Revista Filosófica de Coimbra
Publicação semestral do Instituto de Estudos Filosóficos da Faculdade de Letras
da Universidade de Coinihra
Directo?.. Miguel Baptista Peleira
Coordenação Redarluriul: Antônio Manuel Martins e Mário Santia^^o ('ar^allio
Conselho de Redacção: Alexandre F. O. Morujão, Alfredo Reis. ;Auu nd o
A. Coxito, Anselmo Borges, António Manuel Martins. Antônio Pedro Pita,
Carlos Pitta das Neves. Diogo Falcão Ferrer. Edmundo Balsemào Pires.
Fernanda Bernardo, Francisco Vieira Jordão Henrique Jales Ribeiro,
João Ascenso André. Joaquim das Neves Vicente. José Encarnação Reis.
José M. Cruz Pontes, Luísa Portocarrero F. Silva, Marina Ramos Themudo.
Mário Santiago de Carvalho, Miguel Baptista Pereira
As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos Autores
Toda a colaboração é solicitada
Distribuição e assinaturas:
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Redacção:
Revista Filosófica de Coimbra
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Faculdade de Letras
P - 3049 Coimbra Codex
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Assinatura anual 1997: 4.000$00 (Portugal) • 5.500$00 (Estrangeiro)
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REVISTA PATROCINADA PELA FUNDAÇÃO ENG. ANTÓNIO DE ALMEIDA
Revista Filosófica de Coimbra
Publicação semestral
Vol. 7 • N.° 14 • Outubro de 1998
ISSN 0872-0851
Artigos
Miguel Baptista Pereira - A essência da obra de arte no pensa-mento de M. Heidegger e de R. Guardini .................................. 181
António Pedro Pita - Modos de inscrição do Corpo na Filosofiae na Experiência Estética ............................................................ 281
José Pereira - O integralismo existencial de Suárez - In Calumnia-torem Doctoris Eximii .................................................................. 295
Estudo
José Reis - O Tempo em Santo Agostinho ..................................... 313
Nota
Desidério Murcho - Limites do papel da lógica na filosofia ....... 389
Crónica ................................................................................................ 401
Ficheiro de Revistas ........................................................................... 403
Recensões ............................................................................................ 405
CRÓNICA
No passado mês de Setembro, o Secretariado da Société Internationale pour
l'étude de Ia Philosophie Médiévale, pronunciou-se favoravelmente pela
candidatura portuguesa à realização do Congresso quinquenal da Sociedade.
Assim, em Agosto do ano 2002, realizar-se-á no Porto o XI Congresso Interna-
cional de Filosofia Medieval. O Secretariado do Congresso tem sede no Gabinete
de Filosofia Medieval (Faculdade de Letras do Porto).
O International Medieval Congress (IMC'99), que terá lugar na Universidade
de Lceds entre os dias 12 e 15 de Julho p. f., e que desta vez anuncia para cima
de 800 comunicações e cerca de 260 sessões (www.leeds.ac.uklimi), tem abertas
as inscrições para participantes; informações através do fax: + 44 (113) 233 3616;
e-mail: [email protected].
O Instituto Teológico Franciscano `Fray Luís Bolanos' e o Grupo Argentino
de Filosofia Medieval, anunciam para os dias 12 a 15 de Outubro próximo a
realização do Congresso Internacional de Filosofia Medieval, sob o tema Hombre
y Naturaleza en el Pensamiento Medieval. Para mais informações, contactar: fax:
54. 220. 4835 390 ou e-mail: [email protected]
Revista Filosófica de Coimbra - ti.' 14 (1998) p. 401
FICHEIRO DE REVISTAS
Les Études Philosophiques - Paris - (1998):4 (octobre-décembre): J.-F. Lavigne: Le phénonsénal et sa tradition (433-434);
M. Richir: Qu'est-ce qu'un phénomème? (435-449); J.-F. Lavigne: Vérité phé-
nonsénale et phénomènse de Ia vérité dans Être et temps (451-463); C. Gros-
Azorin: Phénomème du corps (Leib): une entente participative (465-477); M.-F.
