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    Os nmeros entre colchetes [n] indicam o incio da pgina na edioportuguesa de Herder So Paulo, 1968. Foram acrescentados a estaedio eletrnica para possibilitar a citao acadmica da obra. Os ttulosque precedem imediatamente ao nmero pertencem pgina em questo. Osnmeros do ndice correspondem ao original

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    NDICEPrefcio..........................................................................................................................IX

    Karl RahnerObservaes sobre o Conceito de Revelao................................................................1

    Joseph RatzingerExame do Problema do Conceito de Tradio..............................................................5

    PRIMEIRA PARTERevelao e Tradio, Ensaio de Anlise do Conceito de Tradio..............................15I- Posio do Problema..................................................................................................15II- Teses sobre a Relao entre Revelao e Tradio.................................................. 24

    SEGUNDA PARTE

    Explicao do Conceito de Tradio segundo o Decreto do Conclio de Trento..........39

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    PREFCIO

    Comparadas com as grandes monografias teolgicas, entre as quais se incluem osltimos volumes da coleo intitulada Qustiones disputat, as pginas que se vo ler

    parecero talvez um tanto isoladas e bastante pobres. Todavia, o que levou os autores

    destes dois modestos ensaios ousadia de public-las, inserindo-os no rol de toimportantes obras, foi o fato de o assunto aqui tratado ser apenas uma qustiodisputata, no sentido original da expresso. Vale esta observao tanto para o aparatoexterno quanto para o contedo real deste pequeno livro que rene dois opsculos.

    O primeiro opsculo do presente livro (da autoria de Karl Rahner) fra japresentado em linhas gerais, na sesso do dia 28 de maro de 1963 do Instituto J. A.Moehler, em Paderborn. A mesma informao se estende tambm segunda parte dosegundo opsculo (o de J. Ratzinger), cujo texto foi aqui includo na ntegra. Adiscusso na qual, naquela oportunidade, tomaram parte, entre outros, os nossos colegas

    de Bonn H. Jedin e H. Schlier, contribuindo com estmulos e crticas que muitopenhoraram os autores, animou-nos a prosseguir nesta pesquisa.Quanto primeira parte do trabalho de Ratzinger, consta do texto da aula

    inaugural ministrada pelo Autor, a 28 de junho de 1963, ao assumir ele a ctedra deTeologia Dogmtica e de Histria dos Dogmas na Universidade de Munster. O

    propsito de ampliar o seu trabalho em conjunto, sob o ponto de vista histrico epositivo, lanando mo de abundante material armazenado, malogrou mais de uma vez,nos meses subseqentes, pois urgentes tarefas, s quais os autores se viram forados,obrigaram-nos, de um modo ou de outro, a protelar quaisquer outros planos.Entrementes, o assunto aqui estudado conservou seu teor de verdadeira qustiodisputata.

    Assim sendo, cnscios das limitaes de seu ensaio, os autores, acreditando quedestes trabalhos possa talvez resultar alguma contribuio para o debate em torno dotema Tradio, ousam public-los, agora, em formato de livro. Deliberadamenterenunciaram preocupao de fornecer informaes bibliogrficas e ao intento de fazerobra completa, contentando-se apenas com aduzir a documentao de interesse maisimediato para o seu trabalho.

    O pequeno ensaio de Karl Rahner, em sua redao atual, foi ainda utilizado comotexto de uma conferncia feita pelo autor, ao ensejo de sua diplomao como doutor

    honoris causa pela faculdade Teolgica da Universidade Catlica de Munster, naWestflia, em maio de 1964. No lhe pareceu necessrio refundir posteriormente estetexto nem muni-la de notas bibliogrficas.

    Queremos repetir: este livro nada mais pretende ser do que uma sugesto feitacom vistas ao dilogo teolgico, em torno do conceito de Revelao e de Tradio.Temos a esperana de que, ao lado dos grandes trabalhos j existentes sobre esteassunto, tal empreendimento no seja de todo considerado sem valor.

    Roma, outubro de 1964.KARL RAHNER eJOSEPH RATZINGER

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    Karl Rahner

    OBSERVAES SOBRE O CONCEITO DE REVELAO

    [1] Embora a condenao de uma heresia por parte da Igreja seja legtima e justa,sob o ponto de vista eclesistico e em face de uma situao concreta, assumindo mesmodeterminada relevncia histrica, da no se segue sempre e necessariamente que aIgreja tenha dado atendimento e resposta aos anseios e problemtica desta mesmaheresia por ela condenada. que o amadurecimento positivo de um problema e os

    problemas, mesmo quando aparecem sob a capa de heresia, trazem a marca de seutempo pode ocorrer muito mais tarde.

    Seria, por certo, conveniente que se apurasse at que ponto a delonga de talamadurecimento teria resultado de um erro trgico, de uma culpa ou da impotncia dos

    homens. Ou, ento, se no deveria ser considerada mero tributo a ser pago tambm pelaIgreja, em razo de sua condio histrica.De modo nenhum se deve, contudo, pensar que as condenaes da Igreja s

    atinjam opinies ou tendncias que, em seu bojo, outra coisa no ocultem a no ser umavazia e incua negativa de uma verdade j desde longo tempo claramente compreendidae explicitamente anunciada.

    H precisamente meio sculo, a Igreja foi ameaada pela heresia do Modernismo.Entre suas teses e erros fundamentais est o seu conceito especfico de Revelao. Parao Modernismo pelo menos se quisermos consider-lo em seu conjunto e atender sistematizao desta heresia luz da condenao feita pela Igreja a Revelao era umamaneira de se designar o [2] progresso imanente e necessrio dos anseios religiosos dohomem histrico. Esses anseios se objetivariam nas mltiplas formas de religieshistricas que, paulatinamente, teriam ascendido a uma pureza maior e a uma plenitudemais ampla, at chegarem a se concretizar definitivamente no Cristianismo e na Igreja.

    Tal definio era elaborada em oposio ao conceito de Revelao supostamentetradicional na Igreja. Segundo esta, a Revelao outra coisa no seria seno umconhecimento de Deus vindo puramente de fora. Desta maneira, Deus teria falado aoshomens e, em termos humanos, lhes teria comunicado, por meio dos Profetas, certasverdades que eles, por si ss, no poderiam conhecer. A isto se acrescentaram os

    mandamentos a serem observados. verdade que a necessidade da graa divina para a posse salutar da Revelao

    pela F era explicitamente ensinada pela ortodoxia eclesistica ento em luta contra oModernismo. Contudo no foi devidamente considerada a ntima conexo entre a graada F e a Revelao histrica.

    O fato de a Igreja ter acusado o Modernismo de imanentismo permite-nosreconhecer hoje um certo extrinsecismo no conceito de Revelao geralmenteapresentado pela teologia daquela poca, contra a qual se insurgia o Modernismo. Talextrinsecismo no era ensinamento oficial. Era, sim, uma hiptese corrente na teologia

    de ento.Aos poucos e quase desapercebidamente encaminha-se hoje para o seuamadurecimento a resposta problemtica do justo e pleno conceito da Revelao. A

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    isto a Igreja no dava uma resposta clara. Dava-a o Modernismo, porm falsa,precipitada, extempornea e em sentido decididamente hertico.

    evidente que este problema e sua devida soluo tm uma importnciafundamental no confronto entre o Cristianismo e a cultura moderna, ainda que isto noseja, de ordinrio, posto [3] explicitamente em debate. Com efeito, para o homem de

    hoje, penetrado de um certo humanismo contrrio Igreja, adepto de um atesmolamentvel, para o materialismo moderno que considera Deus como um enigmainsolvel e identifica o esprito com a prpria fora motora do mundo, o que choca e motivo de escndalo no propriamente o Deus absconditus do Cristianismo, quehabita na luz inaccessvel. , sim, o ensinamento de que existe uma histria daRevelao na qual o prprio Deus indica o nico caminho entre os muitos apontados

    pelas demais religies histricas, e o percorre Ele prprio aparecendo encarnado entreos homens. O escndalo est, se assim podemos dizer, na histria categorial daRevelao e no na relao transcendental entre Deus e o homem, mediante a qual Deus

    o cria do nada no abismo de Seu mistrio inefvel.O que Revelao e por que ela, apesar de sua origem imediatamente divina, oque h de mais ntimo na histria humana? Como pode ela identificar-se com a histriada humanidade, sem deixar de ser uma singular graa de Deus? Como pode a Revelaoestar sempre e por toda parte, a fim de operar sempre e por toda parte a salvao, sem,com isto, deixar de estar aqui e agora, na carne de Cristo, na Palavra dos Profetas quefalam precisamente dela na letra da Escritura? Poder ela ser por toda parte o motivontimo, a fora motora da histria, sendo, ao mesmo tempo, uma ao librrima deDeus, impossvel de ser medida em sentido ascendente, a partir da Histria? No , poroutro lado, o milagre uma graa divina ocorrida hic et nunce realizada uma vez parasempre?

    A fim de ampliarmos mais o horizonte de nossas reflexes e compreendermosmelhor a resposta a estas perguntas, poderamos lembrar que a mais comum relaoentre Deus e o mundo-em-devir consiste no fato de ele, o mais ntimo e absoluto Senhordo mundo, conceder ao ser finito uma verdadeira e ativa transcendncia em suaevoluo. Numa palavra, o prprio futuro, [4] a causa final, que mostra a verdadeira e

    prpria causa real atuando no ser em marcha.Da poder-se dizer que nossa pergunta no tende seno ao mais alto e mais radical

    conhecimento que hoje, aos poucos, vamos atingindo, isto , o conhecimento de como o

    real e ativo evoluir dos seres superiores, partindo dos interiores, ea permanente aocriadora, vinda do alto, so apenas os dois lados, ambos igualmente verdadeiros e

    positivos, do nico milagre do ser e da Histria. Referimo-nos idia de que Deus, emsua livre relao para com a sua criatura, no uma causa categorial ao lado de outras,mas, sim, o vivo, permanente e transcendental fundamento da prpria evoluo domundo. Tambm o mundo, a seu modo, se insere na relao entre Deus e o homem, nofato da Revelao e na sua histria. E isto na mais ampla medida, porque esta histria,na medida mais extrema, deve ser igualmente ao de Deus e ao do homem, uma vezque, em si, ela a mais alta realidade no ser e no evoluir do mundo. Se existe esta

    superao fundamental de uma total oposio entre o imanentismo e o extrinsecismo noconceito ontolgico da evoluo e da histria, ento deve tambm a teologia superaresta oposio na questo que aqui nos ocupa.

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    Com efeito, se a teologia catlica ensina e pe em prtica sua doutrina sobre agraa santificante e a vontade salvfica universal, sobre a necessidade da graa elevante

    para a f, e a doutrina tomista sobre o sentido ontolgico transcendental da graaentitativa, luz da Revelao, segue-se que, sem cair no Modernismo, a teologia pode edeve reconhecer a histria da Revelao ou simplesmente a Revelao, no sentido de

    apresentao categorial histrica. Falando mais propriamente, diremos: a histriadaquela mesma relao transcendental entre o homem e Deus, realizada, de modosobrenatural, atravs de uma sempre gratuita participao divina. Tal histria deve, comrazo, ser chamada de Revelao.

