Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Faculdade Paulista de Direito
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu
Roberto Carneiro Filho
Efetividade dos direitos fundamentais laborais:
abertura do sistema jurídico por meio da jurisprudência
(do positivismo ao pós-positivismo)
Tese de Doutoramento em Direito
Orientador: Prof. Dr. Renato Rua de Almeida
São Paulo
2016
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Faculdade Paulista de Direito
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu
Roberto Carneiro Filho
Efetividade dos direitos fundamentais laborais:
abertura do sistema jurídico por meio da jurisprudência
(do positivismo ao pós-positivismo)
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Faculdade Paulista de Direito da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de DOUTOR em
Direito, sob a orientação do Prof. Dr. Renato Rua de
Almeida
São Paulo
2016
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________
Orientador: Prof. Dr. Renato Rua de Almeida
_________________________________________
1º Arguidor: Prof. Dr. Carlos Henrique Bezerra Leite
_________________________________________
2º Arguidor: Profa. Dra. Adriana Calvo
_________________________________________
3º Arguidor: Prof. Dr. Willis Santiago Guerra Filho
_________________________________________
4º Arguidor: Profa. Dra. Christiane Marques Cunha
Agradecimentos
O fascínio pela vida acadêmica norteou a minha carreira profissional
desde os primeiros anos do bacharelado. Era como se o conhecimento destinado
àqueles preocupados em praticar o direito, mais palpável ao dia a dia forense, não
fosse satisfatório, pois eu sempre sofria com a angústia produzida pela necessidade
do saber, em especial o de essência jurídica, então, sentia-me como alguém quem
entendia ser inesgotável a fonte do saber, mas, ainda assim, era preciso buscar o
impossível e tentar esgotá-la, incessantemente, já que por meio desse exercício
mostrar-se-ia possível assimilar cada vez mais, mais e mais conhecimento,
ingressando em profunda atividade intelectiva, por meio do exercício de assimilação
sem fim, por não haver ponto de chegada à sagaz perseguição à cultura jurídica.
Concluído o bacharelado os obstáculos eram enormes, em que pese o
interesse pela vida acadêmica fosse contagiante, na realidade os acessos ao
mestrado e ao doutoramento mostravam-se, inicialmente, estarem à longa distância,
em dimensões quase invisíveis.
Mas, as luzes se acenderam e os caminhos se clarearam quando
encontrei no curso do meu caminho profissional os professores da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), em especial o Professor Dr. Renato
Rua de Almeida, de quem sou aluno e discípulo há quase uma década, tendo-me
tornado seu orientando e assistente durante o doutoramento. Nunca me esqueço de
dizer que quase tudo o que sei sobre direito do trabalho é o que aprendi com os
ensinamentos do Prof. Dr. Renato Rua de Almeida.
O meu privilegiado acesso ao Prof. Dr. Renato Rua de Almeida
aconteceu por gentil intermediação da Professora Dra. Adriana Calvo, a quem serei
eternamente grato, sendo quem me incentivou a prosseguir na carreira acadêmica,
por isso, tenho para com ela dívida de gratidão, inclusive porque boa parte do meu
humilde sucesso na carreira acadêmica se deve à fraternidade por ela gratuitamente
a mim dispensada nesses últimos anos.
Assim, essa tese de doutoramento é dedicada a todas as pessoas que
acreditaram e ainda acreditam no meu potencial acadêmico, entre as quais destaco
os meus genitores, Roberto e Eliane, bem como meus diletos familiares, e, em
especial, dedico essa tese aos Professores Drs. Renato Rua de Almeida e Adriana
Calvo, sem os quais o sonho do doutoramento não teria se tornado possível.
Agradeço ainda aos amigos da turma do doutoramento (Paulo Régis,
Davi Meirelles, Célio Neto, Leone Pereira, Jackson, Antonio Carlos Aguiar, Eduardo
Pragmácio, Claudimir Supioni, Claudio Couce, Príncipe), os quais acrescentaram
muito às minhas indagações acadêmicas com as intensas reflexões e os acalorados
debates por eles propiciados quando das aulas brilhantemente ministradas pelo
Prof. Dr. Renato Rua de Almeida.
Também deixo consignados meus agradecimentos aos examinadores,
membros da banca de minha defesa pública de tese de doutoramento, os quais me
servem de exemplo pela dedicação, devoção e doação à vida acadêmica, inclusive
pelo fato de terem encontrado espaço em suas disputadas agendas profissionais na
data da arguição final de tese. São eles: Profs. Drs. Carlos Henrique Bezerra Leite,
Adriana Calvo, Willis Santiago Guerra Filho e Christiane Marques Cunha.
Nessa reta final, depois de uma árdua caminhada percorrida, concluo
por absoluto que toda a experiência e todo o conhecimento adquirido ao longo do
doutoramento deixam-me seguro de que somente a formação acadêmica de
excelência permite a um profissional a qualificação necessária para a persecução
dos desafios impostos no cotidiano aos intelectuais do direito.
“One of the most widely shared values in the American political system is that principles governing society should be ‘rules of law and not merely the opinions of a small group of men who temporarily occupy high office’”. 1
1 Tradução: Um dos mais amplamente compartilhados valores do sistema político americano é que os
princípios que governam a sociedade deveriam constituir regras de direito e não meramente opiniões
de pequenos grupos de homens que temporariamente ocupam relevantes cargos no poder. (MALTZ,
Earl. “The nature of precedent”. North Carolina Law Review, vol. 66, jan. 1988, p. 371)
“Segundo a conhecida imagem de PELLEGRINO ROSSI, o homem caminha de acordo com a sua fantasia e a lei claudica; aquele reclama e esta é surda. É a jurisprudência que segue obrigatoriamente o homem, que o escuta sempre. O homem não exige arestos, mas, por sua livre vontade, obriga-a a pronunciar-se.” 2
2 BARROS MONTEIRO, Washington de. Da Jurisprudência, Revista da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo, v. 56, n. 2, p. 92, 1961.
“Menos leitura do código e mais ciências sociais”.3
3 Anônimo. Pichação no muro da Faculdade de Direito do Largo São Francisco da Universidade de
São Paulo.
Nome: Roberto Carneiro Filho Título da tese: Efetividade dos direitos fundamentais laborais: abertura do sistema jurídico por meio da jurisprudência (do positivismo ao pós-positivismo)
RESUMO O dinamismo e a hipercomplexidade como características inerentes às relações sociais moldadas à luz dos conceitos e dos valores reinantes no séc. XXI exigem do estudioso do direito do trabalho o permanente exercício da atividade intelectiva por meio de reflexões críticas e construtivas quanto ao sistema jurídico de regulamentação laboral. Nesse sentido, a presente tese de doutoramento, por meio de análises teóricas e jurisprudenciais, defende o aprimoramento nas técnicas hermenêuticas de aplicação do direito do trabalho, para a superação do positivismo jurídico e a construção de um direito laboral pós-positivista, com a finalidade de se buscar a aproximação do direito do trabalho à realidade social, principalmente por meio da máxima efetividade dos direitos fundamentais laborais, o que somente se mostra possível com a constitucionalização do direito privado e a partir da utilização de mecanismos de interpretação jurídica sustentados na teoria da argumentação jurídica, que sejam mais abertos e flexíveis do que a ideia de estrita legalidade. Então, a presente tese de doutoramento propõe que a Justiça do Trabalho no Brasil seja protagonista na concretização das normas e dos valores constitucionais, dando máxima efetividade aos direito fundamentais laborais, seja por meio da eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais, ou mesmo por meio da eficácia indireta e mediata dos direitos fundamentais, nesse último caso, quando se valerá das cláusulas gerais e dos conceitos jurídicos indeterminados expressos no Código Civil como janelas abertas por meio das quais se mostra possível constitucionalizar o direito privado, observando-se sempre a ponderação entre os valores constitucionais explícitos e implícitos, essa a “ratio” a ser seguida na regulamentação laboral. Portanto, a jurisprudência como fonte do direito do trabalho, diante da inércia legislativa frente à necessidade de constitucionalização da legislação laboral, deve se valer do ativismo constitucional para a construção da norma jurídica a partir do caso concreto, como já fez o Colendo Tribunal Superior do Trabalho quando da edição de alguns enunciados sumulares: item III da S. 244, item III da S. 378, S. 440 e S. 443. Palavras-chave: Direito do Trabalho. Direitos Fundamentais. Interpretação Jurídica. Jurisprudência.
