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UNIMAR
ALESSANDRO MARCOS KOBAYASHI
REVISÃO DO CONTRATO COM BASE NO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR
MARÍLIA
2010
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ALESSANDRO MARCOS KOBAYASHI
REVISÃO DO CONTRATO COM BASE NO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em
Direito da Universidade de Marília, como exigência
parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito, sob a
orientação da Professora Doutora Jussara Suzi Assis
Borges Nasser Ferreira.
MARÍLIA
2010
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AUTOR: ALESSANDRO MARCOS KOBAYASHI
Título: REVISÃO DO CONTRATO COM BASE NO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília,
área de concentração Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e Mudança Social,
sob a orientação da Professora Doutora Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira.
Aprovado pela Banca Examinadora em: 18 / 09 / 2010.
_________________________________________________
Professora Doutora Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira
Orientador
__________________________________________________
Professora Doutora Maria de Fátima Ribeiro
____________________________________________________
Professor Doutor Oscar Ivan Prux
3
Agradeço à colaboração, ao apoio e à dedicação da
Professora Doutora Jussara Suzi Assis Borges
Nasser Ferreira, que finalizou minha orientação,
bem como ao Professor Doutor José Luiz Ragazzi,
que a iniciou, pessoas que tornaram realidade a
conclusão do presente trabalho.
4
Dedico este trabalho a minha esposa Amarilis,
minha mãe Inês, minha irmã Alessandra, aos meus
sogros Ricardo e Rosa, bem como a todos os amigos
que torceram pelo meu sucesso, oferecendo apoio e
compreensão durante os períodos de ausência
necessários à conclusão deste trabalho.
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REVISÃO DO CONTRATO COM BASE NO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR
Resumo: A importância do contrato é inconteste, pois é o instrumento que possibilita a troca
de riquezas na sociedade. Porém, preciso conhecer sua atual estrutura, diante das alterações
pelas quais passou a sociedade, principalmente após a promulgação da Constituição Federal
de 1988, a edição do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e do Código Civil de 2002.
Por meio delas foram estabelecidos novos paradigmas para o direito contratual, não sendo
mais concebível a rígida adoção dos ideais liberais preconizados pela Revolução Francesa,
onde a contrato fazia lei entre as partes, mesmo existindo prestações manifestamente
desproporcionais para as partes. Atualmente, deve haver uma compatibilização,
harmonizando-se as diretrizes constitucionais de valorização da liberdade de iniciativa, com o
respeito à dignidade da pessoa humana, a defesa do consumidor, além daqueles previstos na
legislação ordinária: boa-fé objetiva e função social do contrato. Esses novos paradigmas têm
a finalidade de restabelecer o equilíbrio entre as partes contratantes e realização da igualdade
material, os quais são traços marcantes do CDC, onde expressamente se reconhece a
vulnerabilidade do consumidor nas relações de consumo, prescrevendo instrumentos para sua
proteção contratual. O consumidor é realmente o elo mais fraco da relação contratual, com
destaque para os contratos celebrados com as instituições financeiras, objeto final do presente
estudo, pois nesses casos é flagrante o desequilíbrio de forças entre as partes, sendo
freqüentes os questionamentos acerca dos encargos cobrados. Nesses casos, para o
restabelecimento do equilíbrio entre as partes, nosso ordenamento concebeu maior liberdade
para o julgador que, diante do caso concreto e fundamentado nessas novas diretrizes, poderá
operar a revisão do contrato, para a exclusão de cláusulas abusivas e a revisão ou modificação
do contrato quando se constate a existência de prestações desproporcionais ou que venham a
se tornar excessivamente onerosas para o consumidor. Assim, a análise dos julgados
proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) se faz necessária, haja vista ser a instância
máxima para questões envolvendo aplicação da lei federal e seus julgados servirem de
paradigma para as decisões das instâncias inferiores. A análise revelou que o STJ vinha dando
efetividade aos comandos constitucionais e infraconstitucionais, ao reconhecer a
aplicabilidade do CDC aos contratos bancários e para as operadoras de cartão de crédito, a
necessidade de readequação do contrato quando comprovada a abusividade dos encargos
contratados, dentre outros. Porém, com a edição da Súmula n. 381, retrocedeu, manifestando-
se contra disposição expressa de lei (Art. 51 do CDC), ao proibir que a manifestação de ofício
do juiz acerca de abusividade de cláusulas nos contratos bancários. Analisando-se os
postulados constitucionais e infraconstitucionais, constata-se a necessidade de revisão desta
Súmula, pois nosso ordenamento preconiza pela harmonização entre a liberdade de iniciativa
e o respeito à dignidade da pessoa humana, neste caso, o consumidor, bem como pela
existência de uma igualdade material entre as partes, que preceitos estes que estão seriamente
prejudicados com tal entendimento.
Palavras-chave: Revisão. Contrato. Código de Defesa do Consumidor.
6
REVISION OF THE CONTRACT WITH BASE IN THE CODE OF
DEFENSE OF THE CONSUMER
Abstract: The importance of the contract is unquestionable, because it is the instrument that
makes possible the exchange of wealth in the society. However, it´s necessary to know its
current structure, due to the alterations in the society, mainly after the Federal Constitution of
1988, the Code of Defense of the Consumer (CDC) and of the Civil Code of 2002, that
established new paradigms for the contractual right, not being more conceivable the rigid
adoption of the liberal ideals extolled by the French Revolution, where the contract did law
between the parts, even existing flagrant disproportionate terms. Currently, a reestablishing
it‟s necessary, being harmonized the constitutional guidelines of valorization of the initiative
freedom, the respect to the human person's dignity, the consumer's defense, besides those
foreseen in the ordinary legislation: objective good-faith and social function of the contract.
Those new paradigms have the purpose of reestablishing the contractual balance and
accomplishment of the material equality, which are outstanding lines of CDC, where
expressly recognize the consumer's vulnerability in the consumption relationships, prescribing
instruments for his contractual protection. The consumer is really the weakest link of the
contractual relationship, with prominence for the contracts been celebrated with the banks, the
final object of the present study. In those cases it is flagrant the unbalance of forces between
the parts, being frequent the issues concerning the collected responsibilities. For the re-
establishment of the balance among the parts, our law conceived larger freedom for the judge
that in the concrete case and based in those new guidelines, it can operate the revision of the
contract, for the exclusion of abusive terms and the revision or modification of the contract
when the existence of disproportionate installments is verified or that it come becoming
excessively onerous for the consumer. Like this, the analysis of judgments uttered by the
Superior Tribunal of Justice (STJ) it´s necessary, because it´s the maximum instance for
subjects involving application of the federal law and yours judged they serve as paradigm for
the decisions of the inferior instances. The analysis revealed that STJ was giving effectiveness
to the constitutional and ordinary laws commands, recognizing the applicability of CDC to the
bank contracts and for the credit card operators, the need of re-establishment of the contract
when proven abusive terms. However, with the Understanding n. 381, there was a retreat,
showing against expressed disposition of law (Art. 51 of CDC), when prohibiting that the
manifestation of the judge's concerning about abusive terms in the bank contracts. Being
analyzed the constitutional and ordinary laws postulates, it´s verified the needed of revision of
this Understanding, because our law extols for the harmonization between the initiative
freedom and the respect to the human person's dignity, in this case, the consumer, as well as
for the existence of a material equality between the parts, precepts that are seriously harmed
with such understanding.
Keywords: Revision. Contract. Code of Defense of the Consumer.
7
REVISÃO DO CONTRATO COM
BASE NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 10
1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONTRATO ................................................................ 14
1.1 O CONTRATO NO DIREITO ROMANO ...................................................................... 15
1.2 O CONTRATO NA IDADE MÉDIA ............................................................................... 17
1.3 CONCEPÇÃO TRADICIONAL DE CONTRATO ......................................................... 19
1.4 CONTRATO NO DIREITO CONTEMPORÂNEO ........................................................ 23
1.5 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO CONTRATO ....................................................... 29
1.5.1 A constitucionalização do direito civil .......................................................................... 31
1.5.2 Princípios e cláusulas gerais .......................................................................................... 36
2 PRINCÍPIOS CONTRATUAIS ........................................................................................ 39
2.1. AUTONOMIA DA VONTADE ...................................................................................... 39
2.1.1 Liberdade contratual ...................................................................................................... 42
2.1.2 Os limites impostos pelo dirigismo contratual e pelo estado social à liberdade contratual
.................................................................................................................................................. 45
2.1.3 A intervenção do estado na autonomia da vontade segundo o código civil e o código de
defesa do consumidor ........................................................................................................ ...... 50
2.2 BOA-FÉ ............................................................................................................................ 53
2.2.1 Boa-fé subjetiva ............................................................................................................. 53
2.2.2 Boa-fé objetiva ............................................................................................................... 55
a Relação obrigacional complexa ........................................................................................... 57
b Momento de aplicação da boa-fé objetiva ........................................................................... 62
8
c Funções da boa-fé objetiva ................................................................................................... 65
2.3 FUNÇÃO SOCIAL ........................................................................................................... 74
2.3.1 Função social da propriedade ......................................................................................... 75
2.3.2 Função social do contrato .............................................................................................. 81
a Função social – aspecto interno ........................................................................................... 87
b Função social – aspecto externo ........................................................................................... 89
2.4 VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR .................................................................. 95
2.4.1 O consumidor vulnerável .............................................................................................. 99
2.4.2 Conceito de consumidor ............................................................................................... 104
a Consumidor stricto sensu ................................................................................................... 105
b Consumidor equiparado ..................................................................................................... 109
3 PROTEÇÃO E REVISÃO CONTRATUAL ................................................................. 114
3.1 CLÁUSULAS ABUSIVAS ............................................................................................ 115
3.2 CONTRATOS DE ADESÃO ......................................................................................... 119
3.3 INTERPRETAÇÃO DO CONTRATO EM FAVOR DO CONSUMIDOR .................. 127
3.4 INVALIDADES .............................................................................................................. 131
3.4.1 Inexistência .................................................................................................................. 132
3.4.2 Nulidade e anulabilidade .............................................................................................. 134
3.4.3. Nulidade do contrato de consumo ............................................................................... 141
3.5 REVISÃO DO CONTRATO .......................................................................................... 144
3.5.1 Teoria da imprevisão .................................................................................................... 144
3.5.2 Caso fortuito e força maior .......................................................................................... 152
3.5.3 Erro ............................................................................................................................... 155
3.5.4 Lesão ................................................................................................................. ........... 157
3.5.5 Abuso de direito ...................................................................................................... ..... 161
3.5.6 Modificação e revisão do contrato de consumo ........................................................... 163
9
4 A ATUAÇÃO DO JUIZ NA MODIFICAÇÃO DA CLÁUSULA – SENTENÇA
DETERMINATIVA ............................................................................................................ 168
4.1 SENTENÇA DETERMINATIVA .................................................................................. 168
4.2 MODIFICAÇÃO DO CONTRATO PELOS TRIBUNAIS ........................................... 172
4.2.1 Capitalização de juros ............................................................................................... ... 173
4.2.2 Comissão de permanência ............................................................................................ 180
4.2.3 Juros remuneratórios .................................................................................................... 183
4.2.4 Juros moratórios ...................................................................................................... ..... 189
CONCLUSÕES ................................................................................................................... 196
REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 202
ANEXO
ANEXO I – JULGADOS PROFERIDOS PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA .225
10
INTRODUÇÃO
O homem, desde os primórdios de sua existência, já realizava operações de troca,
principalmente a partir do momento em que deixou o modo de vida gregário para fixar-se em
tribos ou aldeias, as quais, no princípio eram desprovidas de regulamentação jurídica, mas
que, em conformidade com a evolução da sociedade, foram se aperfeiçoando, tornando-se
mais complexas, chegando ao atual patamar globalizado.
Em face dessas operações de troca contata-se que a vontade e, em especial, o contrato,
representa instituto de grande importância, sendo que seu desenvolvimento tem acompanhado
as mudanças pelas quais passou a sociedade. Assim, o contrato contemporâneo é o resultado
de todas essas transformações, sendo importante conhecer suas origens e seu desenvolvimento
para melhor compreensão de seu atual conteúdo.
No decorrer de sua evolução histórica, o contrato conheceu, no início do Direito
romano, a rigidez das fórmulas, para admitir, ao final da existência do Império romano, que o
consenso seria suficiente para a vinculação obrigacional entre as partes.
Em desenvolvimento posterior, já influenciado pelas idéias apregoadas pelo Direito
canônico, pelo liberalismo e pela Revolução francesa, ideais que foram consagrados pela
edição do Código Civil francês de 1808 – o Código Napoleônico ou Code – passou a
reconhecer que o contrato era a única fonte de obrigações, prevalecendo inclusive sobre a lei.
Essas concepções eram do interesse da emergente classe burguesa, que almejava
alterar a estrutura do poder vigente, ou seja, o poder absoluto dos monarcas, precisando de um
instrumento que lhes facilitasse a aquisição da propriedade da monarquia decadente,
fortalecendo-se, assim, o contrato.
Estas concepções, porém, foram abaladas pelas alterações produzidas pela Revolução
Industrial, as duas Grandes Guerras e a Crise de 1929, passando a haver o reconhecimento da
existência de uma desigualdade real entre as partes, a qual, por muitas vezes, proporcionava o
abuso do detentor do poder econômico sobre os menos favorecidos.
11
Em razão disso, a necessidade de intervenção do Estado na atividade econômica
passou a ser defendida, bem como a necessidade de preocupação com as questões sociais,
preocupações essas que, inclusive, passaram a ser inseridas nos Textos constitucionais.
Assim, ressurgiram os estudos acerca da boa-fé objetiva e da função social dos
contratos, que vieram a estabelecer novos limites para o exercício da autonomia da vontade
que, apesar de continuar a ser um dogma basilar do direito contratual, não poderia mais ser
analisada nos mesmos moldes em que foi concebida pelo Código Napoleônico.
Com os estudos acerca da boa-fé objetiva houve o reconhecimento da existência de
deveres que não estão relacionados diretamente com o objeto principal da obrigação e que não
precisam estar expressamente previstos no contrato, os chamados deveres laterais, os quais
também devem ser cumpridos para que o contrato se repute perfeitamente adimplido.
A função social do contrato trouxe o reconhecimento de que o contrato não tem apenas
interesse para as partes contratantes, como também para toda a sociedade, uma vez que seus
efeitos acabam atingindo terceiros que não fazem parte da relação contratual entre as partes.
Esses novos paradigmas do direito contratual tiveram por fim tentar restabelecer o
equilíbrio entre as partes contratantes, pois, foi reconhecido que a igualdade apregoada pela
Revolução francesa não se realizava na prática.
O Brasil, não seguiu alheio a todas essas alterações, pois, inicialmente, o contrato foi
regulamentado pelo Código Civil de 1916, nitidamente inspirado no Code. Porém, as
transformações posteriores, acima mencionadas, refletiram em nosso ordenamento,
culminando com a promulgação da Constituição Federal de 1998, a edição do Código de
Defesa do Consumidor (CDC) e o Código Civil de 2002, que introduziram novos paradigmas
para o instituto em nosso ordenamento.
A Constituição Federal, logo em seu Art. 1º, reconhece a dignidade da pessoa humana
como fundamento do nosso Estado Democrático de Direito, o que para o que interesse ao
presente estudo, implica o reconhecimento da dignidade do consumidor. Além disso, no
inciso XXXII do Art. 5º, reconhece dentre os direitos fundamentais, a defesa do consumidor.
Não bastasse isso, quando o legislador constituinte tratou da “Ordem Econômica e
Financeira”, embora assegure a liberdade de iniciativa, expressamente estabeleceu que a
ordem econômica tem por escopo proporcionar a todos uma digna, porém, respeitando-se,
12
dentre outros, a defesa do consumidor e a função social da propriedade, que serve de
fundamento para a função social do contrato.
Esse contrato contemporâneo, assim, apresenta-se como importante elemento para
estudo, uma vez que foi alterada a estrutura do contrato, para nela abarcar-se a noção de
função social do contrato, bem o respeito da boa-fé objetiva, as quais, além de previstas na
Constituição Federal, vêm previstas expressamente em nossa legislação infraconstitucional.
A compreensão do Código de Defesa do Consumidor é fundamental para a
compreensão desse contrato contemporâneo, uma vez que este diploma legal, para atingir o
escopo constitucional de proporcionar a igualdade material entre as partes, com vistas
assegurar a dignidade da pessoa humana, neste especial, o consumidor, expressamente
reconheceu a vulnerabilidade do consumidor nas relações de consumo.
Além disso, o CDC prescreveu direitos básicos a esse consumidor, como, por
exemplo, a proteção contra as cláusulas abusivas, que são culminadas de nulidade, e a
possibilidade de modificação ou revisão de cláusulas que, respectivamente, estabeleçam
prestações desproporcionais e que venham a se tomar excessivamente onerosas ao
consumidor em razão de acontecimentos posteriores.
O Código Civil de 2002 também trouxe instrumentos para o restabelecimento do
equilíbrio entre as partes, destacando-se a possibilidade de resolução ou revisão do contrato
diante de acontecimentos imprevisíveis que afetem o equilíbrio contratual, ocasionando
excessiva onerosidade para uma parte e extrema vantagem para a outra.
Para a consecução desta proteção contratual, destaca-se a atuação dos juízes, pois cabe
ao julgador, diante das controvérsias judiciais existentes acerca de eventual abusividade ou
desproporcionalidade de cláusulas, que estariam afetando o equilíbrio contratual, analisar o
caso concreto e adequar essa situação, fundamentando-se nesses novos paradigmas
contratuais e as regras de interpretação previstas tanto no Código de Defesa do Consumidor
como no Código Civil de 2002.
Esses questionamentos judiciais são freqüentes em matéria de contratos bancários,
proporcionados pelo fato de que, nestes contratos, é latente o desequilíbrio de forças entre as
partes, razão pela qual se entende pertinente a realização do estudo de como essas
controvérsias têm sido dirimidas.
13
A relevância da problemática deve-se ao fato de que as instituições financeiras, não
obstante disposição expressa no CDC tende a envidar todos os esforços jurídicos para tentar
afastar a incidência das normas consumeristas. Além disso, faz-se necessário constatar-se a
forma pela qual os julgadores têm readequado o conteúdo desses contratos para restabelecer o
equilíbrio contratual.
Com o intuito de sistematizar e direcionar a pesquisa, interessante que sejam
analisados os julgados proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça, instância máxima para o
deslinde de questões envolvendo a aplicação da lei federal, cujas decisões servem de
paradigma e de fundamento para decisões tomadas pelas instâncias inferiores.
Desta forma, o Superior Tribunal de Justiça possui enorme responsabilidade no
deslinde dessas questões, pois, seu posicionamento, no reconhecimento das cláusulas
abusivas, bem como ao modo de revisar os contratos, com destaque aos contratos bancários,
tem o condão de proporcionar o restabelecimento do equilíbrio contratual e a efetiva
igualdade entre as partes o que, em última análise, significa a realização da dignidade do
consumidor, ente expressamente reconhecido como vulnerável nas relações de consumo.
Este o objetivo do presente estudo.
14
1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONTRATO
O contrato, não seria desarrazoado dizer, representa importantíssimo fenômeno
jurídico, que possibilita e regulamenta a circulação de riquezas na sociedade contemporânea,
não sendo instituto por ela concebido, mas que vem sendo emoldurado desde épocas remotas,
influenciado pelos movimentos sociais, pelos costumes, pelos modelos econômicos de cada
período, bem como pelos fatores históricos e culturais “[...] o contrato, por assim dizer,
nasceu da realidade social”.1
Assim, é preciso recordar que o homem, desde os primórdios de sua existência,
conheceu de certa forma, a figura do contrato, uma vez que realizava operações de troca, as
quais, todavia, não possuíam nenhuma disciplina ou regulamentação específica, operando-se
somente entre grupos sociais, já que o estágio de desenvolvimento dos povos primitivos não
oferecia condições para o desenvolvimento de relações individuais. Contudo, com o passar do
tempo, passaram a ser realizadas pelos indivíduos entre si.2
O contrato, nos moldes como é conhecido nos tempos atuais, tem sua origem creditada
ao Direito Romano que desenvolveu doutrina sobre o instituto, concebendo as tradicionais
figuras de contrato: como a compra e venda, locação, mandato e sociedade.
Além disso, o Direito romano teceu as origens do consensualismo, que teve seu
desenvolvimento iniciado no final da idade Média e consagrado na Idade Moderna, quando a
autonomia da vontade e seus dogmas correlatos – liberdade contratual, obrigatoriedade dos
contratos e relatividade de seus efeitos, bem como a teoria acerca dos vícios do consentimento
n– se consagraram.
Entretanto, as transformações econômicas e sociais decorrentes da Revolução
Industrial ocasionaram profundas transformações no instituto, como a contratação em massa,
que levou o Estado a intervir na seara contratual, culminando com a disciplina constitucional
1 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 5.ed. São Paulo:RT, 2006, p.49. 2 NASCIMENTO, Walter Vieira do. Lições de história do direito. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p.77.
15
deste instituto e a valorização dos princípios, surgindo, assim, a contemporânea disciplina
contratual.
1.1 O CONTRATO NO DIREITO ROMANO
O Direito Romano, conforme já mencionado, possuiu importante papel para o
desenvolvimento da moderna concepção de contrato, uma vez que a estruturação conferida
pelos romanos ao instituto serviu de fonte para o desenvolvimento de sua dogmática
tradicional. O Direito romano, porém, passou por inúmeras transformações durante sua longa
existência, as quais refletiram no instituto do contrato.
O contrato, segundo a concepção tradicional, seria “[...] acordo de vontade de duas ou
mais pessoas que visa constituir, a regular, ou extinguir uma relação jurídica”.3 Todavia não
era essa a concepção do Direito Romano, uma vez que nem sempre o acordo de vontades
fazia nascer uma obrigação contratual.4
No Direito Romano Primitivo ou Arcaico havia diferenciação entre contrato e pacto,
onde o primeiro gerava obrigação jurídica e o segundo não.5 Naquele período, o simples
acordo de duas ou mais pessoas sobre o mesmo objeto (pacto) não bastava para gerar uma
obrigação jurídica. Para tal mister era necessário, ainda, a existência de uma causa civilis,
representada pelo cumprimento das formalidades prescritas.
Nesta época, existiam apenas os contratos formais, o nexum e a stipulatio:6 o primeiro
uma espécie de empréstimo de dinheiro que se realizava por meio de um ato solene (per est
libram), praticado na presença do portador de uma balança, do objeto do contrato, das partes e
de cinco testemunhas, caracterizado pelo emprego de fórmulas verbais e atos simbólicos; o
segundo, uma espécie de promessa solene, que consistia em uma pergunta do credor
(spondes?) e uma resposta do devedor (spondeo), cuja obrigatoriedade decorria de seu caráter
sacramental.
3 ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, v.II, p.107.
4 CRETELLA JUNIOR, José. Curso de Direito Romano: o direito romano e o direito civil brasileiro. 18.ed. Rio
de Janeiro: Forense, 1995, p.246-247. 5 MARKY Thomas. Curso elementar de direito romano. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 1990, p.119.
6 MACHADO, Yuri Restano. Breves Apontamentos Acerca da Evolução Histórica do Contrato: Do Direito
Romano à Crise da Modernidade. Revista dos Tribunais, ano 96, out.2007, v.864, p.86-87.
16
No período clássico, o desenvolvimento da sociedade romana pelo incremento do
comércio, demonstrou que o nexum e a stipulatio não atendia as novas situações, o provocou a
flexibilização da rigidez de outrora, com flexibilização da stipulatio que passou a admitir
novos verbos, surgindo os contratos verbais, e a construção de novas figuras contratuais,
surgindo, embora em caráter excepcional, um contrato formal caracterizado pelo registro
privado do credor da dívida do devedor, chamado de contrato literal.7
Surgiram, então, os contratos reais, como o mútuo, o depósito, o comodato e o penhor:
o primeiro era um empréstimo sem as formalidades do nexum, que se aperfeiçoava com a
entrega da coisa, a qual efetuava a transferência da propriedade, resultando dessa entrega o
dever de restituição; os últimos eram tipos contratuais onde a entrega da coisa não operava a
transferência da propriedade, mas apenas a posse ou a detenção da coisa conforme o caso.8
Após, na época de Gaio, surgiram os contratos consensuais, em que a obrigação se
aperfeiçoava apenas pelo consenso, ou seja, pelo acordo de vontades. Eram quatro os
contratos consensuais: a compra e venda, a locação, a sociedade e o mandato. Ainda, a regra
de que os pactos não geravam obrigações foi sendo atenuada, sendo reconhecida força
obrigatória a certos pactos: os pactos adjectos, os pactos pretorianos e os pactos legítimos.9
Nesta evolução do contrato romano, surgiram os contratos inominados, ou seja,
espécies contratuais que não estavam previamente tipificadas. Esses contratos formavam, ao
contrário dos contratos do início do período clássico, uma categoria geral e abstrata e que
possuíam dois pontos em comum: a ação que os tutelava e o fato gerador da obrigação, qual
seja, a execução da prestação por uma das partes, conferia o direito da outra em exigir a
contraprestação respectiva.10
Durante o período justinianeu passou-se a considerar que o acordo vontades era
suficiente para gerar obrigações, não sendo mais preciso, como em seu período Clássico, o
acréscimo do elemento objetivo, representado pela observância das formalidades ou a entrega
da coisa, o que representou uma profunda alteração na forma de se analisar o instituto do
7 MACHADO, Yuri Restano. Breves Apontamentos Acerca da Evolução Histórica do Contrato: Do Direito
Romano à Crise da Modernidade. Revista dos Tribunais, ano 96, out.2007, v.864, p.88. 8 MARKY Thomas. O Curso elementar de direito romano. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 1990, p.121.
9 ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, v.II, p.129.
10 Op.cit, p.129.
17
contrato, o que serviu de base para o desenvolvimento, em momento posterior, do
consensualismo e a consagração do dogma da autonomia da vontade.11
Desta forma, o Direito Romano, no decorrer de sua longa evolução, contribuiu de
forma significativa para lançar as bases do sistema contratual moderno, uma vez que, durante
esse período, foram concebidas algumas das formas contratuais conhecidas até os dias atuais,
além de lançar as bases do consensualismo e da autonomia da vontade, princípio de grande
importância para o direito contratual e que vai conhecer seu pleno desenvolvimento nos
séculos XVIII e XIX.
1.2 O CONTRATO NA IDADE MÉDIA
Com a queda do Império Romano, ocorreu a predominância do Direito Germânico,
menos evoluído que o romano, onde ainda persistia o apego ao simbolismo, à necessidade de
realização de rituais para a existência de uma obrigação, idéia que se fez presente durante
quase toda a Idade Média.12
Apesar das poucas informações sobre o direito obrigacional germânico, conclui-se
que, devido ao caráter essencialmente familiar de sua sociedade e a ausência de atividade
comercial, existiam poucas obrigações de origem contratual.13
No âmbito familiar, as
obrigações surgiriam apenas dos delitos e as raras relações que se davam entre os clãs
baseavam-se em trocas, sem a utilização de moeda.
No Direito Franco, que conservou traços do Direito Germânico, um formalismo
simbólico preponderou, pois, para a validade dos contratos exigia-se, além da pronúncia de
certas palavras, a entrega de um objeto, sendo conhecidas duas espécies contratuais: a fides
facta e a res prestita.14
A primeira, um contrato formal que se concretizava pelo emprego de
certas palavras e a entrega de um objeto simbólico ao credor. A segunda, um contrato real em
que alguém entregava uma coisa a outrem que possuía a obrigação de restituí-la.
11
ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, v.II, p.129. 12
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 2.ed. São
Paulo: Atlas, 2002, v.2, p.364. 13
GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. 2.ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1995, p.730. 14
Op.cit, p.733.
18
Nas regiões em que o feudalismo se desenvolveu (século X a XIII), como no Direito
franco, o simbolismo também preponderou, existindo apenas os contratos formais e reais,
aparecendo, durante a Baixa Idade Média, três novos institutos que possibilitaram a
transformação dos contratos reais em formais: o dinheiro de Deus, o vinho de mercado e a
palmada.15
Ressalte-se que, nesse período, existiram, ainda, contratos puramente formais, como a
fides, semelhante à fides facta do Direito franco, que desapareceu entre os séculos XIV e XV,
e o juramento, uma promessa de fazer ou deixar de fazer alguma coisa, que teve sua
formulação realizada pela Igreja, que invocava a presença de Deus como testemunha e
impunha a realização de alguns gestos sacramentais.16
Na Idade Média, a concepção de que a obrigação se originava do contrato e não
somente da vontade das partes, perdurou entre os séculos XII a XVII, pois partia do
pressuposto de que os contratos seriam tipos definidos, aos quais as partes aderiam quando
desejavam certas conseqüências jurídicas, ou seja, que possuía por sua própria natureza,
essência e acidentes, que os distinguia entre si. Outro pressuposto seria a existência de uma
ética contratual, ou seja, que seu fundamento era a realização de justiça entre as partes.17
Desta forma, embora a decisão de contratar ou não, coubesse individualmente às
partes, o contrato não se regulava em face do interesse de uma ou de outra, mas para a
realização de uma justiça comutativa, razão pela qual a regulamentação dos negócios
consistiria sempre num mecanismo de equilíbrio social, de paz e de justiça, o que justificaria a
afirmação feita anteriormente de que a fonte das obrigações era o contrato e não a vontade das
partes.18
Do pressuposto de justiça decorreria o princípio do preço justo, a communis
aestipulatio,19
ou seja, aquele preço praticado normalmente que, caso fosse estipulado de
forma equivocada, possibilitaria a imposição de controles pelo soberano ou pelo príncipe,
realizando ou substituindo o preço estipulado.
O desenvolvimento do comércio levou à necessidade de maior agilidade e
simplificação das relações contratuais, o que possibilitou a admissão de certos pactos – que só
15
GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. 2.ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1995, p.734. 16
Op.cit, p.735. 17
LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História. 2.ed. São Paulo: Max Limonad, 2002, p.392-393. 18
Op.cit, p.393. 19
Op.cit, p.394.
19
obrigariam se fossem válidos e não alterassem elementos essenciais dos contratos – e à
criação de novas espécies contratuais, que permitiram a realização de atividades que,
posteriormente, deram origem às operações financeiras e de crédito.20
Essa estruturação do contrato foi suficiente para a regulamentação das atividades da
Idade Média, uma sociedade hierarquizada em classes, de economia eminentemente agrícola e
que se fundamentava na propriedade da terra. Porém, com a transição da economia feudal
para a mercantil, houve alteração nas estruturas sociais e econômicas, o que demandou uma
nova sistemática para a circulação da riqueza que, com o surgimento dos jusnaturalistas,
impulsionou o desenvolvimento da teoria contratual moderna.21
Assim, o contrato começou a surgir como um elemento que possibilitava a troca de
riquezas na sociedade, deixando de lado o formalismo característico do Direito Romano e que
ainda se fazia presente durante a Idade Média, para o reconhecimento de que a vontade das
partes poderia dar origem a uma relação obrigacional, o que se consolidaria com o advento
dos ideais liberais e a Revolução francesa.
1.3 CONCEPÇÃO TRADICIONAL DE CONTRATO
O contrato, conforme analisado até o presente momento, passou por um longo
processo evolutivo, sempre vinculado às mudanças sociais, econômicas e culturais de cada
época, iniciando seu desenvolvimento apegado ao rigoroso formalismo do Direito Romano e,
posteriormente, passando a admitir formas consensuais como fonte de obrigações entre as
partes. Porém, durante boa parte da Idade Média, ainda se encontrava muito apegado ao
formalismo do Direito Romano.
Apenas no final da Idade Média começou o desenvolvimento da concepção de que,
bastaria a vontade das partes em consenso para a criação de um vínculo obrigacional, que deu
início à consagração do primado da autonomia da vontade, razão pela qual muitos autores
entendem que a compreensão da concepção tradicional do contrato se faz mediante a
compreensão deste dogma basilar do Direito.
20
LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História. 2.ed. São Paulo: Max Limonad, 2002, p.393-394. 21
Op.cit, p.393.
20
Nesse sentido, de progressivo abandono do formalismo para a valoração da palavra
empenhada, do consentimento como fonte das obrigações, foi importante a contribuição do
Direito Canônico, uma vez que, desde cedo, a Igreja mostrou-se favorável ao respeito à
palavra dada, atribuindo a ela um caráter sagrado, onde descumprir com o acordado seria
cometer um pecado.22
Essa valoração da palavra dada representou uma forma de valorização e
fortalecimento do catolicismo, uma vez que a divulgação da fé cristã se operava por meio da
palavra falada.
Assim, os canonistas defenderam que a obrigação jurídica nasceria do simples pacto,
ou seja, que a promessa por si só possuiria força obrigatória, apregoando a fórmula ex nudo
pacto nascitur, ou ainda, que a palavra dada conscientemente criava uma obrigação de caráter
moral e jurídico para o indivíduo, permitindo o surgimento da concepção de contrato como
instrumento abstrato e categoria jurídica.23
Contudo, no século XVII, com a escola Naturalista, foram lançadas as bases para o
desenvolvimento da concepção tradicional de contrato e, conseqüentemente, para o primado
do princípio da autonomia da vontade, com a defesa da idéia de que “[...] a pessoa humana
tornou-se um ente dotado de razão, pois é através do agir, de sua vontade, que a expressão
jurídica se realiza [...] e que a autonomia da vontade seria „o único princípio de todas as leis
morais e dos deveres que lhe correspondem‟.”24
Analisando-se os jusnaturalistas daquela época, dentre eles, Grócio, Pufendorf e
Domat,25
constatou-se que todos conferiram especial atenção à promessa e ao cumprimento
dos pactos, defendendo que a manifestação de vontade seria fonte das obrigações, as quais
somente poderiam deixar de ser cumpridas por meio de outra manifestação de vontade, ou que
o cumprimento da palavra empenhada era um dever geral decorrente de um direito natural, ou
ainda, que as obrigações contraídas teriam força de lei.
As teorias econômicas também exerceram seu grau de influência. O liberalismo
econômico, baseado na idéia de igualdade idealizada pela Revolução francesa, defendeu que o
mercado deveria funcionar em liberdade de condições e que o contrato serviria para todas as
22
MACHADO, Yuri Restano. Breves Apontamentos Acerca da Evolução Histórica do Contrato: Do Direito
Romano à Crise da Modernidade. Revista dos Tribunais, ano 96, out.2007, v.864, p.91. 23
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.56. 24
Op.cit, p.56. 25
LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História. 2.ed. São Paulo: Max Limonad, 2002, p.395-396.
21
pessoas, independentemente de sua posição ou condição social.26
O contrato, assim, “[...]
traria em si uma natural eqüidade, proporcionaria harmonia social e econômica, se fosse
assegurada a liberdade contratual. O contrato seria justo e equitativo por sua própria
natureza”.27
O surgimento do modelo econômico capitalista também exerceu seu grau de
influência.28
O desenvolvimento do comércio fez nascer a necessidade de criação de
instrumentos que facilitassem a troca de mercadorias, que ainda eram realizadas entre
presentes e entre coisas presentes, dando-se origem então ao crédito e à moeda fiduciária. A
moeda, que antes possuía um valor intrínseco, passou a ser expressão de crédito e, como o
crédito era uma promessa de coisas futuras, foi necessário conferir segurança jurídica às
promessas, garantindo que elas não pudessem ser desfeitas.
Entretanto, à Revolução Francesa é creditada a origem do Direito contratual moderno,
destacando-se a Teoria do Contrato Social de Rousseau, onde se apregoou que o contrato seria
fonte de legitimação da autoridade do próprio Estado, ou seja, que teria surgido de um
contrato, no momento em que as pessoas resolveram abrir mão de parte de sua liberdade
individual para formá-lo.
Desta forma, o contrato não seria somente “[...] a fonte das obrigações entre os
indivíduos, ele seria a base de toda a autoridade. [...] O contrato não obriga porque assim
estabeleceu o direito. É o direito que vale porque deriva de um contrato”.29
Naquela época era vivenciada a ascensão da classe burguesa que, almejando alterar a
estrutura de poder vigente – o poder absoluto dos monarcas – defendeu os ideais de igualdade
e liberdade como o melhor instrumento para a consecução de seus anseios. Como o poder da
época era representado pelo capital imobiliário, precisavam de liberdade para contratar e de
um instrumento que lhes garantisse a aquisição da propriedade da monarquia decadente,
fortalecendo-se assim, o contrato.
Destaque deve ser dado ao Código Civil francês de 1808 – Code – que representou a
consagração da autonomia da vontade como valor supremo de seu sistema jurídico,
prescrevendo a regra de que o contrato faria lei entre as partes, ou como preceituava seu Art.
26
GOMES, Orlando. Contratos. 24.ed. Rio de janeiro: Forense, 2001, p.06. 27
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.59. 28
LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História. 2.ed. São Paulo: Max Limonad, 2002, p.394. 29
MARQUES, Cláudia Lima. Op.cit, p.08.
22
1134. “[...] As convenções legalmente formadas impõem-se como lei àqueles que as
celebraram.”30
O Code, assim, representou a superação do antigo regime feudal e das divergências
regionais e legislativas existentes naquela época, tendo com finalidade eliminar as
desigualdades, reconhecendo a igualdade dos cidadãos perante a lei.31
Com a consagração da autonomia da vontade, a discussão acerca da questão da justiça
interna, do conteúdo do contrato, foi sendo colocada de lado. Partindo-se da presunção de que
as partes estariam em pé de igualdade no momento da celebração da avença, o contrato seria
justo porque fruto da vontade das partes em consenso, não cabendo ao juiz analisar as
questões de igualdade e justiça do contrato.
Como corolário da consagração da autonomia da vontade, houve a consagração de
outros dogmas do direito contratual clássico, mencionando-se, em primeiro lugar, a liberdade
contratual, fundamentada no fato de que, sendo a vontade legitimadora do próprio Estado e a
única fonte legitimadora das relações obrigacionais, o indivíduo seria livre para celebrar os
contratos que desejasse.
A liberdade contratual poderia ser dividida em dois aspectos: a liberdade de contratar,
consistente na possibilidade de decidir entre contratar ou não contratar, ou decidir com quem
ou o tipo de negócio a ser realizado; e a liberdade contratual, que resultaria na possibilidade
de discutir livremente os termos e conteúdo do negócio a ser celebrado.32
Essa liberdade somente encontraria obstáculos nas regras imperativas determinadas
pela lei.33
Porém, como a vontade possuía prevalência sobre a lei, esta somente teria um
caráter supletivo ou serviria para fornecer parâmetros para a interpretação da vontade das
partes, onde o julgador não poderia analisar se o contrato era justo ou injusto, deveria apenas
analisar se o contrato era resultado da vontade livre das partes, o que serviu de base para a
teoria dos vícios do consentimento.
30
GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. 2.ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1995, p.738. 31
MACHADO, Yuri Restano. Breves Apontamentos Acerca da Evolução Histórica do Contrato: Do Direito
Romano à Crise da Modernidade. Revista dos Tribunais, ano 96, out.2007, v.864, p.94. 32
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito Civil. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, v.3, p.09-
10. 33
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.62.
23
Assim, a vontade somente seria apta a gerar obrigações para as partes quando fosse
resultado do consentimento livre e consciente entre elas, sem qualquer espécie de coação ou
fraude. Desta forma, a vontade manifestada sem vícios vincularia os contratantes, que só
poderiam desvencilhar-se por meio de outra manifestação de vontade, consagrando-se aí o
dogma da obrigatoriedade dos contratos, ou na fórmula romana pacta sunt servanda.
O Code representou um momento decisivo na história do Direito, que repercutiu na
legislação de diversos países, inclusive no Brasil, uma vez que o Código Civil de 1916, sob
inspiração dos ideais liberais, consagrou a autonomia da vontade de forma prevalente, o que
se manteve presente em nosso ordenamento até o ano de 2002, quando entrou em vigor o
novo Código Civil, não obstante a mudança de mentalidade em outros países e a promulgação
da Constituição Federal de 1998 e o Código de Defesa do Consumidor.
O contrato, assim, passou a ser reconhecido como a única fonte das obrigações,
atendendo às aspirações da classe em ascensão naquele momento histórico. Entretanto, as
transformações ocorridas na sociedade levaram a um redimensionamento da teoria contratual,
atendendo aos reclamos sociais e à necessidade de proteção das classes menos favorecidas,
onde o contrato passou a ter uma função social.
1.4 CONTRATO NO DIREITO CONTEMPORÂNEO
A Revolução Francesa, como mencionado anteriormente, representou a vitória da
classe burguesa emergente, que aspirava por uma participação efetiva na vida social, almejava
o poder antes exclusivo dos monarcas, razão pela qual defendiam os ideais de liberdade e
igualdade, instrumentalizando uma forma mais ágil para a aquisição do real imobiliário
representativo do poder naquela época. Assim, consagraram a autonomia da vontade e a
liberdade contratual.
Se a Revolução Francesa representou o momento de consagração da autonomia da
vontade e da liberdade contratual, o período seguinte representou o momento de exploração
dessas conquistas. O desenvolvimento da sociedade, principalmente em decorrência da
Revolução Industrial, iniciada na segunda metade do século XVIII, provocou profundas
24
alterações na estruturas econômicas e sociais vigentes, que repercutiu sobremaneira na seara
do Direito e, em especial, nos contratos.
A revolução agrícola daquele período, com a produção em larga escala de gêneros
alimentícios, aliado ao crescente aumento da produção de minérios, à instalação dos grandes
portos e ao aperfeiçoamento da navegação interna, proporcionou o desenvolvimento da
atividade industrial em larga escala, o que ocasionou o deslocamento das atenções da
economia agrícola para a das fábricas. 34
Este processo de industrialização provocou a alteração do sistema produtivo vigente,
com a concentração empresarial e conseqüente declínio da produção familiar e artesanal.
Houve assim, uma alteração nas estruturas sociais, com o surgimento de duas classes sociais
bem definidas, os empresários e o proletariado.
A concentração do poder econômico nas mãos do empresariado, fez surgirem os
primeiros conflitos de interesses entre essas classes, tendo em vista os abusos
consubstanciados em condições precárias de trabalho, jornadas de trabalho exorbitantes,
baixos salários, dentre outros, o que demonstrou que a tão festejada igualdade formal não se
verificou na prática.
Esses abusos provocaram diversas formas de reação: culminaram com as primeiras
manifestações trabalhistas; levaram os pensadores da época a denunciar os abusos, surgindo
os primeiros movimentos sociais; a Igreja passou a defender em suas encíclicas uma doutrina
social, apregoando ser necessária uma mudança de mentalidade, que deveria passar da moral
individual para uma ética social, onde o Estado deveria zelar pelo bem comum, amparando o
direito dos cidadãos, principalmente os mais fracos.35
Não bastasse isso, o desenvolvimento da indústria ocasionou uma transformação do
modo de produção, onde as operações passaram a ser padronizadas, em série, diminuindo os
custos da produção e aumentando a quantidade de produtos postos a disposição do mercado, a
chamada produção em massa. O aumento da disponibilidade de produtos no mercado fez
também surgir a sociedade de consumo.36
34
LISBOA, Roberto Senise. Contratos Difusos e Coletivos. 2.ed. São Paulo: RT, 2002, p.77-78. 35
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.164. 36
RAGAZZI, José Luiz; HONESKO, Raquel. Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2009, v.1, p.16.
25
Essa alteração gerou reflexos na seara contratual, uma vez que os produtores
precisavam de um meio ágil para negociar seus produtos e colocá-los no mercado, não sendo
mais possível sentar-se individualmente para negociar caso a caso a venda de seus produtos,
fazendo com que passassem a elaborar um modelo de contrato padrão para reger aquelas
situações semelhantes. A produção que era em massa proporcionou o surgimento dos
contratos em massa.37
A criação desses contratos-padrão restringiu o âmbito da liberdade contratual, pois as
partes poderiam apenas decidir se assinavam ou não um contrato, cujos termos já se
encontravam pré-definidos pelo produtor. Além disso, como não havia liberdade para discutir
os termos da avença, começou haver abusos por parte dos detentores do poder econômico,
que inseriram cláusulas prejudiciais ao outro contratante.
O surgimento desses novos conflitos, agravados com a fim da Primeira Guerra
Mundial, levou a um redimensionamento da concepção individualista, bem como ensejou uma
ação mais efetiva do Estado, que foi obrigado a intervir para manutenção da ordem pública e
restabelecimento das economias, tornando-se mais assistencialista, por meio da criação de
institutos jurídico-sociais, como os subsídios populares, os direitos trabalhistas, a previdência
social e o surgimento do crediário para fins de consumo.38
Assim, o Estado passou a intervir na atividade econômica, intervenção que se iniciou
por meio da planificação de determinadas atividades, passando pela sua fiscalização e
controle, culminando com a edição de leis limitadoras do poder de auto-regulamentação das
partes e, por fim ditando o conteúdo de determinados contratos, o chamado dirigismo
contratual.39
O dirigismo contratual pode ser sintetizado como o movimento do Estado
em direção à justiça dos contratos, em que a autonomia da vontade passa a
ser, em muitos casos, dirigida pela lei, como uma resposta da sociedade aos contratos injustos e desequilibrados. Substitui-se, então, a preocupação
excessiva em assegurar aos cidadãos a liberdade de contratar, pela
preocupação com a justiça contratual.40
37
RAGAZZI, José Luiz; HONESKO, Raquel. Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2009, v.1, p.16-17. 38
LISBOA, Roberto Senise. Contratos Difusos e Coletivos. 2.ed. São Paulo: RT, 2002, p.79. 39
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.253. 40
KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do Consumidor. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.31.
26
Essa intervenção do Estado, tendo em vista a preocupação com a justiça contratual e o
equilíbrio do contrato, resultou no fortalecimento da lei em detrimento da autonomia da
vontade, onde o contrato “[...] seria um ato de auto-regulação de interesse das partes, e,
portanto, por excelência, um ato de autonomia privada, mas este ato deveria ser realizado nas
condições permitidas pelo direito, pois só assim a lei dotaria de eficácia jurídica o contrato.”41
O contrato deixou, assim, de ser instrumento destinado exclusivamente a atender os
interesses individuais das partes e passou a atender a uma função social, o que traçou um novo
limite para a autonomia da vontade, que repercutiu em outros dogmas tradicionais dos
contratos, como a liberdade contratual e a obrigatoriedade dos pactos.
A liberdade contratual sofreu uma limitação, constatando-se que essa liberdade era
apenas formal e não material. A concentração de empresas e os monopólios reduziram a
liberdade de escolha do parceiro contratual. A existência dos contratos de adesão provocou o
desaparecimento da liberdade contratual, uma vez que impossibilitada a discussão individual
do conteúdo e termos do contrato, podendo-se mencionar, ainda, que o conteúdo de
determinados contratos seria ditado pelo poder público.
Referida limitação da liberdade, ensejou que fossem verificados se os limites impostos
pelo poder público respeitavam os princípios constitucionais e a legislação vigente ou se o
contrato celebrado entre particulares estava de acordo com as novas diretrizes de respeito à
boa-fé e à função social, além de possibilitar a existência de novas obrigações, decorrentes do
dever de respeito aos princípios mencionados.
A limitação da liberdade contratual vai possibilitar, assim que novas
obrigações, não oriundas da vontade declarada ou interna dos contratantes, sejam inseridas no contrato em virtude da lei ou ainda em virtude de uma
interpretação dos juízes, demonstrando mais uma vez o papel
predominante da lei em relação à vontade na nova concepção de contrato.
42 (grifo nosso).
Esse processo de fortalecimento da lei em detrimento da autonomia da vontade levou à
relativização do dogma da força obrigatória dos contratos, pois, caso o contrato se revelasse
41
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.211-212. 42
Op.cit, p.270.
27
injusto, mesmo tendo sido querido pelas partes, seria possível ao juiz alterar o seu conteúdo
para adequá-lo aos valores sociais adotados pelo ordenamento, utilizando-se como critério de
interpretação não apenas a vontade das partes, mas os interesses sociais envolvidos e as justas
expectativas das contratantes.43
Nesta nova concepção de contrato, outro aspecto se revelou importante, a chamada
teoria da confiança, intimamente ligada a questão da boa-fé, teoria esta que, nas lições de
Cláudia Lima Marques:
[...] pretende proteger prioritariamente as expectativas legítimas que
nasceram no outro contratante, que confiou na postura, nas obrigações
assumidas e no vínculo criado através da declaração do parceiro. Protege-se assim, a confiança e a boa-fé que o parceiro depositou na declaração do
outro contratante. [...] tem o fim de proteger os efeitos do contrato e
assegurar, através da ação do direito, a proteção dos legítimos interesses e a
segurança das relações.44
A sociedade, em reação a esse processo de estatização do privado, onde o Estado
passou a alargar sua atividade por meio de um crescimento do serviço público e controle da
estrutura social, começou a se organizar de forma independente, constituindo os sindicatos, as
associações e os partidos políticos modernos, propiciando uma maior participação
democrática e o desempenho de funções que antes eram exercidas pelo Estado, ou seja: “[...]
À publicização do privado correspondeu a reação da sociedade com a privatização do
público.”45
Esse conjunto de atuações do Estado e do setor privado levou a um
redimensionamento da tradicional separação dicotômica entre o público e o privado, pois,
com os mecanismos acima mencionados, constatou-se que, em algumas situações, passou a
existir uma interpenetração entre essas esferas pública e privada.
Embora o mundo tivesse conhecido essa mudança de mentalidade no final do século
XIX e início do século XX, no Brasil ganharam corpo apenas na década de oitenta, com a
promulgação da Constituição Federal de 1988, que erigiu a pessoa humana como um dos
43
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.276. 44
Op.cit, p.281. 45
LISBOA, Roberto Senise. Contratos Difusos e Coletivos. 2.ed. São Paulo: RT, 2002, p.80.
28
fundamentos do Estado Democrático de Direito, inseriu entre seus objetivos, a construção de
uma sociedade livre justa e solidária, além de inserir entre os princípios regentes da ordem
econômica, a função social da propriedade – que possui reflexos no campo contratual – e a
defesa do consumidor.
A legislação infraconstitucional consagrou essa nova estrutura do contrato, pois, o
Código de Defesa do Consumidor em 1990, expressamente prescreveu a necessidade de
respeito à boa-fé objetiva, a possibilidade de alteração do contrato em razão de excessiva
onerosidade, a proibição da utilização de cláusulas abusivas, enfim, interferiu na relação
contratual de consumo com vistas a proteger o contratante vulnerável. Além disso, o Código
Civil de 2002, expressamente prescreveu o respeito à função social do contrato e à boa-fé
objetiva.
O contrato deixou de ser um instrumento voltado exclusivamente para a satisfação dos
interesses puramente individuais, conduta típica do Estado liberal, tendo de cumprir também
sua função social, bem como a diretriz constitucional de que a atividade econômica deveria
ser exercida de forma ordenada e sustentável.
Para a consecução desse mister, revelou-se de suma importância o trabalho do
julgador ao interpretar a norma em relação aos casos concretos que lhe forem apresentados,
devendo analisar se o contrato, apesar de celebrar um acordo de vontades, possui equilíbrio
entre suas prestações e respeita as diretrizes de respeito à função social e à boa-fé objetiva.
Para a compreensão do contrato contemporâneo, portanto, é necessária a compreensão
da tradicional dogmática contratual, destacando-se a autonomia da vontade, no sentido de que
revelar-se como se manifesta na atualidade, uma vez que não mais se apresenta com o caráter
absoluto de outrora, devendo ser harmonizada com nos novos paradigmas, tanto
constitucionais como infraconstitucionais, destacando-se neste caso, a boa-fé e a função social
do contrato.
Esta compatibilização é necessária porque a autonomia da vontade não foi banida de
nosso ordenamento, ela ainda continua a reger as relações contratuais. Entretanto, seus
contornos foram alterados, não mais se admitindo que, a pretexto de defender a liberdade de
pactuação das partes, haja permissão para os detentores do poder econômico se sobreponham
aos mais vulneráveis, devendo, assim, ser compatibilizada com os novos institutos do direito
contratual.
29
1.5 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO CONTRATO
A compreensão do contrato, em face da Constituição Federal, a denominada
sistemática civil-constitucional, passa por uma análise do sistema jurídico adotado por nosso
ordenamento, que pode ser aberto, ou seja, concebido em razão de sua proximidade com uma
construção casuística afinada com a construção jurisprudencial, onde se reconhece sua
incompletude e a possibilidade de sua modificação ou, ao contrário, ser concebido em razão
do modelo codificado – fechado – que presume ser completo, não admitindo sua
modificação.46
O Código Civil de 1916, numa visão tradicional do ordenamento civil, baseado no
método lógico-dedutivo, fundamentava-se em uma concepção fechada de sistema jurídico,
caracterizado por sua pretensa completude e unidade, que não se comprovou na prática, haja
vista a existência de diversas leis especiais tratando da matéria cível, uma vez que o Código
não demonstrou ser capaz de regular todas as situações postas na sociedade, em especial, em
decorrência da acelerada evolução social e tecnológica verificada em nossos tempos.
Nos tempos atuais é defendida a idéia de um sistema aberto, também chamado de
teleológico, com o reconhecimento de não ser um sistema completo, uma vez que sujeito a
influências jurídicas e metajurídicas, o qual encontra sua origem na funcionalização dos
institutos jurídicos e no reconhecimento da influência social na aplicação da lei, consistindo
num método de pensamento mais tópico, organizado em torno da problemática jurídica.47
Nesse novo contexto se revela de sua importância o papel da jurisprudência, uma vez
que o juiz se encontra em constante provocação para resolver os casos que envolvem as
relações privadas, sempre em atenção aos valores estampados no Texto Constitucional.
O sistema jurídico, bem ao contrário, há de fazer convergir a atividade
interpretativa e legislativa de aplicação do direito, sendo aberto justamente para que se possa nele incluir todos os vetores condicionantes da sociedade,
inclusive aqueles que atuam na cultura do magistrado, na construção da
solução para o caso concreto. A pluralidade de fontes normativas, pois, não pode significar perda do fundamento unitário do ordenamento, devendo sua
46 NALIN, Paulo. Do Contrato: Conceito Pós-Moderno em busca de sua Formulação na Perspectiva Civil-
Constitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p.65. 47 Op.cit, p 61-63.
30
harmonização se operar de acordo com a Constituição, que o recompõe,
conferindo-lhe, assim, a natureza de sistema. 48
Porém, adverte a melhor doutrina que apenas a jurisprudência não é suficiente para
abertura do sistema, pois, é preciso conferir a ela alguma cientificidade, a fim de possibilitar
que as soluções dos casos pontualmente apresentados sejam racionalmente comprováveis e
seu conjunto forme um sistema, razão pela qual se defende a utilização do recurso
principiológico.49
Para a aplicação dos princípios, segundo a moderna técnica legislativa, faz-se
necessária a utilização de cláusulas gerais, que seriam pontos de apoio, os liames que
permitiriam a conexão entre os valores e o sistema normativo e seu ingresso na ordem
jurídica, facilitando o trabalho do hermeneuta.50
Apesar de amplamente reconhecida da necessidade de abertura do sistema, o Código
Civil de 2002, não obstante prescreva a função social do contrato e a boa-fé objetiva, não
conferiu originalidade ao sistema, pois, estes institutos já se encontram previstos na
Constituição Federal e no Código de Defesa do Consumidor, sendo que, ao apegar-se o
legislador ao modelo unitário e totalizante de uma codificação não será capaz de regulamentar
todas as situações que lhe forem colocadas, não sendo capaz, assim, de concretizar os valores
estampados na Constituição Federal.51
Desta forma, mostra-se cada vez mais necessário o entendimento do Direito Civil à luz
dos comandos constitucionais, a chamada constitucionalização do Direito Civil, pois, somente
assim o intérprete poderá conferir efetividade aos comandos e valores constitucionalmente
estabelecidos.
48 TEPEDINO, Gustavo. Direito Civil e Ordem Pública na Legalidade Constitucional. In FERREIRA, Jussara
Suzi Assis Borges Nasser (org); RIBEIRO, Maria de Fátima (org). Direito Empresarial Contemporâneo. São
Paulo: Arte e Ciência, 2007, p.51-52. 49
NALIN, Paulo. Do Contrato: Conceito Pós-Moderno em busca de sua Formulação na Perspectiva Civil-
Constitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p.66-67. 50 MATTIUZO JUNIOR, Alcides; GAGLIARD, Maria Aparecida. A Constitucionalização do Direito Civil e a
Nova Ordem Contratual. In FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser (org); RIBEIRO, Maria de Fátima
(org). Direito Empresarial Contemporâneo. São Paulo: Arte e Ciência, 2007, p.33. 51 NALIN, Paulo. Op.cit, p.83.
