muito favorável para se produzirem negociações comerciais bem-sucedidas.
Mais recentemente, devido à deterioração de nosso comércio e dos saldos em conta corrente, estamos pre-
senciando um interesse renovado na reforma das políticas comerciais e um nível maior de apoio à mudança
no setor de negócios, incluindo o setor industrial. Esse não é o melhor momento para realizar um exercício
de reforma e abertura, e a política comercial é, na melhor das hipóteses, uma política auxiliar. Internamente,
a economia está entrando em recessão, e a conta externa está piorando. Em termos mundiais, a recuperação
ainda é incerta e a agenda de negociação enfrenta dificuldades e envolve outros países e assuntos que não
são prioridade para o Brasil. Em termos regionais, o MERCOSUL não é funcional e as poucas iniciativas na ne-
gociação comercial excluem o Brasil e o MERCOSUL. O centro da globalização está mudando para o Pacífico,
e as iniciativas que ainda restaram para o Atlântico, isto é, a negociação com os EUA e a cooperação com a
África, estão, na melhor das hipóteses, estagnadas. O acordo UE-MERCOSUL, depois de mais de dez anos de
um processo intermitente, agora está praticamente abandonado, vítima de um interesse reduzido na UE e da
paralisia do MERCOSUL. Na África, a presença crescente da China, juntamente com as dificuldades econômicas
do Brasil e a redução de gastos na área de política externa, acabou reduzindo a presença do Brasil na África.
Por outro lado, se o momento não é o mais propício para instituir novas políticas, é um daqueles momentos
em que há um crescente reconhecimento de que políticas anteriores falharam, que a necessidade de explo-
rar novos caminhos é inevitável e que o País pode desistir da oportunidade de seguir um novo curso. Isso se
aplica especialmente à esfera comercial, onde os resultados negativos de nossas exportações de manufatu-
rados, combinados ao final do superciclo de commodities, levaram a um reconhecimento crescente de que
não existe espaço para complacência. A desvalorização do real dá um pouco de alento ao setor industrial e
oferece a oportunidade de explorar a viabilidade de um trade-off entre a redução das barreiras ao comércio e
a desvalorização da moeda, conforme proposto por Edmar Bacha30. Em seu artigo, Bacha (2014), partindo da
abertura limitada da economia brasileira e concluindo que as chances para retomar o crescimento requerem
um aumento significativo na participação das exportações no PIB, propõe um programa para a integração da
economia brasileira à economia mundial. Como pilar central deste programa, ele sugere a substituição das
barreiras ao comércio por uma taxa de câmbio desvalorizada. Outras sugestões surgiram, e todas parecem
partilhar da preocupação com a necessidade de o Brasil “reformar e abrir” sua política comercial.
Como este artigo ressalta a dimensão externa e como a maior parte da minha experiência como diplomata
concentra-se na área de negociações comerciais, eu teço, agora, alguns comentários e recomendações acerca
da estratégia brasileira de negociação comercial, precedidos por uma breve tergiversação sobre a dimensão
do desenvolvimento de nossa política comercial externa.
30 BACHA, E. (2014). Integrate to grow: Brazil in the world economy. Revista Brasileira de Comércio Exterior – RBCE, n. 118, p. 4, Jan-Mar. Disponível em: <http://goo.gl/OqbkXV>. Acesso em: 10/03/2015.
45
Como indicado anteriormente, a visão de um mundo dividido em Norte e Sul vem perdendo sua capacidade de
mobilizar e estruturar negociações. No âmbito comercial, esta concepção enfrentou dificuldades desde o início,
conforme mencionado. Mas, agora, estamos enfrentando um problema diferente. Os países emergentes ou
economias de mercado são, finalmente, uma combinação de diferenciação e graduação que parece encontrar
apoio na evolução econômica de um grupo de países em desenvolvimento e na aceitação entre os países que
são graduados. A China é, atualmente, a segunda maior economia mundial e o principal exportador, mas um
país em desenvolvimento. A Rússia é uma economia de mercado emergente, mas não um país em desenvol-
vimento. O Brasil, a Índia e outros países são rotulados como países emergentes e concordam que precisam
assumir mais responsabilidades. E esse é o “x” da questão: partilha de encargos. Estamos presenciando uma
mudança que cria uma camada superior de países em desenvolvimento, como vimos, no início, com a criação
de uma camada inferior – os Países Menos Desenvolvidos (Least Developed Countries, ou LDCs).
O desenvolvimento continua sendo uma questão global crucial, mas, por razões de negociação, a visão do
mundo dividido em Norte e Sul perdeu sua capacidade de mobilizar e levar a uma reforma. O diálogo substituiu
o embate, a ofensiva liberal das últimas décadas do século XX, juntamente com o fracasso de muitos experi-
mentos heterodoxos e o fato de que muito poucos países foram graduados, transformou as certezas anteriores
em dúvidas. O impacto da globalização e o sucesso de países como a China, que acolheram a globalização,
mudaram a visão das relações comerciais mundiais. Precisamos repensar todo o processo de como conduzir
as negociações comerciais na OMC e de como integrar a dimensão de desenvolvimento às regras de comér-
cio. O tratamento especial e diferenciado precisa dar lugar ao desenvolvimento sustentável, e o impacto do
comércio na distribuição e na desigualdade de renda intra e internacionalmente precisa ser levado em conta.
O Brasil continua sendo um país em desenvolvimento, e, como tal, os problemas de desenvolvimento têm uma
influência maior em sua posição acerca de questões internas e externas. O que este trabalho sugere é que a
agenda de desenvolvimento deve ser reavaliada com vistas a adaptá-la aos desdobramentos internos no Brasil
e em outros países em desenvolvimento que agora são países emergentes e aos desdobramentos no mundo,
com os primeiros passos em direção à multipolaridade, à ascensão da China e à nova geografia econômica do
comércio e da cooperação Sul-Sul.
Essas mudanças devem levar a uma diplomacia econômica mais pragmática, aceitando a globalização como
uma realidade e desenvolvendo uma maior integração do Brasil à economia mundial. Parte dessa reforma
seria ampliar a agenda de negociação comercial, levando em conta, mais abertamente, seus novos tópicos.
Nesse caso, o Brasil deve diversificar seu “menu” de negociações, preservando a importância da abordagem
multilateral, mas explorando outras possibilidades em âmbitos regional, multilateral e bilateral. Essas mudanças
devem reconhecer, também, que o Brasil estaria preparado para assumir maiores responsabilidades. Agora,
precisamos analisar cada um dos diferentes cenários de negociação, a fim de identificar novos caminhos para
a agenda comercial brasileira.
1.8 O MTS E A OMC
No presente momento, a Rodada de Doha tem três alternativas: fracasso por predefinição; uma negociação
demorada em busca de um resultado ambicioso para o qual não há claramente nenhuma apetência e que,
provavelmente, após mais um tempo perdido, levaria à primeira alternativa; e uma última tentativa de concluir
a rodada até o final de 2015 com um pacote viável e equilibrado. O Brasil deveria privilegiar esta última alter-
46
nativa, pois tem interesses estratégicos em risco na Agenda Doha de Desenvolvimento e no futuro da OMC.
Se for esse o caso, o Brasil deve retomar sua participação em Genebra e nas capitais dos principais parceiros
comerciais e exercer sua liderança para concluir a Rodada de Doha. Nesse contexto, a mobilização do G-20 e
o fortalecimento da coordenação com a China e a Índia devem ser prioridades.
Para o Brasil, a conclusão da Rodada oferece, também, a oportunidade de revisar sua política comercial e ins-
tituir as mudanças internas necessárias que poderiam contribuir para a rodada, além de ampliar sua agenda
de negociação. Com a queda nos preços das commodities, alguns dos efeitos de distorção dos programas de
subsídios, especialmente nos EUA, estão tornando-se mais aparentes. As negociações na OMC oferecem uma
oportunidade de abordar essas questões e concordar com mudanças que podem ser instituídas gradualmente.
Por outro lado, alguns dos programas brasileiros no setor industrial estão sob análise, e as negociações do
NAMA são uma saída, já que a reforma nesses programas pode ser apresentada como parte da contribuição
brasileira para a Rodada. A conclusão da rodada pode injetar um pouco de dinamismo na economia mundial
e, ao mesmo tempo, revitalizar o apoio ao sistema multilateral de comércio e à OMC, abrindo caminho para a
reforma. Mas, não se pode pedir que o Brasil pague o preço de sustentar o MTS e a OMC.
Nas circunstâncias atuais, parece muito difícil obter apoio para a reforma da OMC, com a atenção focada em
outro lugar em termos de problemas internos e negociações comerciais e um compromisso cada vez menor
com os sistemas multilaterais de comércio. Isso não é um problema da OMC. As reformas das instituições de
Bretton Woods encontram-se inacabadas. As pessoas falam muito pouco da reforma do Conselho de Segurança
da ONU. Se ainda não adentramos um mundo com gravidade zero ou um período de caos, estamos em um
momento em que alguns defendem o status quo e veem o futuro sempre da mesma forma, enquanto outros
têm interesse em algo diferente, mas são incapazes de articular completamente suas propostas de mudança,
ou, ainda, são incapazes de instituí-las. Alguns sinais iniciais do que esse novo multilateralismo possa ser po-
dem ser encontrados na decisão do BRICS de estabelecer o Novo Banco de Desenvolvimento e na criação do
Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura.
As negociações comerciais sempre ocorreram em diferentes formatos e incluíram diferentes agendas. Mas,
quando olhamos para acordos que correspondem a 50% do comércio mundial e temos uma agenda que trata
de assuntos que estão fora do escopo da OMC ou encontramos apenas um tratamento limitado sob suas dis-
ciplinas, é possível concluir que o que estamos presenciando é a criação de uma estrutura multilateral paralela
semelhante àquelas mencionadas anteriormente, mas com um significado bem maior. Todas essas iniciativas
são parte do que podemos denominar de novo multilateralismo de um mundo multipolar. Contudo, os me-
ga-acordos enfrentam, como a Rodada de Doha, grandes obstáculos para sua conclusão. Algumas destas
dificuldades são semelhantes e precisam dar conta da situação econômica atual e da reação à globalização.
Outras são específicas dos mega-acordos e relacionam-se a tópicos da agenda tais como investimento e novas
regras para a solução de disputas e à falta de transparência nas negociações.
A globalização requer uma estrutura regulatória multilateral, e a importância do sistema multilateral de comér-
cio tenderá a crescer em proporção à integração de um número maior de países na economia global, com as
mudanças em andamento no PIB e no comércio favorecendo os países em desenvolvimento, com o surgimento
de novos tópicos, como as CGVs e suas necessidades em termos de um campo de atuação global. Todos esses
aspectos favorecem uma reflexão sobre o futuro da OMC e do MTS. Essa discussão já se iniciou e, na verdade,
não é nova. Durante a existência do GATT e após a criação da OMC, vimos mudanças e adaptações, algumas
delas resultantes de um consenso multilateral e outras decididas politicamente pelos principais participantes.
Essa linha de ação sempre é possível e pode evitar um amplo debate acerca da agenda de reforma. Uma alter-
47
nativa seria iniciar uma discussão em Genebra sobre uma agenda de reformas e sobre o tipo de organização
e sistema que cumpriria os requisitos das mudanças em andamento na economia mundial.
A transformação gradual não irá resultar em uma OMC para o século XXI. Faltariam dois ingredientes básicos:
legitimidade e equilíbrio. A OMC tem condições melhores para reformar-se, modernizar-se e continuar sendo
o pilar do MTS. A globalização exige regras multilaterais, ainda tem apoio e prestígio, mas principalmente
porque a regulamentação e a liberalização do comércio não mexem em pontos nevrálgicos do poder, como a
reforma do Conselho de Segurança ou as instituições de Bretton Woods. A redistribuição do poder no setor
do comércio está a caminho e é irreversível. A Rodada de Doha vivenciou uma redistribuição de poder na for-
ça de decisão em Genebra, com maior transparência e com os países emergentes e em desenvolvimento no
centro das atenções. Novamente, as reformas estão a caminho, e seria um erro tentar ignorá-las ou revertê-las.
Concluo esta seção com breves sugestões para uma possível agenda para a reforma da OMC. O primeiro ponto
deveria lidar com a ampla perspectiva do comércio e suas relações com o desenvolvimento. Muitas questões
poderiam fazer parte desse debate, mas eu selecionaria duas como as mais relevantes: a correlação entre li-
beralização do comércio e distribuição dos benefícios do comércio; e as regras que dizem respeito aos países
em desenvolvimento. Estas duas questões estão interligadas.
A relação entre comércio e distribuição, agora, é uma questão que diz respeito aos países desenvolvidos e em
desenvolvimento, como demonstrado pela reação contra a globalização e contra os mega-acordos. A partir de
uma nova visão sobre o papel da liberalização do comércio no crescimento e no desenvolvimento, podemos
obter uma nova abordagem em relação ao desenvolvimento no MTS que iria além das disposições de trata-
mento especial e diferenciado31. Essa nova abordagem em relação ao desenvolvimento e ao comércio faria com
que a abordagem Norte-Sul em relação às negociações comerciais se tornasse coisa do passado. A relação
entre comércio e desenvolvimento não seria vista como a consequência natural da liberalização do comércio
e da integração à economia mundial, mas como o resultado de uma interação complexa de políticas em que a
liberalização do comércio pode assumir um papel como instrumento para o crescimento e o desenvolvimento.
O segundo ponto da agenda lidaria com a questão da OMC como uma forma de negociação. Novamente, há
dois aspectos relevantes: as negociações em rodadas baseadas no princípio do compromisso único e a relação
entre negociações multilaterais e plurilaterais.
O terceiro ponto trataria da agenda da OMC. Esta agenda vem evoluindo desde os primórdios do GATT, e a
OMC incluiu várias novas áreas importantes, como serviços, direitos de propriedades intelectuais e investimen-
to, estas duas últimas sujeitas a uma abordagem limitada. A questão da agenda é difícil de negociar, porque
traz à tona a questão do equilíbrio e a questão de onde estabelecer um limite em termos da abrangência das
negociações comerciais. A solução dos dois pontos anteriores poderia facilitar a aceitação de uma nova agen-
da, pois o desenvolvimento seria crucial e as negociações plurilaterais e uma agenda contínua de negociações
poderiam ser aprovadas.
O quarto ponto refere-se a duas questões interligadas mas separadas: os métodos de trabalho da OMC e o
formato do processo de coalizões e de criação de consenso. Quanto aos métodos de trabalho, poderíamos
explorar novas formas de articulação entre grupos pequenos e informais, abordagens plurilaterais e o formato
31 No original, S&P: Special and Differential Treatment (N.T.).
48
multilateral. Quanto às coalizões, a divisão Norte-Sul, já não muito presente nas negociações comerciais, seria
substituída por grupos temáticos como o G-20, o Cairns e o G-33. Estes grupos concentram-se em problemas
específicos e, pela sua filiação, que inclui países com diferentes interesses e perspectivas, podem ser vistos
como peças naturais para a construção de uma abordagem multilateral para o consenso.
O último ponto trataria dos procedimentos para a solução de disputas e investigaria novamente algumas
questões gerais, tais como observância e represália, além de questões práticas como tamanho e composição
do Órgão de Apelação para facilitar a participação no processo de litígio.
1.9 NEGOCIAÇÕES PLURILATERAIS E BILATERAIS
A nova agenda de negociações comerciais, com os mega-acordos e outras iniciativas e com a proliferação de
acordos bilaterais, deve ser analisada cuidadosamente pelo Brasil, por diversas razões. A primeira tem a ver com
o possível impacto destas negociações no MTS e na OMC, um assunto que foi discutido anteriormente. Nova-
mente, o texto de Defraigne, mencionado antes, discorre claramente sobre essa questão: “O multilateralismo
de Bretton-Woods forneceu ao mundo 30 anos de crescimento econômico após a Segunda Guerra Mundial”. E:
Todavia, a globalização orientada para o mercado assumiu o controle e obteve
sucesso em produzir certa convergência Norte-Sul através da ascensão da Ásia,
liderada pelo renascimento da China. Essa mudança no equilíbrio de poder entre
economias emergentes e avançadas deve traduzir-se em um novo tipo de gover-
nança. Esse modelo de governança deve ser construído sobre os pilares de Bret-
ton-Woods e deve reter seu caráter multilateral, mas com o rebalanceamento dos
direitos de voto e flexibilidade suficiente que permitam a diversidade dos modelos
de desenvolvimento em economias que estão tentando recuperar o atraso. O TTIP
vai em uma direção oposta, substituindo a pressão por negociação e impondo um
modelo de referência do tipo “universal” (DEFRAIGNE, 2014, p. 9).
A segunda é o impacto que as negociações podem ter sobre o acesso do Brasil aos mercados. Vários estudos
foram realizados sobre esse tema; a maioria de autoria de Vera Thorstensen e Lucas Ferraz32. Estes estudos
indicam que o impacto sobre o Brasil em termos de crescimento do PIB e do comércio seria importante no
caso de reduções ou, até mesmo, eliminação de tarifas. Entretanto, se forem incluídas as barreiras não tarifárias,
o impacto aumentará consideravelmente, corroborando as avaliações de que os principais resultados dessa
negociação viriam da harmonização regulatória. A principal conclusão do estudo é que:
(...) a conclusão do TTIP e TPP representará uma séria ameaça ao Brasil. O país
não apenas perderá espaço no mercado internacional, mas também será deixado
para trás nas negociações das regras internacionais de comércio, reduzindo seu
papel atual como uma relevante entidade regulamentadora global, passando a
um papel secundário de um tomador passivo de regras. Em tempos de CGVs, a
32 THORSTENSEN, V.; FERRAZ, L. (2014) The impact of TTP and TTIP on Brazil. São Paulo: FGV, Janeiro. Disponível em: <http://goo.gl/K7L2Lu>. Acesso em: 10/03/2015.
49
integração do Brasil às principais economias é fundamental para a sobrevivência
da indústria (THORSTENSEN & FERRAZ, 2014, p. 7).
E os autores recomendam, ainda:
(...) a negociação de um acordo entre o Brasil e a UE, agora em sua fase final, é
um passo importante e deve ser concluída rapidamente, antes da finalização da
negociação do TTIP. Porém, um segundo passo também precisa ser considerado
seriamente – aquele que diz respeito a um acordo com os EUA. Não há “lógica
comercial” em um acordo com a UE sem um acordo com os EUA no caso de um
TTIP bem-sucedido. Com o TTIP e TPP, surge uma nova oportunidade para o
Brasil. É hora de revisar as prioridades e reavaliar perdas e ganhos. Os custos do
isolamento do Brasil no mundo por causa das dificuldades do MERCOSUL devem
ser reavaliados com cautela (THORSTENSEN & FERRAZ, 2014, p. 8).
Como apontado por Otaviano Canuto33 em um artigo recente, não devemos considerar essas negociações de
forma leviana, pois existem outros fatores relevantes que podem afetar o Brasil. Ele assevera que:
(...) o potencial impacto dos mega-acordos comerciais transcende a forma como
eles afetam o comércio, uma vez que a exposição a um aumento na concorrência
interna e o impacto desses acordos nos destinos das exportações e em terceiros
mercados podem elevar a produtividade e melhorar a concorrência. Isso se aplica
não só aos setores comercializáveis, mas também a atividades não comercializáveis
nas economias participantes (CANUTO, 2015).
A terceira razão diz respeito à menor capacidade de o Brasil integrar as CGVs. O Brasil não pode competir
com produtores de trabalho de baixo custo e integrar as CGVs na extremidade inferior. Sem a reforma de seu
comércio e da política industrial, o Brasil também enfrentaria grandes dificuldades na integração de CGVs na
extremidade superior.
Esses problemas têm um impacto direto, conforme mencionado por Baldwin, nos principais países emergen-
tes, como Brasil, China e Índia. A China, entretanto, já apresenta abertura e integração e está empreendendo
grandes reformas com a intenção, dentre muitos outros objetivos, de mudar sua posição nas CGVs e migrar
de uma economia quantitativa para uma qualitativa. O Brasil e a Índia têm uma tarefa mais árdua. De qualquer
forma, esses países, no caso de uma conclusão bem-sucedida dos mega-acordos, teriam que tomar uma de-
cisão drástica, aceitando estes acordos e estando em conformidade com os novos padrões ou os rejeitando e
ficando ainda mais isolados. De acordo com Baldwin34, a OMC era tradicionalmente o primeiro pilar do MTS e
os acordos comerciais regionais teriam que seguir suas disposições. Com os mega-acordos, a situação pode
ser revertida se a negociação central ocorrer no plano regional e os resultados forem multilateralizados.
33 CANUTO, O. (2015). Are mega-agreements a threat to Brazil? The World Post, 28 Apr. 2015. Disponível em: <http://goo.gl/QhPyWE>. Acesso em: 10/03/2015.
34 BALDWIN, R. (2014). Trade and flag: the changing balance of power in the MTS. Monograph (Graduate) – Institute Geneva, Geneva, Abril.
50
O fato de o Brasil não fazer parte de muitas CGVs é enfatizado por Canuto et al.35:
A extraordinária falta de abertura do Brasil e seu pequeno número de exportadores
estão intimamente ligados ao fato de que as empresas brasileiras encontram-se
pouco integradas às cadeias de valor internacionais. Isso pode ser observado na
porcentagem bem elevada do valor agregado doméstico das exportações brasilei-
ras, o que implica que tais exportações incorporam poucos componentes e bens
intermediários importados de outros países. (...) Mesmo nas exportações brasileiras
de manufaturados (em torno de 25% do total de exportações), o valor agregado
doméstico ainda é extremamente alto (93%). Na verdade, é o maior dentre todas
as economias para as quais existem dados disponíveis.
Ademais,
...esse alto índice do valor agregado doméstico demonstra que a fragmentação
global dos processos de produção nas cadeias de valor internacionais, uma parte
muito importante da segunda onda de globalização, manteve-se bem longe do
Brasil. Vários são os fatores por detrás disso. Esses fatores incluem logística pobre
e altos custos de transação relacionados ao comércio internacional, bem como
decisões deliberadas de políticas em prol do conteúdo local em detrimento da
integração internacional (CANUTO, FLEISCHHAKER e SCHELLEKENS, 2015).
Citando novamente Baldwin, o que é importante perceber é que a nova geração de acordos comerciais vem
tentando empreender reformas de disciplinas a fim de obter sustentação para o comércio, investimentos, ser-
viços, relações de direito de propriedade intelectual (DPI). Países não contemplados por estes acordos não só
enfrentariam dificuldades em termos de acesso ao mercado e desvio de comércio, mas também a possibilidade
de redução nos fluxos de investimentos estrangeiros.
A quarta razão é o efeito das negociações ao estabelecerem novas regras e padrões e o impacto destas nas
políticas internas no Brasil. Quanto às regras e padrões, dois pontos são relevantes: primeiro, quais regras tor-
nam-se a norma e abrangem a maior fatia do comércio; e, segundo, a natureza assimétrica das negociações com
a negociação entre os EUA e a UE no centro das atenções em termos da criação de normas e padrões globais.
Três são as respostas a essas mudanças: primeiro, o Brasil precisa reformar suas políticas comerciais e industriais,
a fim de estimular a produtividade e a concorrência e promover maior abertura e favorecer as negociações.
Conforme discutido por Harsha Vardhana Singh36 em vários de seus artigos, a necessidade de repensar a po-
lítica comercial da Índia, a nova agenda de negociação comercial e as respostas que os países, em especial a
China, estão adotando para enfrentar essas mudanças “trarão consequências quanto ao grau de flexibilidade
que o país terá para aceitar as disciplinas industriais em evolução”. Isso indica a necessidade de uma análise das
relações entre reforma interna e negociações comerciais internacionais. Isso resume bem a situação do Brasil.
Precisamos ter uma agenda de reformas e estabelecer as relações entre as reformas internas e o ambiente
externo, a fim de desenvolver uma nova agenda de negociação.
35 CANUTO, O.; FLEISCHHAKER, C.; SCHELLEKENS, P. (2015). The curious case of Brazil’s closedness to trade. [S.l.]: World Bank Group, Apr. 2015 (Policy Research Working Paper, n. 7228). Disponível em: <http://goo.gl/xLcKSh>. Acesso em: 10/03/2015.
36 Harsha Vardhana Singh é indiano e atuou como subdiretor geral da OMC entre 2005 e 2013 (N.T.).
51
O segundo ponto tem a ver com as possíveis respostas face ao impacto de grandes negociações que excluem
o Brasil. Estas respostas devem incluir um maior diálogo e cooperação com outros países em situação seme-
lhante, em especial a China e a Índia. Aqui, duas questões são fundamentais: Em que direção a China irá? A
Índia fará uma reforma e terá mais abertura? A China vem promovendo iniciativas paralelas para transpor os
obstáculos no setor de comércio. Estas iniciativas incluem a nova rota da seda, o banco de investimento em
infraestrutura e a criação de um Acordo para Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC). A China é o país
que mais se beneficiou com a globalização. Está, agora, na fase intermediária de instituição de reformas para
transformar sua integração à economia mundial. É muito difícil conceber que a China, exceto no caso de um
grande revés no seu processo de reforma e de uma queda brusca em sua taxa de crescimento, não se envolva
e aceite os novos parâmetros das negociações comerciais. A discussão de um novo tratado sobre investimento
com os EUA aponta para essa direção. A Europa também deseja negociar tal tratado com a China. Se esse for
o caso e a China se mover, eventualmente, em direção à maior abertura aos investimentos e à aceitação da
nova agenda de negociação, o Brasil e a Índia enfrentariam um cenário ainda mais difícil.
Outra variante dessa abordagem seria envolver o BRICS e outras economias de mercado emergente na explo-
ração de alternativas para a agenda atual de comércio.
Finalmente, o Brasil, como a China e a Índia vêm fazendo, deveria explorar outras iniciativas, principalmente
em âmbito regional. Isso poderia incluir o lançamento de negociações bilaterais com parceiros importantes e
o relançamento do MERCOSUL e outras iniciativas de integração.
Essas negociações são difíceis, como demonstrado pelo descumprimento do prazo para sua conclusão e pela
dificuldade de aprovação no Congresso dos EUA de uma nova autoridade para a promoção do comércio.
Mas, apostar no fracasso dos mega-acordos e ignorá-los seria um erro fatal. Além das questões mencionadas
anteriormente que poderiam ter um impacto no Brasil, eu chamaria a atenção para o crescente isolamento
do Brasil e a crescente dificuldade de sua participação nos setores mais dinâmicos da exportação. Sem uma
base regional crível em termos de mercados e integração de cadeias de valor e sendo excluído das principais
negociações comerciais, as opções do Brasil para a construção de uma nova agenda de negociação serão redu-
zidas consideravelmente. Isso pode levar a uma maior concentração de nossas exportações nas commodities,
contribuindo para um maior enfraquecimento das indústrias de transformação e de serviços.
Finalmente, em relação aos acordos bilaterais, o Brasil e o MERCOSUL deixaram passar o período das ALCs.
Isso trouxe várias consequências: o maior isolamento do Brasil e do MERCOSUL; a marginalização das CGVs;
a separação regional de países que optaram por uma política comercial mais aberta; a reconcentração das
exportações nas commodities; e a exclusão dos setores mais dinâmicos do comércio internacional. Parte
dessa estratégia tratava da prioridade do MERCOSUL, algo que se tornou anacrônico quando o mecanismo
de integração não conseguiu evoluir e os países participantes adotaram políticas nacionais que violavam os
objetivos da integração. Outra parte reflete o uso de políticas industriais ultrapassadas baseadas em ideias
como a constituição de campeões nacionais e a exigência de conteúdo local.
Incontestavelmente, o Brasil precisa revisar sua estratégia de negociação comercial, sendo que parte desta
revisão tem de incluir uma agenda crível em termos de negociações bilaterais com parceiros que já têm ou
podem ter o potencial de comércio significativo com o Brasil. Isso poderia incluir uma nova geração de ALCs,
com países como o Canadá, a Coreia do Sul e a Turquia, com acordos de integração, tais como ASEAN, e
com países-membros do BRICS. Isso também poderia incluir acordos que tratem de alguns dos novos tópicos
presentes na agenda de negociações comerciais, como concorrência, investimento e simplificação e harmo-
nização de medidas regulatórias. Finalmente, poderia incluir, também, na área das commodities, acordos de
52
longo prazo em que o fornecedor e o consumidor possam negociar o acesso aos mercados, compromissos de
fornecimento de longo prazo e preços. Também poderíamos explorar o uso crescente de moedas nacionais
em alguns desses acordos.
1.10 O PLANO REGIONAL
A crescente importância do regionalismo e de potências regionais em um mundo mais multipolar impõe maio-
res responsabilidades ao Brasil. Em qualquer revisão da política comercial brasileira, a questão de integração
regional deve ser uma prioridade. A agenda é vasta e complexa, mas, na verdade, é bem conhecida e não mu-
dou muito na última década. No ano de 2002, coordenei uma série de debates sobre o futuro do MERCOSUL.
O relatório final37 identifica as questões centrais e propõe algumas ações, que, em geral, continuam válidas.
Infelizmente, o que faltou foi decisão e instituição.
Gostaria, simplesmente, no contexto deste artigo, tecer três comentários sobre as prioridades atuais do Brasil
no que diz respeito ao seu ambiente regional. O primeiro está relacionado com o MERCOSUL e a necessidade
de encarar seus problemas atuais. Isso exigiria um novo consenso político por parte dos parceiros para se
buscar um mercado integrado, com a adoção de um programa de trabalho e o comprometimento de respeitar
este programa na íntegra, bem como as decisões tomadas e as regras e disciplinas em comum. Em caso de
fracasso, os parceiros ficariam livres para buscar suas próprias estratégias no plano comercial.
O segundo ponto refere-se à ampliação do processo de integração na América do Sul. Precisamos considerar
se ainda é possível, haja vista a falta de progresso no MERCOSUL, vislumbrar um processo de expansão fo-
cado nele. Nas circunstâncias atuais e pelo fato de os países na região terem adotado estratégias comerciais
completamente diferentes, parece muito difícil ver o MERCOSUL como um polo de integração da América
do Sul. Na verdade, precisamos questionar se esse objetivo ainda é atingível. De qualquer modo, devemos
abrir mão da velha ideia de usarmos a redução nas barreiras comerciais como força motriz do processo de
integração. Dois outros instrumentos poderiam ser priorizados: integração das cadeias de valor regionais e
desenvolvimento de infraestrutura.
Finalmente, precisamos trabalhar para evitar uma separação e uma segmentação completas da América do Sul,
da América Latina e do Caribe. Aqui, duas questões parecem relevantes: a relação entre as costas do Atlântico
e do Pacífico do continente e o Norte-Sul, além da necessidade de considerar uma abordagem nova e moderna
para a integração dos países da América Latina e do Caribe.
Quanto à primeira questão, o Brasil teria que desenvolver uma nova estratégia para o Atlântico Sul e para
as relações entre suas regiões sul e norte. Isso poderia incluir a negociação de ALCs com países africanos na
costa do Atlântico, juntamente com uma diplomacia de cooperação ativa e a melhoria nas comunicações e
nas rotas de navegação.
37 HUGUENEY, C.; CARDIM, C. H. (eds.) (2003). Reflexion group on the prospects for Mercosur. Funag.
53
Um esforço sério para concluir as negociações com a UE no formato original, com flexibilidade para acomodar
diferentes cronogramas de instituição, ou individualmente, seria importante para salvaguardar nossos interesses
de acesso ao mercado, em especial no setor agrícola, em caso de uma conclusão bem-sucedida de um TAFTA,
e para promover a dimensão do Atlântico. Uma possibilidade que poderia ser explorada é uma expansão na
agenda de negociações com a UE para contemplar alguns dos novos tópicos, tais como investimento e al-
guns aspectos das medidas regulatórias, como, por exemplo, no caso das medidas sanitárias e fitossanitárias.
Precisamos, também, aventar a possibilidade de cooperação com o outro lado do Atlântico, o que poderia
incluir a exploração do comércio e iniciativas de investimento com os EUA e o Canadá, bem como acordos
em algumas áreas específicas. Nesse contexto, o Brasil, os EUA e o Canadá, como três principais produtores
agrícolas, poderiam trabalhar juntos para desenvolver estratégias a fim de enfrentar os crescentes desafios na
área de segurança alimentar.
Sobre a segunda questão, uma renovação do relacionamento com o México parece uma prioridade em duas
áreas: como elemento fundamental em uma nova abordagem em relação à integração de países da América
Latina e do Caribe; e no desenvolvimento de cadeias de valor regionais como passo importante para uma nova
relação no hemisfério. É inconcebível tentar negar ou rejeitar essa dimensão crucial do nosso contexto geográfico.
1.11 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em um ensaio sobre a estratégia de política externa atual dos EUA, Rosa Brooks38 procura solucionar as dificul-
dades de definir uma estratégia sob condições de incerteza. A opacidade do período atual torna as previsões
extremamente arriscadas. Nessa situação, tende-se naturalmente a recorrer a formulações gerais e a evitar
recomendações específicas.
É interessante notar que o artigo recente de Francis Fukuyama39 sobre a disfuncionalidade da política e do
governo americanos inicia com uma análise das virtudes do Serviço Florestal Nacional desde seus primórdios.
A época era mais simples, os valores eram compartilhados e a relação entre formas, meios e objetivos era mais
direta. Há, claramente, uma nostalgia em relação a um período em que as prioridades eram mais consensuais,
os comandos eram seguidos e a máquina do Estado partilhava um sentimento de orgulho e propósito. Agora,
verdades diferentes competem pela supremacia, os valores são aviltados e a superioridade do Ocidente é
posta em xeque.
O presente artigo não pretende dar instruções claras atinentes ao período atual de transição aberta. Ele ten-
ta incorporar incerteza e questões para possíveis linhas de evolução e tenta evitar a generalização, focando
no plano comercial e fazendo algumas recomendações específicas sobre a política comercial brasileira. As
sugestões de mudança dificilmente podem ser seguidas, dada a incerteza que o Brasil enfrenta no presente
momento, a fim de ter uma boa chance de obter o apoio necessário para que sejam instituídas. Não se trata
de um artigo acadêmico, mas de uma tentativa de utilizar uma longa experiência nas negociações comerciais e
38 BROOKS, R. (2014). Embrace the chaos. Foreign Policy, Nov. Disponível em: <http://goo.gl/sYjRGb>. Acesso em: 10/03/2015.
39 FUKUYAMA, F. (2014). America in decay: the sources of political disfunction. Foreign Affairs, Sept-Oct. Disponível em: <https://goo.gl/yNRjeX>. Acesso em: 10/03/2015.
54
tentar contribuir para um debate em andamento sobre o caminho a ser seguido pelo Brasil na área de Política
Comercial. A perspectiva, como mencionado no início, é diplomática.
Se a multipolaridade veio para ficar e irá mudar permanentemente a estrutura da ordem mundial atual e o
domínio dos EUA e do Ocidente, ou se isso será apenas um momento passageiro, é uma pergunta ainda sem
resposta. Existem indícios de que a multipolaridade vem ganhando terreno e que o mundo está operando de
acordo com uma dinâmica mais multipolar, mas também existem indícios de que a resistência à mudança para
um mundo mais multipolar vem crescendo e que os EUA parecem determinados a combater o desenvolvi-
mento de um modelo multipolar, com sua nova agenda nas áreas estratégica e de comércio, e defender seu
papel hegemônico.
O Brasil é um ator importante nessas mudanças, pode influenciar seu curso e, também, ser afetado por elas.
Infelizmente, a consciência sobre o que está ocorrendo no mundo é ofuscada pelos problemas internos do
Brasil. Todavia, esses universos não podem ser separados: o que está acontecendo no mundo influenciará as
escolhas internas do Brasil, e estas escolhas determinarão a posição do Brasil no mundo.
No plano comercial, o texto busca indicar alguns dos conflitos que poderiam moldar o novo sistema comercial:
multilateralismo versus regionalismo, defesa do status quo contra as tentativas de mudança; a crescente dimen-
são geopolítica das negociações comerciais e as respostas que esses movimentos suscitam; as possibilidades
de uma grande convergência e um grande rebalanceamento e falta de liderança e direção no sistema multila-
teral; um novo sistema multilateral de comércio para refletir uma crescente multipolaridade ou a prevalência
de regionalismo e fragmentação.
A capacidade de o Brasil influenciar essas mudanças existe, mas é limitada. Por essa razão, o Brasil deveria, ao
mesmo tempo, concentrar-se em seu desenvolvimento e colocar a casa em ordem, acompanhando de perto
o que está ocorrendo no exterior e tentando influenciar os acontecimentos em parceria com outros países
com posições semelhantes, a fim de facilitar as mudanças e preservar o seu espaço no sistema internacional
de comércio.
O texto parte da necessidade de reformas internas no Brasil e, então, apresenta uma série de recomendações
acerca de nosso posicionamento em termos de integração à economia mundial, reação aos mega-acordos e
desenvolvimento de uma nova agenda regional. Como resultado dessas ações, propõe-se uma nova estratégia
de negociação, com o objetivo duplo de aumentar a participação do Brasil na economia mundial e diversificar
suas exportações.
No decorrer de todo o texto, a ideia de uma nova abordagem multilateral para promover uma grande conver-
gência e um grande rebalanceamento e controlar a globalização, ao mesmo tempo promovendo sua expansão
de acordo com regras multilaterais estabelecidas de comum acordo, é um desfecho desejável. Nesse sentido,
o texto é fiel à tradição multilateralista do Brasil, reconhecendo, ao mesmo tempo, a necessidade de revisar
alguns dos ícones do passado, como a divisão Norte-Sul. No entanto, o texto reconhece, também, que um com-
promisso exclusivo com o multilateralismo não vai mais ao encontro dos interesses do Brasil. Uma estratégia
mais complexa e diversificada, além de uma agenda de negociação, faz-se necessária. Algumas das propostas
feitas são polêmicas e terão muitos opositores. Este é o propósito do texto: levantar questões para discussão
mais do que fornecer soluções prontas. Afinal, a incerteza faz parte da equação.
55
2. A DIMENSÃO INTERNACIONAL DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO
59
O presente capítulo tem por objetivo principal analisar a dimensão internacional do agronegócio brasileiro, isto
é, avaliar de que formas atividades econômicas envolvidas no sistema agroindustrial nacional encontram-se
inseridas no contexto mundial do comércio de bens e investimentos.
Nesse âmbito, procura-se destacar não somente a importância do agronegócio para a economia brasileira, mas,
sobretudo, entender como a dinâmica externa do setor tem evoluído nos últimos anos. Para tanto, o capítulo
inclui um mapeamento detalhado do agronegócio no Brasil, com foco no desempenho recente de algumas
variáveis de interesse tanto interna, quanto externamente. No plano internacional, em particular interessa ao
estudo avaliar de que forma as relações comerciais entre Brasil e China têm evoluído com referência à pauta
de produtos do agronegócio.
2.1 AGRONEGÓCIO: CONCEITOS, DIMENSÕES E ESPECIFICIDADES
O emprego de termos específicos em estudos teóricos e empíricos ligados a certas atividades econômicas
carece, muitas vezes, de precisão e reflexão criteriosas, necessárias para explicitar seus significados e/ou
lançar luz sobre fenômenos específicos de uma realidade. Esse problema se torna tão relevante quanto mais
dinâmica e complexa é a realidade sobre a qual se procura delimitar fronteiras conceituais, agregar atividades
ou impor categorizações40.
Debates em torno de temas como doença holandesa, desindustrialização (reprimarização) ou hipertrofia do
setor terciário, por exemplo, dependem fundamentalmente da forma como são classificados os diferentes
segmentos da economia. Além disso, a correta avaliação da natureza dos vínculos intersetoriais da economia
se prova fundamental para o correto dimensionamento da importância de cada um dos setores de uma matriz
econômica, seja na geração de riquezas, postos de trabalho ou contribuição para a balança comercial do País.
No caso específico da agropecuária – ou, de forma genérica, das atividades desenvolvidas no meio rural41 –, as
transformações estruturais verificadas nas economias nacionais ao longo do século XX, entre as quais se destaca
o intenso processo de urbanização, industrialização e avanço tecnológico, implicam a necessidade de repensar
as fronteiras da classificação tradicional dos sistemas econômicos, originalmente proposta por Colin Clark42.
Segundo esta abordagem, qualquer economia nacional poderia ser organizada em três grandes (macro) se-
tores, dotados de relativa autonomia em relação aos demais: (a) o setor primário, composto pelas atividades
relacionadas à agricultura, à pecuária e aos extrativismos vegetal, animal e mineral; (b) o setor secundário,
40 Em particular, a importância de um setor ou atividade na economia, medida em termos de participação no PIB, depende essencialmente da adequada construção de tais fronteiras. Por exemplo, a produção de açúcar deveria ser registrada como produção agrícola ou industrial? Todo bem que sofra qualquer processo de manufatura é considerado um produto industrial. Isso significa que a produção de cana é uma atividade agrícola, porém a produção de açúcar ou etanol é uma atividade industrial. O mesmo acontece, por exemplo, com a produção de soja e de seu farelo ou da laranja e de seu suco concentrado. Diante disso, muitos atores envolvidos com o setor argumentam que os critérios utilizados para determinar o que pertence à indústria ou à agricultura acabam subestimando a participação da última no PIB.
41 Agropecuária esta que é definida aqui como o cultivo de plantas (agricultura) e a criação de animais (pecuária) para o consumo humano ou para o fornecimento de matérias-primas para outros segmentos econômicos.
42 Ver CLARK, C. (1940). The conditions of economic progress. London: Macmillan.
60
liderado pela indústria e pelos segmentos da construção civil; e (c) o setor terciário, responsável por abarcar
o “restante” das atividades econômicas – os serviços43.
Esta tipologia, que ainda inspira a classificação oficial das contas e estatísticas nacionais em muitos países,
como é o caso do Brasil, destaca o setor primário como um conjunto de unidades produtivas relacionadas ao
fornecimento de matéria-prima bruta, in natura, alimentar e não alimentar, para as atividades de transforma-
ção industrial e/ou para o consumo final. Nessa chave, mesmo quando os produtos de origem agropecuária
atravessam algum grau de beneficiamento (com adição de valor, seja para conservação ou transporte), tais
estágios são considerados ora como mera extensão das atividades da fazenda, ora como decisões externas ao
setor primário – obedecendo, nesse caso, à lógica decisória dos setores secundário e terciário.
Como já antecipado, graças ao processo de modernização da agropecuária – viabilizado, em grande medida,
pela mecanização do campo, pela incorporação de progresso técnico e pela especialização produtiva –, os
produtores rurais passaram a demandar, cada vez mais, infraestrutura, insumos, máquinas e equipamentos,
tecnologias e serviços de outros setores da economia, seja para produzir matéria-prima, para processá-la
em produto de consumo final ou distribuí-la nos diferentes mercados. É correto, portanto, admitir que essa
reorganização da cadeia de valor dos produtos de origem agropecuária transformou a natureza dos enlaces
econômicos entre os diferentes setores, diluindo as fronteiras até então prevalecentes entre estas atividades.
Ao longo desse processo, a produção agrocupecuária propriamente dita (entendida, lato sensu, como pre-
paro de solos, tratos culturais, irrigação, colheita, criações e outras atividades “dentro da porteira”44) passou
a se integrar, cada vez mais, em um sistema articulado de diferentes etapas que se inicia com a produção e a
oferta de suprimentos (sementes, fertilizantes, defensivos) e inclui fornecedores especializados (máquinas e
equipamentos), infraestrutura de armazenamento, indústrias de processamento e transformação (a chamada
agroindústria45) e serviços de distribuição dos produtos agropecuários (frigoríficos, empacotadores, super-
mercados e distribuidores de alimentos e exportadores).
Para abarcar esse complexo de subsistemas produtivos, em 1957, John H. Davis e Ray A. Goldberg46 propuseram
o conceito de agribusiness47. Segundo os autores, o agronegócio – como viria a ser disseminado no Brasil48 –
deve ser entendido como a soma total das operações de produção e distribuição de suprimentos agrícolas;
das operações de produção na fazenda; do armazenamento, do processamento e da distribuição dos produtos
agrícolas e itens produzidos a partir deles. Com efeito, a expressão “agronegócio” ou “complexo agroindustrial”
tornou-se comumente empregada para expressar a etapa mais evoluída do processo de modernização das
atividades do campo, gerando ganhos de eficiência, escala e escopo.
O conceito congrega a coletividade de agentes, empresas e instituições que coordenam a produção, o pro-
cessamento e a distribuição de produtos alimentares, fibras e produtos energéticos provenientes da biomassa,
43 Em uma palestra de 1938, Clark inclui no setor terciário “todas as formas de atividades econômicas não incluídas na classificação de primárias e secundárias”.
44 Fornecedores de insumos e serviços, máquinas, implementos, defensivos, fertilizantes, corretivos, sementes, tecnologia e financiamento.
45 A justante da atividade agropecuária, a agroindústria inclui o conjunto de atividades relacionadas à transformação e ao processamento de matérias-primas provenientes da agricultura, pecuária, aquicultura ou silvicultura em produtos mais elaborados.
46 DAVIS I. H.; GOLDBERG, R.A, (1957). A Concept of Agribusiness. Boston: Havard University.
47 O termo “agribusiness”, entretanto, aparece pela primeira vez em uma conferência em Boston, em 1955.
48 No Brasil, a partir de meados da década de 1970, surgem as primeiras formulações ou defesas de novas propostas analíticas para o setor agropecuário brasileiro (por exemplo, o termo “complexo agroindustrial brasileiro”).
61
incluindo os fornecedores de insumos e fatores de produção e todos os serviços de apoio, crédito e comer-
cialização49. Em termos de pauta, incluem-se neste campo os produtos primários vegetais e animais (inclusive
pescados e moluscos), os produtos agroindustriais (alimentos, bebidas, fumo, gorduras, óleos e ceras vegetais,
peles, couros, fibras, fios e tecidos naturais), além da borracha natural, das madeiras e da celulose.
Por meio dessa reorganização produtiva, o agronegócio desloca o centro de análise para “fora da porteira”,
substituindo a análise parcial (agropecuária) por uma visão sistêmica e, comumente, verticalizada do processo
produtivo na qual prevalece o fluxo de matérias-primas e produtos ao longo de cadeias produtivas – desde
“antes da porteira” (a montante da produção agropecuária) até “após a porteira” (a jusante da produção
agropecuária).
Para tratar desse universo de agentes, produtos e etapas produtivas do agronegócio, portanto, é interessante
dispor de diferentes óticas e espaços de análise. Servem, nesse caso, os conceitos de complexo agroindustrial
(tendo como referência determinada matéria-prima de base, i.e., complexo soja, complexo leite, complexo
cana-de-açúcar, complexo café) e cadeia de produção agroindustrial (definida a partir da identificação de
determinado produto final, i.e., cadeia sucroalcooleira)50. De forma geral, entretanto, a literatura costuma
empregar o conceito de cadeia produtiva (ou cadeia de valor) com pequenas diferenças teórico-analíticas
para tratar dos diferentes estágios e encadeamentos produtivos, tenha ele como referência a matéria-prima
(cana-de-açúcar) ou o produto final (açúcar e álcool).
A proposta de tratar o agronegócio representa um avanço teórico e metodológico importante para compre-
ender a importância estratégica deste setor na economia, bem como para avaliar de que forma os diferentes
estágios das cadeias produtivas têm se organizado nacional e internacionalmente de sorte a ordenar tanto a
produção doméstica, quanto os fluxos comerciais e de investimento entre os países.
2.2 PARORAMA DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO
Nos últimos anos, o agronegócio brasileiro vivenciou um período particularmente positivo, favorecido pela alta
nos preços internacionais e pela expansão generalizada da produção agropecuária. Esta forte expansão, além
de dinamizar a economia do interior do País, impulsionou as exportações brasileiras, contribuindo de forma
decisiva para a ampliação das reservas internacionais brasileiras e o financiamento do déficit em transações
correntes. Esse processo, entretanto, foi permeado por mudanças significativas na pauta produtiva do agro-
negócio nacional, bem como pela construção de novas parcerias no plano internacional.
Por assim dizer, a melhor forma de retratar esse período de grande prosperidade, marcado pela maior inserção
internacional do agronegócio brasileiro, é apresentar dados e informações de números que dão a dimensão
49 É oportuno incluir nesse arcabouço produtivo outros agentes que afetam e coordenam o fluxo dos produtos ao longo dos elos, notadamente o Estado, outros mercados, as entidades comerciais, as instituições financeiras e de serviços de apoio.
50 Esse referencial originou a abordagem feita por Goldberg denominada Commodity System Approach (CSA), em que se analisam as relações das atividades e das organizações ligadas diretamente a uma matéria-prima – ponto de partida da análise. O autor salienta a concepção inicial de seu trabalho com o intuito de estudar as administrações pública e privada e o desenvolvimento efetivo de políticas e estratégias relacionadas às commodities analisadas, além da busca pelo entendimento da interação entre os agentes participantes na produção destes produtos. A formulação de políticas públicas ligadas a um determinado setor deve passar pelo entendimento das políticas e pelo entendimento das implicações.
62
da intensidade da expansão do agronegócio e dos impactos positivos gerados sobre a economia nacional,
aspectos que influenciam decisivamente o desempenho exportador do País.
