7/23/2019 Revista Guitarra Clssica n7
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Guitarra Clssica
Nmero 7 Janeiro 2012
Goran Krivokapic
Artur Caldeira
Johann Sebastian Bach
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Guitarra Clssica
Editorial:
No final do ms de Junho ter lugar a 14 edio do Concurso e Festival Internacional de
Sernancelhe. Este , indubitavelmente, um dos grandes festivais mundiais dedicados guitarra.
Basta ler Goran Krivokapic na sua entrevista: O festival e a competio esto num nvel muito
alto, to alto como qualquer Festival de topo na Europa ou nos Estados Unidos (). Fica
portanto o convite a todos os guitarristas para que participem neste festival.
Para incentivo dos guitarristas portugueses, a Revista Guitarra Clssica associou-se a este
grande evento e criou o Prmio RGC que visa premiar o mais destacado guitarrista luso em
prova. semelhana do que acontece em tantos outros concursos por esse mundo fora que
premeiam os guitarristas seus conterrneos, decidimos recompensar os melhores estudantes e
profissionais da guitarra portugueses. Assim, para alm da componente monetria associada
ao prmio, o vencedor ter igualmente um lugar de destaque nesta publicao.
Esperamos que seja mais uma razo (h muitas) para participar num dos grandes festivais de
guitarra do mundo!
Pedro Rodrigues
Com a celebrao dos dois anos de existncia da Revista Guitarra Clssica tivemos a
oportunidade de estar conversa com um dos guitarristas da nova gerao mais na demanda
da cena guitarrstica mundial, Goran Krivokapic, oriundo de Montenegro e com um
impressionante currculo, que na actualidade lecciona o curso de ps-graduao na Academia
Internacional de Guitarra de Koblenz, Alemanha. No contexto nacional temos Artur Caldeira,
professor na Escola Superior de Msica e Artes do Espectculo do Porto, entrevistado por um
colaborador prximo da nossa equipa, Aires Pinheiro.
Contamos com a habitual seco Novas Gravaes por Tiago Cassola Marques, o qual nos
habituou a um excelente trabalho de divulgao e crtica. Teremos tambm um artigo de Pedro
Rodrigues extrado da sua tese de doutoramento, focando a problemtica da transcrio.
Naturalmente voltamos a incentivar os leitores interessados a escreverem para o correio
electrnico [email protected], enviando as vossas opinies, crticas e propostas de
colaborao. Para isso, basta enviarem o vosso e-mail com o assunto Espao do Leitor.
Boas leituras!
Joo Henriques
ndice:
Entrevista a Goran Krivokapic 4
Entrevista a Artur Caldeira 9
A tcnica de transcrio e arranjo de J. S. Bach 18
Novas Gravaes 62
Pginas com Msica 65
Equipa: Aires Pinheiro, Joo Henriques, Tiago Cassola, Pedro Rodrigues, Marcelo Fortuna
mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]7/23/2019 Revista Guitarra Clssica n7
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Entrevista a Goran Krivokapic
Por Joo Henriques
Revista Guitarra Clssica Em primeiro lugar, agradeo o facto de ter aceitado o convite.
Conte-nos como comeou a sua vida musical.
Goran Krivokapic - Obrigado, bom, por
ordem cronolgica os meus professores
foram Mico Poznanovic, Srdjan Tosic, Hubert
Kppel, Roberto Aussel e finalmente Carlo
Marchione. Quando era muito novo tinha
uma guitarra de brincar, muito pequena de
facto, e um certo dia de alguma maneira
parti-a. Estava definitivamente inutilizvel,
quero dizer, com as cordas cortadas e tudo.
Comecei na msica como aluno a srio aos 8
anos. As minhas escolhas de instrumento ao
princpio foram entre guitarra, piano e
violino, mas a guitarra tornou-se a escolha
mais fcil tambm porque era a opo mais
em conta em termos financeiros. Fiz vrios
testes como reconhecimento auditivo e
testes escritos. Estudei um ano de solfejo,
ensinaram-nos a ler notas e mais tarde teoria.
R.G.C. - Tendo nascido nos Balcs, qual a sua opinio para explicar o facto de haver tantos
bons guitarristas dessa regio?
G.K. - Em parte deve-se ao sistema de ensino da msica. A escola de msica era gratuita e
continua a s-la. Depois de estudar leitura musical no coro durante um ano teramos de passar
um exame antes de poder comear a estudar um instrumento. A performance levada a srio
desde o incio onde temos de seguir um programa estruturado, tocando em pblico
frequentemente, pelo menos duas vezes por ano, em audies na escola e para os pais.
Durante este perodo, continua-se a estudar solfejo, o instrumento e continuamos a participar
no coro. Na Alemanha, nas escolas de msica, os alunos tem 3 anos de teoria e mesmo assim
tenho de perder metade das aulas a explicar teoria aos alunos.
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R.G.C. Durante a consolidao da sua carreira musical enquanto jovem, quem foram as suas
maiores influncias?
G.K. - As maiores influncias durante a
minha juventude foram o John Williams,
Julian Bream, Konrad Ragossnig e at o
Paco de Lucia ao incio, mas a minha
primeira experincia musical foi ver o Ivo
Pogorelich na televiso e ouvir as suas
gravaes. Tambm segui a carreira do
violinista Srvio e criana prodgio, Stefan
Milenkovic, cuja carreira foi lanada
quando tive a oportunidade de saber quem
ele era. O que mais admiro nestes msicos,
o nvel de musicalidade em geral. Neste momento, estou numa fase musical e pessoal
diferente, mas o Ivo Pogorelich continua a ser uma figura que eu admiro muito. As suas
gravaes de Bach inspiraram o meu duo e do Vladimir Gorbach, Duo Cologne, a fazer
transcries de todas as Suites Inglesas. Outros pianistas que admiro e ouo muito so,
Ashkenazy e Richter.
R.G.C. - Tendo j estado em Portugal vrias vezes e sido premiado com dois segundos prmios
e um terceiro no Concurso Internacional de Guitarra de Sernancelhe, qual a sua opinio sobre
a cena guitarrstica portuguesa?
G.K. - Das minhas idas ao concurso ou de visitas a amigos que vivem em Portugal, parece-me
que h uma vida guitarrstica activa. Estive em Sernancelhe como concorrente, e gostei muito
das pessoas envolvidas tal como a comida! O festival e a competio esto num nvel muito
alto, to alto como qualquer Festival de topo na Europa ou nos Estados Unidos, e estou muito
contente por voltar ao Festival de Guitarra de Sernancelhe em Junho como artista convidado e
tambm como membro do jri do concurso.
R.G.C. - Vivemos em tempos conturbados. A arte est mais uma vez a ser negligenciada como
essncia para o esprito humano e ignorada em favor de outras reas. A Unio Europeia
anunciou que est a prever lanar o maior apoio financeiro para a cultura na Europa mas s a
partir de 2014 at 2020. De que modo v os eventos que tem acontecido um pouco por toda a
europa, com as populaes a juntarem-se em protestos nas principais praas europeias? O que
pode ser esperado em termos de futuro para a arte?
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G.K. - Os protestos iro acontecer sempre, para o melhor ou para o pior, a arte no
suficientemente apreciada e no lhe dada uma posio relevante na sociedade.
R.G.C. - Sendo um dos jovens guitarristas com maior nmero de prmios em concursos
internacionais, que importncia d aos concursos na vida de um msico?
G.K. - Pode ser muito importante, mas tambm muito pessoal. Para mim foi uma maneira de
me formar enquanto msico mas no tem necessariamente de ser a nica maneira de
construir uma carreira ou de ganhar reconhecimento. Toda gente diferente, conhecemos
msicos que fizeram uma carreira com concursos mas tambm h gente que no fez concursos
e desenvolveu uma carreira de igual modo. Para mim foi uma experincia muito
enriquecedora, conhecer pessoas de diferentes partes do mundo e como estes identificam a
sua cultura e a arte de tocar guitarra, juntando-se todos num stio em comum para o mesmo
propsito e assim aprende-se muito sobre outras pessoas e sobre as tuas prprias
experincias, tal como o pblico. Em geral eu detestava tocar em concursos, quando
terminavam e se estivesse contente com o que tinha tocado e correndo a meu favor
fantstico, se no, nem sempre uma boa experincia como depois de tocar um concerto.
R.G.C. - Sente que se est a tornar num evento desportivo?
G.K. - Bom, para mim, s vezes sentia que sim. Quando estamos no palco e temos medo que se
torne nisso, comeamos a pensar o que que o jri est a avaliar quando s vezes pegam na
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caneta por cada erro que cometes, especialmente com tantos grandes msicos com maiores
facilidades tcnicas. Olhando para o violino e o piano, parecem-se mais com desporto e eles
esto nossa frente em termos artsticos. Para um pianista, parece que ao ganhar um grande
concurso se iro abrir muitas portas, mas para um guitarrista no faz muita diferena ao
ganhar um desses grandes concursos, portanto tem sido um modo de nos tornarmos
conhecidos em todas as partes do mundo e de mais tarde tocar alguns concertos nesse local
do concurso em questo.
R.G.C. - De um modo mais pessoal, como aborda uma nova obra?
G.K. Primeiro estudo a histria do compositor e ouo outras obras dele ou dela, se precisa de
transcrio ou no, e fao sempre toda a edio sozinho. Penso no estilo e depois comeo a
trabalhar na pea. Ao princpio, fao uma leitura primeira vista, e se a textura for complexa
posso ter de usar outras tcnicas para ficar a conhecer a pea, em algumas ocasies
necessrio um pouco de matemtica para perceber a polirritmia ou os elementos mtricos
(por exemplo na msica de Bogdanovich), se a pea for simples, ento pode ser lida primeira
vista e analisada no momento.
R.G.C. - Quais os factores que o levam escolha de uma determinada pea?
G.K. - Escolho as peas de que gosto, pode tambm ser algo que o organizador do concerto
queria a fim da ocasio ou por uma outra razo (talvez relacionado com o tema ou o conceito
do festival), mas tento sempre escolher algo de que gosto e que me d prazer a estudar.
R.G.C. - Tem preferncias na msica moderna?
G.K. - A msica de Bogdanovich tem-me atrado muito nesta altura.
R.G.C. - D preferncia msica moderna em detrimento de msica de outros perodos?
G.K. - No, mas depende tambm do momento.
R.G.C. - Qual a sua opinio em termos de msica de cmara?
G.K. - Eu encaro como muito importante para o desenvolvimento de qualquer msico e das
suas habilidades. No meu trabalho com o duo, com o Vladimir Gorbach, exploramos muito
repertrio que uma s guitarra normalmente no pode tocar.
R.G.C. - Considera-a essencial para o desenvolvimento de um msico?
G.K. - Absolutamente.
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R.G.C. - Gravou recentemente um novo CD para a Naxos com obras de Fernando Sor. Conte-nos
como surgiu essa oportunidade.
G.K. - Comeou com o Norbert Kraft a propor a ideia, como um esforo da Naxos para a
gravao de todas as obras catalogadas de Fernando Sor. Subsequentemente estudei o
repertrio para o CD e posso afirmar que at data no tinha tocado muita msica de Sor!
