2. REVISTA ESPRITA Jornal de Estudos Psicolgicos Contm: O
relato das manifestaes materiais ou inteligentes dos Espritos,
aparies, evocaes, etc., bem como todas as notcias relativas ao
Espiritismo. O ensino dos Espritos sobre as coisas do mundo visvel
e do invisvel; sobre as cincias, a moral, a imortalidade da alma, a
natureza do homem e o seu futuro. A histria do Espiritismo na
Antigidade; suas relaes com o magnetismo e com o sonambulismo; a
explicao das lendas e das crenas populares, da mitologia de todos
os povos, etc. Publicada sob a direo de ALLAN KARDEC Todo efeito
tem uma causa. Todo efeito inteligente tem uma causa inteligente. O
poder da causa inteligente est na razo da grandeza do efeito. ANO
SEGUNDO 1859 TRADUO DE EVANDRO NOLETO BEZERRA FEDERAO ESPRITA
BRASILEIRA
3. SumrioSEGUNDO VOLUME ANO DE 1859 JANEIRO S. A. o Prncipe G.
11 Sr. Adrien, Mdium Vidente 20 O Louquinho de Bayonne 25 Conversas
Familiares de Alm-Tmulo: Chaudruc-Duclos 35 Digenes 38 Os
Anjos-da-Guarda 41 Uma Noite Esquecida Frdric Souli (cont.) 43
Aforismos Espritas 49 Sociedade Parisiense de Estudos Espritas
Aviso 50 FEVEREIRO Escolhos dos Mdiuns 51 Os Agneres 61 Meu Amigo
Hermann 68 Espritos Barulhentos. Como se Livrar Deles 74
4. Dissertao de Alm-Tmulo A Infncia 77 Correspondncia Carta do
Dr. Morhry 80 Uma Noite Esquecida Frderic Souli concluso 82 MARO
Estudo Sobre os Mdiuns 89 Mdiuns Interesseiros 94 Fenmeno de
Transfigurao 96 Diatribes 101 Conversas Familiares de Alm-Tmulo:
Paul Gaimard 104 Sra. Reynaud 110 Hitoti, Chefe Taitiano 117 Um
Esprito Travesso 120 Plnio, o Moo 123 ABRIL Quadro da Vida Esprita
131 Fraudes Espritas 143 Problema Moral Os Canibais 146 A Indstria
Dissertao 149 Conversas Familiares de Alm-Tmulo: Benvenuto Cellini
150 Girard de Codemberg 158 Sr. Poitevin, Aeronauta 160
5. Pensamentos Poticos 167 Sonmbulos Assalariados 168 Aforismos
Espritas e Pensamentos Avulsos 169 Aviso 170 MAIO Cenas da Vida
Privada Esprita 171 Msica de Alm-Tmulo: Mozart 187 Chopin 188
Mundos Intermedirios ou Transitrios 191 Ligao Entre Esprito e Corpo
193 Refutao de um Artigo do Univers 196 O Livro dos Espritos Entre
os Selvagens 208 Aforismos Espritas e Pensamentos Avulsos 211 JUNHO
O Msculo Estalante 213 Interveno da Cincia no Espiritismo 225
Conversas Familiares de Alm-Tmulo: Humboldt 232 Goethe 240 O negro
pai Csar 243 Variedades: Princesa de Rbinine 245
6. JULHO S.P.E.E. Discurso de Encerramento do Ano Social 255
Boletim da Sociedade Parisiense de Estudos Espritas 274 Conversas
Familiares de Alm-Tmulo: Notcias da Guerra 275 O Zuavo de Magenta
276 Um Oficial Morto em Magenta 283 Resposta Rplica do Abade
Chesnel no Univers 287 Variedades: Lorde Castlereagh e Bernadotte
290 O Que o Espiritismo? Nova obra do Sr. Allan Kardec 294 AGOSTO
Mobilirio de Alm-Tmulo 297 Pneumatografia ou Escrita Direta 309 Um
Esprito Servial 316 O Guia da Sra. Mally 322 Conversas Familiares
de Alm-Tmulo: Voltaire e Frederico 327 Boletim da Sociedade
Parisiense de Estudos Espritas 333 Ao Sr. L..., de Limoges 340
SETEMBRO Processos para Afastar os Espritos Maus 341 Confisso de
Voltaire 353
7. Conversas Familiares de Alm-Tmulo: Um Oficial do Exrcito da
Itlia 362 O General Hoche 364 Morte de um Esprita 368 Tempestades
Papel dos Espritos nos Fenmenos Naturais 375 Intimidade de uma
Famlia Esprita 377 Aforismos Espritas e Pensamentos Avulsos 380
OUTUBRO Os Milagres 381 O Magnetismo Reconhecido pelo Poder
Judicirio 386 Mdiuns Inertes 394 Boletim da Sociedade Parisiense de
Estudos Espritas 399 Sociedade Esprita no Sculo XVIII 409 Conversas
Familiares de Alm-Tmulo: O Pai Crpin 412 Sra. E. de Girardin, Mdium
416 As Mesas Volantes 419 NOVEMBRO Deve-se Publicar Tudo Quanto
Dizem os Espritos? 423 Mdiuns sem Saber 427 Urnia Fragmentos de um
Poema Esprita 430
8. Swedenborg 437 A Alma Errante 447 O Esprito e o Jurado 449
Advertncias de Alm-Tmulo: O Oficial da Crimia 452 Os Convulsionrios
de Saint-Mdard 455 Observao a Propsito da Palavra Milagre 459 Aviso
460 DEZEMBRO Resposta ao Sr. Oscar Comettant 461 Efeitos da Prece
469 Um Esprito Que No se Acredita Morto 475 Doutrina da Reencarnao
entre os Hindus 480 Conversas Familiares de Alm-Tmulo: Sra. Ida
Pfeiffer 483 Privat d'Anglemont 494 Dirkse Lammers 498 Michel
Franois 500 Comunicaes Espontneas obtidas em sesses da Sociedade
502 Um Antigo Carreteiro 510 Boletim da Sociedade Parisiense de
Estudos Espritas 515 Os Convulsionrios de Saint-Mdard 532 Aforismos
Espritas e Pensamentos Avulsos 534 Nota Explicativa 537
9. Revista Esprita Jornal de Estudos Psicolgicos ANO II JANEIRO
DE 1859 No 1 S. A. Prncipe G. Prncipe, Vossa alteza concedeu-me a
honra de dirigir-me vrias perguntas relativas ao Espiritismo.
Tentarei respond-las at onde o permita o estado dos conhecimentos
atuais sobre a matria, resumindo, em poucas palavras, o que o
estudo e a observao nos ensinaram a respeito. Essas questes
repousam sobre os prprios princpios da Cincia; para dar mais
clareza soluo, necessrio ter em mente esses princpios. Permiti-me,
pois, considerar o assunto de um plano um pouco mais elevado,
estabelecendo como preliminares certas proposies fundamentais que,
alis, serviro de respostas a algumas de vossas indagaes. Fora do
mundo corporal visvel existem seres invisveis, que constituem o
mundo dos Espritos. Os Espritos no so seres parte, mas as prprias
almas dos que viveram na Terra ou em outras esferas, e que se
despojaram de seus invlucros materiais.
10. REVISTA ESPRITA Os Espritos apresentam todos os graus de
desenvolvimento intelectual e moral. Conseguintemente, os h bons e
maus, esclarecidos e ignorantes, levianos, mentirosos, velhacos,
hipcritas, que procuram enganar e induzir ao mal, da mesma forma
como os h superiores em tudo, que no procuram fazer seno o bem.
Essa distino um ponto capital. Os Espritos nos rodeiam
incessantemente. Sem que o saibamos, dirigem os nossos pensamentos
e as nossas aes, assim influindo nos acontecimentos e nos destinos
da Humanidade. Freqentemente os Espritos atestam sua presena atravs
de efeitos materiais. Tais efeitos nada tm de sobrenatural, assim
nos parecendo por repousarem sobre bases que escapam s leis
conhecidas da matria. Uma vez conhecidas essas bases, o efeito
entra na categoria dos fenmenos naturais. assim que os Espritos
podem agir sobre corpos inertes e mov-los sem o concurso dos nossos
agentes exteriores. Negar a existncia de agentes desconhecidos pela
simples razo de no os compreender seria impor limites ao poder de
Deus e acreditar que a Natureza nos tenha dito sua ltima palavra.
Todo efeito tem uma causa; ningum o contesta. , pois, ilgico negar
a causa pelo simples fato de que desconhecida. Se todo efeito tem
uma causa, todo efeito inteligente deve ter uma causa inteligente.
Quando vemos o brao do telgrafo produzir sinais que correspondem ao
pensamento, no conclumos que ele seja inteligente, mas, sim, que
movido por uma inteligncia. D-se o mesmo com os fenmenos espritas.
Se a inteligncia que os produz no a nossa, evidentemente
encontra-se fora de ns. Nos fenmenos das cincias naturais agimos
sobre a matria e a manipulamos vontade; nos fenmenos espritas
agimos sobre inteligncias que dispem de livre-arbtrio e no se
12
11. JANEIRO DE 1859 13 submetem nossa vontade. H, pois, entre
os fenmenos comuns e os fenmenos espritas uma diferena radical
quanto ao princpio, razo por que a cincia vulgar incompetente para
os julgar. O Esprito encarnado tem dois envoltrios: um material,
que o corpo, e outro semimaterial e indestrutvel, que o perisprito.
Deixando o primeiro, o Esprito conserva o segundo, que, para ele,
constitui uma espcie de corpo, mas cujas propriedades so
essencialmente diferentes. Em seu estado normal o perisprito nos
invisvel, embora possa tornar-se momentaneamente visvel e mesmo
tangvel: tal a causa do fenmeno das aparies. Os Espritos no so,
pois, seres abstratos, indefinidos, mas seres reais e limitados,
com existncia prpria, pensando e agindo em virtude de seu
livre-arbtrio. Esto em toda parte, nossa volta; povoam os espaos e
se transportam com a rapidez do pensamento. Os homens podem entrar
em relao com os Espritos e receber comunicaes diretas atravs da
escrita, da palavra e por outros meios. Estando os Espritos ao
nosso lado, ou podendo, atravs de certos intermedirios, atender ao
nosso apelo, com eles podemos estabelecer comunicaes continuadas,
da mesma forma que um cego pode faz-lo com as pessoas que no v.
Certos indivduos so mais dotados que outros de uma aptido especial
para transmitir comunicaes dos Espritos: so os mdiuns. O papel do
mdium o de um intrprete; o instrumento de que se serve o Esprito.