Com efeito, a presente seção é resultado de uma sistematização de indicadores, dados e informações mais
relevantes do agronegócio no Brasil, tanto no âmbito da produção doméstica, quanto do ponto de vista do
comércio exterior.
2.3 BREVE HISTÓRICO DO DESENVOLVIMENTO DO SETOR
O setor agropecuário ocupou, desde o início da história do País, um papel estratégico na economia brasileira.
Além de representar um vetor do processo de ocupação e exploração do território nacional, a sucessão de
diferentes ciclos de culturas agrícolas foi responsável pela articulação dos primeiros centros dinâmicos do
Brasil Colônia (cana-de-açúcar, algodão e tabaco), que fundamentaram a base econômica e mercantil do País
ao longo do Império e da República Velha (café, cacau)51.
As transformações do País são pautadas, em boa medida, como reflexto da forma como ele se insere no co-
mércio internacional. A partir do final do século XIX, o chamado setor “agroexportador” – como fica conhecida
a importante parcela do setor agropecuário cuja produção é direcionada essencialmente para a geração de
excedentes exportáveis – forneceu condições inéditas para acumulação de capital.
Em paralelo, essas atividades contribuem decisivamente para a constituição de um mercado consumidor in-
terno (com a adoção da mão de obra assalariada e do incentivo à imigração), o desenvolvimento mercantil
(casas de exportação e na rede bancária) e a instalação de infraestrutura moderna de transporte (ferrovias),
essencial para o escoamento dos produtos primários para o mercado externo. Não por acaso, é no esteio (como
apêndice) do setor agroexportador que se desenvolvem alguns dos segmentos pioneiros da então nascente
indústria nacional, como é o caso da indústria têxtil e da indústria de bens de consumo não duráveis.
Já no início do século XX, a migração de capitais do setor agroexportador brasileiro passa a financiar a impor-
tação de máquinas e equipamentos essenciais para a instalação da indústria de bens de capital leves no País.
Incluem-se, nesse escopo, por exemplo, uma pequena indústria de aço, construção (por exemplo, cimento),
máquinas e equipamentos (máquinas para as indústrias do açúcar e têxtil) e indústria elétrica (motores elé-
tricos). Com efeito, pode-se afirmar que, ao menos até a década de 1930, estabelece-se uma relação direta
entre o setor industrial e o desempenho do setor agroexportador nacional, colaborando para a diversificação
produtiva do País52.
A partir de então, entretanto, o processo de industrialização e a urbanização – impulsionada, dessa vez, por
choques e pela sequência de desequilíbrios externos – modificam progressivamente o papel desempenhado
pela agropecuária no âmbito da dinâmica interna da economia brasileira, colaborando para o deslocamento
do eixo de acumulação de capital do setor agroexportador para o industrial.
51 FURTADO, A. (1970). Formação econômica da América Latina. 2. ed. Rio de Janeiro: Lia Editor.
52 Ver, a respeito, SUZIGAN, W. (1986). Indústria brasileira: origem e desenvolvimento. São Paulo: Brasiliense; SAES, F. A. M. (1989). A controvérsia sobre a industrialização na Primeira República. Estudos Avançados, 3(7), p. 20-39.
63
De fato, a identificação da indústria com o desenvolvimento socioeconômico torna-se, no Brasil, a base para
a promoção de políticas direcionadas a novos setores da economia (Política de Substituição de Importações
– PSI), dotados de maior potencial para a geração de encadeamentos para frente e para trás na economia na-
cional. A agropecuária, nesse cenário, além do eforço exportador, necessário para gerar divisas ao País, passa
a assumir papel fundamental na regulação do custo de vida e do trabalho nas cidades (isto é, o preço da mão
de obra), uma vez que a produção codetermina os preços dos alimentos e, portanto, o salário real.
Por outro lado, a atividade agropecuária ainda é apresentada53, nesse contexto, como um setor relativamente
autônomo da economia nacional (em termos de encadeamentos para frente e para trás), tendo como base téc-
nicas tradicionais e baixa mecanização, o que limita sua produtividade. De forma diversa, a indústria – símbolo da
modernidade – é representada por cadeias produtivas mais longas (há um número maior de subsetores envolvidos)
e mais densas (cada subsetor envolve um número maior de agentes). Com efeito, as novas teorias de desenvolvi-
mento econômico relegavam às chamadas atividades primárias um papel dinamizador das economias nacionais.
Esse cenário modifica-se radicalmente a partir da década de 1960, quando o processo de modernização eco-
nômica avança sobre as atividades do campo no Brasil. Este período marca a instalação de um setor industrial
produtor de bens de produção (máquinas e implementos) voltado para a agricultura, seguido, nas décadas de
1970 e 1980, pela entrada de novos setores fabricantes de insumos agrícolas (fertilizantes, indústria química), o
que favoreceria a expansão da fronteira agrícola (sobretudo na região Centro-Oeste) e os saltos de produtividade.
Consistuem-se, nos âmbitos federal e estadual, de instituições de ensino, pesquisa e extensão rural (caso, no-
tadamente, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa –, em 1973), bem como instrumentos
de política econômica (política de crédito rural para custeio e investimento, política de preços mínimos), com
o objetivo de impusionar a produtividade do setor e reforçar as condições de financiamento das safras.
Com efeito, a ampliação do crédito subsidiado para o setor, aliada à expansão dos mercados domésticos de
insumos modernos e da área plantada (fronteira agrícola), fornece condições necessárias para ampliar a produ-
ção e a produtividade do setor, que se pauta cada vez mais pela abertura ao mercado internacional – em franca
expansão – a partir da mudança progressiva da pauta na direção de culturas modernas, notadamente a soja.
Graças à redução no aporte de recursos públicos no setor agropecuário, a partir da década de 1980, a estratégia
de modernização da agropecuária – ancorada no papel ativo do Estado na articulação dos investimentos e no
avanço do modelo de substituição de importações – mostra sinais de esgotamento. De fato, coube à agropecuá-
ria, nesse momento de crise, a responsabilidade pela geração de superávits comerciais para equalizar o balanço
de pagamentos, agravado pela crise da dívida externa e pelas sucessivas tentativas de combater a inflação.
A partir da década de 1990, adicionam-se novos desafios, decorrentes das transformações que afetaram ne-
gativamente todos os setores da economia doméstica. A ampliação da abertura econômica, com redução do
nível de proteção tarifária e maior exposição à concorrência internacional, associada à promoção de novas
políticas macroeconômicas (câmbio valorizado) e à redefinição do papel do Estado na economia, estabelece
novos desafios para o setor agropecuário.
53 A análise da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), por exemplo, baseava-se em uma dualidade nas economias latino-americanas, ora organizadas em torno de um setor urbano-industrial moderno (composto por atividades modernas e dinâmicas), ora de um setor rural-agrícola, marcado por atividades atrasadas e tradicionais, sem dinamismo econômico.
64
Contando com menos aporte de políticas e subsídios, redução da competitividade externa (câmbio valorizado)
e maior concorrência no mercado doméstico (importação e produtos industrializados), o agronegócio é um
dos setores mais penalizados no período. Como resposta ao cenário desfavorável, entretanto, a agropecuária
apresentou resultados satisfatórios, em grande medida por conta da maior produtividade (eficiência do se-
tor), dos aportes tecnológicos e da melhoria nos preços relativos. O setor, portanto, adentra o século XXI com
uma posição competitiva fortalecida no mercado internacional, graças ao período de provação ao longo das
décadas de 1980 e 1990.
A partir de 2001, o agronegócio brasileiro passou por um período de expressivo crescimento, com aumento
de produção e preços elevados. Este bom desempenho ocorreu devido a uma combinação de fatores tanto
internos, como externos ao País. Com relação aos fatores externos, todos eles estão associados ao forte cres-
cimento da economia mundial no período, principalmente dos mercados emergentes, com especial destaque
para China e Índia.
O crescimento destas economias aqueceu a demanda por alimentos e outros produtos agropecuários, criando
uma formidável oportunidade para o Brasil aumentar a sua produção e a sua exportação destes bens. Do lado
interno, o País conseguiu aproveitar essa oportunidade criada pela economia mundial por meio da expansão
da produção, alicerçada no aumento da área plantada e da produtividade das principais culturas.
2.4 CARACTERÍSTICAS E SINGULARIDADES
DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO
De forma geral, é possível afirmar que o Brasil dispõe de um conjunto de características e fatores que favorecem o
desempenho do agronegócio e a competitividade internacional dos produtos do setor, colaborando para alavancar
sua posição de liderança internacional em diversas cadeias produtivas, incluindo soja (em grãos), suco de laranja,
carnes de frango e bovina, açúcar, café e fumo. Além de ser o líder em tecnologia e produção de energia renová-
vel (álcool), o País firmou-se, também, entre os maiores fornecedores mundiais de milho, algodão e carne suína.
Dentre as principais características, é necessário destacar as dotações naturais do País, que incluem: (i) a
extensão territorial, com ampla disponibilidade de terras agricultáveis e baratas, com potencial para double
crop54 e solos aptos à correção de fertilidade; (ii) variabilidade climática (tropical e subtropical), permitindo a
diversificação produtiva, bem como a obtenção de duas ou mais safras ao ano; (iii) oferta abundante de recur-
sos hídricos (cerca de 13% das reservas de água doce do mundo); e (iv) topografia favorável à mecanização,
na maioria das regiões de plantio.
Para explorar as oportunidades oferecidas por esse quadro natural, agentes públicos55 e privados têm investido
fortemente na conversão de terras para expansão da fronteira agrícola; na consolidação do setor (produção
em larga escala e integração agroindustrial, com verticalização da cadeia, aprimoramento das operações de
campo-fábrica e aproveitamento de economias de escala); na reorganização produtiva (gestão profissional,
54 Produção de dois grãos diferentes na mesma área durante a mesma safra, permitindo expansão da produção sem expansão da área cultivada.
55 É importante reconhecer, nesse ponto, o papel estratégico de diversas instituições, tais como Embrapa, Instituto Agronômico de Campinas (IAC), universidades, laboratórios privados etc.
65
formação de cooperativas); na adoção de métodos modernos e novas tecnologias de cultivo tropical, via pes-
quisa e desenvolvimento (inovação em fertilização do solo, sementes e variedades genéticas mais produtivas,
adaptadas e/ou resistentes a condições de seca, solos ácidos, pragas e doenças); e na utilização intensiva de
insumos agropecuários, como fertilizantes, adubos e corretivos agrícolas.
No âmbito externo, o setor foi favorecido, competitivamente, pela exposição à concorrência internacional
(com a abertura na década de 1990), pela expansão do crédito agrícola56 e pelo ciclo positivo das commodities
agrícolas, marcado pela forte elevação dos preços destas nos mercados internacionais57. Quando combinados,
os investimentos do setor e as dotações naturais permitiram ao Brasil assegurar aumentos generalizados na
escala de produção e na produtividade, alcançando a liderança internacional na produção e na exportação dos
principais produtos do agronegócio mundial.
2.5 A DIMENSÃO DO AGRONEGÓCIO NO PIB BRASILEIRO
De forma geral, além de ser um importante setor econômico na geração de emprego e renda, pode-se afirmar
que as atividades agropecuárias cumprem funções decisivas para o desenvolvimento socioeconômico de
qualquer país, entre as quais se pode destacar:
n Garantir minimamente a oferta de alimentos: a segurança alimentar é considerada um objetivo estra-
tégico de qualquer nação, de forma que países alocam frações significativas do seu Produto Interno
Bruto (PIB) justamente para tentar manter uma oferta mais estável de alimentos para a sua população;
n Favorecer a maior estabilidade nos preços: com oferta mais abundante ou mais estável de alimentos e
de insumos agrícolas para as atividades industriais, o setor agrícola contribui positivamente para manter
a inflação sob controle, com impactos sensíveis no custo de vida e no salário real dos trabalhadores;
n Conferir maior liberdade para a política monetária: em diversos países, as exportações agrícolas têm
participação decisiva na formação das reservas. Estas reservas são fundamentais para permitir que o
Governo tenha melhores instrumentos para controlar os movimentos da taxa de câmbio, conferindo
maior liberdade para a política monetária;
n No caso brasileiro, há que se destacar, também, o papel estratégico da agropecuária como base na
produção dos chamados biocombustíveis ou agrocombustíveis, como alternativas aos combustíveis
fósseis na matriz energética. Entre os exemplos mais conhecidos, cita-se o álcool de cana (etanol), a
biomassa, o bioetanol, o biodiesel e o biogás.
Historicamente, em decorrência das modificações observáveis na organização econômica dos países e do
comércio mundial, as atividades nucleares do agronegócio (isto é, “dentro da porteira”) têm ocupado uma
56 Em termos reais, isto é, já descontando a inflação medida pelo IGP-DI, a oferta de crédito agrícola cresceu 217,7% entre 2000 e 2012, passando de R$ 36,1 bilhões para R$ 114,7 bilhões.
57 Como essa alta de preços dá-se de forma praticamente generalizada, ao longo dessa fase do ciclo econômico atual, o nível das cotações das commodities agrícolas permitiu elevar a margem de diversas cadeias do setor, tornando economicamente viável a produção (i) em áreas mais afastadas dos principais centros de distribuição, (ii) apoiada por uma infraestrutura mais deficiente e, às vezes, (iii) em terras menos férteis.
66
participação cada vez menor no PIB dos países desenvolvidos e emergentes, cedendo espaço progressivamente
à atividade industrial e ao setor de serviços. Isso vale, inclusive, para países com notável produção agrícola,
como Nova Zelândia, Austrália e Estados Unidos, em que o setor não corresponde a mais de 7,0% do PIB.
O Brasil não foge desse paradigma58. Segundo dados do IBGE, apresentados no Quadro 1, a agropecuária –
compreendida como produção agrícola, pecuária e extrativista vegetal – respondeu por apenas 5,6% do PIB
brasileiro de 2014 (ou R$ 262,2 bilhões, em valores correntes de 2014). Acompanhando a tendência verificada
na maior parte dos países desenvolvidos e em desenvolvimento, a fatia do setor de Serviços já corresponde
a mais de 70% do total do PIB (R$ 3,45 trilhões, em valores correntes de 2014), enquanto a Indústria mantém
sua participação em cerca de um quarto da produção nacional.
Quadro 1
PARTICIPAÇÃO DO PIB DA AGROPECUÁRIA – 2014 (%)
AGROPECUÁRIA
5,6% 23,4% 71,0%
INDÚSTRIA SERVIÇOS
Elaboração: Think Agro. Fonte: IBGE (contas trimestrais).
Mesmo considerando a metodologia alternativa, proposta pelo Centro de Estudos Avançados em Economia
Aplicada (Cepea), da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, da Universidade de São Paulo59 (Esalq/
USP), a participação da agropecuária no PIB manteve-se entre 5,4% e 7,0% entre 2000 e 2013. Como exposto
no Quadro 2, no último ano da série (2013) calculada pelo Cepea, o PIB da agropecuária respondeu por 6,5%
do PIB, sendo 3,7% derivados das atividades agrícolas e 2,8% da pecuária.
58 Ver, a respeito, BRUGNARO, R. & BACHA, C. J. C. (2009). Análise da participação da agropecuária no PIB do Brasil de 1986 a 2004. Estudos Econômicos (São Paulo), 39(1), p. 127-159.
59 O IBGE reporta seus cálculos pelo critério de preços constantes, isto é, entre dois anos consecutivos, as produções de ambos são avaliadas a preços do primeiro ano. O Cepea, por sua vez, calcula o PIB da agropecuária e de outros segmentos do agronegócio pela ótica do valor adicionado, a preços de mercado, computando-se os impostos indiretos líquidos de subsídios. A quantificação dessa medida reflete a evolução do setor em termos de renda real, a qual se destina à remuneração dos fatores de produção: trabalho (salários e equivalentes), capital físico (juros e depreciação), terra (aluguel e juros) e lucros. Considera-se, portanto, no cômputo do PIB do agronegócio tanto o crescimento do volume produzido, como dos preços, já descontada a inflação.
67
Quadro 2
EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DO PIB DA AGROPECUÁRIA ENTRE 2000 E 2013 (%)
5,6 5,8
6,3
7,0 6,5
5,7 5,4
5,7
6,2 5,7 5,9
6,5 6,2
6,5
2,9 3,1 3,6
4,1 3,9
3,2 3,0 3,2 3,6
3,2 3,4 3,8 3,7 3,7
2,6 2,6 2,7 2,8 2,7 2,5 2,3 2,5 2,6 2,5 2,5 2,7
2,5 2,8
0,0
1,0
2,0
3,0
4,0
5,0
6,0
7,0
8,0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
AGROPECUÁRIA AGRICULTURA PECUÁRIA
Elaboração: Think Agro. Fonte: Cepea.
Apesar de responder por uma pequena parcela do PIB, nos últimos anos, a agropecuária foi o setor econô-
mico de melhor desempenho na economia brasileira. Segundo dados apresentados no Quadro 3, no período
compreendido entre 2000 e 2014, a agropecuária cresceu, em média, 3,6% ao ano, ao passo que a indústria
e o setor de serviços apresentaram uma taxa média de crescimento de 2,5% e 3,3% ao ano, respectivamente.
Cabe ressaltar que esse também foi um período em que a economia brasileira registrou seu melhor desem-
penho nos últimos trinta anos, com uma taxa média de crescimento de 3,0% ao ano. Se forem considerados
apenas os anos pré-crise internacional (2000-2008), o crescimento médio do PIB foi de 3,2% ao ano, sendo
que o desempenho médio da agropecuária superou 4,0% ao ano. Em todo caso, considerando o desempenho
global do PIB entre 2000 e 2014, trata-se de uma variação superior à observada na década 1990, período em
que o PIB cresceu, em média, 1,7% ao ano e a agropecuária, 2,5% ao ano.
68
Quadro 3
VARIAÇÃO ANUAL DO PIB BRASILEIRO, TOTAL E ABERTO POR SETOR
ANO AGROPECUÁRIA INDÚSTRIA SERVIÇOS PIB
2000 2,7% 4,4% 3,8% 4,4%
2001 5,3% -0,8% 1,9% 1,3%
2002 8,0% 3,9% 3,1% 3,1%
2003 8,0% 0,0% 1,2% 1,2%
2004 2,0% 8,0% 4,9% 5,7%
2005 0,7% 2,0% 3,6% 3,1%
2006 4,8% 2,0% 4,4% 4,0%
2007 3,2% 6,0% 5,8% 6,0%
2008 5,5% 3,9% 4,8% 5,0%
2009 -3,8% -4,8% 1,9% -0,2%
2010 6,8% 10,4% 5,8% 7,6%
2011 5,6% 4,1% 3,4% 3,9%
2012 -2,5% 0,1% 2,4% 1,8%
2013 7,9% 1,8% 2,5% 2,7%
2014 0,4% -1,2% 0,7% 0,1%
Média anual 3,6% 2,5% 3,3% 3,2%
Elaboração: Think Agro. Fonte: IBGE.
Quando se adota a ótica expandida do agronegócio60, a relevância do setor para a economia ganha novas dimen-
sões, uma vez que se incluem no cálculo não somente as atividades “dentro da porteira” (agrícola e pecuária),
mas também as atividades “antes” (produção de insumos) e “depois da porteira” (indústria e distribuição).
Segundo cálculos do Cepea, dispostos no Quadro 4, a renda do agronegócio nacional, estimada para o ano de
2013, foi de R$ 1,092 trilhão, sendo R$ 759,6 bilhões (69,5%) referentes ao ramo agrícola e R$ 332,6 bilhões
(30,5%), ao ramo pecuário. Tendo como referência o PIB de 2013, o agronegócio foi responsável por quase
um quarto (22,5%) da produção nacional – consolidando sua posição como um dos setores mais importantes
da matriz econômica brasileira.
60 O Cepea desenvolve uma metodologia para calcular o PIB do agronegócio considerando-o como a soma de quatro segmentos: (a) insumos para a agropecuária; (b) produção agropecuária básica ou, como também é chamada, primária ou “dentro da porteira”; (c) agroindústria (processamento); e (d) distribuição. A análise deste conjunto de segmentos é feita para o setor agrícola (vegetal) e para o pecuário (animal), cuja soma resulta no agronegócio.
69
Quadro 4
EVOLUÇÃO DO VALOR E DA PARTICIPAÇÃO DO AGRONEGÓCIO NO PIB
750 763 830
884 907 865 869
937 1.013
954 1.026
1.081 1.051 1.092
23,5 23,6 25,0
26,3 25,5 23,6 22,8 23,2 23,8
22,5 22,5 23,1 22,2 22,5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
0
200
400
600
800
1.000
1.200
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
%
Va
lor
(bil
hõ
es
R$
de
20
13)
VALOR PARTICIPAÇÃO NO PIB (%)
Elaboração: Think Agro. Fonte: Cepea.
Ao separarmos esta contribuição por atividade, é possível analisar como as atividades “dentro” e “fora” da
porteira têm contribuído para o agronegócio. De acordo com dados apresentados nos Quadros 5 e 6, apenas
29% do PIB do agronegócio (R$ 317,2 bilhões) referem-se às atividades nucleares do agronegócio (“dentro da
porteira”, isto é, a atividade agropecuária), ao passo que os 71% restantes são atribuídos às atividades “fora
da porteira”, especificamente àquelas desenvolvidas “antes da porteira” (produção de insumos, com 11,7% do
total) e “depois da porteira” (indústria e distribuição, respectivamente, com 28,1% e 31,2% do total).
Quadro 5
EVOLUÇÃO DO PIB DO AGRONEGÓCIO, TOTAL E POR SEGMENTO (EM MILHÕES R$)
248,9 252,6 272,0 283,0 292,6 282,9 285,8 305,3 321,3 307,7 328,3 340,8 330,9 340,4
248,2 246,3 260,6 268,1 281,6 282,0 289,9 302,5 310,4 298,5 318,3 313,9 301,8 306,8
178,4 186,6 208,8 233,5 231,5 208,9 204,4
229,3 263,0
243,0 269,6 302,6 294,5 317,2
74,5 77,5 88,8
99,9 101,3 91,0 88,6
100,1 117,9
105,0 110,1
124,1 123,8 127,8
749,9 763,0 830,2
884,4 907,0 864,8 868,7
937,2 1.012,6
954,3 1.026,2
1.081,4 1.051,1 1.092,2
0
200
400
600
800
1.000
1.200
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
INSUMOS AGROPECUÁRIA INDÚSTRIA DISTRIBUIÇÃO
Elaboração: Think Agro. Fonte: Cepea.
70
Quadro 6
EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DOS SEGMENTOS NO PIB DO AGRONEGÓCIO (%)
33,2 33,1 32,8 32,0 32,3 32,7 32,9 32,6 31,7 32,2 32,0 31,5 31,5 31,2
33,1 32,3 31,4 30,3 31,0 32,6 33,4 32,3 30,7 31,3 31,0 29,0 28,7 28,1
23,8 24,5 25,1 26,4 25,5 24,2 23,5 24,5 26,0 25,5 26,3 28,0 28,0 29,0
9,9 10,2 10,7 11,3 11,2 10,5 10,2 10,7 11,6 11,0 10,7 11,5 11,8 11,7
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
INSUMOS AGROPECUÁRIA INDÚSTRIA DISTRIBUIÇÃO
Elaboração: Think Agro. Fonte: Cepea.
É possível, também, comparar o comportamento dos segmentos do agronegócio ao resultado médio da eco-
nomia brasileira ao longo do tempo. Como se pode notar no Quadro 7, ao agregar segmentos da agroindústria
(processamento) e dos serviços (distribuição), o agronegócio apresentou um desempenho inferior ao núcleo
da atividade (“dentro da porteira”), o qual cresceu, em média, 4,2% a.a. entre 2000 e 2013 – patamar superior
ao da economia nacional (3,0% a.a.).
O segmento que menos cresceu no intervalo foi o industrial (1,6% a.a.), com desempenho quase três vezes in-
ferior ao verificado nas atividades agropecuárias (4,5% a.a.) e metade do observado no conjunto da economia
brasileira no período selecionado (3,3% a.a).
Quadro 7
TAXA DE CRESCIMENTO ANUAL MÉDIA – 2000 A 2013 (%)
2,9
4,2 4,5
1,6
2,4
3,3
Agronegócio Insumos
Agropecuária Indústria
Distribuição Brasil
AGRONEGÓCIO
Elaboração: Think Agro. Fonte: Cepea; IBGE.
71
Essa trajetória justifica o fato de a agroindústria ter reduzido sua participação no conjunto do agronegócio de
33,1%, em 2000, para 28,1%, em 2013; mesmo período em que as atividades-núcleo da agropecuária ampliaram
sua fatia de 23,8% para 29,0% do PIB do agronegócio.
A partir dos dados apresentados, é possível constatar que, não obstante as atividades dentro da porteira corres-
pondam a apenas cerca de 6,0% do PIB nacional, a dimensão expandida do agronegócio – que inclui segmentos
da indústria e dos serviços – merece um lugar de destaque na matriz econômica brasileira, respondendo por
quase um quarto do PIB nacional. Não por acaso, algumas empresas e grupos mais ativos do setor – como BRF,
Bunge, Cargill e JBS – constam entre as quinze maiores empresas do ranking elaborado pela Revista Exame61.
Por outro lado, o desempenho do agronegócio como um todo, ao longo do período, foi ligeiramente inferior
ao da economia nacional, em boa parte graças ao desempenho relativamente inferior da indústria do agrone-
gócio no período destacado. Ademais, é possível sugerir que a expansão do setor, nos últimos anos, tem se
pautado por produtos não processados, dotados de menor valor adicionado (por exemplo, grãos in natura).
2.6 GERAÇÃO DE EMPREGO
Em termos de emprego, o setor enfrenta uma situação dual: por um lado, atravessou um longo período de
transformações associadas à mordenização e à mecanização do campo, com progressiva substituição do tra-
balho manual por maquinário, adoção de tecnologias poupadoras de trabalho e introdução de novas técnicas
de plantio; por outro lado, uma parcela considerável do setor ainda se mantém atrelada a condições mais
tradicionais de produção e cultivo, seja por questões de porte, seja por limitações técnicas e geográficas62.
A esse respeito, informações da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), do IBGE, dão conta que a
agropecuária – entendida como atividades relacionadas a agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e
aquicultura, isto é, à Seção A da CNAE63 – foi responsável por cerca de 1,5 milhão de empregos formais em
2013, ou 3,1% do estoque nacional64. Como se pode notar no Quadro 8, apesar da tendência de crescimento
observada desde 2006 (aumento de 6,4% no período), a participação do emprego formal da agropecuária
vem reduzido-se paulatinamente para o conjunto da economia brasileira.
61 O ranking de maiores empresas de 2013 encontra-se disponível para consulta em: <http://exame.abril.com.br/negocios/melhores-e-maiores/>.
62 Adicionamente, cabe destacar as transformações em curso na sociedade e na relação entre o urbano e rural: se, em 1950, 63,8% da população residiam no meio rural, em 2010, esta parcela reduziu-se para 15,6% da população total do País.
63 A Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) é uma classificação estruturada de forma hierarquizada em cinco níveis, com 21 seções, 87 divisões, 285 grupos, 672 classes e 1.318 subclasses. O quinto nível hierárquico, o das subclasses, é definido para uso da administração pública.
64 O emprego formal pode ser definido a partir de uma condição em que os trabalhadores estão protegidos por contratos de trabalho e por legislação, que lhes garantem alguns direitos, tais como: décimo terceiro salário, abono de férias, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) etc.
72
Quadro 8
EVOLUÇÃO DO EMPREGO FORMAL DA AGROPECUÁRIA ENTRE 2006 E 2013
1,409
1,435
1,463 1,461 1,450
1,523
1,493 1,499
4,01 3,81 3,71
3,55 3,29 3,29
3,15 3,06
1,0
1,5
2,0
2,5
3,0
3,5
4,0
4,5
1,38
1,40
1,42
1,44
1,46
1,48
1,50
1,52
1,54
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Pa
rtic
ipa
çã
o n
o e
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orm
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co
no
mia
(%
)
Em
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em
milh
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s)
EMPREGO FORMAL % NO EMPREGO FORMAL TOTAL
Nota: considerando a Seção A65 da CNAE 2.0. Elaboração: Think Agro.
Fonte: RAIS-IBGE.
Em termos de distribuição por atividades (Quadro 9), a maior parte do emprego formal do setor estava vincu-
lada à criação de bovinos (23,7%), ao cultivo de cana-de-açúcar (10,9%) e soja (7,5%), criação de aves (7,2%),
atividades de apoio (6,6%), cultivo de café (5,7%) e cereais (4,7%). Demais atividades corresponderam a 33,8%
do emprego formal da agropecuária.
Quadro 9
DISTRIBUIÇÃO DO EMPREGO FORMAL NA AGROPECUÁRIA (SEÇÃO A DA CNAE 2.0)
23,7%
10,9%
7,5%
7,2% 6,6% 5,7%
4,7%
33,8%
CRIAÇÃO DE BOVINOS
CULTIVO DE CANA-DE-AÇÚCAR
CULTIVO DE SOJA
CRIAÇÃO DE AVES
ATIVIDADES DE APOIO À AGRICULTURA
CULTIVO DE CAFÉ
CULTIVO DE CEREAIS
OUTROS
Elaboração: Think Agro. Fonte: RAIS-IBGE.
65 De acordo com a classificação do IBGE, a Seção A abrange as atividades de cultivo agrícola; de criação e produção animal; de cultivo de espécies florestais para produção de madeira, celulose e para proteção ambiental; de extração de madeira em florestas nativas; de coleta de produtos vegetais e de exploração de animais silvestres em seus hábitats naturais; de pesca extrativa de peixes, crustáceos e moluscos e coleta de produtos aquáticos; e de aquicultura – criação e cultivo de animais e produtos do meio aquático.
73
Considerando o conceito expandido de agronegócio, as estimativas de participação do setor no emprego
total costumam variar entre 25% e 37% do total do País, percentual que inclui os empregos gerados em outras
atividades da economia – como é o caso da indústria de transformação (Seção C da CNAE) e do comércio
(Seção G da CNAE), vinculadas aos segmentos conhecidos como agroindustriais.
O número de trabalhadores reportados pela RAIS, entretanto, subestima a realidade do emprego neste se-
tor. Isso porque a agropecuária ainda se apresenta como um dos setores com informalidade mais elevada da
economia. Estima-se que aproximadamente 65% dos trabalhadores assalariados no meio rural não dispõem
de carteira assinada66. Embora seja uma condição partilhada por outros setores, caso dos serviços (em geral)
e construção civil, trata-se de um patamar de informalidade superior à média brasileira (em torno de 50%,
segundo dados da Pesquisa Mensal de Emprego, do IBGE, de agosto de 2014).
A informalidade decorre de várias especificidades históricas, sociais e econômicas das atividades rurais, sendo
associada, por exemplo, ao trabalho familiar de pequenas propriedades67, às lavouras temporárias68, a culturas
tradicionais e/ou com baixo potencial ou baixo grau de mecanização.
Esse cenário é corroborado por estudo recente69 do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socio-
econômicos (DIEESE), cujos resultados são reproduzidos nos Quadros 10, 11 e 12, a seguir. Com base em dados
da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/IBGE), o DIEESE avaliou que 60,0% dos 4,1 milhões de
empregados assalariados rurais (isto é, cerca de 2,4 milhões de pessoas) não possuíam carteira assinada em 2013.
Quadro 10
OCUPADOS NO SETOR AGRÍCOLA SEGUNDO POSIÇÃO NA OCUPAÇÃO (2013)
POSIÇÃO NA OCUPAÇÃO Nº ABSOLUTO % DO TOTAL
TOTAL DE OCUPADOS 13.981.907 100
EMPREGADOS (ASSALARIADOS) 4.059.507 29,0
COM CARTEIRA DE TRABALHO ASSINADA 1.647.023 11,8
SEM CARTEIRA DE TRABALHO ASSINADA 2.412.484 17,3
CONTA PRÓPRIA 3.961.704 28,3
EMPREGADOR 267.451 1,9
TRABALHADOR NA PRODUÇÃO PARA O PRÓPRIO CONSUMO 4.236.217 30,3
NÃO REMUNERADO 1.457.028 10,4
TAXA DE ASSALARIAMENTO (ASSALARIADOS / TOTAL) 29,0%
TAXA DE INFORMALIDADE ENTRE ASSALARIADOS 59,4%
Elaboração: Think Agro. Fonte: DIEESE; PNAD/IBGE.
66 BARBOSA FILHO, F. H.; MOURA, R. L. (2012). Evolução recente da informalidade no Brasil: Uma análise segundo características da oferta e demanda de trabalho. São Paulo: IBRE/FGV, ago. 2012.
67 Estima-se que o número de camponeses que são parte da agricultura familiar totalizou 9,6 milhões de pessoas em 2013.
68 Um aspecto singular do mercado de trabalho assalariado no meio rural é dado pela sazonalidade da produção. O fato de as culturas terem seus períodos de plantio, tratos e colheita diferenciados faz com que grande parte dos trabalhadores seja contratada para etapas diferentes desse processo, o que torna as contratações temporárias ou de curta duração algo comum ao mercado de trabalho rural.
69 DIEESE (2014). O mercado de trabalho assalariado rural brasileiro. Estudos e Pesquisas, n. 74, outubro.
74
Esse número corresponde a quase 20% do total de ocupados no setor agrícola70, que inclui, ainda, um número
relevante de trabalhadores por conta própria (28,3%) e trabalhadores na producão para o próprio consumo
(30,3%).
Segundo dados expostos no Quadro 11, disposto a seguir, a maior parte dos empregados assalariados temporários
permanece na informalidade, ao passo que pouco mais da metade dos trabalhadores permanentes é celetista.
Quadro 11
ASSALARIADOS RURAIS SEGUNDO TIPO DE CONTRATAÇÃO (2013)
POSIÇÃO NA OCUPAÇÃO
EMPREGADOS RURAISCOM CARTEIRA
ASSINADASEM CARTEIRA ASSINADA
Nº ABSOLUTO
EM %Nº
ABSOLUTOEM %
Nº ABSOLUTO
EM %
EMPREGADO PERMANENTE 2.764.643 68,1 1.490.023 90,5 1.274.620 52,8
EMPREGADO TEMPORÁRIO 1.294.864 31,9 157.000 9,5 1.137.864 47,2
TOTAL 4.059.507 100,0 1.647.023 100,0 2.412.484 100,0
Nota: pessoas de dez anos ou mais de idade. Elaboração: Think Agro.
Fonte: DIEESE.
Em termos de distribuição da informalidade por grupo de atividade econômica (Quadro 12), a maior parte dos
trabalhadores rurais sem carteira assinada está vinculada a lavouras temporárias (31%) e produções mistas
(22%), também as atividades mais empregadoras do meio rural.
70 As diferentes posições incluem: empregado – pessoa que trabalha para um empregador (pessoa física ou jurídica), geralmente obrigando-se ao cumprimento de uma jornada de trabalho e recebendo, em contrapartida, uma remuneração em dinheiro, mercadorias, produtos ou benefícios (moradia, comida, roupas etc.); conta própria – pessoa que trabalha explorando o próprio empreendimento, sozinha ou com sócio, sem ter empregado e contando, ou não, com a ajuda de trabalhador não remunerado; trabalhador na produção para o próprio consumo – pessoa que trabalha, durante pelo menos uma hora na semana, na produção de bens do ramo que compreende as atividades da agricultura, da silvicultura, da pecuária, da extração vegetal, da pesca e da piscicultura, para a própria alimentação e de pelo menos um membro da unidade domiciliar; empregador – pessoa que trabalha explorando o próprio empreendimento, com pelo menos um empregado; não remunerado – pessoa que trabalha sem remuneração durante pelo menos uma hora na semana, em ajuda a membro da unidade domiciliar que era: empregado na produção de bens primários (atividades da agricultura, da silvicultura, da pecuária, da extração vegetal ou mineral, da caça, da pesca e da piscicultura), conta própria ou empregador.
75
Quadro 12
ASSALARIADOS RURAIS SEGUNDO GRUPOS DE ATIVIDADES ECONÔMICAS (2013)
GRUPO DE ATIVIDADES
ECONÔMICAS
EMPREGADOS RURAISCOM CARTEIRA
ASSINADASEM CARTEIRA ASSINADA
Nº ABSOLUTO
EM %Nº
ABSOLUTOEM %
Nº ABSOLUTO
EM %
LAVOURA TEMPORÁRIA 1.250.297 30,8 526.438 32,0 723.859 30,0
PRODUÇÃO MISTA: LAVOURA E PECUÁRIA
886.640 21,8 355.243 21,6 531.397 22,0
LAVOURA PERMANENTE 664.286 16,4 261.390 15,9 402.896 16,7
SERVIÇOS 518.846 12,8 242.384 14,7 276.462 11,5
CRIAÇÃO DE AVES 221.393 5,5 55.034 3,3 166.359 6,9
HORTICULTURA / FLORICULTURA
239.090 5,9 68.334 4,1 170.756 7,1
PECUÁRIA 211.059 5,2 120.342 7,3 90.717 3,8
PESCA / AQUICULTURA 60.903 1,5 12.215 0,7 48.688 2,0
SILVICULTURA E EXPLORAÇÃO FLORESTAL
4.315 0,1 3.765 0,2 550 –
CULTIVOS AGRÍCOLAS MAL ESPECIFICADOS
2.678 0,1 1.878 0,1 800 –
TOTAL 4.059.507 100,0 1.647.023 100,0 2.412.484 100,0
Nota: pessoas de dez anos ou mais de idade. Elaboração: Think Agro.
Fonte: DIEESE.
Segundo informa o DIEESE, embora a taxa de informalidade do setor agropecuário tenha se reduzido ao longo
dos anos (entre 2004 e 2013, por exemplo, ela diminuiu 13,2%, ou 1,6% ao ano), ela se mantém entre uma das
mais altas do mercado de trabalho brasileiro.
2.7 ÁREA, PRODUÇÃO E PRODUTIVIDADE
Graças à sua dotação territorial, o Brasil também dispõe de uma imensa área agricultável: do total de 851 milhões de
hectares, cerca de 330 milhões (39%) encontram-se aptos às atividades agropecuárias71. Com a expansão da fronteira
agrícola desde a década de 1960, a ocupação do território por culturas e pastos cresceu de forma considerável, alcan-
çando 74,1% do total.
Atualmente, a maior parte da área disponível para o cultivo é ocupada por pastagens (172 milhões de hectares,
ou 52,1% da área agricultável), enquanto a área ocupada com lavouras perenes, lavouras temporárias e florestas
plantadas corresponde a 24,3% do total. O cultivo de soja ocupa a maior área dentre as culturas, com 31,5 milhões
71 O dado varia de acordo com o estudo e a fonte. Segundo os dados do relatório Alcance territorial da legislação ambiental e a consolidação do uso agropecuário de terras no Brasil, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), por exemplo, o potencial de área para agropecuária no Brasil varia entre 303 milhões de hectares e 366 milhões de hectares, ou seja, de 36% a 43% do território nacional.
76
de hecares (6,7% da área total e 9,5% do terreno agricultável), seguido pelos cultivos de milho (15,2 milhões
de hectares) e cana-de-açúcar (9,8 milhões de hectares) e pelas florestas plantadas (7,6 milhões de hectares).
Com isso, o País ainda dispõe de uma área agricultável estimada da ordem de 80 milhões de hectares.
Quadro 13
OCUPAÇÃO E USO DA TERRA NO BRASIL
DIVISÃO TERRITÓRIALÁREA (MILHÕES DE HECTARES)
% DA ÁREA TOTAL
% DA ÁREA AGRICULTÁVEL
ÁREA TOTAL (1) 851,0 100,0 –
ÁREA AGRICULTÁVEL (4) 330,0 38,8 100,0
ÁREA AGRICULTÁVEL UTILIZADA 244,0 28,7 74,1
ÁREA AGRICULTÁVEL DISPONÍVEL 85,0 10,0 25,9
ÁREA PLANTADA (PERENE E TEMPORÁRIA) (1) 72,4 8,5 22,0
GRÃOS (2) 57,1 6,7 17,3
SOJA 31,5 3,7 9,5
MILHO 15,2 1,8 4,6
FEIJÃO 3,2 0,4 1,0
ARROZ 2,3 0,3 0,7
ALGODÃO 1,0 0,1 0,3
OUTRAS 4,2 0,5 1,3
CANA-DE-AÇÚCAR (2) 9,8 1,1 3,0
CAFÉ (2) 2,0 0,2 0,6
LARANJA (2) 0,8 0,1 0,2
OUTRAS 2,8 0,3 0,9
ÁREA COM FLORESTA PLANTADA (3) 7,6 0,9 2,3
EUCALIPTO 5,5 0,6 1,7
PÍNUS 1,6 0,2 0,5
OUTRAS FLORESTAS 0,6 0,1 0,2
ÁREA DE PASTAGEM (1) 172,0 20,2 52,1
Elaboração: Think Agro. Fonte: (1) IBGE (Censo Agropecuário, Pesquisa Pecuária Municipal e Pesquisa Agrícola Municipal); (2) Conab; (3) SFB; (4) GV Agro.
Embora a atividade agropecuária não seja um setor homogêneo, é válido ressaltar que a forte expansão do
setor nos últimos anos não foi isolada em poucas culturas, mas generalizou-se nos principais produtos ofertados
pelo agronegócio nacional: grãos (soja, milho, trigo, arroz), açúcar, etanol, carnes e café.
77
Como já dito, essa trajetória produtiva excepcional do agronegócio deveu-se a um conjunto de fatores, dentre
os quais se destacam:
n A disponibilidade de área para a expansão da fronteira agrícola;
n O desenvolvimento de tecnologias que permitiram a expansão da área plantada; e
n O apoio dos instrumentos de política agrícola, sobretudo do crédito agrícola, para financiar esta
expansão.
O crescimento do agronegócio seria impossível sem a expansão da fronteira agrícola, com especial destaque
para a conquista do Cerrado. Embora não tenha sido observado grande avanço na área plantada das lavouras
permanentes (principalmente café e laranja), as áreas destinadas às lavouras temporárias, com especial des-
taque para grãos, cresceram fortemente no período.
Segundo dados do IBGE, entre 2000 e 2013, a área ocupada pelas lavouras temporárias passou de cerca de
46 milhões para mais de 66 milhões de hectares, uma expansão da ordem de 45%. Trata-se de um avanço
inédito no período, sobretudo quando se compara à evolução da área plantada entre países conhecidos como
grandes produtores, como Estados Unidos e China.
Quadro 14
EVOLUÇÃO DA ÁREA PLANTADA: LAVOURAS PERMANENTES E TEMPORÁRIAS
7,2 7,0 6,9 6,3 6,1 5,9 5,6 5,9 6,1 6,2 6,2 6,3 6,4 6,4 6,4 6,4 6,5 6,5 6,5 6,3 6,3 6,3 6,2 6,0
46,0 44,8 45,4 43,0
46,8 46,0
41,2 42,4 42,4 44,5 45,6 45,4
48,1
52,1
56,7 58,0 56,1 55,9
59,0 59,4 59,1 61,8 63,0
66,4
0
10
20
30
40
50
60
70
1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012
Milh
ões
de h
ecta
res
PERMANENTES TEMPORÁRIAS
Elaboração: Think Agro. Fonte: IBGE (Produção Agrícola Municipal).
No caso específico de grãos, a área ocupada para plantio expandiu-se em 50,8% no período, atingindo 57,1
milhões de hectares na safra 2013/14; em paralelo, a produtividade (associada à conjunção de novos métodos
78
de produção, melhoramentos em sementes, uso de fertilizantes, condições financeiras e climáticas favoráveis72)
elevou-se de 2,6 toneladas por hectare para 3,4 toneladas por hectare, um aumento de 28,1% (1,8% a.a.).
Como resultado dessa combinação, entre a safra de 2000/01 e a safra de 2013/14, a produção de grãos avan-
çou de 100,3 milhões de toneladas para 193,6 milhões de toneladas, um aumento de 93,1% (4,8% a.a.), exposto
no Quadro 15, a seguir.
Quadro 15
EVOLUÇÃO DA ÁREA PLANTADA, DA PRODUÇÃO E DA PRODUTIVIDADE (GRÃOS)
40,4 39,1 37,9 37,9 37,8 40,2 43,9 47,4 49,1 47,9 46,2 47,4 47,7 47,4 49,9 50,9 53,6 57,1 57,3
52,2 57,9
100,3 96,8
123,2 119,1 114,7 122,5
131,8 144,1
135,1 149,3
162,8 166,2
188,7 193,6 200,7
1,3 1,4
1,5
2,6
2,4
2,8
2,5
2,3
2,6
2,9
3,0
2,8
3,1 3,3 3,3
3,5 3,4
3,5
1980
/81
...
1990/9
1 ...
2000/0
1
2001/
02
2002/
03
2003/
04
2004/0
5
2005/
06
2006/0
7
2007/
08
2008/
09
2009/1
0
2010
/11
2011/
12
2012
/13
2013
/14
2014
/15*
ÁREA PLANTADA (MIL HECTARES) PRODUÇÃO (MIL TONELADAS) PRODUTIVIDADE (TONELADAS/HECTARES)
Nota: * previsão. Elaboração: Think Agro.
Fonte: Conab.
Uma das características da produção nacional de grãos é a concentração em poucos produtos (Quadro 16). Ao
menos desde a safra de 1980/81, cerca de 90% da pauta produtiva de grãos têm se concentrado em apenas
três produtos: soja, milho e arroz. Na safra de 2013/14, por exemplo, prevaleceram os cultivos da soja (44,5%)
e do milho (41,3%), que ganharam espaço frente ao arroz, produto que teve sua participação na produção
nacional reduzida de 16,5% para 6,3% entre as safras de 1980/81 e 2013/14.
72 Boa parte deste avanço nos níveis de produtividade que o setor registou ao longo da última década deve-se ao papel estratégico desempenhado por diversas instituições de pesquisa e apoio, como é o caso da Embrapa, do IAC, das universidades, dos laboratórios privados etc. Os instrumentos de política agrícola também exerceram um papel importante nesse processo ao dar suporte e viabilizar a produção agropecuária em diversas regiões, sobretudo via expansão do crédito rural no período.
79
Quadro 16
DISTRIBUIÇÃO DA PRODUÇÃO DE GRÃOS POR CULTURA (SAFRAS SELECIONADAS)
1980/81 2000/01 2013/14
Soja29,7%
Milho40,8%
Arroz16,5% Trigo
4,2%Feijão4,6%Algodão
2,1%Outros2,0%
Soja38,3%
Milho42,2% Arroz
10,4%Trigo3,2%Feijão2,6%Algodão
1,5%Outros
1,8%
Trigo3,1%Feijão1,8%
Algodão1,4%
Outros1,7%
Soja44,5%
Milho41,3%
Arroz6,3%
Elaboração: Think Agro. Fonte: Conab.
A prevalência da produção de grãos reflete a concentração da área de plantio em algumas poucas culturas.
Ao compararmos a distribuição da área plantada com grãos entre 1980/81 e 2013/14, nota-se que a área an-
teriormente ocupada pelo plantio de cinco grãos (milho, soja, arroz, feijão e algodão) destina-se, atualmente,
a apenas duas culturas (soja e milho). A soja, isoladamente, respondeu por pouco mais da metade (52,9%) da
área plantada com grãos na última safra.
Quadro 17
EVOLUÇÃO DA DISTRIBUIÇÃO DA ÁREA PLANTADA COM GRÃOS (SAFRAS SELECIONADAS)
Soja52,9%
Milho27,7% Feijão
5,9%Trigo4,8%
Arroz4,2%
Algodão2,0%
Outros2,5%
Trigo3,4%
Algodão2,2%
Soja32,7%
Milho28,3%
Feijão9,9%
Arroz8,1%
Outros15,4%
Milho30,1%
Soja21,5%
Arroz 16,4%
Feijão14,1% Algodão
1980/81 2000/01 2013/14
10,2%
Trigo5,2%
Outros2,4%
Elaboração: Think Agro. Fonte: Conab.
Em termos de produtividade, o crescimento foi generalizado entre as diferentes culturas, particularmente ao
longo das décadas de 1980 e 1990, quando alguns dos principais grãos (algodão, milho e soja) apresentaram
ganhos excepcionais na relação tonelada por hectare. A partir da safra de 2000/01, os ganhos observados,
embora positivos, foram menores.
80
Cabe notar a particularidade da produtividade da soja: embora tenha ampliado sua área produtiva, a produ-
tividade da cultura manteve-se praticamente inalterada desde 2000/01 (em torno de 2,7 toneladas/hectare).
Em comparação, no mesmo período, o milho e o arroz apresentaram crescimento da produtividade de 3,2%
e 3,4%, respectivamente.
Quadro 18
EVOLUÇÃO DA PRODUTIVIDADE DA PRODUÇÃO DE GRÃOS (CULTURAS SELECIONADAS)
0,0
1,0
2,0
3,0
4,0
5,0
6,0
1980/81 1990/91 2000/01 2002/03 2004/05 2006/07 2008/09 2010/11 2012/13 2014/15*
To
ne
lad
as
po
r h
ec
tare
ALGODÃO
(CAROÇO)
ARROZ FEIJÃO MILHO SOJA TRIGO BRASIL
(MÉDIA)
Nota: * estimativa em abril de 2015. Elaboração: Think Agro.
Fonte: Conab.