R.G.C. - Conte-nos os seus planos e os novos projectos para o futuro.
G.K. - Para o Duo Cologne, a gravao das
Suites Inglesas de Bach e planos para uma
futura digresso pelos Estados Unidos com
a ajuda do nosso novo agente do Aranjuez
Artistic Services. Neste momento vivo em
Colnia e desde Setembro ensino os
candidatos de ps-graduao na Academia
Internacional de Guitarra de Koblenz. Por
este motivo tenho de lembrar toda gente
que os prximos exames de admisso so
em Maio de 2012. Espero tambm que seja
lanado brevemente o meu novo CD a solo
com msica de C.P.E. Bach, Haydn e Jos,como tambm um novo de CD de piano e
guitarra com msica de Dusan Bogdanovich
(estreia) e Hofmeyr. Este ltimo CD ir ser
com msica inteiramente original para
piano e guitarra.
R.G.C. - Tem algum conselho para os jovens guitarristas portugueses?
G.K. - No estudem! (brincadeira!), numa uma palavra ou num passo, para o desenvolvimento
como guitarrista, prestem muita ateno articulao. Por exemplo, os diferentes aspectos
que iro ajudar os alunos a progredir so, saber parar as cordas, cantar tudo antes de tocar,
depois tocar e copiar o que foi feito. No escolham a opo mais fcil para contornar o
problema se na verdade no resolve o mesmo ou por razes como facilitar a posio dos
dedos.
R.G.C. - Obrigado por ter dispensado algum do seu tempo connosco e desejamos-lhe um bom
ano com excelente msica.
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Entrevista a Artur Caldeira
Por Aires Pinheiro
Revista Guitarra Clssica Boa tarde Professor Artur Caldeira. Desde j muito obrigado por
aceder participar nesta entrevista para a Revista Guitarra Clssica. Gostava de saber, para
comear, como iniciou o seu percurso musical?
Artur Caldeira - Sei que isto uma
entrevista mas seria melhor se, na
nossa conversa, pusssemos o ttulo de
professor de lado. Tambm s
professor, somos afinal colegas e ficar
mais simptico se fizermos isto de uma
forma mais directa e pessoal. O meu
percurso musical foi sempre muito
peculiar. Habitualmente, quem est
profissionalmente na msica erudita,
seja na actividade docente ou
concertista, comeou por frequentar
desde muito novo classes em
conservatrios ou academias. Pelo
contrrio, eu entrei para o ensino
artstico oficial j adulto. No entanto e
at a, pratiquei um variado leque de
estilos musicais, como o fado, a msica
tradicional, o rock, o jazz Inclusive j como jovem profissional. Depois deparei-me com o
mundo da guitarra clssica. Era um mundo que se me oferecia e me mostrava as
potencialidades daquele sensvel instrumento. Foi a que percebi ser esse o caminho que
queria percorrer.
R.C.G. - Quais foram as suas maiores influncias a nvel artstico e musical?
A.C. - Precisamente devido quele anterior e pouco habitual percurso, as minhas influncias
foram inmeras. Podia estar aqui a desfiar algo parecido com uma lista telefnica. Naquilo a
que se chama a worldmusic, um conceito que eu valorizo bastante, o flamenco e as
sonoridades mediterrnicas apaixonaram-me desde logo. Sempre tive muita curiosidade em
absorver esses estilos, as rtmicas, as harmonias e as cores dessa msica. Existem grandes
artistas da msica erudita que vm a fazer algo dentro da worldmusic, conseguindo atingir
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patamares de qualidade musical do melhor que h. No entanto evidente que a guitarra
clssica me tocou mais. Quando ouvi discos de Andrs Segvia ou de Julian Bream foi como
assistir a uma pequena orquestra dentro das seis cordas da guitarra. A capacidade tmbrica, a
expresso do instrumento fascinavam-me. A guitarra no tem a amplitude harmnica do piano
mas ter certamente muito mais potencialidades tmbricas e expressivas. Todavia h algum
que, juntamente com o instrumento em si, me influenciou decisivamente na, digamos, opo
profissional por esta rea: o Professor Jos Pina. E o que mais me fascinou quando comecei a
estudar com ele foi a sua forte personalidade musical, uma autoridade artstico-pedaggica
fantstica e um saber extraordinrio. Os resultados dos seus ensinamentos saltavam vista. E
depois uma qualidade tmbrica e amplitude sonora que me mostrava quando, nas aulas, me
exemplificava qualquer trecho Tudo isso me deu uma motivao extrema. Eu ambicionava
tocar assim. Depois, frequentei pela primeira vez um curso de Vero por ele ministrado em
Matosinhos em 1987, onde vi os seus alunos mais adiantados. Observei que era um naipe de
alunos alargado, mas todos eles tocavam muito bem, ou seja, segundo conceitos que eu passei
a achar fundamentais: uma mecnica muito bem trabalhada, uma excelente sonoridade,
cuidado extremo com as digitaes e fortes conhecimentos expressivos e estilsticos. Via-se
uma unidade, uma identidade de classe, a marca de um mestre. Por isso, era esse professor
que me interessava. No quero com isto dizer que tenhamos de ser imitadores de um
professor. Porm, se numa classe no existe essa marca, essa identidade, significa que talvez o
professor no seja o lder de que precisamos na nossa formao.
R.C.G. - Foi durante vrios anos professor de Conservatrio de Msica do Porto, onde
desempenhou funes directivas entre 1997 e 1999. Qual a sua impresso sobre o ensino da
guitarra clssica no nosso pas, para os nveis de iniciao, bsico e secundrio?
A.C. - Ainda perteno ao quadro de nomeao definitiva daquela prestigiada instituio. A
procura de aulas de guitarra intensa, h cada vez mais jovens a tocar, cada vez alunos mais
novos a tocar bem, mas tambm h uma massificao que poder ser prejudicial. O que devo
salientar desde logo a enorme disparidade de nvel existente entre os alunos dos vriosconservatrios e academias existentes. No estou aqui a pretender dizer que o Conservatrio
de Msica do Porto melhor ou que outra escola pior, no isso que est em causa. O que
est em causa vermos um nvel muito dspar nas vrias instituies. Mesmo com as
diferenas existentes em vrias formas de aprendizagem ou de escola, no se encontra
sempre um nvel dentro de parmetros aceitveis. Enquanto professor do Conservatrio de
Msica do Porto integrei vrios jris de exame para alunos autopropostos, que na realidade
no eram autodidactas, estudavam com algum e muitas vezes em academias que apenas no
tinham autonomia pedaggica para realizar esses exames. A fazamos a nossa aferio nesta
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matria. Verificava-se constantemente que o nvel geral dos alunos que nos chegavam para
esses exames era confrangedor. Por vezes apareciam alunos que revelavam algum talento mas
que estavam visivelmente mal orientados, sobretudo deficitrios em tcnica. E mais uma vez
no pretendo dizer que tivessem de apresentar-se segundo os meus conceitos ou os conceitos
dos professores daquele Conservatrio. O que se verificava era no existir qualquer conceito.
Com frequncia recebamos alunos para exame de 8 grau, ou seja, finalistas do Ensino
Secundrio; muitos deles no conheciam o compositor da obra que tentavam interpretar ou as
caractersticas histricas onde se insere a msica desse compositor. Depois para mim
inaceitvel que alguns cheguem quele grau sem nunca terem tocado Bach. Ainda existem
conservatrios no pas (oficiais) que no incluem Bach nos contedos programticos de
guitarra. A no ser que isso tenha sido alterado h muito pouco tempo e eu no tenha tomado
conhecimento. O pretexto invocado consistia no facto de a msica de Bach no ser original
para guitarra! E para piano, Bach escreveu alguma coisa? bvio que no, o piano no existia
sequer nessa altura, tal como no existia a guitarra. Mas que pianista se conhece que nunca
tenha tocado Bach desde os primeiros graus da sua formao? Pelos corredores da ESMAE
ouo Bach em marimba, saxofone E para estes no ser original com certeza
R.C.G. - Essa resposta leva-me a outra pergunta: Como que acha que seria possvel resolver
essa disparidade entre as classes das diferentes escolas? Ser possvel arranjar uma forma de
controlar essa disparidade?
A.C. - Constatar e enunciar os problemas j importante. No tenho certamente a soluo
mas uma medida importante seria a uniformizao de contedos programticos. No do
programa mas sim dos seus contedos. Afinal, em cada nvel o que deve cada aluno ser capaz
de fazer? No se trata de obrigar toda a gente a tocar o mesmo mas sim definir critrios como:
bases tcnicas fundamentais, sonoridade, conhecimentos gerais de repertrio Sei que
complicado reunir consensos nesta matria. Mas algo ter de fazer-se.
R.C.G. -Actualmente lecciona no ensino superior, nomadamente na ESMAE, Escola Superior de
Msica e Artes de Espectculo do Porto. Que impresso tem sobre o ensino superior da
guitarra em Portugal e sobre os estudantes que o frequentam?
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A.C. - Eu no pretendo entrar em qualquer espcie de polmicas e tudo aquilo que digo de
corao aberto e sem interesse em criar crispao ou qualquer tipo de rivalidade. No entanto e
pelo que me vou apercebendo, penso que o ensino da guitarra a nvel superior enferma mais
ou menos do mesmo mal que enferma o ensino bsico e secundrio. H uma forte disparidade
ao nvel da formao. Convm lembrar que nem todos os anos lectivos fornecem alunos ao
ensino superior com os requisitos necessrios para o sucesso. O nvel dos candidatos que
aparecem no o mesmo todos os anos. E evidente que quanto melhor a matria-prima,
potencialmente melhor ser o nvel final dos alunos. E at posso considerar a hiptese de
haver alunos (raros) que quase caminhariam por si s, possuindo grandes qualidades. Tudo o
que necessitam de um professor que os oriente bem e que os v levando pelos trilhos certos,
no o deixando descarrilar. Mas, ao nvel do aluno mdio, que o que nos interessa, vejo
por a muitas incongruncias nos reportrios que lhes so distribudos. Tenho observado, em
cursos de aperfeioamento, alunos de algumas instituies que ainda no sabem produzir
sonoridades equilibradas com os vrios dedos da mo direita, no sabem ainda como devem
conservar as suas unhas para produzir um timbre de qualidade, no sabem movimentarcorrectamente a mo esquerda ao longo do brao da guitarra, no sabem posicionar os dedos
correctamente, no tm no fundo uma slida tcnica de base e, no entanto, j lhes so
entregues obras que deveriam ser provavelmente destinadas aos melhores finalistas, obras de
grande dificuldade tcnico/artstica. Eu sei que partida os objectivos dos vrios cursos so
diversos: uns pretendem formar na vertente performativa e outros na vertente pedaggica. Na
segunda hiptese, por muita pedagogia que se possa aprender, como pode ensinar bem quem
no toca bem? E devo lembrar que todos fornecem os mesmos graus acadmicos. O grau de
licenciatura igual para todos. Ao nvel do mestrado passa-se mais ou menos o mesmo, pode
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atingir-se aquele grau acadmico realizando exames com um programa exigente de sessenta
minutos por ano lectivo ou passar os dois anos a tocar quarenta minutos de msica. O grau
acadmico atingido o mesmo. Com toda a certeza quem se forma na vertente pedaggica
ter at melhor acesso carreira no ensino do instrumento. Note-se que presentemente um
professor admitido e avaliado sobretudo de forma documental, quase nunca avaliada a sua
prestao artstica. Tempos houve em que se realizavam provas pblicas, como no
Conservatrio de Msica do Porto. Eram quatro dias de provas, com trabalhos escritos, aulas
pblicas, recital, pea imposta com uma semana de antecedncia A meu ver, um professor
de instrumento deve possuir, ao contrrio de um professor de uma outra cadeira qualquer,
ferramentas que lhe permitem a cada momento exemplificar aquilo que os alunos esto a
tocar. O professor deve servir de exemplo ao nvel da execuo instrumental. Tal como o eram
os mestres de antigamente. Aprende-se muito vendo o mestre. Por isso, um professor de
instrumento s o deveria ser com uma slida formao nesta vertente.