Name: Roberto Carneiro Filho Title of the tesis: Effectiveness of labor fundamental rights: openess of the legal system through judge-made law (from positivism for postpositivism)
ABSTRACT Dynamism and hypercomplexity as inherent characteristics of social relations molded to the concepts and values prevailing in the twenty-one century require of labor law scholar the permanent exercise of intellectual activity through critical reflections on the legal system currently existing labor regulations. In this sense, the present doctoral thesis, through theoretical and jurisprudential analysis, defends the transformation of labor law application method, to overcome the legal positivism and building a labor law post-positivist, for the purpose of seeking the application of labor law in order to bring it closer to the social reality, as well as it can give effect to labor fundamental rights with the constitutionalization of private law, which only shows possible since the use of legal interpretation mechanisms that are more open and flexible, supported the theory of legal argument. So this thesis PhD proposes that the labor courts in Brazil be the protagonist in the implementation of norms and constitutional values, giving effectiveness on labor fundamental rights, it may avail themselves of the general terms and undefined legal concepts like open windows through which it shows possible constitutionalising private law, observing always the balance between explicit and implicit constitutional values. Therefore, the case law as a source of labor law, against the legislative lethargy, it should take advantage of the constitutional activism to build the rule of law from case, as it did the Venerable Superior Labor Court when editing some statements of jurisprudence: item III of P. 244, item III of P. 378, P. 440 and P. 443. Keywords: Labor law. Effectiveness on fundamental rights. Legal interpretation. Jurisprudence.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ADCT: Atos das Disposições Constitucionais Transitórias
Art.: artigo
CC: Código Civil
CC/02: Código Civil de 2002
CF/88: Constituição Federal Brasileira de 1988
CLT: Consolidação das Leis Trabalhistas
CRP/76: Constituição da República Portuguesa de 1976
C. TST: Colendo Tribunal Superior do Trabalho
Déc.: década
Dr.: doutor
DUDH: Declaração Universal de Direitos Humanos
Ed.: editora
Inc.: inciso
Novo CPC: Novo Código de Processo Civil
NCPC: Novo Código de Processo Civil
ONU: Organização das Nações Unidas
OJ: orientação jurisprudencial
Pág.: página
P.: precedente ou “precedent”
Prof.: professor
PUC-SP: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC/SP: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Rev.: revolução
RT: Revista dos Tribunais
RR: recurso de revista
S.: súmula
Séc.: século
STF: Supremo Tribunal Federal
TST: Tribunal Superior do Trabalho
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ____________________________________________________ 13
CAPÍTULO I
NOVA TEORIA GERAL DOS CONTRATOS PRIVADOS, PÓS-POSITIVISMO
JURÍDICO E DIREITOS FUNDAMENTAIS LABORAIS _____________________ 17
CAPÍTULO II
BOA-FÉ OBJETIVA NO CONTRATO DE TRABALHO: EM BUSCA DA MÁXIMA
EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS LABORAIS _______________ 48
CAPÍTULO III
FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO LABORAL: ATIVISMO CONSTITUCIONAL NA
JUSTIÇA DO TRABALHO E INTERPRETAÇÃO JURÍDICA A PARTIR DO CASO
CONCRETO ______________________________________________________ 70
CAPÍTULO IV
FLEXIBILIDADE TRABALHISTA DE ADAPTAÇÃO PELA JURISPRUDÊNCIA:
ABERTURA DO SISTEMA JURÍDICO COMO MECANISMO DE ADAPTAÇÃO DA
REGULAMENTAÇÃO LABORAL À REALIDADE SOCIAL ___________________ 87
CAPÍTULO V
NEOCONSTITUCIONALISMO E NEOPROCESSUALISMO: PÓS-POSITIVISMO E
TUTELA JURISDICIONAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS LABORAIS ______ 99
CAPÍTULO VI
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA, CONTRIBUIÇÕES DO “COMMON
LAW” PARA O “CIVIL LAW” E SISTEMÁTICA DE APLICAÇÃO OBRIGATÓRIA DE
SÚMULAS E DE PRECEDENTES JUDICIAIS ___________________________ 111
CAPÍTULO VII
DIÁLOGO ENTRE O NOVO CPC E O PROCESSO LABORAL: A FORÇA
VINCULANTE DAS SÚMULAS E DOS PRECEDENTES COMO MECANISMO DE
EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS LABORAIS ______________ 125
CAPÍTULO VIII
ESTUDO REFLEXIVO DA JURISPRUDÊNCIA DO COLENDO TRIBUNAL
SUPERIOR DO TRABALHO _________________________________________ 139
VIII.1. O item III da Súmula 244 do C. TST ______________________________ 145
VIII.2. O item III da Súmula 378 do C. TST ______________________________ 148
VIII.3. A Súmula 440 do C. TST ______________________________________ 151
VIII.4. A Súmula 443 do C. TST ______________________________________ 154
CONCLUSÕES ___________________________________________________ 158
REFERÊNCIAS __________________________________________________ 161
SÍTIOS DA INTERNET PESQUISADOS _______________________________ 175
13
INTRODUÇÃO
A busca pela adaptação da regulamentação jurídica trabalhista às
demandas e exigências da sociedade pós-moderna, dinâmica e hipercomplexa, tem
marcado a atual fase do direito do trabalho.
Ao contrário do que ocorre com o Código do Trabalho de Portugal em
vigor4, observando-se que o direito laboral pátrio positivado na legislação
infraconstitucional não acompanha as necessidades da sociedade pós-moderna,
seja porque não é uma legislação infraconstitucional constitucionalizada, pois
quando da sua elaboração a Constituição tinha apenas um significado de Carta
Política e não de instrumento de cidadania, seja porque não reproduz todos os
direitos fundamentais laborais, isso porque quando a CLT foi elaborada havia
pouquíssima ou nenhuma preocupação com os direitos laborais inespecíficos5, ou
mesmo porque não reflete os valores constitucionais implícitos ou explícitos do texto
constitucional de 1988, assim, sob essas premissas, chega-se ao entendimento pela
possibilidade de uma análise reflexiva do direito do trabalho com a finalidade de
argumentar em defesa da efetividade dos direitos fundamentais laborais, sendo isso
o que se fará na presente tese de doutoramento.
Então, questionar e refletir sobre o direito laboral brasileiro à luz da
teoria dos direitos fundamentais e com base na defesa de um direito jurisprudencial
normativo é a proposta da presente tese de doutoramento, que partirá de análises
teóricas e ao final enriquecerá a sua argumentação com a análise da jurisprudência.
A pesquisa estabeleceu as seguintes problemáticas como partidas para
o desenvolvimento da tese:
(1ª problemática de pesquisa) É possível a construção normativa no
âmbito da regulamentação laboral a partir de valores constitucionalizados?
4 Lei nº 7/2009, aprovada em 12 de fevereiro de 2009. Código do Trabalho de Portugal.
5 Os direitos laborais inespecíficos correspondem aos direitos extrapatrimoniais do trabalhador.
14
(2ª problemática de pesquisa) Pode o TST, por meio da hermenêutica,
vir a produzir conteúdos jurídicos de natureza normativa a partir de mecanismos de
interpretação jurídica?
(3ª problemática de pesquisa) Os conteúdos jurídicos de natureza
normativa que porventura sejam produzidos pelo TST, oriundos de mecanismos
hermenêuticos de interpretação jurídica, são ou não conteúdos artificiais?
(4ª problemática de pesquisa) As normas jurídicas laborais construídas
pela interpretação literal de textos legais são mais ou menos artificiais do que as
normas construídas por meio de interpretação jurídica a partir do caso concreto?
(5ª problemática de pesquisa) É possível a construção do direito laboral
a partir do caso concreto por meio de mecanismos de interpretações jurídicas?
No primeiro capítulo, “ab initio”, a presente tese de doutoramento em
direito abordará a evolução histórica do direito laboral e da ciência do direito em
geral, sob o ponto de vista da teoria do direito e da filosofia do direito, quando então
se mostrará que a sistemática e o raciocínio jurídico, ainda existentes, foram
moldados no período pós-revolução francesa, sustentados na teoria da absoluta
separação de poderes, o que com a evolução da ciência do direito e da sociedade
mostrou-se superado diante da constatação acerca da impossibilidade de
construção de um direito laboral realmente equitativo tão somente por meio da
obediência às regras legalistas gerais e abstratas, diante do dinamismo e da
hipercomplexidade das relações sociais que exigem a construção de normas
jurídicas a partir do caso concreto e da compreensão da realidade social,
denotando-se nos dias atuais a importância da negociação coletiva de trabalho e da
jurisprudência ativista na adaptação do direito do trabalho aos preceitos e valores
constitucionais.
Nesse diapasão, o primeiro capítulo defenderá a constitucionalização
do direito do trabalho, com o seu ingresso no universo do pós-positivismo.
Além disso, o primeiro capítulo mostrará a impertinência da
sustentação teórica de um sistema jurídico fechado, sendo que as cláusulas gerais e
os conceitos jurídicos indeterminados são permissivos da abertura do sistema
15
jurídico, a fim de se aproximar o direito laboral das necessidades econômicas e
sociais, o que somente se mostra possível com a redução do dogmatismo formalista
quando da aplicação do direito do trabalho e a valorização da interpretação jurídica e
da teoria da argumentação jurídica.
O segundo e o terceiro capítulos, em continuidade ao raciocínio teórico
desenvolvido no primeiro capítulo, buscará tratar sobre as cláusulas gerais da boa-fé
objetiva e da função social do contrato laboral, que são janelas abertas para a
aplicação das normas jurídicas prescritivas de direitos fundamentais laborais. Depois
de uma análise histórico-evolutiva do contrato de trabalho, abordar-se-á nos
segundo e terceiro capítulos o ativismo constitucional trabalhista e a necessidade de
que seja dada máxima efetividade aos direitos fundamentais laborais.
A presente tese de doutoramento defenderá o protagonismo do Poder
Judiciário na concretização dos preceitos e dos valores constitucionais, o que se
pautará na proposta para que seja repensado o princípio da separação absoluta dos
poderes, diante do dever de que todos os poderes estatais, bem como os poderes
privados, deem máxima efetividade aos direitos fundamentais.
No quarto capítulo, a presente tese de doutoramento abordará a
flexibilidade trabalhista de adaptação pela via jurisprudencial, quando então se
estudará a abertura do sistema jurídico laboral por meio da jurisprudência frente ao
seu papel de reguladora da validade de cláusulas normativas de convenções e
acordos coletivos, partindo da ideia de que o ordenamento jurídico trabalhista deve
ser constituído por maior quantidade de normas jurídicas legisladas dispositivas e
menor número de normas legisladas impositivas e cogentes, cabendo ao Poder
Judiciário Trabalhista o papel de protagonista na fiscalização e interpretação das
normas coletivas frente aos limites impostos pelo texto constitucional e pelos
tratados internacionais, assim, deixando-se para a autonomia privada coletiva e para
a jurisprudência o papel de adaptar o direito laboral à realidade econômica e social,
em busca da efetividade dos direitos fundamentais laborais. Para tanto, é primordial
a aceitação da teoria da argumentação jurídica e das teorias da interpretação
quando da aplicação do direito do trabalho, mesmo diante das cláusulas de
convenção e acordos coletivos.
