Download - Sigillatasclaras de Aljustrel: a crise do século II d.C. nas minas do ...

Transcript

163

R E S U M O Pretendeesteartigomostraraevoluçãodamineraçãoromananasminasdosudoeste

peninsular,oseuinício,períodosdeapogeuederecessãoeconsequenteabandono,recor-

rendoparaissoaparalelismoscomoaparecimentoemAljustreldesigillatasclarasdeprodu-

çãonorteafricana.Aexistênciadetrocascomerciaisemperíodosdegrandeproduçãomineira

contrastacomasuaausênciaemperíodosderecessão.

A B S T R A C T WeintendwiththisarticletoshowtheevolutionoftheRomanmininginthe

south-westernminesoftheIberianPeninsula,itsbeginning,periodsofapogeeandcontrac-

tionandconsequentabandonment,appealingforparallelismswiththeappearanceinAljus-

trelofsigillatas fromNorthAfrica(ARSW).Theexistenceofcommercialexchangesinperiods

ofgreatminingproductioncontrastswithitsabsenceinperiodsofcontraction.

As minas do Sudoeste ibérico

A exploração mineira desenvolvida durante a época romana nos distritos mineiros doSudoesteibéricodeixou-nosvestígiossuficientesparaquepossamosavaliarascotasdeprodu-çãoaíalcançadas(Domergue,1990).Aexploraçãonãoseiniciouemtodasasminasaomesmotempo,umavezqueascaracterísticasdecadaumadasmineralizações,eapreponderânciadeumtipodemineralououtro,principalmentedosdeprataecobre,sãofactoresqueexplicamestadivergência.Sãojáconhecidossítiosqueviviamdamineraçãodestesdepósitosdesulfure-tos polimetálicos desde o III milénio a.C., como Cabezo Juré, próximo da mina de Tharsis(Nocete,2004),eoiníciodamineraçãodaprataemmeadosdoIImilénioemLaParritaeTresÁguilasemRiotinto(PérezMacías,1996);contudo,seráapenasnoiníciodoImilénioa.C.com

Sigillatas claras de Aljustrel: a crise do século II d.C. nas minas do Sudoeste ibérico MACARENABUSTAMANTEÁLvAREz*

JUANAURELIOPéREzMACíAS**

ARTURMARTINS***

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 163-181

Macarena Bustamante Álvarez | Juan Aurelio Pérez Macías | Artur Martins Sigillatas claras de Aljustrel: a crise do século II d.C. nas minas do Sudoeste ibérico

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 163-181164

aprocuradosminériosargentíferosqueaexploraçãomineirasegeneralizaàmaiorpartedasminas(HuntOrtiz,2003).

Adiferençaentreestasexploraçõespré-romanaseproto-históricaseasqueserealizaramemépocaromanaestánaquantidadedematerialextraído,deumaformaartesanalnasprimeiraseindustrialnasegunda.Aindustrializaçãodamineraçãoedametalurgiadeixoutoneladasderesí-duosmetalúrgicos,quemostramporsisóointeressequeRomatinhanestasminaseaforçadetrabalhoutilizada.AindaqueosnúmerosdasprimeirascubicagensdeRiotintopossamserconsi-deradasexageradas,dos18000000detoneladaspassamoshojepara6000000detoneladas,estescontinuamasernúmerosmuitoexpressivos(Rothenberg&al.,1990,pp.57­-7­1).NaFaixaPiritosaexistiramoutrasminascomumaimportanteprodução:Cuevade laMora,CastillodeBuitrón,SotielCoronada,Tharsis,SãoDomingoseAljustrel(Salkield,197­0,pp.85-99),masdetodaselasapenasdeAljustrelconhecemososeuvolumeaproximado,cercade2000000toneladas.Existeaindaoutroconjuntodeminas,desegundaordemdeimportânciamascomescoriaisconsiderá-veis, como San Platón, Poderosa, Aguas Teñidas, Lapilla, Lagunazo, Herrerías, Romanera, etc.(Domergue,1987­).Emtodasasmineralizaçõesforamreconhecidosvestígiosdeexploraçãoromanaeevidênciasmetalúrgicasdeensaioscomosseusminériosparaconhecerasuariqueza,aindaqueemmuitasdelasestetrabalhoromanonãopossaserconsideradodeprodução.

Estaindústriametalúrgicaromana,comproduçõesdifíceisdeavaliar(algumasdasavaliaçõesforamfeitasapartirdatonelagemdasescórias),estavamuitomaisdesenvolvidadoquepoderiapensar-se.Amaiorpartedasmineralizaçõesdazonasulportuguesa,ondeseencontraaFaixaPiri-tosaIbérica,aquepertencetodoestegrupodeminas,sãoformadasporgrandesdepósitosdesulfu-retospolimetálicose,ocasionalmente,aminapossuidiversasmassasindependentesmasrelaciona-dasgeneticamente:emRiotinto,aMassaSul,MassaLago,MassaSalomón,MassaDehesa,MassadeSanDionisioeMassaPlanes;emTharsis,oFilãoNorte,FilãoSul,FilãoCentro,eMassaSierraBullones;emAljustrel,aMassaSãoJoãoeMassaAlgares.Emtodaspredominaumamineralizaçãoprimáriadebissulfuretodeferro(pirite)comsulfuretodeferroecobre(calcopirite),existindoaindaumaenormevariedadedeoutrossulfuretoscomoutrascomposições,comosejamosdezincoechumbo,queformammassasmaiscomplexas.Asproporçõesdeouroepratanestesminériospri-márioséemalgunscasos insignificante,enquantonoutrospodeatingir0,3a0,5gdeouroportonelada,que,atravésdefenómenosdeoxidaçãoelixiviação,tendemaconcentrar-senosaflora-mentossuperficiaisdeóxidodeferro(chapéudeferro),ondepodealcançarproporçõesde1,6a2,5gdeouroe40a50gdeprataportonelada.éhojeconsensualqueessaconcentraçãodeouronãoestavaaoalcancedatecnologiamineiraemetalúrgicaromana,salvonoscasosemqueessaconcen-traçãoseencontrenoestadonativo,algoqueépoucofrequente.Contudo,apratapodiaserrecupe-radacomaadiçãodechumbo,paraaformaçãodeumafasedechumboargentífero,quepodiasertratadoatravésdeumaoxidaçãoparaaseparaçãodochumboedaprata(copelação).Comestescompostos,omineiroromanopodiaobtercobreemtodasasminas,atravésdotratamentodossulfuretosdecobreprimários(calcopirite)esecundários(calcosina),edoenriquecimentosupergé-nicoporcementaçãodossaisdecobrearrastadosnaságuasatéaonívelfreático.Apenasemalgu-masminassepodiaobterprata,porque,umavezqueosmineraisprimáriosnãopossuíamquanti-dadessignificativas,nãoseformavamessesníveisricosemmineraisdeprata(níveljarosítico).

Atravésdostrabalhosdeexploraçãomineiraromana,quecrivaramosdepósitoscomcentenasdepoçosembuscadabasedochapéudeferro,ondeseacumulavaominériodeprataeazonadecementaçãodossulfuretossecundários,obtinha-seumperfeitoconhecimentosobreapresençaouausênciadosminériosdeprataedecobreeistoeradeterminanteparaointeressedosarrendatáriosdasexplorações(conductores)sobreunslocaisououtros,aindaque,comonormageral,aexploração

Sigillatas claras de Aljustrel: a crise do século II d.C. nas minas do Sudoeste ibérico Macarena Bustamante Álvarez | Juan Aurelio Pérez Macías | Artur Martins

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 163-181 165

mineiratenhaalcançadoproduçõesindustriaisnasminasondehaviabonsenriquecimentosdossulfuretosdecobreeprata(Riotinto,CuevadelaMoraeTharsis),noutrassódeprata,comoéocasodeRomanera,SanPlatón,Descamisada,CampanarioeSãoDomingos,eoutrassódecobre,comoAljustrel,AguasTeñidaseConfesionarios.Masaimportânciadaminanãodependiaapenas

Fig. 1 PrincipaisminasromanasdoSudoesteibérico.

Macarena Bustamante Álvarez | Juan Aurelio Pérez Macías | Artur Martins Sigillatas claras de Aljustrel: a crise do século II d.C. nas minas do Sudoeste ibérico

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 163-181166

dapossibilidadedeobtençãodecobreouprata,massimnariquezaevolumetriadasmassasmine-rais,oquenocasodeAljustrel,queapenasproduziucobre,emgrandequantidadea julgarpelaquantidadedeescóriasproduzidas,demonstraquefoiumaminamuitomaisimportantequeoutrascomproduçãodeprata,comoSãoDomingos,SotielCoronadaeCuevadelaMora.

CobreepratacaracterizamamineraçãoromanadasminasdaFaixaPiritosaIbérica,contudo,amineraçãoestendeu-setambémalocaisdaOssaMorena,aoscamposfilonianosdesulfuretosdecobre,ondeomineralpredominanteéocarbonatodecobredosafloramentossuperficiaisecujaexploraçãodeixounoterrenograndesescoriaiscomoosdasminasdeCala(Pérez&Rivera,2004,pp.69-105)eMunigua(Schattner,Ovejero&Pérez,2005,pp.253-27­6).