Esse instrumento pode ser mais ou menos perfeito, do que resultam
comunicaes mais ou menos fceis. Os fenmenos espritas so de duas
ordens: as manifestaes fsicas e materiais e as manifestaes
inteligentes. Os efeitos fsicos so produzidos por Espritos
inferiores; os Espritos
12. REVISTA ESPRITA elevados no se ocupam dessas coisas, do
mesmo modo que os nossos sbios no se entregam a aes que exijam
grande vigor fsico: seu papel instruir pelo raciocnio. As
comunicaes tanto podem emanar de Espritos inferiores como de
Espritos superiores. Como os homens, os Espritos so reconhecidos
por sua linguagem. A dos Espritos Superiores sempre sria, digna,
nobre e cheia de benevolncia; toda expresso trivial ou
inconveniente, todo pensamento que choca a razo e o bom-senso, que
denota orgulho, acrimnia ou malevolncia, procede necessariamente de
um Esprito inferior. Os Espritos elevados s boas coisas ensinam;
sua moral a do Evangelho; s pregam a unio e a caridade e jamais se
enganam. Os Espritos inferiores dizem absurdos, mentiras e, muitas
vezes, at grosserias. A eficincia de um mdium no consiste apenas na
facilidade das comunicaes, mas, sobretudo, na natureza das
comunicaes que recebe. Um bom mdium o que simpatiza com os Espritos
bons e s recebe boas comunicaes. Todos ns temos um Esprito
familiar, que a ns se liga desde o nascimento, guia-nos, aconselha
e protege; sempre um Esprito bom. Alm do Esprito familiar, existem
aqueles que atramos graas sua simpatia por nossas qualidades e
defeitos ou em virtude de antigas afeies terrenas. Da se segue que,
em toda reunio, h uma multido de Espritos mais ou menos bons,
conforme a natureza do meio. Podem os Espritos revelar o futuro? Os
Espritos no conhecem o futuro seno em razo de sua elevao. Os
inferiores nem mesmo o seu prprio futuro 14
13. JANEIRO DE 1859 15 conhecem e, com mais forte razo,
desconhecem o dos outros. Os Espritos superiores o conhecem, mas
nem sempre lhes permitido revel-lo. Em princpio, e por um sbio
desgnio da Providncia, o futuro nos deve ser ocultado. Se o
conhecssemos, nosso livre-arbtrio seria tolhido. A certeza do
sucesso tirar-nos-ia a vontade de fazer qualquer coisa, porque no
veramos a necessidade de nos darmos a esse trabalho; a certeza de
uma desgraa nos desencorajaria. Todavia, h casos em que o
conhecimento do futuro pode ser til, embora, nessa situao, jamais
possamos ser juzes. Os Espritos no-lo revelam quando o julgam
conveniente e quando tm a permisso de Deus. Ento o fazem
espontaneamente e no a pedido nosso. preciso esperar com confiana a
oportunidade e, sobretudo, no insistir em caso de recusa, pois, de
outro modo, correramos o risco de tratar com Espritos levianos, que
se divertem nossa custa. Os Espritos podem guiar-nos por meio de
conselhos diretos nas coisas da vida? Sim, podem e o fazem de bom
grado. Esses conselhos nos chegam diariamente pelos pensamentos que
nos sugerem. Muitas vezes fazemos coisas cujo mrito nos atribumos
quando, na realidade, resultam apenas de uma inspirao que nos foi
transmitida. Ora, como estamos rodeados de Espritos que nos
influenciam neste ou naquele sentido, temos sempre o livre-arbtrio
para nos guiar na escolha; e felizes seremos se preferirmos o nosso
gnio bom. Alm dos conselhos ocultos, podemos obter estes
diretamente atravs de um mdium; mas aqui o caso de recordarmos os
princpios fundamentais que acabamos de emitir. A primeira coisa a
considerar a qualidade do mdium, se no somos ns prprios. Um mdium
que s boas comunicaes obtm; que, por suas qualidades pessoais no
simpatiza seno com os Espritos bons, um ser precioso, do qual
podemos esperar grandes
14. REVISTA ESPRITA coisas, desde que o secundemos na pureza de
suas prprias instrues e o utilizemos convenientemente; direi mais:
um instrumento providencial. No menos importante, o segundo ponto
consiste na natureza dos Espritos aos quais nos dirigimos. No
devemos crer que possamos ser guiados corretamente pelo primeiro
que aparea. Aquele que visse nas comunicaes espritas apenas um meio
de adivinhao e no mdium um leitor de buena dicha1 enganar-se-ia
redondamente. preciso considerar que no mundo dos Espritos temos
amigos que por ns se interessam, muito mais sinceros e devotados do
que os que tomam esses ttulos na Terra, e que no tm o menor
interesse em nos lisonjear ou em nos enganar. So, alm do nosso
Esprito protetor, parentes ou pessoas a quem nos afeioamos quando
vivas, ou Espritos que nos querem o bem por simpatia. Quando
chamados vm de boa vontade e at mesmo quando no so chamados; muitas
vezes os temos ao nosso lado, sem que o suspeitemos. Atravs dos
mdiuns podemos pedir-lhes conselhos diretos e os recebemos, mesmo
espontaneamente, sem que lhos tenhamos pedido. Fazem-no sobretudo
na intimidade, no silncio, e desde que nenhuma influncia estranha
os venha perturbar; so, alis, muito prudentes e, de sua parte,
jamais devemos temer uma indiscrio: calam-se quando h ouvidos em
demasia. Fazem-no ainda com mais prazer quando esto em freqente
comunicao conosco. Como no dizem seno coisas adequadas e conforme a
oportunidade, preciso esperar a sua boa vontade e no acreditar que,
primeira vista, venham satisfazer a todos os nossos pedidos. Querem
assim provar que no esto s nossas ordens. A natureza das respostas
depende muito da maneira de fazer as perguntas. necessrio aprender
a conversar com os Espritos como se aprende a conversar com os
homens: em tudo preciso experincia. Por outro lado, o hbito faz que
os Espritos se 16 1 N. do T.: Grifos nossos.
15. JANEIRO DE 1859 17 identifiquem conosco e com o mdium, os
fluidos se combinem e as comunicaes sejam mais fceis; ento entre
eles e ns estabelecem-se verdadeiras conversaes familiares; o que
no dizem num dia falaro noutro. Habituam-se nossa maneira de ser,
como ns deles: ficamos reciprocamente mais vontade. Quanto
ingerncia dos Espritos maus e dos Espritos enganadores, o que
constitui o grande escolho, a experincia nos ensina a combat-los e
podemos sempre evit-los. Se no lhes damos ateno, eles no vm, porque
sabem que vo perder tempo. Qual poder ser a utilidade da propagao
das idias espritas? Sendo o Espiritismo a prova palpvel e evidente
da existncia, da individualidade e da imortalidade da alma, a
destruio do materialismo, essa negao de toda religio, essa chaga de
toda sociedade. O nmero dos materialistas que ele conduziu a idias
mais ss considervel e aumenta diariamente: s isso seria um benefcio
social. No somente prova a existncia e a imortalidade da alma, como
ainda mostra o seu estado feliz ou desgraado, conforme os mritos
desta vida. As penas e recompensas futuras no so mais uma teoria,
mas um fato patente aos nossos olhos. Ora, como no h religio
possvel sem a crena em Deus, na existncia da alma e nas penas e
recompensas futuras, o Espiritismo traz de volta a essas crenas as
pessoas nas quais elas estavam apagadas; resulta da que ele o mais
poderoso auxiliar das idias religiosas: d religio aos que no a
possuem, fortifica-a naqueles em que vacilante, consola pela
certeza do futuro, faz suportar com pacincia e resignao as
tribulaes da vida e desvia do pensamento o suicdio, idia que
naturalmente repelimos quando vemos as conseqncias; eis por que so
felizes os que penetraram em seus mistrios. Para eles o Espiritismo
a luz que dissipa as trevas e as angstias da dvida. Se
considerarmos agora a moral ensinada pelos Espritos superiores,
concluiremos que ela toda evanglica; prega a caridade evanglica em
toda a sua sublimidade e faz mais: mostra
16. REVISTA ESPRITA a sua necessidade tanto para a felicidade
presente quanto para a futura, porque as conseqncias do bem e do
mal que fazemos esto diante dos nossos olhos. Reconduzindo os
homens aos sentimentos de seus deveres recprocos, o Espiritismo
neutraliza o efeito das doutrinas que subvertem a ordem social. No
podem essas crenas representar um perigo para a razo? Todas as
cincias no forneceram o seu contingente para os hospitais de
alienados? Devemos, por isso, conden-las? No esto largamente
representadas entre elas as crenas religiosas? Seria justo, por
isso, proscrever a religio? Acaso conhecemos todos os loucos
produzidos pelo medo ao diabo? Todas as grandes preocupaes
intelectuais levam exaltao e podem reagir de maneira lastimvel
sobre um crebro fraco. Teramos razo de ver no Espiritismo um perigo
especial se ele fosse a nica causa ou a causa preponderante da
loucura. Fez-se grande alarido em torno de dois ou trs casos que,
em outras circunstncias, no teriam merecido nenhuma ateno, ao no se
levar em considerao as causas predisponentes anteriores. Poderamos
citar outros em que, bem compreendidas, as idias espritas poderiam
deter o desenvolvimento da loucura. Em resumo, o Espiritismo no
oferece maior perigo de loucura do que as mil e uma causas que a
produzem diariamente. Digo mais: oferece bem menos perigo, visto
trazer em si mesmo o corretivo e, pela direo que d s idias e a
calma que proporciona ao esprito dos que o compreendem, pode
neutralizar o efeito das causas estranhas. O desespero uma dessas
causas. Ora, ao nos fazer encarar as coisas mais desagradveis com
sangue-frio e resignao, o Espiritismo atenua os funestos efeitos do
desespero. As crenas espritas no so a consagrao das idias
supersticiosas da Antigidade e da Idade Mdia e, assim, no devem ser
endossadas? As pessoas sem religio no tacham de superstio a maioria
das crenas religiosas? Uma idia s supersticiosa 18
17. JANEIRO DE 1859 19 quando falsa; deixa de o ser quando se
torna uma verdade. Est provado que no fundo da maioria das
supersties existe uma verdade amplificada e desnaturada pela
imaginao. Ora, tirar dessas idias todo o seu contedo fantstico e
deixar apenas a realidade destruir a superstio. Tal o efeito da
cincia esprita, que pe a nu o que h de verdadeiro e de falso nas
crenas populares. Por muito tempo as aparies foram consideradas
como crenas supersticiosas; hoje, que so um fato provado e, mais
ainda, perfeitamente explicado, entraram no domnio dos fenmenos
naturais. Por mais que as condenemos, no impediremos que continuem
a produzir-se. Todavia, os que se deram conta e as compreenderam,
no apenas no se apavoram como esto satisfeitos, e isso a tal ponto
que aqueles que no tm essas idias desejariam t-las. Deixando o
campo livre imaginao, os fenmenos incompreendidos representam a
fonte de uma poro de idias acessrias, absurdas, que degeneram em
superstio. Mostremos a realidade, expliquemos a causa e a imaginao
se detm no limite do possvel; o maravilhoso, o absurdo e o
impossvel desaparecem e, com eles a superstio. Tais so, dentre
outras, as prticas cabalsticas, a virtude dos signos e das palavras
mgicas, as frmulas sacramentais, os amuletos, os dias nefastos, as
horas diablicas e tantas outras coisas que o Espiritismo, bem
compreendido, demonstra o ridculo. Tais so, Prncipe, as respostas
que julguei adequadas s perguntas com que me honrastes.
Sentir-me-ei feliz se elas puderem corroborar as idias que Vossa
Alteza j possui sobre o assunto e vos levarem a aprofundar uma
questo de to elevado interesse; mais feliz ainda se meu concurso
ulterior puder ser de alguma utilidade. Com o mais profundo
respeito, sou, de Vossa Alteza, muito humilde e muito obediente
servidor. Allan Kardec
18. REVISTA ESPRITA Sr. Adrien, Mdium Vidente (Segundo artigo)
Desde a publicao de nosso artigo sobre o Sr. Adrien, mdium vidente,
grande nmero de fatos nos tm sido comunicados, confirmando nossa
opinio de que essa faculdade, assim como as demais faculdades
medinicas, mais comum do que se pensa. Ns j a tnhamos observado
numa poro de casos particulares e, sobretudo, no estado sonamblico.
O fenmeno das aparies hoje um fato comprovado e, podemos dizer,
freqente, sem falar dos numerosos exemplos oferecidos pela histria
profana e as Escrituras Sagradas. Muitas das que nos foram
relatadas ocorreram pessoalmente com aqueles que no-las informaram,
mas, quase sempre, esses fatos so fortuitos e acidentais; ainda no
tnhamos visto algum em que tal faculdade fosse, de algum modo, o
estado normal. No Sr. Adrien ela permanente; onde quer que esteja,
a populao oculta que pulula nossa volta lhe visvel, sem que ele a
chame; para ns, ele representa o papel de um vidente em meio a uma
populao de cegos; v esses seres, que poderamos chamar de duplicata
do gnero humano, indo e vindo, misturando- se em nossas aes e, se
podemos assim nos exprimir, ocupados em seus negcios. Diro os
incrdulos que uma alucinao, palavra sacramental pela qual pretendem
explicar o que no compreendem. Bem que gostaramos que nos
definissem o que uma alucinao e, especialmente, sua causa. Todavia,
no Sr. Adrien ela tem um carter bastante inslito: o da permanncia.
At agora, o que se tem convencionado chamar de alucinao um fato
anormal e quase sempre conseqncia de um estado patolgico, o que
absolutamente aqui no o caso. Para ns, que estudamos essa
faculdade, que a observamos todos os dias em seus mnimos detalhes,
chegamos mesmo a constatar-lhe a realidade. Para ns ela no objeto
de nenhuma dvida e, como veremos, auxiliou-nos notavelmente em
nossos estudos espritas. Ela nos permitiu utilizar o escalpelo da
investigao na vida extracorprea; um archote na escurido. O Sr.