16
O quinto, o sexto e o sétimo capítulos, em continuidade ao raciocínio
desenvolvido nos capítulos anteriores, analisará o papel crucial do direito
jurisprudencial na proposta de crítica ao direito laboral ordenado em um sistema
jurídico fechado, isso porque a jurisprudência normativa como fonte do direito é
fenômeno irrecusável dentro do direito laboral pós-moderno e pós-positivista,
podendo-se inclusive falar em um ramo do direito autônomo chamado direito
jurisprudencial, já que a construção da norma jurídica a partir do caso concreto em
busca da efetividade dos direitos fundamentais laborais é “conditio sine qua non”
para a aproximação do direito do trabalho à realidade econômica e social, inclusive
já existindo na jurisprudência trabalhista atual alguns exemplos de Súmulas e de
Precedentes Judiciais de aplicação obrigatória que servem como fonte do direito
laboral por terem criado normas jurídicas constitucionalizadas a partir de casos
concretos, com vinculação para casos práticos análogos futuros.
Por fim, o oitavo capítulo estudará, empiricamente, os fundamentos
práticos e teóricos de algumas Súmulas de jurisprudência do Colendo Tribunal
Superior do Trabalho, as quais servem como amostras empíricas de aplicação do
todo teórico desenvolvido nos sete capítulos anteriores, sendo que a análise do item
III da S. 244, do item III da S. 378, da S. 440 e da S. 443, todas elas do C. TST,
somente virá a enriquecer o presente trabalho acadêmico para ilustração prática do
argumento principal defendido nessa tese, segundo o qual, é preciso refletir sobre o
direito laboral positivista em busca de uma modulação jurídico-laboral pós-positivista,
sendo que a valorização da jurisprudência e da negociação coletiva é fator
determinante na concretização das normas e dos valores constitucionais, com a
máxima efetividade dos direitos fundamentais laborais e a defesa da flexibilidade
trabalhista de adaptação que venha a dar efetividade aos direitos laborais
específicos e inespecíficos.
17
CAPÍTULO I
NOVA TEORIA GERAL DOS CONTRATOS PRIVADOS, PÓS-POSITIVISMO
JURÍDICO E DIREITOS FUNDAMENTAIS LABORAIS
Por certo, no atual estágio de evolução do direito privado não pode
mais ser aceita como se fosse verdadeira a afirmação de que as molduras legais
infraconstitucionais taxativas seriam perfeitamente suficientes, exaurientes e
completas na regulamentação das ações e omissões humanas, ou seja, está
ultrapassada a visão de que os corpos legislativos infraconstitucionais existentes
dentro do ordenamento jurídico são capazes de criar molduras inflexíveis e aptas a
antever com plenitude quaisquer atos e fatos sujeitos à regulamentação jurídica6,
esse argumento ainda mais se justifica diante da indiscutível inércia legislativa
arraigada na cultura política brasileira, logo, as leis não acompanham a evolução.
Assim como, também está superada a compreensão estrita do direito
contratual privado à luz de uma aplicação absoluta da “pacta sunt servanda”, da
autonomia da vontade dos contratantes7 e dos efeitos relativos do contrato. Essas
premissas devem ser pensadas à luz do dinamismo e da hipercomplexidade8 que
pautam a sociedade pós-moderna.
6 Esse argumento critica o pensamento de Hans Kelsen, para quem: “O sistema jurídico, para Kelsen,
é unitário, orgânico, fechado, completo e autossuficiente; nele, nada falta para seu aperfeiçoamento;
normas hierarquicamente inferiores buscam seu fundamento de validade em normas
hierarquicamente superiores. O ordenamento jurídico resume-se a esse complexo emaranhado de
relações normativas”. (BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia
do Direito, 10ª edição, São Paulo: Editora Atlas, 2012, pág. 400)
7 Renato Rua de Almeida, com base nas lições de Teresa Negreiros, critica a atualidade da
expressão autonomia da vontade dos contratantes, para ele o mais correto é denominar autonomia
privada, já que a vontade está limitada pela função social do contrato, conforme se verá no Capítulo 3
dessa tese.
8 São diversos os autores (Niklas Luhmann, Edgar Morin, Marcelo Neves, Zygmunt Bauman “et
cetera”) que tratam sobre o dinamismo e a hipercomplexidade das relações sociais no século XXI, em
18
Isso porque, tanto as normas jurídicas infraconstitucionais, quanto as
cláusulas contratuais privatistas, devem irradiar os direitos fundamentais de “status”
constitucional, sendo que as cláusulas gerais e os conceitos jurídicos
indeterminados são as janelas abertas do sistema jurídico que permitem a máxima
constitucionalização do direito privado, inclusive do direito laboral.
Cabe ao magistrado dar eficácia aos direitos fundamentais laborais no
caso concreto, permitindo que os valores constitucionais prevaleçam nas relações
de direito privado, mesmo em detrimento da cláusula “pacta sunt servanda”,
cabendo inclusive a interpretação conforme a Constituição dos contratos e das leis.
Certamente, a constitucionalização do direito laboral depende do
protagonismo da Justiça do Trabalho, cabendo a ela a responsabilidade social e
política de dar eficácia aos direitos fundamentais laborais9.
que pese nem todos utilizem exatamente o termo hipercomplexidade, alguns adjetivando apenas
como complexidade ou usam outra terminologia. Partindo-se da premissa de que é natural a
existência de divergências entre os diversos autores quanto ao que se entende por sociedade
dinâmica e hipercomplexa, para Niklas Luhman dinamismo e hipercomplexidade significam:
ampliação das possibilidades e das alternativas frente às necessidades de escolhas, quantidades de
possibilidades e alternativas muito além do que pode ser realizável, pressão seletiva, riscos
permanentes, abertura para o futuro (cf.: LUHMAN, Niklas apud NEVES, Marcelo. Entre Têmis e
Leviatã: uma relação difícil. 2ª edição, São Paulo: Martins Fontes, 2008, pág. 15-18). Ainda, é
possível caracterizar o dinamismo e a hipercomplexidade das relações sociais pelos seguintes
atributos: mudanças sociais repentinas e permanentes, crises, incertezas, esperança, multiplicidades
de padrões comportamentais, crise de valores, mudanças de paradigmas e de expectativas,
hegemonia do capital globalizante, riscos de retrocesso social, necessidade de afirmação de
conquistas, retomada de discursos antes superados “et cetera”.
9 “Essa responsabilidade constitucional e política da Justiça do Trabalho na efetividade dos direitos
fundamentais nas relações de trabalho a enobrece, dando-lhe novo protagonismo na sociedade
brasileira, sobretudo em razão da inércia legislativa estruturalmente resultante de um sistema eleitoral
proporcional das eleições legislativas superado no tempo. O protagonismo do Poder Judiciário, como
um todo, na busca da eficácia dos direitos fundamentais, constitui o que Boaventura de Sousa Santos
denomina de judicialização da política, em sua obra ‘Para uma revolução democrática da justiça’,
editada pela Cortez Editora, constituindo um dos sinais dos tempos modernos na construção
democrática”. (ALMEIDA, Renato Rua de. A eficácia dos direitos fundamentais nas relações de
trabalho, Revista LTr – Legislação do Trabalho, 76-06/647-650)
19
Judith Martins-Costa, ao tratar sobre o Código Civil em vigor, afirma
que a legislação infraconstitucional privatista pode ser considerada “uma estrutura
receptora dos direitos fundamentais, difundindo-os nas relações interprivadas e
contribuindo com a construção de uma nova noção de pessoa humana”10, o que se
aplica aos contratos de trabalho.
Então, não cabe mais nos dias atuais a visão estanque do direito
privado como conjunto de normas infraconstitucionais dissociadas da ordem jurídica
constitucional, assim como não cabe mais a aplicação absoluta da “pacta sunt
servanda” às relações contratuais, já que a função social do contrato e a boa-fé
objetiva acarretam na ingerência de normas constitucionais sobre a vontade dos
contratantes, dando origem à ideia de autonomia privada dos contratantes, e na
modulação dos efeitos do contrato de direito privado, conforme se verá nos capítulos
2 e 3 dessa tese de doutoramento.
O pós-positivismo jurídico é a escola de pensamento jusfilosófico que
orienta a aplicação dos direitos fundamentais às relações privadas, sendo esse o
paradigma que será observado em todos os capítulos dessa tese.
Renato Rua de Almeida, em seus textos mencionados ao final da tese
nas referências bibliográficas, destaca que a irradiação dos direitos fundamentais
laborais sobre todo o ordenamento jurídico decorre da sua dimensão objetiva, o que
implica na constitucionalização do direito privado11. Essa irradiação poderá ocorrer
em algumas situações com a aplicação direta e imediata dos direitos fundamentais
ao caso concreto, o que chamamos de eficácia direta e imediata dos direitos
fundamentais, ou mesmo por meio das cláusulas gerais estudadas nos capítulos 2 e
10
MARTINS-COSTA, Judith. Os direitos fundamentais e a opção culturalista do novo Código Civil,
Constituição, direitos fundamentais e direito privado, In: SARLET, Ingo. (Org.). Constituição, Direitos
Fundamentais e Direito Privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, pág. 65.