    [5] Se transcendncia sempre existiu e sempre existe na histria e se h umacriao transcendental no homem manifestada atravs de algo permanente, a quechamamos graa santificante, que santifica o homem precisamente pela participao deDeus e no atravs de qualquer outra eficincia casual, resulta ento que esta absolutatranscendncia, verificada na absoluta unio do Deus misterioso e inefvel que se torna

    presente no homem, tem uma histria. Esta histria o que chamamos de histria daRevelao.O fato da Revelao tem sempre um duplo aspecto. Por um lado, a constituio

    de uma transcendncia sobrenaturalmente elevada do homem, como algo permanente,gratuito, mas nem sempre de todo positivo, ou seja, a transcendental experincia daabsoluta e gratuita participao da vida divina, mesmo quando ela no sejaconcretamente objetivada em cada um, em particular. E, por outro lado, a mediaohistrica, a objetivao concreta desta experincia sobrenaturalmente transcendental queocorre na histria considerada em seu conjunto. (A voluntria reflexo teolgica doindivduo tambm pertence a esta histria, mas no a cria primariamente nem a forma).A experincia transcendental referida chama-se, usualmente, histria da Revelao,quando ela realmente histria da verdadeira exposio desta experincia sobrenaturale transcendental e no a sua contrafao. Em outros termos, quando ela o resultado

    positivo desta transcendental participao de Deus pela graa. Ou ainda: quando elaocorre por disposio da Providncia sobrenatural de Deus Salvador.

    Se for assim compreendida a unidade e inter-relao entre Revelao categorial eRevelao histrica, ou melhor, o elemento transcendental e o elemento histrico(mediador) de uma revelao e de sua histria, ser, ento, tambm visvel uma

    primordial distino no que revelado.

    Revelado Deus, como o que se d a participar em absoluta e gratuita unio,como Deus, ou seja, como mistrio absoluto. Revelada a mediao histrica destaexperincia transcendental [6] como autntica, como absoluta experincia de Deus.Revelada , no pice singular e definitivo desta histria da Revelao, a absoluta eirreversvel unidade entre a participao transcendental de Deus na humanidade e suahistrica mediao no nico Deus-Homem. Em Jesus Cristo, como numa s Pessoa, o

    prprio Deus compartilha da humana posse desta mediao e de sua definitivamanifestao histrica.

    Nesta unidade entre a transcendental co-participao de Deus e sua definitiva

    mediao e manifestao histrica, uma vez que se trata da comunicao de Deus em simesmo, revelado tambm o mistrio fundamental do Deus trino, enquanto seconsidera neste mistrio somente o aparecimento de Deus conosco, na histria e na

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    transcendncia, ou seja, do Deus trino, Pai, Filho e Esprito Santo, em sua possibilidadede vir a manifestar-se na transcendncia do homem e na sua histria.

    Enquanto, por conseguinte, a histria se abre transcendncia, o Filho envia oEsprito. Enquanto a transcendncia constri a histria, o Esprito realiza a Encarnaodo Logos. Enquanto o aparecimento de Deus na histria expressa a impossibilidade de

    se conservar oculto o que suma realidade, o Verbo Encarnado revelado como a auto-expresso do Pai na Verdade. Enquanto a vinda de Deus entre ns no meio de nossaexistncia significa o Seu e o nosso amor, revelado o Pneuma sob este aspecto deamor.

    Quando ns fazemos a experincia da unio transcendental e absoluta do Deusconosco, compartilhando de Sua vida e aceitando-a por graa dele mesmo, sabemos,mediante o nosso ato de f, o que significamos, ao falarmos sobre a Trindade de Deus eao exprimirmos, de modo breve e sucinto, a formalidade e o contedo da f crist, dasua Revelao, da histria desta Revelao. Sabemos o que significamos, quando nos

    fazemos batizar nestes nomes: em nome do Pai, do Filho e do Esprito Santo.[7] Ao que at aqui estabelecemos, em traos gerais e rpidos, como sendo a idiafundamental da Revelao, acrescentamos agora alguns esclarecimentos, selecionadosum tanto arbitrariamente e referentes todos origem da Revelao e s suasconseqncias.

    Do exposto resulta que a Revelao, quer transcendental, quer categorial, e suahistria co-existem com a histria espiritual de toda a humanidade. Isto no erro doModernismo. uma verdade crist. Podemos prov-lo muito simplesmente, dizendo serincontestvel que a histria da salvao sobrenatural realizada sempre na histria domundo, o que, depois do Conclio Vaticano II, se tornou uma verdade ainda maisvivamente impressa na conscincia religiosa dos cristos. A salvao, porm, no podedar-se sem a f. Nem a f, sem uma revelao prpria.

    No precisamos esclarecer a possibilidade da Revelao e da f fora da histriado Antigo e do Novo Testamento, nem recorrer a uma teoria catlica especial, como ade Straub ou a de Billot. Nem mesmo necessitamos apelar para uma tradio categorialexplcita da Revelao primitiva, segundo a qual, literria e doutrinariamente, aexperincia categorial de Ado teria sido transmitida aos psteros, o que, luz doconhecimento atual da histria das religies e dos dois milhes de anos da histria dahumanidade, no muito provvel.

    Basta-nos reter (o que testemunhado pelos dados atuais da teologia) que cadahomem, elevado pela graa em sua espiritualidade transcendental, representa estaentitativa divinizao que precede o uso da liberdade, mesmo quando esta no porele compromissada na f. Significa, portanto, uma transcendental divinizao dacondio primitiva do homem, o ltimo horizonte do conhecimento e da liberdade, sobo qual o homem completa o seu ser. Atravs desta existncia sobrenatural do [8] homemem geral e de cada um em particular, d-se uma revelao de Deus, mediante uma

    participao gratuita. E esta condio fundamental e gratuita do homem, realizada noDeus da vida trinitria, pode tambm ser entendida como Revelao da Palavra,

    contanto que, de um lado, no limitemos esta palavra a mera prolao fontica e, deoutro, no nos esqueamos que esta Revelao transcendental est sempre inserida numcontexto histrico, e ainda que a histria humana no pode prescindir das palavras. A

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    histria dos homens no consta de fatos mortos, mas de fatos cujo sentido representa umelemento importante em cada conjuntura histrica.

    No existe nenhuma relao objetiva de um objeto em particular ou de uma frasena vida transcendental do homem aberto para Deus, para o Deus trino e eterno. O que mais e o que fundamenta todos os dogmas da F, como condio mesma de sua

    possibilidade, e, antes de tudo, o que os faz real palavra de Deus o seguinte: ohorizonte da vida sobrenatural ou a luz da F em si mesma - como diramos emlinguagem tradicional e simples - pressupe que se aceitem e se valorizem as palavrasda Tradio.

    Com tudo isto, acentuemo-lo mais uma vez no estamos dizendo que estatranscendental e apriorstica abertura do homem para o Deus da vida eterna e da

    participao absoluta possa ser em si mesma anistrica, nem que conduza a umadesordem mstica que consistiria numa introspeco individualstica alienada dahistria. Ao contrrio. Ela se completa necessariamente na histria do agir e do pensar

    do homem. E pode faz-lo explicitamente, embora de maneira de todo annima. Assimsendo, nunca existe uma histria da Revelao transcendental para um particular s. Ela individual e coletiva. Naturalmente tal histria em concreto nunca a histria daRevelao inteiramente pura em si. Ela se d em cada um sempre em indissolvelsimbiose com o erro, com falsas interpretaes, com a [9] culpa, com os abusos. Ela histria justa e pecadora, uma vez que o homem simul iustus et peccator, estando ahistria da culpa e a da salvao definitivamente ligadas at ao dia do juzo final.

    Isto no exclui a existncia de uma autntica histria da Revelao na histriageral da humanidade. Tanto que, para o cristo, por exemplo, uma diacrtica distino,na histria veterotestamentria, entre autntica histria da Revelao e falsa histria dareligio s possvel, tomando-se como critrio a Cristo. Tal distino no possvel,

    partindo-se apenas dos critrios fornecidos pelo Antigo Testamento. Com efeito, aSagrada Escritura tem somente a Cristo como regra interna e externa e como norma desua hermenutica. Da resulta que a Escritura deve ser considerada pelo cristo comoverdadeira histria da Revelao do Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo1.

    Deduzir a idia da Revelao da Palavra de Deus oral e escrita atingir o ladotranscendental da prpria Revelao. buscar um critrio no cnon da Escritura,colocando a Palavra de Deus oral e escrita antes de tudo na sua aceitao pela F internae gratuita. desmitologizar a mensagem externa da f em sua formalidade

    transcendental. A histria da religio a parte da histria humana em que a naturezateolgica do homem se realiza tematicamente e efetivamente, como em toda histria.Da resulta que a histria da religio simultaneamente duas coisas: a parte maisexplcita da histria da Revelao etambm o lugar espiritual (der geistige Ort) em queas falsas interpretaes da experincia transcendental de Deus se manifestam de modomais notrio e levam s piores conseqncias. A superstio ope-se nitidamente suanatureza. Mas ela , ao [10] mesmo tempo, estas duas coisas. E, sempre numaambigidade de sentido que no conseguimos solucionar.

    1Sobre a diferena entre a histria da Revelao extra-bblica e a veterotestamentria (que tambmum pressuposto daquela), cf. K. RAHNER, Schriften zur Theologie, V (Einsiedeln, 1964), p.136-158,

    principalmente p. 148 e 153.

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    Na teologia escolstica catlica, nos ltimos sculos, em contraste com a teologiamedieval, pouco ou nada se diz sobre o portador do testemunho da Revelao, aqueleque a apresenta, atravs do milagre, aos homens chamados a crer. Refiro-me Revelao presente no seu portador que o prprio Profeta. Do que antes expusemos,concluir-se- que a teologia dos prembulos e a da f so idnticas. Por isso tem razo a

    teologia fundamental, quando, freqentemente, trata da analysis fidei, em seu mbitoprprio, supondo-se que ela o faa, considerando a f e a aceitao da Revelao em suaunidade fundamental. O aspecto transcendental da aceitao da Revelao e a F so amesma coisa: fundam-se ambas na constituio do homem gratuitamente marcada pela

    participao ontolgica e pelo compromisso livre do homem com este aspectoexistencial do ser.

    A desmitologizao (Entmythologisierungsfrage), para a teologia catlica,concretiza-se e resume-se na capacidade de cognoscibilidade do milagre. Da

    perguntar-se: possvel uma autntica experincia transcendental de Deus, j que isto

    seria como que um compartilhar do imparticipvel? (Schon-immer-heim-Univermittelten-Sein). Fundamentalmente no possvel nem necessrio estabeleceruma distino adequada entre a mediao dofactum brutum (durch das factum brutum)da chamada realidade objetiva e a que se d atravs de sua clara explicao. A mediao(Vermittlung) baseia sua ltima verdade no mediado (im Vermittelten). Portanto adesmitologizao e a relao entre a mediao e o mediado (Vermittlung-Vermittelte)fundamentam-se na diferena e na unidade ontolgica dos aspectos categorial etranscendental e tambm na diferena e na indissolvel unidade entre a histria e seusignificado. Esta mediao, enquanto histrica, sempre uma histria com-os-homensou, no sentido mais profundo da palavra, uma [11] histria eclesial. , portanto,tambm um compromisso com a f da comunidade dos fiis e da Igreja, f esta que, nacomunidade e em cada indivduo, envolve sempre a unio de sinais e de verdade, comona palavra do Sacramento e no Logos Encarnado, onde estes dois elementos seencontram inseparveis, mas no se confundem, sendo a sua associao independentedo alvitre dos homens.

