REVOLUÇÃO NACIONAL E ESTRATÉGIA DE INSERÇÃO
INTERNACIONAL NO SUDESTE ASIÁTICO: OS CASOS DE VIETNÃ,
INDONÉSIA E MALÁSIA
Bruno Magno1
Athos Munhoz Moreira da Silva2
Rômulo Barizon Pitt3
Resumo
O artigo propõe contribuir para uma compreensão sobre a relação entre o fenômeno da guerra e o
contexto sociohistórico no qual ela ocorre. Especificamente, espera-se contribuir para o debate a partir de
uma experiência distinta da ocidental e inserida no contexto dos então chamados países de Terceiro Mundo,
e por isso centrada em guerras revolucionárias no século XX. Pretende-se cumprir este objetivo a partir da
análise da relação entre a definição de estratégias para a construção do Estado e as transformações do
Sistema Internacional ao longo do processo de descolonização do século XX em Vietnã, Indonésia e
Malásia. Parte-se da hipótese de que estas estratégias foram formuladas a partir de uma agenda de
Revolução Nacional. Esta agenda é resultado ainda do colapso do Sistema Tributário sinocêntrico e da
inclusão do Leste Asiático dentro da lógica do sistema de produção capitalista e do Sistema Internacional
Vestifaliano. Nesse sentido, a estratégia de construção de Estado e inserção internacional de China e Japão,
processos iniciados ainda no século XIX, são tomados como referência pelos nascentes Estados do sudeste
asiático. São centro desta estratégia: (a) consolidação de um Estado centralizado politicamente; (b)
construção de uma economia industrial e (c) promoção e modernização de um exército nacional. Assim,
em primeiro lugar, serão analisados os antecedentes históricos de Revolução Nacional e estratégias de
inserção internacional de China e Japão. Esta análise será feita a partir da perspectiva de mudanças
sistêmicas no século XIX e XX. A partir destes antecedentes, serão destacados os elementos que permitirão
analisar os casos de relação entre Revolução Nacional e estratégia de inserção internacional de Vietnã,
Malásia e Indonésia.
Palavras-chave: Sudeste Asiático; Revolução Nacional; Inserção Internacional
Abstract
The article proposes to contribute to an understanding about the relation between the war
phenomenon and the sociohistorical context in which it occurs. Specifically, it is expected to contribute to
the debate from a different experience from the West and inserted in the context of the so-called Third
World countries, and therefore focused on revolutionary wars in the twentieth century. The aim is to fulfill
this objective by analyzing the relationship between the definition of strategies for the construction of the
State and the transformations of the International System throughout the process of decolonization during
twentieth century in Vietnam, Indonesia and Malaysia. It is hypothesized that these strategies were
1 Mestrando no Programa de Estudos Estratégicos Internacionais da UFRGS (PPGEEI-UFRGS),
pesquisador do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (ISAPE), pesquisador associado do Núcleo
de Estudos Estratégicos, Geopolítica e Integração da Universidade Federal da Integração Latino-Americana
(NEEGI-UNILA). e-mail: [email protected]. 2 Doutorando pelo Programa de Estudos Estratégicos Internacionais da UFRGS (PPGEEI-UFRGS),
Gerente do Instituto Confúcio na UFRGS; pesquisador do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia
(ISAPE), pesquisador associado do Núcleo de Estudos Estratégicos, Geopolítica e Integração da
Universidade Federal da Integração Latino-Americana (NEEGI-UNILA). e-mail: [email protected]. 3 Doutorando pelo Programa de Estudos Estratégicos Internacionais da UFRGS (PPGEEI-UFRGS),
pesquisador do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (ISAPE), pesquisador associado do Núcleo
de Estudos Estratégicos, Geopolítica e Integração da Universidade Federal da Integração Latino-Americana
(NEEGI-UNILA). e-mail: [email protected].
formulated from a National Revolution agenda. This agenda is also the result of the collapse of the
Sinocentric Tax System and the inclusion of East Asia within the logic of the capitalist production system
and the Westphalian International System. In this sense, the strategy of State-building and international
insertion of China and Japan, started in the nineteenth century, are taken as a reference by the nascent states
of Southeast Asia. The center of this strategy is: (a) the consolidation of a politically centralized state; (b)
building an industrial economy and (c) promoting and modernizing a national army. Thus, in the first place,
the historical antecedents of National Revolution and strategies of international insertion of China and Japan
will be analyzed. This analysis will be made from the perspective of systemic changes in century XIX and
XX. From these antecedents, the elements that will allow to analyze the cases of relation between National
Revolution and strategy of international insertion of Vietnam, Malaysia and Indonesia will be highlighted.
Keywords: Southeast Asia; National Revolution; International Insertion
Introdução
Este artigo propõe analisar as guerras de libertação de Indonésia, Malásia e Vietnã
sob uma abordagem semiperiférica. Para isto, lança-se mão de uma operacionalização do
conceito de Revolução Nacional, fundamentado na teoria do desenvolvimento e
subdesenvolvimento de Celso Furtado. Pretende-se com isto demonstrar a relação entre
os objetivos políticos daqueles Estados, sua percepção do Sistema Internacional e sua
concepção estratégico-operacional para a guerra.
Além disto, espera-se demonstrar também a relação entre subdesenvolvimento,
conforme a teoria de Furtado, e a guerra. Se em uma economia subdesenvolvida o
comportamento do Estado se caracteriza pela sua relação com o centro, os enclaves
industriais pela sua produção para o mercado externo, a defesa e a guerra também
possuem peculiaridades em países subdesenvolvidos, necessitando de uma abordagem
específica para a sua compreensão. Se a formulação de políticas econômicas não pode se
resumir a aplicação de modelos mecânicos, a política de defesa e a preparação militar
também não, necessitando de uma abordagem autóctone e independente para o seu
alinhamento com os objetivos políticos da nação.
Assim, o artigo procura colaborar para uma visão da guerra e das Relações
Internacionais menos eurocêntrica e mais adequada as perspectivas de países
semiperiféricos. Desse modo, sustenta-se neste artigo que a Revolução Nacional é
composta pelo trinômio: centralização política, industrialização e Forças Armadas
Modernas. Busca-se demonstrar isto resgatando os antecedentes desta agenda ainda no
século XIX, com o avanço das potências ocidentais sobre a região a partir da guerra do
ópio (1939-1942), passando pela Restauração Meiji (paradigma de Revolução Nacional),
pela segunda guerra sino-japonesa (paradigma de uma concepção estratégica-
operacional), até as guerras de libertação do sudeste asiático.
Espera-se que este artigo represente uma primeira aproximação para a formulação
de uma agenda de pesquisa que contribua para a construção de abordagens
semiperiféricas e brasileiras para a análise de Relações Internacionais e Estudos
Estratégicos. Para a academia, parte de sua responsabilidade nesta tomada de consciência
e no auxílio de formulação de políticas públicas de desenvolvimento diz respeito ao
estímulo do trabalho teórico de natureza crítica ou criadora perseguindo formulações
independentes e autóctones que contribuam para a internalização de centros de decisão e
a sua instrumentalização para o interesse nacional (FURTADO, 1962, p. 69–71, 91, 99).
Considerando a primazia que a ‘política’ tem sobre a política econômica é essencial a
colaboração transdisciplinar na formulação de políticas de desenvolvimento, incluindo a
ciência política, a sociologia, entre outras disciplinas das humanidades e sociais aplicadas
(FURTADO, 1962, p. 91,99). É nesse sentido de colaboração transdisciplinar para a
operacionalização de conceitos de Celso Furtado para a análise da realidade e formulação
política que se propõe neste artigo a inclusão da esfera da defesa/guerra para a
compreensão da Revolução Nacional, pois a noção de desenvolvimento aglutina
disciplinas, não as compartimentaliza (FURTADO, 2013, p. 197).
Conceitos: Celso Furtado, Revolução Nacional e Guerra
Celso Furtado define o desenvolvimento industrial do centro do sistema de
produção capitalista como um fenômeno histórico autônomo circunscrito à Europa e
América do Norte e relacionado ao processo da Revolução Industrial (FURTADO, 2013,
seç. O Modelo Clássico do Desenvolvimento Industrial). Este fenômeno teria sido
resultante de uma série de ações e decisões de agentes em estruturas políticas e
econômicas, pois segundo Furtado:
“Quem decide atua em função de objetivos e exerce alguma forma de
poder. Ver os processos econômicos como cadeias de decisões, e estas como
estruturas de poder, é afastar-se dos conceitos de mecanismo e equilíbrio, que
são a essência de todo o enfoque neoclássico. Antes de estudar economia, eu
já sabia que não existe organização sem coordenação e controle, e que para que
se efetivem a coordenação e o controle é indispensável que existam centros
diretores capazes de definir objetivos. Ora, por uma simples economia de
esforço, todo centro de decisão tende a aprofundar o seu horizonte temporal,
isto é, a planejar a sua ação. Dessa forma, quando se observa a economia como
uma organização, a ideia de planejamento como técnica destinada a elevar a
eficiência dos centros de decisão surge naturalmente. Por último, quem diz
planejamento diz objetivos explícitos ou implícitos. Assim, cai por terra o mito
do laissez-faire, o qual nas economias subdesenvolvidas tem servido para
sancionar e consolidar a dependência.” (FURTADO, 2013, seç. Aventuras de
um economista brasileiro)
A partir destes conceitos que Furtado elabora o conceito de Centro de Decisão e a
sua teoria do subdesenvolvimento. O Centro de Decisão diz respeito à capacidade de
articulação de um sistema produtivo em torno de interesses e valores de uma coletividade
(SARAIVA, 2015, p. 6), ou seja, a capacidade de promover decisões em estruturas de
poder de forma a atingir um objetivo de forma autônoma. Já o subdesenvolvimento seria
uma economia caracterizada por uma estrutura híbrida, parte moderna, capitalista e
industrial, parte baseada em relações arcaicas ou pré-capitalistas de produção. Nesse
sentido, o subdesenvolvimento não seria uma etapa da evolução natural do Estado ou da
economia, mas também fenômeno histórico autônomo, coetâneo ao fenômeno do
desenvolvimento, e por isso a experiência europeia do desenvolvimento não poderia se
repetir, até mesmo por que o subdesenvolvimento está relacionado à relação de
dependência com estes países, a superação do subdesenvolvimento passaria pela
capacidade de construção da própria história (FURTADO, 1968, p. 4).
