O sopro da crençaSHEKINAH
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Luciano Gouvea
4º CapaCapa
coleção novos talentos da literatura brasileira
são Paulo, 2013
O sopro da crençaSHEKINAH
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coordenação editoral Nair Ferraz
diaGramação Célia Rosa
caPa Monalisa Morato
PreParação Rita Costa
revisão Laura Vecchioli
Copyright © 2013 by Luciano Gouvea
2013
IMPRESSO NO BRASIL
PRINTED IN BRAZIL
DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À
NOVO SÉCULO EDITORA LTDA.
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Alameda Araguaia, 2190 11º Andar
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a minha família, esPecialmente a minha esPosa
fábia; minha filha Júlia Pelo carinho, Paciência e
insPiração. a minha querida mãe esPiritual maria
helena c. catunda Por refletir insistentemente
o amor de deus e Por me mostrar o caminho.
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“onde não tiver amor, Ponha amor e tirará amor.”
(são João da cruz)
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PREFÁCIO
Luciano pediu-me que prefaciasse seu livro. Somente a esti-
ma e a admiração recíprocas que nos unem podem justificar tal
pedido. Por isso mesmo procurarei ser isenta.
Foi, saboreando num crescendo de interesse, que li estas pá-
ginas reveladoras de um espírito maduro na apreciação dos
fenômenos da vida. Uma ficção em cima do real. Não de um
realismo chulo; mas aquele sugerido pelo cotidiano em seus as-
pectos superiores. É, portanto, um romance sério. Eu poderia
dizer místico. Isto porque o autor não se propôs a escrever uma
história apenas para atender ao gosto de ler. Ele acredita que po-
demos descobrir, em cada momento, o sentido verdadeiro das
relações humanas como caminho para o transcendente.
A linguagem é correta e clara. O enredo cresce a cada capí-
tulo. O leitor se sente atraído e preso. Ao mesmo tempo, dá-se
conta de ser convidado a um contato com o verdadeiro sentido
da existência. Isto salta do comportamento dos personagens; es-
pecialmente do protagonista.
Nesta época em que o homem desesperançado, mas coerente,
recorre aos valores espirituais – porém o faz de maneira ina-
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dequada –, o romance de Luciano oferece respostas positivas.
Não se trata aqui de um enredo pelo enredo. Resultam destas
páginas, em dinamismo variado e rico, quadros espaciais, cores
e atitudes inéditas. O leitor passeia pela Europa com o protago-
nista. Com ele, vai conhecendo ou rememorando a História do
Velho Mundo, enquanto aprende a viver.
Ao final, o leitor não terá entre as mãos um livro a mais. Hão
de ficar em seu espírito um questionamento e uma esperança.
Um vento suave há de beijar-lhe o rosto. Verá que a vida é bela.
E vale a pena!
Maria Helena Carneiro Catunda
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John Phillip Moore nasceu em Ottawa, capi-tal do Canadá, em 18 de outubro de 1980. Aos vinte anos,
graduou-se em Antropologia na Universidade de Toronto,
onde logo fez seu mestrado e doutorado. O foco dos seus es-
tudos foram as manifestações religiosas nas diversas culturas,
com ênfase nas comunidades indígenas. Tornou-se, aos vin-
te e cinco anos, um dos professores mais novos da Universidade.
No início do ano de 2007, ele estava fascinado pelas pesquisas
de Karl Von Den Steinen, pelos devaneios de Perci Fawcett e sua ci-
dade perdida e pela sensibilidade e estudos dos irmãos Villas-Bôas.
O primeiro contato com as anotações de Orlando Villas-Bôas e
sua dedicação para com os indígenas deixou-o ávido por algu-
ma experiência que o transportasse para fora das salas de aulas.
Lera tudo o que havia sido traduzido para o inglês e respeitava
muito o zelo com que os irmãos tratavam a questão, inclusi-
ve quando assumiam seus erros no processo de interação com
aqueles povos. Os heróis imperfeitos povoavam os sonhos de
estudar as complexas relações indígenas, em especial quanto
aos aspectos religiosos. Ainda naquele ano, e com o apoio de
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sua Universidade, ele idealizou um projeto de pesquisa que iria
obrigá-lo a passar um bom tempo estudando as tribos que fa-
zem parte do Parque Indígena do Xingu, localizado no estado
do Mato Grosso, no sul da Amazônia brasileira. Naquele local,
criado pelos Villas-Bôas durante a expedição Roncador-Xingu e
com apoio do antropólogo Darcy Ribeiro, do Marechal Rondon
e do sanitarista Noel Nutels, vivem mais de cinco mil indígenas
de quatorze etnias diferentes, divididas em quatro grandes fa-
mílias. Um incomensurável material para o seu estudo.
John foi morar na região, que ainda hoje tem uma estrutura
rústica e praticamente nenhum conforto. Instalou-se em uma
pequena casa de alvenaria, de três cômodos, com tijolos à vista
pintados grosseiramente de amarelo ocre. No piso, um cimento
liso pintado em vermelho; e havia telas nas janelas para afas-
tar a fúria dos mosquitos, além de um teto improvisado que
o fazia tremer de medo a cada chuva. Foi nesse ambiente que
ele aprendeu a se comunicar com os índios e a falar a língua
portuguesa, que conseguiu estudar com alguns professores que
trabalhavam na área lecionando para as comunidades. Também
precisava reportar ao governo brasileiro todos os dados coleta-
dos, como parte de um acordo firmado. Além disso, era neces-
sário negociar os limites das incursões nas tribos diretamente
com a Funai – Fundação Nacional do Índio, órgão que tem por
obrigação constitucional proteger o bem-estar daqueles povos.