31
1.5.1 A constitucionalização do direito civil
A promulgação da Constituição Federal de 1988 introduziu uma nova ordem jurídica
na qual, ao invés da tutela exclusiva das relações individuais, passou-se a buscar a tutela dos
interesses coletivos, exigindo que o Direito Civil e, em especial, os contratos, seja analisado
sobre outro prisma, despindo-se das concepções puramente liberais de outrora, uma vez que é
vivido um processo de constitucionalização dos direitos, processo esse fundamental e
indispensável para nosso ordenamento jurídico.52
Essa idéia de constitucionalização serve de fundamento para processo de
descodificação do Direito Civil, sendo necessária sua resistematização na busca de um novo
paradigma com a aproximação do Direito Constitucional ao Direito Civil, para seja possível a
concretização dos valores fundamentais estampados pela Constituição Federal, dentre os quais
se destaca a dignidade da pessoa humana erigida como um dos fundamentos do Estado
Democrático de Direito e onde o magistrado assume a função constitucional de dignificar o
homem e eliminar a desigualdade sócio-econômica.53
A afirmativa de que o princípio da dignidade da pessoa humana é aplicável no âmbito das relações privadas, entre os particulares, pode ser também
fundamentada na natureza igualitária e na idéia de solidariedade que se
encontram associadas a este princípio. Adotada a noção de Direito como sistema, como visto no Capítulo 2 deste trabalho, fácil nota a relevante
função delegada ao princípio da dignidade da pessoa humana, neste sentido
propiciando a necessária visão harmônica, unitária e coerente que se há de
extrair do conjunto de normas jurídicas, onde coabitam valores e princípios que emergem da realidade social em que este sistema se insere e da qual,
portanto, jamais podem ser desvinculadas, pena se de tornarem
incompreensíveis.54
52 FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser; MAZETO, Cristiano de Souza. Constitucionalização do
Negócio Jurídico e Ordem Econômica. ARGUMENTUM – Revista de Direito da Universidade de Marília.
Marília: UNIMAR, 2005, v.5, p.76. 53 NALIN, Paulo. Do Contrato: Conceito Pós-Moderno em busca de sua Formulação na Perspectiva Civil-
Constitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p.85-87. 54
PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance do art.
170 da Constituição Federal. 2.ed. São Paulo:RT, 2008, p.191.
32
Nos termos estabelecidos pela Constituição Federal, até mesmo ordem econômica,
onde é reconhecida a liberdade e iniciativa, deve ter por fim assegurar a todos uma existência
digna, o que nada mais é do que a efetivação da dignidade da pessoa humana.
A preceituação constitucional da dignidade da pessoa humana como finalidade da ordem econômica traduz-se numa imperiosa busca de
concretude deste valor, em cada passo que o intérprete trilhar nos caminhos
hermenêuticos palmilhados ao longo da tarefa exegética que se lhe impõe, valendo, porém, observar, igualmente, que, como em qualquer outro
princípio, nem mesmo a dignidade da pessoa humana pode ser absolutizada,
sofrendo ponderação quando em jogo a dignidade de outra ou mais
pessoas.55
Os pressupostos metodológicos para a descoberta desse novo paradigma e para a
compreensão da sistemática civil-constitucional, passa pela compreensão de que as normas
constitucionais não possuem apenas função interpretativa em nosso ordenamento, mas que
possuem também função normativa e que podem incidir diretamente sobre as relações de
direito privado.56
[...] a norma constitucional torna-se a razão primária e justificadora da relevância jurídica das relações sociais, não somente como regra de
hermenêutica, mas como norma de comportamento, apta a incidir sobre as
situações subjetivas, funcionalizando-as, conforme os valores constitucionais. Tal postura se apresenta ainda como reação à fragmentação
do saber jurídico, à insidiosa e excessiva divisão do direito em ramos e em
especializações que, a prevalecer, fariam do jurista, fechado em seu
microssistema, se bem que dotado de refinados instrumentos técnicos, um ser insensível ao projeto de sociedade contido na Lei Maior.
57
Também é preciso uma definição sobre essa nova sistemática Civil-Constitucional,
com o reconhecimento de que é composta de regras e princípios normativos institucionais,
55
PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance do art.
170 da Constituição Federal. 2.ed. São Paulo:RT, 2008, p.193. 56 NALIN, Paulo. Do Contrato: Conceito Pós-Moderno em busca de sua Formulação na Perspectiva Civil-
Constitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p.48. 57 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil. Introdução ao Direito Civil Constitucional. 2.ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2002, p.49.
33
todos interligados e integrados no corpo constitucional, formando um unitário ordenamento
jurídico.58
No caso brasileiro, a introdução de uma nova postura metodológica, embora
não seja simples, parece facilitada pela compreensão, mais e mais difusa, do
papel dos princípios constitucionais nas relações de direito privado, sendo
certo que a doutrina e jurisprudência têm reconhecido o caráter normativo de princípios como da solidariedade social, da dignidade da pessoa humana,
da função social da propriedade, aos quais tem assegurado eficácia imediata
nas relações de Direito Civil. “Consolida-se o entendimento de que a reunificação do sistema, em termos interpretativos, só pode ser
compreendida com a atribuição de papel proeminente à Constituição”.59
Ainda se faz preciso compreender que esse novo paradigma, ao contrário da
codificação civil liberal, que possuía a defesa do patrimônio como valor preeminente, está
centrado na pessoa, seja na sua tutela por si mesma, seja na tutela de suas dimensões outras,
como família e propriedade.
É certo que as relações civis têm forte cunho patrimonializante, bastando
recordar que seus principais institutos são a propriedade e o contrato (modo de circulação da propriedade). Todavia, a prevalência do patrimônio, como
valor individual a ser tutelado pelos códigos, submergiu a pessoa humana,
que passou a figurar como pólo da relação jurídica, como sujeito abstraído de sua dimensão real.
[...]
A patrimonialização das relações civis, que persiste nos códigos, é
incompatível com os valores fundados na dignidade da pessoa humana,
adotado pelas Constituições modernas, inclusive pela brasileira (artigo 1º, III). A repersonalização reencontra a trajetória longa da emancipação
humana, no sentido de repor a pessoa humana como o centro do direito
civil, passando o patrimônio ao papel de coadjuvante, nem sempre necessário.
60
58 NALIN, Paulo. Do Contrato: Conceito Pós-Moderno em busca de sua Formulação na Perspectiva Civil-
Constitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p.89-90. 59
TEPEDINO, Gustavo. Código Civil, os chamados microssistemas e a Constituição, 1998/1999, p.22 apud
FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser; MAZETO, Cristiano de Souza. Constitucionalização do Negócio
Jurídico e Ordem Econômica. ARGUMENTUM – Revista de Direito da Universidade de Marília. Marília:
UNIMAR, 2005, v.5, p.82. 60 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do Direito Civil. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=507>. Acesso em 03nov.2008.
34
Ao reconhecer que a pessoa humana encontra-se no centro do ordenamento jurídico, é
necessário recordar-se que a dignidade da pessoa humana passou a ser considerada
fundamento maior do nosso Estado Democrático de Direito, ou seja, serve como princípio
norteador de todo nosso ordenamento jurídico.61
Há que se perseguir um amplo favorecimento da pessoa humana nas
relações jurídicas e, especialmente, nas contratuais; conforme reafirmado nesta tese, a vontade contratual deixou de ser o núcleo do contrato, cedendo
espaço a outros valores jurídicos, institutos fundados na Carta. O paradigma
da autonomia da vontade, em detrimento da pessoa humana na sua dimensão contratante, talvez até possa encontra (sic) legitimidade no espaço
do Código Civil [1916], pois do homem em si não se ocupa, mas sempre
estará em descompasso com a Constituição. Isso é observado com grande
destaque nas relações jurídicas contratuais, em que a vontade surge como mero papel de impulso, quando não, completamente inexistente, no âmbito
das relações de adesão e do contrato obrigatório, ambas conseqüências da
massificação negocial.62
O princípio da dignidade da pessoa humana, assim, deve ser entendido como a norma
embasadora de todo o sistema constitucional, devendo-se reconhecer sua força normativa,
“[...] dotada de plena eficácia jurídica nas relações públicas e privadas, seja na perspectiva
abstrata do direito objetivo, seja na dimensão concreta de exercício de direitos subjetivos
pelos cidadãos.”63
Denota-se, assim, que o Direito Civil não pode ser mais ser considerado o “[...] locus
normativo privilegiado do indivíduo [...]”,64
ou seja, não pode mais ser considerado como a
constituição do Direito Privado, devendo-se compreender que os critérios para a interpretação
do Direito Civil não se encontram mais no Código Civil, mas que são encontrados na
Constituição Federal.
Essa nova proposta interpretativa não tem por fim retirar do Direito Privado seu
espaço de incidência, ao contrário, pretende revitalizá-lo, alterando-o qualitativamente,
61 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 4.ed. São Paulo: Max
Limonade, 2000, p.54-55. 62 NALIN, Paulo. Do Contrato: Conceito Pós-Moderno em busca de sua Formulação na Perspectiva Civil-
Constitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p.91. 63 SOARES. Ricardo Maurício Freire. Repensando um velho tema: A dignidade da pessoa humana. Disponível
em: <http://www.cursoparaconcursos.com.br/arquivos/downloadsartigos/Ricardo_mauricio.p.d.f.>. Acesso em
07mai.2008. 64 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do Direito Civil. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=507>. Acesso em 03nov.2008.
35
potencializando-o e redimensionando-o, mediante a funcionalização de seus institutos e
categorias à realização dos valores constitucionais.
Assim, constata-se que não existem mais setores que escapam de sua incidência
axiológica, onde a autonomia privada deixa de configurar uma espécie em si mesma e
somente será merecedora de tutela, caso consiga realizar concretamente os valores
constitucionais.65
Ainda, é preciso compreender que a análise do Direito Civil à luz da Constituição
Federal tem por fim manter a unidade de todo o sistema jurídico, pois, conforme mencionado,
sua fragmentação em leis especiais e em leis multidisciplinares, os chamados microssistemas
jurídicos, poderia levar à decomposição do sistema jurídico civil.
Desta forma, levando-se em consideração a necessidade de manutenção da unidade do
sistema jurídico, a interpretação desse complexo de normas há de ser feita à luz dos princípios
estampados na Constituição Federal, que “[...] centraliza hierarquicamente os valores
prevalentes no sistema jurídico, devendo suas normas, por isso mesmo incidir direitamente
nas relações privadas”.66
Em suma, como a Constituição Federal trouxe em seu bojo uma série de preceitos
civis e ante a existência de outras normas infraconstitucionais que tratam de matérias
originalmente confiadas ao Código Civil, é preciso harmonizar esses preceitos para a
manutenção da unidade de todo o ordenamento jurídico.
Referida harmonização somente poderá ser realizada partindo-se da Constituição,
porque nos traz os valores e princípios basilares de nossa sociedade, onde o patrimônio deixou
de ser o centro das atenções do ordenamento jurídico, que passa a se preocupar com a
proteção da dignidade da pessoa humana, erigida a princípio norteador de todo o ordenamento
jurídico.
Assim, é necessária a compreensão dos princípios e das cláusulas gerais, cuja
conceituação, bem como os seus contornos gerais serão analisados no próximo item.
65 TEPEDINO, Gustavo. Direito Civil e Ordem Pública na Legalidade Constitucional. In FERREIRA, Jussara
Suzi Assis Borges Nasser (org); RIBEIRO, Maria de Fátima (org). Direito Empresarial Contemporâneo. São
Paulo: Arte e Ciência, 2007, p.46-47. 66 Op.cit, p.52.
36
1.5.2 Princípios e cláusulas gerais
O novo sistema de Direito Civil-Constitucional como visto, dever ser entendido por
meio da busca de novos paradigmas para o Direito o Civil e, conseqüentemente, para os
contratos, revelando-se importante o reconhecimento de que o sistema é composto de
princípios, os quais têm o condão de manter a unidade do sistema.
Em matéria contratual é possível conceituar os princípios como “[...] as idéias
jurídicas gerais que permitem considerar uma regulamentação normativa como conveniente
ou bem fundada, por referência à idéia de Direito ou a valores jurídicos reconhecidos”.67
Para a aplicação dos princípios, segundo a moderna técnica legislativa, faz-se
necessária a utilização de cláusulas gerais que seriam pontos de apoio, liames que permitiriam
a conexão entre os valores e o sistema normativo e seu ingresso na ordem jurídica, facilitando
o trabalho do hermeneuta.68
Judith Martins Costa, traz importantes lições sobre o tema:
Dotadas de grande abertura semântica, não pretendem as cláusulas gerais dar resposta, previamente, a todos os problemas da realidade, uma vez que estas
respostas são progressivamente construídas pela jurisprudência. Na verdade,
por nada regulamentarem de modo completo e exaustivo, atuam
tecnicamente como metanormas, cujo objetivo é o de enviar ao juiz para critérios aplicativos determináveis ou em outros espaços do sistema ou
através de variáveis tipologias sociais, dos usos e costumes.69
Complementa na obra a autora:
Não se trata – é importante marcar logo esse ponto – de apelo à
discricionaridade: as cláusulas gerais não contêm delegação de
discricionaridade, pois remetem para valorações objetivamente válidas na
67 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do Direito. Trad. José Lamego. 3.ed. Lisboa: Fundação Calostre
Gulbenkian, 1997, p.569 apud MATTIUZO JUNIOR, Alcides; GAGLIARD, Maria Aparecida. A
Constitucionalização do Direito Civil e a Nova Ordem Contratual. In FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges
Nasser (org); RIBEIRO, Maria de Fátima (org). Direito Empresarial Contemporâneo. São Paulo: Arte e Ciência,
2007, p.32. 68 MATTIUZO JUNIOR, Alcides; GAGLIARD, Maria Aparecida. A Constitucionalização do Direito Civil e a
Nova Ordem Contratual. In FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser (org); RIBEIRO, Maria de Fátima
(org). Direito Empresarial Contemporâneo. São Paulo: Arte e Ciência, 2007, p.33. 69 MARTINS-COSTA, Judith. A Boa-Fé no Direito Privado. São Paulo: RT, 1999, p.299.
37
ambiência social. Ao remeter o juiz a esses critérios aplicativos, a técnica
das cláusulas gerais enseja a possibilidade de circunscrever, em determinada
hipótese legal (estatuição), uma ampla variedade de casos cujas características específicas serão formadas por via jurisprudencial, e não
legal. Em outros casos, por não preverem, determinadamente, quais são os
efeitos ligados à infringência do preceito, abrem a possibilidade de serem
também estes determinados por via de jurisprudência.70
Nesse ponto é preciso distinguir os princípios das cláusulas gerais. Os primeiros
podem ser considerados como normas, expressas ou não, que servirão de fundamento para
outra. As segundas serão sempre expressas, podendo até mesmo expressar um princípio, mas
diante de seu caráter vago, ou seja, por nada regulamentarem de modo completo e exaustivo,
exigem do intérprete uma atuação especial, sendo sua função principal, permitir ao intérprete
a criação de normas jurídicas com alcance geral.71
Desta forma, considerando que os princípios representam os valores eleitos como
primordiais para a sociedade, necessário que sejam reconhecidos e efetivados em nosso
ordenamento jurídico, pois diante da fragmentação da normativa civil, somente mediante sua
aplicação será possível conferir unidade ao sistema jurídico e conferir concretude aos valores
enunciados pelo Texto Constitucional.
Nesse aspecto, considerando que a Constituição é composta de princípios, os
quais são dotados de elevado grau de generalidade e forte carga valorativa, denota-se que,
para uma correta interpretação de seus dispositivos, não é possível ao intérprete utilizar-se
apenas do tradicional método subsuntivo, devendo utilizar-se também da técnica da
ponderação, ou seja:
Será preciso um raciocínio de estrutura diversa, mais complexo, que seja capaz de trabalhar multidirecionalmente, produzindo a regra concreta que
vai reger a hipótese a partir de uma síntese dos elementos normativos
incidentes sobre aquele conjunto de fatos. De alguma forma, cada um desses elementos deverá ser considerado na medida de sua importância e
pertinência para o caso concreto, de modo que na solução final, tal qual em
um quadro bem pintado, as diferentes cores possam ser percebidas, ainda
que uma ou algumas delas venham a se destacar sobre as demais. Esse é, de
70 MARTINS-COSTA, Judith. A Boa-Fé no Direito Privado. São Paulo: RT, 1999, p.299. 71 MATTIUZO JUNIOR, Alcides; GAGLIARD, Maria Aparecida. A Constitucionalização do Direito Civil e a
Nova Ordem Contratual. In FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser (org); RIBEIRO, Maria de Fátima
(org). Direito Empresarial Contemporâneo. São Paulo: Arte e Ciência, 2007, p.34-35.
38
maneira geral, o objetivo daquilo que se convencionou denominar de
técnica da ponderação72
.
O correto entendimento do chamado sistema Civil-Constitucional, passa pela
compreensão dos princípios elencados em nosso ordenamento, os quais são aplicados
atualmente por meio das cláusulas gerais, permitido ao intérprete “criar” normas jurídicas que
possibilitam a solução dos novos casos que lhe são apresentados, o que restaria impossível
caso fosse analisado isoladamente o Código Civil, o que acarreta, além da harmonização e
unidade do ordenamento jurídico, a concretização dos valores elencados como primordiais em
nossa Constituição Federal.
Desta forma, constata-se que a teoria dos contratos sofreu profundas alterações,
devendo se analisada nos dias atuais em conformidade com a Constituição Federal, que
conferiu uma nova axiológica para nosso ordenamento jurídico.
Neste contexto, revelou-se a importância da compreensão da principiologia adotada
que, a par de reconhecer os princípios tradicionais oriundos do Code, confere-lhes nova
dimensão, uma vez que devem ser ponderados em face dos princípios da boa-fé objetiva e da
função social do contrato.
Na realização desta harmonização dos comandos constitucionais e infraconstitucionais
e a compreensão dos princípios adotados por nosso ordenamento ganha relevo a atuação do
julgador, pois será ele que, diante do caso concreto deverá promover essa adequação com
vista a dar efetividade aos comandos constitucionais.
72 BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da história. A nova interpretação
constitucional e o papel desempenhado pelos princípios. Revista Interesse Público, n.19. Belo Horizonte:
Fórum, v.5, 2003, p.51-80.
39
2 PRINCÍPIOS CONTRATUAIS
Nos dias atuais, a compreensão do contrato não pode levar em conta a legislação
infraconstitucional, mas também os dispositivos e os princípios estabelecidos pela própria
Constituição Federal, harmonizando-se os comandos constitucionais e infraconstitucionais.
Para consecução desta harmonização, o intérprete e o aplicador da lei deverão nortear-
se pelo princípio da dignidade da pessoa humana, que deverá ser compatibilizado com os
demais postulados existentes em matéria contratual, destacando-se a autonomia da vontade,
cujo entendimento atual não pode ser o mesmo concebido pelos ideais liberais.
Ainda, também é necessário levar-se em conta os postulados da boa-fé objetiva e da
função social dos contratos, os quais, além de previstos expressamente na legislação
infraconstitucional, decorrem implicitamente da Constituição Federal.
Por fim, tendo em vista o escopo do presente estudo, necessária se faz a compreensão
do princípio da vulnerabilidade do consumidor, expressamente inserido em nossa legislação
pelo Código de Defesa do Consumidor, mas que também possui fundamento constitucional,
haja vista ser reflexo da busca da igualdade material estabelecida pela Constituição Federal.
Desta forma, serão apresentados os contornos que a autonomia da vontade possui
atualmente em nosso ordenamento, traçando-se também os contornos em que devem ser
entendidas a boa-fé objetiva, a função social do contrato e a vulnerabilidade do consumidor
nas relações de consumo.
2.1 AUTONOMIA DA VONTADE
A vontade sempre se apresentou como um importante elemento das relações humanas,
pois é por meio dela se estabeleceram as primeiras relações de troca na sociedade. Para o
direito, que tem por finalidade a regulação jurídica destas mesmas relações, também se
40
apresenta como de fundamental importância, tanto que aparece como elemento diferenciador
na conceituação dos fatos jurídicos, na compreensão do negócio jurídico e,
conseqüentemente, dos contratos.
Seguindo a orientação da doutrina mais tradicional, é possível conceituar os fatos
jurídicos como os “[...] acontecimentos que produzem efeitos jurídicos, causando o
nascimento, a modificação ou a extinção de relações jurídicas e de seus direitos”.73 Quando se
apresentam como simples manifestação da natureza, nos quais a vontade humana não
concorre, podem ser classificados como fatos jurídicos em sentido estrito ou fatos naturais.
Quando se apresentam como conseqüência da manifestação voluntária da vontade
humana, são classificados como atos jurídicos. Estes, por sua vez, são classificados como atos
jurídicos em sentido estrito, quando os efeitos desta manifestação de vontade já se encontram
previstos na lei, ou seja, sua eficácia é ex lege. Ainda, são classificados como negócios
jurídicos, quando os efeitos da manifestação de vontade são aqueles desejados pelo sujeito,
desde que permitidos pela lei, ou seja, sua eficácia é ex voluntate.74
No campo político, é possível destacar as idéias de Rousseau, com sua Teoria do
Contrato Social, onde o contrato é erigido a instrumento basilar da sociedade e do Estado.
Nesta teoria é destacada a vontade livre do homem, pois, a partir dela, os indivíduos
consentiriam em abrir mão de parte de sua liberdade para formar o Estado. Também seria por
meio da manifestação de vontade que assumiriam suas obrigações. Desta forma, o contrato
seria a fonte das obrigações dos indivíduos, bem como a fonte de autoridade do Estado.75
No campo econômico, destaca-se a influência exercida pelo liberalismo, que
representou a ascensão econômica e política da burguesia e o declínio da aristocracia, onde se
defendia a liberdade de contratação como instrumento hábil para reger a atividade econômica,
pois, segundo suas concepções, o mercado se auto-regularia.
Realmente, a burguesia necessitava de um instrumento que viabilizasse as trocas
econômicas na sociedade, principalmente, da propriedade dos bens de produção, bem como
necessitavam de liberdade para realizar seus negócios e escolher o melhor modo de atuação
no mercado, ou seja, desejavam o que hoje é denominado de liberdade de iniciativa
73 AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 5.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p.343. 74 Op.cit, p.344. 75 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2005, p.57-58.
41
econômica.76 Isso representava o “[...] o mais amplo exercício do direito de propriedade e do
direito de contratar”.77
A autonomia da vontade traduz, portanto, um poder de disposição
diretamente ligado ao direito de propriedade, dentro do sistema de mercado
da circulação de bens por meio da troca, e de que o instrumento jurídico
próprio é o negócio jurídico. Essa autonomia significa, conseqüentemente, que o sujeito é livre para contratar, escolher com quem contratar e
estabelecer o conteúdo do contrato.78
Nos termos dos ideais liberais, os homens eram iguais – uma igualdade formal de
todos perante a lei – e o livre jogo das forças do mercado poderia garantir essa igualdade e o
equilíbrio nas relações, razão pela qual defendiam a idéia de um Estado Mínimo, que não
interviesse na atividade econômica e que se dedicasse unicamente à manutenção da ordem
pública, bem como pela criação de uma ordem jurídica básica, cuja função precípua seria
assegurar a liberdade contratual.79
Os ideais de igualdade e liberdade apregoados pela Revolução Francesa favoreceram o
fenômeno da codificação,80 pois, partindo da presunção de que os indivíduos eram iguais,
seria possível a existência de um conjunto de leis aplicáveis a todos eles, passando-se a
defender a idéia de um sistema fechado, no qual tudo o era direito deveria estar previsto no
Código e, para sua interpretação, bastaria utilizar-se do método hermenêutico do tipo
subsuntivo.
O Código Civil Francês de 1808 representou a consagração máxima da autonomia da
vontade, prescrevendo em seu Art. 1.134 que “[...] as convenções legalmente formadas têm
lugar de lei para aqueles que a fizeram”.81
76 AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 5.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p.358. 77 GARCIA JUNIOR, Ary Barbosa. O contrato: uma nova concepção. In: BITTAR, Carlos Alberto (Coord.); GARCIA JUNIOR, Ary Barbosa; FERNANDES NETO, Guilherme. Os contratos de adesão e o controle de
cláusulas abusivas. São Paulo Saraiva, 1991, p.36. 78 AMARAL, Francisco. Op.cit, p.358. 79
GARCIA JUNIOR, Ary Barbosa. Op.cit, p.36-37. 79 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2005, p.59. 80 MARTINS-COSTA, Judith. Crise e modificação da idéia de contrato no direito brasileiro. Revista de Direito
do Consumidor, São Paulo: RT, n.03, p.131, set./dez. 1992. 81 MARQUES, Cláudia Lima. Op.cit, p.59.
42
Ainda, “[...] considerava que a obrigação contratual tem por única fonte a vontade da
partes”, representando a garantia de liberdade concedida pelo Estado ao indivíduo, sendo
possível a este, por meio de sua manifestação de vontade, estipular praticamente sobre
qualquer matéria, desde o casamento até a aquisição de bens.82
A vontade particular passa a estabelecer o critério de solução dos conflitos de leis
em matéria contratual e, assim, a ser fonte de direito, o que bem a ser aceito no
direito civil, que também reconhece a vontade particular como poder de estabelecer
as regras de sua atuação jurídica, pelo menos no campo das obrigações, como
disposto no art. 1.134 do Código Francês, segundo o qual „as convenções legalmente
estabelecidas fazem lei entre as partes‟.83
Da maneira como foi interpretado o Code, consagrando a autonomia da vontade,
conferiu-se caráter subsidiário à lei, ou seja, as partes teriam ampla liberdade para celebrar
seus negócios. Somente naqueles espaços onde as partes deliberadamente deixaram de regular
é que incidiria o Código Civil, ou seja, a vontade constituiria a única fonte de obrigações,
estando limitada apenas pela ordem pública e pelos bons costumes.84
Consagrada a autonomia da vontade, houve importantes reflexos na seara do direito,
principalmente para a teoria contratual, pois, a partir dela, foram estabelecidos os tradicionais
dogmas da liberdade contratual (principal reflexo da autonomia da vontade), da
obrigatoriedade dos contratos e da relatividade de seus efeitos.
2.1.1 Liberdade contratual
A liberdade contratual significava que as partes eram livres para escolher se queriam
ou não contratar, com quem queriam contratar (liberdade de contratar) e de estabelecer o
82 MARTINS-COSTA, Judith. Crise e modificação da idéia de contrato no direito brasileiro. Revista de Direito
do Consumidor, São Paulo: RT, n.03, set/dez, 1992, p.131. 83 AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 5.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p.355. 84 OLIVEIRA. Ubirajara Mach de. Princípios informadores do sistema de direito privado: a autonomia da
vontade e a boa-fé objetiva. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: RT, n.23-24, p.46-47, jul./dez.1997.
43
conteúdo do contrato celebrado (liberdade contratual), sendo apenas limitado pela ordem
pública e pelos bons costumes.85
Com relação à obrigatoriedade dos contratos, denota-se ser um reflexo direto da
liberdade contratual, pois, partindo-se da presunção de que os contratos eram celebrados em
igualdade de condições entre as partes, que possuíam ampla liberdade para contratar e discutir
os termos da avença, uma vez celebrado, representava o real querer das partes, sendo,
portanto, justo.
Desta forma, uma vez manifestada a vontade das partes por meio do contrato e
preenchidos todos os pressupostos e requisitos de validade, este era irretratável, no sentido de
que as partes não poderiam se desvincular das obrigações assumidas, a menos que
externalizassem outra manifestação neste sentido, o que representava segurança para os
negócios jurídicos, ou seja, as partes estavam obrigadas a cumprir o pactuado.86
Como conseqüência desta obrigatoriedade, adveio o dogma da relatividade dos efeitos
do contrato, significando que as obrigações assumidas ficavam limitadas às partes que assim
contrataram, não beneficiando nem prejudicando terceiros, pois, ninguém poderia ser
obrigado a ser credor ou devedor de outra pessoa.87
Referido modelo adaptava-se à sociedade da época, porém, com o advento da
Revolução Industrial e o conseqüente desenvolvimento social e econômico, tal panorama
começou a ser alterado, levando à constatação de que o dogma da autonomia da vontade não
era suficiente para reger as novas situações apresentadas.
De fato, a Revolução Industrial levou ao incremento da produção – que passou a ser
em massa – fazendo com que os produtores necessitassem de um instrumento para a rápida
circulação de seus produtos, não sendo mais possível sentar-se individualmente com cada
comprador para discutir os termos da avença, sendo elaborados, assim, os contratos de massa,
o que vai abalar o dogma da autonomia da vontade e seu reflexo mais importante, a liberdade
85 GOMES, Orlando. Contratos. 24.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p.24-25. 86 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 2.ed. São
Paulo: Atlas, 2002, v.II, p.376-377. 87 Op.cit, p.377.
44
contratual, pois com a introdução desta espécie de contrato, houve uma despersonalização da
relação obrigacional.88
Dentre esses contratos, destacaram-se os contratos de adesão e as condições gerais do
contrato, os quais, segundo Cláudia Lima Marques, não são sinônimos. Os primeiros seriam
aqueles contratos escritos em que o fornecedor, previamente e de forma unilateral,
preestabeleceria suas cláusulas, oferecendo-os uniformemente e em caráter geral para
aceitação do outro contratante, a qual se daria pela simples adesão ao conteúdo já estabelecido
pelo fornecedor. Alguns os denominam de contratos do tipo “take-it-or-leave-it”.89
As condições gerais, por seu turno, seriam aquelas cláusulas, elaboradas, prévia e
unilateralmente por uma das partes, para um número múltiplo e indeterminado de contratos,
escritos ou não escritos, as quais seriam oferecidas, no momento da celebração do contrato,
para disciplinar a relação a ser formada, sendo necessária a aceitação, expressa ou tácita, do
outro contratante. Essas condições poderiam estar em partes externas ao contrato ou inseridas
em texto, sendo necessário que o outro contratante tivesse conhecimento de seu conteúdo.90
Esses novos meios de contratação foram essenciais para a sociedade industrializada
que se formava, a qual necessitava de um meio mais ágil para a circulação da produção, o que
trouxe benefícios tanto para os produtores como para os consumidores. Para os primeiros,
porque proporcionava rapidez e maior previsão de riscos. Para os segundos, porque os
contratos seriam os mesmos para todos os consumidores, não importando sua classe social e a
redução dos custos da empresa proporcionaria uma redução dos preços dos produtos.91
Nesses contratos houve evidente diminuição do âmbito da liberdade contratual, pois
aos compradores apenas caberia a opção entre contratar e não contratar, não havendo
possibilidade para discussão dos termos do contrato. Isso possibilitou que, em alguns casos,
os detentores do poder econômico introduzissem cláusulas com desvantagens para o outro
contratante.92 Tal situação foi denominada de dirigismo contratual privado.93
88 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p. 65. 89
Op.cit, p.69-73. 90 Op.cit, p.79-85. 91 MANDELBAUM, Renata. Contratos de adesão e contratos de consumo. São Paulo: RT, 1996, p.127. 92 LISBOA, Roberto Senise. Contratos difusos e coletivos. 2.ed. São Paulo: RT, 2000, p.160. 93 LÔBO, Paulo Luiz Neto. Dirigismo Contratual. Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial,
São Paulo: RT, n.52, p.74-75, abr./jun.1990.
45
O Estado Social surge como uma forma de corrigir os exageros e as
distorções provocadas pelo livre arbítrio das partes. A liberdade de contratar,
com a concentração crescente de capitais, aliada à formação de grandes e assustadores grupos econômicos, acabou transformando-se em imposição de
contratar às partes economicamente desprivilegiadas e desprotegidas.94
Assim, constatou-se que a tão comemorada igualdade não se verificava na realidade
prática. Aliado a isso, o crescimento das contratações coletivas em detrimento das individuais,
os impactos provocados pelas duas grandes guerras, bem como as idéias de forte atuação
estatal defendidas pelos ideais socialistas, levaram a uma mudança de mentalidade, passando
a solidificar-se a idéia de que o Estado deveria preocupar-se com o bem-estar das pessoas, ou
seja, que deveria preocupar-se com as questões sociais.95
2.1.2 Os limites impostos pelo dirigismo contratual e pelo estado social à liberdade contratual
Devido às influências acima mencionadas, operou-se um redimensionamento dos
deveres do Estado, que passou a atuar de forma mais direta na economia, entendendo-se que
deveria ir além da simples garantia do exercício de direitos, construindo uma rede de proteção
social, com o estabelecimento de programas e também uma intervenção nos contratos, ou
seja, com a “[...] criação de um sistema de vedações e exigências, a fim de impedir a
espoliação do fraco pelo forte, bem assim, assegurar a prevalência dos interesses do bem
comum sobre as questões individuais”.96
Assim, tem início o que se convencionou denominar dirigismo contratual público,
onde o Estado, por meio da edição de normas cogentes e de ordem pública, passou a intervir
nos contratos, estipulando seu conteúdo, exigindo autorização para a contratação ou proibindo
que certas disposições fosse objeto de estipulação contratual.97 Esta intervenção estatal,
embora tivesse por fim a tentativa de restabelecimento do equilíbrio entre as partes
94 GARCIA JUNIOR, Ary Barbosa. O contrato: uma nova concepção. In: BITTAR, Carlos Alberto (Coord.);
GARCIA JUNIOR, Ary Barbosa; FERNANDES NETO, Guilherme. Os contratos de adesão e o controle de
cláusulas abusivas. São Paulo Saraiva, 1991, p.41. 95 Op.cit, p.38-39. 96 Op.cit, p.39. 97 LÔBO, Paulo Luiz Neto. Dirigismo Contratual. Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial,
São Paulo: RT, n.52, p.68-72, abr./jun.1990.
46
contratantes, com o amparo à parte mais fraca da relação, também representou uma limitação
à liberdade contratual.
Parece-nos que a causa maior está no predomínio do interesse social sobre o
interesse individual, oriundo do processo de evolução do Estado. A
contenção da parte contratual mais forte e a imposição heterônoma das
regras do jogo resultam desse processo. A proteção do contratante débil não
foi a causa, mas a conseqüência.98
O Estado, então, deveria realizar a compatibilização entre a livre iniciativa e a
realização do interesse social, levando os Estados Modernos, no século XX, a inserirem em
seus Textos Constitucionais normas que possibilitassem essa compatibilização, por meio da
introdução de capítulos destinados a “Ordem Econômica e Social”.99
No Brasil também começou a existir esta preocupação, tanto que a Constituição
Federal de 1934, seguida pela Constituição de 1946, bem como a Constituição de 1967, após
a Emenda Constitucional de 1969, trouxe alguns princípios sociais.100 Todavia, a grande
mudança veio com a promulgação da Constituição Federal de 1988, ao trazer novas diretrizes
para nossa sociedade, com a funcionalização dos institutos jurídicos, na busca de uma
igualdade material para os indivíduos.101
A Constituição, ao cuidar da ordem econômica e financeira, prescreveu em seu Art.
170 que, apesar de ser assegurada a livre iniciativa, deveria ter como finalidade a realização
da justiça social, prescrevendo, ainda, o dever de respeito a vários princípios, dentre eles, a
defesa do consumidor.
Este dispositivo constitucional, ao lado dos direitos e garantias fundamentais,
demonstra que o dirigismo contratual se faz presente em nosso ordenamento, pois, neste
mesmo capítulo, a Constituição apresenta diversas limitações ao exercício à iniciativa privada,
98 LÔBO, Paulo Luiz Neto. Dirigismo Contratual. Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial,
São Paulo: RT, n.52, p.67, abr./jun.1990. 99
GARCIA JUNIOR, Ary Barbosa. O contrato: uma nova concepção. In: BITTAR, Carlos Alberto (Coord.);
GARCIA JUNIOR, Ary Barbosa; FERNANDES NETO, Guilherme. Os contratos de adesão e o controle de
cláusulas abusivas. São Paulo Saraiva, 1991, p.41-44. 100 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 2.ed. São Paulo: Método, 2006, p.106-118. 101 NALIN, Paulo. Do Contrato: Conceito Pós-Moderno em busca de sua Formulação na Perspectiva Civil-
Constitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p.164-165.
47
destacando-se o Art. 174, no qual se estabelece expressamente que o Estado é o agente
normativo e regulador da atividade econômica.102
Isso não significa que o dogma da autonomia da vontade foi banido do nosso
ordenamento, pelo contrário, ainda representa um dogma basilar do direito contratual, porém,
não é mais visto como o centro do ordenamento jurídico, mas sim que é ordenamento jurídico
lhe confere legitimidade.103
Ao contrário, significa que a autonomia da vontade deva ser analisada em
conformidade com a Constituição Federal e com a legislação infraconstitucional, em especial,
o Código de Defesa do Consumidor e o Novo Código Civil, que lhe trouxeram novos
contornos, os quais refletiram em outros dos princípios dela decorrentes, quais sejam, da
liberdade contratual, da obrigatoriedade e da relatividade dos efeitos dos contratos.
Como mencionado anteriormente, o reflexo mais importante da autonomia da vontade,
segundo a concepção tradicional, era a liberdade contratual. Entretanto, com o crescente
intervencionismo do Estado na atividade econômica constata-se a existência de limitações a
esta liberdade.
Inicialmente, a liberdade de contratar foi limitada por meio do dirigismo contratual,
representado por meio da edição de normas cogentes que impuseram severos limites a essa
liberdade, ora ditando o conteúdo de alguns contratos, ora determinando a necessidade de
autorização para a celebração de contratos, ora proibindo determinadas cláusulas contratuais.
Como conseqüência, novas figuras jurídicas surgiram, as quais vieram a alterar a
concepção tradicional de contrato, destacando-se: os contratos coativos, os contratos-tipo, os
contratos de adesão e os contratos necessários.104
Os contratos coativos seriam aqueles em que o Estado intervém determinando a
celebração do contrato, bem como o seu conteúdo, como no caso da renovação compulsória
do contrato de locação. Os contratos-tipo seriam aqueles em que os particulares devam
102 LÔBO, Paulo Luiz Neto. Dirigismo Contratual. Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial,
São Paulo: RT, n.52, p.66, abr./jun.1990. 103 NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil-
constitucional, p.168-170. 104 GARCIA JUNIOR, Ary Barbosa. O contrato: uma nova concepção. In: BITTAR, Carlos Alberto (Coord.);
GARCIA JUNIOR, Ary Barbosa; FERNANDES NETO, Guilherme. Os contratos de adesão e o controle de
cláusulas abusivas. São Paulo Saraiva, 1991, p.49-50.
48
obedecer às disposições de ordem pública, a qual impõe, para numerosos casos, uma mesma
fórmula contratual.105 Os contratos de adesão foram delineados linhas acima.
Os contratos necessários surgiram em decorrência da existência dos monopólios
naturais ou estatais, onde prestador do serviço público ou fornecedor de serviço, por meio do
próprio ente público ou seus concessionários ou permissionários, não poderiam deixar de
contratar com quem se propusesse a fazê-lo.106
Diante deste novo quadro, nosso ordenamento reconhece a existência de uma
liberdade contratual limitada, onde se destaca o papel da lei, que passa a legitimar o vínculo
contratual e protegê-lo, passando-se a analisar se esta limitação obedece aos preceitos
constitucionais e legais ou se respeitam os postulados da boa-fé, segurança e equilíbrio e
equidade contratual.107A autonomia da vontade continua a existir, mas não com a importância
e força que possuía nos moldes do liberalismo.
De fato, a autonomia privada não só sobrevive como convive com os limites impostos, indispensáveis à consagração dos interesses sociais, reafirmando, a
um só tempo, que a questão mais tormentosa refere-se à imposição de
limites. Nessa direção, a doutrina majoritária sustenta a necessidade de ser a autonomia privada redimensionada no ambiente negocial.
108
As limitações à autonomia da vontade, proporcionadas por esta teoria contratual
contemporânea, proporcionaram o aparecimento de novas obrigações contratuais, mesmo que
não tenham sido previstas ou mesmo queridas pelas partes, as quais podem ser consideras
como inseridas no contrato, seja em virtude da lei, seja em virtude da atividade interpretativa
dos juízes, tema que será abordado quando da análise do princípio da boa-fé.109
105 GARCIA JUNIOR, Ary Barbosa. O contrato: uma nova concepção. In: BITTAR, Carlos Alberto (Coord.);
GARCIA JUNIOR, Ary Barbosa; FERNANDES NETO, Guilherme. Os contratos de adesão e o controle de cláusulas abusivas. São Paulo Saraiva, 1991, p.51. 106 OLIVEIRA. Ubirajara Mach de. Princípios informadores do sistema de direito privado: a autonomia da
vontade e a boa-fé objetiva. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: RT, n.23-24, p.54-55, jul./dez.1997. 107
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.268-275. 108 FERREIRA. Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Funcionalização do Direito Privado e Função Social. In:
FERREIRA. Jussara Suzi Assis Borges Nasser (org.); RIBEIRO, Maria de Fátima (org.). Direito contratual
contemporâneo. São Paulo: Arte e Ciência, 2007, p.90. 109 MARQUES, Cláudia Lima. Op.cit, p.270.
49
O advento Novo Código Civil também representou importante intervenção no
princípio da liberdade contratual, haja vista haver expressamente inserido o dever de respeito
à boa-fé e à função social do contrato, embora estas sejam decorrência implícita do Texto
constitucional.
Porém, a grande alteração da liberdade contratual adveio com o Código de Defesa do
Consumidor. Este Código representou a grande expressão do dirigismo contratual em nosso
ordenamento, onde foi reconhecida a existência de um novo sujeito a ser tutelado em razão de
sua vulnerabilidade, o consumidor.
CDC não se limitou a regulamentar ou dirigir um tipo determinado de contrato, como fez o legislador das locações e com os planos de saúde. O
CDC foi mais além: estendeu seu leque de princípios e proteção legal não
apenas a um único tipo contratual, mas também a todos os contratos em que exista relação de consumo [...]. O princípio da autonomia da vontade foi
duramente limitado.110
O CDC, além de reconhecer a vulnerabilidade do consumidor, estabeleceu que suas
normas são de ordem pública e de interesse social, o que implica dizer, regra geral, serem
inderrogáveis pela vontade das partes contratantes, ressalvadas disposições de caráter
patrimonial, ou seja, mesmo que o consumidor queira delas abrir mão, tal cláusula contratual
será nula.111 Com isto, demonstra-se que a liberdade contratual do consumidor restou
extremamente reduzida, sendo, até mesmo completamente excluída em algumas hipóteses.
Neste ponto, importante destacar que, não obstante disposição expressa no Art. 1º do
Código de Defesa do Consumidor, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 381,
enunciando que “[...] nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da
abusividade das cláusulas”.112
Tal entendimento, vai de encontro ao estabelecido no CDC,
110 KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do Consumidor: contratos, responsabilidade civil e defesa
do consumidor em juízo. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.32. 111
FILOMENO, José Geraldo Brito. Capítulo I. In: Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado
pelos autores do anteprojeto. GRINOVER Ada Pellegrini Et al. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
1999, p.24. 112 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n.381. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/toc.jsp?livre=@docn&tipo_visualizacao=RESUMO&menu=SIM>.
Acesso em: 28maio2010.
50
retirando a natureza de ordem pública de suas normas quando se tratar de contratos
bancários.113
Como decorrência de todas essas alterações, também houve a necessidade de um
redimensionamento do princípio da obrigatoriedade dos contratos, possibilitando ao juiz, uma
maior possibilidade de análise do conteúdo do contrato, no sentido de constatar a ausência de
equilíbrio entre as prestações e contraprestações das partes.
2.1.3 A intervenção do Estado na autonomia da vontade segundo o código civil e o código de
defesa do consumidor
O advento do Código de Defesa do Consumidor e do novo Código Civil representou,
assim, uma alteração do estado de coisas vigente, pois, ao permitir expressamente a análise do
conteúdo do contrato para alteração de suas cláusulas ou de seu conteúdo, promoveu uma
delimitação legal das hipóteses que já vinham sendo utilizadas, porém, de forma
assistemática.
Um das hipóteses de relativização do princípio da obrigatoriedade dos contratos nos é
fornecida pelo Código Civil de 2002 ao tratar, nos artigos 478 a 480 “Da Resolução do
Contrato Por Onerosidade Excessiva”, introduzindo expressamente em nosso ordenamento a
chamada Teoria da Imprevisão.114
O Art. 478 possibilita que o devedor, nos contratos de execução continuada ou
diferida, possa pleitear a resolução do contrato, quando, em virtude de acontecimentos
extraordinários e imprevisíveis, a prestação de uma das partes torne-se excessivamente
onerosa, com extrema vantagem para a outra.115
O campo de aplicação da mencionada teoria, restringe-se, regra geral, aos contratos de
execução continuada ou diferida, ou seja, aqueles “[...] que se protraem no tempo,
caracterizando-se pela prática ou abstenção de atos reiterados, solvendo-se num espaço mais
113 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/toc.jsp?livre=@docn&tipo_visualizacao=RESUMO&menu=SIM>.
Acesso em 26mar.2010. 114 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria das relações contratuais e extracontratuais.
19.ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v.3, p.38. 115
BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.203.
51
ou menos logo de tempo”.116 Por seu turno, o Art. 480, possibilita sua aplicação aos contratos
unilaterais, exigindo-se apenas o requisito da onerosidade excessiva.117
Os requisitos para aplicação da mencionada teoria são extraídos do próprio Art. 478: a
existência de onerosidade excessiva para uma parte com extrema vantagem para a outra; a
extraordinariedade e a imprevisibilidade.
O primeiro requisito representa a existência de um desequilíbrio no contrato, a perda
de sua comutatividade, que não resulta na inexecução do contrato, mas sim num obstáculo ao
seu cumprimento, que pode causar uma lesão virtual ao devedor,118 ou seja, uma
potencialidade de dano caso o contrato venha ser cumprido.
O Art. 479 do Código atua a regra do artigo antecedente, ao estabelecer a possibilidade
de revisão do contrato ao invés de sua resolução, quando a outra parte se oferece a modificar
eqüitativamente as condições do contrato.119
O Código de Defesa do Consumidor também promove uma relativização ao princípio
da obrigatoriedade, pois, ao prescrever os direitos básicos do consumidor, estabelece no Art.
6º, V, a possibilidade de “[...] modificação de cláusulas contratuais que estabeleçam
prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que os tornem
excessivamente onerosas”.120
Referido dispositivo representa a adoção do princípio da
conservação dos contratos.121
Alguns autores entendem que o dispositivo em apreço representa a adoção pelo
Código de Defesa do Consumidor da Teoria da Imprevisão.122 Entretanto, apenas por meio de
uma interpretação literal do mencionado dispositivo, denota-se tratar-se de hipótese diversa
daquela tratada no Código Civil no Art. 478.123
116 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria das relações contratuais e extracontratuais.
19.ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v.3, p.100. 117
BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.203. 118 BORGES, Nelson. A teoria da imprevisão: no Direito Civil e no Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 2002,
p.316-318. 119 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.203. 120 Op.cit, p.814. 121 NUNES, Rizzatto. Curso de direito do Consumidor. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.140. 122 FILOMENO, José Geraldo Brito. Capítulo III. In: Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado
pelos autores do anteprojeto. GRINOVER Ada Pellegrini Et al. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
1999, p.126. 123 NUNES, Rizzatto. Op.cit, p.141.
52
Conforme analisado anteriormente, nos termos do Código Civil, para que seja possível
a aplicação da Teoria da Imprevisão, é necessário dos seguintes requisitos: a onerosidade
excessiva de uma das partes e extrema vantagem para outra, devendo existir um nexo de
causalidade entre uma e outra, provocada por acontecimentos extraordinários e imprevisíveis.
O Código de Defesa do Consumidor estabelece uma proteção mais ampla, pois, como
se constata da análise do Art. 6º, V, exige que haja apenas a onerosidade excessiva do
consumidor ou a existência de prestações desproporcionais. Ainda, não se exige que o fato
seja imprevisível, bastando que seja superveniente e proceda à quebra da base objetiva do
negócio, ou seja, do equilíbrio intrínseco das prestações entre consumidor e fornecedor.124
Com relação, ainda, ao princípio da conservação dos contratos, é importante destacar o
Art. 51, §2º do CDC, que, ao tratar da nulidade das cláusulas abusivas, apesar de reconhecer
serem nulas de pleno direito, estabelece que a decretação de sua nulidade não afete o contrato
quando este não causar ônus excessivo para qualquer das partes, ou seja, “[...] o que se busca
com o §2º do art. 51 é a manutenção sempre que possível do negócio jurídico, ainda que este
esteja contaminado com cláusulas abusivas ou nulas de pleno direito”.125
Em atendimento ao princípio da conservação do contrato, a interpretação das
estipulações negociais, o exame das cláusulas apontadas como abusivas e a análise da presunção de vantagem exagerada devem ser feitas de modo a
imprimir utilidade e operatividade ao negócio jurídico de consumo, não
devendo ser empregada solução que tenha por escopo negar efetividade à
convenção negocial de consumo.126
Referida proteção se justifica, uma vez que o Código reconhece a vulnerabilidade do
consumidor como um dos princípios norteadores das relações de consumo, o que se amolda
aos comandos constitucionais que estabelecem a defesa do consumidor como um dos
princípios que devem reger a ordem econômica, o que nada mais é do que uma forma de
efetivação da dignidade da pessoa humana, que foi erigida como fundamento do nosso Estado
Democrático de Direito.
124
KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do consumidor: contratos, responsabilidade civil e defesa
do consumidor em juízo. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.93-94. 125 Op.cit, p.128. 126 NERY JUNIOR, Nelson. A proteção contratual. In: Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado
pelos autores do anteprojeto. GRINOVER Ada Pellegrini Et al. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
1999, p.522.
53
2.2 BOA-FÉ
A evolução do contrato tem acompanhado as mudanças ocorridas pela sociedade,
destacando-se, neste contexto, os reflexos da concepção de que a autonomia da vontade não
seria um dogma absoluto, bem como às influências decorrentes do amadurecimento das
concepções de função social e de boa-fé.
A boa-fé, hoje positivada na legislação pátria, principalmente com o advento do
Código de Defesa do Consumidor e do novo Código Civil, não é concepção originária dos
tempos atuais, uma vez que conhecida desde tempos mais remotos da história da humanidade,
embora não com a concepção adotada atualmente.
A idéia de boa-fé é originária do Direito romano, ligada ao vocábulo bona fides,
concepção que, no decorrer de sua evolução histórica e influenciada pelo direito canônico,
esteve inicialmente ligada à idéia de ignorância de estar agindo em desconformidade com o
Direito ou da intenção de não prejudicar o outro, concepção consagrada pelo Código Civil
napoleônico, que influenciou sobremaneira nosso Código Civil de 1916.
Posteriormente, como os estudos desenvolvidos pelo Direito alemão, retornando às
suas raízes romanas, a boa-fé foi associada ao sentido de lealdade e respeito à palavra
empenhada. No Brasil esses estudos foram estimulados pela promulgação da Constituição
Federal de 1988, pela edição do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil de 2002.
Analisando essas breves considerações, constata-se que a boa-fé pode ser entendida
sob dois aspectos: sob o aspecto subjetivo e sob aspecto objetivo, levando-se à sua divisão em
boa-fé subjetiva e objetiva. Assim, seu estudo será realizado em duas etapas, destacando-se,
em primeiro lugar, a boa-fé subjetiva e, na seqüencia, o estudo da boa-fé objetiva.
2.2.1 Boa-fé subjetiva
A boa-fé, quando considerada em seu aspecto subjetivo, leva em consideração o
estado do sujeito, seu aspecto interno, psicológico, acerca do conhecimento ou ignorância de
uma determinada situação, podendo ser conceituada como a “[...] a qualidade do sujeito e diz
54
com o estado de consciência da pessoa, cujo conhecimento ou ignorância relativamente a
certos fatos é valorizada pelo Direito, para fins específicos da situação regulada”.127
Desta forma, é possível dizer que a boa-fé subjetiva corresponderia ao “[...] estado
psicológico da pessoa, à sua intenção, ao seu convencimento de estar agindo de forma a não
prejudicar outrem na relação jurídica”.128
Ou, como leciona Judith Martins-Costa:
A expressão „boa-fé subjetiva‟ denota „estado de consciência, ou
convencimento individual de obrar [a parte] em conformidade com o direito [sendo] aplicável, em regra, ao campo dos direitos reais, especialmente em
matéria possessória. Diz-se „subjetiva‟ justamente porque, para sua
aplicação, deve o intérprete considerar a intenção do sujeito da relação jurídica, o seu estado psicológico ou íntima convicção.
129
Complementa a autora:
A boa-fé subjetiva denota, portanto, primariamente, a idéia de ignorância, de
crença errônea, ainda que excusável, acerca da existência de uma situação
regular, crença (e ignorância excusável) que repousam seja no próprio estado
(subjetivo) da ignorância (as hipóteses de casamento putativo, da aquisição da propriedade alheia mediante usucapião), seja numa errônea aparência de
certo ato (mandato aparente, herdeiro aparente etc). Pode denotar, ainda,
secundariamente, a idéia de vinculação ao pactuado, no campo específico do direito contratual, nada mais aí significando do que um reforço ao princípio
da obrigatoriedade ao pactuado, de modo a se poder afirmar, em síntese, que
a boa-fé subjetiva tem o sentido de uma condição psicológica que normalmente se concretiza no convencimento do próprio direito, ou na
ignorância de se estar lesando direito alheio, ou na adstrição „egoística‟ à
literalidade do pactuado.130
A concepção subjetiva da boa-fé não fazia menção ao equilíbrio contratual,
preocupando-se apenas com o estado de espírito do contratante, no sentido de que atuasse na
crença de estar agindo corretamente, ou ainda, ignorando uma determinada situação pudesse
127 AGUIAR JUNIOR. Extinção dos contratos por imcumprimento do devedor: Resolução. 2.ed. Rio de Janeiro:
Aide, 2003, p.243 apud SOARES, Renata Domingues Balbino Munhoz. A boa-fé objetiva e o inadimplemento
do contrato. São Paulo: LTr, 2008, p.80-81. 128 NOVAES, Alinne Arquette Leite. Os novos paradigmas da teoria contratual: o princípio da boa-fé objetiva e
o princípio da tutela do hipossuficiente. In TEPEDINO, Gustavo (coord.), Problemas de direito civil-
constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p.22-23. 129 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: RT, 1999, p.411. 130 Op.cit, p.411.
55
viciar sua vontade, concepção que foi recepcionada pelo Código Civil francês, uma vez que
servia plenamente aos ideais liberais inspiradores da Revolução Francesa, onde havia maior
preocupação “[...] com a segurança da circulação e desenvolvimento das relações jurídicas do
que com a justiça material dos casos concretos [...]”.131
No Brasil, o Código Civil de 1916, amplamente influenciado pelo Code, também fez
prevalecer a noção de boa-fé subjetiva, sendo encontrada principalmente no Direito das
Coisas, em matérias como usucapião, sendo também possível encontrá-la em matéria de
Direito de Família.132
Todavia, embora esta concepção pudesse satisfazer os interesses da época, com o
desenvolvimento da sociedade, principalmente após a Revolução Industrial, o surgimento de
novas situações fez com que se desenvolvessem estudos sobre a concepção de boa-fé em sua
vertente objetiva, que será objeto de estudo no próximo item.
2.2.2 Boa-fé objetiva
A boa-fé é conhecida desde o Direito Romano e a base de sua moderna concepção
pode ser creditada à fides romana, que representava a idéia de lealdade, vinculação à palavra
dada, expressão de cunho ético, que ganhou foros de juridicidade no Direito Romano quando
acrescida do adjetivo bona.133
Com o desenvolvimento do comércio romano, o crescente contato com estrangeiros e
a necessidade de maior celeridade da realização dos negócios, a bona fides ganhou
importância, servindo de fundamento para a obrigatoriedade das relações efetuadas sem
fórmulas específicas, propiciando que o juiz, ao analisar um caso concreto, não examinasse
apenas o preenchimento das formalidades, mas também investigasse as características
131
AZEVEDO, Antônio Junqueira de. A boa-fé da formação dos contratos. Revista de Direito do Consumidor.
São Paulo: RT, n.03, p.78, set./dez.1992. 132 SOARES, Renata Domingues Balbino Munhoz. A boa-fé objetiva e o inadimplemento do contrato. São
Paulo: LTr, 2008, p.81. 133 VELASCO, Ignácio M. Poveda. A boa-fé na formação dos contratos: direito romano. Revista de Direito
Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial. São Paulo: RT, n.61, p.35-37, abr./jun.1990.
