Resenhando Escola e Democracia de Dermeval Saviani.
O livro aqui resenhado, a 32 edio com mais de 155.000 (cento e cinqenta e cinco mil)
exemplares vendidos, cuja editora : Autores Associados, Campinas-SP.
Este apenas mais uma de suas obras pedaggicas dentre tantas outras como: Pedagogia
Crtico Social dos Contedos, A Nova Lei de Diretrizes e Bases e o Problema da Inovao em
Educao...
Saviani comea seu livro levantando questes de dois grupos mais ou menos antagnicos. O
primeiro grupo (teorias no-crticas, classificadas como a pedagogia tradicional, a pedagogia
nova e a pedagogia tecnicista) acha que a educao a panacia milagrosa capaz de erradicar
a marginalidade de nossa sociedade. No segundo grupo (Teorias Crtico-Reprodutivistas
subdivididas em teoria de sistema enquanto violncia simblica, Teoria da Escola Enquanto
Aparelho Ideolgico do Estado (AIE) e Teoria da Escola Dualista). Neste caso, de forma
oposta, a educao aparece como fator agravante, atravs da discriminao e responsvel pela
marginalidade. Por ltimo, prope uma Teoria Crtica da Educao. Saviani frisa que os dois
primeiros grupos explicam a marginalizao na forma da relao entre educao e sociedade.
Eu, particularmente, tenho um ponto de vista formado a respeito da marginalizao e acho
que o fator educao (como escola e pedagogia) no fator preponderante na erradicao
ou no agravamento da marginalidade, acho apenas, um fator coadjuvante. Por sua vez a
sociedade tambm apontada como grande culpada, eu a colocaria em segundo lugar, pois,
para mim, a principal causa da marginalidade nasce no seio da famlia ou seja na clula matter
da sociedade e no nela como um todo.
Isto pode ser observado, (perdoe-nos a digresso) em casos que conhecemos, de indivduos
sem estudos, aculturados, porm perfeitamente integrados na sociedade como pessoas de bem
e at com grande sucesso econmico. Para amparar minha tese, gostaria de lanar mo da me
natureza, na explicao. A maior parte dos animais, desde a mais tenra idade tem uma relao
instintiva com seus filhotes. Dentro desta relao, eles, alm de prover a alimentao e o
afeto, logo que a ampulheta temporal sinaliza, comeam a integrar seus filhotes ao meio
ambiente onde vivero. Estas criaturas ensinam seus filhos a arte da caa e da sobrevivncia.
Como exemplo, citaremos as focas que elaboraram uma forma de retirar crustceos de dentro
de suas conchas protetoras com pedras e repassam este conhecimento para seus filhos que
absorvem este conhecimento e passam a usa-lo em suas existncias. Acreditamos que, o ser
humano tem fugido deste trabalho instintivo de criar seus filhos abandonando-os merc das
incertezas da vida. Acho que se o pai um pescador e aos poucos for introduzindo seu filho
na arte da pesca, numa relao sadia de companheirismo e amor, dificilmente esta criana ser
marginalizada. Com certeza dentro de sua sociedade ele estar integrado! De fato, a falta de
assistncia paterna (pai e me) para mim, um dos principais fatores geradores da
marginalidade em nossa sociedade.
A escola tradicional e a escola nova so criticadas terrivelmente. Seus insucessos ao redor das
dcadas de 60 e 70, frisadas por Saviani simples de explicar. As teses tradicionais e novistas
centradas no professor ou no aluno como principais responsveis pelo ensino aprendizado
eram aleijadas! Ambos no possuem e nem possuam, separadamente, este poder mgico de
gerar o ensinoaprendizado. Sabemos hoje, que o papel do educador gerar motivao e
repassar metodologia de busca e aquisio do conhecimento, com participao ativa do aluno,
considerado, na poca como ser passivo perante o fenmeno ensino aprendizagem! Neste
tempo, os professores se limitavam s explicaes cansativas para o coletivo. Quem captou,
captou, quem no captou, ficou reprovado... claro que existem honrosas excees, meu
marido, Prof. Rpires (Ver educao para o ano 2000) conta sobre um seu professor de
cincias da dcada de 70, construtivista, que dissecava pequenos animais em sala de aula,
demonstrando recursos educacionais incomum, na poca. Nas teses acima, aceitamos que esta
educao contribuiu para a reprovao e para o abandono escolar, mas nunca, absolutamente,
como principal fator gerador de marginalidade, pois muitos que abandonaram a escola da
poca se prepararam como autodidatas e se integraram.