A superação do subdesenvolvimento estaria ligada a internalização do centro de
decisão e sua instrumentalização para a formulação de políticas econômicas de
desenvolvimento. No exemplo brasileiro internalizou-se um centro dinâmico de produção
industrial, voltado para o mercado interno, resultante da massa salarial criada pelo ciclo
cafeeiro, da escassez gerada pela I Guerra Mundial e o subsequente período protecionista
da depressão (FURTADO, 1962, p. 109–110). Desse modo, internalizou-se um centro de
decisão, nossa produção não dependia mais das flutuações do mercado externo, estavam
voltadas para o consumo interno. Entretanto, para a superação do subdesenvolvimento
seria necessária a instrumentalização de forma consciente desse centro de decisão para a
formulação de políticas públicas que eliminassem as estruturas econômicas e políticas
pré-capitalistas e promovessem uma política de desenvolvimento reduzindo as
contradições sociais. Poder decidir não significa tudo, capacidade de decisão é causa
necessária, mas não eficiente de uma política de desenvolvimento (FURTADO, 1962, p.
112).
Assim, para a formulação de uma política de desenvolvimento seria necessário a
tomada de consciência do problema do subdesenvolvimento visando criar um sistema de
instituições políticas capazes de superintender as mudanças sociais sem as quais o
desenvolvimento não seria viável (FURTADO, 1968, p. 40). Desse modo, é possível
identificar os fatores estratégicos que atuam no processo social, o que abre a porta à
política consciente de reconstrução social (FURTADO, 1962, p. 17). Entretanto, para isto
um Estado forte e soberano é essencial, na medida em que possa reverter parte do
excedente econômico na formação e modernização de uma tecnoburocracia (FURTADO,
2008, p. 202–206). Segundo Furtado:
Uma coletividade que se autogoverna e em que coexiste uma forte
aspiração de melhoria de condições de vida com a ausência de um processo
espontâneo de crescimento econômico, tenderá naturalmente a buscar um
caminho político para o seu problema de desenvolvimento e o Estado é o
instrumento de que dispõe a coletividade para atuar politicamente. Surgem,
assim, os vários enfoques do problema do desenvolvimento de um ângulo
político, os quais têm a sua expressão mais avançada nas técnicas de
planejamento (FURTADO, 1968, p. 113).
É nesse sentido que se compreende Revolução Nacional, como um esforço
direcionado para a superação do subdesenvolvimento que objetiva o desenvolvimento
industrial e tecnológico autossustentado que permita a melhoria sistemática do padrão de
vida da população (BRESSER-PEREIRA, 2014, p. 55). Se para a Revolução Nacional é
necessária uma combinação de ação consciente de um Estado centralizado e capaz com
uma base industrial assentada no mercado interno, o que garante a autonomia deste Estado
em um Sistema Internacional anárquico, além de consistir em um dos principais
instrumentos para o desenvolvimento tecnológico, é a preparação para a guerra e, em
casos extremos, a própria guerra, como abordado nos exemplos fornecidos neste artigo.
Segundo o próprio Furtado a apropriação do excedente econômico acarretou
historicamente o uso da violência (real ou virtual) levando à constituição de sistemas
políticos ou estruturas de poder (FURTADO, 2008, p. 42). Nesse sentido, o perfil das
Forças Armadas de um país, seu recrutamento, composição social, correlação entre as
forças e o grau de tecnologia empregado, possui influência considerável sobre os
processos de mudança social e de transformação do Estado (REIS, 2015, p. 13). Com o
advento da Revolução Industrial esta relação se tornou ainda mais estratégica. Por um
lado a preparação militar foi utilizada como um dos instrumentos para políticas de pleno
emprego e desenvolvimento tecnológico a partir de planejamento centralizado na
burocracia estatal, como no célebre caso da Marinha Real Inglesa de fins do século XIX
e princípio do XX (MCNEILL, 1982, p. 209). Desse modo, a preparação militar se torna
uma forma de entronizar o centro de decisão de determinada tecnologia de produção,
possibilitando a formulação de um projeto nacional próprio e por conseguinte uma
inserção internacional autônoma (MARTINS, 2008, p. 8–9, 251). Por outro, gerou o
fenômeno da industrialização da guerra, agora para travar um engajamento era necessário
um gerenciamento pleno da economia industrial que permitisse a produção em massa das
tecnologias que permitissem o domínio do ar, do mar e a superioridade de poder de fogo.
Este uso da tecnologia industrial na guerra também foi responsável por aumentar a
letalidade da guerra o que requeria por parte do Estado uma grande capacidade de
mobilização nacional para recrutamento e organização logística.
Da mesma forma que a industrialização modificou o perfil da preparação militar
e a conduta da guerra em países industrializados, também apresentou suas características
específicas em países subdesenvolvidos. Segundo Clausewitz a guerra é a continuidade
do relacionamento político entre Estados por outros meios (CLAUSEWITZ, 2016, p.
11764). Nesse sentido a guerra consiste em um dos meios para se atingir os objetivos
políticos dos beligerantes, disso decorrendo a noção de que sua conduta deve condizer
com suas finalidades (CLAUSEWITZ, 2016; CORBETT, 2005; ECHEVARRYA II,
2007). Assim, apesar do combate ser o centro da teoria clausewitziana (ECHEVARRYA
II, 2007, p. 196) e nesse sentido a derrota do inimigo ser o objetivo único, há de se
diferenciar a guerra como abstração filosófica e a guerra como fenômeno que ocorre na
realidade (CLAUSEWITZ, 2016). Tanto para Clausewitz quanto para Corbett existe uma
diferenciação entre a guerra abstrata, onde se maximizariam os meios para se atingir a
derrota do adversário de forma absoluta, e a guerra real, onde os meios utilizados devem
condizer com as necessidades, limitações e objetivos políticos do Estado.
Entretanto, na análise factual, a diferenciação desses conceitos torna-se menos
clara. Se tomarmos como exemplo a Guerra do Vietnã, na perspectiva estadunidense essa
é claramente uma guerra limitada. Da perspectiva do defensor, por sua vez, estão sendo
empregados todos meios e recursos disponíveis e em jogo está a sua própria existência
como entidade política, isto é, uma guerra ilimitada; mas como explicarmos dentro desse
quadro teórico a busca do impasse para a definição da guerra?
Echevarrya II (2007, p. 194) observa que Clausewitz concluiu que cada era
possuiria sua própria teoria da guerra no que diz respeito aos meios empregados para
alcançar objetivos que também variariam. Na análise que Corbett (2005, p. 13) faz de
Clausewitz, percebe-se que a teoria da guerra é vulnerável às circunstâncias se
considerada em sua forma abstrata, mas ela é universal se aplicada conforme as
circunstâncias dos eventos analisados. O próprio Clausewitz, em seu livro VIII, se
pergunta ao analisar guerras de séculos diferentes, “circunstâncias diferentes não devem
dar espaço a considerações diferentes?” (CLAUSEWITZ, 2016, p. 11269). Nesse sentido,
a teoria da guerra incentiva a sua constante revisão a partir de estudos de caso, como
propõe este projeto, ainda segundo Duarte:
“O desenvolvimento e utilidade da teoria estão atrelados à condução
de estudos de caso. Sem esses, a teoria torna-se um texto sacrossanto e
hermético, portanto pseudocientífico e sem consequências práticas positivas.
Isso marca que a teoria da guerra limitada de Clausewitz, para estar ‘viva’,
precisa estar constantemente em desenvolvimento e revisão por meio de
estudos de casos” (DUARTE, 2016, p. 122).
Desse modo, este artigo propõe uma análise da guerra, da preparação militar e da
construção do Estado a partir da realidade do subdesenvolvimento e da Revolução
Nacional. Esta perspectiva é pouco analisada no mainstream dos Estudos Estratégicos,
onde se prioriza a capacidade ofensiva e de travar a guerra a partir de uma conduta
moderna e industrial.
Antecedentes, o ingresso do Extremo Oriente no Sistema de Produção
Capitalista e no Sistema Internacional Contemporâneo
A entrada do leste asiático no Sistema Internacional vestfaliano e de produção
capitalista consistiu em um processo traumático para China e Japão. Para ambos, isto
levou ao colapso das antigas instituições econômicas e administrativas e a uma enorme
perda humana, na casa das dezenas de milhões de mortos. A consolidação da China como
Estado moderno se deu de forma especialmente traumática, com cerca de cem anos de
guerras4 quase ininterruptas. Pode-se considerar como o evento marco deste processo a
primeira guerra do Ópio5.
Esse evento representou o fim do modelo do Estado tributário asiático e a entrada
da região na divisão internacional do trabalho capitalista. O resultado prático foi a
assinatura do Tratado de Nanquim. O primeiro de uma série de tratados desiguais (ou
iníquos)6, ele garantia: o direito de extraterritorialidade a cidadãos britânicos, a concessão
de direito exclusivo de comércio em uma série de portos e o estabelecimento de áreas
para moradia de cidadão britânicos nesses portos, além da cessão do território de Hong
Kong a Londres por tempo indeterminado. Este foi o método padrão pelo qual todas as
grandes potências buscaram adquirir mercados exclusivos no extremo oriente.