11 “(...) a dimensão objetiva dos direitos fundamentais da Constituição Federal de 1988 implicou a sua
irradiação no ordenamento jurídico brasileiro, resultando o fenômeno da constitucionalização do
direito privado, com a aprovação no Brasil do Código Civil de 2002”. (ALMEIDA, Renato Rua de. A
função social do contrato e a nova redação do item III, da Súmula 244, a inserção do item III, na
Súmula 378, e a edição das Súmulas 440 e 443, do TST, Suplemento Trabalhista LTr, sob o nº
137/13, em 2013, ano 49, págs. 741-743)
20
3 dessa tese, sendo que essas cláusulas gerais permitem ao magistrado a aplicação
indireta e mediata das normas constitucionais por meio da interpretação da
legislação infraconstitucional a partir do CF/88.
O que pretendia a Escola da Exegese, assim como o Pandectismo12,
era que o pensamento jurídico pudesse ser reduzido ao simples raciocínio
silogístico, de tal maneira que as ações e omissões humanas fossem previsíveis,
cabendo ao magistrado apenas a aplicação de fórmulas legalistas aos casos
concretos, o que se mostra de certa maneira ultrapassado nos dias atuais.
Em matéria contratual, segundo a Escola da Exegese e o Pandectismo,
aquilo que não fosse proibido pela lei poderia ser amplamente e autonomamente
contratado entre os sujeitos e entes privados, mas, uma vez firmada a avença,
deveria ser obedecida com rigidez e de maneira inflexível a máxima da “pacta sunt
servanda”. Essa ideia se contrapõe ao direito do trabalho contratualista construído
ao longo do séc. XX, cuja construção primou pelo dirigismo estatal sobre a liberdade
contratual, dado o reconhecido elemento pessoalidade do trabalhador inerente à
avença laboral, o que não se afasta com o pós-positivismo.
Segundo Thomas da Rosa de Bustamante, de acordo com a Escola da
Exegese, surgida na França no séc. XIX, as molduras legais e contratuais serviriam
ao estilo “phrase unique”, utilizado pelos magistrados quando da busca da solução
jurídica para o caso concreto, sendo que a aplicação do direito nada mais seria do
que o resultado de raciocínios silogísticos formais com a incidência da norma legal e
das regras contratuais ao caso concreto, sem que qualquer indagação valorativa
12
“Na Alemanha, Bernhard Windscheid foi o autor do Tratado dos Pandectas, que deu origem ao
movimento que ficou conhecido como pandectismo, por dedicar-se à pesquisa dos Pandectas ou
Digesto de Justiniano. Esse movimento encarava a lei como um produto resultante da história de um
povo e da vontade racional do legislador. Ocupando uma posição intermediária entre a compreensão
do espírito de um povo, como manifestação da lei, e o mais puro apego ao texto da lei, o pandectismo
supera a Escola Histórica e influencia, de modo decisivo, o surgimento da codificação, na França,
pós-revolução. O movimento pela codificação, na França, tem como principal referência doutrinária a
Escola da Exegese. (...) A Escola da Exegese advoga o princípio da completude do ordenamento
jurídico, e não deixa espaço para o Direito natural. As lacunas da lei devem ser resolvidas pelo
próprio sistema jurídico”. (BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de
Filosofia do Direito, 10ª edição, São Paulo: Editora Atlas, 2012, pág. 391-392)
21
fosse possível, ou mesmo principiológica, quanto ao que foi estabelecido pelo
legislador ou quanto ao que foi livremente e autonomamente contratado entre os
sujeitos privados13.
Então, à luz do sistema jurídico surgido no séc. XIX, tendo como
paradigma o Código Civil Francês Napoleônico de 1804, o direito seria produto da
vontade dos legisladores, enquanto legítimos representantes do povo, e não da
atividade jurisprudencial, negando-se a ela qualquer papel normativista, sendo que
aquilo que não fosse vedado pelas legislações poderia ser amplamente contratado
entre os sujeitos privados, cabendo aos magistrados o papel de meros aplicadores
da vontade legislativa ao caso concreto (“bouche de la loi”) e de concretizadores das
vontades contratuais. A norma jurídica deveria ser encontrada na literalidade do
texto da lei, havendo um único significado possível para o texto legal, e quanto às
regras contratuais elas deveriam observar estritamente as vontades dos sujeitos
privados contratantes (“pacta sunt servanda”).
Assim, para a Escola da Exegese interpretar a lei seria respeitar
estritamente o seu único significado normativo14, assim como criar obrigações e
13
Thomas da Rosa de Bustamante, remetendo à Chaïm Perelman (Lógica Jurídica, Trad. De
Vergínia K. Pupi, São Paulo: Martins Fontes, 2000, pág. 31), menciona que o “estilo phrase unique” é
produto da cultura iluminista francesa do século XIX, vejamos: “O estilo phrase unique é uma
manifestação particular da influência que o Positivismo formalista do século XIX exerceu em França.
Durante o período compreendido entre a data da entrada em vigor do Código Napoleônico, em 1804,
e o lançamento da obra de François Gény intitulada Méthodes d’Interprétation et Sources em Droit
Privé Positif, em 1899, foi hegemônica em solo francês a denominada ‘Escola da Exegese’, que
pretendia, consoante as ideias fundamentais acerca do Direito dominantes na Revolução Francesa,
‘reduzir o Direito à lei’ e, de modo mais particular, ‘o direito civil ao Código de Napoleão’”
(BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do Precedente Judicial: a justificação e a aplicação
das regras jurisprudenciais, São Paulo: Noeses Editora, 2012, pág. 20).
14 Thomas da Rosa de Bustamante, remetendo às lições de Benoît Frydman (“Exégèse et Philologie:
um cas d’hermenéutique comparée”, Revenue Interdisciplinarie d’Études Juridiques, 1994, pág.
74): “Em uma palavra, a premissa fundamental da denominada ‘Escola da Exegese’ é de que ‘o texto
(da lei) possui um e apenas um significado verdadeiro’, e, portanto, de que a interpretação
‘corresponde a um ato de conhecimento objetivo, que deve e pode ser purgado de todo juízo de valor
próprio do intérprete”. (BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do Precedente Judicial: a
justificação e a aplicação das regras jurisprudenciais, São Paulo: Noeses Editora, 2012, pág. 21).
22
direitos com fonte contratual seria o mesmo que exercer amplamente e livremente a
autonomia da vontade, desde que respeitados os limites legais. Justamente, a
reflexão que será feita nos próximos capítulos dessa tese é quanto à inércia
legislativa que diante de razões circunstanciais com o tempo deixou de acompanhar
os paradigmas constitucionais.
Retomando as ideias já expostas no início do presente capítulo,
ensinam Eduardo Carlos Bianca Bittar e Guilherme Assis de Almeida que “o
Pandectismo (Alemanha), a Escola da Exegese (França) e a Escola Analítica
(Inglaterra) têm uma característica que unifica todas essas escolas: a compreensão
dos dispositivos legais, pela cuidadosa pesquisa da vontade do legislador”15.
Sob o ponto de vista do direito contratual privatista, o Código Civil
Napoleônico de 1804 sustentava a teoria geral dos contratos em 3 (três) pilares
clássicos, que são os seguintes: (1º) autonomia da vontade; (2º) intangibilidade do
conteúdo do contrato; (3º) relatividade dos efeitos do contrato.
Quando falamos em abertura do sistema jurídico estamos justamente a
falar sobre a ruptura com os padrões jurídico-hermenêuticos estabelecidos pela
Escola da Exegese, abertura para que o papel interpretativo da jurisprudência se
aproxime da realidade, bem como para que o direito se torne menos formal e se
abra, aproximando-se dos princípios e valores constitucionalizados.
O positivismo formalista16, nas suas mais variadas vertentes, reduz o
conhecimento jurídico ao estudo de normas jurídicas abstratas, como se as fontes
15
BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito, 10ª edição,
São Paulo: Editora Atlas, 2012, pág. 391.
16 “Reflexo do positivismo científico do século XIX, o positivismo jurídico, como movimento de
pensamento antagônico a qualquer teoria naturalista, metafísica, sociológica, histórica, antropológica
etc. adentrou de tal forma nos meandros jurídicos, que suas concepções se tornaram estudo
indispensável e obrigatório para a melhor compreensão lógico-sistemática do Direito. Sua
contribuição é notória no sentido de que fornece uma dimensão integrada e científica do Direito,
porém, a metodologia do positivismo jurídico identifica que o que não pode ser provado racionalmente
não pode ser conhecido, ao estilo da exatidão matemática da influência juvenil kelseniana; sem
dúvida nenhuma, retira os fundamentos e as finalidades, contentando-se com o que ictu oculi satisfaz
às exigências da observação e da experimentação, daí restringir-se ao posto (positum – ius
23
legislativas fossem capazes de construir um sistema jurídico fechado, acabado,
completo e capaz de alcançar a totalidade das situações concretas, sendo que a
liberdade contratual estaria inserida nos vazios das regulamentações legais.
Quando falamos em abertura do sistema jurídico estamos negando
essa completude e capacidade das fontes legislativas para alcançar todas as
situações da realidade prática, o que exige a existência dentro do ordenamento de
normas com conteúdo aberto para que possam ser adequadas caso a caso,
conforme a realidade prática, assim como estamos negando que os 3 (três) pilares
de sustentação da teoria clássica dos contratos privados (“pacta sunt servanda”,
autonomia da vontade e relatividade dos efeitos dos contratos) tenham caráter
absoluto, em razão do surgimento de 3 (três) novos pilares, (i) boa-fé objetiva, (ii)
equilíbrio econômico da relação contratual e (iii) intangibilidade dos efeitos dos
contratos.