    Partindo dessas premissas, pode-se entender o que seja a fides implicita, qualat hoje os telogos no deram o destaque devido. Fundamentalmente, a f, seja qualfor, envolve a aceitao do sinal. S f verdadeira, se assumir o sinal mediante oinefvel mistrio da unio do Deus que se d a si mesmo em participao. S f

    verdadeira, quando entende a mediao categorial como presena de sinais(Zeichenhaftigkeit), como se realiza na prpria Igreja. Assim como a Revelao noelimina a obscuridade do sacrossanto mistrio de Deus, antes o cristo, amando eadorando, a aceita, assim tambm o carter implcito (Implizitt) da Revelao e da f

    pertencem sua prpria natureza. Esta implicitude no , portanto, um elemento ques se daria quando as pessoas incultas ou ignorantes ouvem a Revelao e crem.

    Agora, podemos entender melhor tambm um conhecido fenmeno religioso: atendncia a se reduzir o dogma e a religio a um ncleo de verdades essenciais. Aunidade existente entre os elementos categorial e transcendental existe tambm na

    Religio. Tambm esta una e nica. E insubstituvel por qualquer outra. Devemosdizer tambm que o Cristianismo, considerado como religio universal e absoluta e noapenas como particular aliana de Deus com determinado povo, no pode deixar dereconhecer a Cristo como Mediador e como Salvador. Cristo, com efeito, por sua

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    corporeidade e espiritualidade, integra em si, relaciona e torna legtima toda mediaopossvel no mbito do mundo das realidades. Assim nada existe que [12] exclua estepoder de mediao. Ele existe na palavra, no sinal litrgico, na comunidade eclesial, noofcio, na imagem, em suma, at mesmo nas coisas profanas. No obstante a pluralidadee diversidade desta mediao, pode acontecer que, em diferentes pocas e lugares, de

    acordo com os desgnios da graa, mesmo no Novo Testamento, a obrigatoriedade ecognoscibilidade da nica mediao tenha a sua histria peculiar. Tal histria daRevelao, tornada definitiva em Cristo, no mbito do ltimo e eterno eo,podetambm, conforme disposio divina, refletir-se na trgica histria da Cristandadedividida por uma ciso em que transparece a pluralidade das muitas mediaes da nicaRevelao. Esta diviso para ns uma censura. Contudo serve-nos tambm deinstrumento da graa de Deus.

    A distino entre Revelao transcendental e a categorial-histrica aplica-setambm f. Da novas luzes para se entender melhor o problema da credulidade,

    enquanto distinta da f e intimamente relacionada com ela. Quando se considera aprecria descrio da f elaborada pelos telogos v-se que seu carter auditivo (exauditu) geralmente proposto de modo aposteriorstico e emprico. O endereamento daf ao ouvinte aparece, ento, como se, da parte deste, s houvesse uma potncia formal

    para assumir certas proposies verdadeiras, sem as investigar, devendo apenas aceit-las em sua formulao exata, irrecusvel e fixa. A potncia apriorstica da f ou acredulidade quase no levada em considerao na teologia catlica. Esta credulidadecomo capacidade apriorstica de crer no deve ser tida na conta de uma potncia igual soutras, uma espcie de sentido, de exigncia ou coisa parecida. , antes, o ladotranscendental da Revelao, a potncia apriorstica que tem o homem, sertranscendental, para a comunho com Deus, na graa fundada na prpria abertura deDeus para se comunicar com a criatura. Ambas estas coisas devem ser consideradas emsentido ontolgico, no em sentido ntico.

    [13] Toda anlise da f catlica apresenta a autoridade de Deus como o objetoformal ou o motivo ltimo da f. Chega-se, assim, entretanto a um impasseintransponvel. Isto porque se considera esta autoridade como elemento categorial eapriorstico, limitado pelo horizonte do conhecimento humano, que a f tem quesuperar, para que a Palavra permanea sendo realmente Palavra divina e no sejarebaixada ao nvel meramente criatural. Se, porm, na Revelao e na f, o prprio Deus

    autocomunicando-se, o objeto crido e o princpio apriorstico de crer; se a lgica da fno uma categoria aprendida de fora, mas do mesmo modo que a lgica natural a

    prpria estrutura ontolgica e interna do ato de f; se a mensagem exterior da f no oseu motivo aposteriorstico, mas sua razo apriorstica; ento todo este problema

    perde o seu sentido. Assim se compreender que um falso ato material de f deixa de terum objeto formal meramente apriorstico e pode vir a ser um ato de f autntico.

    Somos forados a interromper aqui estas observaes. Em tudo o que dissemos,pudemos apenas indicar algumas perspectivas de soluo de um problema que desde ostempos do Modernismo atual, mas que, contudo, tem sido de certo modo postergado.

    Mesmo por este pequeno exemplo, ao qual poderamos acrescentar o de muitos outrosproblemas teolgicos ainda no solucionados, vemos como custosa e lentamente avanao trabalho teolgico. necessrio ter pacincia e envidar esforos perseverantes.

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    Necessrio ainda admitir-se que a teologia no cria a f no cristo. Ele apenaschamado a pr-se a servio da f. Da f, hoje.

    Ao exprimir eu ilustre Faculdade Catlica de Teologia da Universidade deMunster o meu penhorado e cordial agradecimento pela distino que me outorgou,fao-o com a conscincia de que tambm os operrios que realizam a construo da

    teologia trabalham em vo, se o Senhor no cooperar com eles. Ns [14] devemostrabalhar enquanto dia. Toda theologia mentis apenas um auxlio para a theologiacordis et vit. Enfim, em toda theologia, a rigor, s um caminho se abre: o caminho quese perde no segredo de Deus, mistrio impenetrvel que, todavia, se pe ao nossoalcance.

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    Joseph Ratzinger

    EXAME DO PROBLEMADO CONCEITO DE TRADIO

    PRIMEIRA PARTE

    Revelao e TradioEnsaio de anlise do conceito de Tradio

    I Posio do Problema

    [15] O modo como Cristo, Palavra expressa da Revelao, permanece presente naHistria e vai ao encontro dos homens pertence quelas questes fundamentais, em

    torno das quais se dividiu a Cristandade ocidental, no sculo da Reforma. A luta prende-se idia de Tradio, pela qual a Igreja catlica procurou exprimir certa forma decomunicao da Revelao, ao lado da outra contida na Sagrada Escritura. Isto, com ofim de desfazer um duplo protesto. A Tradio designava primeiro as chamadasconsuetudines ecclesi, tais como a santificao do domingo, a orao voltada para oOriente, o costume de jejuar, as vrias bnos e consagraes e outras prticassemelhantes em vigor na piedade dos fiis, ao tempo da baixa Idade Mdia. Tais

    prticas ora nobres, ora ridculas, embora transformassem a Igreja numa espcie de casaassombrada, cheia de ngulos e cantos, justificavam-se sob o ttulo de tradio elegitimavam-se como parte essencial da vida crist1.

    Lutero, a quem a simplicidade do Evangelho como urna fora explosiva tinhasobremodo impressionado, preferiu, luz de sua [16] idia de Deus, juiz misericordioso,no ver na Tradio nada mais do que ninharias com as quais a humanidade se ilude eaparentemente se consola, buscando uma evaso ante o abuso da prpria existncia.Ainda mais: ele viu na Tradio o retorno da Lei, o predomnio do arbtrio humanosobre a palavra de Deus, abuso contra o qual Paulo protestara com tanta veemncia eque agora, de novo, se implantara na Igreja. A Confessio Augustana ocupou-se tambmdestas coisas, destacando uma srie de leis, cuja violao, segundo a doutrina corrente,era tida como pecado mortal: a proibio do trabalho manual aos domingos e dias

    santos, a interrupo das preces cannicas dirias, os preceitos do jejum, etc. E Luteroprosseguia: De onde tiram os Bispos o direito e o poder de imporem tais prescriesaos cristos e de ilaquearem assim as conscincias? Pedro, no captulo 15 dos Atos dosApstolos, probe se imponha o jugo sobre os ombros dos discpulos. E Paulo diz aosCorntios que a autoridade lhe foi dada para salvar e no para condenar. Por que, ento,multiplicam assim os pecados com tais imposies? Se os Bispos tm poder desobrecarregarem as igrejas com inmeras prescries e de onerar as conscincias, porque, ento, a Sagrada Escritura probe to freqentemente que se faam mandamentos

    1 o que se v claramente pela lista de traditionesfeitas no tempo do Conclio de Trento. Cf. a nota 44da segunda parte desse livro.

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    humanos e se escravizem os homens? Porque chama ela a estas coisas de doutrina deSatans? Foi, acaso, em vo que o Esprito Santo fez tais advertncias? 2.

    Lutero identificou, aqui, a traditio com os abusus. Tradio, segundo ele, leihumana, pela qual o homem se esconde de Deus e, pior ainda, se levanta contra Ele,

    para tomar nas prprias mos a tarefa de sua salvao, em vez de esper-la da librrima

    graa do Senhor. A Tradio assim entendida como Lei contraposta mensagem dagraa: Devemos aceitar cada [17] um dos artigos do Evangelho para alcanarmos agraa de Deus, sem mrito nosso, atravs da f em JesusCristo, e no pretender merec-la, mediante prticas do culto inventado pelos homens3.

    O problema da Tradio tornou-se ainda mais agudo, devido a um segundoaspecto que, de resto, no conduziu a nenhum resultado positivo. Descobrindo oEvangelho, teve Lutero igualmente a impresso de libertar a Palavra de Deus da pesadacadeia do Magistrio eclesistico que se teria apossado desta Palavra e no mais aentendia em seu verdadeiro sentido, empregando-a antes a seu bel-prazer. A idia de

    que a palavra divina, aprisionada, na Igreja catlica, autoridade do Magistrio, ficouprivada de sua fora viva, sempre repetida nos escritos dos Reformadores.Melanchton, porm, f-lo talvez de um modo mais humano e flexvel, quando aps,com reservas, a sua assinatura aos artigos luteranos de Esmalca: ... quanto ao Papa,acho eu que, j que ele quis abandonar o Evangelho, devemos ns, de nossa parte,tolerar (e admitir), para o bem, da paz e da unidade..., a sua superioridade sobre osBispos, superioridade esta que ele possui iure humano... 4

    Este estado de coisas impregnou outrossim a idia de Igreja da ConfessioAugustana, uma vez que a se diz que a Igreja a congregatio sanctorum, in quaEvangelium pure docetur et recte administrantur Sacramenta5. Assim a Igreja marcada por duplo aspecto: pela pureza da doutrina e pela administrao legtima dosSacramentos. Nem uma palavra sobre o Magistrio. Na realidade, para a elaborao doconceito de Igreja, este silncio da CAno menos importante do que o que ela a diz. um silncio evidentemente intencional e denuncia a oposio dos Reformadores concepo catlica de Igreja [18] ento vigente e at hoje conservada. Esta consta detrs elementos: afides, correspondente aopure docere; a communio, que corresponde aosacramenta; e a auctoritas6. O Magistrio aparece aqui como critrio da palavra. oseu fiador. Segundo Melanchton, d-se o contrrio: a palavra que o critrio doMagistrio. Este deve, em ltima anlise, ser provado pela palavra e pode,

    conseqentemente, ser negado. A palavra auto-suficiente e paira sobre o Magistriocomo uma grandeza autnoma. Talvez nesta inverso de relaes que est

    propriamente o contraste entre o conceito catlico e o protestante de Igreja. Contradioparalela se d em torno da idia de Tradio. Com efeito, a negao do Magistrio comocritrio da palavra significa a reduo da palavra de Deus Escritura que ser, ento, o

    2Art. 28, 39-42 in:Die Bekenntnisschriften der evangelisch lutherischen Kirche, Gotinga, 1952, p.126.3Art. 28, 52, Op. cit.,p.129.4

    Op. cit.,p.463.5Art. 7, 1, pg. 61.6Sobre este ponto e o seguinte, cf. J. RATZINGER, Das geistliche Amt und die Einheit der Kirche, in:Catholica, 17 (1963), p. 165-179.