Badie: La notion de 'phénomème infinie' dans Les leçons sur Ia philosophie de
la religion de Hegel (479-502); J.-L. Nancy: La déconstruction du christianisine
(503-519); P. Rodrigo: Ontologie.fondamentale, sophistique et politique. De
't'impensé' à 'l'incompréhensible' (521-542); D. Thouard: Tradition directe et
tradiction indirecte, remarque sur 1'interrogation de Platon par Schleiernsacher
et ses utilisations (543-556); Analyses et comptes rendus.
História Social - Campinas - 1-241 (1998):
N° 4/5: L. B. Arêas: As comemorações do Primeiro de Maio no Rio de Janeiro
(/890-1930) (9-27); J. Rodrigues: Ferro, trabalho e conflito: os africanos livres
na Fábrica de Ipanema (29-42). Dossiê História Social Inglesa . Resenhas. Fontes
e Arquivos.
Manuscrito - Campinas - XX (1997):
N° 1: H. Lacey: Ciência e Valores (9-36); A. Blum: Impossible Preinises and
Correct Argunsent (37-38); L. H. de A. Dutra: Salvar a Investigação (39-67); M.
Schirn: Sobre Algumas Idéias Fundamentais da Filosofia da Linguagens de G.
Frege (69-101); Book Reviews.
N° 2: J. Biro, J. P. Monteiro, M. B. Wrigley (eds.): Hume.
Metalogicon - Nápoles - X (1997):
N° 1: M. Malatesta: On a Particular Meaning of the Principie of Duality:
Leibniz, Boole, Peano (1-12); A. Drago: Cycle and Simmetry in the hermeneutical
Interpretation of Science (13-25). Recensioni.
N° 2: M. Malatesta: One Instance of Modus Tollendo Tollens in Plato's
Parnsenides 127 e 1-7 (33-40); D. Ettari: The Indian Wife puzzle, Russell on
Revista Filo.,ú¡ica de Coimbra- ,i." 14 (1998 ) pp. 403-404
404 Revista Filosófica de Coimbra
Universais (41-45); M . Malatesta : La probletnatica linguistica dei Contra Acade-
micos alia lute delia filosofia dei linguaggio contemporanea (46-63 ). Recensioni.
Revista da Faculdade de Letras - Porto - 14 (1997):
[Homenagem a Eduardo Abranches de Soveral ] Curriculum Vitac. A. Paim:
A Obra e a evolução filosófica de Eduardo Soveral (19-38); A. B. "Peixeira: A.v
posições filosóficas de Eduardo Soveral (39-55); A. M. M. Rodrigues: A propósito
da questão da técnica no pensamento de Eduardo Soi eral (55-64). A. D. de
Carvalho : A filosofia da educação na obra de Eduardo Soveral (65 71 J. C.
Gonçalves : Criatividade Ético (73 -78); M. B . Pereira : Sobre o conceito bridrq,^^ -
riano de Universidade ( 79-105 ); M. C. M. Pacheco : A Filoso%u e as (irar ia.% no
Didascalicon de Hugo de S. Vítor (107-117); A. J. de Brito : O renn.critnento do
espírito do Positivismo ( 119-135); M . J. Cantista : Corpo e Identidade ( 137-154);
L. H. C. de Almeida : A Ciência/Tecnologia e o Espírito Cartesiano (155-166):
L. A. Malho : Filosofia - Era uma vez ... - sobre tini insólito despertar ( 163-166):
L. de Araújo : Acerca da utilidade da Filosofia (167-174); A. Melo: O Tempo -
Espaço curvo do sujeito kantiano (175-210); M. M. A. Jorge : Complexidade e
Mecanicismo (211-250); J. A. C. R . Graça : Ainda Há Mistérios. Nota sobre
O Mistério da Saúde (251-259); J. M. C. Macedo : Anselmo e a astúcia da razão
(261-329 ); L. M. C. Pires : A Construção da Memória . Sobre a História e as
histórias com Oliveira Martins ( 331-384 ); S. Miguens: As Ciências Cognitivas
e a Naturalização do Simbólico - a mente computacional e a mente fenome-
nológica (385-427 ); J. A. Pinto : Em torno de um capítulo da Pbénoménologie de
la Perception de M. Merleau - Ponty (429-450); R. Cabral : Breve Nótula sobre
Educação (451-453 ); C. C. S. Costa : Zeuxis e Babel - Imagens de Filosofia (455-
473); J . M. de Carvalho : Pessoa Humana e Moral Social (475-486): A. de A.