Quadro 19
CRESCIMENTO MÉDIO ANUAL DA PRODUTIVIDADE DOS PRINCIPAIS GRÃOS, POR PERÍODO (%)
9,8
6,0
3,9 4,6
2,2 3,1
4,2
10,4
3,1 2,7
6,2 5,7
2,7
5,7
-1,2
3,4 3,1 3,2
0,3 1,1 1,8
Algodão(caroço)
Arroz Feijão Milho Soja Trigo Brasil(média)
ENTRE 1980 E 1990 ENTRE 1990 E 2000 ENTRE 2000 E 2014
Nota: estimativa em abril de 2015. Elaboração: Think Agro.
Fonte: Conab.
81
Além da produção de grãos, o Brasil destina uma área de 9,8 milhões de hectares ao cultivo de cana-de-açúcar:
trata-se de uma área plantada significativa, somente inferior à área destinada à soja e ao milho. Este cresci-
mento do cultivo da cana, ainda que originado ao longo das décadas de 1980 e 1990, teve grande impulso na
última década.
De fato, a área ocupada pela cana dobrou entre as safras de 2001/02 e 2013/14 (99,8%, ou 5,5% ao ano), fato
que, aliado aos ganhos de produtividade (11,6%, ou 0,8% ao ano) no período, possibiltou elevar a produção
nacional de 293,0 milhões de toneladas para 653,5 milhões (123,0%, ou 6,4% ao ano) do produto.
Com a expansão da cultura, foi possível, também, duplicar a produção de açúcar e triplicar a produção de eta-
nol no período destacado (Quadro 20), fortalecendo o papel do agronegócio também na geração de energia
renovável73. Outras culturas relevantes para a produção agrícola nacional incluem o café, que expandiu sua
produção em 57% no período, e a laranja, que permaneceu praticamente inalterada entre as safras de 2001/02
e 2013/14.
Quadro 20
EVOLUÇÃO DA PRODUÇÃO DE CULTURAS SELECIONADAS (EM MILHÕES DE TONELADAS)
293,0
19,2 11,5 31,3 17,0
653,5
37,7 27,5 49,2 16,3
Cana-de-açúcar(milhões em toneladas)
Açúcar(milhões de toneladas)
Etanol(bilhões de litros)
Café(milhões de sacas)
Laranja(milhões de toneladas)
2001/02 2013/14
Elaboração: Think Agro. Fonte: Conab.
Além dos grãos, da cana-de-açúcar, do café e da laranja, o País aloca, também, uma parcela importante da
área agricultável com florestas plantadas, em sua maior parte em sistema de monocultura. O setor tem grande
importância como fornecedor de energia ou matéria-prima para o setor industrial, e o Brasil, com uma das
maiores coberturas florestais do mundo, tem desenvolvido seu potencial produtivo e exportador de madeira
reflorestada74. Destacam-se, nesse âmbito, as plantações de eucalipto (Eucalyptus spp.) e de pínus (Pinus spp.),
que ocupam a maior parte dos 7,6 milhões de hectares destinados ao plantio comercial de florestas.
73 Vale ressaltar que a liderança tecnológica e produtiva do complexo sucroalcooleiro brasileiro cumpre papel essencial na oferta interna de energia, incluindo para fins de autoprodução. Segundo o Balanço Energético de 2014, elaborado pelo Ministério de Minas e Energia (MME), os produtos derivados da cana respondem por cerca de 40,0% da oferta interna de energia renovável e 16,1% da oferta interna total. Em termos de consumo final, o bagaço de cana e o etanol responderam, respectivamente, por 11,3% e 4,8% do total nacional.
74 A cadeia produtiva do setor florestal pode ser dividida em: extração vegetal ou produção florestal em florestas nativas, incluindo borrachas, ceras, fibras, tanantes, oleaginosos, alimentícios, aromáticos e madeiras; e silvicultura de florestas plantadas, cujos produtos incluem carvão vegetal, lenha, madeira em tora e resinas. Ambos os ramos de atividade têm ligações com diversos setores da indústria: os produtos madeireiros geralmente com a indústria de celulose ou madeira processada; e os produtos não madeireiros com as indústrias química ou alimentícia, para citar alguns exemplos.
82
Quadro 21
ÁREAS DE FLORESTAS PLANTADAS, POR ANO E ESPÉCIE (EM MILHÕES DE HECTARES)
0,46 0,49 0,52 0,56 1,89 1,87 1,83 1,79
1,76 1,64 1,56 1,57
3,86 4,08 4,46 4,66 4,90 5,05 5,30 5,47
5,75 5,95 6,29 6,45 7,12 7,18 7,39 7,60
0
1
2
3
4
5
6
7
8
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Milh
ões
de
hect
ares
EUCALIPTO PÍNUS OUTRAS CULTURAS*
Nota: * outras espécies incluem seringueira, acácia, teca, paricá, araucária e pópulo. Elaboração: Think Agro.
Fonte: SNIF.
O Brasil também ganhou destaque pela sua produção pecuária, sobretudo no que se refere à avicultura (or-
ganizada, majoritariamente, no sistema de cooperativas integradas) e à bovinocultura75. Segundo dados do
IBGE, entre 1980 e 2013, o efetivo de rebanhos, em número de cabeças, cresceu 183% (3,2% a.a.), no caso das
aves, e 78% (1,8% a.a.), no caso dos bovinos.
Quadro 22
EVOLUÇÃO DO EFETIVO DE REBANHOS, EM ANOS SELECIONADOS (EM MILHÕES DE CABEÇAS)
441
119 34 33
546
147 34 42
843
170
32 37
1.239
210
39 46
1.249
212
37 51
0
200
400
600
800
1.000
1.200
1.400
Aves Bovino Suíno Outros
Milh
õe
s d
e c
ab
eça
s
1980 1990 2000 2010 2013
Elaboração: Think Agro. Fonte: IBGE (Pesquisa Pecuária Municipal).
75 As cadeias produtivas associadas ao setor de criação e produção animal, como bovinos, suínos e aves, organizam-se de forma similar à agricultura. Os insumos, nesses casos, incluem terra, plantas forrageiras, rações, máquinas e produtos veterinários usados na criação dos animais até que cheguem ao tamanho ideal e sejam comercializados em suas várias formas. Completam a cadeia produtiva: os abatedouros, que extraem as carnes e seus subprodutos (os diferentes cortes) e os distribuem geralmente no mercado interno apenas; e a indústria processadora-integradora, que, além de carnes e subprodutos, também produz processados e carne tipo exportação, com vistas à distribuição no mercado interno e à exportação.
83
Com o aumento dos rebanhos e as melhorias nas práticas de criação, a produção animal (em peso das carcaças)
cresceu de forma excepcional. Especificamente desde 1997, a produção de carnes no Brasil cresceu 188,7% no total,
crescimendo este que foi particularmente forte no caso das aves (221,7%), dos suínos (215,9%) e dos bovinos (141,8%).
Quadro 23
EVOLUÇÃO DA PRODUÇÃO ANIMAL (PESO TOTAL DAS CARCAÇAS)
3,9 4,2 4,7
5,1 5,6
6,1 6,2 7,0
7,9 8,2 9,0
10,2 9,9 10,7
11,4 11,5 12,0
12,5
3,3 3,4 3,8 3,9
4,3 4,7 5,0
5,9 6,3
6,9 7,0 6,6 6,7 7,0 6,8
7,4 8,2 8,1
1,0 1,1 1,2 1,3 1,6 1,9 1,9 1,9 2,2 2,3 2,5 2,6 2,9 3,1 3,4 3,1 3,1 3,2
0
2
4
6
8
10
12
14
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
Mil
tonela
das
AVES BOVINOS SUÍNOS
Elaboração: Think Agro. Fonte: Pesquisa Pecuária Municipal.
A expansão da produção verificou-se, também, na oferta de produtos de origem animal. A produção na cadeia
de laticínios, por exemplo, cresceu 206,9% desde 1980 (3,5% a.a.), enquanto a de ovos de galinha elevou-se
em 177,5% (3,1% a.a.).
Quadro 24
EVOLUÇÃO DA PRODUÇÃO DE PRODUTOS DE ORIGEM ANIMAL: LEITE E OVOS DE GALINHA
11.162
1.304
14.484
2.051
19.767
2.516
30.715
3.247
34.255
3.619
0
5.000
10.000
15.000
20.000
25.000
30.000
35.000
40.000
Leite (milhões de litros) Ovos de galinhas (milhões de dúzias)
1980 1990 2000 2010 2013
Elaboração: Think Agro. Fonte: Pesquisa Pecuária Municipal.
84
Com o fenômeno de expansão generalizada da produção agropecuária no Brasil, observa-se, também, uma
expansão do valor bruto da produção. Segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(MAPA), entre 2000 e 2014, o valor bruto da produção agropecuária cresceu 237,2% – cerca de 6,3% ao ano,
alcançando, ao final, R$ 472,5 bilhões em 2014. Segundo projeções do MAPA e do IBGE, o valor bruto da pro-
dução agropecuária deverá atingir a cifra recorde de R$ 477,5 bilhões em 2015.
Quadro 25
EVOLUÇÃO DO VALOR DA PRODUÇÃO DA AGROPECUÁRIA BRASILEIRA
126,1 136,1 150,9 179,8
203,9 202,4 171,5 172,6
194,7 223,3 212,1 220,2
255,5 274,1
299,1 297,1 293,0
0,0
65,1 69,4 74,1 79,5 86,3 89,4 87,5 99,7 109,3 108,3 113,1 125,5 134,7 157,0
175,4 184,6
126,1
201,2 220,3
253,9 283,4 288,6
260,9 260,1 294,4
332,6 320,4 333,2
381,0 408,7
456,1 472,5 477,5
0
100
200
300
400
500
600
1990 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
2010
2011 2012 2013 2014 2015*
Bilh
ões
R$
LAVOURAS PECUÁRIA TOTAL
* Projeção. Nota: valores deflacionados pelo IGP-DI da FGV (janeiro de 2015).
Elaboração: Think Agro. Fonte: MAPA.
É possível constatar, também, que a distribuição do valor bruto da produção agropecuária modificou-se no
período 2000-2014. Segundo dados expostos no Quadro 26, a soja (em grãos) assumiu a dianteira da produção
nacional também em valor (18,9%), superando a pecuária bovina (13,5%). O cultivo de milho em grãos (7,5%),
por sua vez, foi superado pela produção de frangos (12,9%) e pelo cultivo da cana-de-açúcar (9,5%).
Quando agregados, estes cincos itens corresponderam a mais de 60% do valor bruto da produção agropecuária
brasileira em 2014, percentual 6,9 p.p. superior ao verificado para o conjunto dos mesmos produtos em 2000.
85
Quadro 26
DISTRIBUIÇÃO DO VALOR BRUTO DA PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA, POR PRODUTO (ANOS SELECIONADOS)
Soja18,9%
Bovinos13,5%
Frango12,9%
Cana-de-açúcar
9,5%
Milho7,5%
Leite5,9%
Laranja4,1%
Café3,6%
Suínos2,6%
Outros21,6%
2014
Bovinos14,2%
Soja14,0%
Milho9,7%
Cana-de-açúcar
9,1%Frango
7,8%
Café7,8%
Leite5,6%
Laranja3,5%
Suínos2,6%
Outros25,9%
2000
Nota: valores deflacionados pelo IGP-DI da FGV (janeiro de 2015). Elaboração: Think Agro.
Fonte: MAPA.
Em suma, a presente seção permitiu compreender a dinâmica essencialmente positiva da agropecuária nas
últimas décadas, com expansão das áreas cultivadas e do rebanho, da produtividade e da produção. Esse
processo, entretanto, não se deu de forma equânime entre as culturas, o que se evidencia pela concentração
da área plantada e da pauta produtiva, o que levou à concentração do valor bruto da produção brasileira em
alguns poucos produtos.
2.8 O AGRONEGÓCIO BRASILEIRO E O SETOR EXTERNO
Como já explicitado, a produção do agronegócio brasileiro tem desempenhado um papel singular no equilí-
brio das contas externas brasileiras. Nesse âmbito, o aumento da produção e da produtividade dos principais
produtos, aliado ao atendimento da crescente demanda internacional, permitiu ao setor a geração consecutiva
de superávits, atraindo as divisas necessárias para financiar o déficit em transações correntes – importações
de bens e serviços.
O aumento da inserção externa do agronegócio pode, também, ser analisado pelo coeficiente de abertura do
setor, medido pela relação entre fluxo comercial (exportações e importações) e PIB.
86
Quadro 27
EVOLUÇÃO DA BALANÇA COMERCIAL DA AGROPECUÁRIA(EM US$ BILHÕES)
ANOPIB TOTAL
(US$ BILHÕES)
PIB DO AGRONEGÓCIO (US$ BILHÕES)
FLUXO COMERCIAL –
BRASIL (US$ BILHÕES)
FLUXO COMERCIAL –
AGRONEGÓCIO (US$ BILHÕES)
GRAU DE ABERTURA DA
ECONOMIA BRASILEIRA
(%)
GRAU DE ABERTURA DO AGRONEGÓCIO
(%)
GRAU DE ABERTURA DO RESTANTE DA
ECONOMIA (%)
1996 840,3 210,0 101,1 30,1 12,0 14,3 11,3
1997 871,3 208,7 112,7 31,6 12,9 15,1 12,3
1998 844,0 203,3 108,9 29,6 12,9 14,6 12,4
1999 586,8 143,6 97,3 26,2 16,6 18,2 16,0
2000 645,0 151,5 111,0 26,4 17,2 17,4 17,1
2001 553,8 130,6 113,9 28,7 20,6 22,0 20,1
2002 504,4 126,1 107,7 29,3 21,4 23,2 20,7
2003 553,6 145,8 121,5 35,4 22,0 24,3 21,1
2004 663,8 169,5 159,5 43,9 24,0 25,9 23,4
2005 882,4 208,3 192,1 48,7 21,8 23,4 21,3
2006 1.088,8 248,4 229,2 56,2 21,0 22,6 20,6
2007 1.366,5 317,0 281,3 67,2 20,6 21,2 20,4
2008 1.650,9 393,4 370,9 83,7 22,5 21,3 22,8
2009 1.625,6 366,3 280,7 74,7 17,3 20,4 16,4
2010 2.143,9 483,1 383,7 89,8 17,9 18,6 17,7
2011 2.475,1 572,1 482,3 112,5 19,5 19,7 19,4
2012 2.247,3 499,7 465,8 112,2 20,7 22,5 20,2
2013 2.243,1 505,7 481,8 117,0 21,5 23,1 21,0
2014 2.346,1 500,9 454,2 113,4 19,4 22,6 18,5
MÉDIA 1.270,1 293,9 245,0 60,9 19,3 20,0 18,9
Elaboração: Think Agro. Fonte: IBGE; Cepea; Banco Central; SECEX/MDIC.
Como se pode observar nos dados expostos no Quadro 27, o grau de abertura do setor elevou-se conside-
ravelmente no período avaliado (entre 1996 e 2014), passando de 14,3% a 22,6% – tendo atingido seu pico
em 2004 (25,9%). A trajetória de abertura do setor acompanha a nacional, mas mantém-se em um patamar
praticamente estável desde o início do século XXI.
Todavia, em uma ótica comparativa, o coeficiente confere ao Brasil a posição de um dos países mais fechados
ao comércio internacional (para China, Índia e Rússia – parceiros do Brasil no BRICS –, o grau de abertura é
de cerca de 50%).
87
Como se pode observar no Quadro 28, apresentado a seguir, entre 1989 e 2014, as exportações do setor passa-
ram de US$ 13,9 bilhões para US$ 96,7 bilhões, o equivalente a um aumento de 7,7% ao ano. No mesmo período,
as importações evoluíram de US$ 3,1 bilhões para US$ 16,6 bilhões, crescendo a taxas anuais de 6,7% ao ano76.
Como resultado desse desempenho excepcional, o saldo da balança comercial do agronegócio elevou-se de
US$ 10,8 bilhões, em 1989, para cerca de R$ 80 bilhões, em 2014, ano em que o setor movimentou 25% do
fluxo comercial brasileiro (exportações e importações). No último ano da série, o Brasil exportou cerca de seis
vezes mais do que importou em produtos agropecuários.
Quadro 28
EVOLUÇÃO DA BALANÇA COMERCIAL DA AGROPECUÁRIA (EM US$ BILHÕES)
13,9 13,0 12,4 14,5 15,9 19,1 20,9 21,1 23,4 21,6 20,5 20,6 23,9 24,8 30,7
39,0 43,6 49,5
58,4
71,8 64,8
76,4
95,0 95,8 100,0 96,7
-3,1 -3,2 -3,6 -3,0 -4,2 -5,7 -8,6 -8,9 -8,2 -8,0 -5,7 -5,8 -4,8 -4,5 -4,8 -4,8 -5,1 -6,7 -8,7 -11,9 -9,9 -13,4 -17,5 -16,4 -17,1 -16,6
10,8 9,8 8,8 11,5 11,8 13,4 12,3 12,2 15,2 13,5 14,8 14,8 19,1 20,4 25,9
34,2 38,5 42,8 49,7
60,0 54,9
63,0
77,5 79,4 82,9 80,1
198
9
199
0
199
1
199
2
199
3
199
4
199
5
199
6
199
7
199
8
199
9
20
00
20
01
20
02
20
03
20
04
20
05
20
06
20
07
20
08
20
09
20
10
20
11
20
12
20
13
20
14
EXPORTAÇÕES IMPORTAÇÕES SALDO
Elaboração: Think Agro. Fonte: AGROSTAT; SECEX/MDIC; Conab.
Desde 1989, as exportações do agronegócio nacional têm representado, em média, 40,4% das exportações e
8,9% das importações do País (Quadro 29). Isso significa que, não fosse o esforço exportador do agronegócio
nacional, o Brasil teria acumulado, desde 2007, um déficit de cerca de US$ 390 bilhões na balança comercial –
US$ 84,1 bilhões somente em 2014. Nesse cenário, o comprometimento das reservas cambiais nacionais teria
aumentado sensivelmente a vulnerabilidade do País às oscilações do mercado internacional.
76 Nestas importações não estão apenas os bens finais, como trigo e seus derivados, mas também máquinas, equipamentos, peças, partes e componentes necessários para o processo produtivo ao longo das cadeias agroindustriais e que passaram ser importados em volumes cada vez maiores. Por outro lado, o crescimento das importações do setor pode ser explicado pela especialização crescente nas etapas do processo produtivo associadas à produção da matéria-prima, geralmente com menor valor agregado.
88
Quadro 29
EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DO AGRONEGÓCIO NAS EXPORTAÇÕES E IMPORTAÇÕES TOTAIS (%)
40,5 41,4 39,2
40,4 41,3 43,9 44,9 44,3 44,1
42,1 42,7
37,4
40,9 41,1 41,9 40,4
36,8 35,9 36,4 36,3
42,3
37,9 37,1 39,5
41,3 43,0
16,9 15,4
17,3
14,4 16,5 17,2 17,2 16,8
13,7 13,9 11,6
10,3 8,6 9,4 9,8
7,7 6,9 7,3 7,2 6,9 7,8 7,4 7,7 7,4 7,1 7,3
1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
PARTICIPAÇÃO NAS EXPORTAÇÕES PARTICIPAÇÃO NAS IMPORTAÇÕES
Elaboração: Think Agro. Fonte: AGROSTAT; MDIC; Conab.
Quadro 30
EVOLUÇÃO DA BALANÇA COMERCIAL DE OUTROS SETORES (EM US$ BILHÕES)
20,5 18,4 19,2 21,3 22,6 24,4 25,6 26,6 29,6 29,6 27,5 34,5 34,4 35,6 42,6 57,6
74,9 88,3
102,2 126,1
88,2
125,5
161,1 146,8 142,2
128,4
-15,2 -17,5 -17,4 -17,6 -21,1 -27,4 -41,4 -44,4 -51,6 -49,7 -43,6 -50,1 -50,8 -42,8 -43,6
-58,0 -68,5
-84,7
-111,9
-161,1
-117,8
-168,4
-208,7 -206,8
-222,6 -212,4
5,3 0,9 1,8 3,7 1,5 -3,0 -15,7 -17,8 -21,9 -20,1 -16,1 -15,6 -16,4 -7,2 -1,0 -0,4 6,4 3,7
-9,7
-35,0 -29,6 -42,9 -47,7
-60,0 -80,3 -84,1
198
9
199
0
199
1
199
2
199
3
199
4
199
5
199
6
199
7
199
8
199
9
20
00
20
01
20
02
20
03
20
04
20
05
20
06
20
07
20
08
20
09
20
10
20
11
20
12
20
13
20
14
EXPORTAÇÕES IMPORTAÇÕES SALDO
Elaboração: Think Agro. Fonte: AGROSTAT; SECEX/MDIC; Conab.
89
Em termos de pauta de exportação, tomando como referência o ano de 2000, constata-se como o agronegócio
brasileiro respondeu às mudanças no cenário internacional no período. Destaca-se, neste período, a evolução
da participação de produtos do complexo da soja, carne, produtos do complexo sucroalcooleiro e cereais,
farinhas e preparações; ao passo que produtos florestais, couros, sucos, fibras e produtos têxteis, café e fumo
perderam espaço relativamente aos demais (Quadro 31).
Quadro 31
VARIAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO NO VALOR TOTAL DA PAUTA DE EXPORTAÇÃO DO AGRONEGÓCIO – 2000 E 2014 (EM PONTOS PERCENTUAIS)
12,10
8,52
4,71 4,49
0,74 0,29 0,06
-0,02 -0,03 -0,03 -0,05 -0,08 -0,11 -0,13 -0,16 -0,44 -0,95 -1,01 -1,32 -1,50 -1,77 -2,19 -3,05
-6,90
-11,16
C
om
ple
xo
so
ja
C
arn
es
Co
mp
lexo
su
cro
alc
oo
leir
o C
ere
ais
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has
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(exceto
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os)
L
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Pro
du
tos
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(exceto
so
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ra
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para
an
imais
C
há, m
ate
e e
specia
rias
Pro
du
tos
alim
en
tício
s d
ivers
os
Dem
ais
pro
du
tos
de o
rig
em
veg
eta
l
PR
rod
uto
s h
ort
íco
las,
leg
um
ino
sas,
ra
ízes
e t
ub
érc
ulo
s C
acau
e s
eu
s p
rod
uto
s
Pesc
ad
os
Fru
tas
(in
clu
sas
no
zes
e c
ast
an
has)
B
eb
idas
Fu
mo
e s
eu
s p
rod
uto
s C
afé
F
ibra
s e p
rod
uto
s tê
xte
is
Su
co
s
Co
uro
s, p
rod
uto
s d
e c
ou
ro e
p
ele
teri
a
Pro
du
tos
flo
rest
ais
Elaboração: Think Agro. Fonte: AGROSTAT; MDIC; Conab.
De fato, como se nota no Quadro 32, a participação conjunta de produtos do complexo soja e de carnes subiu
de 29,9% para 50,5% da pauta exportadora do agronegócio, no período.
90
Quadro 32
COMPARATIVO DA PAUTA DE EXPORTAÇÃO DO AGRONEGÓCIO, EM 2000 E 2014
Produtosflorestais
21,4%
Complexo soja20,4%
Couros, produtosde couro epeleteria
10,5%
Carnes9,5%
Café8,7%
Complexosucroalcooleiro
6,0%Sucos5,3%
Fibras e produtostêxteis
4,1%
Fumo e seusprodutos
4,1%
1,9%
Frutas (inclusas nozes e castanhas)
Outros8,2%
2000
Complexo soja32,5%
Carnes18,0%
Complexosucroalcooleiro
10,7%
Produtosflorestais
10,3%Café6,9%
Cereais, farinhas e preparações
4,8%Couros, produtos
de couro e peleteria3,6%
Fumo e seusprodutos
2,6%Sucos2,2%
Fibras eprodutos têxteis
1,9%Outros6,5%
2014
Elaboração: Think Agro. Fonte: AGROSTAT; MDIC; Conab.
A análise dos dez produtos mais exportados do agronegócio (em valor) oferece detalhes adicionais sobre o
fenômeno. Como se pode notar no Quadro 33, a expansão da exportação de soja em grãos (18,4% ao ano) foi
resultado de uma combinação entre expansão do volume exportado (10,4%) e do preço internacional (7,3%),
fenômeno compartilhado pela maior parte dos demais produtos. As exceções, no período, ficaram por conta
da celulose, que, apesar da expansão do volume (8,9%), apresentou ligeira queda no preço entre 2000 e 2014
(-0,8%), e do milho, que, apesar de apresentar queda no preço (-1,7%), praticamente dobrou o volume expor-
tado no período.
91
Quadro 33
VARIAÇÃO MÉDIA ANUAL DO VALOR, DO VOLUME E DO PREÇO DOS DEZ PRINCIPAIS PRODUTOS EXPORTADOS, DE 2000 A 2014
18,4
17,7
10,9
16,6
10,2
19,1
8,9
98,7
8,2
11,5
10,4
11,2
2,8
10,5
5,3
14,3
9,7
102,2
1,7
6,0
7,3
5,8
7,9
5,5
4,6
4,2
-0,7
-1,7
6,4
5,2
Soja em grãos
Açúcar de cana bruto
Farelo de soja
in natura Carne de frango
Café verde
in natura Carne bovina
Celulose
Milho
Fumo não manufaturado
Açúcar refinado
VALOR VOLUME PREÇO
1º
2º
3º
4º
5º
6º
7º
8º
9º
10º
24,1%
7,7%
7,2%
7,1%
6,2%
6,0%
5,5%
4,0%
2,4%
2,1%
PARTICIPAÇÃO*RANKING*
Nota: * 2014. Elaboração: Think Agro.
Fonte: AGROSTAT; MDIC; Conab.
Com base no desempenho do setor, suficiente para abastecer o mercado interno e gerar excedentes expor-
táveis, o Brasil consolidou-se como um dos mais importantes ofertantes de bens agropecuários no mercado
internacional. Além de ampliar sua participação no comércio mundial, o agronegócio brasileiro firmou-se,
também, como o principal player em diversas cadeias.
Como é possível notar nos Quadros 34 e 35, enquanto, na safra 2000/01, o Brasil respondia por apenas 8,2%
de todo o milho transacionado no comércio internacional; na safra 2013/14, esta participação saltou para 16,5%.
Algo semelhante foi observado para a soja, registrando um salto de 28,7% para 41,1% no mesmo período, para
o açúcar (de 20,1% para 46,9%), para o café (de 21,7% para 28,3%), para a carne bovina (de 12,6% para 21,3%)
e para a carne de frango (de 22,4% para 33,5%).
92
Quadro 34
PARTICIPAÇÃO (%) E POSIÇÃO BRASILEIRAS NO COMÉRCIO MUNDIAL DE BENS AGRÍCOLAS SELECIONADOS
% Rank % Rank % Rank % Rank
00/01 20,1 1° 1,2 18° 21,7 1° 8,2 4°
01/02 27,4 1° 2,3 7° 28,1 1° 2,8 4°
02/03 29,7 1° 1,6 13° 31,3 1° 6,0 4°
03/04 32,7 1° 2,9 6° 27,6 1° 5,8 4°
04/05 38,4 1° 4,4 5° 29,8 1° 0,9 6°
05/06 34,5 1° 4,4 5° 26,2 1° 5,6 3°
06/07 41,1 1° 3,5 6° 27,9 1° 11,5 3°
07/08 38,5 1° 5,7 5° 27,8 1° 7,9 3°
08/09 47,9 1° 9,1 5° 31,2 1° 8,5 3°
09/10 50,3 1° 5,6 5° 29,0 1° 12,0 3°
10/11 47,9 1° 5,7 5° 30,9 1° 9,2 3°
11/12 44,8 1° 10,4 4° 26,1 1° 20,8 3°
12/13 50,7 1° 9,2 4° 26,3 1° 26,2 3°
13/14 46,9 1° 5,4 5° 28,3 1° 16,5 2°
SAFRA
AÇÚCAR ALGODÃO CAFÉ MILHO
% Rank
28,7 2°
27,4 2°
32,0 2°
36,4 2°
31,1 2°
40,6 1°
33,0 2°
32,4 2°
38,8 2°
31,3 2°
32,7 2°
39,3 2°
41,7 1°
41,1 1°
SOJA
% Rank % Rank % Rank % Rank
78,2 1° 2001 12,6 3° 22,4 2° 10,5 4°
83,0 1° 2002 13,5 3° 28,1 2° 15,8 4°
88,7 1° 2003 17,8 2° 31,6 2° 14,5 4°
89,1 1° 2004 23,9 1° 39,8 1° 13,2 4°
86,0 1° 2005 25,0 1° 40,0 1° 15,3 4°
86,2 1° 2006 27,5 1° 38,3 1° 12,2 4°
84,5 1° 2007 28,7 1° 40,0 1° 14,2 4°
82,1 1° 2008 23,7 1° 38,8 1° 10,1 4°
82,4 1° 2009 21,4 1° 38,2 1° 12,6 4°
81,0 1° 2010 19,9 1° 36,9 1° 10,3 4°
78,1 1° 2011 16,6 2° 36,1 1° 8,4 4°
80,0 1° 2012 18,7 1° 34,8 1° 9,1 4°
76,3 1° 2013 20,2 1° 34,0 1° 8,3 4°
78,6 1° 2014 21,3 1° 33,5 1° 8,4 4°
CARNE DE FRANGO CARNE SUÍNASUCO DE LARANJA
ANO
CARNE BOVINA
Elaboração: Think Agro. Fonte: USDA.
Quadro 35
EVOLUÇÃO DA POSIÇÃO BRASILEIRA NO COMÉRCIO MUNDIAL DE BENS AGRÍCOLAS SELECIONADOS
26,8
12,3
11,1
8,7
8,4
6,6
4,2
0,4
-2,0
Açúcar
Soja
Carne de frango
Carne bovina
Milho
Café
Algodão
Suco de laranja
Carne suína
20,1% (1°)
28,7% (2°)
22,4% (2°)
12,6% (3°)
8,2% (4°)
21,7% (1°)
1,2% (18°)
78,2% (1°)
10,5% (4°)
46,9% (1°)
41,1% (1°)
33,5% (1°)
21,3% (1°)
16,5% (2°)
28,3% (1°)
5,4% (5°)
78,6% (1°)
8,4% (4°)
2000/01 2013/14
Variação da participação brasileira nas exportações mundiais, de 2000 a 2014 (em pontos percentuais)
PARTICIPAÇÃO (POSIÇÃO)
Elaboração: Think Agro. Fonte: USDA.
93
Outra ótica interessante para avaliar o desempenho externo do agronegócio brasileiro é o grau de industrializa-
ção dos produtos exportados. Como antecipado, um fator importante para explicar a evolução do agronegócio
foi a especialização crescente nas etapas do processo produtivo associadas à produção da matéria-prima,
geralmente com menor valor agregado. Por outro lado, além dos impostos incidentes sobre o produto indus-
trializado no Brasil, é conhecida a dificuldade de comercializar produtos com maior grau de industrialização,
uma vez que sua competitividade é afetada, também, pelas diferenças nos tratamentos tarifário e não tarifário
dos países importadores77.
Como se pode notar no Quadro 36, a maior parte das exportações de soja, carnes e café, em 2014, estava
relacionada a produtos in natura, isto é, com baixo ou sem qualquer tipo de processamento (soja em grãos,
esmagada ou em farelo, carne in natura e café em grãos).
Quadro 36
GRAU DE INDUSTRIALIZAÇÃO DE PRODUTOS EXPORTADOS (SOJA, CARNE E CAFÉ), EM 2014
SOJA EM GRÃOS FARELO DE SOJA
ÓLEO DE SOJA
74,1%
22,3%
3,6%
COMPLEXOSOJA
CARNE IN NATURA CARNE INDUSTRIALIZADA
81,9%
18,1%
CARNES
CAFÉ EM GRÃOS CAFÉ SOLÚVEL
91,5%
8,5%
CAFÉ
Elaboração: Think Agro. Fonte: AGROSTAT; Conab; SECEX/MDIC.
De fato, em uma depuração da pauta segundo o grau de processamento dos produtos do agronegócio, é
possível afirmar que cerca de 70% da pauta de exportação nacional, em 2014, eram constituídos por produtos
com baixo valor agregado (soja em grãos; açúcar de cana bruto; farelo de soja; carne de frango in natura; café
verde; carne bovina in natura; celulose; milho; e fumo não faturado).
Na comparação da pauta de exportação do agronegócio entre 2000 e 2014, segundo diversas óticas (setores
de contas nacionais, fator agregado e grau de industrialização), é possível constatar como o crescimento das
exportações do setor concentrou-se em bens intermediários, produtos básicos e produtos não industriais
(Quadro 37).
77 O caso icônico é o café, produto com histórica liderança do Brasil na produção e na exportação. Embora detenha tal posição, a maior parte do comércio exterior do Brasil é de café em grãos – produto, não por acaso, isento de tarifas em países da União Europeia e no Japão. O café processado (por exemplo, grãos torrados) enfrenta adicionais tarifários de 9% e 12%, respectivamente, nestes importadores.
94
Quadro 37
COMPARATIVO DA PAUTA DE EXPORTAÇÃO DO AGRONEGÓCIO POR SETOR DAS CONTAS NACIONAIS, FATOR AGREGADO E INTENSIDADE TECNOLÓGICA
2000 2014 VARIAÇÃO
CLASSIFICAÇÃO DO PRODUTO VALOR (US$) % VALOR (US$) %MÉDIA
ANUAL (%)P.P.
SE
TO
R D
E C
ON
TA
S
NA
CIO
NA
IS
TOTAL 20.604.688.422 100 96.747.832.957 100 11,7% –
BENS DE CAPITAL 2.464.946 0,0 50.616.287 0,1 24,1% 0,04
BENS INTERMEDIÁRIOS 13.181.873.868 64,0 70.109.590.695 72,5 12,7% 8,5
BENS DE CONSUMO 7.418.847.649 36,0 26.585.474.610 27,5 9,5% -8,5
COMBUSTÍVEIS E LUBRIFICANTES
1.501.959 0,0 2.151.365 0,0 2,6% -0,01
CLASSIFICAÇÃO DO PRODUTO VALOR (US$) % VALOR (US$) % % %
FA
TO
R A
GR
EG
AD
O
TOTAL 20.604.688.422 100 96.747.834.468 100 11,7% –
PRODUTOS BÁSICOS (1) 8.823.558.359 42,8 63.474.990.342 65,6 15,1% 22,8
PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS (A+B) (2)
11.781.130.063 57,2 33.272.844.126 34,4 7,7% -22,8
PRODUTOS MANUFATURADOS (A) (3)
7.499.508.106 36,4 15.294.104.035 15,8 5,2% -20,6
PRODUTOS SEMIMANUFATURADOS (B) (4)
4.281.621.957 20,8 17.978.740.091 18,6 10,8% -2,2
CLASSIFICAÇÃO DO PRODUTO VALOR (US$) % VALOR (US$) % % %
INT
EN
SID
AD
E
TE
CN
OL
ÓG
ICA
TOTAL 20.604.688.422 100 96.747.834.468 100 11,7% –
PRODUTOS NÃO INDUSTRIAIS 5.376.248.447 26,1 40.635.382.477 42,0 15,5% 15,9
PRODUTOS INDUSTRIAIS 15.228.439.975 73,9 56.112.451.991 58,0 9,8% -15,9
MÉDIA-ALTA (5) 190.908.213 0,9 870.215.367 0,9 11,4% -0,03
MÉDIA-BAIXA (6) 3.582.407 0,0 1.495.144 0,0 -6,1% -0,02
BAIXA (7) 15.033.949.355 73,0 55.240.741.480 57,1 9,7% -15,9
Conforme notas explicativas do MDIC: (1) Produtos básicos: produtos de baixo valor, normalmente intensivos em mão de obra, cuja cadeia produtiva é simples e que sofrem poucas transformações, como, por exemplo, minério de ferro, grãos, agricultura etc.;
(2) Produtos industrializados: dividem-se em semimanufaturados e manufaturados, uma vez mais considerando o grau de transformação; (3) Manufaturados: produtos normalmente de maior tecnologia, com alto valor agregado, como, por exemplo, televisor, chip de computador,
automóvel, CD com programa de computador etc. – classificação extraída de: OECD, Directorate for Science, Technology and Industry, STAN Indicators, 2003; conforme notas explicativas do MDIC; (4) Semimanufaturados: produtos que passaram por alguma transformação,
como, por exemplo, suco de laranja congelado, couro; (5) Incluem: aparatos e máquinas elétricas; veículos a motor, trailers e semitrailers; Química (excetuando a Farmacêutica); equipamentos ferroviários e de transporte; máquinas e equipamentos. (6) Construção e reparo
naval; produtos de plástico e borracha; coque, refino de petróleo e combustível; nuclear; outros minerais não metálicos; metais básicos e fabricação de produtos de metal; (7) Manufatura e reciclagem; fabricação de papel e demais derivados de madeira; publicação e impressão
produtos alimentícios; bebidas e fumo; têxteis e derivados; couros e calçados. Elaboração: Think Agro.
Fonte: AGROSTAT; SECEX/MDIC.
Em termos de principais parceiros comerciais, a China, a União Europeia, os países do Oriente Médio e os
Estados Unidos foram responsáveis, juntos, em 2014, por 78,4% de todo o valor exportado pelo agronegócio
brasileiro. Esse cenário contrasta com o observado em 2000, quando mais da metade do valor das exporta-
ções do agronegócio era direcionado à União Europeia e aos Estados Unidos. Nesse período, a participação
do MERCOSUL reduziu-se de 7,7% para 2,4% do valor exportado.
95
Quadro 38
PRINCIPAIS DESTINOS DAS EXPORTAÇÕES DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO ENTRE 2000 E 2014
China41,7%
União Europeia 22,2%
Oriente Médio7,5%
Estados Unidos7,0%
África (excetoOriente Médio)
6,8%
América Latinae Caribe
(exceto MERCOSUL) 6,6%
MERCOSUL2,4%
Rússia2,1%
Outros países3,8%
2014
UniãoEuropeia
41,0%
Estados Unidos18,0%
MERCOSUL7,7%
América Latinae Caribe
(exceto MERCOSUL) 5,2%
Oriente Médio4,6%
África (excetoOriente Médio)
3,0%China 2,7%
Rússia2,0%
Outros países15,7%
2000
Elaboração: Think Agro. Fonte: AGROSTAT; SECEX/MDIC.
Como se nota no Quadro 39, embora as relações comerciais (medidas em valor exportado) tenham crescido
com todos os parceiros e blocos parceiros, o aumento do fluxo comercial com a China (35,7%), o continente
africano (18,5%) e o Oriente Médio (15,6%) foi superior ao estabelecido com os parceiros mais tradicionais do
Brasil, caso da União Europeia (6,9%), dos Estados Unidos (4,4%) e do MERCOSUL (0,8%).
Quadro 39
EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DOS DESTINOS NO TOTAL DAS EXPORTAÇÕES DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO ENTRE 2000 E 2014 (P.P.)
35,7
18,5 15,6 13,6 6,9 4,4 2,7 0,8
11,9
39,0
3,9 5,0 1,4
-12,0 -11,0
0,1
-5,3
8,7
Ch
ina
Áfr
ica (
exceto
Ori
en
te M
éd
io)
Ori
en
te M
éd
io
Am
éri
ca L
ati
na
e C
ari
be
(exceto
Merc
osu
l)
Un
ião
Eu
rop
eia
Est
ad
os
Un
ido
s
Rú
ssia
Merc
osu
l
Ou
tro
s
VARIAÇÃO NO VALOR DAS EXPORTAÇÕES (%) VARIAÇÃO NA PARTICIPAÇÃO NAS EXPORTAÇÕES (P.P.)
Elaboração: Think Agro. Fonte: AGROSTAT; MDIC.
96
Como resultado das mudanças no cenário comercial, os países desenvolvidos reduziram sua participação en-
tre os destinos dos produtos do agronegócio brasileiro: de 68,4%, o conjunto dos países classificados como
“economias avançadas” (caso, por exemplo, da maior parte dos membros da Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico – OCDE) passou a importar 40,1% das exportações do setor. Considerados
individualmente, o Brasil aumentou o leque de parceiros comerciais: o número de destinos das exportações
do agronegócio brasileiro subiu de 193, em 2000, para 211, em 2014.
Quadro 40
EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DAS ECONOMIAS AVANÇADAS* NAS EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS
31,6 34,7 31,7 29,8 35,9 35,4 36,8 39,8 42,7 44,8 43,9 48,2 53,5 56,5 57,3 57,9 59,2 59,9
68,4 65,3 68,3 70,2 64,1 64,6 63,2 60,2 57,3 55,2 56,1 51,8 46,5 43,5 42,7 42,1 40,8 40,1
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
ECONOMIAS AVANÇADAS* DEMAIS PAÍSES
Nota: * inclui 36 países destacados pelo Fundo Monetário Internacional como “economias avançadas”. Elaboração: Think Agro.
Fonte: AGROSTAT; SECEX/MDIC.
Com relação a 2014, a China se tornou o maior comprador do chamado “complexo soja”, com importações que
ultrapassaram os US$ 17 bilhões. No caso da União Europeia, destacaram-se o farelo de soja, a soja em grão e
a celulose como alguns dos principais produtos do agronegócio exportados.
Os Estados Unidos são reconhecidos, historicamente, como um importante parceiro comercial e grande concor-
rente do agronegócio brasileiro. Em 2014, as importações americanas totalizaram US$ 27 bilhões em produtos
brasileiros, dos quais 26% (cerca de US$ 7 bilhões) foram compras em produtos do agronegócio. Celulose,
madeira, papel e café corresponderam a mais de US$ 3,4 bilhões em exportações.
A Rússia foi o quarto maior importador individual de produtos agropecuários brasileiros em 2014, conquistando
espaço significativo na pauta exportadora brasileira, graças às sanções impostas às importações de alimentos
(carnes, leite e derivados e frutas, principalmente) provenientes dos Estados Unidos, da União Europeia, do
Canadá, da Austrália e da Noruega.
Como se pode notar no Quadro 41, apesar da elevada participação das exportações do agronegócio brasileiro
no comércio mundial, a produção doméstica tem sido suficiente para garantir o suprimento interno da maior
parte dos produtos comercializados (exceto no caso do trigo, majoritariamente importado).
97
Quadro 41
RELAÇÃO ENTRE PRODUÇÃO INTERNA, EXPORTAÇÃO E CONSUMO APARENTE, EM PRODUTOS SELECIONADOS
43,2
9,9 1,9
32,1
53,1 48,4
18,0 0,9
31,0 22,5
14,6
49,9
90,3 98,8
64,6 47,2 50,0
79,3
206,5
69,0 78,4
85,9 88,1
10,0 1,9
48,9
114,4
94,6
23,4
0,4
45,0 28,7
17,0
Algodãoem pluma
Arroz emcasca
Feijão Milho Soja emgrãos
Farelo desoja
Óleo desoja
Trigo Carne deaves
Carnebovina
Carnesuína
EXPORTAÇÃO/PRODUÇÃO INTERNA CONSUMO APARENTE/PRODUÇÃO INTERNA EXPORTAÇÃO/CONSUMO APARENTE
Elaboração: Think Agro. Fonte: Conab; SECEX/MDIC.
A partir do exposto, é possível afirmar que a inserção externa do agronegócio brasileiro tem se pautado, em
grande medida, pelo atendimento da demanda mundial de alguns produtos selecionados (sobretudo grãos
e carnes de aves e bovina), ao mesmo tempo em que, no plano interno, garante-se a provisão de uma gama
diversa de produtos da cesta de consumo do brasileiro, como arroz, feijão e milho. Do ponto de vista das
parcerias comerciais, o estreitamento das relações sino-brasileiras no período ofuscou o desempenho das
exportações brasileiras em outros mercados, como Estados Unidos, União Europeia e o próprio MERCOSUL.
2.9 A ASCENSÃO DA CHINA COMO PARCEIRA
COMERCIAL DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO78
Como explicitado anteriromente, ao longo dos últimos anos, as relações econômicas entre Brasil e China pas-
saram por mudanças significativas, sobretudo no que se refere ao intercâmbio comercial entre os dois países.
Em boa medida, tais transformações devem-se ao desempenho econômico excepcional da China no período
e ao consequente deslocamento do eixo econômico e comercial mundial para a Ásia.
No caso das relações sino-brasileiras, o estreitamento das relações pode ser explicado pela complementaridade
entre cadeias produtivas das duas economias, exarcerbada pelos limites da China em prover as matérias-primas,
recursos naturais e outros bens necessários para impulsionar sua própria indústria, bem como alimentar uma
população cada vez mais urbanizada. Nesse cenário, o Brasil passa a ocupar um papel crescente no suprimento
de produtos do agronegócio e da extração mineral para o mercado chinês. Coroando esse processo, desde
78 Uma análise complementar com foco na China é desenvolvida ao longo do terceiro e do quarto capítulos desta publicação.
98
2009, a China se tornou o principal parceiro comercial do Brasil e o principal destino das exportações brasilei-
ras, superando os Estados Unidos, a despeito dos efeitos da crise internacional sobre o comércio internacional.
Como se nota no Quadro 42, o fluxo comercial entre os dois países cresceu 26,4% ao ano entre 2000 e 2014,
ao passo que o comércio brasileiro com os demais países do mundo evoluiu, em média, 8,6% ao ano. O agro-
negócio foi um dos pilares do aumento das relações comerciais entre os países, crescendo a uma taxa média
de 27,6% ao ano no mesmo período.
Quadro 42
EVOLUÇÃO DOS FLUXOS COMERCIAIS BRASIL-CHINA E BRASIL-MUNDO (ÍNDICE BASE 100 = 2000)
0
500
1.000
1.500
2.000
2.500
3.000
3.500
4.000
4.500
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
FLUXO COMERCIAL COM A CHINA FLUXO COMERCIAL COM DEMAIS PAÍSES
FLUXO COMERCIAL COM A CHINA (AGRONEGÓCIO)
Elaboração: Think Agro. Fonte: AGROSTAT; SECEX/MDIC.
Como resultado do fortalecimento da parceria, a participação da China no fluxo comercial total e no comér-
cio do agronegócio evoluiu de forma substancial no período, alcançando, respectivamente, 17,2% e 21,0% do
comércio entre o Brasil e o mundo em 2014 (Quadro 43).
99
Quadro 43
EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DA CHINA NOS FLUXOS COMERCIAIS TOTAL E DO AGRONEGÓCIO (%)
2,1 2,8 3,8
5,5 5,7 6,3 7,2
8,3 9,9
13,2 14,7
16,0 16,2 17,3 17,2
2,3 3,3 4,8
6,5 6,9 6,6 7,2 7,5
10,4
12,8 13,6
16,3 17,7
21,2 21,0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
PARTICIPAÇÃO NO FLUXO TOTAL PARTICIPAÇÃO NO FLUXO DO AGRONEGÓCIO
Elaboração: Think Agro. Fonte: AGROSTAT; SECEX/MDIC.
Somente em 2014, o Brasil exportou US$ 40,6 bilhões em mercadorias para o mercado chinês, colaborando
para a manutenção de um pequeno superávit na balança comercial.
Quadro 44
EVOLUÇÃO DAS EXPORTAÇÕES, DAS IMPORTAÇÕES E DO SALDO COMERCIAL COM A CHINA (EM US$ BILHÕES)
1,1 1,9 2,5 4,5 5,4 6,8 8,4 10,7 16,5
21,0
30,8
44,3 41,2 46,0
40,6
-1,2 -1,3 -1,6 -2,1 -3,7 -5,4 -8,0 -12,6
-20,0 -15,9
-25,6 -32,8 -34,3 -37,3 -37,3
-0,1 0,6 1,0 2,4 1,7 1,5 0,4 -1,9 -3,5
5,1 5,2 11,5
7,0 8,7 3,3
20
00
20
01
20
02
20
03
20
04
20
05
20
06
20
07
20
08
20
09
20
10
20
11
20
12
20
13
20
14
EXPORTAÇÕES IMPORTAÇÕES SALDO
Elaboração: Think Agro. Fonte: AGROSTAT; SECEX/MDIC.
100
De fato, boa parte do valor do fluxo comercial (26,5%) e das exportações brasileiras (45%) entre os dois países
está associada ao intercâmbio de produtos do agronegócio (Quadro 45).
Quadro 45
EVOLUÇÃO DAS EXPORTAÇÕES, DAS IMPORTAÇÕES E DO SALDO COMERCIAL COM A CHINA –AGRONEGÓCIO (EM US$ BILHÕES)
0,6 0,9 1,4 2,3 3,0 3,1 3,8
4,7
7,9 8,9
11,0
16,5 18,0
22,9 22,1
0,0 0,0 -0,1 0,0 -0,1 -0,1 -0,3 -0,4 -0,8 -0,7 -1,2 -1,8 -1,8 -1,9 -1,7
0,5 0,8 1,3 2,2 2,9 2,9 3,5 4,3
7,1 8,2
9,8
14,7 16,1
20,9 20,4
20
00
20
01
20
02
20
03
20
04
20
05
20
06
20
07
20
08
20
09
20
10
20
11
20
12
20
13
20
14
EXPORTAÇÕES IMPORTAÇÕES SALDO
Elaboração: Think Agro. Fonte: AGROSTAT; SECEX/MDIC.