56
individuais do caso, analisando as convenções acessórias e o que os usos e a boa-fé exigiam
para aquele caso específico.134
Com a queda do império romano e a ascensão dos bárbaros, apegados ao simbolismo,
não houve campo propício para o desenvolvimento da boa-fé, o que se manteve durante a alta
idade média nas regiões em que o feudalismo se desenvolveu, ressurgindo somente na baixa
idade média e influenciado pelo Direito canônico.135
Entretanto, no Direito canônico a boa-fé passou a ser entendida no seu aspecto
subjetivo, equiparando-se à noção de ausência de pecado. Esta concepção subjetiva foi
consagrada com a edição do Código Civil francês de 1808, uma vez que satisfazia os
interesses da classe burguesa emergente, concepção que influenciou também o legislador
brasileiro, quando da edição do Código Civil de 1916.136
O Direito alemão, por sua vez, desenvolveu estudos sobre a boa-fé objetiva, ligada a
idéia de confiança, honra e lealdade à palavra empenhada, estudos que culminaram com a
edição do Código Civil alemão de 1900, onde esta concepção de boa-fé obteve sua
consagração.137
Os estudos acerca da boa-fé objetiva foram impulsionados também pelas
transformações trazidas pela Revolução Industrial, pelas duas Grandes Guerras e a Crise de
1929, que levaram a um grande desequilíbrio social, ressurgindo os estudos acerca das teorias
sociais, à intervenção do Estado na atividade econômica, bem como a noção de equilíbrio, de
boa-fé e de segurança das relações contratuais.138
No Brasil, como conseqüência de todas essas influências, foram editadas algumas leis
protecionistas, como a legislação trabalhista e a antiga lei de locações, culminando com a
promulgação da Constituição Federal de 1988, que pode ser considerada como a fonte da boa-
134 VELASCO, Ignácio M. Poveda. A boa-fé na formação dos contratos: direito romano. Revista de Direito
Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial. São Paulo: RT, n.61, p.37-38, abr./jun.1990. 135 Op.cit, p.40. 136
CORDEIRO, António Menezes. Tratado de direito civil português. 2.ed. Coimbra, Almedina, 2000, v.1,
parte geral, t.1, p.225. 137 Op.cit, p.227. 138 NOVAES, Alinne Arquette Leite. Os novos paradigmas da teoria contratual: o princípio da boa-fé objetiva e
o princípio da tutela do hipossuficiente. In TEPEDINO, Gustavo (coord.), Problemas de direito civil-
constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p.18-20.
57
fé objetiva, embora não a prescreva expressamente ou, como entende Paulo Nalin, a boa-fé
objetiva seria derivada da Constituição Federal.139
Com a edição do Código de Defesa do Consumidor, a boa-fé objetiva é expressamente
inserida em nosso ordenamento jurídico, sendo uma dos princípios norteadores deste estatuto,
bem como um dos direitos básicos do consumidor. Na seqüência, houve a edição do Código
Civil de 2002, que também consagra a boa-fé em diversos dispositivos, não sendo mais
possível argumentar-se que seu alcance abrangeria apenas as relações de consumo.
Importante destacar, que os estudos acerca da boa-fé objetiva guardam íntima relação
com aqueles realizados acerca do caráter dinâmico da relação obrigacional – relação
obrigacional complexa – em contraposição à sua concepção estática. Esta última consagrava a
relação obrigacional como uma estrutura simples, traduzindo apenas o vínculo entre credor e
devedor em face ao cumprimento de uma prestação, concepção que, apesar de não ser
equivocada, não explicava outros fenômenos decorrentes da relação obrigacional, como, por
exemplo, a questão da boa-fé objetiva.140
a) Relação obrigacional complexa
A relação obrigacional, entendida de forma estática, partia do entendimento de que
possuía apenas um aspecto bipolar, ou seja, aquele que ligava o direito subjetivo do credor
(direito ao crédito) ao dever jurídico do devedor (a dívida), levando em consideração apenas o
vínculo externo da relação obrigacional.141
Esta concepção era típica do Estado Liberal, mas que não mais atendia às necessidades
da sociedade pós revolução industrial, avançando-se, assim, os estudos acerca de sua
concepção dinâmica, principalmente após a promulgação do Código Civil alemão em 1900,
139 NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação civil-constitucional.
Curitiba: Juruá, 2001, p.128. 140 SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. A boa-fé objetiva e a violação positiva do contrato. Rio de Janeiro: Renovar,
2007, p.57. 141 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: RT, 1999, p.383.
58
passando-se a defender a existência de “[...] um vínculo dialético entre devedor e credor,
elementos corporativos necessários ao correto adimplemento”.142
Esses estudos iniciaram-se com a constatação de que poderia ser realizada uma
diferenciação no conteúdo da obrigação, reconhecendo-se a existência de débito e
responsabilidade, desenvolvendo-se também estudos acerca da possibilidade de haver mora
também por parte do credor, o que levou a consideração de que, ao lado do direito de crédito e
débito, poderiam existir outros deveres para as partes, tanto para o credor como para o
devedor, deveres de conduta que não estavam previstos expressamente no contrato.143
Com base nesses estudos, poder-se-ia dizer que a relação obrigacional não poderia
mais ser entendida como “[...] um só vínculo, tal qual a noção baseada no direito romano, ou
eventualmente em um dever relativo a este vínculo, mas tem de atar-se a um modelo
estrutural e unitário, que congregue internamente um conjunto interligado de relações diversas
entre si”.144
Assim, „[...] os múltiplos elementos integradores da relação obrigacional
complexa, e o caráter indeterminado de alguns, ligam-se à aplicação de
conceitos indeterminados e de cláusulas gerais‟, permitindo que integrem
esta relação não apenas os fatores e circunstâncias que decorrem do modelo tipificado da lei ou os que nascem da declaração de vontade, mas por igual,
fatores extravoluntarísticos, atinentes à concreção de princípios e standards
de cunho social e constitucional [como por exemplo, a boa-fé].145
Essa totalidade da relação obrigacional deveria ser dirigida à realização de um fim,
representado pelo adimplemento da obrigação, que se daria “[...] quando se realizar o
conjunto dos interesses envolvidos na relação”.146
Por interesses envolvidos na relação poder-
se-ia compreender:
142 SOARES, Renata Domingues Balbino Munhoz. A boa-fé objetiva e o inadimplemento do contrato. São
Paulo: LTr, 2008, p.43. 143 SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. A boa-fé objetiva e a violação positiva do contrato. Rio de Janeiro: Renovar,
2007, p.62-63. 144 Op.cit, p.64-65. 145 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: RT, 1999, p.395. 146 SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Op.cit, p.69.
59
[...] não apenas os vinculados direta ou indiretamente à prestação principal,
mas também os derivados dos demais deveres de conduta, de modo especial
os vinculados à manutenção do estado pessoal e patrimonial dos integrantes da relação, advindos do liame de confiança que toda relação envolve.
147
Complementando esse entendimento tem-se que:
O entendimento da relação obrigacional como sendo uma relação complexa e dinâmica ampliou, portanto, a própria noção de inadimplemento, restando
insuficiente o modelo dicotômico (inadimplemento absoluto e mora) para a
resposta a diversas questões em torno do não cumprimento ou cumprimento defeituoso das obrigações verificadas no dia a dia forense. Assim, conforme
defendido pela doutrina moderna, o modelo dicotômico de inadimplemento
deve ser alargado, para que nele seja incluída uma terceira via, a violação
positiva do contrato.148
A relação obrigacional seria constituída, assim, de deveres principais, os quais
estariam diretamente relacionados com o objeto principal da obrigação, “[...] constituindo
estes o núcleo central da relação obrigacional e definindo o tipo contratual [...]”,149
como, por
exemplo, o pagamento do preço e a respectiva entrega da coisa em um contrato de compra e
venda.
Além disso, seria constituída por deveres secundários e laterais. Os secundários
poderiam ser meramente acessórios da obrigação principal, como o dever de conservar a coisa
até que seja entregue ao comprador ou, ainda, de prestação autônoma, substitutos da
obrigação principal, com o dever de indenizar em caso de inadimplemento.150
[...] sendo a relação obrigacional uma totalidade voltada para o
adimplemento, esta não possui apenas, como relação totalizante que é, o
dever principal de prestar, ou eventual dever secundário correlato, mas
147 MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Do inadimplemento das obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.66 apud SOARES, Renata Domingues Balbino Munhoz. A boa-fé objetiva e o
inadimplemento do contrato. São Paulo: LTr, 2008, p.148. 148 SAVI, Sérgio. Inadimplemento das obrigações, mora e perdas e danos. In: TEPEDINO, Gustavo (coord.).
Obrigações. Estudos em uma perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 459 apud
SOARES, Renata Domingues Balbino Munhoz. A boa-fé objetiva e o inadimplemento do contrato. São Paulo:
LTr, 2008, p.148. 149 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: RT, 1999, p.437-438. 150 OLIVEIRA, Ubirajara Mach de. Princípios informadores do sistema de direito privado: a autonomia da
vontade e a boa-fé objetiva. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: RT, n.23-34, p.73, jul./dez.1997.
60
também deveres acessórios ou implícitos, instrumentais e independentes, ao
lado da obrigação principal, todos voltados para o correto adimplemento.151
Os deveres laterais, também chamados de deveres instrumentais, de proteção e
tutela,152
seriam “[...] todos aqueles deveres decorrentes do fato jurígeno obrigacional cujo
escopo não seja, diretamente, a realização ou a substituição da prestação” (grifo do autor).153
Esses deveres existiram de maneira autônoma à obrigação principal, não dependendo da
manifestação de vontade das partes, sendo, por este motivo, chamados de avolutarísticos,
possuindo como fonte o contrato, a lei ou a boa-fé objetiva.154
Os deveres decorrentes da boa-fé podem, assim, não ser declarados pelas
partes, não ser por ela queridos ou ser por elas totalmente desprezados. Não
obstante, participarão do conteúdo jurídico da relação, assim como participa
desse mesmo conteúdo toda normatividade legal (em sentido estrito) não declarada ou querida pelas partes.
155
Importante destacar que esses deveres laterais foram reconhecidos a partir do
momento em que se reconheceu que a relação obrigação abrangeria outros deveres além
daqueles referentes ao crédito e ao débito e que todos esses deveres deveriam ser cumpridos
pelas partes para que houvesse o perfeito adimplemento da avença.156
A boa-fé atua nestes últimos, sendo função dirigida a ambas as partes contratantes,
que devem comportar-se de forma proba e honesta desde a fase pré-contratual e mesmo após a
execução do contrato, pois, analisando a relação contratual como um todo e sendo esta
contínua e complexa, é constada a existência de certos deveres de conduta, exigíveis mesmo
antes da celebração do contrato, ainda na fase das tratativas. Da mesma forma, após a
151 MOTA, Maurício Jorge Ferreira da. A pós-eficácia das obrigações. In TEPEDINO, Gustavo (Coord.). Problemas de Direito Civil-Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p.187-240 apud SOARES, Renata
Domingues Balbino Munhoz. A boa-fé objetiva e o inadimplemento do contrato. São Paulo: LTr, 2008, p.43. 152 OLIVEIRA, Ubirajara Mach de. Princípios informadores do sistema de direito privado: a autonomia da
vontade e a boa-fé objetiva. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: RT, n.23-34, p.73, jul./dez.1997. 153 SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. A boa-fé objetiva e a violação positiva do contrato. Rio de Janeiro: Renovar,
2007, p.75. 154 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: RT, 1999, p.438. 155 SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Op.cit, p.54. 156 Op.cit, p.91.
61
execução, podem ocorrer situações que imponham deveres contratuais para as partes. O
descumprimento destes deveres representa inadimplemento contratual.157
Esses deveres são conseqüência do entendimento de que as partes não estão mais em
posições antagônicas na relação contratual, ao contrário, deve haver entre elas uma relação de
cooperação, para que se atinja o fim último do contrato, o adimplemento.158
Assim, busca-se a
realização dos interesses das partes e o respeito às justas expectativas que elas tiveram no
momento da celebração da avença.
Assim, a boa-fé objetiva significa “[...] mais que uma conduta em si; é um padrão de
conduta; padrão este objetivo que impõe um dever de agir. Dever de agir esse de acordo com
determinados padrões, socialmente recomendados de correção, lisura, honestidade, para não
frustrar a confiança legítima da outra parte”.159
Complementando, segundo Judith Martins-
Costa, boa-fé objetiva significa:
[...] modelo de conduta social, arquétipo ou standard jurídico, segundo o
qual „cada pessoa deve ajustar a sua própria conduta a esse arquétipo,
obrando como obraria um homem reto: com honestidade, lealdade, probidade‟. Por este modelo objetivo de conduta, levam-se em consideração
os fatores concretos do caso, tais com o status pessoal e cultural dos
envolvidos, não se admitindo uma aplicação mecânica do standard, de tipo meramente subsuntivo.
160
Denota-se, portanto, que a noção de boa-fé objetiva está intimamente ligada ao
conceito do bom pai de família, a maneira pela qual age o homem médio, significando:
[...] uma atuação „refletida‟, uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos, suas
expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem
obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando para
157 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.217-220. 158 FRADERA, Vera Lúcia M. Jacob de. A interpretação da proibição de publicidade enganosa ou abusiva à luz
do princípio da boa-fé: o dever de informar no código de defesa do consumidor. Revista de Direito do
Consumidor. São Paulo: RT, n.4 especial, p.176, 1997. 159 KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do Consumidor. 2.ed., São Paulo: Atlas, 2005, p.66. 160 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: RT, 1999, p.411.
62
atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e a
realização dos interesses das partes.161
Desta forma, é preciso compreender o alcance da boa-fé objetiva, seu campo de
aplicação e suas funções, para que se possa compreender o fenômeno contratual de acordo
com essa visão dinâmica e entender quando o contrato pode reputar-se adimplido.
b) Momento de aplicação da boa-fé objetiva
A boa-fé objetiva, da mesma forma que os deveres laterais de conduta, incide em todas
as fases do contrato, abrangendo tanto a fase pré-contratual, como a fase pós- contratual, o
que foi reconhecido na I Jornada de Direito Civil.162
A boa-fé incide também nas fases pré e pós contratual, uma vez que „indiscutivelmente em todas as fases (pré-contratual, contratual e pós-
contratual) está ínsito o dever de boa-fé e probidade, mesmo porque se trata
de cláusula geral, que impõe essa atitude de probidade e correção não
somente nas relações contratuais, mas também em qualquer outra relação jurídica, comando esse de ordem pública, consoante estabelecido no
parágrafo único do art. 2035 do novo Código Civil‟.163
Na fase pré-contratual a boa-fé objetiva tem relação com a questão da chamada culpa
in contrahendo, onde se reconhece a possibilidade de responsabilização daquela parte que,
após haver criado na outra a crença, uma convicção razoável, de que seria celebrado um
contrato, rompe injustificadamente as tratativas, causando prejuízo para a outra parte,
devendo existir um nexo de causalidade entre o prejuízo sofrido e este rompimento
injustificado das tratativas.
161
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.216. 162 BRASIL. Portal da Justiça Federal: Conselho da Justiça Federal. I Jornada de Direito Civil. Disponível em:
<http://daleth.cjf.jus.br/revista/enunciados/IJornada.pdf>. Acesso em: 16maio2009. 163 SOARES, Renata Domingues Balbino Munhoz. A boa-fé objetiva e o inadimplemento do contrato. São
Paulo: LTr, 2008, p.91.
63
A doutrina da culpa in contrahendo foi formulada pioneiramente por Ihering,
entendendo-se, contemporaneamente, mediante tal noção, que incorre em responsabilidade
pré-negocial a parte que, tendo criado na outra a convicção, razoável, de que o contrato seria
formado, rompe intempestivamente as negociações, ferindo os legítimos interesses da outra
parte.164
O Código Civil de 2002, apesar de prescrever no Art. 422 a necessidade de obediência
à boa-fé (objetiva), apenas menciona as fases de formação e execução do contrato. Não
obstante, os doutrinadores convergem seus entendimentos no sentido de que a boa-fé objetiva
deve ser observada também na fase pré-contratual como na fase pós-contratual.
Corroborando o exposto, menciona-se emblemática decisão proferida pelo Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, onde se reconhece a existência do dever de
indenizar, decorrente da não observância da boa-fé objetiva na fase das tratativas, por haver o
réu gerado a confiança na outra parte de que o contrato seria celebrado.165
No caso, uma determinada empresa costumava fornecer a pequenos agricultores
sementes de tomate que eram plantadas, com a compra da safra por esta empresa. Em um
determinado ano, após fornecer a semente aos agricultores, como de costume, a empresa
acabou não adquirindo a safra respectiva, frustrando a legítima expectativa gerada por sua
conduta anterior.
O Desembargador relator do processo entendeu que, neste caso, a empresa havia
criado a legítima expectativa de que adquiriria a safra que, uma vez frustrada pela empresa,
deveria arcar com indenização por ofensa a boa-fé objetiva, no que se refere à confiança
gerada na outra parte.
Na fase contratual a boa-fé objetiva, conforme expressa disposição legal (Art. 422 do
Código Civil), incide desde o momento da formação até o momento da execução do contrato,
cujos deveres são os mesmos exigíveis na fase pré-contratual, porém, aqui, com maior
amplitude, podendo “[...] ser qualificada como a lealdade ao tratar, clareza e abstenção de
164 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: RT, 1999, p.485. 165 BRASIL. Tribunal de Justiça/RS. Apelação Cível n. 59102829-5. Quinta Câmara. Relator: Desembargador
Ruy Rosado de Aguiar Junior. Porto Alegre, 06 de junho de 1991. Disponível em:
<http://www.tjrs.jus.br/site_php/jprud2/ementa.php>. Acesso em: 15jan.2010.
64
qualquer forma de dolo que possa induzir a uma falsa determinação da vontade da parte
contrária. [...]”.166
A exigência de observância da boa-fé objetiva não significa que os contratos não
devam ser cumpridos, já que o princípio do pacta sunt servanda ainda vigora em nosso
ordenamento, apenas agora atenuado pelo primeiro, pois, o que se pretende é impedir “[...]
que o credor possa exigir mais do que o consentido pela equidade e esta atende basicamente
as circunstâncias do caso, e às particularidades da pessoa, tempo e lugar e modalidades do
negócio”.167
Durante a vigência da relação contratual, a observância da boa-fé objetiva encontra
respaldo na teoria dos atos próprios, também denominada venire contra factum proprium,
bem como a imposição de deveres de informação, lealdade, cooperação, segurança, sigilo, que
serão objeto de análise posterior.168
A boa-fé objetiva também é exigível após o cumprimento do contrato, ou seja, “[...]
implica deveres posteriores ao término do contrato – deveres post factum finitum, como
deveres de informação e segredo”.169
São exemplos: dever do empregado de não revelar
dados sigilosos da empresa em que trabalhava após o término da relação trabalhista (dever de
sigilo) e os chamados “recalls”, em que as empresas chamam seus consumidores para reparos
de vícios posteriormente descobertos em seus produtos (dever de informação e proteção).
Em julgado proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, encontra-se
exemplo de violação da boa-fé após o cumprimento do contrato.170
No caso, foi vendido um
estabelecimento de ensino com o compromisso de renovação do contrato de locação do
prédio, que pertencia ao genitor das vendedoras.
Entabulado o negócio, foi renovado o contrato de locação nos termos do pactuado.
Porém, pouco tempo depois, o comprador foi notificado da intenção do proprietário em
vender o imóvel, o que provocou a desistência de alunos inviabilizando o exercício da
atividade.
166 LOUREIRO, Luiz Guilherme. Teoria geral dos contratos no novo Código Civil. São Paulo: Método, 2002,
p.73 apud SOARES, Renata Domingues Balbino Munhoz. A boa-fé objetiva e o inadimplemento do contrato.
São Paulo: LTr, 2008, p.140. 167 Op.cit, p.140. 168 SOARES, Renata Domingues Balbino Munhoz. A boa-fé objetiva e o inadimplemento do contrato. São
Paulo: LTr, 2008, p.141. 169 Op.cit, p.142. 170 Op.cit, p.143-144.
65
Os julgadores entenderam que houve violação do princípio da boa-fé, consistente na
quebra dos deveres de lealdade e probidade dos contratantes, reconhecendo que o comprador,
autor da ação, fazia jus a uma indenização pelo valor efetivamente despendido.
Em face de todo o exposto, conclui-se que o respeito à boa-fé objetiva deve estar
presente em todo o momento contratual, desde a fase das negociações preliminares, haja vista
a necessidade de proteção das justas expectativas provocadas nas partes de efetiva celebração
do contrato, que não podem ser frustradas de modo injustificado, bem como na fase
contratual, de modo a impedir as partes atuem de modo a frustrar o cumprimento do contrato
e, ainda, após a execução do contrato, onde as partes ainda possuem deveres uma em relação à
outra, como os deveres de informação e sigilo.
A imposição desses deveres se justifica, porque a relação contratual não compreende
apenas a noção de débito e crédito, abrange mais, existindo deveres de conduta que não estão
previstos expressamente no contrato, mas que também são exigíveis, uma vez que a noção de
adimplemento não representa apenas o cumprimento da prestação principal do contrato.
c) Funções da boa-fé objetiva
A boa-fé objetiva encontra-se positivada em nosso Direito, de forma implícita na
Constituição Federal e de forma expressa tanto no Código de Defesa do Consumidor e no
Código Civil. No entanto, suas funções em nosso ordenamento não foram delineadas
expressamente, tarefa que coube à doutrina e a jurisprudência.171
A boa-fé objetiva foi introduzida em nosso ordenamento com a finalidade de
proporcionar uma maior flexibilidade ao nosso sistema jurídico, conferindo ao juiz um maior
poder de decisão, uma vez que precisa estabelecer para o caso concreto qual a conduta a ser
seguida e, depois disso, analisar o comportamento da parte para constatar se estão em
consonância.172
171 SLAWINSKI, Célia Barbosa Abreu. Contornos dogmáticos e eficácia da boa-fé objetiva. O princípio da boa-
fé objetiva no ordenamento jurídico brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p.144-145. 172 SOARES, Renata Domingues Balbino Munhoz. A boa-fé objetiva e o inadimplemento do contrato. São
Paulo: LTr, 2008, p.86-87.
66
Em primeiro lugar é possível destacar a função interpretativa, que guarda estreita
ligação ao preceito contido no Art. 5º da Lei de Introdução do Código Civil, no sentido de
que, ao aplicar lei, deve o magistrado atender aos fins sociais e às exigências do bem comum.
Destaca-se, também, o Art. 2.035 do novo Código Civil, onde se prescreve que nenhuma
convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública.
O novo Código Civil expressamente consagra a adoção da boa-fé objetiva a todas as
espécies de relações contratuais e não apenas naquelas de consumo, enfatizando a função
interpretativa do princípio no Art. 113, ao estabelecer que os negócios jurídicos devam ser
interpretados de acordo com a boa-fé, preceito reforçado pela disposição do Art. 112, que
determina que a intenção das partes constante da declaração deva prevalecer ao sentido literal
da linguagem, bem como pelo Art. 422, que determina às partes o dever de agir de boa-fé.
Célia Barbosa Abreu Slawinski apresenta dois desdobramentos para o exercício da
função interpretativa da boa-fé objetiva:
O primeiro consiste na determinação de que os contratos (e os negócios
jurídicos unilaterais) sejam interpretados consoante o seu objetivo aparente,
a não ser que o destinatário tenha conhecimento da vontade real do
declarante, ou quando devesse conhecê-la, acaso tivesse agido com razoável diligência.
O segundo, quando o próprio sentido objetivo suscita dúvidas, devendo a boa-fé indicar a direção que seja a mais razoável.
173
Assim, por meio da boa-fé objetiva, o juiz, ao decidir um caso concreto, deve procurar
uma solução que reflita as expectativas das partes no momento da celebração da avença,
segundo padrões de conduta exigíveis do homem médio e de acordo com aquele caso
específico, extraindo um sentido mais recomendável para aquele caso concreto e socialmente
mais útil.174
Vinculada à função integrativa está sua função integradora. Neste aspecto, serve como
meio de suprir as lacunas, buscando a justiça interna do contrato, permitindo a sistematização
173 SLAWINSKI, Célia Barbosa Abreu. Contornos dogmáticos e eficácia da boa-fé objetiva. O princípio da boa-
fé objetiva no ordenamento jurídico brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p.146. 174 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Contratos. 3.ed.
São Paulo: Saraiva, 2005, v.IV, t.1, p.69-70.
67
das decisões judiciais, “[...] surgindo, assim, o princípio da boa-fé objetiva como resultante da
„exigência de encontrar uma noção operativa, dotada de um real valor prático‟”.175
De fato, os julgadores, ao adotarem a boa-fé objetiva como fundamentação de suas
decisões, não precisão tecer longas fundamentações utilizando-se da conjugação de outros
princípios, sendo a boa-fé o fundamento suficiente, posto que expressamente positivado, o
que facilita a compreensão do tema, sistematizando as decisões em torno de um mesmo
paradigma.
Referidas funções – interpretativa e integrativa – foram reconhecidas pela I Jornada de
Direito Civil, nos termos do Enunciado de n. 25 que estabelece: “A cláusula geral contida no
Art. 422 no novo Código Civil impõe ao juiz interpretar e, quando necessário, suprir e corrigir
o contrato segundo a boa-fé objetiva, entendida como exigência de comportamento leal dos
contratantes”.176
Outra função da boa-fé objetiva é a criadora de deveres anexos, que encontra ligação
com a função integrativa acima mencionada. Dentre esses deveres releva-se apontar o dever
de informar, que pode ser conceituado como “[...] um dever anexo de não enganar, de evitar o
erro explicando corretamente, de esclarecer, de comunicar as características essenciais do
objeto do contrato [...]”.177
Desta forma, por meio da boa-fé objetiva, não se tolera “[...] qualquer indução ao
erro, dolo ou falha na informação, por parte do fornecedor, uma vez que as informações
prestadas passam a ser juridicamente relevantes, integram a relação contratual futura e,
portanto, deverão ser cumpridas na fase de execução do contrato [...]”.178
O dever de informar revela sua importância em todas as fases da relação contratual,
porque, principalmente nas relações de consumo, o consumidor deve possuir amplo
conhecimento acerca do produto que irá adquirir, das prestações que irá assumir e dos
benefícios que irá adquirir e, mesmo após a execução do contrato, deve de ser informado
acerca das garantias que lhe são conferidas e dos riscos que determinado produto pode lhe
causar.
175 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: RT, 1999, p.436. 176
BRASIL. Portal da Justiça Federal: Conselho da Justiça Federal. I Jornada de Direito Civil. Disponível em:
<http://daleth.cjf.jus.br/revista/enunciados/IJornada.pdf>. Acesso em: 16maio2009. 177 SOARES, Renata Domingues Balbino Munhoz. A boa-fé objetiva e o inadimplemento do contrato. São
Paulo: LTr, 2008, p.122. 178 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.224.
68
Referido dever pode ser considerado sob dois aspectos, o dever de conselho e o dever
de esclarecimento simples.179
O primeiro corresponde ao dever do fornecedor especialista de
informar de forma clara e eficiente ao consumidor leigo, sobre os riscos típicos e os aspectos
principais do negócio, dever que está ligado à confiança e a transparência que devem existir
nas relações contratuais. O segundo corresponde ao dever de redigir os termos do contrato de
forma clara e destacada, a fim de evitar cláusulas ambíguas e de difícil compreensão,
possibilitando a perfeita compreensão do conteúdo da avença.
A transparência, princípio decorrente da boa-fé objetiva [...] encontra sua justificativa no dever de informar o que recai sobre os contratantes [...].
[...]
A transparência faz com que se exija do pré-disponente, sobretudo, lealdade
ao estabelecer o conteúdo da avença e lealdade ao informar sobre ela ao
outro contratante, via de regra mero aderente, portanto vulnerável à vontade contratual que está a definir seus termos gerais, exigindo-lhe destarte
comportamento responsável.180
Nos termos do CDC, o dever de informar representa um direito básico do consumidor
(Art. 6º, III), que deve ser cumprido de maneira clara e adequada, preceito complementado
pelo Art. 31, ao exigir que os fornecedores não omitam informações essenciais sobre seus
produtos e serviços, bem como por meio da proibição da publicidade enganosa ou abusiva,
prevista no Art. 37, §1º do mesmo estatuto.181
Reflexo do direito à informação consiste no preceito do Art. 30, por meio da
vinculação da oferta e da mensagem publicitária ao futuro contrato a ser celebrado. Esta
proteção se mostra adequada, pois é comum o anúncio acerca do preço ou qualidades de
determinados produtos que não se confirmam na prática, levando o consumidor a adquirir
produtos ou serviços diferentes daqueles anunciados.
Em razão disso, o CDC prescreve que, mesmo a proposta não tecnicamente perfeita, a
chamada mensagem publicitária, aquela que se limita a anunciar as qualidades de um produto
179 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.228-231. 180 NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação civil-constitucional.
Curitiba: Juruá, 2001, p.144-145. 181 KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do Consumidor. 2.ed., São Paulo: Atlas, 2005, p.71-73.
69
ou serviço, vincula o fornecedor. No que refere à proposta tecnicamente perfeita, o grande
avanço do CDC foi determinar sua irretratabilidade.182
Reflexo deste direito à informação, ainda, consiste na proibição do uso publicidade
enganosa ou abusiva, que caracteriza o princípio da veracidade da mensagem publicitária,
uma vez que o critério para identificá-las consiste, justamente, na veracidade da informação
prestada. Deste princípio emerge outro critério caracterizador, o critério do prejuízo, por meio
do qual se quer evitar comportamentos do consumidor prejudicais tanto para a sociedade
como para si próprio.183
Na fase pós-contratual, é possível mencionar o Art. 10, §1º do CDC, que estabelece
para o fornecedor o dever de informar sobre a periculosidade de produtos e serviços que
foram descobertos posteriormente à colocação do produto ou serviço no mercado. Exemplo
disso é o chamado “recall”, que é uma notificação administrativa para informação sobre
defeito de um produto já comercializado e a chamada dos consumidores para sua correção ou
troca, muito comum no setor automobilístico.184
Desdobramento do dever de informar é o dever que o fornecedor possui de permitir
que o consumidor tenha oportunidade de conhecer o conteúdo do contrato, que encontra
fundamento legal no Art. 46 do CDC, o que corrobora o dever de clareza, correção e destaque
das cláusulas contratuais, culminando de nulidade aquelas que forem consideradas abusivas,
conforme prescreve o Art. 51 do mesmo estatuto.185
Além do CDC, o novo Código Civil também prescreve o dever de informação,
destacando-se o Art. 613, que estabelece ao empreiteiro o dever de informar ao dono da obra
sobre a qualidade ou quantidade dos materiais por ele fornecidos, bem como o Art. 765, que
estabelece ao segurador e ao segurado o dever de agir com estrita boa-fé.186
Outro dever anexo decorrente da boa-fé objetiva é o dever de cooperação, consistente
na exigência de que ambos contratantes atuem de forma a não criar empecilhos para que o
contrato seja adimplido. No tocante ao fornecedor, reveste-se no dever de cumprir suas
obrigações, não criando obstáculos ou inviabilizando o exercício de direitos pelo consumidor,
182
KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do Consumidor. 2.ed., São Paulo: Atlas, 2005, p.77-78. 183 Op.cit, p.78-81. 184 SOARES, Renata Domingues Balbino Munhoz. A boa-fé objetiva e o inadimplemento do contrato. São
Paulo: LTr, 2008, p.124. 185 Op.cit, p.124-125. 186 Op.cit, p.126-127.
70
ou ainda, não utilizando de mecanismos maliciosos ou sem qualquer necessidade,
caracterizando-se, também, pelo dever renegociar as dívidas.187
Cooperar aqui é submeter-se às modificações necessárias para a manutenção
do vínculo (princípio da manutenção do vínculo do art. 51, §2.º, do CDC) e à
realização do objetivo comum do contrato. Será dever contratual anexo,
cumprido na medida do exigível e razoável para a manutenção do equilíbrio contratual para evitar a ruína de uma das partes (exceção de ruína aceita pelo
art. 51, §2.º, do CDC) e para evitar a frustração do contrato: o reflexo será a
adaptação bilateral e cooperativa das condições do contrato.188
É possível mencionar, ainda, o dever anexo de cuidado ou dever de proteção, no qual,
tratando-se de relações de consumo, o fornecedor tem o dever de não causar danos à
integridade pessoal – moral ou física – e patrimonial ao consumidor. Significa, outrossim,
cuidado com as informações negativas dos consumidores, cuidado na maneira de se efetuar a
cobrança de dívidas, cuidado na execução do serviço etc.189
Cumpre ainda mencionar, proposta apresentada por Vera Lúcia Jacob Fradera,
durante a III Jornada de Direito Civil, em que defende a existência de um dever de
colaboração para o credor decorrente da boa-fé objetiva, consistente no dever do credor tomar
atitudes para mitigar seu próprio prejuízo, decorrente da clausula duty to mitigate de loss do
direito Anglo-Saxão.190
Referido dever anexo é inspirado no Art. 77 da Convenção de Viena
onde se estabelece que:
A parte que invoca a quebra do contrato deve tomar todas as medidas razoáveis, levando em consideração as circunstâncias, para limitar a perda, nela
compreendendo o prejuízo resultante da quebra. Se ela negligencia em tomar tais
medidas, a parte faltosa pode pedir a resolução das perdas e danos, em proporção
igual ao montante da perda que poderia ter sido diminuída.191
Assim, de acordo com a proposta defendida pela autora, uma vez descumprido este
187 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.233-236. 188
Op.cit, p.236. 189 Op.cit, p.239-240. 190 TARTUCE, Flávio. AA boa-fé objetiva e a mitigação do prejuízo pelo credor. Esboço do tema e primeira
abordagem. Disponível em: <http://www.flaviotartuce.adv.br/secoes/artigos/Tartuce_duty.doc>. Acesso em:
03Dez.2009. 191 Op.cit.
71
dever anexo pelo credor, poder-lhe-ia ser imputada uma conseqüência de natureza econômica,
consistente no pagamento de eventuais perdas e danos ou, ainda, o abatimento no que teria
direito a receber.192
.
Por derradeiro, como função decorrente do princípio da boa-fé objetiva, tem-se
limitadora do exercício de direitos subjetivos, onde age como limitadora da vontade dos
contratantes, “[...] não admitindo condutas que contrariem o mandamento de agir com
lealdade e correção, pois só assim se estará a atingir a função social que lhe é cometida”.193
É possível mencionar, como primeira forma de limitação, a figura do adimplemento
substancial, onde o “[...] o cumprimento próximo do resultado final exclui o direito de
resolução, facultando apenas o pedido de adimplemento e o de perdas e danos [...]”.194
Neste caso, o direito subjetivo do credor é mitigado em razão dos deveres de lealdade
e cooperação decorrentes da boa-fé objetiva, pois, não seria justo que aquele que cumpriu
com quase todo o contrato seja penalizado com a resolução da avença, quando se comportou
durante todo o transcorrer do contrato de forma leal e honesta.
A segunda forma de limitação vem amparada pela chamada teoria dos atos próprios,
onde não se permite que alguém faça valer seu direito, quando antes também tenha deixado de
cumprir com seus deveres.
Esta limitação se refere à mitigação da utilização da exceção de contrato não
cumprido, cujo “[...] efeito principal é impedir que a parte que tenha violado deveres
contratuais exija o cumprimento pela outra parte, ou valha-se do seu próprio incumprimento
para beneficiar-se de disposição contratual ou legal”.195
Esta limitação se desdobra na
chamada regra tu quoque e na proibição do venire contra factum proprium.
A regra tu quoque196
impede que aquele que tenha descumprido uma norma legal ou
contratual, possa querer exigir do outro do outro contratante o cumprimento de um preceito
que ele mesmo já descumpriu. Assim, aquele que descumpre um comando, não pode se
192 SOARES, Renata Domingues Balbino Munhoz. A boa-fé objetiva e o inadimplemento do contrato. São
Paulo: LTr, 2008, p.121. 193 KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do Consumidor. 2.ed., São Paulo: Atlas, 2005, p.69. 194
SLAWINSKI, Célia Barbosa Abreu. Breves reflexos sobre a eficácia atual da boa-fé objetiva no ordenamento
jurídico brasileiro. In TEPEDINO, Gustavo (coord.), Problemas de direito civil-constitucional. Rio de Janeiro:
Renovar, 2000, p.82. 195 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: RT, 1999, p.460-461. 196 OLIVEIRA, Ubirajara Mach de. Princípios informadores do sistema de direito privado: a autonomia da
vontade e a boa-fé objetiva. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: RT, n.23-34, p.45, jul./dez.1997.
72
aproveitar de alterações circunstanciais posteriores para pretender a revisão do contrato ou
pleitear direito à indenização pelo descumprimento do contrato pelo outro contratante.
Esta limitação se justifica porque o sinalagma que caracteriza os contratos bilaterais
deve perdurar da formação até sua execução. Nos contratos de longa duração, em virtude da
dinamicidade contratual, as alterações fáticas levam à constante necessidade de equalização
deste sinalagma, para que o contrato atinja seu escopo principal e respeite as justas
expectativas das partes contratantes.
Desta forma, produzindo deveres contrapostos para ambos contratantes, aquele que
primeiro descumpre um comando fere o equilíbrio contratual e não pode valer-se do
descumprimento posterior do outro para beneficiar-se.197
Por seu turno, a proibição do venire contra factum proprium, protege aquele que
confiou no comportamento anterior da outra parte, proibindo que esta pratique ato que
contrarie as expectativas geradas pelo seu comportamento anterior.
Um julgamento proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul elucida
melhor a questão: “O vendedor de estabelecimento comercial que, por algum tempo auxilia
no novo proprietário, inclusive preenchendo pedidos, fornecendo seu próprio número de
inscrição fiscal, não pode depois cancelar tais pedidos, sob a alegação de uso indevido de sua
inscrição”.198
Neste caso específico, decidiu-se que a conduta do vendedor frustrava as justas
expectativas do adquirente, o que poderia inviabilizar a atividade por ele desenvolvida.
O seu fundamento técnico jurídico – e daí a conexão com a boa-fé objetiva –
reside na proteção da confiança da contraparte, a qual se concretiza, neste
específico terreno, mediante a configuração dos seguintes elementos, objetivos e subjetivos: a) a atuação de um fato gerador de confiança, nos
termos em que esta é tutelada pela ordem jurídica; b) a adesão da contraparte
– porque confiou – neste fato; c) o fato de a contraparte exercer alguma atividade posterior em razão da confiança que nela foi gerada; d) o fato de
ocorrer, em razão de conduta contraditória do autor do fato gerador da
confiança, a supressão do fato no qual fora assentada a confiança, gerando
prejuízo ou iniqüidade insuportável para quem confiara.199
197 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: RT, 1999, p.465. 198 OLIVEIRA, Ubirajara Mach de. Princípios informadores do sistema de direito privado: a autonomia da
vontade e a boa-fé objetiva. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: RT, n.23-34, p.74-75, jul./dez.1997. 199 MARTINS-COSTA, Judith. Op.cit, p.471.
73
Realmente, em face do dever de lealdade e da confiança que deve existir entre as
partes contratantes, uma das partes não pode praticar atos que contrariem as justas
expectativas que seu comportamento gerou na outra lhe causando prejuízos.
Outra limitação ao exercício de direitos subjetivos reside nas figuras da suppressio e
da surrectio. Na primeira, o não exercício de um direito por um determinado período faz com
que este não possa mais ser exercido, ao passo que a segunda aponta o nascimento de um
direito em decorrência da legítima confiança despertada na outra parte pela atitude de
determinado comportamento da parte contrária, como, por exemplo, o credor que costuma
receber sua prestação em local diverso do estabelecido, em virtude de sua conduta, cria um
direito para o devedor, presumindo-se uma renúncia ao estabelecido anteriormente.200
Assim, a suppressio e surrectio são dois lados de uma mesma moeda. Na
suppressio, „o não exercício de um direito‟, como aduz Laerte Marrone de Castro Sampaio, „num determinado quadro, leva à perda do direito, na
surrectio o raciocínio opera ao inverso. Está-se diante – para utilizar-se da
imagem de Menezes Cordeiro – da contraface da suppressio, vale dizer,
„uma pessoa veria, por força da boa-fé, surgir na sua esfera uma possibilidade que, de outro modo não lhe assistiria.‟ Deveras, a prática
reiterada de certos atos gera num dos figurantes da relação processual a
convicção de que possui um direito‟.201
Por todo o exposto, é possível concluir que a boa-fé objetiva incide sobre o contrato de
molde a tornar seu entendimento diverso daquele apregoado tradicionalmente, pois,
apresenta-se como um limite ao princípio da autonomia da vontade, tendo o condão de criar
deveres ou alterar situações independentemente da vontade das partes.
A boa-fé objetiva possibilita o reconhecimento de que contrato não se resume apenas
ao direito de crédito e débito, o que reflete na concepção de seu adimplemento. Ao contrário,
por conta da boa-fé objetiva passam a existir deveres para as partes, mesmo que não estejam
previamente previstos no contrato e o adimplemento passa a abranger a realização desses
deveres.
200 SOARES, Renata Domingues Balbino Munhoz. A boa-fé objetiva e o inadimplemento do contrato. São
Paulo: LTr, 2008, p.111-112. 201 Op.cit, p.112.
74
Dentre esses deveres, que devem ser cumpridos desde a fase pré-contratual até a pós-
contratual, destaca-se o de lealdade das partes contratantes, tendo como paradigma a figura do
homem médio, a conduta a ser exigida do bom pai de família. Além disso, a boa-fé objetiva
vem proteger aquela parte que acreditou na expectativa criada pela outra, bem como para
impedir que atue de forma contrária ao seu comportamento anterior.
Ainda, decorre da boa-fé o dever de cooperação, haja vista que o contrato tem como
finalidade o seu adimplemento que deve sempre ser buscado pelas partes contratantes,
destacando-se também o dever de cuidado e proteção que as partes devem possuir uma em
face da outra.
Outro fator importante decorrente da boa-fé objetiva é a necessidade de cumprimento
do dever de informação, que veio positivado em diversos dispositivos, tanto do Código de
Defesa do Consumidor, como no Código Civil de 2002.
Desta forma, ao lado da função social do contrato, a boa-fé objetiva incide sobre o
contrato alterando o paradigma tradicional da autonomia da vontade, pois, em face dessas
novas diretrizes foi ela limitada e o contrato passa a interessar não apenas as partes
individualmente consideradas, mas também para a coletividade.
2.3 FUNÇÃO SOCIAL
A função social do contrato, nos dias atuais, encontra-se expressamente prescrita no
Código Civil de 2002, que estabelece no Art. 421 que a liberdade de contratar deve ser
exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
Entretanto, a discussão acerca da necessidade de funcionalização dos institutos
jurídicos, na qual se insere a função social do contrato, não adveio com o novo Código Civil,
sendo matéria analisada há algum tempo, tanto em nosso ordenamento, como na legislação de
outros países. Porém, entre nós, ganhou relevo a partir da promulgação da Constituição
Federal de 1988, que estabeleceu a necessidade de harmonização da liberdade de iniciativa
com as questões sociais.
75
A compreensão da função social do contrato encontra-se umbilicalmente ligada ao
entendimento acerca da função social da propriedade, pois, sendo o contrato o meio pelo qual
se promove a distribuição e circulação de riquezas na sociedade e, sendo a propriedade, uma
das mais antigas formas de expressa de riqueza, as alterações neste instituto refletem-se na
concepção dos contratos.
[...] a instituição jurídica do contrato é um reflexo da instituição jurídica da
propriedade privada. Ela é o veículo da circulação da riqueza, enquanto se
admita (não interessa em que medida) uma riqueza (isto é, uma propriedade) privada. Se não fosse admitida a riqueza (propriedade) privada, esta não
poderia circular e contrato careceria quase inteiramente de função prática.
Com o reconhecimento da propriedade privada se enlaça idealmente o princípio de liberdade contratual, o qual, se bem limitado em diversas
formas, constitui, como se tem dito, a pedra angular da disciplina geral do
contrato.202
Além disso, os questionamentos acerca da função social da propriedade são mais
antigos e os seus contornos jurídicos mais bem definidos, proporcionando certa sedimentação
acerca de seu conteúdo, principalmente após a promulgação da Constituição de 1988, que
expressamente a caracterizou quando tratou da ordem econômica e financeira. Assim, a
compreensão da forma como incide a função social para este instituto, fornecerá subsídios
para a compreensão da função social do contrato.
2.3.1 Função social da propriedade
A discussão acerca da função social da propriedade, não é algo que surgiu apenas com
a promulgação da Constituição de 1988, uma vez que discutida em ordenamentos estrangeiros
em épocas mais distantes e, mesmo em nosso Direito, a matéria já havia sido prescrita tanto
na ordem constitucional como na legislação ordinária.
202 MESSINEO, Francesco. Douctrina General del Contrato. Tradução de R. O. Fontanarosa, Santiago Melendo
e M. Volterra, Buenos Aires: EJEA, 1986, t.II, p.15 apud SANTOS, Antônio Jeová. Função social do contrato.
2.ed. São Paulo: Método, 2004, p.118.
76
Após a consagração do direito de propriedade como um direito absoluto e a autonomia
da vontade como fonte primeira do direito, decorrência da Revolução Francesa e dos ideais
que a inspiraram, as alterações sociais, econômicas e culturais, ocorridas posteriormente,
fizeram surgir, ao lado dos direitos individuais, os chamados Direitos Sociais, renascendo
com isso, a doutrina da função social.203
Importante destacar a doutrina social da Igreja que, desde São Tomás de Aquino,
passando pelas Encíclicas e Mensagens Papais – Rerum Novarum (Leão XIII, 1981),
Quadragesimo Anno (Pio XI, 1931), Mater Et Magistra (João XXIII), Populorum Progressio
(Paulo VI) – consagraram a existência do direito de propriedade, condicionando-o, entretanto,
ao cumprimento de sua função social, ou seja, defendiam que o homem teria direito à
propriedade dos bens, mas que seu exercício deveria dar-se em benefício do bem-estar
comum, defendendo até mesmo a possibilidade de expropriação.204
O pensamento da Igreja Católica se desenvolve na direção de que o direito de propriedade não deve ser exercido com o prejuízo da utilidade comum. O
Estado-juiz encontrará uma solução quando houver conflito entre os direitos
privados, dentre os quais ressaem a propriedade e as necessidades comunitárias, expressas na ativa participação das pessoas e dos grupos
sociais.205
Valendo-se das lições de Giselda M. Fernandes Hironaka complementa-se:
Constata-se, destas posições sociais contidas na História da Igreja,
especialmente dois elementos, no direito de propriedade. Um elemento, dito
de direito individual, que se refere ao fato de que todo homem tem direito – e se trata de um direito absoluto – a tantos bens quanto necessite para a
satisfação de sua condição pessoal, social, humana. E um outro elemento, do
Direito Social, pelo qual tudo aquilo que excede deve ser redistribuído em
proveito da sociedade, trata-se de um tipo de administração, remunerada sem
dúvida, que se passa por conta do interesse social.206
203 HIRONAKA, Giselda M. Fernandes Novaes. A função social do contrato. Revista de Direito Civil,
Imobiliário, Agrário e Empresarial. São Paulo: RT, n.45, p.142, jul./set.1988. 204 Op.cit, p.142-143. 205 SANTOS, Antônio Jeová. Função social do contrato. 2.ed. São Paulo: Método, 2004, p.120. 206 HIRONAKA, Giselda M. Fernandes Novaes. Op.cit, p.144.
77
Importante ressaltar que a exigibilidade de que a propriedade cumpra sua função social
não significa a adoção do socialismo, mas apenas que deva ser exercida de modo a promover
não apenas os interesses individuais de seus proprietários, mas que venha a trazer algum
benefício ou que, ao menos, não cause prejuízos para a sociedade.207
No campo legislativo, a função social da propriedade foi reconhecida pela primeira
vez na Constituição mexicana de 1917, prescrevendo que o direito de propriedade deveria ser
submetido ao interesse público, porém, é reconhecida à Constituição de Weimar, na
Alemanha em 1919, a introdução da necessidade de harmonização da livre iniciativa com as
limitações ao direito de propriedade, sendo que, no Brasil, a primeira Constituição a tratar do
assunto foi a de 1934, seguindo nas constituições posteriores.208
Embora os Textos constitucionais estabelecessem a necessidade de cumprimento da
função social da propriedade, nosso Código Civil de 1916 ainda prescrevia a propriedade
como um direito absoluto, uma vez que inspirado no Código Civil Francês de 1808, o que
dificultou a consagração da função social da propriedade e, como conseqüência, a função
social dos contratos.
Contudo, a função social da propriedade veio a ser definitivamente consagrada em
nosso ordenamento com o advento da Constituição Federal de 1988, pois, com ela, houve
uma alteração do conteúdo do direito de propriedade que vigia até então, ou seja, a concepção
clássica do direito de propriedade, inspirada nos ideais liberais dos séculos XVIII e XIX e
sedimentada pelo Código Civil de 1916, não era mais compatível com os ditames
constitucionais, os quais prescrevem que a propriedade deve cumprir sua função social.
Analisando-se os dispositivos constitucionais que tratam da propriedade privada – Art.
5º, XXII e XXIII; Art. 170, II e III – forçoso reconhecer que o instituto sofreu uma profunda
alteração, havendo uma relativização do seu conceito e significado.
Houve, pois, mais recentemente, uma relativização desse direito (de
propriedade), que deixou de considerar-se absoluto. Essa mudança de
concepção caminhou paralelamente com o deslocamento do instituto do
Direito privado para o direito Público. Houve, desde cedo, a constitucionalização do direito de propriedade e, posteriormente, a
explicitação constitucional do conteúdo desse direito. Ademais, como
207 SANTOS, Antônio Jeová. Função social do contrato. 2.ed. São Paulo: Método, 2004, p.99. 208 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 2.ed. São Paulo: Método, 2006, p.88-116.
78
assinalam alguns autores, o direito de propriedade deixa de ser apenas um
direito individual, para figurar igualmente no capítulo constitucional relativo
à “ordem econômica”, como princípio constitucional-econômico, capaz de identificar um determinado sistema-econômico vigente.
209
A Constituição garante do direito de propriedade, mas desde que ela cumpra sua
função social, ou seja, a Constituição estabelece o regime jurídico da propriedade, cabendo à
legislação infraconstitucional regular o seu exercício e definir o conteúdo e limites desse
direito.210
Com o advento da Constituição de 1988 o direito de propriedade deixa de
ter sua regulamentação exclusivamente privatista, baseada no Código Civil,
e passar a ser um direito privado de interesse público, sendo as regras para seu exercício determinadas pelo Direito Público e pelo Direito Privado. Este
processo de publicização do direito de propriedade é fundamental para a
implementação da legislação referente à proteção do meio ambiente, que
impõe limites ao exercício daquele direito.211
Assim, conclui-se que o respeito à função social da propriedade faz parte da própria
estrutura desse direito, ou seja, constitui o fundamento do regime jurídico da propriedade, que
somente será assegurado quando ela cumprir sua função social. Ainda, é possível dizer que a
função social “[...] introduziu, na esfera interna do direito de propriedade, um interesse que
pode não coincidir com o do proprietário e que, em todo caso, é estranho ao mesmo [...]”.212
(grifo do autor).
A circunstância de a propriedade apresentar caráter dúplice, servindo ao individualismo e às necessidades sociais, impõe, pois, a necessidade de uma
compatibilização de conteúdos os diversos mandamentos constitucionais.
Enquanto direito individual (art. 5o, especificamente), o instituto da
propriedade como categoria genérica, é garantido, e não pode ser suprimido
da atual ordem constitucional. Contudo, seu conteúdo já vem parcialmente
209 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 2.ed. São Paulo: Método, 2006, p.150. 210 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 13.ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p.262-
263. 211 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Função Ambiental da Propriedade. Revista de Direito Ambiental. São
Paulo: RT, n.09, p.69, jan./mar.1998. 212 COLLADO, Pedro Escribano. La propriedad privada urbana: encuadramiento y régimen. Madrid:
Montecorvo, 1973, p.118-123 apud SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 13.ed.
São Paulo: Malheiros, 1997, p.274.
79
delimitado pela sua função social, assegurando-se a todos uma existência
digna nos ditames da justiça social.213
(grifo do autor)
A Constituição Federal, ao tratar da Ordem Econômica e Financeira, dá importante
contribuição para o entendimento do conteúdo constitucional do direito de propriedade, ao
estabelecer no Art. 170 que a ordem econômica tem por finalidade assegurar a todos a
existência digna conforme os ditames da justiça social, estabelecendo entre seus princípios
norteadores a propriedade privada (inciso II) e a função social da propriedade (inciso III).214
Da maneira como se encontra inserida na Constituição, denota-se que o exercício
econômico da propriedade não pode mais ser realizado tendo em vista apenas os interesses
individuais de seu proprietário, mas deve buscar agregar algo para sociedade, ajustando-se à
nova tábua de valores estabelecida pela Constituição Federal, na busca de uma existência
mais digna.
O Código Civil de 2002, acompanhando esta tendência de funcionalização, a par de
reconhecer o direito de propriedade, estabelece que também deva cumprir sua função social,
ao prescrever no §1º do Art. 1228, que ela deve ser exercida em consonância com suas
finalidades econômicas e sociais.
Além disso, no §4º do mesmo dispositivo, prescreve a possibilidade de expropriação,
para o assentamento de considerável número de pessoas que houverem realizado em extensa
área, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e economicamente
relevante.215
Neste ponto, importa destacar a relação existente entre contrato e propriedade, tanto
em seu aspecto econômico como jurídico, pois, sendo o contrato, por excelência, o meio de
circulação de riquezas na sociedade, dentre as quais a propriedade, as repercussões desta
refletirão naquele e vice-versa.
Com exceção da justiça social, a Constituição não se refere explicitamente à
função social do contrato. Fê-lo em relação à propriedade, em várias passagens, como no art. 170, quando condicionou o exercício da atividade
213 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 2.ed. São Paulo: Método, 2006, p.154. 214
BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.59. 215 Op.cit, p.239.
80
econômica à observância do princípio da função social da propriedade. A
propriedade é segmento estático da atividade econômica, enquanto o
contrato é seu segmento dinâmico. Assim, a função social da propriedade afeta necessariamente o contrato, como instrumento que a faz circular.
216
No campo econômico, é possível mencionar que os contratos devem ser realizados de
molde a proporcionar a redução dos custos de transação, ou seja, “[...] diminuindo o
desperdício de recursos na sociedade, e contribuindo para uma maior produtividade”,217
o que
acarretará uma exploração da propriedade mais eficiente.
Esta relação se reflete também no campo jurídico, pois, estando a função social da
propriedade prevista expressamente tanto na Constituição como na legislação ordinária, o
contrato também deverá ser compatibilizado e harmonizado com essas diretrizes, devendo,
assim, também cumprir sua função social, função esta, hodiernamente, expressamente
determinada pela legislação civil.218
Outro ponto relevante a destacar é que, da análise do Texto Constitucional, mais
especificamente os artigos 182 e 186, vislumbra-se que conteúdo da função social da
propriedade varia, em conformidade com a espécie de propriedade sob análise, ou seja, a
concepção para propriedade rural é uma, ao passo que para a propriedade urbana é outra,
diferenciação esta que também se reflete na função do contrato, cujo conteúdo pode variar de
acordo com a espécie de contrato sob análise.219
Desta forma, constata-se que o contrato, da mesma forma que a propriedade, deve
cumprir uma função social, uma vez que importante instrumento para a realização da
atividade econômica que, nos termos da Constituição Federal, deve realizar-se de forma a
compatibilizar o direito à livre iniciativa com a necessidade de respeito às questões sociais.
Infere-se, ainda, que nosso ordenamento não desconfigurou o instituto do contrato, ou
seja, não se apregoa que os contratos devam ser descumpridos em razão da função social. Os
contratos são realizados com vistas a seu fiel cumprimento, caso contrário haveria
insegurança jurídica para as relações negociais.
216
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípios sociais dos contratos no CDC e no novo Código Civil. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2796>. Acesso em: 29ago.2009. 217 FONSECA, Rodrigo Garcia da. A função social do contrato e o alcance do artigo 421 do Código Civil. Rio
de Janeiro: Renovar, 2007, p.82. 218 Op.cit, p.82-83. 219 Op.cit, p.83.
81
É importante destacar que, embora o contrato tenha uma função social a
cumprir, sua função econômica não foi afastada. De maneira que, ao mesmo
tempo em que deve haver a conciliação entre os interesses particulares e os da coletividade, os direitos individuais devem se respeitados, vez que
também protegidos constitucionalmente. O contrato continua um
instrumento eficaz na finalidade de possibilitar a circulação e acumulação de
riquezas, mas, da mesma forma que propriedade, atualmente é regulado e limitado, com o objetivo de alcançar sua função social.