Home, dotado de extraordinria faculdade como 20
19. JANEIRO DE 1859 21 mdium de efeitos fsicos, produziu
efeitos surpreendentes. O Sr. Adrien nos inicia na causa desses
efeitos, porque os v produzir-se, indo muito alm daquilo que
impressiona os nossos sentidos. A realidade da viso do Sr. Adrien
provada pelo retrato que faz de pessoas que jamais viu, cuja
descrio reconhecida como exata. Certamente quando ele descreve, com
rigorosa mincia, os mnimos detalhes de um parente ou de um amigo,
evocados por seu intermdio, temos certeza de que ele v, porquanto
no pode tomar a coisa como produto da imaginao. Entretanto, h
pessoas cuja preveno as leva a rejeitar at mesmo a evidncia. E, o
que mais bizarro, para refutar o que no querem admitir, explicam-no
por causas ainda mais difceis que as que lhes so fornecidas. Os
retratos do Sr. Adrien, todavia, nem sempre so infalveis; nisso,
como em toda cincia, quando se apresenta uma anomalia, necessrio
procurar-lhe a causa, considerando-se que a causa de uma exceo
freqentemente confirma a regra geral. Para compreender o fato, no
se deve perder de vista o que a esse respeito j dissemos sobre a
forma aparente dos Espritos. Essa forma depende do perisprito, cuja
natureza, essencialmente flex- vel, presta-se a todas as modificaes
que lhe queira dar o Esprito. Deixando o envoltrio material, o
Esprito leva consigo o seu invlucro etreo, que constitui uma outra
espcie de corpo. Em seu estado normal, esse corpo tem a forma
humana, mas no calcada trao a trao sobre o que deixou,
especialmente quando o abandonou h algum tempo. Nos primeiros
instantes que se seguem morte, e enquanto ainda existe um lao entre
as duas existncias, maior a semelhana; essa similitude, porm,
apaga-se medida que se opera o desprendimento e que o Esprito se
torna mais estranho ao seu ltimo envoltrio; pode, entretanto,
sempre retomar essa primeira aparncia, quer pela fisionomia, quer
pelo vesturio, quando julga til para se fazer reconhecer; em geral,
porm, isso s acontece em razo de um grande esforo da
20. REVISTA ESPRITA vontade. Nada, pois, h de surpreendente
que, em certos casos a semelhana peque por alguns detalhes: bastam
os traos principais. Igualmente no mdium essa investigao no feita
sem um certo esforo, que se torna penoso quando muito repetido.
Suas vises ordinrias no lhe custam nenhuma fadiga, desde que no se
apega seno s generalidades. O mesmo ocorre quando vemos uma
multido: enxergamos tudo; todos os indivduos se destacam aos nossos
olhos com seus traos distintos, sem que nenhum deles nos
impressione bastante a ponto de os podermos descrever. Para
precis-los, necessrio concentrar nossa ateno nos ntimos detalhes
que queremos analisar, com a s diferena de que, nas circunstncias
ordinrias, os olhos se voltam sobre uma forma material, invarivel,
enquanto na vidncia eles repousam sobre uma forma essencialmente
mvel, que um simples efeito da vontade pode modificar. Saibamos,
pois, tomar as coisas como elas so; consideremo-las em si mesmas e
em razo de suas propriedades. No nos esqueamos de que, no
Espiritismo, absolutamente no operamos sobre a matria inerte, mas
sobre inteligncias dotadas de livre-arbtrio, razo por que no
podemos submet-las ao nosso capricho, nem faz-las agir nossa
vontade, como se movssemos um pndulo. Toda vez que quisermos tomar
nossas cincias exatas como ponto de partida nas observaes espritas,
perderemos o rumo; eis por que a cincia vulgar incompetente nessa
questo: exatamente como se um msico quisesse julgar a arquitetura
do ponto de vista musical. O Espiritismo nos revela uma nova ordem
de idias, de novas foras, de novos elementos; revela-nos fenmenos
que no se baseiam em nada do que conhecemos. Saibamos, pois, para
os julgar, despojar-nos dos preconceitos e de toda idia
preconcebida; compenetremo-nos sobretudo desta verdade: fora
daquilo que conhecemos pode existir outra coisa, a no ser que
queiramos cair nesse erro absurdo, fruto do orgulho, de que Deus no
tenha mais segredos para ns. 22
21. JANEIRO DE 1859 23 De acordo com isso, compreende-se que
delicadas influncias podem agir na produo dos fenmenos espritas;
mas h outras que merecem uma ateno no menos sria. Despojado do
corpo terreno, o Esprito conserva toda a sua vontade e uma
liberdade de pensar bem maior que quando vivo; tem
susceptibilidades que dificilmente compreendemos; aquilo que muitas
vezes nos parece simples e natural o magoa e lhe desagrada; uma
pergunta imprpria o choca e o fere; alm disso, eles nos mostram a
sua independncia deixando de fazer o que queremos, ao passo que,
por si mesmos, vez por outra fazem aquilo que nem teramos pensado
em lhes pedir. por essa razo que os pedidos de provas e de
curiosidade so essencialmente antipticos aos Espritos, que a eles
raramente respondem de maneira satisfatria. Sobretudo os Espritos
srios jamais se prestam a isso e de modo algum querem servir de
divertimento. Concebe-se, pois, que a inteno pode influir bastante
sobre a sua boa vontade de se apresentar aos olhos de um mdium
vidente, sob tal ou qual aparncia; e, definitivamente, como eles no
assumem uma determinada aparncia seno quando assim lhes convm, s o
fazem quando para isso existe um motivo srio e til. H uma outra
razo que, de certo modo, se liga ao que poderamos chamar de
fisiologia esprita. A viso do Esprito pelo mdium faz-se por uma
espcie de irradiao fludica que parte do primeiro e se dirige ao
segundo; o mdium, por assim dizer, absorve os raios e os assimila.
Se estiver sozinho, ou cercado apenas de pessoas simpticas, unidas
pela inteno e pelo pensamento, aqueles raios se concentram sobre
ele; ento a viso clara, precisa e em tais circunstncias que os
retratos, quase sempre, so de uma exatido notvel. Se, ao contrrio,
em torno do mdium h influncias antipticas, pensamentos divergentes
e hostis, se no h recolhimento, os raios fludicos se dispersam e so
absorvidos pelo meio; da uma espcie de nevoeiro que se projeta
sobre o Esprito, no permitindo que se lhe distingam os matizes. Tal
seria uma luz, com ou sem refletor. Uma outra comparao
22. REVISTA ESPRITA menos material pode ainda nos dar razo
desse fenmeno. Todos sabemos que a verve de um orador excitada pela
simpatia e pela ateno do auditrio; que, ao contrrio, se ele for
distrado pelo barulho, pela desateno e pela m vontade, seus
pensamentos j no sero livres: dispersam-se, afetando o seu
raciocnio. O Esprito, que influenciado por um meio absorvente,
encontra-se no mesmo caso: em vez de dirigir-se a um ponto nico,
sua irradiao dissemina-se e perde a sua fora. s consideraes
precedentes devemos acrescentar outra, cuja importncia ser
facilmente compreendida por todos os que conhecem a marcha dos
fenmenos espritas. Sabe-se que vrias causas podem impedir um
Esprito de acorrer ao nosso apelo no instante em que o evocamos:
pode estar reencarnado ou ocupado em outra parte. Ora, entre os
Espritos que se apresentam quase sempre simultaneamente, deve o
mdium distinguir aquele que solicitamos e, caso a no esteja, pode
tom-lo por um outro Esprito, igualmente simptico pessoa que evoca.
Descreve o Esprito que v, mas nem sempre pode garantir se se trata
dessa ou daquela entidade. Se, entretanto, o Esprito que se
apresenta srio, no se enganar quanto sua identidade; se o
interrogam a respeito, poder explicar a razo do equvoco e dizer
quem ele . Um meio pouco propcio ser tambm prejudicial, mas por
outra razo. Cada indivduo tem, por aclitos, Espritos que simpatizam
com os seus defeitos e com suas qualidades. Tais Espritos so bons
ou maus, conforme os indivduos. Quanto maior for o nmero de pessoas
reunidas, maior ser a variedade de Espritos e maiores as
possibilidades de encontrar antipatias. Se, pois, numa reunio h
pessoas hostis, seja por pensamentos difamantes, seja pela
leviandade de carter, seja ainda por uma incredulidade sistemtica,
por isso mesmo atrairo Espritos pouco benevolentes que, com
freqncia, entravam as manifestaes de toda natureza, tanto escritas
quanto visuais. Da a necessidade de nos colocarmos nas mais
favorveis condies, se quisermos obter 24
23. JANEIRO DE 1859 25 manifestaes srias: quem quer o fim quer
os meios. As manifestaes espritas no so coisas com as quais
possamos brincar impunemente. Sede srios na mais rigorosa acepo da
palavra, se quiserdes coisas srias; de outro modo, sereis joguetes
dos Espritos levianos, que se divertiro vossa custa. O Louquinho de
Bayonne Em nosso ltimo nmero dissemos algumas palavras a respeito
dessa estranha manifestao. Tais informaes nos tinham sido dadas de
viva voz e muito sucintamente por um de nossos assinantes, amigo da
famlia onde os fatos ocorreram. Ele nos havia prometido detalhes
mais circunstanciados e devemos sua cortesia as informaes que nos
transmitiu por carta. Essa famlia reside perto de Bayonne e as
cartas foram escritas pela prpria me da mocinha, uma criana de seus
dez anos, a um filho que reside em Bordeaux, pondo-o a par do que
se passava em sua casa. Este ltimo teve o trabalho de as
transcrever para ns, a fim de no ser contestada a sua
autenticidade; uma ateno pela qual lhe somos infinitamente
reconhecidos. Concebe- se a reserva com que envolvemos os nomes das
pessoas, reserva que fazemos por lei observar, a menos que sejamos
formalmente autorizados a divulg-los. Nem todos se preocupam em
atrair a multido de curiosos. queles para os quais essa reserva
constitusse um motivo de suspeita, diremos que necessrio
estabelecer uma diferena entre um jornal eminentemente srio e os
que no visam seno divertir o pblico. Nossa finalidade no relatar
casos para encher as pginas da Revista, mas esclarecer a Cincia; se
estivssemos enganados, s-lo-amos de boa-f. Quando, aos nossos
olhos, uma coisa no formalmente demonstrada, damo-la apenas a ttulo
de registro; o mesmo no ocorre quando emana de pessoas srias, cuja
honradez conhecida e que, longe de qualquer interesse em nos
induzir em erro, desejam tambm instruir-se.
24. REVISTA ESPRITA A primeira carta do filho ao nosso
assinante, enviando as cartas de sua me. Saint-Esprit, 20 de
novembro de 1858. Meu caro amigo, Chamado para junto da famlia por
motivo da morte de um de meus irmos menores, que Deus acaba de
levar, esta circunstncia, afastando-me algum tempo de minha casa, o
motivo do atraso em vos dar minha resposta. Ficaria muito desolado
se vos fizesse passar por um contador de histrias junto ao Sr.
Allan Kardec; por isso, vou dar alguns detalhes sumrios dos fatos
ocorridos em minha famlia. Penso que j vos disse que as aparies
cessaram h muito tempo e j no se manifestam minha irm. Eis as
cartas que minha me me escreveu a esse respeito. Devo observar que
muitos fatos foram omitidos e no so os menos interessantes.
Escreverei novamente para completar a histria, caso no o possais
fazer, recordando-vos daquilo que vos disse de viva voz. 23 de
abril de 1855. Numa tarde, h cerca de trs meses, tua irm X teve
necessidade de sair para fazer uma compra. Como bem sabes, o
corredor da casa bastante longo e nunca est iluminado; mas o velho
hbito de o percorrermos sem luz faz que jamais tropecemos nos
degraus da escada. X j nos havia dito que cada vez que saa escutava
uma voz a dizer-lhe coisas que, de incio, no compreendia o sentido,
mas que se tornaram inteligveis mais tarde. Algum tempo depois viu
uma sombra, no cessando, durante o trajeto, de ouvir a mesma voz.