R.C.G. - Como v a implementao do processo de Bolonha no ensino superior da msica em
Portugal?
A.C. - Bolonha no trouxe nenhum benefcio a este ramo de ensino. Pelo contrrio, veio
prejudicar o seu nvel. Os cursos passaram de uma licenciatura de quatro anos (a minha foi
ainda de cinco!) para trs, ou seja, o nmero de anos do antigo Bacharelato. Quando isso
aconteceu, um dilema deve ter surgido: ou os programas se reorganizam com menos tempo
para cada matria, ou tero de ser reduzidos. Qualquer que tenha sido a opo tomada
resumiu-se seguinte constatao: no se faz em trs anos o que se pode fazer em quatro,
sobretudo ao nvel do desenvolvimento fsico. Se se mantivessem os mesmos programas mas
divididos em trs anos (ou seis semestres) tudo teria de ser visto mais superficialmente. Se se
pretendesse ter a mesma exigncia em cada item, teria de se reduzir aos programas. Quem
tem o poder de deciso na estruturao do ensino em Portugal tende a tratar de igual modo o
que diferente. O ensino artstico, nomeadamente na vertente performativa, tem
especificidades que merecem ateno. Em muitas matrias podemos estudar com mais afinconos dias anteriores aos exames e obter bons resultados. No estudo de um instrumento temos
de estudar todos os dias e esperar pacientemente pelos progressos. Para alm disso a questo
da maturidade como intrprete (e como pessoa), quer na generalidade quer na especificidade
do programa a estudar em cada momento da formao, depende igualmente do factor tempo.
Neste aspecto, a avaliao semestral tambm no , a meu ver, a melhor. E em reas como o
de medicina, o curso continua a ter licenciaturas de cinco anos, para alm de tudo o que se faz
posteriormente.
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R.C.G. -Agora chamam-lhe mestrado integrado.
A.C. - Ento passmos a chamar mestrado s antigas licenciaturas e licenciaturas aos antigos
bacharelatos. Bastava terem convencionado: O bacharelato passa a chamar-se licenciatura, a
licenciatura passa a chamar-se mestrado e assim sucessivamente. Houve certamente pessoas
que envolvidas nessa discusso que deram os devidos alertas mas, como sempre, no tero
sido ouvidas. O que interessa entrar na estandardizao, digamos assim, na formatao que
nos impem, sem pensar se vale a pena ou no vale a pena.
R.C.G. - O que pensa do actual estado da guitarra clssica em Portugal?
A.C. - Penso que no muito relevante falar directamente do estado da guitarra clssica em
Portugal. Relevante falar do estado de Portugal. Porqu? Porque o estado do pas afecta
obviamente tudo, inclusive a guitarra clssica. Se falarmos do ensino ou da procura desse
ensino, podemos afirmar que est em franca ascenso, mas ainda muito nas zonas mais
urbanas e litorais, o interior continua esquecido. Onde existe um conservatrio pblico no
interior? Existe em Braga, Porto, Aveiro, Coimbra e Lisboa, todos eles agora at com ensino
integrado. Mas no h em Bragana, no h na Guarda, no h em Castelo Branco, no h em
vora Mas felizmente h muitas academias e algumas escolas profissionais e cada vez me
telefonam de mais instituies a perguntar se h algum aluno que possa j leccionar, portanto,
h muita procura de aulas de guitarra. Todavia, a excessiva massificao perigosa e pode
transformar o ensino artstico numa grande banalidade. claro que a maioria no prossegueestudos artsticos. Se aprenderem a ser bons ouvintes j se consegue algo. necessrio
tambm saber se o que se ensina nas escolas faz com que as pessoas aprendam a ouvir, mas
isso outra questo. Se falarmos da actividade artstica, ou seja, concertos, onde que eles
esto? Salas existem agora por todo o lado. Mas onde esto as estruturas coloquem de p
circuitos de concertos? Porque no se pratica, como noutros pases, o mecenato directo ao
artista, comprando-lhe directamente concertos para depois se colocarem em vrias salas?
Tempos houve em que a Secretaria do Estado da Cultura teve esse papel. Portanto se o pas
no decidir valorizar a cultura e a educao, de que vale o nosso esforo formativo?
R.C.G. - Quais so os pontos fracos e os pontos fortes que destaca no panorama guitarrstico
portugus?
A.C. - Desde logo e como ponto forte destaco o crescimento da procura e da oferta ao nvel do
ensino. No apenas para formar mais msicos profissionais mas tambm bons ouvintes, bons
melmanos e bons amadores que, embora seguindo outra profisso, acarinham a msica e vo
aos concertos, compram CDs e so o pblico que ns queremos ter. Sem pblico no somos
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nada. Agora, a questo de haver, de facto, mais instituies de ensino superior pblico do que
escolas bsicas e secundrias pblicas, traz alguma preocupao. A pirmide natural do ensino
bsico para o ensino superior pode ficar invertida. Comea a existir dentro de portas
demasiada oferta no ensino superior e quando a oferta excessiva, o nvel baixa com certeza.
R.C.G. - Sendo um guitarrista bastante activo do panorama guitarrstico nacional, quais os
conselhos que daria aos jovens que pretendem fazer uma carreira como concertista?
A.C. - Eu privilegio a globalidade especialidade. Entendo que a formao do msico deve ser
o mais abrangente possvel. No porque se pratica msica erudita que se deve deixar de
ouvir ou de praticar outras reas musicais. Recordo-me de colegas que estiveram em
Inglaterra a estudar e que, encontrando-se em bares ao sbado noite, viam os violinistas e
pianistas em bares de Jazz nas jamsessions Ou reuniam-se para praticar um estilo de msica
completamente diversa da que estavam a estudar. Penso que todas as experincias so bem-
vindas. Por outro lado, o conhecimento de estilos populares muito til na compreenso de
algumas composies neles inspiradas. Lembro-me de John Williams afirmar numa entrevista
ter alterado a sua interpretao da obra Sevilla de Albeniz aps ter ouvido o guitarrista
flamenco Paco Pea a tocar uma sevillana. E essa globalidade uma coisa que se exige cada
vez mais de ns. O conselho que daria o de estar atento e ser selectivo ao nvel da qualidade
e no das reas musicais. E a entenderam a postura e atitude adequadas a cada rea musical.
To importante como a formao artstica tambm o desenvolvimento pessoal. Dizia-me um
amigo j falecido (msico amador) que cada um toca como . Raramente ouvi frase mais
adequada, De facto, o que somos e como somos so provavelmente as maiores influncias na
nossa aprendizagem e execuo musical.
Enquanto alunos aconselho-os a tentarem perceber se esto no caminho certo, na forma
como so orientados, que assistam a masterclasses e observem quem toca e como toca. E que
procurem saber de onde vm os que tm melhor som, melhor tcnica, melhor fraseio E se
isso no os fizer mudar de professor, pelo menos f-los- ser mais exigentes com o seu
professor e com eles mesmos. Repito que no se trata de criar seitas seguidoras deste ou
daquele professor mas sim de constatar factos. Volto a lembrar aquilo que eu vi em
Matosinhos em 1986, quando fui assistir ao curso de Vero do Professor Jos Pina. Todos os
seus alunos presentes (bastantes) e cada um no seu nvel, tocavam bem, percebia-se existir o
objectivo de determinado nvel sonoro, tcnico, de personalidade musical. Como habitual
dizerem os que so anti-racismo, todos diferentes todos iguais. Ali via-se o mesmo mas na
ordem inversa: todos iguais (nos conceitos, na identidade de classe) mas todos diferentes (na
personalidade e no resultado artstico final). Sentia-se uma liderana e isto fundamental.
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Vrias vezes afirmei que se voltasse a estudar, voltaria a estudar com o mesmo professor, no
tinha qualquer dvida disso. Felizmente isto veio a concretizar-se no mestrado. Durante vrios
anos pensei em realizar este grau acadmico. Mas encontrar um curso que me preenchesse os
objectivos que perseguia, orientado artisticamente por algum que acrescentasse algo
substancial, no era fcil. Entretanto na ESMAE foi criado o curso para a obteno deste. Os
objectivos eram os que eu procurava e o professor tambm.
R.C.G. - Como escolhe um programa a interpretar num concerto?
A.C. - Como sabes realizei o
mestrado com a vida e obra de Leo
Brouwer como pano de fundo. Das
vrias coisas que li sobre este
personagem, h um conceito que
retive a esse propsito.
Normalmente diz-se Devemos tocar
para ns e se nos agradamos,
agradamos aos outros. Eu no
partilho especialmente este
conceito. Temos de tocar
obviamente para o pblico. E o
conceito de Brouwer o de que se
tens mil pessoas no pblico, tens de
tocar para essas mil pessoas. Isso faz
com que tenhamos de orientar os
nossos programas para o pblico que
iremos ter em cada concerto. Temos
uma alternativa: tocamos apenas o
que gostamos e arriscamo-nos a ficar em casa! Isto no significa propriamente fazer cednciasa qualquer preo. Mas nem sempre os actores representam dramas estando tristes ou
comdias estando alegres. Por vezes no apetece. Uma das caractersticas da nossa actividade
representar. E h muita msica simples e de grande qualidade. claro que se o concerto
inserido num determinado festival mais especfico, podemos escolher um programa mais
profundo, teremos um pblico mais entendido. Mas se tocarmos noutros locais, teremos de
apresentar outro repertrio, ou correremos o risco de, em cem pessoas, ter dez interessadas e
noventa a bocejar.
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Guitarra Clssica
R.C.G. - Quais so os seus projectos a nvel artstico para o futuro?