220
O que se pretende, na verdade, é que o seu exercício seja realizado em observância aos
mandamentos constitucionais e os novos paradigmas adotados, como, por exemplo, a boa-fé
objetiva, impedindo-se que, de instrumento destinado a proporcionar a livre circulação de
riquezas na sociedade e proporcionar o desenvolvimento da atividade econômica, seja
transformado em instrumento de opressão do mais forte sobre o mais fraco.
2.3.2 Função social do contrato
O contrato deve cumprir uma função social, preceito expressamente consagrado no
Código Civil de 2002, considerado por alguns uma cláusula geral, cuja utilização em larga
escala é uma das características deste estatuto civil, que as inseriu de forma dispersa por todo
o seu texto, ao contrário do que ocorria com o Código Civil de 1916 que, não obstante
também as estabelecesse, eram em quantidade muito mais restrita.221
O Código Civil de 1916 não se utilizava muito desta espécie normativa devido à sua
inspiração no Código Civil francês que, com a finalidade de fortalecer a burguesia,
estabeleceu um conjunto normativo que não dava margens para uma ampla interpretação dos
juízes, os quais deveriam ater-se com maior destaque à interpretação literal da lei.222
A substituição do individualismo típico do Estado Liberal para o reconhecimento da
relevância dos valores sociais levou à necessidade de se atribuir uma maior amplitude para a
220
GOMES, Daniela Vasconcellos. Os princípios da boa-fé e da função social do contrato e a teoria contratual
contemporânea. Revista de Direito Privado. São Paulo: RT, abr./jun.2006, n.26, p.96. 221 FONSECA, Rodrigo Garcia da. A função social do contrato e o alcance do artigo 421 do Código Civil. Rio
de Janeiro: Renovar, 2007, p.15-16. 222 ALVIM, Arruda. A função social dos contratos no novo código civil. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT,
ano 92, v.815, p.20, set.2003.
82
interpretação do julgador, a fim de que este pudesse realizar uma interpretação teleológica da
lei e não apenas ater-se ao seu sentido literal.223
Referida necessidade possibilitou a alteração da técnica legislativa que, ao contrário do
que ocorria até então, não precisava descrever as condutas de formas tão detalhadas,
possibilitando, assim, a introdução das chamadas cláusulas gerais, as quais por “[...] não
conterem, deliberadamente, elementos definitórios mais exaurientes, demandam ou exigem o
preenchimento de espaços por obra da atividade jurisdicional à luz da conjuntura e das
circunstâncias presentes no momento de aplicação da lei [...]”.224
Preliminarmente, cumpre destacar a diferenciação realizada pela doutrina entre as
cláusulas gerais, os princípios gerais do direito e os chamados conceitos legais
indeterminados. Assim, as cláusulas gerais seriam:
[...] formulações contidas na lei, de caráter significativamente genérico e
abstrato, cujos valores devem ser preenchidos pelo juiz, autorizado para assim agir em decorrência da formulação legal da própria cláusula geral, que
natureza de diretriz. As cláusulas gerais contêm preceitos vagos no
antecedente (necessidade, grave dano, obrigação excessivamente onerosa, prestação manifestamente desproporcional, exceder manifestamente...), não
apresentando uma solução para o juiz. Será o magistrado que aplicará no
caso concreto a solução para aquele determinado caso, de acordo com as
circunstâncias próprias daquela situação fática específica.225
Por sua vez, os princípios gerais não se encontrariam positivados no ordenamento,
sendo utilizados pelo julgador para nortear a interpretação de uma norma, de um ato ou de um
negócio jurídico, ou seja, seriam “[...] regras estáticas que carecem de concreção. Têm como
função principal auxiliar o juiz no preenchimento das lacunas.226
E por fim, os conceitos legais indeterminados seriam:
223 ALVIM, Arruda. A função social dos contratos no novo código civil. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, ano 92, v.815, p.20-21, set.2003. 224 Op.cit, p.21. 225 SOARES, Renzo Gama. Breves comentários a função social dos contratos. In NERY, Rosa Maria Andrade
(coord.). Função do direito privado no atual momento histórico. São Paulo: RT, 2006, p.442. 226 NERY JR, Nelson. Contratos no código civil. In MARTINS FILHO, Ives Gandra, MENDES, Gilmar
Ferreira; FRANCIULLI NETTO, Domingos (org.). O novo código civil: estudos em homenagem ao professor
Miguel Reale. São Paulo: LTr, 2003, p.406 apud SOARES, Renzo Gama. Breves comentários a função social
dos contratos. In NERY, Rosa Maria Andrade (coord.). Função do direito privado no atual momento histórico.
São Paulo: RT, 2006, p.441-442.
83
[...] palavras ou expressões indicadas na lei, de conteúdo e extensão
altamente vagos, imprecisos e genéricos, e por isso mesmo esse conceito é
abstrato e lacunoso. Sempre se relacionam com a hipótese de fato posto em causa. Cabe ao juiz, no momento de fazer a subsunção do fato à norma,
preencher os claros e dizer se a norma atua ou não no caso concreto.
Preenchido o conceito legal indeterminado, a solução já está preestabelecida
na própria norma, sem exercer nenhuma função criadora.227
Desta forma, as cláusulas gerais se distinguiriam dos conceitos legais indeterminados
porque nestes a própria norma estabeleceria a solução para o caso concreto, ao passo que, nas
cláusulas gerais caberia ao juiz, no caso concreto, “criar” a solução mais adequada para a
questão apresentada, frisando-se que não se trata de uma atividade totalmente discricionária
do magistrado, uma vez que deverá fundamentar sua decisão, não lhe sendo conferido o poder
de atuar de forma contrária ao ordenamento constitucional ou infraconstitucional.
A introdução das cláusulas gerais, assim, possibilita ao intérprete e ao julgador, uma
maior liberdade para adequá-la à situação apresentada ao caso em concreto. Entretanto, sua
aplicação não pode desvencilhar-se dos demais princípios e regras existentes em nosso
ordenamento civil e constitucional.
Ao contrário, devem ser utilizadas de molde a harmonizá-los, interpretando-os
conjunta e sistematicamente, para conferir uma aplicação do direito de forma isonômica,
conferindo um determinado grau de previsibilidade e segurança jurídica.228
A função social do contrato, assim introduzida no Código Civil, pode ser considerada
como uma cláusula geral, que deve compatibilizar-se com as diretrizes trazidas pelo novo
Código, ou seja, com a eticidade, a socialidade e a operabilidade.
A eticidade está presente no Código Civil de 2002 e representa “[...] a característica da
norma de privilegiar o julgamento ético do operador do direito que aplicará a norma ao caso
concreto”,229
sendo possível também dizer que se apresenta:
227 NERY JR, Nelson. Contratos no código civil. In MARTINS FILHO, Ives Gandra, MENDES, Gilmar
Ferreira; FRANCIULLI NETTO, Domingos (org.). O novo código civil: estudos em homenagem ao professor
Miguel Reale. São Paulo: LTr, 2003, p.406 apud SOARES, Renzo Gama. Breves comentários a função social
dos contratos. In NERY, Rosa Maria Andrade (coord.). Função do direito privado no atual momento histórico.
São Paulo: RT, 2006, p.442. 228 FONSECA, Rodrigo Garcia da. A função social do contrato e o alcance do artigo 421 do Código Civil. Rio
de Janeiro: Renovar, 2007, p.11-20.
84
[...] consubstanciado na utilização constante de princípios, cláusulas gerais e
conceitos jurídicos indeterminados, os quais fazem referencias as expressões
cujos significados exigem uma atividade valorativa do julgador no tocante à aplicação da regra infraconstitucional e possibilitam a superação do apego ao
formalismo jurídico.230
Este se mostra muito importante na integração da norma jurídica, pois:
Quando o juiz integra a norma jurídica, como demonstrado anteriormente,
ele o faz com base também em seus princípios éticos. Esta liberdade foi
concedida exatamente pelo princípio da eticidade, que não se encontrava presente na codificação anterior, uma vez que a sociedade daquela época não
aceitava tais conceitos. O século XX foi primoroso em fazer o homem
reconhecer a importância da coletividade e, por tal razão, agir com mais
ética.231
A socialidade, por sua vez, busca “[...] preservar o sentido de coletividade muitas
vezes em detrimento de interesses individuais”,232
daí a função social do contrato. A
operabilidade, por sua vez, “[...] importa na concessão de maiores poderes hermenêuticos ao
magistrado, verificando, no caso concreto, as efetivas necessidades a exigir a tutela
jurisdicional”.233
Ou ainda, “[...] é princípio pelo qual os autores do Código tentaram colocar
as normas de forma mais prática possível. Foram dirimidas dúvidas comuns à comunidade
jurídica por meio de técnicas simples”.234
A função social do contrato se compatibiliza com a operabilidade, permitindo uma
evolução do instituto de acordo com a realidade prática que for se apresentando, já que é
conferido ao julgador um maior poder para a interpretação dos casos concretos,
229 SOARES, Renzo Gama. Breves comentários a função social dos contratos. In NERY, Rosa Maria Andrade (coord.). Função do direito privado no atual momento histórico. São Paulo: RT, 2006, p.442. 230 SOARES, Mário Lúcio Quintão; BARROSO, Lucas Abreu. Os princípios informadores do novo código civil
e os princípios fundamentais: lineamentos de um conflito hermenêutico no ordenamento jurídico brasileiro.
Revista de Direito Privado. São Paulo: RT, abr./jun. 2003, n.14, p.51. 231 SOARES, Renzo Gama. Op.cit, p.442-443. 232 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contratos. 11.ed. São
Paulo: Saraiva, 2009, v.I, p.51. 233 Op.cit, p.52. 234 SOARES, Renzo Gama. Op.cit, p.442.
85
harmonizando-se a solução com as demais normas, que devem ser aplicadas de forma
conjunta e sistemática.235
Também se compatibiliza, com o postulado da socialidade, uma vez que o contrato
deve ser analisado não apenas sob o enfoque individual, mas também sob o enfoque coletivo,
ou seja, considerando que também produz efeitos para a coletividade, mas devendo-se ter
sempre presente que a aplicação da função social, não pode representar uma negação à livre
iniciativa consagrada pela Constituição Federal como um dos fundamentos da ordem
econômica.236
As duas considerações acima representam também, de certa forma, respeito à
eticidade, pois, ao permitir a harmonização dos casos concretos a todo o sistema de normas,
analisando também o contrato sob o enforque coletivo, sem negar a existência da livre
iniciativa significa agir de forma ética.
Importante destacar também, que mesmo não estivesse consignada expressamente no
novo Código Civil, a função social do contrato já decorreria da própria interpretação de nossa
Constituição, pois esta consagra, ao lado da livre iniciativa, a necessidade de existência da
livre concorrência e, não bastasse isso, reconhece expressamente a função social da
propriedade, da qual decorre a função social do contrato, como alhures mencionado.
Assim, nos termos do Art. 421 do novo Código Civil, a função social do contrato
representa a razão e limite ao tradicional princípio da liberdade contratual, pois:
A função social do contrato, no artigo 421 do Código Civil, parece (sic)
expressa como fundamento que justifica a liberdade de contratar (“razão”),
ao mesmo tempo como fronteira dentro da qual este liberdade pode se manifestar (“limites”). A liberdade de contratar estaria condicionada pela
função social do contrato.237
A livre iniciativa, reconhecida constitucionalmente, fundamenta a liberdade contratual,
pois é na atividade econômica que este princípio se manifesta. Porém, ao exercê-la, não pode
235 FONSECA, Rodrigo Garcia da. A função social do contrato e o alcance do artigo 421 do Código Civil. Rio
de Janeiro: Renovar, 2007, p.11-16. 236 Op.cit, p.23-28. 237 Op.cit, p.29-30.
86
o agente econômico frustrar outros princípios também garantidos constitucionalmente, como a
livre concorrência e o respeito às questões sociais.
Neste ponto revela-se a importância da função social, pois, não se concebe que o
contrato seja utilizado apenas como instrumento para a satisfação dos interesses individuais
dos contratantes, embora estes também sejam considerados, mas também deve ser utilizado
para agregar algo para a coletividade.
Como se vê, a atribuição de função social ao contrato não vem impedir que as pessoas naturais ou jurídicas livremente o concluam, tendo em vista a
realização dos mais diversos valores. O que se exige é apenas que o acordo
de vontades não se verifique em detrimento da coletividade, mas represente
um dos seus meios primordiais de afirmação e desenvolvimento.238
A função social do contrato apresenta grande abertura semântica, sendo conceito
aberto que não pode ser delimitado a priori, podendo representar, como visto, uma cláusula
geral, que confere ao julgador um grande poder para a apreciação dos casos concretos.
Não é possível descurar, porém, para o fato de que a função social do contrato deve ser
compatibilizada com a livre iniciativa e demais princípios de nosso ordenamento, razão pela
qual deve ser procurada uma delimitação para seu conteúdo, a fim de se evitar abusos e a
inviabilização da atividade econômica.
A função social do contrato, da mesma forma que a função social da propriedade,
integra o conteúdo do contrato, mas sua delimitação deve ser verificada caso a caso, de acordo
com a espécie de contrato que se está sendo analisado, pois, um contrato que trata de relações
de consumo, por exemplo, onde se presume a vulnerabilidade do consumidor, não pode ser
analisado da mesma forma que o contrato celebrado entre duas grandes empresas.
Na busca de sua delimitação, alguns autores entendem que a função social pode se
manifestar de duas maneiras, tanto no aspecto interno do contrato, ou seja, no que diz respeito
às partes contratantes, como no aspecto externo, ou seja, sob os reflexos que pode ocasionar
238 REALE, Miguel. A função social do contrato. Disponível em:
<http://www.miguelreale.com.br/artigos/funsoccont.htm>. Acesso em: 04set.2009.
87
na sociedade.239
Assim, tendo em vista sua importância para a compreensão do tema, serão
analisados nos tópicos que se seguem.
a) Função social – aspecto interno
A função social do contrato é uma realidade em nosso ordenamento, auferida tanto de
uma análise do Texto Constitucional, principalmente da função social da propriedade da qual
é um reflexo imediato, como dos fundamentos e princípios da ordem econômica. Não bastasse
isso, hoje vem expressamente consignada no Código Civil de 2002.
É preciso, assim, delimitar os contornos em que deve ser entendida, para que não se
tenha uma interpretação que inviabilize a atividade econômica, pois a liberdade de iniciativa é
garantida pela Constituição Federal, nem torne o contrato um instrumento de opressão do
mais forte sobre o mais fraco, em respeito aos valores sociais também garantidos.
O reconhecimento do aspecto interno da função social do contrato não é aceito por
todos os doutrinadores. Alguns deles, como Humberto Theodoro Junior, reconhecem apenas
seu aspecto externo, entendendo que o aspecto interno seria analisado com base no princípio
da boa-fé.240
Entretanto, é preciso compreender que “[...] o que acontece dentro de uma relação
contratual, mesmo que não afete diretamente terceiros, tem o potencial de propagar efeitos por
toda a sociedade. Logo, tem repercussões sociais”.241
Assim, reconhece-se que pode incidir
também no aspecto interno.
Reconhecer este aspecto interno implica, todavia, tomar a cautela de não defini-lo de
modo tão amplo a torná-lo excessivamente fluido, ou seja, um instrumento que possibilite
239
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contratos. 3.ed. São
Paulo: Saraiva, 2007, v.IV, t.1, p.46. 240 THEODORO JUNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. 3.ed. Rio de janeiro: Forense, 2008, p.31-
38. 241 FONSECA, Rodrigo Garcia da. A função social do contrato e o alcance do artigo 421 do Código Civil. Rio
de Janeiro: Renovar, 2007, p.72.
88
uma ampla e desmesurada intervenção no conteúdo dos contratos que traga uma situação de
insegurança e imprevisibilidade para as relações jurídicas.242
O contrato, então, existe para propiciar circulação da propriedade e
emanações desta, em clima de segurança jurídica. Assegurada esta função
sócio-econômica, pode-se cogitar de sua disciplina e limitação. Não se pode,
contudo, a pretexto de regular a função natural, impedi-la. A função social é um plus que se acrescenta à função econômica. Não poderá jamais ocupar o
lugar da função econômica no domínio do contrato.243
Este aspecto interno vem também corroborado pelos Enunciados n. 22 e n. 23
aprovados durante a I Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos da Justiça
Federal, onde se reconheceu que a função social do contrato assegura a realização de trocas
úteis e justas, além de ser um limitador do princípio da autonomia da vontade.244
Entretanto, como mencionado acima, não se pode conferir à função social do contrato
uma dimensão tão ampla que venha a justificar uma desmesurada intervenção no conteúdo do
contrato, inviabilizando sua primordial função que é a de promover a circulação das riquezas
na sociedade, embora não seja possível desconsiderar a situação de desigualdade entre as
partes que ocorrem em algumas espécies de contratações, notadamente, nas relações de
consumo.
Por isso, em seu aspecto interno, a função social precisa ser compreendida em relação
às normas de ordem pública editadas com a finalidade de proteger o contratante mais fraco, na
tentativa de restabelecer o equilíbrio do contrato, intervenção esta que pode se verificar antes
dos contratos serem firmados, numa intervenção que se opera diante da atuação do legislativo,
o que vem a conferir maior previsibilidade para os agentes econômicos que saberão de
antemão o que é ou não proibido.245
Podem ser mencionados, nesta esteira, os institutos da revisão do contrato por
onerosidade excessiva, da lesão e do estado de perigo, os quais apesar de conterem conceitos
242 FONSECA, Rodrigo Garcia da. A função social do contrato e o alcance do artigo 421 do Código Civil. Rio
de Janeiro: Renovar, 2007, p.58. 243
THEODORO JUNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. 3.ed. Rio de janeiro: Forense, 2008,
p.118. 244 BRASIL. Portal da Justiça Federal: Conselho da Justiça Federal. I Jornada de Direito Civil. Disponível em:
<http://daleth.cjf.jus.br/revista/enunciados/IJornada.pdf>. Acesso em: 16maio2009. 245 FONSECA, Rodrigo Garcia da. A função social do contrato e o alcance do artigo 421 do Código Civil. Rio
de Janeiro: Renovar, 2007, p.61-65.
89
abertos, uma vez que não é possível determinar de antemão, por exemplo, o que seria uma
extrema vantagem ou uma premente necessidade, não podem ser interpretados de forma
desarrazoada, devendo ser demonstrada sua adequação aos requisitos legais autorizadores da
incidência dos institutos.246
Por isso se diz que a função social do contrato funciona como uma diretriz
interpretativa dos outros institutos jurídicos, pois, da mesma forma que a propriedade, a
função social do contrato possui um conteúdo que varia de acordo com a espécie de contrato
de que se está tratando, não sendo possível a mesma interpretação quando se está diante de
um contrato de índole civil em que figuram com partes dois grandes empresários, ou quando
se está diante de um contrato de consumo, onde o ordenamento reconhece a vulnerabilidade
do consumidor.247
b) Função social – aspecto externo
Analisada a função social do contrato em seu aspecto interno, ou seja, naquilo que diz
respeito à relação entre as partes contratantes, cumpre agora analisar seu aspecto externo, ou
seja, seu papel ultra partes, o que para alguns seria uma eficácia social do contrato.248
Para a
compreensão deste aspecto é preciso ter em mente que o contrato não pode mais ser
concebido como algo que interessa apenas às partes contratantes, sem quaisquer reflexos para
a coletividade.
A idéia de função social do contrato está claramente determinada pela
Constituição Federal, ao fixar, como um dos fundamentos da República, o
valor social da livre iniciativa (art. 1º, inc. IV); esta disposição impõe, ao jurista, a proibição de ver o contrato como um átomo, algo que somente
interessa às partes, desvinculado de tudo o mais. O contrato, qualquer
contrato, tem importância para toda a coletividade e essa asserção, pro força da Constituição, faz parte hoje, do ordenamento positivo brasileiro – de
246 FONSECA, Rodrigo Garcia da. A função social do contrato e o alcance do artigo 421 do Código Civil. Rio
de Janeiro: Renovar, 2007, p.67. 247 Op.cit, p.68. 248 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Função social do contrato: os novos princípios contratuais. São Paulo:
Saraiva, 2004, p.132.
90
resto, o art. 170, caput, da Constituição da República, de novo, salienta o
valor geral, para ordem econômica, da livre iniciativa.249
(grifos do autor)
De fato, o contrato, configura importante instrumento para a circulação de riquezas na
sociedade, sendo idealizado para ser cumprido, respeitando-se os interesses das partes
contratantes, não se configurando lícito que elas, sem qualquer fundamento, deixem de
cumprir o pactuado. Entretanto, o postado da liberdade contratual não pode ser utilizado como
subterfúgio para as partes prejudicarem outras pessoas não intervenientes diretamente na
avença ou que terceiros interfiram na execução do contrato.250
Assim, o aspecto externo da função social do contrato se refere aos impactos que
possa provocar aos terceiros não contratantes, impactos que podem se produzir tanto de
dentro para fora, ou seja, os benefícios ou prejuízos que o contrato pode trazer a terceiros, ou
de fora para dentro, nos benefícios ou prejuízos que os terceiros podem ocasionar aos
contratantes.251
Nesta ótica, sem serem partes do contrato, terceiros têm de respeitar seus
efeitos no meio social, porque tal modalidade de negócio jurídico tem
relevante papel na ordem econômica indispensável ao desenvolvimento e aprimoramento da sociedade. Têm também os terceiros direito de evitar
reflexos danosos e injustos que o contrato, desviado de sua natural função
econômica e jurídica, possa a ter na esfera de quem não participou de sua pactuação.
252
A relatividade dos efeitos do contrato representa um tradicional dogma da teoria
contratual, concebendo-se que o contrato não poderia beneficiar ou prejudicar terceiros que
não tivessem participado da avença, concepção que, mesmo naquela época do Código Civil de
1916, já apresentava exceções.
249 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Princípios do novo direito contratual e desregulamentação do mercado –
direito de exclusividade nas relações contratuais de fornecimento – função social do contrato e responsabilidade
aquiliana do terceiro que contribui para inadimplemento contratual. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, v.750,
p.116, abr.2008. 250 FONSECA, Rodrigo Garcia da. A função social do contrato e o alcance do artigo 421 do Código Civil. Rio
de Janeiro: Renovar, 2007, p.223. 251 Op.cit, p.39. 252 THEODORO JUNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. 3.ed. Rio de janeiro: Forense, 2008, p.32.
91
Entretanto, diante da concepção contemporânea de contrato, a relatividade dos efeitos
não pode ser analisada nos mesmos moldes em que foi concebida, tendo em vista que os
contratos podem refletir sobre a esfera jurídica de terceiros e que os terceiros não pode atuar
de forma a prejudicar o fiel cumprimento dos contratos, provocando uma maior relativização
deste postulado.253
Este entendimento vem reforçado pelo Enunciado n. 21, proferido durante a I Jornada
de Direito Civil, onde se reconhece que a função social do contrato é uma “[...] cláusula geral
que impõe uma revisão ao princípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação a
terceiros, implicando a tutela externa do crédito”,254
o que vem corroborado pelo Art. 608 do
novo Código Civil que prescreve a possibilidade do terceiro vir a indenizar quando realizar o
aliciamento de uma das partes contratantes.255
Para a compreensão deste aspecto externo, é preciso destacar, em primeiro lugar,
aquelas situações em que a própria legislação expressamente reconhece a possibilidade de o
contrato afetar terceiros estranhos ao negócio, excepcionando o princípio da relatividade,
como na estipulação em favor de terceiros, hipótese prescrita tanto no Código Civil de 1916
(Art. 1.098) como no Código Civil de 2002 (Art. 436), na qual “[...] uma parte convenciona
com o devedor que este deverá realizar determinada prestação em benefício de outrem, alheio
à relação jurídica-base”.256
Porém, é na possibilidade de reflexos dos contratos a terceiros fora dessas hipóteses
expressamente consagradas na lei, que reside o aspecto mais importante da função social do
contrato, pois “[...] a nova teoria contratual impõe, antes, e posto que sem essa igual
exigibilidade da prestação principal contratada, uma expansão da eficácia de qualquer
entabulação”.257
(grifos do autor)
253 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Princípios do novo direito contratual e desregulamentação do mercado –
direito de exclusividade nas relações contratuais de fornecimento – função social do contrato e responsabilidade
aquiliana do terceiro que contribui para inadimplemento contratual. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, v.750, p.116, abr.2008. 254 BRASIL. Portal da Justiça Federal: Conselho da Justiça Federal. I Jornada de Direito Civil. Disponível em:
<http://daleth.cjf.jus.br/revista/enunciados/IJornada.pdf>. Acesso em: 16maio2009. 255
FONSECA, Rodrigo Garcia da. A função social do contrato e o alcance do artigo 421 do Código Civil. Rio
de Janeiro: Renovar, 2007, p.48. 256 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contratos. 3.ed. São
Paulo: Saraiva, 2007, v.IV, t.1, p.101-102. 257 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Função social do contrato: os novos princípios contratuais. São Paulo:
Saraiva, 2004, p.137.
92
Assim, referindo-se aos terceiros ao vínculo contratual, surge a chamada tutela externa
do crédito, mencionada no enunciado acima, significando que os direitos do credor, quando
constituídos de forma legítima por meio do vínculo contratual, não podem vir a ser
prejudicados por atitude de terceiros cientes deste vínculo, pois, preservar os resultados úteis
do contrato é dever não só das partes contratantes, mas também de toda a sociedade.258
O terceiro que se alia a uma das partes, influenciando para que o contrato não seja
cumprido, atua como terceiro cúmplice, devendo ser responsabilizado pelos danos causados a
outra parte, responsabilidade esta considerada aquiliana, teoria esta que encontra fundamento
no Art. 608 do Código Civil, que também é conhecida no direito norte americano sob a
denominação de Intencional Interference with Performance of Contract by Third Person:259
One Who intentionally and improperly interferes with the performance of a
contract (expect a contract to marry) between another and a third person by inducing or otherwise causing the third person not to perform the contract, is
subject to liability to the other for the pecuniary loss resulting from failure of
the third person to perform the contract.260
Assim, a função social do contrato obriga “[...] os terceiros a aceitarem e respeitarem a
existência do vínculo contratual, de forma a prestigiar a conservação do contrato e permitir
que este atinja os fins aos quais se destina, a partir dos objetivos perseguidos pelas partes na
contratação original”.261
Com relação à proteção dos terceiros estranhos ao contrato, existem aquelas hipóteses
em que os contratos possuem cláusulas com potencialidade de causar danos para a
coletividade, atingindo terceiros que não são parte, ou seja, aqueles que podem atingir
indeterminada quantidade de pessoas, como, por exemplo, nos contratos de consumo, onde
existe a figura do by stander.262
258 FONSECA, Rodrigo Garcia da. A função social do contrato e o alcance do artigo 421 do Código Civil. Rio
de Janeiro: Renovar, 2007, p.52. 259 RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. A doutrina do terceiro cúmplice: a autonomia da vontade, o princípio
res inter alios acta, a função social do contrato e a interferência alheia na execução dos negócios jurídicos.
Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, v.821, p.92-95, mar.2008. 260 Op.cit, p.93. 261 FONSECA, Rodrigo Garcia da. Op.cit, p.53. 262 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Função social do contrato: os novos princípios contratuais. São Paulo:
Saraiva, 2004, p.143-144.
93
É possível mencionar ainda, os chamados contratos coligados, ou seja, aqueles “[...]
ajustes independentes e inter-relacionados que, podendo vincular pessoas diversas, podem
bem fazer-lhes oponível um contrato de que não fizeram parte”,263
bem como a contratação
coletiva, criando obrigações para aquelas partes que não intervieram na avença, como
acontece nas relações de consumo e o contrato compulsório como, por exemplo, a renovação
compulsória do contrato de locação, em que se preserva o negócio e os empregos, além de
estimular a economia.264
No caso das relações de consumo, o Código de Defesa do Consumidor estabelece as
hipóteses de responsabilidade do fornecedor por acidente de consumo e por vício do produto
ou do serviço, nas quais, havendo danos ou prejuízo ao consumidor, a responsabilidade será
objetiva, independente de culpa do fornecedor.265
Referido preceito é complementado pelo
Art. 931 do novo Código Civil, onde se prescreve que os empresários respondem
objetivamente pelos danos causados por seus produtos postos em circulação.266
Assim, é importante compreender que a função social do contrato reclama uma nova
interpretação do postulado da relatividade dos efeitos dos contratos, pois o contrato não pode
mais ser considerado como se proporcionasse efeitos apenas para as partes contratantes, mas
que se insere no meio social, provocando efeitos ultra partes, mesmo naquelas hipóteses não
expressamente previstas na legislação.267
Por todo o exposto, constata-se que, hodiernamente, o contrato possui uma nova
roupagem, devendo, nos mesmos termos em que ocorreu com a com a propriedade, cumprir
uma função social, função esta que decorre implicitamente da Constituição Federal e que vem
prescrita expressamente no Código Civil de 2002. A função social do contrato, assim, vem
constituir o fundamento do regime jurídico deste instituto, introduzindo um elemento que não
existia em sua concepção clássica, uma vez que preocupado apenas com os interesses
individuais das partes contratantes.
Os exatos limites dessa função social não foram definidos pela legislação
infraconstitucional, pois o Código Civil de 2002, apenas a prescreve com uma cláusula geral,
263 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Função social do contrato: os novos princípios contratuais. São Paulo:
Saraiva, 2004, p.147. 264 FONSECA, Rodrigo Garcia da. A função social do contrato e o alcance do artigo 421 do Código Civil. Rio
de Janeiro: Renovar, 2007, p.235. 265 Op.cit, p.145-146. 266 Op.cit, p.229-230. 267 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Op.cit, p.151.
94
cujo conteúdo varia caso a caso, cabendo ao julgador, diante do caso concreto, concretizá-la
para melhor solução da questão que lhe for apresentada. Em razão disso, é preciso
compreendê-la em seus devidos termos, a fim de que, a pretexto de concretização desta
função, não seja inviabilizada a atividade econômica no país, a qual é constitucionalmente
assegurada, posta que a liberdade de iniciativa é um dos princípios da ordem econômica.
Analisando-se o conteúdo da função social, denota-se que se reflete no aspecto interno
da relação contratual, representando uma limitação à liberdade de contratar. Esta limitação
encontra-se presente em diversos dispositivos legais, como por exemplo, as disposições do
Código Civil, que estipulam a nulidade de cláusulas que estabeleçam renúncia antecipada a
direito resultante da natureza do negócio, bem como a hipótese de resolução do contrato por
onerosidade excessiva.
O Código de Defesa do Consumidor é pródigo em limitações à liberdade contratual,
mencionando-se a nulidade de pleno direito das cláusulas consideradas abusivas, bem como a
possibilidade de modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações
desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem
excessivamente onerosas.
Este aspecto interno da função social do contrato reflete-se também, na interpretação
dos contratos, fornecendo subsídios para que o contrato seja interpretado de modo a proteger a
parte mais fraca da relação contratual, proporcionando o restabelecimento do equilíbrio do
contrato.
O aspecto externo da função social do contrato apresenta-se como instrumento para
redimensionar o tradicional dogma da relatividade de seus efeitos, pois, o contrato, embora
celebrado entre as partes contratantes, acaba gerando reflexos em outras pessoas que não
participaram diretamente da avença, as quais podem opor-se ao contrato para que não lhes
venha a causar prejuízo, ou que estes terceiros abstenham-se de condutas que possam vir a
frustrar o normal desenvolvimento do contrato e sua primordial função.
Este aspecto da função social do contrato pode ser auferido dos expressos preceitos
legais que reconhecem os efeitos do contrato para além das partes contratantes, como o Art.
436 do Novo Código Civil (Art. 1.098, CC/1916), bem como para aquelas hipóteses em que
não existe esta expressa menção, sendo estas últimas o aspecto mais importante da função
social do contrato.
95
Os terceiros devem respeitar o contrato entabulado entre as partes, para que ele possa
proporcionar a circulação de riquezas na sociedade. As partes também devem respeitar os
terceiros, não agindo de modo a prejudicá-los, o que revela sua importante nos contratos de
consumo, onde é comum a existência de cláusulas que possuem a potencialidade de causar
danos para a coletividade.
A delimitação do conteúdo da função social, tanto seu aspecto interno, como em seu
aspecto externo, caberá ao julgador, que exerce um importante papel nessa concretização,
pois, diante do caso concreto deverá estabelecer o conteúdo dessa função social, de molde a
realizar a compatibilização entre a liberdade de iniciativa e as questões sociais.
Assim, em face da exigência da função social do contrato, este instituto não pode mais
ser visualizado da maneira como tradicionalmente constituído, pois os postulados tradicionais
do direito privado apresentam-se de forma mais relativizada, destacando-se neste ponto, a
liberdade contratual e a relatividade dos efeitos dos contratos, de molde que o julgador ao
analisar o contrato, não pode mais olvidar que os contratos, embora celebrados entre duas
partes originais, seus efeitos podem refletir-se para terceiras pessoas que não fazem parte da
avença.
2.4 VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR
A preocupação com a igualdade é algo buscado desde épocas remotas, destacando-se a
revolução francesa, onde este ideal foi consagrado com a edição do Código Civil
Napoleônico. Porém, a igualdade defendida era apenas formal, o que relevou não ser
suficiente para tutelar os interesses das pessoas em face das posteriores alterações ocorridas,
demonstrando-se a existência de uma desigualdade real entre as partes, sendo necessária a
busca de uma igualdade material.268
Devido à sua repercussão para a sociedade, a própria Organização das Nações Unidas
(ONU) preocupou-se com a defesa do consumidor: em 1969, por meio da Resolução n. 2.542,
foi proclamada a Declaração das Nações Unidas sobre o Progresso e Desenvolvimento Social;
em 1973, o reconhecimento dos direitos fundamentais do consumidor; e, em 1985, seu avanço
268 KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do Consumidor. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.30.
96
mais significativo, com a Resolução n. 39/248, com o estabelecimento de normas cuidando
minuciosamente da proteção do consumidor.269
Nesta esteira, a Constituição Federal de 1998, no Art. 5º, além de reconhecer, dentre
os direitos fundamentais, a igualdade de todos perante a lei, prescreveu instrumentos para a
concretização desta igualdade, ou seja, para a busca da igualdade material, destacando-se o
inciso XXXII, onde se prescreve que o Estado deverá promover a defesa do Consumidor.
Não bastasse isso, ao disciplinar sobre a ordem econômica e financeira, apesar de
assegurar a liberdade de iniciativa, estabeleceu que a atividade econômica devesse ter por fim
a busca de uma vida digna para a população, por meio de alguns princípios, dentre os quais
aparece novamente a defesa do consumidor.
A preocupação do constituinte com o consumidor, não se resumiu a estas normas,
posto que, pelo Art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, houve a
determinação para a elaboração de um Código de Defesa do Consumidor, que culminou com
a edição da Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC), logo no Art. 1º, apresenta o alcance de
suas normas, prescrevendo serem destinadas à proteção e defesa do consumidor, sendo de
ordem pública e interesse social, significando, assim, que seus preceitos “[...] são
inderrogáveis por vontade dos interessados em determinada relação de consumo, embora se
admita a livre disposição de alguns interesses de caráter patrimonial, como por exemplo, ao
tratar o Código da convenção coletiva de consumo em seu art. 107 [...]”.270
Neste ponto, apenas a título de argumentação, causa espanto o teor da Súmula 381
expedida pelo Superior Tribunal de Justiça, ao estabelecer que “[...] nos contratos bancários, é
vedado ao julgador conhecer, de ofício da abusividade das cláusulas”.271
Analisando referida Súmula, constata-se que realiza uma a interpretação
manifestamente contra legem, do mencionado Art. 1º, que prescreve que as normas do CDC
269 ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1993, p.04. 270
FILOMENO, José Geraldo Brito. Capítulo I – Disposições Gerais. In GRINOVER, Ada Pellegrini, et al.
Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: FU,
1999, p.24. 271 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/doc.jsp?livre=%40docn&&b=SUMU&p=true&t=&l=10&i=36>. Acesso
em: 01mar.2010.
97
são de ordem pública e interesse social, assim sendo, a nulidade de cláusulas contratuais –
mesmo que em contratos bancários – poderia ser conhecida de ofício pelo juiz.
Ressalte-se, ainda, que a questão da submissão dos contratos bancários às normas dos
CDC já havia sido pacificada pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADI
n. 2.591 proposta pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro, que pretendia excluir
de sua incidência as operações de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária,
prevista no § 2º e Art. 3º do mesmo estatuto, julgando improcedente referida ação.272
Não bastasse isso, o próprio Superior Tribunal de Justiça havia editado anteriormente
a Súmula n. 297, que enuncia: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às
instituições financeiras”.273
A proteção do consumidor deveu-se à constatação de ser ele o elo mais fraco da
relação de consumo, razão pela qual deveria ser protegido para que se pudesse garantir um
equilíbrio de forças entre as partes e realizar-se a igualdade material.274
Segundo Marcelo Amaral da Silva275
o “[...] entendimento da igualdade material deve
ser o de tratamento eqüânime e uniformizado de todos os seres humanos, bem como a sua
equiparação no que diz respeito às possibilidades de concessão de oportunidades” ao passo
que a igualdade formal “[...] seria a pura identidade de direitos e deveres concedidos aos
membros da coletividade através dos textos legais”.
Nossas constituições, desde o Império, inscreveram o princípio da
igualdade, como igualdade perante a lei, enunciado que, na sua literalidade, se confunde com isonomia formal, no sentido de que a lei e sua aplicação
tratam a todos igualmente, sem levar em conta as distinções de grupos. A
compreensão do dispositivo vigente, nos termos do art. 5º, caput, não deve
ser assim tão estreita. O intérprete há que aferi-lo com outras normas constitucionais, conforme apontamos supra e, especialmente, com as
exigência de justiça social, objetivo da ordem econômica e da ordem
social.276
(grifos do autor)
272 NUNES, Luís Antônio Rizzato. A ADIn dos bancos terminou: a vitória da cidadania. Disponível
em:<http://www.saraivajur.com.br>. Acesso em: 22set.2008. 273 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.1799. 274 RAGAZZI, José Luiz; HONESKO, Raquel. Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2009, v.1, p.50. 275 SILVA, Marcelo Amaral da. Digressões acerca do princípio constitucional da igualdade. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4143>. Acesso em: 23fev.2010. 276 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 13.ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p.209.
98
Sobre essas outras normas constitucionais José Afonso da Silva esclarece que:
Reforça o princípio com muitas outras normas sobre a igualdade ou
buscando a igualização dos desiguais, pela outorga de direitos sociais
substanciais. Assim é que, já no mesmo art. 5º, I, declara que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Depois, no art. 7º, XXX e
XXXI, vêm regras de igualdade material, regras que proíbem distinções
fundadas em certos fatores, ao vedarem diferença entre salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor
ou estado civil e qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de
admissão do trabalhador portador de deficiência.277
(grifos do autor)
Em razão disso, o Art. 4º do CDC, ao prescrever a Política Nacional das Relações de
Consumo, estabelece a obrigação de que ela busque o atendimento das necessidades dos
consumidores, bem como a harmonia das relações de consumo, devendo respeito a alguns
princípios, enumerando em primeiro lugar, o reconhecimento de sua vulnerabilidade.
A vulnerabilidade do consumidor é reconhecida pelo próprio legislador constituinte,
pois reconhece que, na busca da igualdade material, algumas pessoas merecem tratamento
diferenciado pela própria Constituição, tratamento este que também deve realizar-se pelo
aplicador da lei e pelo legislador infraconstitucional. 278
O reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor e o estabelecimento de
instrumentos para sua proteção representam, em última análise, a concretização do comando
constitucional esculpido no Art. 3º, no sentido de que seja assegurada a dignidade da pessoa
humana, pois:
Com a introdução do CDC, estabeleceu-se um novo referencial normativo,
fomentador de uma pululante e auspiciosa jurisprudência, mais consentânea com as hodiernas exigências de fortalecimento do indivíduo-consumidor
frente às realidades e vicissitudes do mercado e da vida, dando maior
concreção ao princípio da dignidade da pessoa humana e à solidariedade qe lhe é devida também na seara econômica.
279
277 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 13.ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p.206-
207. 278 NUNES, Luís Antônio Rizzato. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2008, p.36. 279
PETTER, Rafael Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance
do art. 170 da Constituição Federal. 2.ed. São Paulo: RT, 2008, p.261.
99
Assim, assegurando-se o consumidor em face das vicissitudes do mercado de consumo
lhe é assegurada sua dignidade como pessoa humana, neste caso pessoa-consumidor o que
também propicia a efetivação de sua igualdade nas relações de consumo, possibilitando que a
ordem econômica promova o desenvolvimento econômico sem se esquecer do
desenvolvimento do indivíduo socialmente considerado.
2.4.1 O consumidor vulnerável
Consultando os léxicos, tem-se que vulnerabilidade é a “[...] qualidade ou estado de
vulnerável”280
ou, doutrinariamente, a qualidade “[...] daquele que está suscetível, por sua
natureza, a sofrer ataques. No Direito, vulnerabilidade é o princípio segundo o qual o sistema
jurídico brasileiro reconhece a qualidade do agente mais fraco na relação de consumo.”281
O Código de Defesa do Consumidor, ao tratar da Política Nacional das Relações de
Consumo em seu Art. 4º, expressamente reconheceu a vulnerabilidade do consumidor como
um de seus princípios norteadores, princípio considerado basilar para a defesa do consumidor,
sendo que, no entendimento de Rizzato Nunes, estaria implicitamente inserido no próprio
Texto Constitucional:
Da mesma forma é de observar que a Constituição reconhece a
vulnerabilidade do consumidor. Isto porque, nas oportunidades em que a
Carta magna manda que o Estado regule as relações de consumo ou quando põe limites e parâmetros para a atividade econômica, não fala simplesmente
em consumidor ou relações de consumo. O Texto constitucional refere-se à
defesa do consumidor, o que pressupõe que este necessita mesmo de
proteção.282
Importante esclarecer que a defesa do consumidor não representa um embate entre o
setor de produção e o setor de consumo, mas sim, um meio de harmonizar os interesses
envolvidos, tanto que, apesar de almejar o atendimento das necessidades dos consumidores,
280 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 2.ed. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p.1792. 281 BRITO, Alírio Maciel de Lima de; DUARTE, Haroldo augusto da Silva Teixeira. O princípio da
vulnerabilidade e a defesa do consumidor no direito brasileiro: origem e conseqüências nas regras
regulamentadoras dos contratos e da publicidade. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8648>. Acesso em: 13set.2008. 282 NUNES, Luís Antônio Rizzato. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2008, p.36.
100
preocupa-se também “[...] com a transparência e harmonia das relações de consumo, de molde
a pacificar e compatibilizar os interesses eventualmente em conflito”.283
O reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, também não representa uma
afronta ao princípio da isonomia consagrado na Constituição Federal, pelo contrário,
representa justamente sua efetivação no plano das relações de consumo, pois “[...] a regra da
igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se
desigualam”.284
A inserção em nosso ordenamento de instrumentos mais eficazes para a concretização
do princípio da igualdade contribuiu para uma nova visualização do contrato individual,
atribuindo-lhe uma dimensão mais social, tendo em vista a expressa menção feita em nosso
Código Civil acerca da função social do contrato, havendo a agregação de efeitos sociais que
se relutavam em reconhecer.285
Por meio do CDC o Estado estabeleceu regras para promover o restabelecimento do
equilíbrio da relação contratual, pois, é notório que numa relação de consumo, o consumidor é
o ente mais fraco, já que é o fornecedor quem detém as informações, técnicas e científicas,
sobre as regras de produção, é o especialista em seu ramo de atividade e o consumidor, muitas
vezes, não tem acesso a essas informações ou, diante da dinamicidade das relações atuais, não
lhe despertada a curiosidade em conhecê-las.286
O consumidor, em sua acepção ampla, é aquele sujeito que se utiliza do
fornecimento de produtos ou da prestação de serviços, de tal modo que sua
situação é de submissão ao poder dos fornecedores, já que a escolha de bens de consumo não poderá exceder ao que se oferece no mercado. E é,
justamente, essa submissão que originou e fundamentou a criação deste
princípio [vulnerabilidade], de onde se parte do pressuposto de que o
consumidor depende dos empresários, fornecedores, dentre outros, para a manifestação de sua vontade, o que inevitavelmente o torna a parte mais
frágil da relação em estudo.287
283 ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1993, p.10. 284
BARBOSA, Rui. Oração aos moços. Disponível em: <http://www.culturabrasil.pro.br/aosmocos.htm>.
Acesso em: 28set.2009. 285 RAGAZZI, José Luiz. A intervenção de terceiros fornecedores no Código de Defesa do Consumidor. Bauru:
Edite, 2006, p.107. 286 Op.cit, p.110. 287 Op.cit, p.110.
101
A vulnerabilidade se relaciona com a idéia de hipossuficiência, porém, diante do que
estabelece o CDC, é possível distingui-las, no sentido de que a vulnerabilidade se refere a
todos os consumidores, considerando-a como um conceito de direito material, sobre o qual
paira uma presunção absoluta, bastando que se trate de um consumidor não profissional.288
Por sua vez, a hipossuficiência seria um conceito de direito processual, que se refere a
alguns consumidores individual e particularmente considerados, incidindo, regra geral, uma
presunção relativa, admitindo-se prova em contrário, mencionando-se como exemplo o Art.
6º, VII, do CDC, que possibilita a inversão do ônus da prova em favor do consumidor, desde
que demonstrada sua hipossuficiência e a verossimilhança de sua alegação.289
Por não ser o especialista no produto ou serviço que está adquirindo, por não
conhecer profundamente esse produto ou serviço – enquanto o fornecedor tem o dever de ser um especialista no que fornece – o consumidor adentra na
relação de consumo muito menos aparelhado para contratar, ou seja, com
uma natural vulnerabilidade para a contratação. Esse traço comum à praticamente todos os consumidores, que faz deixá-los em certa
inferioridade quando da contratação, pode, porém, tornar-se ainda mais
agravado para uma parcela deles, no caso, aqueles que sejam portadores de determinadas características ou deficiências que os prejudicam sobremaneira
na contratação. Temos aí a hipossuficiência, que constitui-se uma
vulnerabilidade substancialmente agravada pelas condições peculiares do
consumidor.290
(grifo do autor)
É possível mencionar como exemplo de vulnerabilidade do consumidor, o seguinte
fato: ao comprar um litro de leite o consumidor não tem condições de saber se aquele produto
é realmente puro ou se contém alguma outra substância em seu conteúdo, haja vista que não
conhece e não tem acesso ao processo de produção do produto. Assim, ao adquiri-lo, confia
nas informações fornecidas pelo produtor de que o leite é realmente puro.
Já com relação à questão da hipossuficiência, José Geraldo Brito Filomeno291
apresenta um exemplo esclarecedor. Um consumidor é vítima de um acidente automobilístico
em que o laudo apresentado pela perícia realizada pela Polícia Civil apresenta como causa do
acidente a ruptura de uma das rodas do veículo.
288 KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do Consumidor. 2.ed., São Paulo: Atlas, 2005, p.35-36. 289 Op.cit, p.35-36. 290
PRUX, Oscar Ivan. A responsabilidade civil do profissional liberal no código de defesa do consumidor. Belo
Horizonte: Del Rey, 1998, p.50. 291 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de direitos do consumidor. 8.ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.367.
102
Assim, ao ingressar com competente ação judicial o consumidor apresenta como prova
inicial dos fatos alegados esta constatação preliminar apresentada pelos peritos. O juiz, caso
se convença de que este laudo aparenta ser a expressão da verdade, aliada à presunção de
vulnerabilidade do consumidor, chega à conclusão de que ele é hipossuficiente, determinando
a inversão do ônus da prova, ou seja, cabe à montadora do veículo a prova de que a roda não
apresentava qualquer vício.
Cláudia Lima Marques entende pela existência de quatro espécies de vulnerabilidade:
técnica, jurídica, fática e a informacional.292
A primeira, significa que o consumidor, não
possui todos os conhecimentos técnicos acerca dos produtos e serviços que adquire, pois, na
grande parte das vezes, atua na qualidade de leigo, de um não-profissional.293
Ricardo Luís Lorenzetti leciona que esta vulnerabilidade existe quando “[...] el
comprador no posee conociementos específicos a algún servicio y por ello puede ser
particularmente explotado, y ella se presume en el caso del consumidor no profesional.”294
A vulnerabilidade jurídica ou científica significa a falta de conhecimentos específicos
acerca de questões jurídicas, contábeis ou econômicas, vulnerabilidade esta que, segundo a
autora mencionada, seria presumida para os consumidores não-profissionais e consumidor
pessoa física, sendo que a pessoa jurídica deveria demonstrá-la no caso concreto.295
Neste
caso, Lorenzetti leciona:
[...] en neste caso hay una falta de conociemento jurídicos específicos, o
existe una falta de experiência en la contratación. El consumidor en este caso
firma contratos con cláusulas sorpresivas, abusivas, contrae obligationes engañado por lo que propaganda sugere, assume obligationes determinables
conforme a complejos cálculos econômicos que desconoce completamente y
hay una falta de experiência que lo debilita y que es aprovechada por
otros.296
Por seu turno, a vulnerabilidade fática ou sócio-econômica representaria a posição de
superioridade econômica ou de monopólio, fático ou jurídico, do fornecedor frente ao
292
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.320. 293 KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do Consumidor. 2.ed., São Paulo: Atlas, 2005, p.36. 294 LORENZETTI, Ricardo Luís. Consumidores. Santa Fé: Rubinzal-Culzoni, 2003, p.40. 295 MARQUES, Cláudia Lima. Op.cit, p.322-323. 296 LORENZETTI, Ricardo Luís. Op.cit, p.40-41.
103
consumidor, o que poderia fazer com que impusesse essa condição aos consumidores que com
ele contratam.297
Lorenzetti, também reconhece que: “[...] Este tipo de vulnerabilidad es social y
econômica, y por ello se la há denominado fáctica: se refiere a la situación de hecho previa a
la decisón que toma el consumidor.”298
Complementa, lecionando que ela apresenta duas
faces, uma relacionada ao fornecedor e outra relacionada ao consumidor, nos seguintes
termos:
1) El oferente: se trata de uma falla del mercado em la que hay monopólio o
posición dominante, caracterizada por que no existe el suficientemente grado
de competitividad para assegurar la liberdad de elegir. [...] Esta se estructura se da de manera:
- General: cuando se trata de oferentes monopólicos o cuasimonopólicos
.- Especial: cuando se produce una cautividad especial en una relación
jurídica. 2) El consumidor: el consumidor normal puede comportarse racionalmente si
tiene información adecuada. Sin embargo, hay consumidores que estan
debajo del standard normal, y sufren coacción econômica que les impide actuar libremente. Se trata de los supuestos de subconsumidores o
consumidores especiales, que tratamos al examinar la relación de
consumo.299
Por fim, a vulnerabilidade informacional, que poderia ser abrangida pelo conceito de
vulnerabilidade técnica, mas é destacada como espécie própria por Cláudia Lima Marques,
devido à relevância que a informação apresenta nos dias atuais, sendo que “[...] a falta desta
representa intrinsecamente um minus, uma vulnerabilidade um tanto maior quanto mais
importante for esta informação detida pelo outro”.300
Esta vulnerabilidade significaria, assim,
a imposição de um dever aos fornecedores de realizar a compensação deste déficit, porque
seria a única forma de preservar o equilíbrio necessário nas relações de consumo.
Ainda, no que se refere à vulnerabilidade do consumidor, cabe mencionar o inciso II
do Art. 4º do CDC, que trata do princípio da necessidade de ação governamental no sentido
de proteger efetivamente o consumidor, que seria um princípio decorrente da vulnerabilidade,
ou conforme os ensinamentos de João Batista de Almeida:
297 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.323. 298 LORENZETTI, Ricardo Luís. Consumidores. Santa Fé: Rubinzal-Culzoni, 2003. Op.cit, p.39. 299 Op.cit, p.39-40. 300 MARQUES, Cláudia Lima. Op.cit, p.329-330.
104
O princípio da presença do Estado nas relações de consumo é, de certa
forma, corolário do princípio da vulnerabilidade do consumidor, pois se há o
reconhecimento da situação de hipossuficiência, de fragilidade e desigualdade de uma parte em relação a outra, está claro que o Estado deve
ser chamado a proteger a parte mais fraca, por seus meios legislativos e
administrativos, de sorte a garantir o respeito de seus interesses.301
O Estado, apesar de já estar atuando, pois consagra na própria Constituição Federal a
defesa do consumidor, necessita, para a concretização deste princípio, não somente o
desenvolvimento de atividades neste sentido, sendo necessário que também que se promova a
instalação de órgãos públicos de defesa do consumidor, bem como se incentive a criação de
associações civis com o mesmo objetivo.302
Essa autorização para a ação governamental como verdadeiro poder-dever é
dada a fim de que a proteção do consumidor e a harmonia das relações de consumo se realizem de forma efetiva, seja para atuação direta do Estado, ou
por incentivo dos particulares, individualmente ou através de associações
criadas para a defesa dos consumidores. De tal modo que o Poder Público, em caráter meramente intervencionista no plano econômico nas últimas
décadas recebeu, no âmbito jurídico, esse poder/dever para intervir na
proteção do consumidor, não devendo e não podendo se omitir.303
Constata-se, assim, que o consumidor é considerado pelo nosso ordenamento, o ente
mais frágil da relação de consumo, sendo importante delimitar quem pode ser considerado
como tal, pois, caso haja fluidez na sua conceituação, sua proteção poderia se tornar inócua.
2.4.2 Conceito de consumidor
Analisada a questão da vulnerabilidade que, como já mencionado, além de estar
expressamente consignada no Código de Defesa do Consumidor (CDC), está também
301
ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1993, p.11. 302 FILOMENO, José Geraldo Brito. Capítulo I – Disposições Gerais. In GRINOVER, Ada Pellegrini, et al.
Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: FU,
1999, p.56. 303 RAGAZZI, José Luiz. A intervenção de terceiros fornecedores no Código de Defesa do Consumidor. Bauru:
Edite, 2006, p.114.
105
implícita no Texto constitucional, resta agora analisar quem é o sujeito sobre o qual incide
esta vulnerabilidade, no caso das relações de consumo, quem seria consumidor nos termos de
nosso ordenamento jurídico.
Temos dito que a definição de consumidor do CDC começa no individual, mais concreto (art. 2º, caput), e termina no mais geral, mais abstrato (art.
29). Isto porque, logicamente falando, o caput do art. 2º aponta aquele
consumidor real que adquire concretamente um produto ou serviço, e o art. 29 indica o consumidor do tipo ideal, um ente abstrato, uma espécie de
conceito difuso, na medida em que a norma fala da potencialidade, do
consumidor que presumivelmente exista, ainda que não possa ser
determinado.304
O próprio CDC cuidou de trazer o conceito de consumidor, porém, “[...] em face da
complexidade das matérias que cuida, o Código não se contentou com um único conceito de
consumidor. Há um geral (art. 2º, caput) e três outros por equiparação (arts. 2º, parágrafo
único, 17 e 29)”.305
Assim, para melhor sistematização da matéria, estes conceitos de
consumidor stricto sensu e consumidor equiparado serão apresentados em tópicos distintos.
a) Consumidor stricto sensu
O conceito geral de consumidor ou, ainda, de consumidor stricto sensu, é fornecido
pelo Art. 2º do CDC, que prescreve como tal, tanto a pessoa física ou como a pessoa jurídica,
as quais, adquirindo serviços ou produtos no mercado, o fazem como destinatário final.
Em princípio, quando se pensa em consumidor, geralmente vem a mente uma noção
subjetiva, ou seja, aquele não profissional que realiza negociações com um comerciante ou
empresário. Entretanto, pela descrição realizada pelo artigo em referência, é possível dizer
que, a princípio, foi adotada uma concepção mais objetiva, pois é reconhecida a qualidade de
304 NUNES, Luís Antônio Rizzato. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2008, p.72. 305 BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcelos. Das práticas comerciais. In In GRINOVER, Ada Pellegrini,
et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro:
FU, 1999, p.223.
106
consumidor tanto à pessoa física como à pessoa jurídica, sendo que o único traço restritivo é a
exigência de que adquiram ou utilizem produto ou serviço como destinatário final.306
Referida definição não oferece maiores problemas para a identificação da pessoa física
que adquire produtos ou serviços para satisfação de interesses pessoais, sem fins lucrat ivos. A
problemática é estabelecida, principalmente, quando se consideram as pessoas físicas que
adquirem produtos ou serviços para fins não-pessoais, ou mesmo a pessoa jurídica que, por
definição do CDC, também pode ser considerada consumidora stricto sensu, problemática que
se debate em torno do que significaria a locução “destinatário final”.