O fato de as importações do agronegócio representarem menos de 5,0% das importações totais brasileiras da
China torna o agronegócio um dos fundamentos para que o Brasil financie as importações crescentes de ou-
tros setores da economia (por exemplo, produtos eletrônicos, vestuários etc.). Essa importância é ressaltada a
partir da análise da composição do saldo comercial do Brasil com a China entre produtos básicos79 e produtos
industrializados80 (manufaturados e semimanufaturados).
Como se nota no Quadro 46, o superávit no âmbito dos produtos primários (US$ 33,6 bilhões) é responsável por
financiar a importação líquida de produtos industrializados de origem chinesa (US$ 30,4 bilhões) e pela geração
de um superávit de US$ 3,3 bilhões em 2014. Vale ressaltar, nesse ponto, que o agronegócio é responsável por
60,6% do saldo positivo do comércio biletaral de produtos básicos (US$ 20,4 bilhões dos US$ 33,6 bilhões).
79 Incluem produtos de baixo valor, normalmente intensivos em mão de obra, cuja cadeia produtiva é simples e que sofrem poucas transformações. Por exemplo, minério de ferro, grãos, agricultura etc.
80 Considerando o grau de transformação, incluem produtos semimanufaturados (produtos que passaram por alguma transformação, como suco de laranja congelado e couros) e manufaturados (produtos normalmente de maior tecnologia, com alto valor agregado, como é o caso de televisor, chip de computador, automóvel, CD com programa de computador etc.).
101
Quadro 46
EVOLUÇÃO DO SALDO COMERCIAL ENTRE BRASIL E CHINA SEGUNDO FATOR AGREGADO (EM US$ BILHÕES)
33,6
-30,4
3,3
-40
-30
-20
-10
0
10
20
30
40
50
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
PRODUTOS BÁSICOS PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS TOTAL
Elaboração: Think Agro. Fonte: AGROSTAT, SECEX/MDIC.
Tal fato implica reconhecer que a composição recente da pauta de exportações para a China está concentrada
em produtos de menor valor agregado (básicos e, dentre os industrializados, produtos semimanufaturados),
ao passo que as importações brasileiras são praticamente todas relacionadas a produtos com grau elevado
de industialização (manufaturados).
102
Quadro 47
EVOLUÇÃO DA COMPOSIÇÃO DA PAUTA BRASILEIRA DE EXPORTAÇÃO E IMPORTAÇÃO COM A CHINA
68,2 60,7 61,5
50,0 59,4
68,4 73,9 73,8 77,7 77,7 83,7 85,0 82,8 84,7 84,4
31,7 38,8 38,2
49,7 40,4
31,4 25,6 26,1 22,3 22,3 16,3 15,0 17,1 15,2 15,5
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
Exp
ort
açõ
es
Básicos Industrializados 8,2 10,5 14,6 15,2 10,5 4,6
2,5 2,5 4,3
1,6 2,1 2,7 2,1 2,3 1,8
91,8 89,5 85,4 84,8 89,5 95,4 97,5 97,5 95,7 98,4 97,9 97,3 97,9 97,7 98,2
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
Imp
ort
açõ
es
PRODUTOS BÁSICOS PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS
Elaboração: Think Agro. Fonte: AGROSTAT; SECEX/MDIC.
Mais precisamente, comparando-se a composição das exportações entre 2000 e 2014, é possível notar, no
Quadro 48, que, embora o crescimento no valor exportado tenha sido generalizado, ele ocorreu de forma mais
intensa entre os chamados bens intermediários e combustíveis e lubrificantes (entre os setores das contas
nacionais); produtos básicos (em termos de valor agregado); e produtos não industriais (em termos de inten-
sidade tecnológica).
São, exatamente, bens classificados nestas categorias que ocupam a maior parte da pauta exportadora brasileira
para a China em 2014. Se, em parte, esta concentração reflete a complementaridade entre as economias dos
países; por outro lado, ela também é uma consequência do signficiativo diferencial competitivo da produção
industrial sediada na China.
103
Quadro 48
COMPARATIVO DA PAUTA DE EXPORTAÇÃO PARA A CHINA, POR SETOR DAS CONTAS NACIONAIS, FATOR AGREGADO E INTENSIDADE TECNOLÓGICA
2000 2014
CLASSIFICAÇÃO DO PRODUTO VALOR (US$) %CHINA /
BRASIL (%)VALOR (US$) %
CHINA / BRASIL (%)
SE
TO
R D
E C
ON
TA
S
NA
CIO
NA
IS
TOTAL 1.085.301.597 100,0 2,0 40.616.107.869 100,0 18,2
BENS DE CAPITAL 72.677.656 6,7 0,7 474.471.261 1,2 2,2
BENS INTERMEDIÁRIOS 954.292.023 87,9 3,0 35.971.625.977 88,6 25,4
BENS DE CONSUMO 21.899.639 2,0 0,2 668.684.505 1,6 1,9
COMBUSTÍVEIS E LUBRIFICANTES
36.222.787 3,3 4,2 3.473.583.798 8,6 17,0
DEMAIS OPERAÇÕES 209.492 0,0 0,0 27.742.328 0,1 0,6
NÃO DECLARADA – – – – – –
CLASSIFICAÇÃO DO PRODUTO VALOR (US$) %CHINA /
BRASIL (%)VALOR (US$) %
CHINA / BRASIL (%)
FA
TO
R A
GR
EG
AD
O
TOTAL 1.085.301.597 100,0 2,0 40.616.094.871 100,0 18,2
PRODUTOS BÁSICOS (1) 739.772.864 68,2 5,9 34.291.878.256 84,4 31,9
PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS (A+B) (2)
345.319.241 31,8 0,8 6.296.474.287 15,5 5,7
PRODUTOS MANUFATURADOS (A) (3)
204.533.404 18,8 0,6 1.628.688.797 4,0 2,0
PRODUTOS SEMIMANUFATURADOS (B) (4)
140.785.837 13,0 1,7 4.667.785.490 11,5 16,1
CONSUMO DE BORDO 17.882 0,0 0,0 7.111.862 0,0 0,2
TRANSAÇÕES ESPECIAIS 191.610 0,0 0,5 20.630.466 0,1 27,7
CLASSIFICAÇÃO DO PRODUTO VALOR (US$) %CHINA /
BRASIL (%)VALOR (US$) %
CHINA / BRASIL (%)
INT
EN
SID
AD
E
TE
CN
OL
ÓG
ICA
TOTAL 1.085.301.597 100,0 2,0 40.616.107.869 100,0 18,2
PRODUTOS NÃO INDUSTRIAIS 712.734.560 65,7 7,8 33.719.312.310 83,0 39,8
PRODUTOS INDUSTRIAIS 372.567.037 34,3 0,8 6.896.795.559 17,0 5,0
ALTA(5) 54.123.564 5,0 0,8 308.864.211 0,8 3,2
MÉDIA-ALTA(6) 95.949.262 8,8 0,8 692.355.283 1,7 2,0
MÉDIA-BAIXA(7) 48.528.351 4,5 0,5 1.176.190.834 2,9 3,2
BAIXA(8) 173.965.860 16,0 1,1 4.719.385.231 11,6 8,2
Conforme notas explicativas do MDIC: (1) Produtos básicos: produtos de baixo valor, normalmente intensivos em mão de obra, cuja cadeia produtiva é simples e que sofrem poucas transformações, como por exemplo, minério de ferro, grãos, agricultura etc.;
(2) Produtos industrializados: dividem-se em semimanufaturados e manufaturados, uma vez mais considerando o grau de transformação; (3) Manufaturados: produtos normalmente de maior tecnologia, com alto valor agregado, como, por exemplo, televisor, chip de computador,
automóvel, CD com programa de computador etc. – classificação extraída de: OECD, Directorate for Science, Technology and Industry, STAN Indicators, 2003; conforme notas explicativas do MDIC; (4) Semimanufaturados: produtos que passaram por alguma transformação,
como, por exemplo, suco de laranja congelado, couro; (5) Incluem: Aeronáutica e Aeroespacial; Farmacêutica; Computação e materiais para escritório; equipamentos de comunicação, rádio e TV; equipamentos óticos, médicos e de precisão; (6) Incluem: aparatos e máquinas
elétricas; veículos a motor, trailers e semitrailers; Química (excetuando a Farmacêutica); equipamentos ferroviários e de transporte; máquinas e equipamentos; (7) Construção e reparo naval; produtos de plástico e borracha; coque, refino de petróleo e combustível; Nuclear; outros minerais não metálicos; metais básicos e fabricação de produtos de metal; (8) Manufatura e reciclagem; fabricação de papel e demais
derivados de madeira; publicação e impressão de produtos alimentícios; bebidas e fumo; têxteis e derivados; couros e calçados. Elaboração: Think Agro.
Fonte: AGROSTAT; SECEX/MDIC.
104
No que se refere à pauta do agronegócio, o Quadro 49, apresentado a seguir, expõe que a maior parte das
exportações do agronegócio brasileiro para a China era formada, em 2014, por bens com baixo nível de pro-
cessamento industrial e/ou nível tecnológico, incluindo: soja em grãos (75,3%); celulose (7,7%); açúcar de cana
bruto (4,0%); outros couros curtidos/peles de bovinos (2,4%); e carne de frango in natura (2,4%).
Quadro 49
COMPARATIVO DA PAUTA DE EXPORTAÇÃO DO AGRONEGÓCIO PARA A CHINA, POR SETOR DAS CONTAS NACIONAIS,
FATOR AGREGADO E INTENSIDADE TECNOLÓGICA
2000 2014
CLASSIFICAÇÃO DO PRODUTO VALOR (US$) %CHINA /
BRASIL (%)VALOR (US$) %
CHINA / BRASIL (%)
SE
TO
R D
E C
ON
TA
S
NA
CIO
NA
IS
TOTAL 561.787.520 51,8 2,7 22.066.246.752 54,3 22,8
BENS DE CAPITAL 17.388 0,0 0,7 – – –
BENS INTERMEDIÁRIOS 543.816.227 50,1 4,1 21.441.482.305 52,8 30,6
BENS DE CONSUMO 17.953.905 1,7 0,2 624.764.447 1,5 2,4
COMBUSTÍVEIS E LUBRIFICANTES
– – – – – –
CLASSIFICAÇÃO DO PRODUTO VALOR (US$) %CHINA /
BRASIL (%)VALOR (US$) %
CHINA / BRASIL (%)
FA
TO
R A
GR
EG
AD
O
TOTAL 561.787.520 51,8 2,7 22.066.246.752 54,3 22,8
PRODUTOS BÁSICOS (1) 415.951.146 38,3 4,7 17.913.055.237 44,1 28,2
PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS (A+B) (2)
145.836.374 13,4 1,2 4.153.191.515 10,2 12,5
PRODUTOS MANUFATURADOS (A) (3)
21.524.838 2,0 0,3 292.972.900 0,7 1,9
PRODUTOS SEMIMANUFATURADOS (B) (4)
124.311.536 11,5 2,9 3.860.218.615 9,5 21,5
CLASSIFICAÇÃO DO PRODUTO VALOR (US$) %CHINA /
BRASIL (%)VALOR (US$) %
CHINA / BRASIL (%)
INT
EN
SID
AD
E
TE
CN
OL
ÓG
ICA
TOTAL 561.787.520 100,0 2,7 22.066.246.752 100,0 22,8
PRODUTOS NÃO INDUSTRIAIS 388.041.577 69,1 7,2 17.340.093.900 78,6 42,7
PRODUTOS INDUSTRIAIS 173.745.943 30,9 1,1 4.726.152.852 21,4 8,4
MÉDIA-ALTA (5) 1.124.678 0,2 0,6 68.059.123 0,3 7,8
MÉDIA-BAIXA (6) – – – – – –
BAIXA (7) 172.621.265 30,7 1,1 4.658.093.729 21,1 8,4
Conforme notas explicativas do MDIC: (1) Produtos básicos: produtos de baixo valor, normalmente intensivos em mão de obra, cuja cadeia produtiva é simples e que sofrem poucas transformações, como, por exemplo, minério de ferro, grãos, agricultura etc.; (2)
Produtos industrializados: dividem-se em semimanufaturados e manufaturados, uma vez mais considerando o grau de transformação; (3) Manufaturados: produtos normalmente de maior tecnologia, com alto valor agregado, como, por exemplo, televisor, chip de computador,
automóvel, CD com programa de computador etc. – classificação extraída de: OECD, Directorate for Science, Technology and Industry, STAN Indicators, 2003; conforme notas explicativas do MDIC; (4) Semimanufaturados: produtos que passaram por alguma transformação,
como, por exemplo, suco de laranja congelado, couro; (5) Incluem: aparatos e máquinas elétricas; veículos a motor, trailers e semitrailers; Química (excetuando a Farmacêutica); equipamentos ferroviários e de transporte; máquinas e equipamentos; (6) Construção e reparo
naval; produtos de plástico e borracha; coque, refino de petróleo e combustível; Nuclear; outros minerais não metálicos; metais básicos e fabricação de produtos de metal; (7) Manufatura e reciclagem; fabricação de papel e demais derivados de madeira; publicação e impressão
de produtos alimentícios; bebidas e fumo; têxteis e derivados; couros e calçados. Elaboração: Think Agro.
Fonte: AGROSTAT; SECEX/MDIC.
105
Segundo o Quadro 50, é possível evidenciar que, entre 2000 e 2014, a pauta de exportação do agronegócio
brasileiro para a China concentrou-se nos produtos do complexo soja (soja em grãos) e do complexo sucroal-
cooleiro (açúcar de cana bruto), além de produtos florestais (celulose). Combinadas, estas categorias respon-
dem, atualmente, por cerca de 90% do valor das exportações do agronegócio em 2014 (em 2010, o mesmo
agrupamento respondia por uma parcela menor, ainda que significativa, de 83,7%).
Quadro 50
PRINCIPAIS PRODUTOS DE EXPORTAÇÃO DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO PARA A CHINA, EM 2000 E 2014
Complexo soja 66,0%
Produtos florestais 16,9%
Fumo e seus produtos
8,9% Couros, produtos de couro e peleteria
4,3%
Carnes 2,1%
Pescados 0,5%
Outros 1,2%
2000
77,1%
Complexosucroalcooleiro
4,0%
Couros, produtos decouro e peleteria
3,8%
Carnes2,4%
Fibras eprodutos têxteis
1,7%Fumo e
seus produtos1,5%
Sucos0,3%
Outros 0,7%
2014
Complexo soja
Produtosflorestais
8,6%
Elaboração: Think Agro. Fonte: AGROSTAT; SECEX/MDIC.
Com base na análise dos dez produtos mais exportados do agronegócio para a China (em valor), disponível
no Quadro 51, é possível evidenciar, por exemplo, que a maioria dos produtos apresentou expansão no volu-
me e no preço de exportação, ao passo que ao menos três produtos destacados entre eles (açúcar de cana
bruto, algodão não cardado nem penteado e couros/peles de bovinos prepardos) não constavam na pauta
de exportação em 2000.
106
Quadro 51
VARIAÇÃO MÉDIA ANUAL DO VALOR, DO VOLUME E DO PREÇO DOS DEZ PRINCIPAIS PRODUTOS EXPORTADOS PARA A CHINA, DE 2000 A 2014
29,7
25,9
36,2
29,3
21,9
13,4
18,8
21,4
26,6
produto não era exportado
35,0
18,0
14,6
6,6
produto não era exportado
produto não era exportado
14,2
6,8
-0,6
0,9
9,5
6,3
6,4
4,0
Soja em grãos
Celulose
Açúcar de cana bruto
Outros couros/peles de bovinos, curtido
Carne de frango in natura
Óleo de soja bruto
Fumo não manufaturado
Algodão não cardado nem penteado
Couros/peles de bovinos, preparados
Papel
1º
2º
3º
4º
5º
6º
7º
8º
9º
10º
75,3%
7,7%
4,0%
2,4%
2,4%
1,5%
1,5%
1,5%
1,2%
0,4%
PARTICIPAÇÃO* RANKING* VALOR VOLUME PREÇO
Nota: * 2014. Elaboração: Think Agro.
Fonte: AGROSTAT; MDIC; Conab.
Pelo exposto, é possível entender que o agronegócio brasileiro tem se aproveitado das oportunidades abertas
por uma China em transformação para ocupar um papel fundamental no suprimento de recursos naturais e
produtos do agronegócio, fato que lhe garante a liderança na produção e na exportação mundial em alguns
dos mais importantes mecados agrícolas.
Todavia, esse mesmo cenário – marcado pelo aumento significativo do fluxo comercial entre os dois países –
tem se pautado por uma clara divisão entre as atividades de maior e menor valor agregado, resultante, por um
lado, dos diferenciais competitivos entre os dois países e seus setores produtivos e, por outro, do ajustamento
passivo do Brasil frente às transformações em curso na China. Neste último ponto, é importante destacar outras
variáveis e obstáculos de ordem geopolítica e diplomática, focalizados na redução das restrições de comércio
externo impostas pelos dois países.
107
2.10 INVESTIMENTO ESTRANGEIRO DIRETO
NO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO
Em termos de investimento estrangeiro direto, dados do Banco Central, apresentados no Quadro 54, dão
conta de que o Brasil recebeu, entre 2001 e 2014, aproximadamente US$ 517 bilhões. Apesar de o ingresso de
recursos ter oscilado sensivelmente no período, o bom desempenho em 2004 e nos biênios 2007/08 e 2010/11
garantiu que a taxa média de crescimento do IED ficasse em torno de 7,2% ao ano.
Quadro 52
EVOLUÇÃO DO INGRESSO DO INVESTIMENTO ESTRANGEIRO DIRETO (IED) ENTRE 2001 E 2014
-10,1% -31,0%
57,0%
7,3% 3,3%
50,8% 29,5%
-28,7%
66,0%
32,2%
-12,9% -18,5%
13,6%
21,1 19,0 13,1
20,5 22,0 22,8
34,3
44,5
31,7
52,6
69,5
60,5
49,3 56,1
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
VARIAÇÃO VALOR (US$ BILHÕES)
Elaboração: Think Agro. Fonte: Banco Central do Brasil apud ALVIM & MORAES (2013).
Quatro países concentraram metade do volume de recursos ingressados no período, quais sejam: Países Baixos
(18,6%); Estados Unidos (16,6%); Luxemburgo (7,9%) e Espanha (7,4%).
108
Quadro 53
INGRESSO DO INVESTIMENTO ESTRANGEIRO DIRETO (IED) POR PAÍS DE ORIGEM, ENTRE 2001 E 2014 (US$ BILHÕES)
96,2 85,5
40,9 38,2 28,5 26,7 21,6 16,4 15,7 15,1
132,2
P
aís
es
Baix
os
Est
ad
os
Un
ido
s L
uxem
bu
rgo
E
span
ha
Jap
ão
F
ran
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Su
íça
Ilh
as
Caym
an
Ale
man
ha
Can
ad
á
Dem
ais
país
es
Elaboração: Think Agro. Fonte: Banco Central do Brasil.
Em termos setoriais, o segmento de agricultura, pecuária, produção florestal e atividades relacionadas rece-
beu, anualmente, apenas uma pequena parcela do montante total. Tal como se pode constatar no Quadro 54,
comparando as atividades agropecuárias aos valores recebidos pelo setor de indústria e extração mineral e
pelo setor de serviços, o percentual alcançou 1,2% no acumulado entre 2001 e 2014, totalizando US$ 6,3 bilhões
no período.
Quadro 54
PANORAMA DO INVESTIMENTO ESTRANGEIRO DIRETO (IED) ENTRE 2001 E 2014
Agricultura, pecuária e
serviços relacionados 1,2
Serviços48,1%
DISTRIBUIÇÃO (%)
Indústria eextração mineral
50,7%
6,3
261,4 247,8
Agricultura, pecuária eserviços relacionados
Indústria e extraçãomineral
Serviços
VALOR ACUMULADO (US$ BILHÕES)
Elaboração: Think Agro. Fonte: Banco Central do Brasil.
109
Quadro 55
EVOLUÇÃO DO INGRESSO DO INVESTIMENTO ESTRANGEIRO DIRETO (IED) NA AGROPECUÁRIA
26,3%
108,4%
40,0%
8,5% 30,2%
44,8%
8,7%
-31,9%
66,7%
28,3%
-48,0%
65,4%
-33,8%
75,6 95,4 198,8
278,3 301,9 393,1
569,1 618,5
421,2
702,0
900,3
467,7
773,7
512,4
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
VARIAÇÃO ANUAL (%) AGRICULTURA, PECUÁRIA E SERVIÇOS RELACIONADOS (US$ MILHÕES)
Elaboração: Think Agro. Fonte: Banco Central do Brasil.
Parte deste resultado pode ser explicada pelas restrições legais e pelos entraves burocráticos impostos aos
investimentos estrangeiros em atividades do campo, a exemplo da aquisição de áreas próprias ou o arrenda-
mento de terras por estrangeiros no País81. Por outro lado, considerando a participação limitada da agropecuária
no âmbito do agronegócio, é de se esperar que a maior parte do IED no agronegócio brasileiro concentre-se
nos segmentos fora da porteira, sobretudo na indústria, na distribuição e nos serviços de apoio (financeiros).
Tal tese é corroborada pelos dados do Banco Central: entre 2001 e 2014, as atividades industriais associadas
à produção de (i) alimentos e bebidas, (ii) celulose, papel e produtos de papel e (iii) produtos de madeira
responderam, conjuntametnte, pelo ingresso de US$ 41,5 bilhões, o equivalente a 15,6% do IED do setor de
indústria e extração mineral e 8,1% do IED total no período. O valor recebido em 2011 por este agrupamento de
atividades (US$ 8 bilhões) foi superior ao recebido pela agropecuária em todo o período analisado.
Infelizmente, a abertura dos dados disponível na série de ingresso de IED do Banco Central (por CNAE 1.0, entre
2001 e 2005, e por CNAE 2.0, entre 2006 e 2014) não permite uma segmentação suficiente para discriminar
todos os segmentos do agronegócio, tampouco realizar cruzamentos entre país e setores específicos. Nesse
caso, o valor anteriormente informado subestima o total dos investimentos no agronegócio, uma que vez que
não inclui comércio, distribuição e setor financeiro, por exemplo.
81 Parecer de 2010 da Advocacia-Geral da União (AGU) impôs restrição à compra de terras agrícolas por empresas brasileiras com controle estrangeiro. Pelo documento, estas companhias não podem ter mais de 25% do território de um município e comprar ou arrendar mais de 100 módulos, o que varia de 100 a 10 mil hectares, dependendo da região.
110
Entretanto, estudo disponibilizado pelo Banco Central (2009)82 com foco nos investimentos estrangeiros no
agronegócio brasileiro relata que as atividades do agronegócio nacional receberam um total US$ 46,9 bilhões
dos ingressos entre 2003 e 2008, o equivalente a 29,5% do IED total líquido do período.
De fato, embora as atividades de agropecuária e de serviços diretos na agropecuária tenham apresentado
uma reduzida participação no montante total, os valores totais recebidos de investimentos por estes setores
cresceram de forma significativa no período, passando de US$ 44,8 milhões, em 2002, para US$ 772,8 milhões,
em 2014. Isso indica, entre outros aspectos, que o movimento de “internacionalização” do agronegócio brasi-
lerio vinculou-se a parcerias e operações entre empresas brasileiras e estrangeiras, parte das quais associada
à aquisição de imóveis rurais para produção de commodities e matérias-primas de interesse.
Exemplos podem ser encontrados na lista de maiores empresas de produção agropecuária do Brasil, cuja
liderança é assegurada por multinacionais de controle estrangeiro: Louis Dreyfus (França) e ADM (Estados
Unidos), sem considerar empresas com espectro amplo de atuação no agronegócio, como a Bunge (Países
Baixos) e a Cargill (Estados Unidos). Por outro lado, empresas brasileiras do agronegócio, com importante
inserção internacional, também se destacam nas vendas, caso da BRF, da JBS e da Copersucar.
Quadro 56
DISTRIBUIÇÃO DO INVESTIMENTO ESTRANGEIRO DIRETO (IED) NO AGRONEGÓCIO POR ATIVIDADE, DE 2003 A 2008
Indústriaa jusante
44,4%
Setorfinanceiro
32,3% Comérciovarejista
12,4%
Indústria a montante4,1%
Agropecuária2,9%
Comércio atacadista2,0%
Restaurantes e serviçosde alimentação
0,8%
Serviços diretos naagropecuária
0,8%
Intermediação comercial0,1%
Pesca e aquicultura0,1%
Elaboração: Think Agro. Fonte: Banco Central do Brasil (2009) apud ALVIM & MORAES (2013).
Especificamente, o estudo do Banco Central constata que os investimentos foram aportados em um grupo
reduzido de produtos, como algodão, carnes, soja, óleo, etanol, açúcar e sucos de frutas, cuja participação no
82 Apud ALVIM, A. M.; MORAES, S. L. (2013). Os investimentos estrangeiros diretos no agronegócio brasileiro — 2002-08. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 40, n. 3, p. 105-120.
111
comércio internacional é relevante. Fatores como abundância de terras, competitividade e produtividade do
agronegócio colaboraram para atrair o capital estrangeiro.
Segundo dados expostos no Quadro 56, as atividades de indústria responderam pela maior parte dos inves-
timentos no agronegócio brasileiro (sobretudo, a jusante), com destaque para as seguintes atividades: aba-
tedouro e indústria de carnes, álcool e biocombustíveis, beneficiamento de madeira, fumo, laticínios, malte,
cerveja e chope, óleos vegetais, papel e celulose, suco de frutas e usinas de açúcar. Além disso, destacam-se
os investimentos no setor de serviços, financiador de grande parte das atividades do agronegócio brasileiro,
e no comércio atacadista e varejista.
Em termos de investimento, é válido ressaltar que uma parcela relevante do total está associada, por um lado,
à internacionalização (patrimonial e comercial) do setor e, por outro, à aquisição e às fusões de empresas que
já operavam no agronegócio, sobretudo no campo de processamento e no varejo de alimentos.
Apesar de a China ter assumido a posição de principal parceiro comercial do Brasil, os investimentos diretos
originados naquele país totalizaram apenas US$ 1,93 bilhão no período, valor inferior a 0,4% do total. O fluxo,
entretanto, teve incremento significativo a partir de 2010, destacando-se o volume de recursos recebidos em
2014: US$ 1,1 bilhão, ou 50,5% do total no período analisado.
Segundo relatório do Conselho Empresarial Brasil-China83, o aumento dos investimentos chineses no Brasil
está associado aos efeitos negativos da crise internacional sobre mercados mais tradicionais, caso dos Esta-
dos Unidos e da União Europeia. Como resultado, os investidores chineses têm procurado novos mercados,
sobretudo no chamado mundo emergente.
O interesse e a distribuição setorial do IED ressaltam a predominância de projetos que tenham como alvo o
aprofundamento da integração entre as economias, sobretudo na expansão e na facilitação do comércio bila-
teral. Assim, além de responder à demanda crescente da China por recursos naturais (minérios, petróleo e gás,
produtos agropecuários), os investimentos chineses têm atuado em prol da instalação de empresas chinesas
em território nacional.
2.11 OPORTUNIDADES E DESAFIOS DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO
Ainda que os números do agronegócio brasileiro, tanto no que se refere ao mercado doméstico (22,5% do
PIB, em 2013), quanto à sua inserção internacional (43,0% das exportações brasileiras, em 2014; além de um
superávit comercial de US$ 80,1 bilhões), atestem a trajetória excepcional do setor nas últimas duas décadas
(expansão da área, da produção e da produtividade), é possível destacar uma série de fatores, entre obstáculos
e desafios, que impedem que um quadro melhor seja consumado no futuro, por exemplo, por meio de uma
maior diversificação da produção e dos mercados atendidos ou, ainda, com base na produção e na comercia-
lização de produtos de maior valor agregado – incluindo matérias-primas com algum grau de processamento,
alimentos congelados etc.
83 CEBC, Conselho Econômico Brasil-China (2013). Chinese investments in Brazil from 2007-2012: A review of recent trends.
112
De fato, como já explicitado anteriormente, o setor do agronegócio nacional é favorecido por uma combinação
única de fatores e características que garantem as vantagens competitivas da produção brasileira, incluindo:
(i) Aqueles de ordem natural (ampla oferta de terras agricultáveis; topografia favorável à mecanização
na maioria das regiões; variedade climática e de solos; disponibilidade de água etc.);
(ii) Aqueles de ordem tecnológica (pesquisa, desenvolvimento e adoção de tecnologias de cultura
tropical; variedades genéticas adaptadas ao solo e às condições climáticas brasileiras; adoção de
técnicas modernas de cultivo – como double cropping);
(iii) Aqueles de ordem empresarial-corporativa (presença de grandes grupos empresariais nacionais
e internacionais; investimentos e operações em larga escala; integração produtiva; otimização de
operação campo-fábrica; investimentos em infraestrutura e P&D etc.); e
(iv) Aqueles de ordem institucional (suportes de agentes públicos à pesquisa e ao desenvolvimento
de novas variedades genéticas; baixo nível de protecionismo, comparado ao de outros países,
como Estados Unidos e União Europeia; elevada exposição do setor à concorrência internacional;
apoio de instrumentos de política agrícola, sobretudo crédito; baixo nível relativo de intervenção
do Estado no setor via subsídios e preços mínimos etc.).
Aliado à conjuntura externa favorável no período, marcada pela ascensão chinesa e pela elevação do preço e
da demanda de commodities agrícolas no mercado internacional, e por um mercado doméstico em expansão,
esse conjunto virtuoso colaborou para a diversificação da produção nacional, para o atendimento do merca-
do interno (incluindo o âmbito energético), mas, sobretudo, para posicionar o Brasil como um dos maiores
produtores e exportadores mundiais de produtos agrícolas do mundo (destacando-se: soja, açúcar, café, suco
de laranja, carnes bovina e de frango).É importante ressaltar, também, o aproveitamento das oportunidades
abertas pela emergência da China no âmbito da economia mundial e como parceiro comercial (respondendo
por 21% do fluxo comercial externo do agronegócio e 41,7% das exportações do agronegócio), ainda que isso
tenha significado o direcionamento e a concentração da atividade agropecuária no Brasil nos produtos mais
demandados pelo mercado consumidor e pela indústria chineses. É válido afirmar, nesse sentido, que o de-
sempenho excepcional do agronegócio brasileiro deu-se a despeito de inúmeros obstáculos e ameaças, dentre
os quais podem ser destacados:
(i) A pobreza de nutrientes de boa parte dos solos cultiváveis, exigindo grande dependência e inves-
timentos em fertilizantes e outros insumos, boa parte dos quais é importada;
(ii) Questões e dificuldades fitossanitárias, associadas ao monitoramento, ao controle e à erradicação
de pragas e doenças;
(iii) Dificuldades no acesso a financiamento e seguros no País (encarecimento do crédito e do acesso
ao capital);
(iv) Burocracia e manutenção de um sistema tributário complexo e ineficiente, que penaliza a produção
e as atividades agroexportadoras;
(v) Deficiências em logística, sobretudo no que se refere à baixa capacidade de armazenagem/esto-
cagem nas propriedades;
113
(vi) Deficiências da infraestrutura de escoamento da produção (rodovias, ferrovias e portos), aliadas
à priorização/dependência do modal rodoviário;
(vii) Baixa oferta de mão de obra qualificada;
(viii) Elevada informalidade do trabalho no campo;
(ix) Questões institucionais pendentes, relativas a movimentos sociais (MST), aplicação e regulamen-
tação do Código Florestal, questões trabalhistas e ambientais, acesso de terras para estrangeiros,
entre outras;
(x) Incertezas e riscos derivados do cenário macroeconômico e do ambiente de negócios, sobretudo
no que se refere aos seus efeitos sobre a taxa de câmbio, a taxa de juros (custo do crédito) e a
política energética (por exemplo: mistura álcool-gasolina); e
(xi) Carência de políticas públicas articuladas com foco nas cadeias de valor do agronegócio.
No que se refere à conjuntura internacional, as transformações ocorridas no período pós-crise internacional (a
partir de 2008) associam-se ao arrefecimento no crescimento e no consumo mundial que afeta indiretamente
a produção brasileira via variabilidade no preço das commodities agrícolas.
Adicionalmente, a prevalência de políticas protecionistas nos principais mercados, incluindo barreiras tarifá-
rias e não tarifárias (técnicas e fitossanitárias), combinada com as posições prevalecentes na política externa
brasileira, que priorizam grandes acordos multilaterais (entre blocos, ou via OMC) em detrimento de acordos
comerciais bilaterais e regionais com os principais parceiros (Estados Unidos, União Europeia e China), enfra-
quece a posição externa do agronegócio brasileiro, sobretudo no que se refere à abertura de novos mercados.
Ao lidar com esses problemas, o Brasil poderá explorar de forma mais contundente as oportunidades geradas
por um mercado doméstico em expansão; pela contínua disponibilização de novas e inovativas formas de
cultivo, via adoção de práticas agrícolas inovativas (caso do plantio direto e da integração de sistemas); pela
substituição de pastagens e áreas de baixa produtividade por culturas de alta produtividade; pela importância
crescente de combustíveis renováveis e novas tecnologias em biocombustíveis no âmbito da matriz energéti-
ca nacional; e pela consolidação das empresas do setor no Brasil, com maior integração da cadeia produtiva.
3. TRANSFORMAÇÕES EM CURSO NO CENÁRIO
INTERNACIONAL
117
O presente capítulo tem por objetivo principal apresentar alguns dos principais fatores que têm influenciado
e condicionado a trajetória e os padrões do comércio internacional nas últimas décadas, bem como analisar
algumas das tendências e fatos estilizados que emergem da reconfiguração recente dos fluxos de bens e in-
vestimentos e da produção mundial.
Esse esforço colabora para contextualizar alguns fenômenos, tais como a ascensão da economia chinesa e o
curso excepcional do agronegócio brasileiro, assim como compreender algumas das dinâmicas que têm pre-
valecido no âmbito das negociações e dos acordos comerciais, incluindo a proliferação de acordos regionais
e barreiras não tarifárias, além de novos fatores que influenciam a capacidade dos países em alavancar a com-
petitividade de seus produtos e serviços, caso da logística e da infraestrutura de transportes.
3.1 ASPECTOS E PRINCIPAIS VETORES DA GLOBALIZAÇÃO
Pode-se afirmar que as últimas quatro décadas foram marcadas pelo aprofundamento do fenômeno conhecido
como ‘globalização’. Na literatura, o termo é empregado comumente para identificar a crescente interdepen-
dência entre as economias nacionais, por meio da intensificação dos fluxos migratórios e de bens, serviços,
capitais e informações através de suas fronteiras84.
Tomando como referência o intercâmbio de bens e serviços, a dimensão do fenômeno recente de abertura e
integração entre as diferentes nações do globo pode ser evidenciada a partir da comparação entre a evolução
do valor dos fluxos comerciais e a renda e a produção mundiais. De fato, segundo dados do Banco Mundial,
apresentados no Quadro 57, ao longo dos últimos cinquenta anos, as exportações do mundo cresceram a uma
taxa média anual de 5,1%, ao passo que o PIB mundial expandiu-se, em média, 3,5% ao ano.
84 Ver, a respeito, definição dada pelo The International Bank for Reconstruction and Development/The World Bank (2000). Beyond economic growth: Meeting the Challenges of Global Development. Disponível em: <http://www.worldbank.org/depweb/beyond/global/chapter12.html>. Acesso em: 14/06/2015.
118
Quadro 57
EVOLUÇÃO DO VALOR REAL DO PIB E DAS EXPORTAÇÕES MUNDIAIS DE BENS E SERVIÇOS (ÍNDICE BASE 100 = 1960)
299
611
421
1.407
100
300
500
700
900
1.100
1.300
1.500
19
60
19
62
196
4
196
6
196
8
1970
19
72
1974
19
76
19
78
19
80
19
82
198
4
198
6
198
8
199
0
199
2
199
4
199
6
199
8
20
00
20
02
20
04
20
06
20
08
20
10
20
12
20
13
PRODUTO INTERNO BRUTO MUNDIAL EXPORTAÇÕES DE BENS E SERVIÇOS MUNDIAIS
Elaboração: Think Agro. Fonte: World Bank.
Como resultado dessas trajetórias, a parcela da produção mundial direcionada para o comércio internacional
quase dobrou no período. Dados apresentados no Quadro 58, disposto a seguir, evidenciam que esse percen-
tual, correspondente a 12,8% do PIB Mundial em 1960, elevou-se para 29,9% em 201385.
Quadro 58
VALOR DAS EXPORTAÇÕES MUNDIAIS DE BENS E SERVIÇOS COMO PROPORÇÃO DO PIB MUNDIAL (%)
18,0
29,9
10
15
20
25
30
35
19
60
19
62
196
4
196
6
196
8
1970
19
72
1974
19
76
19
78
19
80
19
82
198
4
198
6
198
8
199
0
199
2
199
4
199
6
199
8
20
00
20
02
20
04
20
06
20
08
20
10
20
12
20
13
Elaboração: Think Agro. Fonte: World Bank.
85 Segundo dados do Banco Mundial, em valores correntes, o PIB mundial foi de US$ 75,6 trilhões em 2013, ao passo que as exportações de bens e serviços somaram US$ 18,3 trilhões, patamar similar ao período pré-crise internacional.
119
Segundo dados da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), a maior
parte desse fluxo está associada à exportação de bens e mercadorias, que responderam por cerca de 80% do
valor transacionado internacionalmente em 2013 (US$ 18,6 trilhões). Apesar da menor participação, a comer-
cialização de serviços no âmbito internacional expandiu-se a uma velocidade média relativamente maior: entre
1980 e 2013, comparada aos fluxos comerciais de bens e serviços, que cresceram a uma taxa média de 8,4%
ao ano, a expansão anual média dos serviços foi de 11% ao ano.
É importante destacar, também, que esse quadro não se restringiu a apenas algumas regiões do mundo. Como
mostra o Quadro 59, apresentado na sequência, todas as regiões do mundo apresentaram uma elevação da
participação das exportações em relação à economia doméstica entre 1960 e 2013, contribuindo para uma
maior interdependência mundial na produção e no consumo de mercadorias e serviços.
Quadro 59
VALOR DAS EXPORTAÇÕES MUNDIAIS DE BENS E SERVIÇOS COMO PROPORÇÃO DO PIB REGIONAL (%)
5,9 12,1
19,3 19,4 18,2 24,3
15,4 11,5 12,7 14,7
24,6
41,5 41,4
52,3
29,9 32,7 27,4 29,9
Am
éri
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CD
E
Mu
nd
o
1960 2013
Nota: * para Oriente Médio e Norte da África, dados de 1965 e 2013. Elaboração: Think Agro.
Fonte: World Bank.
Fenômeno similar pode ser verificado no tocante ao movimento internacional de capitais. Segundo dados da
UNCTAD, apresentados no Quadro 60, entre 1970 e 2013, o fluxo internacional de Investimentos Estrangeiros
Diretos (IED) expandiu-se a uma taxa média de 7,0% ao ano. Às vésperas da crise internacional mundial, em
2007, o fluxo de IED atingiu o patamar recorde de US$ 2,28 trilhões, a preços de 2015, recuando posteriormente.
120
Quadro 60
EVOLUÇÃO DO FLUXO INTERNACIONAL DE INVESTIMENTO ESTRANGEIRO DIRETO – IED (EM US$ TRILHÕES DE 2015)
0,12 0,28
2,28
1,48
0,0
0,5
1,0
1,5
2,0
2,5
1970
1972
1974
1976
1978
198
0
198
2
198
4
198
6
198
8
199
0
199
2
199
4
199
6
199
8
20
00
20
02
20
04
20
06
20
08
20
10
20
12
20
13
Nota: valores deflacionados pelo Consumer Price Index – CPI. Elaboração: Think Agro.
Fonte: United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD).
Diversos vetores – tecnológicos, geopolíticos e econômicos – colaboraram para que vínculos e parcerias comer-
ciais, produtivas e financeiras entre as nações fossem fortalecidos e aprofundados nos últimos cinquenta anos.
Em primeiro lugar, é possível destacar um conjunto de fatores responsáveis por reduzir os obstáculos e aumen-
tar os vínculos comerciais e produtivos entre as nações, firmas e pessoas. Nesse âmbito, é possível sublinhar:
(i) a oferta de infraestrutura, os custos de transporte (as chamadas “barreiras naturais” ao comércio) e de
telecomunicação; (ii) as barreiras e restrições comerciais (tarifárias e não tarifárias) e os custos de transação
(custos de informação, custos de enforcement de contratos, custos legais e regulatórios, custos alfandegários
e administrativos, red tape86 etc.); e (iii) o grau de internacionalização das empresas e da produção mundial.
Como pré-condição para expansão do intercâmbio internacional, a oferta adequada de infraestrutura a custo
baixo, incluindo transporte (aéreo, marítimo e terrestre) e telecomunicações (transmissão eletrônica de infor-
mações, incluindo redes corporativas e acesso à internet, serviços de intermediação financeira e seguros), foi
essencial para permitir a ampliação do intercâmbio internacional de bens e serviços87. Nesse âmbito, a economia
mundial contou com rápidos desenvolvimento e difusão das chamadas tecnologias de informação e comuni-
cação, bem como com a redução significativa dos custos de transporte de cargas e passageiros, associada à
expansão das infraestruturas modais, à automação e à ampliação do número e da capacidade da frota mundial
de veículos, aeronaves e embarcações88.
86 Refere-se ao excesso de formalidades, burocracia, excesso de regras e regulamentos que impõem obstáculos às transações internacionais.
87 Evidências a respeito são apresentadas por NORDÅS, H. K.; PIERMARTINI, R. (2004). Infrastructure and trade. WTO Staff Working Papers ERSD-2004-04, World Trade Organization (WTO), Economic Research and Statistics Division. Disponível em: <https://ideas.repec.org/p/zbw/wtowps/ersd200404.html>. Acesso em: 14/06/2015.
88 Ver, a respeito, relatório da OMC, entitulado World Trade Report 2008: Trade in a Globalizing World. Disponível em: <https://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/anrep_e/world_trade_report08_e.pdf>. Acesso em: 14/06/2015.
121
No caso específico do transporte internacional de cargas e passageiros, alguns dos marcos tecnológicos inclu-
íram, por exemplo: (i) o desenvolvimento da propulsão a jato, no caso da aviação de carga e passageiros; (ii)
a adoção e a disseminação da “conteinerização” e o aumento da capacidade de transporte das embarcações
e de fluxo portuário, no caso do transporte marítimo; e (iii) os investimentos maciços na expansão das malhas
rodoviária e ferroviária, combinados à expansão da indústria automobilística, nos modais terrestres.
Para evidenciar esse conjunto de inovações, o Quadro 61, exposto a seguir, apresenta a expansão significativa
da frota mercante mundial entre 1980 e 2015, com destaque para as embarcações de grãos e combustíveis.
Já o Quadro 62, na sequência, destaca a evolução positiva do número mundial de decolagens de aeronaves
no mundo entre 1970 e 2013.
Quadro 61
EVOLUÇÃO DA CAPACIDADE DA FROTA MERCANTE MUNDIAL (EM MILHÕES DE TONELADAS*)
11,1% 4,4%
13,0%
28,0%
43,5%
0,68 0,69 0,67 0,63 0,62 0,65 0,68 0,72 0,76 0,79 0,80 0,84 0,91
1,04
1,19
1,42
1,63 1,75
0,0
0,4
0,8
1,2
1,6
2,0
198
0
198
1
198
2
198
3
198
4
198
5
198
6
198
7
198
8
198
9
199
0
199
1
199
2
199
3
199
4
199
5
199
6
199
7
199
8
199
9
20
00
20
01
20
02
20
03
20
04
20
05
20
06
20
07
20
08
20
09
20
10
20
11
20
12
20
13
20
14
20
15
GRANELEIROS PETROLEIROS NAVIOS PORTA-CONTÊINERES NAVIOS DE CARGA EM GERAL OUTRAS EMBARCAÇÕES
Nota: * no âmbito náutico, o porte – deadweight tonnage (DWT), ou “toneladas de peso morto” – é definido como a somatória dos pesos do combustível, da água, dos mantimentos, dos consumíveis, dos tripulantes, dos passageiros, das bagagens e da carga embarcados.
Elaboração: Think Agro. Fonte: UNCTAD.
122
Quadro 62
EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE DECOLAGENS DE AERONAVES REGISTRADAS (EM MILHÕES)
31,1
5
10
15
20
25
30
35
1970
19
72
1974
19
76
19
78
19
80
19
82
198
4
198
6
198
8
199
0
199
2
199
4
199
6
199
8
20
00
20
02
20
04
20
06
20
08
20
10
20
12
20
13
Elaboração: Think Agro. Fonte: World Bank.
Já no âmbito das tecnologias de informação e comunicação, é necessário citar o desenvolvimento revolucio-
nário dos microprocessadores, dos computadores pessoais, das redes de telecomunicação sem fio (caso da
telefonia celular) e da rede mundial de computadores – a Internet. A expansão e a difusão recente do uso de
tecnologias de informação e comunicação, como computadores pessoais, telefonia móvel e banda larga (fixa
e móvel), podem ser observadas, respectivamente, nos Quadros 63 e 64, apresentados a seguir.
Quadro 63
EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE COMPUTADORES PESSOAIS EM USO NO MUNDO (EM MILHÕES)
0 2 33 100 225
529
910
1.425
2.165
1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 2015*
Nota: * estimativa. Elaboração: Think Agro.
Fonte: eTForecasts.
123
Quadro 64
EVOLUÇÃO DA PENETRAÇÃO DE TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO (POR 100 HABITANTES)
95,5
40,4
15,8
32,0
9,8
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014*
INDIVÍDUOS UTILIZANDO INTERNET
ASSINATURAS ATIVAS DE BANDA LARGA MÓVEL
ASSINATURAS DE TELEFONIA MÓVEL
ASSINATURAS DE TELEFONIA FIXA
ASSINATURAS ATIVAS DE BANDA LARGA FIXA
Nota: * estimativa. Elaboração: Think Agro.
Fonte: International Telecommunication Union (ITU).
Além dos fatores vinculados ao progresso tecnológico e da redução de custo nos transportes e nas comuni-
cações, as transformações no cenário geopolítico mundial, no Pós-guerra, desempenharam um papel decisivo,
por um lado, para reorganizar e reconstruir o sistema econômico mundial e, por outro, para harmonizar as
regras de intercâmbio comercial entre os países. Como resultado dessa nova ordem mundial, o sistema mun-
dial foi dotado de coesão e coerência institucionais necessárias para reduzir sensivelmente os entraves legais
e burocráticos ao comércio internacional.
No primeiro grupo, vale destacar dois pilares do sistema monetário e financeiro da nova ordem mundial: o
Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD,
posteriormente chamado Banco Mundial). Criadas em 1944 como resultado da conferência de Bretton Woods,
convertidos em agências especializadas da Organização das Nações Unidas (ONU), estas instituições ofereceram
mecanismos para financiar a reconstrução da economia dos países destruídos pela Guerra; a estabilidade das
taxas de câmbio e a conversibilidade entre as moedas; a assistência na correção e no financiamento de dese-
quilíbrios de balança de pagamentos; e a facilitação dos pagamentos nas transações correntes internacionais.
Ao estruturar o sistema monetário e fornecer instrumentos de cooperação financeira, estes novos pilares insti-
tucionais forneceram condições essenciais para o comércio mundial, seja via estabilidade do sistema mundial,
seja para ampliação da liquidez internacional.
Já no que se refere às regras do comércio internacional, destaca-se a promoção de políticas econômicas e
instituições voltadas para a regulação, a redução ou a eliminação gradual das barreiras aduaneiras e outras
restrições normativas ao comércio e ao investimento entre as nações. O marco, nesse caso, é a assinatura do
Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (General Agreement on Tariffs and Trade, ou GATT), em 1947.
124
Sobrevivendo ao fracasso no estabelecimento da Organização Internacional do Comércio (OIC)89, que seria
responsável por organizar institucionalmente o sistema de comércio multilateral, as negociações do GATT,
iniciadas a partir dos primeiros 23 países signatários, contemplaram o combate a práticas protecionistas até
então em voga, implicando importantes concessões dos integrantes, como é o caso do tratamento não discri-
minatório no comércio internacional (a chamada cláusula de nação mais favorecida (NMF, ou “Regra de Não
Discriminação entre as Nações”), a partir do qual um país não pode conceder a outro tratamento privilegiado
em relação aos demais, salvo as exceções previstas, como é o caso de tratados de integração regional.
Além disso, o GATT incluiu a regra de tratamento nacional (“Regra de Não Discriminação entre Produtos”),
que impediu a discriminação no tratamento de produtos de fabricação doméstica e aqueles importados no
que se refere a impostos internos e outros encargos, leis, regulamentações e requerimentos. A “cláusula de
transparência”, por sua vez, obrigou a publicação de todos os regulamentos e as informações relacionados ao
comércio exterior.
Além disso, os países signatários do GATT comprometeram-se a eliminar as barreiras quantitativas ao comér-
cio, tornando as tarifas aduaneiras o único instrumento de proteção permitido em trocas comerciais. Embora
quotas e barreiras não tarifárias fossem proibidas, regras especiais foram criadas para lidar com os produ-
tos agrícolas. Por fim, o acordo contemplava, também, as chamadas “cláusulas de escape” (ou de exceção),
acordadas pelos países signatários, que salvaguardam certos interesses domésticos no curso do processo de
liberalização comercial90.