GraçasàsinvestigaçõesarqueológicasdesenvolvidasnestasminasdesdeasegundametadedoséculoXIX,coincidentescomoiníciodaexploraçãoindustrialcontemporânea,passamosaconhe-cermuitospormenoresdaexploraçãoromana,daengenhariamineira,tecnologiametalúrgicaealocalizaçãodospovoadosenecrópoles.Ostrabalhosdemineraçãoeaconstruçãodeedifíciosjuntodasmassasminerais,áreasdetratamentodominério,traçadodecaminhos-de-ferro,laboratórios,etc., exigiu grandes obras de infra-estruturas que foram pondo a descoberto numeroso materialarqueológico, estruturasdehabitaçãoede trabalho, enterramentos, cerâmicas, vidros,utensíliosmineirose,ocasionalmente,documentosjurídicosembronzedeenormevalor,dasquaisdestaca-mosastábuasdebronzedeAljustrel,encontradasnosescoriaispróximosdazonadacementaçãodoséculoXX.Comtodosestestestemunhos,generalizou-seaopiniãodequeestescoutosmineirosdo-sudoestepeninsularterãosidoumadasáreasmaisimportantesdaproduçãometálica,senãomesmoamaisimportante,dosterritóriossujeitosaadministraçãoromana.Estasminas,nasuamaiorparte,prosseguiramasuaactividadeatémeadosdoséculoXXealgumascontinuaramasualaboração,continuandoaindahojeaproduzir,peloque,nãopermitiuqueainvestigaçãoarqueológicaseviesseadesenvolverdeumaformasistemática,tendoficadosujeitaàevoluçãoimpostapelascompanhiasmineiras,deformadescontínuaefuncionandosemprecomoarqueologiadeemergência.

Apesardestesinconvenientes,osregistosefectuadospermitemtraçarumahistóriadaevoluçãodamineraçãoaolongodaépocaromana,jáqueovolumedematerialarqueológicorecolhidoétãoabundanteetãoimportante,quepodemosdelinearsemgrandescontrovérsiasasdiferentesetapasemquesedesenvolveuequeseconjugamcomaevoluçãodeoutrossectoresdaeconomiaromanacomo,porexemplo,aproduçãoagrícola.Conhecemosatravésdasfontesdocumentaisdaépocadaconquista e dos séculos posteriores, que Roma aparece na Península Ibérica durante a segundaguerrapúnica,nasualutacomCartago—queobtevenaHispaniaosrecursoshumanoseeconómicosparalevarpordianteestaguerra—pelahegemoniasobreoMediterrâneoOcidentaleque,posterior-menteàderrotadeCartago,iniciouumafasedeanexaçãoterritorialparaaproveitamentodessesmesmosrecursos.EstafasedeconquistanãofoifáciledesdeoprimeirodesembarquedoexércitoconsularemAmpúrias,noanode218a.C.,oestadodeguerralatenteiráprolongar-secomsorteseritmosdiferentesatéaoanode19a.C.,dataemqueterminaramasGuerrasCântabras,apósasquaisfoifeitaaincorporaçãodefinitivadetodososterritóriospeninsularesnoImpério.Aindaqueapaci-ficaçãoseestendapordoisséculos,Romacomeçaaorganizaraadministraçãodasprovínciashispâ-nicasdesdeoiníciodaconquista,iniciandoigualmenteaexploraçãoeconómicadoterritórioocu-pado.SeguindonoesteiodasexploraçõesiniciadasporCartago,amineraçãoromanaeamigraçãoitálicairãoconcentrar-senasminasdegalenaargentíferadoSudestepeninsular(Cartagena)edoAltoGuadalquivir(Jaén),ondevãoproduzirprataechumbo,bemcomonasminasdeCordubaparaproduçãodecobreechumbo,comoritmoimpostopeloseuarrendamentoàssocietates.

AsminasdosudoestepeninsulartiveramumimportanteperíododeproduçãoemépocaTar-téssicae,algumasdelas,voltaramaserexploradasapartirdasegundametadedoséculoIIIa.C.na

Sigillatas claras de Aljustrel: a crise do século II d.C. nas minas do Sudoeste ibérico Macarena Bustamante Álvarez | Juan Aurelio Pérez Macías | Artur Martins

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 163-181 167

alturadaofensivaeconsolidaçãodosBarcanaPenínsulaIbérica.NodecursodetodooséculoIIa.C.apenetraçãoromanaencontroumuitomaisdificuldadesdeconsolidaçãoterritorialqueaquelasqueencontrounascostasmediterrânicasenadepressãobética,assim,semumdomínioefectivodoterri-tóriofoiimpossívelimplantarecontrolaraexploraçãomineiraemtodasasminasduranteesseperí-odo.AguerraeasrebeliõesdosLusitanos,comassuasincursõesatéaovaledoGuadalquivir,torna-vam,inviáveloestabelecimentodassocietates,quepreferiaminvestirnasminasdaregiãomurciana,JaéneCórdova,muitomaisseguras.Ainactividadedasminasdosudoesteaolongodoperíodorepu-blicanoéumarealidadejácomprovadapelaArqueologia.Afaltaaíverificadadecontextosrepublica-nosétambémumaprovadaincapacidadedeRomaparaatrairaatençãodospublicanosparaasuaexploração,devidosobretudoàinsegurançaqueaíseverificavacomasincursõesdosLusitanos.

DuranteoséculoIa.C.existeaindaoproblemadasguerrascivis,quetiveramnaHispaniaumafrentedelutatantonoepisódiodeSertóriocomoposteriormentenaslutasentreCésarePompeu.ConvémrecordarquemesmocomacampanhadeCésarnaLusitâniaduranteasuapropraeturanaUlterior,osLusitanoseobanditismocontinuamaserumaameaça,mesmoapósoseuassassinato,esomenteacolonizaçãodoterritórioporAugustoirápermitiroarranquedamineração.Apesardadisseminaçãodecastellapor todooSudoestepeninsulareda fundaçãodecolónias (Augusta Emerita,Liberalitas IuliaePax Iulia),foinecessáriomilitarizaroterritórioparadarsegurançaàexplo-raçãomineira.Ainfluênciaqueestainstabilidadepolíticatevenaexploraçãomineirapareceevi-denteeC.DomergueconsideraquemuitasminasforamabandonadasdurantearebeliãodeSer-tóriocomo,porexemplo,emElCentenillo(Domergue,197­2,p.619).

OsmateriaisarqueológicosdemonstramquefoiprecisamenteessapolíticadeAugustonosudoestepeninsular,quepermitiuoarranquedamineraçãoedaproduçãometálica.Apartirdeagoraasminasdosudoeste,virtualmenteintactasumavezqueseencontravamencerradasdevidoàactividadenuladuranteoperíodorepublicano,vãosubstituiroscoutosmineirosdosudestepeninsular,muitoempobrecidosdevidoàintensaexploraçãofeitapelosarrendatários.ApolíticadeAugustoparaosudoestepeninsularabrangeaindaoutrosaspectosparaalémdospuramentemilitares,emboranãosejaesseoobjectivodestetrabalhoumavezquequeremoscentrar-nosexclu-sivamentenaevoluçãodestasminasdosudoesteduranteoperíodoromano.

Aindaqueestepanoramadasminasdosudoestesejaaceitesemreservaspelainvestigaçãoactual,queexplicaosilênciodasfontesdocumentaisearqueológicas,jánãoétãoclaroomomentofinal deste período de apogeu em época imperial, dilatando-se a margem cronológica da crisemineirapelasegundametadedoséculoIIeiníciosdoséculoIIId.C.

Emcadaumadasminasfoirecolhidonumerosomaterialarqueológico,tendosobreelesidopublicados alguns artigos interessantes, contudo, não houve nunca um esforço de síntese querelacioneoestudodestesachadoscomaproduçãomineira.AprimeiratentativafoiefectuadaporA.BlancoeJ.M.ªLuzónapartirdacolecçãodenumismáticadopequenoMuseudaCompanhiaMineiradeRiotinto(Blanco&Luzón,1966,pp.7­3-7­8).Tratava-sedeumamostraimportantequeoferecia um magnífico referencial, pela comparação da circulação monetária com o trabalhomineiro.Concluiu-sequeestacirculaçãomonetáriaseencaixavaperfeitamentenaevoluçãogeraldaeconomiaromana,ouseja,umcrescimentoemaltadesdeiníciosdoséculoId.C.,amanutençãodesseritmodeproduçãoatéaoséculoII,umperíododerecessãonoséculoIII,comumaquebrabruscaeaceleradadacirculaçãoeumligeirorenascimentodesdeiníciosdoséculoIvqueiráter-minarnoséculov.Destaforma,osmomentosdemaioractividadeeconómicavãosituar-senasetapas flávia e antonina, iniciando-se um período de crise em época severa que se irá manterdurantetodooséculoIII.AsreformasdeDioclecianopermitiramrecuperarosníveisdeproduçãonoséculoIv,atéquenoséculovofimdopoderdacasaImperialfarásucumbirtodooaparelho

Macarena Bustamante Álvarez | Juan Aurelio Pérez Macías | Artur Martins Sigillatas claras de Aljustrel: a crise do século II d.C. nas minas do Sudoeste ibérico

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 163-181168

produtivomineiro.Mas,nãosãoapenasessasmoedasquetornamvisívelestaevolução,osmate-riaisarqueológicosprovenientesdeminascorrespondemmaioritariamenteaosséculosIeIId.C.