A.C. - Eu continuo a considerar-me um guitarrista eclctico. Por isso vou participando nos
projectos que me vo chegando e que me oferecem pelo menos as seguintes caractersticas:
qualidade musical, bom ambiente de trabalho e prazer em fazer msica. So os primeiros
requisitos que procuro. A formao que mais me agrada o duo de guitarras. O nvel de
dificuldade do repertrio pode ser to grande como o de guitarra solo e interagir com algum
fascina-me mais do que interagir comigo prprio. O trabalho solitrio no algo que me
agrade preferencialmente. O duo de guitarras uma formao muito equilibrada sobretudo ao
nvel do volume sonoro. Falando no passado e justificando o prazer que sinto no duo de
guitarras, afirmo que as duas situaes em que melhor me senti em palco at hoje
aconteceram no perodo em que toquei em duo com o Professor Jos Pina, nomeadamente no
Festival de Guitarra de Santo Tirso e no Palcio de Santana em S. Miguel, nos Aores. Neste
ltimo, para alm do prazer de tocar na formao preferida e com algum que me transmitia
segurana, todo o entorno contribuiu: a acstica e esttica da sala, o pblico Foi como comer
um prato de tal maneira bem confeccionado que no final te faz soltar um AAAHHH de
satisfao. Raramente se consegue tal nvel de satisfao num concerto. Como disse, o
entorno contribuiu mas os principais factores foram os de tocar com quem toquei e em duo de
guitarras. Ser por isso sempre esta formao o projecto que mais perseguirei.
R.C.G. -J h guitarrista para o duo?
A.C. - Estou a falar mesmo no abstracto. evidente que se me perguntarem Com que
guitarrista gostarias de tocar? eu responderia com o Professor Jos Pina. No tenho
qualquer relutncia em dizer isso. Sobretudo porque me agrada no ter de tocar sempre da
mesma forma. Os msicos no so mquinas. E num determinado momento a expresso muda
e os dois tm de saber ajeitar-se a esse momento. No fcil encontrar tal cumplicidade
musical noutra pessoa. E a experincia que tive mostrou-me que no houve uma imposio
expressiva no que tocmos juntos. Houve uma orientao, claro. Quem sabe mais sente-se
sempre na obrigao de orientar e os outros s tm de agradecer essa orientao. Mas se as
alteraes expressivas partissem de mim em determinado momento dos concertos, eu sabia
que quem estava ao meu lado reagiria em conformidade. Uma coisa tocar com msicos.
Outra tocar com outros
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1. A tcnica de arranjo e transcrio de Johann Sebastian Bach1por Pedro Rodrigues
1.1 Prembulo
Desde o interesse de compositores como o pioneiro Francisco Trrega nos finais
do sculo XIX, passando pelas importantes contribuies de Segvia, Azpiazu,
Llobet e mais recentemente Russell, Barrueco ou Etvos, a utilizao de msica
barroca no domnio do concertismo guitarrstico tem assumido um papel
fundamental para a concepo actual de repertrios.
Recentemente, a popularizao desta poca musical junto do grande pblico, a
grande procura da guitarra clssica enquanto instrumento de estudo, o interesse
por uma maior fidedignidade interpretativa que resulta igualmente de um maior
contacto com as fontes materiais da era barroca, tm impulsionado o acto
transcricional moderno.
Pretende-se com este captulo observar os processos que Johann Sebastian Bach
empregou nos seus arranjos. A comparao entre original e arranjo permitiu
criar uma base de dados processual que poder ser aplicada em futuros arranjos.
O estudo das obras originais e transcritas realizou-se com recurso s partituras e
edies mencionadas ao longo do texto. O estudo de cada partitura resultado,
primeiro, da leitura e confronto nota-a-nota. Adicionalmente, e para maior
assimilao da obra musical ento em estudo, foram usadas gravaes. Cada
processo apresentado na concluso procura solucionar dificuldades
frequentemente presentes no trabalho de arranjo para guitarra clssica perante
limitaes instrumentais diversas.
1 Captulo retirado da tese Para uma sistematizao do processo transcricional guitarrstico
realizada na Universidade de Aveiro em 2011 sob a orientao de Paulo Vaz de Carvalho e
Alberto Ponce
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A seguinte anlise da arte musical barroca pretende proporcionar igualmente um
grau de exactido tcnico/terico que permita aos destinatrios, intrpretes e
transcritores adquirir um maior leque de processos a relacionar, uma vez que a
tcnica um factor em constante desenvolvimento.
As obras de Johann Sebastian Bach analisadas, representativas de diversas
formaes instrumentais, encontram-se descritas no seguinte quadro:
Original ArranjoBWV 6 Bleib bei uns, denn es willAbend werden
1725
BWV 649 Ach bleib bei uns, Herr JesuChrist
1748/1749BWV 44 Sie werden euch in den Banntun
1724
BWV3 Ach Gott, wie manchesHerzeleid1725BWV58 Ach Gott, wie manchesHerzeleid 1727
BWV 49 Ich geh und suche mitVerlangen
1726
BWV 1053 Concerto Cravo, Cordas1738
BWV 76 Die Himmel erzhlen dieEhre Gottes1723
BWV 528 Trio Sonata, rgo1730
BWV 76 Die Himmel erzhlen dieEhre Gottes
1726
BWV 528 Trio sonata, Orgo1730
BWV 146 Wir mssen durch vielTruebsal
1726
BWV 1052 Concerto Cravo, Cordas1738
BWV 169 Gott soll allein mein Herzehaben
1726
BWV 1053 Concerto para Cravo Mi M1728
BWV 173a Durchlauchtster Leopold1722
BWV 173 Erhoehtes Fleisch und Blut1724
BWV 208 Was mir behagt, ist nur diemuntre Jagd!
1713
BWV 68 Also hat Gott die Weltgeliebt
1725
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BWV 214 Tnet, ihr Pauken!Erschallet Trompeten!
1733
BWV 248 Oratria de Natal1734
BWV 232 Missa Si menor1726
BWV 215 Preise dein Glcke,gesegnetes Sachsen
1734BWV 512 Gib dich zufrieden, Coral mimenor1733/1734
BWV 511 Gib dich zufrieden, Coralsol menor
1733/1734BWV 513 O Ewigkeit, du Donnerwort,1733/1734
BWV 397 O Ewigkeit, du Donnerwort
BWV 527 Trio Sonata1730
BWV 1044 Concerto para flauta,violin e cravo
(segundo Kilian, arranjo de BWV 527)BWV 901 Prelude e fughetta F Maior1726/1727
BWV 886 O Cravo Bem-Temperado,Vol. II, Preludio & Fuga XVII1739/1742
BWV 1001 Sonata Violino solo1720
Fuga BWV 1000, Alade1720Fuga BWV 539, rgo1723
BWV 1006 Partita Violino
1720
BWV 1006a Suite Alade - 1720
Cantata BWV 29 Wir danken dir,Gott, wir danken dir (sinfonia)1731Cantata BWV 120a Herr Gott,Beherrscher aller Dinge
1729BWV 1019a - Sonata Sol Maior,Violino, Cravo1717-1723
BWV 120 Gott, man lobet dich in derStille
1729
BWV 1019a Sonata Violino, Cravo(1717/1723)
BWV 120 Gott, man lobet dich in derStille
1729BWV 1039 Trio Sonata, Flauta,Contnuo1726
Sonata BWV 1027 Flauta, Cravo1742
BWV 1039 Trio Sonata, Traverso I e IIe B.C.1726
BWV 1027a Trio Sonata, Orgo(data desconhecida)BWV 1027 Sonata Viola da Gamba,
Cravo
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1742BWV 1041 Concerto Violino e CordasL Menor1730
BWV 1058 Concerto Cravo e cordas1738
BWV 1042 Concerto Violino Mi Maior(desconhecido)
BWV 1054 Concerto Cravo
BWV 1043 Concerto para dois Violinos1730/1731
BWV 1062 Concerto para dois cravos1736
BWV 1046 Concerto BrandenburgusNr. 11721
BWV 207a Auf, schmetternde Tneder muntern Trompeten1735
BWV 1048 Concerto BrandenburgusNo. 3
1721
BWV 174 Ich liebe den Hoechsten vonganzem Gemte
1729BWV 1049 Concerto BrandenburgusNo. 41721
BWV 1057 Concerto Cravo, DuasFlautas e cordas1738
BWV 1056 Concerto Cravo, Cordas1738
BWV 156 Ich steh mit einem Fuss imGrabe
1729BWV 1069 - Suite Orquestral No. 41717
BWV 110 Unser Mund sei voll Lachens1725
Concerto Violino de Johann Ernst vonSachsen
BWV 592 Concerto Sol Maior (Cravo)BWV 592a Concerto Sol (rgo)1714
Concerto Violino Sol Maior RV299,Antonio Vivalidi
BWV 973 Concerto Sol Maior (Cravo)1713-1714
Martinho Lutero -Aus tiefer Not schreiich zu dir
BWV 686 (orgo) 1739BWV 687 (orgo) 1739Cantata BWV 38 Aus tiefer Not schreiich zu dir 1724
Suite WD 22 Silvius Leopold Weiss Suite BWV 1025 (data desconhecida)Quadro I- 1 Obras analisadas
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1.2 Procedimentos instrumentais na transcrio de Bach
A obra de J. S. Bach apresenta diversos tipos de interligao intra-repertrio e
extra-repertrio. No livro Bach the Borrower1, Norman Carrell, analisando
segundo estes dois parmetros, menciona primeiramente 400 exemplos de auto-
arranjo perspectivados por formao instrumental de origem e de destino.
Foram includas nesta categoria obras originais para tecla e posteriormente
arranjadas para tecla; de instrumento solista (no de tecla) para instrumento
solista, de tecla para instrumento solista, de tecla para cantata, de concerto ou
concerto grosso para cantata, de obra orquestral para cantata, de obra
orquestral ou cantata para obra orquestral, cantata ou oratria para cantata ouoratria, de obra orquestral para tecla, de msica de cmara para msica de
cmara com diferente orquestrao, de ria ou motete para
cantata/motete/missa e finalmente de tecla para concerto. O grupo com maior
nmero de arranjos o conjunto de cantatas ou oratrias para outras cantatas e
oratrias, explicvel pelo somatrio destas formas musicais na obra e vida de
Bach2. Na segunda parte, Carrell indica um menor volume (262) de obras de
outros compositores como Reinken, Telemann, Pachelbel, Hermann, Vivaldi,Marcello, Corelli, Couperin, Albinoni entre diversos outros. Novamente, o grupo
com maior nmero de emprstimos o que apresenta a passagem de obras
vocais para cantata (203).
Bach manifestava portanto grande interesse na transcrio das suas obras e de
outros compositores, sendo esta uma prtica profundamente enraizada na
tradio musical dos scs. XV e XVI3. A intabulao (intavolatura), originria da
executio aladistica do sc. XIV, procurava incorporar todas ou quase todas as
vozes da obra transcrita (na sua maioria de origem vocal), apesar de,
1 Norman Carrell, Bach the Borrower (Londres: George Allen & Unwin Ltd, 1967)2 Wolfgang Schmieder, Alfred Drr e Yoshitake Kobayashi, Bach Werke Verzeichnis Kleine
Ausgabe (BWV2) (Wiesbaden: Breitkopf & Hrtel, 1998)
3 Maurice Hinson, Pianists Guide to Transcriptions, Arrangements and Paraphrases (Bloomington:
Indiana University Press, 1990), 4
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ocasionalmente, ocorrer supresso de linhas menos importantes, combinao de
vrias vozes numa s ou redistribuio de acordes ou passagens para melhor
adequao ao arranjador-intrprete de ento. Quase invariavelmente, os
arranjos so enriquecidos por mais ou menos ornamentaes4 visando colmatar a
impossibilidade de sustentao de notas longas por parte de instrumentos de
tecla e corda pulsada5.