Ao todo, foram realizadas oito rodadas de negociações no âmbito do GATT, ao longo das quais os dispositivos
e as regras do sistema foram sendo adequados às novas práticas do comércio (temática), ao mesmo tempo
em que se aumentou o número de participantes, o alcance e o escopo dos acordos. Em ordem cronológica,
as negociações foram celebradas em Genebra, na Suíça (1947); Annecy, na França (1949); Torquay, no Reino
Unido (1951); Genebra (1956); “Dillon”, em Genebra (1960-61); “Kennedy”, em Genebra (1963-67); Tóquio, no
Japão, (1973-79); e a Rodada Uruguai (Punta del Este, 1986-94).
Uma síntese da evolução institucional, participativa e temática do GATT é apresentada no Quadro 65, exposto
a seguir.
89 A proposta da Organização Internacional do Comércio (OIC), a partir da Conferência da ONU em Havana (Cuba), em 1947, foi rejeitada pelos Estados Unidos.
90 Segundo aponta o Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE), o exemplo clássico de cláusula de escape é o das salvaguardas, que possibilitam a adoção de restrições às importações por meio de diversos mecanismos. As salvaguardas são medidas de proteção adotadas pelos governos e podem consistir em elevações de tarifas acima do nível consolidado, bem como na imposição de restrições quantitativas (quotas), a fim de limitar a importação de um determinado produto, embora, em condições normais, a utilização de tais mecanismos seja proibida. Conforme previsto no Acordo sobre Salvaguardas da OMC, são necessárias algumas condições para a aplicação de salvaguardas: (i) aumento das importações de determinado produto, podendo ser este aumento tanto em termos absolutos, como em termos relativos (à produção doméstica); (ii) ocorrência de grave prejuízo ou ameaça de grave prejuízo à indústria doméstica que produza produtos similares ou diretamente concorrentes ao produto importado. Além disso, as salvaguardas só podem ser impostas após uma investigação por autoridades competentes do país onde elas são realizadas, devendo, ainda, ser aplicadas a todas as importações de determinado produto, independentemente de sua origem (não podem funcionar como um instrumento seletivo).
125
Quadro 65
CRONOLOGIA INSTITUCIONAL E TEMÁTICA DAS RODADAS DO GATT/OMC
PERÍODO LOCAL PAÍSES TEMÁTICA
19471º encontro
(Genebra, Suíça)23 Tarifas
19492º encontro
(Annecy, França)13 Tarifas
19513º encontro
(Torquay, Reino Unido)38 Tarifas
19564º encontro
(Genebra, Suiça)26 Tarifas, admissão do Japão
1960-1961Rodada Dillon
(Genebra, Suiça)26 Tarifas
1963-1967Rodada Kennedy(Genebra, Suiça)
62 Tarifas e antidumping
1973-1979Rodada Tóquio(Tóquio, Japão)
102 Tarifas, barreiras não tarifárias e acordo-quadro (framework*)
1986-1994Rodada Uruguai
(Punta del Este, Uruguai)123
Tarifas, barreiras não tarifárias e outros temas, como serviços, propriedade intelectual, solução de
controvérsias, têxteis, agricultura, e a criação da OMC
2001-PRESENTERodada de Doha
(Doha, Catar)161
Admissão da China, tarifas, barreiras não tarifárias, agricultura, serviços, meio ambiente,
concorrência, investimentos, propriedade intelectual, transparência, facilitação de comércio, etc.
Nota: * o acordo-quadro é uma tentativa de desbloquear as negociações multilaterais, regionais e bilaterais, fornecendo diretrizes às negociações em três temas fundamentais: agricultura, bens não agrícolas e serviços.
Elaboração: Think Agro. Fonte: MDIC; OMC.
Em termos de temática, as cinco primeiras oportunidades (isto é, até 1961) trataram quase exclusivamente de
reduções tarifárias sobre produtos industrializados comercializados pelos países desenvolvidos, desmantelando
barreiras protecionistas erigidas nas décadas anteriores. A sexta rodada de negociações, denominada Rodada
Kennedy (1963-1967), marcou a primeira negociação em bloco dos países da Comunidade Europeia, a adoção
da redução linear da tarifa proposta desde a Rodada Dillon (redução de 35% na tarifa média dos produtos
industrializados), além de ter sido concluído o primeiro acordo antidumping no GATT.
Na mesma oportunidade, foram contemplados interesses dos países em desenvolvimento, a partir da introdução
da Quarta Parte do GATT, a criação da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento
(UNCTAD), em 1964, e regras de tratamento diferenciado e mais favorável para estes países. Entre as reivindi-
cações dos países em desenvolvimento, incluíam-se os obstáculos tarifários e não tarifários ao comércio dos
principais produtos da pauta de exportação (commodities primárias, sobretudo bens agropecuários). Alega-
va-se, nesse caso, que o GATT não oferecia condições recíprocas de liberalização comercial, impedindo ou
dificultando (por exemplo, por meio de subsídios aos produtores nacionais) o acesso competitivo dos países
em desenvolvimento aos mercados dos países centrais.
Diante da série de transformações em curso no cenário mundial (por exemplo, o abandono do padrão dólar-ou-
ro, substituído pelo dólar flexível), a Rodada Tóquio (1973-1979) incluiu discussões a respeito da proliferação
do uso de barreiras não tarifárias como mecanismos protecionistas, culminando na elaboração do Código de
Normas sobre as Barreiras Técnicas, o de Valoração Aduaneira, o de Licenciamento das Importações, o de
Compras Governamentais, o de Subsídios e Medidas Compensatórias, além de uma nova versão do Código
126
Antidumping. Todos estes dispositivos, entretanto, eram aplicáveis somente aos países que os subscrevessem
individualmente, impedindo a generalização das novas regras.
Por fim, a última rodada (Uruguai) incluiu nas negociações os chamados “novos temas” (serviços, investimen-
to e propriedade intelectual), além de produtos agrícolas (subsídios) e produtos têxteis. Comparativamente,
os termos originais do acordo de 1947 foram substituídos por um conjunto de regras muito mais abrangente,
aplicável a um conjunto ampliado de produtos e que seria administrado por uma nova organização internacio-
nal que passaria a se responsabilizar pelo monitoramento, a regulação e a solução de conflitos no âmbito do
comércio internacional: a Organização Mundial do Comércio (OMC). Ao contrário do GATT, a OMC passou a
constituir um órgão permanente, com base legal e maior autoridade (enforcement), uma vez que suprimia as
possíveis contradições entre a legislação local e a legislação internacional dos signatários.
A OMC inicia suas atividades em um cenário econômico e político completamente diferente daquele observado
na gênese do GATT (década de 1940), destacando-se: a nova relação de forças no cenário geopolítico; a maior
participação e proeminência do mundo em desenvolvimento (incluindo, nesse âmbito, a emergência da China
como nova potência política e econômica); uma nova e ampla agenda temática a ser contemplada (agricultura,
serviços, investimentos, propriedade intelectual, antidumping, acordos regionais, concorrência, transparência
em compras governamentais, comércio eletrônico, meio ambiente); e muitas controvérsias, decorrentes dos
impasses e da rigidez das posições dos países desenvolvidos e a formação/sobreposição de complexos blocos
de interesse (caso da União Europeia, dos BRICS, do G-20 etc.).
Para tratar desse novo cenário, foi iniciada a chamada Rodada do Desenvolvimento de Doha (Doha Development
Round) ou, simplesmente, Rodada de Doha, cujas negociações, ainda em curso, apresentam um futuro incerto
diante de impasses e divergências entre os países signatários, como, por exemplo, quanto ao fim dos subsídios
agrícolas. Atualmente, a OMC conta com 161 países admitidos, sendo o último deles o Tadjiquistão, em 201391.
Vale ressaltar, adicionalmente, que, em paralelo à instituição do GATT/OMC, diversos países introduziram
reformas comerciais autonomamente (com a progressiva abertura de suas economias), bem como estabele-
ceram acordos comerciais bilaterais e regionais (com reciprocidade no tratamento comercial entre dois ou
mais parceiros) ou preferenciais (unilaterais). Exemplos da emergência do regionalismo incluem a Comunidade
Econômica Europeia (CEE), em 1957, e, mais recentemente, a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA, na
sigla em inglês), em 1960, bem como o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), em 1991, o Tratado Norte-Ameri-
cano de Livre Comércio (NAFTA, na sigla em inglês), em 1992, e a formação da União Europeia (UE), em 1993.
Além dos avanços tecnológicos, das novas instituições e formas de integração político-econômica, a expansão
do comércio internacional foi marcada por novos padrões de organização produtiva e geográfica das empresas
e da produção mundial. Nesse sentido, a aplicação do termo “globalização” deve ser qualificada não só pelo
aumento quantitativo do fluxo internacional de bens e capitais – fenômeno que se repete em outros perío-
dos históricos – mas, sobretudo, pela emergência de novos padrões de produção e de integração produtiva,
conduzidos em escala global. Para avaliar esse fenômeno, a literatura tem empregado comumente o termo
“Cadeias Globais de Valor” ou CGV (Global Chains of Value, ou GVC)92.
91 Disponível em: <https://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/tif_e/org6_e.htm>. Acesso em: 26/06/2015.
92 Ver, a respeito, GEREFFI, G.; KORZENIEWICZ, M. (1994). Commodity Chains and Global Capitalism; Westport: Praeger; GEREFFI, G. (1994). The Organisation of Buyer-driven Global Commodity Chains: How U.S. Retailers Shape Overseas Production Networks, in: GEREFFI, G.; KORZENIEWICZ, M. (eds.). Commodity Chains and Global Capitalism. Westport, CT: Praeger, p. 95-122; ELMS, D.; LOW, P. (2013). Global Value Chains in a changing world. World Trade Organization Publications. Geneva: WTO.
127
No berço das CGVs, a significativa redução dos custos de transporte e comunicação, aliada às menores restri-
ções internacionais para comércio e investimentos, criou condições inéditas, inicialmente, para que as empre-
sas coordenassem suas atividades em diferentes espaços competitivos do globo, levando à consolidação de
sistemas de governança global por grandes corporações transnacionais (transnational corporations, ou TNC).
Aproveitando-se dos processos de desregulação e privatização em voga no mundo emergente, bem como da
consolidação de um mercado consumidor internacional, as empresas passaram a controlar a produção e dis-
putar mercados tanto nos países-sede, onde se localizavam as matrizes, como nos países em desenvolvimento,
por meio do aumento do fluxo líquido de IED93. Como se pode notar nos Quadros 66 e 67, apresentados na
sequência, desde a década de 1970, a maior parte do fluxo líquido de IED originado nas economias desenvol-
vidas teve como destino países da Ásia e da América.
Quadro 66
ACUMULADO DO FLUXO LÍQUIDO DE INVESTIMENTO ESTRANGEIRO DIRETO (IED) POR GRUPO DE PAÍSES (EM US$ TRILHÕES DE 2015)
5,2
-6,0
-8
-6
-4
-2
0
2
4
6
1970
1971
1972
1973
1974
1975
1976
1977
1978
1979
198
0
198
1
198
2
198
3
198
4
198
5
198
6
198
7
198
8
198
9
199
0
199
1
199
2
199
3
199
4
199
5
199
6
199
7
199
8
199
9
20
00
20
01
20
02
20
03
20
04
20
05
20
06
20
07
20
08
20
09
20
10
20
11
20
12
20
13
US
$ t
rilh
ões
ECONOMIAS EM DESENVOLVIMENTO ECONOMIAS DESENVOLVIDAS
ECONOMIAS EM DESENVOLVIMENTO (ÁFRICA) ECONOMIAS EM DESENVOLVIMENTO (AMÉRICA)
ECONOMIAS EM DESENVOLVIMENTO (ÁSIA)
Nota: valores deflacionados pelo Consumer Price Index – CPI. Elaboração: Think Agro.
Fonte: UNCTAD.
93 Ver, a respeito, UNCTAD (2013). World Investment Report 2013. Global Value Chains: Investment And Trade For Development. Nova York e Geneva. Disponível em: <http://unctad.org/en/PublicationsLibrary/wir2013overview_en.pdf>. Acesso em: 14/06/2015.
128
Quadro 67
DISTRIBUIÇÃO DOS INVESTIMENTOS ESTRANGEIROS DIRETOS (IED) RECEBIDOS ENTRE 1970 E 2013 – PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO
E EM TRANSIÇÃO (EM US$ TRILHÕES DE 2015)
8,6%
7,2%
29,6%
54,2%
0,3%
ECONOMIAS EM TRANSIÇÃO
ECONOMIAS EM DESENVOLVIMENTO (ÁFRICA)
ECONOMIAS EM DESENVOLVIMENTO (AMÉRICA)
ECONOMIAS EM DESENVOLVIMENTO (ÁSIA)
ECONOMIAS EM DESENVOLVIMENTO (OCEANIA)
Nota: valores deflacionados pelo Consumer Price Index – CPI. Elaboração: Think Agro.
Fonte: UNCTAD.
Aliada a políticas de desenvolvimento e industrialização nacionais, a entrada de investimentos externos diretos
colaborou diretamente para a formação de capital bruto nas economias das regiões, proporcionando aumento
da capacidade produtiva e modernização do parque produtivo e da infraestrutura destes países (Quadro 68).
Quadro 68
ÍNDICE DE FORMAÇÃO BRUTA DE CAPITAL FIXO (FBCF) (BASE 100 = 1970)
2.471
428
100
600
1.100
1.600
2.100
2.600
1970
1971
1972
1973
1974
1975
1976
1977
1978
1979
198
0
198
1
198
2
198
3
198
4
198
5
198
6
198
7
198
8
198
9
199
0
199
1
199
2
199
3
199
4
199
5
199
6
199
7
199
8
199
9
20
00
20
01
20
02
20
03
20
04
20
05
20
06
20
07
20
08
20
09
20
10
20
11
20
12
20
13
ÁSIA (EXCETO JAPÃO) AMÉRICA (EXCETO EUA E CANADÁ)
Elaboração: Think Agro. Fonte: United Nations Statistics Division (UN Stats).
129
Esse processo foi mediado por modalidades como offshoring (realocação de estruturas ou processos produti-
vos em outros países) e outsourcing (terceirização ou subcontratação de parte ou de toda produção), a partir
da identificação de vantagens comparativas locais (presença de recursos especiais e insumos, infraestrutura,
preço e disponibilidade de fatores, incentivos fiscais, polos de exportação etc.).
Além da dispersão dos escritórios e das plantas industriais em diferentes regiões do globo, as circunstâncias
tecnológicas, produtivas e institucionais criaram condições inéditas para a fragmentação e a dispersão geo-
gráfica das diferentes etapas produtivas de criação de valor (unbundling), incluindo as atividades vinculadas
à produção de matérias-primas e insumos, inovação, pesquisa & desenvolvimento, manufatura, montagem,
logística, design & branding, marketing e comercialização. Para conectar as diferentes etapas, o comércio in-
ternacional passou a incluir não somente bens finais e serviços entre corporações, mas também portfólios de
investimento e mercados distintos, para contemplar uma “linha de montagem” global, a partir da qual insumos,
partes, componentes e produtos semiacabados são transacionados por meio de uma rede internacional de
fornecedores (supply chains), constituindo um verdadeiro mercado global. Com efeito, como mostra o Quadro
69, a produção manufatureira global foi progressivamente redistribuída entre as regiões do globo, marcando
a emergência de novos países na produção manufatureira mundial.
Quadro 69
EVOLUÇÃO DA DISTRIBUIÇÃO MUNDIAL DA PRODUÇÃO MANUFATUREIRA ENTRE 1970 E 2013 (%)
2,0
1,6
6,0
46,4
28,7
15,2
1,81,8
7,9
45,4
24,7
18,4
1,51,8
6,6
41,3
24,0
24,7
1,41,6
7,1
36,3
28,0
25,5
1,01,6
6,0
27,9
21,4
41,9
0,91,7
5,9
26,7
20,3
44,4
1970 1980 1990 2000 2010 2013
ÁSIA
AMÉRICA DO NORTE
EUROPA
AMÉRICA LATINA E CARIBE
ÁFRICA
OCEANIA
Elaboração: Think Agro. Fonte: UN Stats.
130
A fragmentação e a dispersão das cadeias produtivas pelo mundo traduzem-se no aumento do fluxo interna-
cional de bens intermediários (partes e componentes), vis-à-vis bens finais, fenômeno mediado pelo aumento
do comércio intrafirmas. Em uma ótica de valor agregado, mais apropriada para avaliar o comércio entre os
países, é possível destacar a parcela significativa do valor adicionado das exportações mundiais representada
por partes, componentes e insumos importados (Quadro 70).
Quadro 70
ORIGEM DO VALOR ADICIONADO BRUTO NAS EXPORTAÇÕES MUNDIAIS, TOTAL E POR TIPO DE PRODUTO, EM 2009
16,4%
38,9%
44,7%
TOTAL
MANUFATURADOS
SERVIÇOS
PRODUTOS PRIMÁRIOS
72,4%
27,6%
PRODUTOSPRIMÁRIOS
DOMÉSTICOS
ESTRANGEIROS
76,3%
23,7%
MANUFATURADOS
DOMÉSTICOS
ESTRANGEIROS
23,3%
76,7%
SERVIÇOS
DOMÉSTICOS
ESTRANGEIROS
Elaboração: Think Agro. Fonte: OCDE.
Esse processo tem afetado, particularmente, três países da Ásia (China, Coreia do Sul e Índia), considerada a
nova “fábrica do mundo”94. Como mostra o Quadro 71, de acordo com dados da OCDE, a participação doméstica
no valor adicionado das exportações destes países caiu de 84,5% para 66,8% entre 1995 e 2009.
94 Ver, a respeito, WTO-IDE-JETRO (2011). Trade patterns and global value chains in East Asia: From trade in goods to trade in tasks. Disponível em: <http://unctad.org/en/PublicationsLibrary/wir2013overview_en.pdf>. Acesso em: 14/06/2015.
131
Quadro 71
VARIAÇÃO NA PARTICIPAÇÃO DOMÉSTICA NO VALOR ADICIONADO DAS EXPORTAÇÕES (EM P.P.) – PAÍSES SELECIONADOS, DE 1995 A 2009
12,09
3,99
3,98
3,78
3,41
2,37
1,79
0,67
-0,14
-0,68
-1,20
-2,93
-3,22
-3,79
-3,89
-4,49
-4,68
-5,30
-5,83
-6,91
-7,94
-7,95
-12,27
-16,93
-20,76
Hong Kong
Canadá
Bélgica
Federação Russa
Reino Unido
Malásia
Itália
Brasil
Espanha
Austrália
Holanda
Estados Unidos
Cingapura
México
Irlanda
Áustria
Tailândia
Suíça
Suécia
França
Japão
Alemanha
Índia
Coreia do Sul
China
Elaboração: Think Agro. Fonte: OCDE.
Na esteira desses processos, países como China, Índia e Brasil expandiram suas operações portuárias acima
de 400% desde 2000.
132
Quadro 72
EVOLUÇÃO DO TRÁFEGO PORTUÁRIO ENTRE 2000 E 2013 (EM MILHÕES DE CONTÊINERES)
0
50
100
150
200
250
País
es
da O
CD
E
Un
ião
Eu
rop
eia
Est
ad
os
Un
ido
s
Ale
man
ha
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ina
Co
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ati
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Cari
be
Bra
sil
Milh
ões
de c
on
têin
ere
s* d
e 2
0 p
és
2000 2013
Nota: * medida-padrão em TEU (unidades de contêineres de 20 pés). Elaboração: Think Agro.
Fonte: World Bank.
Esse fenômeno de integração econômica das empresas e países – pautado pela especialização e por uma nova
modalidade de divisão internacional do trabalho – avança com mais rapidez em alguns setores tipicamente
industriais, como é o caso dos equipamentos eletrônicos e da indústria automobilística. Paulatinamente, entre-
tanto, as CGVs passam a abarcar serviços (como logística e tecnologia da informação), agronegócio e indústria
de alimentos (separação entre matéria-prima bruta e industrializada/processada). Os produtos finais, portanto,
passam a ser classificados como “made in the world”.
Como resultado dessas mudanças, bem como de políticas de industrialização levadas a cabo pelos países
em desenvolvimento (a exemplo da Política de Substituição de Importações, na América Latina, e do milagre
asiático do Japão e dos chamados Tigres Asiáticos), tanto a produção como a exportação de produtos manu-
faturados foram redistribuídas no mapa global, reduzindo a distância entre os chamados países desenvolvidos
e em desenvolvimento.
Com base nesses fatores, a próxima seção busca destacar algumas das tendências verificadas para o comér-
cio internacional, com destaque para temas relevantes ao agronegócio: segurança alimentar; a emergência
da China e do mundo em desenvolvimento; a nova agenda de negociações; e a importância de novos fatores
competitivos no comércio global.
133
3.2 TENDÊNCIAS E CONSEQUÊNCIAS
PARA O COMÉRCIO MUNDIAL
A partir dos fatores estruturais anteriormente elencados, é possível destacar uma série de tendências e fenô-
menos relacionados ao cenário econômico mundial com reflexos relevantes sobre a forma e o padrão interna-
cional do comércio entre os países.
Segundo o relatório anual da OMC de 2014 (World Trade Report 2014 – Trade and development: recent trends
and the role of the WTO)95, quatro tendências têm relacionado o comércio e o desenvolvimento desde os anos
2000, mais especificamente: (i) a aceleração do crescimento econômico dos países em desenvolvimento; (ii)
a crescente integração da produção global em grandes cadeias de fornecimento (supply chains); (iii) o novo
ciclo econômico das commodities agrícolas e dos recursos naturais; e (iv) o aumento da integração e da inter-
dependência entre as economias do mundo.
Em relação à crescente importância das economias em desenvolvimento no cenário global, o relatório destaca
que o período foi marcado pela aceleração do crescimento econômico dos países em desenvolvimento, cola-
borando para a convergência do PIB per capita dos mundos desenvolvido e em desenvolvimento, fenômeno
que transcorreu a despeito da manutenção da distância entre países ricos e pobres (Quadro 73).
Quadro 73
EVOLUÇÃO DO PIB PER CAPITA DOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO COMO PROPORÇÃO DO PIB PER CAPITA DOS PAÍSES DESENVOLVIDOS
5,1
%
8,3
%
4%
5%
6%
7%
8%
9%
19
70
19
72
1974
19
76
19
78
19
80
19
82
198
4
198
6
198
8
199
0
199
2
199
4
199
6
199
8
20
00
20
02
20
04
20
06
20
08
20
10
20
12
20
13
Elaboração: Think Agro. Fonte: UNCTAD.
95 Disponível em: <https://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/world_trade_report14_e.pdf>. Acesso em: 14/06/2015.
134
Como parte da abertura e da integração crescente à economia mundial, os países em desenvolvimento têm se
comprometido com a redução significativa das barreiras tarifárias impostas ao comércio internacional, além
de ampliar a sua participação no intercâmbio comercial mundial.
Como se pode notar no Quadro 74, segundo dados da UNCTAD, a participação das exportações de países em
desenvolvimento no comércio mundial evoluiu significativamente em todos os grupos de produtos entre 1995
e 2013, tanto no âmbito das commodities primárias (de 39,6% para 49,9%), quanto no que se refere aos bens
manufaturados (de 25,3% para 43,4%).
Quadro 74
EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO NAS EXPORTAÇÕES MUNDIAIS ENTRE 1995 E 2013, POR CATEGORIA DE PRODUTO
27,9%
39,6%
30,8% 31,0% 28,7%
31,8%
57,7%
25,3%
44,8%
49,9%
39,7% 39,0% 37,1%
42,2%
57,4%
43,4%
Todos osprodutos
Commoditiesprimárias
Commodities primárias, exceto
combustíveis
Alimentos Matérias-primas agrícolas
Metais eminérios
Combustíveis Bensmanufaturados
1995 2013
Elaboração: Think Agro. Fonte: UNCTAD.
Os dados corroboram a tendência recente de aprofundamento das CGVs, responsáveis por oferecer novas
oportunidades de integração dos países em desenvolvimento ao comércio mundial, por meio da fragmentação
e da dispersão geográfica das atividades e tarefas produtivas.
Com efeito, apesar da redução na participação total de produtos manufaturados na pauta de exportação dos
países em desenvolvimento, sua composição passou a contar com maior peso de produtos de alta e média
intensidades tecnológicas. Como se pode notar no Quadro 75, os produtos intensivos em trabalho e recursos
naturais, tradicionalmente prevalecentes no mundo em desenvolvimento, tiveram sua participação reduzida
de 28,8% para 18,2% entre 1995 e 2013, ao passo que combustíveis ocuparam um espaço relativamente maior
da pauta. Ao mesmo tempo, a participação dos países em desenvolvimento nas exportações totais de partes
e componentes eletroeletrônicos saltou de 34,4% para 68,3% (Quadro 76).
135
Quadro 75
COMPOSIÇÃO DA PAUTA DE EXPORTAÇÃO DOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO
17,0% 12,2%
15,4% 24,0%
67,6% 63,8%
1995 2013
BENS
MANUFATURADOS
COMBUSTÍVEIS
COMMODITIES
PRIMÁRIAS,
EXCETO
COMBUSTÍVEIS
28,8% 18,2%
9,8% 10,0%
22,5% 26,8%
39,0% 45,0%
1995 2013
ALTA INTENSIDADE
TECNOLÓGICA
MÉDIA INTENSIDADE
TECNOLÓGICA
BAIXA INTENSIDADE
TECNOLÓGICA
INTENSIVO EM TRABALHO E
RECURSOS NATURAIS
Elaboração: Think Agro. Fonte: UNCTAD.
Quadro 76
PARTICIPAÇÃO DOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO NAS EXPORTAÇÕES MUNDIAIS DE PARTES E COMPONENTES DE PRODUTOS ELETROELETRÔNICOS*
34,4%
68,3%
25%
30%
35%
40%
45%
50%
55%
60%
65%
70%
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
TODOS OS PRODUTOS PRODUTOS MANUFATURADOS PARTES E COMPONENTES DE PRODUTOS ELETROELETRÔNICOS
Nota: * inclui os produtos de código 759, 764, 772 e 776 da Standard International Trade Classification (SITC). Elaboração: Think Agro.
Fonte: UNCTAD.
Além de mudanças na pauta de exportação, o fenômeno das CGVs tem como implicação a expansão do
comércio entre países em desenvolvimento. Como destaca o Quadro 77, o intercâmbio comercial de bens e
serviços entre países em desenvolvimento cresceu cerca de duas vezes mais do que o da média mundial. Como
resultado desse processo, sua participação no comércio mundial passou de 11,7%, em 1995, para mais de um
quarto do total (26,2%), em 2013 (Quadro 78).
136
Quadro 77
EVOLUÇÃO DO FLUXO COMERCIAL ENTRE PAÍSES, DE ACORDO COM O NÍVEL DE DESENVOLVIMENTO (ÍNDICE BASE 100 = 1995)
0
100
200
300
400
500
600
700
800
900
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
COMÉRCIO MUNDIAL COMÉRCIO ENTRE PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO E O MUNDO
COMÉRICO ENTRE PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO
Elaboração: Think Agro. Fonte: UNCTAD.
Quadro 78
PARTICIPAÇÃO DO COMÉRCIO ENTRE PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO EM RELAÇÃO AO FLUXO COMERCIAL MUNDIAL
11,7%
15,5% 12,9% 12,4%
13,9% 13,6%
20,7%
11,1%
26,2%
30,4%
24,5% 23,0% 23,5%
28,0%
34,7%
24,7%
Todos osprodutos
Commoditiesprimárias
Commoditiesprimárias, exceto
combustíveis
Alimentos Matérias-primasagrícolas
Metais eminérios
Combustíveis Bensmanufaturados
1995 2013
Elaboração: Think Agro. Fonte: UNCTAD.
Nesse sentido, o relatório da OMC destaca a maior abertura e o maior o nível de integração dos países em
desenvolvimento – como destacado no Quadro 79 – como um dos fatores importantes para o crescimento
econômico e comercial dos países, apesar dos riscos associados à especialização e à maior exposição do País
às volatilidades da produção e da demanda mundiais.
137
Quadro 79
VALOR DAS EXPORTAÇÕES MUNDIAIS DE BENS E SERVIÇOS COMO PROPORÇÃO DO PIB (%)
19,6 18,8 24,2
29,5 31,3 25,8 25,0
34,3 35,7 35,9
19,2 17,8 21,0
26,0 28,3
1980 1990 2000 2010 2013
MUNDO PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO PAÍSES DESENVOLVIDOS
Elaboração: Think Agro. Fonte: UNCTAD.
Em relação ao “novo ciclo” das commodities agrícolas e dos recursos naturais, o relatório destaca a tendência
de crescimento no comércio e nos preços verificada a partir dos anos 2000, fenômeno que impulsionou a
economia de muitos países (Quadro 80). Não obstante os efeitos deletérios da crise internacional em 2008,
o relatório aponta que o patamar elevado do preço e a volatilidade desse mercado devem permanecer como
características do atual ciclo.
Por outro lado, o relatório da OMC destaca que as barreiras tarifárias e os subsídios nos países desenvolvidos conti-
nuam a afetar negativamente o acesso a seus mercados pelas exportações agrícolas de países em desenvolvimento.
Quadro 80
EVOLUÇÃO DOS PREÇOS REAIS DAS COMMODITIES AGRÍCOLAS, MINERAIS E METÁLICAS (ÍNDICE BASE 100 = 2000)
0
50
100
150
200
250
300
196
0
196
2
196
4
196
6
196
8
1970
1972
1974
1976
1978
198
0
198
2
198
4
198
6
198
8
199
0
199
2
199
4
199
6
199
8
20
00
20
02
20
04
20
06
20
08
20
10
20
12
20
14
AGRÍCOLAS MINERAIS E METAIS
Elaboração: Think Agro. Fonte: World Bank.
138
Por fim, o relatório destaca como uma das tendências prevalecentes nos últimos tempos a crescente sincroni-
zação da economia mundial, sobretudo no que se refere à volatilidade dos mercados e à resposta aos choques
macroeconômicos (crise de 2008). Nesse sentido, o relatório destaca, ainda, que a eclosão da crise de 2008
evidenciou os efeitos sistêmicos da crescente integração das economias mundiais nas CGVs pelo comércio,
cujo fluxo foi severamente impactado pela retração da atividade econômica nos países centrais.
Diante do cenário e das tendências prevalecentes no cenário comercial mundial atual, é possível identificar um
conjunto de novos fatores e condicionantes capazes de modificar as vantagens comparativas e, com isso, co-
laborar para modificar o padrão do comércio entre os países nas próximas décadas. Segundo o relatório anual
da OMC de 2013 (World Trade Report 2013: Factors shaping the future of world trade)96, é possível destacar a
importância das seguintes esferas:
nMudanças demográficas, incluindo envelhecimento da população, urbanização, migração, avanços em
escolaridade, renda e equidade entre os gêneros, com efeitos sobre a demanda global, o padrão de
consumo e o mercado de trabalho dos países;
n Investimento em infraestrutura, associado a Investimentos Estrangeiros Diretos (IED), como fator-chave
tanto para nortear a acumulação de capital, como para ampliar a integração de novos players nas CGVs;
n A geração e a difusão de conhecimento e inovação (progresso tecnológico), por meio de investimentos
em Pesquisa & Desenvolvimento (P&D), como fonte do crescimento econômico e da inserção qualifi-
cada dos países nas CGVs e no comércio mundial;
n As mudanças nos padrões de produção e consumo de energia dos diferentes países, bem como a
escassez de recursos naturais (sobretudo água) em algumas regiões do mundo em desenvolvimento,
com efeitos sobre a produção e o comércio de alimentos no mundo;
n Novas oportunidades, em nível nacional e multilateral, para a redução dos custos de transporte e a
qualidade da infraestrutura, possibilidade de expansão da quantidade de bens e mercadorias transa-
cionados, bem como do número de rotas de comércio internacionais;
nMelhorias no ambiente institucional, como enforcement de contratos, entendido como instrumento
para melhorar as vantagens comparativas e reduzir os custos de transação no comércio.
Alguns dos fatores ressaltados anteriormente têm particular influência sobre o comércio internacional do agro-
negócio, afetando, de diferentes maneiras, a dinâmica dos países exportadores e importadores desses produtos.
A seguir, analisam-se em maior detalhe: (i) aspectos demográficos: crescimento populacional e urbanização;
(ii) ascensão da China e seus impactos no comércio internacional; (iii) os acordos comerciais e a nova agenda
das negociações; e (iv) os novos fatores de competitividade, sobretudo em logística.
96 Disponível em: <https://www.wto.org/english/res_e/publications_e/wtr13_e.htm>. Acesso em: 14/06/2015.
139
3.3 ASPECTOS DEMOGRÁFICOS: CRESCIMENTO
POPULACIONAL E URBANIZAÇÃO
Segundo as Nações Unidas97, entre 1950 e 2015, a população mundial cresceu a uma taxa média anual de 1,7%,
atingindo, em 2015, a marca de 7,324 trilhões de pessoas. Como mostra o Quadro 81, a seguir, os países em
desenvolvimento concentram, atualmente, a maior parte da população mundial, a exemplo da China (19,1% do
total) e da Índia (17,5%). Com efeito, a Ásia consolidou-se como continente com maior número de habitantes,
respondendo por cerca de 60% da população global.
Quadro 81
EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO MUNDIAL, POR GRUPO DE PAÍSES
0
2
4
6
8
10
12
0,8
1,7
2,5
1950
0,9
2,1
3,0
1960
1,0
2,7
3,7
1970
1,1
3,4
4,4
1980
1,1
4,2
5,3
1990
1,2
4,9
6,1
2000
1,2
5,7
6,9
2010
1,3
6,1
7,3
2015*
1,3
6,4
7,7
2020*
1,3
7,1
8,4
2030*
1,3
7,7
9,0
2040*
1,3
8,2
9,6
2050*
Bilh
ões
PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO PAÍSES DESENVOLVIDOS
Nota: * a partir de 2015, projeção. Elaboração: Think Agro.
Fonte: United Nations Department of Economic and Social Affairs – Population Division.
As décadas futuras reservam profundas mudanças no tamanho e na distribuição das populações ao redor do
mundo, sobretudo no hemisfério Sul98. Segundo dados expostos nos Quadros 82 e 83, até 2050, a expectativa
é de que a população mundial cresça a uma taxa média de 0,8% ao ano, totalizando 9,550 trilhões de pessoas.
Assim, futuramente, o mundo em desenvolvimento acomodará 86,4% das pessoas, a maior parte concentrada
na Ásia e na África. Somente os países africanos aumentarão sua participação na população total dos atuais
15,1% para 25,1%, em 2050.
97 United Nations, Department of Economic and Social Affairs, Population Division (2014). World Urbanization Prospects: The 2014 Revision. Methodology Working Paper No. ESA/P/WP.237. Disponível em: <http://esa.un.org/unpd/wup/Highlights/WUP2014-Highlights.pdf>. Acesso em 02/04/2015.
98 United Nations, Department of Economic and Social Affairs, Population Division (2013). Human Development Report 2013. The Rise of the South: Human Progress in a Diverse World. Disponível em: <http://hdr.undp.org/en/2013-report>. Acesso em: 02/06/2015.
140
Quadro 82
EVOLUÇÃO DA TAXA DE CRESCIMENTO MÉDIA DA POPULAÇÃO, POR PERÍODO E GRUPO DE PAÍSES
-0,5%
0,0%
0,5%
1,0%
1,5%
2,0%
2,5%
3,0%
Mundo Países desenvolvidos
Países em desenvolvimento
África Ásia Europa América Latinae Caribe
América doNorte
Oceania
1950/60 1960/70 1970/80 1980/90 1990/00 2000/10 2010/15* 2015/20* 2020/30* 2030/40* 2040/50*
Nota: * a partir de 2015, projeção. Elaboração: Think Agro.
Fonte: United Nations Department of Economic and Social Affairs – Population Division.
Quadro 83
EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO NA POPULAÇÃO, POR GRUPO DE PAÍSES E REGIÕES
0%
20%
40%
60%
80%
100%
Paísesdesenvolvidos
Países emdesenvolvimento
África Ásia Europa América Latinae Caribe
América doNorte
Oceania
1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 2015* 2020* 2030* 2040* 2050*
Nota (*): a partir de 2015, projeção. Elaboração: Think Agro.
Fonte: United Nations Department of Economic and Social Affairs – Population Division.
Em paralelo ao crescimento populacional, há outras mudanças importantes no perfil demográfico e socioe-
conômico da população mundial. Boa parte delas (como aspectos vinculados à transição demográfica e ao
envelhecimento da população) está correlacionada ao aumento da urbanização e da renda média per capita,
que condicionam, por sua vez, outros fenômenos importantes, como padrão de consumo, escolaridade, lon-
gevidade, participação da mulher no mercado de trabalho e aspectos migratórios.
No que se refere ao grau de urbanização, os dados disponibilizados pelas Nações Unidas permitem avaliar como
a população urbana evoluiu desde 1950, passando de 29,6% para os atuais 54,0%. Como mostra o Quadro 84,
a maior parte deste incremento na média mundial está associada à crescente urbanização da população nos
141
países em desenvolvimento, fenômeno expresso na taxa média de crescimento anual de 3,6% – superior à dos
países desenvolvidos (1,2% ao ano).
Quadro 84
EVOLUÇÃO DA PARCELA URBANA DA POPULAÇÃO, POR NÍVEL DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL (%)
29
,6
33
,7
36
,6
39
,3
42,9
46
,6
51,
6
54
,0
56
,2
60
,0
63
,2
66
,4
54
,6
61,
0
66
,7
70
,2
72,4
74
,2
77,1
78
,3
79
,3
81,
5
83
,5
85
,4
17,6
21,
9
25
,3
29
,4
34
,8
39
,9
46
,1
49
,0
51,
6
56
,2
59
,8
63
,4
1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 2015* 2020* 2030* 2040* 2050*
MUNDO PAÍSES DESENVOLVIDOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO
Nota: * a partir de 2015, projeção. Elaboração: Think Agro.
Fonte: United Nations Department of Economic and Social Affairs – Population Division.
Como é possível evidenciar no Quadro 85, a população rural no mundo tem permanecido praticamente está-
vel desde a década passada. A estimativa das Nações Unidas é de que a população rural decresça a partir de
2020, ao passo que a população urbana mantenha taxas de crescimento positivas, ainda que declinantes, ao
longo do período destacado.
142
Quadro 85
TAXA MÉDIA ANUAL DE CRESCIMENTO DAS POPULAÇÕES RURAL E URBANA MUNDIAIS
3,11
3,1
2
2,9
9
2,6
3
2,5
6
2,6
2
2,7
1
2,6
3
2,3
4
2,1
3
2,2
7
2,2
0
2,0
5
1,8
4
1,6
3
1,4
4
1,29
1,16
1,0
7
1,0
0
1,20
1,20
1,3
4 1,75
1,6
0
1,25
1,16
1,19
0,8
9
0,6
1
0,2
6
0,1
8
0,1
3
0,0
7
-0,0
1
-0,0
6
-0,1
0
-0,1
6
-0,2
8
-0,4
0
19
50
-19
55
19
55
-19
60
19
60
-19
65
19
65
-19
70
19
70
-19
75
19
75
-19
80
19
80
-19
85
19
85
-19
90
19
90
-19
95
19
95
-20
00
20
00
-20
05
20
05
-20
10
20
10-2
015
* 20
15-2
020
* 20
20
-20
25
* 20
25
-20
30
* 20
30
-20
35
* 20
35
-20
40
* 20
40
-20
45
* 20
45
-20
50
*
URBANA RURAL
Nota: * após 2015, projeção. Elaboração: Think Agro.
Fonte: United Nations Department of Economic and Social Affairs – Population Division.
A urbanização está, em boa medida, associada ao processo de industrialização dos países. Cidades são conheci-
das como importantes loci do desenvolvimento e da redução da pobreza, sobretudo pelo fato de concentrarem
boa parte da atividade econômica e dos empregos, dos órgãos governamentais, do comércio e dos transportes,
além de servir de eixo de ligação entre regiões rurais, outras cidades e outros países (portos). Não por acaso, a
vida nas cidades é associada a maiores níveis de escolaridade e educação, melhores condições de saúde, maior
poder aquisitivo e acesso a serviços sociais, além de maiores oportunidades de participação política e cultural.
Com efeito, é possível destacar, também, a evolução da renda per capita no mundo, com destaque para o
conjunto de países em desenvolvimento. Como se pode notar no Quadro 86, tais países atravessam, desde
o início da década passada, um período de aceleração na renda per capita, vis-à-vis ao mundo desenvolvido.
Apesar da manutenção das desigualdades entre estes dois grupos, o aumento da renda per capita, alinhado
ao aumento da população urbana nestes países, representa um significativo incremento no poder e no padrão
de consumo das famílias.
143
Quadro 86
EVOLUÇÃO DO PIB PER CAPITA ENTRE 1970 E 2013 (BASE 100 = 1970)
100
150
200
250
300
350
1970
1971
1972
1973
1974
1975
1976
1977
1978
1979
198
0
198
1
198
2
198
3
198
4
198
5
198
6
198
7
198
8
198
9
199
0
199
1
199
2
199
3
199
4
199
5
199
6
199
7
199
8
199
9
20
00
20
01
20
02
20
03
20
04
20
05
20
06
20
07
20
08
20
09
20
10
20
11
20
12
20
13
PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO PAÍSES DESENVOLVIDOS MÉDIA MUNDIAL
Elaboração: Think Agro. Fonte: UNCTAD.
Entre os diferentes impactos que esses fenômenos representam, como o aumento da demanda por energia e
recursos hídricos, é possível destacar, no âmbito do comércio mundial, o tópico da segurança alimentar, isto é,
a capacidade dos diferentes países em responder a uma demanda crescente por alimentos, seja por meio do
aumento da produção nacional (via ganhos de produtividade, aumento da área plantada etc.), seja por meio
da importação. O Quadro 87, apresentado a seguir, evidencia como o atendimento desta demanda tem sido
conduzido ao longo dos últimos cinquenta anos e como os índices de produção de alimentos, grãos (crops) e
criação de gado (livestock) têm acompanhado o crescimento da população urbana global.
144
Quadro 87
EVOLUÇÃO DE ÍNDICES RELACIONADOS À PRODUÇÃO E AO CONSUMO DE ALIMENTOS NO MUNDO (BASE 100 = 1961)
100
150
200
250
300
350
400
1961 1970 1980 1990 2000 2010 2013
ÍNDICE DE PRODUÇÃO DE ALIMENTOS ÍNDICE DE PRODUÇÃO DE GRÃOS ÍNDICE DE PRODUÇÃO DE CARNE
ÍNDICE DE POPULAÇÃO ÍNDICE DE POPULAÇÃO URBANA ÍNDICE DE RENDA PER CAPITA
Elaboração: Think Agro. Fonte: World Bank.
Quadro 88
EVOLUÇÃO DE ÍNDICES DE PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA E DE ALIMENTOS PER CAPITA (BASE 100 = 1961)
90
100
110
120
130
140
150
160
1961 1970 1980 1990 2000 2010 2013
AGRICULTURA GRÃOS CEREAIS CRIAÇÃO DE ANIMAIS ALIMENTOS
Elaboração: Think Agro. Fonte: FAO.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), considerando a recomendação de três refeições diárias por
individuo, serão necessários mais de 28 milhões de refeições para alimentar a população mundial a cada dia,
sendo necessário quase duplicar a produção atual de alimentos, considerando que o padrão de alimentação e
nutricional deve crescer em boa parte do mundo, sobretudo nos países da Ásia e da África. Para a FAO, será
145
necessário um incremento na oferta de alimentos da ordem de 60%, além de um aumento de 50% na disponi-
bilidade energética e 40% na disponibilidade de recursos hídricos.
A conversão de novas populações do globo para dietas nutricionais “ocidentais”, caracterizadas por maiores
ingestões calórica e proteica, ricas em laticínios, reflete-se na maior pressão sobre a produção de cereais
como soja e milho, seja para consumo humano, seja para alimentação do rebanho mundial. O atendimento
da demanda do consumo humano, por sua vez, faz-se não só pela disponibilidade de alimentos, mas também
pela sua acessibilidade (preço), qualidade e segurança. Some-se a isso o aumento da demanda por produtos
agropecuários, como soja e milho, para a criação de gados de corte e leiteiro.
Pelo lado da oferta, é possível destacar os volumes de investimento e inovação necessários para elevar a pro-
dução agropecuária e de alimentos, a ponto de atender a nova demanda, incluindo aumento da área plantada
e irrigada, aumento do uso de fertilizantes e pesticidas, melhorias nas sementes, novas variedades genéticas,
mecanização e novos métodos de produção e manejo sustentável da terra. Adicionalmente, considerando toda
a cadeia do agronegócio e da indústria agroalimentar, é necessário ampliar a infraestrutura de organização,
processamento e logística, sobretudo no âmbito das CGVs, aumentando a eficiência do uso de recursos cada
vez mais escassos e caros (como a água).
Como obstáculos, as incertezas e os riscos específicos aos quais está submetida a produção agropecuária, como
fenômenos climáticos (por exemplo, secas prolongadas) e desastres naturais, aliados a questões ambientais,
como escassez de recursos hídricos e de terra arável, e laborais, como a redução da população e de mão de
obra rural, oferecem restrições à capacidade de atender a crescente demanda mundial. Por fim, a demanda
crescente por fontes renováveis de bioenergia, derivadas de produtos agropecuários como a cana-de-açúcar,
impõe trade-offs competitivos adicionais sobre os caminhos a serem trilhados pela produção agropecuária na
indústria e no comércio (o que é evidenciado pelos debates “fuel versus food”)99.
Do ponto de vista do comércio internacional, o maior desafio imposto pela segurança alimentar é definido
pelas diferenças nacionais em termos de oferta e demanda de produtos agropecuários e alimentos no futuro,
isto é, pela capacidade de autossuficiência e geração de excedentes exportáveis.
A partir dos dados expostos no Quadro 89, a seguir, é possível evidenciar a evolução das exportações mun-
diais de produtos agropecuários desde 1961. Embora as exportações tenham perdido espaço na pauta de bens
comercializados mundialmente (de 23,7%, em 1961, para 7,3%, em 2012), o valor delas expandiu-se, em termos
reais, 3,4% ao ano no período selecionado. Em termos de produtos, trigo, soja, milho, açúcar, bebidas, óleos
vegetais, cevada, arroz e carnes ampliaram significativamente o volume comercializado internacionalmente
(Quadro 90).
99 Ver, a respeito, High Level Panel of Experts on Food Security and Nutrition (HLPE) (2013). Biofuels and food security. A report by the High Level Panel of Experts on Food Security and Nutrition of the Committee on World Food Security. Roma. Disponível em: <http://www.fao.org/fileadmin/user_upload/hlpe/hlpe_documents/HLPE_Reports/HLPE-Report-5_Biofuels_and_food_security.pdf>. Acesso em: 18/06/2015.
146
Quadro 89
EVOLUÇÃO DO VALOR E DA PARTICIPAÇÃO DAS EXPORTAÇÕES MUNDIAIS DE PRODUTOS AGROPECUÁRIOS NO COMÉRCIO
INTERNACIONAL (EM US$ TRILHÕES DE 2015)
0,3 0,3
0,7 0,6 0,6
1,2
1,4
23,7%
16,5%
11,6% 9,3%
6,4% 7,1% 7,3%
0,0
0,2
0,4
0,6
0,8
1,0
1,2
1,4
1,6
1961 1970 1980 1990 2000 2010 2012
US
$ t
rilh
ões
VALOR DAS EXPORTAÇÕES PARTICIPAÇÃO NO COMÉRCIO DE BENS
Nota: valores deflacionados pelo Consumer Price Index – CPI. Elaboração: Think Agro.
Fonte: FAO.
Quadro 90
EVOLUÇÃO DA QUANTIDADE EXPORTADA DE PRODUTOS AGROPECUÁRIOS SELECIONADOS
39
,5
14,0
4,2
20
,1
7,8
3,0
7,2
6,3
3,5
164
,6
120
,4
96
,9
59
,3
66
,3
74
,5
28
,5
39
,8
42,8
0
20
40
60
80
100
120
140
160
180
Trigo Milho Soja Açúcar Bebidas ÓleosVegetais
Cevada Arroz Carnes
Milh
ões
de t
on
ela
das
1961 1970 1980 1990 2000 2010 2012
Elaboração: Think Agro. Fonte: FAO.
Em grande parte, a oferta é dada pelas dotações naturais (área agricultável, clima, solo) e o desempenho do
agronegócio (produtividade, tecnologia etc.), ao passo que a demanda doméstica está vinculada à dinâmica
demográfica e socioeconômica da população de cada país. Além disso, devem ser consideradas as estratégias
nacionais de integração às CGVs – associadas à especialização produtiva em segmentos e etapas industriais.
147
Esta inserção, aliada às condições de autossuficiência de alguns mercados, oferece aos grandes países produ-
tores e exportadores líquidos uma vantagem importante nas negociações comerciais futuras.