Praticamente às mesmas conclusões chegou a Exploración Arqueometalúrgica de Huelva(Blanco&Rothenberg,1980),emqueparaalémdeRiotintoincluíaoutrasminascomo,CuevadelaMora,CastillodeBuitrónySotielCoronada.Overdadeiroaportedestetrabalhocentrou-senaconstataçãodequeamaiorpartedasminasterãoiniciadoasuaexploraçãoindustrialapartirdeAugusto,cujapolíticafavoreceuaextracçãoemminasantesinactivasbemcomoaexploraçãodaprataedocobre.Defacto,todasasminasdazona,pormaispequenasquesejam,possuemregistosdearranquedaproduçãonoséculoId.C.,aindaquenemtodastenhamcontinuadoaproduzir,poismuitasdelasforamabandonadasemmeadosdoséculoI.Apartirdestaaltura,aexploraçãovaicentrar-senasminascommaiorpotencial:Riotinto,CuevadelaMora,SotielCoronada,Cas-tillodeBuitrón,Lazarza,Tharsis,SãoDomingos,eAljustrel.éevidentequeaPaxeaConcordia Augustidesencadearamoprimeiroperíododefebremineira,comcaracterísticassemelhantesaoqueocorreuemmeadosdoséculoXIX.Depoisdosproblemasqueparalisaramamineraçãonosudoesteemépocarepublicana,abriu-secaminhoàexploraçãosistemáticaeasminasdosudoestesuplantaramasminasdoSudestepeninsular.Aexploraçãomineira,fomentadapelapolíticadoPrinceps,iráestender-seatodasasmassasconhecidasedoempenhopostonaempresa,temosideiaapartirdascentenasdepoçosabertosemCabezadelosPastos(PuebladeGuzmán),esforçoquenãoterásidocompensadoumavezqueessaminateveumafracaproduçãoemépocaromana.Davoracidadedestesprimeirostrabalhosmineirostemostambémregistonosestratosaugusto-tibérioda secção de escórias em Riotinto, jazida revalorizada pela Exploración Arqueometalúrgica deHuelva,emquemilharesdetoneladasdeescóriassoterraramasobsoletasestruturashabitacionaisrepublicanas,queconservam,emalgunspontos,assuasalturasoriginaisde3m;sobreesteesco-rialdaépocadeAugusto-TibérioiránascerumnovopovoadonaépocadeCláudio,passandoasescóriasaserdepositadasnosvalespróximos.AlimpezadesteescorialdeCortalagopermitiupelaprimeiravezobterumreferencialparaconhecerosritmosdeproduçãoedecomparaçãodosestra-tosdeépocaimperialcomosminúsculosestratosdeépocaproto-históricaerepublicana.

Resultados idênticos aos obtidos em Riotinto foram encontrados no povoado situado noFilãoSuldeTharsis(Pérez&al.,1990,pp.5-12).Aquinãoforamencontradosvestígiosdefundi-çãorepublicanaeosestratosdaépocadeAugustosobrepõem-sedirectamenteaosníveisdeescó-rias do período Orientalizante. Este povoado central da mina encontrava-se abandonado já noséculoIIId.C.,sendoutilizadoentãocomoáreadenecrópole.

AampliaçãodasescavaçõesnopovoadodeCortalago/LlanodelosTesorosemRiotinto(PérezMacías, 1998), permitiu ampliar o conhecimento do desenvolvimento urbanístico sob domínioromano.Asescavaçõesanteriorestinhamdocumentadoaexistênciadeumafasetardo-republicana(comestruturasdehabitaçãoqueforamconstruídasutilizandocomoelementoconstrutivoapró-priaescóriametalúrgica)eoseuposteriorabandono,tendoestesectorhabitacionalsidoutilizadonaépocadeAugusto-Tibériocomoescombreirasdamina.ApartirdeCláudioéconstruídoumnovopovoadosobreasescóriasdeAugusto-Tibério,convertendo-seestelocalempovoadoprincipaldamina,ondeseconcentraapopulação,tendo-semantidocomotalatéàsegundametadedoséculoIId.C.AabundânciadematerialarqueológicopermitiudistinguiralgumasalteraçõesduranteasegundametadedoséculoI,emépocaflavianaenaprimeirametadedoséculoIIemépocaanto-nina.Portanto,sãoestestrêsmomentos,Cláudio-Nero,FlávioeAntoninoquereferenciamomaioremelhorperíododeproduçãoemépocaromana,possuindocadaumadestasfasesregistosdiferen-ciados.Omomentofinaldeocupaçãoregistaautilizaçãodesigillatas hispânicas,compredomíniodasprovenientesdaoficinabéticadeAndújar,quemantémformasevolucionadasdasudgálicado

Sigillatas claras de Aljustrel: a crise do século II d.C. nas minas do Sudoeste ibérico Macarena Bustamante Álvarez | Juan Aurelio Pérez Macías | Artur Martins

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 163-181 169

tempodeCláudio,comoaDrag.24/25eaDrag.26/27­,bemcomoasprimeirasimportaçõesdesigillata africana(ARSW)daespécieA.AlgumasmoedasedeentreelasumassedeAdrianocomefígiedeSabina,situam-nosestemomentofinalnaépocadeAdrianooudeAntoninoPio.PassarãomuitosanosatéqueopovoadodeCortalagorecupereoseuesplendore,aesteúltimomomento,correspondeaconstruçãodeumnovopovoadosobreosrestosdoanterior.Emboraessesrestosestivessemmuitoafectadospelostrabalhosdemineraçãocontemporânea,atalpontoquenãofoipossíveldesenharumaplantacompletanemrecolhermateriaissignificativosquepermitamconhe-cerasuacronologiarelativa.Felizmente,emanosanteriores,realizaram-senestesníveisdehabita-çãosuperficiaisoutrasescavaçõesdeemergênciacujosmateriaispermitiramdatá-lasdefinaisdoséculoIIIeiníciosdoséculoIv.DestemodoficapatentequeoperíodoculminantedeproduçãoseteráestendidodemeadosdoséculoId.C.ameadosdoséculoII,tendo-seassistidoposteriormenteaumperíododerecessãoeabandonoatéfinaisdoséculoIII,alturaemqueseretomouaproduçãoquevema terminarnummomento imprecisodoséculovedequeseconhecemmuitopoucosmateriais,entreosquaisdestacamoslucernasdetipologiapaleocristã.

AsdatasdestacrisemineiradasegundametadedoséculoIId.C.oscilavamentreoprincipadodeAdriano,quenóspropúnhamosparaafase1BdeCortalago,eaépocadeSevero,assinaladaporC.DomerguecomosendooiníciodacrisegeneralizadademineraçãonaHispania.Aindaassim,convémconhecerasdiversashipótesesavançadasparaascausasdestacrisemineiranosudoestepeninsular: 1) a escassez de concentrações minerais de prata e cobre, intensamente exploradasdesdeiníciosséculoId.C.;2)oiníciodaexploraçãodeminasmaisrentáveis,pelariquezadosseusminerais, como os chumbos argentíferos de Britannia, que começam a ser extraídos em grandeescalanaépocadeAdriano,nomomentoemquesedetectamosprimeirossintomasdecrisenosudoestepeninsular;3)oimpactequeterãotidonestaregiãomeridionalasincursõesdosMauridoNortedeÁfricanotempodeMarcoAurélio,importanteparaalgumasminas,queviramdesapare-ceroscapitaisqueeraminvestidosnosistemadeconductio,situaçãosemelhanteàqueocorreunoperíodorepublicanocomosLusitanos.Todasestashipótesestêm,porisso,umaforteincidênciasobreoproblema,jáque,porumlado,asminasnãovoltamaproduzirprata, indíciodequeominériodepratajánãoeratãoabundante,sendoqueametalurgiadoséculoIvésomentedecobreeobservando-se,poroutrolado,algunsexemplosdedestruição,comooverificadonorecintoderepresentaçãodinâmicadeRiotinto,cujasestátuasforamarremessadasparaosescoriais,vindoaserdepoiscobertaspelasescóriasdecobredoséculoIv.