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    da mais alta importncia. Ele sabe que no cumpre este dever pelo simples fato deapelar para a inerrncia da Igreja. Faz-lo seria menosprezar o sentido da luta de Luteroem favor da Palavra, deixando-se de ver nisto uma salutar advertncia e um apelodirigido s almas.

    No obstante tudo isto, a histria da controvrsia no se deteve, no decurso dos

    quatro sculos que se seguiram Reforma. Duas diferentes tendncias se destacam nasrelaes entre o Protestantismo e o Catolicismo e entre suas respectivas teologias. Deum lado, uma radicalizao de cada grupo nos prprios pontos de vista. Cada grupo, a

    partir de ento, fez sua histria prpria e desenvolveu-a em direo oposta um ao outro.Por outro lado, a distncia mantida entre ambos possibilita maior objetividade em seus

    julgamentos recprocos. Existe, finalmente, de parte a parte, um renovado esforo porsuperar as fronteiras com vistas a um encontro.

    Quem, entre os Catlicos, empreendeu o mais significativo passo para chegar auma viso nova do problema da Tradio, mediante a superao de posies unilaterais

    e anti-reformistas, foi, em nossos dias, o telogo dogmtico de Tubinga Josef RupertGeiselmann. Seus esforos foram frutuosos, fazendo-se sentir a sua influncia inclusivenos estudos preparatrios do [21] Conclio, e deram s incurses do Vaticano II nestarea aquela marcante atualidade que, ainda na primeira sesso, levou este problema atranscender do crculo da luta doutrinal entre as vrias escolas teolgicas para setransformar em uma preocupao de toda a Cristandade catlica9.

    A tese de Geiselmann conhecida. Basta-nos esbo-la rapidamente aqui, a fimde lanarmos as bases de uma reflexo, que procurar aprofundar mais este assunto etalvez dar um modesto passo frente. Geiselmann parte de uma interpretao nova dosentido dado pelo Conclio ao conceito de Tradio. O tridentino estabelecera que averdade do Evangelho est contida in libris scriptis et sine scripto traditionibus. Isto foie at hoje interpretado como se a Escritura no contivesse toda a veritas evangelii.Portanto, no possvel admitir-se a sola Scriptura, uma vez que uma parte daRevelao nos transmitida somente pela Tradio. Geiselmann aproveitou aobservao j antes feita por alguns autores de que, na primeira redao do texto, fraadotada a frmula, segundo a qual a verdade estaria contida partim in libris scriptis,partim in sine scripto traditionibus. Estaria aqui claramente expressa a doutrina dadiviso da verdade revelada em duas fontes (Escritura e Tradio). O Conclioabandonou a expresso partim partim, preferindo usar o simples conectivo et.

    Geiselmann da conclui: afastou-se o Conclio da idia da diviso da verdade em duasfontes diversas. Ou, pelo menos, no a definiu explicitamente. E continua o mesmoautor: com isto, pode tambm o telogo catlico aceitar a idia de uma suficinciamaterial da Escritura. Pode ainda, mesmo permanecendo catlico, defender a opinio deque a Sagrada Escritura suficiente para transmitir-nos a [22] Revelao. Geiselmannadmite conseqentemente que a sola Scripturapode conceber-se como uma nica fonte

    9 Cf. R. LAURENTIN, L'enjeu du Concile. Bilan de Ia premire session, Paris, 1963, p.27-45; Y.CONGAR, Vatican II. Le Concile au jour le jour, Paris, 1963, p.63-71; J. RATZINGER, Die ersteSitzungsperiode des Zweiten Vatikanischen Konzils, Colnia 1963, p.38-50.

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    material da Revelao. Ele cr ainda poder mostrar que a tradio mais forte a favordesta sentena e que o prprio Conclio de Trento se inclina neste sentido10.

    fcil de se compreender que semelhante tese tenha obtido o apoio de muitos emface das novas possibilidades de encontro entre Catlicos e Evanglicos, possibilidadesestas que a posio de Geiselmann parece favorecer11. Que esta tese, na realidade,

    constitua um passo considervel neste sentido, parece ser incontestvel. Todavia, tologo a analisemos mais de perto, em seus fundamentos histricos e reais, surge depronto toda uma srie de dificuldades graves a tornarem impossvel a sua aceitao.

    Sobre o aspecto histrico deste problema, apresentaremos vrias observaes nasegunda parte deste nosso opsculo. Entrementes, consideremos de imediato o lado

    prtico deste assunto. Seu exame provoca inicialmente esta pergunta: que significapropriamente a expresso suficincia da Escritura? Geiselmann, como telogocatlico que , no deixa de sustentar os nossos dogmas. Ora, nenhum dogma catlico

    provado sola Scriptura. Nem os grandes dogmas primitivos, sustentados pelo consensus

    quinquescularis, nem tampouco o de 1854 e [23] menos ainda o de 1950. Em quesentido ento se pode falar em suficincia da Escritura? No ameaar esta converter-seem perigosa fraude, pela qual nos enganamos primeiramente a ns prprios e, emseguida, tambm enganamos aos outros? (Ou no sero talvez justamente eles que nose enganam?) Ou ento pelo menos para sustentarmos, de um lado, que a Escriturasozinha contm toda a verdade da Revelao e, de outro lado, que o dogma de 1950 verdade revelada, no deveremos ns refugiar-nos em um conceito to largo desuficincia que, na verdade, esta palavra venha a perder todo o seu significado?

    Com isto, abre-se a segunda (que, de fato, a primeira) questo decisiva, a saber:ser verdade que os debates em torno da idia da suficincia da Escritura resolverammesmo o problema do conceito de Tradio? Ou, ao contrrio, no estaremos ns aquidiante de um problema de razes muito mais profundas?

    Nossas observaes introdutrias devem ter deixado claro que esta ltimapergunta deve, sem dvida nenhuma, ser respondida afirmativamente. A questo dasuficincia da Escritura apenas um problema secundrio no mbito da distino muitomais importante que foi j antes apontada por ns, ao tratarmos dos conceitos abususeauctoritas, e que gira em torno do nexo entre a autoridade da Igreja e a autoridade daSagrada Escritura. Da compreenso disto depende tudo o mais.

    Para irmos mais adiante, torna-se necessrio analisarmos profundamente o

    assunto, no para nos determos no exame dos conceitos to relevantes de suficincia ouinsuficincia da Escritura, mas, antes, para abordarmos em seu tudo o vasto problema daPalavra revelada e presente no corao dos fiis. Torna-se evidente ento que, luz dasfontes positivas, a Escritura e a Tradio devem ser postas em relao to ntima que, da

    10Ver, sobretudo, a obra de J. R. GEISELMANN,Die Heilige Schrift und die Tradition, Friburgo, 1962,principalmente as p.91-107.274-282. Entre os trabalhos anteriores escritos por Geiselmann sobre omesmo tema de particular importncia o seguinte: Das Konzil von Trient ber das Verhltnis der

    Heiligen Schrift und der nichtgeschriebenen Traditionen, in: M. SCHMAUS, Die mndliche

    berlieterung, Munique, 1957, p. 123-206.11Uma lista de todos os autores que mais concordaram com Geiselmann fornecida por H. KNG, emsua tese: Karl Barths Lehre vom Wort Gottes als Frage an die katholische Theologie, in: Einsichtund Glaube,publicado por J. RATZINGER-H. FRIES, Friburgo, 1963, p. 105, nota 25.

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    fonte interna (a Revelao) brote a pa1avra de Deus viva sob aquela dupla formalidade.A Escritura e a Tradio no podem [24] ser entendidas uma sem a outra, no sentidoque ambas tm, luz da f. O problema Escritura e Tradio permanecer insolvel,enquanto no for reduzido a uma s questo, a saber, a questo Revelao e Tradio,e inserida, enfim, no amplo contexto a que pertence.

    Eu gostaria de, nas pginas seguintes, sem entrar em todos os detalhes, tentardesenvolver, em forma de teses e de maneira positiva, o conceito de Tradio, partindode sua natureza ntima, com a esperana de que nele descubramos uma parte da respostaaos anseios dos Reformadores. Desta maneira, toda esta anlise servir de contribuio

    para o dilogo interconfessional, cuja necessidade tanto os Catlicos como osProtestantes vm proclamando de maneira cada vez mais insistente.

    II - Teses sobre a relao entre a

    Revelao e a Tradio1.A Revelao e a Escritura

    A primeira tese, em aditamento ao conceito patrstico de Escritura e Revelao,poderia enunciar-se nos seguintes termos: o fato de existir uma Tradio repousa,antes de tudo, na diferena que permeia entre estas duas realidades: Revelao eEscritura. A Revelao exprime propriamente o falar e o agir de Deus em relao aoshomens. Designa uma realidade expressa pela Escritura, sem ser, contudo, a prpriaEscritura. A Revelao, por conseguinte, ultrapassa a Escritura na mesma medida emque a realidade ultrapassa a sua expresso escrita12. Poder-se-ia [25] tambm dizer que aEscritura o princpio material da Revelao. (Talvez princpio nico, talvez um

    princpio entre outros: isto ser esclarecido mais adiante). Ela no , porm, a prpriaRevelao. Isto era, alis, bem sabido dos prprios Reformadores, mas comeouvisivelmente a ser esquecido no aceso da controvrsia entre a teologia catlica ps-tridentina e a ortodoxia protestante13. Em nosso sculo, foram justamente os telogosevanglicos Barth e Brunner que redescobriram este fato de todo evidente para ateologia patrstica e medieval14.

    O que acabamos de afirmar ficar mais claro, se partirmos de outro princpio: aEscritura pode ser possuda sem que se possua a Revelao. Isto porque a Revelao

    sempre e em primeiro plano uma realidade, a realidade onde se encontra a f. Aquele

    12Esta afirmao no tem o sentido de que a Escritura seja uma mera e vazia narrativa de realidades aela exteriores. Antes, como o que se segue ir demonstrar, indica que a Revelao realizada naPalavra, j que por meio de palavras que ela se comunica aos homens. Contudo, a mera presena da

    palavra ainda no a Revelao. Esta mais do que simples presena. Com o que ficou dito,salienta-se a diferena que existe entre a palavra e seu contedo. Esta diferena no exclui o carterverbal da Revelao.13 Cf. A. GLOEGE, Schriftprinzips RGG, V, 1540-1543, onde se encontrar a mais completa

    bibliografia. LthK, VII, 1104-1115 J. R. GEISELMAN, Offenbarung, in: H. FRIES, Handbuch zumBegriff der Offenbarung, cf. M. VERENO - R. SCHNACKENBURG - H.RIES, in: TheologischerGrundbergriffe, II, Munique, 1963, p.242-250 e a bibliografia a citada.14Cf. W. H. VAN DER POL,Das reformatorische Christentum, Einsiedeln, 1956, p.117-192.