Oliveira : Peregrinação por terras de Portugal em meados de Seiscentos (487-
-505); J . F. Marques : O irreal e o real na interpretação de certos factos cia
história de Portugal ( 507-536).
pp. 403 -404 Revista Filosófica de Coimhru-1r.° 14 (1998)
RECENSÕES
W. H. NEWTON-SMITH, Lógica: Um Curso Introdutório, Ed. Gradiva,tradução e notas de Desidério Murcho, Lisboa, 1998, 265 pp.(edições inglesas: Logic : An Introductory Course, Routledge,Londres, 1985 e 1994).
A edição em apreço, que naturalmente começamos por saudar, parece merecer doistipos de comentários diferentes mas estreitamente relacionados. O primeiro diz respeito,evidentemente, ao próprio livro de Newton-Smith : à forma como ele explana a lógicasimbólica desde a lógica das proposições não analisadas (ou lógica de primeira ordem) àlógica das relações, e ao desafio que constitui a sua aplicação a certos domínios mais oumenos filosoficamente problemáticos, e, depois, ao modo como essa explanação atingiráou não o objectivo pedagógico de um "curso introdutório", que é essencial para o autor.O segundo tipo de comentários, não menos importante, tem a ver com uma possívelapreciação da oportunidade editorial da tradução para português deste livro introdutório
à lógica, e não de qualquer outro, no contexto actual da divulgação da lógica simbólicaentre o público potencialmente interessado (estudantes do primeiro ano de um curso delicenciatura, como observa Newton-Smith, mas também, se pensarmos no caso português,professores do ensino secundário, seja de filosofia seja de cursos afins do ponto de vistainterdisciplinar). Compreeende-se que estes dois temas estejam intimamente ligados para
nós, nesta recensão : o começo da aprendizagem da lógica simbólica em Portugal (e noutros
países de língua proveniente do latim), é relativamente recente, seja no ensino secundário
seja no próprio ensino universitário (no primeiro caso, ele não tem mais de dez anos, e
no segundo, de modo geral, seguramente pouco mais de vinte), significando, de facto, aimportação e implementação de um modelo de investigação filosófica característico da
tradição analítica em filosofia (mesmo se essa implementação, como acontece no ensino
secundário, parece reduzir-se essencialmente à lógica), e, portanto, o contexto histórico-
filosófico de onde o livro de Newton-Smith provém não é obviamente o nosso (como não
o será, já o sugerimos, de outros países europeus que não se inserem na tradição analítica
em filosofia). Em consequência, os objectivos científico-pedagógicos desse livro podem
não estar perfeitamente adequados à particularidade da situação portuguesa. Por outro lado,
pode acontecer que esses mesmos objectivos não se revelem completamente adequados
hoje em dia, de maneira geral, no que diz respeito à finalidade que é atribuída ao ensino
da lógica e aos meios para a alcançar. E, neste caso, regressamos à questão que começámos
por colocar inicialmente, quanto à oportunidade editorial da edição e tradução do livro em
questão, e não de qualquer outro.Uma vez dito isto, e antes de discutirmos com algum detalhe as questões que
acabámos de colocar, importa dar uma ideia geral dos objectivos do livro de Newton-Smith
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406 Revista Filosófica de Coimbra
e da sua estrutura . O livro, quc foi revisto e corrigido pelo autor para a edição portuguesa.
consta de um índice geral ( posto logo no começo, de acordo com a tradição anglo-saxonica.
que nos parece correcta nesta matéria ), um prefácio do autor, nove capítulos, uma tábua
de símbolos e abreviaturas , um índice analítico e um glossário inglés-portugucs de termos
lógico-filosóficos.