Noentanto,nãosepercebemuitobemcomoéqueestaescassezdeminérioseverificaemtodasasminasaomesmotempo,tantonasdecobre,comoAljustrel,comonasdecobreeprata,comoRiotintoeTharsis,paracitarapenasoscoutosmineirosmaisbemconhecidos,emboraaenvergadura das massas minerais fosse distinta, duas massas em Aljustrel, sete em Riotinto equatroemTharsis.TambémnãoestáplenamentedemonstradoqueasincursõesdosMauritenhamatingidotodososcoutosmineiros.ChegaramaRiotintoemuitopróximodovaledoGuadalqui-vir,daíanecessidadedainstalaçãoemItalicadeumdestacamentodaLegiovIIparafazerfrenteaestas incursões(CaballosRufino,1994,pp.135-136).é,noentanto,muitopoucoprovávelqueestasincursõestenhamatingidooscoutosmineirosmaisafastadosdoGuadalquivir,comoThar-sisouAljustrel.Optemosporumacausaoupelaoutra,oupelasduasaomesmotempo,temosapenasumfactoseguro:aparalisaçãonamineração,quesedetectaemtodasasgrandesminasaomesmotempo,foigeneralizada.

Destepontodevista,nãopodemosficarrefénsdecausasisoladas,comoasatrásexpostas,quenão explicam uma consequência geral, ainda que de um modo ou outro estas causas tambémpossamintervirnaquebradosistemaeconómicoquesuportavaaproduçãodemetaisnoSudoeste

Macarena Bustamante Álvarez | Juan Aurelio Pérez Macías | Artur Martins Sigillatas claras de Aljustrel: a crise do século II d.C. nas minas do Sudoeste ibérico

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 163-181170

peninsular. Assim, parece-nos mais convincente a proposta de G. Chic (2005, pp. 567­-586), queapontaparafalhasestruturaisnosistemaeconómicoromanoapartirdoimperadorMarcoAurélio.Consideremosemprimeirolugarqueestacrisecoincidenotempocomadecadênciadamineração,introduzindoalgumaverosimilhançanarelaçãoentreambososfactose,emsegundolugar,quedestemodosetornacompreensívelacrisegeralverificadanamineraçãoeque,comosfactoresatrásmencionados, se tornavadifícildeexplicar.Nemas incursõesdos Mauri terãoafectadotodasasminas,nemoiníciodasexploraçõesemgrandeescalanasminasdepratabritânicaspoderiasignifi-carocolapsodetodasasminasdoSudoeste, jáque,dessemodo,ficariamàmargemdacriseasminasdecobre,comoAljustrel,comotambémnãoseriarazoávelqueosfilõesdetodasasminasseesgotassemaomesmotempo,umavezqueasreservasdecadaminasãomuitodiferentes.

G.ChicpartedainexistênciadeumabancaestatalemRomaou,oquedánomesmo,dafaltadecréditoededívidapública.Ometalconverte-seemmoeda,eissolevouaqueofiscustentassecontrolardirectamenteasminasemqueseproduziammetaisbásicosparafabricarmoeda,especial-menteadeprataeouroe,posteriormenteadecobre.Apartirdaépocaflávia,esteintervencionismoimperialestende-seaoutrosprodutosdenecessidade,comooazeitedaAnnona.Oimperialismoromanosoubefazerfrenteànecessidadequetinhadeabastecimentodemetal,bemcomoàenormequantidadedecapitalqueeranecessárioinvestirparaasinstalaçõesmineiraseosseustrabalhosdemanutenção,dosquaisdestacamosoabastecimentoeoescoamentodeáguas,comaconquistadeoutrosterritórioscomminasdeprata(Britannia)edeouro(Dacia).Detalformaqueenquantosemanteveestapolíticadeconquista,ofiscoconseguiucomestesistemaintervencionistamanterasminascapitalizadas.Contudo,apartirdeAdrianoterminamaspolíticasdeconquista,eointerven-cionismoestataltemquerentabilizarosrecursosexistentes,sempossibilidadedeacessoanovasfontesdematéria-prima.Estasituaçãoconseguiumanter-seduranteoperíododepazdeAdrianoeAntoninoPio;contudo,apartirdeMarcoAuréliohouveumincrementocomosgastosmilitares;edapolíticadeconquistapredominanteatéTrajano,passou-se,comMarcoAurélio,aumapolíticadefensiva, emqueosgastosmilitaresnãopodiamser compensadoscomosdespojosdeguerra.SabemosqueostrabalhosdemineraçãonestaáreadependiamdocofreimperialdesdeAugusto,quequeriacontrolarosrecursosmetálicose,enquantoofiscotevecapacidadeeconómica,ospro-curadoresimperiaisconseguirammanterasinstalaçõesmineirasparaqueaconductiodospoçossemantivesseatractiva.Noentanto,quandoestacapitalizaçãodasminasperdefôlegodevidoàsnovasnecessidadesmilitares,osistemadegestãodirectadasminascomeçaafalir.

Umdosmaioresinconvenientescomoinvestimentomineiro,antescomoagora,éoaban-donodasinstalações,especialmentedossistemasdeescoamentodeáguas,cujaruínaexigegran-desinvestimentosaquemqueiravoltaraexploraramina.Atalpontoque,namaiorpartedoscasos, quando estas infra-estruturas são abandonadas, os investimentos necessários para a suareposiçãonãosãocompensadospelosbenefíciosdaexploração.Existemmuitosexemplosdestefacto;quandoasempresasparalisamaexploração,ficasemprealguémencarreguedamanutençãodossistemasdedescarga,umavezqueasuaruínatornaimprovávelaaquisiçãodaminaporpartedeoutracompanhia.éoquesepassahojeemdianasminasdeRiotinto,noPozoAlfredo,ondeeramexploradasemgaleriaascloritesmarginaisdaMassadeSanDionisio (CortaAtalaya).Seficasseinundadaporfaltademanutençãonossistemasdebombagem,asuareaberturaexigiriacustosdeinvestimentosuperioresaobeneficiodaexploração.

ExisteparaAljustrelumdocumentovaliosodestacrisemineira,ahomenagemefectuadanoanode17­3d.C.peloscolonosdocoutomineiroaoprocuradorBerylus,denominadorestitutor metallo-rum(Wickert,1931,pp.835-839),oqueindicaclaramentequeosarrendatáriosdospoçosmineiros(coloni)tinhamjásofridoaconsequênciadadescapitalizaçãonosanosfinaisdoreinadodeMarco

Sigillatas claras de Aljustrel: a crise do século II d.C. nas minas do Sudoeste ibérico Macarena Bustamante Álvarez | Juan Aurelio Pérez Macías | Artur Martins

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 163-181 171

Aurélio.Seriaumarecuperaçãopassageira,umavezqueaestesucedeoúltimoprocuradorregistadoparaocoutomineiro,Saturninus(Canto,2003,pp.303-337­),naépocadeSeptímioSevero.

Resumindo,nadocumentaçãoepigráficadeAljustrelverificamosqueaessacrisedasexplo-raçõesmineiras,iniciadacomadescapitalizaçãodasminasapartirdeAntoninoPio,setentoupôrcobronosúltimosanosdoreinadodeMarcoAurélio.Asinvestigaçõesarqueológicasqueestamosaefectuarnopovoadomineirodevipascasãoumcomplementoperfeito,umavezqueoscontex-tos cerâmicos aí recolhidos mostram bem que os intercâmbios com a mina diminuem brusca-mente no período de Antonino Pio. Entre estes intercâmbios, vamos ter em atenção, pela suaimportância cronológica, as cerâmicas de procedência do Norte de África, as sigillatas africanas(ARSW),cujatipologiapermiteestabelecerparaleloscomoutrasrecolhidasnoscoutosmineirosdeRiotintoeTharsis,comasquaisexistecoincidência.

A crise de finais do século ii d.C. em Aljustrel

OpanoramageraldostrabalhosquetemosvindoadesenvolvercomoProjectovipasca,umacolaboraçãoentreoMuseuMunicipaldeAljustrel/CâmaraMunicipaldeAljustreleaUniversi-dadedeHuelva,podeajudar-nosaclarificarasdatasemqueacriseemcausacomeçouadespontarecujomomentofinal,aparalisiaquaseabsoluta,ébemconhecidapelafaltadeevidênciasdepovo-amentoduranteoséculoIIId.C.

OcoutomineirodeAljustreléconhecidopeloaparecimentodeduastábuasdebronzecomaleiqueregiaaadministraçãodamina,umterritório imperialnotempodo imperadorAdriano(Domergue,1983).Apartirdeumadelasconhecemosdetalhadamentealgumasdisposiçõesrelati-vasaprocessosdeexploração,sistemasdeescoamentobemcomoascondiçõesdaconductiodospoços, de forma a evitar a ruína da exploração e para torná-la atractiva aos arrendatários. Noentanto,sãomenosclarasoutrasquestões,dequedestacamosaprincipal:saberseestamosperanteumalex metallis dictaparaexploraçãodosmetallapertencentesaofiscoouse,pelocontrário,setrataderegulamentaçãoespecificaparaestecoutomineiro.Atábualegislasobreaextracçãodeprataecobre,contudo,adocumentaçãoarqueometalúrgicadisponível,queestamosacomplementarcomnovasanálisesdeescórias,comunidadesderecolhaporsector,apontamapenasparaaproduçãodecobre.Aljustrelé,duranteoperíodoromano,umcentroprodutordecobreesecotejarmososseusescoriaiscomosdeoutrasminasdaregião,comoRiotintoeTharsis,seriamesmooprincipalcentroprodutordecobre.OsseusescoriaispossuemmaioresdimensõesqueosescoriaisdecobredeRiotinto(MarismillaeTresCruces)eTharsis(Silillos).