Como é possível evidenciar no Quadro 91, desde 1961, os países asiáticos ampliaram significativamente seu
déficit na balança comercial de produtos agropecuários, ao passo que os países americanos (sobretudo os
países latino-americanos, responsáveis por 65,7% do superávit regional) consolidaram-se como os maiores
exportadores líquidos mundiais destes produtos.
Quadro 91
EVOLUÇÃO DO SALDO COMERCIAL DE PRODUTOS AGROPECUÁRIOS, POR REGIÃO (EM US$ BILHÕES DE 2015)
29,8
108,3
11,2
56,6
16,0
41,8
-85,7
-8,2
17,4
-41,8
-9,0
-186,7
-250
-200
-150
-100
-50
0
50
100
150
1961 2012
US
$ b
ilhõ
es
AMÉRICA LATINA E CARIBE AMÉRICA DO NORTE OCEANIA EUROPA ÁFRICA ÁSIA
Nota: valores deflacionados pelo Consumer Price Index – CPI. Elaboração: Think Agro.
Fonte: FAO.
A expectativa é de que se observe, nas próximas décadas, uma significativa expansão dos fluxos mundiais de
commodities agrícolas e alimentos, sobretudo no comércio entre países em desenvolvimento, nos quais se es-
peram maiores avanços demográficos e socioeconômicos. Diante das ameaças à segurança alimentar, diversos
países têm adotado políticas e estratégicas voltadas para a promoção da autossuficiência e a consolidação
de parcerias internacionais de comércio e investimento, com foco no abastecimento interno de alimentos e
produtos agropecuários. É o caso notável da China, analisada na próxima seção.
148
3.4 A ASCENSÃO DA CHINA E SEUS IMPACTOS
NO COMÉRCIO INTERNACIONAL
A ascensão da China como potência econômica é um fenômeno mundial que se vincula, direta ou indiretamente,
a todos os fatores e tendências de aprofundamento recente da globalização, particularmente no que se refere
ao desenho e à consolidação das CGVs100.
Desde o início das reformas econômicas, em 1978, o país – então eminentemente agrário – passou por um
gradual processo de abertura e desenvolvimento econômico, calcado, no plano interno, em um plano de
reforma agrária (extinguindo-se as comunas agrárias e instalando, em seu lugar, um sistema de “contratos
de responsabilidade”, nova modalidade de organização coletiva a partir da qual as famílias poderiam dispor
livremente de 90% de sua produção, destinando o restante ao Estado) e liberalização de salários e preços; e,
no âmbito externo, pela gradual abertura de certas regiões e localidades do país a investimentos estrangeiros
e ao comércio internacional (“open door policy”). Entre seus objetivos, a estratégia colaboraria diretamente
para a industrialização e a geração de empregos do país, impulsionando as exportações chinesas e a geração
de saldos positivos na balança comercial.
Os resultados do programa chinês de reformas são evidenciados pelo excepcional desempenho da economia
chinesa entre 1980 e 2013, crescendo, em média, 9,9% ao ano. Dados do Quadro 92 indicam que o percentual
é mais de três vezes superior à média mundial no período.
Quadro 92
EVOLUÇÃO DA TAXA DE CRESCIMENTO ANUAL MÉDIA DO PIB REAL, POR PERÍODO
3,9%
6,2%
9,3%
10,4% 10,5%
8,2%
9,9%
5,4%
3,8% 3,2% 2,8% 2,6% 2,4% 2,8%
1960/70 1970/80 1980/90 1990/00 2000/10 2010/13 1980/13
CHINA MÉDIA MUNDIAL
Elaboração: Think Agro. Fonte: World Bank.
100 Uma análise mais apurada sobre o ambiente interno e as transformações em curso na China está disponível no quarto capítulo deste estudo.
149
Em boa medida, esse processo, marcado pela progressiva transição do modelo econômico nacional para uma
economia de mercado, foi centrado em grandes ondas de investimento produtivo e em infraestrutura: dois
aspectos que, combinados, colaboraram para acelerar significativamente as mudanças estruturais no país, tanto
no que se refere ao grau de industrialização, quanto no que se refere ao perfil sociodemográfico e econômico
do país.
A evolução dos investimentos no país pode ser inferida a partir da expansão da taxa de Formação Bruta de
Capital Fixo (FBCF) ao longo de todo o período, cujos dados são expostos no Quadro 93, apresentado a seguir.
Em 2013, pico da série, a taxa de FBCF alcançou o patamar recorde de 47,3% do PIB chinês.
Quadro 93
EVOLUÇÃO DA FORMAÇÃO BRUTA DE CAPITAL FIXO (FBCF) COMO PROPORÇÃO AO PIB (%) NA CHINA
47,3
22,0
10
15
20
25
30
35
40
45
50
196
0
196
1 19
62
196
3
196
4
196
5
196
6
196
7
196
8
196
9
1970
19
71
1972
1973
19
74
19
75
19
76
19
77
1978
19
79
19
80
19
81
198
2
198
3
198
4
198
5
198
6
198
7
198
8
198
9
199
0
199
1 19
92
199
3
199
4
199
5
199
6
199
7
199
8
199
9
20
00
20
01
20
02
20
03
20
04
20
05
20
06
20
07
20
08
20
09
20
10
20
11
20
12
20
13
CHINA MUNDO
Elaboração: Think Agro. Fonte: World Bank.
O esforço industrializante foi reforçado pela entrada de capitais estrangeiros no país. De acordo com dados
da UNCTAD, apresentados no Quadro 94, embora o fluxo de IED tenha se tornado positivo a partir de 1979 –
primeiro ano em que as reformas entraram em vigor –, a entrada de capitais nesta modalidade ganhou impulso
importante a partir da década 1990, colaborando para tornar a China um dos maiores receptores de IED no
mundo. A partir dos anos 2000, com a maturação destes investimentos e a integração da China à OMC, o país
passa, também, a exportar capitais e investimentos para outros países.
Em boa medida, o influxo de capitais externos foi favorecido pelas vantagens comparativas e fiscais oferecidas
pelo governo chinês, sobretudo por meio das chamadas Zonas Econômicas Especiais (ZEEs), condição pro-
gressivamente estendida a novas localidades do país (caso, por exemplo, da Ilha de Hainan e outras quatorze
cidades costeiras, ao longo dos anos 80).
150
Quadro 94
EVOLUÇÃO DO FLUXO ANUAL DE IED NA CHINA (EM US$ BILHÕES DE 2015)
-150
-100
-50
0
50
100
150
19
79
19
80
19
81
198
2
198
3
198
4
198
5
198
6
198
7
198
8
198
9
199
0
199
1 19
92
199
3
199
4
199
5
199
6
199
7
199
8
199
9
20
00
20
01
20
02
20
03
20
04
20
05
20
06
20
07
20
08
20
09
20
10
20
11
20
12
20
13
ENTRADA SAÍDA FLUXO LÍQUIDO
Nota: valores deflacionados pelo Consumer Price Index – CPI. Elaboração: Think Agro.
Fonte: UNCTAD.
Como principal resultado dos investimentos, a estrutura econômica chinesa sofreu grandes transformações
nas últimas décadas, passando de uma economia predominantemente agrária para uma das economias com
maior participação da indústria no PIB no mundo (Quadro 95), com 43,9% do seu valor adicionado derivado
da atividade industrial. Atualmente, a produção agropecuária é responsável por apenas 10,0% do valor adicio-
nado no PIB chinês.
Quadro 95
EVOLUÇÃO DA COMPOSIÇÃO DO PIB CHINÊS EM TERMOS DE VALOR ADICIONADO, DE 1961 A 2013 (%)
32,0 46,1
31,9
43,9
36,2
10,0
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
196
1 19
62
196
3
196
4
196
5
196
6
196
7
196
8
196
9
1970
19
71
1972
1973
19
74
19
75
19
76
19
77
1978
19
79
19
80
19
81
198
2
198
3
198
4
198
5
198
6
198
7
198
8
198
9
199
0
199
1 19
92
199
3
199
4
199
5
199
6
199
7
199
8
199
9
20
00
20
01
20
02
20
03
20
04
20
05
20
06
20
07
20
08
20
09
20
10
20
11
20
12
20
13
AGRICULTURA INDÚSTRIA SERVIÇOS
Elaboração: Think Agro. Fonte: World Bank.
151
Vale destacar, nesse âmbito, a mudança no padrão de especialização da produção manufatureira e das exportações
chinesas. Inicialmente associada à indústria têxtil e de vestuário, a China passou a se destacar, cada vez mais, em
setores mais inovativos e intensivos em tecnologia, voltados para a produção de equipamentos e componentes
eletrônicos, produtos de telecomunicações e circuitos integrados. O impacto deste novo padrão de especialização
da indústria chinesa reflete-se na evolução da participação da China nas exportações mundiais de produtos de alta
tecnologia, apresentada no Quadro 96, a seguir.
Quadro 96
EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DE PAÍSES SELECIONADOS NAS EXPORTAÇÕES MUNDIAIS DE PRODUTOS DE ALTA TECNOLOGIA
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
35%
40%
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
ESTADOS UNIDOS UNIÃO EUROPEIA JAPÃO CHINA
Nota: exportações de alta tecnologia são produtos com alta intensidade de P&D, como indústria aeroespacial, computadores, produtos farmacêuticos, instrumentos científicos e equipamentos elétricos.
Elaboração: Think Agro. Fonte: World Bank.
Como se pode notar, o processo de modernização econômica também implicou a expansão do setor de ser-
viços, que ganhou espaço crescente na economia chinesa desde meados da década de 1980. Em boa medida,
tal como na experiência pioneira de outros países asiáticos, como Japão e os Tigres Asiáticos (Coreia do Sul
e Cingapura), esse fenômeno encontra-se na esteira da rápida urbanização da população, propelida pela de-
manda crescente por mão de obra das novas indústrias e pela migração de trabalhadores do campo, em busca
de melhores salários.
De fato, como mostra o Quadro 97, mais da metade da população chinesa – 1,4 bilhão de pessoas (cerca de
20% dos habitantes do mundo) – vive atualmente em território urbano. Destacam-se, entre as cidades mais
populosas do mundo: Xangai (23,7 milhões), Pequim (20,2 milhões), Chongqing (13,3 milhões), Guangzhou
(12,5 milhões) e Tianjin (11,2 milhões).
152
Quadro 97
EVOLUÇÃO DAS POPULAÇÕES CHINESA E MUNDIAL (EM BILHÕES DE PESSOAS)
2,0 2,4 2,9 3,5 4,2 4,8 5,6 5,9 6,3 7,0 7,6 8,2
0,5 0,7
0,8 1,0
1,2 1,3
1,4 1,4
1,4 1,5
1,4 1,4
2,5 3,0
3,7 4,4
5,3 6,1
6,9 7,3
7,7 8,4
9,0 9,6
0
2
4
6
8
10
12
195
0
196
0
1970
198
0
199
0
20
00
20
10
20
15*
20
20
*
20
30
*
20
40
*
20
50
*
CHINA RESTANTE DO MUNDO
Nota: * a partir de 2015, projeção. Elaboração: Think Agro.
Fonte: United Nations Department of Economic and Social Affairs – Population Division.
Ainda que permaneça abaixo do patamar dos países desenvolvidos (a média dos países da OCDE é 80%),
estimativas das Nações Unidas dão conta de que, até 2050, 75,8% dos chineses viverão em cidades – o equi-
valente a 1,05 bilhão de pessoas (Quadro 98).
Quadro 98
EVOLUÇÃO DA TAXA DE URBANIZAÇÃO DA POPULAÇÃO CHINESA ENTRE 1950 E 2050 (%)
11,8 16,2 17,4 19,4
26,4
35,9
49,2
55,6 61,0
68,7 72,8
75,8
0
10
20
30
40
50
60
70
80
195
0
196
0
1970
198
0
199
0
20
00
20
10
20
15*
20
20
*
20
30
*
20
40
*
20
50
*
Nota: * a partir de 2015, projeção. Elaboração: Think Agro.
Fonte: United Nations Department of Economic and Social Affairs – Population Division.
153
De toda forma, a conjunção do crescimento demográfico com o aumento da urbanização da população ex-
pandiu de forma considerável a oferta de mão de obra, a baixo custo, nas grandes cidades chinesas. A força
de trabalho chinesa, anteriormente concentrada nas atividades do campo (74,4%), passa a residir progressi-
vamente no meio urbano (Quadro 99).
Quadro 99
EVOLUÇÃO DA FORÇA DE TRABALHO NA CHINA, POR SETOR
0,0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
198
0
198
1
198
2
198
3
198
4
198
5
198
6
198
7
198
8
198
9
199
0
199
1
199
2
199
3
199
4
199
5
199
6
199
7
199
8
199
9
20
00
20
01
20
02
20
03
20
04
20
05
20
06
20
07
20
08
20
09
20
10
20
11
20
12
20
13
Bilh
ões
TODOS OS SETORES AGRICULTURA
60,5% 74,4%
Elaboração: Think Agro. Fonte: UNCTAD.
A partir dessas transformações, é possível, também, identificar a estratégia de integração da China na economia
internacional como duplo polo da economia mundial101. Nesse sentido, o conjunto de vantagens comparativas
radicadas no país, incluindo uma generosa e barata força de trabalho, aliado à disponibilidade de recursos e
incentivos concedidos pelo governo chinês, transformou a economia chinesa em uma grande nação industrial,
responsável por atrair para seu território e arredores uma parcela significativa da atividade manufatureira mundial.
O impacto da economia chinesa sobre o comércio internacional pode ser inferido, em primeiro lugar, a partir
do tamanho da economia chinesa e de sua participação nas exportações e importações mundiais, isto é, pela
capacidade da economia chinesa de influenciar a demanda e a oferta mundial de bens, serviços e ativos e, com
isso, os preços e os padrões de troca entre os países. Como se pode notar no Quadro 100, a participação do
PIB chinês na economia mundial, em termos de paridade de poder de compra, elevou-se de cerca de 4%, no
início da década de 1990, para 15,7%, em 2013. Em termos per capita (PPP), isso implica que a renda per capita
do chinês expandiu-se em sete vezes ao longo do período, atingindo, em 2013, 82,6% da média mundial (ou
cerca de US$ 11,9 mil).
101 Ver, a respeito, MEDEIROS, C. A. (2006). A China como um Duplo Polo na Economia Mundial e a Recentralização da Economia Asiática. Revista de Economia Política, v. 26, nº 3 (103), pp. 381-400. Jul-Set. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rep/v26n3/a04v26n3.pdf>. Acesso em: 14/06/2015.
154
Quadro 100
PARTICIPAÇÃO DO PIB CHINÊS NO PIB MUNDIAL, POR PARIDADE DE PODER DE COMPRA – PPP (%)
15,7
2
4
6
8
10
12
14
16
18
199
0
199
1
199
2
199
3
199
4
199
5
199
6
199
7
199
8
199
9
20
00
20
01
20
02
20
03
20
04
20
05
20
06
20
07
20
08
20
09
20
10
20
11
20
12
20
13
Elaboração: Think Agro. Fonte: World Bank.
Em termos de comércio exterior, as participações da China nas exportações e importações mundiais corres-
pondem, atualmente, a 9,7% e 10,4% do total, respectivamente; são percentuais significativos considerando-se
que, em 1982, a China respondia por menos de 1% do fluxo comercial mundial (Quadro 101).
Quadro 101
EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO CHINESA NAS EXPORTAÇÕES E IMPORTAÇÕES MUNDIAIS
-0,8%
-10,4%
0,6%
9,7%
-15%
-10%
-5%
0%
5%
10%
15%
198
2
198
3
198
4
198
5
198
6
198
7
198
8
198
9
199
0
199
1
199
2
199
3
199
4
199
5
199
6
199
7
199
8
199
9
20
00
20
01
20
02
20
03
20
04
20
05
20
06
20
07
20
08
20
09
20
10
20
11
20
12
20
13
EXPORTAÇÕES IMPORTAÇÕES
Elaboração: Think Agro. Fonte: World Bank.
155
Com a gradual liberalização da economia chinesa e sua integração na economia mundial, o grau de abertura
do país, medido como fluxo comercial em relação ao PIB, elevou-se de 15%, em 1982, para 50,3%, em 2013
(Quadro 102).
Quadro 102
EVOLUÇÃO DO GRAU DE ABERTURA DA ECONOMIA CHINESA (%)
50,3
0
10
20
30
40
50
60
70
80
198
2
198
3
198
4
198
5
198
6
198
7
198
8
198
9
199
0
199
1
199
2
199
3
199
4
199
5
199
6
199
7
199
8
199
9
20
00
20
01
20
02
20
03
20
04
20
05
20
06
20
07
20
08
20
09
20
10
20
11
20
12
20
13
EXPORTAÇÕES/PIB IMPORTAÇÕES/PIB COMÉRCIO/PIB
ADMISSÃO DA CHINA NA OMC CRISE INTERNACIONAL
Elaboração: Think Agro. Fonte: World Bank.
De fato, a entrada da China na OMC, em 2001, trouxe significado crucial sobre os fluxos comerciais do país,
ampliando a parcela da produção chinesa destinada ao intercâmbio internacional. O grau de abertura recorde
foi registrado em 2006, previamente à eclosão da crise internacional, quando as importações e as exportações
chinesas corresponderam a cerca de 70% do valor do PIB chinês – patamar inédito para países deste porte.
O peso crescente da China na economia e no comércio mundiais impôs transformações importantes na relação
entre os países, seja do ponto de vista produtivo, a partir da reorganização e do aprofundamento das CGVs,
seja do ponto de vista dos fluxos internacionais, tendo como referência o grau de complementaridade do
padrão de troca dos países. Nesse sentido, países cuja pauta de exportação/importação é compatível com a
chinesa tendem a fortalecer seus laços internacionais, ao passo que países/setores que concorrem com pro-
dutos chineses tendem a enfrentar dificuldades para concorrer, seja no mercado interno ou no internacional.
Em primeiro lugar, é necessário considerar a expansão da demanda chinesa, derivada da necessidade de am-
pliar sua infraestrutura e abastecer o gigantesco parque industrial chinês, responsável, atualmente, por mais
de 20% da produção manufatureira mundial, segundo dados do Banco Mundial (Quadro 103).
156
Quadro 103
EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DA CHINA NO VALOR ADICIONADO DA PRODUÇÃO MANUFATUREIRA MUNDIAL
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
35%
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
ESTADOS UNIDOS UNIÃO EUROPEIA JAPÃO CHINA
Elaboração: Think Agro. Fonte: World Bank.
Nesse âmbito, destaca-se a demanda crescente por produtos primários no comércio internacional, ilustrada
pelo aumento do déficit comercial nesta categoria de produtos (Quadro 104). Em dólares de 2015, o saldo
deficitário da balança comercial de commodities primárias (combustíveis, metais e minérios e matérias-primas
agropecuárias) passou de US$ 10 bilhões para US$ 550 bilhões entre 1995 e 2013. O saldo total de alimentos
(comida e animais vivos; bebidas e tabaco; óleos e gorduras animais e vegetais; sementes, nozes e caroços
de oleaginosas) passou de um saldo positivo de cerca de US$ 4,8 bilhões para um déficit de US$ 39,3 bilhões
no mesmo período.
Isso ocorreu a despeito da China ter se tornado um dos maiores produtores mundiais de produtos agrícolas
(como arroz, trigo e milho), de minérios (ferro) e de combustíveis (petróleo), dado que os novos e crescen-
tes patamares de consumo doméstico excederam, em diversos casos, a capacidade produtiva e os recursos
disponíveis do país.
157
Quadro 104
EVOLUÇÃO DO SALDO COMERCIAL CHINÊS, POR CATEGORIA DE PRODUTO, ENTRE 1995 E 2013 (EM US$ BILHÕES DE 2015)
56,2
-20,6
9,1
-11,8
0,4 4,8
-6,5 -4,3
0,3
450,7
209,4 174,1
130,2
-7,4 -39,3 -57,5
-206,4
-285,9 -400
-300
-200
-100
0
100
200
300
400
500
Manufaturasintensivas em
trabalho erecursosnaturais
Manufaturasde médiasintensidade
tecnológica equalificaçãodo trabalho
Manufaturasde baixas
intensidadetecnológica equalificaçãodo trabalho
Manufaturasde altas
intensidadetecnológica equalificaçãodo trabalho
Pérolas, pedraspreciosas
e ouronão monetário
Alimentos ebebidas
Matérias-primas agropecuárias
Minérios emetais
Combustíveis
US
$ b
ilhõ
es
1995 2013
Nota: valores deflacionados pelo Consumer Price Index – CPI. Elaboração: Think Agro.
Fonte: UNCTAD.
Como se pode observar no Quadro 105, parte dessa nova e crescente demanda refletiu-se no aumento do
preço das commodities primárias, sobretudo minérios e bens agropecuários não processados.
Quadro 105
EVOLUÇÃO DOS PREÇOS REAIS DAS COMMODITIES AGRÍCOLAS E DOS MINERAIS E METAIS (ÍNDICE BASE 100 = 2001)
50
100
150
200
250
300
198
0
198
1
198
2
198
3
198
4
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5
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6
198
7
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0
199
1
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5
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199
7
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8
199
9
20
00
20
01
20
02
20
03
20
04
20
05
20
06
20
07
20
08
20
09
20
10
20
11
20
12
20
13
20
14
AGRÍCOLAS MINERAIS E METAIS
ADMISSÃO DA CHINA NA
OMC
CRISE
INTERNACIONAL
Elaboração: Think Agro. Fonte: World Bank.
158
Em compensação, no mesmo período, a China expandiu o superávit no âmbito de bens manufaturados de US$
21, 2 bilhões para US$ 949,1 bilhões, o suficiente para contrapesar o valor das importações. Além de consolidar
a posição como exportadora de produtos manufaturados intensivos em trabalho e de baixa intensidade tec-
nológica, a China observou a contribuição de bens de média ou alta intensidade tecnológica converter-se de
um déficit de US$ 20,8 bilhões para um superávit de US$ 333,2 bilhões. Parte desta expansão deu-se à custa
da produção manufatureira de outros países, cujos parques industriais e condições de competitividade são
incapazes de competir em pé de igualdade com as manufaturas chinesas.
Segundo dados expressos no Quadro 106, o comércio de bens entre a China e o restante do mundo cresceu
13,4% ao ano, entre 1995 e 2013, desempenho quase três vezes superior ao verificado no comércio entre os
demais países do mundo (5,0% ao ano). Em destaque, os maiores crescimentos foram observados no comércio
entre China e países em transição (16,1% ao ano) e em desenvolvimento (15,1% ao ano), a exemplo dos países
africanos (21,9% ao ano) e com o Brasil (20,7% ao ano).
Quadro 106
COMPARATIVO DA TAXA DE CRESCIMENTO MÉDIA ANUAL DO FLUXO COMERCIAL DE BENS ENTRE CHINA
E PARCEIROS SELECIONADOS, DE 1995 A 2013
5,4%
13,4%
5,0%
11,6%
15,1% 16,1%
7,5%
14,3%
21,9% 20,7%
12,5% 12,8%
16,8%
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Dem
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país
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Nota: valores deflacionados pelo Consumer Price Index – CPI. Elaboração: Think Agro.
Fonte: UNCTAD.
Como resultado, dados dispostos no Quadro 107 evidenciam a recente reconfiguração nas parcerias regionais
da China: os países desenvolvidos perderam participação no intercâmbio de bens (de 54,0% para 40,3%), ao
passo que os países em desenvolvimento e em transição ampliaram sua fatia de 42,8% para 55,9% e de 2,5%
para 3,8%, respectivamente. Mais especificamente, consolidaram sua participação nos fluxos internacionais
de bens e mercadorias os países da Ásia em desenvolvimento (como Coreia do Sul, Cingapura, Índia, Malásia,
Filipinas, Tailândia, Indonésia etc.), ao passo que os países africanos e o Brasil ampliaram ligeiramente sua fatia
entre 1995 e 2013.
159
Esse cenário (expansão do comércio Sul-Sul102), que corrobora o papel polarizador da China no aprofundamento
recente das CGVs, encontra-se atrelado à redução das barreiras tarifárias e à formação de acordos regionais.
Quadro 107
PARTICIPAÇÃO DE PAÍSES E REGIÕES NO FLUXO COMERCIAL COM A CHINA
54,0%
42,8%
2,5%
20,6%
39,2%
1,4% 0,7%
14,5% 15,0%
8,6%
40,3%
55,9%
3,8% 7,8%
44,5%
5,1% 2,2%
12,6% 13,4% 14,5%
1995 2013
País
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Dem
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país
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Nota: valores deflacionados pelo Consumer Price Index – CPI. Elaboração: Think Agro.
Fonte: UNCTAD.
Em termos de pauta (Quadro 108), a expansão do fluxo comercial deu-se de forma similar entre commodities
primárias (crescimento de 13,3% ao ano) e bens manufaturados (12,4% ao ano). Mais especificamente, desta-
caram-se no intercâmbio comercial chinês: combustíveis (17,4% ao ano), minérios e metais (16,6% ao ano) e
bens de alta intensidade tecnológica (15,2% ao ano).
102 Ver, a respeito, UNCTAD (2008). South-South Trade in Asia: the Role of Regional Trade Agreements. Disponível em: <http://unctad.org/en/Docs/ditctabmisc20082_en.pdf>. Acesso em: 20/06/2015.
160
Quadro 108
COMPARATIVO DA TAXA DE CRESCIMENTO MÉDIO ANUAL DO COMÉRCIO EXTERNO DE BENS DA CHINA, POR CATEGORIA, ENTRE 1995 E 2013
12,6% 13,3%
9,2% 9,0%
16,6% 17,4%
12,4%
15,2%
9,1% 10,4%
12,1% 12,6%
T
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ais
ben
s
Nota: valores deflacionados pelo Consumer Price Index – CPI. Elaboração: Think Agro.
Fonte: UNCTAD.
Sob uma ótica compositiva, a pauta do comércio da China difere no que se refere ao conjunto de países par-
ceiros. No intercâmbio com países desenvolvidos (Quadro 109), por exemplo, o fluxo comercial é dominado,
atualmente, por manufaturados (81,2%), com uma distribuição equitativa entre bens de baixa intensidade tec-
nológica/intensivos, bens de média intensidade tecnológica e bens de alta intensidade tecnológica.
Quadro 109
COMPOSIÇÃO DA PAUTA DE COMÉRCIO EXTERIOR DA CHINA COM PAÍSES DESENVOLVIDOS, ENTRE 1995 E 2013
3,9%
25,2%
26,7%
8,8%
23,1%
2,2% 2,8% 7,4% 3,3%
32,6%
26,4%
6,4%
15,9%
1,7% 6,5% 4,3% 2,4%
1995 2013
MATÉRIAS-PRIMAS AGROPECUÁRIAS
ALIMENTOS E BEBIDAS
MINÉRIOS E METAIS
COMBUSTÍVEIS
INTENSIVO EM TRABALHO/RECURSOS
BAIXA INTENSIDADE TECNOLÓGICA
MÉDIA INTENSIDADE TECNOLÓGICA
ALTA INTENSIDADE TECNOLÓGICA
OUTROS
83,7%
15,7%
81,2%
14,9%
Elaboração: Think Agro. Fonte: UNCTAD.
161
Com relação ao fluxo comercial da China com países em desenvolvimento, a pauta inclui maior participação
das commodities primárias (22,4%), sobretudo combustíveis (11,7%) e minérios e metais (5,8%). Embora as
manufaturas representem três quartos do fluxo total, diferentemente da relação com os países desenvolvidos,
a maior parte do comércio está relacionada a bens de alta intensidade tecnológica.
Quadro 110
COMPOSIÇÃO DA PAUTA DE COMÉRCIO EXTERIOR DA CHINA COM PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO, ENTRE 1995 E 2013
22,6%
16,2%
9,9%
29,8%
5,8% 3,3% 8,0% 3,4%
2,2%
43,4%
15,2%
6,1%
10,7%
11,7%
5,8% 3,6% 1,4%
1995 2013
MATÉRIAS-PRIMAS AGROPECUÁRIAS
ALIMENTOS E BEBIDAS
MINÉRIOS E METAIS
COMBUSTÍVEIS
INTENSIVO EM TRABALHO/RECURSOS
BAIXA INTENSIDADE TECNOLÓGICA
MÉDIA INTENSIDADE TECNOLÓGICA
ALTA INTENSIDADE TECNOLÓGICA
OUTROS
78,4%
20,5%
75,4%
22,4%
Elaboração: Think Agro. Fonte: UNCTAD.
Apesar de responderem por apenas uma pequena parcela do valor do fluxo comercial chinês, os produtos do
agronegócio (matérias-primas agropecuárias, alimentos e bebidas) desempenham um papel fundamental para
a economia chinesa.
Isso porque a segurança alimentar manteve-se como um dos pilares da agenda do governo chinês: ainda que as
metas de autossuficiência alimentar tenham sido relaxadas nas últimas duas décadas, o atendimento da crescente
demanda doméstica por commodities agropecuárias, seja para consumo humano, para criação de animais ou para
produção de energia (biocombustíveis), é constantemente reiterado como uma importante questão estratégica.
Por isso, o governo chinês mantém políticas ativas de autossuficiência em produtos como arroz, trigo e milho.
Por outro lado, diante dos crescentes padrão e poder de consumo do chinês (com impacto sobre a demanda
por carnes e laticínios) e das restrições de terras aráveis e irrigáveis no país, somados às mudanças climáticas
em curso, os últimos anos têm marcado uma maior mobilização do governo chinês em busca de parcerias co-
merciais, no sentido de ampliar a oferta interna destes produtos. O impacto do ingresso da China na OMC, em
2001, refletido na redução das tarifas e do protecionismo do setor agrícola, permitiu a formação de grandes
corredores de fornecimento, tendo à frente países como Brasil.
O Quadro 111, a seguir, apresenta a evolução recente da participação chinesa nas importações mundiais de
commodities primárias, em valor. Como se pode notar, o período recente marcou uma grande elevação nas
importações destes produtos, particularmente de matérias-primas agropecuárias (23,2% das importações
162
mundiais) e minérios e metais (28,7%). É o caso, por exemplo, de produtos como soja, frutas tropicais, tabaco,
carnes e fibras têxteis (algodão).
Quadro 111
EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DA CHINA NAS IMPORTAÇÕES MUNDIAIS DE COMMODITIES E PRODUTOS PRIMÁRIOS, ENTRE 1995 E 2013
2,2% 4,6%
2,0% 3,1%
1,4%
11,6%
23,2%
6,8%
28,7%
9,5%
Commoditiesprimárias
Matérias-primasagropecuárias
Alimentos e bebidas Minérios e metais Combustíveis
1995 2013
Elaboração: Think Agro. Fonte: UNCTAD.
Com efeito, é possível afirmar que a emergência da China como um grande player mundial influenciou de for-
ma decisiva a distribuição e o volume dos fluxos internacionais de bens e serviços, tanto no que se refere às
commodities primárias, como às manufaturas.
O programa chinês de abertura limitada e gradual da economia chinesa, aliado à promoção ativa da indústria por
meio do tratamento preferencial para o ingresso de capital externo, colaborou para transformações estruturais
importantes, tanto no que se refere à economia doméstica, quanto às CGVs. Nesse âmbito, países e setores
que melhor se integraram ao novo perfil da dinâmica internacional foram favorecidos no âmbito do comércio
internacional, ao passo que setores e países que disputaram com a China a demanda global, sobretudo por
produtos industriais, reduziram sua participação na economia e no comércio mundial.
163
3.5 OS ACORDOS COMERCIAIS E A NOVA
AGENDA DAS NEGOCIAÇÕES
Como explicitado anteriormente, as regras e as negociações comerciais no âmbito do GATT/OMC, realizadas
ao longo das últimas sete décadas, foram fundamentais para impulsionar o comércio mundial entre os países,
expandido as suas possibilidades de crescimento e desenvolvimento por meio do intercâmbio de bens e ser-
viços com nações parceiras.
Em síntese, esse processo deu-se por meio de três vias principais: (i) pela expressiva redução das barreiras
tarifas, com base em negociações multilaterais; (ii) pela fixação permanente de tarifas (tariff binding), pelo com-
promisso de não elevação futura das tarifas pelos países; e (iii) pela prevenção e pelo combate à proliferação
de barreiras não tarifárias, como as cotas à importação. Além do compromisso das partes integrantes, as regras
da OMC admitiram, também, a flexibilidade institucional necessária para que as regras de reciprocidade fossem
calibradas, especialmente no que se refere ao tratamento especial/diferenciado para países em desenvolvimento.
Como evidenciado no Quadro 112, a seguir, a partir da criação da OMC, ao final da Rodada Uruguai do GATT (1994),
as barreiras tarifárias aplicadas ao comércio foram sistematicamente reduzidas para todas as categorias de produtos
em todo o mundo, com base nos princípios de tratamento nacional e não discriminação (Nação Mais Favorecida).
Quadro 112
EVOLUÇÃO DAS TARIFAS MÉDIAS APLICADAS* ÀS IMPORTAÇÕES POR CATEGORIA DE PRODUTO (%)
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
1994 1995 2000 2005 2010 2013
TODOS OS PRODUTOS (MÉDIA PONDERADA) MATÉRIAS-PRIMAS BENS DE CAPITAL
BENS INTERMEDIÁRIOS BENS DE CONSUMO
Nota: * o sistema WITS utiliza o conceito de tarifa efetivamente aplicada (AHS – weighted average), definido a partir da menor tarifa aplicada (preferencial ou segundo o princípio da Nação Mais Favorecida).
Elaboração: Think Agro. Fonte: World Integrated Trade Solution (WITS) – World Bank.
Além do estabelecimento multilateral de regras tarifárias e da consequente harmonização do sistema internacio-
nal de comércio, a OMC foi fundamental para a criação de um foro permanente para solução de controvérsias
164
e conflitos regulatórios entre os países-membros, referentes a uma gama temática cada vez mais complexa e
interdependente, que inclui assuntos como dumping, subsídios e outras práticas classificadas como irregulares103.
Segundo dados da OMC, o número de casos de disputa notificados desde a criação do sistema é de 495 (o
equivalente a uma média de aproximadamente 25 casos ao ano), ainda que possa ser evidenciada uma redução
nesta frequência em tempos recentes.
Quadro 113
EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE CASOS DE DISPUTA NA OMC*
25
39
50
41
30 34
23
37
26
19
12
20
13
19 14
17
8
27
20
14
8
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Nota: * até julho de 2015. Elaboração: Think Agro.
Fonte: compilação a partir do site da OMC (requests for consultations).
Em termos de principais países notificados, dados expostos no Quadro 114 indicam que as solicitações de
abertura de solução de conflitos têm se dirigido, primordialmente, aos Estados Unidos, alvo de 124 casos (ou
25% do total), seguido por comunidades formadas por países europeus (65), China (33) e Argentina (22).
103 O sistema de solução de controvérsias da OMC ESC (Dispute Settlement Understanding – DSU, na sigla em inglês) foi criado ao final da Rodada do Uruguai, em 1994, por meio do Anexo 2 do Tratado de Marrakech.
165
Quadro 114
PRINCIPAIS PAÍSES NOTIFICADOS EM CASOS DE DISPUTA NA OMC, DE 1995 A 2015
124
65
33 22 22 18 15 15 15 15 14 13 13 11
101
Est
ad
os
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Ou
tro
s
país
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Elaboração: Think Agro. Fonte: compilação a partir do site da OMC.
Pela ótica dos solicitantes, o Quadro 115 indica que os Estados Unidos também lideram, atualmente, o ranking
da OMC, tendo protocolado individualmente a abertura de 104 casos (21%) contra outras nações e grupos de
países. Outros países que recorrem à OMC para a solução de controvérsias incluem: comunidades de países
europeus (79), Canadá (32) e Brasil (26).
Quadro 115
PRINCIPAIS PAÍSES SOLICITANTES DE ABERTURA DE CASOS DE DISPUTA NA OMC, DE 1995 A 2015
104
79
32 26 19 19 18 18 16 14 13 10 9 9
110
Est
ad
os
Un
ido
s
Co
mu
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eu
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s
Can
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á
Bra
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on
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a
Ch
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Ou
tro
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es
Elaboração: Think Agro. Fonte: compilação a partir do site da OMC.
As rodadas do GATT/OMC foram caracterizadas por três tendências: (i) o aumento do número de países sig-
natários; (ii) o alongamento do período de negociação; e (iii) a expansão da agenda de temas, que excederam
a plataforma inicial do GATT (redução das barreiras tarifárias e fim das barreiras não tarifárias de produtos
industrializados) para incluírem, em seu programa, mais de vinte grupos temáticos, dentre eles: agricultura,
têxteis e vestuário, barreiras técnicas e fitossanitárias, regras de origem, subsídios e salvaguardas, serviços,
propriedade intelectual, investimentos, facilitação de comércio, transparência em compras públicas, acordos
regionais etc.
166
O Quadro 116, apresentado a seguir, ilustra o aumento do número de países-membros (signatários) e a duração
(meses) entre 1947 e 2015.
Quadro 116
DURAÇÃO E NÚMERO DE PAÍSES PARTICIPANTES DE CADA RODADA DO GATT/OMC
7 5 8 5 11
37
74 87
166
23 13
38 26 26
62
102
123 141
161
1947Genebra
1949Annecy
1951Torquay
1956Genebra
1960RodadaDillon
1963RodadaKennedy
1973RodadaTóquio
1986RodadaUruguai
DURAÇÃO (MESES) NÚMERO DE PAÍSES-MEMBROS
2001 2015Rodada de
Doha*
Nota: * como ainda está em curso, a duração da Rodada de Doha foi calculada até julho de 2015. Elaboração: Think Agro.
Fonte: OMC.
Com o maior número de participantes e a diversidade de temas tratados, ampliaram-se de forma significativa a
complexidade e os obstáculos à evolução das negociações na Rodada de Doha, que já se estende por mais de
uma década. Nesse âmbito, a fórmula da proposta abrangente e consensual (single undertaking), inicialmente
aplicada com sucesso na Rodada Uruguai, tem esbarrado em uma série de questões técnicas e sensíveis aos
atuais 161 países membros, tornando-se o principal desafio para a produção de resultados efetivos na desman-
telação de tarifas, restrições administrativas e regimentais que ainda vigoram no comércio mundial.
É importante destacar, nesse âmbito, que a Rodada de Doha objetivava avançar na questão da liberalização
do comércio em temas caros tanto aos países desenvolvidos (bem representados, nesse caso, pelos Estados
Unidos e pela União Europeia), quanto àqueles em desenvolvimento. Nesse sentido, as barreiras tarifárias apli-
cadas aos produtos agropecuários (animais, vegetais e alimentos), em patamares muito superiores à média
geral (Quadro 117), bem como a manutenção de políticas de subsídios em alguns países e setores, permanecem
como alguns dos principais pontos de entrincheiramento dos países nas negociações.
167
Quadro 117
EVOLUÇÃO DAS TARIFAS MÉDIAS APLICADAS* ÀS IMPORTAÇÕES DE PRODUTOS AGROPECUÁRIOS (%)
0
5
10
15
20
25
30
35
1994 1995 2000 2005 2010 2013
TODOS OS PRODUTOS (MÉDIA PONDERADA) ANIMAIS PRODUTOS ALIMENTÍCIOS VEGETAIS COUROS E PELES MADEIRA
Nota: * o sistema WITS utiliza o conceito de tarifa efetivamente aplicada (AHS – weighted average), definido a partir da menor tarifa aplicada (preferencial ou segundo o princípio da Nação Mais Favorecida).
Fonte: World Integrated Trade Solution (WITS) – World Bank.
O último episódio das negociações multilaterais deu-se na Conferência Ministerial de Bali, em dezembro de 2013,
momento em que os membros da OMC reforçaram a dimensão desenvolvimentista desta Rodada, por meio da
inclusão de um acordo de facilitação de comércio – o primeiro em um período de vinte anos – estabelecendo a
liberalização do comércio mediante um prazo para adequação dos programas de segurança alimentar de países
em desenvolvimento às regras da OMC. Mesmo nesse caso, o chamado “Pacote de Bali” não obteve êxito em
sua implantação, meses após ser celebrado, por conta da recusa de alguns países em ratificá-lo, pontificados
pela Índia (África do Sul, Venezuela, Cuba, Bolívia, Equador, Namíbia e Zimbábue).
De fato, as regras atuais do sistema da OMC impõem uma série de vulnerabilidades em termos de possibilidades
de bloqueios e vetos por um pequeno número de países-membros. Em um cenário de diversidade e conflitantes
interesses nacionais, pontuado por oportunidades menos abrangentes de liberalização comercial, ao menos
duas tendências recentes podem ser destacadas: (i) a proliferação de acordos preferenciais e dos chamados
“mega-acordos” de comércio, em paralelo às negociações multilaterais da OMC; e (ii) o aumento do emprego
de barreiras não tarifárias como alternativa protecionista pelos países signatários104.
No primeiro caso, a dificuldade de se avançar nas negociações multilaterais no âmbito da OMC, aliada às opor-
tunidades disponíveis entre parceiros comerciais “naturais” (fronteiriços) ou mesmo com elevada complemen-
taridade no âmbito das CGVs, levou diversos países à formação de blocos e à costura de acordos comerciais
preferenciais. Amparados no Artigo XXIV do GATT, estes acordos são desobrigados em atender internamente o
princípio de Nação Mais Favorecida, permitindo reduções tarifárias apenas entre os países pactuados. Ademais,
104 Ver, a respeito, BALDWIN, R. (2011). 21st Century Regionalism: Filling the gap between Century Regionalism: Filling the gap between 21st century trade and 20st century trade rules. Staff Working Paper ERSD-2011-08.WTO. Disponível em: <https://www.wto.org/english/res_e/reser_e/ersd201108_e.htm>. Acesso em: 14/06/2015.
168
com menor número de partes envolvidas e maior grau de complementaridade econômica, política e comercial
entre os signatários, é maior a disposição em avançar em outros temas105.
Exemplos mais conhecidos destes acordos incluem a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), a
Associação Europeia de Comércio Livre (European Free Trade Association, ou EFTA), a União Europeia (UE), o
Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (North American Free Trade Agreement, ou NAFTA) e o Mercado
Comum do Sul (MERCOSUL), entre outros. Outros acordos podem incluir, eventualmente, uma pauta temática
que inclui outras atividades econômicas e financeiras, como o TiSA106 (Trade in Services Agreement), o EGA
(Environmental Goods Agreement) e o ITA (Information Technology Agreement), cada qual comportando um
número específico de países signatários.
Além destes acordos, vale destacar a formação, nos últimos anos, dos chamados “mega-acordos” comerciais,
envolvendo países e grandes blocos econômicos de grande expressão econômica em uma perspectiva de
livre-comércio. Enquadram-se, nesta categoria, o Acordo de Parceria Econômica Estratégica Trans-Pacífico
(Trans-Pacific Partnership, ou TPP), recentemente firmado entre os principais países da América e da Ásia
(Estados Unidos, Austrália, Brunei, Canadá, Cingapura, Chile, Japão, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru e
Vietnã); o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (Transatlantic Trade and Investment
Partnership, ou TTIP), proposta de acordo de livre-comércio entre a União Europeia e o Estados Unidos; e a
proposta de livre-comércio entre o MERCOSUL e a União Europeia.
Como se pode notar no Quadro 118, o número de acordos regionais de comércio formados ao longo da déca-
da de 1960 permaneceu praticamente estável ao longo das décadas de 1970 e 1980, mas eles ganharam um
enorme impulso a partir do início da década de 1990, notadamente após a criação da OMC.
105 Para uma perspectiva desse cenário, do ponto de vista da política comecial brasileira, ver THORSTENSEN, V. et al. (2013). A multiplicação dos acordos preferenciais de comércio e o isolamento do Brasil. Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial. Disponível em: <http://retaguarda.iedi.org.br/midias/artigos/51d18e9168afa9d0.pdf>. Acesso em: 14/06/2015.
106 Acordo ainda em negociação.
169
Quadro 118
CRONOLOGIA DOS ACORDOS REGIONAIS DE COMÉRCIO (ARCS), DE ACORDO COM O STATUS ATUAL
0
5
10
15
20
25
30
194
9
195
1
195
4
195
6
195
8
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0
196
2
196
4
196
6
196
8
1970
1972
1974
1976
1978
198
0
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2
198
4
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6
198
8
199
0
199
2
199
4
199
6
199
8
20
00
20
02
20
04
20
06
20
08
20
10
20
12
20
14 Nú
mero
de A
RC
s q
ue e
ntr
ara
m e
m v
igo
r p
or
an
o
ATIVOS INATIVOS
Elaboração: Think Agro. Fonte: OMC.
Em termos de tipo de acordo, a maior parte dos acordos ativos na era OMC (pós-1994) refere-se a acordos de
livre-comércio e integração econômica, como fica evidente no Quadro 119, apresentado a seguir.
Quadro 119
CRONOLOGIA DOS ACORDOS REGIONAIS DE COMÉRCIO (ARCS) ATUALMENTE EM VIGOR, DE ACORDO COM TIPO/CATEGORIA, DE 1949 A 2015
0
5
10
15
20
194
9
195
1
195
4
195
6
195
8
196
0
196
2
196
4
196
6
196
8
1970
1972
1974
1976
1978
198
0
198
2
198
4
198
6
198
8
199
0
199
2
199
4
199
6
199
8
20
00
20
02
20
04
20
06
20
08
20
10
20
12
20
14
Nú
mero
de A
RC
s q
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r p
or
an
o
ACORDO DE ESCOPO PARCIAL ACORDO DE INTEGRAÇÃO ECONÔMICA ACORDO DE INTEGRAÇÃO ECONÔMICA E UNIÃO ADUANEIRA
ACORDO DE LIVRE-COMÉRCIO ACORDO DE LIVRE-COMÉRCIO E INTEGRAÇÃO ECONÔMICA
Elaboração: Think Agro. Fonte: OMC.
170
Segundo dados mais atualizados (julho de 2015), apresentados no Quadro 120, o sistema GATT/OMC havia recebido
um total de 503 notificações de acordos de comércio regionais (considerando conjuntamente bens e serviços),
dos quais quase 274 (54,5%) encontravam-se em vigor (in force), 38 (7,6%) anunciados e 191 (38,0%) inativos.
Quadro 120
DISTRIBUIÇÃO DOS ACORDOS REGIONAIS DE COMÉRCIO (ARCS) NOTIFICADOS AO GATT/OMC, POR STATUS E ESCOPO
Inativos38,0%
Ativos54,5%
Anunciados(em negociação)
7,0%
Anunciados(assinados)
0,6%
STATUS
Somente bens67,7%
Bens e serviços31,9% Somente serviços
0,4%
ESCOPO
Elaboração: Think Agro. Fonte: OMC.
No que se refere à categoria (tipo), o Quadro 121 destaca que a maior parte dos acordos ativos, em julho de
2015, referia-se a Acordos de Livre-comércio e Integração Econômica (44,5%) e Acordos de Livre-comércio
(40,5%). Em termos de escopo, a maior parte dos acordos regionais em vigor contemplavam somente bens
(52,2%), ao passo que bens e serviços eram favorecidos por 47,4% dos acordos assinados.
Quadro 121
DISTRIBUIÇÃO DOS ACORDOS REGIONAIS DE COMÉRCIO (ACRS) ATIVOS (IN FORCE) POR TIPO E ESCOPO
Somente serviços0,4%
Acordo de EscopoParcial5,5%
Acordo de IntegraçãoEconômica
0,4%
União Aduaneira6,2%
Acordo de IntegraçãoEconômica e União
Aduaneira
2,9%
Acordo deLivre-comércio
40,5%
Acordo deLivre-comércio e
Integração Econômica
44,5%
TIPO
Somente bens52,2%
Bens e serviços47,4%
ESCOPO
Elaboração: Think Agro. Fonte: OMC.
171
Por fim, no que se refere aos acordos/arranjos preferenciais de comércio107, a OMC contabilizava um total de
27 esquemas, entre esquemas generalizados (GSP), esquemas de acesso preferencial para países menos de-
senvolvidos (LDC) e outros.
Em termos de regramento, o desenvolvimento de negociações regionais/bilaterais paralelas acarreta a sobrepo-
sição, nem sempre isenta de conflitos, de sistemas regulatórios distintos, tendo por base: (i) regras compatíveis
com as já vigentes na OMC, como redução das barreiras tarifárias (“OMC in”); (ii) temas compatíveis com a
agenda da OMC, porém em estágio mais avançado de desenvolvimento, como propriedade intelectual (“OMC
plus”); e (iii) temas emergentes, ainda não contemplados atualmente pela agenda OMC, como investimento,
concorrência, meio ambiente e padrões trabalhistas (“OMC extra”)108.
Se, por um lado, a fragmentação e a multiplicação da malha regulatória a partir de acordos de natureza distinta
tornou-se uma solução factível ao mecanismo de consenso-compromisso da OMC; por outro, elas reforçaram
a assimetria do comércio internacional (majoritariamente, por desvio do comércio), tendo como base o poder
de barganha das grandes economias mundiais, restringindo os esforços para desenvolvimento de um sistema
mais equilibrado e plural.