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    que no cr acha-se como que coberto por um vu, o vu de que fala So Paulo noterceiro captulo da segunda epstola aos Corntios15. Ele pode ler a Escritura e saber oque nela se contm. Pode at mesmo apreender de modo puramente intelectual o que a significado e como suas idias se inter-relacionam. Todavia, no possui, com isto, aRevelao. A Revelao , sobretudo, possuda quando, alm da expresso material que

    a atesta, se pe tambm em prtica o seu contedo interno, por meio da vivncia da f.Com efeito, de certo modo se inclui tambm na Revelao o sujeito recipiente, sem oqual ela no pode existir. No se pode pr a Revelao no bolso, como se faz com [26]um livro. Ela uma realidade viva. Exige homens vivos que a recebam, que sirvam delugar de sua presena.

    Repetindo o que at aqui dissemos, podemos afirmar que a Revelaosobreexcede de fato a Escritura, em dois sentidos:

    a) em sentido ascendente, ela atinge sempre, como realidade procedente de Deus,o agir divino sobre as criaturas;

    b) como realidade que se d ao homem por meio da f, ela atinge igualmente aEscritura.Desta diferena entre a Escritura e a Revelao resulta claramente que, de todo

    independentemente da questo se a Escritura ou no a nica fonte material, em rigor,nunca existe para o cristo a sola Scriptura. (Isto, como ficou dito, era claro, em

    princpio, para os grandes Reformadores e comeou a ser esquecido na chamadaortodoxia protestante). A Escritura no a Revelao. , sim, em ltima anlise, uma

    parte desta realidade mais ampla.

    2. Os diferentes sentidos da Escriturano Antigo e Novo testamento

    A problemtica crist da Revelao ou o problema Escritura e Tradio situa-semelhor, se considerarmos o duplo aspecto da mesma Revelao no Antigo e no NovoTestamento. A este duplo aspecto corresponde tambm um duplo sentido da Escritura.Assim como os dois Testamentos, como tais, se distinguem essencialmente, assimtambm devemos dizer que a Escritura, como um fato, no repetida duas vezes domesmo modo. Isto aparece muito claro nos livros neotestamentrios. Sob a expressoEscritura, designam eles somente o Antigo Testamento. Para eles, o AT e

    permanece sendo a Escritura, cujo sentido se aclara mediante sua confirmao noevento da [27] vinda de Cristo16. Os livros do NT no jogam uma Escritura nova contrauma Escritura antiga. Nem pem uma, simplesmente ao lado da outra. Pem, sim, emface da nica Escritura, ou seja, do Antigo Testamento, o Cristo-evento, como o espritoque explica a letra. Esta concepo fundamental ilumina tambm a forma da f maisantiga e a torna, por primeiro, compreensvel. O Jesus formal o Cristo expresso noAntigo Testamento. No outra coisa. No Jesus Histrico, o Cristo-mensagem do

    15Cf. sobre estas reflexes o importante artigo (de A. OEPKE, in: ThWNT, III, p.565-597.16Ver sobre este ponto as preciosas concluses de G. SCHRENK, art. , in: ThWNT, I,

    p.749-769 e a p.767.

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    Antigo Testamento atinge a sua consumao. a partir do AT que se entende quem Jesus. E o que o Testamento Antigo expressa pode ser visto luz do Cristo-evento.

    Esta idia aparece em Paulo, ao apresentar ele o Antigo e o Novo Testamentoscomo Gramma e Pneuma isto , letra e esprito (2Cor3, 6-18). Ele chama ao Senhor dePneuma. A Escritura explica-o como sendo o seu sentido, o seu contedo verdadeiro e

    vivo e no apenas literrio. Paulo se refere concepo do Novo Testamentoapresentada por Jeremias (31,33). No mais necessria nenhuma Escritura, porque alei est escrita nos coraes. J no necessria nenhuma doutrinao vinda de fora,

    porque o prprio Deus instrui os homens. Joo exprime idntico pensamento, emseguimento ao dutero-Isaas (54,13), quando descreve a era inaugurada por Cristocomo o tempo no qual todos so doutrinados por Deus mesmo. E o sermo de Pedro emPentecostes, transmitido pelosAtos dos Apstolos(2, 14-36), desenvolve a mesma idiatirada de Joel(3, 1-5). Em todos estes casos, aparece a era instaurada por Cristo comoresposta esperana no advento de um tempo futuro que, em ltima anlise, haveria de

    tornar suprflua a Escritura, graas presena imediata do Divino Mestre, na Suahumanidade.Quando se pondera o sentido destas afirmaes, torna-se claro [28] que, ao

    reduzir-se a Escritura aos escritos do Antigo Testamento, no se est apenas usandouma terminologia antiga que teria sido adotada por falta de escritos propriamenteneotestamentrios e que teria perdido seu sentido, na segunda metade do sculosegundo, com o incio do cnon do Novo Testamento. Ao contrrio. Aqui se expressauma conscincia que se tornaria mais ntida a partir da formao da prpria Escrituraneotestamentria, muito ao invs de cessar ou de desaparecer.

    Uma coisa certa: a Escritura, na nova ordem da salvao, inaugurada porCristo, toma um lugar distinto do que lhe cabia no Antigo Testamento. Com isto, pode-se ver at que ponto o Antigo Testamento tem sentido autnomo. O AT certamente noaparecia, desde o comeo, como Testamento do Gramma, Escritura em sentido prprio,como ocorrer na pena de So Paulo17. Por outro lado, manifesta-se realmente a partirde Jeremias e do dutero-Isaas, o anelo pela superao do Gramma, mediante umanova e imediata comunicao do Esprito de Deus, simultaneamente com a progressivaformao de um princpio da Escritura que, mais e mais, a transformou em Lei. Lei estaque no tornaria os homens vivos, mas, sim, mortos.

    Desta maneira, na concepo neotestamentria, aparece o Antigo Testamento

    como Escritura em sentido prprio, Escritura que atinge o seu verdadeiro significadoatravs do Cristo-evento, pelo fato de ser ela inserida no contexto vivo da realidade deCristo. Se, no Novo Testamento, de facto, a Escritura cresceu, no pode mais ter aquelesentido ltimo e exclusivo que lhe competia no Antigo, segundo a concepo paulina.Ao contrrio. Ela a chave com que se abre o Antigo Testamento, deixando-se banharna claridade do Cristo-evento. Ela tambm a ponte permanente que conduz a umanova interpretao bblica, luz [29] de Cristo. Num caso e noutro, a Escritura no

    pretende de modo nenhum ser autnoma, nem ser a fonte nica e exclusiva de suaexegese literal. Mas s pode ter sentido na realidade espiritual de Jesus Cristo que

    17Ver a apreciao feita por G. VON RAD, Theologie des Alten Testaments, II, Munique, 1960, p.402-424.

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    permanece junto dos seus, todos os dias at ao fim do mundo (Mt28, 20). Aps a subidaao Calvrio, Cristo veio de novo no Esprito Santo (como narra So Joo) e, peloEsprito, ensinou aos discpulos o que eles ento no podiam ainda entender, enquanto oSenhor estava entre eles sob forma visvel (Jo16, 12).

    3. Cristo, a Revelao de Deus

    A realidade que se d como um acontecimento na Revelao crist no nadamais nada menos do que o prprio Cristo. Cristo a Revelao, em sentido prprio.Quem me v, v o Pai, diz ele no Evangelho de So Joo(14, 9). Vale, portanto, dizerque receber a Revelao penetrar na realidade de Cristo, no Cristo-evento. Da

    procede o paradoxo descrito por So Paulo, ao fazer ele um trocadilho com as palavrasCristo em ns e ns em Cristo.

    Neste contexto, a anlise de frases isoladas torna-se secundria, de vez que elas

    so apenas explicaes do nico mistrio de Cristo. Conseqentemente, cai por simesma a questo da suficincia interna da Escritura, to discutida desde o aparecimentodas obras de Geiselmann. Deveramos, isto sim, perguntar: que significa em linguagemcrist a suficincia interna da Escritura? Suficiente s a realidade do Cristo-evento.Esta pode ser explicada materialmente em maior ou menor grau. E de maneira nuncadefinitiva. Partindo deste princpio, podem existir tambm outras explicaes segundo aEscritura, quando se aprofunda mais este assunto.

    Este mesmo tema pode ser considerado sob outro aspecto. E ter-se- ento dadoum passo a mais para a frente. A aceitao [30] da Revelao, pela qual aplicamos a nso Cristo-evento, vem, na linguagem da Bblia, sob o nome de f. Assim talvez seentender mais claramente de que maneira, no Novo Testamento, a f significa a in-habitao de Cristo. Se admitirmos que na Escritura a presena da Revelao tem omesmo sentido que a presena de Cristo, ento teremos de fato dado um passo adiante.Ora, na Escritura, encontramos a presena de Cristo apresentada de duas maneiras. Elaaparece, de um lado, como j vimos, identificada com a f (Ef3,17), na qual cada umencontra Cristo e se adentra nele, penetrando no dinamismo de sua fora salvadora. Poroutro lado, a f se oculta tambm sob a expresso paulina Corpo de Cristo, o que querdizer que a comunidade dos fiis a Igreja funda a presena de Cristo neste mundo.

    Nela Cristo rene os homens e os faz partcipes de sua presena dinmica18.

    Tomadas juntas, estas duas noes significam o seguinte: a f a adeso ntima presena de Cristo, realidade de Cristo presente, da qual a Escritura nos d testemunho,sem, contudo, se identificar de modo nenhum com ela. Da resulta que a presena daRevelao se relaciona essencialmente com a f e com a Igreja, realidades estasque, como vimos, esto estreitamente ligadas entre si.

    Voltamos assim ao que foi afirmado na primeira tese, a saber, que a Revelaosobreexcede a Escritura em duplo sentido: em relao a Deus, por seu lado ascendente,e em relao tambm ao homem que a recebe. Esta assero que, a princpio, deixamos

    18H. SCHLIER, Die Kirche nach dem Brief an die Epheser, in:Die Zeit der Kirche, Friburgo, 1962,p.159-186.

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    um tanto vaga encontramo-la essencialmente concretizada na realidade objetiva doCristianismo.

    4.A essncia da Tradio

    [31] A transmisso ao povo de Deus do Cristo-evento que a Revelao e quetem sua bi-presena na f e na Igreja, faz-se atravs da pregao. Pregao a ex-posio (Aus-legung) do duplo aspecto da Revelao no Antigo e no NovoTestamento. E isto de duas maneiras:

    a) ela a exposio do Antigo Testamento, luz do Cristo-evento e para o Cristo-evento;

    b) a partir do Pneuma e da condio presente da Igreja.

    Este ltimo aspecto possvel, pois Cristo no est morto. Est vivo. No

    apenas o Cristo de ontem. tambm e a fortiorio Cristo de hoje e de amanh, o Cristovivo e presente em sua Igreja, que seu Corpo e na qual o seu esprito opera.Isto poder ser melhor compreendido, se partirmos da essncia da Igreja. Como

    nos ensina o Novo Testamento, a mensagem de Jesus antes de tudo uma mensagemescatolgica, com vistas ao reino de Deus, no com vistas Igreja. O fato de existir aIgreja no se ope a esta mensagem, mas h, na marcha gradativa das revelaes deCristo, uma segunda possibilidade. Assim, a atividade dos Doze depois de Pentecostesaponta, no para a Igreja, mas para o reino de Deus. Informam-nos os Atos dosApstolos que os Doze no se ocuparam primordialmente em missionar os povos.Esforaram-se, antes, muito mais em converter Israel, criando, deste modo, as condies

    prvias para a implantao do reino. De incio, uma srie de obstculos histricos, entreos quais deveramos citar, antes de tudo, o martrio de Estevo, o suplcio de Tiago e,

    por fim, o fato decisivo da priso e da libertao de Pedro. Tais fatos levaram acomunidade primitiva, segundo dizem as fontes, a reconhecer como definitivo omalogro do esforo de converter Israel. E, conseqentemente, foraram os Apstolos a

    partir em busca dos gentios e a cuidar [32] assim da Igreja, e no do reino. Eles o fazem,segundo se depreende das passagens referidas e principalmente dos esclarecimentos docaptulo 15 dosAtos dos Apstolos, como uma nova opo feita sob a ao do EspritoSanto. Com isso, iniciou-se uma nova interpretao da mensagem de Cristo, sobre a

    qual a Igreja essencialmente repousa19.