No prefácio , o autor elege o seu público principal (já relendo acima, menciona as
bases lógico-matemáticas fundamentais que justificam a sua introdução a loeic.i. alerta Iara
algumas dificuldades previsíveis e para a forma de as superar. e destaca a importâncla Ja
distinção lógica entre uso e rnençfto. (A este respeito, importa assinalar unrl lncorrcr,,io
grave, dado o seu destaque, nunca nota do tradutor, na qual se ttlirma, cosendo o nsro de
enganar o leitor desprevenido, que ''Não se usam aspas ao mencionar siniholos Iogiros
Uma vez que estes não pertencem à língua portuguesa, alas h Illlgtl;IL'elll J,1 i i
podem nunca ser usados nunca frase portuguesa, mas apenas ntcntnnudo, ;\ conrlusao.
ou seja, a primeira frase, não é de modo algum verdadeira, ao contrário do que e sulosio.
uma vez que nada, a não ser razões de economia e de simplicidade, nos nnlcdc dc rasai
aspas ao mencionar símbolos lógicos nos contextos da linguagem ordinária clll ^cr:II.
Qualquer lógico usa aspas ao ensinar ao não iniciado o significado linguístico dos sinlholos
lógicos : "^" significa "c", "mas ", "também", etc.. E, evidentemente, por maioria de micto,
devemos continuar a usar aspas quando nos referimos ao que o lógico disse: " significa
'e', 'mas ', ' também ', etc.." Isto acontece porque elas constituem um procedimento
metalinguístico muito usual que continua válido quando se trata de mencionar a lis ua;cm
lógica nos contextos da linguagem ordinária e, cm geral, quando se trata de qualquer
sucessão possível de metalinguagens a partir de urna tal linguagem. SÓ por mictes de
economia e de simplicidade, a que a nota do tradutor não alude, é que podemos. de l,ueto.
prescindir do uso das aspas . Por outro lado, elas podem perfeitamente constituir símbolos
lógicos, embora secundários , que possuem um interesse especial para as regras de tormução
de fórmulas . Mas o tradutor , aparentemente , ignora esta possibilidade.)
Nas secções em que se divide o primeiro capítulo ("Lógica e linguagens-). éapresentada uma definição da lógica, feita a distinção entre as noções de v erdade e devalidade formal dos argumentos , esclarecida a noção lógica de proposição e, finalmente,posto em evidência o alcance da aplicação da lógica à linguagem ordinária. No fim decada uma dessas secções existe um conjunto ( mais ou menos numeroso consoante os casos(de exercícios de aplicação quanto às matérias em questão. Destaque-se, desde já, o pesoexcessivo das explanações teóricas do autor (por vezes, como acontece sobretudo noscapítulos seguintes , enchendo desnecessariamente o corpo do texto de lürmulasrelativamente complexas para um não iniciado), que (se exceptuarmos os inevitáveisexercícios de aplicação ) prescinde de quaisquer outros recursos pedagógicos aliciantesgeralmente utilizados hoje em dia nas introduções à lógica. Este facto é uma constanteao longo do livro e, pedagogicamente , parece-nos ser pouco recomendável mesmo paraalunos de um primeiro ano de licenciatura . No caso vertente e nos capítulos restantes, aimportância conferida às explanações teóricas prende-se de modo geral (mas está longede poder justificar - se inteiramente ) com o relevo que tem para o autor o alcance daaplicação da lógica à linguagem ordinária ( uma parte significativa dessas explanaçõesaparece precisamente a justificar a relação entre a lógica como linguagem formal e calculoproposicional , por um lado , e a linguagem e os raciocínios ordinários, por outro). Estaconstatação remete-nos para uma outra limitação fundamental do livro de Newton-Smith:é que o alcance da lógica está longe de se esgotar numa tal aplicação, e, portanto, longede consistir unicamente numa relação com a análise filosófica da linguagem ordinária, e,não considerando a sua importância especial do ponto de vista matemático e/oumetamatemático , passa também, por exemplo , quer pela relação com as problemáticas da
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Recensões 407
epistemologia e da ontologia (que são ignoradas de maneira geral pelo autor), quer,inevitavelmente, pela história da filosofia (cujo interesse é igualmente menosprezado).A lógica enquanto sistema formal, de facto, não necessitou para o seu desenvolvimentode modo algum da sua aplicação à linguagem ordinária; é uma particularidade meramentehistórica, contextual, da filosofia analítica que esse desenvolvimento tenha passado, emparte, por ela; e nada nos garante que num futuro mais ou menos próximo continuenecessariamente a passar por ela.