A investigação arqueológica não tem sido sistemática (Martins, 1996, pp. 94-114), entreoutrosaspectosdevidoàcontinuidadedostrabalhosmineirosatéhápoucosanos(viana,Andrade&Ferreira,1954,pp.7­9-92).OníveldeconhecimentosfoianalisadoporC.Domergueemdiversostrabalhossobreasáreasdopovoadomineiro(Domergue&Andrade,197­1,p.99),eminstalaçõesmetalúrgicas(Cauuet,Domergue&Dubois,1999,pp.27­9-306)enostrabalhosmineirosantigosdochapéude ferrodeAlgares (Cauuet,Domergue&Dubois,2002,pp.38-88). Importante foitambémaescavaçãodanecrópoledevaldoca,umavezquenosforneceuumasériedeindicadorescronológicosquepermitemavançarnoestudodoperíododeocupaçãoromana(Alarcão&Alar-cão,1966,pp.7­-104).

ComosucedecomoutrasminasdoSudoeste,aminadevipascanãofoiexploradaemépocarepublicana,outerásidodeformamuitoincipiente(Estorninho&al.,pp.9-27­),eaexploraçãoindustrialdoseuminérioinicia-seapartirdaépocadeAugusto,períodoaquecorrespondemas

Macarena Bustamante Álvarez | Juan Aurelio Pérez Macías | Artur Martins Sigillatas claras de Aljustrel: a crise do século II d.C. nas minas do Sudoeste ibérico

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 163-181172

primeirasestruturasdopovoadomineiroeondepredominamindicadorescomoasânforasbéticasHaltern7­0eassigillatasitálicas(Ferreira&Andrade,1964,pp.317­-322;Trindade&Diogo,1995,pp.11-14).Sobreestasestruturasjulio-claudianasfoiconstruídoumnovopovoadoaoqualper-tenceoedifícioconhecidocomo“CasadoProcurador”.Asprimeiras investigaçõesemAljustrelevidenciaram a existência de dois núcleos de povoamento, um conhecido genericamente comovipasca,situadonasimediaçõesdanecrópoledevaldocaeonúcleodaCasadoProcurador,queapareciacomoumnúcleoisoladoentreasextensasacumulaçõesdeescórias,contudo,éprovávelqueestesdoissectoressejampartedeummesmovicus, estendendo-seopovoadoalto-imperialemformadearcoapoentedochapéudeferrodeAlgareseque,apenasemperíodomaistardiotenhamsidodepositadasescóriasnumdossectoresdividindoopovoadoemduaspartes.

AnecrópoledevaldocaforneceumateriaisqueseenquadramcronologicamenteentreaépocadeAugustoemeadosdoséculoIIId.C.,enquantoaáreadopovoadoapontaparaumaocupaçãodesdeoséculoIaoséculovd.C.Entreosmateriaistardiosencontra-seoconjuntodelucernasdeCasadoProcurador(Pita,1995,pp.15-33).AoperíodotardioestãotambémassociadasalgumasestruturasdehabitaçãonapartesuperiordochapéudeferrodeAlgares,quepoderãoestarrelacio-nadascomascerâmicasafricanastardiasrecolhidasemalgunsdossistemasmineirosestudados.AsescavaçõesdeemergênciaefectuadasporRuiParreiranumdossectoresdestegrandepovoadoevidenciaramtambémumaocupaçãoalto-medievalislâmica(Parreira,1984,pp.135-154),oquefazcomqueestepovoadomineiro tenha tidoumaocupação, com intermitências,desdeépocatardo-republicana até, pelo menos, ao século XI. Contudo, muito deste material arqueológicoprovémdeunidadesestratigráficasdescontextualizadas,derestaurosoudesucessivasreocupa-çõesdessesespaçosdomésticos,quenãoforamrelacionadosestratigraficamentecomcadaumadasunidadesconstrutivasdocumentadas.Torna-seassimdifícilpoderdeterminarperíodoscon-cretosderecessão,salvodacrisequeseestendedefinaisdoséculoIIàsegundametadedoséculoIIId.C.épossívelque,comumainvestigaçãomaiscontinuadaesistemática,iniciadaem2006naCasadoProcurador,possamosviraobterosdadosprecisosdequenecessitamos.

Entretanto,vamosestudarumconjuntodecerâmicasprocedentesdoNortedeÁfrica,quesãoumbomíndicedasrelaçõescomerciaisestabelecidasedacapacidadeaquisitivadestapopula-çãomineira.Emprimeirainstância,fornece-noscomportamentosquesepodemextrapolarparaoutrosâmbitosdestecoutomineiro,sendoqueacronologiadestesintercâmbiosésignificativaparaoproblemaqueestamosatentarresolvercomcronologiasmaisfinas.

DesdefinaisdoséculoXIXqueascompanhiasmineirasqueoperaramemAljustrelprocede-ramàconstruçãodediversasinstalaçõesemtornodochapéudeferrodeAlgares,nomeadamenteaCompanhia de Mineração Transtagana (Alves, 2002, pp. 145-17­3), que construiu uma chaminéparaaqueimademinériodebaixoteordecobrequedepoiseraprocessadoportratamentohidro-metalúrgiconacementação,poços,etc.PorissosechamouPraçadaTranstaganaaestaáreaeénelaquesesituaosítioarqueológicoda“CasadoProcurador”.Sendoestaáreaumadasmaisafectadaspelostrabalhosmineiros,tendoalgumasdasestruturashabitacionaisromanassidocortadasporumcaminhoparaacessoaoPoçoviana,osachadosdematerialarqueológicoforamfrequentesepermitiramalimpezaeescavaçãodepartedasestruturasque,pelaqualidadedosmateriaisrecolhi-dosetipologiadasestruturas,levaramaqueosítioficasseconhecidocomo“CasadoProcurador”.Mantivemosestadenominaçãoparadefinirestesectorseparadamentedorestantepovoadoenãolevantarconfusõescomasantigasintervençõesaíefectuadas,aindaqueasuaidentificaçãocomasedeadministrativadocoutomineiroestejacompletamenteafastada.Osdesmontesemovimenta-çõesdeterraseescóriascontinuaramnestaáreaaolongodosanosepartedomaterialarqueológicoaírecolhidoestádepositadonoMuseuMunicipaldeAljustrelcomoacrónimoTranstagana.

Sigillatas claras de Aljustrel: a crise do século II d.C. nas minas do Sudoeste ibérico Macarena Bustamante Álvarez | Juan Aurelio Pérez Macías | Artur Martins

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 163-181 173

AoiniciarmosaprimeiracampanhadoProjectodeInvestigaçãovipasca,centradaatéagoranalimpezadasestruturasindustriaisdainstalaçãometalúrgicadeAzinhalenaexecuçãodaplani-metriadasestruturasescavadasnaCasadoProcurador,pareceu-nos importante ressuscitardoesquecimentoesteimportanteconjuntocerâmico.Podíamosestarperanteumaamostrarepresen-tativadasfasesdeocupaçãodosítioedasrelaçõescomerciaisqueresultaramdoabastecimentoalimentarecerâmicodocoutomineiro.Paraalémdasuaposiçãosecundária,ausentesasreferên-ciasestratigráficas,torna-seimportanteconheceratipologiacerâmica,jáquenospoderárevelarcomportamentosquemerecemserconsiderados.

OconjuntodematerialcerâmicoprocedentedaCasadoProcuradoredepositadonoMuseuMunicipaldeAljustreléabundanteeincluicerâmicasdemesadotiposigillata(itálica,sudgálica,hispânicaeafricana),ânforasdediversaproveniência,dovaledoGuadalquivir(Dressel20),dabaíadeCádis(Dressel7­-11)edascostaslusitanas(Dressel14),bemcomocerâmicacomum,panelas,almofarizes, barniz rojo (CampanienseB)eunguentárioscerâmicosdeépocatardo-republicana,algumasformasdeânforasesigillatasafricanasdoBaixo-Império.Parasurpresanossa,incluiaindafragmentos relativamente abundantes de cerâmica islâmica, jarros com pintura branca, tigelascomvidradotransparente,etc.,queapontamparaumafasedeocupaçãomedievaldolocal.Aselec-çãoéaleatóriaenãointencional,masoseuestudopodeajudar-nosemlargamedidaacompreen-deraevolução temporaldopovoadodevipasca,bemcomoosavançose recuosdaexploraçãomineiraduranteosperíodosromanoemedieval.

Estamos conscientes, desde a fase de catalogação e desenho do material cerâmico, que assigillatasafricanas(ARSW),cujocomércioseprolongadesdefinaisdoséculoId.C.atéaoséculov,sãotestemunhosqueajudamadeterminarasfasesdeexploraçãoimperial,indicando-nosatravésdasausênciasepresençasdealgumasformas,osperíodosemqueaeconomiadestecoutomineiromostroucapacidadedeacederaestecomérciodecerâmicasextrapeninsular,bemcomoosmomen-tosemqueestasrelaçõesforaminterrompidasdevidoaproblemaseconómicoscomaactividademineira.Seguidamentefaremosumbrevecomentárioàsformasinventariadaseasuacronologia,paraterminarmoscomasconclusõesobtidassobreoestudodestetipodecerâmicas.

