8/12/2019 Responsabilidade internacional do estado por violao do juscogens
1/29
Revista Brasileira de Direito Internacional, Curitiba, v.5, n.5, jan./jun.2007
4
RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO POR VIOLAO DO
JUS COGENS
Isabela Piacentini de Andrade*
RESUMO
O objetivo deste artigo o de apresentar as conseqncias, no campo
da responsabilidade internacional, previstas na hiptese de violao de norma
de jus cogens. O estudo baseia-se no Projeto de Artigos sobre
Responsabilidade Internacional dos Estados por Ato Internacionalmente Ilcitode 2001elaborado pela Comisso de Direito Internacional das Naes Unidas.
A anlise do Projeto permite distinguir diferentes regimes de responsabilidade,
com destaque para o regime comunitrio agravado que trata de violaes
graves de normas imperativas de direito internacional geral.
ABSTRACT
This paper explains the consequences of the breach of a jus cogens
norm foreseen by international responsibility law. The study is based on the
2001 Draft Articles on Responsibility of Statesfor InternationallyWrongful Acts
elaborated by the United Nations International Law Commission which creates
different responsibility regimes, including an aggravated regime that sets out the
particular consequences arising from serious breaches of obligations under
peremptory norms of general international law.
Palavras-chave:jus cogens, responsabilidade internacional, Projeto de Artigos
sobre Responsabilidade Internacional dos Estados por Ato Internacionalmente
Ilcito
Key words: jus cogens, international responsibility, Draft Articles on
Responsibility of States for Internationally Wrongful Acts
*Advogada, graduada pela UFPR, mestre e doutoranda pela Universidade de Paris II.
8/12/2019 Responsabilidade internacional do estado por violao do juscogens
2/29
Revista Brasileira de Direito Internacional, Curitiba, v.5, n.5, jan./jun.2007
5
1 INTRODUO
O reconhecimento da existncia de normas superiores no mbito do
direito internacional foi um importante passo dado pela Conveno de Viena
sobre o Direito dos Tratados (1969). A existncia de um direito cogente o jus
cogens proclamada pelo seu artigo 53, que define a norma imperativa de
direito internacional geral como
uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados
como um todo como norma da qual nenhuma derrogao permitida, e que
s pode ser modificada por norma ulterior de direito internacional geral da
mesma natureza.
Nessa linha, todo tratado conflitante com uma norma imperativa nulo
ab initio se a norma j existe no momento da concluso do tratado, ou torna-se
nulo e extingue-se se o direito imperativo superveniente.1
Cria-se assim uma hierarquia entre as normas internacionais. O jus
cogens rene as normas mais caras comunidade de Estados. Sua
importncia decorre dos valores internacionais envolvidos: do respeito do jus
cogensdepende a preservao da sociedade interestatal.A imperatividade do jus cogens e as conseqncias no plano da
nulidade previstas pela Conveno de Viena para os tratados com ele
conflitantes no so entretanto suficientes para zelar pelo respeito do direito
cogente. No obstante a autoridade de que goza na comunidade internacional,
ele violado com freqncia pelos Estados. A prtica do genocdio, da tortura,
da agresso armada, entre outros, so exemplos contundentes dessa
realidade.Ocorrendo a violao de uma norma imperativa, no so nas
conseqncias no plano da nulidade previstas pela Conveno de Viena que
se encontrar uma resposta satisfatria ao ilcito praticado. preciso adentrar
no campo da responsabilidade internacional.
1Artigos 53 e 64 da Conveno de Viena sobre o Direito dos Tratados (1969).
8/12/2019 Responsabilidade internacional do estado por violao do juscogens
3/29
Revista Brasileira de Direito Internacional, Curitiba, v.5, n.5, jan./jun.2007
6
Tal o intuito deste nosso artigo. Estudaremos como o direito
internacional responde violao do jus cogens, segundo o direito da
responsabilidade internacional dos Estados.
A responsabilizao estatal pelo cometimento de ilcitos internacionais
objeto de estudo no mbito da Comisso de Direito Internacional (CDI) da
Organizao das Naes Unidas (ONU) h mais de cinqenta anos. Desde a
dcada de 1950, a Comisso trabalha pela sistematizao e codificao do
direito da responsabilidade internacional dos Estados. As dificuldades da
matria explicam o longo decurso de tempo e a sucesso de diversos juristas
internacionais renomados na direo dos trabalhos. Em 1996, o primeiro
projeto de codificao foi finalmente elaborado, mas a ousadia de algunspontos como a criao da figura do crime internacional e a complexidade
de outros tal o sistema em diversas etapas concebido para responsabilizar
um Estado acabaram culminando no abandono desse projeto e na
proposio de um outro, o Projeto de 2001. Neste ltimo, ojus cogens, embora
no mencionado nominalmente no texto que emprega o termo norma
imperativa de direito internacional geral , recebeu tratamento especial. Por
representar o estado atual do direito internacional sobre a questo, o Projeto de2001 ser a base deste nosso estudo.
Cumpre-nos entretanto assinalar que, por se tratar atualmente de um
Projeto, no se lhe pode conferir valor jurdico obrigatrio. Apesar de ter sido
adotado pela Assemblia Geral da ONU atravs da Resoluo A/RES/59/35
(2004), suas normas no caracterizam direito positivado, no tendo passado
pelos mecanismos convencionais de aprovao e ratificao pelos Estados.2A
despeito disso, os Artigos da CDI mesmo na sua verso anterior j soaplicados por cortes internacionais, inclusive pela Corte Internacional de
Justia (CIJ), j que interpretados como expresso do costume internacional.3
2O objetivo da Resoluo da AG justamente o de submeter o Projeto de Artigos de 2001 anlise e comentrios dos Estados membros da ONU. Caso obtenha ampla aceitao, oProjeto poder ser convertido em conveno internacional aberta adeso dos Estados.3O costume internacional, ao lado das convenes internacionais e dos princpios gerais dodireito, so as fontes por excelncia do direito internacional para a Corte Internacional deJustia (artigo 38 do Estatuto da CIJ). Concebido como prova de uma prtica geral aceita
como sendo o direito, o costume portanto fonte de valor jurdico obrigatrio no direitointernacional, no existindo hierarquia entre o costume e a fonte convencional.
8/12/2019 Responsabilidade internacional do estado por violao do juscogens
4/29
Revista Brasileira de Direito Internacional, Curitiba, v.5, n.5, jan./jun.2007
7
Afinal, o objetivo da CDI o de apreender normas de direito internacional j
existentes e codific-las, baseando-se assim nas prticas e convices estatais
existentes, o que no impede que uma certa criao de lege ferenda
igualmente ocorra. Resultado de mais de 50 anos de trabalho, o Projeto de
Artigos sobre a Responsabilidade Internacional dos Estados por Ato
Internacionalmente Ilcito (2001) nos parece assim suficientemente relevante
para constituir a linha mestra da nossa anlise.
Inicialmente, o artigo fornecer um panorama geral do direito da
responsabilidade internacional do Estado, apresentando noes bsicas de
forma breve e concisa. Em seguida, faremos um resumo dos regimes de
responsabilidade existentes segundo o Projeto de Artigos. Por fim, trataremosem especfico da violao do jus cogense suas conseqncias no campo da
responsabilidade estatal.