É de suma importância, neste momento, lembrar-se das grandes transformações
que ocorriam no contexto internacional do período. O núcleo do sistema capitalista
passava por um período de transição tecnológica provocada pela maturação da Primeira
Revolução Industrial. O Reino Unido consolidava sua posição como líder do Sistema
Internacional após a vitória decisiva sobre o desafio napoleônico e agora precisava
assegurar o monopólio de novos mercados e de fontes de matéria-prima para a sua
crescente indústria.
O leste asiático, em grande parte devido ao poderio da China, manteve-se à
margem do sistema europeu até aquele momento. Tanto na China quanto no Japão
vigoravam políticas econômicas e externas isolacionistas. Entretanto, a partir da
4 Dentre as principais conflagrações se pode citar a Primeira Guerra do Ópio (1839–1842) Rebelião de
Taiping (1850–1864); a Segunda Guerra do Ópio (1856–1860); a Guerra Franco-Chinesa (18841885);
a Primeira Guerra Sino-Japonesa (18941895), a Rebelião dos Boxers (1899–1901) a Revolução Xinhai
(1911), Expedição do Norte (1927–1929), Guerra da Planície Central (1930) 1ª etapa da Guerra Civil
Chinesa (1927–1936), Guerra Civil Manchu (1931–1932), 2ª Guerra Sino-japonesa (1937–1945), 2ª
etapa da Civil Chinesa (1946–1949). 5 A primeira Guerra do Ópio (18391842), ocorrida entre o Reino Unido e a China Qing, teve como
principal motivação o comércio de ópio na China. O império chinês havia proibido a comercialização desse
produto em seu território, que para o Reino Unido e suas companhias de comércio, representava boa parte
dos lucros que extraíam da região. O resultado foi uma guerra que durou quase três anos e meio e que
envolveu, do lado chinês, 200 mil homens, enquanto do lado britânico, cerca de 19 mil homens. Enquanto
as baixas do lado britânico foram de cerca de 500 homens, do lado chinês chegaram a 20 mil (MARTIN,
1847, p. 81). O império mais rico e o país mais populoso do mundo havia sido derrotado (THOMPSON,
2012; ZHU, 2012). 6 Os tratados desiguais ou iníquos possuíam quatro características principais: a) abertura dos portos; b)
extraterritorialidade; c) tarifas externas fixadas por tratado e d) cláusula de nação mais favorecida, que
garantia que todas as vantagens garantidas as potências signatárias dos tratados deveriam ser
automaticamente concedidas às demais potências que viessem a assinar novos tratados (ROBERTS,
2011, p. 196).
Revolução Industrial, os países europeus passaram a buscar na região não mais somente
artigos de luxo e temperos para comerciar, mas principalmente a extração de matérias-
primas de forma extensiva e a consolidação de novos mercados consumidores para seus
produtos industrializados.
O processo de abertura que se deu no Japão foi semelhante ao que ocorreu com a
China. Em 1853, o Comodoro da Marinha estadunidense, Matthew Perry, desembarcou
próximo a Tóquio com a missão de firmar um Tratado de Amizade e Comércio com as
autoridades japonesas. O resultado foi a desagregação do sistema político, econômico e
social vigente. Assim foi assinado o primeiro tratado iníquo do Japão com uma grande
potência, o Tratado de Kanagawa, estopim do processo que, após cerca de 50 anos,
representaria a superação de sua relação de dependência com o centro do sistema, o
advento de uma política de desenvolvimento e a consequente Revolução Nacional.
O resultado imediato da abertura japonesa foi a deflagração de uma guerra civil,
conhecida como guerra Boshin, e a derrubada do xogunato, dando início ao processo
conhecido como Restauração Meiji em 1868. Sob o slogan “reverenciar o Imperador e
expulsar os bárbaros”, os restauradores perseguiam a reversão dos tratados iníquos
assinados com as potências ocidentais e a devolução dos poderes concedidos ao Xogum
ao Imperador (MAGNO, 2015, p. 26). Verifica-se por este slogan um esforço político
consciente para a eliminação de estruturas econômicas e políticas pré-capitalistas,
objetiva-se um Estado centralizado em uma monarquia constitucional, uma economia
industrializada e um exército forte como forma de encerrar a relação de dependência com
o ocidente e recuperar a autonomia nacional.
Apesar da ideologia antiocidental dos samurais revoltosos, ou Genro7, ou sua
vitória só foi possível através do intercâmbio que seus clãs tiveram com países do
ocidente (HALL, 1985, p. 240). Dessa forma, nesses feudos, técnicas capitalistas de
produção já haviam começado a ser implantadas (NAKAMURA, 1962, p. 29). Além disto,
foi criado um exército profissional formado por camponeses. Neste ponto pode-se
observar como o Japão se enquadra na caracterização de subdesenvolvimento de Furtado,
7 “Genro” é designação usada no Japão para os samurais que promoveram a restauração Meiji. A
literatura anglo-saxônica traduz a expressão como “oligarcas”. Contudo, entre nós, o termo oligarca é
utilizado usualmente para designar a classe dos latifundiários, cujo poder depende do controle de
recursos naturais e mão de obra. No Japão o que mais se aproxima disto são os Daimios, justamente
contra os quais se levantaram os genro, portanto, “oligarca” induz a erro de interpretação.
com o hibridismo ou sobreposição estrutural entre formas de produção capitalistas e pré-
capitalistas, ou arcaicas (FURTADO, 2013, p. 128–129).
É justamente essa contradição que permitiu a internalização de um centro
dinâmico econômico com o seu próprio centro de decisão, capaz, através de uma política
econômica consciente de desenvolvimento, tornar o Japão um país industrial
desenvolvido. Assim, após a tomada do poder, os Genro iniciaram o seu próprio programa
de reformas, inspirados pelo slogan “enriquecer a nação e fortalecer as Forças Armadas”
(Fukoku Kyouhei) baseado em três princípios: (1) centralização política e administrativa,
(2) constituição de uma economia industrial e (3) formação de forças armadas modernas
baseadas no sistema de conscrição. Dessa forma, os líderes do governo Meiji esperavam
cumprir a promessa da Restauração, elevar o Japão à condição de par das demais
potências ocidentais revendo todos os tratados iníquos (NAKAMURA, 1962, p. 78–79).
Eliminaram-se as estruturas arcaicas com a abolição das castas e dos privilégios dos
samurais, instituição de uma reforma agrária e a constituição de indústrias estatais,
posteriormente vendidas a título de reparação aos antigos daimios (conhecido como
zaibatsu), e a instituição de uma monarquia constitucional.
Já consolidação das novas forças armadas modernas japonesas teve como marco
guerra russo-japonesa (1905). Nela, a mobilização da indústria para suprir o esforço de
guerra japonês e sua consequente vitória, não só provaram o sucesso do modelo do
zaibatsu como promoveram sua expansão, a consciência de classe na burguesia japonesa
e sua articulação estreita com o governo e objetivos nacionais (NAKAMURA, 1962, p.
104). A vitória japonesa teve dois principais resultados: (1) a garantia dos recursos
necessários para a expansão e consolidação de sua economia industrial, através do
estabelecimento de sua zona de influência exclusiva sobre a Manchúria e (2) elevou o
Japão ao status de grande potência, entrando para a história como a primeira nação
asiática a vencer uma potência europeia.
Dessa forma, após cerca de 50 anos, cumpriu-se o proposto na Restauração Meiji:
industrializou-se o país, elevou-se o Japão à condição de par perante as demais grandes
potências e constituiu-se forças armadas capazes de garantir os seus interesses na região
e perante o Sistema Internacional. O Japão, ao contrário da China Qing, havia conquistado
sua Revolução Nacional: havia internalizado os seus Centros de Decisão através de uma
economia industrial consolidada por um sistema de manufaturas próprio e original, o
zaibatsu, da centralização administrativa e de forças armadas fortes o suficiente para
proteger as conquistas anteriores e garantirem os seus interesses no meio internacional.
Por estes motivos, Celso Furtado tem a Restauração Meiji como referência de política de
desenvolvimento bem-sucedida (FURTADO, 1962, p. 9, 2013, p. 220–221). Apesar da
análise de Furtado ter pouco abordado a esfera militar do fenômeno, verifica-se que a
própria implantação de políticas de desenvolvimento no caso do Japão levou em conta a
modernização militar e a preparação para a guerra.
Na China, a erosão dos sistemas vigentes trouxe a ideia de que era necessário
modernizar o Estado chinês, passando por certo grau de ocidentalização de seus costumes
e instituições. A ideia começou a se tornar lugar-comum entre diferentes elites intelectuais
chinesas e, por fim, para a própria dinastia Manchu.
Entre 1850 e 1873 uma série de revoltas assolou a China, quase todas
questionando as instituições e a autoridade da corte de Pequim. A principal delas foi a
Revolução Taiping (18501864). Movimento de cunho cristão e milenarista, propunha
uma série de reformas às instituições do período, incluindo reforma agrária, exército
baseado no sistema de conscrição, reformas econômicas, mudanças no sistema de
concursos públicos, entre outros. A Revolução Taiping só foi debelada após a criação de
um sistema de exércitos locais, origem dos Senhores da Guerra, e com o apoio britânico.
Embora derrotados, os Taiping colocaram em evidência uma agenda que viria a pautar as
iniciativas de reforma do Estado chinês até a queda do Império em 1911, mais
especificamente em três momentos: a Campanha do Autofortalecimento (1860), a
Reforma dos Cem Dias (1898) e as Reformas Tardias (1901), as duas últimas já inspiradas
pelo sucesso da Restauração Meiji (MAGNO, 2015, p. 22). Contudo, a criação dos
exércitos provinciais, as divisões dentro da própria corte, as pressões das potências
ocidentais por mais direitos exclusivos, desestruturaram e fragilizaram o governo central,
por fim provocando o fracasso destas iniciativas.