As palavras proferidas por esse ser invisvel tendiam sempre a
tranqiliz-la e dar-lhe conselhos de muita sabedoria. Uma boa moral
constitua o fundo dessas palavras. X ficava muito perturbada e, por
vrias vezes, no tinha foras para prosseguir em seu caminho. Minha
filha dizia-lhe o invisvel 26
25. JANEIRO DE 1859 27 cada vez que ficava perturbada nada
temas, porquanto s quero o teu bem. Ele lhe ensinou um local em que
ela, durante vrios dias, encontrou algumas moedas; de outras vezes
nada encontrava. X conformou-se com a recomendao que lhe foi dada
e, por muito tempo encontrou, se no moedas, alguns brinquedos que
logo vers. Por certo essas doaes lhe eram feitas para encoraj-la.
No eras esquecido na conversa desse ser; muitas vezes falava de ti
e nos dava notcias tuas por intermdio de tua irm. Vrias vezes ele
nos ps a par do que fazias noite; viu-te a ler em teu quarto;
outras vezes nos disse que teus amigos estavam reunidos em tua
casa. Enfim, ele sempre nos tranqilizava quando a preguia te
impedia de nos escrever. Desde algum tempo X tem mantido relaes
quase contnuas com o invisvel; durante o dia ela nada v; ouve
sempre a mesma voz, que lhe dirige palavras de grande sensatez,
encorajando-a ao trabalho e ao amor a Deus. noite ela v, na direo
de onde parte a voz, uma luz rosada que no ilumina, mas que,
segundo pensa, pode ser comparada ao brilho de um diamante na
sombra. Agora, todo o temor que sentia desapareceu. Se lhe
manifesto minhas dvidas, diz-me: Mame, um anjo que me fala, e se,
para te convenceres, tu te armares de coragem, ele me pede para te
dizer que, esta noite, far com que te levantes. Se te falar, devers
responder. Vai aonde ele te mandar; vers pessoas tua frente; mas no
tenhas medo algum. No quis pr prova minha coragem: tive medo, e a
impresso que isso me causou impediu-me de dormir. Muitas vezes,
noite, parecia-me ouvir um sopro cabeceira do leito. As cadeiras se
moviam sem que nenhuma mo as tocasse. Depois de algum tempo meus
temores desapareceram completamente e lamentei bastante no me ter
submetido prova que me havia sido proposta, de estabelecer relaes
diretas com o invisvel, e tambm por no haver lutado incessantemente
contra as dvidas. Exortei X a interrogar o invisvel sobre a sua
natureza. Eis a conversa que tiveram entre si:
26. REVISTA ESPRITA X Quem s tu? Invisvel Sou teu irmo Eliseu.
X Meu irmo morreu h doze anos. Invisvel verdade; teu irmo morreu h
doze anos, mas, como em todos os seres, nele havia uma alma que no
morre e que se acha agora em tua presena, que te ama e a todos
protege. X Gostaria de ver-te. Invisvel Estou diante de ti. X
Entretanto nada vejo. Invisvel Tomarei uma forma visvel para ti.
Aps o ofcio religioso tu descers; ver-me-s, ento, e eu te abraarei.
X Mame tambm queria conhecer-te. Invisvel Tua me a minha; ela me
conhece. Eu teria preferido manifestar-me a ela, e no a ti: era o
meu dever; mas no posso mostrar-me a vrias pessoas, porquanto Deus
mo probe. Lamento que mame no tenha tido coragem. Prometo dar-te
provas de minha existncia e, ento, todas as dvidas desaparecero.
noite, hora marcada, X se dirigiu porta do templo. Um rapaz
apresentou-se a ela e lhe disse: Sou teu irmo. Pediste para ver-me.
Ests satisfeita? Abraa-me logo, porque no posso conservar por muito
tempo a forma que tomei. Como bem imaginas, a presena desse ser
deveria ter espantado X a ponto de impedi-la de fazer qualquer
observao. To logo a abraou, ele desapareceu no ar. Na manh do dia
seguinte, aproveitando a ocasio em que X foi obrigada a sair, o
invisvel manifestou-se novamente e lhe disse: Deverias ter ficado
bastante surpreendida com o meu desaparecimento. Pois bem! Vou
ensinar-te a te elevares no ar, a fim 28
27. JANEIRO DE 1859 29 de poderes acompanhar-me. Fosse outra
pessoa e X teria ficado apavorada com a proposta. Ela, porm,
aceitou a oferta com diligncia e logo sentiu que se elevava como
uma andorinha. Chegou rapidamente a um local onde havia uma multido
considervel. Conforme nos disse, viu ouro, diamantes e tudo o que,
na Terra, satisfaria nossa imaginao. Ningum considerava essas
coisas mais do que consideramos as pedras das caladas por onde
caminhamos. Ela reconheceu vrias meninas de sua idade que moravam
em nossa rua e que haviam morrido h muito tempo. Em um apartamento
ricamente decorado, onde no havia ningum, o que sobretudo lhe
chamou a ateno foi uma grande mesa na qual, de espao em espao,
havia um papel. Diante de cada caderno havia um tinteiro; ela via
as penas molharem-se por si mesmas e traarem caracteres sem que
nenhuma mo as movesse. Ao retornar, censurei-a por se ter ausentado
sem a minha autorizao e proibi-lhe expressamente de recomear
semelhantes excurses. O invisvel deu-lhe provas de muito pesar por
me haver contrariado e prometeu-lhe formalmente que, doravante, no
a levaria mais a ausentar-se sem que eu estivesse prevenida. 26 de
abril. O invisvel transfigurou-se aos olhos de X. Tomou tua forma
to bem que tua irm acreditou que estavas no salo. Para
certificar-se, ela lhe pediu que retomasse sua forma primitiva;
logo que desapareceste foste substitudo por mim. Grande foi o seu
espanto; perguntou-me como eu me achava ali, estando a porta
fechada a chave. Ento ocorreu uma nova transformao: tomou a
aparncia do irmo morto e disse a X: Tua me e todos os membros da
famlia no vem sem espanto, e mesmo sem um sentimento de temor,
todos os fatos que se realizaram por minha interveno. No desejo
absolutamente causar pavor; quero, entretanto, provar minha
existncia e pr-te ao abrigo da
28. REVISTA ESPRITA incredulidade de todos, pois poderiam tomar
como mentira tua o que seria da parte deles uma obstinao em no se
renderem evidncia. A Sra. C. trabalha em loja de armarinho; sabes
que preciso comprar botes; vamos todos compr-los. Transformar-
me-ei em teu irmozinho ele tinha ento doze anos e, quando
retornares a casa, pedirs a mame que mande perguntar Sra. C. com
quem te encontravas no momento em que te venderam os botes. X no
deixou de observar essas instrues. Eu mandei perguntar Sra. C. e
ela me respondeu que tua irm estava com teu irmo, a quem fez
grandes elogios, dizendo que, em sua idade no se poderia imaginar
que tivesse respostas to fceis e, sobretudo, to pouca timidez. bom
dizer que o pequeno estava na escola desde a manh e s deveria
retornar s sete horas da noite e que, alm disso, muito tmido e no
tem essa facilidade que lhe querem reconhecer. No bastante curioso?
Creio que a mo de Deus no inteiramente alheia a essas coisas
inexplicveis. 7 de maio de 1855. No sou mais crdula do que se deve
ser e no me deixo dominar por idias supersticiosas. Entretanto, no
posso recusar-me a crer em fatos que se realizaram sob meus olhos.
Eu necessitava de provas bastante evidentes para no infligir tua
irm os castigos que algumas vezes me via obrigada a lhe dar,
receando que ela quisesse brincar conosco e abusar de nossa
confiana. Ontem, eram cinco horas aproximadamente quando o invisvel
disse a X: provvel que mame te mande a alguma parte, a fim de dares
um recado. No caminho sers agradavelmente surpreendida pela chegada
da famlia de teu tio. Imediatamente X me transmitiu o que o
invisvel lhe houvera dito; eu estava longe de esperar esses
parentes e mais surpresa ainda de o saber dessa maneira. Tua irm
saiu e as primeiras pessoas que encontrou foram efetivamente meu
irmo, sua esposa e seus filhos, que vinham nos visitar. X
apressou-se em dizer que eu tinha uma prova a mais da veracidade de
tudo quanto me dizia. 30
29. JANEIRO DE 1859 31 10 de maio de 1855. Hoje j no posso
duvidar de algo extraordinrio em casa; vejo sem medo se realizarem
todos esses fatos singulares, mas deles no posso extrair nenhum
ensinamento porque, para mim, esses mistrios so inexplicveis.
Ontem, depois de ter posto ordem na casa e sabes que fao questo
dessas coisas o invisvel disse a X que, malgrado as provas que
havia dado de sua interveno em todos os fatos curiosos que te
narrei, eu sempre tinha dvidas, que ele queria fazer desaparecerem
completamente. Sem que se tivesse ouvido qualquer rudo, um minuto
foi suficiente para pr os cmodos em completa desordem. Sobre o
assoalho uma substncia avermelhada havia sido derramada; creio que
era sangue. Se tivessem sido somente algumas gotas, eu teria
pensado que X se tivesse cortado ou sangrado o nariz; mas imagina
que o assoalho estava inundado. Essa prova bizarra deu-nos um
trabalho considervel para fazer com que o piso do salo readquirisse
o seu brilho primitivo. Antes de abrir as cartas que nos envias, X
conhece o contedo. O invisvel lho transmite. 16 de maio de 1855. X
no aceitou uma observao que lhe fez sua irm, no sei a propsito de
qu. Deu uma resposta inconveniente e recebeu merecido troco.
Castiguei-a e ela foi-se deitar sem haver jantado. Como de costume,
antes de deitar-se faz uma prece. Essa noite ela o esqueceu, mas,
alguns momentos depois de deitada o invisvel apareceu-lhe e lhe
apresentou um castial e um livro de preces semelhante ao que
costumava utilizar, dizendo-lhe que, apesar da punio que ela bem
merecera, no devia esquecer de cumprir seu dever. Ento ela se
levantou, fez o que lhe era ordenado e, to logo terminada a prece,
tudo desapareceu.
30. REVISTA ESPRITA Na manh do dia seguinte, depois de ter-me
abraado, X perguntou-me se o castial que se encontrava sobre a mesa
num andar acima de seu quarto tinha sido retirado. Ora, esse
castial, semelhante ao que lhe havia sido apresentado na vspera, no
tinha mudado de lugar, assim como o seu livro de preces. 4 de junho
de 1855. Desde algum tempo nenhum fato chamou a ateno, a no ser o
seguinte. Eu estava resfriada nestes ltimos dias. Antes de ontem
tuas irms estavam ocupadas e eu no dispunha de ningum para mandar
comprar uma pomada peitoral. Disse a X que quando ela tivesse
acabado sua tarefa fosse procurar alguma coisa na farmcia mais
prxima. Ela esqueceu minha recomendao e eu mesma no pensei mais
nisso. Estou certa de que ela no saiu, nem deixou o trabalho seno
para ir buscar uma sopeira de que necessitvamos. Grande foi sua
surpresa ao retirar-lhe a tampa e encontrar um pacote de pastilhas
de cevada que o invisvel havia trazido e ali depositado, a fim de
poupar-me de uma caminhada e, tambm, para satisfazer meu desejo,
que havia sido esquecido. * * * Evocamos esse Esprito numa das
sesses da Sociedade e lhe dirigimos as perguntas que se seguem. O
Sr. Adrien o viu sob o aspecto de um menino de dez a doze anos:
bela cabea, cabelos negros e ondulados, olhos negros e vivos, tez
plida, boca zombeteira, carter leviano, mas bondoso. O Esprito
disse no saber muito bem por que o evocavam. Nosso correspondente,
que estava presente reunio, disse que eram exatamente esses os
traos pelos quais a mocinha em vrias circunstncias o descreveu. 1.
Ouvimos contar a histria de tuas manifestaes numa famlia de Bayonne
e desejaramos fazer-te algumas perguntas. 32
31. JANEIRO DE 1859 33 Resp. Fazei-as e eu responderei. Mas
fazei logo, pois estou com pressa e quero ir embora. 2. Onde
apanhaste o dinheiro que davas menina? Resp. Tirei da bolsa dos
outros. Bem compreendeis que eu no iria me divertir a cunhar
moedas. Tomo daqueles que podem dar. 3. Por que te ligaste quela
garota? Resp. Grande simpatia. 4. verdade que foste seu irmo, que
morreu com quatro anos de idade? Resp. Sim. 5. Por que eras visvel
a ela e no sua me? Resp. Minha me deve estar privada de ver-me, mas
minha irm no tinha necessidade de castigo. Alis, foi com permisso
especial que lhe apareci. 6. Poderias explicar como te tornas
visvel ou invisvel vontade? Resp. No sou bastante elevado e estou
muito preocupado com o que me atrai para responder a essa pergunta.