8/12/2019 Responsabilidade internacional do estado por violao do juscogens
5/29
Revista Brasileira de Direito Internacional, Curitiba, v.5, n.5, jan./jun.2007
8
2 A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO
2.1 NOES ELEMENTARES
Um Estado considerado responsvel perante o direito internacional
quando ele comete um ato transgredindo esse direito. O fato gerador da
responsabilidade estatal , pois, o ato ilcito internacional.4Para que este se
configure, necessrio que uma conduta (ao ou omisso) (1) seja atribuvel
ao Estado em virtude do direito internacional, e que ela (2) constitua uma
violao de uma obrigao internacional do Estado.5
Diferentemente dos direitos internos6, o dano no considerado comoum elemento configurador do ato ilcito, nem tampouco afigura-se
indispensvel para gerar responsabilidade: o artigo 1 do Projeto de Artigos diz
simplesmente que todo ato internacionalmente ilcito de um Estado acarreta
sua responsabilidade internacional.
A CDI nos seus Comentrios aos artigos expressa o ponto de vista
segundo o qual o dano pode ser um elemento da responsabilidade se a norma
primria o estabelecer.7
Assim, a necessidade ou no do dano para oestabelecimento da responsabilidade dependeria do contedo da norma
internacional em si, e no das regras sobre a responsabilidade estatal. So os
termos do direito substancial que vo determinar se o descumprimento da
obrigao independente ou no da existncia de um dano.
4Embora seja possvel conceber igualmente a responsabilidade internacional dos Estados por
atividades no proibidas pelo direito internacional (lcitas). Essa matria encontra-seatualmente em estudo na CDI, tratando principalmente do exerccio de atividades perigosas oude risco, ligando-se ao conceito de responsabilidade objetiva.5 Artigo 2 do Projeto de 2001. Cada uma das condies so normatizadas em detalhe noprojeto: os artigos 4 a 11 tratam da imputabilidade de um ato a um Estado, e os artigos 12 a 15da transgresso de uma obrigao internacional.6Como na lei civil brasileira, que exige o dano para a configurao do ato ilcito : Art. 186.Aquele que, por ao ou omisso voluntria, negligncia ou imprudncia, violar direito e causardanoa outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilcito. (Cdigo Civil Brasileiro lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002)7Draft Articles on Responsibility of States for Internationally Wrongful Acts with commentaries(2001), United Nations, 2005, p. 73. Cita-se como exemplo a hiptese de um tratado queestipula que o Estado deve criar uma lei nacional sobre um determinado assunto. Se o Estado
no o faz, ele violou a obrigao prevista pelo tratado, sem que seja necessrio apontar-se umdano especfico decorrente dessa omisso para gerar a responsabilidade estatal.
8/12/2019 Responsabilidade internacional do estado por violao do juscogens
6/29
Revista Brasileira de Direito Internacional, Curitiba, v.5, n.5, jan./jun.2007
9
Paradoxalmente todavia, o dano permanece em regra indispensvel
para que se possa colocar a responsabilidade em prtica e exigir reparao. A
obrigao de reparar tida como um princpio geral de direito internacional,
nos dizeres da CIJ no caso Fbrica de Chorzw: um princpio de direito
internacional que a violao de uma obrigao acarreta o dever de reparar de
forma adequada.8Ora, difcil conceber a reparao se no houve dano. De
fato, o artigo 31 do Projeto enuncia que o Estado responsvel tem o dever de
operar a reparao total do dano causado pelo ato ilcito. assim que Barbosa
questiona a posio do Projeto que, por um lado, exclui o dano como condio
necessria da responsabilidade e, por outro, reclama-o quando chega o
momento de colocar a responsabilidade em exerccio, ou seja, no momento dereparar.9 Pois nessa linha de raciocnio, ainda que dano no seja condio
para a configurao da responsabilidade, ele necessrio para exercit-la:
sem dano no haveria realmente responsabilidade, ou apenas uma
responsabilidade platnica sem conseqncias prticas.10
A ausncia do dano, no entanto, responde em verdade a um novo
paradigma da responsabilidade, digno de uma viso mais evoluda da
comunidade internacional consentnea com a idia do jus cogens. Oreconhecimento de uma ordem pblica internacional contendo normas
superiores que transcendem os interesses individuais dos Estados, tambm
repercutiu-se na noo do dano. Percebeu-se que a violao do jus cogensou
de obrigaes erga omnes provocam, alm do dano material ou moral concreto
vtima direta, um dano transcendente que afeta todos os membros da
comunidade internacional, dada a amplitude das normas em questo. Ainda
que no sofrendo dano direto, o desrespeito da norma por si s os afeta poistodos zelam pelo seu respeito; sua violao enfraquece a coeso sociolgica e
normativa da sociedade internacional. Alguns autores sustentam que nesse
caso houve um dano jurdico a toda a comunidade internacional,
8Factory at Chorzw, Recueil de la C.P.J.I, 1927, p. 21.9BARBOSA, Julio. Legal Injury : the Tip of the Iceberg in the Law of State Responsibility? In:RAGAZZI, Maurizio. International Responsibility Today: Essays in Memory of Oscar Schachter.Leiden/Boston: Martinus Nijhoff Publishers, 2005, p. 9.10BARBOSA, Julio. Legal Injury : the Tip of the Iceberg in the Law of State Responsibility? In:
RAGAZZI, Maurizio. International Responsibility Today: Essays in Memory of Oscar Schachter.Leiden/Boston: Martinus Nijhoff Publishers, 2005, p. 9.
8/12/2019 Responsabilidade internacional do estado por violao do juscogens
7/29
Revista Brasileira de Direito Internacional, Curitiba, v.5, n.5, jan./jun.2007
10
independente do dano material ou moral causado vtima direta.11
Analisaremos esse novo paradigma em maiores detalhes no captulo segunte,
referente aos regimes de responsabilidade.12
Aps esses breves esclarecimentos gerais, passamos anlise das
relaes jurdicas existentes entre os sujeitos envolvidos quando ocorre um ato
ilcito internacional.
2.2 O ESTABELECIMENTO DO VNCULO DE RESPONSABILIDADE
Conforme mencionado no item anterior, um dos elementos
caracterizadores do ato ilcito a violao de uma obrigao internacional doEstado. As obrigaes internacionais podem ter as origens mais diversas. As
mais comuns so de natureza convencional (provenientes de tratados
internacionais) ou costumeira (oriundas do costume internacional), mas atos
unilaterais, decises judiciais ou outras tambm podem ser fontes de
obrigaes internacionais. Assim, de formas variadas os Estados podem ligar-
se entre si atravs de uma malha de direitos e obrigaes. Desse vnculo
interestatal nasce a chamada relao jurdica primria. As normasinternacionais existentes nesta relao so assim regras primrias, que
determinam a substncia das obrigaes de fazer ou de no-fazer
estabelecidas pelo direito internacional em domnios variados.13
Ocorrendo a infrao da regra primria por um Estado, configura-se o
ato ilcito internacional, suscitando a responsabilidade internacional deste
Estado. A comisso do ilcito pelo Estado d ensejo a uma nova relao
jurdica entre as partes. Trata-se de uma relao jurdica secundria, travadaentre o Estado infrator e o(s) Estado(s) vtima(s), regida no mais pelas regras
substanciais (primrias) do direito internacional, mas sim pelo direito da
11 Ver nesse sentido BOLLECKER-STERN, Brigitte. Le prjudice dans la thorie de laresponsabilit internationale. Paris, Pedone, 1973; STERN, Brigitte. Et si on utilisait le conceptde prjudice juridique? Retour sur une notion dlaisse loccasion de la fin des travaux de laC.D.I. sur la responsabilit des Etats. Annuaire Franais de Droit International, 2001, p. 3-44 ; eBARBOSA, Julio. Legal Injury : the Tip of the Iceberg in the Law of State Responsibility? In:RAGAZZI, Maurizio. International Responsibility Today: Essays in Memory of Oscar Schachter.Leiden/Boston: Martinus Nijhoff Publishers, 2005, p. 7-22.12
Vide item 3.2.13DUPUY, Pierre-Marie. Droit international public. Paris: Dalloz, 2004, p. 458.