Figura I- 1 Josquin des Prez - Mille regretz cc. 1-6
Figura I- 2 Luys de Narvaez - Cancion del Emperador cc. 1-5
O presente captulo procura primeiramente descrever os procedimentos
empregues por Bach no arranjo instrumental, tendo em considerao que, ao
apresentarem um facies diferente como consequncia de uma adaptao
tessitural, estes processos no desvirtuam o valor da obra musical.
Seguidamente, sero apresentados exemplos cujo tecido sonoro foi transformado
por prticas que, no estando directamente ligados ao tema proposto,
4 Malcolm Boyd, "Arrangement". Grove Music Online. http://www.oxfordmusiconline.com
(consulta a Maro de 2008)
5 Daniel Wolff, "The use of renaissance vocal polyphonic music in the vihuela and lute
repertoire", Guitar Review 123 (2001), 30
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constituem ensinamentos sobre a multiplicidade de arranjos que uma obra pode
adquirir como por exemplo cantatas, concertos, oratrias e sonatas.
1.2.1 Transfonao instrumental
Uma das prticas mais recorrentes na arte de Bach, funda-se na adequao de
uma obra cujo instrumento original difere ao nvel de mbito, timbre, idioma,
tcnica, possibilidade textural do(s) instrumento(s) destinatrio(s).
Figura I- 3 Preludio BWV 1006 Violino6
A escolha do exemplo seguinte deve-se ao facto de a obra em questo, o
Preludio BWV 1006, ter dado origem a cinco arranjos de escrita instrumental
diferentes entre si. Igualmente importante nesta triagem, foi a tcnica de corda
pulsada usada no arranjo BWV 1006a, relevante para o domnio em estudo e,
adicionalmente, a sua expanso a formaes de msica de cmara. Esta obra,
cujo manuscrito data de 1720 (Schmieder, Drr, Kobayashi, 1998:411), emprega
o seguinte mbito do violino:
Figura I- 4 mbito usado em BWV 1006
Esta extenso viria posteriormente a diferir em 1729 (Schmieder, Drr,
Kobayashi, 1998:123), quando este Preludio foi arranjado como Sinfonia da
Cantata BWV 120a Herr Gott, Beherrscher aller Dinge, cabendo ao rgoobligatto a voz principal. Esta cantata encontra-se na tonalidade de R maior,
cuja escolha se dever no apenas ao mbito exigido pela obra, mas tambm
instrumentao restante. Tendo esta obra um carcter festivo, o consequente
uso de tmpanos e trompetes, cuja tonalidade natural seria R, impele
imediatamente a esta escolha. Note-se que as obras escritas para esta formao
6 J. S. Bach, BachGesamtausgabe, Vol XXVII (dir. Alfred Drffel, 1879), 48
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instrumental foram maioritariamente compostas nesta tonalidade durante o
perodo de Leipzig7. Nesta verso, Bach transfere a linha de violino solo para o
rgo obbligato, acrescenta uma linha de baixo e reformula grupos de notas que
no seriam facilmente transferidos para tecla (Carrell, 1967:64), acrescentado
um acompanhamento orquestral que consistia em 3 trompetes, timpani, 2
obos, 2 obos damore, violino I e II, viola e continuo.
Figura I- 5 mbito usado pelo rgo em BWV 120a Sinfonia
Figura I- 6 Sinfonia II da Cantata BWV 120a 8
Esta Sinfonia viria a ser reutilizada na Cantata BWV 29 Wir danken dir, Gott de
1731 por ocasio da Eleio do Conselho, no tendo sido realizada nenhuma
espcie de mutao ao texto original. Na formao instrumental, a linha dos
obos damore foi suprimida.Na verso para alade, segundo Schulenberg possvel que tenha sido escrita
para harpa barroca e lautenverck9, foi realizada entre 1736-1737 (Schmieder,
7 Howard Shanet, "Why did J.S. Bach transpose his arrangements?", Musical Quartely 36 (1950):
181-1898 J. S. Bach, BachGesamtausgabe Vol XLI (dir. Alfred Drffel, 1894), 149
9 David Schulenberg, The keyboard music of J. S. Bach. 2 ed. (Nova Iorque: Routledge, 2006),
362
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Drr, Kobayashi, 1998:410). Assim como na verso para rgo obbligato,
ocorrem diversas mudanas ao nvel do mbito, notas, ornamentao, ritmo,
adio de notas e valorao rtmica de figuras (Goluses, 1989:17).
Figura I- 7 Preludio BWV 1006a10
Figura I- 8 mbito instrumental em 1006a
Por imposio tcnica, o mbito menor do que o existente no opus original,
sendo toda a suite apresentada uma oitava abaixo, tornando possvel a sua
execuo no instrumento ao qual o arranjo se destina.
1.2.2 Adaptao idiomtica
1.2.2.1 Deslocao tessitural pontual
A deslocao tessitural consiste na deslocao de motivo para vozes diferentes
das originais, i.e. um motivo apresentado na voz aguda, pode aparecer na voz
grave.
Figura I- 9 Concerto Brandenburgus BVW 1049, Violino (Allegro, cc. 59-66)11
10 J. S. Bach, BachGesamtausgabe Vol XLII (dir. Ernst Naumann, 1894), 16
11 J. S. Bach, BachGesamtausgabe Vol XIX (dir. Wilhelm Rust, 1871), 87
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Figura I- 10 Concerto para cravo BVW 1057 (Allegro cc. 59-66)12O 4 Concerto Brandenburgus BWV 1049 (1721) foi convertido no concerto em
F Maior para cravo. A partir do compasso 59 do Allegro inicial (Figura I- 9), o
violino deve tocar r5 durante quatro compassos. Embora esta nota estivesse
disponvel no cravo, a nica maneira de o sustentar durante este nmero de
compassos seria fazendo trillo e este gesto requereria a nota mi5. Outra
situao surge no compasso 63 onde o violino solo toca sol5 num arpejo de
importncia temtica (Figura I- 9).
A transposio para f maior permitiria ao cravo realizar o trillo, contudo seria
necessrio ainda encontrar uma soluo para o sol agudo. Uma vez que o
concerto inteiro no podia ser transposto uma quarta abaixo, Bach coloca o
arpejo na mo esquerda, onde atrai ateno pelo aparecimento como figura
rpida em semicolcheias.
A mesma passagem ocorre novamente 21 compassos antes do final do andamento
e outro mi5 ocorre no compasso 194. Por outro lado, o violino tem mais clareza
que o cravo em oitavas mdias. Em tais casos, Bach coloca frequentemente a
parte de tecla uma oitava acima como meio de compensao como ilustra a
Figura I- 11 e a Figura I- 12. Tais oitavaes em conjunto com a transposio de
tonalidade tornam, segundo Carrell, esta obra mais cravstica aproveitando
assim a regio mais expressiva do instrumento de destino13.
12 J. S. Bach, BachGesamtausgabe Vol XVII (dir. Wilhelm Rust, 1869), 155
13 Howard Shanet, "Why did J.S. Bach transpose his arrangements?", Musical Quartely 36 (1950):
184
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Figura I- 11 Concerto Brandenburgus BVW 1049 - violino (Allegro, cc. 219-226)
Figura I- 12 para cravo BVW 1057 cravo (Allegro cc. 219-226)
Figura I- 13 Extenso BWV1049 (Violino) Figura I- 14 Extenso BWV1057 (Cravo)
1.2.2.2 Adio de vozes
Consiste na alterao do nmero de vozes inferiores e/ou superiores. A obra
para um instrumento solo poder ser transcrita para outro instrumento solo commaior capacidade polifnica ou para mais instrumentos.
a) Expanso de instrumento solo para instrumento solo
Figura I- 15 Fuga BWV1000 (cc.14-17)
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A fuga BWV 1001 para violino, datada de 1720 (Schmieder, Drr, Kobayashi,
1998:411), foi objecto de arranjos para alade (BWV 1000) e rgo (BWV 539). O
primeiro arranjo, para alade de 13 ordens, foi realizado pouco depois do
original para violino ter sido escrito14. A tablatura disponvel desta obra foi
realizada em tablatura francesa por Johann Christian Weyrauch, aluno de
Bach15.
A mesma fuga para violino em sol foi arranjada em 1723 para rgo, dois
manuais e pedal (Schmieder, Drr, Kobayashi, 1998:316).
Figura I- 16 - Extenses utilizadas em BWV1001 e consequentes verses
Apesar da discusso gerada em torno da autoria destes arranjos16, Schulenberg
considera remota a hiptese de um outro compositor/arranjador, que no Bach,ter acrescentado dois compassos em cada nova verso, tendo em conta que as
alteraes e adies no ocorrem nos mesmos lugares (Schulenberg, 2006: 362)
como se pode observar na Figura I- 19.A altura das notas empregues a partir do compasso 14 da verso de violino
(Figura I- 15) evidencia a necessidade da adopo de uma tonalidade diferente
no arranjo para tecla.
14 Norman Carrell, Bach the Borrower (Londres: George Allen & Unwin Ltd, 1967), 32615 Stanley Yates, "Bach's Unaccompanied Cello Music: An Approach to Stylistic and Idiomatic
Transcription for the Modern Guitar". Soundboard, v. 22, n.3, (1996): 9
16 Peter Williams, The Organ Music of J. S. Bach. 2 ed. Vol II (Cambridge: Cambridge University
Press, 2003), 74
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Alm do mais, a proximidade das vozes conforme apresentadas na partitura de
violino e requerida pelo idiomatismo inerente a este instrumento, no poderia
ser sustentada pelo rgo como demonstram as Figura I- 17 e
Figura I- 18 levando Bach a procurar uma tonalidade em que pudesse utilizar
toda a extenso do rgo.
Figura I- 17 entradas vozes Violino Exposio cc. 1-5
Figura I- 18 Entrada de vozes rgo Exposio cc.1-6
As entradas, se reproduzidas no rgo como esto representadas na Figura I- 16,
mantendo a mesma distncia entre as vozes na verso de violino, daria o efeito
de quatro entradas de soprano. A transposio geralmente uma quarta perfeita
abaixo (no uma quinta acima); desta maneira Bach pode, de acordo com
Shanet, espaar as entradas de modo a obter registos diferentes 17 e explorar as
capacidades de mbito do rgo.
A verso de alade comea a diferir da original aps o compasso 2, quando Bach
expe o tema na voz mais grave apenas no alade. Existe uma diferena de um
compasso e meio at que todas as verses apresentem o mesmo texto (Figura I-
19 A1). O ponto de reencontro ocorre na segunda metade do compasso 4 da
17 Howard Shanet, "Why did J.S. Bach transpose his arrangements?", Musical Quartely 36 (1950):
184
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verso de alade e no compasso 3 das verses BWV1001 e BWV539. Existe um
novo desfasamento no compasso 7 da verso de alade, momento em que o
tema aparece novamente na voz inferior (Figura I- 19 A2). Esta citao
temtica reproduzida na verso de rgo, contudo esta apresenta
adicionalmente uma resposta na voz superior porm, no na tnica mas sim na
dominante. Por isso, ao surgir o sujeito no soprano no compasso 6, Bach prepara
o regresso da tnica no compasso 7 da verso de rgo aps a apresentao de
todas as vozes (Figura I- 19 A2a). A verso de violino no contm este episdio
e est novamente encurtada em um compasso.