Três classes proeminentes consolidaram-se no decorrer do século XIX e tornaram-
se as principais forças sociais na derrocada da Dinastia Qing e no período Republicano:
os senhores da guerra (originários da repressão às rebeliões de meados do século XIX), a
nova elite intelectual (resultante do novo sistema de ensino ocidental) e a “burguesia
compradora” 8 , composta por mercadores e banqueiros ligados ao comércio com as
potências ocidentais. A correlação de forças entre essas três classes definiu a dinâmica
política chinesa em seu primeiro período republicano. Elas convergiam na sua oposição
à dinastia vigente: a instituição de um moderno exército nacional desagradou às milícias
regionais, os intelectuais identificavam nos manchus uma das forças estrangeiras que
ocupavam a China e a “burguesia compradora” não se interessava por reformas que
fortalecessem o Estado chinês (MAGNO, 2015, p. 24).
Dessa forma, o Império Qing é derrubado e a República é proclamada em 1911.
O resultado foi a criação de um grande vácuo de poder e a incapacidade de Pequim de
impor o governo sobre as províncias chinesas, que passaram a ser governadas pelos
potentados criados ainda à época da Revolução Taiping, inaugurando a era dos senhores
da guerra.
Apesar do período dos senhores da guerra ser considerado uma etapa sombria da
história chinesa, Roberts (2011, p. 246) argumenta que existem alguns pontos positivos a
serem destacados. As exportações e o número de indústrias modernas aumentaram
durante a Primeira Guerra Mundial e a produção industrial aumentou 300% entre os anos
de 1916 e 1918 (ROBERTS, 2011, p. 246). Entretanto, esse resultado econômico positivo
ainda estava ligado aos interesses das economias de enclave existentes nas concessões e
zonas de influência das grandes potências estabelecidas na China. O Estado chinês ainda
carecia de seu próprio centro de decisão e de uma indústria ou burguesia ligada aos
interesses nacionais. Carecia também de um exército nacional, que só seria reestabelecido
através da cooptação dos Senhores da Guerra.
Assim, em 1928, Jiang Jieshi (Chiang Kai-shek) logrou acabar com a Era dos
Senhores da Guerra, seja pela vitória militar na Expedição do Norte, seja integrando
lideranças regionais como generais de seu exército. Assim, a República da China foi
reunificada e a capital foi transferida para Nanquim, base do poder do GMD
(Guomindang/Kuomintang), iniciando o período histórico que é conhecido como a
Década de Nanquim. A Expedição do Norte, apesar da terminologia, consistiu em uma
8 O termo comprador na China Qing era ligado aos comerciantes e bancos que negociavam com as
potências ocidentais. Mao Zedong utilizaria amplamente o termo burguesia compradora para designar
a grande burguesia chinesa, avessa aos interesses nacionais e agentes aliados das forças imperialistas na
China, em oposição à burguesia nacional.
campanha militar de grandes proporções, envolvendo mais de um milhão de combatentes,
estendendo-se pela maior parte do território chinês, causou um número desconhecido de
baixas civis e militares e resultou na Grande Fome de 1927 que matou de 3 a 6 milhões
de civis. O seu objetivo declarado era a reconquista do governo do país por parte do GMD
e o objetivo não declarado era a definição pela liderança do partido e a base de alianças
do futuro governo.
Não há consenso sobre o resultado econômico da Década de Nanquim. Há quem
defenda que houve estagnação completa da economia no período e há quem defenda que
o produto da economia cresceu ao mesmo ritmo que o Japão na época. Entretanto, há
unanimidade em alguns pontos. Nesse período houve grande aumento de gastos com as
forças armadas, perfazendo 78% da renda nacional chinesa (PAINE, 2012, p. 51–52) —
a China voltou a possuir um exército nacional e as escaramuças com japoneses e
comunistas precisavam ser custeadas —, e grande ampliação da infraestrutura do país.
Durante essa década foram construídos 8 mil quilômetros de linhas férreas, 51 mil
quilômetros de rodovias e, ao eclodir da guerra, mais 10 mil quilômetros ainda estavam
em construção (ROBERTS, 2011, p. 258). No entanto, havia contradições nesse
desenvolvimento. O abismo econômico entre os camponeses e a população urbana
aumentou durante o período, em parte devido ao comprometimento de Jiang com os
antigos senhores da guerra (o que crescentemente aumentava a popularidade do PCCh no
campo, em detrimento do apoio a Jiang). Além disso, mais da metade do investimento
em linhas férreas foi promovido por japoneses na Manchúria, que ao fim da década de
Nanquim foi ocupada pelo Japão (ROBERTS, 2011, p. 259). Ao mesmo tempo, o governo
do GMD tentou assentar as bases para a construção do Estado chinês a partir de um
exército nacional, entretanto o custeio de suas campanhas e posteriormente a guerra
contra o Japão impediram a consolidação de uma indústria e burguesia nacionais e um
centro de decisão autônomo (MAGNO, 2015, p. 41).
Os diferentes momentos deste processo possuíam um objetivo comum: criar os
meios para que a China pudesse se desfazer dos tratados injustos e permitir o
desenvolvimento econômico e inserção internacional de forma autônoma (MAGNO,
2015, p. 25–26). Para atingir estes objetivos a prioridade do GMD era a consolidação da
centralização chinesa sob sua égide e nisso os comunistas representavam os seus
principais adversários9.
Enquanto o Japão deparava-se com um dilema: manter sua política de
desenvolvimento e se consolidar como o líder da Ásia, seja por defender parcerias em
termos iguais com os países da região, seja por uma política expansionista (TOGO, 2005,
p. 9–10). No contexto do Grande Terremoto de Tóquio, da Grande Depressão, combinado
a uma série de debilidades institucionais, incluindo a autonomia das Forças Armadas
perante o governo civil, o Japão acabou optando pela segunda opção, iniciando uma
guerra total de agressão contra a China.
Assim, em 7 de julho de 1937 teve início a segunda guerra sino-japonesa, também
conhecida como Guerra de Resistência na China, parte da segunda guerra mundial na
Ásia. Para a China esta guerra estava dentro do contexto de uma agenda de unificação
nacional, militar, política e economicamente, a sua execução só poderia ser levada a cabo
se resistisse ao domínio e agressão imperialista japonesa. Por esta perspectiva, pode-se
considerar esta a primeira guerra de libertação nacional do século XX, uma mobilização
total dos recursos materiais, políticos e humanos em prol da autodeterminação e da
extinção de uma relação de dependência colonial imposta a força.
Revolução Nacional e o fenômeno da guerra
Assim como na esfera política e econômica o fenômeno da Revolução Industrial
produziu no Sistema Internacional a relação de dependência entre centro e periferia e a
dicotomia entre desenvolvimento e subdesenvolvimento, na esfera militar temos o
advento da guerra industrial por um lado e, por outro, a guerra popular. Apesar dessa
relação ser amplamente estudada na esfera política e econômica, na esfera militar não o
é. Nesse sentido, os Estudos Estratégicos e o estudo da guerra em geral, acabam por deixar
uma grande lacuna, estuda-se a guerra e tem-se como referência, mormente as
experiências de países desenvolvidos do centro do Sistema e acaba-se por gerar distorções
no estudo de conflagrações que não envolvem estes países, ou em que eles constituam a
força predominantemente ofensiva. Como é o caso da Segunda Guerra Sino-Japonesa, se
9 O PCCh foi a última força a reconhecer a liderança de Jiang Jieshi, que via neles a principal ameaça para
sua consolidação, mormente por também perseguirem os mesmos objetivos, porém sobre um ideologia
radicalmente oposta (PEATTIE, M. R., 2011, p. 64, 77).
não é relegada a um segundo plano dentro do contexto geral da segunda guerra mundial
na Ásia, é, em suas campanhas, categorizada como apenas uma guerra de guerrilha, como
no livro de referência sobre guerra terrestre “On Infantary” de John English e Bruce
Gudmunsson (1994)10. Na segunda guerra sino-japonesa os chineses lutaram, segundo
seus próprios registros, em 23 campanhas, 1.117 grandes batalhas e 38.931 engajamentos
menores com um Exército composto, no início das hostilidades, de 191 divisões e 52
brigadas independentes de infantaria (VEN, VAN DE, 2003, p. 210), em uma de suas
maiores campanhas, a Batalha de Shanghai, engajaram ao longo de três meses 750 mil
chineses e 250 mil japoneses (YANG, 2011, p. 143), perfazendo ao final cerca de 200 mil
baixas do lado chinês e 40 mil do lado japonês (HARMSEN, 2013, cap. 9; YANG, 2011,
p. 154), a campanha mais sangrenta da Ásia desde a guerra russo-japonesa e um
engajamento urbano talvez apenas comparável na segunda guerra mundial com
Stalingrado (HARMSEN, 2013, cap. Prologue), como caracterizar isto como guerrilha?
Apesar de possuir um relevante componente de guerrilha, a segunda guerra sino-
japonesa foi uma confrontação travada principalmente entre forças convencionais.
Entretanto, a conflagração foi marcada pela enorme disparidade tecnológica e econômica
entre os adversários, o que permitiu o Japão a travar a guerra industrial, enquanto a China
necessitou elaborar uma nova concepção operacional com o objetivo de não só defender
sua Revolução Nacional, mas também garantir a continuidade de sua própria existência
como uma entidade política autônoma.