8/12/2019 Responsabilidade internacional do estado por violao do juscogens
8/29
Revista Brasileira de Direito Internacional, Curitiba, v.5, n.5, jan./jun.2007
11
responsabilidade internacional. Esse direito assim composto de regras
secundrias, que determinaro as conseqncias advindas da violao das
regras primrias.
A primeira espcie de relao obrigacional que pode existir entre
Estados a de tipo bilateral, segundo a qual um Estado A possui uma
obrigao internacional para com um Estado B, o qual possui por conseguinte
um direito subjetivo correspondente.
Essa relao bilateral inspirou a concepo clssica da
responsabilidade estatal, focada sobretudo na reparao do dano. Segundo o
ponto de vista bilateral, o vnculo primrio obrigacional e o vnculo secundrio
de responsabilidade existem apenas entre o Estado autor da violao e oEstado que sofreu o dano. Se vrios so os Estados vtimas, o Estado infrator
possui um vnculo bilateral com cada um deles. A relao secundria de
responsabilidade consiste na obrigao de reparar para o Estado infrator e
no direito de obter reparao para o Estado lesado.14
Mais recentemente, o reconhecimento de um novo conceito de
obrigao internacional revolucionou o direito da responsabilidade estatal.
Trata-se do fenmeno das obrigaes erga omnes, obrigaes que sodevidas comunidade internacional como um todo. Diferentemente das
obrigaes internacionais ordinrias, segundo as quais um Estado se vincula a
outro de forma bilateral, as obrigaes erga omnes concernem todos os
Estados, dada a sua importncia coletiva.15 Os exemplos desse tipo de
obrigao muitas vezes correspondem a normas dejus cogens, embora no se
restrinjam a estas, como ver-se- no captulo quatro. Citam-se assim a
proibio dos atos de agresso e genocdio, obrigaes em matria de direitoshumanos e fundamentais, obrigaes referentes ao direito de auto-
determinao dos povos, obrigaes de um Estado costeiro em relao a um
canal internacional, proibio da tortura e obrigaes de represso
correspondentes, algumas obrigaes em matria de meio-ambiente,
14 VILLALPANDO, Santiago. Lmergence de la communaut internationale dans laresponsabilit des Etats. Paris: PUF, 2005, p. 131-133.15
Ver o caso Barcelona Traction Light and Power Company, Limited (Blgica v. Espanha),Recueil CIJ 1970, p. 32.
8/12/2019 Responsabilidade internacional do estado por violao do juscogens
9/29
Revista Brasileira de Direito Internacional, Curitiba, v.5, n.5, jan./jun.2007
12
obrigaes de direito internacional humanitrio, entre outras.16 Para
VILLALPANDO, para a identificao das obrigaes erga omnes relativas
comunidade internacional como um todo deve-se pressupor um interesse
coletivo, fundado sobre a existncia de bens comunitrios, que considerado
digno de proteo jurdica e determina uma solidariedade em nvel universal.17
A idia de que existem obrigaes que so devidas a toda a
comunidade internacional inspirou uma outra concepo da responsabilidade
estatal, diferenciada do regime bilateralista. Enquanto neste ltimo so os bens
ou valores individuais de cada Estado que esto em jogo, o novo regime se
aplica quando se lida com bens ou valores coletivos, que devem ser
universalmente respeitados pela comunidade internacional. A violao de umaobrigao erga omnes criaria pois uma relao de responsabilidade
diferenciada, segundo a qual de um lado figura o Estado violador e do outro
toda a comunidade internacional.
Atenta a essa evoluo, a CDI comentava que as conseqncias de
uma concepo mais ampla da responsabilidade internacional devem ser
necessariamente refletidas nos Artigos que, apesar de inclurem situaes
bilaterais padro de responsabilidade, no so limitadas a estas18
. Nessalinha, a Comisso materializa a diferenciao de regimes ao reconhecer no
Projeto de 2001 que as obrigaes do Estado responsvel podem ser devidas
a um outro Estado, a vrios Estados ou comunidade internacional como um
todo, dependendo particularmente da natureza e do contedo da obrigao
internacional e das circunstncias da violao.19
Analisando o Projeto da CDI, Santiago VILLALPANDO sustenta que
existem dois regimes de responsabilidade: o regime geral, baseado nasrelaes bilaterais entre Estados, e o regime comunitrio, em que o
multilateralismo prima e atravs do qual infraes comunidade internacional
como um todo so rebatidas coletivamente, em vista da preservao dos
16 Vide VILLALPANDO, Santiago. Lmergence de la communaut internationale dans laresponsabilit des Etats. Paris: PUF, 2005, p. 103-104.17 VILLALPANDO, Santiago. Lmergence de la communaut internationale dans laresponsabilit des Etats. Paris: PUF, 2005, p. 104.18Draft Articles on Responsibility of States for Internationally Wrongful Acts with commentaries
(2001), United Nations, 2005, p. 67.19Artigo 33 1 do Projeto de Artigos de 2001.
8/12/2019 Responsabilidade internacional do estado por violao do juscogens
10/29
Revista Brasileira de Direito Internacional, Curitiba, v.5, n.5, jan./jun.2007
13
interesses de toda a sociedade internacional.20 Estudaremos mais
detalhadamente esses dois regimes no captulo que segue.
20
VILLALPANDO, Santiago. Lmergence de la communaut internationale dans laresponsabilit des Etats. Paris: PUF, 2005, p. 184.
8/12/2019 Responsabilidade internacional do estado por violao do juscogens
11/29
Revista Brasileira de Direito Internacional, Curitiba, v.5, n.5, jan./jun.2007
14
3 OS REGIMES DE RESPONSABILIDADE
3.1 O REGIME GERAL
O regime ordinrio de responsabilidade destina-se a reger relaes
bilaterais entre Estados. Trata-se do regime de responsabilidade, ento a
relao bilateral que importa a secundria, travada entre o autor do ilcito e
o(s) Estado(s) diretamente lesados (que sofreram um dano direto). Ainda que a
relao secundria seja bilateral, ela pode decorrer tanto de um tratado
bilateral, como de um tratado multilateral, de um costume ou outra fonte
obrigacional; a bilateralizao da responsabilidade se d no momento em queocorre o dano, travando-se ento uma relao jurdica bilateral nova, que
consiste na obrigao de reparar e de exigir reparao.
As consequncias previstas pelo regime geral para a violao de uma
obrigao internacional so de duas ordens: (1) a restaurao da ordem
jurdica violada e (2) a reparao do dano.
Na primeira categoria esto as obrigaes para o Estado responsvel
de (1) cessao do ilcito, se este continuado; (2) apresentar garantias deno-repetio, se as circunstncias o requererem.21Tais conseqncias visam
preservao da legalidade internacional, pois tem o fito de restaurar a ordem
jurdica afetada pela violao.
A cessao visa a pr um fim ao ilcito, enquanto que as garantias de
no repetio tm carter preventivo e objetivam evitar a reincidncia. A
cessao s pode ocorrer se o ilcito se perpetua no tempo ou se ele
cometido repetidamente, pois se ele consistiu num nico ato (por exemplo,soltar uma bomba num Estado vizinho), ele cessa naturalmente aps o fato o
que obviamente no exclui o advento de outras conseqncias reparatrias a
serem arcadas pelo Estado responsvel. As garantias de no-repetio podem
ser exigidas se h uma certa desconfiana de que o Estado infrator possa
violar a obrigao mais uma vez (normalmente se j h um histrico de
21Artigo 30 do Projeto de Artigos de 2001.
8/12/2019 Responsabilidade internacional do estado por violao do juscogens
12/29
Revista Brasileira de Direito Internacional, Curitiba, v.5, n.5, jan./jun.2007
15
violaes reiteradas). A pertinncia dessa medida depende das circunstncias
do caso e da obrigao envolvida.