Eduardo Carlos Bianca Bittar e Guilherme Assis de Almeida entendem
que o positivismo jurídico reduz o conhecimento jurídico à compreensão da norma e
do sistema jurídico no qual está ela inserida, desconsiderando-se quaisquer
questões éticas, morais, valorativas, políticas, filosóficas ou sociológicas17.
No plano do direito privado, a inserção de cláusulas gerais e de
conceitos jurídicos indeterminados em nosso sistema jurídico atual é uma das
principais caraterísticas permissivas da abertura do sistema, na medida em que tais
espécies normativas permitem ao magistrado, diante do caso concreto, aferir
positivum).” (BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito,
10ª edição, São Paulo: Editora Atlas, 2012, pág. 398)
17 Eduardo Carlos Bianca Bittar e Guilherme Assis de Almeida, ao falarem sobre a jurisprudência dos
conceitos, que é por eles considerada “um dos avatares do Positivismo Jurídico”, dizem: “É a
colocação da realidade fática como único objeto merecedor de consideração por parte da Ciência
Jurídica que faz com que a razão de ser do positivismo jurídico reduza-se à compreensão da norma e
do sistema jurídico no qual ela está inserida. De fato, será o reducionismo uma característica
fundamental dos positivistas. (...) A redução do direito à norma, com a desconsideração das questões
éticas, políticas e sociológicas na esfera do Direito atinge o seu ápice com a Jurisprudência dos
Conceitos (...)”. (BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do
Direito, 10ª edição, São Paulo: Editora Atlas, 2012, pág. 390-391)
24
aspectos éticos, morais e valorativos quando da busca da solução jurídica para o
caso concreto.
Uma das principais características da sistemática jurídica privatista
atual é a corporificação de janelas abertas, que permitem uma maior flexibilidade na
busca da solução justa para o caso concreto.
As janelas abertas, acima referidas, agregam-se aos 3 (três) novos
pilares da teoria geral dos contratos, já mencionados. São consideradas janelas
abertas, as cláusulas gerais de direito e os conceitos jurídicos indeterminados, e
também permitem a abertura do sistema jurídico os princípios constitucionais
explícitos e implícitos, bem como os valores intrínsecos ao texto constitucional.
Judith Martins-Costa ao dissertar sobre a técnica legislativa adotada
pelo Código Civil em vigor, o qual irradia regras e princípios normativos por todo o
direito privado, inclusive sobre o direito laboral (o que será abordado adiante nos
próximos capítulos), explica essa ideia aqui exposta, pois, segunda ela não
podemos mais entender o direito privado por meio de “modelos jurídicos fechados”
previstos na legislação infraconstitucional e nem mesmo conferir caráter absoluto à
autonomia da vontade contratual, sendo a CF/88 o maior paradigma de
regulamentação das relações jurídicas de direito privado, sendo que o texto
constitucional está farto de “modelos abertos” aptos a que sejam aplicados direta e
imediatamente aos casos concretos18, ou de forma indireta e mediata por meio das
cláusulas gerais, conforme se verá nos próximos capítulos.
18
“O Código Civil, na contemporaneidade, não tem mais por paradigma a estrutura que,
geometricamente desenhada como um modelo fechado pelos sábios iluministas, encontrou a mais
completa tradução na codificação oitocentista. Hoje a sua inspiração, mesmo do ponto de vista da
técnica legislativa, vem da Constituição, farta em modelos jurídicos abertos. Sua linguagem, à
diferença do que ocorre com os códigos penais, não está cingida à rígida descrição de fattispecies
cerradas, à técnica da casuística. Um Código não-totalitário tem janelas abertas para a mobilidade da
vida, pontes que o ligam a outros corpos normativos – mesmo os extrajurídicos – e avenidas, bem
trilhadas, que o vinculam, dialeticamente, aos princípios e regras constitucionais. As cláusulas gerais,
mais do que um “caso” da teoria do direito – pois revolucionam a tradicional teoria das fontes –
constituem as janelas, pontes e avenidas dos modernos códigos civis. Isto porque conformam o meio
legislativamente hábil para permitir o ingresso, no ordenamento jurídico codificado, de princípios
valorativos, ainda inexpressos legislativamente, de standards, máximas de conduta, arquétipos
25
Ora, conforme as lições acima expostas, mostra-se correto afirmar que
o direito privado brasileiro, categoria dentro da qual se inclui o direito laboral, vem
evoluindo, tornando-se cada vez menos ortodoxo, com o abandono de parte de sua
rigidez dogmática em razão da ampliação de sua importância pragmática.
No contexto aqui analisado, mostra-se correto afirmar que o
pensamento jurídico ortodoxo seria aquele ligado à Escola da Exegese, a qual
entende a atividade jurisdicional como mera “bouche de la loi”, cabendo ao juiz
obedecer estritamente aos ditames legais e aos contratantes curvarem-se ao
avençado de maneira absoluta.
Então, segundo as lições acima, a evolução do direito privado está
relacionada com a superação dos dogmas jurídicos firmados pela Escola da
Exegese na época do iluminismo e a construção de pensamentos jurídicos mais
flexíveis e próximos da realidade concreta dos fatos.
Ronald Dworkin, mundialmente um dos mais conhecidos críticos do
positivismo jurídico e de seus mentores Kelsen e Hart, propõe a análise do direito
por meio da interpretação construtiva, sob o argumento de que a interpretação
construtiva pode ser transformada “em um instrumento apropriado ao estudo do
direito enquanto prática social”19.
A ciência do direito está passando pelo momento do chamado pós-
positivismo, que seria uma etapa mais evoluída do positivismo formalista, sendo que
o propósito da presente tese de doutoramento é, justamente, desenvolver a
problemática envolvendo a efetividade dos direitos fundamentais laborais por meio
exemplares de comportamento, de deveres de conduta não previstos legislativamente (e, por vezes,
nos casos concretos, também não advindos da autonomia privada) de direitos e deveres configurados
segundo os usos do tráfego jurídico, de diretivas econômicas, sociais e políticas, de normas, enfim,
constantes de universos meta-jurídicos, viabilizando a sua sistematização e permanente
ressistematização no ordenamento positivo”. (MARTINS-COSTA, Judith. O direito privado como um
“sistema em construção”: as cláusulas gerais no Projeto do Código Civil Brasileiro, Revista da
Faculdade de Direito da UFRGS, n. 15, Porto Alegre, UFRGS/Síntese, 1998, pág. 129-154.)
19 DWORKIN, Ronald. O império do direito, 3ª edição, São Paulo: Martins Fontes, 2014, pág. 81.
26
da sistemática de aplicação obrigatória de precedentes e súmulas, à luz dos
fundamentos teóricos trazidos pelo pós-positivismo.
A título de esclarecimento, entende-se por ortodoxo o pensamento
jurídico rígido, inflexível, apegado ao convencional, que não evolui. Palavra de
origem grega, “orthos” significa reto e “doxa” significa opinião.
Então, nesse sentido, a Escola da Exegese se pauta por dogmas que
propõe a aplicação inflexível das regras de direito, legislado ou contratual, pelo
magistrado, por meio de modelos jurídicos inflexíveis e de molduras fechadas
previstas na lei, sob a crença de que seria possível a construção de um
ordenamento jurídico sistematizado por meio de leis infraconstitucionais que
cobririam abstratamente todas as possibilidades de ação e omissão humanas dentro
da sociedade, existindo a liberdade contratual no vazio legislativo, sendo a “pacta
sunt servanda” um axioma absoluto.
Porém, estando a ciência do direito dentro de um natural processo
evolutivo, o pensamento jurídico heterodoxo é o que melhor se sintoniza às
necessidades sociais e humanas, por permitir permanentes discussões e revisões
dos padrões normativos estabelecidos por instituições oficiais, admitindo-se o
rompimento com o “status quo” inclusive no interior das próprias instituições.
Também de origem grega, “hetero” significa diferente e “doxa”, como acima visto,
significa opinião.
As cláusulas gerais e os conceitos jurídicos indeterminados refletem
essa evolução em direção de uma sistemática jurídica aberta, menos dogmática e
mais próxima do caso concreto.
Por certo, o pós-positivismo jurídico expressa com coerência o
pensamento jurídico heterodoxo, ao propor a abertura do sistema jurídico por meio
do reconhecimento da existência de princípios constitucionais explícitos e implícitos
com força normativa e com aplicação direta e imediata ao caso concreto, bem como
ao defender a introdução no âmbito do ordenamento jurídico das cláusulas gerais e
dos conceitos jurídicos indeterminados também com força normativa, sendo que são
as cláusulas gerais e os conceitos jurídicos indeterminados algumas portas e
avenidas para a entrada dos direitos fundamentais nas relações jurídicas privadas.
27
Na passagem acima transcrita, Judith Martins-Costa destaca a
mudança paradigmática ocorrida no âmbito da ciência do direito privado com a
construção de um sistema jurídico aberto, tornando-se a Constituição Federal a
“alma mater” do ordenamento jurídico privado, sendo certo que o texto constitucional
é farto em modelos jurídicos abertos e pouco dogmáticos, hábeis à busca de
soluções jurídicas justas frente ao caso concreto, sendo que a legislação
infraconstitucional reproduz as janelas abertas do texto constitucional com a criação
de cláusulas gerais e de conceitos jurídicos indeterminados.
Renato Rua de Almeida, em seu artigo científico denominado “A função
social do contrato e a nova redação do item III, da Súmula 244, a inserção do item
III, na Súmula 378, e a edição das Súmulas 440 e 443, TST”, explica que a eficácia
dos direitos fundamentais nas relações privadas pode ser alcançada pelas cláusulas
gerais e pelos conceitos jurídicos indeterminados.