A solução encontrada foi baseada no conceito da guerra prolongada ou chijiu zhan,
discussões sobre a sua aplicação em uma guerra contra o Japão datam ainda da década de
1910, Jiang Baili intelectual militar já propunha em suas obras que a China deveria
sustentar a sua linha de defesa a oeste de Wuhan e se utilizar do vasto território e
população como forma de minar a força japonesa com o tempo e evitar o desejo japonês
de uma vitória rápida e decisiva (CHANG, 2011, p. 85). E este foi o conceito operacional
utilizado por Jiang Jieshi na ausência de superioridade aérea e naval para se contrapor as
10 Em seu capítulo 8, que trata sobre infantaria e guerra terrestre no século XX na Ásia, a obra On Infantary
categoriza o confronto entre japoneses e chineses como uma grande guerra de guerrilha e, por este motivo,
se abstém de analisar a infantaria chinesa na segunda guerra mundial e apenas realiza a análise de
estadunidenses, britânicos e japoneses nas campanhas da Birmânia e Pacífico (ENGLISH;
GUDMUNSSON, 1994, cap. 8).
forças mecanizadas e a mobilidade japonesa que buscavam um confronto decisivo.
Através de uma guerra defensiva e de atrito a China se utilizou de grandes contingentes
para fustigar as forças japonesas em grandes batalhas mas evitando o confronto decisivo,
cedendo terreno e estendendo as linhas de comunicação japonesas e mantendo a
indefinição da guerra até a exaustão do inimigo e simultaneamente buscando vitórias
políticas fora do campo de batalha. Esse padrão irá se repetir ao longo do século XX nas
guerras de libertação nacional, especialmente na Ásia (MACKINNON, 2011, p. 184).
A historiografia ocidental e os Estudos Estratégicos tradicionalmente tem
relegado esta confrontação a uma página de rodapé da história, interpretando a estratégia
e as operações chinesas como um sinal de fraqueza e atraso, por sua falha em reproduzir
a conduta moderna industrial e ofensiva da guerra (VEN, 2011, p. 450,452). Entretanto,
esta foi uma estratégia consciente e planejada a partir das condições chinesas do período,
onde estruturas arcaicas pré-capitalistas conviviam com um Estado que buscava a
centralização e modernização, que permitiram a mobilização de um grande contingente e
do Estado para uma guerra total, mas que não possuía uma base industrial para garantir
os meios modernos de travar uma guerra ofensiva ou buscar o contra-ataque e uma batalha
decisiva um modelo híbrido de conduta da guerra que reflete o hibridismo estrutural e
econômico de um país subdesenvolvido.
Apesar do sucesso do esforço de guerra nacionalista, o enfraquecimento
provocado pelos anos de guerra total prolongada (1937-1945), abriu espaço para a
expansão das forças comunistas que rapidamente ocuparam os territórios abandonados
pelos japoneses, dando prosseguimento à guerra civil chinesa. Não obstante a vitória do
PCCh, a agenda de revolução nacional permaneceu e às lições da segunda guerra sino-
japonesa foram incorporadas à sua doutrina. Esta experiência agora seria difundida pela
região no período dos processos de libertação nacional na Ásia.
A Luta de Libertação Nacional e a Revolução Nacional no Vietnã
O Vietnã foi diretamente impactado pela presença do colonialismo no final do
século XIX e na primeira metade do século XX. Esta seção tem por objetivo recontar a
luta vietnamita pela libertação nacional e a construção de um estado nacional autônomo
partindo de uma condição de exploração colonial, subdesenvolvimento e da divisão
ideológica do sistema internacional, com a Guerra Fria.
A luta durou aproximadamente trinta anos e consistiu de dois confrontos
principais, contra França e Estados Unidos - os últimos lutando em defesa do Vietnã do
Sul. O padrão da guerra de Independência contra os franceses grosso modo se repetiu na
guerra contra os estadunidenses. Foi um modo de lutar baseado na total mobilização
nacional dos recursos e dos cidadãos, da utilização das condições geográficas - como a
existência de cavernas e da floresta tropical - e da engenharia e da combinação das forças
armadas regulares com as guerrilhas, com o objetivo de provocar o impasse, o
esgotamento e quebrar a vontade de lutar do oponente, levando-o à mesa de negociações.
Era a forma pela qual o Vietnã, inferior aos oponentes em termos de tecnologia e do
volume de recursos à disposição, poderia vencer franceses e estadunidenses. A vitória no
campo de batalha parecia improvável, mas se constatou que não era necessário vencer
para alcançar o objetivo político: bastava impedir o adversário de vencer (CURREY, 2002,
p. 235).
A partir da década de 1850, o Vietnã passou a ser atacado pelos franceses. A
França buscava se inserir na região em um contexto de aumento da competição com a
Grã-Bretanha e posteriormente a Alemanha, os Estados Unidos, a Rússia e o Japão. Nas
décadas seguintes, os franceses impuseram tratados de concessão territorial que
transformaram o Vietnã em uma colônia francesa e, associada ao Laos e ao Camboja, na
União Indochinesa.
Os franceses construíram um núcleo capitalista, com agricultura de exportação e
implantação de seringais, utilizando-se da mão de obra local e construindo infraestrutura
voltada a essas atividades econômicas (VISENTINI, 2013). Esse núcleo, entretanto,
redirecionava recursos do território vietnamita para o desenvolvimento francês, enquanto
coexistia no Vietnã uma economia pré-capitalista, em torno da qual vivia uma população
cada vez mais pobre.
O surgimento de forças nacionalistas vietnamita se deu entre o final do século XIX
e o início do século XX, inspirado pelo exemplo do Japão - símbolo da modernização
ocidentalizante e, ao mesmo tempo, da luta contra os ocidentais - e pela luta dos
nacionalistas chineses. Nessa época, o nacionalismo vietnamita buscava expulsar os
franceses, mas restaurar a monarquia nativa, inspirados por Japão e China (TARLING,
2004).
O movimento nacionalista de fato surgiu apenas após a Primeira Guerra Mundial.
Em 1927, surgiu o Partido Nacionalista do Vietnã, baseado no modelo do Kuomintang e
de Sun Yat-Sen: buscar primeiramente a conquista militar do território, seguida de
tutelagem política e, por fim, a constituição de um governo constitucional (TARLING,
2004, p. 105). Nesse período despontou também Ho Chi Minh. Ele vivia na França,
quando ingressou nos movimentos operários de esquerda franceses. Aderiu
posteriormente ao Komintern, por ver no comunismo soviético uma posição política mais
vigorosa contra a colonização e a favor dos movimentos nacionalistas (TARLING, 2004;
VISENTINI, 2013). Em 1930, fundou o Partido Comunista da Indochina e em 1941, a
Liga pela Independência do Vietnã, ou Viet Minh.
A Segunda Guerra Mundial modificou a situação do Vietnã. Com a invasão da
França pela Alemanha, o controle francês sobre o Vietnã se enfraqueceu. O Japão
aproveitou-se e ocupou o Vietnã, em sua estratégia de expansão para o Sudeste Asiático.
Apesar das tentativas, o Viet Minh não recebeu apoio do Kuomintang chinês nem dos
Estados Unidos e não pode fazer frente aos japoneses (VISENTINI, 2013). A capitulação
do Japão, poucos meses depois, abriu espaço para a ascensão do Viet Minh, que buscou
conquistar as principais cidades antes que as forças francesas pudessem retomar o
controle do país (TARLING, 2004, p. 121).
Apesar de proclamar a independência e a República Democrática do Vietnã, em
setembro de 1945, o Viet Minh teve de lidar com forças estrangeiras: o Kuomintang ao
norte, os britânicos ao sul e os legionários franceses nas principais cidades portuárias, sob
o argumento de desarmar os japoneses e retomar o controle do país (CURREY, 2002, p.
182; 188).
Após a chegada das forças francesas ao Vietnã, as animosidades entre o Vietminh
e os franceses aumentaram progressivamente. Apesar das tentativas de negociação,
cresciam as possibilidades de confrontação, o que fez os vietnamitas ampliarem os
esforços de preparação para um conflito. Para o General Vo Nguyen Giap, Comandante
das Forças Armadas da RDV, “qualquer conflito desse tipo seria longo; na verdade, uma
única guerra prolongada possibilitaria as condições necessárias para uma vitória vietminh.
Nenhum dos contendores seria capaz de terminar a luta com um golpe preventivo.”
(CURREY, 2002, p. 222). Giap tinha razão, pois a guerra estendeu por oito anos, até 1954.
Inicialmente, de 1946 a 1949, os franceses partiram para a ofensiva buscando uma
rápida vitória, enquanto o Viet Minh, ciente da superioridade francesa, buscou evitar o
confronto direto, recuando e construindo bases na retaguarda, estendendo a linha de
comunicações e suprimentos dos franceses. Durante um período de virtual trégua, entre
1948 e 1950, os norte-vietnamitas ampliaram e treinaram adequadamente uma força
regular de soldados. Para isso, tiveram apoio dos comunistas chineses, que fizeram a
revolução em 1949. Além disso, aprofundaram o trabalho de mobilização nacional, da
população e dos recursos, criando uma estrutura estatal (CURREY, 2002).
A partir de 1950, o Viet Minh adotou a guerra móvel, intercalando ofensivas e
movimentos diversionários. A decisão da guerra se deu na Batalha de Dien Bien Phu, no
início de 1954, quando os franceses buscaram atrair os norte-vietnamitas para uma batalha
decisiva junto à fronteira com o Laos, em que acreditavam que teriam vantagem de
recursos humanos e materiais. Foram, entretanto, surpreendidos. A batalha retratou a
evolução das forças regulares norte-vietnamitas no decorrer da guerra, com perfeita
execução da logística, por meio dos carregadores; mobilização de tropas e recursos;
utilização do terreno e uso da artilharia para negar aos franceses o uso de seu aeródromo
(CURREY, 2002; WINDROW, 1998). O Viet Minh mobilizou e forneceu suprimento a
50.000 tropas, cercou as forças inimigas e sustentou uma batalha de atrito, surpreendendo
os franceses, esgotando suas forças e vencendo a batalha (CURREY, 2002). Segundo
Giap, “nós seguimos estritamente o princípio fundamental da condução da guerra
revolucionária: atacar para vencer, atacar apenas quando o sucesso é certo; se não for,
então não ataque” (GIAP, 1961, p. 86, tradução nossa).