No segundo capítulo ("Uma linguagem proposicional"), são introduzidas as noçõesde função de verdade e de tabela de verdade, é posta em relevo a importância da noçãode condicional, apresentada a interpretação semântica das proposições, e dado um escla-recimento complementar a respeito da noção de consistência. Os exercícios de aplicação
são, desta vez, mais numerosos e mais aliciantes do que no primeiro capítulo, e no final,abrindo um precedente muito útil que nem sempre é seguido ao longo do resto do livro,
é fornecida uma bibliografia sobre as matérias discutidas (que só peca por ser muito
escassa). Estamos neste capítulo, de modo geral, no plano do que é comum chamar emlógica as "regras de formação de fórmulas". Uma limitação a apontar , entretanto, é que a
noção de regra de formação não é introduzida explicitamente em lado algum até ao quarto
capítulo, e, aí, é inserida num contexto muito mais complexo logicamente e, na prática,
como o autor reconhece logo no início do livro, inacessível ao não iniciado (o da demons-
tração da completude do sistema de cálculo proposicional do autor). Comprende-se ocarácter mais ou menos grave desta limitação, e porque é que ela é indiferente, no fundo,
para o autor: o estudante de lógica deve ter bem presente, desde o início, não só a distinção
entre fórmulas bem formadas e mal formadas, mas também que o conceito de fórmula bem
formada é puramente convencional, isto é, relativo às regras de formação que são aceites
no sistema cm estudo; ele deve exercitar a sua imaginação lógica utilizando símbolos e
regras diferentes dos símbolos e regras desses sistema para poder compreender sistemas
que não têm a mesma notação e, evidentemente, desenvolver a sua capacidade de abstrac-
ção. Mas se, como é o caso do livro de Newton-Smith, o interesse do estudo da lógica é
reduzido à sua aplicação à linguagem ordinária, em prejuízo do interesse propriamente
lógico-matemático que é característico da lógica como sistema formal, insistir nesse
carácter convencional das regras de formação desde o princípio não é relevante do ponto
de vista da aprendizagem da lógica.No terceiro capítulo ("Um cálculo proposicional"), somos finalmente introduzidos ao
cálculo proposicional, isto é, ao que tradicionalmente se chama em lógica as "regras de
transformação de fórmulas": um conjunto de dez regras básicas é apresentado e justificado
passo a passo nos limites da interpretação semântica desenvolvida no primeiro capítulo,
e, com base nesse conjunto, mostra-se a possibilidade de regras derivadas; a ideia de
formalização da cadeia dedutiva de argumentos é introduzida, e, com ela, a abordagem
propriamente sintáctica desses argumentos é finalmente desenvolvida, apoiando-se o autor,
para o efeito, em exercícios de aplicação geralmente muito bem concebidos e imaginativos.
No quarto capítulo ("Metateoria elementar do cálculo proposicional"), entramos
naquela que é, sem dúvida, a parte mais complexa do livro para o não iniciado: a demons-
tração da completude do cálculo proposicional anteriormente apresentado de uma forma
tal que essa demonstração possa ser generalizada à lógica dos predicados (a abordar no
capítulo oitavo). Trata-se de um problemática caracteristicamente metalógica, que o autor
introduz progressivamente por razões pedagógicas: uma justificação das regras de formação
de fórmulas já anteriormente usadas é (tardiamente) oferecida; a adequação expressiva dos
functores proposicionais admitidos no sistema é questionada e justificada à luz das interpre-
tações semântica e sintáctica; a consistência das duas interpretações é posta em evidência
através do método axiomático de justificação; e o problema da completude do sistema e
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408 Revista Filosófica de Coimbra
da sua interpretação em geral é finalmente abordado à luz desse método, de Durmasimples e elegante (mas indiscutivelmente muito complexa para o não iniciado), com aintrodução de um reduzido número de definições complementares. A abordagem de cadauma destas matérias termina com exercícios de aplicação. Estranhamente, não existemquaisquer referências bibiográficas no final do capítulo, embora o autor as faça mais tarde.num outro contexto, quando termina o capítulo oitavo. Se essa omissão, para o autor, seficou a dever à dificuldade dos temas discutidos, não vemos razão para tal, muito pelocontrário . A dificuldade mencionada deveria ser, antes, mais uma razão para indicarbibliografia.