7. Se quisesses, poderias aparecer em nosso meio, assim como te
mostraste vendedora do armarinho? Resp. No. 8. Nesse estado, serias
sensvel dor, se te batessem? Resp. No. 9. O que aconteceria se a
vendedora te houvesse batido? Resp. Ela no teria encontrado seno o
vcuo.
32. REVISTA ESPRITA 10. Sob que nome podemos chamar-te quando
falarmos de ti? Resp. Chamai-me de louquinho, se quiserdes. Deixai-
me, preciso que eu v embora. 11. [A So Lus]: Seria til que
tivssemos s nossas ordens um Esprito assim? Resp. Tende-os
freqentemente junto de vs, assistindo-vos sem que o suspeiteis.
CONSIDERAES SOBRE O LOUQUINHO DE BAYONNE Se compararmos esses fatos
com os de Bergzabern, dos quais nossos leitores certamente no
perderam a lembrana, veremos uma diferena capital. O de Bergzabern
era mais que um Esprito batedor; era, e ainda o at hoje, um Esprito
perturbador em toda a acepo do termo. Sem fazer o mal, um hspede
muito incmodo e muito desagradvel, do qual falaremos em nosso
prximo nmero, tendo em vista as suas novas e recentes proezas. O de
Bayonne, ao contrrio, eminentemente benvolo e corts; o tipo desses
Espritos bons serviais, cujos feitos nos so narrados nas lendas
alems, nova prova de que nas histrias lendrias pode haver um fundo
de verdade. Convenhamos, alis, que a imaginao pouca coisa teria a
fazer para colocar esses fatos no mbito de uma lenda, os quais
poderiam ser tomados como uma histria da Idade Mdia, se no se
passassem, por assim dizer, aos nossos olhos. Um dos traos mais
salientes do Esprito a quem demos o nome de louquinho de Bayonne so
as suas transformaes. O que se dir, agora, da fbula de Proteu?
Entre os Espritos de Bayonne e de Bergzabern h ainda a diferena de
que este ltimo somente se mostrou em sonhos, enquanto nosso pequeno
duende tornava-se visvel e tangvel qual se fora uma pessoa real, no
apenas sua irm, mas, tambm, s pessoas estranhas: testemunha-o a
compra dos botes na loja de 34
33. JANEIRO DE 1859 35 armarinhos. Por que no se mostrava a
todos e em qualquer hora? o que no sabemos; parece que no tinha
esse poder e nem mesmo podia permanecer por longo tempo em tal
estado. Talvez necessitasse, para isso, de um trabalho ntimo, um
poder de vontade acima de suas foras. Novos detalhes nos foram
prometidos acerca desses estranhos fenmenos; a eles voltaremos em
momento oportuno. Conversas Familiares de Alm-Tmulo:
Chaudruc-Duclos e Digenes Duclos 1. Evocao. Resp. Estou aqui. Mdium
vidente, o Sr. Adrien, que jamais o vira em vida, fez-lhe o
seguinte retrato, considerado muito exato pelas pessoas presentes
que o haviam conhecido: Rosto comprido; faces escavadas; fronte
arqueada e enrugada. Nariz um pouco grande, levemente curvado;
olhos cinzentos e um pouco flor das rbitas; boca pequena e
zombeteira; tez um pouco plida; cabelos grisalhos e longa barba.
Estatura acima da mdia. Palet de tecido azul, todo pudo e
esburacado; calas pretas, surradas e em farrapos; colete claro;
leno de cor imprecisa, amarrado guisa de gravata. 2. Lembrais da
vossa ltima existncia terrestre? Resp. Perfeitamente. 3. Que motivo
vos fez levar o gnero de vida que adotastes? Resp. Estava fatigado
da vida e tinha pena dos homens e dos motivos de suas aes.
34. REVISTA ESPRITA 4. Dizem que era por vingana e para
humilhar um parente rico; verdade? Resp. No apenas por isso; ao
humilhar esse homem, eu humilhava muitos outros. 5. Se era uma
vingana, ela vos custava caro, porquanto durante longos anos
ficastes privado de todos os prazeres sociais, a fim de
satisfaz-la. Isso no vos era muito pesado? Resp. Eu os desfrutava
de outra maneira. 6. Havia, ao lado disso, um pensamento filosfico
que fez com que o comparassem a Digenes? Resp. Havia alguma relao
com a parte menos sadia da filosofia desse homem. 7. Que pensais de
Digenes? Resp. Pouca coisa; um pouco daquilo que penso de mim.
Sobre ns Digenes tinha a vantagem de ter feito, alguns milhares de
anos mais cedo, aquilo que agora fao e em meio a homens menos
civilizados do que aqueles em cujo meio eu vivia. 8. Entre vs e
Digenes h, entretanto, uma diferena: neste a conduta era conseqncia
de seu sistema filosfico, enquanto a vossa teve origem numa
vingana! Resp. Em mim a vingana conduziu a uma filosofia. 9.
Sofrestes por vos ver assim isolado e ser objeto de desprezo e de
repugnncia, considerando-se que vossa educao vos afastava da
sociedade dos mendigos e vagabundos e reis repelido pelas pessoas
educadas? Resp. Eu sabia que no temos amigos na Terra; eu o havia
provado, infelizmente. 10. Quais as vossas ocupaes pessoais e onde
passais o tempo? Resp. Percorro mundos melhores e me instruo... L
existem tantas almas boas que nos revelam a cincia celeste dos
Espritos! 36
35. JANEIRO DE 1859 37 11. Viestes algumas vezes ao
Palais-Royal depois de vossa morte? Resp. Que me importa o
Palais-Royal! 12. Dentre as pessoas que aqui se acham, reconheceis
alguma que conhecestes em vossas peregrinaes no Palais-Royal? Resp.
Como no as reconheceria? 13. com prazer que as revedes? Resp. Com
prazer maior ainda: foram boas para mim. 14. Revistes vosso amigo
Charles Nodier? Resp. Sim, sobretudo depois de sua morte. 15. Est
errante ou reencarnado? Resp. Errante como eu. 16. Por que
escolhestes o Palais-Royal, ento o local mais freqentado de Paris,
para os vossos passeios? Isto no estaria em desacordo com vossos
gostos de misantropo? Resp. L eu via todo mundo, todas as tardes.
17. No haveria de vossa parte, talvez, um sentimento de orgulho?
Resp. Sim, infelizmente; o orgulho teve uma boa parte em minha
vida. 18. Sois mais feliz agora? Resp. Oh! Sim. 19. Entretanto,
vosso gnero de vida no deveria ter contribudo para o vosso
aperfeioamento? Resp. Essa existncia terrena! Muito mais do que
podereis pensar; eu no passava momentos sombrios quando entrava
sozinho e desolado em casa. L eu tinha tempo de amadurecer minhas
idias.
36. REVISTA ESPRITA 20. Se tivsseis que escolher outra
existncia, como o fareis? Resp. No na Terra; hoje posso esperar
melhor. 21. Lembrais de vossa penltima existncia? Resp. Sim, e de
outras tambm. 22. Onde vivestes essas existncias? Resp. Na Terra e
em outros mundos. 23. E a penltima? Resp. Na Terra. 24. Podeis
torn-la conhecida? Resp. No o posso; era uma existncia obscura e
oculta. 25. Sem nos revelar essa existncia, podereis dizer que
relao possua com a que conhecemos, porquanto uma deve ser a
conseqncia da outra? Resp. No exatamente uma conseqncia, mas um
complemento; eu tinha vida infeliz, pelos vcios e defeitos que se
modificaram bastante, antes que viesse animar o corpo que
conhecestes. 26. Poderemos fazer alguma coisa que vos seja til e
agradvel? Resp. Ah! Pouco; hoje estou muito acima da Terra. Digenes
1. Evocao. Resp. Ah! Como venho de longe! 2. Podereis aparecer ao
Sr. Adrien, nosso mdium vidente, tal qual reis na existncia que vos
conhecemos? Resp. Sim; e at mesmo, se quiserdes, vir com minha
lanterna. 38
37. JANEIRO DE 1859 39 Retrato Fronte larga, com salincias
laterais bem pronunciadas; nariz fino e aquilino, boca grande e
sria; olhos negros e encovados; olhar penetrante e zombeteiro.
Rosto um pouco alongado, magro e cheio de rugas; tez plida; bigodes
e barba incultos; cabelos cinzentos e ralos. Roupas brancas e muito
sujas; braos nus, assim como as pernas; corpo magro e ossudo.
Sandlias em mau estado, amarradas s pernas por correias. 3.
Dissestes que vnheis de longe; de que mundo viestes? Resp. No o
conheceis. 4. Tereis a bondade de responder a algumas pergunta?
Resp. Com prazer. 5. A existncia que vos conhecemos sob o nome de
Digenes, o Cnico, foi proveitosa para a vossa felicidade futura?
Resp. Bastante. Laborais em erro levando-a ao ridculo, como fizeram
meus contemporneos. Admiro-me mesmo de que a Histria haja
esclarecido to pouco minha existncia e que a posteridade tenha
sido, pode-se dizer, injusta a meu respeito. 6. Que bem pudestes
fazer, considerando-se que vossa existncia foi muito pessoal? Resp.
Trabalhei para mim, mas podiam ter aprendido muito comigo. 7. Quais
as qualidades que gostareis de encontrar no homem que procurveis
com vossa lanterna? Resp. Firmeza. 8. Se tivsseis encontrado em
vosso caminho o homem que acabamos de invocar, Chaudruc-Duclos,
tereis achado nele o homem que
38. REVISTA ESPRITA procurveis? Tambm ele voluntariamente se
privava de tudo quanto fosse suprfluo? R. No. 9. Que pensais dele?
Resp. Sua alma perdeu-se na Terra; quantos so como ele sem o
saberem; pelo menos ele o sabia. 10. Acreditastes possuir as
qualidades que buscveis no homem? Resp. Sem dvida; esse era o meu
critrio. 11. Dos filsofos do vosso tempo, qual o que vos merece a
preferncia? Resp. Scrates. 12. Qual o que preferis agora? Resp.
Scrates. 13. O que dizeis de Plato? Resp. Muito duro; sua filosofia
bastante severa. Eu admitia os poetas; ele, no. 14. O que se conta
a respeito de vossa entrevista com Alexandre verdade? Resp. Muito
real; a Histria at a truncou. 15. Em que a Histria a truncou? Resp.
Ouo falar das outras conversas que fizemos juntos; acreditais que
ele me tivesse vindo ver para dizer somente uma palavra? 16. As
palavras que se lhe atribui, de que se ele no fosse Alexandre
gostaria de ser Digenes, so verdadeiras? Resp. Talvez as tenha
dito, mas no minha frente. Alexandre era um jovem maluco, vo e
orgulhoso; a seus olhos eu 40
39. JANEIRO DE 1859 41 era um mendigo. Como o tirano ousaria
mostrar-se instrudo pelo miservel? 17. Depois de vossa existncia em
Atenas reencarnastes na Terra? Resp. No, mas em outros mundos.
Atualmente perteno a um orbe em que no somos escravos, ou seja: se
vos evocassem em estado de viglia no podereis atender ao chamado,
como o fao esta noite. 18. Podereis traar-nos o quadro das
qualidades que buscveis no homem, tais como as concebeis ento e
tais como as concebeis agora? Resp. Sim: Os anjos-da-guarda2
Comunicao espontnea obtida pelo Sr. L..., um dos mdiuns da
Sociedade. H uma doutrina, a dos anjos guardies, que, pelo seu
encanto e doura, deveria converter os mais incrdulos. No vos parece
grandemente consoladora a idia de terdes sempre junto de vs seres
que vos so superiores, prontos sempre a vos aconselhar e amparar, a
vos ajudar na ascenso abrupta montanha do bem; mais sinceros e
dedicados amigos do que todos os que mais intimamente se vos liguem
na Terra? Eles se acham ao vosso lado por ordem de Deus. Foi Deus
quem a os colocou e, a permanecendo por amor de Deus, desempenham
bela, porm Coragem, ousadia, segurana de si mesmo e poder sobre os
homens pela razo. Abnegao, doura e poder sobre os homens pelo corao
ANTES AGORA 2 N. do T.: Vide essa mensagem em O Livro dos Espritos
Livro II Captulo IX questo 495.