    19Cf. as decisivas concluses de E. PETERSON, Die Kirche, in: Theologische Traktate, Munique,1951, p. 409-429; H. SCHLIER,Die Entscheidung fr die Heidenmission in der Urchristenheit: Die Zeitder Kirche,p. 90-107. Parece-me certo que nem a anlise da tradio sintica relativa mensagem deJesus e seu carter escatolgico, nem o estudo da histria da Igreja primitiva, com base no materialfornecido pelosAtos dos Apstolos, autorizam qualquer outra conexo entre a mensagem do reino e a

    pregao da Igreja. Da no se segue, de modo nenhum, como muitas vezes se teme que a cruz seja

    um acidente secundrio que, em rigor, poderia ter sido evitado. Ao contrrio. A estrutura da Igreja,moldada sobre a cruz, fundamental, porque a que por primeiro se encontra a confirmao daimportncia da liberdade humana de Cristo e da sua Paixo, bem como a ntima dependncia da Igreja

    para com a Cruz, donde ela procede.

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    histrica, do Novo Testamento. Ultrapassa-a, sem, contudo, ser-lhe puramente externa.Com efeito, no Novo Testamento, comea j o processo da exposio pela Igreja dasverdades reveladas. A teologia eclesistica do Novo Testamento processa-se dentro dele

    prprio, como de modo clarssimo se percebe na histria da Revelao sintica22. oportuno fazermos ainda uma pequena observao: se cotejarmos atentamente

    a teologia eclesistica do Novo Testamento com a Dogmtica, reconheceremos que seimpe uma outra distino. A Dogmtica, como cincia, alm da exposio eclesisticado Novo Testamento, abrange tambm a teologia particular de cada telogo. Neste caso,

    para se falar com preciso, dever-se-ia apresentar somente o prprio dogma comoteologia eclesistica do Novo Testamento.

    O que acabamos de referir no passa, naturalmente, de um esboo quenecessitaria, em seus pormenores, de no poucos esclarecimentos e distines, a fim deser completo. No caso presente, entretanto, damos por suficiente este esboo.Resumindo o que at aqui expusemos, podemos agora destacar vrias razes da

    Tradio e apontar vrias camadas em seu seio:[35] l raiz: a maior amplido da Tradio em referncia Escritura.

    2 raiz: o carter especfico da Revelao neotestamentria como Pneuma, emcontraste com o Gramma. o que, na linguagem de Bultmann, se poderia chamar desua condio de no-objeto (Nichtobjektiviertbarkeit). A praxe eclesistica e ateologia medieval expressaram este aspecto, ao sobreporem a fides Scriptura, isto , odogma como regra de f s mincias da lei escrita23. O dogma como a chavehermenutica da Escritura que, em ltima anlise, sem o auxlio da hermenutica,ficaria sendo algo fechado.

    3 raiz: o carter presencial do Cristo-evento e a presena dinmica do Esprito deCristo em seu Corpo, a Igreja. E, conseqentemente, o poder que tem a Igreja de fazer a

    pregao do Cristo ontem e hoje, pregao esta cuja fonte se encontra na interpretaoeclesistica da mensagem do reino transmitida pelos Apstolos.

    Em conexo com estas trs razes da idia (ou melhor: da realidade) da Tradio,podem distinguir-se, na mesma, as seguintes camadas:

    a)Na origem de toda Tradio est o fato de que o Pai enviou o Seu Filho ao mundoe que o Filho, por sua vez, se [36] entregou como sinal aos povos(). Esta pardosis original, em sua fora direta e salvadora,

    22Cf., por exemplo, a rica exposio de G. BORNKMANN,Jesus von Nazareth, Estutegarte, 1956. Sobrea questo aqui estudada, cf. H. SCHLIER, ber Sinn und Aufgabe einer Theologie des NeuenTestaments, in: H. VORGRIMLER, Exegese und Dogmatik, Mainz, 1962, p.69.90.23O que h de melhor sobre este assunto, no tocante Patrstica, ser encontrado em HARNACK,DG, II(1931), p.84-116. HARNACKdiz, na p. 87, nota 3, o seguinte: O Cnon era, de incio, a regra da f. AEscritura est centrada na verdade. Sem dvida nenhuma, sua autoridade funda-se solidamente noAntigo Testamento e nas palavras do Senhor. Que assim tenha pensado tambm a Idade Mdia eque aqui, alm da revelatio (da qual falaremos na 2 parte deste livro), a fides, sobrepondo-se

    Scriptura, estabelece a forma essencial do conceito de Tradio foi o que tentei demonstrar em meuartigo: Wesen und Weisen der auctoritas im Werk des heiligen Bonaventura, in:Die Kirche und ihremter und Stnde (Festgabe Kardinals Frings, publicado por CORSTEN-FROTZ-LINDEN, Colnia, 1960,p. 58-72.

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    prolonga-se na permanente presena de Cristo, no no SeuCorpo, a Igreja. Assim o mistrio integral da presena de Cristo , antes de tudo,a realidade total transmitida pela Tradio (fato fundamental e decisivo, sempreanterior a todas as explicaes particulares, mesmo as da Escritura) e reguladorado que deve propriamente ser transmitido.

    b) A Tradio existe concretamente como presena na f. Esta, por seu turno, comoin-habitao de Cristo, precede todas as explicaes particulares e, frutuosa eviva, explicita-se (explizierend), atravs dos tempos.

    c) A Tradio tem seu rgo na plenitude dos poderes da Igreja e, portanto, naquelesque so os legtimos depositrios destes poderes24.

    d) A Tradio exprime-se tambm naquilo que, emanado da autoridade da Igreja, setornou regra de f. (Symbolum,fides qu).Portanto, a questo de se saber se certas proposies foram transmitidas desde o

    comeo pela Tradio, ao lado da Escritura, ou, em outros termos, se existe, desde o

    comeo, um segundo princpio material e autnomo, ao lado da Escritura, torna-se,afinal, um problema inteiramente secundrio. Talvez lhe devamos respondernegativamente.

    5.A funo da exegese

    [37] Pelo que at aqui dissemos, ficaram esclarecidas quase que exclusivamentetrs pontos: os limites da letra da Escritura, a liberdade do Esprito Santo e a autoridadeda Igreja. Acontece, porm que a exposio que fizemos abriga ainda um sentidodiverso, relacionado com a justa preocupao de Lutero, da qual partimos.

    Se ficou estabelecido que a Revelao se faz presente atravs da pregao e sepregao exposio da palavra revelada, ento, pode e deve agora ao que precedeacrescentar-se o seguinte: a Tradio, essencialmente e sempre uma exposio. Noexiste de maneira autnoma e, sim, como explicao, como exposio relacionada coma Escritura.

    Isto, vale para a pregao, do prprio Jesus Cristo, realizao plena da Revelaoe sua exposio feita com autoridade. A pregao de Jesus Cristo no aparece comoalgo absolutamente novo na Escritura. Isto , como algo ainda no atestado no AntigoTestamento. Ela ensina, isto sim, a essncia do que j estava escrito e lhe confere uma

    vida nova que o simples exegeta no pode comunicar-lhe.O que vale para a mensagem de Cristo que permanece a mesma, sob diferentes

    modalidades de exposio, vale tambm para a pregao apostlica e a eclesistica.Como Tradio, ela deve, em ltima anlise, ser uma exposio segundo aEscritura, a ela sujeita e com ela relacionada. Sem dvida, no ela uma exposio no

    24Estas idias no podem ser desenvolvidas mais detalhadamente aqui, como seria de desejar, uma vezque, em rigor, estamos procurando apenas fundamentar o conceito de Tradio. Em razo da brevidadeque me impus, contentei-me apenas, nas teses precedentes, com explanar o assunto at ao ponto em

    que ficasse patente a relao entre a Tradio e a Igreja (cf. as teses 4 e 5). Para se descer a maioresdetalhes, dever-se-ia analisar tambm o conceito de Igreja, que supomos conhecido do leitor. Para isto,cf. a nota 6, onde citamos nosso livro sobre o Ofcio e a unidade da Igreja. Encontram-se a algumasobservaes sobre o assunto de que ora tratamos.

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    sentido de mera interpretao exegtica. Mas, sim, na autoridade espiritual recebida doSenhor, a qual se consuma na existncia plena da Igreja, em sua f, em sua vida e emseu culto. Contudo, ela permanece sendo (mais ainda do que o Cristo-evento, em que sefunda a Igreja) uma ex-posio (Aus-Legung) comprometida com a Histria e com aPalavra. [38] Exprime-se deste modo a sua ligao com a ao concreta de Deus nesta

    mesma Histria e em seu carter de fato histrico nico (o , o ocorrido umas vez). A realidade crist da Revelao to essencial quanto eterna e definitiva.Resulta da a unidade entre o Cristo da F e o Jesus da Histria: o Jesus histrico no seno o Cristo da F, ainda que a f seja sempre algo mais do que a histria.

    Segue-se que, do mesmo modo que existe um ofcio de custdia da Revelao porparte da Igreja, ofcio por ela mesma atestado, existe tambm um ofcio de custdia damesma Revelao por parte da exegese, que penetra o sentido literal da Escritura edefende a unio do Logos com a carne, contra qualquer perigo de gnose. Existe,

    portanto, por assim dizer, algo como uma autonomia especfica da Escritura como regra

    objetiva e, sob muitos pontos de vista, esclarecedora do Magistrio eclesistico. Estaera, sem dvida, uma exigncia legtima de Lutero que ainda no foi devidamenteacolhida, na Igreja catlica, por parte do Magistrio, cujos limites internos nem sempreforam claramente entendidos.

    Dever-se-ia, partindo daqui, salientar uma dupla criteriologia, em se tratando daf. De um lado, h o que a Igreja antiga chamou de regra da f, norma reguladora da

    palavra revelada, contida na Escritura, e sua exposio. Esta prscriptio da posse daEscritura como prpria, segundo Tertuliano, exclui a possibilidade de qualquer usolegtimo da mesma Escritura contra a Igreja. Por outro lado, h tambm o limite dalittera Scripturou do sentido literal historicamente fixvel, que, de acordo com o queficou dito, no constitui nenhum critrio absoluto ou autnomo, mas, sim, somente umcritrio relativo, no confronto da f com a cincia. O que na Escritura se pode descobrir,quer mediante estudo cientfico, quer por simples leitura, tem a funo de um critrioreal, a que deve estar atento inclusive o Magistrio, em suas explicaes. Certamente,[39] trata-se ento de elementos sub-componentes da cincia, que no podem servir parase julgar a f, mas nela encontram uma instncia crtica e tm tambm um importante

    papel a exercer: o de zelar pela pureza do , de tutelar o contedo da Revelaoe de defender o dualismo histrico carne/esprito (die Sarx der Geschichte) contra osarbtrios da gnose, que tende sempre a impor-se.