A vitória norte-vietnamita em Dien Bien Phu ocorreu pouco antes da Conferência
de Genebra, cujos temas seriam as situações da Península Coreana e da Indochina. Com
a vantagem militar obtida pelos norte-vietnamitas, o acordo resultante estabeleceu que os
franceses sairiam do Vietnã. Entretanto, o território entre Norte e Sul - cujo governo local
fora reconstituído e posto sob a liderança do ex-imperador Bao Dai - no paralelo 17º N,
de modo que o país deveria ser reunificado após eleições em 1956. À medida que os
franceses perderam força, os Estados Unidos envolveram-se cada vez mais no Vietnã.
Primeiramente, apoiaram o esforço de guerra francês com dinheiro, armamentos e
veículos militares. Com a saída dos franceses, passaram a apoiar o Vietnã do Sul
(CURREY, 2002; TAYLOR & BOTEA, 2008; VISENTINI, 2013).
Em 1955, Ngo Dinh Diem, assumiu a Presidência do Vietnã do Sul,
desconstituindo o imperador Bao Dai, e no ano seguinte sabotou as eleições, consolidando
a divisão entre Sul e Norte. Apesar dessa demonstração de força, o novo presidente não
conseguiria manter controle absoluto sobre o território sul vietnamita, tampouco
conseguiria construir uma estrutura estatal e militar forte e coesa, ao menos não com a
mesma competência com que fez o norte.
A presença da Frente para a Libertação Nacional do Vietnã do Sul (FLN) tornou-
se uma grande ameaça ao governo do Sul. Fundada em 1954, com apoio do Vietnã do
Norte, passou a controlar grande parte do território do Sul, aproveitando-se da crescente
insatisfação com o governo de Diem. Até a escalada estadunidense, entretanto, no início
da década de 1960, os vietcongues, como viriam a ser chamados pelos estadunidenses,
atuavam de forma autônoma, com pouco apoio do Norte (VISENTINI, 2013).
Após o assassinato de Diem, em 1963, os Estados Unidos envolveram-se então
diretamente no conflito. O estopim foi o incidente do Tonkin, em 1964. Com isso, os
EUA deram início à Operação Rolling Thunder, com bombardeios estratégicos no Norte,
e enviaram tropas para confronto direto e missões de “busca e destruição” das forças
comunistas (WIEST, 2003).
No embate direto, os estadunidenses responderam à mobilidade e ao uso do
terreno pelos norte-vietnamitas com o uso dos helicópteros, da artilharia e do apoio aéreo.
Dessa forma, conseguiram vitórias táticas, tanto no norte quanto no sul. Entretanto,
estadunidenses e sul vietnamitas priorizaram a eliminação das forças inimigas e não a
ocupação do território, o que possibilitava sua reocupação pelos norte-vietnamitas e pelos
vietcongues (WIEST, 2003).
Já as forças norte-vietnamitas e os vietcongues buscavam manter a iniciativa e
lutavam apenas quando podiam manter o atrito. Quando percebiam que suas perdas eram
maiores que o aceitável, retiravam-se do campo de batalha para santuários, inclusive no
Laos e no Camboja, onde reorganizavam suas forças. Apesar da desvantagem inicial
contra os estadunidenses, os norte-vietnamitas equilibraram o embate, atraindo as forças
inimigas para combates próximos, tornando-as vulneráveis. Para manter a coordenação
com os esforços dos vietcongs no sul, o norte mantinha comunicação e rota de
suprimentos pela Trilha Ho Chi Minh, que cruzava o Laos e o Camboja (WIEST, 2003;
CURREY, 2002).
A Ofensiva do Tet, no início de 1968, foi o divisor de águas do conflito. Forças
norte-vietnamitas e vietcongues atacaram alvos estratégicos nos principais centros
urbanos do Sul, acreditando que o sucesso da ofensiva ressaltaria a fragilidade do governo
sul vietnamita e levaria à insurreição popular em favor dos comunistas. A ofensiva foi um
fracasso tático: das 80.000 tropas, os comunistas perderam 58.000, praticamente
dizimando os vietcongs; não ocuparam nenhum território relevante e ainda perderam
territórios; e tiveram de retirar-se para os santuários para se reagrupar (WIEST, 2003).
Estrategicamente, porém, o resultado foi inverso: ao atacar as principais posições
dos sul-vietnamitas e estadunidenses, provocou a desconfiança da população
estadunidense em seu governo e sobre as chances de vitória no Vietnã. O presidente
Johnson desistiria da reeleição, a operação Rolling Thunder seria encerrada e teriam início
as negociações de Paris (WIEST, 2003; CURREY, 2002).
A eleição do republicano Nixon manifestou a intenção dos EUA de sair do conflito,
promovendo a “vietnamização”: além da redução de tropas, os estadunidenses lançaram
bombardeios aos santuários norte-vietnamitas no Camboja, combinados a ataques sul-
vietnamitas por terra, para enfraquecer o inimigo e criar condições para negociações. Esse
padrão se repetiria em 1972. Os dois lados tinham como objetivo melhorar suas condições
para as negociações de Paris. Os norte-vietnamitas lançaram a ofensiva da Páscoa contra
o Sul. Os EUA revidaram com a operação Linebacker, que interditou as linhas de
suprimento do Vietnã do Norte. Os norte-vietnamitas perderam 100.000 tropas e voltaram
às negociações (WIEST, 2003).
As negociações foram pautadas pela pressa dos Estados Unidos em encontrar uma
saída do conflito, de modo que concederam que a retirada estadunidense poderia ocorrer
mediante um cessar-fogo, sem a necessidade de retirada norte-vietnamita do território do
Sul, enquanto os norte-vietnamitas aceitariam a existência do governo do Sul apoiado
pelos EUA. Apesar da recusa inicial do Sul a esses termos, todas as partes assinariam o
Acordo de Paris no início de 1973.
Com a saída dos Estados Unidos, os sul-vietnamitas tomaram a ofensiva para
capitalizar as vitórias operacionais dos EUA em 1972. Apesar de sucessos iniciais, sua
economia não era mais capaz de sustentar o esforço de guerra, especialmente após a
redução do apoio financeiro estadunidense. A partir do final de 1974, os norte-vietnamitas
tomaram a iniciativa, ganhando território e levando à queda do governo sul-vietnamita.
Os comunistas selaram a vitória tomando Saigon.
Há um grande debate a respeito das vitórias vietnamitas, especialmente sobre os
EUA. Dificilmente leva-se em consideração os méritos dos norte-vietnamitas e dos
vietcongs. Usualmente atribui-se um peso maior aos erros dos EUA (GILBERT, 2002) e
ao apoio de chineses e soviéticos. Apesar de reconhecer que tais circunstâncias
contribuíram para o resultado final das guerras, é necessário reconhecer a capacidade dos
comunistas vietnamitas de construir um Estado, uma economia autônoma e forças
armadas regulares competentes.
Para um estado pobre e recém-constituído como o Vietnã, a luta pela libertação
nacional pedia a mobilização de toda a sociedade e de seus recursos. Para tanto, devia
fomentar a unidade nacional, para obter o apoio e a lealdade da população. Isso era
necessário para angariar e concentrar os recursos necessários para a nascente economia
nacional, ampliar o contingente de forças militares e civis envolvidos no esforço de guerra
e obter força política para demandar que sua população suportasse os maiores sacrifícios
(CURREY, 2002; TAYLOR & BOTEA, 2008).
A mobilização foi a melhor, senão a única forma de cumprir o objetivo de angariar
e concentrar recursos para equipar e alimentar o nascente exército nacional e garantir a
subsistência da população civil (TAYLOR & BOTEA, 2008; CURREY, 2002).
Posteriormente, gradativamente, os norte-vietnamitas conseguiram criar uma base
industrial, ligada inicialmente à produção de armas leves e de munições (CURREY, 2002).
O nascimento de uma economia nacional vietnamita esteve, portanto, fortemente ligada
à questão da construção do estado e da luta conquista da independência.
A mobilização nacional também fazia-se necessária para garantir o recrutamento
de forças para o exército nacional, para a guerrilha e para o cumprimento de funções de
logística, vigilância e inteligência. Mesmo de posse de caminhões soviéticos e tendo
construído algumas estradas, o papel dos “collies”, que carregavam os suprimentos a pé,
foi determinante para o suprimento das forças nortevietnamitas (CURREY, 2002; WIEST,
2003). Igualmente, os militares exerciam funções civis, como a colheita do arroz
(CURREY, 2002).
Apesar do grande apoio de chineses e soviéticos, os comunistas lograram, portanto,
conduzir uma enorme parte do seu esforço de guerra por conta própria. Mesmo os
vietcongs conseguiam amealhar 80% de seus recursos por conta própria. Para efeitos de
comparação, o governo do Vietnã do Sul recebeu muito mais recursos, mas perdeu a
guerra. (TAYLOR & BOTEA, 2008).
Percebe-se uma forte correlação entre a centralização política, a aquisição do
centro de decisão da economia e a modernização das forças armadas, que possibilitou ao
Vietnã do Norte fazer frente a inimigos poderosos como França e Estados Unidos. Ciente
da sua inferioridade em termos de recursos, tecnologia e formação de recursos humanos,
o Vietnã lutou com base no que tinha à disposição e submeteu os esforços militares e de
construção do estado aos objetivos políticos. A luta do Vietnã pela libertação nacional,
apesar do apoio externo e de se inspirar nas lutas de independência na Ásia, especialmente
da China, construiu uma trajetória própria, baseada em sua própria experiência. Nesse
contexto, logrou construir e consolidar um estado e uma economia nacionais e inserir-se
internacionalmente de forma autônoma.