40. REVISTA ESPRITA penosa misso. Sim, onde quer que estejais,
estaro convosco. Nem nos crceres, nem nos hospitais, nem nos
lugares de devassido, nem na solido, estais separados desses amigos
a quem no podeis ver, mas cujo brando influxo vossa alma sente, ao
mesmo tempo que lhes ouve os ponderados conselhos. Ah! Se
conhecsseis bem esta verdade! Quanto vos ajudaria nos momentos de
crise! Quanto vos livraria dos Espritos maus! Mas, oh! quantas
vezes, no dia solene, no se ver esse anjo constrangido a vos
observar: No te aconselhei isto? Entretanto, no o fizeste. No te
mostrei o abismo? Contudo, nele te precipitaste! No fiz ecoar na
tua conscincia a voz da verdade? Preferiste, no entanto, seguir os
conselhos da mentira! Oh! interrogai os vossos anjos guardies;
estabelecei entre eles e vs essa terna intimidade que reina entre
os melhores amigos. No penseis em lhes ocultar nada, pois que eles
tm o olhar de Deus e no podeis engan-los. Pensai no futuro;
procurai adiantar-vos na vida presente. Assim fazendo, encurtareis
vossas provas e mais felizes tornareis vossas existncias. Vamos,
homens, coragem! De uma vez por todas, lanai para longe todos os
preconceitos e idias preconcebidas. Entrai na nova senda que diante
dos passos se vos abre. Caminhai! Tendes guias: segui-os. Que a
meta no vos falte, porquanto essa meta o prprio Deus. Aos que
considerem impossvel que Espritos verdadeiramente elevados se
consagrem a tarefa to laboriosa e de todos os instantes, diremos
que no vos influenciamos as almas, estando embora muitos milhes de
lguas distantes de vs. O espao, para ns, nada , e, no obstante
viverem noutro mundo, os nossos Espritos conservam suas ligaes com
os vossos. Gozamos de qualidades que no podeis compreender, mas
ficai certos de que Deus no nos imps tarefa superior s nossas foras
e de que no vos deixou ss na Terra, sem amigos e sem amparo. Cada
anjo da guarda tem o seu protegido, pelo qual vela, como o pai pelo
filho. Alegra-se, quando o v no bom caminho; sofre, quando lhe
despreza os conselhos. 42
41. JANEIRO DE 1859 43 No receeis fatigar-nos com as vossas
perguntas. Ao contrrio, procurai estar sempre em relao conosco.
Sereis assim mais fortes e mais felizes. So essas comunicaes de
cada um com o seu Esprito familiar que fazem sejam mdiuns todos os
homens, mdiuns ignorados hoje, mas que se manifestaro mais tarde e
se espalharo qual oceano sem margens, levando de roldo a
incredulidade e a ignorncia. Homens doutos, instru os vossos
semelhantes; homens de talento, educai os vossos irmos. No
imaginais que obras fazeis desse modo: a do Cristo, a que Deus vos
impe. Para que vos outorgou Deus a inteligncia e a cincia, seno
para repartirdes com os vossos irmos, seno para fazerdes que se
adiantem pela senda que conduz bem-aventurana, felicidade eterna?
So Lus, Santo Agostinho Observao Nada tem de surpreendente a
doutrina dos anjos guardies, a velarem pelos seus protegidos,
malgrado a distncia que medeia entre os mundos. , ao contrrio,
grandiosa e sublime. No vemos na Terra o pai velar pelo filho,
ainda que de longe, e auxili-lo com seus conselhos,
correspondendo-se com ele? Que motivo de espanto haver, ento, em
que os Espritos possam, de um outro mundo, guiar os que, habitantes
da Terra, eles tomaram sob sua proteo, uma vez que, para eles, a
distncia que vai de um mundo a outro menor do que a que, neste
planeta, separa os continentes? Uma Noite Esquecida ou a Feiticeira
Manouza MILSIMA SEGUNDA NOITE DOS CONTOS RABES Ditada pelo Esprito
Frdric Souli (Segundo artigo) Observao Os algarismos romanos
indicam as interrupes que ocorreram no ditado. Freqentemente no
era
42. REVISTA ESPRITA retomado seno aps duas ou trs semanas e,
apesar disso, como j fizemos observar anteriormente, o relato se
desenvolve como se tivesse sido escrito de um s flego; e isso no
constitui uma das caractersticas menos curiosas desta produo de
alm-tmulo. O estilo correto e perfeitamente apropriado ao assunto.
Repetimos, para aqueles que poderiam ver no ditado uma coisa ftil,
que no o consideramos como obra filosfica, mas como estudo. Para o
observador, nada intil: ele sabe aproveitar-se de tudo para
aprofundar a cincia esprita que estuda. III Nada, entretanto,
parecia perturbar a nossa felicidade; tudo era calmo nossa volta.
Vivamos em perfeita segurana quando, uma noite, no momento em que
nos julgvamos mais seguros, apareceu, de repente, aos nossos lados
(posso dizer assim porque estvamos numa rotunda, para onde confluam
vrias alias) o sulto, acompanhado de seu gro-vizir. Ambos
apresentavam uma expresso apavorante: a clera havia transtornado as
suas fisionomias; estavam, principalmente o sulto, numa exasperao
facilmente compreensvel. O primeiro pensamento do sulto foi mandar
matar-me, mas, sabendo a que famlia perteno e a sorte que o
esperava, caso ousasse arrancar um s fio de cabelo da minha cabea,
fez de conta ( sua chegada eu me jogara para o lado) que no me
tinha visto e precipitou-se como um furioso sobre Nazara, a quem
prometeu no fazer demorar o castigo que ela merecia. Levou-a
consigo, sempre acompanhado do vizir. Quanto a mim, passado o
primeiro momento de susto, apressei-me a voltar ao meu palcio a fim
de buscar um meio de subtrair a estrela de minha vida das mos
daquele brbaro, que, provavelmente, iria destruir essa preciosa
existncia. E depois, que fizeste? perguntou Manouza; porque, afinal
de contas, no vejo em tudo isso razo de te atormentares tanto para
tirar tua amante do perigo em que a colocaste por tua 44
43. JANEIRO DE 1859 45 prpria culpa. A mim pareces um pobre
homem que no tem coragem nem vontade quando se trata de coisas
difceis. Antes de condenar, Manouza, deves escutar. No vim a ti sem
antes haver examinado todos os meios ao meu alcance. Fiz ofertas ao
sulto: prometi-lhe ouro, jias, camelos e at palcios, se ele
devolvesse minha doce gazela. Desdenhou de tudo. Vendo repelidos os
meus sacrifcios, fiz ameaas, que tambm no foram levadas em
considerao: riu de tudo e zombou de mim. Tambm tentei introduzir-me
no palcio; corrompi escravos e cheguei nos quartos. Entretanto,
apesar de todos os meus esforos, no consegui chegar at a minha
bem-amada. Tu s franco, Noureddin; tua sinceridade merece uma
recompensa e ters aquilo que vens buscar. Far-te-ei ver uma coisa
terrvel: se tiveres a fora de suportar a prova pela qual te farei
passar, fica certo de que reencontrars a tua felicidade de outrora.
Dou-te cinco minutos para te decidires. Esgotado esse tempo,
Noureddin disse a Manouza que estava pronto a fazer tudo quanto ela
quisesse para salvar Nazara. Ento a feiticeira, levantando-se,
disse-lhe: Pois bem! Segue. Depois, abrindo uma porta situada no
fundo da sala, f-lo passar sua frente. Atravessaram um ptio
sombrio, repleto de coisas horrveis: serpentes, sapos que passeavam
gravemente em companhia de gatos pretos, os quais afetavam um ar de
superioridade em meio a esses animais imundos. IV Na extremidade
desse ptio havia uma outra porta, que Manouza igualmente abriu; e,
tendo feito passar Noureddin, entraram ambos em uma sala baixa,
apenas iluminada do alto: a luz vinha de uma cpula muito elevada,
guarnecida de vidros coloridos, formando toda sorte de arabescos.
No centro da sala havia um escalfador aceso e, sobre este, num
trip, um grande vaso de
44. REVISTA ESPRITA bronze, dentro do qual ferviam todos os
tipos de ervas aromticas, cujo odor era to forte que mal se o podia
suportar. Ao lado desse vaso havia uma espcie de poltrona grande,
de veludo negro, de aspecto surpreendente. Quem ali se assentasse
desaparecia completamente, porquanto Manouza, nela se havendo
acomodado, Noureddin a procurou durante alguns instantes sem
conseguir perceb-la. De repente ela reapareceu e lhe disse: Ests
ainda disposto? Sim, respondeu Noureddin. Pois bem! Assenta-te
nesta poltrona e espera. To logo Noureddin assentou-se na poltrona
tudo mudou de aspecto, enchendo-se a sala de uma multido de grandes
figuras brancas, a princpio apenas visveis e que depois pareciam de
um vermelho sangneo ou lembravam homens cobertos de chagas
sanguinolentas, danando uma ronda infernal; e, no meio deles,
Manouza, cabelos desgrenhados, olhos chamejantes, vestes
esfarrapadas e uma coroa de serpentes na cabea. Na mo, guisa de
cetro, brandia uma tocha acesa que lanava chamas, cujo odor
assomava garganta. Depois de haverem danado um quarto de hora,
pararam de repente, a um sinal de sua rainha que, para isso, lanara
sua tocha no escalfador em ebulio. Quando todas essas figuras se
dispuseram em volta do escalfador, Manouza fez aproximar-se o mais
velho, reconhecido por sua longa barba branca, dizendo-lhe: Vem
aqui, tu que segues o diabo; tenho uma misso muito delicada para te
encarregar. Noureddin quer Nazara e prometi que a entregaria a ele;
coisa difcil. Conto, Tanaple, com o teu concurso. Noureddin haver
de suportar todas as provas necessrias. Atua, pois! Sabes o que
quero; faze o que quiseres, mas faze; tremers se fracassares. Eu
recompenso a quem me obedece, mas infeliz daquele que no me fizer a
vontade! Sers satisfeita, disse Tanaple, e podes contar comigo.
Muito bem! Vai e age. V Mal acabara de pronunciar essas palavras e
tudo mudou aos olhos de Noureddin; os objetos tornaram-se o que
eram antes 46
45. JANEIRO DE 1859 47 e Manouza achou-se a ss com ele. Agora,
disse-lhe, volta para casa e espera; eu te mandarei um de meus
gnomos dizer o que deves fazer; obedece e tudo correr bem.
Noureddin ficou feliz com essas palavras e mais feliz ainda por
deixar o antro da feiticeira. Atravessou novamente o ptio e a sala
por onde havia entrado; depois ela o acompanhou at a porta externa.
Tendo Noureddin perguntado se devia retornar, ela respondeu: No; no
momento intil. Se for necessrio eu to farei saber. Noureddin
apressou-se a voltar ao seu palcio. Estava impaciente por saber se
alguma novidade havia acontecido desde sua sada. Encontrou tudo no
mesmo estado; apenas viu, na sala de mrmore sala de repouso de vero
dos habitantes de Bagd uma espcie de ano de feiura repugnante,
perto da piscina situada no centro dessa sala. Sua vestimenta era
amarela, com bordados vermelhos e azuis; tinha uma corcunda
monstruosa, pernas pequenas, rosto grosseiro, olhos verdes e
estrbicos, boca rasgada at as orelhas e cabelos de um ruivo que
podia rivalizar com o sol. Noureddin perguntou-lhe como chegara ali
e o que vinha fazer. Fui enviado por Manouza, disse-lhe, para te
entregar tua amante. Chamo-me Tanaple. Se s realmente o enviado de
Manouza, estou pronto a obedecer s tuas ordens; mas apressa-te,
aquela a quem amo est acorrentada e tenho pressa em libert-la. Se
ests pronto, leva-me imediatamente ao teu quarto e te direi o que
preciso fazer. Segue-me, ento, disse Noureddin. VI Depois de haver
atravessado vrios ptios e jardins, Tanaple encontrou-se nos
aposentos do rapaz; fechou todas as portas e lhe disse: Sabes que
deves fazer tudo quanto eu te disser, sem objeo. Usars esse traje
de mercador. Levars um fardo s
46. REVISTA ESPRITA costas, contendo os objetos que nos so
necessrios. Quanto a mim, vestir-me-ei de escravo e conduzirei
outro fardo. Para sua grande estupefao, Noureddin viu dois enormes
pacotes ao lado do ano, embora no tivesse visto nem ouvido ningum
traz-los. Em seguida, continuou Tanaple, iremos casa do Sulto.