Sigillatas claras de Aljustrel

No momento de caracterizar a crise que afectou o sudoeste peninsular no século II, comreflexonoscontextosdeexploraçãomineira,paraalémdasrazõesaduzidasanteriormente,encon-tramoscomoindicativodaquelehiatooregistocerâmico.ParaoseuestudoenocasovertentedeVipasca, apontamos como fóssil director as sigillatas tardias de produção africana (ARSW) que,comoelementosconcretosdaculturamaterialdaépoca,sãoaindaexpoentesclarosdadinâmicacomercial,comoeraexecutadaeosseusaltosebaixos.

Comaterminologiaterra sigillata africana,referimo-nosaumtipoderecipientefinodemesa,comengobealaranjadomaisoumenosvariável,defabriconorte-africanoedaÁfricaProconsular(Carandini,1981),quechegouàscostasmediterrânicasdesdefinaisdoséculoId.C.atémeadosdoséculovII.

Oconjuntodestetipocerâmicoemvipascarepresenta3,82%daamostraestudada,corres-pondendoaumdeclinardocentroprodutormineiro,umavezque,comojácomentámosanterior-mente,oconjuntoquepossuímosparaperíodosprecedentesoultrapassaemnúmeroecomten-dênciaparaaumentar.Contudo,devemosteremcontaasseguintespremissas:i)algunsmateriaissãoprovenientesdemovimentosdeterrasefectuadosdesdeasegundametadedoséculoXIX;ii)os

Macarena Bustamante Álvarez | Juan Aurelio Pérez Macías | Artur Martins Sigillatas claras de Aljustrel: a crise do século II d.C. nas minas do Sudoeste ibérico

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 163-181174

materiaisforamrecolhidosnodecursodacampanhade2006,assimcomoemprospecçõesefectu-adas anteriormente no local. Finalmente e tendo em conta estes elementos, apresentamos umestudoquepossui,a priori,algunsinconvenientes,oprimeiroporestarmosalidarcompeçasdes-contextualizadas,apresentandoporissodeumaformaalteradaeenviesadaadiacroniadosítio;emsegundolugarporsetratardeumarecolhaaleatóriacujaselecçãoestámarcadapelariquezaintrínsecadaspeças,daiseremmaisabundantesosmateriaisdeterra sigillataqueosdecerâmicacomum.Tudoistofazcomqueesteestudoapareçacomumaduplaintenção,porumaladomostra--nosumarealidadetruncadamas,aomesmotempo,servedeprimeiropassoparaainvestigaçãofutura.Apesardoexpostoetendoemcontaogrossodascerâmicasestudadas,chegamosàconclu-sãodequenosencontramosperanteumsítiocomumaocupaçãocontinuadaequeapresentaumaclararupturanoséculoIId.C.quemarcaoiníciodoseudeclínio.

Centrando-nosagoranosmateriais,asuamaioriaapareceintegradaemformascaracterísti-casdassigillatasclarasA,comausênciadostiposCepodendo-seconstatarumanovaeclosãodasformasDemplenoséculoIv.Observandopormenorizadamenteasprimeiras,podemosverificarquese tratamdeproduçõescomreminiscênciassudgálicaehispânica.Devemosadvertirqueogrossodaspeçasseintegranasformasmaisantigas,sistematizadasporLamboglia(1941)nosseusnúmeros1a27­,fornecendocronologiasquenãovãoparaalémdoperíodoantoninofinal.

Esteconjuntoaparecerepresentadocomasseguintespeças:

• FormaLamb.2a/Hayes9a(Fig.2,6e7­).EstaformadeproduçãoAcaracteriza-seporserumataçadebordopoucopronunciadocomdecoraçãoderoletes.Oseuperfilhemisféricoaparentaostipossud-gálicosehispânicosdasformasdecoradasDrag.37­easuavariantehispânicaAndújar1, frutotalvezdacorrentede imitaçãoqueestasformassofreramemperíodoFlávio,considerando-secomoacronologiainicialdasuaexistênciaequenãoseprolongaparaalémdosreinadosantoninos.

• FormaLamb.3b¹/Hayes14b,8(Fig.2,8).Taçadeparedesverticaisebordoarredondadoviradoparaointerior,comumacronologiaquenãoultrapassaoperíodoAntonino.

• FormaLamb.3b²/Hayes14c(Fig.2,12).TaçacarenadatípicadasproduçõesA2.DenovonosencontramosperanteoperíododetransiçãodoséculoIaoséculoIId.C.semqueasuavidaseprolongueparaalémdasegundacentúria.

• FormaLamb.4,36a/Hayes2(Fig.2,4)eLamb.4,36b(Fig.2,5).Aprimeiraéumaformaevocadoradasformasfláviassud-gálicasehispânicasDrag.35,considerando-seestascomoacetábulasdefundobaixo,péanelarebordoexvasadodecoradocomfolhasdeáguanabar-botina,comoacontececomonossoexemplar.éumadasprimeirasformasdaproduçãoA1.Asegundaformaassemelha-seàformaDrag.36,podendolevarounãodecoraçãoabarbo-tina,alargando-seoseuperíododevidaatémeadosdoséculoIIeépocasposteriores.

Deigualmodo,oconjuntodeformascurvastipotigelas,parópsides e acetábulascompletam--secomformasmaisraras,casodasLamb.23(Fig.2,n.os1e3)e52c(Fig.2,n.º2).Estepredo-míniodeformascurvassãooreflexodeumaproduçãoemqueescasseiamasformasabertas,factoquenãoacontececomorestodasproduçõescomoiremosconstatar.Comastigelasapa-recem testos do tipo Lamb. 20/Hayes 20 (Fig. 2, n.os 9-11) cujas dimensões e cronologia sãosemelhantesàsformasLamb.2a,peloquenãopodemosdescartaraformaçãodeconjuntoscomelas.Centrando-nosnestapeçadevemosreferirque“tuvo poca presencia en yacimientos del Mediter-ráneo y de la costa atlántica”(SerranoRamos,2005,p.232),afirmaçãoquelevaapensarquenãoocorrerianestesítioarqueológico,contudo,oseucaráctersingularvemconfirmarquevipasca,

Sigillatas claras de Aljustrel: a crise do século II d.C. nas minas do Sudoeste ibérico Macarena Bustamante Álvarez | Juan Aurelio Pérez Macías | Artur Martins

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 163-181 175

Fig. 2 SigillatasafricanasdoséculoIId.C.emAljustrel.

Macarena Bustamante Álvarez | Juan Aurelio Pérez Macías | Artur Martins Sigillatas claras de Aljustrel: a crise do século II d.C. nas minas do Sudoeste ibérico

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 163-181176

Fig. 3 SigillatasafricanasdoséculoIvd.C.emAljustrel.

Sigillatas claras de Aljustrel: a crise do século II d.C. nas minas do Sudoeste ibérico Macarena Bustamante Álvarez | Juan Aurelio Pérez Macías | Artur Martins

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 163-181 177

comonúcleosujeitoaointervencionismoimperialpossuiriaumaredecomercialbastantehete-rogénea.

éinteressantereferircomoasformasmaistardias(casodasHayes14,15,16ou17­,assimcomoasimitaçõesdosgrandespratossemelhantesàsformasdevermelhopompeiano)nãoapare-cem,sendoformasquecomeçamasurgirnoperíododeSevero,noqualseinsereocontextodacrisemineira.ComparandocomoscasosmaisbemestudadosnaPenínsulaIbérica,verificamosqueBaelo continuaaserosítioprincipalnoquerespeitaàocorrênciadestas formasde sigillata ClaraA,alcançando21,90%(Bourgeois&Mayet,1991),enquantoemConimbrigaapenaschegaaos0,41%(Delgado,Mayet&Alarcão,197­5)erepresentaolimitesetentrionaldestaprodução(Qua-resma,1999a,p.17­3).OutroslocaiscompresençadestascerâmicassãoTróia(1%),IlhadoPesse-gueiro(2,8%),Morè(0,3%),Represas(3,1%),SãoCucufate(3,1%),Azeitada(0,02%),Povos(0,3%)eSantarém(0,2%)(Quaresma,1999a,pp.17­1-17­2).

Queremossublinharqueestasformasdevemsercotejadascomasquenesteperíodosurgemcomosigillatahispânica,jáqueaapariçãodeumapressupõeodesaparecimentodaoutra.Esteéumfactoesquecidohojeemdia,pretendendo-seestabelecerlimitesentreelas,semteremcontaqueparaoestudodatransiçãodoséculoIaoséculoII,asmesmasdevemserestudadasconjuntamente,comodefendemalgunsautores(Martín,1969,pp.151-17­5).Nestesentido,asproduçõesdesigilla-tashispânicasalto-imperiaisrecolhidasemVipascaparecemapontarparaoqueMezquíriz(1961)chama“estilogeométrico”,supostamenteopontodequebradestaprodução,jáqueapercenta-gemdoseuaparecimentoéclaramenteinferioremnúmero,emcomparaçãocomasdecoraçõesfitomórficas.