Tentativas de Revolução Nacional em Indonésia e Malásia (1945-1965)
Para a Malásia e a Indonésia, a agenda de libertação nacional significava encerrar
o jugo imperialista europeu que retornava em 1945 após a rendição dos ocupantes
japoneses. Apesar de possuírem cultura e língua semelhantes, as duas regiões seguiram
caminhos políticos distintos pela divisão do sudeste asiático entre potências imperialistas
no seu passado. Os projetos de autonomia e centralização empregados os colocaram em
rota de colisão. O conflito teve seu desfecho em 1965 e encerrou o período das guerras
de libertação nacional, embora a contra-insurgência frente o movimento comunista tenha
continuado na península malaia.
Nesta região, o conceito de Revolução Nacional pode ser aplicado para auxiliar a
compreensão dos principais conflitos armados, apesar de que os movimentos políticos
que melhor correspondem aos princípios do conceito tenham sido derrotados. Na Malásia,
o Partido Comunista Malaio era o movimento cujo objetivo de ruptura em relação à
economia colonial o distanciava da formulação de uma Federação Malaia alinhada à
antiga metrópole. Na Indonésia11, a busca por centralização política e gestão econômica
autônoma teve seu auge no regime da Democracia Dirigida de Sukarno, que tinha pilares
frágeis no apoio do Partido Comunista Indonésio (PKI) e das Forças Armadas, ambas
instituições antagônicas.
Especialmente no caso da Indonésia, é possível destacar elementos na conduta de
sua guerra de independência que se aproximam da experiência chinesa, com a devida
ressalva de que o contexto internacional do pós-guerra possui características próprias.
Especificamente, este contexto apresentava oportunidades de apoio à luta independentista
mesmo entre as grandes potências. Além disso, a criação da ONU e a independência de
diversos países significava que era possível mobilizar os atores da política internacional
para exercer maior pressão sobre a antiga metrópole. Um fator específico é que na
Indonésia, principalmente em Java, os japoneses mobilizaram as forças políticas locais
para utilizar o sentimento anti-colonial que já existia, a partir da criação de milícias
representando as diversas forças políticas (nacionalistas e islamistas). Em ambos os casos,
a ocupação japonesa teve um profundo efeito psicológico sobre as populações locais
(MOHAMAD, 1999)
Já na Malásia, o sentimento anti-colonial era relativamente menor, visto que os
malaios, comunistas ou não, lutaram em um primeiro momento em coordenação com o
comando britânico para o sul da Ásia contra os japoneses (PENG, 2003). Estas forças
encerraram sua cooperação com a rendição dos ocupantes. Os principais partidos malaios
conseguiram avançar a agenda de autonomia frente o Reino Unido com base em
manifestações e apoio popular.
Um elemento chave foi a Emergência Malaia a partir de 1948, conflito contra o
Partido Comunista Malaio, visto que impedir a tomada de poder pelos comunistas se
11 A Indonésia passou por uma democracia parlamentar até a 1958, em que o presidente Sukarno - o
principal líder na independência - possuía poderes reduzidos em relação ao gabinete do primeiro-ministro.
A insatisfação de Sukarno e das forças armadas com o regime parlamentar levaram à instituição da
Democracia Dirigida, que durou de 1958 até 1965. Neste período Sukarno aproximou os nacionalistas do
PKI, que também participou do regime. O antagonismo entre comunistas e forças armadas resultou no
colapso do regime em 1965, que resultou na ascensão de Suharto e do exército como forças dominantes na
chamada Nova Ordem.
tornou uma das principais preocupações dos ingleses (HACK, 1999; JONES, 2001). Os
comunistas reivindicavam ser a única força realmente anti-colonial na Malaia (PENG,
2003), e podiam usar como argumento a proximidade do movimento político liderado por
Tunk Abdul Rahman (primeiro-ministro que liderou a independência formal) com o
antigo governo colonial. De fato, o mesmo argumento foi utilizado pela Indonésia na sua
guerra com a Malásia, dada a aliança militar com a SEATO (SUBANDRIO, 1959).
Na Indonésia, a luta pela descolonização e pelo reconhecimento de sua soberania
por parte da Holanda testou a resiliência da recém-criada República. A percepção na
Holanda era de que a declaração de independência era fruto principalmente da
propaganda japonesa durante os anos da ocupação. A partir disso, a metrópole buscou
reprimir o movimento e, assim, restabelecer o status quo ante. No período de quatro anos
que se seguem, a República teve de enfrentar duas grandes ações militares dos holandeses
(em julho de 1947 e em dezembro de 1948), dois levantes comunistas (em 1946, pelo
movimento trotskista de Tan Malaka; e, em 1948, pelo próprio Partido Comunista), e um
levante islamista (em 1948 pelo Darul Islam) (PITT, 2014, p. 34). Qualquer tipo de
centralização política na Indonésia passaria necessariamente pela retomada da autoridade
sobre a totalidade do arquipélago, fator crítico que dificultaria a coesão política.
O grande líder militar do período pelo lado indonésio é o General Nasution, cuja
teoria de guerra foi exposta na sua obra “Princípios Fundamentais da Guerrilha”
(NASUTION, 1965). O general expôs sua visão de que a guerra apropriada para a
Indonésia se aproximava do conceito de guerra popular, fazendo alusões à Mao e outras
experiências de guerrilha na Ásia (CRIBB, 1999), e ressaltava a ligação entre guerra e
política.
“É o povo que luta, não só os exércitos. É o povo que declara a guerra,
determina a paz e cria suas forças armadas. Os líderes militares devem sempre
se lembrar disto: eles são como as pontas-de-lança do povo e são dirigidos pelo
povo. É por isso que o exército é hoje um exército do povo e não mais uma
entidade separada”. (NASUTION, 1965, p. 13)
Conquanto a obra tenha claras alusões ao pensamento militar de Mao Zedong, o
líder demarca sua posição política ao insistir que é o nacionalismo que é a força
fundamental na luta, já que é só o nacionalismo que é capaz de mergir uma nação inteira
em uma força para derrotar o inimigo12. Assim, ressaltava a ligação entre política e o
militar, que se daria através da ideologia (CRIBBS, 1999, p. 145).
Um dos principais elementos que caracterizam a doutrina das forças armadas na
Indonésia, cuja influência perdura até os dias de hoje, é o comando territorial do exército.
Em 1947, Nasution procurou implementar sua estratégia de dividir as forças terrestres em
dois comandos: um móvel, para buscar e enfrentar as forças holandesas em suas ofensivas,
e outra territorial, em que a hierarquia militar teria equivalência às subdivisões políticas
regionais, de distritos até vilarejos. Este comando territorial permitiria maior sinergia
entre o exército e a população, e distanciaria grandes parcelas da força de um conflito
direto contra uma força melhor equipada em termos materiais. Na medida em que as
forças armadas da Indonésia lograssem em equiparar sua condição material contra o
inimigo, o exército se transformaria em um exército moderno, e a importância da
guerrilha diminuiria (NASUTION, 1965, p. 70). Dessa forma Nasution também se
aproxima de Mao e mesmo de Giap no Vietnã, em que a fase final da revolução nacional
passa por um exército convencional forte. Entretanto, este objetivo não foi alcançado até
o colapso do governo de Sukarno em 1965.
Economicamente, a indonésia buscava um projeto de nacionalismo econômico,
entendido como “a aspiração nacional para adquirir e controlar a propriedade de
estrangeiros e conseguir realizar as funções econômicas até então feitas por estrangeiros”
(JOHNSON, 1972, p. 26). Para a Indonésia, isto significava encerrar o contínuo domínio
dos interesses comerciais dos holandeses e do setor de ascendência chinesa, que
participou ativamente do governo colonial (WIE, 2010). A Indonésia também aceitou em
troca da independência assumir a dívida do governo colonial em relação à metrópole
holandesa (KAHIN, 1997). Entretanto, o governo não logrou em centralizar a gestão da
economia. As medidas para maior autonomia da economia da Indonésia resultaram em
um quadro de hiperinflação. Por outro lado, o sistema territorial do exército permitia que
oficiais locais participassem diretamente das atividades econômicas na sua região. Ao
trocar alvarás, proteção securitária etc. por recursos econômicas diretamente com
12 Esta posição pode ser entendida como antagonista ao movimento comunista, que daria enfoque às
dinâmicas sociais.
empresas locais, diminuía a capacidade do governo central de utilizar os excedentes
econômicos do país.
A luta pela centralização política unia a esfera doméstica à esfera internacional.
Um fator de ligação crítico foi o apoio que o ocidente - Estados Unidos e Commonwealth
- deram aos movimentos separatistas (KENNEDY, 1996; SIMONS, 2000). Esta
participação acentuou a visão de isolamento na política externa indonésia, colocando as
bases para a ampliação da política anticolonial rumo ao enfrentamento com as antigas
colônias britânicas na Malaia. O Ministro de Relações Exteriores, Subandrio, caracterizou
a situação regional da seguinte forma: “ao olhar para o mapa do nosso país, vê-se que
estamos cercados por estados que se associaram ou com a SEATO, ou são membros da
Commonwealth. De fato, nós estamos isolados” (SUBANDRIO, 1959).
A percepção de Sukarno era de que a combinação da utilização das forças armadas
de modo não-convencional e a ofensiva diplomática havia trazido até então bons
resultados. Entretanto, a Indonésia se viu progressivamente isolada com sua oposição ao
estabelecimento de uma Federação Malaia que mantivesse laços com a Grã-Bretanha.
Com o estabelecimento formal da Federação (1962), iniciou-se a campanha de
confrontação (konfrontasi) pela Indonésia. Automaticamente, os britânicos, juntamente
com os australianos e neozelandeses, foram acionados pelo arranjo defensivo do qual
participavam. Ao mesmo tempo, a Malásia ganhava recursos diplomáticos, e sua boa
relação com as potências ocidentais (e aquiescência do bloco não-alinhado) permitiram
que fosse eleita para o assento não-permanente do Conselho de Segurança em 1965. A
retórica internacional de Sukarno de uma oposição radical entre “NEFO” (novas forças
emergentes) e “NEKOLIM” (neocolonialismo e imperialismo) perdeu espaço para a
busca da Malásia pela garantia da soberania, algo preeminente para várias jovens nações
do bloco afro-asiático que temiam uma possível anexação ou outro tipo de ameaça à sua
integridade territorial.