Segundo o referido doutrinador, os direitos fundamentais prescritos no
texto constitucional têm eficácia vertical em relação ao Estado e eficácia horizontal
em relação às entidades privadas, com isso surge a discussão acerca da eficácia
mediata e indireta ou imediata e direta dos direitos fundamentais nas relações
privadas, assim, ainda que se entenda pela eficácia mediata e indireta, o que não
permitiria a aplicação direta e imediata dos direitos fundamentais nas relações entre
particulares, ainda assim caberia a aplicação dos direitos fundamentais por meio das
cláusulas gerais e dos conceitos jurídicos indeterminados, que são janelas, portas e
avenidas de entrada dos direitos fundamentais nas relações privadas20.
20
“(...) Se a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas deva ser imediata e direta ou
mediata e indireta, ela depende de uma análise tópico-sistemática, com soluções diferenciadas,
segundo a lição de Ingo Wolfgang Sarlet (cf. A eficácia dos direitos fundamentais, Livraria do
Advogado Editora). Mas, mesmo que a aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas
seja mediata e indireta, deve-se buscar a sua máxima efetividade, em razão da dimensão objetiva
dos direitos fundamentais que se irradia por todo o ordenamento jurídico. Chega-se, nesse momento,
à necessidade de se fazer uma incursão no direito civil constitucionalizado, a partir do Código Civil de
2002. Assim, a dimensão objetiva dos direitos fundamentais da Constituição Federal de 1988 implicou
sua irradiação no ordenamento jurídico brasileiro, resultando o fenômeno da constitucionalização do
direito privado, com a aprovação no Brasil do Código Civil de 2002. Em decorrência, a eficácia dos
direitos fundamentais nas relações privadas passou também a ser alcançada com as cláusulas gerais
28
Teresa Negreiros, em sua obra “Teoria dos Contratos: novos
paradigmas”21, que é resultado de sua tese de doutoramento defendida na
Universidade do Estado do Rio de Janeiro em fevereiro de 2002, propõe o estudo
constitucionalizado da teoria geral dos contratos de direito privado, superando-se a
dogmática clássica pautada estritamente nos 3 (três) pilares tradicionais (“pacta sunt
servanda”, autonomia da vontade e relatividade dos efeitos dos contratos),
inserindo-se novos pilares pós-modernos ao direito contratual, permitindo-se a
ressistematização do sistema jurídico privatista.
O liberalismo clássico implantado pelo iluminismo separou o
ordenamento jurídico em duas partes incomunicáveis, de um lado o direito público,
de outro o direito privado. De acordo com esse modelo, a Constituição seria
instrumento de regulamentação de relações jurídicas nas quais estivesse inserido o
Estado, sendo ela, a Magna Carta, um limitador na atuação do poder público. De
outro lado, teríamos o Código Civil como instrumento máximo de regulamentação
das relações jurídicas privadas. Seriam dois mundos paralelos e incomunicáveis, o
da boa-fé objetiva (artigos 187 e 422 do Código Civil), e seus deveres anexos, da função social do
contrato (artigos 421 e 187 do Código Civil) e do equilíbrio econômico dos contratantes (expressada
pelos institutos da resolução por onerosidade excessiva, artigo 478 do Código Civil, e da lesão, artigo
157 do Código Civil). As cláusulas gerais da boa-fé objetiva, da função social do contrato e do
equilíbrio econômico dos contratantes constituem os grandes princípios do direito civil
constitucionalizado brasileiro, ao incorporar os princípios normativos dos direitos fundamentais,
prevalecendo prima facie sobre os princípios positivistas do Código Civil de 1916, traduzidos no
princípio da autonomia da vontade, que se subdivide no princípio da liberdade contratual lato sensu,
no princípio da obrigatoriedade dos efeitos contratuais ou pacta sunt servanda e no princípio da
relatividade dos efeitos contratuais, vinculando as partes, não beneficiando nem prejudicando
terceiros ou res inter alios acta tertio neque nocet neque prodest, conforme a lição de Teresa
Negreiros (cf. Teoria do contrato. Novos paradigmas, Renovar). Ademais, as cláusulas gerais são
preceitos de ordem pública (parágrafo único do artigo 2035 do Código Civil) dando liberdade ao juiz
de aplicá-las ao caso concreto, inclusive como exceção ao princípio da congruência, sem que a
decisão seja tida como extra ou ultra petita.” (ALMEIDA, Renato Rua de. A função social do contrato e
a nova redação do item III, da Súmula 244, a inserção do item III, na Súmula 378, e a edição das
Súmulas 440 e 443, do TST, Suplemento Trabalhista LTr, sob o nº 137/13, em 2013, ano 49, págs.
741-743).
21 NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato: novos paradigmas, 2ª edição, Rio de Janeiro:
Renovar, 2006.
29
que se justificaria pela posição de soberania do Estado nas relações jurídicas nas
quais ele estivesse inserido, o que não aconteceria nas relações entre sujeitos
privados, os quais estariam, ao menos a princípio, em posição jurídica de
igualdade22.
Por certo, esse mito da divisão do ordenamento jurídico em dois
mundos incomunicáveis começou a desmoronar com a questão social23, originária
da 2ª Rev. Industrial do séc. XIX, que fez nascer o Estado Social de Direito, quando
o Estado passou a interferir nas relações privadas para proteger os vulneráveis,
principalmente com a inserção de direitos sociais nos textos constitucionais, mas,
nesse primeiro momento, os direitos sociais foram inseridos observando as
premissas do positivismo formalista, ou seja, os direitos sociais ganharam espaço
nos textos constitucionais como programas e diretrizes a serem observadas pelo
poder público.
De qualquer maneira, ainda que nesse primeiro momento de
constitucionalização dos direitos sociais não tivéssemos a afirmação da eficácia
direta e imediata das normas constitucionais garantidoras dos direitos sociais nas
relações privadas, já que a concretização dos direitos sociais dependia da atuação
legislativa na regulamentação dos direitos, ou do executivo por meio de políticas
públicas, pelo menos se começava a superar o mito da divisão científica do
ordenamento jurídico em dois ramos incomunicáveis: público e privado.
Então, estamos falando em evolução do sistema jurídico construído
sob as bases estabelecidas inicialmente na modernidade, cujo estágio atual está
pautado em valores pós-modernos.
22
NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato: novos paradigmas, 2ª edição, Rio de Janeiro:
Renovar, 2006, pág. 48-49.
23 “A expressão questão social não havia sido formulada antes do século XIX, quando os efeitos do
capitalismo e as condições da infraestrutura social se fizeram sentir com muita intensidade,
acentuando-se um amplo empobrecimento dos trabalhadores, inclusive dos artesãos, pela
insuficiência competitiva em relação à indústria que florescia”. (NASCIMENTO, Amauri Mascaro.
Curso de Direito do Trabalho, 23ª edição, São Paulo: Editora Saraiva, 2008, pág. 09)
30
Na verdade, a ruptura com as bases de sustentação do sistema jurídico
concebido no liberalismo vem ocorrendo lentamente por meio de constantes
transformações, de forma evolutiva.
A construção inicial do sistema jurídico que conhecemos ocorreu
durante o período pós-revolução francesa, com influência do iluminismo, quando
foram firmadas as ideias de Estado-Nação, sistema representativo, Constituição,
soberania, separação de poderes, legalidade, sistema jurídico, ordenamento jurídico,
codificação, separação entre público e privado, liberdades (política, econômica,
religiosa, de trabalho “et cetera”), propriedade privada, autonomia da vontade,
liberdade contratual, igualdade jurídica, não intervencionismo estatal na esfera
privada, meritocracia, lei da oferta e da procura, individualismo, racionalidade
jurídica, contrato como lei entre as partes, eficácia das regras contratuais apenas
entre as partes contratantes “et cetera”24.
É certo que essa construção liberal pós-revolucionária, acima
destacada, que, sob a influência clássica do iluminismo, fundou as bases de nosso
sistema jurídico atual, na perspectiva das relações de trabalho se notabilizou por
compreendê-las sob o ponto de vista contratual privatista, partindo da rudimentar
premissa de que seria possível alcançar harmonia e equilíbrio na relação contratual
entre empregado e empregador, pois, equivocadamente, acreditava-se na existência
de natural equilíbrio nas relações econômicas e laborais25.
24
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho, 23ª edição, São Paulo: Editora
Saraiva, 2008, pág. 23.
25 “Foi realmente muito expressiva a influência que a codificação do direito civil exerceu sobre a
disciplina inicial do contrato de trabalho. O papel desempenhado, ainda que remotamente, pelo
Código de Napoleão (1804), pelo Código tedesco (1896) e pelos Códigos italianos (1865 e 1942) não
pode ser desconhecido, principalmente porque traziam um cunho marcadamente comum,
consagrando a ideologia do contrato que viria a repercutir na forma pela qual as relações entre
empregado e empregador viriam a ser conhecidas. O contrato é o signo da liberdade. Acreditava-se
que o equilíbrio nas relações econômicas e trabalhistas pudesse ser atingido diretamente pelos
interessados segundo o princípio da autonomia da vontade. Assim, esses Códigos não revelam
nenhuma preocupação com o problema social”. (NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito
do Trabalho, 23ª edição, São Paulo: Editora Saraiva, 2008, pág. 25-26)
31
Então, a ingênua visão liberal clássica que embasou a construção
inicial de nossos sistemas jurídicos modernos não destacou especial tratamento aos
contratos laborais, acreditando-se ingenuamente no natural equilíbrio da relação
capital e trabalho por meio da autonomia da vontade de empregado e empregador, e
também na liberdade contratual, com isso, tendo-se em vista que a Escola da
Exegese teve como paradigma o Código Civil Napoleônico de 1804 e serviu de
embrião para a formação do positivismo formalista, por certo o sistema jurídico
semeado a partir de molduras e modelos jurídicos taxativos, admitindo-se a
liberdade contratual nos vazios da lei, foi aplicado às relações laborais desde o
momento pós-revolucionário.