Mandar dizer-lhe que tens objetos raros e curiosos; que se ele os
quiser oferecer sultana favorita, nenhuma huri jamais ter usado
outros iguais. Conheces a sua curiosidade; ele ter vontade de nos
ver. Uma vez admitido em sua presena, no ters dificuldade de
apresentar tua mercadoria e lhe venders tudo quanto levamos: so
indumentrias maravilhosas, que transformam as pessoas que as
vestem. Assim que o Sulto e a sultana os vestirem, todo o palcio os
tomar por ns e no por eles: a ti pelo Sulto e a mim por Ozara, a
nova sultana. Operada essa metamorfose, estaremos livres para agir
vontade e libertars Nazara. Tudo se passou como Tanaple anunciara:
a venda ao sulto e a transformao. Aps alguns minutos de horrvel
furor da parte do sulto, que queria expulsar os importunos e fazia
um barulho medonho, Noureddin, conforme ordem de Tanaple, cha- mou
diversos escravos e fez prender o sulto e Ozara como escra- vos
rebeldes, ordenando que os conduzissem imediatamente presena da
prisioneira Nazara. Queria saber, dizia ele, se ela estava disposta
a confessar seu crime e se estava preparada para morrer. Quis tambm
que a favorita Ozara viesse com ele, a fim de presenciarem o
suplcio que iria infligir s mulheres infiis. Dito isso, marchou,
precedido do chefe dos eunucos, durante um quarto de hora, por um
sombrio corredor, no fundo do qual havia uma pesada porta de ferro
macio. Tomando de uma chave, o escravo abriu trs fechaduras e eles
entraram num grande gabinete, comprido e da altura de trs ou quatro
cvados. Ali, sobre uma esteira de palha, estava sentada Nazara, com
um cntaro de gua e algumas tmaras por perto. J no era a brilhante
Nazara de 48
47. JANEIRO DE 1859 49 outrora: continuava sempre bela,
entretanto, plida e emagrecida. vista daquele que tomava por seu
senhor, estremeceu de medo, julgando que tivesse chegado a sua
hora. (Continua no prximo nmero) Aforismos Espritas Sob esse ttulo
daremos, de vez em quando, pensamentos avulsos que em poucas
palavras resumiro certos princpios essenciais do Espiritismo. I.
Aqueles que julgam preservar-se da ao dos Espritos maus ao se
absterem das comunicaes espritas, assemelham-se a crianas que
imaginam evitar um perigo colocando uma venda nos olhos. Tanto vale
dizer que prefervel no saber ler e escrever para no se ficar
exposto s ms leituras ou a escrever tolices. II. Todo aquele que
recebe ms comunicaes espritas, verbais ou por escrito, est sob uma
m influncia. Tal influncia se exerce sobre ele, quer escreva ou no.
A escrita oferece-lhe um meio de assegurar-se da natureza dos
Espritos que atuam sobre ele. Se estiver bastante fascinado para no
os compreender, outros podero abrir-lhe os olhos. III. preciso ser
mdium para escrever absurdos? Quem garante que entre todas as
coisas ridculas ou ms que so impressas no haja um escritor,
impulsionado por algum Esprito zombeteiro ou malevolente, a
representar, sem o saber, o papel de um mdium obsidiado? IV. Os
Espritos bons, mas ignorantes, confessam sua insuficincia a
respeito daquilo que no sabem. Os maus dizem que sabem tudo.
48. REVISTA ESPRITA V. Os Espritos elevados provam a
superioridade por suas palavras e pela constante sublimidade de
seus pensamentos, mas no se vangloriam disso. Desconfiai daqueles
que dizem enfaticamente estar no mais alto grau de perfeio e entre
os eleitos. A bazfia, assim nos Espritos como nos homens, sempre
sinal de mediocridade. Sociedade Parisiense de Estudos Espritas
AVISO As sesses que se realizavam s teras-feiras ocorrem agora s
sextas-feiras, na nova sede da Sociedade, na Galeria Montpensier,
12, no Palais-Royal, s oito horas da noite. Os estranhos somente
sero admitidos nas segundas, quartas e sextas- feiras, mediante
cartas pessoais de apresentao. Favor dirigir-se, a tudo quanto diz
respeito Sociedade, ao Sr. Allan Kardec, Rua dos Mrtires, 8, ou ao
Sr. Le Doyen, livreiro, Galeria d'Orlans, no Palais-Royal. Allan
Kardec 50
49. Revista Esprita Jornal de Estudos Psicolgicos ANO II
FEVEREIRO DE 1859 No 2 Escolhos dos Mdiuns A mediunidade uma
faculdade multiforme que apresenta uma variedade infinita de
matizes em seus meios e em seus efeitos. Quem quer que seja apto a
receber ou transmitir as comunicaes dos Espritos , por isso mesmo,
mdium, seja qual for o modo empregado ou o grau de desenvolvimento
da faculdade, desde a simples influncia oculta at a produo dos mais
inslitos fenmenos. Usualmente, todavia, essa palavra tem uma acepo
mais restrita e em geral se refere s pessoas dotadas de um poder
mediatriz muito grande, seja para produzir efeitos fsicos, seja
para transmitir o pensamento dos Espritos pela escrita ou pela
palavra. Embora essa faculdade no seja um privilgio exclusivo,
certo que encontra refratrios, pelo menos no sentido que se lhe
atribui; tambm certo que no se trata de uma faculdade que no
apresente escolhos aos que a possuem; que pode alterar-se, perder-
se mesmo e, freqentemente, ser uma fonte de graves desiluses. sobre
este ponto que julgamos de utilidade chamar a ateno de todos os que
se ocupam das comunicaes espritas, quer diretamente, quer atravs de
um intermedirio. Dizemos atravs de um intermedirio porque importa
tambm aos que se servem de
50. REVISTA ESPRITA 52 mdiuns poder apreciar o valor e a
confiana que merecem suas comunicaes. O dom da mediunidade liga-se
a causas ainda no perfeitamente conhecidas, nas quais o fsico
parece desempenhar uma grande parte. primeira vista, poderia
parecer que um dom to precioso no devesse ser partilhado seno por
almas de escol. Ora, a experincia prova o contrrio, desde que se
encontram potentes mdiuns entre pessoas cuja moral deixa muito a
desejar, enquanto outros, estimveis sob todos os aspectos, no
possuem esse dom. Aquele que fracassa, malgrado seu desejo, seus
esforos e sua perseverana, no dever tirar concluses desfavorveis a
seu respeito nem julgar-se indigno da benevolncia dos Espritos
bons; se esse favor no lhe foi concedido, outros h, sem dvida, que
lhe podem oferecer ampla compensao. Pela mesma razo aquele que o
desfruta no poderia dele prevalecer-se, pois esse dom no nenhum
sinal de mrito pessoal. O mrito, portanto, no est na posse da
faculdade mediatriz, que a todos pode ser dada, mas no uso que dela
se pode fazer. Eis a uma distino capital que no se deve jamais
perder de vista; a boa qualidade do mdium no est na facilidade das
comunicaes, mas unicamente na sua aptido para somente receber as
boas. Ora, a que as condies morais nas quais se acha so
todo-poderosas, e a tambm que ele encontra os maiores escolhos.
Para perceber este estado de coisas e compreender o que vamos
dizer, necessrio reportar-se a esse princpio fundamental: que entre
os Espritos h os de todos os graus no bem e no mal, em cincia e em
ignorncia; que os Espritos pululam nossa volta e, quando imaginamos
estar sozinhos, estamos incessantemente rodeados de seres que se
nos acotovelam, uns com indiferena, como estranhos, outros que nos
observam com intenes mais ou menos benevolentes, conforme a sua
natureza.
51. FEVEREIRO DE 1859 53 O provrbio Cada ovelha busca sua
parelha tem sua aplicao entre os Espritos, como entre ns e,
possivelmente, mais ainda entre eles, porque no esto, como ns,
submetidos influncia das convenes sociais. Todavia, se entre ns
essas convenes algumas vezes confundem homens de costumes e gostos
bem diferentes, de certo modo a confuso apenas material e
transitria. A similitude e a divergncia de pensamentos ser sempre a
causa das atraes e repulses. Nossa alma, que afinal de contas no
mais que um Esprito encarnado, nem por isso deixa de ser um
Esprito. Se est revestida momentaneamente de um envoltrio material,
suas relaes com o mundo incorpreo, embora menos fceis do que no
estado de liberdade, no so interrompidas de maneira absoluta. O
pensamento o lao que nos une aos Espritos, e pelo pensamento
atramos os que simpatizam com nossas idias e pendores.
Representemos, pois, a massa dos Espritos que nos cercam como a
multido que encontramos no mundo; em toda parte onde preferirmos
ir, encontraremos criaturas atradas pelos mesmos gostos e pelos
mesmos desejos. Nas reunies que tm um objetivo srio vo homens
srios; nas frvolas, comparecem homens frvolos. Por toda parte
encontram-se homens atrados pelo pensamento dominante. Se lanarmos
o olhar sobre o estado moral da Humanidade em geral,
compreenderemos sem dificuldade que, nessa multido oculta, os
Espritos elevados no devem constituir a maioria; uma das
conseqncias do estado de inferioridade do nosso globo. Os Espritos
que nos cercam no so passivos; trata-se de uma populao
essencialmente inquieta, que pensa e age sem cessar, que nos
influencia mau grado nosso, que nos excita ou nos dissuade, que nos
impele ao bem ou a mal, o que no nos tira o livre-arbtrio mais do
que os bons ou maus conselhos que recebemos de nossos semelhantes.
Todavia, quando os Espritos imperfeitos instigam algum a fazer uma
coisa m, sabem muito bem a quem se dirigir e no vo perder o tempo
onde vem que
52. REVISTA ESPRITA 54 sero mal recebidos. Eles nos excitam
conforme nossas inclinaes ou conforme os germes que em ns vem e de
acordo com nossa disposio em ouvi-los. Eis por que o homem firme
nos princpios do bem no lhes d oportunidade. Essas consideraes nos
levam naturalmente questo dos mdiuns. Estes ltimos esto, como todo
o mundo, submetidos influncia oculta dos Espritos bons e maus; eles
os atraem ou os repelem conforme as simpatias de seu prprio
Esprito, aproveitando-se os Espritos maus de todas as falhas, como
de uma falta de couraa para introduzir-se junto a eles e
intrometer-se, mau grado seu, em todos os atos de sua vida privada.
Alm disso esses Espritos, encontrando no mdium um meio de expressar
seu pensamento de modo inteligvel e de atestar sua presena,
interferem nas comunicaes e as provocam, porque esperam ter mais
influncia por esse meio e acabam por assenhorear-se dele. Vem-se
como se estivessem em sua prpria casa, afastando os Espritos que
lhes poderiam criar obstculos e, conforme a necessidade,
tomando-lhes os nomes e mesmo a linguagem, a fim de enganar o
mdium. Mas no podem representar esse papel por muito tempo: logo so
desmascarados pelo observador experimentado e prevenido. Se o mdium
se deixa dominar por essa influncia os Espritos bons se afastam, ou
absolutamente no vm quando chamados ou s vm com relutncia, porque
vem que o Esprito que est identificado com o mdium, na casa do qual
estabeleceu residncia, pode alterar as suas instrues. Se tivermos
de escolher um intrprete, um secretrio, um mandatrio qualquer,
evidente que escolheremos no apenas um homem capaz mas, tambm, que
seja digno da nossa estima, da mesma forma que no confiamos uma
misso delicada e nossos prprios interesses a um homem
desequilibrado ou que freqente uma sociedade suspeita. O mesmo se d
com os Espritos. Para transmitir instrues srias os Espritos
superiores no escolhero um mdium que conviva com Espritos levianos,
a menos que haja necessidade e no encontrem,
53. FEVEREIRO DE 1859 55 no momento, outros mdiuns sua
disposio; a menos, ainda, que queiram dar uma lio ao prprio mdium,
o que por vezes acontece; mas, ento, dele s se servem
acidentalmente, abandonando-o logo que encontrem um melhor e
deixando-o entregue s suas simpatias, caso permanea preso a elas. O
mdium perfeito seria, pois, o que nenhum acesso permitisse aos
Espritos maus por uma falha qualquer. Essa condio bem difcil de
preencher. Entretanto, se a perfeio absoluta no dada ao homem, por
seus esforos sempre lhe possvel aproximar-se dela; e os Espritos
levam em conta sobretudo os esforos, a vontade e a perseverana.