Com o capítulo quinto ("Lima linguagem predicativa'') entramos na liigica dos
predicados e na formalização do contéudo da proposição propriamente dito. O problema
da natureza da referência e da predicação, deste ponto de vista, e abordado ligo no e meço,
e, com ele, o da formalização das proposições; o uso dos quantiticadures uni cisais r
existenciais é introduzido e justificado; e as regras de tr:mslormaçao que dizem respeito
à introdução e eliminação dos dois tipos de quantificação são apresentadas. ('ada recta(,
termina com alguns exercícios de aplicação, e no final do capítulo há duas paginas de
exercícios de aplicação em geral sobre as matérias do mesmo. Mais uma ver com alguma
surpresa para nós , o autor não cita qualquer bibliografia.
No capítulo sexto ("A análise lógica"), e uma vez apetrechado o leitor com os
conhecimentos necessários da lógica como linguagem e cálculo proposicional, estendem-
se esses conhecimentos a certos domínios propriamente filosóficos da análise lógica da
linguagem ordinária, como as descrições definidas, as atitudes proposicionais, os conceitos
modais, a quantificação numérica, os nomes e as descrições em geral. Com excepção de
uma secção do último capítulo (sobre o intuicionismo), trata-se da única parte do livro
onde alguns aspectos histórico-filosóficos da lógica (como a teoria das descrições de
Russell ) são referidos com uma certa ênfase, embora, no fundo, de passagem. Esta omissão
da história da lógica é corrente hoje em dia nas introduções à lógica, e não pode deizar
de ser lamentada : o conhecimento da história da lógica é obviamente essencial para unia
compreensão da própria problemática lógico-matemática em geral, na medida em que essaproblemática está historicamente situada, e o estudo do seu desenvolvimento é sempre mais
ou menos contextual . Naturalmente, uma introdução à lógica, como a de Newton-Smith,
não é necessariamente um trabalho de história da lógica; mas isso não justifica que ahistória dos problemas não seja aludida sempre que possível e sempre que tal se reveleadequado (um bom expediente para o efeito, que não é utilizado, seria a bibliografia dofinal de cada capítulo ). No fim do capítulo, alguns exercícios de aplicação são apresen-tados, e, desta vez, o autor não esqueceu a bibliografia.
No capítulo sétimo ("A teoria das relações"), acedemos à última parte da lógicaproposicional : a lógica das relações. É frequente nas introduções à lógica esquecer-se umatal lógica ou dar-lhe um lugar secundário no âmbito da lógica dos predicados. Essa atitudenão parece ser inteiramente correcta do ponto de vista lógico-matemático nem do pontode vista propriamente pedagógico, já que o estudante de lógica encontra na lógica das rela-ções um verdadeiro patamar para uma intelibilidade possível no âmbito especificamentelógico de certas noções fundamentais da própria matemática . O critério de Newton-Smith,entretanto , parece ser não apenas o referido mas, essencialmente, o da formalização dalinguagem ordinária . Seja como for, a análise e formalização de algumas relações é apre-sentada com um certo detalhe ; e, na última secção do capítulo, o leitor é introduzido aoestudo das relações de equivalência e de ordem com alguma ênfase nas implicações mate-máticas desse estudo . Há exercícios de aplicação no final de cada secção, e o autor indicareferências bibliográficas, não esquecendo de mencionar duas que dizem respeito aosaspectos propriamente matemáticos da teoria das relações.
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Recensões 409
No capítulo oitavo ("Semântica da lógica dos predicados"), e na sequência da teoriadesenvolvida no capítulo quarto a propósito da metateoria do cálculo proposicional, éapresentada uma justificação geral das regras de formação e de transformação de fórmulasusadas anteriormente na lógica dos predicados e das relações, e é aplicada a essas partesda lógica, de forma breve, a demonstração da completude já referida mais acima. Maisuma vez, os exercícios de aplicação oferecidos revelam-se muito úteis, tal como abibliografia que é sugerida.