Com a constitucionalização dos direitos sociais26, no limiar do século
XX, em que pese a maior intervenção do Estado nas relações de trabalho, não se
notou o abandono do modelo jurídico positivista formalista, na verdade, o que se viu
foi a redução do espaço de liberdade contratual conferido às relações laborais. O
contrato de trabalho passou a ser objeto de um dirigismo estatal, restando mínimo o
espaço negocial nas relações de trabalho (que continuaram a ser relações de direito
privado, apesar de alguns afirmarem se tratar muito mais de um direito social,
existindo inclusive aqueles que passaram a entender como ramo do direito público).
No início do século XX o espaço negocial nos contratos laborais foi
reduzido e foi ampliada a regulamentação jurídica por meio de fontes legislativas,
então, as relações laborais passaram a suportar o forte dirigismo contratual por meio
da existência de molduras e modelos legais inflexíveis e rígidos, pertencentes a um
sistema jurídico fechado, no qual o magistrado é um mero “bouche de la loi”,
permanecendo o formalismo positivista mesmo com a passagem do Estado Liberal
para o Estado Social. Mantendo-se, em boa medida, mesmo no Estado Social, os
26
“Denomina-se constitucionalismo social o movimento que, considerando uma das principais
funções do Estado a realização da Justiça Social, propõe a inclusão de direitos trabalhistas e sociais
fundamentais nos textos das Constituições dos países. Inicia-se com a Constituição do México de
1917, à qual Trueba Urbina dedica o estudo La primera Constitución político-social del mundo,
publicado em 1971 no México, no qual conceitua Constituição Social como ‘um conjunto de
aspirações e necessidades dos grupos humanos que como tais integram a sociedade e traduzem o
sentimento da vida coletiva, distintos dos da vida política’”. (NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso
de Direito do Trabalho, 23ª edição, São Paulo: Editora Saraiva, 2008, pág. 31)
32
pilares básicos de construção do sistema jurídico da modernidade. Mas, mesmo
nesse período, já encontramos por parte de estudiosos alguns questionamentos ao
modelo jurídico rígido e inflexível proposto pela Escola da Exegese, críticas que se
mantiveram ao longo do século XX e impulsionaram a ruptura com o positivismo
formalista, com a Escola da Exegese e com o Pandectismo, o que se verificou com o
início da pós-modernidade.
Hans Kelsen, sempre lembrado como um dos mais notáveis positivistas
que a história do direito já conheceu, ao contrário do que muitos pensam, já admitia
a possibilidade de alguma flexibilidade valorativa quando da aplicação da norma
jurídica, isso porque ele não apenas desenvolveu teoria do direito, também se voltou
ao problema da justiça. Tendo-se em vista que ele construiu a sua própria teoria do
direito e da justiça, e que muitos positivistas formalistas discordam radicalmente das
ideias do jurista austríaco, por tais razões alguns estudiosos passaram a mencionar
as ideias dele como escola do positivismo normativista27.
Kelsen, em seu positivismo normativista, já admitia alguma flexibilidade
valorativa quando da aplicação da norma jurídica ao caso concreto, diante da
aceitação por ele da utilização de valores de justiça.
Na verdade, ao contrário do que foi defendido pela Escola da Exegese,
no período pós-revolucionário (século XIX), quando dos primórdios do positivismo
formalista, para a qual havia a crença de que molduras legais e contratuais serviriam
ao estilo “phrase unique” criando-se inflexíveis raciocínios silogísticos, em outra
vertente, o pensamento jurídico kelseniano, em momento posterior, já passou a
admitir alguma flexibilidade valorativa na construção do raciocínio jurídico, pois,
segundo Hans Kelsen, a construção da norma jurídica não decorre de mera vontade
27
Conforme as lições de Eduardo Carlos Bianca Bittar e de Guilherme Assis de Almeida: “Hans
Kelsen, como pensador do Direito, aqui computada a sua passagem pelo Tribunal Constitucional
Austríaco (1921), qualifica-se dentro do diversificado movimento a que se costuma chamar de
positivismo jurídico. A importância de situá-lo nesse movimento está em localizar seu pensamento,
suas principais fontes de influência e compreender suas pretensões teóricas. Nesse sentido, há
teóricos do positivismo que diferem em absoluto da postura kelseniana, o que se motivou a que se
mencionasse a teoria do filósofo vienense de positivismo normativista”. (BITTAR, Eduardo C. B.;
ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito, 10ª edição, São Paulo: Editora Atlas,
2012, pág. 397-398)
33
do legislador, por ser possível atribuir muitas vontades diversas ao legislador, isso
porque a norma jurídica se sujeita à interpretação, podendo o mecanismo de
interpretação jurídica atribuir diversos sentidos diferentes para uma mesma norma
jurídica.
Então, o positivismo normativista de Hans Kelsen já na primeira
metade do século XX mostrava ao mundo jurídico a possibilidade de que o sistema
jurídico tivesse um pouco de flexibilidade em negação aos preceitos da Escola da
Exegese, pois, ainda que ele defendesse o sistema jurídico como sendo um sistema
fechado, completo, orgânico e autossuficiente, ainda assim o jurista austríaco
aceitava a possibilidade de que dentro e internamente do sistema jurídico fossem
ofertadas diversas soluções jurídicas a um mesmo caso concreto, quando da
possibilidade de ofertar diversos significados a uma mesma norma jurídica, cabendo
ao intérprete escolher o significado mais justo frente ao caso concreto28.
Para o jurista austríaco, o intérprete não poderia fazer juízos de justiça,
poderia apenas realizar juízos de direito, mas, ao realizar juízos de direito caberia a
escolha da melhor solução jurídica por meio de valores de justiça29.
Um dos maiores estudiosos brasileiros da obra de Hans Kelsen, Fábio
Ulhoa Coelho, em seu trabalho denominado “Para entender Kelsen”30, expõe a
28
“(...) Para Kelsen, a teoria do Direito possui dois juízos de valor: (1) valores de direito, cujo
parâmetro objetivo é a norma jurídica (lícito/ilícito); (2) valores de justiça (justo/injusto), cujo parâmetro
subjetivo repousa em dados variáveis e indedutíveis (justiça democrática, autoritária, nacionalista,
demagógica etc.). Abordando-se os valores, pode-se dizer que a norma jurídica é a única segurança
para a teoria do direito; é ela o centro das investigações positivistas do Direito. Todavia, ela não é a
simples expressão da vontade do legislador, porque são muitas as possíveis vontades do legislador;
o que torna a pesquisa da norma um dado fluído. A norma está sempre sujeita à interpretação, e é
isto que permite que diversos sentidos jurídicos convivam em um só ordenamento.” (BITTAR,
Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito, 10ª edição, São
Paulo: Editora Atlas, 2012, pág. 401)
29 “Kelsen termina por afirmar que a ‘ciência jurídica não tem espaço para os juízos de justiça’, mas
somente para os juízos de Direito”. (KELSEN, Hans. O que é justiça? A Justiça, o direito e a
política no espelho da ciência, 1998, pág. 203-224, In: BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA,
Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito, 10ª edição, São Paulo: Editora Atlas, 2012, pág.
401).
34
respeito da hermenêutica kelseniana, quando afirma que a indeterminação relativa
das normas jurídicas é inerente à positivação, então, não há como se vincular em
termos absolutos e completos o conteúdo da decisão judicial. Além disso, segundo o
estudioso, pela hermenêutica kelseniana não há como se afirmar que o órgão
jurisdicional ao aplicar o direito realiza mero ato de conhecimento, pois não há como
se negar o fato de que há manifestação de vontade no ato de julgar.
Fábio Ulhoa Coelho critica aqueles que relacionam o pensamento
kelseniano ao puro formalismo exegético, como se fosse possível atribuir um único
significado possível à norma jurídica, na verdade, segundo ele, a filosofia do direito
kelseniana admite até mesmo a possibilidade de que na prática o juiz atribua à
norma jurídica um determinado sentido normativo por razões de ordem psicológica,
ideológica, sociológica, moral, cultural “et cetera” (não há como se controlar essa
valoração judicial), ainda que esse tipo de valoração extrajurídica não seja
desejável, mas não se pode negar ser possível que ela exista. Isso porque para a
filosofia do direito kelseniana o papel do cientista do direito é identificar as diversas
significações possíveis a cada disposição normativa, cabendo ao aplicador do direito
escolher qual é a significação adequada a cada caso concreto31.
Cabe ainda ressaltar, quanto ao pensamento kelseniano, no que diz
respeito à teoria dos contratos de direito privado o positivismo normativista
idealizado pelo jurista austríaco não apresenta significativas diferenças frente à
construção jurídica firmada pela Escola da Exegese, então, permanecem intactos os
30
ULHOA COELHO, Fabio. Para entender Kelsen, 5ª edição, São Paulo: Editora Saraiva, 2009, pág.
56-62.