JuntamentecomestepredomínionaviragemdoséculodasformasdeARSW,aocorrênciadesigillatasC,característicasdasegundametadedoséculoIIe iníciodoséculoIIInãoestáconfir-mada,factoqueapontaparaumagravecrisecomercialdequesóirárecuperarnoséculoIv,alturaemqueseiráreatarocomércioafricanocomachegadadasARSW-D.

Numaprimeiraobservaçãodasproduções,notamosumaalteraçãoquantoàsuamorfolo-gia; assim, as formas tornam-se mais abertas, como grandes pratos, catini e catilli, indicativosclarosdeumaalteraçãodadietaedocomportamentoculinário,talvezfrutodoaparecimentodeumnovocredo,ocristão,ondeoságapesearefeiçãoemcomunidadesãofrequentes.Destemodo,sãodeapariçãofrequenteentreosanos400e450asmalgasdotipoLamb.54/Hayes61b(Fig.3,1),debordoverticaletriangularvertidosparaointerior,factoquetambémocorrecomasgran-desmalgasdostiposHayes32-33(Fig.3,3),característicasdeARSW-A/D.Deigualmodo,existeumagrandequantidadedefundosquenãoépossívelatribuircomsegurançaanenhumaformacerâmica(Fig.3,4-7­).Adecoraçãoestampilhadatambémmarcapresençaemduaspeças,comosstampi23-24deHayes (círculoconcêntrico)eosegundomotivogeométrico,quetambémaparececombinadocomoprimeiro(quadradodecoradointeriormente).Apesardenãoexistirparaelasumacronologiaexacta,ofactodeseremelementosgeométricosinclui-asnasprimeirasprodu-çõesdesigillatasclaras,umavezqueassegundassecaracterizamporpossuirfiguraçõesdetipocristão,que,atéaomomento,nãoencontrámosemVipasca.Porisso,estamosperanteelementosquecorrespondemaoestiloA,oprimeiroestilodeHayes(197­6)eSalomonson(1969,pp.4-109),quesituacronologicamenteosmateriaisentreosanos320e460d.C.

Noquerespeitaaoutrossítiosarqueológicosquetomámoscomoreferênciacomparativa,Baeloregista21,15%,Conimbriga13%eemMirobrigaumforteregisto(Quaresma,1999b,pp.68-82).De igual modo, a sua aparição em Aljustrel também se verifica na necrópole de valdoca, onderegistamosumainteressantequantidadedestaspeças,outraprovadoressurgimentodopovoadonoséculoIvd.C.(Alarcão&Alarcão,1966).

Macarena Bustamante Álvarez | Juan Aurelio Pérez Macías | Artur Martins Sigillatas claras de Aljustrel: a crise do século II d.C. nas minas do Sudoeste ibérico

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 163-181178

Deixandodeladoestesaspectosdetipologia,consideramosqueoaparecimentodestascerâ-micasdeorigemnorte-africananãoémaisqueoreflexodeumcomércioexistenteentreaprovín-ciaproconsulareaHispania.Porconseguinte,devemosenfatizaraexistênciadetrocascomerciaisquecomeçamaenfraquecerconsideravelmentenoúltimoquarteldoséculoIId.C.,sobretudoemépocasevera,alturaemqueVipascanãopossuíacapacidadeeconómicaparamanteressescontac-toscomerciais.Deigualmodo,Delgado,MayeteAlarcão(197­5,p.251)járeferiramaregiãoaosuldoTejocomoaprincipaláreareceptoradestesprodutos,estandoVipascaaíintegrada.

EstecomportamentodocentromineirodeAljustrelécomumaoutrasminasimportantesdoSudoeste,comosepodecomprovarnas formasde sigillataAfricanadeRiotinto (Fig.4) (Mayet,197­0).

Noquedizrespeitoàdinâmicacomercial,seguimosaregradomomento,queapontaparaquesejamaisverosímilachegadadeprodutosporviamarítima-fluvialqueporviaterrestre.Istopodemosconstatarclaramenteemépocaalto-imperialcomassigillatasdefabricohispânico.Assim,enquantonoconjuntopeninsularsãoasproduçõestritiensesqueaparecememnúmeroesmaga-dor,nocasodevipascasãopredominantesasbéticas.Estefactopodeterorigemnapróprianatu-rezadocoutomineiro,umavezqueestamosperanteremessasdecerâmicacompradasporconces-são,deformaareduzirgastos.EstascerâmicaseramasmaisbaratasdomercadoeasmaisfáceisdetransportarporviafluvialBaetis-Atlântico-Anas (Guadiana)—PortodeTaviraedeaquiporviaterrestreparaVipasca.Porisso,nãoserádeestranharquesejammaioritáriasnaregião,talcomoterásucedidocomasânforasbéticas,que,comojáreferimos,sãoigualmenteabundantesnestecoutomineiro.

Parapodermosconheceradinâmicacomercialentreestaregiãoeazonaproconsular,tere-mosqueavaliaraorganizaçãodocomércio.Apartirdosvestígiosdenaufrágiosprocedentesdaproconsular, Tortorella não tem dúvida em considerar estas produções como sendo elementossecundáriosdecarregamentosdegrandevolume,casodasânforas,ouformandoparelhacomascerâmicasafricanasdecozinha(Tortorella,1981,pp.355-380).NumaanálisedasrestantespeçasencontradasemAljustrel,podemosverificarcomoasânforasafricanas,dotipoAfricanaI,easproduçõesafricanasdecozinhadostiposOstiaI,261,OstiaIII,267­eHayes23Adãomostrasdeumcomércioincipientecomessaprovíncia.

Pelo contrário, podemos verificar uma ausência total de outras peças características desteperíodo,casodascinzentaselaranjaspaleocristãs,LateRomanCeDouasLucentes,que,comoconstatamosnossítiosdeMérida(vázquezdelaCueva,1985),Conimbriga, MirobrigaouBaelo,pos-suemumíndicedeocorrênciaconsiderável,oqueapontariaparaumpadrãodeconsumomuitorestringido,frutotalvezdointervencionismoimperialemáreasmineiras.

NaestratigrafiadeCortalago,oúltimoepisódiodeocupaçãoalto-imperialestárepresentadoporsigillatasafricanasjuntamentecomsigillatashispânicas.Dentrodasafricanas,oconjuntoformalincluiosmesmostiposjádescritosemAljustrel:Hayes3,6,8,10,14,18e23,justamenteasformasquemarcamoabandonodopovoadoaotempodeMarcoAurélioeiníciosdaépocasevera(PérezMacías,1998,figs.3-15).

Conclusões

OsdiversostrabalhosarqueológicosdesenvolvidosnaFaixaPiritosaIbéricapermitiramreco-nhecerqueosprincipaismetaisexploradosnestasminasnaAntiguidadeforamaprataeocobre.Adiferentecomposiçãodecadaumadasmineralizaçõespresentesnazonasulportuguesapermitiu

Sigillatas claras de Aljustrel: a crise do século II d.C. nas minas do Sudoeste ibérico Macarena Bustamante Álvarez | Juan Aurelio Pérez Macías | Artur Martins

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 163-181 179

Fig. 4 SigillatasafricanasdoséculoIId.C.emRiotinto.

Macarena Bustamante Álvarez | Juan Aurelio Pérez Macías | Artur Martins Sigillatas claras de Aljustrel: a crise do século II d.C. nas minas do Sudoeste ibérico

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 163-181180

quetodasasminaspudessemproduzirambososmetaisaomesmotempoouisoladamente,exis-temminasemquesãoconhecidosescoriaisdeprataecobre(RiotintoeTharsis),outrasapenascomescoriaisdeprata(SotielCoronada,CuevadelaMora,Buitrón,SanPlatóneSãoDomingos),porúltimo,minascomescoriaissódecobre(AljustreleAguasTeñidas).éproblemáticotentardetermi-naraimportânciadaquantidadeprodutivadecadaumadestasminas,umavezqueacomparaçãosimplesdatonelagemdosescoriaispodeconduziraerrosdeavaliação.Assim,amaiorquantidadedeescóriasdeprataemRiotintonãonosinibedeafirmarqueseproduziumaisprataquecobre,umavezqueobaixoteordepratanamineralizaçãogerariaumamaiorquantidadedeescória.

Apesar destas limitações, parece claro que Riotinto foi a principal produtora de prata daregião,enquantoAljustrelfoiaprincipalprodutoradecobre.Destemodo,ocomportamentodaevoluçãodamineraçãonestescoutosmineiros,tãodistintosnassuasformasdeprodução,oferece--nosumaexcelenteoportunidadedeaprofundaraquestãoqueestamosatratar,podendoconcluir--seque,nasduasminas,acriseocorreuaomesmotempo.Pareceevidentequeacrisemineiranãotemnadaquevercomoesgotamentodominérioricodosfilões,massim,comodefendeG.Chic,comumacriseestruturalquesereflectenumdossectoresmaisimportantesdaeconomiadoImpé-rio,aproduçãodemetais.