No capítulo nono ("Desafios e limitações" ), finalmente, são encarados alguns limitesformais do sistema da lógica anteriormente apresentado particularmente no que diz respeitoà formalização dos adjectivos comparativos , dos advérbios , das expressões temporais emodais, e das atitudes proposicionais , e certos limites mais gerais dessa concepção, quepodemos considerar como sendo propriamente metalógicos ou metafilosóficos , são referi-dos, introduzindo - se assim o leitor, de forma pertinente , à problemática mais geral dasfundações da lógica matemática . Concluindo , o autor regressa ao problema inicial doalcance da lógica, reduzindo, como já tivemos ocasião de dizer, esse alcance à aplicaçãoda lógica à linguagem ordinária.
Que balanço final poderemos fazer sobre a qualidade científico-pedagógica destaintrodução à lógica ? Obviamente , do ponto de vista técnico (ou científico ) não há qualquercrítica a fazer ; mas, em contraste , do ponto de vista pedagógico há alguns reparos, a que
já aludimos anteriormente , que nos parecem inevitáveis. A nossa experiência do ensino
da lógica simbólica ao público elegido pelo livro de Newton-Smith (estudantes do primeiro
ano de licenciatura ) mostra que uma das principais dificuldades desse público é a sua falta
(aparente pelo menos ) de capacidade de abstracção quer no que concerne à notação lógica
quer no que diz respeito à sintaxe e ao cálculo lógico em geral , a qual parece estar aliada
a uma incapacidade manifesta de seguir justificações teóricas complexas da problemática
lógica em estudo. Deste ponto de vista, a introdução à lógica de Newton - Smith parece nãocorresponder inteiramente à necessidades reais, pedagogicamente falando, do seu próprio
público português , já que, como se disse, a teoria nessa introdução ocupa por vezes um
peso excessivo, e a exemplificação prática padece por ser escassa e pouco aliciante.
Seguramente , o público anglo - saxónico de Newton-Smith não tem as mesmas dificuldades
do público português , porque enquadra - se perfeitamente na mesma tradição de filosofia
do seu autor. No nosso caso , a introdução à lógica de Newton-Smith parece ser muito mais
recomendável para estudantes já licenciados , seja em filosofia seja em áreas afins ou
complementares.Por outro lado, estas limitações pedagógicas parecem ter pressupostos propriamente
científicos de algum modo discutíveis , se não mesmo criticáveis . O alcance da lógica não
consiste meramente na sua aplicação à linguagem ordinária , como se disse , mas também
quer na aplicação à s problemáticas da epistemologia e da ontologia , quer nas enormes
vantagens que o seu conhecimento proporciona para o estudo da história da filosofia e da
história da lógica em particular , quer ainda , finalmente , na aplicação a áreas interdis-
ciplinares que conhecem hoje em dia um sucesso indiscutível, como a informática. De
todos estes pontos de vista, o livro de Newton-Smith parece padecer de limitações, com
a sua redução linguística do alcance da lógica. Ora, o que acontece justamente com a
introdução do ensino da lógica nos programas de filosofia do ensino secundário, ocorrida
na última década, e com o renovado interesse que a lógica passou a ter de modo geral, é
que acentuou-se significativamente a importância interdisciplinar da sua aprendizagem, ao
mesmo tempo que foi posta em relevo, por razões que dizem respeito à divulgação
crescente da tradição analítica entre nós nos últimos anos, a importância do seu enqua-
dramento histórico-filosófico. Neste sentido, interrogamo-nos sobre a questão de saber se
a edição portuguesa do livro de Newton-Smith é mais oportuna do que seria a edição de
Revista Fi/asi/ica de Cnimhra - n.° 14 (1998) pp. 405-410
410 Revista Filosófica de Coimbra
outras introduções à lógica aparentemente mais bem concebidas e "conseguidas"pedagogicamente.
