ITACOATIARA | Uma Revista Online de Cultura | RECIFE | VOL.1 – N.1 | OUTUBRO - 2011 | P. 97 - 100
RESENHAS – A SOCIOLOGIA DO CORPO | MARIA DAS GRAÇAS VANDERLEI DA COSTA
Maria das Graças Vanderlei da Costa.
LE BRETON, David. (2007), A Sociologia do Corpo. 2.ed. Tradução de
Sonia M.S Fuhrmann. Petrópolis, RJ: Vozes.
O tema abordado nesta publicação vem sendo alvo de muitos estudos
antropológicos, ligados a diversas áreas de interesse. Pesquisas
envolvendo religião, gênero, etnicidade, imaginário, contemporaneidade,
saúde, dentre outras, vêem no campo da corporeidade perspectivas de
indagações e descobertas. Nesta obra de referência, o antropólogo
francês David Le Breton, consagrado especialista em estudos do corpo,
destaca a corporeidade como um novo campo da sociologia.
É objetivo do autor perceber o corpo como um importante
elemento da expressão humana, revelando-se primordial para a
compreensão do homem e de sua relação com o mundo. Como um
produtor de sentidos e um propagador de significações, ele permite a
inserção no interior dos espaços social e cultural. Assim, o processo de
socialização da experiência corporal acompanha as diversas etapas do
desenvolvimento dos indivíduos e a construção corpórea, pautada nas
características de cada grupo social torna-se socialmente modelável.
Numa perspectiva introdutória, e de forma bastante didática, o
autor destaca as primeiras décadas do século XX, momento de
descobertas sobre o valor do corpo para a sociologia. De modo
esquemático, discorre sobre as principais etapas da abordagem do corpo
pelas Ciências Sociais, desde aos seus primórdios, no Século XIX. Em um
primeiro momento, denominado pelo autor de sociologia implícita do
corpo, este, embora não seja esquecido, ainda ocupa uma posição
secundária para a análise sociológica. Com objetivos voltados à denúncia
de questões de miséria, insalubridade, e carência das classes
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trabalhadoras dentro do contexto da Revolução Industrial, Villermé,
Buret, Engels e Marx desenvolvem estudos sobre o corpo, moldado pela
interação social: corpo enquanto fato de cultura. Paralelamente, uma
outra abordagem dá primazia ao biológico, como elemento determinante
para a definição social e cultural do homem, observando a determinação
das raças e hierarquia evolutiva dos grupos humanos. Em destaque, as
posições de clássicos autores da Sociologia, como Durkheim, Mauss,
Hertz, Weber, Simmel. No âmbito da psicanálise, a importância do
trabalho de Freud, introduzindo o elemento relacional na corporeidade.
Numa segunda etapa, há o que o ator chama de sociologia em
pontilhado. É uma passagem progressiva que desloca o olhar do corpo
numa visão biológica e morfológica para uma imersão no campo social e
simbólico: uma corporeidade socialmente construída. Aqui estão em
destaque os trabalhos de Simmel, Hertz, Mauss, componentes da Escola
de Chicago, Elias e Efron.
Observo que nessas duas primeiras etapas enunciadas, seguimos
um itinerário dentro da própria história da Sociologia, recordando
clássicos estudos e autores que marcaram a história da disciplina e
influenciaram o nascimento da Antropologia. Por fim chega-se a
sociologia do corpo, a qual estabelece as lógicas sociais e culturais
propagadas através da corporeidade.
A obra nos convida a uma caminhada em direção às variadas
definições de corpo, observando as ambigüidades deste referente, as
distintas concepções nas diversas sociedades e plurais abordagens
epistemológicas: o corpo e sua relação com o cosmo, o social, o
individual e a natureza. Nesse sentido, Le Breton reitera a importância da
Sociologia e Antropologia para a compreensão da corporeidade enquanto
estrutura simbólica, ressaltando as representações, os desempenhos, o
universo imaginário e os limites que envolvem as diferentes concepções
envolvidas nessa dinâmica.
É de suma importância as colocações da obra destacando o corpo
como valioso campo de pesquisa. O texto continua, a cada momento, nos
lembrando da tarefa de investigarmos as raízes sociais e culturais que
envolvem a condição humana.
Para o autor duas importantes questões devem marcar a Sociologia
do corpo: o entendimento da diversidade entre grupos e culturas,
percebendo-se as questões históricas; o estudo da relação entre os
atores e o mundo. A não compreensão desses elementos gera
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ambigüidades. Argumenta também que a pluridisciplinaridade que
envolve o estudo do corpo pode ser uma fonte de riqueza.