Bach realiza uma deformao rtmica na verso de alade (Figura I- 19 D1) aoalterar as semnimas das vozes inferiores para valores de semnima pontuada e
colcheia. Adicionalmente, na mesma verso o espaamento intervocal
aumentado do intervalo de dcima (violino) para dcima nona (alade).
Bach acrescenta notas pedal no existentes na verso original nas verses
ulteriores (Figura I- 19 P1 e P2). A partitura de alade apresenta pedais de
fundamental em valores de mnima e a verso de rgo compreende um
acompanhamento semnima nas duas vozes inferiores.
Ritmicamente, verifica-se a mudana do valor de durao das notas. Assim, Bach
apresenta na Figura I- 19 S1 duraes diferentes em todas as verses da nota
superior. A capacidade instrumental de justaposio de vozes varivel,
cabendo ao rgo as maiores possibilidades neste domnio como demonstra a
Figura I- 19V1.
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A1
D1
S1
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Figura I- 19 Fuga BWV 1001 e verses BWV 1000 e BWV 539
A2
A2a
P1
V1
P2
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b) Instrumento solo para formao pluri-instrumental
Figura I- 20 Courante BWV1025 18 e Courante WD 22 19 cc.1-6
Johann Sebastian Bach transcreveu a Suite WD22 de Silvius Leopold Weiss como
Suite em L Maior BWV 1025 para violino e cravo. A suite de Weiss composta
por Entre, Currante (sic), Rondeau, Sarabande, Menuet e Allegro. Bach incluiu
uma Fantasia e os restantes andamentos so de Weiss, Courante, Entre,
Rondeau, Sarabande, Menuet e Allegro.
A partitura de alade foi transcrita para cravo e Bach escreveu uma nova linha
para a parte de violino. Os compassos iniciais da Courante (Figura I- 20)
demonstram um tratamento imitativo da figura inicial da obra (indicada por
chaveta). Bach repete, nos primeiros seis compassos, trs vezes a figura de
quatro notas. A segunda apresentao encontra-se estendida para seis notas e
segue a lgica de arpejo inicial. O quinto e sexto compassos so uma
antecipao e aumentao da linha de cravo/alade.
Os andamentos Courante, Entre, Sarabande, Menuet, tm tratamento imitativo
semelhana da figura acima apresentada. Para o quarto andamento (Rondeau)
18 J. S. Bach, BachGesamtausgabe Vol IX (dir. Wilhelm Rust, 1860), 46
19 S. L Weiss, Suonata del Sigre S. L. Weiss, Manuscrit de Dresden, Verso electrnica:
http://pagesperso-orange.fr/jdf.luth. (acedido em Abril de 2009)
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e o ltimo (Allegro), Bach escreveu, para o violino, um acompanhamento
baseado na harmonia, de padro rtmico repetido, como ilustra a Figura I- 21.
Figura I- 21 Allegro BWV 1025 e Allegro WD22
Um exemplo complementar de adio vocal existe no arranjo BWV1044 da trio-
sonata BVW 527. Ao reutilizar o segundo andamento desta obra para o Triplo
Concerto, Bach dispersou as duas vozes superiores do rgo da frase inicial para
a flauta e voz superior do cravo. Neste momento, o violino executa um
acompanhamento em pizzicati, inexistente na partitura original, seguindo opercurso harmnico.
O ltimo compasso da voz inferior das Figura I- 22 e Figura I- 23, apresenta um
exemplo adicional de permutao pontual como descrito na pgina 37.
Figura I- 22 Trio Sonata BWV 527, Adagio e dolce20
20 J. S. Bach, BachGesamtausgabe Vol XV (dir. Wilhelm Rust, 1867), 32
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Figura I- 23 Triplo Concerto BWV 1044 21
1.2.2.3 Supresso de vozes
Consiste na omisso de vozes pertencentes partitura original. Pode ocorrer em
toda a obra ou em episdios seleccionados. As vozes internas so suprimidas
ficando o soprano e baixo.
Figura I- 24 Concerto BWV 592/1 cc.1-5 22
Figura I- 25 Concerto BWV 592a/1 cc.1-5 23
21 J. S. Bach, BachGesamtausgabe Vol XVII (dir. Wilhelm Rust, 1869), 248
22 J. S. Bach, BachGesamtausgabe Vol XXXVIII (dir. Ernst Naumann, 1891), 149
23 J. S. Bach, BachGesamtausgabe Vol XLII (dir. Ernst Naumann, 1894), 322
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O arranjo do concerto para violino em sol maior do Prncipe Johann Ernst de
Sachsen-Weimar, primeiramente arranjado para rgo (manualiter e pedaliter)
e seguido de uma verso para cravo, suprime elementos vocais da obra original,
composta por violino principale, ripieno e basso continuo. Exceptuando os
momentos imitativos de tutti a verso BWV592a, suprime os elementos vocais
internos da BWV592. A verso de cravo reduz a duas vozes as quatro presentes
na partitura de rgo.
1.2.2.4 Diminuio
A diminuio (do ingls diminution) uma prtica usada no contexto da
ornamentao improvisada onde notas longas so substitudas por notas de
durao inferior24. Bach um dos primeiros compositores a escrever por extenso
os ornamentos que entendia como necessrio25, algo fortemente criticado por
Scheibe (Wanda Landowska exemplifica em Musique Ancienne, o segundo
andamento do Concerto Italiano BWV 971 sem ornamentao escrita26).
Figura I- 26 Sonata BWV 1039 Presto27
24 Greer Garden e Robert Donington, "Diminution". Grove Music Online.
http://www.oxfordmusiconline.com (acedido em Junho de 2009)
25 Hans David e Arthur Mendel, The New Bach Reader (Nova Iorque: W. W. Norton & Company,
1999), 33826 Wanda Landowska, Musique Ancienne (Paris: Ed. Maurice Snart, Paris, 1921), 186. Verso
electrnica: http://ww.archive.org.
27 J. S. Bach, BachGesamtausgabe Vol IX (dir. Wilhelm Rust, 1860), 270
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Figura I- 27 Sonata BWV 1027 Allegro Moderato28A Sonata BWV 1039 para duas flautas e contnuo de 1726 (Schmieder, Drr,
Kobayashi, 1998:423) foi transcrita como Sonata para viola da gamba e cravo
BWV 1027 em 1742 (Schmieder, Drr, Kobayashi, 1998:419). A primeira partitura
(Figura I- 26) apresenta um baixo contnuo com figuras rtmicas semelhantes s
clulas que constituem o incio do tema principal. O arranjo posterior (Figura I-
27) recorre escrita de port de voix (Accent na Explicatio de J. S. Bach) para
um maior preenchimento entre as notas escritas da voz inferior. A diferena
entre as indicaes de tempi denota a flexibilidade assumida com a transfonao
instrumental.
1.2.2.4.1 Ornamentao Compensatria
Este processo consiste no enriquecimento ornamental de notas longas que o
instrumento de destino no tem possibilidade de sustentar atravs de actividade
no apresentada no texto original.
Figura I- 28 Concerto BWV 1042, Allegro (Violino principale) cc. 117-19
28 J. S. Bach, BachGesamtausgabe Vol IX (dir. Wilhelm Rust, 1860), 184
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Figura I- 29 Concerto BWV 1054, Allegro (Cembalo) cc. 117-19
A Figura I- 29 demonstra a incluso de elementos de ornamentao para suster
notas longas (Figura I- 28), como viria a ser posteriormente defendido por C. P.
E. Bach no seu Versuch29:
" (...) diesen Mangel nicht empfinden, ebenfalls nur felten die langenNoten ohne Zierrathen vortragen drfen, um keine Ermdung undschlfrigkeit blicken zu lassen, und da ben unserm Instrumente dieserMangel vorzglich durch verschiedene Hlsmittel ()
Considerado o sustain do instrumento de C. P. Bach e a guitarra actual, a
ornamentao um procedimento a incluir na interpretao com os propsitos
demonstrados anteriormente. No exemplo apontado, Bach escreve um trillo na
mediante com a durao de 4 tempos.
Figura I- 30 Concerto BWV 1042, Allegro, cc. 31-33 30
29 "[os msicos] no esto autorizados a tocar notas longas sem ornamentos, de modo a no
deixar perceber fadiga nem sonolncia, e no nosso instrumento, esta lacuna encontra-se
suficientemente substituda por diversos recursos()" (traduo do autor)
Carl Philipp Emanuel Bach, Versuch ber die wahre Art das Klavier zu spielen. ed. Walter
Niemann (Leipzig: C. F. Kahnt, 1906), 83 Verso electrnica: http://ww.archive.org.
B1
A
B2
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J. S. Bach utiliza igualmente a tiratta (Figura I- 31 quadro A e Figura I- 30
quadro A) como processo pontual para equilibrar a falta de sustentao sonora
do cravo. Segundo Neumann, esta forma de ornamentao, denominada tiratta
pelos italianos, aparece tambm nos franceses como coulade e Pfeil pelos
alemes e distingue-se do port de voixdouble, por conter quatro, cinco ou mais
notas31. Bach recorre a esta forma ornamental para assinalar entradas de voz
solista e esta ornamentao funciona como guia at melodia que decorre
igualmente no ripieno.
Figura I- 31 Concerto BWV 1054, cc. 31-33 32
A Cantata BWV 169 de 1726 (Schmieder, Drr, Kobayashi, 1998:169) foi
arranjada como Concerto em Mi Maior BWV 1053 de 1738 (Schmieder, Drr,
Kobayashi, 1998:428). A transposio, de r para mi maior, um dos escassos
exemplos de transposio ascendente na obra de Bach33. A recaracterizao, de
Cantata para Concerto, favoreceu a incluso de processos como trillos, grupetti,
tirces coules e tiratte como ilustra aFigura I- 32 e Figura I- 33.
30 BACH , J. S. BachGesamtausgabe Vol XXI (dir. Wilhelm Rust); 1874, p. 23
31 Frederick Neumann, Ornamentation in baroque and post baroque music. (Princeton: Princeton
University Press, 1983), 203-20432 J. S. Bach, BachGesamtausgabe Vol XVII (dir. Wilhelm Rust, 1869), 84
33 Howard Shanet, "Why did J.S. Bach transpose his arrangements?", Musical Quartely 36 (1950):
197
A
B1B2
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Figura I- 32 Cantata BWV 169 Sinfonia cc. 12-15
Figura I- 33 Concerto BWV 1053 Allegro cc12-15
1.2.2.5 Simplificao
A simplificao consiste na supresso de notas pertencentes a progresses
meldicas ou elementos ornamentais.