O desafio da OMC, nesse âmbito, inclui, portanto, não somente avanços nas discussões multilaterais, mas
compatibilizá-las com os inúmeros esquemas regionais estruturados ao longo das últimas décadas. Além dos
novos acordos, uma das tendências ressaltadas anteriormente é a proeminência de barreiras e medidas não
tarifárias, particularmente após a eclosão da crise internacional109. De fato, o declínio das barreiras tarifárias
entre os países, seja por meio das rodadas do GATT/OMC ou por acordos regionais e bilaterais, potencializou
a importância destes instrumentos como modalidade alternativa para controlar o livre fluxo de bens e servi-
ços através de suas fronteiras110. Segundo dados da OMC, apresentados no Quadro 122, a seguir, a evolução
recente do número de barreiras não tarifárias, iniciadas e ativas, notificadas à OMC, foi de cerca de 70% entre
2003 e 2014.
107 Diferentemente dos acordos regionais de comércio, para os quais a OMC considera a reciprocidade como característica fundamental, os acordos preferenciais de comércio (Preferential Trade Arrangements, ou PTAs) envolvem concessões unilaterais ao fluxo comercial. Eles incluem Sistema Generalizado de Preferências, esquema com base no qual os países desenvolvidos podem conceder tarifas preferenciais para as importações provenientes de países em desenvolvimento, bem como outros regimes preferenciais de não reciprocidades, tendo como aval um waiver do Conselho Geral da OMC.
108 IPEA (2014). Boletim de Economia e Política Internacional, n. 16. Jan-Abr.
109 UNCTAD (2012). Evolution of non-tariff measures: emerging cases from selected developing countries. Policy Issues In International Trade And Commodities Study Series, n. 52. Nova York e Genebra.
110 RAY, J. E. (1987). Changing Patterns of Protectionism: The Fall in Tariffs and the Rise in Non-Tariff Barriers Symposium: The Political Economy of International Trade Law and Policy. Northwestern Journal of International Law & Business, v. 8, issue 2 (fall). Disponível em: <http://scholarlycommons.law.northwestern.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1229&context=njilb>. Acesso em: 14/06/2015; UNCTAD (2013). Non-tariff measures to trade: economic and policy issues for developing countries. Disponível em: <http://unctad.org/en/PublicationsLibrary/ditctab20121_en.pdf>. Acesso em: 14/06/2015.
172
Quadro 122
EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE BARREIRAS NÃO TARIFÁRIAS INICIADAS E ATIVAS ENTRE 2013 E 2014
0
500
1.000
1.500
2.000
2.500
3.000
3.500
4.000
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
RESTRIÇÕES QUANTITATIVAS
SALVAGUARDAS
MEDIDAS COMPENSATÓRIAS
ANTIDUMPING
BARREIRAS TÉCNICAS
BARREIRAS SANITÁRIAS E
FITOSSANITÁRIAS
Elaboração: Think Agro. Fonte: OMC/ I-TIP Goods – 01/06/2015.
Diferentemente das barreiras tarifárias, as medidas não tarifárias incluem uma diversidade de instrumentos
regulatórios incidentes sobre a importação e a exportação de bens e serviços, seja no âmbito da política co-
mercial (caso de cotas e restrições quantitativas, medidas de salvaguarda e antidumping, licenças à importação
e à exportação; subsídios e medidas compensatórias111), seja no âmbito técnico (barreiras técnicas, sanitárias
e fitossanitárias).
Pelo fato de não se refletirem diretamente nos preços dos produtos e mercadorias, a proliferação do uso de
barreiras não tarifárias pode produzir resultados ainda mais negativos para o comércio internacional. Ademais,
a discricionariedade e a heterogeneidade na intenção, no escopo e na forma de implementação de barreiras não
tarifárias impõem grande diversidade e pouca transparência à aferição de seus impactos sobre o bem-estar.
Em geral, sua aplicação é justificada pelo interesse público em corrigir distorções e falhas de mercado (market
failures), que emergem da assimetria informacional, da seleção adversa e do risco moral associados ao comércio
(por exemplo, garantir a qualidade e a procedência de bens e produtos importados). Uma vez que as regras são
rotuladas e justificadas sob uma roupagem regulatória legítima no âmbito da OMC112, seu abuso pode ocultar
finalidades protecionistas, incluindo a defesa de interesses de produtores domésticos, que não se encontram
em condição de abraçar a competitividade do comércio internacional.
O Quadro 123, a seguir, apresenta a distribuição atual dos mais de 36 mil casos de barreiras não tarifárias no-
tificadas à OMC. Como se pode notar, esta tendência é particularmente preocupante no âmbito de barreiras
111 Segundo a OMC, podem ser estabelecidos “direitos compensatórios” para compensar subsídios concedidos, direta ou indiretamente, no país exportador, à fabricação, à produção, à exportação ou ao transporte de qualquer produto cuja exportação ao Brasil cause dano à indústria doméstica.
112 Como expõe o Artigo XX do GATT, é permitido que os governos nacionais instituam regras desta natureza para acesso aos mercados, a fim de preservar a vida animal/vegetal ou a saúde humana, desde que não introduzam discriminação injustificada (abuso com finalidade protecionista). Não por acaso, a recomendação básica da OMC é que os países adotem e convirjam para regulações internacionais mais homogêneas e menos arbitrárias e discriminatórias.
173
técnicas (technical barriers to trade, ou TBT113) e medidas sanitárias e fitossanitárias (sanitary and phytosanitary
measures, ou SPS), considerando a diversidade de regulações internacionais, nacionais e privadas para um
incontável número de bens e serviços (incluindo partes e componentes, insumos etc.) que podem ser abarca-
dos e regulados.
Quadro 123
NÚMERO E DISTRIBUIÇÃO DE BARREIRAS NÃO TARIFÁRIAS INICIADAS E ATIVAS, POR CATEGORIA, EM 2015
Barreiras técnicas51,8%
Barreiras sanitárias efitossanitárias
36,8%
Antidumping4,9%
Restriçõesquantitativas
3,7%
Salvaguardas2,4%
Medidascompensatórias
0,3%
Elaboração: Think Agro. Fonte: OMC; I-TIP Goods – 01/06/2015.
Atualmente, os países com maior participação no número de barreiras não tarifárias, iniciadas ou ativas, são:
Estados Unidos, China, Brasil, Canadá, União Europeia, Coreia do Sul e Japão. Combinados, respondem por
35,4% do número total de medidas desta natureza, incluindo 87,4% das medidas compensatórias, 51,5% das
barreiras sanitárias e fitossanitárias, 43,8% das medidas antidumping, 34,9% das medidas de salvaguarda, 30,3%
das barreiras técnicas e 21,2% das restrições quantitativas (Quadro 124).
113 Segundo a OMC, as barreiras técnicas têm como objetivo assegurar que os procedimentos de regulamentação técnica, as normas, os ensaios e a certificação não criem obstáculos desnecessários ao comércio, ao mesmo tempo em que fornecem aos membros da OMC o direito de introduzir medidas para atingir objetivos políticos legítimos, tais como a proteção da saúde humana e do ambiente. Como as normas e regulamentações técnicas podem variar de país para país, as barreiras podem dificultar o acesso aos mercados.
174
Quadro 124
PARTICIPAÇÃO DOS PAÍSES SELECIONADOS* NO NÚMERO TOTAL EM BARREIRAS NÃO TARIFÁRIAS, INICIADAS E ATIVAS, EM 2015
35,4%
87,3%
51,5% 43,8%
34,9% 30,3% 21,2%
Total de barreirasnão tarifárias
Medidascompensatórias
Barreiras sanitáriase fitossanitárias
Antidumping Salvaguardas Barreiras técnicas Restriçõesquantitativas
Nota: * Estados Unidos, China, Brasil, Canadá, União Europeia, Coreia do Sul e Japão. Elaboração: Think Agro.
Fonte: OMC; I-TIP Goods – 01/06/2015.
Em uma ótica regional, entretanto, é possível evidenciar um padrão internacional de adoção de barreiras não
tarifárias. Como é possível evidenciar no Quadro 125, a maior parte das restrições quantitativas é empregada
por países da Ásia e da Oceania, ao passo que as medidas compensatórias (subsídios) prevalecem na América
do Norte. Já entre os países europeus, predomina o uso de salvaguardas (incluindo as “especiais”, direcionadas
à agricultura).
Quadro 125
PROPORÇÃO REGIONAL NA APLICAÇÃO E BARREIRAS NÃO TARIFÁRIAS NOTIFICADAS À OMC, EM 2015
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
Antidumping Medidascompensatórias
Restriçõesquantitativas
Salvaguardas Barreiras sanitáriase fitossanitárias
Barreirastécnicas
ÁSIA E OCEANIA
AMÉRICA DO SUL, AMÉRICA CENTRAL E CARIBE
AMÉRICA DO NORTE
EUROPA
ORIENTE MÉDIO
ÁFRICA
Elaboração: Think Agro. Fonte: OMC; I-TIP Goods – 01/06/2015.
A imposição dessas medidas do país é uma das principais fontes de restrição no acesso de algus produtos a
alguns mercados. Segundo dados apresentados no Quadro 126, os produtos mais afetados pelas barreiras não
tarifárias, atualmente, são: (i) animais vivos e seus produtos; (ii) produtos vegetais; (iii) alimentos e bebidas.
175
Quadro 126
DISTRIBUIÇÃO DE BARREIRAS NÃO TARIFÁRIAS INICIADAS E ATIVAS, POR CATEGORIA DE BENS, EM 2015
Animais vivos eseus produtos
11,8%
Produtosvegetais
10,2%
Alimentose bebidas
9,6%
Máquinas eequipamentos elétricos
7,1%
Produtos das indústrias químicas edas indústrias conexas
6,9%
Resinas, plásticos e obras;borracha e artigos
3,1%
Metais e artigos de base2,9%
Veículos, aeronaves eembarcações
2,2%
Artigos manufaturados(miscelânea)
2,2%Produtosminerais
2,1%
Outros42,0%
Elaboração: Think Agro. Fonte: OMC; I-TIP Goods – 01/06/2015.
Como se sabe, estas três categorias de produtos – vinculadas às cadeias do agronegócio – constituem uma parte
relevante da pauta de exportação dos países em desenvolvimento. Uma vez que estes países dispõem, em geral,
de significativas vantagens comparativas nestes mercados, a imposição de barreiras desta natureza termina
por discriminar sistematicamente certos parceiros comerciais, impondo custos adicionais aos seus produtos.
Segundo análise presente no relatório World Trade Report 2012 da OMC (World Trade Report 2012: Trade and
public policies: a closer look at non-tariff measures in the 21st century), o impacto negativo de medidas não
tarifárias na restrição do comércio global é muito maior do que aquele imposto pela via tarifária, sobretudo
no caso de setores ligados à agricultura. Com efeito, entendendo a necessidade de aprimorar as ferramentas
disponíveis para discernir objetivos legítimos daqueles protecionistas, o relatório afirma ser importante ava-
liar formas de compatibilizar o interesse público, consubstanciado nas políticas domésticas, com a regulação
internacional, menos discriminatória e mais transparente para orientar produtores e exportadores.
176
3.6 A LOGÍSTICA E OS NOVOS FATORES DE COMPETITIVIDADE
Além da emergência das barreiras não tarifárias, uma consequência adicional do declínio das barreiras tarifá-
rias, do regionalismo dos novos acordos comerciais e da consolidação das CGVs é o aumento da importância
das questões logísticas e dos custos de transação a elas associados como determinantes da competitividade
dos países.
Não por acaso, tal como reconhece a OMC em relatório recente (World Trade Report 2013: Factors shaping
the future of world trade), o desempenho logístico – medido em termos de custos, atrasos e confiabilidade no
manejo e na entrega de bens – afeta o volume, a direção e o padrão de comércio entre os países ao longo do
tempo. Isso é particularmente válido na comercialização de commodities primárias e produtos agropecuários,
casos em que os custos de transporte podem representar uma parcela representativa do preço final.
Entre os fatores da maior conectividade internacional, podem-se elencar: aspectos geográficos (distância das
rotas e contiguidade das fronteiras); barreiras linguísticas e de comunicação entre os países; disponibilidade
e qualidade da infraestrutura (portos, estradas, ferrovias) e dos serviços de transporte (regulação, inovações
tecnológicas, grau de concorrência no setor); custo dos combustíveis; eficiência nos procedimentos e nas
formalidades no controle do fluxo de mercadorias (embarque, trânsito e desembaraço aduaneiro de mer-
cadorias); acordos de facilitação de comércio etc. A importância destes fatores deve ser mediada, também,
pelas características dos produtos comercializados pelos países, como densidade (relação volume-peso das
mercadorias) e grau de valor agregado, capacidade de conteinerização, exigências em termos de embalagem,
armazenagem e manuseio, perecibilidade etc.
Em um cenário de acirramento competitivo e maior integração da economia mundial, os componentes que
afetam esse sistema de trânsito internacional correspondem a uma parcela crescente do custo e, portanto,
do preço final das mercadorias. Apesar da substantiva redução dos custos de transporte, sobretudo no que
se refere ao já destacado aumento da eficiência e da capacidade mundial no transporte marítimo, a heteroge-
neidade existente entre os países, no que se refere aos fatores supracitados, tem como resultado um cenário
de grandes assimetrias.
Essas diferenças podem ser evidenciadas a partir dos resultados e indicadores do Projeto Doing Business, do
Grupo do Banco Mundial. O relatório, publicado e revisado anualmente, tem como proposta medir, analisar
e comparar as regulamentações aplicáveis às empresas e o seu cumprimento em 189 economias e cidades
selecionadas. O relatório, em seu estado atual, contempla onze conjuntos de indicadores, responsáveis por
classificar as diferentes economias de acordo com o impacto das regulamentações sobre as atividades em-
presariais ao redor do mundo.
Um dos indicadores busca medir exatamente o desempenho (eficiência) do país no comércio internacional
(trading across borders), incluindo número de documentos exigidos na expedição e no desembaraço (contratos,
regulamentos, formulários), tempo do procedimento (em dias) e custo de exportar e importar, em US$ por
contêiner (incluindo custo dos documentos, taxas administrativas para inspeção e liberação alfandegária, taxas
de corretagem alfandegária, encargos dos portos e custos do transporte terrestre). Como se pode notar nos
Quadros 127 e 128, dispostos a seguir, as diferenças regionais na burocracia, no custo e no tempo envolvidos
no comércio internacional são significativas.
177
Quadro 127
COMPARATIVO DOS COMPONENTES DO INDICADOR DOING BUSINESS DE COMÉRCIO INTERNACIONAL
0 5
10 15 20 25 30 35 40
Documentos para exportar(número)
Documentos para importar(número)
Tempo para exportar(em dias)
Tempo para importar(em dias)
EXTREMO ORIENTE E PACÍFICO OCDE ORIENTE MÉDIO E NORTE DA ÁFRICA AMÉRICA LATINA E CARIBE
ÁSIA DO SUL EUROPA E ÁSIA CENTRAL ÁFRICA SUBSAARIANA
Elaboração: Think Agro. Fonte: World Bank Group; Doing Business.
Quadro 128
COMPARATIVO REGIONAL DOS CUSTOS DE EXPORTAÇÃO E IMPORTAÇÃO (US$ POR CONTÊINER), EM 2014
0
500
1.000
1.500
2.000
2.500
3.000
EXPORTAÇÃO IMPORTAÇÃO
EXTREMO ORIENTE E PACÍFICO OCDE ORIENTE MÉDIO E NORTE DA ÁFRICA AMÉRICA LATINA E CARIBE
ÁSIA DO SUL EUROPA E ÁSIA CENTRAL
Elaboração: Think Agro. Fonte: World Bank Group; Doing Business.
Os três países mais bem classificados nestes indicadores são economias com expressiva participação na eco-
nomia e no comércio exterior da Ásia: Cingapura, Hong Kong e Coreia do Sul; seguidas por Suécia, Irlanda,
Estônia, Dinamarca, Emirados Árabes, Panamá e França. O Brasil ocupa uma posição intermediária (123º lugar)
no ranking internacional. Se fossem países, São Paulo e Rio de Janeiro, únicas cidades brasileiras avaliadas,
ocupariam, respectivamente, a 110ª e 138ª posições no ranking do indicador.
Os resultados confirmam evidências apresentadas em outra pesquisa recente do Banco Mundial, especializa-
da em logística comercial (Connecting to Compete 2014: Trade Logistics in the Global Economy). O trabalho
apresenta o Índice de Desempenho Logístico (Logistics Performance Index, ou LPI), calculado para 160 países.
178
Mais abrangente do que o indicador do Doing Business, o LPI é baseado no cômputo de seis dimensões: (i)
eficiência nos processos aduaneiros pelas agências de controle de fronteira (velocidade, simplicidade, predi-
cabilidade das formalidades); (ii) qualidade das trocas e da infraestrutura relacionada ao transporte (portos,
ferrovias, estradas, tecnologia da informação); (iiii) facilidade na contratação de fretes a preços competitivos;
(iv) competência e qualidade dos serviços logísticos (por exemplo, operadores de transporte, oficiais da alfân-
dega); (v) capacidade de seguir e rastrear remessas; e (vi) pontualidade das remessas em chegar ao destinatário
na data programada ou esperada.
Segundo os últimos dados disponíveis para o LPI (2014), o ranking era liderado por Alemanha, Holanda, Bélgica,
Reino Unido, Cingapura, Suécia, Noruega, Luxemburgo, Estados Unidos e Japão. O Brasil ocupa, nesse caso,
a 65ª posição. O ordenamento, mais uma vez, destaca a persistência de um “logistic gap” entre os mundos
desenvolvido e em desenvolvimento, com as economias de alta renda no primeiro escalão – isso considerando
que diversos países em desenvolvimento (como China) avançaram em relação a revisões anteriores do LPI.
Quadro 129
COMPARATIVO DO SCORE DOS COMPONENTES DO LPI EM 2014 – GRUPOS DE PAÍSES
LPI (geral)
Alfândega
Infraestrutura
Remessasinternacionais
Qualidade e competêncialogísticas
Rastreamento
Pontualidade
ALEMANHA ( ) BENCHMARK
ALTA RENDA (OCDE)
ALTA RENDA (NÃO OCDE)
MÉDIA-ALTA RENDA
MÉDIA-BAIXA RENDA
BAIXA RENDA
Elaboração: Think Agro. Fonte: World Bank Group; Doing Business.
Ainda segundo o relatório, em um momento no qual as CGVs se tornaram a espinha dorsal do comércio e do
intercâmbio internacional, a logística assume papel determinante na promoção do crescimento e na diversi-
ficação das economias, motivo pelo qual o tema tem ganhado um espaço crescente na agenda de políticas
públicas direcionadas para o desenvolvimento econômico e a expansão do comércio internacional.
179
3.7 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS TRANSFORMAÇÕES
EM CURSO NO COMÉRCIO INTERNACIONAL
O presente capítulo procurou apresentar uma abordagem multidimensional para fundamentar uma série de
transformações em curso no comércio internacional. Em particular, procurou-se destacar fatores que pau-
taram o desenvolvimento socioeconômico, tecnológico e institucional dos países em um contexto de maior
integração mundial, bem como as consequências recentes da emergência de novas questões associadas ao
fluxo internacional de bens, serviços e capitais.
Embora o cenário atual seja resultado de um claro progresso no desenvolvimento econômico e no engajamento
das nações no intercâmbio e na formação de parcerias e acordos comerciais, seus benefícios têm se distribuído
de forma heterogênea no mundo, a partir da consolidação de novos laços e polos políticos e produtivos. Nesse
âmbito, procurou-se destacar o papel da China e das CGVs como vetores fundamentais tanto no que se refere
ao crescimento da economia mundial, quanto na composição de novos padrões de comércio internacional.
Em paralelo, novos desafios emergem no âmbito da OMC. Embora tenha colaborado de forma fundamental
para a redução das barreiras tarifárias, a harmonização das relações e a solução de controvérsias envolvendo
temas relativos ao comércio internacional, as regras e as limitações do modelo institucional de negociação
(multilateralismo) têm favorecido, por um lado, a formação flexível de acordos regionais, preferenciais e “me-
ga-acordos” entre países e blocos econômicos (regionalismo) e, por outro, a difusão de barreiras não tarifárias
como instrumentos implicitamente protecionistas.
Com efeito, os ganhos derivados da inserção de países e setores nesse novo cenário dependem da compreen-
são estratégica da trajetória de cada um dos fatores e das tendências apresentados, de sorte a aproveitar as
janelas de oportunidade disponíveis para ampliar as opções de integração e diversificação comercial, por um
lado, e criar e fortalecer parcerias estratégicas, por outro.
4. TRANSFORMAÇÕES E OPORTUNIDADES DA ECONOMIA CHINESA
183
Este capítulo tem por objetivo principal introduzir e analisar algumas das principais transformações e tendências
recentes da economia chinesa, sobretudo no que se refere às características da atividade agropecuária no país.
A China destaca-se, atualmente, tanto pela sua dimensão (geográfica, demográfica e econômica), quanto pelas
suas características peculiares do ponto de vista político-institucional, conjugando uma economia de mercado
altamente dinâmica com um Estado poderoso, intervencionista e centralizador. Como já antecipado no capítulo
anterior, o país de cerca de 9,6 milhões de quilômetros quadrados logrou conquistar uma posição especial no
âmbito mundial, cujas bases só podem ser investigadas a partir da observação das diversas reformas colocadas
em prática ao longo das últimas quatro décadas – com vistas à modernização e à liderança econômica mundial.
A manutenção da posição da China, entretanto, subordina-se a um conjunto de fatores cujo cerne encontra-se
fortemente dependente do seu setor agropecuário, bem como das complementaridades desenvolvidas no âm-
bito internacional com vistas à garantia do abastecimento interno do gigantesco mercado doméstico chinês.
É nessa órbita que a relação sino-brasileira pode ser criticamente analisada e aprimorada no futuro.
Para perseguir esses objetivos, essas transformações e seus impactos para o futuro da agricultura chinesa, são
apresentados alguns dos principais aspectos relativos às reformas institucionais e socioeconômicas promovidas
pelo Estado chinês nas últimas décadas. Afirma-se, nesse sentido, que a inserção e o protagonismo da China
no comércio internacional só podem ser entendidos, em sua totalidade, tendo como referência uma agenda
estratégica que contempla, entre outros aspectos, as mudanças no campo sociodemográfico e nos hábitos de
consumo da população chinesa, seus impactos na demanda por alimentos e produtos agrícolas e os objetivos
de segurança alimentar e abastecimento interno adotados pelo governo chinês.
Por fim, o capítulo aborda, também, as modalidades e o grau de participação do Brasil e dos produtores bra-
sileiros na economia chinesa.
4.1 PANORAMA DA ECONOMIA E DA AGRICULTURA CHINESAS
Como no caso brasileiro, o setor agropecuário desempenha um papel fundamental na economia chinesa. Em-
bora a produção setorial ainda tenha respondido nos últimos anos por cerca de 10% do Produto Interno Bruto
(PIB), o setor emprega um terço da população economicamente ativa (793 milhões de habitantes), sendo que
pouco menos da metade (46%) do 1,36 bilhão de chineses encontra-se ainda registrada, oficialmente, como
população rural. No Brasil, comparativamente, a participação da população rural é de 15%, segundo dados da
PNAD (2012).
Segundo dados do National Bureau of Statistics of China (2014), em 2013, o total da produção agropecuária
chinesa correspondia a cerca de 9,7 trilhões de renminbi114. Proporcionalmente, o cultivo agrícola correspondia
a 53%, a pecuária a 29%, a silvicultura a 4%, a pesca (incluindo a aquicultura) a 10%. Outros segmentos repre-
sentavam os 4% remanescentes115.
114 O renminbi (RMB, símbolo monetário ¥; código: CNY; também CN¥, yuan, 元 e CN元; chinês:人民币 Rénmínbì, a «moeda do povo») é a moeda oficial da República Popular da China, sendo distribuída pelo Banco Popular da China.
115 National Bureau of Statistics of China (2014). China Statistical Yearbook 2014.
184
Apesar da qualidade limitada das terras cultiváveis e da escassez de água em certas áreas da China, a produ-
ção vem crescendo desde a década de 1970, de maneira que o país classifica-se, hoje, como o maior produtor
mundial de produtos como arroz, algodão, carne suína e ovo e responde por 18% da produção mundial de
cereais, 29% da produção de carne e quase 50% da produção mundial de frutas e verduras116.
Essa expansão deve-se, em grande parte, ao aumento substancial da produtividade por meio de melhorias
tecnológicas, o que possibilitou uma taxa de crescimento anual média de 2,5% entre 1970 a 2007. Além do
crescimento geral da produção, a composição também mudou ao longo do tempo, com notável incremento na
produção de hortaliças, carne e laticínios – ao mesmo tempo em que se observou uma queda de importância
relativa de culturas tradicionais, sobretudo grãos e tubérculos.
Com 135 milhões de hectares de terras aráveis, 9% do total do Planeta, a China alimenta 21% da população
mundial. Ainda assim, o setor é dominado por milhões de agricultores com pequena parcela de terra, com
uma média de apenas 0,6 hectare por unidade produtiva rural. O Quadro 130, apresentado a seguir, destaca a
participação da China na produção agropecuária mundial por produto.
Quadro 130
PARTICIPAÇÃO DA CHINA NA PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA MUNDIAL (%)
4 5
10 13
17
21
26 27
39 40 42
47
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
So
ja e
m g
rão
Leit
e
Carn
e b
ovin
a
Fra
ng
o
Tri
go
Milh
o
Alg
od
ão
Arr
oz
Ovo
s
Fru
tas
e v
erd
ura
s
Tab
aco
Carn
e s
uín
a
Elaboração: Think Agro. Fonte: FAO
Apesar das reformas da política agrícola, o governo chinês continua desempenhando um papel central no setor.
Desde 2004, o Estado tem ampliado seu apoio ao setor agrícola, com o intuito de reduzir as disparidades entre
a cidade e o campo e promover a harmonia social. Além do desenvolvimento do setor, a agenda estratégica
do governo chinês tem como principais objetivos a serem alcançados: a garantia do aumento da renda dos
produtores e a autossuficiência na produção doméstica de grãos.
116 CARTER, C. A. (2001). China’s Agriculture: Achievements and Challenges. Agricultural and Resource Economics Update 14(5): 5-7.
185
Segurança alimentar e os desafios da autossuficiência chinesa
O termo “segurança alimentar” é traduzido literalmente em chinês como “segurança de grão” (粮食安全 – lê-se
liangshi anquan). Desde a Antiguidade, garantir a segurança alimentar sempre foi uma prioridade e um desafio
para o Estado chinês, motivo pelo qual o governo adota uma série de políticas voltadas para reduzir a depen-
dência externa do país para atender o elevado e crescente consumo nacional.
Esta política foi consagrada no início do período da República Popular (1949), que sempre destinou espaço
prioritário para autossuficiência na agenda nacional de segurança alimentar, de sorte a alimentar a maior po-
pulação do mundo e mitigar as calamidades naturais que afligem o país com alguma frequência (inundações,
por exemplo).
Recentemente, em dezembro de 2013, a Conferência Central sobre Assuntos Rurais, realizada pelo governo
chinês, reafirmou a estratégia nacional de segurança alimentar baseada na “oferta doméstica e importação
moderada, garantia da capacidade produtiva com o apoio da ciência e tecnologia”. Segundo comunicado da
conferência117: “[e]m qualquer circunstância, a tigela de comida dos chineses deve permanecer firme em nos-
sas mãos e ser preenchida, sobretudo, com grãos da China. Só um país com elevado grau de autossuficiência
em alimentos poderá ter um papel ativo na segurança alimentar e dominar a conjuntura para o crescimento
econômico e social”.
A autossuficência é, portanto, um componente-chave da estratégia de segurança alimentar do governo chinês.
De acordo com o Plano Nacional de Médio e Longo Prazos para a Segurança Alimentar (2008-2020), lança-
do em novembro de 2008, logo após a alta mundial no preço dos grãos, o setor agrícola da China pretende
manter a produção na casa dos 540 milhões de toneladas, de forma a garantir uma taxa de autossuficiência
de grãos acima de 95% até 2020.
A pauta da autossuficência está centrada, fundamentalmente, na produção de grãos. Note-se que, na definição
desse documento, o termo “grãos” no sentido de segurança alimentar abrange trigo, arroz, milho, leguminosas
e tubérculos. Destacam-se, nesse contexto, o arroz e o trigo – dois produtos de que o governo exige um alto
grau de autossuficiência. O documento citado define o piso de 120 milhões de hectares de terra arável e 105
milhões de hectares de área de cultivo de grãos para o final do período e prevê que a produtividade deverá
crescer, em média, de 4,74 toneladas por hectare, em 2007, para 5,25 toneladas por hectare, em 2020.
O desempenho da China nesse setor é expressivo. Atualmente, o país asiático garante a alimentação de apro-
ximadamente 20% da população mundial com menos de 10% das terras aráveis e 6% dos recursos hídricos do
Planeta. Esse incremento foi possibilitado pelo crescimento verificado a partir do fim da década de 1970. Entre
1978 e 2014, a produção de grãos quase dobrou, de 305 milhões para 607 milhões de toneladas, alcançando,
então, um recorde histórico equivalente a uma disponibilidade per capita de 444 kg. Com isso, a produção de
grãos registrou aumento por onze anos seguidos a partir de 2003, ultrapassando a marca dos 500 milhões
por oito anos consecutivos.
117 Comunicado da Conferência Central sobre Assuntos Rurais, publicado em 24 de dezembro de 2013. Disponível em: <http://news.xinhuanet.com/politics/2013-12/24/c_118693228.htm> Acesso em 14/09/2015.
186
Além da expansão da produção e da área plantada de grãos, que atingiu 112,7 milhões de hectares em 2014,
as últimas décadas foram marcadas por um crescimento excepcional na agropecuária chinesa: a produção de
carne expandiu-se dez vezes; a de pescado e a aquicultura, treze vezes; e a de frutas, 38 vezes. Mesmo com o
declínio de terra arável, a produtividade aumentou nas últimas três décadas, com uma média anual de 2,3% para
trigo, 1,7% para milho, 1,2% para arroz e 1,2% para soja118. O Quadro 131, disposto a seguir, apresenta a evolução
da produção dos principais produtos agropecuários da China desde 2000.
Quadro 131
PRODUÇÃO DOS PRINCIPAIS PRODUTOS AGROPECUÁRIOS NA CHINA (EM MILHÕES DE TONELADAS)
0
200
400
600
800
1.000
1.200
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
AQUICULTURA
LEITE
CARNES
FRUTAS
GRÃOS
Fonte: National Bureau of Statistics of China; China Statistical Yearbook – vários anos. Elaboração: Think Agro.
No tocante à estatística de segurança alimentar, a China define “grãos” como um conceito mais amplo, abar-
cando cereais (predominantemente arroz, trigo e milho e, por vezes, também sorgo e painço), leguminosas
(soja e feijão) e tubérculos (batata e batata-doce). Neste conceito expandido, a taxa de autossuficiência de
grãos (dada pela razão entre a produção doméstica e o abastecimento interno, que inclui importações) caiu
ao patamar de 89% em 2012, devido, sobretudo, ao crescimento da importação de grão de soja in natura (em
2001, a importação foi de 13,94 milhões de toneladas, e a cifra saltou para 58,38 milhões em 2012)119. Como
visto anteriormente, o Brasil é o um dos principais países responsáveis pelo abastecimento do mercado chinês.
No entanto, quando o conceito restringe-se aos cereais, a taxa de autossuficiência de 2012 atinge patamar próxi-
mo a 100%, ainda que a China tenha se tornado um importador líquido destes produtos em 2009 e a importação
líquida tenha saltado para 13,02 milhões de toneladas em 2012, em comparação a 1,83 milhão três anos antes120. A
evolução da produção e da importação dos principais grãos da China encontra-se disposta no Quadro 132, a seguir.
118 OECD/FAO (2013). OECD-FAO Agricultural Outlook 2013. OECD Publishing, Paris.
119 叶兴庆 [Ye Xingqing] (2014). 准确把握国家粮食安全战略的四个新变化 [Interpretando com precisão as quatro novas mudanças na estratégia nacional de segurança alimentar]. Disponível em: <http://theory.people.com.cn/n/2014/0117/c83865-24152538.html>. Acesso em 14/09/2015.
120 张启良 [Zhang Qiliang] (2014). “十连增”后我国粮食安全面面观 [Aspectos da segurança alimentar da China após dez aumentos consecutivos da safra]. Disponível em: <http://www.stats.gov.cn/tjzs/tjsj/tjcb/dysj/201407/t20140710_579579.html>. Acesso em 14/09/2015.
187
Quadro 132
PRODUÇÃO E IMPORTAÇÃO DOS PRINCIPAIS GRÃOS DA CHINA (EM MILHÕES DE TONELADAS)
0
50
100
150
200
250
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
TRIGO (IMPORTAÇÃO) MILHO (IMPORTAÇÃO) SOJA (IMPORTAÇÃO) ARROZ (IMPORTAÇÃO)
TRIGO (PRODUÇÃO) MILHO (PRODUÇÃO) SOJA (PRODUÇÃO) ARROZ (PRODUÇÃO)
Elaboração: Think Agro. Fonte: FAO.
O governo chinês tem trabalhado no sentido de reajustar (ou melhor, flexibilizar) essa questionável taxa de
autossuficiência. Em vez de definir metas quantitativas, a Conferência Central sobre Assuntos Rurais de 2013
estabeleceu como diretriz manter a “autossuficiência básica de cereais e a segurança absoluta de grãos para
alimento (arroz e trigo)”, além de incluir, pela primeira vez, a “importação moderada” como elemento integrante
de sua estratégia de segurança alimentar.
O grau de autossuficiência deve ser determinado pela relação de preços e custos entre os mercados chinês e
internacional, e a China deve fazer todo o possível para manter a vantagem comparativa da sua produção de
arroz e trigo, por meio da melhoria da infraestrutura agrária, do avanço em ciência e tecnologia e da expansão
da escala de produção121.
121 叶兴庆兴庆 [Ye Xingqing] (2014). op. cit.
188
A disponibilidade de terras aráveis
Manter a independência de grãos tende a se tornar cada vez mais difícil para a China. Embora se trate do ter-
ceiro maior país em termos de área total (sem as regiões administrativas especiais de Hong Kong e Macau),
com cerca de 9,6 milhões de quilômetros quadrados de área, o censo mais recente das terras aráveis na China
registrou cerca de 135,2 milhões de hectares de terras agrícolas, 14,3% do território nacional122.
Contudo, subtraindo-se as áreas reservadas para a restituição de florestas e pastagens, bem como os terrenos
considerados impróprios (poluídos) para o cultivo, a extensão das terras realmente agricultáveis fica apenas
pouco acima do nível mínimo defendido pelo governo de 120 milhões de hectares, o que equivale a menos de
0,1 hectare per capita, ou 40% da média mundial123. Este percentual continua diminuindo, devido à expansão
rápida da urbanização, bem como por conta dos inúmeros problemas ambientais, tais como inundações, ero-
são do solo e desertificação. Além disso, a população da China continuará a crescer até por volta de 2030.
Estima-se que, em 2050, a demanda total de terras aráveis supere a oferta em mais de 12%124.
A pressão sobre as terras agrícolas e a degradação do solo vêm intensificando-se desde 1978, devido, sobre-
tudo, à industrialização e à urbanização aceleradas. Entre 1996 e 2008, as terras cultivadas e as pastagens
diminuíram 6,4% e 0,59%, respectivamente. A extensão total de terra arável deverá recuar de 135 milhões de
hectares, em 2003, para 129 milhões, em 2030125. A área de produção de cereais diminuiu de 97 milhões de
hectares, em 1978, para 93 milhões, em 2013, em virtude da ocupação de terras de cultivo por construções,
estradas e outros desenvolvimentos. De acordo com o Bureau National of Statistics do país, em 2011, o número
de habitantes urbanos na China superou pela primeira vez o número de habitantes rurais, que correspondiam
a 82% da população em 1978. Desde 1990, mais de 8 milhões de hectares de terras agricultáveis desaparece-
ram e a terra arável per capita diminuiu de 0,18 hectare, na década de 1950, para menos de 0,10 hectare, em
tempos atuais126.
Enquanto a quantidade diminui, a qualidade da terra também se encontra sob enorme ameaça. A urbanização
tem agravado o grau de contaminação do solo, como decorrência tanto do tratamento inadequado de resíduos
domésticos e industriais, quanto da deposição ácida derivada da poluição do ar urbano. A esse respeito, cerca de
2,5% do total das terras aráveis (3,3 milhões ha) já se tornaram suficientemente poluídos para impedir o cultivo do
solo, sobretudo em casos de contaminação por metais pesados, como cádmio (Cd), chumbo (Pb) e arsênio (As).
Para evitar problemas graves de saúde pública, milhões de hectares de terra podem ser considerados impró-
prios e, eventualmente, descartados para o cultivo, por conta da poluição. Isso poderá acarretar sérios impactos
sobre a produção agrícola e a autossuficiência alimentar. Além disso, o uso maciço de fertilizantes químicos
também vem prejudicando a qualidade do solo.
122 Ministério da Terra e Recursos da China (2015). 2014中国国土资源公报 [Relatório sobre Terra e Recursos 2014].
123 Ministério da Terra e Recursos da China (2013). 关于第二次全国土地调查主要数据成果的公报 [Comunicado sobre os principais dados da segunda pesquisa nacional de terra].
124 CHINAFOLIO (2014). Agriculture and Food Security: A Long-Term Priority. Disponível em: <http://www.chinafolio.com/agriculture-and-food-security>. Acesso em: 11/09/2015.
125 GUANGHONG, Z. et al. (2012). China’s meat industry revolution: challenges and opportunities for the future. Meat Sci. 92: 188-196.
126 JIANHUA, Z (2011). China’s success in increasing per capita food production. J. Exp. Botany 32: 1-5.
189
Em 1975, o total de fertilizantes usados foi de 5,5 milhões de toneladas, mas este número aumentou para 59,1
milhões em 2013. A saturação do solo com fertilizantes provocou o endurecimento e a perda de material orgâ-
nico dos solos bons ou excelentes, de maneira que o uso de fertilizantes está levando à queda do rendimento
das culturas, além de causar consideráveis problemas ambientais. Por fim, além da urbanização e da poluição,
casos ilegais de desapropriação de terras agricultáveis para fins comerciais também foram detectados ao longo
dos anos, ameaçando o piso de 120 milhões de hectares definido pelo governo.
Os Quadros 133 e 134, apresentados a seguir, destacam a distribuição do uso da terra na China e a evolução
das terras aráveis no país, respectivamente.
Quadro 133
O USO DA TERRA NA CHINA, EM 2012
Hortas1,5%
Outros usos agrícolas2,5%
Construção4,0%
Terraarável14,3%
Pastagens23,2%
Florestas26,7%
Sem uso27,9%
Elaboração: Think Agro. Fonte: Ministério da Terra e Recursos Naturais da China.
190
Quadro 134
A EVOLUÇÃO DA QUANTIDADE DE TERRA ARÁVEL NA CHINA (MILHÕES DE HECTARES)
135,385
135,268
135,239
135,159 135,163
2009 2010 2011 2012 2013
Elaboração: Think Agro. Fonte: Ministério da Terra e Recursos Naturais da China.
Disponibilidade de recursos hídricos
Além das restrições de terras próprias para o cultivo, a escassez e a poluição da água também podem limitar
a produção de grãos no futuro. Apesar de a China ser dotada do quarto lugar mundial em termos de oferta
total de recursos hídricos, a quantidade per capita era de 2.059 m3 em 2013, ou um quarto da média global.
De acordo com a WWF (World Wildlife Fund for Nature), 13% dos lagos da China desapareceram nos últimos
quarenta anos, assim como metade de suas zonas úmidas costeiras. Adicionalmente, as Nações Unidas iden-
tificaram a China como um dos treze países com problema de escassez extrema de recursos hídricos. Entre
as principais causas desta escassez, pode-se citar: a grande demanda gerada pela agricultura; o processo de
industrialização e urbanização; a distribuição desigual dos recursos hídricos; e o alto nível de poluentes de-
postos nas reservas hídricas chinesas127.
De fato, dados do National Bureau destacam que a indústria e a agricultura respondem por 86% de todo o
consumo de água na China. Deste total, 62% são usados na agricultura128. A disponibilidade adequada de água
é fundamental para incrementar a produtividade agrícola, mas o uso deste recurso na agricultura é extrema-
mente improdutivo: cerca de 45% da água perdem-se antes mesmo de chegar às culturas.
Segundo alguns especialistas, a produção de 1 tonelada de cereais consome cerca de 1.300 metros cúbicos de
água na China, e menos de 1.000 metros cúbicos em países desenvolvidos129. Por outro lado, o uso de água na
127 GHOSE, B. (2014). Food security and food self-sufficiency in China: from past to 2050.
128 National Bureau of Statistics of China (2014). China Statistical Yearbook 2014.
129 OECD/FAO (2013). op. cit.
191
produção industrial é setenta vezes mais eficaz. À medida que a água se torna cada vez mais escassa, o setor
agrícola corre o risco de perder os recursos hídricos para a produção industrial, tendo em vista a alta de preços
da água130. Desde 2000, o déficit de água no sistema de irrigação agrícola foi de aproximadamente 40 bilhões
de metros cúbicos, o suficiente para produzir 30 milhões de toneladas de cereais, cerca de 5% da produção
atual131. A falta de água já afeta seriamente a produção de grãos, em especial nas regiões áridas e semiáridas
da planície do norte da China, área potencial para a expansão da produção de grãos no futuro.
Além da escassez, problemas com o sistema de irrigação também poderão complicar a capacidade produtiva
do agronegócio chinês. Isso porque a China usa tanto os rios como os aquíferos subterrâneos para irrigar suas
plantações. Metade das terras cultivadas na China é irrigada e produz cerca de 75% dos cereais e mais de 90%
da produção de algodão, frutas, legumes e outros produtos agrícolas132. No entanto, de acordo com o Ministério
de Recursos Hídricos, a China procura suplementar o uso da água dos rios, cada vez mais, com água de outras
reservas, incluindo aquíferos e lagos. As reservas subterrâneas são fonte de água potável para cerca de 70%
da população chinesa e respondem por 40% de irrigação das terras agrícolas.
O uso da água subterrânea quase dobrou desde os anos 70 e representa 18% do abastecimento total de água
na China. Os aquíferos têm especial importância no norte da China, onde são produzidos 40% dos grãos e o
acesso à água subterrânea é crucial para aumentar a produção. As fontes subterrâneas fornecem, hoje, dois
terços da água que abastece as megacidades do norte da China133. O Banco Mundial, no entanto, estima que, ao
ritmo atual de exploração, os aquíferos no norte da China podem secar em menos de trinta anos. Um panorama
da disponibilidade de recursos hídricos na China é apresentado no Quadro 135, a seguir.
130 CHINAFOLIO (2014). op. cit.
131 OECD/FAO (2013). op. cit.
132 陈雷[Chen Lei] (2012). 大力加强农田水利 保障国家粮食安全 [Incrementar a irrigação agrícola e garantir a segurança alimentar nacional]. Disponível em <http://cpc.people.com.cn/GB/64093/64102/17455322.html>. Acesso em: 12/09/2015.
133 Ministério da Proteção Ambiental da China (2011). 全国地下水污染防治规划(2011-2020年)[Plano Nacional de Prevenção e Controle da Poluição de Águas Subterrâneas (2011-2020)]. Disponível em: <http://www.gov.cn/gongbao/content/2012/content_2121713.htm>. Acesso em: 11/09/2015.
192
Quadro 135
RECURSOS HÍDRICOS DA CHINA
1.500
1.700
1.900
2.100
2.300
2.500
0,0
0,5
1,0
1,5
2,0
2,5
3,0
3,5
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Per
cap
ita
(m
etr
os
cú
bic
os)
Tota
l (t
rilh
ões
de m
etr
os
cú
bic
os)
TOTAL DE RECURSOS HÍDRICOS RECURSOS HÍDRICOS PER CAPITA
Fonte: OCDE. Elaboração: Think Agro.
Força de trabalho e produtividade no campo
Depois de alcançar a alta histórica de 844 milhões de habitantes em 1992, a população rural na China diminuiu
para 695 milhões em 2012, com uma redução líquida de quase 150 milhões de pessoas. Projeções populacionais
feitas pelas Nações Unidas indicam uma redução de mais 100 milhões na população residente na zona rural
até 2022.
A dimensão dessa cifra trará enorme impacto sobre a força de trabalho agrícola, a estrutura de produção, a
gestão de terra e, especialmente, a economia rural. Além do processo de urbanização, a migração motivada
por melhores salários nas cidades reforça o fluxo migratório, contribuindo para a redução da força de trabalho
no campo, sobretudo entre os mais jovens e com maior escolaridade134. Dados do censo demográfico de 2010
contabilizaram os migrantes temporários – definidos como habitantes que vivem por mais de seis semanas
em uma cidade diferente daquela em que têm residência registrada – em cerca de 250 milhões, quase 19% do
total da população. Estima-se que este número crescerá para 400 milhões em 2025.
O Quadro 136, apresentado a seguir, destaca a queda na participação da população rural na China entre 2000
e 2014.
134 OECD/FAO (2013). op. cit.
193
Quadro 136
EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DA POPULAÇÃO RURAL (%)
64,1 62,9
61,6 60,2
58,9 57,5
56,1 54,8
53,5 52,1
50,8 49,4
48,1 46,8
45,6
40
45
50
55
60
65
70
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
Elaboração: Think Agro. Fonte: National Bureau of Statistics of China; China Statistical Yearbook – vários anos.
Efetivamente, essa situação continuará privando o setor agrícola chinês da mão de obra necessária para as
operações agrícolas de escala de maior complexidade, como a utilizada para o manuseio de maquinaria e equi-
pamentos modernos, o diagnóstico de pestes e pragas, o uso de ferramentas de investimento e comercialização,
e a gestão eficaz de unidades operativas complexas. Isso poderá, no futuro, limitar a produtividade, reduzir o
potencial de oferta e restringir a competitividade do setor agrícola chinês – e ameaças que se impõem sobre
as diretrizes estratégicas do Estado chinês com relação à segurança alimentar no país.
O crescimento da produção poderá ser prejudicado, também, pela pequena extensão da área cultivada por cada
agricultor, em média menos de 1 hectare. Apesar de a descoletivização ter gerado, de início, um aumento da
produção, a segmentação das grandes terras comunais dificultará a expansão futura. Pequenas parcelas de terra
restringem o acesso dos agricultores à economia de escala obtida com maior mecanização, disseminação mais
eficaz de novas tecnologias de sementes e melhoria da manutenção das estruturas de irrigação. Estima-se que
a melhoria da fragmentação poderia aumentar a produção de grãos em até 70 milhões de toneladas por ano.
O arrendamento, como forma de uso da terra pelos agricultores, também desencoraja qualquer investimento
de longo prazo. Embora o prazo de contrato tenha sido estendido para trinta ou até cinquenta anos, muitas
aldeias continuam firmando acordos de arrendamento de curto prazo, de cinco a dez anos. De fato, a realidade
é que a situação dos direitos à terra na China é bastante complexa e tem se modificado de forma acelerada,
acompanhando novas diretrizes do governo chinês.
É o caso daa Lei sobre o Contrato de Terra Rural, em vigor desde 2003, que visa melhorar a segurança da posse
da terra, esclarecer os direitos de transferência e permuta de terra contratada e permitir que membros da fa-
mília herdem a terra durante o período do contrato. A lei reflete as tentativas do governo para permitir àqueles
que permanecem na agricultura ter acesso a terra cultivada adicional e aumentar sua renda e competitividade.
Alguns líderes acreditam, porém, que a agricultura familiar fornece, pelo menos, uma prova nominal de que a
China continua comunista, uma vez que a terra não é propriedade privada e é distribuída de forma relativa-
mente equitativa. Muitos líderes chineses acreditam, também, que a terra agrícola proporciona um sistema de
seguridade social para a população, uma vez que cada família rural é, em tese, capaz de se alimentar com a
própria safra. Nos cinco anos seguintes à promulgação da lei, foram registradas mais de 50.000 disputas sobre
194
terra, e o governo respondeu com um novo projeto de lei em 2009, até hoje não aprovado. A elaboração de
uma emenda substancial está na pauta de trabalho de 2015 da Assembleia Popular Nacional.
Além disso, a China necessitará integrar melhor à economia os egressos do setor agrícola. Apesar do aumento
significativo de trabalhadores migrantes rurais nas zonas urbanas, ainda existem barreiras fundamentais que
desencorajam a migração permanente de indivíduos e famílias do campo para a cidade; a mais importante delas
é o hukou, o sistema de registro de residência. Sem o hukou local, os migrantes têm pouco acesso a habitação,
saúde e educação para os filhos. Não é incomum os migrantes trabalharem longas jornadas sob condições de
segurança precárias e com baixa remuneração.
Crescimento demográfico e a expansão da demanda chinesa
País mais populoso do mundo, a China abriga um quinto da população global. Entre 2009 e 2012, a população
chinesa aumentou cerca de 2% (a uma média anual de 0,63%; durante o mesmo período, no Brasil, a média
anual foi de 0,9%)135, apesar da tendência de redução na taxa de crescimento populacional observada desde a
década de 1990 e que deve continuar nos próximos anos. Estima-se que o declínio deva acontecer em 2030,
quando a população terá crescido do atual 1,3 bilhão para a casa de 1,5 bilhão.