Tecendo uma teia sobre os campos de pesquisa da corporeidade
Le Breton utiliza-se de uma minuciosa abordagem destacando trabalhos
de relevantes estudiosos que o ajudam a revelar a grandiosidade desse
universo. Em relação às práticas relacionadas com as lógicas sociais e
culturais da corporeidade, destaca o trabalho de Mauss e seus estudos
sobre as técnicas do corpo. Em relação à gestualidade o autor faz
referência a cotidianas ações desenvolvidas pelos indivíduos. Destaca os
estudos comparativos desenvolvidos por Efron e o trabalho de
Birdwhistell. Numa abordagem sobre a etiqueta corporal, revela este
importante elemento presente na interação cotidiana, determinado e
autorizado a partir dos padrões dos grupos e traz exemplos de Goffman,
Hall, e Firth.
Le Breton reitera a importância de percebermos a expressão dos
sentimentos e o campo das percepções sensoriais. Aqui os estudos de
Simmel e Becker. Fazendo referência às técnicas de tratamento
dispensadas ao corpo, observa também a influência de cada grupo e
classes sociais, em relação às condutas de higiene, purificação,
prevenção. No tópico inscrições corporais percebemos as inúmeras
marcas corporais que têm diferentes funções para cada comunidade. Em
relação a má conduta corporal destaca os debates em torno da doença,
desespero e loucura.
Ressalto que todo esse conjunto enunciado sobre as técnicas que
envolvem a corporeidade nos permite ter uma ampla visão das possíveis
pesquisas sociológicas relativas a esse campo, ampliando nosso
entendimento sobre a riqueza desse universo.
Observa que diversas teorias tentam identificar o corpo, defini-lo,
determinar sua ligação com o ator por ele personificado, a partir de
noções que fazem parte do contexto social e cultural de cada sociedade.
As abordagens biológicas buscam na Sociobiologia a base para suas
teorias afastadas do campo epistemológico das Ciências Sociais. Através
de alguns relatos etnográficos e dos estudos de Goffman, aspectos sobre
a diferença entre os sexos. Questionando sobre a representação e valores
associados ao corpo ou a parte deles, tece um diálogo com Hertz e
Douglas. Em relação ao corpo, enquanto lugar de imaginários, o autor
aborda sobre o racismo. Uma última dimensão apontada pelo autor é a
do corpo deficiente e as limitações sociais de se lidar com um corpo
marcado pela diferença, a qual suscita atenção e mal-estar.
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A partir do momento que vamos percorrendo o texto, somos
convidados a prosseguir nessa viagem em direção aos campos de
pesquisa, que envolvem os estudos da corporeidade. Nesse sentido, Le
Breton aponta para a significação do corpo na contemporaneidade.
Relacionado às questões de pertencimento social e cultural de cada
indivíduo, a preocupação com a aparência do corpo que se apresenta e se
representa. Analisa também a ação política sobre a corporeidade, a partir
do trabalho de Brohm, M. Foucault, Bourdieu, e Boltanski. Sob a égide da
moral do consumo, Baudrillard destaca o corpo, objeto da modernidade.
Perrin, por sua vez, observa as terapias corporais no espaço terapêutico
como forma de mudança espiritual. Le Breton observa a concepção
contemporânea que opõe sutilmente o homem ao corpo, objeto a ser
moldado e que o revela como parceiro, um espelho fraternal que deve ser
explorado. Observa a crescente paixão moderna pelo risco e aventura e a
visão biomédica própria da modernidade, onde o corpo serve a
experimentos e transplantes, visto pelo autor como membro
supranumerário do homem.
Concluindo sua obra o autor tece importantes considerações sobre
a difícil tarefa de se fazer uma sociologia do corpo. Esta deve fazer um
percurso transversal em relação a outros campos de estudo, como
história, psicologia, etnologia, medicina, biomédica, dentre outros.
Precisamos perceber a complexidade do campo e do objeto,
reconhecidamente interface entre o social e o individual, entre natureza e
cultura, entre o fisiológico e o simbólico. Embora sendo um campo ainda
em construção, conta com investigadores relevantes, como tantos citados
nessa obra. Numa perspectiva dialógica imprimir uma tarefa pautada na
prudência, humildade, reflexão, mas repleta de imaginação e busca, na
tentativa de elucidar as lógicas sociais e culturas que envolvem ao estudo
da corporeidade.
A obra alerta para os importantes campos que se abrem que
servem para pensarmos sobre o universo do gestual, as práticas físicas,
as representações associadas aos segmentos corporais, a remodelação do
imaginário coletivo impostos pela modernidade e dos sistemas
simbólicos presentes nas lógicas sociais e culturais.
Em todo o texto o autor nos faz perceber a complexidade da
Sociologia do corpo e a possibilidade que temos, através dela, de
descobrir a amplitude de nossas próprias relações com o mundo. Essa é
uma Sociologia do “[...] enraizamento físico do ator no universo social e
cultural” (Le Breton, 2007, p.94).