Com o fracasso diplomático em relação à Malásia, o governo buscou uma
alternativa extrema ao se desvincular da ONU e buscar aproximação com a República
Popular do Vietnã e da China comunista. Tal aproximação tensionou sua relação com as
forças armadas, que se opunham a uma maior participação do Partido Comunista da
Indonésia e que percebiam a inabilidade da Democracia Dirigida em estabilizar a
economia do país. Isso fez com que, embora oficialmente o exército apoiasse e
participasse das operações da konfrontasi, secretamente buscavam uma solução
negociada com o inimigo (MIETZER, 1999).
A posição de Sukarno ressoava a posição dos movimentos comunistas malaios,
que haviam perdido grande parte da sua capacidade de enfrentamento a partir de 1960. A
“emergência malaia”, assim chamada para relativizar a severidade da oposição comunista
assim como para assegurar às companhias internacionais de que não havia um estado de
guerra declarada, perdurou de 1948 até 1960 e representou a oposição, grosso modo, da
população etnicamente malaia da península (que representava metade da população total),
apoiada pelos britânicos, contra a população de etnia chinesa, empobrecida e mobilizada
em torno de movimentos comunistas (HACK, 1999).
O movimento político que melhor representava, em um primeiro momento, a
agenda de nacionalização econômica na península malaia era o Partido Comunista Malaio.
O movimento possuía laços e era inspirado tanto pela China comunista como Partido
Comunista Indonésio. Assim, o auge de sua estratégia de luta política armada se deu em
meados da década de 1960, opondo a formação da Federaçao Malaia, em apoio à
Indonésia (KHENG, 2009). O interesse tanto dos Estados Unidos como da Grã-Bretanha
na região era a manutenção da presença econômica, que poderia ser assegurada mesmo
com a independência - mas não com a participação política dos comunistas.
Especialmente importante era a exportação de borracha e latão (KHENG, 2009, p. 133).
O colapso da Democracia Dirigida na Indonésia e o extermínio do PKI em 1965,
com o estabelecimento de um regime pró-ocidente centrado na figura de Suharto,
representou uma grande perda para o Partido Comunista Malaio. Ao contrário do PKI, os
comunistas malaios nunca lograram participar legalmente do governo. Ainda em 1953 o
movimento já havia sofrido diversas perdas e forçados a centrar suas operações na
fronteira com a Tailândia. Em 1960, o governo malaio estava correto em afirmar que as
forças comunistas estavam desbaratadas, e o principal líder, Chin Peng, buscou asilo em
Beijing (PENG, 2003). Por mais que as forças comunistas estivessem enfraquecidas, a
luta armada permaneceu até 1989. Segundo Peng, uma das principais influências foi a
atuação dos líderes comunistas do Vietnã, que enfatizavam a militância armada dentre os
partidos comunistas asiáticos. Do lado governamental malaio, o país tomou uma posição
mais pronunciadamente pró-ocidente na década de 1970, acentuando a marginalização do
movimento comunista na região. Finalmente, a aproximação da Malásia com a China de
Deng a partir da década de 1980 foi um dos fatores fundamentais para a desarticulação
da militância armada do Partido Comunista (KHENG, 2009). Cabe ressaltar que a partir
da década de 1970 a Malásia logrou efetuar um processo de industrialização a partir de
medidas protecionistas à indústria nascente, sendo um dos fatores que permitiu ao país a
modernização da economia e a relativização da sua posição em relação à antiga metrópole
(ALAVI, 2009).
Em suma, no período aqui analisado, houve forças políticas tanto na Malásia
quanto na Indonésia que buscaram um projeto de Revolução Nacional, nos seus pilares
político, econômico e militar. Nesta região, tal projeto significava ganhar capacidade de
gestão econômica após um longo período de colonização imperialista e centralizar a
autoridade política. A constituição de uma força convencional forte estava no horizonte
das Forças Armadas da Indonésia, entretanto a sua realidade limitada impôs a utilização
de uma doutrina que se aproximava da experiência chinesa - cristalizada na guerra civil
chinesa, mas com origens na guerra sino-japonesa. Tal influência também se deu no
Vietnã e, consequentemente, na Malásia.
Conclusão
Procurou-se com este artigo analisar a entrada de Indonésia, Malásia e Vietnã no
Sistema Internacional como Estados Independentes a partir de uma abordagem focada no
aspecto da Revolução Nacional. Propôs-se para esta análise uma abordagem baseada na
teoria do subdesenvolvimento de Celso Furtado e na operacionalização de um conceito
de Revolução Nacional, fundamentado nesta teoria.
Argumentou-se que, a partir da Restauração Meiji e tendo-a como exemplo,
definiu-se no Leste Asiático uma agenda para a inserção no Sistema Internacional
vestifaliano e no Sistema de produção capitalista de forma autônoma. Esta agenda estaria
centrada em três fatores, igualmente relevantes e que se retroalimentam: a) centralização
política; b) industrialização da economia e c) modernização militar. O objetivo final sendo
a superação do subdesenvolvimento e dos laços de dependência no Sistema Internacional,
ou seja, a construção de uma nação industrial inserida autonomamente no Sistema
Internacional e, potencialmente, inserida no rol das grandes potências.
Identificou-se que, para a consecução deste programa, a necessidade de
internalizar um centro de decisão, ou seja, uma capacidade de formulação autônoma,
capaz de reformar estruturas sociais e econômicas pregressas e implementando uma
política de desenvolvimento. Desse modo, verificou-se a importância do aspecto militar
para este processo, seja como forma de impulsionar uma política de industrialização,
como forma de impor internamente a agenda de Revolução Nacional, ou como forma de
dissuadir outras potências e/ou cortar os lações de dependência.
Desse modo, argumentou-se que do mesmo modo que o Estado subdesenvolvido
se move pelas contradições entre estruturas desenvolvidas e subdesenvolvidas em suas
esferas política e econômica, o mesmo ocorre na esfera militar. O Estado para superar o
subdesenvolvimento e defender sua Revolução Nacional da agressão externa necessita de
um conceito operacional-estratégico que lide com as contradições entre a guerra
convencional industrial moderna e uma economia e sistema logístico baseado na relação
de dependência com centro do sistema de produção capitalista.
Nesse sentido, o conceito estratégico-operacional adotado como paradigma foi o
chijiu zhan, ou guerra prologada, formulado pela China nacionalista na segunda guerra
sino-japonesa. Este conceito procurava diminuir as desvantagens econômicas,
tecnológicas e de poder de fogo através da guerra defensiva e de atrito, evitando batalhas
decisivas e cedendo terreno ao inimigo para fustigar suas linhas de comunicação,
objetivando um impasse no campo de batalha a ser solucionado no campo político e/ou
pela exaustão do inimigo.
Os processos de libertação nacional do séc. XX no Leste Asiático, mais
especificamente os aqui analisados, de Indonésia, Malásia e Vietnã, refletiram
diretamente estes fenômenos e processos. Os três países buscam, com diferentes graus de
sucesso, o controle dos excedentes de produção como forma de internalizar um centro de
decisão e perseguir uma agenda de Revolução Nacional.
Pode-se resumir a análise destes processos através de três pilares: econômico,
político e militar. Em termos gerais, os movimentos políticos que possuiam afinidade com
os objetivos da Revolução Nacional não obtiveram êxito em Malásia e Indonésia, ao
menos no período aqui retratado. Já o Vietnã obteve sua unificação e conseguiu
implementar parcialmente medidas centralizadoras. Sob o aspecto econômico, a
Indonésia e a Malásia não lograram nacionalizar os excedentes do setor primário, apesar
de haver pressão política para tanto; o Vietnã gradualmente foi capaz de exercer controle
sobre conjunto maior de atividades econômicas nativas, ao ponto de criar pequenas
indústrias locais. Em termos de centralização política, o Vietnã conseguiu
instrumentalizar a cúpula do Viet Minh como centro decisório, enquanto a Indonésia
passou por um embate constante entre linhas antagônicas e mesmo movimentos
separatistas. Relativamente, a Malásia manteve um regime sem rupturas tão drásticas com
o legado colonial. Em termos militares, é possível fazer uma ligação direta com a
experiência chinesa, visto que os principais líderes militares em Indonésia, Vietnã e
Malásia fazem referência à Mao Zedong. Em especial se destacam as condições similares
em que as forças nacionalistas se opuseram a um inimigo com maiores capacidades
materiais, como descritos por Giap no Vietnã e por Nasution na Indonésia.
Desse modo, espera-se ter colaborado para a promoção de uma visão
semiperiférica para a análise de Relações Internacionais e de Estudos Estratégicos.
Conceitos ou modelos tradicionais, principalmente no estudo da guerra, geralmente
pecam por falhar em capturar os objetivos políticos de beligerantes, resultando em
conclusões que tomam como referência apenas aqueles países capazes de engajar em uma
guerra no sentido moderno e industrial. Estas abordagens, como procurou-se demonstrar,
possuem pouco poder explicativo para a análise de eventos no Leste Asiático, quiçá
mesmo para o estudo de outros países semiperiféricos como o Brasil.
Assim, este artigo representou uma primeira aproximação para a construção de
uma agenda de pesquisa em Estudos Estratégicos baseada, para além da percepção da
semiperiferia, também em uma percepção brasileira dos fenômenos internacionais e da
guerra, neste caso, fundamentada no pensamento sobre desenvolvimento e
subdesenvolvimento de Celso Furtado.
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