O CDC, segundo alguns, estabeleceu um conceito econômico de consumidor,
caracterizando-o, como a pessoa física ou jurídica, [...] que no mercado de consumo adquire
bens ou então contrata a prestação de serviços, como destinatário final, pressupondo-se que
assim age com vistas ao atendimento de uma necessidade própria e não para desenvolvimento
de uma outra atividade negocial.”307
Porém esta definição não é aceita por todos os doutrinadores, tanto que se
desenvolveram duas correntes para a conceituação de consumidor, os maximalistas e os
finalistas.308
Os maximalistas realizam uma interpretação literal do CDC, entendendo que toda
pessoa física ou jurídica que adquire bens é consumidora, não cabendo ao intérprete
excepcionar a pessoa jurídica quando o legislador não o fez, não importando “[...] seja
economicamente forte ou não, se adquiriu um produto ou serviço para utilizá-lo em sua
atividade ou cadeia produtiva. Ou seja, para essa corrente é desinfluente o elemento
teleológico ou da finalidade desse „consumo‟, bastando a destinação fática do produto”.309
Consideram que a definição do art. 2º é puramente objetiva, não importando
se a pessoa física ou jurídica tem ou não o fim de lucro quando adquire um produto ou utiliza um serviço. Destinatário final seria o destinatário fático
306 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.302-303. 307 FILOMENO, José Geraldo Brito. Capítulo I – Disposições Gerais. In GRINOVER, Ada Pellegrini, et al.
Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: FU,
1999, p.26-27. 308 MARQUES, Cláudia Lima. Op.cit, p.203. 309 KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do Consumidor. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.44-45.
107
do produto, aquele que o retira do mercado e o utiliza, o consome [...].310
(grifos do autor)
Os finalistas, por sua vez, entendem que é necessário realizar-se uma interpretação
teleológica, desdobrando o vocábulo destinação final, em destinação fática e econômica, não
bastando a ocorrência da primeira (retirada o produto ou serviço do mercado), sendo
necessário que também ocorra a destinação final econômica (colocar um fim à cadeia de
produção).311
Desta forma, quando empresas que adquirem produtos ou serviços para o exercício de
sua atividade-fim, escapam do conceito de consumidor, ao contrário do que ocorre quando
esta aquisição não se destina a tal destino.312
Não se inclui na definição legal, portanto, o intermediário, e aquele que compra com o objetivo de revender após montagem, beneficiamento ou
industrialização. A operação de consumo deve encerrar-se com o
consumidor, que utiliza ou permite que seja utilizado o bem ou serviço adquirido, sem revenda. Ocorrida esta, consumidor será o adquirente da fase
seguinte, já que o consumo não teve, até então, destinação final.313
Ricardo Luís Lorenzetti esclarece que a legislação argentina também não reconhece a
qualidade de consumidor quando a destinação do produto ou serviço não põe fim à cadeia de
produção, pois: “La ley argentina establece que „No tendrán el carácter de consumidores o
usuarios, quienes adquieran, alamacenen, utilicen o consumam bienes o servicios para
intergraros em procesos de producción, transformación o prestación a terceros‟ (art. 2º)”.314
Cláudia Lima Marques entende correta a posição finalista, pois seria necessária a
restrição da figura do consumidor para que haja a tutela da parcela da sociedade que é mais
vulnerável, pois “[...] se a todos considerarmos „consumidores‟, a nenhum trataremos
310
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.304-305. 311 KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do Consumidor. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.45. 312 Op.cit, p.45. 313 ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1993, p.28-29. 314 LORENZETTI, Ricardo Luís. Consumidores. Santa Fé: Rubinzal-Culzoni, 2003, p.91.
108
diferentemente, e o direito especial de proteção imposto pelo CDC passaria ser um direito
comum, que já não mais serve para reequilibrar o desequilibrado e proteger o não-igual”.315
Entretanto, salienta a autora que, após o advento do Código Civil de 2002, vem
surgindo uma nova tendência jurisprudencial a permitir que, nas questões envolvendo
pequenas empresas, mesmo que tenham adquirido produtos para sua atividade-fim, quando
demonstrada concretamente sua vulnerabilidade frente ao fornecedor, seja reconhecida como
consumidora.316
Como exemplos desta nova orientação, são mencionados dois julgamentos proferidos
pelo Superior Tribunal de Justiça, nos quais empresas com fins lucrativos são,
excepcionalmente, consideradas como consumidoras.
No primeiro julgamento, havia uma empresa com fins lucrativos que utilizava o
fornecimento de energia elétrica para viabilização de sua atividade, reconhecendo-se que,
neste caso, em face da hipossuficiência concreta da empresa, seria possível um abrandamento
da teoria finalista para considerá-la consumidora.317
O segundo exemplo refere ao julgamento em que envolvia uma drogaria,
reconhecendo que ela teria a qualidade de consumidora, uma vez que utilizava serviços de
cartão de crédito para a comercialização de seus produtos, sendo considerada como
destinatária final deste serviço.318
Esta nova tendência parece compatível com o “espírito” do CDC, que busca a proteção
da parte vulnerável da relação contratual, pois, não parece razoável que se observe o mesmo
tratamento quando se está diante de dois grandes empresários ou quando um deles é um
pequeno comerciante. Neste último caso, comprovada sua vulnerabilidade, acredita-se
perfeitamente cabível seu enquadramento como consumidora.
315 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.337-338. 316 Op.cit, p.347-348. 317 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp. n.661.145-ES. Quarta Turma. Relator: Ministro Jorge
Scartezzini. Brasília 22 de fevereiro de 2005. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200400662207&dt_publicacao=28/03/2005>. Acesso
em: 27set.2009. 318 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. CC n. 41056-SP. Segunda Seção. Relator p/acórdão: Ministra Fátima
Nancy Andrighi. Brasília 23 de junho de 2004. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200302274186&dt_publicacao=20/09/2004>. Acesso
em: 27set.2009.
109
b) Consumidor equiparado
Analisado o conceito de consumidor stricto sensu é preciso analisar quais são os
consumidores por equiparação, os quais são delimitados nos artigos 2º, 17 e 29 do CDC, cada
qual com suas particularidades. Esclarecendo que os dois últimos chamados de consumidores
by standard.
Em princípio, cumpre analisar o consumidor equiparado definido no parágrafo único
do Art. 2º do CDC, ou seja, a coletividade de pessoas que houver participado da relação de
consumo, regra que, em vez proteger um consumidor individualmente considerado, protege a
coletividade de consumidores, determinados ou indeterminados.
Este dispositivo representa uma norma genérica aplicável a todos os capítulos e seções
do CDC, permitindo uma extensão do conceito de consumidor que abranja um número
indeterminado de pessoas que possam ser prejudicadas em razão de uma dada relação de
consumo, o que significa uma proteção aos direitos de massa.319
Como exemplo, “[...] a massa
falida pode figurar na relação de consumo como consumidora ao adquirir produtos, ou, então,
o condomínio, quando contrata serviços.320
[...] o que se tem em mira no parágrafo único do art. 2º do Código do Consumidor é a universalidade, conjunto de consumidores de produtos e
serviços, ou mesmo grupo, classe ou categoria deles, e desde que
relacionados a um determinado produto ou serviço, perspectiva essa extremamente relevante e realista, porquanto é natural que se previna, por
exemplo, o consumo de produtos perigosos ou então nocivos, beneficiando-
se, assim, abstratamente as referidas universalidades e categorias potenciais de consumidores. Ou, então, se já provocado o dano efetivo pelo consumo de
tais produtos ou serviços, o que se pretende é conferir à universalidade ou
grupo de consumidores os devidos instrumentos jurídicos processuais para
que possam obter a justa e mais completa reparação dos responsáveis [...].321
(grifos do autor)
319 RAGAZZI, José Luiz; HONESKO, Raquel. Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2009, v.1, p.31. 320 NUNES, Luís Antônio Rizzato. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2008, p.84. 321 FILOMENO, José Geraldo Brito. Capítulo I – Disposições Gerais. In GRINOVER, Ada Pellegrini, et al.
Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: FU,
1999, p.35.
110
A relevância desta disposição é ressaltada quando se constata que ela “[...] dá
legitimidade para a defesa dos direitos coletivos e difusos, previstas no Título III da lei
consumerista (artigos 81 a 107) [...]”,322
sendo importante instrumento de proteção ao
consumidor.
Realmente, na sociedade atual é comum que um produto ou um serviço seja oferecido
a consumo com algum pequeno vício como, por exemplo, um papel higiênico com quantidade
menor do que a oferecida habitualmente. Nestes casos, devido ao pequeno valor do produto, o
consumidor individualmente considerado poderia ver-se desestimulado a ingressar em juízo
para pleitear qualquer reparação, questão que se modifica quando se permite uma tutela
coletiva desses interesses.
A segunda hipótese de consumidor por equiparação é prescrita pelo Art. 17 do CDC,
que protege o terceiro by standard, considerando consumidor todas as vítimas do evento,
regra que se aplica somente à seção da responsabilidade do produto ou do serviço, porque o
dispositivo é expresso neste sentido, possibilitando, assim, que a vítima de um acidente de
consumo se valha, por exemplo, da regra acerca sobre responsabilidade objetiva prevista no
CDC.323
[...] estende a proteção legal a todos os que tenham se envolvido em eventual acidente decorrente de uma relação de consumo, como por exemplo, todos
os envolvidos no trágico acidente da TAM, no aeroporto de Congonhas, no
mês de julho de 2007, quer sejam os passageiros, os funcionários que trabalhavam no prédio atingido, ou até mesmo os transeuntes que passavam
pela rua no momento do acidente.”324
Com este dispositivo identifica-se um consumidor fora da relação contratual
originária, protegendo as pessoas mesmo não tendo figurado na relação obrigacional, possam
ser atingidas pelo acidente de consumo, como na hipótese de uma pessoa que adquire um
produto contaminado no mercado que vem a ser consumido por seu vizinho, o qual, não
322 NUNES, Luís Antônio Rizzato. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2008, p.84. 323 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.356. 324 RAGAZZI, José Luiz; HONESKO, Raquel. Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2009, v.1, p.32.
111
existisse esta regra deveria propor uma ação indenizatória com fundamento no Código Civil,
onde deveria demonstrar a culpa do fornecedor.325
Ao equiparar toda e qualquer vítima do acidente de consumo ao consumidor,
o CDC fez avançar o ordenamento jurídico brasileiro, criando uma outra
espécie de relação obrigacional, que não nasce nem do contrato nem do ato
ilícito, mas do simples fato do produto ou do serviço, ainda que sem culpa do fabricante, ou seja, por um ato lícito, causar danos a terceiros não
consumidores stricto sensu.326
Finalizando as hipóteses de consumidor por equiparação, tem-se o Art. 29 que, ao
tratar das práticas comerciais, considera consumidor todas as pessoas, determináveis ou
indetermináveis, expostas às práticas comerciais previstas naquele capítulo, bem como no
capítulo que trata proteção contratual. Especial para a proteção das vítimas de publicidade e
propaganda.
Aqui também se protege o consumidor by standard, aquele terceiro que mesmo não
sendo parte originária da relação contratual, está exposto às práticas comerciais, mesmo que
não tenha realizado nenhum contrato de consumo. Esta proteção ocorre na fase pré-contratual,
diante mesmo da oferta e da publicidade, por vezes enganosa ou abusiva, pois, se já houver
contratado, será enquadrado como consumidor stricto sensu, nos termos do Art. 2º do CDC.327
Consumidor, nos termos do mencionado dispositivo, pode ser qualquer pessoa,
identificada individualmente ou que pertença a uma coletividade indeterminada, que esteja
simplesmente exposta à prática comercial, não sendo necessário, desta forma, apontar um
consumidor que esteja prestar a adquirir um determinado produto ou serviço, o que se releva
importante para a prevenção em abstrato dessas práticas comerciais.328
Por meio deste dispositivo é possível proteger os consumidores em face de práticas
abusivas realizadas no mercado de consumo, sendo, inclusive, fundamento para se proteger,
excepcionalmente, as pessoas jurídicas, mesmo quando adquiram produtos para o exercício de
sua atividade fim, pois, como menciona Cláudia Lima Marques:
325
KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do Consumidor. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.53-54. 326 Op.cit, p.54. 327 Op.cit, p.50. 328 BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcelos. Das práticas comerciais. In GRINOVER, Ada Pellegrini, et
al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: FU,
1999, p.224.
112
Parece-nos que, para harmonizar os interesses presentes no mercado de
consumo, para reprimir eficazmente os abusos do poder econômico, para
proteger os interesses econômicos dos consumidores finais, o legislador colocou um poderoso instrumento nas mãos daquelas pessoas (mesmo
agentes econômicos), expostos às práticas abusivas. Estas, mesmo não
sendo „consumidoras stricto sensu‟, poderão utilizar as normas especiais do
CDC, seus princípios, sua ética de responsabilidade social no mercado, sua nova ordem pública, para combater as práticas comerciais abusivas.
329
Os Tribunais já se manifestaram neste sentido, mencionando-se decisão, em que se
ampliou o conceito de consumidor para abranger uma empresa em sua relação com instituição
financeira onde se discutia cláusulas de um contrato de crédito rotativo, entendendo-se que
seria possível o controle de cláusulas abusivas diante do preceito do Art. 29 do CDC.330
Outro exemplo pode ser conferido em julgamento proferido pelo Tribunal de Justiça
do Estado do Paraná que, em ação revisional considerando que, nos termos do Art. 29 do
CDC, os tomadores de crédito bancário ou usuários de quaisquer serviços prestados por
instituição financeira, no caso, contrato de financiamento para aquisição da casa própria, são
considerados consumidores por equiparação.331
Por todo o exposto, constata-se que nosso ordenamento, de maneira implícita pela
Constituição Federal e expressa pelo CDC, reconhece a necessidade de salvaguardar o ente
mais fraco da relação contratual, havendo nas relações de consumo, o expresso
reconhecimento de que este ente é o consumidor, presumindo-se sua vulnerabilidade.
O reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor tem por fim o restabelecimento
do equilíbrio nas relações de consumo, onde é flagrante a desigualdade entre as partes. Porém,
para que esta proteção seja efetiva é preciso uma correta delimitação do que seja consumidor,
para que não ampliado em demasia, tornando a proteção inócua.
Assim, os preceitos do CDC devem ser analisados de forma a não excluir o ente
vulnerável, bem como para não incluir quem não se encontra nessa situação. Por isso, correta
329 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.359-360. 330 BRASIL. Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n. 192188076. Segunda Câmara Cível.
Relator: Juiz Paulo Heerd. Porto Alegre 24 de setembro de 1992. Disponível em:
<http://www.tjrs.jus.br/site_php/jprud2/index.php>. Acesso em: 26set.2009. 331 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação Cível n. 0148370-3. Quinta Câmara Cível.
Relator: Desembargador Domingos Caminha. Curitiba 23 de março de 2004. Disponível em:
<http://www.tj.pr.gov.br/portal/judwin/consultas/jurisprudencia/JurisprudenciaResultado.asp>. Acesso em:
26set.2009.
113
a corrente finalista, que analisa a destinação econômica do bem ou serviço adquirido,
ressalvando-se que, em casos excepcionais, pode haver uma relativização desse conceito, para
reconhecer como consumidora a pessoa jurídica adquire bens com fins lucrativos, desde que
demonstrada a sua vulnerabilidade.
114
3 PROTEÇÃO E REVISÃO CONTRATUAL
O Código de Defesa do Consumidor (CDC), após reconhecer a vulnerabilidade do
consumidor, cuidou de estabelecer instrumentos para sua efetiva proteção, com vistas a
promover o equilíbrio contratual nas relações de consumo, tanto que, no Art. 4º estabeleceu a
vulnerabilidade dentre os princípios regentes da Política Nacional das Relações de Consumo.
O CDC, ainda com a finalidade da eficaz proteção do consumidor, prescreveu seus
direitos básicos no Art. 6º, dentre os quais se destacam: a proteção do consumidor contra
cláusulas consideradas abusivas (IV) e a possibilidade de modificação ou revisão de cláusulas
contratuais, quando, respectivamente, estabeleçam prestações desproporcionais, ou quando
estas prestações se tornem excessivamente onerosas em razão da ocorrência de fatos
supervenientes (V).332
Referida proteção contratual se mostra relevante, devido ao reconhecimento da
vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo, mas não significa um direito ao
consumidor para descumprir o pactuado e causar insegurança nas relações comerciais, pois,
como leciona Humberto Theodoro Júnior:
Em todas essas hipóteses, o objetivo do legislador não foi o de fragilizar ou
inutilizar o instituto do contrato, tornando-o simplesmente rompível
unilateralmente pelo consumidor. Em nome do princípio da boa-fé o que se visou, antes de tudo, foi aperfeiçoar o negócio jurídico, revendo suas bases
para torná-lo eqüitativo, seja por reequacionamento das prestações seja por
eliminação das cláusulas abusivas.333
(grifos do autor).
Com relação a esta proteção contratual o autor leciona, ainda, que:
332
BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.801-802. 333 THEODORO JUNIOR, Humberto. Direitos do consumidor. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.26.
115
Na verdade, a lei protetiva do consumidor não lhe outorgou, nem mesmo
diante das cláusulas abusivas e do desequilíbrio das prestações, poder de
denunciar o contrato, por meio de simples exercício de direito potestativo (resilição unilateral). Uma faculdade como essa importaria eliminação
completa da força obrigatória do contrato, o que, evidentemente, não se
mostra compatível com as necessidades de segurança do comércio jurídico e
com os próprios e claros propósitos do Código de Defesa do Consumidor.334
(grifos do autor)
Esta proteção contratual se refere a todos os contratos que regem as relações de
consumo, abrangendo tanto os “[...] „contratos de comum acordo‟ (de gré a gré), ditos
também individuais, bem como os contratos de adesão”.335 A proteção contra as cláusulas
abusivas será objeto de análise na seqüencia, enquanto a possibilidade de modificação e
revisão contratual será analisada em item posterior.
3.1 CLÁUSULAS ABUSIVAS
A proteção contratual do consumidor é realizada de duas maneiras: na fase pré-
contratual e no momento da formação do vínculo, quando são estabelecidos os direitos
básicos do consumidor ao lado de deveres para os fornecedores. A segunda forma de proteção
é realizada a posteriori, quando o contrato já está formalmente perfeito, por meio do
estabelecimento de cláusulas consideradas abusivas, visando restabelecer o equilíbrio
contratual do contrato.336
O CDC não traz a definição de cláusulas abusivas, contentando-se apenas em trazer
um rol exemplificativo no Art. 51, culminando-as de nulidade, cabendo à doutrina sua
conceituação. Assim cláusula abusiva seria “[...] aquela que é notoriamente desfavorável à
parte mais fraca na relação contratual [...]. A existência de cláusula abusiva no contrato de
consumo torna inválida a relação contratual pela quebra do equilíbrio entre as partes [...]”.337
334
THEODORO JUNIOR, Humberto. Direitos do consumidor. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.26. 335 NERY JUNIOR, Nélson. Da proteção contratual. In GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Código Brasileiro de
Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: FU, 1999, p.472. 336 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.897-898. 337 NERY JUNIOR, Nélson. Op.cit, p.489.
116
O novo Código Civil também traz algumas normas sobre as cláusulas abusivas
presentes nos contratos de adesão, ressalvando-se que essas cláusulas podem estar presentes
em quaisquer espécies de contratos. Ora, se até mesmo a legislação civil que trata de relações,
regra geral, estabelecidas entre partes em posição de igualdade, com muito mais razão a
proteção contra essas cláusulas abusivas virem previstas no CDC, haja vista o expresso
reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor nas relações de consumo, necessitando de
especial tutela para o restabelecimento equilíbrio contratual.338
A doutrina costuma distinguir as cláusulas abusivas do abuso de direito. “O abuso de
direito não se refere ao teor da cláusula contratual elaborada, mas ao exercício de direito
subjetivo do qual não se discute mais a sua existência, validade e eficácia, porém há excesso
ou imoderação, na conduta do respectivo titular”.339 Pode-se dizer, assim, que a conduta
inicial é lícita, mas o resultado é ilícito, onde o ordenamento sanciona tal conduta com a
negação de efeitos daquela vontade declarada por meio do exercício abusivo de um direito.340
As cláusulas abusivas também são contrárias ao direito, porém o são desde o início,
desde o momento de sua inserção em um contrato, pois o caráter de abusividade é
concomitante com a formação do contrato e para considerá-las como tal não há que se
perquirir acerca boa-fé ou má-fé do estipulante.341
Aquela [cláusula abusiva] se refere a uma vantagem desproporcional,
estabelecida no conteúdo da avença, em prol de uma das partes, que seja o
caso de formulação conjunta dos dispositivos ou de contrato pré-redigido – no contrato de adesão, invariavelmente o beneficiário é o predisponente. É
cláusula excessiva, onerosa para o aderente.342
Traços característicos das cláusulas abusivas são: o seu fim, ou seja, a estipulação de
condições mais vantajosas para aquele que pré-estabelece o conteúdo do contrato em
338
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.898. 339 LISBOA, Roberto Senise. Contratos difusos e coletivos. 2.ed. São Paulo: RT, 2000, p.226. 340 MARQUES, Claudia Lima. Op.cit, p.900-901. 341 Op.cit, p.901-904. 342 LISBOA, Roberto Senise. Op.cit, p.225.
117
detrimento do aderente; e o seu efeito, consistente no desequilíbrio contratual em decorrência
da ausência de reciprocidade e unilateralidade dos direitos assegurados às partes.343
O CDC prescreve um rol exemplificativo de cláusulas abusivas nos dezesseis incisos
do Art. 51 e no Art. 53, merecendo destaque o inciso IV do primeiro dispositivo, ao
prescrever serem consideradas abusivas as cláusulas que estabelecerem “[...] obrigações
consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou
sejam incompatíveis com a boa-fé e a eqüidade”.
O inciso IV do mencionado Art. 51, é reconhecido como uma regra geral sobre
cláusulas abusivas, proibindo qualquer espécie de abuso, tendo como paradigmas, a boa-fé e a
eqüidade. A eqüidade é considerada no sentido de equilíbrio contratual e vantagem
exagerada.344
O §1º do Art. 51 prescreve os casos em que se considera exagerada a cláusula
contratual. Nos termos de seu inciso I, presume-se exagerada aquela cláusula que “ofende os
princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence”, norma que possui estreita ligação
com aquela estabelecida no inciso XV do Art. 51, segundo o qual se consideram abusivas as
cláusulas que estejam em desacordo com o sistema de proteção do consumidor.345
Assim, por exemplo, quando “[...] o contrato dispuser sobre matéria de Direito Civil,
enquadrar-se-á na presunção de exagero a cláusula que derrogar os princípios fundamentais
desse ramo do direito, o mesmo ocorrendo com a cláusula que estipular vantagem ao
fornecedor, derrogando princípios do Direito Comercial e Administrativo”.346
O inciso II presume exagerada a cláusula que “restringe direitos ou obrigações
fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio
contratual”.347
Neste dispositivo não se exige a presença de efetivo desequilíbrio contratual,
uma vez que o legislador já presume a vantagem exagerada todas às vezes que a cláusula
343 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.905. 344 NUNES, Luís Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 3.ed. São Paulo:Saraiva, 2008, p.659-662. 345
BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.806. 346 NERY JUNIOR, Nélson. Da proteção contratual. In GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Código Brasileiro de
Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: FU, 1999, p.520. 347 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.806.
118
ameace o objeto do contrato, destacando-se que tal análise vai depender do caso concreto, ou
seja, da natureza e da espécie de contrato sob análise.348
Por fim, o inciso III presume exagerada a cláusula que “se mostra excessivamente
onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse
das partes e as circunstâncias peculiares do caso”.349
Esta norma está relacionada com o princípio da equivalência material, ocorrendo sua
incidência nos casos em que, após a celebração do contrato, fatos supervenientes venham a
tornar a cláusula onerosa para o consumidor, onerosidade esta que será aferível objetivamente
segundo análise do caso concreto.350
Assim, havendo onerosidade excessiva, o consumidor poderá pleitear: a modificação
da cláusula contratual, para restabelecer o equilíbrio da avença (Art. 6º, V, CDC); a revisão do
contrato em razão de fatos supervenientes, que escapam aos acontecimentos decorrentes dos
riscos normais do negócio, e que não foram previstos pelas partes no momento da celebração
da avença (Art. 6º, V, CDC); a nulidade da cláusula quando não for possível a integração ou
manutenção do negócio.351
No que se refere às cláusulas abusivas, resta importante mencionar o §2º do Art. 51,
que trata do princípio da conservação do contrato. Segundo esta norma, a nulidade de cláusula
contratual não contaminará todo o contrato, quando for possível a integração do negócio de
modo a não ocasionar ônus excessivo para as partes, ou seja:
[...] a interpretação das estipulações negociais, o exame das cláusulas
apontadas como abusivas e a análise de presunção exagerada devem ser
feitas de modo a imprimir utilidade e operatividade ao negócio jurídico de consumo, não devendo ser empregada solução que tenha por escopo negar
efetividade à convenção negocial de consumo.352
Percebe-se, assim, que a finalidade da proteção não é destruir o instituto do contrato,
fundamental para o exercício da atividade econômica e para a circulação das riquezas. O que
348 NERY JUNIOR, Nélson. Da proteção contratual. In GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Código Brasileiro de
Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: FU, 1999, p.521. 349
BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.806. 350 NUNES, Luís Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 3.ed. São Paulo:Saraiva, 2008, p.661-662. 351
BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.802. 352 NERY JUNIOR, Nélson. Op.cit, p.522.
119
se almeja é que as contratações sejam equilibradas e que as partes mais fortes não se
aproveitem dessa situação para inserir cláusulas com vantagens exageradas para si em
detrimento da outra parte, principalmente quando esta outra parte for um consumidor, para o
qual é expressamente reconhecida sua condição de vulnerabilidade.
Por fim, destaca-se que, embora as cláusulas abusivas possam estar presentes em
qualquer espécie de contrato e não apenas nos contratos de adesão, é nestes que aparecem em
maior quantidade, razão pela qual esta forma de contratação será analisada mais detidamente
no item que segue.
3.2 CONTRATOS DE ADESÃO
Diante da produção em massa, conseqüência dos tempos modernos, os produtores se
viram diante da necessidade de realizar contratos por meio de uma nova técnica, que
possibilitasse maior rapidez para sua efetivação, surgindo, assim, o contrato de adesão, o qual
se trata “[...] de um fenômeno típico das sociedades de consumo, que não mais prescindem,
por inegáveis razões econômicas, das técnicas de contratação em massa”.353
Referida técnica de contratação trouxe muitas vantagens para consumidores e
fornecedores. Para os primeiros, porque proporcionava rapidez e maior previsão de riscos.
Para os segundos, porque os contratos seriam os mesmos para todos os consumidores, não
importando sua classe social e a redução dos custos da empresa proporcionaria uma redução
dos preços dos produtos.354
Os contratos de adesão diferenciam-se dos chamados contratos paritários, ou seja,
aqueles em que as partes estariam em real igualdade de condições para decidir entre querer ou
não contratar, de escolher a pessoa com quem contratar e estar em condições de discutir ou
fixar as cláusulas e condições do contrato.355
No contrato de adesão, por seu turno, há uma mitigação desta liberdade, pois as
cláusulas já estão predispostas pelo fornecedor, podendo, então, entender que seu elemento
353 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contratos. 3.ed. São
Paulo: Saraiva, 2007, v.IV, t.1, p.121. 354 MANDELBAUM, Renata. Contratos de adesão e contratos de consumo. São Paulo: RT, 1996, p.127. 355 KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do Consumidor. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.27.
120
essencial seria “[...] a ausência de uma fase pré-negocial decisiva, a falta um debate prévio das
cláusulas contratuais e, sim, a sua predisposição unilateral, restando ao outro parceiro a mera
alternativa e aceitar ou rejeitar o contrato, não podendo modificá-lo de maneira relevante.”356
Os contratos de adesão podem também ser diferenciados dos chamados contratos-tipo,
pois, apesar de se aproximarem em razão de possuírem cláusulas pré-estabelecidas, os
primeiros destinam-se a um grupo indeterminado de pessoas, ao passo que nos segundos os
contratantes são identificáveis e suas cláusulas decorrem de uma “[...] vontade paritária de
ambas as partes”.357
Assim, contratam, por exemplo, as empresas de um determinado setor da indústria e ou comércio com um grupo de fornecedores, podendo ou não
estar representadas por associações respectivas. No contrato-tipo, o âmbito
dos contratantes é identificável. No contrato de adesão, as cláusulas apresentam-se predispostas a um número indeterminado e desconhecido, a
priori, de pessoas.358
Diferencia-se, ainda, dos chamados contratos-ditados, nos quais o conteúdo de um
determinado contrato é estabelecido, “ditado” por uma lei ou por um regulamento
administrativo, como no caso dos contratos de consórcio cujo conteúdo é estabelecido por
meio de portaria ministerial.359
Doutrinariamente, o contrato de adesão é definido da seguinte forma: “El contrato se
celebra por adhesion cuando la redación de sus cláusulas corresponde a una sola das partes,
mientras que la outra se limita a aceptarlas o rechazarlas, sin poder modificarlas [...]”.360 Ou
ainda:
[...] aquele em que todas as cláusulas são previamente estipuladas por uma das partes, de modo que a outra, no geral mais fraca e na necessidade de
contratar, não tem poderes para debater as condições, nem introduzir
356 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.71-72. 357 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 2.ed. São
Paulo: Atlas, 2002, v.2, p.384. 358 Op.cit, p.384. 359 MARQUES, Cláudia Lima. Op.cit, p.72-73. 360 LORENZETTI, Ricardo Luís. Consumidores. Santa Fé: Rubinzal-Culzoni, 2003, p.234.
121
modificações, no esquema proposto. Este último contraente aceita tudo em
bloco ou recusa tudo por inteiro.361
A doutrina, ainda, faz uma distinção entre contrato de adesão e contrato por adesão. O
primeiro seria aquele no qual o aderente não pode rejeitar as cláusulas pré-estabelecidas, o
que se daria em algumas contratações com o poder público, como, por exemplo, as cláusulas
gerais para o fornecimento de energia elétrica. Contrato por adesão, por seu turno, seria
aquele em que o pretenso aderente pode rejeitar as cláusulas pré-estabelecidas, devendo
aceitá-las ou recusá-las em bloco.362
Entretanto, esta discussão perdeu fôlego com o advento do Código de Defesa do
Consumidor que tratou de definir o contrato de adesão no Art. 54, como sendo “[...] aquele
cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas
unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir
ou modificar substancialmente seu conteúdo”,363
englobando, assim, as duas definições
anteriores.
É possível, assim, extrair as seguintes características do contrato de adesão:
uniformidade, predeterminação unilateral, rigidez e abstração. A uniformidade significa que o
estipulante quer estabelecer o mesmo conteúdo contratual para o maior número de
contratantes, haja vista a exigência de racionalidade de sua atividade econômica, bem como
para garantir maior segurança nas contratações.364
A predeterminação unilateral significa que é o fornecedor quem estipula as cláusulas
contratuais anteriormente a celebração da avença, não havendo qualquer discussão com o
aderente para definir o seu conteúdo, ressalvando-se que “[...] a simples uniformidade não é
suficiente para se considerar um contrato como de adesão, pois é imprescindível que tais
cláusulas uniformes sejam impostas por somente uma das partes.”365
361 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. 28.ed. São Paulo:
Saraiva, 2002, v.3, p.44. 362
NERY JUNIOR, Nélson. Da proteção contratual. In GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Código Brasileiro de
Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: FU, 1999, p.551. 363 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.807. 364 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contratos. 3.ed. São
Paulo: Saraiva, 2007, v.IV, t.1, p.122. 365 Op.cit, p.122.
122
A rigidez advém do fato de que, “[...] além de uniformemente predeterminadas, não é
possível rediscutir as cláusulas do contrato de adesão, sob pena de descaracterizá-lo como
tal”.366
Existe a abstração porque o fornecedor pré-estabelece o conteúdo do contrato com a
finalidade de atingir todos aqueles que possam vir a efetuar com ele uma relação jurídica
futura, ressaltando-se que estas cláusulas somente têm eficácia concreta a partir do momento
em que houver a efetivação do vínculo contratual, pois, apesar de serem abstratas dependem
da adesão do outro contratante para sua concretização.367
Ricardo Luís Lorenzetti, analisando a legislação argentina, enumera como
características do contrato de adesão, a predisposição, a generalidade e a rigidez, definindo-as
da seguinte forma:
1. Predisposición: que una de las partes redacte las cláusulas, antes de
ponerse em contacto com la oferta. Esta redacción pude ser efectuada por un tercero, como cuando se hace un contrato em base a um modelo standard
que provee uma cámara empresarial.
2. Generalidad: que la redacción sea con alcance general, esto es, para
muchos contratos.
3. Rigidez: es decir que sus cláusulas se establecen em bloque sin
possibilidad de discutirlas en forma particularizada.368
(grifos do autor)
O CDC estabelece um regramento geral e um especial para os contratos de adesão. 369
O regramento especial está contido nos parágrafos do Art. 54. O regramento geral é
estabelecido no artigo 46 (e seguintes), especialmente no que se refere à interpretação do
contrato.
Com relação ao regramento especial, menciona-se, em primeiro lugar, que não
desnatura sua característica de adesão, o fato de ser inserida qualquer cláusula no formulário,
não importando tratar-se de cláusula essencial ou acidental, objetivando que não se fuja à
366 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contratos. 3.ed. São
Paulo: Saraiva, 2007, v.IV, t.1, p.123. 367 LISBOA, Roberto Senise. Contratos difusos e coletivos. 2.ed. São Paulo: RT, 2000, p.158. 368 LORENZETTI, Ricardo Luís. Consumidores. Santa Fé: Rubinzal-Culzoni, 2003, p.233. 369 ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p.155.
123
aplicação do mencionado dispositivo apenas pelo fato de serem inseridas algumas cláusulas
manuscritas ou datilografadas.370
A segunda regra diz respeito à possibilidade de inserção de cláusula resolutória no
contrato de adesão. O CDC admite sua presença, trazendo uma novidade, a necessidade de
que seja alternativa, ou seja, que possibilite ao consumidor a opção entre rescindir o contrato
com direito ao recebimento de perdas e danos ou exigir o cumprimento da obrigação,
recordando-se que os contratos, regra geral, possuem cláusula resolutória tácita, decorrente do
inadimplemento de uma das partes, nos termos do que estabelece o Código Civil.371
Faz-se necessário, também, que o contrato de adesão seja regido de forma clara, com
caracteres ostensivos e legíveis, sendo que, conforme alteração determinada pela Lei n.
11.785/08, os caracteres devem possuir fonte de tamanho nunca inferior a doze, a fim de
facilitar a compreensão do consumidor, o que se justifica, pois, sendo as cláusulas contratuais
pré-estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor revela-se deveras importante que o
consumidor tenha plena consciência das obrigações que assumirá e, para isso, é necessário
que as cláusulas sejam claras e de fácil compreensão.372
Esta regra consagra a adoção do princípio da legibilidade das cláusulas contratuais,
permitindo que o consumidor tome conhecimento de seu conteúdo por meio de uma simples
leitura, impedindo que a inserção de estipulações em letras diminutas a dificultem. Esta
disposição não afasta o fornecedor do seu dever de informação, de esclarecimento acerca do
conteúdo contratual, tido de molde a garantir maior segurança para as relações contratuais, o
que também serve como garantia da liberdade contratual do consumidor.373
Ainda, o CDC, no §4º do Art. 54, estabelece que as cláusulas que impliquem renúncia
ou limitação de direito do consumidor devem ser redigidas de forma destacada, de modo a
permitir ao consumidor sua fácil e imediata compreensão,374
o que é corolário da regra
anterior de que os contratos de adesão escritos devem possuir termos claros com caracteres
ostensivos e legíveis.
370
NERY JUNIOR, Nélson. Da proteção contratual. In GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Código Brasileiro de
Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: FU, 1999, p.552. 371 ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p.156. 372 Op.cit, p.155-156. 373 NERY JUNIOR, Nélson. Op.cit, p.553-554. 374 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.807.
124
Ora, se o consumidor tem o direito de compreender de forma imediata as cláusulas que
lhe são apresentadas, como muito mais razão quando estas estabelecem renúncia ou limitação
de seus direitos. Esta a razão da regra, para que seja chamada a atenção do consumidor para
referidas cláusulas, permitindo, assim, uma avaliação real e correta de seus termos, impedindo
que seja induzido a erro por falta de compreensão de seu conteúdo.375
Com relação ao regramento geral, o Art. 46 estabelece que o contrato no qual não é
conferida oportunidade de prévio conhecimento do conteúdo ou é redigido de modo a
dificultar sua compreensão não obriga o consumidor, dispositivo que é corolário do direito
básico do consumidor à informação, expressamente previsto no Art. 6º, III, do CDC. Segundo
Rizzato Nunes seria também uma decorrência do princípio da transparência, esculpido no Art.
4º do CDC.376
O direito à informação clara e precisa é uma decorrência do princípio da boa-fé e deve
existir em todo modelo contratual, sendo dever do predisponente fornecer ao consumidor
todas as informações referentes ao negócio a ser celebrado, dever este que existe desde o
momento da oferta, abrangendo as condições de execução do negócio, índices de reajuste
etc.377
A norma do mencionado Art. 4º se desdobra em duas partes. A primeira se refere ao
dever fornecedor de dar oportunidade ao consumidor sobre o conteúdo do contrato,
significando que o consumidor deve tomar efetivo conhecimento de seu conteúdo, pois:
[...] não satisfaz a regra do artigo sob análise a mera cognoscibilidade das
bases do contrato, pois o sentido teleológico e finalístico da norma indica dever o fornecedor dar efetivo conhecimento ao consumidor de todos os
direitos e deveres que decorrerão do contrato [...].378
(grifos do autor)
A segunda parte do dispositivo proíbe a inserção de cláusulas que dificultem a
compreensão do consumidor sobre seu alcance e conteúdo, o que significa não apenas a
necessidade do emprego de termos comuns, mas também que o sentido das palavras seja claro
375 ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p.156. 376 NUNES, Luís Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 3.ed. São Paulo:Saraiva, 2008, p.624. 377 LISBOA, Roberto Senise. Contratos difusos e coletivos. 2.ed. São Paulo: RT, 2000, p.163. 378 NERY JUNIOR, Nélson. Da proteção contratual. In GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Código Brasileiro de
Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: FU, 1999, p.474.
125
e preciso, sendo que, para sua averiguação, prescinde-se da análise da intenção do fornecedor
no momento de sua inserção, uma vez que tal dever é decorrente da boa-fé que deve nortear
as relações contratuais, estando também vinculado ao fenômeno da oferta que, nos termos do
Art. 31 do CDC, deve ser correta, clara, precisa, ostensiva e em língua portuguesa.379
O Art. 48, por seu turno, estabelece a vinculação pré-contratual do fornecedor, ao
prescrever que as declarações de vontade constantes em escritos particulares, recibos e pré-
contratos vinculam o fornecedor, possibilitando, inclusive, a execução específica da
obrigação, regra que se assemelha aquele estabelecido no Art. 30 do mesmo estatuto que
confere caráter vinculante à oferta.380
No que se refere aos pré-contratos, recibos e escritos particulares, existe uma
“manifestação negocial do fornecedor”,381 justificando-se a imposição, como regra para esses
casos, da execução específica da obrigação em caso de inadimplemento, fugindo à concepção
tradicional de que o inadimplemento se resolve em perdas e danos, cujas regras para seu
processamento vem estabelecidas no próprio CDC no Art. 84 e respectivos parágrafos.
O CDC trata também do direito de arrependimento do consumidor nas vendas
realizadas fora do estabelecimento (Art. 49), a ser exercido dentro do prazo de sete dias a
contar da assinatura do contrato ou do recebimento da mercadoria, prescrevendo-se também o
direito à devolução dos valores eventualmente pagos ao fornecedor.
Referida proteção se justifica, pois, nesta espécie de contratação, o consumidor não
consegue analisar todas as características do produto a ser adquirido, bem como está mais
sujeito a agir sob impulso, influenciado pelas técnicas utilizadas pelos vendedores e
anunciantes, presumindo-se, nestes casos, que o consumidor está menos prevenido e menos
preparado do que quando decide dirigir-se a um determinado estabelecimento para realizar
uma compra.382
O conceito de venda fora do estabelecimento possui várias acepções, estabelecendo o
artigo em análise serem exemplos desta espécie a venda por domicílio e a por telefone.
Ressalte-se, que este direito pode ser exercido sem qualquer necessidade de motivação por
parte do consumidor, razão pela qual, inclusive, alguns doutrinadores preferem a utilização da
379 NUNES, Luís Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 3.ed. São Paulo:Saraiva, 2008, p.625. 380 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.806. 381 NERY JUNIOR, Nélson. Da proteção contratual. In GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Código Brasileiro de
Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: FU, 1999, p.478. 382 NUNES, Luís Antônio Rizzatto. Op.cit, p.637.
126
expressão “prazo de reflexão”, não se exigindo nenhuma forma específica para utilização
deste direito.383
A contagem do prazo de sete dias é iniciada a partir da assinatura do contrato, quando
o produto é entregue no mesmo ato, ou do recebimento da mercadoria quando esta se dá em
momento posterior, prazo cuja contagem segue as normas estabelecidas pelo Código Civil,
sendo que, como o prazo é contado em favor do consumidor, considera-se a data da expedição
do aviso ao fornecedor sobre sua intenção de utilizar de seu direito de arrependimento.384
Ressalte-se que, ao exercer seu direito de arrependimento, as despesas de frete,
postagem ou quaisquer outros encargos ficarão a cargo do fornecedor, uma vez que a este
cabe o risco de sua atividade. Porém, é possível que se estipule a responsabilidade ao
consumidor quando este atue com dolo ou culpa grave, não sendo possível o estabelecimento
de cláusula genérica determinando o ressarcimento pelas referidas despesas, pois
inviabilizaria o exercício do direito conferido no dispositivo em referência.385
O Art. 50 estabelece que, havendo garantia contratual, ela será somada à garantia
legalmente estabelecida pelo Código, não sendo possível a substituição da segunda pela
primeira, pois esta é obrigatória e inderrogável. Exigindo-se, ainda, nos termos do parágrafo
único do mesmo dispositivo, que esta garantia seja conferida por escrito, bem como seja
padronizada para que possa atingir uniformemente todos os consumidores que adquiriram o
mesmo produto ou serviço.386
O dispositivo estabelece, ainda, os requisitos mínimos que a garantia contratual deve
conter: forma, prazo e o lugar em que puder ser exercida e os ônus a cargo do consumidor,
sendo que esta garantia faz parte do contrato de consumo, havendo, assim, o dever do
fornecedor de esclarecer ao consumidor sobre os efetivos termos desta garantia, ressaltando-
se que o referido termo deverá ser preenchido pelo fornecedor tão logo seja finalizado o
contrato de consumo, não se admitindo seja entregue em branco, havendo também a
obrigatoriedade de entrega do manual de instruções.387
383
NUNES, Luís Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 3.ed. São Paulo:Saraiva, 2008, p.637-639. 384 Op.cit, p.640. 385 NERY JUNIOR, Nélson. Da proteção contratual. In GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Código Brasileiro de
Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: FU, 1999, p.483-484. 386 Op.cit, p.485. 387 Op.cit, p.485-486.
127
Por todo o exposto demonstra-se que o contrato de adesão é um instrumento
indispensável para a sociedade atual, cumprindo apenas observar que esta técnica de
contratação pode levar os seus estipulantes a inserem cláusulas com vantagens para si e
desvantagens para o outro contratante, ou mesmo conter cláusulas, as quais, como analisado
no item anterior, são proibidas pelo nosso Código de Defesa do Consumidor.
Desta forma, agiu bem o legislador ao estabelecer um regramento especial para os
contratos de adesão, devendo-se também respeito às regras gerais de contratação do CDC,
para que o contrato de adesão não seja um instrumento de opressão do mais forte sobre o mais
fraco e possa haver o restabelecimento do equilíbrio entre as partes contratantes.
Na verdade, o necessário é que a técnica contratual seja utilizada de modo a respeitar
os fundamentos constitucionalmente estabelecidos para a ordem econômica, além da boa-fé
objetiva e da função social do contrato, hoje expressamente reconhecidos em nosso
ordenamento infraconstitucional.
Por isso, o CDC estabeleceu regras de interpretação para estes contratos, bem como
hipóteses em que é possível a decretação de nulidade das cláusulas contratuais quando se
revelarem abusivas ou mesmo hipóteses em que se mostra possível a revisão do contrato. É o
que se analisará na seqüência.
3.3 INTERPRETAÇÃO DO CONTRATO EM FAVOR DO CONSUMIDOR
Nosso Código Civil não possui capítulo específico sobre regras de interpretação, o
que, segundo Pablo Stolze, foi uma boa opção do legislador. Entretanto, é possível dizer que
nosso Código estabelece regras gerais de interpretação dos contratos, dispostas de forma
esparsa pelo seu texto, sendo que a doutrina as divide em regras de caráter subjetivo e regras
de caráter objetivo.388
As regras de caráter subjetivo cuidam da manifestação da vontade, sendo a regra
básica estampada no Art. 112 do novo Código Civil, no sentido de que as declarações de
vontade são interpretadas dando mais atenção à intenção nelas consubstanciada do que ao
388 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contratos. 3.ed. São
Paulo: Saraiva, 2007, v.IV, t.1, p.170-171.
128
sentido literal da linguagem, ou seja, o hermeneuta deve buscar na própria declaração de
vontade a intenção das partes.
O hermeneuta deve, então, com base inicial na declaração, procurar o
verdadeiro alcance da vontade e, como quer o Código, dar proeminência à
vontade interna. Nessa pesquisa, o intérprete examinará o sentido gramatical
das palavras e frases, os elementos econômicos e sociais que cercaram a elaboração do contrato, bem como o nível intelectual e educacional dos
participantes, seu estado de espírito no momento da declaração etc.389
(grifo
do autor)
As regras de caráter objetivo dizem respeito ao exame do contrato e serão utilizadas
quando houver dúvida quanto à intenção das partes contratantes, analisando as regras editadas
pelo legislador ou preconizadas pela doutrina, tomando “[...] o contrato como produto
objetivo de uma declaração volitiva, e ordenam como procederá o juiz em face delas”.390
Aqui o juiz analisará o contrato em abstrato, baseando-se em algumas regras de
hermenêutica, dentre as quais é possível mencionar: as cláusulas ambíguas serão interpretadas
conforme os usos do lugar de sua estipulação; na dúvida com relação às cláusulas elaboradas
por meio de condições gerais serão interpretadas contra quem as estipulou.391
O Código Civil de 2002 também trouxe regras específicas para a solução de conflitos,
como, por exemplo, o Art. 114, prescrevendo que os negócios jurídicos benéficos e a renúncia
são interpretados restritivamente, além do chamado princípio da conservação, no sentido de
que os contratos devam ser interpretados para conseguir a máxima aplicabilidade de suas
cláusulas, a fim de que tenham aplicabilidade, sendo inaceitável que se queira a celebração de
um contrato que não produza qualquer efeito.392
389 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 2.ed. São
Paulo: Atlas, 2002, v.2, p.451. 390 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. 28.ed. São Paulo:
Saraiva, 2002, v.3, p.53. 391 Op.cit, p.53-54. 392 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contratos. 3.ed. São
Paulo: Saraiva, 2007, v.IV, t.1, p.172.
129
Tem-se também a regra hermenêutica do Art. 113, pela qual os contratos devem ser
interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar da celebração, o que, segundo Pablo
Stolze, seria a regra de ouro em matéria de interpretação.393
O Código Civil, atento às particularidades do contrato de adesão, trouxe regras
específicas para sua interpretação, pois é evidente que, diante de sua maior limitação à
liberdade contratual, não poderia ser analisado da mesma maneira de quando se estivesse
diante de um contrato paritário.
Antes do novo Código Civil, a jurisprudência já interpretava o contrato de adesão de
maneira especial, utilizando-se das seguintes regras: havendo dúvida, seria interpretado contra
quem o estipulou; as cláusulas principais seriam distintas das acessórias, onde as últimas
teriam menos força vinculante que as primeiras, porque o aderente tende a prestar menos
atenção naquelas; e, as cláusulas manuscritas deveriam prevalecer frente às impressas, porque
as segundas presumem o propósito de revogação das primeiras, que chamam menos a atenção
do aderente.394
O novo Código Civil prescreveu duas importantes regras de interpretação dos
contratos de adesão. A primeira regra vem prevista no Art. 423, chamado por alguns de
interpretação contra stipulationem ou contra proferentem,395 significando que as cláusulas
ambíguas ou contraditórias devam ser interpretadas em favor do aderente.
A segunda regra que está prevista no Art. 424, é corolário do princípio da função
social do contrato e da boa-fé, pois impede que o aderente renuncie antecipadamente a
direitos decorrentes da natureza do negócio, culminando de nulidade tais cláusulas.396
Entretanto, em matéria de proteção contratual, o CDC estabeleceu uma concepção
mais ampla do que a consignada no Código Civil, pois seu Art. 47 prescreve que os contratos
serão interpretados de maneira mais favorável ao consumidor, ou seja, todos os contratos e
não apenas os contratos de adesão serão sempre interpretados de maneira mais favorável, não
havendo também a necessidade de existência de cláusulas ambíguas ou contraditórias.
393
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contratos. 3.ed. São
Paulo: Saraiva, 2007, v.IV, t.1, p.174-175. 394 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. 28.ed. São Paulo:
Saraiva, 2002, v.3, p.47. 395 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op.cit, p.176. 396 Op.cit, p.177.
130
O art. 47 do CDC representa, neste sentido, uma evolução em relação a essa
norma (e ao art. 112 do novo CC/2002), pois beneficiará todos os
consumidores, em todos os contratos, em todas as normas, mesmo clara e não contraditórias, sendo que agora a vontade interna, a intenção não
declarada, nem sempre prevalecerá. Em outras palavras, é da interpretação
ativa do magistrado a favor do consumidor que virá a “clareza” da cláusula e
que será estabelecido se a cláusula, assim interpretada a favor do
consumidor, é ou não contraditória com outras cláusulas do contrato.397
Em face do CDC não cabe ao intérprete apenas observar o disposto no Art. 47, mas
todas as normas deste estatuto que estabelecem novos direitos e deveres tanto para o
consumidor como para o fornecedor, podendo abranger não apenas as cláusulas inseridas no
contrato, mas circunstâncias que antecederam a contratação, como, por exemplo, a oferta por
meio da publicidade veiculada, a qual, por expressa disposição legal (Art. 30 e 48 do CDC),
tornou-se fonte contratual.398
Neste contexto, destaca-se, ainda, o paradigma da boa-fé, que deverá nortear o
intérprete, uma vez que esta também possui uma função interpretativa, uma vez que:
[...] é durante o exercício de interpretação conforme a boa-fé, que o magistrado irá identificar os limites à liberdade contratual; isto é, quais as
cláusulas ferem a boa-fé, cláusulas nulas e abusivas, que por isso não
poderão ser consideradas, cláusulas que não pertencem ao “pacto” (pacta), cláusulas que violam o direito e não poderão (sunt) ser “servidas (servanda)
ou ter eficácia, nem por vontade das partes, nem por decisão dos juiz, uma
vez que ofendem a ordem pública (art. 1º, do CDC).399
(grifos do autor)
A proteção contratual do consumidor não se esgota nas regras de hermenêutica
extraídas do CDC, pois se entende que as normas gerais de interpretação dos contratos
prescritas no novo Código Civil,400 são também aplicáveis às relações de consumo, como
aquelas mencionadas no início deste tópico, o que é defendido mesmo antes do da edição do
novo Código Civil:
397
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.877. 398 Op.cit, p.878-879. 399 Op.cit, p.882-883. 400 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contratos. 3.ed. São
Paulo: Saraiva, 2007, v.IV, t.1, p.180.
131
Os princípios da teoria da interpretação contratual se aplicam aos contratos de consumo, com a ressalva do maior favor ao consumidor, por ser a parte
débil da relação de consumo. Podemos extrair os seguintes princípios específicos da interpretação dos contratos de consumo: a) a interpretação é
sempre mais favorável ao consumidor; b) deve-se atender mais à intenção
das partes do que à literalidade da manifestação de vontade (art. 85, Código
Civil [1916]); c) a cláusula geral de boa-fé reputa-se ínsita em toda relação jurídica de consumo, ainda que não conste expressamente do instrumento do
contrato (arts. 4º, caput e n. III, e 51, n. IV, do CDC); d) havendo cláusula
negociada individualmente, prevalecerá sobre as cláusulas estipuladas unilateralmente pelo fornecedor; e) nos contratos de adesão as cláusulas
ambíguas ou contraditórias se fazem contra stipulatorem, em favor do
aderente (consumidor); f) sempre que possível interpreta-se o contrato de
consumo de modo a fazer com que suas cláusulas tenham aplicação,
extraindo-se delas um máximo de utilidade (princípio da conservação).401
(grifos do autor)
Todavia, além das regras de hermenêutica, nosso ordenamento apresenta outras formas
de proteção contratual do consumidor, as quais representam exceção à regra de os contratos
são celebrados para serem cumpridos, pois é possível que surjam situações que impeçam o
cumprimento do pacto tal qual foi avençado pelas partes.
Caso estas circunstâncias já estejam presentes ao tempo da contratação, é possível
cogitar-se das hipóteses de nulidade e anulabilidade, bem como das hipóteses de lesão, abuso
de direito ou erro. Caso sejam posteriores, poder-se-á estar diante do caso fortuito ou de força
maior, da Teoria da Imprevisão, ou da hipótese de revisão ou modificação do contrato
prevista no CDC. Na seqüência, as hipóteses de nulidade e anulabilidade.
3.4 INVALIDADES
O negócio jurídico, onde está inserido o contrato, pertence à categoria dos fatos
jurídicos e, como tal, para que se repute perfeito, necessita seja analisado em face de três
planos: da existência, da validade e da eficácia, como bem acentua Antônio Junqueira de
Azevedo:402
401 NERY JUNIOR, Nélson. Da proteção contratual. In GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Código Brasileiro de
Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: FU, 1999, p.476-477. 402 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4.ed. são Paulo: Saraiva,
2002, p.23-24.
132
Em tese, porém, o exame de qualquer fato jurídico deve ser feito em dois
planos: primeiramente, é preciso verificar se reúnem os elementos de fato
para que ele exista (plano da existência); depois, suposta a existência, verificar se ele passa a produzir efeitos (plano da eficácia). (grifos do autor)
Complementa o mesmo autor:
Sendo o negócio jurídico uma espécie de fato jurídico, também seu exame pode ser feito nesses dois planos. Entretanto, e essa é a grande
particularidade do negócio jurídico, sendo ele um caso especial de fato
jurídico, já que seus efeitos estão na dependência dos efeitos que foram manifestados como queridos, o direito, para realizar essa atribuição, exige
que a declaração tenha uma série de requisitos, ou seja, exige que a
declaração seja válida. Eis aí, pois, um plano para exame, peculiar ao
negócio jurídico – o plano da validade, a se interpor entre o plano da existência e o plano da eficácia. (grifos do autor)
Na análise do negócio jurídico verifica-se a necessidade de percorrer esse iter para
constatar se pode ser considerado como perfeito, ou seja, primeiro compete analisar se existe.
Existindo, se é válido. E, por fim, sendo válido, se é eficaz. Neste trabalho será destacada a
questão da existência, ou melhor, da inexistência do negócio jurídico, e a questão da validade,
uma vez que se relaciona com a nulidade e a anulabilidade, enfoque principal deste tópico.
3.4.1 Inexistência
A concepção do negócio jurídico inexistente não se encontra pacificada na doutrina,
pois alguns doutrinadores a consideram sem utilidade, por não pertencer a uma categoria
jurídica e porque não haveria necessidade de ser desconstituído judicialmente, pois, o que
nunca existiu não precisa ser desfeito, além do que, poderia ser trabalhada em sede de
nulidade.403
Seus defensores, entretanto, consideram-na importante, alegando ser uma decorrência
lógica, pois, considerando que a análise do negócio jurídico passa pelo plano da existência, é
403 MELLO, Marcos Bernardes. Teoria do fato jurídico: plano da validade. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p.59-
60.