31 “Em razão da necessária indeterminação relativa da norma jurídica, ela pode ser metaforicamente
referida como uma moldura, dentro da qual se acomodam muitos significados. A interpretação não
autêntica cognoscitiva, isto é, a realizada pela ciência do direito, fixa os limites da moldura de
significados, pertinentes à norma interpretanda. No entanto, o conhecimento científico do direito não
pode ir além. Ou seja, uma vez encontradas todas as múltiplas significações atribuíveis a dada
norma, fixada a respectiva moldura, cessa a tarefa da ciência jurídica. Nas hipóteses específicas em
que essa mesma norma for aplicada, evidentemente apenas um desses significados prevalecerá,
mas em decorrência de um ato de vontade da autoridade competente não de qualquer ato
cognoscitivo da ciência jurídica”. (COELHO, Fábio Ulhoa. Para entender Kelsen, 5ª edição, São
Paulo: Editora Saraiva, 2009, pág. 56-62)
35
3 (três) pilares de sustentação da teoria dos contratos: (i) “pacta sunt servanda”, (ii)
autonomia da vontade e (iii) relatividade dos efeitos dos contratos. A liberdade
contratual ainda se situa na inexistência de proibições legais.
Por sua vez, o jurista paulista, Miguel Reale, já na década de 70 do
séc. passado, destacava a importância da teoria da interpretação para a
hermenêutica jurídica, afastando por completo a ideia de que a atuação jurisdicional
seria uma “bouche de la loi”, admitindo-se ao magistrado, desde a aquela época,
que manifestasse vontade ao interpretar a lei, não sendo o ato de julgar mero ato de
conhecimento.
O acima referido jurista paulista, na segunda metade do século
passado, desenvolveu estudos nos quais se influenciou pelos ensinamentos do
mestre italiano, Tullio Ascarelli, para quem a teoria da interpretação jurídica não
ocupava lugar marginal, acessório ou complementar na teoria do direito, ao
contrário, “a interpretação faz parte integrante e essencial de seu pensamento”32.
É importante destacar que, conforme menciona Miguel Reale, os
estudos sobre teoria da interpretação jurídica do italiano tiveram como fonte
inspiradora o sistema da “common law”, principalmente através das obras de três
jusfilósofos: Wendell Holmes, Roscoe Pound e Benjamin Cardoso33.
32
“Para determinados jurisconsultos a teoria à interpretação pode constituir tema ou tese
complementar, marginal ou acessória. No caso de TULLIO ASCARELLI, ao contrário, a interpretação
faz parte integrante e essencial de seu pensamento. Se se tirar a hermenêutica da obra de
ASCARELLI, ela ficará profundamente mutilada. O seu amor por esse problema é proclamado por
múltiplos escritos, sendo a todo instante apontado como um de seus assuntos prediletos. Apesar do
grande amor dedicado à teoria da interpretação, e o valor das contribuições que nos legou, tal como
procurarei lembrar em largos traços, ASCARELLI não nos escreveu um tratado sistemático da
matéria, preferindo focalizá-la em diversos estudos, que, no entanto, guardam entre si uma unidade
substancial”. (REALE, Miguel. A teoria da interpretação segundo Tullio Ascarelli, Revista da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 74, pág. 195-196, 1979)
33 “A terceira fonte inspiradora de sua doutrina deriva do estudo contínuo do ‘Common Law’,
sobretudo através da obra de três jusfilósofos do direito americano, que são WENDELL HOLMES,
ROSCOE POUND E BENJAMIN CARDOSO. Sem referência a estes três mestres bem pouco se
compreende do pensamento concreto de ASCARELLI, o qual viu, no confronto entre o Direito
romanístico e o Direito de formação anglo-americana, uma força motivadora de novas perspectivas”.
36
Segundo Reale, a teoria da interpretação jurídica de Tullio Ascarelli
estava além do que defendia Hans Kelsen, pois para o austríaco a interpretação
jurídica era uma atividade meramente intelectualística, enquanto que para o italiano,
além de atividade intelectualística, também era uma atividade filosófica, sociológica
e econômica, ou seja, o desprendimento do significado único da norma jurídica para
o mestre italiano era muito mais aberto do que o desprendimento defendido pelo
jurista austríaco34.
Ao tratar a teoria sobre a interpretação jurídica à luz das lições de Tullio
Ascarelli, o jurista brasileiro menciona o confronto feito pelo mestre italiano entre os
sistemas jurídicos “common law” e “civil law”, sendo que a “common law”, conforme
as próprias palavras de Reale, “leva a uma interpretação dinâmica ou operacional do
Direito, porque nele prevalece o momento da aplicação da norma, implicando a
fundamentação das novas decisões em função de um precedente jurisprudencial,
em contraste com a abstração normativa legal que domina o sistema romanístico”,
então, a teoria da interpretação jurídica na “common law” permite maior abertura ao
sistema jurídico do que na “civil law”, em razão da proeminência do direito
jurisprudencial sobre o direito legislado dentro do sistema anglo-saxão, algo que vem
sendo incorporado ao sistema jurídico continental nos dias atuais.
Além do que, conforme as palavras de Reale em reprodução aos
ensinamentos de Ascarelli, o sistema jurídico da “common law” é menos formalista
do que a “civil law”, em razão das influências exercidas sobre o direito continental
europeu pela Escola da Exegese e pelo Pandectismo alemão, sendo que mesmo
(REALE, Miguel. A teoria da interpretação segundo Tullio Ascarelli, Revista da Faculdade de Direito
da Universidade de São Paulo, v. 74, pág. 197, 1979)
34 “Fixados esses pressupostos de ordem geral, já estamos em condições de compreender as razões
pelas quais ASCARELLI repudia o entendimento tradicional da interpretação como uma atividade
puramente intelectualística, preferindo situá-la no contexto de uma experiência global, ao mesmo
tempo filosófica, sociológica e econômica. Poder-se-ia afirmar que a sua colocação do problema era
de natureza histórico-cultural, o que não é exagero afirmar-se, tão frequente é a sua aceitação das
teses de GUSTAV RADBRUCH”. (REALE, Miguel. A teoria da interpretação segundo Tullio Ascarelli,
Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 74, pág. 197-198, 1979)
37
com a superação dessas escolas “ainda se conserva o ‘logicismo’ no cerne ou na
medula da Ciência Jurídica ordenada em torno do Código Civil de Napoleão”35.
É, justamente, essa a ideia fundamental que se procura argumentar na
presente tese de doutoramento!
Ora, a proposta da presente tese acadêmica de doutoramento é,
justamente, no sentido de demonstrar que o sistema jurídico da “civil law”,
especialmente o brasileiro, busca influências nos dias atuais, a cada dia cada vez
mais, junto ao sistema da “common law”, tendo-se em vista a dinâmica e a
operacionalidade que a aplicação obrigatória de precedentes judiciais oferece ao
sistema jurídico, tornando-o menos formalista e mais próximo da realidade social,
reconhecendo-se definitivamente ao ato judicial a natureza de ato de vontade
interpretativa e não atribuindo a ele a natureza de mero ato de conhecimento.
Por certo, o logicismo jurídico existente no cerne e na medula dos
ordenamentos jurídicos derivados do Código Civil Napoleônico de 1804 merece
relativização e adequação à realidade social, na medida em que a dinâmica do
direito jurisprudencial e a consistência oferecida pela aplicação obrigatória de
precedentes pode permitir a máxima efetividade dos direitos fundamentais, diante da
possibilidade de que a interpretação jurídica seja feita a partir do texto constitucional
(princípios e regras), criando-se normas infraconstitucionais constitucionalizadas.
O pós-positivismo jurídico, que é uma escola jusfilosófica situada em
momento posterior aos ensinamentos de Miguel Reale e de Tullio Ascarelli, bem
representa essa ideia fundamental argumentada na presente tese.
Conforme os ensinamentos de Renato Rua de Almeida, o pós-
positivismo jurídico é uma escola jusfilosófica ligada ao fenômeno da
“constitucionalização dos direitos humanos como direitos fundamentais”, garantindo-
se força normativa aos princípios constitucionais explícitos e aos implícitos, com
aplicação direta e imediata dos direitos fundamentais laborais às relações privadas,
35
REALE, Miguel. A teoria da interpretação segundo Tullio Ascarelli, Revista da Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo, v. 74, pág. 198, 1979.
38
ou mesmo com aplicação indireta e mediata por meio das cláusulas gerais
positivadas no CC/0236.
Se estudarmos o pós-positivismo jurídico à luz do sistema jurídico de
aplicação obrigatória de precedentes e súmulas, podemos afirmar que a
uniformização de jurisprudência operacionalizada pelos precedentes e pelas
súmulas, além de permitir coerência, certeza e estabilidade quando da aplicação do
direito, também permite a efetivação dos direitos fundamentais de maneira mais
contundente, pois a criação de súmulas e de precedentes judiciais de aplicação
obrigatória, com força normativa, reconhecendo a efetividade dos direitos
fundamentais nas relações privadas, garante a sedimentação de entendimentos dos
tribunais em matéria de direitos fundamentais laborais.
Então, por certo, a aproximação da “civil law” ao sistema da “common
law” permite a melhor operacionalização e dinâmica do direito por meio da certeza,
estabilidade e coerência conferida ao ordenamento jurídico pela sistemática de
precedentes e súmulas obrigatórios nascidos com a uniformização de jurisprudência.
Além disso, sob o ponto de vista da teoria da interpretação jurídica, a aproximação
ao direito anglo-saxão permite melhor operacionalização e dinâmica na efetivação
dos direitos fundamentais laborais.
A jurista carioca, Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva, uma
garantista, em trabalho científico publicado na Revista do Tribunal Superior do
Trabalho, em 2011, menciona a importância do direito jurisprudencial na efetivação
dos direitos fundamentais laborais. Ela destaca que na primeira metade do século
XXI, em diversos países da América Latina, a jurisprudência agiu para reconstruir o
direito do trabalho que havia sido desregulado, negando aplicabilidade a leis de
desregulamentação e flexibilização de direitos por considerá-las inconstitucionais.
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