Dado o tamanho da população, cada pequeno aumento ou diminuição na demanda per capita de produtos ali-
mentares vai traduzir-se em uma grande cifra em nível nacional. A China permanecerá como um grande consu-
midor mundial de produtos agrícolas, e a demanda de grãos pode chegar a 700 milhões de toneladas em 2050136.
Esse impacto, contudo, não será tão importante quanto o da alteração estrutural na população137. Um dos
principais motivos da desaceleração do crescimento demográfico, a política de planejamento familiar em vigor
desde 1978 conduziu ao envelhecimento mais acelerado da população. Em 2000, a população com menos de
15 anos de idade era quase quatro vezes maior do que a parcela com mais de 65 anos, mas, até 2030, os dois
grupos terão praticamente o mesmo tamanho138.
A população chinesa já é mais velha do que a de outros países em desenvolvimento. Dados de 2014 mostram
que a idade média dos chineses é de 36 anos, em comparação com os 30 anos no Brasil e 27 anos na Índia139.
Dadas as diferenças na composição de alimentos demandados pelas populações idosa, adulta e jovem, o enve-
lhecimento da sociedade terá impacto sobre o consumo de vários gêneros alimentícios. Por exemplo, pode-se
reduzir o consumo de carne, especialmente carne vermelha, com a substituição por outros itens. Embora esse
impacto não tenha se manifestado, é uma área que merecerá atenção no futuro.
O Quadro 137, apresentado a seguir, descreve como a população chinesa evoluiu entre 1970 e 2010 de acordo
com a faixa etária, bem como inclui a projeção das Nações Unidas para 2050.
135 OECD (2014). OECD Factbook 2014: Economic, Environmental and Social Statistics.
136 WONG, J.; HUANG, Y. J. (2012). China’s Food Security and Its Global Implications. International Journal 10: 113-124.
137 ZHOU, Z.; TIAN, W.; WANG, J.; LIU, H.; CAO, L. (2012). Food Consumption Trends in China.
138 OECD (2014). op. cit.
139 CIA (2015). The World Factbook: China, India e Brazil, updated April 21, 2015.
195
Quadro 137
POPULAÇÃO TOTAL CHINESA, POR FAIXA ETÁRIA (EM MILHÕES DE HABITANTES)
0
20
40
60
80
100
120
140
160
0-4 5-9 10-14 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50-54 55-59 60-64 65-69 70-74 75-79 80+
1970 2010 2050
Nota: 1970 e 2010 – estimativa; 2050 – projeção. Elaboração: Think Agro.
Fonte: United Nations Department of Economic and Social Affairs – Population Division (2015).
Mais do que o crescimento populacional, fatores como a urbanização e o aumento da renda desempenharão um
papel cada vez maior na configuração do lado da demanda da balança alimentar na China140. Como mostrado no
segundo capítulo, os padrões de consumo de alimentos na China passaram por mudanças significativas desde o
início dos anos 80, com a expansão da área urbana e de sua proporção populacional no total nacional. Em 1990,
pouco mais de um quarto dos chineses vivia na área urbana; em 2011, a proporção subiu para pouco mais de 50%
e, segundo projeções, deve chegar a mais de 68% em 2030. A urbanização traz, de modo geral, maior renda para
os novos residentes, que prontamente ficam expostos ao estilo de vida urbano, aí incluídos os hábitos de consumo.
Isso tende a influenciar e modificar a dieta do chinês. Nas últimas duas décadas, observaram-se a diminuição
do consumo direto de grãos per capita e o aumento da demanda por produtos de origem animal, tanto nas
cidades, como no campo. Especificamente nas áreas urbanas, o consumo per capita de alimentos já é maior
do que o da área rural em quase todos os itens, à exceção de grãos.
Diferenças significativas estão no consumo de ovos, pescado e laticínios. Em 2012, o consumo per capita destes
itens na área rural foi, respectivamente, metade, um terço e um quarto de suas contrapartes urbanas. A melhora
na renda dos residentes rurais potencializa uma maior redução no consumo humano de grãos e um aumento
na demanda por produtos animais.
140 HUANG, J.; YANG J.; ROZELLE, S. (2010). China’s Agriculture: Drivers of Change and Implications for China and the Rest of World. The American Journal of Agricultural Economics 41 (November 2010): 47-55.
196
Quadro 138
EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DA POPULAÇÃO URBANA NA CHINA (%)
19,4 22,9
26,4 31,0
35,9
42,5
49,2
55,6
61,0 65,4
68,7 71,1 72,8 74,3 75,8
1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 2015 2020 2025 2030 2035 2040 2045 2050
Nota: após 2015, projeção. Elaboração: Think Agro.
Fonte: United Nations Department of Economic and Social Affairs – Population Division (2014).
Quadro 139
CONSUMO DE ALIMENTOS, POR CATEGORIA, RURAL VERSUS URBANO
1990 1995 2000 2005 2010 2011 2012
RURAL (QUILO POR ANO/PESSOA)
GRÃOS (NÃO PROCESSADOS) 262,1 256,1 250,2 208,8 181,4 170,7 164,3
CARNES 12,6 13,1 17,2 20,8 20,0 20,9 20,9
LATICÍNIOS 1,1 0,6 1,1 2,9 3,6 5,2 5,3
PESCADOS 2,1 3,4 3,9 4,9 5,2 5,4 5,4
ÓLEOS VEGETAIS 3,5 4,3 5,5 4,9 5,5 6,6 6,9
OVO 2,4 3,2 4,8 4,7 5,1 5,4 5,9
VERDURAS 134,0 104,6 106,7 102,3 93,3 89,4 84,7
FRUTAS 5,9 13,0 18,3 17,2 19,6 21,3 22,8
URBANA (QUILO POR ANO/PESSOA)
GRÃOS (NÃO PROCESSADOS) 158,4 117,6 99,8 93,3 98,8 97,8 95,5
CARNES 25,2 23,7 25,5 32,8 34,7 35,2 35,7
LATICÍNIOS 4,6 4,6 9,9 17,9 14,0 13,7 14,0
PESCADOS 7,7 9,2 11,7 12,6 15,2 14,6 15,2
ÓLEOS VEGETAIS 6,4 7,1 8,2 9,3 8,8 9,3 9,1
OVO 7,3 9,7 11,2 10,4 10,0 10,1 10,5
VERDURAS 138,7 116,5 114,7 118,6 116,1 114,6 112,3
FRUTAS 41,1 45,0 57,5 56,7 54,2 52,0 56,1
Elaboração: Think Agro. Fonte: National Bureau of Statistics of China; China Statistical Yearbook – vários anos.
197
O rápido crescimento econômico e a taxa moderada de crescimento populacional resultaram no aumento da renda
do consumidor na China. À medida que a renda cresce, o consumo de alimentos aumenta e assume novo padrão.
Entre 2000 e 2013, o consumo total de alimentos por pessoa, medido em calorias, conheceu um aumento de
11%. Neste período, a contribuição dos cereais para o consumo total de calorias diminuiu de 55% para cerca
de 46%, e também caiu a de leguminosas e tubérculos. O consumo de carne, que representava quase 13% da
ingestão de calorias, cresceu para próximo de 16%. Além disso, o consumo de frutas, legumes e leite também
conheceu aumento ao longo deste período141.
Quadro 140
EVOLUÇÃO DO CONSUMO DE CALORIAS NA CHINA (EM QUILOCALORIAS)
2.808 2.816 2.832 2.833
2.857 2.879 2.883
2.919
2.977 2.994
3.044
3.081 3.100 3.108
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Elaboração: Think Agro. Fonte: FAO.
Quadro 141
EVOLUÇÃO DO CONSUMO DE CALORIAS NA CHINA, POR CATEGORIA DE PRODUTO (%)
55,0 54,2 53,4 52,3 51,6 50,6 50,3 49,1 48,5 47,5 47,1 47,1 46,2 45,9
12,6 12,5 12,7 13,2 13,2 13,5 13,9 14,0 14,3 14,7 14,9 14,7 15,2 15,5
7,2 7,5 7,9 8,1 8,4 8,6 8,9 9,4 9,8 9,9 10,2 10,3 10,7 10,9
6,55 6,53 6,57 6,49 6,62 6,50 5,24 5,10 5,31 5,08 5,09 5,03 5,00 4,95
14,7 15,2 15,2 15,2 15,4 15,6 16,2 16,9 16,5 17,0 17,0 17,0 17,0 16,8
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
OUTROS
PESCADOS
LEITE
OVOS
TUBÉRCULOS
VERDURAS E FRUTAS
CARNES
CEREAIS
Elaboração: Think Agro. Fonte: FAO.
141 FAO (2014). ‘FAOSTAT’ [Food supply]. Food and Agriculture Organization of the United Nations: Rome. Disponível em: <http://faostat3.fao.org/>. Acesso em: 23/04/2014.
198
Com a expansão da urbanização e o aumento da renda, o consumo direto de grãos tende a diminuir e o con-
sumo indireto tende a aumentar, em função da mudança estrutural da dieta, com preferência para a proteína
animal, os alimentos processados e o consumo alimentar fora do domicílio. Isso implica maior demanda de
rações e farelos proteicos, principal fator impulsionador da demanda de grãos na China nos próximos anos. O
Quadro 142, disponível na sequência, destaca a projeção de aumento da demanda de grãos na China até 2023.
Quadro 142
PROJEÇÃO DE DEMANDA DE GRÃOS, DE 2014 A 2023
258,6 256,5 254,4 252,3 250,3 248,2 246,2 244,2 242,2 240,2
227,4 231,7 235,9 240,3 244,8 249,3 253,9 258,6 263,4 268,3
142,1 146,7 151,4 156,2 161,2 166,3 171,6 177,1 182,8 188,6
641,2 647,8 654,7 661,7 669,1 676,6 684,5 692,6 701,0 709,7
2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022 2023
SEMENTES
INDUSTRIAL(PROCESSAMENTO)
RAÇÃO ANIMAL(FORRAGEM)
ALIMENTO (CONSUMODIRETO HUMANO)
DEMANDA TOTAL
Elaboração: Think Agro. Fonte: Relatório do Desenvolvimento, Centro de Pesquisa do Desenvolvimento do Conselho de Estado da China (DRC, na sigla em inglês).
Estima-se que, em 2023, a demanda total de grãos (incluindo soja em grãos para processamento) eleve-se
dos 628,76 milhões de toneladas verificados em 2012 para 709,71 milhões de toneladas – o equivalente a um
aumento de 13%. Deste total, o percentual de grãos utilizados para consumo direto humano cairá de 40% para
34%, enquanto o uso para ração (forragem) aumentará de 35% para 38%. Já no caso do consumo para uso
industrial, haverá um aumento de 22% para 27%142.
Estrutura de produção
O desenvolvimento agrícola na China foi alcançado, principalmente, pelo modelo de produção em pequena
escala, realizado em pequenas propriedades. A produção agrícola chinesa é dominada por cerca de 200 mi-
lhões de pequenos agricultores, distribuídos pelos diversos territórios do país.
Apesar do crescimento da produção pecuária em grande escala, as pequenas propriedades continuam desem-
penhando um papel importante na produção de suínos e laticínios. Na produção de grãos, a extensão média dos
terrenos é pequena e a terra cultivada é fragmentada. Quando a China concluiu a Reforma de Responsabilida-
142 秦中春[Qin Zhongchun] (2014). 到2023年中国农业增长趋势预测 [Perspectivas do crescimento agrícola da China até 2023]. In: 国务院发展研究中心调查研究报告[Relatório do Desenvolvimento do DRC] 54 (Abril 2014).
199
de Familiar, em 1985, a terra das aldeias foi igualmente loteada para todas as famílias residentes e o tamanho
médio do terreno ficou sendo de apenas 0,7 hectare, recentemente reduzido para 0,6 hectare.
A região Central, a mais produtiva em agricultura, tem a maior propriedade rural per capita e por família, se-
guida pela região Oeste, enquanto a região Leste tem o menor índice, devido à alta densidade populacional e
ao rápido desenvolvimento econômico. Sob o princípio de equidade na distribuição, cada família recebe, em
média, seis lotes, variando em função da fertilidade do solo, das condições de irrigação, da localização etc. O
tamanho médio de cada lote é de apenas 0,085 ha; cerca de 60% têm menos de 0,1 ha, e quase um quarto tem
área superior a 0,15 ha143.
Sabe-se que a pequena extensão e a fragmentação dos terrenos impossibilitam o uso de equipamentos mecâ-
nicos avançados e, consequentemente, inibem o aumento da produtividade por falta de economia de escala.
Também tem resultados difíceis investir em obras de infraestrutura como estradas e sistemas de irrigação e
implementar políticas agrícolas regionais, como a atribuição de zonas específicas para a produção agrícola
comercial. Tudo isso tem como consequência um efeito negativo na produção regional ou nacional144.
Na década de 1980, os agricultores destinavam mais de 75% de suas terras à produção de grãos tanto para o
consumo doméstico, como para a venda comercial. No entanto, em virtude da alteração do padrão de consumo
para alimentos de maior valor, os agricultores estão substituindo a produção de grãos por outras culturas mais
rentáveis, como frutas e hortaliças. Em 2010, a percentagem caiu para dois terços.
As famílias rurais estão, ademais, cada vez mais focadas em atividades não agrícolas. Como os membros da
família são os principais envolvidos nas atividades em sua própria terra, quanto menor o tamanho do terreno,
menos tempo um membro da família passa na lavoura. Em famílias com menos de 0,07 hectare de terra de
cultivo, apenas 29% dos trabalhadores familiares trabalham em tempo integral na agricultura, e 54% estão
envolvidos principalmente em atividades não agrícolas145. A renda líquida per capita nas áreas rurais, medida a
preços constantes de 2000, mais do que triplicou, passando de 1.249 yuan, em 1985, para 4.606 yuan, em 2010.
A maior parte deste aumento veio do setor não agrícola, e a parcela de renda oriunda da agricultura diminuiu
rapidamente de 66,3%, em 1985, para 29,1%. em 2010146.
143 YAN, X. (2013). Land Tenure Arrangements, Factor Market Development and Agricultural Production in China: Evidence from Henan Province.
144 TAN, S.; HEERINK, N.; QU, F. (2006). Land fragmentation and its driving forces in China. Land Use Policy 3: 272-285.
145 DIAO, X.; ZHANG, Y.; SOMWARU, A. (2000). Farmland holdings, Crop planting structure and input usage: an analysis of China’s agricultural census. International Food Policy Research Institute.
146 HUANG, J; WANG, X; QUI, H. (2012). Small-scale farmers in China in the face of modernisation and globalisation. IIED/HIVOS: London/The Hague.
200
4.2 AS POLÍTICAS CHINESAS PARA O
DESENVOLVIMENTO AGROPECUÁRIO
Uma breve apresentação sobre a reforma agrária
Imediatamente após a fundação da República Popular, em 1949, foi concedido aos camponeses o pleno direi-
to à terra como meio de acabar com os grandes latifúndios. Durante as décadas de 1950 e 1960, no entanto,
os agricultores perderam o direito à propriedade individual e passaram à coletivização agrícola na forma das
comunas populares.
Mais tarde, com o advento do período de Reforma e Abertura, o governo implementou o “sistema de responsabili-
dade familiar pela terra”, que deu a agricultores o “direito de uso” (apropriação e tomada de decisão temporárias)
sobre certas porções de terra por curtos períodos, com o objetivo de estimular o aumento da produção de grãos.
O governo central aprovou uma série de leis para fortalecer ainda mais o direito de uso da terra pelos agricul-
tores por meio da fixação de períodos de arrendamento. Em 2002, a Lei de Arrendamento de Terras Rurais da
China especificou mais claramente esses direitos e assegurou o prazo de contrato de trinta anos.
Em 2004, foi consagrado o conceito de propriedade privada na Constituição da China, que passou a distinguir
entre a terra, que só pode ser propriedade do Estado, e os edifícios e equipamentos sobre o terreno, que podem
ser de propriedade privada. Em 2007, a China adotou uma nova Lei de Propriedade, que substitui (mas não
revoga) a Lei de Terras de 2002. A Lei da Propriedade de 2007 esclareceu que os edifícios e os equipamentos
no terreno são propriedades separadas do terreno sobre o qual se assentam.
Principais políticas de desenvolvimento da agricultura na China
Conforme se expôs, a autossuficiência na produção de grãos, o aumento da renda dos camponeses e o desen-
volvimento rural e agrário são os principais objetivos políticos do governo chinês nos últimos anos.
Entre 2004 e 2015, o chamado “Documento nº 1” – que é publicado conjuntamente no início de cada ano pelo
Comitê Central do Partido Comunista e pelo governo central da China e que apresenta as diretrizes sobre as
prioridades do país nos doze meses seguintes – abordou a agricultura e o desenvolvimento rural. Especifica-
mente nos últimos anos, a publicação destacou, entre seus principais focos, a modernização, o desenvolvimento
sustentável da agricultura e a integração entre a cidade e o campo. Estes objetivos foram incorporados ao
Plano Nacional de Médio e Longo Prazos para a Segurança Alimentar (2008-2020) e ao 12º Plano Quinquenal
para a Economia Agrícola e Rural 2011-2015.
201
Quadro 143
AS PRINCIPAIS METAS PARA A AGRICULTURA E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO RURAL (2011-2015)
INDICADOR / META 2010 2015AUMENTO MÉDIO
ANUAL (%)
CAPACIDADE DE OFERTA DE PRODUTOS AGRÍCOLAS
ÁREA PLANTADA DE GRÃOS (100 MILHÕES DE HECTARES) 1,099 >1,067 –
CAPACIDADE DE PRODUÇÃO DE GRÃOS (100 MILHÕES DE TONELADAS)
>5,0 >5,4 –
ALGODÃO (MILHÕES DE TONELADAS) 5,96 >7,00 >3,27
OLEAGINOSAS (MILHÕES DE TONELADAS) 32,30 35,00 1,62
AÇÚCAR (MILHÕES DE TONELADAS) 120,08 >140,00 >3,12
CARNES (MILHÕES DE TONELADAS) 79,25 85,00 1,41
OVOS (MILHÕES DE TONELADAS) 27,65 29,00 0,96
LEITE (MILHÕES DE TONELADAS) 37,80 50,00 5,75
AQUICULTURA (MILHÕES DE TONELADAS) 53,73 >60,00 >2,23
ESTRUTURA DE PRODUÇÃO AGRÍCOLA
PRODUÇÃO PECUÁRIA / TOTAL DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA (%) 30 36 [6]
PRODUÇÃO PESQUEIRA / TOTAL DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA (%) 9,3 10,0 [0,7]
VALOR DA AGROINDÚSTRIA / TOTAL DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA 1,7 2,2 [0,5]
TECNOLOGIA E EQUIPAMENTOS PARA AGRICULTURA
TAXA DE CONTRIBUIÇÃO DO PROGRESSO TÉCNICO (%) 52 >55 >[3]
POTÊNCIA TOTAL DE EQUIPAMENTOS AGRÍCOLAS (100 MILHÕES DE QUILOWATTS)
9,20 10,00 1,68
MECANIZAÇÃO NA LAVOURA, NO PLANTIO E NA COLHEITA (%) 52 60 [8]
EFICIÊNCIA DO USO DA ÁGUA DE IRRIGAÇÃO 0,50 0,53 [0,03]
POPULAÇÃO RURAL QUALIFICADA (MILHÕES) 8,2 13,0 6,8
ORGANIZAÇÃO E GESTÃO DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA
NÚMERO DE FAMÍLIAS INTEGRADAS A ALGUMA ASSOCIAÇÃO DE PRODUÇÃO (100 MILHÕES)
1,07 1,30 3,97
PERCENTUAL DE GRADES FAZENDAS DE GADO LEITEIRO (%) (MAIS DE 100 CABEÇAS AO ANO)
28 >38 > [10]
PERCENTUAL DE GRANDES FAZENDAS DE SUÍNOS (%) (ABATE ANUAL ACIMA DE 500 CABEÇAS)
35 50 [15]
BENEFÍCIOS AGRÍCOLAS E RENDA DO AGRICULTOR
TAXA ANUAL DE CRESCIMENTO DO VALOR ACRESCENTADO DA AGRICULTURA, DA SILVICULTURA, DA PECUÁRIA E DA PESCA
– – 5
RENDA PER CAPITA DA ÁREA RURAL (YUAN) 5.919 >8.310 >7
Nota: [...] indica o acumulado de cinco anos. Fonte: Ministério da Agricultura da China.
A China aumentou significativamente o apoio ao setor agrícola desde 2004, quando o governo central escolheu
o desenvolvimento rural como objetivo fundamental do 11º Plano Quinquenal (2006-2010), com metas de de-
senvolver a agricultura moderna, aumentar a renda dos camponeses e melhorar a infraestrutura na zona rural.
202
Os programas do governo para a agricultura podem ser subdivididos, grosso modo, em quatro categorias: (i)
pagamentos diretos; (ii) apoio a preços; (iii) infraestrutura agrícola; e (iv) reformas regulatórias. Com exceção
das reformas regulatórias, todos estes programas destinam-se a aumentar diretamente a renda dos camponeses
ou diminuir o custo da produção.
De acordo com a OCDE, o apoio dado pelo governo chinês à agricultura é menor em comparação com o que se
vê em países desenvolvidos como Estados Unidos, Coreia do Sul, Japão, Canadá e União Europeia. Encontra-se,
porém, no mesmo nível de economias em rápido crescimento como Brasil, México, Rússia e África do Sul.
No entanto, a participação de serviços gerais no conjunto do apoio agrícola é muito alta em relação a outros
países, principalmente por causa de grandes investimentos em pesquisa e extensão rural, agências de segu-
rança de alimentos e inteligência de preços agrícolas.
A seguir, são apresentadas em detalhe algumas das diretrizes do governo para o desenvolvimento agrário na
China.
(a) Isenção de impostos para produtos agrícolas selecionados
Até o início da década de 2000, os agricultores chineses enfrentavam uma ampla gama de impostos, encargos
e taxas formais e informais, que variavam de província para província. Em 2000, a carga tributária chegou a
representar mais de 10% da renda líquida anual dos camponeses da China.
Em 2003, foi implantada uma reforma tributária rural para melhorar a situação. A reforma começou por integrar
a maioria dos impostos, taxas e encargos agrícolas em um tributo único e, mais tarde, limitou uma alíquota
máxima de 8,4% do valor de produção agrícola anual. Em 2005, os agricultores de 28 províncias ficaram isentos
de impostos agrícolas. No início de 2006, estes impostos foram eliminados em todo o país.
(b) Isenção do imposto sobre valor agregado para produtos agrícolas
As isenções do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) para o setor agrícola da China vigoram em vários está-
gios da cadeia produtiva no país. Em termos de insumos, a isenção incide em sementes, pesticidas, herbicidas,
máquinas agrícolas e alguns fertilizantes. A soma do custo destes insumos pode chegar a um terço do custo
de produção para agricultores.
Como todos os produtos dos produtores individuais são vendidos sem IVA, os compradores destes bens – como
processadores de alimentos, por exemplo – conseguem deduzir em até 13% do valor destes insumos no cálculo
do IVA que cobram no próximo ponto de venda. O efeito prático dessa política é que os produtos agrícolas
produzidos nacionalmente ganham vantagem no custo sobre os produtos importados.
As vendas de alimentos para animais produzidos nacionalmente também são isentas de IVA. Estes produtos
incluem ração mista, ração composta, pré-mistura, concentrado, farelo, grãos secos de destilaria com solúveis,
farinha de peixe e farinha de osso. De acordo com essa política, fábricas de rações e esmagadoras de oleagi-
nosas (com exceção de soja) também são isentas de IVA.
203
(c) Preços mínimos
Na China, a política de preços mínimos é aplicada às compras feitas no campo de determinados grãos na China.
A medida foi anunciada para o arroz em 2004 e, mais tarde, estendida para o trigo e o milho. Quando o preço
de mercado destes grãos cai abaixo do piso definido, o governo designa armazéns estatais para comprar a
commodity pelo chamado “preço mínimo”.
Segundo a Administração Estatal de Grãos da China, a aquisição de trigo totalizou 41 milhões de toneladas
até setembro de 2006, o que representou cerca de 40% da produção total daquele ano. Para o milho, além
do piso, o governo também incentiva, por meio de subsídio, os usuários finais (principalmente produtores de
rações) e as tradings estatais a comprarem o produto das províncias produtoras no Nordeste.
O Quadro 144, apresentado a seguir, ilustra a evolução do preço mínimo para arroz, trigo e milho.
Quadro 144
EVOLUÇÃO DA POLÍTICA DE PREÇOS MÍNIMOS PARA GRÃOS (RENMINBI POR TONELADA)
1.980
2.300
2.600 2.820 2.900
1.760 1.960 2.040
2.240 2.360
1.800 1.980
2.120 2.240
2010 2011 2012 2013 2014
ARROZ TRIGO MILHO
Elaboração: Think Agro. Fonte: USDA, China: Grain and Feed; Annual 2014, Fev. 4, 2014.
(d) Pagamentos diretos
Desde 2004, o governo central da China proporciona a agricultores significativos pagamentos diretos, princi-
palmente para o plantio de grãos (milho, arroz e trigo), conforme a área usada para a produção. Além disso,
subsídios de sementes são fornecidos para grãos e oleaginosas (soja, amendoim e colza). Pagamentos para
compensar o aumento dos preços de fertilizantes e combustíveis iniciaram-se em 2006. Até 2009, o escopo de
pagamentos do governo foi ampliado para incluir outros custos de insumos agrícolas, aquisição de máquinas
e sementes, subsídios destinados à criação de gado leiteiro e porcas.
204
Quadro 145
SUBSÍDIOS GOVERNAMENTAIS PARA A AGRICULTURA
15,1
21,75
107,1
15,1
20,0
107,8
15,1
22,0
17,5
86,0
15,1
20,4
14,49
83,5
15,1
19,85
13,0
75,6
15,1
12,074,0
63,8
2013 2012 2011 2010 2009 2008
PAGAMENTO DIRETO SUBSÍDIO EM SEMENTES SUBSÍDIO EM MAQUINARIA SUBSÍDIO EM COMBUSTÍVEL/FERTILIZANTE
Nota: dado indisponível para subsídio em sementes em 2012 e 2013. Elaboração: Think Agro.
Fonte: USDA, China: Grain and Feed; Annual 2014, Fev. 4, 2014.
(e) Reformas bancárias e práticas de empréstimos preferenciais
Até o final da década de 1990, empréstimos preferenciais na agricultura eram concedidos principalmente a
empresas estatais para financiar a compra e o armazenamento de certos produtos agrícolas, sobretudo grãos.
A partir de 2006, taxas preferenciais foram concedidas a empréstimos destinados ao desenvolvimento rural e
ao alívio da pobreza. Muitas vezes, no entanto, o fundo foi utilizado para complementar o orçamento subpro-
vincial ou beneficiar empresas industriais, em vez de agricultores.
Uma pesquisa nacional realizada em 2009 indicou que menos de 9% dos agricultores da China obtiveram
empréstimos de instituições estabelecidas. Como toda a terra é de propriedade do Estado e os agricultores
não possuem o terreno em que trabalham, quase não há ativos disponíveis para garantir o financiamento. Isso
restringiu o fluxo de verbas para investir no campo e melhorar a produtividade.
Dadas as limitações impostas pelas leis atuais de posse da terra, autoridades locais e provinciais estão expe-
rimentando uma variedade de programas e subsídios para elevar a consolidação, a eficiência e o nível de pro-
dução no setor. Esses projetos-piloto aumentam o número de credores rurais e permitem mais flexibilidade na
definição de taxas de juros, bem como na avaliação de crédito por vila, empréstimos conjuntos e mecanismos
de garantia pelo governo para aumentar o microcrédito, normalmente com valor inferior a US$ 1.000. Também
há tentativas de permitir que os agricultores utilizem como garantia de empréstimo seus limitados direitos de
uso da terra, como, por exemplo, direitos de exploração madeireira, pomares e contratos de comercialização.
(f) Infraestrutura e desenvolvimento rural
O investimento em infraestrutura específica para o desenvolvimento agrícola constitui um grande item de
despesas orçamentais do governo central chinês para alcançar as metas definidas nos planos.
205
Esta infraestrutura inclui não apenas estradas, telecomunicações, energia e sistema de irrigação com impacto
direto nos custos da produção agrícola, mas também bens e serviços que melhoram indiretamente a produtivi-
dade do setor, tais como sistema educacional, atendimento médico, redes de informação, projetos de pesquisa
e serviços financeiros. Os gastos com a infraestrutura agrícola aumentaram de RMB 114,09 bilhões, em 2005,
para RMB 175,26 bilhões, em 2012, o último ano com dados disponíveis da OCDE.
(g) Incentivo ao investimento estrangeiro direto no setor agrícola
O Investimento Estrangeiro Direto (IED) na China é regido principalmente pelo Catálogo de Investimento Estrangeiro,
com a emenda mais recente feita em 2015. O documento classifica indústrias em categorias nas quais o investimento
é encorajado, restrito ou proibido. De modo geral, os projetos que se enquadram na categoria “encorajado” rece-
bem incentivos preferenciais do governo, enquanto qualquer outro fora do Catálogo é considerado “permitido”.
No setor agrícola, a China encoraja o IED para elevar a capacidade produtiva ou desenvolver tecnologia desti-
nada a reduzir a poluição. As restrições aplicam-se a desenvolvimento de sementes convencionais, venda por
atacado de grãos e algodão, processamento de sementes oleaginosas, beneficiamento de arroz, trigo, açúcar
bruto e milho, bem como produção de biocombustíveis (etanol e biodiesel). O Catálogo proíbe o IED no de-
senvolvimento e na produção de plantas agrícolas e animais geneticamente modificados.
Existem políticas de incentivo ao IED em determinadas áreas relacionadas à agricultura, e as autoridades chi-
nesas têm enfatizado a importância da disseminação da tecnologia por meio do investimento em áreas rurais.
Varejistas modernos, consumidores de classe média e mercados de exportação, por exemplo, têm se tornado
cada vez mais exigentes quanto à qualidade e à segurança dos alimentos, fazendo aumentar a demanda dos
processadores de alimentos por melhores produtos e garantias de segurança dos fornecedores.
Os investimentos estrangeiros são bem-vindos e necessários para melhorar a infraestrutura e os equipamentos
de armazenamento, transporte e rede de frio para reduzir o desperdício decorrente da deterioração, manter a
qualidade de frutas e legumes frescos por um período mais longo e variar as opções de distribuição.
4.3 A INSERÇÃO DA AGRICULTURA
CHINESA NO CONTEXTO MUNDIAL
Até seu ingresso na OMC, em 2001, a participação da China no comércio internacional envolvia essencialmente
exportação (o país continua sendo o quarto maior exportador mundial de produtos do agronegócio). No entan-
to, as transformações radicais dos últimos dez anos alçaram a China à posição de segundo maior importador
mundial (atrás apenas dos EUA).
Como exposto, a urbanização acelerada da China (10 milhões deixam o campo a cada ano), a elevação da ren-
da, as mudanças nos hábitos alimentares (mais lácteos e mais carnes) e a insuficiente produção doméstica de
certos itens de demanda crescente levaram o país a assumir compromissos na OMC que ampliaram o acesso
a seu mercado. Apesar de as tradings estatais continuarem desempenhando um papel importante no merca-
do de algumas commodities, como grãos e algodão, o comércio de produtos agrícolas chineses exibiu novos
padrões nas categorias de matérias-primas, refletindo mudanças na estrutura de produção.
206
Importação e exportação do agronegócio chinês
Desde 1994, quando foram disponibilizados os dados de comércio internacional pelo Sistema Harmonizado (SH),
até o início da década de 2000, é possível notar relativa estabilidade nos fluxos de exportações e importações
de produtos agropecuários da China, medidos em dólar americano.
O cenário do comércio agrícola e de produtos afins147 modifica-se rapidamente após o ingresso da China na
OMC, em 2001. Como mostra o Quadro 146, a seguir, as exportações e as importações aumentaram 353% e
407%, respectivamente, de 2001 a 2013, mesmo com a desvalorização do dólar, com exceção de 2009, pro-
vavelmente devido à crise econômica mundial. No entanto, o saldo do comércio agrícola da China evoluiu de
US$ 15,2 bilhões em superávit, no ano de pico de 2006, para US$ 18,5 bilhões em déficit, em 2013.
Quadro 146
EVOLUÇÃO DO AGRONEGÓCIO DA CHINA (US$ BILHÕES)
-22 -28 -29 -31 -40 -52 -54 -60
-74 -93
-84
-114
-147 -163
-176
28 33 35 40 48 56
66 75
86 94 87
112
139 144 157
5,2 4,9 6,1 8,9 8,7 3,9 11,8 15,2 12,3 0,5 3,6 -1,8 -7,8
-19,0 -18,5
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
EXPORTAÇÕES IMPORTAÇÕES SALDO
Elaboração: Think Agro. Fonte: National Bureau of Statistics of China; China Statistical Yearbook – vários anos.
A balança comercial por categorias do Sistema Harmonizado (SH) proporciona uma melhor imagem da mu-
dança nos padrões de comércio. O superávit comercial (exportação líquida) aumentou significativamente
para mercadorias da Seção IV (alimentos industrializados, bebidas e tabaco) e da Seção VIII (peles, couros e
derivados), enquanto o déficit (importação líquida) concentra-se em produtos da Secção II (produtos vegetais)
e da Seção III (gorduras e óleos animais ou vegetais).
147 Produtos agrícolas e afins são definidos aqui como os estipulados nas Seções I-IV (Capítulos 1-24), Seções VIII-X (Capítulos 41-49) e nos primeiros quatro capítulos da Seção XI (Capítulos 50-53) do Sistema Harmonizado.
207
Essa mudança é coerente com a vantagem comparativa da agricultura chinesa, uma vez que é vantajoso para
a China importar culturas e produtos com uso intensivo de terra, tais como sementes oleaginosas e óleos co-
mestíveis, e exportar produtos processados trabalho-intensivos, tais como alimentos industrializados, artigos
de couro, móveis e produtos têxteis.
A demanda chinesa por alimentos e o agronegócio internacional
Desde 1993, o crescimento econômico da China oscila entre 5% e 15% ao ano, com uma média anual de 9,6%.
Mesmo com uma projeção de crescimento desacelerado nos próximos anos, a renda per capita na China deve
dobrar até 2022. Com isso, aumentaria, obviamente, a pressão de demanda sobre o mercado de commodities
agrícolas da China.
Tendo em conta os objetivos da política atual, esta crescente demanda provavelmente requereria maiores im-
portações de grãos secundários e sementes oleaginosas para alimentar o setor pecuário em expansão, assim
como atender a produção de óleos comestíveis. Uma projeção feita pela OCDE e pela FAO indica que, em um
cenário otimista, com elevado crescimento do PIB até 2022, o consumo de carne pode subir 6% e a produção,
4,5%, induzindo um aumento de 65% na importação de carne em comparação com o nível de 2013. A alta na
produção de carne impulsiona a maior demanda de cereais forrageiros (ração), o que responde pelo incremento
de 14% na importação de grãos para este fim.
Nesse cenário, os preços mundiais de cereais secundários elevar-se-ão quase 4%, ao passo que os preços da
carne suína no Pacífico subirão 8%. Por outro lado, em um cenário de baixo crescimento até 2022, a produção
e o consumo de carne podem cair 6% e 7,5%, respectivamente, e a importação de carne reduzir-se-ia em 45%
em comparação ao nível de 2013. Os preços da carne suína do Pacífico teriam uma queda de 5%. Ainda que
extremas, essas hipóteses sobre o crescimento econômico ilustram a sensibilidade dos mercados mundiais
frente ao desempenho da economia chinesa148.
Conforme a economia chinesa integra-se à economia mundial, seu crescimento oferece mais oportunidades
do que desafios para o resto do mundo. Simulando um cenário em que a economia chinesa cresce 7,2% entre
2010 e 2015 e 6,3% entre 2016 e 2020, uma projeção mostra queda moderada no índice de autossuficiência
de todas as culturas com uso intensivo de terra, com exceção do arroz. Isso ocorre porque estas culturas têm
menor vantagem comparativa no mercado mundial.
Nesse mesmo cenário, o aumento mais significativo na importação é esperado entre as oleaginosas. Em 2020,
a autossuficiência de oleaginosas cairá para 45%, em comparação aos 70% de 2001. Isso não deveria ser sur-
preendente, dada a experiência da China com a importação de soja na década passada. Depois que a China
liberalizou o comércio de soja, eliminando quase todas as suas medidas tarifárias e não tarifárias, a importação
anual de soja saltou de praticamente zero, no final dos anos 90, para mais de 60 milhões de toneladas, em 2013.
Segundo projeções, a produção de algodão e de outras fibras vegetais deve expandir ao longo do tempo,
principalmente por causa do aumento da produtividade, mas continua aquém da demanda doméstica. Simi-
148 OECD/FAO (2013). op. cit.
208
larmente ao que acontece em outras culturas, com a queda gradual do nível de autossuficiência, a importação
de fibras vegetais crescerá para acompanhar a rápida expansão do setor têxtil, que criou e continuará criando
emprego para milhões de chineses do campo.
Entre os cereais, os grãos forrageiros representam a maior parte das importações. Em 2020, a China vai im-
portar quase 20% de cereais secundários, principalmente milho, para atender a crescente demanda que se
dá com a expansão do setor pecuário. A importação do trigo será mínima, porque sua demanda per capita
deverá diminuir no futuro próximo. O arroz é o único grão que expandirá sua exportação, em ritmo moderado,
mantendo-se como mercadoria de exportação líquida de 2001 a 2020.
A produção doméstica de açúcar também vai ficar muito aquém da demanda interna, e seu nível de autossufi-
ciência será o segundo mais baixo, logo após as oleaginosas. A importação, apesar do valor menor em relação
a outras commodities, pode chegar a responder por 30% do consumo doméstico. Nessa esteira, o aumento
da importação desses produtos proporcionará oportunidades para a expansão da produção e da exportação
de muitos países em desenvolvimento da América do Sul e alguns países desenvolvidos. As exportações de
produtos agrícolas e alimentares provenientes das Américas do Sul e Central para a China, por exemplo, mais
do que duplicarão, passando de US$ 3,9 bilhões, em 2001, para US$ 8,5 bilhões, em 2020149.
As hortaliças constituem o grupo de produtos mais heterogêneos que a China tanto importará quanto expor-
tará em grande volume. Prevê-se um aumento significativo da importação de legumes e frutas produzidos na
China por países e regiões mais desenvolvidos, como Japão, Coreia do Sul, União Europeia e EUA. A China, por
outro lado, também importará substancialmente produtos hortícolas, sobretudo frutas tropicais e subtropicais,
do Sudeste Asiático, das Américas do Sul e Central, do NAFTA (Tratado Norte-Americano de Livre Comércio),
da Austrália e da Nova Zelândia.
Já no setor pecuário, a China poderá aumentar as exportações de carne suína e de aves para a Ásia Oriental,
a União Europeia e o NAFTA, enquanto suas importações provenientes da Austrália, da Nova Zelândia, do
NAFTA e da América do Sul registrarão significativo crescimento.
Em suma, o padrão de comércio agrícola da China é coerente com sua vantagem comparativa e sua dotação de
recursos. Após a entrada na OMC, este padrão foi reforçado, em um sinal de que a China está aproximando-se
ainda mais da sua vantagem comparativa no agronegócio com o resto do mundo150.
O crescimento econômico e a liberalização do comércio facilitarão as mudanças estruturais da agricultura chine-
sa, que migrará dos setores intensivos em terra com menor vantagem comparativa para setores intensivos em
trabalho com maior vantagem. Isso deve gerar mais comércio e ganhos para quase todos os países e regiões.
O tamanho deste ganho dependerá, no entanto, da natureza da estrutura econômica de cada região. As eco-
nomias consideradas complementares em relação à da China sairão mais beneficiadas, ao passo que aquelas
que dispõem de estrutura econômica semelhante podem enfrentar efeitos adversos da concorrência chinesa151.
149 HUANG, J.; YANG, J.; ROZELLE, S. (2010). op. cit.
150 CHEN, C. (2006). Changing patterns in China’s agricultural trade after WTO accession. In: GARNAUT, R.; SONG, L. (2006). The Turning Point in China’s Economic Development. Asia Pacific Press.
151 Regional Office for Asia and the Pacific/FAO (2006). Rapid growth of selected Asian economies: Lessons and implications for agriculture and food security, China and India.
209
Algumas questões relativas ao acesso ao mercado chinês
Considerando os possíveis efeitos negativos de importações a preços mais baixos sobre a renda dos produto-
res nacionais e as eventuais escassez e alta de preços de produtos-chave no mercado interno, decorrentes do
grande volume de exportações, o governo chinês impõe, estrategicamente, medidas tarifárias e não tarifárias
para aumentar ou diminuir o abastecimento de produtos agrícolas. Com isso, intervém direta e indiretamente
na oferta interna ou em resposta a desastres naturais.
Muitas tendências do comércio agrícola da China são, de fato, mais bem explicadas por iniciativas de política
interna e de comércio do que pela mudança de fatores associados a choques e oscilações de oferta e demanda.
A esse respeito, cabe ressaltar que a China utiliza contingentes pautais152 e outros mecanismos de comércio
para regular as importações de alimentos básicos.
Ademais, o país também vincula a imposição de medidas não tarifárias ao comportamento e aos objetivos das
demais políticas internas, relaxando estas barreiras sempre que necessário para que as importações possam
aliviar a inflação dos preços ou combater a escassez de alimentos.
(a) Medidas tarifárias
Como condição para sua adesão à OMC, a China reduziu significativamente as tarifas agrícolas, de 23,6%, em
1998, para uma média simples de pouco mais de 15% ad valorem. As tarifas médias, porém, variam conside-
ravelmente por categoria de produto/capítulos SH, mantendo a China altas tarifas sobre produtos que dizem
respeito à segurança alimentar ou que se encontram sujeitos a regulamentação rigorosa.
As tarifas são, por exemplo, mais elevadas para milho, trigo e arroz (65% ad valorem para tarifa extraquota);
tabaco (57%); açúcar de cana bruto e refinado (50% para tarifa extraquota); e algodão (40% para tarifa extra-
quota). Algumas dessas tarifas máximas são aplicadas a quantidades extraquota (relacionadas a contingentes
pautais, discutidos a seguir).
(b) As quotas tarifárias
As chamadas “quotas tarifárias” de importação constituem um dos principais mecanismos empregados pela
China para regular seu comércio153. A China converteu as quotas absolutas (restrições quantitativas) para quotas
tarifárias como pré-condição para sua adesão à OMC, aplicando-os para trigo, milho, arroz, algodão, açúcar e lã.
Essas quotas tarifárias representam pequenas parcelas do consumo interno chinês destes produtos, cujos graus
de utilização são, na maioria dos anos, muito baixos (à exceção do algodão e da lã), em um possível indicativo
da existência de uma barreira à importação.
152 As quotas tarifárias permitem a importação de mercadorias com taxas de direitos reduzidas ou nulas até determinada quantidade ou valor.
153 No âmbito das quotas tarifárias, é garantida a importação de determinadas quantidades de mercadorias a taxas preferenciais ou em condição de isenção.
210
Um estudo indica que as principais razões para os baixos graus de utilização são o papel de empresas estatais
na administração das quotas tarifárias de grãos, o aumento do apoio governamental e da produção doméstica
de grãos, e a melhoria da qualidade doméstica de grãos.
No seu protocolo de adesão à OMC, a China concordou em reduzir as quotas tarifárias agrícolas administradas
por empresas estatais. A taxa continua relativamente alta para açúcar (70%) e milho (60%), e é caracterizada
como não transparente a administração dos contingentes pautais154. Considerando a importância destes itens
para alcançar a meta chinesa de segurança alimentar por meio da autossuficiência, essas práticas podem ser
interpretadas como esforços para regular o fluxo dos produtos-chave para a China.
(c) Medidas não tarifárias
Como exposto neste documento, as medidas não tarifárias têm impacto sobre o volume de comércio, os preços
ou ambos e podem elevar o custo das importações ou impedi-las completamente a um determinado mercado.
Enquanto as tarifas foram reduzidas por acordos internacionais, aumentou a proeminência de medidas não
tarifárias em alguns países.
Atualmente, os importadores de todos os produtos agrícolas na China são obrigados a obter uma Permissão de
Quarentena para Importação. Os importadores de certos produtos – como carnes bovina, suína e aviária, soja,
óleo de soja, açúcar e tabaco, entre outros – ainda precisam solicitar uma “licença automática”, que funciona
como um mecanismo de monitoramento das importações. Exige-se, ainda, uma grande variedade de outras
licenças e certificações. Além disso, requisitos desnecessários de rotulagem e aduana e políticas de imposto
sobre o valor agregado que colocam em desvantagem as importações frente à produção nacional são fatores
que complicam ou encarecem as importações.
(d) Restrições sanitárias e medidas fitossanitárias
Restrições sanitárias e fitossanitárias são instrumentos usados com frequência pelo governo chinês para con-
trolar o fluxo de importações agrícolas. No momento da sua adesão à OMC, em dezembro de 2001, a China
concordou em adequar seus regulamentos de sanidade aos termos do Acordo SPS.
No entanto, as medidas chinesas apresentam deficiências resultantes da estrutura do seu sistema regulatório,
tais como a falta de experiência por parte da burocracia que emite as normas, a escassez de recursos e a au-
sência de um procedimento nacional na aplicação destas normas. Porém, as restrições podem ser reduzidas
quando a demanda no mercado doméstico exigir mais importações que seriam barradas por causa da questão
sanitária. Muitos regulamentos chineses que restringem a importação de produtos agrícolas são mais rigorosos
do que os critérios internacionais comumente aceitos e foram promulgados sem nenhuma justificação cientí-
fica. Como em muitos países, algumas destas restrições impõem condições mais rigorosas do que as normas
exigidas internamente para produtos chineses.
154 USITC (2011). China’s Agricultural Trade.
211
No tocante aos produtos de biotecnologia agrícola, ou Organismos Geneticamente Modificados (OGMs), por
exemplo, os produtos importados devem, inicialmente, receber aprovação para o uso comercial no país de
origem antes de se apresentar o pedido às autoridades chinesas. Essa prática causa, naturalmente, atrasos no
processo de aprovação e retarda o acesso ao mercado chinês.
Atualmente, a China já emite autorizações para importação de OGMs de soja, milho, algodão e canola. Entre-
tanto, cada “evento” específico precisa ter uma aprovação, e isso inclui cada característica desenvolvida para
uma cultura e as combinações destas características, mesmo que estas tenham sido aprovadas individualmente.
Um certificado de aprovação de OGM tem validade de três anos. Embora a renovação deste documento não
tenha causado interrupção do comércio, o processo aumenta a incerteza no mercado. As autoridades chinesas
ainda exigem um certificado de segurança separado para cada carregamento de soja ou milho OGM, mesmo
que a característica ou o evento já tenha sido certificado. As medidas sanitárias e fitossanitárias da China criam
um elemento de incerteza que aumenta os riscos e, eventualmente, os custos para os exportadores, a exemplo
do ocorrido com a exportação de milho brasileiro, em que a primeira carga só foi liberada quase um ano depois
da assinatura do acordo no final de 2013.
Em março de 2006, durante a primeira reunião da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concentração
e Cooperação (COSBAN), foi criado o Subcomitê de Inspeção e Quarentena entre a Administração Geral de
Supervisão de Qualidade, Inspeção e Quarentena (AQSIQ) da China e o Ministério da Agricultura, Pecuária
e Abastecimento do Brasil (MAPA). O Subcomitê tem por objetivo buscar soluções para questões de saúde
animal, sanidade vegetal e segurança alimentar, no âmbito da COSBAN.
SOBRE A FGV
215
SOBRE A FGV
Criada em 1944, a FGV é uma entidade sem fins lucrativos que apresenta uma extensa folha de serviços pres-
tados à comunidade técnico-científico-empresarial e à sociedade como um todo. A tradição, aliada à eficácia
e à eficiência de sua atuação, constitui a marca registrada desta instituição.
No campo dos projetos, a FGV diferencia-se por agregar aos seus trabalhos o seu maior patrimônio: a credi-
bilidade, estabelecida ao longo do tempo pela segurança e pela competência em tudo o que faz. As rápidas e
eficientes formulações de grupos multidisciplinares de altíssima qualificação técnica permitem a prestação de
serviços em suas diversas áreas de conhecimento.
A rica vivência prática, nos setores público e privado, de seus especialistas detentores de sólida formação
acadêmica e os valores fundamentais que caracterizam e distinguem a instituição garantem resultados que só
uma organização como a Fundação Getulio Vargas pode atingir.
A FGV em números*:
3.6361.380
436524
127,8mil
295
2.910alunos de graduação
produções intelectuais de professores, pesquisadores e técnicos
544alunos de Mestrado
acordos internacionais de cooperação técnica, científica e acadêmica
310alunos de Doutorado
projetos de assessorias técnicas
381alunos graduados livros editados
428alunos em educação continuada
dissertações de Mestrado aprovadas
62estudos e pesquisas regulares
teses de Doutorado aprovadas
* Dados referentes ao ano de 2014
Think Tank do Agronegócio Brasileiro
Think Tank do Agronegócio Brasileiro
Rua Itapeva, 474 - 6° andar Tel.: +55 11 3799-3645
http://gvagro.fgv.br/
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