Saviani analisa algumas caractersticas especficas das teorias educacionais, afirmando que a
teoria tradicional surge historicamente com o interesse de superar o Antigo Regime, baseado
nas conquistas da Revoluo Francesa, esta prope a universalizao do ensino para retirar os
indivduos da condio inferior de sditos e transform-los em cidados esclarecidos. Nesse
contexto, a marginalidade entendida enquanto um fenmeno derivado do dficit intelectual
ocasionado pela ausncia de instruo. A escola seria o remdio para este problema, na
medida em que se difunde um ensino centrado e organizado em torno da figura do professor.
As lies dos alunos so seguidas com disciplina e ateno, direcionadas pelo mestre-escola,
ao aluno competia aprender.
Aos poucos, esse tipo de teoria foi caindo em descrdito devido s dificuldades de acesso de
todos escola e tambm em funo do fracasso escolar, mesmo para os que conseguiam o seu
desiderato de ingressar na instituio escolar.
A Pedagogia Nova surge como uma tentativa de equacionar os problemas gerados pela
Pedagogia Tradicional. Nascida das experincias de educao com portadores de necessidades
especiais (Decroly e Montessori), foi estendida a seguir como uma proposta para o mbito
escolar como um todo. Concebe assim o marginalizado, no como um ignorante, mas como
algum que foi rejeitado pelo sistema escolar e pela sociedade. escola cabe a funo de
reintegrar o aluno ao grupo, tomando-o como centro do processo ensino-aprendizagem,
desenvolvendo uma metodologia com atividades de cunho bio-psquico e que o estimulem
participao em um ambiente alegre e criativo, portanto. ( para ns, outro erro pois educao
no deve ser centrada no professor e nem, pior ainda , no aluno!)
Como a Pedagogia Nova precisava de um ambiente rico para a sua implantao ficou restrita,
na prtica, a algumas experincias apenas. A proposta do movimento da escola nova, ao fim
de tudo, colabora para rebaixar o nvel da aprendizagem e do ensino, pois retirou a
centralidade do processo no professor que sabia e jogou para o aluno, que no tinha condies
de adquirir o saber.
Surge ento a pedagogia tecnicista. Nesta, marginalizado no o ignorante e nem o rejeitado,
mas sim, o incompetente (no sentido tcnico da palavra), o ineficiente e improdutivo, isto , a
educao estar contribuindo para superar o problema da marginalidade na medida em formar
indivduos eficientes, portanto capazes de contribuir para o aumento da produtividade da
sociedade.
Ento para a pedagogia tradicional o importante era aprender, para a pedagogia nova aprender
a aprender e para a pedagogia tecnicista, o importante era aprender a fazer. Para mim, todas
pecavam por se centrar em cima de uma nica filosofia.
Estas modificaes da educao e seus fracassos serviram para rotul-la de discriminadora e
repressiva (Schooling in Capitalist, Bowles 1976, Bowles e Gintis).
Sobre a violncia simblica que nos parece um forte atributo do capitalismo, no sentido que
imposto. Podemos ver a fora desta violncia simblica nas mdias: seja jornais, rdios ou
televises. imposto ao indivduo teses, produtos, enfim, um nmeros de coisas e opinies de
forma tcnica e at com propaganda subliminar, que de uma forma ou de outra, impe
mtodos e comportamentos. A escola no escapa a esta regra. Os alunos como um rebanho
tranqilo recebem e absorvem os contedos que representam a verdade inquestionvel. Se
questiona repelido e tachado de reacionrio. De fato, esta realidade no pertence ao passado.
coisa do presente e norteia as regras do capitalismo selvagem em que vivemos.
As caractersticas da democracia atual com suas classes dominantes e dominadas, refora a
escola como aparelho ideolgico do Estado. Apesar das lutas destas classes, as chances de
vitrias so pequenas. A dominao burguesa, atravs daqueles que conseguiram algum
sucesso e ocupam altas posies administrativas, possuem fortes instrumentos de represso
contra eventuais e tmidos protestos da classe dominada. Neste caso, a marginalidade a
prpria classe trabalhadora, que sufocada pelo poder estatal tem que se limitar a cumprir seu
papel em cima de normas e leis vindas da classe dominante, que visam somente manter seus
interesses e o poder. Saviani termina seu texto, com um pargrafo de desculpas e elogios aos
heris professores annimos dentro desta luta de classes em busca da to falada sociedade
igualitria.
Uma caracterstica do capitalismo a sua dualidade social j satirizadas em muitas modinhas:
(porque o de cima sobe e o de baixo desce.. bom te bom, bom, bom, bom, bom...). Os de
baixo e os de cima, ricos e pobres, dominadora e dominada, segundo Baudelot e Establet in
Lcole capitaliste em France (1971). A escola no foge a esta regra. A escola da plebe ou
classe dominada (proletria) intitulada simplesmente de Escola Pblica. E a escola particular
ou escola da burguesia, incluindo as universidades.