133
possível reconhecer-se, assim, a inexistência, acrescentando que, enquanto o negócio nulo
pode produzir alguns efeitos, o inexistente não produz qualquer efeito, além de não ser
preciso a declaração judicial de sua inexistência.404
Ainda, acrescentam, para que um negócio jurídico seja nulo é necessário, primeiro,
que exista, onde “[...] há uma imagem exterior de seus elementos, valorável como válida ou
inválida e, eventualmente, capaz de gerar, pelo menos, qualquer efeito secundário, negativo
ou aberrante, embora a figura venha, depois, graças a uma análise mais profunda, revelar-se
inconsistente”.405
Reitera-se aqui o entendimento de que a distinção entre negócio jurídico inexistente e negócio jurídico nulo é fundamental para a elaboração da
científica da teoria do negócio jurídico, pois permite resolver, em definitivo
e de forma lógica, a contradição em que fatalmente incorrem os doutrinadores que confundem estes conceitos sempre que deparam com
aquelas situações em que, embora nulo, o negócio produz efeitos. Isto
porque não há como justificar a irradiação da eficácia do que não tem
existência jurídica.406
Colocada a divergência existente, cumpre destacar que os adeptos da concepção do
negócio inexistente consideram-no como “[...] aquele que carecesse de elementos
indispensáveis para sua própria configuração como figura negocial. Tais elementos são,
indiscutivelmente, dois: vontade e objeto”.407
No que tange à existência, importa aferir a suficiência do suporte fático, isto
é, se o negócio jurídico reúne os elementos de fato, que são considerados, por força de norma imperativa, essenciais tanto para sua configuração como
categoria abstrata quanto para sua estruturação nos termos específicos do
tipo negocial escolhido pelos contratantes para atender à finalidade por eles
perseguida.408
404 MIRANDA, custódio da Piedade Ubaldino. Teoria geral do negócio jurídico. São Paulo: Atlas, 1991, p.81. 405 BETTI, Emilio. Teoria geral do negócio jurídico. Trad. Fernando Miranda. Coimbra: Coimbra Ed., 1969, v.3,
p.18 apud SCHMIEDEL, Raquel Campani. Negócio jurídico: nulidades e medidas sanatórias. 2.ed. São Paulo:
Saraiva, 1985, p.54. 406 SCHMIEDEL, Raquel Campani. Negócio jurídico: nulidades e medidas sanatórias. 2.ed. São Paulo: Saraiva,
1985, p.54. 407 ABREU FILHO, José. O negócio jurídico e sua teoria geral. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p.339. 408 SCHMIEDEL, Raquel Campani. Op.cit, p.51.
134
Embora reconhecida a necessidade da análise do negócio jurídico no plano da
existência, Antônio Junqueira de Azevedo, acrescenta que a inexistência não se apresenta um
terceiro gênero, ao lado da nulidade e da anulabilidade, mas que se apresenta como oposição
ao negócio existente, confirmando a existência dos planos da existência, validade e eficácia,
como estágios a serem analisados quando do exame do negócio jurídico.409
Por fim, colocada a questão da inexistência e as divergências doutrinárias a seu
respeito, cumpre esclarecer que, não obstante as respeitáveis opiniões acerca de sua
importância para a questão da nulidade e anulabilidade do negócio jurídico, essa questão não
possui maior relevância para o presente trabalho, razão pela qual foram apenas tecidos os
singelos comentários acima expostos. Assim, sendo as hipóteses de nulidade e anulabilidade o
cerne do presente tópico, sua apresentação será realizada na seqüência.
3.4.2 Nulidade e da anulabilidade
O negócio jurídico representa o ato de vontade ao qual a lei confere os efeitos
jurídicos que foram pretendidos pelas partes, desde que respeitados os preceitos legais,
conferindo-lhes, inclusive proteção do Poder Público. Por outro lado se o ato não obedecer
aos mandamentos legais, não será capaz de produzir os efeitos desejados pelas partes, sendo
passível de invalidação.410
No campo da Teoria Jurídica em que o direito é visto sob a perspectiva da
Dogmática Jurídica, validade é qualificação que se atribui a atos jurídicos, inclusive de natureza legislativa, que significa serem esses atos sem defeitos,
isto é, são conformes com o direito daquela comunidade, especificamente.
Sob esse aspecto é que se fala em negócio jurídico nulo ou anulável (=
inválido), bem assim em lei válida e em lei nula [...].411
(grifos do autor)
Dentre essas hipóteses de invalidade estão, assim, os casos de nulidade e
anulabilidade, também chamada de nulidade relativa, ressaltando-se que existe em sede
409 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4.ed. são Paulo: Saraiva,
2002, p.63. 410 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: parte geral. 32.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v.1, p.283-284. 411 MELLO, Marcos Bernardes. Teoria do fato jurídico: plano da validade. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p.02.
135
doutrinária divergência quanto a esta nomenclatura, porém, seguindo os ensinamentos de
Silvio Rodrigues,412 bem como os dispositivos do próprio Código Civil, será esta a
denominação empregada no presente tópico.
Na nulidade há lesão a um interesse público e, em razão disso, o negócio jurídico não
terá o condão de produzir os efeitos jurídicos que foram queridos pelas partes, pois, em face
da gravidade dessa lesão, a ordem jurídica culmina de nulidade do ato.413
Ela [nulidade] é constituída como uma necessidade de resguardo às
disposições legais, da moral, dos bons costumes e da ordem pública. Por seu intermédio se sanciona a omissão dos requisitos estabelecidos pelo
ordenamento jurídico objetivando o interesse geral e também o interesse
particular da condição pessoal das partes.414
A nulidade pode ser classificada em textual e virtual. A primeira decorre de expressa
previsão legal, ao passo que a segunda decorre de “[...] uma proibição do ordenamento, ou se
acha submisso à observância e (sic) certos requisitos, necessários à sua validade.”
A nulidade pode ser ainda, total ou parcial. Será total quando sua ocorrência cause a
invalidação total do negócio e parcial quando o vício não afete o negócio por inteiro, mas
apenas fração deste. Com relação a esta última, importante destacar que sua aplicação resulta
da aplicação da regra da incomunicabilidade da nulidade, que encontra fundamento no
princípio da conservação dos negócios jurídicos.415
Para aplicação da regra da incomunicabilidade da nulidade, é preciso que se esteja
diante de um negócio jurídico único e complexo, ou seja:
Diz-se único, ou uno, o ato jurídico quando as suas disposições constituem
um todo indissociável, não se podendo separá-las em partes distintas sem
descaracterizá-lo. Há um só ato jurídico porque se lhe atribui especificidade única, o que se identifica pela existência de um só fim (=objeto) específico.
[...] Complexo, ou misto, é o ato jurídico, também único, em que algum, ou
412
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: parte geral. 32.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v.1, p.284-285. 413 MELLO, Marcos Bernardes. Teoria do fato jurídico: plano da validade. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 1999,
p.504. 414 ABREU FILHO, José. O negócio jurídico e sua teoria geral. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p.344. 415 SCHMIEDEL, Raquel Campani. Negócio jurídico: nulidades e medidas sanatórias. 2.ed. São Paulo: Saraiva,
1985, p.68.
136
alguns, desses elementos não é unitário, mas pelo menos um o é. A
complexidade pressupõe unidade e unicidade, ao menos, de um dos
elementos do ato jurídico [...].416
(grifos do autor)
Para aferição acerca da incomunicabilidade do defeito, pode utilizar-se do critério
subjetivo, consubstanciado na constatação de que as partes teriam realizado o negócio mesmo
que soubessem da existência do defeito que o inquinava, ou ainda, quando esta
incomunicabilidade vier expressamente determinada pela lei.417
Assim, constata-se que, ocorrendo nulidade total, o defeito causará a invalidação de
todo o negócio, ao passo que, ocorrendo nulidade parcial, apenas a parte defeituosa será
expurgada, desde que de defeito que não contamine todo o negócio e que as partes, caso o
conhecessem, o teriam efetuado mesmo assim, o que, aliás, prescreve o Art. 184 do Código
Civil.418
Nos termos do Art. 166 do Código Civil, o negócio jurídico será nulo quando:
I – celebrado por pessoa absolutamente incapaz;
II – for ilícito, impossível ou indeterminável seu objeto;
III – o motivo determinante de ambas as partes, for ilícito
IV – não revestir a forma prescrita em lei;
V – for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para sua validade;
VI – tiver por objetivo fraudar lei imperativa;
VII – a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem
cominar sanção.419
A nulidade representa sanção de maior gravidade do que a anulabilidade, sendo
necessário, portanto, enunciar quais os efeitos decorrentes de seu reconhecimento,
416 MELLO, Marcos Bernardes. Teoria do fato jurídico: plano da validade. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p.61-
62. 417 SCHMIEDEL, Raquel Campani. Negócio jurídico: nulidades e medidas sanatórias. 2.ed. São Paulo: Saraiva,
1985, p.68-69. 418 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.159. 419 Op.cit, p.157-158.
137
destacando-se, em primeiro lugar, o fato de poder ser alegada, nos termos do Art. 168 do
Código Civil, “[...] por qualquer interessando ou pelo Ministério Público, quando lhe couber
intervir”.420
A sentença que a reconhece é declaratória, sendo que seus efeitos retroagem à data da
celebração do negócio, ou seja, é ex tunc, uma vez que o negócio é nulo desde a sua formação
e o julgador apenas declara a existência de uma invalidade que existia desde o início do
negócio, donde decorre outro efeito, de que a nulidade se opera de pleno direito e que, regra
geral, não produz nenhum efeito.421
Nos termos do nosso Código Civil, a nulidade não pode ser suprida pelo juiz, mesmo
que haja requerimento das partes interessadas, competindo ao julgador tão logo dela tome
conhecimento, pronunciá-la de ofício, não sendo passível de confirmação, nem de
convalescimento pelo decurso do tempo, ou seja, é imprescritível.
Entretanto, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula n. 381,422
em
flagrante interpretação contra legem estabelecendo que, em matéria de contratos bancários, os
juízes não podem declarar de ofício a nulidade de cláusula contratual abusiva.
Referida Súmula contraria o disposto no Art. 1º do CDC, que estabelece serem suas
normas de ordem pública e interesse social, bem como o disposto no Art. 51, onde é
expressamente previsto que as nulidades devem ser reconhecidas de ofício, uma vez que nulas
de pleno direito.423
Ao analisar o teor desta súmula observamos que o tribunal foi extremamente infeliz em editá-la, pois a mesma padece de vício insanável de ilegalidade e
inconstitucionalidade.
O microssistema onde está inserido o Direito do Consumidor, tratou das
cláusulas abusivas de forma extremamente inteligente ao dispor que estas são nulas de pleno direito. Desta forma não seguiu o parâmetro dualista
utilizado pelo Código Civil, onde observamos a existência de dois tipos
nulidades, as absolutas e as relativas. Assim, da simples leitura do artigo 51, caput do CDC, resta claro e evidente
que o Direito do Consumidor faz referência à nulidade absoluta, onde estas
cláusulas abusivas já nascem com um vício insanável, não havendo nenhuma
420 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.158. 421 MIRANDA, Custódio da Piedade Ubaldino. Teoria geral do negócio jurídico. São Paulo: Atlas, 1991, p.82. 422
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n.381. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/toc.jsp?livre=@docn&tipo_visualizacao=RESUMO&menu=SIM>.
Acesso em: 28maio2010. 423 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.801-806.
138
possibilidade de se cogitar que esta venha se tornar válida por algum
motivo.424
Sobre o assunto, ainda é possível esclarecer que:
Sobre o pronunciamento de ofício do juiz podemos remeter ao artigo 168, parágrafo único do Código Civil, onde o legislador trata da necessidade do
pronunciamento ex officio do magistrado toda vez que observar nulidades em
negócios jurídicos, não podendo supri-las mesmo a requerimento das partes.
A justificativa para tal proteção ex officio se encontra no fato de garantir uma maior proteção ao consumidor/contratante que é a parte mais fraca da relação,
sendo este muitas das vezes hipossuficiente, reconhecendo assim a política
nacional que rege as relações de consumo conforme artigo 4º, I do CDC.425
Importante alteração legislativa trazida pelo Código Civil veio com o Art. 170, onde se
reconhece expressamente o instituto da conversão do negócio jurídico nulo, o qual, mesmo
antes da inserção legislativa já vinha sendo aplicado em matéria envolvendo Direito
Administrativo e Direito Processual Civil.426
Art. 170. Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o
teriam querido, se houvessem previsto a nulidade.427
Assim, os requisitos para a conversão são: a) objetivos: necessidade que o negócio
jurídico nulo contenha os requisitos daquele que o vai substituir; b) subjetivos: análise da
vontade das partes, para pressupor que elas teriam realizado a conversão caso soubessem do
defeito que inquinava o negócio, ou seja, “[...] o elemento subjetivo consiste na aferição de
424 MALHEIROS, Nayron Divino Toledo. A inconstitucionalidade da Súmula 381 do STJ. Disponível em:
<http://www.conjur.com.br/2009-jun-04/inconstitucionalidade-ilegalidade-sumula-381-stj>. Acesso em:
12fev.2010. 425 Op.cit. 426 SCHMIEDEL, Raquel Campani. Negócio jurídico: nulidades e medidas sanatórias. 2.ed. São Paulo: Saraiva,
1985, p.85. 427 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.158.
139
uma vontade hipotética ou virtual, pois, é necessário constatar-se que os declarantes teriam
querido o negócio se tivessem previsto a nulidade daquele realizado”.428
A anulabilidade, por seu turno, representa uma lesão menos grave ao ordenamento,
pois as normas desrespeitadas protegem os interesses de certas pessoas, ou seja, protegem
interesses individuais.429 O Art. 171 do Código Civil prescreve que os negócios jurídicos
podem ser anulados, além dos casos expressamente previstos em lei, quando houver:
incapacidade relativa do agente; e vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo,
lesão ou fraude contra credores.430
Ela é também denominada de nulidade relativa e tem como principal
finalidade o resguardo ou proteção de determinadas pessoas que, por motivos peculiares, não estariam aptas a realizar determinados negócios, sem
a observância de cautelas especiais, ou, se portadoras de aptidão,
manifestaram, contudo, suas vontades, com conseqüência de vícios que afetaram o consentimento, alcançando, ainda, os atos praticados por
determinadas pessoas com ânimo de vulnerar regras contidas no
ordenamento.431
(grifos do autor)
Com relação aos seus efeitos, o negócio anulável produz efeitos até que o defeito seja
reconhecido judicialmente, cujos efeitos operam-se ex nunc, ou seja, é somente depois da
sentença que cessam os efeitos do negócio. A sentença tem natureza constitutiva, ressaltando-
se que, uma vez declarada a anulabilidade, a decisão retroagirá para recompor as partes ao
estado anterior à celebração do negócio.432
Destaca-se também, que a anulabilidade somente pode ser alegada pelos interessados,
não pode ser pronunciada de ofício pelo juiz, não se opera de pleno direito, além de ser
passível de confirmação pela vontade das partes e estar sujeita ao prazo decadencial de quatro
anos.433 Estas duas últimas são chamadas medidas sanatórias.
428 SCHMIEDEL, Raquel Campani. Negócio jurídico: nulidades e medidas sanatórias. 2.ed. São Paulo: Saraiva,
1985, p.83. 429 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2002, v.1, p.555. 430 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.171. 431 ABREU FILHO, José. O negócio jurídico e sua teoria geral. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p.348. 432 AMARAL, Francisco. Direito Civil: introdução. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p.514-515. 433 SCHMIEDEL, Raquel Campani. Op.cit, p.57.
140
As medidas sanatórias, “[...] são instrumentos jurídicos destinados a salvaguardar a
manifestação de vontade das partes, preservando-a da deficiência que inquina o ato, tornando-
o nulo ou anulável”.434 Quanto aos atos nulos já foram tecidos comentários acerca da
conversão que é uma espécie de sanatória.
A primeira dessas medidas é a confirmação, prescrita no Art. 172 do Código Civil de
2002 e que no regime do Código Civil de 1916 era denominada de ratificação. A par da
divergência doutrinária quanto ao significado dos termos, tem-se que é o meio voluntário pelo
qual o negócio jurídico anulável é convalidado, expurgando-lhe o defeito que possuía, tendo
natureza de negócio jurídico unilateral não-receptício, cujos efeitos retroagem à data da
celebração do negócio,435 possuindo efeitos ex tunc, portanto.
A confirmação pode ser expressa ou tácita. Quando for expressa, deve conter a
substância do ato a ser confirmado bem como a menção expressa de querer confirmá-lo.
Silvio Rodrigues acrescenta que haver menção ao defeito que ser quer convalidar, pois, “[...]
como o conceito de ratificação envolve a idéia de confirmação de ato que se sabe infirme,
parece-me que a melhor maneira de se revelar tal propósito é mediante a expressa referência
ao defeito que se quer expurgar”.436
A confirmação será tácita quando houver a prática de um ato contrário ao desejo de
invalidar o negócio, ou seja, quando a parte a quem aproveita cumprir, mesmo que
parcialmente o negócio, ciente do defeito que o inquinava.437
Por fim, como última das medidas sanatórias mencionadas, tem-se a decadência. Em
primeiro lugar, cumpre esclarecer que, antes da vigência do atual Código Civil, os
doutrinadores falavam em prescrição, contudo, o novel diploma resolveu a controvérsia antes
existente entre as hipóteses de decadência e prescrição, prescrevendo expressamente tratar-se
de decadência, tudo em respeito ao princípio informativo da operabilidade.
Caso não alegada pelas partes em termo oportuno, o defeito do negócio se convalidará
diante de sua inércia. Defendem alguns que a decadência seria uma forma de confirmação
involuntária, enquanto outros entendem que pode representar tanto uma forma voluntária
quanto involuntária. Será voluntária quando a parte, ciente do defeito do negócio,
434 SCHMIEDEL, Raquel Campani. Negócio jurídico: nulidades e medidas sanatórias. 2.ed. São Paulo: Saraiva,
1985, p.60. 435 AMARAL, Francisco. Direito Civil: introdução. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p.515. 436 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: parte geral. 32.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v.1, p.288-289. 437 ABREU FILHO, José. O negócio jurídico e sua teoria geral. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p.356-357.
141
propositalmente deixe fluir o prazo sem pleitear a anulação com o intuito de confirmar o
negócio e, involuntária, quando a parte possuir tal desiderato.438
Nos casos de nulidade e anulabilidade, para conclusão do presente tópico, constata-se
que são defeitos existentes no negócio jurídico no momento da celebração da avença, onde se
pleiteia, salvo nos casos em que possível a manutenção do negócio, a extinção da avença e o
retorno das partes ao estado em que se encontravam no momento da celebração.
Diferenciam-se, portanto, da imprevisão, onde as causas surgem após a celebração do
contrato, em decorrência de acontecimentos imprevisíveis e inevitáveis, onde não se procura a
extinção do negócio, mas o restabelecimento do equilíbrio contratual e a manutenção da
avença.
3.4.3 Nulidade do contrato de consumo
O Código de Defesa do Consumidor, preocupando-se com a parte mais fraca da
relação jurídica de consumo, o consumidor, expressamente reconheceu a presunção de sua
vulnerabilidade e, para sua efetiva proteção contratual, estabeleceu seus direitos básicos,
destacando-se neste ponto, o inciso IV do Art. 6º, que prescreve a proteção do consumidor
contra práticas e cláusulas abusivas.
Referido preceito é complementado pelo Art. 51, que culmina de nulidade as cláusulas
consideradas abusivas. Neste caso, pode ocorrer tanto a invalidade apenas da cláusula, quando
possível sua integração sem que haja ônus excessivo para qualquer das partes, como a todo o
contrato, conforme dispõe o §2º do Art. 51.439
A cominação de nulidade da cláusula abusiva possui estreita ligação com o inciso IV
do Art. 6º do CDC, que estabelece ser direito do consumidor a proteção contra estas cláusulas.
Referido direito significaria a imposição do princípio da transparência e da boa-fé nos
contratos de consumo, sendo o primeiro destes princípios reflexo do segundo, onde o CDC
438 ABREU FILHO, José. O negócio jurídico e sua teoria geral. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p.357. 439
Brasil. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.802-806.
142
não se preocupa apenas com o momento da formação do contrato, mas também com a fase
pré-contratual e a fase de sua execução.440
Não é demais lembrar que as relações de consumo são informadas pelo
princípio da boa-fé (art. 4º, caput e inc. III, CDC), de sorte que toda a cláusula que infringir esse princípio é considerada, ex lege, como abusiva.
Dissemos ex vi legis, porque o art. 51, n. XV, do CDC diz serem abusivas as
cláusulas que „estejam em desacordo com o sistema de proteção ao
consumidor‟.441
O CDC, ao estabelecer a sanção de nulidade quando da inserção de cláusulas abusivas
nos contratos, afastou-se do sistema do direito alemão, que estabelece duas listas de cláusulas
abusivas, em uma delas as cláusulas são sempre ineficazes e na outra podem ser declaradas
ineficazes pelo juiz, além de estabelecer uma cláusula geral de proibição de cláusulas
abusivas.442
No CDC, foi estabelecida apenas uma lista de cláusulas consideradas abusivas,
declarando-as nulas de pleno direito, estabelecendo um sistema próprio, afastando-se de
outros ramos do Direito pátrio, como o Direito Civil ou o Direito Administrativo, pois, “[...]
no regime jurídico do CDC, as cláusulas abusivas são nulas de pleno direito porque
contrariam a ordem pública de proteção do consumidor”.443 (grifos do autor)
Referida assertiva encontra fundamento no Art. 1º do estatuto, quando declara que
suas normas são de ordem pública e interesse social, cabendo, portanto, ao magistrado, o
reconhecimento e a declaração de sua nulidade ex officio, independentemente de qualquer
manifestação do consumidor ou mesmo quando este figurar como réu, sendo que seu
reconhecimento independe da análise da boa ou má-fé do fornecedor e sua intenção de obter
vantagem indevida ou exagerada.444
440 MARQUES, Cláudia Lima. A Lei 8.078/90 e os Direitos Básicos do Consumidor. In. BENJAMIN, Antônio V. Herman; MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direitos do consumidor. São
Paulo: RT, 2007, p.57. 441 NERY JUNIOR, Nélson. Da proteção contratual. In GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Código Brasileiro de
Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: FU, 1999, p.452. 442 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.910. 443 NERY JUNIOR, Nélson. Op.cit, p.454. 444 BESSA, Leonardo Roscoe. Proteção contratual. In. BENJAMIN, Antônio V. Herman; MARQUES, Cláudia
Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direitos do consumidor. São Paulo: RT, 2007, p.292-294.
143
Ressalve-se que, apesar da adoção desta lista única de cláusulas abusivas, o legislador
acabou inserindo no inciso IV do Art. 51, uma norma geral de proibição de cláusulas
abusivas, quando contrariarem a boa-fé ou a eqüidade, como já alhures mencionado.
Há que se asseverar que, reconhecendo-se a existência de uma cláusula abusiva, esta
será declarada nula, no caso, uma nulidade absoluta, pois as normas do CDC além de serem
de ordem pública, encontram fundamento constitucional, sendo este o entendimento do
STJ.445 Porém, com a edição da Súmula 381, retirou-se a possibilidade de reconhecimento de
ofício das cláusulas abusivas referente a contratos bancários.446
Entretanto, o reconhecimento da abusividade da cláusula e declaração de sua nulidade,
regra geral, não contaminará todo o contrato, pois o §2º do Art. 51 estabelece a possibilidade
de manutenção do contrato, caso seja possível sua integração, após a eliminação da cláusula
abusiva, sem que, com isso, ocorra onerosidade excessiva para qualquer das partes.
A sanção, portanto, é negar efeito unicamente para a cláusula abusiva, preservando-se, em princípio o contrato, salvo se a ausência da cláusula
desestruturar a relação contratual, gerando ônus excessivo a qualquer das
partes. Cuida-se do princípio da conservação do contrato. O magistrado,
portanto, após excluir o efeito da cláusula abusiva deve verificar se o contrato mantém condições – sem a cláusula abusiva- de cumprir sua função
socioeconômica ou , ao contrário, se a nulidade da cláusula irá contaminar e
invalidar todo o negócio jurídico.447
Esta possibilidade de revisão do contrato quando da extirpação de uma cláusula
abusiva representa uma das chamadas medidas sanatórias, que deve ser diferenciada daquela
prevista no inciso V do Art. 6º do CDC, que se refere às hipóteses em que a cláusula não se
insere no contexto de cláusulas abusivas, como será analisado detalhadamente ao se tratar das
hipóteses de revisão do contrato.
445 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.908-909. 446 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n.381. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/toc.jsp?livre=@docn&tipo_visualizacao=RESUMO&menu=SIM>.
Acesso em: 28maio2010. 447 BESSA, Leonardo Roscoe. Proteção contratual. In. BENJAMIN, Antônio V. Herman; MARQUES, Cláudia
Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direitos do consumidor. São Paulo: RT, 2007, p.292-294.
144
3.5 REVISÃO DO CONTRATO
Ao tratar das invalidades, foi mencionada a possibilidade da ocorrência de situações
que impeçam o cumprimento normal do contrato. Neste ponto será apresentado outro
instrumento para a proteção contratual aplicável a esses casos. Trata-se da possibilidade de
modificação de cláusulas que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão quando
fatos supervenientes a tornem excessivamente onerosas para o consumidor.
Referido instrumento de proteção contratual não se confunde com a hipótese prevista
no Art. 478 a Art. 480 do Código Civil de 2002, sob a denominação: “Da Resolução do
Contrato por Onerosidade Excessiva”, ou a chamada Teoria da Imprevisão.
Por critério didático, serão apresentados os contornos da Teoria da Imprevisão logo na
seqüencia, seguindo com a descrição de institutos previstos na legislação civil que lhe são
afins, mas que com ela não se confundem, para, ao final, apresentarem-se os contornos da
hipótese prevista no CDC e sua diferenciação com a Teoria da Imprevisão.
3.5.1 Teoria da imprevisão
A Teoria da imprevisão encontra suas remotas raízes no Código de Hamurabi, que já
possuía disposição acerca da imprevisibilidade na hipótese de caso fortuito ou força maior,
sendo que, no Direito romano, mesmo prevalecendo a regra do pacta sunt servanda, houve
reconhecimento, embora de forma esparsa e assimétrica, de que circunstâncias futuras e
imprevisíveis poderiam frustrar o cumprimento das obrigações.448
Contudo, é creditado ao Direito canônico o desenvolvimento teórico do instituto,
defendendo-se a idéia de que seria necessário preservar o equilíbrio das prestações, sendo
conhecida a lição de Santo Agostinho, no sentido de que o cumprimento de uma obrigação
somente seria exigível desde que todas as circunstâncias existentes ao tempo da contratação
permanecessem as mesmas durante sua execução, cláusula que estaria implícita em todos os
448 BORGES, Nelson. A teoria da imprevisão: no Direito Civil e no Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 2002,
p.84-92.
145
contratos, diante da máxima “contractus qui habenti tractum successivum et dependentiam de
futuro, rebus sic stantibus intelliguntur, abreviada como rebus sic stantibus.449
O desenvolvimento do instituto começou a declinar no início do humanismo, declínio
que se consolidaria com a Revolução francesa, onde não se admitia a existência de cláusulas
implícitas, pois se as partes eram livres e iguais, tudo o que pretendiam estabelecer estaria
disposto no contrato. O que não estivesse estipulado era porque elas intencionalmente
renunciaram, ocorrendo, assim, a primazia dos postulados da obrigatoriedade e da
intangilidade dos pactos.450
A Teoria da Imprevisão, é de ressaltar, não é antagônica ao princípio da
obrigatoriedade dos contratos, ao contrário, serve para reforçá-lo, sendo uma exceção aquele,
que ainda é regra geral, sendo precisas as lições de Nelson Borges:451
[...] ao que se sabe, até hoje nenhum jurista de mediano senso defendeu a
aplicação da teoria da imprevisão em substituição ao postulado do pacta
sunt servanda. Por irônico que possa parecer, a sobrevivência da doutrina
da imprevisibilidade liga-se de forma definitiva à manutenção daquele postulado, como regra geral. (grifos do autor)
Complementa o autor:
O que se tem pretendido, por séculos e séculos, como exceção à
rigidez dogmática do postulado „o contrato faz lei entre as partes‟, é que em
casos de reconhecida patologia contratual, de comprovada anormalidade da base negocial, ou de seu desaparecimento, ocasionada por evento
imprevisível, presentes seus pressupostos de admissibilidade, em nome da
função social dos pactos, da mais elementar boa-fé ou, mesmo, da própria
estabilidade do comércio jurídico, objetivando não só a segurança como, também, a socialização das regras incidentes sobre as contratações, a visão
míope que afasta a aplicação da eqüidade e das anomalias surgidas por
força de um abalo econômico de grande magnitude [...] seja corrigida e o bom senso prevaleça.
449
DÍAZ, Julio Alberto. A teoria da imprevisão no novo Código Civil brasileiro. Revista de Direito Privado. São
Paulo: RT, n.20, p.198, out./dez.2004. 450 SILVA, Luís Renato Ferreira da. Revisão dos contratos: do Código Civil ao Código do Consumidor. Rio de
Janeiro: Forense, 2001, p.99-102. 451 BORGES, Nelson. A Teoria da imprevisão no Direito Civil e no Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 2002,
p.139-140.
146
Após seu quase esquecimento, em período histórico posterior, principalmente após as
duas Grandes Guerras e a Crise de 1929, começaram a surgir os estudos recentes acerca do
instituto, tema também tratado pela doutrina e jurisprudência nacional, destacando-se a
decisão proferida em 1930, pelo ainda juiz Nelson Hungria que, não obstante a inexistência de
preceito expresso a seu respeito buscou fundamentos junto aos princípios gerais de direito,
decisão, porém, que não foi confirmada pelas instâncias superiores.452
Em sede doutrinária, merecem destaque os estudos realizados por Arnoldo Medeiros
da Fonseca, onde “[...] sustenta a tese de que a impossibilidade absoluta ou objetiva de
executar, isto é, a que atinge a prestação em si e existe com respeito a qualquer indivíduo
colocado em situação análoga ao do obrigado, não é nenhum requisito absurdo e
desumano”.453 (grifos do autor)
Em sede legislativa, também houve tentativas de implantação do instituto,
mencionando-se, em primeiro lugar, o projeto do Código de Obrigações, elaborado por Caio
Mário em 1963, que adotava o critério da resolução do contrato, com possibilidade de
revalidação do negócio pelo réu, excluindo expressamente do âmbito de sua incidência os
contratos aleatórios e aqueles em que somente uma das partes assumisse obrigações, sendo
que a sentença retroagiria à data da citação.454
Referido projeto acabou não sendo levado adiante, sendo apresentado em 1975 o
projeto do novo Código Civil onde, no Título “Dos contratos em geral”, inseriu-se uma seção
dentro do Capítulo “Da extinção do contrato” com a nominada “Da resolução por onerosidade
excessiva”.
De acordo com o projeto apresentado, poderiam ser visualizados os seguintes
requisitos para a aplicação da imprevisão: aplicação aos contratos de execução continuada ou
diferida, com exclusão daqueles de cumprimento instantâneo; onerosidade excessiva em razão
de fatos extraordinários e imprevisíveis ocorridos após a contratação e extrema vantagem para
a outra parte.455
452 SILVA, Luís Renato Ferreira da. Revisão dos contratos: do Código Civil ao Código do Consumidor. Rio de
Janeiro: Forense, 2001, p.117. 453 FONSECA, Arnoldo Medeiros. Caso Fortuito e teoria da imprevisão. Rio de Janeiro: Jornal do Comércio,
1932, p.82, 139, 192, 195; et passim apud SIDOU, J. M. Othon. A revisão judicial dos contratos. 2.ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1984, p.82. 454 SIDOU, J. M. Othon. A revisão judicial dos contratos. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p.101. 455 Op.cit, p. 104.
147
Ainda, é possível auferir que o projeto: privilegiava a resolução como regra, a qual
deveria ser pleiteada pelo devedor, com a possibilidade do credor converter a resolução em
revisão desde que se oferecesse a alterar, de forma equitativa, as condições do contrato;
possibilitava a aplicação do instituto aos contratos unilaterais, nada mencionando acerca dos
contratos aleatórios; conferia à sentença efeitos ex nunc, retroagindo à data da citação.456
Após anos de tramitação, o projeto foi convertido em lei, sendo publicado o Novo
Código Civil que entrou em vigor em 2002, introduzindo expressamente o instituto em nosso
ordenamento, mantendo-se mesma disposição do projeto elaborado em 1975, onde no Art.
478 a Art. 480 trazem os preceitos aplicáveis para a revisão do contrato por onerosidade
excessiva.
Assim, nos termos da legislação vigente a doutrina enumera com requisitos para a
aplicação do instituto: contratos de execução continuada diferida; imprevisibilidade e
extraordinariedade; ausência de estado moratório; lesão virtual; essencialidade;
inimputabilidade; excessiva onerosidade e extrema vantagem.457
Em primeiro lugar, tem-se a exigência do Art. 478, de que os contratos devam ser de
execução continuada ou diferida. Os primeiros seriam aqueles em a prestação pode prolongar-
se por determinado período ou reiterando-se periodicamente, enquanto os segundos seriam
aqueles em que o cumprimento da prestação pode ser postergado.458
Assim identificados, denota-se que determinação legislativa se justifica, pois nestes
contratos há a possibilidade de ocorrência fatos posteriores que venham a tornar a execução
do contrato extremamente onerosa para o devedor, sendo, portanto, campo fértil para a
aplicação do instituto da imprevisão.
Com relação a esses contratos, sendo eles comutativos, é fácil a conclusão acerca do
cabimento da mencionada teoria, pois há presunção de uma equivalência entre as prestações
que podem vir a se tornar desproporcionais. Quanto aos unilaterais, apesar da discordância de
456 SIDOU, J. M. Othon. A revisão judicial dos contratos. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p.104-105. 457 BORGES, Nelson. A Teoria da imprevisão no Direito Civil e no Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 2002,
p.298. 458 MARTINS, Samir José Caetano. A onerosidade excessiva no Código Civil: instrumento de manutenção da
justa repartição dos riscos negociais. Revista de Direito Privado. São Paulo: RT, n.8, p.270, jul./set.2007.
148
alguns doutrinadores, o Art. 480 expressamente prevê a possibilidade de aplicação da
imprevisão a essa modalidade de contrato.459
Já com relação aos contratos aleatórios, a restrição a aplicação da teoria é mais
vigorosa, sob a alegação de que a incerteza é a característica primordial desses contratos, ou
seja, a álea faz parte do próprio negócio. Todavia, cabe esclarecer que, apesar de ser
característica destes contratos a existência de um risco, podem ocorrem situações que
escapem ao risco normal do contrato, sendo que, nestes casos, poderia se falar em aplicação
da teoria da imprevisão.460
Já manifestamos nosso ponto de vista quanto a que, dos efeitos da teoria revisionista, sejam afastados, expressamente, os contratos aleatórios, não
generalizadamente, como insiste Ripert, nas Regras Morais, porém
distinguindo os riscos comuns, assumidos por quem está disposto a enfrentá-los, dos riscos não comuns, incertos e imprevisíveis, alheios a qualquer
manifestação de vontade.461
(grifos do autor)
O segundo requisito é a imprevisibilidade e extraordinariedade do acontecimento.
Consultando os léxicos462 tem-se que extraordinário é aquilo que não é ordinário, fora do
comum, ou seja, um acontecimento anormal. Imprevisível, por seu turno, é algo “não
previsível”, aquilo que não se pode prever, que dever ser distinguido de imprevisto, que
significa inopinado, inesperado, que estaria na esfera dos acontecimentos normais, mas que
não foi previsto.
Ainda, é possível dizer que a imprevisibilidade deve ser determinada “[...] com
referencia à diligência do „bom pai de família‟, ou de um homem de diligência ordinária que
exerça atividade do mesmo ramo que a do contratante que exige a resolução”.463 Já quanto à
extraordinariedade:
459 MARTINS, Samir José Caetano. A onerosidade excessiva no Código Civil: instrumento de manutenção da
justa repartição dos riscos negociais. Revista de Direito Privado. São Paulo: RT, n.8, p 270-271, jul./set.2007. 460
Op.cit, p.287. 461 SIDOU, J. M. Othon. A revisão judicial dos contratos. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p.116. 462 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 3.ed. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1993, p.241, p.297, p.441. 463 DÍAZ, Julio Alberto. A teoria da imprevisão no novo Código Civil brasileiro. Revista de Direito Privado. São
Paulo: RT, n.20, p.205, out./dez.2004.
149
Um acontecimento é extraordinário quando sua ocorrência não obedece ao
curso normal, ou estatisticamente comum da vida ordinária. [...] A
delimitação do acontecimento é, necessariamente objetiva, ou seja, o fato excepcional não pode ter uma gravitação exclusivamente individual no
devedor prejudicado, senão que deve afetar toda uma categoria de
devedores. A valoração objetiva, proíbe qualquer tipo de indagação
individual acerca da fortuna ou consistência patrimonial de um determinado
devedor.464
O terceiro requisito é a ausência de estado moratório, pois se o acontecimento anormal
ocorreu após o termo em que deveria ser cumprida a obrigação, não é cabível que o devedor
se aproveite de sua desídia para pleitear a resolução do contrato. Porém, caso esse
acontecimento anormal tenha ocorrido antes da mora do devedor, não haverá óbice para a
aplicação da imprevisão.465 Este requisito encontra-se intimamente ligado com a ausência de
culpa do devedor, pois, este não pode ter dado causa à situação anormal, dentre as quais é de
se mencionar o descumprimento da obrigação no prazo estipulado.466
O concurso da ausência de mora ou culpa do contratante devedor,
pressuposto obscurecido tanto no Projeto do Código de Obrigações como no Projeto de Código Civil, quer-nos parecer um elemento inafastável de moral.
Antes de uma redundância, é regra de reforço, consoante o princípio que
preside todos os contratos bilaterais, mediante a exceptio non adimpleti
contractus.
Em obediência a essa defesa indireta, nenhum dos contratantes, sem o prévio
cumprimento de seu encargo, pode exigir a obrigação da outra parte, e havendo concorrência de culpa, nada podem reclamar as partes uma da
outra, se ambas contribuíram para a inexecução da verba contratual.467
(grifos do autor)
O requisito da lesão virtual refere-se ao fato de que a lesão ainda dever estar na
iminência de ocorrer, pois, caso já tenha ocorrido ou o contrato já tenha sido cumprido estará
inviabilizada a imprevisão, que está ligado ao requisito da essencialidade, ou seja, aquelas
464 DÍAZ, Julio Alberto. A teoria da imprevisão no novo Código Civil brasileiro. Revista de Direito Privado. São
Paulo: RT, n.20, p.205, out./dez.2004. 465 BORGES, Nelson. A Teoria da imprevisão no Direito Civil e no Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 2002,
p.315. 466 SILVA, Luís Renato Ferreira da. Revisão dos contratos: do Código Civil ao Código do Consumidor. Rio de
Janeiro: Forense, 2007, p.113-114. 467 SIDOU, J. M. Othon. A revisão judicial dos contratos. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p.117.
150
situações que a alteração anormal do negócio afetem sua base negocial, exigindo do devedor o
cumprimento de uma obrigação que ofende os princípios da boa-fé e da eqüidade.468
Por fim, os requisitos da onerosidade excessiva e da extrema vantagem. Para a
aferição da onerosidade excessiva, o julgador analisará o caso concreto, realizando uma
comparação entre a onerosidade no momento da celebração do contrato e o momento de seu
cumprimento, ou seja, após a ocorrência do acontecimento anormal. 469
Ressalte-se que a onerosidade excessiva não se confunde com a impossibilidade, nem
com a dificuldade no cumprimento da obrigação. Havendo impossibilidade, há que se
perquirir sobre a existência de caso fortuito e de força maior, enquanto os casos de
onerosidade excessiva refletem um prejuízo que exceda os riscos normais do contrato,
diferenciando-se da mera dificuldade, pois a situação excessivamente onerosa situa-se entre
esta e a impossibilidade de cumprimento, em razão da situação anormal superveniente,
constatação que ficará a cargo do julgador.470
A questão da vantagem excessiva para o credor vem a acrescentar a exigência de que,
ao lado da onerosidade excessiva para devedor, o fato anormal superveniente também cause
uma vantagem exacerbada para o credor, o que demonstra a preocupação do legislador com a
questão do enriquecimento sem causa, vedação expressamente prevista no Art. 884.471
A introdução deste requisito foi alvo de críticas, por restringir o alcance do instituto,
além do que, hipóteses existem em que, embora haja uma excessiva onerosidade para o
devedor, não haverá vantagem alguma para o credor, ou mesmo situações em que também o
credor poderá sofrer prejuízo.472
Outros, porém, entendem correta a inserção do requisito, pois o credor quando não
aufere vantagem exagerada tem direito em exigir o cumprimento de uma obrigação assumida,
468 BORGES, Nelson. A Teoria da imprevisão no Direito Civil e no Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 2002,
p.316-319. 469 DÍAZ, Julio Alberto. A teoria da imprevisão no novo Código Civil brasileiro. Revista de Direito Privado. São
Paulo: RT, n.20, p.207-208, out./dez.2004. 470 MARTINS, Samir José Caetano. A onerosidade excessiva no Código Civil: instrumento de manutenção da
justa repartição dos riscos negociais. Revista de Direito Privado. São Paulo: RT, n.8, p.271-273, jul./set.2007. 471 SIDOU, J. M. Othon. A revisão judicial dos contratos. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p.104. 472 SILVA, Luís Renato Ferreira da. Revisão dos contratos: do Código Civil ao Código do Consumidor. Rio de
Janeiro: Forense, 2007, p.113.
151
uma vez que, a estabilidade e a segurança da relação negocial não representa qualquer
injustiça.473
Alguns autores se manifestam de forma divergente quanto ao regime jurídico a ser
adotado por este instituto. Othon Sidou destaca que, enquanto alguns defendem que deveria
ser pleiteada apenas a revisão do contrato, outros entendem que deveria pleitear-se somente
sua resolução. Referido autor esclarece que também há o entendimento de que deveria
pleitear-se primeiramente a revisão e depois a resolução ou, como adotado por nosso Código
Civil em seus artigos 478 e 479, pleitear primeiramente a resolução para depois tentar-se a
revisão do contrato.474
Muito embora a adoção do regime misto represente a melhor solução para a aplicação
do instituto, a crítica que se estabelece com relação ao regime adotado pelo Código refere-se
ao fato de que, tendo em vista os princípios da função social do contrato e da manutenção dos
pactos, seria preferível que primeiro se tentasse a revisão do contrato, para só depois, em caso
de impossibilidade, fosse efetuada a revisão, mas nosso legislador atuou de forma contrária.475
Nos termos estabelecidos em lei, diante da presença dos requisitos autorizadores da
imprevisão, caberá ao devedor (autor da ação) pleitear somente a resolução do contrato,
cabendo ao credor, no momento contestar a demanda, nos termos do Art. 479, apresentar-se
para modificar o contrato em termos mais equilibrados, ponto também passível de crítica, por
deixar a critério do credor (réu) a faculdade de modificar ou não o contrato.
Alguns autores, dentre eles Gustavo Tepedino, Heloísa Helena Barboza e Maria
Celina Bondin de Moraes,476 têm buscado subsídios no próprio Código para que se possa
buscar, de forma alternativa, tanto a revisão como a resolução do contrato. Para tanto,
utilizam-se do Art. 317, que estabelece ser lícito ao juiz corrigir, a pedido da parte, o valor de
prestações que se tornaram desproporcionais, em face de acontecimentos imprevisíveis.
473 MARTINS, Samir José Caetano. A onerosidade excessiva no Código Civil: instrumento de manutenção da
justa repartição dos riscos negociais. Revista de Direito Privado. São Paulo: RT, n.8, p.274, jul./set.2007. 474 SIDOU, J. M. Othon. A revisão judicial dos contratos. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p.107-108. 475
BORGES, Nelson. A Teoria da imprevisão no Direito Civil e no Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 2002,
p.328-329. 476 TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin. Código civil
interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.131 apud MARTINS,
Samir José Caetano. A onerosidade excessiva no Código Civil: instrumento de manutenção da justa repartição
dos riscos negociais. Revista de Direito Privado. São Paulo: RT, n.8, p.282-283, jul./set.2007.
152
Entretanto, Samir José Caetano Marins,477 discorda deste entendimento, entendendo
que este dispositivo somente se aplica aos casos desvalorização de moeda, haja vista que deve
ser analisado em sintonia com os artigos precedentes (Art. 315 e Art. 316).
Ainda, críticas são realizadas quanto ao legitimado para pleitear a medida, pois o
Código Civil é expresso em apenas conferi-la ao devedor, quando deveria também conferi-la
ao credor, já que ambas as partes estão sujeitas a acontecimentos imprevisíveis e inevitáveis
que podem causar um extremo desequilíbrio no contrato. Como forma de remediar tal
situação, o Art. 479 faculta ao credor a possibilidade de apresentar-se para modificar o
contrato no caso de ser acionado pelo devedor.478
A par das críticas apontadas, vê-se que o instituto da imprevisão revela-se importante
para situações nas quais, acontecimentos imprevisíveis e inevitáveis, possam alterar
profundamente o equilíbrio contratual, ocasionando prestações excessivamente onerosas para
uma parte e vantagem exagerada para outra. Diante a importância deste instituto, convém
diferenciá-lo de outros que possuem alguma similitude com ele, o que ser fará a seguir.
3.5.2 Caso fortuito e força maior
Embora nosso ordenamento estabeleça que os contratos sejam entabulados para serem
cumpridos, tanto que o Art. 389 Código Civil prescreve que, descumprida uma obrigação,
responderá o devedor por perdas e danos, o próprio Código estabelece algumas hipóteses de
exclusão desta responsabilidade, sendo uma delas na ocorrência de caso fortuito ou de força
maior, salvo quando o devedor tiver se responsabilizado por esses eventos.
Na doutrina há controvérsia sobre estes vocábulos, ou seja, se representariam
expressões sinônimas ou não. Enquanto alguns, na esteira de Hely Lopes Meirelles,479
conceituam separadamente essas hipóteses, outros, como Silvio Rodrigues,480 entendem que o
Código Civil as trata como expressões sinônimas. Dentre aqueles que as separam, uns
477
MARTINS, Samir José Caetano. A onerosidade excessiva no Código Civil: instrumento de manutenção da
justa repartição dos riscos negociais. Revista de Direito Privado. São Paulo: RT, n.8, p.282-283, jul./set.2007. 478 BORGES, Nelson. A Teoria da imprevisão no Direito Civil e no Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 2002,
p.679-680. 479 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 29.ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p.234. 480 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: parte geral das obrigações. 30.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v.2, p.238.
153
entendem que o caso fortuito estaria relacionado com os fatos decorrentes das forças da
natureza, ao passo que a força maior estaria relacionada a fatos alheio diretamente
relacionados com a atividade humana, enquanto outros entendem exatamente o contrário.481
Entretanto, esta discussão doutrinária não oferece maiores problemas na prática, pois,
tanto num como noutro caso, o devedor não será responsabilizado pelos prejuízos decorrentes
do descumprimento da avença, fazendo necessário, apenas, traçar os requisitos para sua
configuração: inimputabilidade, inevitabilidade, superveniência e irresistibilidade.
A inimputabilidade significa que “[...] a fortuidade e a força maior só são invocáveis
como causas justificadoras da inexecução quando não tiver havido com culpa a parte, isto é,
não tiver contribuído para colocar-se em situação de ser colhida pelo evento”.482
Por seu turno, para a configuração da inevitabilidade é necessário que aquele evento
não seja possível evitar, ao passo que a superveniência revela-se na necessidade de que a
causa para o não cumprimento do contrato ocorra após a contratação e antes do momento da
execução do contrato.483
Por fim, para a configuração da irresistibilidade “[...] é indispensável que fique claro
não ser oponível (ou oposta, se revele ineficaz), qualquer forma de energia, empenho ou força
humana ao fato que se abate sobre a contratação [...]”.484 Conclui Silvio Rodrigues que é neste
sentido que deve ser entendida a expressão “fato necessário”, constante do parágrafo único do
Art. 393, não se exigindo, para configuração do caso fortuito e da força maior, a existência da
imprevisibilidade.
A imprevisibilidade do evento não constitui requisito do caso fortuito, pois,
embora previsível o fato, não raro a vítima não se pode furtar sua ocorrência,
nem lhe resistir aos efeitos. A imprevisibilidade pode, contudo, intensificar o
elemento irresistibilidade, pois, se o devedor não podia prever o acontecimento, mais difícil lhe seria resistir aos efeitos.
[...]
É em tal sentido que se deve interpretar o parágrafo único do art. 393,
quando define o fortuito como fato necessário (isto é, evento inescapável,
481 BORGES, Nelson. A Teoria da imprevisão no Direito Civil e no Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 2002,
p.147-148. 482 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 29.ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p.235. 483 BORGES, Nelson. Op.cit, p.149. 484 Op.cit, p.149.
154
ainda que diligente o devedor), cujos efeitos não era possível evitar ou
impedir (portanto, irresistível).485
(grifos do autor)
Assim, analisadas as hipóteses de caso fortuito e força maior, denota-se que possuem
algumas semelhanças com a Teoria da Imprevisão. Em primeiro lugar, destaca-se o fato de
ambas constituírem fatos jurídicos e, em segundo lugar, o momento em que ocorrem, ou seja,
são causas que surgem posteriormente à celebração do contrato, o que denota serem hipóteses
que apenas podem ocorrer nos contratos de execução diferida.486
Embora se assemelhem, não podem ser confundidas, pois, no caso fortuito e na força
maior a impossibilidade de cumprimento da obrigação é absoluta ao passo que na imprevisão
é apenas relativa, uma vez que, apesar de haver se tornado excessivamente onerosa para o
devedor, mas ainda é passível de cumprimento.487
No que se refere à imprevisibilidade, esta é fundamental na teoria da imprevisão, ao
passo que nas hipóteses de caso fortuito e de força maior esta não possui tanta relevância, uma
vez que seus requisitos essenciais são a inevitabilidade e a irresistibilidade do fato,
acrescentando-se que nesses últimos é apreciada a existência de lesões já consolidadas e na
teoria da imprevisão o que se exige é a iminência de ocorrência de uma lesão.488
Aponta-se também a questão da responsabilização do devedor, já que no caso fortuito
e na força maior, não se impõe qualquer dever de indenizar. Ao contrário, na imprevisão, a
regra é que o devedor deve cumprir sua prestação, que é apenas revista para restabelecer o
equilíbrio do contrato, sendo que, apenas em casos excepcionais, quando não foi possível
imputar às partes ou a terceiros qualquer responsabilidade não haverá o dever de indenizar.489
Prosseguindo, no caso fortuito e na força maior o devedor é atingido de maneira direta,
atingindo-se indiretamente o contrato. Já na imprevisão ocorre justamente o contrário,
acrescentando-se que nos primeiros é atingido inicialmente o devedor, ao passo que na
485 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: parte geral das obrigações. 30.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v.2, p.237-
238. 486
BORGES, Nelson. A teoria da imprevisão no direito civil e no processo civil. São Paulo Malheiros, 2002,
p.152. 487 Op.cit, p.151-156. 488 Op.cit, p.155. 489 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contratos. 3.ed. São
Paulo: Saraiva, 2007, v.IV, t.1, p.273.
155
imprevisão ambos os contratantes são atingidos, pois existe a possibilidade de uma extrema
vantagem para o credor e uma excessiva dificuldade para o devedor.490
Outra diferença a ser apontada refere-se à culpa. Nas hipóteses de caso fortuito e força
maior, é preciso que o devedor não esteja em mora. Na imprevisão, mesmo em mora, é
possível pleitear a revisão do contrato, desde que o acontecimento imprevisível tenha ocorrido
antes da mora do devedor.491 Ainda, ocorrendo caso fortuito ou força maior somente é
possível pleitear a resolução do contrato, enquanto na imprevisão, tendo em vista a adoção do
regime misto pelo novo Código Civil, é possível ocorrer tanto a resolução como a revisão do
contrato.492
Por fim, a questão da renúncia. Nas hipóteses de caso fortuito e força maior, as partes
podem pactuar acerca da renúncia ao direito de alegá-las, mas referida pactuação não encontra
foros de legitimidade na imprevisão, sendo irrenunciável o direito à revisão em face de um
acontecimento anormal, imprevisível. Primeiro porque representa princípio de ordem pública
e, segundo, porque não se pode renunciar aquilo que se desconhece.493
3.5.3 Erro
Desde o início deste trabalho tem-se divulgado a importância da vontade para o
desenvolvimento das relações contratuais. Devido à sua importância, nosso ordenamento
estabelece a possibilidade de anulação do negócio jurídico caso esta vontade apresente-se de
algum modo viciada.
Esta proteção já constava do Código Civil de 1916, no qual o Art. 147 estabelecia as
hipóteses de anulabilidade do ato jurídico, proteção que foi mantida no atual Código Civil,
que prescreve no Art. 171 as hipóteses que viciam a vontade, alterando a expressão ato
jurídico, por negócio jurídico, acrescentando os institutos da lesão e estado de perigo, além de
deslocar a simulação para as causas de invalidade do negócio jurídico.
490 BORGES, Nelson. A teoria da imprevisão no direito civil e no processo civil. São Paulo Malheiros, 2002,
p.154. 491 Op.cit, p.157. 492 SIDOU, J. M. Othon. A revisão judicial dos contratos. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p.107. 493 BORGES, Nelson. Op.cit, p.157.
156
Mantido instituto do erro pela codificação civil atual, faz-se necessária a compreensão
de seu alcance para diferenciá-la da imprevisão. Assim, o erro pode ser conceituado como
“[...] a idéia falsa da realidade, capaz de conduzir o declarante a manifestar sua vontade de
maneira diversa da que seria manifestada se porventura melhor a conhecesse”.494
Nosso código não diferenciou o erro da ignorância, equiparando os seus efeitos. Não
obstante, é possível diferenciá-los, uma vez que o “[...] erro manifesta-se mediante a
compreensão psíquica errônea da realidade, ou seja, a incorreta interpretação de um fato. A
ignorância é um „nada‟ a respeito de um fato, é o total desconhecimento”.495
Entretanto, não é qualquer espécie de erro que enseja a anulação do negócio jurídico,
sendo reconhecida doutrinariamente a exigência dos seguintes requisitos: que seja substancial;
escusável; e conhecido ou, pelo menos, passível de ser conhecido pelo outro contratante.496
Em primeiro lugar exige-se que o erro seja substancial, ou seja, “é o que tem papel
decisivo na determinação da vontade do declarante, de modo que, se conhecesse o verdadeiro
estado de coisas, não teria desejado, de modo algum, concluir o negócio”.497 A definição do
que seja erro substancial é dada pelo próprio Código Civil. O Art. 139 considera substancial o
erro quando:
I. interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a
alguma das qualidades a ele essenciais;
II. concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira
a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante;
III. sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, foi o motivo
único ou principal do negócio jurídico.498
O requisito da escusabilidade não é determinado expressamente pela lei, mas é
admitido pela doutrina como implícito do conceito de erro, pois se instalaria insegurança nas
494 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: parte geral. 32.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v.1, p.187. 495 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2002, v.1, p.408. 496 RODRIGUES, Silvio. Op.cit, p.187. 497 VENOSA, Sílvio de Salvo. Op.cit, p.411. 498 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.156.
157
as relações jurídicas se o ordenamento autorizasse o desfazimento de uma avença
beneficiando quem incidiu em erro inescusável.499
Para aferição desse requisito é preciso, nos termos do Art. 138 do Código Civil, levar-
se em conta o padrão do homem médio, ou seja, se “poderia ser percebido por pessoa de
diligência normal, em face das circunstâncias do negócio”,500
revelando-se nessa análise das
circunstâncias a importância do papel do julgador, cabendo-lhe agir com prudência e bom
sendo para considerar as situações concretas ensejadoras do erro.501
O último requisito refere-se à conduta do outro contratante. Quando um contratante
pleiteia a anulação do negócio fundamentando-se no erro, além dos requisitos enumerados
acima, é preciso verificar se o outro contratante estava ou não de boa-fé, uma vez que, assim
atuando, o ordenamento jurídico lhe confere proteção, fazendo prevalecer o negócio jurídico
entabulado. Entretanto, caso tenha contratado, ciente do erro em que incidia a outra parte, ou
pelo menos, tivesse condições de conhecê-lo mediante diligência ordinária, não merece
amparo de nosso ordenamento, sendo o negócio anulado.502
Apresentado os contornos gerais do instituto do erro, constata-se que também não
pode ser confundido com a Teoria da Imprevisão, pois, enquanto no primeiro se pleiteia a
anulação do negócio jurídico, em face de uma circunstância concomitante à celebração da
avença, na imprevisão, em face de acontecimentos posteriores, pleiteia-se a resolução ou a
revisão de um contrato.