E verdade que, de um outro ponto de vista, as limitações que acabámos de apontar
não são tanto limitações desse livro mas, sobretudo, limitações do próprio panorama
científico-pedagógico português no que concerne ao ensino da lógica, as quais, de uma
forma geral , são decorrentes do nosso escasso conhecimento da tradição analítica cm
filosofia . Deste ponto de vista, espera-se que os especialistas portugueses eles mesmos
encarem com alguma urgência a tarefa de produção de manuais de introdução à lógica que
sejam suficientemente adaptados a uma tradição filosófica que, como a nossa, esteve
geralmente divorciada no passado da tradição analítica, e que, por outro lado, sejam de
tal maneira ricos , filosoficamente falando, que não padeçam das linutações do presente
trabalho . Olhar para a tradição analítica de fora, como seria o caso, para dela ahnneu:u
o seu melhor, constituiria certamente unia vantagem muito apreciável cru relaç:I aias
próprios filósofos analíticos , a qual, de forma geral, não esta ao alcance desses Id isol i
por razões compreensíveis.Resta fazer dois comentários finais. Uma palavra para a tradução de l)csidcno
Murcho, que nos parece duvidosa num certo número de casos. (Por exemplo: porque dizer
sistematicamente " sequente ", quando a língua portuguesa dispõe da conhecida palavra
"sequência", que tem a mesma significação e maior pertinência estilística? E porquê dizer
"conectivo", quando a palavra "corrector" existe e essa pertinência é salvaguardada?)
E uma objecção , dos pontos de vista metodológico e filosófico, quanto à inclusão de um
glossário inglês - português de termos lógico-filosóficos provenientes da tradição analítica.
Certas traduções apresentadas são muito discutíveis, se não mesmo, nalguns casos,
erróneas , seja filosoficamente (é o caso, por exemplo, da tradução de —acquaintance" por
"contacto", como se o conceito russelliano tivesse apenas conotações físicas, ou estas
fossem essenciais para a sua definição), seja numa perspectiva propriamente linguística
(para além das traduções já mencionadas acima, é o caso, desta vez, do preciosismo
estilístico aparente que consiste na tradução de "vagueness" por "vaguesa•", ou da
transfiguração de "set-theoretic hierarchy" em "hierarquia cumulativa de conjuntos"),
outras são óbvias para um leitor minimamente informado (e, portanto, dispensáveis, como
"spirit ", "scope ", etc.), e, sobretudo, nenhum critério para a escolha dos termos é apre-
sentado ou sugerido ( o que nos leva a duvidar da real utilidade ou interesse desse
glossário ). Mas a nossa objecção fundamental é que uma parte bastante significativa dos
termos referidos não é sequer utilizada no próprio livro de Newton-Smith, quer dizer, os
termos lógico -filosóficos em questão são citados de modo não contextual, e, portanto,
qualquer tradução- padrão desses termos (como aquela que é oferecida no glossário) parece
ser, por princípio, geralmente inadequada . Esta é uma lição instrutiva, como teremos de
convir, quanto ao problema da significação no âmbito da própria filosofia analítica mais
recente (Quine e a sua famosa "indeterminação da tradução"). A agravante, no que
concerne a esse glossário , é que não se trata sequer de vocabuário usual, mas, eviden-
temente , de vocabulário filosófico.
Henrique Jales Ribeiro
pp. 405-410 Revista Filosófica de Coimbra - n." 14 (/998)
ÍNDICE 1998
Artigos
António Pedro Pita - Modos de inscrição do Corpo na Filosofiae na Experiência Estética ............................................................ 281
Christoph Asmuth - Começo e forma da Filosofia.Reflexões sobre Fichte, Schelling e Hegel ................................. 55
Karl-Heinz Weigand - Ernst Bloch - Une introduction ................. 71
José Pereira - O integralismo existencial de Suárez - In Calumnia-torem Doctoris Eximii .................................................................. 295
Miguel Baptista Pereira - A essência da obra de arte no pensa-mento de M. Heidegger e de R. Guardini ............................. 3, 181
Estudos
Fernanda Bernardo - O rosto como Expressão : ou o acolhimento
do outro/outro segundo E. Levinas ............................................. 83
José Reis - O Tempo em Santo Agostinho ..................................... 313
Notas
Desidério Murcho - Limites do papel da lógica na filosofia ....... 389
João Tiago Pedroso de Lima - Maurice Merleau-Ponty, Paul
Cézanne e o problema da essência da pintura .......................... 149
Crónica ........................................................................................... 163, 401
Ficheiro de Revistas ...................................................................... 165, 403
Recensões ....................................................................................... 169, 405
Execução gráfica
daTIPOGRAFIA LOUSANENSE, LDA.
Depósito legal n.° 51135/92
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