Cumulativamente, o Estado tem a obrigao de reparar o dano
eventualmente causado. Os prejuzos sofridos so normalmente classificados
como dano material ou dano moral. O primeiro consiste em prejuzo
propriedade ou outros interesses materiais do Estado ou de seus nacionais que
possuam valor econmico. O dano moral, por sua vez, consiste em sofrimento
emocional ou afronta honra ou soberania estatal diretamente ou atravs da
ofensa a seus nacionais.
A reparao ocorre basicamente de trs formas: restituio,
compensao e satisfao.22 Pela primeira delas, deve-se buscar arestaurao do estado anterior violao (status quo ante), como se o ilcito
nunca houvesse ocorrido. A restituio uma forma preferencial de reparao,
pois busca apagar as conseqncias do ilcito e restabelecer da melhor forma
possvel a situao anterior, o que nem sempre praticvel. Nesse sentido, ela
exigvel somente se sua realizao (1) no for materialmente impossvel e (2)
no impuser ao Estado responsvel um nus que seria desproporcional ao
benefcio auferido pela parte lesada.23
Passa-se em seguida compensao (indenizao), que busca
reparar financeiramente o dano quando a restituio afigura-se impossvel ou
cria um nus desproporcional. a forma mais comumente empregada de
reparao, dadas as dificuldades freqentes de realizar a restituio. Assim,
fixa-se geralmente um valor indenizatrio baseado nas perdas sofridas que so
suscetveis de avaliao pecuniria.
E em terceiro lugar existe a satisfao, espcie de reparao moralsem valor econmico, como um pedido de desculpas ou o reconhecimento do
erro. Ela a resposta para danos no materiais e no suscetveis de avaliao
financeira, que normalmente representam uma afronta ao Estado.24 A
22Artigo 34 do Projeto de Artigos de 2001.23Artigo 35 do Projeto de Artigos de 2001.24 A CDI em seus comentrios cita como exemplos de danos suscetveis de reparao viasatisfao: insultos a smbolos do Estado, como a bandeira nacional; violaes da soberania
ou integridade territorial; ataques a navios ou aeronaves sob sua bandeira; mau tratamento ouataques deliberados aos chefes de Estado ou governo ou representantes diplomticos ou
8/12/2019 Responsabilidade internacional do estado por violao do juscogens
13/29
Revista Brasileira de Direito Internacional, Curitiba, v.5, n.5, jan./jun.2007
16
determinao da forma mais apropriada de satisfao feita caso a caso, e
no pode ser desproporcional ao dano nem representar uma humilhao para
o Estado responsvel.25
Alm dessas duas sortes de conseqncias enunciadas pelo direito
internacional geral, outras mais especficas podem ser previstas por tratados
especiais, constituindo lex specialis a ser seguida se a violao entrar no seu
campo de aplicao.
Para obter a restaurao da legalidade e a reparao do dano,
geralmente necessrio que o Estado infrator seja acionado para responder por
seus atos, j que dificilmente ele admitir espontaneamente seu erro e
procurar remedi-lo. A implementao da responsabilidade do Estadodepende, prioritariamente, da ao do Estado lesado contra o infrator. Nesse
sentido, o artigo 42 do Projeto estipula que
Um Estado tem o direito de invocar, na qualidade de Estado lesado, aresponsabilidade de outro Estado se a obrigao violada for devida:
(a) a este Estado individualmente; ou
(b) a um grupo de Estados incluindo este Estado, ou comunidade
internacional como um todo, e se a violao da obrigao:
(i) afeta diretamente este Estado; ou(ii) de tal natureza que modifica radicalmente a posio de todos os outros
Estados aos quais a obrigao devida no tocante execuo futura da
obrigao.
Como explicado, o vnculo de responsabilidade (secundrio) pode
decorrer de relaes jurdicas primrias variadas: tratados bilaterais,
multilaterais, atos unilaterais, costume internacional etc. Destas diversas fontes
do direito internacional podem decorrer obrigaes de natureza bilateral,
multilateral ou erga omnes. A hiptese prevista pela alnea a do artigo 42 a
de uma obrigao primria assumida perante o Estado lesado individualmente
(decorrente de um ato unilateral ou de um tratado bilateral, por exemplo). J a
alnea b se refere a obrigaes multilaterais (devidas aos vrios Estados
signatrios de um tratado) ou erga omnes (devidas a toda a comunidade
consulares; e violaes a suas embaixadas ou consulados (Draft Articles on Responsibility ofStates for Internationally Wrongful Acts with commentaries (2001), United Nations, 2005, p.
264-265).25Artigo 37 3 do Projeto de Artigos de 2001.
8/12/2019 Responsabilidade internacional do estado por violao do juscogens
14/29
Revista Brasileira de Direito Internacional, Curitiba, v.5, n.5, jan./jun.2007
17
internacional, geralmente oriundas de normas consuetudinrias). Nesse caso, o
Estado s poder agir na qualidade de Estado lesado se a violao da
obrigao afetou-o diretamente (ou seja, causou um dano material ou moral
direto) ou quando se trata de uma obrigao denominada integral (sub-alnea
ii). As obrigaes integrais so aquelas cujo desrespeito afeta todos os Estados
que assumiram a obrigao e aos quais ela igualmente devida. Exemplo
claro um tratado sobre desarmamento, pelo qual os Estados partes se
comprometem a destruir suas armas e a no desenvolver novas. Se um dos
Estados infringe esse compromisso (desenvolvendo novo arsenal militar, por
exemplo), todos os demais Estados so afetados, pois seu esforo conjunto
pelo desarmamento foi frustrado. A performance de cada um dos Estadosdepende da performance dos demais. Assim, todos os signatrios de um
tratado dessa natureza podem considerar-se lesados quando um deles o
desrespeitou.
Decidindo tomar medidas contra o Estado responsvel, o primeiro
passo do Estado lesado deve ser o de notific-lo da sua reclamao,
especificando (1) qual conduta este deve adotar a fim de cessar a violao, se
esta contnua, e (2) qual a forma de reparao ele deve adotar.26
Essanotificao no est sujeita a formalidades especiais. A prtica internacional
variada.
Diante da reticncia do infrator em responder por seus atos, pode o
Estado lesado recorrer s chamadas contramedidas em direito internacional.
Tais medidas por si s teriam carter ilcito, mas justificam-se quando utilizadas
para redargir a um ato ilcito anterior. Pelo seu unilateralismo, as
contramedidas podem dar margem a abusos estatais, razo pela qual seu usocomo instrumento da responsabilidade limitado.27 No contexto da
responsabilidade estatal, as contramedidas devem ser empregadas para
induzir o Estado responsvel a cumprir as obrigaes que lhe so impostas
devido ao cometimento do ilcito. Elas possuem, assim, uma funo
instrumental, devendo ser temporrias e dirigidas ao fim especfico de instigar o
Estado infrator a cessar a violao e a reparar o ilcito.
26
Artigo 43 do Projeto de Artigos de 2001.27Vide arts. 49 a 53 do Projeto de Artigos.
8/12/2019 Responsabilidade internacional do estado por violao do juscogens
15/29
Revista Brasileira de Direito Internacional, Curitiba, v.5, n.5, jan./jun.2007
18
Em resumo, o Estado lesado pode, a depender das circunstncias,
exigir a cessao do ilcito, pedir garantias de no-repetio, solicitar reparao
nas formas supra-mencionadas, e adotar contramedidas, alm de poder aplicar
regras especiais de responsabilidade eventualmente existentes em lex
specialis.