Mais uma vez a est o proletariado e a burguesia com fronteiras bem distintas. Parece-nos
que a tnica desta dualidade uma tendncia primria profissionalizante (PP) e a secundria
superior (SS). A primeira para os filhos da classe mais pobres, impedida de ter acesso s
escolas superiores. A segunda, claro para a classe burguesa, capaz de chegar aos nveis
superiores e manter, assim, nas mos de sua beneficiada classe, o poder. Este o aparelho
ideolgico do Estado Capitalista, que trabalha em proveito da classe dominante e contribui
para manter as relaes sociais de produo capitalista. Dentro de conceitos preparados para
esta escola defensora de interesses burgueses, est o engrandecimento do intelecto e a
desvalorizao do trabalho manual. Neste caso, a escola aparece como fator marginalizante e
no como fator de equalizao como se prope.
No captulo da Teoria da Curvatura da Vara, Saviani justifica um processo de tentativa de
ajustes da educao: quando uma vara est torta ela fica curva de um lado e se voc quiser
endireita-la, no basta coloc-la na posio correta. Lnin (Althusser, 1977: 136-38).
preciso curv-la para o lado oposto. Nesta mesma ocasio, afirma Saviani: quando mais se
falou em democracia no interior da escola, menos democrtica foi a escola e de como, quando
menos se falou em democracia, mais a escola teve articulada com a construo de uma ordem
democrtica. A pedagogia tradicional calcada na concepo da filosofia essencialista foi
substituda pela pedagogia nova, baseada sobre uma filosofia existencialista. a existncia
superando a essncia, recurso imposto pela casta burguesa para sobreviver.
No passado, na Grcia antiga, onde, a filosofia da essncia tinha sua fase urea, os escravos
no eram vistos como seres humanos. Essncia humana, s era realizada nos homens livres.
Segundo esta viso, os seres j nasciam predestinados e isto era coisa divina, que ningum
questionava. A classe dominante no tinha dificuldades de quaisquer espcie, pois, na poca,
at a classe dominada aceitava isto como uma imposio divina (castigo?). Desta forma, esta
era parte da essncia humana, que por si s se justificava.
Mas na verdade esta dominao no era natural, nem tampouco parte da essncia e o tempo se
encarregariam de colocar abaixo esta filosofia, juntamente com sua pedagogia. Tinham que
cair, porque eram injustas e deveriam serem substitudas por sociedades igualitrias. Mas
quem faria esta reforma? A classe dominada? Nem pensar! A histria normalmente no
caminha assim, por questo lgica inerente a esperteza da burguesia, de posse do poder. Desta
maneira, a classe dominante percebendo a mudana por falta de sustentao racional e
precisando manter o domnio, resolve reformar a sociedade substituindo-a um suposto direito
natural por uma sociedade contratual. Esta sociedade partindo da premissa que todos os
homens so livres para vender, mediante contratos, sua mo de obra. Por outro lado, a outra
parte livre tambm para contrat-la ou no. Este o fundamento jurdico desta sociedade
burguesa, onde existe uma igualdade formal. mais uma vez, neste contexto, que entra a
escola com sua pedagogia. Observem que at o momento anterior, a burguesia cavalgava
junto com a histria e como classe dominante, no tinha menor interesse que algo fosse
mudado. Com o passar do tempo, suas teses filosficas no garantem mais sustentao e ela
passa a andar na contra mo da histria e neste momento, que a escola tradicional e a antiga
pedagogia da essncia no servem mais aos seus interesses burgueses e implantam-se a escola
nova e a pedagogia da existncia.
Observem o interessante: no momento anterior, os homens eram na sua essncia diferentes.
Uns nasciam senhores e outros escravos. As conquistas naturais trazem idias de
modificaes, afirmando que o certo seria uma sociedade igualitria, pois todos so iguais
perante a lei. Mal poderiam imaginar que hoje, em pleno ano 2000 voltaramos a frisar as
diferenas entre os homens e que estes precisam ser respeitados e aceitos com suas diferenas.
Eu como aluna, professora e espectadora, acho isto tudo muito conflitante! Acho que esta
sociedade cclica e as coisas vo se invertendo durante o girar da histria.
Em um dado momento a classe "X" domina e as lutas das classes dominadas a caracterizam
como revolucionria. No momento seguinte, cai a classe antiga dominante e os papeis se
invertem. Entretanto, o palco est formado: nova classe dominada entra na luta para
reempossar-se de novo.
A escola tambm com suas pedagogias, oscilam sendo elas instrumento forte da classe
dominante. Parece que a vara da curvatura, ora vicia dum lado e ora vicia do outro.