Figura I- 34 Sonata BWV 1039 Presto34
Figura I- 35 Sonata BWV 1027a35
34 J. S. Bach, BachGesamtausgabe Vol IX (dir. Wilhelm Rust,1860), 270
35 J. S. Bach, Orgelwerke Band IX (Frankfurt: Edition Peters, 1940), 8
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O quarto andamento da Sonata BWV 1039 para duas flautas e contnuo de 1726
foi igualmente arranjado para rgo como Trio em sol maior BWV 1027a.Bach
eliminou as notas de passagem na voz do pedal e no reproduz o ritmo
caracterstico de duas colcheias do tema. Hermann Keller aponta a dificuldade
tcnica como motivo para a simplificao do acompanhamento do pedal36.
1.2.2.6 Intervalao
Consiste na alterao de uma sucesso de notas em unssono para uma sequncia
que apresenta outras notas presentes posteriormente na partitura. A ttulo
exemplificativo, a sequncia de notas A A B B ser alterada para A B A B, para
maior convenincia idiomtica.
Figura I- 36 a) Concerto Johann Ernst b) arranjo rgo c) arranjo cravo (J.S.Bach)
36 J. S. Bach, Orgelwerke Band IX (Frankfurt: Edition Peters, 1940), iii
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No registo agudo, observa-se mutao da sequncia intervalar na partitura
original do concerto em Sol maior do Prncipe Johann Ernst e o seu arranjo para
tecla, rgo e cravo, como ilustra a Figura I- 36. As notas repetidas so
substitudas por sequncias de oitavas ou notas pertencentes harmonia.
Adicionalmente, a Figura I- 31, apresenta procedimentos transcricionais de
adaptao idiomtica (Quadros B1 e B2). O Quadro B1 indica uma alterao
rtmica do motivo apresentado na partitura original no Continuo, passando a
executar colcheias em vez de semicolcheias. O Quadro B2 (Figura I- 31)
exemplifica uma intervalao dos unssonos escritos no concerto para violino.
Tal cmbio de padres rtmicos e sucesses intervalares, perfilha osprocedimentos apontados por Heinichen no seu tratado General Bass in der
Compositionen de 1728, como ilustrado pela Figura I- 37.
Figura I- 37 Figuraes com boa sonoridade no cravo segundo Heinichen37
37 Robert Donington, Baroque Music: Style and Performance (Nova Iorque: W. W. Norton &
Company, 1982), 158
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1.2.2.7 Transgradao pontual
Consiste numa deformao ocasional de motivo ou clula em que a nota original
substituda por uma nota prximo pertencente harmonia e no mbito doinstrumento de destino.
Figura I- 38 Fuga BWV1001 c. 40 Figura I- 39 Fuga BWV 1000 c.42
A Fuga BWV 1001 para violino solo aproveita o maior mbito agudo deste
instrumento em relao ao alade e sua verso BWV 1000. (ver Figura I- 16). A
partitura BWV 1000 altera a nota f5 presente na partitura de violino. Esta
mudana por imposio tcnica, para uma terceira menor inferior, mantm a
harmonia pertencente Fuga original (Figura I- 38).
Em contraste, o Concerto BWV 1043 para dois violinos de 1730 (Schmieder, Drr,
Kobayashi, 1998:425), apresenta uma alternativa, caso o registo grave seja
limitado perante a ideia musical. A Figura I- 40, apresenta no violino concertato
II, uma resposta em movimento contrrio do tema principal, presente nos dois
primeiros tempos do compasso. O percurso de cinco notas, com o mbito de 5
perfeita, no possvel no compasso 31, sendo a nota final subida para se
integrar o mbito do violino.
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Figura I- 40 BWV 1043/1 cc.30-31
Figura I- 41 BWV 1043/1 cc.69-70 39
Durante a reexposio (Figura I- 40), Bach apresenta a inverso do tema
principal sem alteraes, na voz do violino concertato I. Bach arranjou este
concerto para dois cravos em 1736 (Schmieder, Drr, Kobayashi, 1998:431) e
nesta partitura, o movimento contrriono requer, graas maior extenso do
mbito grave, alterao da nota final (Figura I- 42).
39 BACH , J. S. BachGesamtausgabe Vol XXI(1) (dir. Wilhelm Rust); 1874, p. 43
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Figura I- 42 Concerto BWV 1062/1 Cembalo II cc. 30-33 39
Um exemplo adicional de transgradao no registo grave surge no Adagio do
Concerto BWV 1064. A homofonia dos segundos e terceiros tempos dos
compassos 31 a 33 interrompida pela inexistncia de f2 no violino.
Consequentemente, Bach usa uma nota prxima de sol pertencente harmonia
de f maior.
Figura I- 43 Concerto BWV1064 Adagio - Ripieno cc. 31-3340
1.2.2.8 Variao tessitural
Consiste na alterao de notas para que a nova sequncia seja mais idiomtica
sem perder o seu contedo. Pode ocorrer sob a forma mais simples de criao de
oitavas a partir de unssonos, at variaes elaboradas.
39 J. S. Bach, BachGesamtausgabe Vol XXI(2) (dir. Wilhelm Rust, 1874), 86
40 J. S. Bach, BachGesamtausgabe Vol XXXI(3) (dir. Alfred Drffel,1885), 81-82
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Figura I-44 Concerto BWV 1042 Allegro - Violino Concertato, B.C. cc. 41-45 41
Figura I- 45 Concerto BWV 1054/1 - Cembalo cc. 41-45 42
A transcrio do Concerto BWV 1042 para violino e orquestra para cravo e
orquestra (BWV 1054) comportou adequaes idiomticas da composio original
face ao instrumento de destino. Analogamente ao processo de enriquecimento
da articulao ilustrado por Heinichen (Figura I- 37-c/d) no tratamento dos
baixos, Bach segue o referido mtodo de intervalao na voz superior como
ilustram as Figura I-44 e Figura I- 45.
As Figura I-44 e Figura I- 45 exemplificam como o compositor integra a voz
pertencente ao Basso Continuo de BWV 1042 na voz inferior de tecla. As
transies, na partitura original com violino concertato e basso continuo
dispensam, no arranjo, a presena de acompanhamento de ripieno. Bach, no
exemplo concertante supra-citado, preenche o texto acompanhador com coules
e reforos harmnicos por movimento contrrio voz superior (Figura I- 45
cc.43-44,3 e 4 tempos).
Adicionalmente, Bach escreve para tecla, variantes livres para transies onde
valoriza a natureza meldica e harmnica da verso original de violino como
observvel na Figura I- 46 e Figura I- 47.
41 J. S. Bach, BachGesamtausgabe Vol XXI (dir. Wilhelm Rust, 1874), 23
42 J. S. Bach, BachGesamtausgabe Vol XVII (dir. Wilhelm Rust, 1869), 85
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Figura I- 46 Concerto BWV 1042 Allegro cc.57-59
Figura I- 47 Concerto BWV 1054/1 - Cembalo cc. 57-59
A prtica e escrita de variaes livres consequentemente, demonstrativa da
independncia permissvel com vista a adequar idiomaticamente o arranjo.
Johann Joachim Quantz descreve no seu tratado Versuch einer Anweisung die
Flte traversiere zu spielen43, modelos de variao paradigmticos para uma
possvel reformulao das linhas meldicas originalmente apresentadas. Estes
modelos exemplificativos consistem na apresentao de variaes sobre grupos
de duas a cinco notas com intervalos simples. A consulta deste captulo de
Quantz permite a elaborao de alternativas a sequncias meldicas que no se
adeqem idiomaticamente guitarra. De notar que as variaes deste gnero,
realizadas por Bach, acontecem apenas em transies.
1.2.2.9 Oitavao no compensada
a) Oitavao Fracturante de MotivoConsiste na oitavao parcial de um motivo em simultaneidade com ritmos
sincopados e intervalos consonantes.
43 Johann Joachim Quantz, On Playing the Flute. Trad. Edward Reilly, 2 ed. (Boston:
Northeastern University Press, 2001), 136-161
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Figura I- 48 Cantata BWV 76/8 Sinfonia (obo damore) cc.24-33 44
Figura I- 49 Sonata IV BWV 528 Adagio - cc.25-33 45
As Figura I- 48 e Figura I- 49, apresentam a linha de obo damore, pertencente
Sinfonia da Cantata BWV 76 de 1723 (Schmieder, Drr, Kobayashi, 1998:79) e o
arranjo de Bach sob a forma de trio sonata, datado de 1730 (Schmieder, Drr,
Kobayashi, 1998:311). A formao instrumental exigida na Sinfonia introdutria composta por obo damore, viola da gamba e contnuo, sendo o mbito do
obo damore barroco confinado s notas entre l2 e si446. Para um maior
espaamento e distino entre as duas vozes superiores do rgo, Bach
aproveita, em BWV 528, os momentos rtmicos sincopados e intervalos de 5 e 8
como plataforma de oitavao.
A sonata para duas flautas e contnuo BWV 1039 de 1727 (Schmieder, Drr,
Kobayashi, 1998:423) foi arranjada como sonata para viola da gamba e cembalo
BWV 1027 em 1742 (Schmieder, Drr, Kobayashi, 1998:419). A extenso usada
44 J. S. Bach, BachGesamtausgabe Vol XVIII (dir. Wilhelm Rust, 1870), 221-22245 J. S. Bach, BachGesamtausgabe Vol XV (dir. Wilhelm Rust1867), 4146 John William Denton. "The Use of Oboes in the Church Cantatas of Johann Sebastian Bach."
Dissertao D.M.A. Eastman School of Music, 1977.
http://idrs.colorado.edu/Publications/Journal/JNL6/bach.html (consulta em Maio de 2007)
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pelas flautas de r3-r5 e a extenso de gamba d2-r4. Bach, considerando a
nota mais grave da viola de gamba, tem a possibilidade de reproduzir o gesto
caracterstico do tema principal, salto de oitava, como ilustra a Figura I- 51 algo
que no sucede na obra para flauta.
Figura I- 50 Sonata BWV 1039 Presto, Flauto Traverso II - cc. 92-101 47
Figura I- 51 Sonata BWV 1027 Allegro moderato, Viola da Gamba - cc.92-101 48
b) Oitavao no fracturanteA oitavao ocorre em momentos de respirao, o que no quebra a
apresentao cabal de cada motivo, frase ou perodo.
Figura I- 52 BWV 1039 Presto, Flauto Traverso II - cc. 86-91
Figura I- 53 Sonata BWV 1027 Allegro moderato, Viola da Gamba - cc. 86-91
Os exemplos acima apresentados (Figura I- 52 e Figura I- 53) ilustram a oitavao
aps silncio de 9 tempos. A apresentao do tema na subdominante requereria
a nota d3, no presente no registo da flauta. A oitavao pode surgir em pausas
mais curtas como demonstra o quinto compasso da Figura I- 54 e Figura I- 55. No
exemplo seguinte, a oitavao foi realizada aps concluso do antecedente.