3.2 O REGIME COMUNITRIO
O regime comunitrio aplica-se quando a obrigao violada de
natureza erga omnes. No se trata mais de uma relao bilateral, pois nesse
caso quem figura no plo credor da relao a comunidade internacionalcomo um todo.O Estado responsvel pelo ilcito deve assim responder diante
de toda a comunidade internacional.28 O regime comunitrio aplica-se
igualmente s chamadas obrigaes erga omnes partes, que so devidas a
um grupo de Estados e foram estabelecidas para preservar um interesse
coletivo desse grupo.29
Como vimos no item acima, o Estado lesado pode, segundo o artigo 42
do Projeto, invocar a responsabilidade do Estado faltoso. Por Estado lesadoentenda-se o Estado que sofreu diretamente o dano (material ou moral),
suscetvel de reparao sob forma de restituio, compensao ou satisfao.
Tal cenrio facilmente compreensvel quando se pensa em relaes
bilaterais: num plo encontra-se o Estado que cometeu o ilcito devedor da
obrigao de reparar e no outro plo est o Estado vtima credor da
reparao.
A situao outra quando a obrigao violada erga omnes ou ergaomnes partes.Tal violaoafeta de forma diferente os Estados. Ainda que a
obrigao seja devida a toda a comunidade estatal ou a um grupo de Estados,
normalmente um nico ou poucos Estados sofrem realmente o dano (material
28 VILLALPANDO, Santiago. Lmergence de la communaut internationale dans laresponsabilit des Etats. Paris: PUF, 2005, p. 334.29So exemplos citados pela CDI: um tratado que cria uma zona de no-proliferao nuclearou um sistema regional de proteo dos direitos humanos. (Draft Articles on Responsibility of
States for Internationally Wrongful Acts with commentaries (2001), United Nations, 2005, p.320)
8/12/2019 Responsabilidade internacional do estado por violao do juscogens
16/29
Revista Brasileira de Direito Internacional, Curitiba, v.5, n.5, jan./jun.2007
19
ou moral) decorrente da violao; os demais so afetados mas de forma
indireta, na esfera de seus interesses jurdicos. S os que suportaram
diretamente o dano so considerados segundo a terminologia do projeto como
Estados lesados, suscetveis de agir nessa qualidade contra o infrator.
Pensando em termos gerais, parece evidente que Estados no
diretamente lesados por um ato ilcito no possam agir contra o Estado
transgressor. O dever de no ingerncia impe que eles no interfiram nas
questes existentes entre Estado responsvel e Estado lesado. Se cada
Estado se colocasse na posio de justiceiro universal e pudesse interferir
sempre que uma violao do direito internacional fosse cometida, ainda que a
infrao no o afete diretamente, seria o caos no meio internacional.Mas o reconhecimento de interesses comuns inaugurou uma exceo
ao dever de no-ingerncia: na hiptese de violao de obrigaes erga
omnes, Estados que no foram diretamente lesados podero agir. Isso se
explica pela natureza particular dessas obrigaes, que concernem a
comunidade internacional como um todo. Mesmo se apenas um ou poucos
Estados foram diretamente atingidos (sofreram dano) pela violao de uma
obrigao erga omnes, todos os demais foram afetados de forma indireta, poispossuem um interesse legal na sua validade e preservao. Eles sofrem o que
alguns autores chamam de dano jurdico30: a simples violao da ordem
jurdica os afeta, ainda que no exista dano concreto.
Um exemplo esclarecedor dado pela Comisso nos seus Comentrios
a hiptese de poluio do alto-mar violando o artigo 194 da Conveno das
Naes Unidas sobre o Direito dos Mares: tal poluio pode impactar
diretamente sobre um ou vrios Estados costeiros cujas praias e mares seroinfectados por resduos txicos, sofrendo danos materiais. Independentemente
disso, os demais Estados Partes Conveno devem ser considerados
indiretamente lesados pela violao, j que todos prezam pela preservao do
meio-ambiente marinho, bem comum de todos os Estados.31
30Ver autores citados na nota de rodap 11.31
Draft Articles on Responsibility of States for Internationally Wrongful Acts with commentaries(2001), United Nations, 2005, p. 299-300.
8/12/2019 Responsabilidade internacional do estado por violao do juscogens
17/29
Revista Brasileira de Direito Internacional, Curitiba, v.5, n.5, jan./jun.2007
20
Diante da violao de uma obrigao erga omnes, todos os Estados
tm o direito, como membros da comunidade internacional, de invocar a
responsabilidade do Estado infrator.32 Mas as prerrogativas de ao diferem
segundo o grau de abalo sofrido: somente o Estado individualmente lesado
dispe da plenitude dos direitos e faculdades criados pela perpetrao do ato
ilcito. Os Estados no diretamente lesados gozam de direitos limitados.33
Destarte, o Estado lesado invoca seu direito segundo o regime geral,
podendo exigir cessao do ato, garantias de no-repetio e a reparao do
dano. Os demais Estados, por sua vez, podem demandar ao infrator a
cessao e garantias de no-repetio do ato, mas s podem solicitar a
reparao do dano em prol do Estado lesado ou dos beneficirios da obrigaoinfringida34. Tal restrio plenamente compreensvel, visto que seria absurdo
que o Estado no diretamente lesado reclamasse a reparao de um dano que
ele no sofreu. Alm disso, caso o Estado lesado desista ou renuncie ao direito
de reclamar reparao, os demais Estados devem respeitar sua deciso e no
podero faz-lo individualmente.35 As prerrogativas dos demais Estados
destinar-se-iam, assim, sobretudo restaurao da legalidade violada (atravs
da cessao do ilcito e das garantias de no-repetio), atendendo ao seuzelo pela observncia das obrigaes erga omnes. A busca pela reparao
ficaria para esses Estados em segundo plano, cabendo primeiramente ao
Estado lesado. A cessao e no-repetio que eles podem exigir equivaleria a
uma reparao jurdica, em resposta ao dano jurdico que sofreram pela
violao de norma que lhes concerne na condio de membros da comunidade
internacional.
Quanto possibilidade de os Estados indiretamente afetados adotaremcontramedidas em caso de desrespeito de obrigao erga omnes, o Projeto
no adotou posio clara. Seu artigo 54 reserva eventuais direitos destes
32O mesmo se aplica para a violao de obrigaes erga omnes partes: todos os membros dogrupo em questo so aptos para agir.33SICILIANOS, Linos-Alexandre. Classification des obligations et dimension multilatrale de laresponsabilit internationale. In : DUPUY, Pierre-Marie (dir.). Obligations Multilatrales, DroitImpratif et Responsabilit Internationale des Etats. Paris : Pedone, 2003, p. 70.34Pessoas fsicas (nacionais) ou organizaes no-estatais.35
Vide Comentrios da CDI ao artigo 45, Draft Articles on Responsibility of States forInternationally Wrongful Acts with commentaries (2001), United Nations, 2005, p. 307.
8/12/2019 Responsabilidade internacional do estado por violao do juscogens
18/29
Revista Brasileira de Direito Internacional, Curitiba, v.5, n.5, jan./jun.2007
21
Estados de tomar medidas legais em prol da cessao do ilcito e reparao
em benefcio do Estado lesado, mas no autoriza expressamente as
contramedidas. Em seus Comentrios, a CDI sublinha que
atualmente no parece haver uma faculdade claramente reconhecida aos
Estados a que se refere o artigo 48 de adotar contramedidas de interesse
coletivo. Conseqentemente no apropriado incluir nos presentes Artigos
uma disposio sobre a questo se outros Estados, identificados no artigo 48,
tem a permisso de adotar contramedidas para induzir um Estado responsvel
a cumprir suas obrigaes. Em lugar disso, o Captulo II inclui uma clusula
de salvaguarda que reserva a posio e deixa a resoluo da matria para odesenvolvimento futuro do direito internacional.36
36
Draft Articles on Responsibility of States for Internationally Wrongful Acts with commentaries(2001), United Nations, 2005, p. 355.