Assim, o mdium perfeito no daria seno comunicaes perfeitas, de
verdade e de moralidade. No sendo possvel a perfeio, o melhor mdium
seria aquele que obtivesse as melhores comunicaes: pelas obras que
podero ser julgados. Comunicaes constantemente boas e elevadas, nas
quais nenhum ndice de inferioridade fosse evidenciado, seriam
incontestavelmente uma prova da superioridade moral do mdium,
porque atestariam simpatias felizes. Pelo prprio fato de o mdium no
ser perfeito, Espritos levianos, embusteiros e mentirosos podem
interferir em suas comunicaes, alterar-lhes a pureza e induzir em
erro o mdium e os que a ele se dirigem. Eis a o maior escolho do
Espiritismo e ns no lhe dissimulamos a gravidade. Podemos evit-lo?
Dizemos altivamente: sim, podemos. O meio no difcil, exigindo
apenas discernimento. As boas intenes, a prpria moralidade do mdium
nem sempre so suficientes para o preservarem da ingerncia dos
Espritos levianos, mentirosos ou pseudo-sbios, nas comunicaes. Alm
dos defeitos de seu prprio Esprito, pode dar-lhes guarida por
outras causas, das quais a principal a fraqueza de carter e uma
confiana excessiva na invarivel superioridade dos Espritos que com
ele se comunicam. Essa confiana cega liga- se a uma causa que a
seguir explicaremos. Se no quisermos ser vtimas de Espritos
levianos preciso saber julg-los; para isso
54. REVISTA ESPRITA 56 dispomos de um critrio infalvel: o
bom-senso e a razo. Sabemos das qualidades de linguagem que entre
ns caracterizam os homens verdadeiramente bons e superiores, e
essas qualidades so as mesmas para os Espritos; ns os devemos
julgar por sua linguagem. Nunca seria demais repetir o que
caracteriza a dos Espritos superiores: constantemente digna, nobre,
sem bazfia nem contradio, isenta de trivialidade e assinalada por
inaltervel benevolncia. Os Espritos bons aconselham, no ordenam; no
se impem; calam-se naquilo que ignoram. Os Espritos levianos falam
com a mesma segurana do que sabem e do que no sabem, a tudo
respondendo sem se preocuparem com a verdade. Vimos alguns, em
mensagem supostamente sria, com imperturbvel audcia, colocar Csar
no tempo de Alexandre; outros, afirmando que no a Terra que gira em
torno do Sol. Em resumo, toda expresso grosseira ou simplesmente
inconveniente, toda marca de orgulho e de presuno, toda mxima
contrria s moral, toda notria heresia cientfica, nos Espritos como
nos homens, sinal incontestvel de natureza m, de ignorncia ou, pelo
menos, de leviandade, donde se conclui que necessrio pesar tudo o
que eles dizem e submeter todas as coisas ao crivo da lgica e do
bom- senso. Eis uma recomendao que incessantemente nos fazem os
Espritos bons: Deus dizem eles no vos deu o raciocnio sem propsito;
servi-vos dele para saber o que estais fazendo. Os Espritos maus
temem o exame e dizem: Aceitai nossas palavras e no as julgueis. Se
tivessem conscincia de estar com a verdade, no temeriam a luz. O
hbito de perscrutar as menores palavras dos Espritos, de pesar-lhes
o valor do ponto de vista do contedo e no da forma gramatical, com
a qual eles pouco se importam afasta necessariamente os Espritos
mal-intencionados que, ento, no viro perder seu tempo inutilmente,
desde que rejeitamos tudo quanto mau ou de origem suspeita. Mas,
quando aceitamos cegamente tudo quanto dizem, quando, por assim
dizer, nos ajoelhamos ante sua pretensa sabedoria, eles fazem o que
fariam os homens, enganando-nos.
55. FEVEREIRO DE 1859 57 Se o mdium senhor de si, se no se
deixa dominar por um entusiasmo irrefletido, poder fazer o que
aconselhamos. Acontece, porm, que o Esprito muitas vezes o subjuga
a ponto de fascin-lo, levando-o a considerar admirveis as coisas
mais ridculas; ento ele se abandona cada vez mais a essa perniciosa
confiana e, acreditando em suas boas intenes e em seus bons
sentimentos, julga que isso suficiente para afastar os Espritos
maus. No, isso no basta, porque esses Espritos, aproveitando-se de
sua fraqueza e de sua credulidade, ficam muito satisfeitos por
faz-lo cair na cilada. Que fazer, ento? Relatar o caso a uma
terceira pessoa desinteressada que, julgando com critrio e sem
preveno, possa ver um argueiro onde o mdium no via uma trave. A
cincia esprita exige uma grande experincia que, como em todas as
cincias, filosficas ou no, s adquirida por um estudo assduo, longo
e perseverante, e por meio de numerosas observaes. Ela no abrange
apenas o estudo dos fenmenos propriamente ditos, mas, tambm e
sobretudo, os costumes do mundo oculto, se assim nos podemos
exprimir, desde o mais inferior ao mais alto grau da escala. Seria
muita presuno julgar-se suficientemente esclarecido e passar a
mestre depois de alguns ensaios. Tal pretenso no partiria de um
homem srio, pois quem quer que lance um golpe de vista indagador
sobre esses estranhos mistrios, v desdobrar-se, diante de si, um
horizonte to vasto que uma multido de anos no bastaria para o
abranger. E pensar que certas pessoas querem faz-lo em alguns dias!
De todas as imperfeies morais, a que oferece maior vulnerabilidade
aos Espritos imperfeitos o orgulho. Para os mdiuns, o orgulho um
escolho tanto mais perigoso quanto menos o confessam. o orgulho que
lhes d essa crena cega na superioridade dos Espritos que a eles se
vinculam, porque se sentem lisonjeados com certos nomes que eles
lhes impem. Desde que um Esprito lhes diz: Eu sou fulano,
inclinam-se e no
56. REVISTA ESPRITA 58 admitem dvidas, porque seu amor-prprio
sofreria se encontrasse, sob essa mscara, um Esprito de condio
inferior ou um malvado desprezvel. O Esprito, que v o lado fraco,
aproveita-se dele, lisonjeia o pretenso protegido, fala-lhe de
origens ilustres, que o enchem de orgulho e vaidade, promete-lhe um
futuro brilhante, honra e fortuna, dos quais parece ser o
dispensador. Caso necessrio, simula por ele uma ternura hipcrita.
Como resistir a tanta generosidade? Numa palavra, zomba do mdium,
fazendo dele o que bem entendem, como se diz vulgarmente. Sua
felicidade ter algum sob sua dependncia. J interrogamos vrios deles
sobre os motivos de sua obsesso; um nos respondeu isto: Quero ter
um homem que me faa a vontade; o meu prazer. Quando lhe dissemos
que amos fazer tudo para frustrar as suas artimanhas e abrir os
olhos de seu oprimido, disse: Lutarei contra vs e no o
conseguireis, porque farei tantas coisas que ele no vos acreditar.
, com efeito, uma das tticas desses Espritos malfazejos; inspiram a
desconfiana e o afastamento das pessoas que os podem desmascarar e
dar bons conselhos. Da parte dos Espritos bons jamais acontece
coisa semelhante. Todo Esprito que insufla a discrdia, que excita a
animosidade, que alimenta as dissenses, por isso mesmo revela a sua
natureza m. Seria preciso ser cego para no o compreender e para
crer que um Esprito bom pudesse estimular a desinteligncia. Muitas
vezes o orgulho se desenvolve no mdium medida que cresce a sua
faculdade; ela lhe d importncia. Procuram-no e ele acaba por
julgar-se indispensvel; da, muitas vezes, um tom de jactncia e de
pretenso, ou ares de auto-suficincia e de desdm, incompatveis com a
influncia exercida por um Esprito bom. Aquele que cai em semelhante
extravagncia est perdido, pois Deus lhe deu sua faculdade para o
bem e no para satisfazer a vaidade ou servir de trampolim para a
sua ambio. Esquece que esse poder, do qual se orgulha, pode ser
retirado e freqentemente no lhe dado seno como prova, assim como a
fortuna o para certas pessoas. Se dele abusa, os Espritos bons o
abandonam pouco a pouco, tornando-se joguete dos Espritos levianos
que o embalam com suas iluses, satisfeitos por
57. FEVEREIRO DE 1859 59 haverem vencido aquele que se julgava
forte. Foi assim que vimos aniquilarem-se e perderem-se as mais
preciosas faculdades que, sem isso, se teriam tornado os mais
poderosos e teis auxiliares. Isso se aplica a todos os gneros de
mdiuns, seja de manifestaes fsicas, seja de comunicaes
inteligentes. Infeliz- mente o orgulho um dos defeitos que estamos
menos dispostos a confessar a ns mesmos e menos ainda aos outros,
porque eles no acreditariam. Ide, pois, dizer a um desses mdiuns
que se deixa levar como uma criana, que logo ele vos virar as
costas, dizendo que sabe conduzir-se muito bem e que no enxergais
as coisas claramente. Podeis dizer a um homem que ele bbado,
debochado, preguioso, incapaz, imbecil e ele rir ou concordar;
dizei-lhe que orgulhoso e ficar zangado, prova evidente de que
tereis dito a verdade. Neste caso, os conselhos so tanto mais
difceis quanto mais o mdium evita as pessoas que os possam dar,
fugindo de uma intimidade que teme. Os Espritos, sentindo que os
conselhos so golpes desferidos contra seu poder, impelem o mdium ao
contrrio, para aqueles que o entretm em suas iluses. Preparam-se,
assim, muitas decepes, com o que o amor-prprio do mdium ter muito a
sofrer. Feliz ainda se no lhe resultar coisa mais grave. Se
insistimos longamente sobre este ponto porque em muitas ocasies a
experincia nos tem demonstrado estar a uma das grandes pedras de
tropeo para a pureza e a sinceridade das comunicaes medinicas.
quase intil, depois disso, falar das outras imperfeies morais, tais
como o egosmo, a inveja, o cime, a ambio, a cupidez, a dureza de
corao, a ingratido, a sensualidade, etc. Cada um haver de
compreender que so outras tantas portas abertas aos Espritos
imperfeitos ou, pelo menos, causas de fraqueza. Para repelir esses
ltimos no basta dizer-lhes que se vo; nem mesmo basta querer e
ainda menos conjur-los: preciso fechar-lhes a porta e os ouvidos,
provar-lhes que somos mais fortes do que eles, o que
incontestavelmente seremos um dia, pelo amor do bem, pela caridade,
pela doura, pela simplicidade,
58. REVISTA ESPRITA 60 pela modstia e pelo desinteresse,
qualidades que nos atraem a benevolncia dos Espritos bons. o apoio
destes que nos d fora e, se algumas vezes nos deixam merc dos maus,
para testarem a nossa f e o nosso carter. Que os mdiuns no se
assustem em demasia da se- veridade das condies que acabamos de
falar; havero de convir que so lgicas e seria erro contrari-las.
verdade que as ms comunicaes que podemos obter so o indcio de
alguma fraqueza, mas nem sempre um sinal de indignidade. Podemos
ser fracos e ser bons. , em todo caso, um meio de reconhecer nossas
prprias imperfeies. J dissemos em outro artigo: no neces- srio ser
mdium para se estar sob a influncia de Espritos maus, que agem na
sombra. Com a faculdade medinica o inimigo se mostra e se trai;
sabemos com quem tratamos e podemos combat- lo. assim que uma m
comunicao pode tornar-se uma lio til, se soubermos aproveit-la.
Seria injusto, alm disso, tributar todas as ms comunicaes conta do
mdium. Falamos daquelas que ele obtm sozinho, fora de qualquer
outra influncia, e no das que so produzidas num meio qualquer. Ora,
todos sabem que os Espritos atrados por esse meio podem prejudicar
as manifestaes, quer pela diversidade de caracteres, quer por
defeito de recolhimento. regra geral que as melhores comunicaes
ocorrem na intimidade e num crculo conce