47 J. S. Bach, BachGesamtausgabe Vol IX (dir. Wilhelm Rust, 1860), 272
48 J. S. Bach, BachGesamtausgabe Vol IX (dir. Wilhelm Rust, 1860), 187
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Figura I- 54 Cantata BWV 11/4 cc.1-7 49
Figura I- 55 Missa em si menor BWV 232 Agnus Dei cc.1-8 50
1.2.2.11 Oitavao preparada
A oitavao preparada se recorre a elementos ornamentais para dirigir a voz
ao registo desejado. Pode ser realizado por intermdio de passagi, tiratte ou
consonncias ornamentais.
49 J. S. Bach, BachGesamtausgabe Vol II (dir. M. Hauptmann, 1852), 28
50 J. S. Bach, BachGesamtausgabe Vol VI (dir. M. Hauptmann, 1856), 292
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a) Oitavao com recurso a consonncia ornamentalA oitavao realiza-se com uma nota ornamental consonante a dirigir a linha
para o novo registo onde se desenrolar a frase.
Figura I- 56 Sonata BWV 527/2 - cc.12-15 51
Figura I- 57 Triplo Concerto BWV 1044/2, Cembalo - cc.20-23 52
Bach arranjou o segundo andamento da Sonata BWV 527 em f maior para o
Adagio ma non tanto e dolce em d maior do Triplo Concerto BWV 1044. Apesar
da distncia entre as tonalidades de ambas as verses, as vozes superiores no
necessitam de procedimentos de oitavao pois os instrumentos destinatrios
compreendem no seu registo as notas requeridas.
Ao contrrio, a voz grave do cembalo (Figura I- 57) altera a sua relao
intervalar com o pedale de BWV 527 (Figura I- 56). A voz grave de 1044 est
transposta a uma distncia de 4 ou 5 perfeita: as Figura I- 56 e Figura I- 57
representam um momento da mudana entre os intervalos mencionados. A
passagem da relao de 5 para 4 perfeita, com intuito provvel de criao de
um maior espaamento inter-vocal, ocorre aps o salto de oitava sincopado. Esta
51 J. S. Bach, BachGesamtausgabe Vol XV (dir. Wilhelm Rust, 1867), 32
52 J. S. Bach, BachGesamtausgabe Vol XVII (dir. Wilhelm Rust, 1869), 249
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consonncia ornamental funciona como elemento conectivo entre as diferentes
oitavas.
b) Oitavao com arpeggio invertidoConsiste na alterao do sentido do arpejo para que a nota de destino se
enquadre no mbito do instrumento de destino e manter o gesto rtmico original.
Figura I- 58 Concerto BWV 1041 Violino Concertato cc.13-15 53
Figura I- 59 Concerto BWV 1058/2 Cembalo cc.13-15 54
Em geral, no acto de arranjo, Bach transporta o carcter virtuoso de uma obra
original para o seu instrumento de destino do arranjo, mesmo se as exigncias
momentneas ou inerncias tessiturais do instrumento solicitam a mutao da
figura original55.
O Concerto BWV 1041 para violino em l menor foi transposto e arranjado como
o Concerto BWV 1058 para cravo em sol menor. Esta transposio descendente
visou permitir a reproduo de gestos no registo agudo. Sem a transposio
descendente, as possibilidades do cravo estariam limitadas, aps considerao
das notas mais agudas escritas em BWV1041.
53 J. S. Bach, BachGesamtausgabe Vol XXI (dir. Wilhelm Rust, 1874), 9-1054 J. S. Bach, BachGesamtausgabe Vol XVII (dir. Wilhelm Rust, 1869), 208
55 Howard Shanet, "Why did J.S. Bach transpose his arrangements?", Musical Quartely 36 (1950):
186
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A Figura I- 58, apresenta um arpejo ascendente que culmina na nota sol5. Bach,
escreve este motivo em movimento contrrio (Figura I- 59), pois o registo
empregue em BWV 1058 compreende d1 a r5. A alterao do sentido do arpejo
no modifica assim o carcter rtmico e cadencial.
c) Permutao PontualConsiste na oitavao pontual de uma nota e alterao da sequncia
originalmente apresentada no motivo56.
Figura I- 60 Antonio Vivaldi op.7/II n.2 Allegro Assai cc. 22-25 57 Violino principale/BassoContinuo
Figura I- 61 Concerto BWV 973/1 cc.22-25 58
Figura I- 62 Antonio Vivaldi op.7/II n.2 Allegro Assai cc. 49-51 Violino principale/BassoContinuo
56 Leon Stein, Structure & Style, The study and analysis of musical forms, expanded editon
(Miami: Summy-Birchard Inc., 1979), 8
57 J. S. Bach, BachGesamtausgabe Vol XLII (dir. Ernst Naumann, 1894), 295
58 J. S. Bach, BachGesamtausgabe Vol XLII (dir. Ernst Naumann, 1894),66
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Figura I- 63 BWV 973/1 cc.49-51
Para as transcries que Bach elaborou especificamente para tecla, deve-se ter
em conta a expanso do ambitus destes instrumentos de tecla durante o perodo
de vida de Bach. Nas suas obras de juventude, como a colectnea de arranjos
BWV 972-987, circa 1713-1714 (Schmieder, Drr, Kobayashi, 1998:400), Bachraramente ultrapassa d 3, mas as ltimas composies j recorrem a r 3 e, em
raras instncias, notas ainda mais altas. Leia-se a respeito deste assunto Jakob
Adlung:
Aps o tempo de Praetorius o teclado do rgo mudou muito e estamudana tambm teve lugar nos outros instrumentos de tecla, comoclavicrdios que durante longo tempo tinham sido feitos de d1 a d5com todos os semitons, ou melhor, com todas as notas cromticas.
Gradualmente o teclado foi sendo ampliado ainda mais: para cima, muitopouco, talvez at r5 (contudo muito raramente); para baixo, noentanto, muitas mais teclas foram inseridas () muitas vezes perfazendo5 oitavas.59
As Figura I- 60 a Figura I- 623 ilustram as solues adoptadas por Bach para
compensar o limite de mbito perante a tessitura usada por Vivaldi. A nota r5
substituda por r4 aps reorganizao momentnea da melodia, onde Bach
recorreu ao intervalo de 4 para incluir esta nota.
59 Jakob Adlung, Musica Mechanica Organoedi, 1786, II, 573 in Howard Shanet, "Why did J.S. Bach
transpose his arrangements?", Musical Quartely 36 (1950): 181 (traduo do autor)
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Figura I- 64 Concerto BWV1053/1 Cembalo cc.109-112 60
Figura I- 65 Cantata BWV 169 Sinfonia, Organo obligatto cc.109-112 61
A Sinfonia introdutria da Cantata BWV 169 apresenta uma nica vez a nota d#
na partitura do organo obligatto. A transcrio ascendente de r para mi maior,
procura aproveitar a extenso disponvel no cravo (mbito usado: si-1 a d#5) e
adicionalmente com esta transposio dar mais fulgor ao timbre.
A inexistncia de r#5 no cembalo impede uma transposio exacta da linha
meldica original (Figura I- 65) para a verso de concerto. Bach oitava
pontualmente a primeira nota de cada grupo de quatro semicolcheias, mantendo
o ostinatto na sua oitava original como demonstra a Figura I- 64.
d) Oitavao compensada ritmicamenteA oitavao realizada em simultaneidade com diminuio rtmica. A
diminuio factor de interesse e simultaneamente diminui o efeito de
mudana de registo.
Figura I- 66 Concerto BWV 1041 Allegro assai, Violino concertato cc. 80-82 62
60 J. S. Bach, BachGesamtausgabe Vol XVII (dir. Wilhelm Rust, 1869), 54
61 J. S. Bach, BachGesamtausgabe Vol XXXIII (dir. Ernst Naumann, 1886), 178
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Figura I- 67 Concerto BWV 1058 Allegro assai, Cembalo cc.80-82 63O Concerto BWV 1041 para violino e cordas de 1717 (Schmieder, Drr, Kobayashi,
1998:424) foi transcrito em 1738 por Bach para cravo e cordas (Schmieder, Drr,
Kobayashi, 1998:428). O Allegro assai deste concerto (Figura I- 66), apresenta
um f5 na parte solista. Bach, mesmo com a transposio para sol menor no
possua no cravo o mib necessrio, pois o registo usado pelo cembalo alcana or5.
Portanto, baixa uma oitava este mib, e, como observa Shanet, introduz uma
figurao mais rpida para manter o interesse e compensar a perda da nota
aguda e simultaneamente preparar o uso posterior de semicolcheias do compasso
8264(Figura I- 67).
62 J. S. Bach, BachGesamtausgabe Vol XXI (dir. Wilhelm Rust, 1874), 15-1663 J. S. Bach, BachGesamtausgabe Vol XVII (dir. Wilhelm Rust, 1870), 216
64 Howard Shanet, "Why did J.S. Bach transpose his arrangements?", Musical Quartely 36 (1950):
183
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Concluso
Os processos descritos sero seguidamente sintetizados por demonstraes que
representam um instrumento original imaginrio e um instrumento de destino do
arranjo, igualmente imaginrio. Estes instrumentos tm registos e capacidades
diferentes entre si e a permutabilidade processual possvel quando indicada
(por seta de duplo sentido).
A utilizao dos processos dever, no entanto, pautar-se por um uso moderado.
O excessivo recurso a estas transformaes poder implicar a alterao do valor
original da obra. O transcritor deve esgotar primeiramente o seu leque de
digitaes ou caso necessrio procurar novas maneiras de executar o texto
original. Apenas posteriormente dever efectuar alteraes.
A anlise realizada demonstra como o uso de processos simplificativos ocorre
maioritariamente na voz inferior. A conexo auditiva encontra-se, pernatura,
mais facilmente ligada ao registo superior e as alteraes processuais podero
prejudicar o lirismo associado obra. Se, e de acordo com Leo Brouwer nas suas
masterclasses, a msica se divide em dana ou em canto, as alteraes devero
ser mnimas em obras de ndole lrica. As obras de carcter intrinsecamentertmico podero sofrer maior nmero de mudanas com vista a conservar a
natureza rtmica da obra. Em obras de construo imitativa, as alteraes feitas
em motivos caractersticos (tema, contra-tema) devero ser evitadas. A
diminuio ou simplificao dever, sempre que possvel, ter em conta a
dinmica originalmente escrita pelo compositor. A relao entre dinmica e
reiterao de nota dever ser proporcional, i. e. forte dever ter um maior
nmero de repeties que piano.Os processos apresentados podero igualmente ser usados por compositores no-
guitarristas para maior idiomatismo das suas obras.
O transcritor um agente de transmisso e consequentemente, a primazia
dever recair sobre a obra e compositor, merecedores de respeito supremo.
Cabe, finalmente, ao transcritor julgar, o mais honestamente possvel, a relao
entre a obra original e a credibilidade da sua transcrio.
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Captulo I Tcnica de Arranjo de Johann Sebastian Bach
a) Transposio: adequao de tonalidade ao instrumento de destino
c) Adio/Supresso vocal
d) Alterao de espaamento vocal (Expanso/contraco)
e) Simplificao/Diminuio: Supresso de notas de passagens ou adio dasmesmas para proporcionar carcter solista e demonstraes devirtuosismo
b) Deslocao Tessitur
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