No Brasil a filosofia da escola nova que prope escola para todos e que se parece com um
beneficio para a classe proletria, na verdade era interesse comum. A burguesia imaginava
que os dominados mais escolarizados saberiam escolher melhor seus governantes, digo:
melhores sobre a tica dominante. Por sua vez, o melhor segundo a tica da classe dominada
no se afinava com o ideal burgus e na verdade nunca se afinar. Fica observado que esta
escola que foi dada no est cumprindo sua funo, que tudo indica consolidar a burguesia.
Como podemos ver, a burguesia continua a manipular as ferramentas pedaggicas no sentido
de manter inalterada a balana social desequilibrada, sendo importante citar a classificao
desta classe capitalista (em comentrio brincalho) de at muito evanglica segundo Saviani,
pois levam ao p da letra a parbola dos talentos: ao que tem se lhe dar e ao que no tem,
at o pouco que tem lhe ser tirado. Observem que mesmo na poca atual o Estado beneficia
subsidiando o ensino do primeiro grau, para que a classe proletria consiga aprender o
mnimo necessrio para servir ao seu interesse, pois afinal, uma classe totalmente
desescolarizada se revela mais ou menos intil aos interesses de uma sociedade no nvel atual
de tecnologia. Entretanto, o ensino de segundo grau j possui restries de subsdio, pois, o
abenoado FUNDEF no chega at l.
Arrematando sobre a Curvatura da Vara, parece que Saviani puxa propositadamente a vara
para o lado oposto, na esperana desta vir para o centro, que no nem a escola tradicional
nem a escola nova; mas a vara meio teimosa e se vicia na nova posio e percebe-se que ter
que ser com muito jeitinho e pequenos ajustes programados para traz-la para o centro.
J ao cerrar das portas desta resenha percebe-se o objetivo principal de Saviani: Sacudir, com
fora a mquina poltico-educacional, balanando as Curvaturas das Varas em busca de seu
equilbrio ideal. Na verdade, ele conseguiu embaralhar minha cabea, e aos poucos, aps a
implantao do caos vai se remontando numa viso crtica em busca de uma educao que
consiga compartilhar com os aspectos poltico-sociais, altamente complexos. Saviani durante
este trabalho, balanou-me da direita para a esquerda e vice-versa. Neste momento, solta-me,
e aos poucos, vou indo em direo ao centro, tal qual a teoria da vara torta! Percebo que
educao e poltica no so iguais. Tal como gua e leo se recusam a misturar e preciso
conseguir metodologia que juntem estas duas necessidades da criatura humana em busca da
sua integrao plena na sociedade. Enquanto na educao objetiva-se convencer, na poltica o
objetivo vencer! Estes so aspectos antagnicos. Para exemplificar, o educando, ao longo do
processo pode ser convencido e aprender. Na poltica o adversrio tem que ser vencido e
mesmo assim, no se convencer, continuar na oposio lutando contra o vencedor, agora
classe dominante! Como vimos, educao e poltica so prticas diferentes e convm no
confundi-las, o que poderia resultar como o politicismo pedaggico ou pedagogismo poltico,
o que terminaria na escola a servio de um grupo burgus. Porm, isto no resulta na excluso
da poltica como prtica independente, elas so antagnicas mais como o bem e o mal, o sim e
o no, o positivo e o negativo so inseparveis e mantm forte relao. Entretanto, como tratar
destas coisas to diferentes? De inicio importante compreender que uma no existe sem a
outra. Elas possuem uma forte relao interna. De fato, toda prtica educativa possui uma
dimenso poltica e toda prtica poltica possui uma identidade educativa. V-se que a
dimenso pedaggica na poltica envolve a articulao, a aliana visando o combate aos
antagnicos, o mesmo acontecendo na dimenso poltica na educao com apropriao de
instrumentos culturais aplicados na luta contra o antagonismo.
A educao neste caso, depende da poltica no sentido oramentrio e a poltica depende da
educao na preparao de seus indivduos. O que realmente sucede que a educao mais
dependente da poltica do que esta da educao. Na verdade, Saviani acerta em cheio, quando
diz, indiretamente, que poltica e educao so faces opostas da mesma moeda: a prtica
social.
Apesar de uma certa subordinao da educao poltica, podemos definir a educao como
uma prtica idealista e a poltica como uma prtica realista, mas que podem coexistir
pacificamente, respeitadas as diferenas: ser idealista sonhando que a sociedade desejada
uma realidade e ser realista buscando atingir o ideal sonhado. Insistindo nas comparaes
podemos tambm dizer que a prtica poltica se apoia na verdade do poder e a prtica da
educao se apoia no poder da verdade.
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