John tinha um tempo de convivência limitado e deveria, por
lei, interferir minimamente no dia a dia das comunidades. Em
pouco mais de seis meses ele já se virava bem com o português,
que logo no início havia achado bastante complicado.
Três anos, mais de seiscentas páginas de tese e uma malária
depois, John retornou a sua terra natal. Um pouco mais corado
de sol e com vários quilos a menos, era visível seu sofrimento
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com a precariedade do lugar, mas mesmo assim ele havia cumpri-
do o dever para o qual se propôs. O seu trabalho de pós-doutora-
do foi aclamado na Universidade de Toronto e não ficou restrito
aos limites canadenses. Logo teve que apresentá-lo também nos
Estados Unidos, na Inglaterra, na Austrália e em alguns outros
países da Europa, como França e Alemanha. Não faltaram con-
vites. Suas palestras eram sinceras e carregadas de emoção. Com
a voz grave e segura, ele dizia com eloquência suas breves, mas
intensas, interações e ressaltava, posto que era o objeto de seu
trabalho, o pensamento e a forma de expressão religiosa nas
culturas indígenas.
As apresentações fluíam de maneira leve e, mesmo tendo que
repeti-las diversas vezes, não o fazia de forma penosa. A plateia
podia sentir o sorriso na sua voz enquanto discursava. Era pra-
zeroso ouvi-lo.
Informalmente, John se referia àquele período como “a expe-
riência de sua vida”. Falando sobre o assunto era impossível não
notar um brilho nostálgico em seus olhos pequenos e negros,
que são um pouco incomuns na sua terra natal.
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John Phillip Moore é um homem bonito, de traços finos e rosto ligeiramente quadrado. É relativamen-
te alto e nunca esteve acima de seu peso normal. Tem a pele
branca, mas não aquele branco de se ver as veias por debaixo
da pele; um branco saudável, quase corado. No Xingu, ficava
às vezes com o rosto hirsuto, que o incomodava muito. Por-
tanto, aprendeu, além de aparar a barba, a cortar seu próprio
cabelo, com certa habilidade.
Mas, acima do aspecto estético, John carrega consigo as mar-
cas das suas experiências, as quais viveu com humildade e sa-
bedoria. Isso imprimiu-lhe uma profundidade rara e difícil de
se ver em alguém da sua idade. Ele é avesso às relações superfi-
ciais e fica perplexo quando vê que, hoje em dia, tem gente que
prefere fazer amigos virtuais. Procura realmente conhecer as
pessoas e assim tocar seu íntimo. Isso lhe conferiu certo mag-
netismo, que torna dura a tarefa de querer ir embora quando
ele começa um bom papo. É alguém para quem se quer contar
tudo e se espera sempre algo de positivo. Não fala nada por
falar, quer dar sentido às palavras, procura escolhê-las com cui-
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dado e valorizá-las; não as joga ao vento. Cada um é único para
ele. Faz questão que se sintam assim ao seu lado.
Em 2011 foi convidado a falar sobre sua tese no Brasil. O país,
sede de sua pesquisa, foi o último a convidá-lo para apresentar
seus resultados. Naquele ano, logo após o Carnaval, data na qual
o ano começa para muitos brasileiros, ele enfim ministrou sua
palestra no auditório da Faculdade de Letras e Ciências Huma-
nas da USP, em São Paulo, capital. Sempre muito profissional,
John proferia seu discurso como sempre o fez, com naturalida-
de e paixão. O auditório era pequeno, de maneira que ele conse-
guia enxergar todos com certa facilidade. Mas John não contava
que um par de olhos cor de mel o deixaria distraído e, por mais
que tentasse, não conseguiria deixar de olhá-los. Ela estava na
segunda fila e tinha uma beleza natural, quase tímida.
A garota era Lilly Giulliacci de Sousa, filha de José Alves de
Sousa, professor de História; e de Ana Morris Giulliacci. Uma
enfermeira inglesa que trabalhava temporariamente em Belo
Horizonte, por dois anos, como parte de um intercâmbio pro-
fissional entre uma Universidade inglesa, outra instituição de
caridade brasileira. A mãe faleceu no momento do parto por
eclampsia, doença grave de origem ainda desconhecida. A fa-
mília inglesa, decepcionada com a gravidez de Ana, não quis
saber da criança e a deixou no Brasil, como se ela nunca tivesse
existido. José teria que criá-la sozinho. Ele trabalhava em duas
escolas para sustentar sua única filha e ainda precisava supor-
tar a dor da perda precoce da esposa amada. Nas poucas horas
vagas, recolhia-se a um quartinho da casa, que era uma oficina
improvisada. Ali, talhava, em madeira, pequenos objetos de ar-
tesanato, que, embora ligeiramente grosseiros, tinham uma sin-
ceridade cativante. Lilly se virava para trabalhar e estudar com
o pouco que ganhava e com a pequena ajuda do pai. Tinha 26
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anos quando foi convidada pela UFMG (Universidade Federal
de Minas Gerais) para ir a São Paulo em um ciclo de palestras de
professores estrangeiros convidados. Ela era um pouco magra,
de estatura mediana e cabelos pretos levemente ondulados, que
se alongavam até o meio das costas. Tinha um rosto pequeno,
fino e bastante delicado, que herdou da sua mãe, mas era pers-
picaz e direta, assim como o pai.
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