8/12/2019 Responsabilidade internacional do estado por violao do juscogens
19/29
Revista Brasileira de Direito Internacional, Curitiba, v.5, n.5, jan./jun.2007
22
4 A VIOLAO DO JUS COGENS
4.1 O REGIME DE RESPONSABILIDADE COMUNITRIA
AGRAVADO
Chegou o momento de indagar qual o papel do jus cogens no contexto
da responsabilidade estatal. Se as violaes de obrigaes erga omnes
implicam um regime especial de responsabilidade, de se esperar que um
regime ainda mais particular seja reservado s violaes do jus cogens, visto
sua importncia mxima para a ordem jurdica internacional.
importante distinguir o jus cogens das obrigaes erga omnes.Primeiramente, perceba-se que o direito cogente abarca normas que se
distinguem das demais pela imperatividade.37 J as obrigaes erga omnes
so obrigaes, prescritas por normasque podem ter a natureza cogente ou
no. Assim, pode-se dizer que, em regra, as normas de jus cogens criam
obrigaes erga omnes, tendo em vista que destinam-se comunidade
internacional como um todo. O oposto, entretanto, no exato: nem todas as
obrigaes erga omnes so provenientes de normas imperativas.A doutrina costuma representar as normas de jus cogens e as
obrigaes erga omnes como dois crculos concntricos, sendo que o crculo
das obrigaes erga omnes maior e contm o crculo das normas
imperativas, mas no se limita a estas.38
Tambm no campo da responsabilidade, o tratamento destinado s
normas cogentes configuraria um sub-regime dentro do regime comunitrio.
Como ensina VILLALPANDO, o regime de responsabilidade comunitria seespecializa para favorecer estas normas: ao lado do regime comunitrio
37Para um estudo completo sobre as normas imperativas, ver FRIEDRICH, Tatyana Scheila.Normas Imperativas de Direito Internacional Pblico: Jus Cogens. Belo Horizonte: Frum,2004.38 VILLALPANDO, Santiago. Lmergence de la communaut internationale dans laresponsabilit des Etats. Paris: PUF, 2005, p. 106-107; TOUFAYAN, Mark. A Return toCommunitarianism? Reacting to Serious Breaches of Obligations Arising under PeremptoryNorms of General International Law under the Law of State Responsibility and United NationsLaw. The Canadian Yearbook of International Law, 2004, p. 209; SICILIANOS, Linos-Alexandre. Classification des obligations et dimension multilatrale de la responsabilit
internationale. In : DUPUY, Pierre-Marie (dir.). Obligations Multilatrales, Droit Impratif etResponsabilit Internationale des Etats. Paris : Pedone, 2003, p. 69.
8/12/2019 Responsabilidade internacional do estado por violao do juscogens
20/29
Revista Brasileira de Direito Internacional, Curitiba, v.5, n.5, jan./jun.2007
23
comum, aplicvel a todas as violaes de obrigaes devidas comunidade
internacional como um todo (obrigaes erga omnes), encontra-se um regime
comunitrio agravado, aplicvel em caso de violao grave de obrigao
oriunda de norma imperativa de direito internacional geral, adicionando ao
regime comum algumas conseqncias suplementares.39
O Projeto da CDI no menciona nominalmente o jus cogens, mas a
expresso empregada norma imperativa de direito internacional geral,
idntica da Conveno de Viena sobre o Direito dos Tratados uma
referncia evidente a tais normas.
O jus cogens assim tratado no Captulo III da 2a. Parte do Projeto,
intitulado Violaes graves de obrigaes decorrentes de normas imperativasde direito internacional geral. Tal captulo compe-se de apenas dois artigos,
reproduzidos a seguir:
Artigo 40Aplicao deste Captulo
1.O presente captulo aplica-se responsabilidade internacional que resulta
de uma violao grave por um Estado de uma obrigao oriunda de uma
norma imperativa de direito internacional geral.
2.A violao de tal obrigao grave se ela denota uma violao flagrante ousistemtica da parte do Estado responsvel execuo da obrigao.
Artigo 41
Conseqncias especficas da violao grave de uma obrigao segundo este
captulo
1. Os Estados devem cooperar para pr um fim, por meios lcitos, todaviolao grave no sentido do artigo 40.
2. Nenhum Estado deve reconhecer como lcita uma situao criada por uma
violao grave no sentido do artigo 40, nem prestar auxlio ou assistncia
manuteno da situao.
3. O presente artigo no prejudica outras conseqncias suplementares que
possam decorrer, segundo o direito internacional, de uma violao qual seaplica o presente captulo.
Segundo o artigo 40 1, para se submeter ao regime especial de
responsabilidade previsto no captulo, dois so os requisitos: (1) a violao de
uma norma imperativa de direito internacional geral, e (2) que tal violao seja
grave. O pargrafo 2 define o que uma violao grave: preciso que o
Estado tenha violado uma norma dejus cogens sistematicamente ou de forma
39
VILLALPANDO, Santiago. Lmergence de la communaut internationale dans laresponsabilit des Etats. Paris: PUF, 2005, p 254.
8/12/2019 Responsabilidade internacional do estado por violao do juscogens
21/29
Revista Brasileira de Direito Internacional, Curitiba, v.5, n.5, jan./jun.2007
24
flagrante. Um nico caso de tortura, por exemplo, no suficiente para
enquadrar o Estado neste captulo, preciso que a tortura seja uma prtica
reiterada e faa parte de um sistema, quer dizer, seja organizada e
deliberada.40Destarte, uma certa magnitude requisitada para configurar uma
violao grave de norma imperativa e aplicar o regime de responsabilidade
comunitrio agravado.
As conseqncias diferenciadas enfrentadas pelos Estados que violam
de forma grave uma norma imperativa so de duas ordens. Primeiramente,
conforme prescreve o primeiro pargrafo do artigo 41, os Estados devem
cooperar entre si para fazer cessar a violao, atravs de meios legais. A
disposio vaga e no fornece grandes detalhes sobre como deve ocorrer talcooperao interestatal. Trata-se de uma obrigao imposta a todos os
Estados: diretamente afetados pelo ilcito ou no, todos tm um dever de agir
para pr fim violao. o dever de solidariedade que deve unir os membros
da comunidade internacional, especialmente diante da gravidade da ofensa
ordem pblica internacional. Com o advento da Declarao de Princpios sobre
as Relaes Amigveis e de Cooperao entre os Estados, o dever de
cooperao ganhou ateno especial, sendo considerado um dos princpiosfundamentais do direito internacional contemporneo.41 O Projeto quis dar a
esse dever contornos de uma obrigao positiva quando est em risco uma
norma imperativa.
Entretanto, foroso reconhecer que o ditame imposto pelo artigo 411
no uma realidade fortemente ancorada na comunidade estatal atualmente.
Diante da perpetrao de um genocdio por um determinado pas, as reaes
dos demais Estados variam enormemente, desde a ignorncia total de algunsat a ao armada unilateral de outros. Ora, a norma prescrita no Projeto de
Artigos exige que toda a comunidade internacional aja unida, a cooperao
para combater a infrao ao jus cogens passa a ser um dever, no mais
40CRAWFORD, James. The International Law Commissions Articles on State Responsibility:Introduction, Text and Commentaries. Cambridge: Cambridge University Press, 2002, p. 247.41GATTINI, Andrea. Les obligations des tats en droit dinvoquer la responsabilit dun autretat pour violations graves dobligations dcoulant de normes impratives du droit international
gnral. In : DUPUY, Pierre-Marie (dir.) Obligations multilatrales, droit impratif etresponsabilit internationale des Etats. Paris: Pedone, 2003, p. 151.