    A reformationa qual est empenhada a Igreja nesta hora histrica tem um papelrelevante a desempenhar. a misso de abrir novas perspectivas para o dilogo,tentando assim chegar a uma reforma diferente da do passado que culminou com adiviso no seio da Cristandade ocidental. Tal misso se exercer em harmonia com o

    pleno ofcio de testemunho da Igreja que tira seu direito e sua fora da presena doEsprito e de Cristo presente em todos os tempos. Pois ele sempre o Cristo de agora,com a plenitude de seus direitos e de seus poderes. Ele quem d legitimidade e vigorao testemunho singular e definitivo da Escritura que, por sua vez, encontra seu plenosentido na singularidade da ao histrico-salvfica de Jesus Cristo. Ele deu ao Pai seu

    Corpo crucificado e, dando-se a si mesmo, santificou para sempre os que o receberam(cf.Hb10,14; 7,27). Ele o Cristo ontem, hoje e sempre. (Hb13,8).

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    SEGUNDA PARTE

    Explicao do conceito de Tradiosegundo o Decreto do Conclio de Trento

    Parece que a completa elucidao das razes que levaram substituio dopartim-partimpelo ete, conseqentemente, pesquisa dos dados do debate tridentino ede sua pr-histria, aparentemente favorvel suficincia material da Escritura, [40]simplifica indevidamente este problema, fazendo-nos perder de vista os prpriosantecedentes do Decreto do Conclio de Trento.

    1.A concepo pneumatolgica da Tradiono esquema fundamental do Cardeal Cervini.

    a) O contedoUm balano histrico e detalhado do problema em seu conjunto exigiria uma

    pesquisa exaustiva que no reduzisse o seu mbito, como o fez Geiselmann em seulivro25, No nossa inteno proceder a um exame minucioso do assunto no presentetrabalho. Aqui s sero tratados alguns pontos do debate tridentino, com o fim deampliarmos mais o horizonte de nossas reflexes.

    Fundamental para a compreenso dos debates em pauta, bem como do Decretodefinitivo do Conclio, parece-me ser o Discurso do Cardeal Legado Cervini, datado de18 de fevereiro de 1546, [41] cujas linhas gerais se patenteiam tanto no Decreto comoem outras decises conciliares26.

    Tem o discurso de Cervini o mrito de mostrar as linhas diretrizes do Decreto de

    maneira mais clara do que aparecem estas na ltima redao do mesmo, onde elas sediluem muito devido a uma srie de variadas implicaes. ainda de grande auxlio

    para o entendimento do referido discurso uma carta dos Cardeais Legados ao CardealAlexandre Farnese, de 28 de fevereiro de 1546. Esta carta revela contedo idntico certamente inspirada pelo mesmo Cervini e oferece ainda alguns outros

    25 lamentvel que Geiselmann, em sua anlise da contribuio medieval sobre este assunto, se tenhaapoiado apenas em argumentos de segunda mo, portanto de valor histrico discutvel. Queira o leitorver minhas observaes a este respeito, in: Theol.-prakt. Quartalschrift, 1963, p.224-227. As novas (etemperamentais) invectivas de Geiselmann, in: TThQu144 (1964), p. 31-69, em nada modificaram aminha posio, de vez que no trazem nenhuma contribuio vlida ao assunto. Precioso, ao contrrio, o trabalho de Y. CONGAR,La Tradition et les traditions Essai historique, Paris, 1960. Importante tambm a obra de J. BEUMER, Die mndliche berlieferung als Glaubensquelle, Friburgo, 1962. Arespeito do Conclio de Trento, cf., sobretudo, alm do estudo fundamental de JEDIN, o artigo de E.ORTIGUES, Escriture et Traditions apostoliques au Concilie de Trente,in:RSR36 (1949), p. 271-299;K. D. SCHMIDT, Studien zur Geschichate des Konzilis von Trient, Tubinga, 1925, p. 152-209.26O discurso nos foi transmitido em duas redaes. A primeira, mais curta, encontra-se nas Atas doConclio, in: CT, V, 11. A segunda faz parte do dirio de Massarelli (Diarium, III), in: CT, I, p.484.Quanto ao contedo, os dois textos se completam. Na anlise que aqui ensaiamos, as duas verses so

    comparadas entre si, de modo a fazerem um todo. Sobre a posio de Cervini no Conclio, cf. H.JEDIN, Geschichte des Konzils von Trient, II Friburgo, 1957, p.38-40. A descrio do desenrolarhistrico dos debates acha-se em JEDIN, op cit., p.42-82 e supomo-la conhecida do leitor, de vez queserve de base para a anlise teolgica do Decreto tridentino.

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    esclarecimentos. Cervini sustenta, no citado discurso, que existem trs princpios efundamentos de nossa f:

    1) Os livros sagrados escritos sob a inspirao do Esprito Santo.2) O Evangelho que Nosso Senhor no escreveu, mas ensinou oralmente e

    implantou nos coraes. Parte do Evangelho foi escrita mais tarde pelos

    Evangelistas, enquanto muita coisa foi simplesmente confiada aos coraes dosfiis.3) Porque o Filho de Deus no ia permanecer sempre entre ns, enviou ele o

    Esprito Santo que haveria de revelar os mistrios no ntimo dos fiis e deensinar Igreja toda a verdade at ao fim dos tempos27.

    [43] Numa segunda redao mais detalhada do discurso, estas mesmas idias sodesenvolvidas mais amplamente. A lemos que a Revelao se apresentou de mododiferente em diversos tempos:

    1)Nos Patriarcas, cuja f atestada na Escritura, a que chamamos de AntigoTestamento.

    2) Em Jesus Cristo que implantou o seu Evangelho no por escrito, mas oralmente,no in charta, mas in corde. Das coisas que emanaram de Cristo (qu a Cristoemanarunt) algumas foram escritas, outras permaneceram nos coraes doshomens (qudam in cordibus hominum relicta fuerunt). Todo o Evangelho deCristo, que consta desta dupla modalidade, forma (tendo como primeiro princpioo Antigo Testamento) o secundum prindipium fidei nostr.

    3) Da surge o terceiro princpio (tertium autem): porque o Filho de Deus no iriapermanecer sempre entre ns, enviou ele ao mundo o Esprito Santo que haveriade explicar os mistrios de Deus e tudo o que fosse ainda obscuro para oshomens28.De modo semelhante, a citada carta ao Cardeal Farnese fala de dois passos (due

    passi). Um que a Revelao de Nosso Senhor no foi totalmente escrita, maspermaneceu em parte contida nos coraes dos homens e na Tradio da Igreja. O outro[43] passo consiste em confirmar quello che suggerito lo SpiritoSanto in la Chiesamaxime medianti i concilij, doppo l'Ascensione in cielo del Signore29.

    Notamos logo que, contrariamente ao que espervamos, no dois, mas trs so osprincpios apontados: a Escritura, o Evangelho e a Revelao do Esprito Santo.

    27CT, V, 11: tria esse principia et fundamenta nostrae fidei: primum libros sacros..., secundum esseevangelium, quod Christus Dominus Noster non scripsit, sed ore docuit et in cordibus illud plantavit,cujus evangelii nonnulla evangelist scripto mandarunt, multa quoque relicta sunt in cordibushominum. Tertium, quia non semper filius Dei corporaliter nobiscum mansurus erat, misit SpiritumSanctum, qui in cordibus fidelium secreta Dei revelaret et ecclesiam quotidie et usqueconsummationem sculi doceret omnem veritatem, et si quid in mentibus hominum dubii occurrisset,declararet.28 CT, I, 484. Digna de nota ainda a frmula contida na pgina 485,14-16: nihil tamen inter

    scripturas sacras et apostolicas traditianes differt; ill enim script, hae per insinuationem habentur,utraeque tamen a Spiritu Sancto eodem modo emanat. Confira-se com CT, V, 11, 19: ... ab eodemSpiritu et illos (scilicet libros) et istas (scilicet traditiones) descendisse.29CT, X, 373.

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    portanto necessrio observar que, sob o termo Escritura, se entende o AntigoTestamento e que, alm deste (que Escritura em sentido prprio), aparece, comosegundo princpio, o Evangelho, apresentao do Cristo-evento. O Evangelho, por suavez, abrange o que est escrito e o que no est escrito, mas, sim, apenas insculpido nocorao dos crentes. Deste modo, o segundo princpio representa uma vantagem

    pneumtica sobre o que est escrito: o Evangelho , nesta concepo, algo diferente daletra (Escritura) e s em parte vem escrito. (Isto no deve ser entendido no sentido dediviso das verdades da f, fenmeno denunciado com horror por Geiselmann. Aocontrrio. Entenda-se apenas no sentido de diferente grau de dignidade no modo deexprimir-se). Em rigor, o Evangelho, como tal, s pode ser escrito em parte, seconsiderarmos a sua essncia.

    Finalmente o que muito de se admirar segue-se como terceiro princpio aao visvel do Esprito Santo em todo o tempo da Igreja.

    Admitimos portanto que o que ns geralmente chamamos de Tradio no

    aparece aqui como um s princpio. Biparte-se, antes, em dois princpios intimamenteligados: o Evangelho, princpio apenas em parte identificvel com a Escritura, e aao do Esprito Santo, no tempo da Igreja. Ademais, podemos observar que a Escriturado Novo Testamento no aparece como umprincpio ao lado da Revelao apostlica.Muito menos, como [44] o nosso caso, se apresenta a Escritura neotestamentria

    juntamente com a veterotestamentria como uma grandeza nica, uma Escritura s, qual se poderia contrapor a Tradio, como uma segunda grandeza. O NovoTestamento em seu conjunto aparece como um segundo e mais amplo princpio, ou seja,o Evangelho, que, como tal, se ope, de um lado, ao Antigo Testamento, e de outro,

    projeo histrica do tempo da Igreja. Sua unidade interna evidentemente mais forte eimportante do que a sua diviso em escrito e no-escrito. Assim o Evangelho, como ums princpio, pode ser contraposto ao Antigo Testamento, a despeito desta duplaformalidade. A impossibilidade de se representar o Novo Testamento como Escritura,impossibilidade esta demonstrada por So Paulo e pelos primeiros sculos cristos, aqui claramente revelada.

    Ainda uma observao relativa ao texto a que vimos nos referindo. Em nenhumdos dois pontos por ns citados no estudo da Tradio, isto , nem no elemento contidono primeiro nem no apresentado no terceiro princpio, figura a Tradio como verbal.Em ambos os casos, ao contrrio, trata-se mais da Tradio real, com prevalncia da

    realidade sobre as palavras que a atestam. Este fato que est claro no terceiro princpio,o pneumatolgico, vale tambm em relao implantao do Evangelho nos coraes,contida no segundo princpio. Tal implantao vai muito alm do que se encontraexpresso na letra da Escritura.