3.5.4 Lesão
O instituto da lesão, que encontra previsão normativa no Art. 157 do Código Civil de
2002, também não pode ser confundido com a Teoria da Imprevisão. Em termos doutrinários
este instituto é conceituado como “[...] o vício mediante o qual o contratante experimenta um
499 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: parte geral. 32.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v.1, p.190-191. 500 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.156. 501 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2002, v.1, p.410. 502 RODRIGUES, Silvio. Op.cit, p.191-192.
158
prejuízo, quando, em contrato comutativo, não recebe, da outra parte, valor igual ao da
prestação que forneceu”.503
Embora expressamente consignada em nosso atual Código Civil, não é instituto
recente, uma vez que suas origens remontam ao Direito Romano, mais precisamente às
constituições imperiais de Diocleciano e Maximiliano, no qual a lesão era concebida levando-
se em consideração apenas o aspecto objetivo, consubstanciado na alienação da coisa por
menos da metade de seu valor.504
Prosseguindo em uma breve resenha de sua evolução histórica, o instituto desapareceu
na Alta Idade Média, ressurgindo apenas no século XII, com o Direito Canônico, que
introduziu o elemento subjetivo em seu conceito, consubstanciado no dolo por parte do
contratante beneficiado505. Ainda, verifica-se que o Code também conheceu o instituto,
restrito, porém, para apenas alguns contratos e para algumas espécies de pessoas506.
No Brasil pós-independência, as ordenações portuguesas ainda regiam nosso
ordenamento, sendo reconhecido o instituto da lesão em sua concepção objetiva, ou seja,
levava em consideração apenas a desproporção entre o valor e o preço, desconsiderando-se
aspectos de ordem psicológica. Nas ordenações Afonsinas era estendida para todos os
contratos e, nas Manuelinas e Filipinas, foram estabelecidas, respectivamente, a lesão enorme
e enormíssima.507
Todavia, o Código Comercial não previu este instituto, o mesmo ocorrendo com o
Código Civil de 1916, não obstante continuasse previsto no ordenamento de outros países
ocidentais, ressaltando-se que, antes do Código Civil de 2002, houve algumas tentativas de
introdução da lesão em nosso ordenamento, dentre elas, menciona-se a Lei n. 1.521/51(Dos
crimes contra a economia popular) que no Art. 4º, tarifa a lesão ou a estima de forma
quantitativa, com a novidade de concebê-la levando em conta também seu aspecto subjetivo,
nos mesmos moldes que as legislações da Itália, Suíça e Alemanha.508
503 RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da
imprevisão. São Paulo: Atlas, 2002, p.98. 504
SILVA, Luís Renato Ferreira da. Revisão dos contratos: do Código Civil ao Código do Consumidor. Rio de
Janeiro: Forense, 2001, p.70-71. 505 Op.cit, p.72. 506 RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Op.cit, p.99. 507 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2002, v.1, p.488-489. 508 Op.cit, p.489.
159
[...] definidora embora do delito de usura, pecuniária ou real, não descurou a
lei a conseqüência cível ofensiva aos seus dispositivos. Além de punir com
pena corporal e pecuniária o infrator, volta sobre a avença e fere de nulidade a estipulação de juros ou lucros usurários, ao mesmo tempo em que arma o
juiz da faculdade de decidir por eqüidade, impondo-lhe o deve de „ajustá-lo à
medida legal ou ordenar a restituição da quantia paga em excesso, com os
juros legais a contar da data do pagamento indevido.509
É possível mencionar, ainda, o Código de Defesa do Consumidor, que, apesar de não
prever de forma expressa o instituto da lesão, em alguns de seus dispositivos aparecem
algumas de suas características, mencionando-se o Art. 6º, V, que prevê a possibilidade de
modificação de cláusulas que estabeleçam prestações desproporcionais, o Art. 51, que trata
das cláusulas abusivas e o Art. 39 que proíbe as práticas abusivas que conferem vantagens
excessivas para os fornecedores, dentre outras.510
[...] a lesão prevista no CDC prescinde da demonstração do dolo de aproveitamento, por parte do fornecedor, bem como da premente
necessidade, por parte do consumidor. O CDC abdicou desses elementos
para atacar o negócio lesionário exatamente porque parte da presunção de que o consumidor é absolutamente vulnerável. Por outro lado, mesmo que o
fornecedor não tenha tido a intenção de aproveitar dessa vulnerabilidade do
consumidor, se o negócio foi celebrado com prestações manifestamente
desproporcionais, ter-se-á maltratado no caso concreto a boa-fé objetiva, incompatível com a obtenção da vantagem exagerada; vantagem esta que se
revela em uma prestação manifestamente desproporcional.511
O Art. 157 do Código Civil de 2002 expressamente introduziu o instituto da lesão em
nosso ordenamento, prescrevendo que ela ocorre quando uma pessoa se obriga a prestação
manifestamente desproporcional ao valor da contraprestação da outra parte, quando age
impelida por premente necessidade ou por inexperiência. Nos termos do mencionado
dispositivo, constata-se ser um direito conferido a ambas as partes contratantes e não apenas
ao devedor.512
509 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos contratos. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p.137 apud
SANTOS, Antônio Jeová. Função social do contrato. 2.ed. São Paulo: Método, 2004, p.170. 510 SANTOS, Antônio Jeová. Função social do contrato. 2.ed. São Paulo: Método, 2004, p.170-171. 511 KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do Consumidor. 2.ed., São Paulo: Atlas, 2005, p.90. 512 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2002, v.1, p.490.
160
Prosseguindo com a análise, constata-se que o Art. 157 segue a diretriz do Código
Civil em privilegiar a manutenção do negócio, pois, o §2º do dispositivo em comento
prescreve que não será decretada a anulação do negócio se a parte favorecida pela avença
oferecer complemento do valor ou concordar com a redução de seu proveito.513
Referido instituto, nos termos estabelecido em nosso ordenamento, possui requisitos
objetivos e subjetivos. Os primeiros se referem à desproporção das prestações contratadas,
cuja aferição deve ser realizada levando-se em conta o momento da celebração da avença, nos
expressos termos do §1º do Art. 157. Ressalte-se, também, que a aplicação do instituto da
lesão somente é possível quando se tratar de contratos comutativos, pois é de sua essência a
equivalência das prestações,514 o que não acontece nos contratos aleatórios, os quais, assim,
escapam da incidência do instituto.
Os requisitos subjetivos se referem ao estado de ânimo do contratante, ou seja, à
premente necessidade ou à inexperiência, havendo entendimento doutrinário de que este
requisito compreenderia a noção do dolo de aproveitamento da parte beneficiária, embora o
Código Civil não se posicione expressamente a este respeito.515
Embora o art. 157 do Código Civil não faça menção expressa a esse
elemento [dolo de aproveitamento], somente aludindo de forma secundária no seu §2º, ele está subjacente na configuração da lesão. Foi necessário que
o Código Civil alemão colocasse o aproveitamento em seu art.138, para
trazer à luz o que vinha implícito ao longo dos tempos da dogmática da lesão. Quando o beneficiário do ato se aproveita de alguma circunstância
para obter vantagem, atua eludindo a boa-fé que deve reinar em todo o
negócio jurídico e, desta forma, é configurador de verdadeiro ilícito. A
exploração e o aproveitamento estão condensados na fórmula „prestação manifestamente desproporcional‟, observada no art. 157 do Código Civil,
bem assim na possibilidade de o contrato ser mantido, se „a parte favorecida
concordar com a redução do preço.516
Estabelecido o conceito e os requisitos da lesão, vislumbra-se que não se confunde
com o instituto da imprevisão, pois, ao contrário da imprevisão que surge após formação do
contrato, a lesão é concomitante ao nascimento do contrato. Ainda, a lesão pressupõe um
513 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.157. 514 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contratos. 3.ed. São
Paulo: Saraiva, 2007, v.IV, t.1, p.272. 515 Op.cit, p.272. 516 SANTOS, Antônio Jeová. Função social do contrato. 2.ed. São Paulo: Método, 2004, p.187-188.
161
requisito subjetivo, a premente necessidade ou a inexperiência do contratante, enquanto a
imprevisão exige tão somente a ausência de culpa e a diligência do homem médio.
É possível mencionar, ainda, que a lesão se enquadra como vício do consentimento ou
causa de rescisão do contrato, ao passo que a imprevisão como causa de revisão ou rescisão.
Por fim, a lesão exige a desproporção entre as prestações, enquanto a imprevisão não a exige
desproporção, bastando que durante a execução do contrato surjam situações que tornem a
execução do contrato mais gravosa para uma das partes.517
3.5.5 Abuso de direito
Nosso ordenamento protege o exercício regular de um direito, tanto que o Código o
Art. 160, I, do Código Civil de 1916, afastava a ilicitude da conduta daquele que exercitasse
regularmente um direito, preceito mantido pelo Código Civil de 2002 (Art. 188, I), havendo
norma semelhante no Art. 23 do Código Penal. Em matéria de responsabilidade civil é de
suma importância a questão da licitude ou não de uma conduta, haja vista que nosso
ordenamento reconhece o dever de indenizar a todo aquele que comete um ato ilícito.
A responsabilidade pelo cometimento de um ilícito pode ser contratual ou
extracontratual, também chamada de aquiliana. A primeira decorre do inadimplemento de
uma obrigação contratual, a segunda, da violação de uma norma legal ou norma de conduta,518
ambas encontrando previsão normativa no Código Civil (Art. 389 e Art. 186,
respectivamente). Aqui se dará ênfase apenas a esta última tendo em vista o objetivo do
presente estudo.
Tradicionalmente, para a imputação da responsabilidade civil, exigia-se a presença de
uma ação ou omissão voluntária, o prejuízo para a outra parte, o nexo de causalidade entre a
conduta e o dano, além da presença de dolo ou culpa do agente, entendimento que não dava
conta de abranger a situação daquele que atuasse exorbitando o exercício de um direito. Para
abranger essas situações começou a ser adotada a teoria do abuso do direito.519
517 RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da
imprevisão. São Paulo: Atlas, 2002, p.101. 518 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: parte geral. 32.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v.1, p.308-309. 519 Op.cit, p.315-316.
162
O abuso de direito, nas lições de Sílvio de Salvo Venosa520, não se encontra no direito
positivo, decorrendo, antes da própria natureza das coisas e da condição humana, sendo um
conceito extralegal, portanto.
Não obstante, a noção de abuso do direito era retirada também de uma interpretação a
contrario sensu do Art. 160, I, do Código Civil de 1916, uma vez que, se o exercício regular
de um direito não era considerado ato ilícito, o exercício irregular então poderia ser assim
considerado, bem como do Art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, que mencionada
sobre a necessidade de atender aos fins sociais da norma.
Entretanto, com o advento do Código Civil de 2002, o abuso do direito veio a ser
expressamente reconhecido como um ato ilícito, quando for exercido excedendo-se “[...]
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos
bons costumes”, nos termos estabelecidos no Art. 187.
A delimitação do que seria o exercício abusivo de um direito ocorre pela análise do
caso concreto, onde novamente é enaltecido o trabalho do julgador. Para tanto, deverá
considerar além da boa-fé e dos bons costumes, a questão da função social, razão pela qual
entende a doutrina que não se deverá perquirir acerca da intenção do agente em prejudicar
terceiros, ou seja, não se analisará o dolo ou culpa de sua conduta, bastando que a utilização
do direito de maneira desconsiderada.521
O exercício abusivo de um direito não se restringe aos casos de intenção de
prejudicar. Será abusivo o exercício fora dos limites da satisfação do
interesse lícito, fora dos fins sociais pretendidos pela lei, fora, enfim, da normalidade.
[...]
Daí sustentarmos que a transgressão de um dever legal preexistente, no
abuso de direito, é acidental e não essencial para configurá-lo. Essa também
parece ser a conclusão de Clóvis Beviláqua (1916, v. 1:473): „O exercício anormal de um direito é abusivo. A consciência pública reprova o exercício
do direito do indivíduo, quando contrário ao destino econômico e social do
direito, em geral.‟ (grifos do autor)
520 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2002, v.1, p.576-580. 521 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: parte geral. 32.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v.1, p.320.
163
Isto posto, resta analisar se o abuso do direito pode ser confundido com a teoria da
imprevisão. Alguns entendem que, caso o abuso do direito seja considerado apenas como o
exercício anti-funcional de um direito, essa atuação desconsiderada do agente serviria para
aplicação da teoria da imprevisão, negando a aplicação deste instituto caso fosse necessário
para a existência do abuso do direito a aferição da intenção de causar dano a outrem.522
A posição mais adequada, que apresenta a melhor interpretação segundo a legislação,
vigente é apresentada por Otávio Luiz Rodrigues Junior,523 entendendo que os institutos não
podem ser confundidos, uma vez que, na imprevisão, as partes não agem de forma contrária à
boa-fé, aos bons costumes ou à eqüidade, mas apenas ocorre um acontecimento imprevisível
que torna a prestação excessivamente onerosa, ao passo que, no abuso do direito, ocorre o
exercício irregular de um direito, que esse sim vem a ferir a boa-fé, os bons costumes e a
eqüidade.
3.5.6 Modificação e revisão do contrato de consumo
O inciso V do Art. 6º do CDC estabelece como direito básico do consumidor a
possibilidade de modificação de cláusula contratual que estabelecer prestações
desproporcionais ou possibilidade de sua revisão, quando, em razão de fatos supervenientes,
que as tornem excessivamente onerosas para o consumidor, o que representa uma exceção ao
sistema de nulidades absolutas das cláusulas.524
Referido dispositivo cuida da possibilidade de pleitear-se judicialmente a modificação
de cláusulas não-abusivas, que estabeleçam prestações desproporcionais ou, ainda, a
possibilidade de revisão do contrato na hipótese em que, não obstante houvesse equilíbrio
contratual no momento da avença, fatos supervenientes tornaram essas prestações
522 SANTOS, Antônio Jeová. Função social do contrato. 2.ed. São Paulo: Método, 2004, p.248. 523 RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da
imprevisão. São Paulo: Atlas, 2002, p.102. 524 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.914.
164
excessivamente onerosas para o consumidor. Em ambos os casos se está diante de um caso de
revisão judicial unilateral, haja vista que este direito é conferido apenas ao consumidor.525
Este direito não representa, entretanto, uma autorização para que o consumidor deixe
de cumprir seus compromissos, inviabilizando toda a atividade econômica, o que seria uma
afronta ao próprio Texto Constitucional que assegura a liberdade de iniciativa. Por meio desta
norma objetiva-se, apenas, restabelecer o equilíbrio do contrato, mantendo-o íntegro e apto a
cumprir sua função sócio-econômica, representando, outrossim, uma mitigação ao princípio
da intangibilidade de seu conteúdo.526
A inserção desta norma em nosso ordenamento seria uma última tentativa, antes do
advento do Código Civil de 2002, de introdução do instituto da lesão em nosso ordenamento,
que no estatuto civil se configura quando uma pessoa se obriga a prestação manifestamente
desproporcional em decorrência de sua inexperiência ou premente necessidade, exigindo-se
dolo de aproveitamento da outra parte, hipótese menos ampla do que a consignada no CDC.527
Caberá ao julgador, constatando a presença de prestação desproporcional ou
onerosidade excessiva, instar as partes para uma composição a fim de que reequilibrem o
contrato. Não havendo acordo, o julgador, com fundamento na boa-fé objetiva e no equilíbrio
nas relações de consumo, proferir sentença estabelecendo novas bases ou nova cláusula para o
contrato. Nesta sentença, chamada determinativa, o juiz exercerá atividade de criação, de
molde a complementar ou alterar alguns dos elementos da relação de consumo sob análise.528
[...] a lesão prevista no CDC prescinde da demonstração do dolo de aproveitamento, por parte do fornecedor, bem como da premente
necessidade, por parte do consumidor. O CDC abdicou desses elementos
para atacar o negócio lesionário exatamente porque parte da presunção de que o consumidor é absolutamente vulnerável. Por outro lado, ainda que o
fornecedor não tenha tido a intenção de aproveitar dessa vulnerabilidade do
consumidor, o negócio foi celebrado com prestações manifestamente desproporcionais, ter-se-á maltratado no caso concreto a boa-fé objetiva,
incompatível com a obtenção de uma vantagem exagerada; vantagem
525 MARQUES, Cláudia Lima. A Lei 8.078/90 e os Direitos Básicos do Consumidor. In. BENJAMIN, Antônio
V. Herman; MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direitos do consumidor. São
Paulo: RT, 2007, p.58. 526 NERY JUNIOR, Nélson. Da proteção contratual. In GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Código Brasileiro de
Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: FU, 1999, p.466-467. 527 KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do Consumidor. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.89-90. 528 NERY JUNIOR, Nélson. Op.cit, p.467.
165
exagerada essa que se revela em uma prestação manifestamente
desproporcional.529
Nos termos do que estabelece o CDC, para que se possa pleitear a revisão ou
modificação do contrato, não se exige que os fatos supervenientes sejam imprevisíveis ou
excepcionais, não se exigindo também que haja vantagem excessiva para o outro contratante –
o fornecedor. Basta que a prestação a que se obrigou o consumidor seja considerada
manifestamente desproporcional ou que, embora houvesse equilíbrio no momento da avença,
fato superveniente venha tornar esta prestação excessivamente onerosa para ele.
Aliás, esta foi uma das conclusões a que se chegou no II Congresso Brasileiro de
Direito de Consumidor realizada no ano 2000: “Para fins de aplicação do art. 6º, V, do CDC,
não são exigíveis os requisitos da imprevisibilidade e excepcionalidade, bastando a mera
verificação da onerosidade excessiva”.530
A possibilidade de modificação ou revisão prevista no Art. 6º, V, do CDC, não se
confunde com a hipótese prevista no Art. 478 do novo Código Civil que trata da resolução do
contrato por onerosidade excessiva, onde se possibilita que o devedor, nos contratos de
execução continuada ou diferida, possa pleitear a resolução do contrato, quando, em virtude
de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, a prestação de uma das partes se tornar
excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra.
O CDC almeja com a referida norma a manutenção do contrato, pois apenas se refere à
modificação e revisão do contrato, ao passo que o Código Civil, a princípio, trata da resolução
do contrato, regra apenas atenuada por seu Art. 479 que estabelece a possibilidade de sua
revisão ao invés de sua resolução, quando a outra parte se oferece a modificar eqüitativamente
as condições do contrato.
Outra diferença, o Código Civil exige a presença dos requisitos, imprevisibilidade,
extraordinariedade e a existência de extrema vantagem para a outra parte, enquanto o CDC
apenas exige a presença de prestação manifestamente desproporcional ou prestação
529 KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do Consumidor. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.90. 530 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.918.
166
excessivamente onerosa em razão de fato superveniente, ou seja, exige a quebra da base
objetiva do negócio.531
Em outras palavras, o ordenamento autorizador da ação modificadora do
judiciário é o resultado objetivo da engenharia contratual, que agora apresenta a mencionada onerosidade excessiva para o consumidor, resultado
de simples fato superveniente, fato que não necessita ser extraordinário,
irresistível, fato que podia ser previsto e não foi. O CDC também, não exige, para promover a revisão, que haja „extrema vantagem para a outra‟ parte
contratual, como faz o Código Civil (art. 478).532
Cláudia Lima Marques leciona que a jurisprudência passou a exigir outro requisito
para utilização do instituto, que o fato causador da onerosidade excessiva não possa ser
imputado ao consumidor, esclarecendo, ainda, que o vocábulo onerosidade excessiva
encontraria sua fonte na teoria da base do negócio jurídico.533
Desta forma, constata-se que a proteção contratual do consumidor, nos termos do que
foi realçado até o presente momento, comporta duas frentes. Havendo cláusulas consideradas
abusivas o julgador poderá ex officio ou a pedido do consumidor, mesmo quando for réu,
declarar a nulidade desta cláusula mantendo-se o contrato, quando for possível sua integração,
excluindo-se apenas a cláusula abusiva.
De outro lado, não havendo cláusulas abusivas, mas constatando-se que o consumidor
se obrigou a prestação manifestamente desproporcional, poderá ser pleiteada a modificação
desta cláusula contratual, ou ainda, caso o contrato, apesar de equilibrado no momento de sua
celebração, venha apresentar prestação excessivamente onerosa para o consumidor, poderá ser
pleiteada sua revisão.
Percebe-se em ambos os casos a importância da atuação do julgador que, sensível aos
princípios da boa-fé objetiva, a função social dos contratos e ao equilíbrio que deve nortear as
relações de consumo, deverá readequar o contrato para que as prestações sejam equilibradas e
não frustrem tanto os interesses do consumidor como os interesses da atividade econômica.
531
MARQUES, Cláudia Lima. A Lei 8.078/90 e os Direitos Básicos do Consumidor. In. BENJAMIN, Antônio
V. Herman; MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direitos do consumidor. São
Paulo: RT, 2007, p.58. 532 Op.cit, p.58. 533 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.920.
167
A proteção e revisão contratual, desta forma, apresentam-se em plena consonância
com a nova diretriz de respeito à função social do contrato, à boa-fé entre as partes
contratantes e à presença de uma real igualdade entre elas, pois, ao proteger-se o contratante
mais fraco contra as cláusulas abusivas, principalmente nos contratos de adesão, no qual seu
conteúdo já é predisposto por uma das partes, representa uma tentativa de restabelecer o
equilíbrio da relação contratual.
Além disso, revela-se que esta proteção contratual visa proteger não apenas as partes
contratantes, mas o próprio instituto do contrato, pois, ao mesmo tempo em que o
ordenamento comina a sanção de nulidade para as cláusulas abusivas, permite que se
mantenha o vínculo contratual, quando for possível a integração do contrato sem que haja
ônus excessivo para qualquer das partes.
Esta solução está em consonância com o princípio da função social do contrato, pois,
este não é mais analisado apenas do ponto de vista das partes individualmente consideradas,
mas também com base nos reflexos que este contrato trará para as pessoas que não
intervieram diretamente, além de ser, por excelência, o meio pelo qual se promove a
circulação de riquezas na sociedade.
Assim, naqueles casos expressamente permitidos em lei, permite-se que o juiz altere o
conteúdo do contrato para restabelecer o equilíbrio das partes, preferindo uma sentença que
realize sua integração. Em sua atuação, o magistrado, apesar de possuir discricionariedade,
não poderá agir de forma arbitrária, uma vez que deverá respeitar os limites estabelecidos pelo
próprio ordenamento, relevando-se, assim, de suma importância as regras de hermenêutica
para a correta atuação no caso concreto.
Por todo o exposto, denota-se que cabe ao julgador o importante papel de realizar a
compatibilização da liberdade de iniciativa com os postulados de igualdade material, da boa-
fé e do respeito à função social que o contrato hoje desempenha, ou seja, de instrumento de
desenvolvimento da sociedade e não de opressão do mais forte sobre o mais fraco.
168
4 A ATUAÇÃO DO JULGADOR NA MODIFICAÇÃO DA CLÁUSULA – SENTENÇA
DETERMINATIVA
A proteção contratual do consumidor é exercida, dentre outras, pela possibilidade de
revisão dos contratos, com vistas ao restabelecimento de seu equilíbrio diante de cláusulas
abusivas, de prestações onerosas ou desproporcionais. Esta adequação é realizava pela
atividade do julgador que, analisando as hipóteses legais e o caso concreto, deve estabelecer a
solução mais eficaz para o restabelecimento do mencionado equilíbrio. Para tanto, proferirá
uma sentença determinativa, cujos principais contornos serão analisados na seqüência.
4.1 SENTENÇA DETERMINATIVA
Nosso ordenamento, em casos expressos, autoriza que o juiz revise e modifique o
conteúdo do contrato, o que representa um aumento de seu poder e de sua responsabilidade na
solução dos casos concretos, realizando a compatibilização do contrato como instrumento de
circulação de riquezas, levando-se em conta também a função social que lhe conferida e sua
consonância com a boa-fé.
O contrato vai além do contrato, sem que isso seja um mero jogo de
palavras, porquanto atravessa o mundo jurídico, alcançando espaço territorial e moral dos contraentes e dos eventuais negócios jurídicos que
dele possam surgir, podendo, assim, produzir efeitos perante terceiros, o que
impõe a releitura do denominado princípio da relatividade de seus efeitos, sobretudo dentro do paradigma da função social; competindo ao magistrado
responsável a atitude de desenvolver uma hermenêutica comprometida que
veja o contrato como um fato social, sem clausura, o qual interage com o
complexo cotidiano e com a paz social [...].534
(grifos do autor)
534 RUSSO JUNIOR, Rômolo. O poder do juiz de integrar o contrato à realidade: ótica do declínio as
relatividade, do não isolamento, da função social orientadora e da dignidade da pessoa humana. In NERY, Rosa
Maria Andrade (coord.). Função do direito privado no atual momento histórico. São Paulo: RT, 2006, p.147-
148.
169
Nestes casos autorizados, a lei não especifica todas as particularidades para a solução
da controvérsia, abrindo-se a oportunidade para que o juiz, discricionariamente, mas desde
que respeitados o próprio conteúdo estabelecido pela lei, ou quando este não houver, com
fundamento na analogia e nos princípios gerais e respeitando os interesses dos sujeitos
envolvidos, possa solucionar a lide de modo a manter uma situação de equilíbrio entre as
partes.535
Significa dizer que todos os figurantes do sistema de direito, para agir, têm
de respeitar certos limites impostos. Depreende-se, então, que o valor primário da autonomia privada não pode ser trocado ou afetado pelo poder
de decisão do juiz; entretanto, caso as conseqüências deste valor primário da
autonomia privada afetem uma das partes ou mesmo terceiros, de forma a acarretar um desequilíbrio ou até mesmo prejuízo, ai sim, o juiz deve
„intervir‟, de forma a dar uma solução ao problema, ainda que esta solução
não esteja completamente expressa na lei, ou seja, poderá o juiz se socorrer de conceitos metajurídicos para chegar à melhor solução, que se espera ser a
mais justa para o caso concreto.536
O juiz, para a consecução deste mister, proferirá uma sentença determinativa, ou seja,
“[...] aquela que estabelece o conteúdo da vontade de uma norma que não define
completamente o caso concreto e suas conseqüências, ou seja, é uma sentença que completa
ou muda alguns elementos de uma relação jurídica já constituída”,537 exercendo, pois, uma
verdadeira atividade criadora.
Pedida a modificação da cláusula contratual que estabeleça prestações
desproporcionais ou a revisão do contrato por onerosidade excessiva, cumpre ao juiz proferir sentença determinativa. O magistrado irá integrar o
contrato, criando novas circunstâncias contratuais. Para tanto deverá
pesquisar e observar a vontade das partes quando da celebração do contrato de consumo, qual a dimensão da desproporção da prestação ou da
onerosidade excessiva, de forma a recolocar as partes na situação de
535 GONÇALVES, Graziela Marisa. As sentenças determinativas e o juiz. In NERY, Rosa Maria Andrade
(coord.). Função do direito privado no atual momento histórico. São Paulo: RT, 2006, p.94-96. 536 GAGO, Viviane Ribeiro. A intervenção do juiz na vontade de contratar. In NERY, Rosa Maria Andrade
(coord.). Função do direito privado no atual momento histórico. São Paulo: RT, 2006, p.182-183. 537 GONÇALVES, Graziela Marisa. Op.cit, p.94.
170
igualdade contratual em que devem se encontrar, desde a formação até a
execução completa do contrato.538
A sentença determinativa vem sendo abordada levando em consideração suas
diferentes formas de aplicação: tradicional processual, quando explica aquela sentença que
trata de situações continuativas, como a que fixa alimentos; de direito material, quando se
refere às decisões que alteram o conteúdo do contrato, quando reconhecida onerosidade
excessiva; e hermenêutico-integrativa, quando o juiz confere concretude a uma norma
imprecisa539.
Esta decisão não seria uma nova espécie de sentença, ao lado das já tradicionais
sentenças declaratórias, constitutivas e condenatórias, ou ainda, mandamentais e executivas
lato sensu, uma vez que poderá assumir qualquer destas eficácias nos casos em concreto,
atuando de forma a integrar uma dada relação jurídica, na qual o legislador a autorizar para
tanto.540
Esta autorização para que o julgador decida o caso concreto de acordo com as
particularidades que lhe são apresentadas, restabelecendo o equilíbrio contratual, vai de
encontro às mudanças de nossa sociedade, principalmente após a promulgação da
Constituição Federal de 1988, que conferiu ao julgador um importante papel para solução das
lides, o que foi reforçado com o advento do Código Civil de 2002 e pelo Código de Defesa do
Consumidor.
A importância da atuação do julgador é revelada quando se observa que foi adotado
pelo nosso ordenamento uma técnica legislativa que possibilita a flexibilização do sistema,
por meio da adoção de cláusulas gerais e conceitos indeterminados, que são constituídos por
termos vagos onde, para sua aplicação, o julgador deve utilizar-se dos métodos de
interpretação para alcançar a solução mais adequada para o caso concreto.541
O julgador, assim, “[...] tem o poder de integrar o negócio jurídico, conferindo à
cláusula discutida o conteúdo vivo e concreto presente em sua inicial abstração, decorrência
538
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil comentado e legislação
processual civil extravagante em vigor. 4.ed. São Paulo: RT, 1999, p.1804, comentário n.4 ao artigo 6º do CDC. 539 LUNARDI, Soraya Regina Gasparetto. A sentença determinativa re-conhecida. In NERY, Rosa Maria
Andrade (coord.). Função do direito privado no atual momento histórico. São Paulo: RT, 2006, p.150. 540 Op.cit, p.162. 541 Op.cit, p.152.
171
da normativa do novo sistema civil que impõe uma conexão interna em todos os institutos”.542
Porém, isso não significa uma total discricionariedade para o juiz, pois ele está limitado pelo
ordenamento jurídico, devendo apresentar os motivos que fundamentam sua decisão, ou seja:
Esta busca do juiz pela verdade tem limites impostos pela própria lei; deverá
ele, dentro do que for humanamente possível manter sua imparcialidade,
observar e respeitar o que é trazido ao processo, não poderá aleatoriamente trazer ou criar situações para defender o que subjetivamente entende ser o
correto, o verdadeiro.543
Merece destaque o fato de que, apresentada a questão ao juiz, este poderá decidir de
ofício, procedendo-se à revisão do contrato e à manutenção do vínculo estabelecido pelas
partes, pois o legislador entendeu que “[...] se garantidas a lealdade das partes e a boa-fé no
negócio, deveria ser protegida a vontade das partes, primando-se pela manutenção do contrato
requacionado, privilegiando-se a execução específica das obrigações assumidas, em
detrimento da resolução em perdas e danos.”544
Assim, constata-se que o juiz, na aplicação dos dispositivos constantes no Código
Civil e no Código de Defesa do Consumidor, autorizadores da modificação de cláusulas
contratuais e a revisão do contrato, deverá proferir uma sentença, mantendo, quando possível,
o vínculo contratual estabelecido, alterando o conteúdo do contrato em apreço para
restabelecer o equilíbrio entre as prestações das partes.
Esta manutenção do vínculo com o restabelecimento do equilíbrio entre as partes está
em plena consonância com o entendimento de que, havendo boa-fé entre as partes, deverá
atender-se à função social que contrato exerce na sociedade, pois, não pode ser concebido que
um contrato venha a ser celebrado para que não produza efeitos, já que estes efeitos podem se
refletir não apenas entre as partes contratantes, mas também para outras pessoas não
expressamente constantes da relação contratual.
542 RUSSO JUNIOR, Rômolo. O poder do juiz de integrar o contrato à realidade: ótica do declínio as
relatividade, do não isolamento, da função social orientadora e da dignidade da pessoa humana. In NERY, Rosa
Maria Andrade (coord.). Função do direito privado no atual momento histórico. São Paulo: RT, 2006, p.145. 543 GAGO, Viviane Ribeiro. A intervenção do juiz na vontade de contratar. In NERY, Rosa Maria Andrade
(coord.). Função do direito privado no atual momento histórico. São Paulo: RT, 2006, p.181. 544 KURBHI, Pedro Luiz Nigro. Reflexões em torno da intervenção do juiz na vontade de contratar. In NERY,
Rosa Maria Andrade (coord.). Função do direito privado no atual momento histórico. São Paulo: RT, 2006,
p.128.
172
4.2 MODIFICAÇÃO DO CONTRATO PELOS TRIBUNAIS
A compreensão do atual posicionamento do Poder Judiciário, no que tange à revisão
dos contratos envolvendo consumidores, com vistas à preservação do vínculo e
restabelecimento do equilíbrio entre as partes, com alteração ou manutenção de cláusulas,
revela-se de fundamental importância para constatação da efetivação das novas diretrizes
estabelecidas por nosso ordenamento.
Para a consecução desse mister, foram utilizados como paradigma os contratos
firmados pelas instituições financeiras, pois, nestes casos, é notório desequilíbrio de forças
entre as partes, sendo freqüentes os questionamentos judiciais acerca da abusividade de
cláusulas ou da excessividade dos encargos contratados.
O critério para a pesquisa consistiu na análise dos julgados proferidos pelo Superior
Tribunal de Justiça (STJ), no período entre 1º de janeiro de 2007 a 31 de dezembro de 2009,
envolvendo pleitos acerca da revisão do contrato firmados em face das instituições financeiras
e, mais especificamente, as questões sobre capitalização de juros, comissão de permanência,
juros remuneratórios e juros moratórios. Quando houve necessidade, foram analisados
julgados referentes a períodos anteriores ou posteriores.
Preliminarmente, de forma geral, é importante consignar que a aplicação do Código de
Defesa do Consumidor às instituições financeiras já foi pacificada pelo STJ por meio da
Súmula n. 297 que traz o seguinte enunciado: “O Código de Defesa do Consumidor é
aplicável às instituições financeiras”.545
Complementando este entendimento, importante esclarecer que o STJ também
pacificou o entendimento acerca da aplicabilidade do CDC às operadoras de cartão de crédito,
nos termos do enunciado da Súmula n. 283: “As empresas administradoras de cartão de
crédito são instituições financeiras e, por isso, os juros remuneratórios por elas cobrados não
sofrem as limitações da Lei de Usura”.546
Finalizando esses esclarecimentos preliminares, importante destacar a Súmula n. 381
do STJ: “Nos contratos bancários, é vedado ao judiciário conhecer de ofício, da abusividade
545 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo. Saraiva, 2009, p.1.799. 546 Op.cit, p.1.799.
173
de cláusulas”.547
Enunciado que vem corroborar o entendimento pacificado pelo Tribunal
quando de julgamento Recurso Especial, sob o argumento de que, conhecer de ofício a
respeito dessas cláusulas, representaria julgamento extra petita, ofendendo o princípio da
correlação.548
Como já esclarecido anteriormente, referida Súmula contraria texto expresso de lei,
uma vez que o CDC, além de reconhecer em seu Art. 1º, que suas normas são de ordem
pública e interesse social, ao tratar das cláusulas abusivas em seu Art. 51, expressamente
prescreve que estas cláusulas são nulas de pleno direito.549
Feitas estas considerações preliminares, são apresentadas, na seqüência, as conclusões
obtidas.
4.2.1 Capitalização de juros
A análise dos acórdãos, tendo como critério de busca a expressão “capitalização de
juros”, apresentou como primeira conclusão o fato de que, em sua maioria, as decisões
possuíam como objeto de análise, os contratos vinculados ao Sistema Financeiro de
Habitação (SFH).
Embora não diretamente relacionados com o tema da capitalização de juros, constatou-
se que esses contratos podem ou não estar sujeitos às normas consumeristas. Quando
vinculados ao Fundo de Compensação de Variação Salarial (FCVS), em razão da presença do
Estado como garantidor do pagamento do saldo devedor, deverão sujeitar às normas especiais
protetivas do mutuário hipossuficiente, afastando-se a incidência do CDC. Nos demais
contratos, é possível a incidência das normas consumeristas.
547 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n.381. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/toc.jsp?livre=@docn&tipo_visualizacao=RESUMO&menu=SIM>.
Acesso em: 28mai.2010. 548
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.061.530-RS (2008/0119992-4). Segunda Seção.
Recorrente: UNIBANCO União de Bancos Brasileiros S/A . Recorrida: Rosemari dos Santos Sanches. Relatora:
Ministra Nancy Andrighi. Brasília, DF, 22 de outubro de 2008. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=1061530&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2>.
Acesso em: 28mar.2010. 549 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo. Saraiva, 2009, p.801-806.
174
Com relação à capitalização de juros, é unânime o entendimento de que sua
contratação somente é possível quando expressamente autorizada por lei, o que não seria o
caso do Sistema Financeiro da Habitação. Assim, nesses contratos, ilícita a capitalização de
juros, em qualquer periodicidade, mesmo que expressamente pactuada. Neste último caso, a
cláusula seria abusiva, devendo ser expurgada do contrato.
Desta forma, incidiriam nestes casos o Art. 4º do Decreto n. 22.626/33 que prescreve:
“É proibido contar juros dos juros; esta proibição não compreende a acumulação de juros
vencidos aos saldos líquidos em conta corrente ano a ano”.550
Este preceito é corroborado pelo
enunciado na Súmula n. 121 do STF: “É vedada a capitalização de juros, ainda que
expressamente convencionada”.551
Nesse ponto, importante destacar voto proferido pelo Ministro Luís Felipe Salomão,552
no qual esclarece que, não obstante o entendimento pacífico do STJ quanto à impossibilidade
de capitalização de juros nos contratos vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação, com o
advento da Lei n. 11.977/2009,553
existe a possibilidade de capitalização mensal dos juros, o
que, presumivelmente, alterará a orientação deste Tribunal nos julgamentos posteriores.
Referida legislação alterou a Lei n. 4.380/64, acrescentando o Art. 15-A, com a
seguinte redação: “É permitida a pactuação de capitalização de juros com periodicidade
mensal nas operações realizadas pelas entidades integrantes do Sistema Financeiro da
Habitação - SFH.” Ainda, houve o acréscimo do Art. 15-B, nos seguintes termos:
Nas operações de empréstimo ou financiamento realizadas por instituições integrantes do Sistema Financeiro da Habitação que prevejam pagamentos
por meio de prestações periódicas, os sistemas de amortização do saldo
devedor poderão ser livremente pactuados entre as partes.
550 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo:Saraiva, 2009, p.1.151. 551 Op.cit, p.1.775. 552 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.1.070.297-PR (2008⁄0147497-7). Segunda Seção.
Recorrente: Banco Itaú S⁄A. Recorrido: Hiroyasu Mori e Outros. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão,
Brasília, DF, 09 de setembro de 2009. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=1070297&b=ACO
R>. Acesso em: 30mar.2010. 553 BRASIL. Lei n.11.977, de 07 de julho de 2009. Presidência da República. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L11977.htm>. Acesso em: 28maio2010.
175
Com relação à utilização da Tabela Price, constatou-se o entendimento unânime de
que sua utilização pode ocasionar a capitalização de juros, não sendo, porém, uma presunção
absoluta, devendo, assim, ser demonstrada sua irregularidade caso a caso, prova esta que deve
ser realizada nas instâncias ordinárias. Comprovada a capitalização, o STJ tem determinado a
revisão dos contratos.
Ainda, é unânime o entendimento, nos termos dos julgados apresentados no anexo I,
de que a fórmula utilizada para amortização do saldo devedor, por si só, não gera a
capitalização de juros, ou seja, é legítimo que primeiro seja calculada a correção monetária e
os juros, para somente depois se proceder ao abatimento da prestação mensal do contrato de
mútuo, não havendo afronta ao Art. 6º, “c”, da Lei n. 4.380/64, uma vez que:
[...] ao se extrair do total do saldo devedor, antes da atualização, o montante
referente à prestação, estar-se-ia deixando de remunerá-lo naquele mês. Caso contrário o mutuário teria permanecido coma disponibilidade do numerário
mutuado durante trinta dias, devolvendo-o com idêntico valor nominal,
porém com menor valor real.554
O dispositivo acima mencionado estabelece que:
Art. 6º O disposto no artigo anterior somente se aplicará aos contratos de
venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão, ou empréstimos que satisfaçam às seguintes condições:
[...]
c) ao menos parte do financiamento, ou do preço a ser pago, seja amortizado em prestações mensais sucessivas, de igual valor, antes do reajustamento,
que incluam amortização e juros;555
Nos contratos de crédito educativo, por sua vez, a primeira constatação é a de haver
controvérsia acerca da incidência das normas consumeristas. Na Primeira Turma do STJ,
prevalece o entendimento acerca da aplicação do CDC, enquanto na Segunda Turma,
554 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 919.693-PR (2007⁄0016152-4). Segunda Turma.
Recorrente: Neucileia Gerchevski. Recorrido: Banco Itaú S⁄A. Relator: Ministro Castro Meira, Brasília, DF, 14
de agosto de 2007. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=919693&b=ACOR
>. Acesso em: 30mar.2010. 555 BRASIL. Lei n.4.380 de 21 de agosto de 1964. Presidência da República. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4380.htm>. Acesso em: 01jun.2010.
176
prevalece o entendimento acerca da não aplicação, sob o fundamento de que a relação
existente não é bancária, mas sim um programa governo custeado pela União, onde a Caixa
Econômica Federal é apenas a mera executora do programa.
Especificamente quanto à capitalização de juros, segue-se o mesmo entendimento
relacionado aos contratos vinculados ao SFH, ou seja, pacífico que, para a possibilidade de
capitalização de juros, é necessária a existência de expressa autorização legal, o que não se
verifica nos contratos de crédito educativo. Assim, perfeitamente aplicável o Art. 4º do
Decreto n. 22.626/33 e a Súmula 121 do STF, proibindo-se a capitalização de juros nesses
contratos.
Nos contratos bancários, existe de divergência quanto à possibilidade de
capitalização em período inferior a um ano. Analisando-se os julgados, constata-se a
existência de divergência dentro das próprias Turmas do STJ, em especial, a Terceira.
De fato, quando do julgamento de questão envolvendo contrato de abertura de crédito
em conta corrente,556
bem como questão envolvendo contrato de financiamento com alienação
fiduciária em garantia,557
reconheceu o Tribunal ser possível a capitalização de juros, desde
que, em periodicidade não inferior a anual, ou seja, vedando a capitalização mensal, incidindo
no caso, o que prescreve o Art. 4º do Decreto 22.626/33.
Argumenta-se nesse caso, que a Medida Provisória n. 2170-36, não incidiria sobre
todas as aplicações financeiras, mas que trataria somente de matéria referente à gestão de
recursos públicos, assim, o Art. 5º desta norma deveria ser interpretado de forma sistemática,
não podendo se concluir, por extensão, que pudesse ser aplicada a qualquer aplicação
financeira.558
556 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.1.039.052-PR (2008/0051789-1). Terceira Turma.
Recorrente: Banco Rural S/A. Recorrido: Jussana Maria Frantzezos e outro. Relator: Ministro Massami Uyeda,
Brasília, DF, 12 de agosto de 2008. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=1039052&b=ACO
R>. Acesso em: 30mar.2010. 557 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.1.036.793-RS (2008/0048797-3). Terceira Turma. Recorrente: HSBC Bank Brasil S/A. Recorrido: Dinara Cardoso Turkienicz. Relator: Ministro Massami Uyeda,
Brasília, DF, 20 de maio de 2008. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=1036793&b=ACO
R>. Acesso em: 30mar.2010. 558 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.602.068 (2003/0191976-5). Segunda Seção.
Recorrente: Banco Santander Brasil S/A. Recorrido: Indústria Metalúrgica DP Ltda. Relator: Ministro Antônio
de Pádua Ribeiro, Brasília, DF, 24 de setembro de 2004. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=602068&b=ACOR
>. Acesso em: 02.jun.2010.
177
Complementa o raciocínio acima, o fato de que a Constituição Federal, ao tratar do
Sistema Financeiro Nacional prescreveu que deva ser regulado por meio de lei complementar
e, vedando a própria Constituição, que as medidas provisórias tratem de matéria reservada à
lei complementar, justificar-se-ia a não aplicação do mencionado Art. 5º, vedando-se, assim, a
capitalização mensal de juros.
Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o
desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da
coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive,
sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram.559
[...]
Art. 62. [...].
§1º. É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:
[...]
III – reservada à lei complementar;560
Porém, esta mesma turma, em julgamento que envolveu contrato de financiamento,561
reconheceu a possibilidade de capitalização mensal de juros para os contratos firmados após
31/03/2000. O mesmo posicionamento foi constatado em julgados proferidos pela Quarta
Turma do Tribunal, em questão envolvendo mútuo bancário,562
utilizando-se como paradigma
julgamentos proferidos pela Segunda Seção do Tribunal563
em questão envolvendo contrato
de abertura de crédito em conta corrente.
559 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.62. 560 Op.cit, p.31. 561 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.821.357-RS (20060036491-0). Terceira Turma.
Recorrente: Banco ABN Amro Real S/A. Recorrido: Alcino Santos Genro. Relator: Ministro Carlos Alberto
Menezes Direito, Brasília, DF, 23 de agosto de 2007. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=821357&b=ACOR>. Acesso em: 30mar.2010. 562 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.906.054-RS (200602623339-1). Quarta Turma.
Recorrente: Banco Sudameris Brasil S/A. Recorrido: Iris Gena Silveira da Rocha e outro. Relator: Ministro Aldir
Passarinho Júnior, Brasília, DF, 07 de fevereiro de 2008. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=906054&b=ACOR
>. Acesso em: 30mar.2010. 563 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 602.068 (2003/0191976-5). Segunda Seção.
Recorrente: Banco Santander Brasil S/A. Recorrido: Indústria Metalúrgica DP Ltda. Relator: Ministro Antônio
de Pádua Ribeiro, Brasília, DF, 24 de setembro de 2004. Disponível em:
178
Neste caso, argumenta-se que a norma do Art. 5º da medida provisória em comento é
expressa ao prever sua aplicabilidade às instituições financeiras, sem qualquer ressalva, aliado
ao fato de ser comum, embora não desejável, que o legislador insira dispositivos em leis que,
aparentemente, não digam respeito ao assunto tratado.564
Ainda, argumenta-se que o STJ, ao tratar da questão envolvendo juros remuneratórios,
considerou que o tema encontra-se inteiramente regulado pela Lei n. 4.595/64 que possui
caráter de lei complementar e especial, aplicando-se o Art. 5º da referida medida provisória
em detrimento do Art. 591 do Código civil de 2002, devendo ser realizado o mesmo aplicado
à capitalização de juros, permitindo-se, assim, a capitalização mensal, nos seguintes termos:
No que tange à Medida Provisória n. 1.963-17 (2.170-36), evidentemente
que o primeiro fundamento não se aplica. Porém, entendo que o segundo
sim, por se direcionar às "operações realizadas pelas instituições integrantes
do Sistema Financeiro Nacional", especificidade que a faz prevalente sobre a lei substantiva atual, que não a revogou expressamente e não é com ela
incompatível, porque é possível a coexistência por aplicável o novo código
substantivo aos contratos civis em geral (art. 2º, parágrafo 2º, da LICC), não tratados na aludida Medida Provisória.
Ademais, em obediência ao princípio da simetria, não se pode pretender,
como visto no precedente acima transcrito, que aos juros remuneratórios cobrados pelas instituições financeiras seja inaplicável o art. 591 do Código
Civil em vigor e ao mesmo tempo tê-lo como autorizativo da capitalização
apenas anual, eis que indissociável a parte final do restante do dispositivo
legal. Tem-se, assim, que a partir de 31.03.2000 é facultado às instituições
financeiras, em contratos sem regulação em lei específica, desde que
expressamente contratado, cobrar a capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual, direito que não foi abolido com o advento da Lei n.
10.406⁄2002.565
Por fim, no tocante às cédulas de crédito industrial, rural e comercial, é pacífico o
entendimento acerca da possibilidade de capitalização mensal dos juros, desde que seja
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=602068&b=ACOR
>. Acesso em: 02.jun.2010. 564 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.602.068 (2003/0191976-5). Segunda Seção. Recorrente: Banco Santander Brasil S/A. Recorrido: Indústria Metalúrgica DP Ltda. Relator: Ministro Antônio
de Pádua Ribeiro, Brasília, DF, 24 de setembro de 2004. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=602068&b=ACOR
>. Acesso em: 02.jun.2010. 565 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.906.054-RS (2006⁄0262339-1). Quarta Turma.
Recorrente: Banco Sudameris Brasil S⁄A. Recorrido: Iris Gena Silveira da Rocha e Outro. Relator: Ministro
Aldir Passarinho Junior, Brasília, DF, 07 de fevereiro de 2008. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=906054&b=ACOR
>. Acesso em: 30mar.2010.
179
expressamente pactuada, uma vez que existe expressa autorização legal, não necessitando,
assim, de expressa autorização do Conselho Monetário Nacional.566
Incide no caso a Súmula
n. 93 do STJ: “A legislação sobre cédulas de crédito rural, comercial e industrial admite o
pacto de capitalização de juros”.567
Acrescente-se que, muito embora haja menção à capitalização semestral no Art. 5º do
Decreto n. 167/67, que cria a cédula de crédito rural, existe a ressalva do acordo entre as
partes, admitindo-se, assim, que possam pactual de forma diversa, respeitando-se o limite
mínino da capitalização mensal.568
Art. 5º As importâncias fornecidas pelo financiador vencerão juros as taxas que o Conselho Monetário Nacional fixar e serão exigíveis em 30 de junho e
31 de dezembro ou no vencimento das prestações, se assim acordado entre as
partes; no vencimento do título e na liquidação, por outra forma que vier a ser determinada por aquele Conselho, podendo o financiador, nas datas
previstas, capitalizar tais encargos na conta vinculada a operação.569
Com relação às cédulas de crédito comercial, a autorização está expressa no Art. 5º, da
Lei n. 6840/64: “Aplicam-se à Cédula de Crédito Comercial e à Nota de Crédito Comercial as
normas do Decreto-Lei nº 413, de 9 de janeiro 1969 [...]”.570
Este Decreto-Lei, por seu turno,
no §2º, do Art. 11, expressamente autoriza a capitalização de juros nas cédulas de crédito
industrial, nos seguintes termos:
Art. 11 [Decreto-Lei n. 413/69]
[...]
566 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Recurso Especial n.256.128-RS (2000/0039419-0). Quarta
Turma. Agravante: Darcy Luiz Bortolazzo Vendrusculo e Outro. Agravado: Banco do Brasil S⁄A. Relator:
Ministro Hélio Quaglia Barbosa, Brasília, DF, 17 de maio de 2007. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=256128&b=ACOR
>. Acesso em: 02jun.2010. 567 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.1.795. 568 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Agravo de Instrumento n.966.398-AL (2007/0235571-3).
Quarta Turma. Agravante: Banco do Nordeste do Brasil S⁄A. Agravado: Sururu de Capote – Marques e Rebelo
Ltda. Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior, Brasília, DF, 26 se agosto de 2008. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=966398&b=ACOR
>. Acesso em: 02jun.2010. 569 BRASIL. Decreto-lei n.167, de 14 de fevereiro de 1967. Presidência da República. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del0167.htm>. Acesso em: 04jun.2010. 570 BRASIL. Lei n.6.840, de 03 de novembro de 1980. Presidência da República. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/1980-1988/L6840.htm>. Acesso em: 04jun.2010.
180
§2º. A inadimplência, além de acarretar o vencimento antecipado da dívida
resultante da cédula e permitir igual procedimento em relação a todos os
financiamentos concedidos pelo financiador ao emitente e dos quais seja credor, facultará ao financiador a capitalização dos juros e da comissão de
fiscalização, ainda que se trate de crédito fixo.571
Por fim, no tocante à capitalização de juros, é importante mencionar o enunciado da
Súmula 102 STJ: “A incidência dos juros moratórios sobre os compensatórios, nas ações
expropriatórias, não constitui anatocismo vedado em lei”.572
4.2.2 Comissão de permanência
No tocante à comissão de permanência, seguindo a metodologia alhures mencionada,
constatou-se que, nos contratos bancários, o STJ consolidou o entendimento acerca da licitude
de sua cobrança após o vencimento da dívida, desde que pactuada.573
Entretanto, o cálculo deve ser realizado tomando-se como base a taxa média dos juros
cobrados pelo mercado no dia do pagamento, apurado pelo Banco Central do Brasil, limitada
à taxa pactuada no contrato. Ainda, veda a cumulação de sua cobrança com correção
monetária, juros remuneratórios, juros moratórios e multa contratual. Caso haja referida
cumulação, os contratos deverão ser revistos para que estes últimos sejam expurgados,
mantendo-se a comissão de permanência.574
Nos termos dos julgados, ao tema se aplicam as seguintes súmulas editadas pelo
STJ:575
Súmula n. 30: “A comissão de permanência e a correção monetária são
inacumuláveis”; Súmula n. 294: “Não é potestativa a cláusula contratual que prevê a comissão
571 BRASIL. Decreto-lei n.413, de 09 de janeiro de 1969. Presidência da República. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/1965-1988/Del0413.htm>. Acesso em 04jun.2010. 572 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo:Saraiva, 2009, p.1.795. 573 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Recurso Especial n.712.801-RS (2004⁄0183802-4). Segunda
Seção. Agravante: Banco do Brasil S⁄A. Agravado: Ervateira Foletto Importadora e Exportadora Ltda. e Outro. Relator: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Brasília, DF, 27 de abril de 2005. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=712801&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2>.
Acesso em: 20abr.2010. 574
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.1.032.737-RS (2008⁄0036670-0). Terceira Turma.
Recorrente: Banco Finasa S⁄A. Recorrido: Oni Elvis Machado Bang. Relator: Ministro Massami Uyeda, Brasília,
DF, 13 de maio de 2008. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=1032737&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1>.
Acesso em: 28mar.2010. 575 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.1.793-1.799.
181
de permanência, calculada pela taxa média de mercado apurada pelo Banco Central do Brasil,
limitada à taxa de contrato; e Súmula n. 296: “Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a
comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência, à taxa média do mercado
estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado”.
Neste ponto, interessante apresentar a fundamentação apresentada pelo relator do
primeiro julgado mencionado:576
Com efeito, a comissão de permanência tem a finalidade de remunerar o
capital e atualizar o seu valor, no inadimplemento, motivo pelo qual é pacífica a orientação de que não se pode cumular com os juros
remuneratórios e com a correção monetária, sob pena de se ter a cobrança de
mais de uma parcela para se atingir o mesmo objetivo.
Por outro lado, a comissão de permanência, na forma como pactuada nos contratos em geral, constitui encargo substitutivo para a inadimplência, daí
se presumir que ao credor é mais favorável e que em relação ao devedor
representa uma penalidade a mais contra a impontualidade, majorando ainda mais a dívida.
Ora previstos já em lei os encargos específicos, com naturezas distintas e
transparentes, para o período de inadimplência, tais a multa e os juros
moratórios, não há razão plausível para admitir a comissão de permanência cumulativamente com aqueles, encargo de difícil compreensão para o
consumidor, que não foi criado por lei, mas previsto em resolução do Banco
Central do Brasil (Resolução. nº 1.129⁄86).
Por fim chega à conclusão de que:
Sob esta ótica, então, a comissão de permanência, efetivamente, não tem
mais razão de ser. Porém, caso seja pactuada, não pode ser cumulada com os encargos transparentes, criados por lei e com finalidades específicas, sob
pena de incorrer em bis in idem, já que aquela, além de possuir um caráter
punitivo, aumenta a remuneração da instituição financeira, seja como juros
remuneratórios seja como juros simplesmente moratórios. O fato é que a comissão de permanência foi adotada para atualizar, apenar e garantir o
credor em período em que a legislação não cuidava com precisão dos
encargos contratuais.
Ainda, importa destacar julgado proferido pela 2ª Seção do STJ, apresentando
entendimento de que a comissão de permanência é composta de três elementos, ou seja, os
576 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Recurso Especial n.712.801-RS (2004⁄0183802-4). Segunda
Seção. Agravante: Banco do Brasil S⁄A. Agravado: Ervateira Foletto Importadora e Exportadora Ltda. e Outro.
Relator: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Brasília, DF, 27 de abril de 2005. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=712801&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2>.
Acesso em: 20abr.2010.
182
juros que remuneram o capital emprestado (juros remuneratórios); os juros que compensam a
demora no pagamento (juros moratórios) e a multa como penalidade pelo inadimplemento,
caso seja contratada.577
Desta forma, corrobora-se o entendimento de que a comissão de permanência não
pode ser cobrada de forma cumulada com referidos encargos, sob pena de se estar incorrendo
em um bis in idem.