8/12/2019 Responsabilidade internacional do estado por violao do juscogens
22/29
Revista Brasileira de Direito Internacional, Curitiba, v.5, n.5, jan./jun.2007
25
dependendo da boa vontade estatal. Fora de um contexto institucional (ONU
por exemplo), dificil imaginar como tal dever poderia ser exigido na prtica de
cada um dos Estados. Alm disso, uma cooperao ativa pode ser indesejada
por alguns pases, e materialmente impossvel para outros devido a limitaes
dos mais variados tipos.
De qualquer forma, o objetivo primeiro desse pargrafo parece ser o de
fomentar uma resposta multilateral e combater o unilateralismo, sobretudo
porque os interesses em questo so coletivos. um passo importante em
favor da solidariedade entre Estados, apesar das dificuldades prticas de
execuo.
Ademais, a obrigao implica que todos os Estados se interessem pelasituao ilcita, contrariamente ao tradicional princpio de no ingerncia nos
assuntos de outros Estados. um sinal de que o sentimento da existncia de
uma comunidade de Estados est se aperfeioando.
A cooperao poderia ocorrer atravs de uma organizao
internacional como a ONU, ou dar-se de forma no institucionalizada.42Para
algumas infraes aojus cogensj existem respostas institucionalizadas, como
o caso do Conselho de Segurana da ONU em caso de agresso armada.Para os demais casos, pode-se prever que a ausncia de parmetros seja
fonte de incertezas e controvrsias na prtica.
Alm do dever de cooperar, o art. 412 prev duas obrigaes
negativas: a de no reconhecimento da situao ilegal, e a de no ajuda ou
assistncia na sua manuteno.
O reconhecimento da situao ilegal no pode ocorrer formal nem
informalmente: Os Estados no podem fazer declaraes ou agir de forma areconhecer implicitamente como lcita a situao. Por exemplo, se um Estado
invade outro e anexa-o ilegalmente, os demais Estados no poderiam celebrar
tratados com o pas invadido atravs do novo governo ilegtimo. Tal obrigao
j amplamente reconhecida e praticada internacionalmente.43
42CRAWFORD, James. The International Law Commissions Articles on State Responsibility:Introduction, Text and Commentaries. Cambridge: Cambridge University Press, 2002, p. 249.43v. por exemplo a Resoluo 662 (1990) do Conselho de Segurana sobre a invaso do Kwait
pelo Iraque, e o Parecer Consultivo da CIJ no caso Conseqncias Legais para os Estados daPresena Continuada da frica do Sul na Nambia, 1970, ICJ Reports 1971, 126.
8/12/2019 Responsabilidade internacional do estado por violao do juscogens
23/29
Revista Brasileira de Direito Internacional, Curitiba, v.5, n.5, jan./jun.2007
26
A segunda obrigao a de no assistir ou ajudar a manter a situao
ilegal.44 Essa proibio ampla aplica-se a qualquer tipo de ao que possa
contribuir para a perpetuao do estado de ilegalidade, referindo-se pois a
aes posteriores ao ilcito, e no a eventual ajuda ou assistncia prestada
para o cometimento deste.
O que se nota com uma certa estupefao que o regime agravado s
impe conseqncias adicionais aos outros Estados, e no ao Estado autor do
ilcito.45De fato, o artigo 41 no impe nenhuma obrigao ao Estado faltoso.
As conseqncias para este seriam portanto as mesmas previstas pelo regime
comunitrio comum. Tal impresso entretanto aparente, como bem sublinha
VILLALPANDO ao explicar os impactos reais do regime agravado sobre oEstado responsvel:
No que concerne a sua funo, as obrigaes do artigo 41 reforam a
salvaguarda dos bens ou valores coletivos ao atribuir aos Estados o papel de
garantes forados da aplicao da responsabilidade internacional. Enquanto
no regime ordinrio de responsabilidade comunitria a invocao dasobrigaes secundrias do Estado faltoso entregue iniciativa
discrecionria dos Estados, o regime agravado lhes impe um certo nmero
de obrigaes mnimas em relao ao ato ilcito e garante assim a realizao
de certos objetivos principais da responsabilidade comunitria. Por esse
meio, a curiosa impresso inicial se explica: a situao jurdica do Estadoresponsvel na verdade afetada por ricochete, pois a reao (obrigatria)
dos outros Estados ter por efeito lev-lo execuo da obrigao de colocar
fim ao ilcito e priv-lo de certos frutos obtidos pela infrao da obrigao
primria. Nessa perspectiva, as conseqncias suplementares codificadas pela
CDI, longe de constiturem aspectos secundrios e insignificantes no
contexto de um regime agravado, posicionam-se como uma pedra angular de
um sistema visando a garantir a aplicao de um mnimo de garantias em
matria de responsabilidade.46
4.2 RELAO COM OS DEMAIS ARTIGOS DO PROJETO
O pargrafo 3 do artigo 41 objetiva aplicar s violaes graves do jus
cogens outros dispositivos do Projeto de Artigos e outras conseqncias
44V. por exemplo as Resolues do Conselho de Segurana 418 (1977) e 569 (1985) proibindoajuda ou assistncia ao regime do apartheid na frica do Sul.45 Sobre o assunto, ver TAMS, Christian J. Do Serious Breaches Give Rise to Any SpecificObligations of the Responsible State? European Journal of International Law, 2002, vol. 13, n5, p. 1161-1180.46
VILLALPANDO, Santiago. Lmergence de la communaut internationale dans laresponsabilit des Etats. Paris: PUF, 2005, p. 384.
8/12/2019 Responsabilidade internacional do estado por violao do juscogens
24/29
Revista Brasileira de Direito Internacional, Curitiba, v.5, n.5, jan./jun.2007
27
previstas pelo direito internacional. Logo, as obrigaes do Estado lesado
previstas pelo regime geral e pelo regime comunitrio tambm so aplicveis
em caso de violao de norma imperativa, somando-se s conseqncias
especficas previstas para esta infrao. Normas de direito internacional atuais
ou futuras que prevejam outras conseqncias violao de normas de jus
cogens so igualmente aplicveis.
Aparentemente, a aplicao concorrente dos trs regimes de
responsabilidade no apresenta grandes complicaes. O Estado diretamente
lesado desenvolve uma relao bilateral secundria com o agressor,
reclamando deste as obrigaes de cessao, no-repetio, e reparao do
dano. Os demais Estados podem reclamar a cessao e a no-repetio, eeventualmente a reparao em benefcio do Estado lesado, e adicionalmente
segundo o regime agravado tm a obrigao de cooperar para a cessao e
de no reconhecer o ilcito nem contribuir para sua manuteno.
Alguns artigos do Projeto sobre a implementao da responsabilidade,
entretanto, parecem no se aplicar hiptese de violao grave de norma
imperativa, como sublinha GATTINI47. o caso do artigo 44, que coloca como
condies para o recebimento da demanda a nacionalidade da ao e oesgotamento de recursos internos. A primeira condio obviamente no pode
se aplicar nem na hiptese de violao do jus cogens nem de outras
obrigaes erga omnes, pois a partir do momento em que se admite que
Estados diferentes do lesado possam acionar o responsvel pela infrao, no
se pode exigir a regra da nacionalidade, que s o Estado lesado poderia
cumprir. Quanto necessidade de esgotamento de recursos internos, trata-se
de condio impossvel de executar nos casos tpicos de violao grave denorma imperativa como genocdio, escravido, tortura institucionalizada,
agresso armada etc., j que normalmente nessas situaes o envolvimento do
Estado na opresso de seus nacionais torna impraticvel para estes o recurso
interno.