    Que papel tenham estas idias exercido nas discusses do Conclio pode-seconcluir tambm das auctoritatescitadas por Cervini, entre as quais figuramJo16, 12(Spiritus Sanctus suggeret)e Fl3, 15 (Quicumque perfecti sumus, hc sentiamus,et si quid aliter sentitis, hc quoque Deus vobis revelabit). Ambos estes textos so deteor acentuadamente [45] pneumatolgico-presencial30. Que tais idias no eram

    30CT, V, 14 e 15. Um exame profundo das auctoritates, quer da Escritura, quer entre os Santos Padres,que, neste particular, so favorveis Tradio, seria em si conclusivo para a elaborao do conceito

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    estranhas aos Padres conciliares deduz-se ainda de uma srie de outras referncias.Assim, ouvimos o Bispo de Aqui dizer que, alm da Sagrada Escritura, existe muitacoisa na Igreja de Deus que, vindo dos Apstolos e passando de gerao a gerao,chegou at ns, assim como muitas outras qu etsi scripta Apostoli nobis nonreliquerunt, per Spiritus Sancti revelationem nobis (tradita) sunt. (Traditaest aqui por

    revelata)31

    . Partindo da se poderia descrever a Tradio justamente como ocomponente pneumatolgico do Cristo-evento.

    b) A influncia do esquema de Cervini em diversas decises conciliares

    verdade que esta concepo tripartida aparece muito atenuada no Decretooficial sobre a Tradio. Que, porm, em suas linhas fundamentais, no tenha ela sidode modo nenhum [46] abandonada mostram-no duas outras passagens nas quais oConclio faz uso, por assim dizer, in actu, das idias aqui expressas32. Assim, na

    Introduo ao Decreto sobre a Eucaristia (Denz., 873) se l: Sacrosancta Synodus,sanamdoctrinam tradens, quam semper catholica Ecclesia ab ipso Jesu ChristoDomino Nostro et eius apostolis erudita, atque a Spiritu Sancto illi omnem veritatem indies suggerente (Jo 14,16)edocta retinuit

    Aqui a ao prpria do Conclio descrita como tradere e a este tradere atribudo um duplo fundamento. De um lado, o ensino de Jesus e dos Apstolos. (Note-se que este ponto corresponde ao Evangelho segundo a concepo de Cervini. E decerto modo tambm, pela citao de Jesus e dos Apstolos, se reconhece a duplamodalidade do Evangelho como escrito e como inserido nos coraes). De outro lado, oensino dado pelo Esprito Santo que conduz verdade in dies, isto , no de. correr dotempo futuro.

    O outro texto que pode ser aduzido aqui como prova do que afirmamos, encontra-se no Prembulo do Decreto sobre o Purgatrio (Denz., 983). A se l: CatholicaEcclesia, Spiritu Sancto edocta, ex Sacris Litteris et antiqua Patrum traditione in sacrisConciliis et novissime in hac... Synodo docuerit. A descrio da ao prpria do

    aqui exposto. H. HOLSTEINprocurou fazer o cotejo destas auctoritatese f-lo de modo admirvel, emseu artigo:LaTradition d'aprs leConcile de Trente, (RSR, 47, 1959, p.367-390 e, em particular, parao caso em questo, a p.375). Ele encontra nos textos estudados duas linhas de tendncias. A linha deSanto Irineu, para a qual o testemunho dos Apstolos o desua personalidade, desua vida e de seuofcio. Alm desta, o grupo, composto de Tertuliano, Cipriano, Baslio e Agostinho, forma umacorrente que se poderia denominar cerimonial. Orgenes se enquadra em ambos os grupos. Existe,entre os autores estudados, uma srie de textos que se referem s observationes, consuetudines,institutionese que levam a entender-se a Tradio neste mesmo sentido. A se vem tambm textosque sublinham o aspecto no-escrito doEvangelho, enquanto insculpido no corao dos fiis e, almdisso, textos que apontam a Igreja como o lugar da verdade crist.31CT, I, 483 (18 defevereiro de 1546). Em 26 defevereiro (CT, V, 18), encontramos Cervini a tratardenovo deste assunto. Cf. tambm um pronunciamento doBispo deFano (CT, V, 10) nestes termos:

    Cum jam receperimus Scripturas Sacras, necessario recipiend sunt traditiones, qu ab eodemSpiritu Sancto quo scriptur dictat sunt32Disto me adverti pela primeira vez atravs de um estudo realizado sob a minha orientao por CHR.LIMBACR, a quem sou devedor de muitas informaes bibliogrficas.

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    Conclio como tradere encontra-se ainda nas declaraes sobre o Sacramento daExtrema-Uno (Denz., 910).

    Finalmente, a trplice diviso deixa-se insinuar nas entrelinhas do Decreto sobre aTradio, embora obscurecida e diluda por uma srie de acrscimos e citaes a eleadicionados por outros motivos. O Decreto da Tradio, com efeito: [47]

    1) Fala do Evangelho prometido pelos Profetas na Escritura, e refere-se a esta emsentido estrito, quer antes, quer depois do Antigo Testamento.

    2) Fala da promulgao por Cristo do Evangelho que foi transmitido pelosApstolos sob dupla forma, oral e escrita. Desta maneira, o que no ocorre noexemplo de Cervini, aparece aqui, antes de tudo, o componente pneumatolgicounido com o componente apostlico, a ponto de se distinguirem duasmodalidades de Tradio apostlica: a que remonta a Cristo e a que remonta aoenvio do Esprito Santo. Pode-se assim estabelecer que, em oposio ao esquemade Cervini, h um certo processo de historicizao que salienta a relao com ocomeo histrico e igualmente parece deslocar o acento da tradio real para averbal.

    3)No eplogo desta parte do Decreto da Tradio que vimos analisando, de novo considerada a idia da Sagrada Escritura. O conceito de Tradio , ento,formulado em definitivo e descrito como vel oretenus a Christo vel a SpirituSancto dictatas et continua successione in Ecclesia catholica conservatas. Areferncia aos Apstolos omitida. Pode-se na verdade considerar tudo isto comouma volta ao que foi dito antes. Evidentemente, a tradio ditada pelos Apstolos citada de novo. (A expresso continua successione insinua-o). Contudo,

    permanece sempre ainda certa indeterminao, ficando aberta a possibilidade dese encontrar aqui o vestgio do terceiro componente de Cervini: o princpio

    pneumtico propriamente dito. tambm claro que esta idia discreta, sendoadotada uma posio mais acentuadamente histrica.Se agora lanarmos os olhos sobre o que vimos considerando at aqui, surgiro

    inevitavelmente perguntas: qual realmente o sentido prprio da concepopneumatolgica? Como poderia ser perfeitamente entendida a idia a ns estranha deuma revelatioprolongada no tempo, em face da unicidade e do carter [48] histrico daRevelao que, evidentemente, era conhecido tanto de Cervini, quanto dos Santos

    Padres e telogos medievais?33

    Antes de examinarmos isto, devemos esclarecer rapidamente os principaismotivos que inspiraram o Decreto tridentino sobre a Escritura e a Tradio, deixandonele um tanto encoberta a concepo pessoal de Cervini. Que opinies de telogos terointervindo aqui, chegando a ser, em parte, impressas no texto definitivo que resultou docotejo de muitos pronunciamentos diversos? Uma exposio detalhada deste pontoexorbitaria do mbito de nossa anlise. Contentemo-nos com umas poucas observaessumrias:

    33

    Sobre este assunto, tentei fazer um breve comentrio no meu trabalho: Offenbarung-Schrift-Uberlieferung, in: TThZ 67 (1958), p.13-27. Cf. J. BEUMER, Der theoretische Beitrag derFrnhscholastik zum Problem des Dogmenfortschritts, in: ZkTh 72 (1952), p.205-226; J. deCHELLINCK, Pour lhistoire du mot revelare, in: RSR 6 (1916), p.149-157.

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    2.Relao entre a Tradio e a vida da Igreja,

    em diversas passagens do debate tridentino

    Uma primeira srie de motivos entre os quais se compreendem diversos

    pronunciamentos, s vezes muito contrastantes em seu aparato exterior, patenteia-se naidia de tradies expressa no Decreto de duas maneiras:

    a) -per manus tradit ad nos usque pervenerunt.b) - continua successione in Ecclesia catholico conservatas.

    O que se ocultar sob estas duas frmulas que o historiador de hoje temdificuldades em aceitar justamente por causa do historicismo nelas implcito? Podemosdizer que um decisivo papel exerceu aqui o pensamento que sempre aparecia nos

    debates, a saber, que as tradies so variveis, que muitas delas foram abolidas pelosApstolos e que, por outro lado, se [49] introduziram tradies eclesisticas que nomais seriam abolidas34. Esta idia de Tradio de certo modo se torna clara no tratadoescrito sobre o mesmo assunto por Seripando para uso dos Padres Conciliares.Seripando fala das Tradies escritas, inseridas na Escritura, como as clusulas deTiago, o costume de as mulheres se cobrirem com um vu, a legislao sobre omatrimnio, contida em 1Cor 7, etc. E o autor adverte que estas prticas foram abolidas.Isto porque, embora associadas palavra de Deus na Escritura, dela muito diferem,

    pois a palavra divina [50] de modo nenhum poderia ser abolida. A estas tradies

    34Cabe aqui aduzir uma nova interveno de Cervini, datada de 26 de fevereiro de 1546 (CT, I, 33 eV, 18), onde ele diz que nem todas as tradies procedentes dos Apstolos devem ser conservadas,mas somente as que ab Ecclesia recept ad nos usque pervenerunt (V, 18). Esta afirmao anterior formulao dogmtica feita pelo Concilio deve igualmente ser tida na conta de um autnticocomentrio do Decreto. A se acentua, como condio essencial das tradies, a receptio ecclesi.Vem ainda referida uma interveno do Bispo de Bertinoro, em data de 23 de maro (I, p. 523), naqual ele sublinha que as tradies escritas por vezes foram mudadas. J entre as no-escritas, umasforam mudadas e outras no, como, por exemplo, o rito de adicionar gua ao vinho, a Crisma, aconfisso auricular. O Bispo de Bertinoro acrescenta que, por outro lado, alguns pontos existem que

    permaneceram inteiramente inalterados, tais como a crena no descensus ad inferos, na virgindadeperptua de Maria, a substituio da observncia do sbado pela do domingo. Temos depois umpronunciamento do Bispo de Bitonto, datado de 27 de maro (I, 39). Este bispo era de parecer quealgumas coisas foram transmitidas pelos Apstolos com a finalidade de serem perpetuamenteconservadas (como pertencentes ao depsito da f), outras caram em desuso (como as clusulas deTiago) e outras, enfim, foram apenas aconselhadas. Assim, mesmo na Escritura, algumas coisas h queforam escritas, mas no recebidas em uso, por serem matria de mero conselho. Por exemplo: sealgum te pedir a tnica, d-lhe tambm o plio; se algum te esbofetear numa face, oferece-lhetambm a outra. Sem dvida, excelente ilustrao do sermo da montanha! Finalmente, consideraesidnticas podemos encontrar na obra citada de LEJAY. Eis outra amostra tirada do discurso de 23 defevereiro (CT, V, 13): Nam ill (scil. traditiones) qu ad fidem pertinent, eadem sunt recipiend

    auctoritate qua recipitur evangelium, alia autem non ita, eum earum plurim immutat fuerint, ut debigamis, de esu sanguinis et similia. De modo semelhante, alis, fala tambm Bonuccio (I, 525, a 23de maro de 1546: ... ecclesia traditiones apostolorum quandoque mutavit, verbum autem Deinunquam mutavit neque mutare potest...

  • 8/12/2019 Revelacao e Tradicao-Joseph Ratzinger

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    Seripando ope as no referidas na Bblia e que ora so apostlicas ou oriundas deConclios universais e aceitas por toda a Igreja, ora so particulares e muito variveis 35.

    Este texto nos leva a uma surpreendente concluso: para Seripando e muitosoutros Padres tridentinos36,existem tradies na Escritura. Tradio no significa ono-escrito. Existe quer dentro da Escritura, quer fora dela. Isto nos conduz a outra

    pergunta: em que consiste para os referidos Padres a essncia da tradio, se o que aconstitui no o fato de no ser escrita?37. Em outros termos: como pode a