Com relação às Cédulas de crédito rural, comercial e industrial há quase
unanimidade de entendimento, havendo inclusive precedente da Segunda Seção do
Tribunal,578
no sentido de que não ser possível a pactuação da comissão de permanência. A
única divergência é encontrada na Quarta Turma, em julgados de relatoria dos Ministros
Hélio Quaglia Barbosa579
e Luís Felipe Salomão,580
possibilitando sua pactuação nos mesmos
moldes dos contratos bancários, ou seja, não podem ser cumulados com demais encargos
moratórios, estando limitada à taxa média do mercado.
Nos julgados em que há posicionamento acerca da impossibilidade da pactuação de
comissão de permanência, o fundamento é o de que a legislação respectiva não autoriza a
contratação destes encargos, autorizando somente a contratação dos juros moratórios, juros
remuneratórios e multa contratual pelo inadimplemento.581
577 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.834.968-RS (2006⁄0069532-5). Segunda Seção.
Recorrente: Banco Santander Banespa S⁄A. Recorrido: Adão Batista de Castro. Relator: Ministro Ari Pargendler,
Brasília, DF, 14 de março de 2007. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=834968&b=ACOR>. Acesso em: 28mar.2010. 578 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg nos EDcl no Recurso Especial n.889.378-SP (2006/0211197-8).
Segunda Seção. Agravante: Banco do Brasil S⁄A. Agravado: Adriano Pereira dos Santos. Relator: Ministro Ari
Pargendler, Brasília, DF, 14 de maio de 2008. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=889378&b=ACOR
>. Acesso em: 07jun.2010. 579 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Recurso Especial n.456.087-RO (2002/0100140-7). Quarta
Turma. Agravante: Banco do Brasil S⁄A. Agravado: O Passarelli. Relator: Ministro Hélio Quaglia Barbosa,
Brasília, DF, 19 de abril de 2007. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=456087&b=ACOR
>. Acesso em: 07jun.2010. 580 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.468.887-MG (2002/0113877-8). Quarta Turma.
Recorrente: COPAVE – Comércio Paraíso de Veículo Ltda. e Outros. Recorrido: Banco do Brasil S/A. Relator:
Ministro Luís Felipe Salomão, Brasília, DF, 04 de maio de 2010. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=468887&b=ACOR
>. Acesso em: 07jun.2010. 581 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Recurso Especial n.784.935-CE (2005/0158271-0). Quarta
Turma. Agravante: Banco do Nordeste do Brasil S⁄A. Agravado: Marques e Souza Publicidade Ltda. e Outros.
Relator: Ministro Honildo Amaral Filho de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), Brasília, DF,
02 de março de 2010. Disponível em:
183
4.2.3 Juros remuneratórios
Nos contratos vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação, a Segunda Seção do
STJ582
consolidou o entendimento de que o Art. 6º da Lei n. 4.380/64, não estabelece
limitação para os juros remuneratórios, sob o fundamento de este dispositivo legal seria mera
condição de aplicabilidade do Art. 5º da mesma lei.
Art. 5º Observado o disposto na presente Lei, os contratos de vendas ou construção de habitações para pagamento a prazo ou de empréstimos para
aquisição ou construção de habitações poderão prever o reajustamento das
prestações mensais de amortização e juros, com a conseqüente correção do
valor monetário da dívida toda vez que o salário mínimo legal for alterado. [...]
Art. 6º O disposto no artigo anterior somente se aplicará aos contratos de
venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão, ou empréstimos que satisfaçam às seguintes condições:
[...]
e) os juros convencionais não excedam de 10% (dez por cento) ao ano;583
Fundamenta-se no fato de que, prescrevendo o mencionado Art. 6º que o disposto no
Art. 5º somente se aplica aos contratos com juros convencionais que não excedem 10% ano,
deixaria implícita a existência de outros contratos em que os juros convencionados seriam
superiores a 10% ao ano.
Nos contratados financiamento estudantil, constatou-se o reconhecimento da
legalidade de juros remuneratórios à taxa de 9% ao ano nos contratos firmados anteriormente
ao ano de 2006 e posteriormente a 1º de julho de 1996, quando o limite dos juros era
estipulado em 6% ao ano.584
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=784935&b=ACOR
>. Acesso em: 07jun.2010. 582 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.1.070.297-PR (2008⁄0147497-7). Segunda Seção.
Recorrente: Banco Itaú S⁄A. Recorrido: Hiroyasu Mori e Outros. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão.
Brasília, DF, 09 de setembro de 2009. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=1070297&b=ACO
R>. Acesso em: 27mar.2010. 583 BRASIL. Lei n.4.380, de 21 de agosto de 1964. Presidência da República. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4380.htm>. Acesso em: 28maio2010. 584 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.1.058.325-RS (2008⁄0106733-6). Segunda Turma.
Recorrente: Lisiane Davesac Rodrigues e Outros. Recorrido: Caixa Econômica Federal - CEF. Relator: Ministro
184
O fundamento é o de que, nos termos do Art. 5º, II, da Lei n. 10.260/01, esses juros
são estipulados pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) “aplicando-se desde a data da
celebração até o final da participação do estudante no financiamento”.585
Por sua vez, o CMN, no Art. 6º da Resolução n. 2.647/99, prescreve que: “Para os
contratos firmados no segundo semestre de 1999, bem como no caso daqueles que trata o art.
15 da Medida Provisória n. 1.865, de 1999, a taxa efetiva de jutos será de 9% a.a. (nove
inteiros por cento ao ano), capitalizada mensalmente”.586
Contatou-se, também, que o CMN possibilita a redução dos juros às taxas de 3,5% a
6,5% ao ano, mas somente nos contratos de financiamento estudantil, firmados a partir de 1º
de julho de 2006, nos termos do Art. 1º, I e II da Resolução BACEN n. 3.415/06, que
prescreve:
Art. 1º Para os contratos do FIES celebrados a partir de 1º de julho de 2006,
a taxa efetiva de juros será equivalente a: I - 3,5% a.a. (três inteiros e cinco décimos por cento ao ano), capitalizada
mensalmente, aplicável exclusivamente aos contratos de financiamento de
cursos de licenciatura, pedagogia, normal superior e cursos superiores de tecnologia, conforme definidos pelo Catálogo de cursos superiores de
tecnologia, instituído pelo Decreto nº 5.773, de 09 de maio de 2006;
II - 6,5% a.a. (seis inteiros e cinco décimos por cento ao ano), capitalizada
mensalmente, para os contratos do FIES não relacionados no inciso I.587
Esta mesma Resolução, no Art. 2º determina que: “Para os contratos do FIES
celebrados antes de 1º de julho de 2006 aplica-se a taxa prevista no art. 6º da Resolução nº
2.647, de 22 de setembro de 1999”.588
Castro Meira. Brasília, DF, 12 de agosto de 2008. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=1058325&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2>.
Acesso em: 27mar.2010. 585 BRASIL. Lei n.10.260, de 12 de julho de 2001. Presidência da República. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LEIS_2001/L10260.htm>. Acesso em: 28mai.2010. 586 BRASIL. Resolução CMN n.2.647, de setembro de 1999. Banco Central do Brasil. Disponível em:
<https://www3.bcb.gov.br/normativo/detalharNormativo.do?N=099226586&method=detalharNormativo>.
Acesso em: 28maio10. 587
Brasil. Resolução BACEN n.3.415, de 30 de outubro de 2006. Diário das leis. Disponível em:
<https://www3.bcb.gov.br/normativo/detalharNormativo.do?N=106330957&method=detalharNormativo>.
Acesso em: 28maio2010. 588 Brasil. Resolução BACEN n.3.415, de 30 de outubro de 2006. Diário das leis. Disponível em:
<https://www3.bcb.gov.br/normativo/detalharNormativo.do?N=106330957&method=detalharNormativo>.
Acesso em: 28mai2010.
185
Nas questões envolvendo contratos bancários, a Segunda Seção do STJ, em
incidente de recurso repetitivo, definiu estes encargos como: “[...] aqueles que representam
o preço da disponibilidade monetária, pago pelo mutuário ao mutuante, em decorrência do
negócio jurídico celebrado entre eles”.589
Com esta decisão consolidou-se o entendimento de que, nas operações realizadas por
instituições pertencentes ao Sistema Financeiro Nacional, existe liberdade para contratação
dos juros remuneratórios e, sendo regidas pela Lei n. 4.595/64, não incidiria a limitação
prevista na Lei de Usura (Decreto n. 22.626/33), nos termos da Súmula 596 do STF e, que a
simples estipulação em patamar superior a 12% ao ano, não implica abusividade.590
Súmula n.596. As disposições do Decreto n. 22.626/33 não se aplicam às
taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas pelas instituições públicas ou privadas que integram o sistema financeiro
nacional.591
O fundamento é o de que as instituições financeiras não necessitam de autorização do
Conselho Monetário Nacional para contratação de taxas de juros, autorização que somente se
faz necessária em hipóteses determinadas, como, por exemplo, nas cédulas de crédito rural,
comercial e industrial.
A simples estipulação de taxas de juros superiores a 12% ao ano, por si só, não
caracterizaria abusividade, sendo necessária demonstração desta abusividade no caso
concreto, prova que deve ser produzida nas instâncias ordinárias, ou seja, deve ser
demonstrada de forma cabal a excessividade do lucro auferido pela instituição financeira, não
sendo argumento suficiente para tanto a alegação de estabilidade inflacionária do momento.592
589 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.1.061.530-RS (2008/0119992-4). Segunda Seção.
Recorrente: UNIBANCO União de Bancos Brasileiros S/A . Recorrida: Rosemari dos Santos Sanches. Relatora:
Ministra Nancy Andrighi. Brasília, DF, 22 de outubro de 2008. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=1061530&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2>. Acesso em: 28mar.2010. 590 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.1.039.052-PR (2008⁄0051789-1). Quarta Turma.
Recorrente: Jorge Diniz Jahn E Outros. Recorrido: Banco Bradesco S⁄A. Relator: Ministro Fernando Gonçalves.
Brasília, DF, 25 de maio de 2004. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=1039052&b=ACO
R>. Acesso em: 05maio2010. 591 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.1.785. 592 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Recurso Especial n.590.573 - SC (2003⁄0160762-3).
Terceira Turma. Recorrente: Banco Rural S/A. Recorrida: Jussana Maria Frantzezos e Outro. Relator: Ministro
186
Corrobora este entendimento a Súmula n. 07 deste Tribunal que enuncia: “A pretensão
de simples reexame de prova não enseja recurso especial”,593
bem como da Súmula n. 05: “A
simples interpretação de cláusula contratual não enseja recurso especial”.594
Não obstante o entendimento acima, concluiu-se ser possível a aplicação do Art. 39 do
Código de Defesa do Consumidor, onde se veda ao fornecedor: “Exigir do consumidor
vantagem manifestamente excessiva”, bem como o Art. 51, IV, que considera abusiva, dentre
outras, as cláusulas que: “Estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que
coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou
eqüidade.”
Desta forma, em casos excepcionais, é possível a revisão do contrato em relação à taxa
dos juros contratada, quando caracterizada a relação de consumo e constatada a abusividade
da cláusula – a existência de uma desvantagem exagerada para o consumidor – cuja
comprovação dever ser realizada caso a caso pelas instâncias ordinárias.
Foram consideradas excessivas, ensejando a revisão do contrato, as taxas de juros
livremente contratadas pelas partes que excederam de modo substancial, da média do
mercado, bem como a taxa cobrada pelas demais instituições financeiras, salvo de justificada
pelo risco da operação, revisando-se o contrato para sua cobrança à taxa média do mercado à
época da contratação, não se aplicando o limite de 12% ao ano, pois o limite estabelecido pela
Lei de Usura não se aplica às instituições financeiras.595
Ainda, havendo previsão contratual de cobrança de juros remuneratórios sem,
contudo, estipulação de seu montante, reconheceu-se que seu cálculo deveria ser efetuado
segundo a taxa média do mercado para operações da mesma espécie à época da contratação,
considerando-s abusiva e, conseqüentemente nula, a cláusula que deixa tal estipulação ao
exclusivo arbítrio da instituição financeira.596
Massami Uyeda. Brasília, DF, 12 de agosto de 2008. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=1039052&b=ACO
R>. Acesso em: 27mar.2010. 593 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.1.793. 594 Op.cit, p.1.793. 595 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. EDcl no AgRg no Recurso Especial n.480.221-RS (2002⁄0166030-0).
Quarta Turma. Embargante: José Lúcio Jacobi Vianna e. Outro. Embargado: Banco ABN AMRO REAL S⁄A.
Relator: Ministro Hélio Quaglia Barbosa. Brasília, DF, 27 de março de 2007. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=480221&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1>.
Acesso em: 05maio2010. 596 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.715.894-PR (2005⁄0005368-1). Segunda Seção.
Recorrente: Banco Banestado S⁄A. Recorrida: Urbalon Pavimentação e Obras Ltda. Relatora: Ministra Nancy
187
Entretanto, nos contratos de conta corrente em que há débitos indevidos e posterior
restituição ao cliente, a 2ª Seção do STJ597
posicionou-se no sentido de que os juros
remuneratórios devem ser calculados à taxa de um por cento ao mês e não de acordo com os
mesmos índices cobrados pelas instituições financeiras, uma vez que, somente as instituições
financeiras estão autorizadas a cobrar juros remuneratórios excedentes a 12% ao ano, pois as
taxas cobradas por elas cobradas não correspondem aos seus lucros, mas sim para custeio de
todo seu sistema operacional.
Nas questões envolvendo contratos de cartões de crédito, uma vez que submetidos
ao regime da Lei n. 4.595/94, não estão sujeitos aos limites impostos pelo Decreto n.
22.623/33, a chamada Lei de Usura, podendo, assim, os juros remuneratórios serem pactuados
em patamar superior a 12% ao ano, somente sendo possível a revisão do contrato quando
comprovada a abusividade, prova a ser realizada pelas instancias ordinárias, como
fundamento foi apresentado o seguinte julgado:
DIREITO COMERCIAL. EMPRÉSTIMO BANCÁRIO. Os negócios bancários estão sujeitos ao Código de Defesa do Consumidor, inclusive
quanto aos juros remuneratórios; a abusividade destes, todavia, só pode se
declarada, caso a caso, à vista de taxa que comprovadamente discrepe, de
modo substancial, da média do mercado na praça do empréstimo, salvo se justificada pelo risco da operação. Recurso especial conhecido e provido.
598
Importante destacar que, nos contratos bancários em que há estipulação da chamada
comissão de permanência, os juros remuneratórios são devidos até a data do inadimplemento,
não podendo ser cobrados após este período, quando passam a incidir os encargos da
comissão de permanência pactuada.
Andrighi. Brasília, DF, 26 de abril de 2006. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=715894&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2>.
Acesso em: 05maio2010. 597 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.447.431-MG (2002⁄0085231-8). Segunda Seção. Recorrente: Benjamin Cruz Neves. Recorrido: Banco Bandeirantes S⁄A. Relator: Ministro Ari Pargendler.
Brasília, DF, 28 de março de 2007. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=447431&b=ACOR
>. Acesso em: 05maio2010. 598 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.407.097-RS (2002⁄0006043-2). Segunda Seção.
Recorrente: Banco Meridional S⁄A. Recorrido: Nova Geração Peças E Serviços Em Veículos Ltda. Relator:
Ministro Antônio De Pádua Ribeiro. Brasília, DF, 12 de março de 2003. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=407097&b=ACOR
>. Acesso em: 05maio2010.
188
No que tange às cédulas de crédito rural, comercial e industrial, o entendimento é o
de que compete ao Conselho Monetário Nacional fixar o limite para a taxa dos juros
remuneratórios e, na ausência de estipulação, aplicáveis os limites estabelecidos pela Lei de
Usura, ou seja, 12% ao ano.599
Nos contratos envolvendo empresas de factoring o posicionamento do Tribunal é no
sentido de que elas não integram o Sistema Financeiro Nacional, razão pela qual não estão
autorizadas a cobrar taxa de juros superiores a 12% ao ano, uma vez que sujeitas ao limite
imposto pela Lei de Usura.
Constatou-se que os recentes julgados remetem à decisão proferida em 1998, na qual
se entendeu que: “O FACTORING distancia-se da instituição financeira ou bancária
justamente porque seus negócios não se abrigam no direito de regresso (como no caso de
duplicatas, sob caução bancária) e nem na garantia representada pelo aval ou endosso.”600
(grifos do autor).
Nos termos do entendimento do Ministro relator do acórdão mencionado:
Ora, se a operação de factoring é de natureza comercial e, como se vê, até
sujeita à sanção se praticada por estabelecimentos bancários sem autorização
do BACEN, é porque se trata de contrato comercial, atípico, praticado entre empresas comerciais que, nessa cessa ode crédito, não têm direito de
regresso contra o cedente. Enfim, trata-se de contrato por meio do qual um
comerciante cede a outrem os créditos correspondentes às suas atividades,
total ou parcialmente, recebendo, em contra-partida, remuneração consistente em desconto sobre os respectivos valores.
601 (grifos do autor)
599 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Recurso Especial n.256.128-RS (2000/0039419-0). Quarta
Turma. Agravante: Darcy Luiz Bortolazzo Vendrusculo e Outro. Agravado: Banco do Brasil S⁄A. Relator:
Ministro Hélio Quaglia Barbosa, Brasília, DF, 17 de maio de 2007. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=256128&b=ACOR
>. Acesso em: 02jun.2010. 600 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.119.705-RS (1997/0010587-3). Terceira Turma. Recorrente: Organizações Lima Administração e Assessoria Financeira Ltda. Recorrido: Irmãos Thonnigs e Cia
e Ltda. E outro. Relator: Ministro Waldemar Zveiter. Brasília, DF, 07 de abril de 1998. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=119705&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2#>.
Acesso em: 05maio2010. 601 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.119.705-RS (1997/0010587-3). Terceira Turma.
Recorrente: Organizações Lima Administração e Assessoria Financeira Ltda. Recorrido: Irmãos Thonnigs e Cia
e Ltda. E outro. Relator: Ministro Waldemar Zveiter. Brasília, DF, 07 de abril de 1998. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=119705&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2#>.
Acesso em: 05maio2010.
189
Desta forma, não sendo integrante do Sistema Financeiro Nacional, em face da
ausência de permissivo legal, não podem estipular taxas de juros em patamares superiores
aqueles estipulados pela Lei de Usura.
4.2.4 Juros moratórios
Analisando a questões envolvendo os juros moratórios, constatou-se que a Segunda
Seção do STJ já consolidou entendimento acerca destes encargos quando se trata de contratos
bancários, definindo-os como “[...] aqueles encargos pagos pelo mutuário ao mutuante em
decorrência da mora no cumprimento da prestação estabelecida no contrato”.602
Em primeiro lugar, foi analisada a questão da configuração da mora, onde se
consolidou o entendimento do Tribunal no sentido de que, o simples ajuizamento de ação
revisional não é suficiente para descaracterizar a mora do devedor, sob o fundamento de que
seria preciso a comprovação, nas instâncias ordinárias, acerca da existência de cobrança de
encargos ilegais ou abusivos.603
Tal assertiva é corroborada quando o devedor não se utiliza de qualquer meio idôneo
capaz de afastar os efeitos da mora, como, por exemplo, nos contratos de financiamento
bancário,604
o depósito do valor das prestações ou os valores que entendesse devidos.
Assim, consolidou-se o entendimento de que, para descaracterizar a mora é necessária
a comprovação da existência de encargos ilegais e abusivos na contratação ou, em sentido
contrário, não comprovada a ilegalidade ou a abusividade dos encargos contratados resta
602 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.1.061.530-RS (2008/0119992-4). Segunda Seção.
Recorrente: UNIBANCO União de Bancos Brasileiros S/A. Recorrida: Rosemari dos Santos Sanches. Relatora:
Ministra Nancy Andrighi. Brasília, DF, 22 de outubro de 2008. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=1061530&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2>.
Acesso em: 28mar.2010. 603 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.607.961-RJ (2003⁄0206911-4). Segunda Seção.
Recorrente: Tormec Fábrica de Parafusos e Peças Torneadas de Precisão Ltda. Recorrido: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Brasília, DF, 09 de março
de 2005. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=607961&b=ACOR
>. Acesso em: 16maio2010. 604 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.1.071.004-MS. Decisão Monocrática. Recorrente:
Osvaldo Antônio Brito da Silva. Recorrido: Banco Itaú S/A. Relator: Ministro Massami Uyeda. Brasília, DF, 1º
de agosto de 2008. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/decisoes/doc.jsp?processo=1071004&&b=DTXT&p=true&t=&l=10&i=2>.
Acesso em: 16maio2010.
190
configurada a mora do devedor, comprovação que deve realizar-se nas instâncias
ordinárias.605
Este entendimento se repete quando se trata de cédula comercial.606
Ressalte-se que estes encargos devem incidir sobre o chamado “período de
normalidade”, como juros remuneratórios e sua capitalização,607
sendo interessante o
fundamento apresentado pelo Ministro Humberto Gomes de Barros, em questão envolvendo
financiamento bancário:
Com efeito, a descaracterização da mora em face da exigência de encargos
abusivos no contrato, conquanto seja pacificamente admitida pela jurisprudência do STJ (Resp nº 163.884⁄RS, 2ª Seção, Rel. Min. Ruy Rosado
de Aguiar, DJ de 24.09.2001), deve ser analisada com base nos encargos
contratuais do chamado 'período da normalidade', ou seja, em relação à taxa
de juros remuneratórios e à capitalização de juros. Havendo ilegalidade em um desses encargos, tem perfeita incidência a
jurisprudência supra citada, pois, nesses termos, resta justificado o não
pagamento pelo devedor na medida em que este é cobrado de forma abusiva.
608
Constatou-se o entendimento, em um dos julgados apresentados como paradigma, em
questão envolvendo contato de crédito fixo,609
de que é justamente a cobrança destes
encargos não moratórios, abusivos ou ilegais, durante o período de normalidade, que causam
605 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.061.530-RS (2008/0119992-4). Segunda Seção.
Recorrente: UNIBANCO União de Bancos Brasileiros S/A. Recorrida: Rosemari dos Santos Sanches. Relatora:
Ministra Nancy Andrighi. Brasília, DF, 22 de outubro de 2008. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=1061530&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2>.
Acesso em: 28mar.2010. 606 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Agravo de Instrumento n.710.601-MS (2005⁄0156989-9). Segunda Seção. Recorrente: Banco do Brasil S⁄A. Recorrido: Curtume Campo Grande Indústria Comércio e
Exportação Ltda. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Brasília, DF, 16 de fevereiro de 2006. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=710601&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1>.
Acesso em: 15maio2010. 607 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. EDlc no AgRg no Recurso Especial n.842.973-RS (2006⁄0088839-8).
Terceira Turma. Embargante: Unibanco União de Bancos Brasileiros S⁄A. Embargado: Joaquim Gularte.
Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Brasília, DF, 21 de agosto de 2008. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=842973&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1>.
Acesso em: 16maio2010. 608 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. EDcl no AgRg no Recurso Especial n.842.973-RS (2006⁄0088839-8).
Terceira Turma. Embargante: UNIBANCO União de Bancos Brasileiros S⁄A. Embargado: Joaquim Gularte. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Brasília, DF, 21 de agosto de 2008. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=842973&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1>.
Acesso em: 16maio2010. 609
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.965.353-RS. Decisão Monocrática. Recorrente:
Clara Zeferina Ferreira Nunes e Outro. Recorrido: Cooperativa de Economia e Crédito Mútuo dos Médicos e
demais Profissionais da Saúde de Pelotas - Ltda. Relator: Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA. Brasília, DF,
20 de agosto de 2007. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/decisoes/doc.jsp?processo=965353&&b=DTXT&p=true&t=&l=10&i=4>. Acesso
em: 10maio2010.
191
dificuldade ao devedor para adimplir o pactuado e, conseqüentemente, sua inadimplência,
justificando-se, assim, a descaracterização da mora.
Por outro lado, a existência de eventual abusividade dos encargos moratórios, não tem
o condão de descaracterizar a mora de devedor, uma vez que não foram estes encargos que
deram causa ao seu estado de inadimplência.
Com relação à taxa dos juros moratórios, o STJ consolidou o entendimento de que, nos
contratos bancários, índice o limite legal de 0,5% ao mês, podendo haver pactuação até o
limite de 1% ao mês, desde que não regidos por legislação específica, incidindo, assim, as
disposições da Lei de Usura, Decreto n. 22.626/33.610
Para consolidação deste entendimento, foi utilizado com paradigma, dentre outras,
decisão proferida pela Segunda Seção do STJ, onde, em julgamento de questão envolvendo
contrato de abertura de crédito fixo, reconhecendo a possibilidade de contratação de juros
moratórios até o limite de 1% ao mês, reconhecendo-se, ainda, a possibilidade de sua
cumulação com os juros remuneratórios, diante da natureza diversa de cada um deles.
Os juros, considerados quanto à taxa aplicada, podem ser moratórios ou
compensatórios. Todavia, como gênero, os juros possuem natureza jurídica
de frutos civis, remunerando determinado capital empregado em dinheiro ou outros bens. Como vimos, os juros moratórios possuem gênese diversa
daquela decorrente dos juros compensatórios. Com efeito, os juros
compensatórios originam-se na simples utilização do capital. Portanto, são
juros que se contam pela utilização do capital durante determinado tempo. Por outro lado, os juros moratórios possuem gênese no atraso – mora ou
demora – na restituição do capital. Também são juros pela utilização do
capital, entretanto, constituem pena imposta ao devedor moroso. Nesse sentido, absolutamente possível a cumulação de uns com os outros.
611
610 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.061.530-RS (2008/0119992-4). Segunda Seção.
Recorrente: UNIBANCO União de Bancos Brasileiros S/A. Recorrida: Rosemari dos Santos Sanches. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Brasília, DF, 22 de outubro de 2008. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=1061530&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2>.
Acesso em: 28mar.2010. 611
SCAVONE JUNIOR, Luiz Antônio. Obrigações: abordagem didática. 2.ed. São Paulo: Juarez de Oliveira,
173 apud BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.402.483-RS (2002⁄0000391-4). Segunda
Seção. Recorrente: Banco Santander Brasil S/A. Recorrido: Costi S/A Indústria e Comércio Agricultura e
Pecuária. Relator: Ministro Castro Filho. Brasília, DF, 26 de março de 2003. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=402483&b=ACOR
>. Acesso em: 05maio2010.
192
Quando se trata de reparação dos débitos indevidos realizados em conta corrente,
constatou que o entendimento é o de que, “[...] os danos a serem indenizados pela instituição
financeira são aqueles decorrentes da transferência injustificada de fundos do correntista [...] e
as despesas [...] que em função do saldo negativo teve de suportar [...]”.612
Para referida reparação, não podem ser aplicados os mesmos percentuais utilizados
pelas instituições financeiras para cobrança de seus créditos, porque elas somente elas são
autorizadas a cobrar acima dos limites estabelecidos pela Lei de Usura. Não bastasse isso, em
nosso ordenamento a reparação das perdas e danos não tem função punitiva e, por fim, porque
as taxas cobradas pelas instituições financeiras não representam apenas seu lucro, mas
também a forma de custeio de suas operações.613
Assim, os juros moratórios devem ser cobrados a partir da citação da respectiva
demanda, nos seguintes termos: no período anterior ao atual Código Civil, devem ser
cobrados à taxa de 0,5% ao mês, acrescendo-se a correção monetária; no período posterior ao
Código Civil de 2002, devem se cobrados na forma prevista no Art. 406 do referido estatuto,
ou seja, o limite de 12% ao ano.614
Este entendimento é repetido quando se trata de reparação
de danos morais em face de instituição financeira.615
Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou que
forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei,
612 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.447.431-MG (2002⁄0085231-8). Segunda Seção. Recorrente: Benjamin Cruz Neves. Recorrido: Banco Bandeirantes S/A. Relator: Ministro Ari Pargendler.
Brasília, DF, 28 de março de 2007. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=447431&b=ACOR
>. Acesso em: 07maio2010. 613 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.447.431-MG (2002⁄0085231-8). Segunda Seção.
Recorrente: Benjamin Cruz Neves. Recorrido: Banco Bandeirantes S/A. Relator: Ministro Ari Pargendler.
Brasília, DF, 28 de março de 2007. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=447431&b=ACOR
>. Acesso em: 07maio2010. 614 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 437.269-MG (2002⁄0057997-7). Quarta Turma.
Recorrente: Banco Bandeirantes de Investimentos S/A. Recorrido: Dalva de Andrade Resende. Relator: Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ⁄AP). Brasília, DF, 20 de outubro de 2009.
Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=437269&b=ACOR
>. Acesso em: 08maio2010. 615 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. EDcl no Recurso Especial n.595.006-RS (2003⁄0040928-9). Quarta
Turma. Embargante: Ademir da Rosa Silva. Embargado: Banco do Brasil S/A. Relator: Ministro Cesar Asfor
Rocha. Brasília, DF, 27 de março de 2007. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=595006&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1>.
Acesso em: 07maio2010.
193
serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento
de impostos devidos à Fazenda Nacional.616
Nas questões envolvendo as operadoras de cartões de crédito, haja vista o
entendimento que estão sujeitas às regras que regem o Sistema Financeiro, são válidas as
mesmas considerações acima esposadas em relação aos contratos bancários.
No caso das empresas de factoring, como funcionam apenas como cessionárias do
crédito, estão sujeitas aos limites impostos pela Lei de Usura, ou seja, os juros moratórios
estão limitados a 6% ao ano, podendo chegar a 12% mês, nos termos da mencionada
legislação, entendimento que se repete mesmo quando a empresa de factoring encontra-se
vinculada a instituição integrante do Sistema Financeiro Nacional, pois as relações
obrigacionais estabelecidas não são de índole bancária.617
Com base na análise dos julgados, constata-se que o STJ, regra geral, vinha
promovendo a efetivação dos comandos constitucionais e infraconstitucionais, apresentando
um desenvolvimento nas decisões para concretização da proteção do consumidor.
Neste sentido, nos contratos junto ao Sistema Financeiro da Habitação, vinculados ao
Fundo de Compensação de Variação Salarial o entendimento é de que não estariam sujeitos
ao CDC, pois a norma de proteção ao mutuário hipossuficiente seria mais benéfica,
entendimento em plena consonância com telos constitucional de defesa do consumidor.
Do mesmo modo, o entendimento de que, até o advento da Lei n. 11.977/2009 não
seria possível a capitalização de juros. Ainda, que a utilização da Tabela Price e o critério de
amortização do saldo devedor poderiam, eventualmente, proporcionar tal capitalização,
possibilitando a revisão do contrato caso houvesse comprovação dessa capitalização nas
instâncias ordinárias.
Com relação à capitalização de juros nos contratos bancários, apesar do entendimento
do Tribunal acerca da legalidade de sua cobrança, constatou-se a existência de divergência
entre as Turmas, acerca da possibilidade desta capitalização ser mensal ou anual. Neste caso,
616
BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.174. 617 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.623.691-RS (2004⁄0001616-5). Quarta Turma.
Recorrente: Banco ABN AMRO Real S/A. Recorrido: Beatriz do Nascimento Koenich. Relator: Ministro Cesar
Asfor Rocha. Brasília, DF, 27 de setembro de 2005. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=623691&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1>.
Acesso em: 10maio2010.
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em face do critério de interpretação sempre favorável ao consumidor, deveria prevalecer o
entendimento da capitalização anual.
Quanto à comissão de permanência, nos casos em que se entendeu permitida,
prevaleceu o entendimento de que, comprovada a abusividade dos encargos contratados, a
decisão das instâncias inferiores deveria ser reformada, utilizando-se a taxa média do
mercado.
No tocante aos juros remuneratórios, foi seguido o mesmo raciocínio, pois, embora o
reconhecimento de que, nos contratos bancários – bem como aos cartões de crédito – ser livre
a pactuação da referida taxa, não estando sujeitas à Lei de Usura, foi reconhecido que,
comprovada a abusividade dos encargos contratados, a decisão das instâncias inferiores
deveria ser reformada, utilizando-se a taxa média do mercado ou estipulada por outras
instituições financeiras para situações semelhantes.
Ainda com relação aos juros remuneratórios, entendeu-se que, em caso de restituição
de débitos devidos em conta corrente, incidiria a limitação da Lei de Usura, porque as taxas
de juros cobradas das instituições financeiras não representariam apenas o lucro da instituição,
mas serviriam também para custear sua atividade, sendo o mesmo entendimento quanto às
empresas de factoring, uma vez que não integram o sistema financeiro nacional.
Nestes casos, as decisões do STJ foram de encontro às novas diretrizes traçadas por
nosso ordenamento, uma vez que, apesar de reconhecer regime de juros diverso para os
contratos bancários, reconheceu-se, também que, comprovada a abusividade, o contrato
deveria ser revisto, para o restabelecimento do equilíbrio contratual.
Até mesmo a decisão que limita os juros remuneratórios a 12% ao ano, no caso de
restituição de débito indevido em conta corrente, procura compatibilizar os comandos
constitucionais, pois, a Constituição Federal, quando trata da “Ordem Econômica e
Financeira”, expressamente prescreve que deva valorizar a livre iniciativa, desde que assegure
a todos existência digna. Não bastasse isso, o CDC prescreve que deve haver uma
harmonização das relações de consumo.
O entendimento acima promove tal harmonização, sendo notório que os juros
cobrados pelas instituições financeiras não refletem apenas seu lucro, mas também servem
para o custeio de sua atividade. Caso o consumidor fosse remunerado no mesmo patamar
estaria enriquecendo ilicitamente.
195
Desta forma, as decisões do STJ, que acabam sendo refletidas nas instâncias
inferiores, preconizavam as diretrizes traçadas pelo Código de Defesa do Consumidor e pela
Constituição Federal, no sentido de que, deveria ser buscada a efetiva igualdade entre as
partes, com a qual se estaria assegurando a dignidade da pessoa humana, neste caso o
consumidor, além de realizar a harmonização da liberdade de iniciativa com as questões
sociais, que se refletem na harmonização das relações de consumo.
Porém, com a edição da Súmula n. 381, houve um retrocesso em todo este processo,
pois referida súmula além de contrariar texto expresso de lei, contraria todo o sistema de
defesa do consumidor, defesa esta expressamente consignada no Texto constitucional.
Portanto, para respeito e efetivação dos comandos legais e constitucionais, a Súmula n.
381 deveria ser revista, a fim de que fosse restabelecida a defesa do consumidor nos moldes
preconizados pela Constituição Federal, garantindo-se a dignidade do consumidor, que é
expressamente reconhecido como o ente mais fraco – vulnerável – das relações de consumo.
196
CONCLUSÕES
O contrato é importante instrumento para as relações negociais, sendo instituto que se
desenvolveu em conformidade com as transformações sofridas pela sociedade.
No Direito Romano é encontrada a raiz histórica do instituto. No início, foi um
instituto rigidamente marcado pelo apego ao formalismo, com a exigência de cumprimento de
rígidas fórmulas para a vinculação das partes em consenso, admitindo, em momentos
posteriores, que o simples consenso poderia dar origem ao vínculo obrigacional, servindo de
inspiração para o postulado da autonomia da vontade.
O desenvolvimento do instituto foi interrompido com a queda do Império romano, mas
retomados no final da Idade Média, influenciado pelo Direito canônico, o liberalismo e os
ideais liberais.
Este desenvolvimento foi consagrado com a edição do Código Civil Francês em 1808,
que consagrou a autonomia da vontade como princípio basilar do direito contratual,
prevalecendo, inclusive sobre a lei. Da autonomia da vontade decorreram outros postulados:
liberdade contratual, obrigatoriedade do contrato e relatividade de seus efeitos.
As transformações advindas da Revolução Industrial, das duas Grandes Guerras e da
Crise de 1929, provocaram um redimensionamento desses postulados, com a constatação de
que existia uma real desigualdade entre as partes, com freqüente o abuso do detentor do poder
econômico em face dos menos favorecidos.
Para realizar o restabelecimento da igualdade entre as partes o Estado passou a intervir
da atividade econômica, surgindo, também, a preocupação com as questões sociais, que,
inclusive, passaram a ser estampadas nos Textos constitucionais.
Ressurgiram, assim, os estudos acerca da boa-fé objetiva, bem como os estudos acerca
da função social dos contratos, estabelecendo contornos contemporâneos ao instituto do
contrato, com o reconhecimento de que a autonomia da vontade, apesar de ainda a ser um
197
dogma basilar do direito contratual, não pode mais ser concebida nos moldes dos ideais
liberais.
A autonomia da vontade é concebida contemporaneamente de forma relativizada,
compatibilizando-se com a boa-fé objetiva e a função social dos contratos, que trouxeram
limitações para o exercício da autonomia da vontade, bem como aos postulados que lhe são
correlatos: liberdade contratual, obrigatoriedade dos contratos e relatividade de seus efeitos.
A boa-fé possui conotação subjetiva e objetiva. Sua vertente subjetiva possuiu maior
destaque até que os estudos acerca de sua vertente objetiva ganharam relevo no direito
alemão, impulsionados pela Revolução industrial, as duas Grandes Guerras e a crise de 1929.
A boa-fé objetiva, intimamente ligada com a noção relação obrigacional complexa,
levou ao reconhecimento de que, ao lado dos deveres principais, ligados ao objeto da
obrigação, existem deveres laterais, que existem de maneira autônoma à obrigação principal e
que não precisam estar expressamente previstos no contrato.
A boa-fé objetiva, que significa um modelo de conduta social, incide em todas as fases
da relação contratual, possuindo diversas funções: função interpretativa, função integradora,
função criadora de deveres anexos e função limitadora de direitos subjetivos.
A função social do contrato promoveu uma alteração no conteúdo do contrato, pois, o
ordenamento somente lhe conferirá legitimidade quando cumprir essa função social, onde o
contrato passa a interessar não apenas para as partes contratantes, uma vez que possui reflexos
em toda a sociedade.
A função social do contrato está relacionada com as normas de ordem pública editadas
com a finalidade de proteger o contratante mais fraco, restabelecendo o conteúdo do contrato
(aspecto interno), bem como com os impactos que o contrato pode provocar na esfera de
terceiros não contratantes, produzindo um redimensionamento do postulado da relatividade
dos efeitos do contrato.
O Brasil foi influenciado por todas essas transformações, pois, o Código Civil de 1916
foi inspirado no Código Civil de Napoleão, sendo que, as conseqüências das transformações
posteriores foram consagradas com a Promulgação da Constituição Federal de 1998, que
reconheceu a necessidade de compatibilização da livre iniciativa com as questões sociais.
198
Ainda, estabeleceu entre seus escopos, a busca da igualdade material entre as partes e
a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito,
inserindo instrumentos para sua concretização, dentre eles a defesa do consumidor e a
determinação da edição de um Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Esta defesa culminou com a edição do Código de Defesa do Consumidor que, com a
finalidade de realização desta igualdade material, expressamente reconheceu a
vulnerabilidade do consumidor como princípio basilar das relações de consumo. Referido
ordenamento, assim, tem por escopo final assegurar a dignidade da pessoa humana, com
ênfase no consumidor.
O CDC estabeleceu o conceito de consumidor, prescrevendo instrumentos para sua
proteção contratual, com o estabelecimento de seus direitos básicos, dentre eles: a proteção
contra as cláusulas abusivas e a possibilidade de modificação e revisão de cláusulas
contratuais.
A proteção contra cláusulas abusivas foi realizada por meio da apresentação de rol
exemplificativo, conferindo-lhes um regime de nulidade específico: serem nulas de pleno
direito, com a possibilidade de manutenção do contrato com a eliminação desta cláusula.
Neste ponto, destaca-se o retrocesso promovido pela Súmula 381 do STJ, que proíbe o
reconhecimento de ofício acerca da abusividade nos contratos bancários.
A proteção contratual do consumidor também é exercida por meio da possibilidade de
revisão de cláusulas que estabeleçam prestações desproporcionais, ou sua revisão, quando
fatos supervenientes tornem as prestações excessivamente onerosas para o consumidor (Art.
6º, V). Nestes casos, para a adequação do contrato, o juiz proferirá uma sentença
determinativa.
Apesar das semelhanças deste dispositivo legal com os institutos da lesão da resolução
do contrato por onerosidade excessiva, com eles não se confundem. Da mesma forma, o
instituto da resolução do contrato por onerosidade excessiva não se confunde com os
institutos da lesão, do caso fortuito e da força maior, do erro e do abuso de direito, previstos
no Código Civil.
Ainda, a proteção contratual do consumidor é exercida por meio das invalidades, ou
seja, por meio da nulidade, tanto das cláusulas abusivas, bem como se utilizando do sistema
199
de nulidades do CC/2002, ou por meio da anulabilidade. Por fim, destaca-se que o método de
interpretação, sempre favorável ao consumidor.
Todos esses instrumentos proteção contratual do consumidor somente são
concretizados por meio de uma atuação incisiva dos órgãos julgadores, os quais, naqueles
casos em que não especifica todas as particularidades para a solução da controvérsia e com
fundamento nos postulados contemporâneos aplicáveis à teoria contratual, têm maior
liberdade para decidir, adequando o conteúdo do contrato para restabelecer o equilíbrio do
contrato. Este decisão é chamada de sentença determinativa.
Neste contexto, foram analisados os julgados proferidos pelo Superior Tribunal de
Justiça (STJ), no período entre 01/01/2007 a 31/12/2009, em questões envolvendo contratos
bancários, temática escolhida diante do grande número de controvérsias judiciais existente,
bem como pela notória diferença de força entre as partes contratantes, destacando-se a
temática da capitalização de juros, da comissão de permanência, dos juros remuneratórios e
dos juros moratórios.
Com base nesses julgados, foi constatado que o STJ apresentou uma evolução em
direção à efetiva defesa do consumidor e à concretização da igualdade entre as partes, tendo
em vista a edição da Súmula n. 297, seguindo a decisão do STF quando do julgamento da
ADI n. 2951, bem como com a edição da Súmula n. 283, as quais reconheceram que as
instituições financeiras e as operadoras de cartões de crédito estão sujeitas às normas do CDC.
Em matéria de direito sumulado, o STJ, porém, retrocedeu com a edição da Súmula n.
381, na qual impede que os juízes conheçam de ofício acerca da abusividade de cláusulas em
contratos bancários. Tal entendimento, não importa quais fossem suas motivações, políticas
ou jurídicas, afronta dispositivo expresso de lei, lei esta que possui fundamento
constitucional.
No tocante os julgados propriamente ditos, regra geral, andou bem o STJ, pois, quando
instado a pronunciar-se sobre questões envolvendo o tema da capitalização de juros o
entendimento do STJ foi o de que, nos contratos do Sistema Financeiro da Habitação,
vinculados ao Fundo de Compensação de Variação Salarial não estariam sujeitos ao CDC,
pois a norma de proteção ao mutuário hipossuficiente seria mais benéfica.
Ainda, que nestes contratos, até o advento da Lei n. 11.977/2009 não seria possível a
capitalização de juros. Desta forma, reconhecendo que a utilização da Tabela Price, e o
200
critério de amortização do saldo devedor podem, eventualmente, proporcionar tal
capitalização, caso haja comprovação nas instâncias ordinárias, o contrato deverá ser revisto.
Quando trata dos contratos bancários, o entendimento do STJ é de ser permitida a
capitalização de juros, havendo divergência entre as Turmas acerca da possibilidade desta
capitalização ser mensal ou anual. Neste caso, em face do critério de interpretação sempre
favorável ao consumidor, deveria prevalecer o entendimento da capitalização anual.
A comissão de permanência, nos casos em que se entendeu permitida, prevalece o
entendimento de que, comprovada a abusividade dos encargos contratados, a decisão das
instâncias inferiores deveria ser reformada, utilizando-se a taxa média do mercado.
No tocante aos juros remuneratórios, foi seguido o mesmo raciocínio, pois, apesar do
entendimento de que, nos contratos bancários - bem como aos cartões de crédito - ser livre a
pactuação da referida taxa, não estando sujeitas à Lei de Usura, foi reconhecido que,
comprovada a abusividade dos encargos contratados, a decisão das instâncias inferiores
deveria ser reformada, utilizando-se a taxa média do mercado ou estipulada por outras
instituições financeiras para situações semelhantes.
Ainda com relação aos juros remuneratórios, defendeu-se que, em caso de restituição
de débitos devidos em conta corrente, haveria a limitação existente na Lei de Usura, porque as
taxas de juros cobradas das instituições financeiras não representariam apenas o lucro da
instituição, mas serviriam também para custear sua atividade.
Quanto às empresas de factoring, o entendimento é de que não integram o sistema
financeiro nacional e, por tal razão, os encargos remuneratórios estão sujeitos ao limitesda Lei
de Usura.
No tocante à questão dos juros moratórios, o entendimento foi o de que, nos contratos
bancários, de cartões de crédito e factoring, devam ser cobrados à taxa de 0,5% ao mês, no
período anterior ao atual Código Civil, acrescendo-se a correção monetária e no período
posterior ao Código Civil de 2002, devam ser cobrados na forma prevista no Art. 406 do
referido estatuto, ou seja, o limite de 12% ao ano.
Nestes casos, as decisões do STJ foram de encontro às diretrizes traçadas pela
Constituição Federal, uma vez que, apesar de reconhecer regime de juros diversos para os
201
contratos bancários, reconheceu-se, também que, comprovada a abusividade, o contrato
deveria ser revisto, para o restabelecimento do equilíbrio contratual.
Até mesmo a decisão que limita os juros remuneratórios a 12% ao ano, no caso de
restituição de débito indevido em conta corrente, o STJ procura compatibilizar os comandos
constitucionais, pois, a Constituição Federal, quando trata da “Ordem Econômica e
Financeira”, expressamente prescreve que deva valorizar a livre iniciativa, desde que assegure
a todos existência digna. Não bastasse isso, o CDC prescreve que deve haver uma
harmonização das relações de consumo.
Desta forma, o entendimento acima promove tal harmonização, sendo notório que os
juros cobrados pelas instituições financeiras não refletem apenas seu lucro, mas também
servem para o custeio de sua atividade. Caso o consumidor fosse remunerado no mesmo
patamar estaria enriquecendo ilicitamente.
Com base nestes julgados, foi constatado que as decisões do STJ, que acabam sendo
refletidas nas instâncias inferiores, preconizavam as diretrizes traçadas pelo Código de Defesa
do Consumidor e pela Constituição Federal, no sentido de que, deveria ser buscada a efetiva
igualdade entre as partes, pois, por meio da tal restabelecimento, estar-se-ia assegurando a
dignidade da pessoa humana, neste caso o consumidor, além de realizar a harmonização da
liberdade de iniciativa com as questões sociais, que se refletem na harmonização das relações
de consumo.
Porém, com a edição da Súmula n. 381, houve um retrocesso em todo este processo,
pois referida súmula além de contrariar texto expresso de lei, contraria todo o sistema de
defesa do consumidor, defesa esta expressamente consignada no Texto constitucional.
Portanto, para respeito e efetivação dos comandos legais e constitucionais, a Súmula n.
381 deveria ser revista, a fim de que fosse restabelecida a defesa do consumidor nos moldes
preconizados pela Constituição Federal, garantindo-se a dignidade do consumidor, que é
expressamente reconhecido como o ente mais fraco – vulnerável – das relações de consumo.
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SOARES, Mário Lúcio Quintão; BARROSO, Lucas Abreu. Os princípios informadores do
novo código civil e os princípios fundamentais: lineamentos de um conflito hermenêutico no
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222
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SOARES. Ricardo Maurício Freire. Repensando um velho tema: A dignidade da pessoa
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TARTUCE, Flávio. A boa-fé objetiva e a mitigação do prejuízo pelo credor. Esboço do tema
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TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 2.ed. São Paulo: Método, 2006.
TEPEDINO, Gustavo. Direito Civil e Ordem Pública na Legalidade Constitucional. In
FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser (org); RIBEIRO, Maria de Fátima (org).
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THEODORO JUNIOR, Humberto. Direitos do consumidor. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense,
2002.
______. O contrato e sua função social. 3.ed. Rio de janeiro: Forense, 2008.
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VELASCO, Ignácio M. Poveda. A boa-fé na formação dos contratos: direito romano. Revista
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VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2002, v.1.
______. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 2.ed. São
Paulo: Atlas, 2002, v.2.
225
ANEXO I
JULGADOS PROFERIDOS PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Para melhor sistematização do estudo e facilitar a consulta dos leitores, entendeu-se
por bem apresentar a enumeração dos julgados proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça
no presente anexo, subdividindo-os de acordo com a temática analisada, a saber: 1)
capitalização de juros; 2) comissão de permanência; 3) juros remuneratórios; 4) juros
moratórios.
1 CAPITALIZAÇÃO DE JUROS
AgRg no Agravo de Instrumento n.966.398-AL; AgRg no Resp. n.256.128-RS; Resp.
n.1.004.205-PR; Resp. n.1.013.562-SC; Resp. n.1.018.094-PR; Resp. n.1.031.694-RS; Resp.
n.1.035.484-PR; Resp. n.1.036.793-RS; Resp. n.1.037.888-SP; Resp. n.1.039.052-PR; Resp.
n.1.050.858-SP; Resp. n.1.058.334-RS; Resp. n.1.063.910-RS; Resp. n.1.068.074-CE; Resp.
n.1.070.297-PR; Resp. n.1.090.398-RS; Resp. n.1.096.992-PR; Resp. n.1.135.006-PR; Resp.
n.337.572-SP; Resp. n.630.309-PR; Resp. n.630.404-RS; Resp. n.671.508-SC; Resp.
n.602.068-RS; Resp. n.680.237-RS; Resp. n.740.632-PR; Resp. n.756.973-RS; Resp.
n.793.037-RS; Resp. n.802.548-CE; Resp. n.806.395-RS; Resp. n.807.409-CE; Resp.
n.809.229-PR; Resp. n.823.040-RS; Resp. n.848.774-RS; Resp. n.848.855-RS; Resp.
n.852.941-SC; Resp. n.855.700-PR; Resp. n.866.277-PR; Resp. n.880.360-RS; Resp.
n.894.682-RS; Resp. n.906.054-RS; Resp. n.908.738-PE; Resp. n.910.084-SC; Resp.
n.913.589-SC; Resp. n.915.572-RS; Resp. n.919.693-PR; Resp n.920.944-RS; Resp.
n.934.011-PR; Resp. n.936.795-SC; Resp. n.942.014-SP; Resp. n.943.825-RS; Resp.
n.990.331-RS; Resp. n.821.357-RS.
226
2 COMISSÃO DE PERMANÊNCIA
Ag no Resp. n.712.801-RS; AgRg no Agravo de Instrumento 966.398; AgRg no Agravo de
instrumento n. 938.523; AgRg no Agravo de Instrumento n.1.035.865-MG; AgRg no Agravo
de Instrumento n.1.118.790-MG; AgRg no Agravo de instrumento n.765.674-GO; AgRg no
Agravo de Instrumento n.883.139-MG; AgRg no Agravo de Instrumento n.884.703-MG;
AgRg no Agravo de Instrumento n.919.864-MG; AgRg no Agravo de Instrumento n.938.523-
MS; AgRg no Resp. n.1.017.958-RS; AgRg no Resp. n.1.018.282-MS; AgRg no Resp.
n.1.050.286-MG; AgRg no Resp. n.1.104.750-RN; AgRg no Resp. n.327.513-MG; AgRg no
Resp. n.406.841-RS; AgRg no Resp. n.456.087-RO; AgRg no Resp. n.456.087-RO; AgRg no
Resp. n.469.538-RS; AgRg no Resp. n.703.070-CE; AgRg no Resp. n.703.070-CE; AgRg no
Resp. n.784.935-CE; AgRg no Resp. n.791.172-RS; AgRg no Resp. n.804.118-DF; AgRg no
Resp. n.852.532-MG; AgRg no Resp. n.958.662-RS; AgRg no Resp. n.959.002-MG; AgRg
no Resp. n.960.880-RS; AgRg no Resp. n.974.768-RS; AgRg no Resp. n.980.038-RS; AgRg
no Resp. n.985.334-BA; AgRg nos EDcl no Resp. n.889.378-SP; Resp. n.1.032.737-RS;
Resp. n.1.032.873-RS; Resp. n.1.036.358-MG; Resp. n.1.036.474-RS; Resp. n.1.036.793-RS;
Resp. n.1.036.793-RS; Resp. n.1.036.857-RS; Resp. n.1.039.878-RS; Resp. n.1.042.903-RS;
Resp. n.1.061.530-RS; Resp. n.1.063.818 (decisão monocrática); Resp. n.651.824-RN; Resp.
n.654.147-SE; Resp. n.697.379-RS; Resp. n.750.022-RS; Resp. n.821.357-RS; Resp.
n.834.968-RS; Resp. n.863.887-RS; Resp. n.868-887-MG; Resp. n.894.385-RS; Resp.
n.894.916 (decisão monocrática); Resp. n.897.148-MT; Resp. n.899.662-RS; Resp.
n.906.054-RS; Resp. n.925.064-MG; Resp. n.996.217 (decisão monocrática).
3 JUROS REMUNERATÓRIOS
AgRg no Resp. n.256.128-RS; AgRg no Resp. n.716.608-RS; AgRg no Resp. n.719.065-RS;
AgRg no Resp. n.829.710-SC; Edcl no AgRg no Resp. n.480.221-RS; EDcl no Resp.
n.592.611-RS; Resp. n. 208.713-SP; Resp. n.1.032.737-RS; Resp. n.1.036.474-RS; Resp.
n.1.036.818-RS; Resp. n.1.036.857-RS; Resp. n.1.036.999-RS; Resp. n.1.037.888-SP; Resp.
n.1.039.052-PR; Resp. n.1.039.878-RS; Resp. n.1.044.499-RS; Resp. n.1.045.110-PR; Resp.
n.1.048.341-RS; Resp. n.1.061.530-RS; Resp. n.1.063.120-SC; Resp. n.1.070.297-PR; Resp.
227
n.1.087.999-MG; Resp. n.1.058.325-RS; Resp. n.119.705-RS; Resp. n.208.713-SP; Resp.
n.271.214-RS; Resp. n.296.678-RS; Resp. n.330.845-RS; Resp. n.331.385-SP; Resp.
n.337.572-SP; Resp. n.407.097-RS; Resp. n.420.111-RS; Resp. n.447.431-MG; Resp.
n.450.453-RS; Resp. n.623.691-RS; Resp. n.715.894-PR.
4 JUROS MORATÓRIOS
Ag no AgRg no Agravo de instrumento n.729.936-RS; AgRg no Agravo de instrumento n.
558.753-RS; AgRg no Agravo de instrumento n.678.120-SP; AgRg no Agravo de instrumento
n.710.601-MS; AgRg no Agravo de instrumento n.765.674-GO; AgRg no Resp. n.1.017.958-
RS; AgRg no Resp. n.1.060.855-RS; AgRg no Resp. n.406.841-RS; AgRg no Resp.
n.469.538-RS; AgRg no Resp. n.533.704-RS; AgRg no Resp. n.593.205-RS; AgRg no Resp.
n.765.674-RS; AgRg no Resp. n.791.172-RS; AgRg no Resp. n.879.902-RS; AgRg no Resp.
n.916.008-RS; AgRg no Resp. n.917.459-RS; AgRg no Resp. n.958.662-RS; AgRg no Resp.
n.960.880-RS; AgRg no Resp. n.973.646-RS; AgRg no Resp. n.974.768-RS; EDcl no AgRg
no Resp. n.533.704; Edcl no AgRg no Resp. n.593.205-RS; EDcl no AgRg no Resp.
n.842.973-RS; EDcl no Resp. n.595.006-RS; Resp. n.1.007.561-RS (decisão monocrática);
Resp. n.1.036.474-RS; Resp. n.1.036.474-RS; Resp. n.1.038.417 (decisão monocrática);
Resp. n.1.061.530-RS; Resp. n.1.063.818 (decisão monocrática); Resp. n.1.071.004 (decisão
monocrática); Resp. n.188.674-MG; Resp. n.337.572-SP; Resp. n.400.255-RS; Resp.
n.402.483-RS; Resp. n.437.269-MG; Resp. n.447.431-MG; Resp. n.607.961-RJ; Resp.
n.623.691-RS; Resp. n.708.633-RS; Resp. n.750.022-RS; Resp. n.873.632-ES; Resp.
n.894.916 (decisão monocrática); Resp. n.996.217 (decisão monocrática).
228
Kobayashi, Alessandro M.
Revisão do contrato com base no Código de Defesa do Consumidor/
Alessandro M. Kobayashi -- Marília: UNIMAR, 2010.
... 227p.
Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito da
Universidade de Marília, Marília, 2010.
1.Contrato 2.Código de Defesa do Consumidor I. Kobayashi,
Alessandro M.
CDD -- 342.231
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