47GATTINI, Andrea. Les obligations des tats en droit dinvoquer la responsabilit dun autretat pour violations graves dobligations dcoulant de normes impratives du droit international
gnral. In : DUPUY, Pierre-Marie (dir.) Obligations multilatrales, droit impratif etresponsabilit internationale des Etats. Paris: Pedone, 2003, p. 163 e ss.
8/12/2019 Responsabilidade internacional do estado por violao do juscogens
25/29
Revista Brasileira de Direito Internacional, Curitiba, v.5, n.5, jan./jun.2007
28
O artigo 45 do Projeto tambm no deveria se aplicar no caso de
desrespeito de norma cogente. Ele prev que, caso o Estado lesado renuncie
ao direito de acionar o Estado infrator ou abandone a causa, os demais
Estados indiretamente afetados perderiam tambm o direito de agir contra o
responsvel. Ora, tal impedimento conflita com a obrigao imposta pelo artigo
41 a todos os Estados da comunidade internacional de cooperar entre si para
pr fim a violao grave aojus cogens, algo difcil de atingir se a desistncia do
Estado lesado impedir a ao dos demais Estados.
Assim, diante do caso concreto, preciso fazer-se uma interpretao
sistmica e teleolgica do sistema de responsabilidade para, se necessrio,
afastar a aplicao de uma regra quando incompatvel com o esprito do juscogens.
Por fim, interessante lembrar que o direito cogente mencionado em
dois outros artigos do Projeto. No artigo 26, que faz parte do captulo que
enumera circunstncias excludentes da ilicitude, determina-se que
nada no presente captulo excluir a ilicitude de qualquer ato de um Estado
que no esteja em conformidade com uma obrigao nascida de uma norma
imperativa de direito internacional geral.
Logo, em casos de fora maior, estado de necessidade ou perigo
extremo o Estado no est autorizado a agir violando uma norma imperativa,
pois mesmo que os interesses em jogo sejam importantes, eles no podem
autorizar a violao dos interesses supremos da comunidade internacional em
seu conjunto.
Na mesma linha, o artigo 50 1 probe o uso de contramedidas que
afetem obrigaes decorrentes de normas peremptrias.
8/12/2019 Responsabilidade internacional do estado por violao do juscogens
26/29
Revista Brasileira de Direito Internacional, Curitiba, v.5, n.5, jan./jun.2007
29
5 CONCLUSO
A acolhida do jus cogens no seio do direito da responsabilidade dos
Estados representa o fortalecimento do um novo paradigma comunitrio, em
formao desde o reconhecimento das normas imperativas e das obrigaes
erga omnes pela comunidade internacional. Desenvolve-se assim o sentimento
de que uma ordem pblica internacional governa e sujeita a soberania estatal,
que um esprito comunitrio mais forte que as orgulhosas individualidades
nacionais. As distores do mundo hodierno ainda no permitem afirmar que
tal sentimento comunitrio esteja consolidado. As guerras tnicas e de poder
ainda existentes em pleno sculo XXI, o crescimento de egosmos nacionaisxenfobos e separatistas, e as demonstraes de ausncia de valores morais
superiores contrastam com aspiraes mais elevada por um mundo unido.
O jus cogens o baluarte que permite sustentar o sonho de uma
comunidade internacional um dia pacfica e entrelaada de forma slida, guiada
pelo respeito mtuo e dirigida ao bem-comum. Longe ainda estamos desse
mundo ideal, o que refora a necessidade de zelar pela observncia desse
direito cogente malgrado os absurdos a que ainda assistimos com desgosto nacena internacional.
A responsabilidade pela violao do direito imperativo, alguns
sustentam, deveria ter sido mais dura do que estipulou o Projeto. No
realista, entretanto, pensar nesses termos, pois a despeito dos arroubos de
idealismo que por vezes permitem ao direito internacional voar mais alto, a
prtica ainda est muito aqum do que prescrevem esses ideais. A recusa da
figura do crime internacional e de uma responsabilizao mais rgida deladecorrente atestam que a comunidade internacional no est pronta para dar
passos to grandes.
O mrito do Projeto de 2001 foi o de ter guardado a essncia desse
ideal comunitrio e ter criado um sistema de respostas factvel s violaes
cometidas contra a comunidade internacional como um todo. Devagar e
sempre, pois, os avanos do direito internacional em prol do comunitarismo vo
se consolidando. assim que passamos da funo clssica da
8/12/2019 Responsabilidade internacional do estado por violao do juscogens
27/29
Revista Brasileira de Direito Internacional, Curitiba, v.5, n.5, jan./jun.2007
30
responsabilidade consistente na reparao do dano individual a uma funo
coletiva, visando sobretudo preservao da ordem jurdica internacional.
O sistema de responsabilidade concebido para responder s violaes
dojus cogens permite que, ainda que a anarquia seja a regra numa sociedade
de Estados sem legislador nem juiz universal, seja possvel a cada um de seus
membros zelar pela sua preservao da ordem pblica internacional e
assegurar que as afrontas a esta ordem no fiquem isentas de conseqncias.
8/12/2019 Responsabilidade internacional do estado por violao do juscogens
28/29
Revista Brasileira de Direito Internacional, Curitiba, v.5, n.5, jan./jun.2007
31
REFERNCIAS
BARBOSA, Julio. Legal Injury : the Tip of the Iceberg in the Law of State
Responsibility? In: RAGAZZI, Maurizio. International Responsibility Today:Essays in Memory of Oscar Schachter. Leiden/Boston: Martinus NijhoffPublishers, 2005, p. 7-22.
BOLLECKER-STERN, Brigitte. Le prjudice dans la thorie de la responsabilitinternationale. Paris: Pedone, 1973.
CRAWFORD, James. The International Law Commissions Articles on StateResponsibility: Introduction, Text and Commentaries. Cambridge: CambridgeUniversity Press, 2002.
FRIEDRICH, Tatyana Scheila. Normas Imperativas de Direito InternacionalPblico: Jus Cogens. Belo Horizonte: Frum, 2004.
GATTINI, Andrea. Les obligations des tats en droit dinvoquer la responsabilitdun autre tat pour violations graves dobligations dcoulant de normesimpratives du droit international gnral. In : DUPUY, Pierre-Marie (dir.)Obligations multilatrales, droit impratif et responsabilit internationale desEtats. Paris: Pedone, 2003, p. 145-165.
DUPUY, Pierre-Marie. Droit international public. Paris: Dalloz, 2004.
ONU. Draft Articles on Responsibility of States for International Wrongful Actswith commentaries 2001. United Nations, 2005.
SICILIANOS, Linos-Alexandre. Classification des obligations et dimensionmultilatrale de la responsabilit internationale. In : DUPUY, Pierre-Marie (dir.).Obligations Multilatrales, Droit Impratif et Responsabilit Internationale desEtats. Paris: Pedone, 2003, p. 57-77.
STERN, Brigitte. Et si on utilisait le concept de prjudice juridique? Retour surune notion dlaisse loccasion de la fin des travaux de la C.D.I. sur la
responsabilit des Etats. Annuaire Franais de Droit International, 2001, p. 3-44.
TAMS, Christian J. Do Serious Breaches Give Rise to Any Specific Obligationsof the Responsible State? European Journal of International Law, 2002, vol. 13,n 5, p. 1161-1180.
TOUFAYAN, Mark. A Return to Communitarianism? Reacting to SeriousBreaches of Obligations Arising under Peremptory Norms of GeneralInternational Law under the Law of State Responsibility and United NationsLaw. The Canadian Yearbook of International Law, 2004, p. 197-251.
8/12/2019 Responsabilidade internacional do estado por violao do juscogens
29/29
32
VILLALPANDO, Santiago. Lmergence de la communaut internationale dansla responsabilit des Etats. Paris: PUF, 2005.
Top Related