NOTAS

* Arqueóloga,UniversidadedeCádis.** Arqueólogo,ProfessordoDepartamentoHistóriaI–

ÁreadeArqueologia–daFaculdadedeHumanidades daUniversidadedeHuelva*** Arqueólogo,CoordenadordoMuseuMunicipaldeAljustrel

BIBLIOGRAFIA

ALARCÃO,J.;ALARCÃO,A.(1966)-Oespóliodanecrópoleluso-romanadevaldoca(Aljustrel).Conimbriga.Coimbra.5,pp.7­-104.

ALvES,H.(2002)-Rotasdominério.InMineração no Baixo Alentejo, II.Castroverde:CâmaraMunicipal,pp.145-17­3.

BLANCO,A.;LUzÓN,J.M.ª(1966)-Minerosantiguosespañoles.Archivo Español de Arqueología.Madrid.36,pp.7­3-88.

BLANCO,A.;ROTHENBERG,B.(1981)-Exploración arqueometalúrgica de Huelva.Barcelona:Labor.

BOURGEOIS,A.;MAYET,F.(1991)-Fouilles de Belo. VI: les sigillées.Madrid:Casadevelázquez.

CABALLOSRUFINO,A.(1994)-Italica y los italicenses: aproximación a su historia.Sevilla:JuntadeAndalucía.

CANTO,A.M.(2003)-Frugifer Augustae Emeritae.AlgunasnovedadessobreelepígrafedelprocuradorimperialSaturninusyelgranmitreode

Mérida.InUrbs aeterna: actas y colaboraciones del Coloquio Internacional Roma entre la Literatura y la Historia: homenaje a la profesora Carmen Castillo.

Pamplona:UniversidaddeNavarra,pp.303-337­.

CARANDINI,A.;TORTORELLA,S.(1981)-Laceramicaafricana.InAtlante delle forme ceramiche 1. Ceramica fine romana nel bacino mediterraneo

(medio e tardo impero) (Enciclopedia dell’Arte Antica Classica e Orientale).Roma:IstitutodellaEnciclopediaItaliana.

CAUUETB.;DOMERGUE,C.;DUBOIS,C.(1999)-LaproductiondecuivredanslaprovinceromainedeLusitanie.Unatelierdetraitement

dumineraiàVipasca.InÉconomie et territoire en Lusitanie romaine.Madrid:Casadevelázquez,pp.27­9-306.

CAUUETB.;DOMERGUE,C.;DUBOIS,C.(2002)-Mined’Aljustrel(Portugal),fouillesarchéologiquesdanslesanciensréseauxminiersdes

Algares.InMineração no Baixo Alentejo, II.Castroverde:CâmaraMunicipal,pp.38-88.

CHICGARCíA,G.(2005)-MarcoAurelioyCómodo.Elhundimientodeunsistemaeconómico.InLa Hispania de los Antoninos (98-180).

valladolid:Universidad,pp.567­-586.

DELGADO,M.;MAYET,F.;ALARCÃO,A.(197­5)-Fouilles de Conimbriga, IV. Les sigillées.Paris:DeBoccard.

DOMERGUE,C.(197­2)-RapportsentrelazoneminièredelaSierraMorenaetlaplaineagricoleduGuadalquivirál’époqueromaine:notes

ethypothèses.Mélanges de la Casa de Velázquez.Madrid.8,pp.614-622.

DOMERGUE,C.(1983)-La mine antique d’Aljustrel (Portugal) et les tables de bronze de Vipasca.Paris:DeBoccard.

Sigillatas claras de Aljustrel: a crise do século II d.C. nas minas do Sudoeste ibérico Macarena Bustamante Álvarez | Juan Aurelio Pérez Macías | Artur Martins

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 1. 2008, pp. 163-181 181

DOMERGUE,C.(1987­)-Catalogue des mines et des fonderies antiques de la Péninsule Ibérique.Madrid:Casadevelázquez.

DOMERGUE,C.(1990)-Les mines de la Péninsule Ibérique dans l’Antiquité romaine.Roma:écoleFrançaisedeRome.

DOMERGUE,C.;FREIREd’ANDRADE,R.(197­1)-Sondages1967­a1969àAljustrel(Portugal).Notepréliminaire.Conimbriga.Coimbra.

10,pp.99-116.

ESTORNINHO,A.;MARTINS,A.;RAMOS,C.;MURALHA,J.(1994)-OpovoamentodaáreadeAljustrel.SeuenquadramentonaFaixaPiritosa

Ibérica.InArqueología en el entorno del Bajo Guadiana: actas del Encuentro Internacional de Arqueología del Suroeste. Huelva:Universidad,pp.27­-37­.

FERREIRA,Odav.;FREIRED’ANDRADE,R.(1964)-Algumasmarcasdeoleiroemterrasigillatadevipasca(Aljustrel).Revista de Guimarães.

Guimarães.7­4,pp.317­-322.

HAYES,J.W.(197­2)-Late Roman pottery.London:TheBritishSchoolatRome.

HUNTORTIz,M.A.(2003)-Prehistoric mining and metallurgy in South west Iberian peninsula.Oxford:Archaeopress.

LAMBOGLIA,N.(1941)-TerraSigillataChiara.Revista di Studi Liguri.Bordighera.7­,pp.7­-22.

MARTíN,G.(1969)-Consideracionessobrelaterrasigillatahispanica,mauritanaylasigillatachiaraenMarruecos.Saguntum.valencia.6,

pp.151-17­5.

MARTINS,A.(1996)-Aljustrel,aminaeamineraçãonaAntiguidade.InMineração no Baixo Alentejo, I.Castroverde.CâmaraMunicipal,

pp.94-114.

MAYET,F.(197­0)-ParoisfinesetcéramiquesigilléedeRiotinto(Huelva).Habis.Sevilla.1,pp.139-17­6.

MEzQUíRIzDECATALÁN,M.ªÁ.(1961)-Terra sigillata hispánica.valencia:TheWilliamL.BryantFoundation.

NOCETECALvO,F.,ed.(2004)-Odiel. Proyecto de investigación arqueológica para el análisis del origen de la desigualdad social en el Suroeste de la Península

Ibérica.Sevilla:JuntadeAndalucía.

QUARESMA,J.C.(1999a)-Terrasigillataafricana,hispânica,foceensetardiaecerâmicaafricanadecozinhadeMirobriga(SantiagodoCacém).

Conimbriga.Coimbra.38,pp.137­-200.

QUARESMA,J.C.(1999b)-Terra sigillataafricanaDefoceensetardiadasescavaçõesrecentesdeMirobriga.Revista Portuguesa de Arqueologia.

Lisboa.2:2,pp.69-81.

PARREIRA,R.(1984)-Intervençãodeemergêncianopovoadomineiroromanodevipasca(Aljustrel).Informação Arqueológica.Lisboa.4,

pp.135-144.

PéREzMACíAS,J.A.(1996)-La metalurgia extractiva prerromana en Huelva.Huelva:Universidad.

PéREzMACíAS,J.A.(1998)-Las minas de Huelva en la Antigüedad.Huelva:Universidad.

PéREz,J.A.;GÓMEz,F.;ÁLvAREz,G.;FLORES,E.;ROMAN,M.L.;BECK,J.(1990)-ExcavacionesenTharsis(Alosno,Huelva).Estudios

sobrelamineríaymetalurgiaantiguas.Boletín de la Asociación Española de Amigos de la Arqueología.Madrid.28,pp.5-12.

PéREz,J.A.;RIvERA,T.(2004)-LasexplotacionesantiguasenlasminasdeCala.InMetallum: la minería suribérica.Huelva:Universidad,

pp.69-105.

PITA,L.(1995)-UmconjuntodelucernasdaCasadoProcurador.Vipasca.Aljustrel.4,pp.15-33.

PITA,L.(2001)-ApresençaromananoconcelhodeAljustrel.Vipasca.Aljustrel.10,pp.9-27­.

ROTHENBERG,B.;GARCíA,F.;BACHMANN,H.G.;GOETHE,J.(1990)-TheRíoTintoenigma.InMinería y metalurgia en las antiguas

civilizaciones mediterráneas y europeas, I.Madrid:MinisteriodeCultura,pp.57­-7­1.

SALKIELD,L.U.(197­0)-AncientslaginthesouthwestoftheIberianpenínsula.In La minería Hispana e Iberoamericana. Contribución a su estudio.

León:Cátedra,pp.85-99.

SALOMONSON,J.W.(1969)-SpätrömischeroteTonwaremitReliefverzierungausnordafrikanischeWerkstätten.Entwicklungsgeschichtliche

UntersuchungenzurreliefgeschmücktenTerraSigillataChiaraC”Bulletin Antieke Beschaving.Leuven.44,pp.2-109.

SCHATTNER,T.G.;OvEJERO,G.;PéREz,J.A.(2005)-AvancessobrelaproducciónmetalúrgicaenMunigua.Habis.Sevilla.36,pp.253-27­6.

SERRANORAMOS,E.(2005)-Cerámicasafricanas.InROCAROUMENS,M.;FERNÁNDEzGARCíA,M.I.-Introducción al estudio de la cerámica

romana.Málaga.

TORTORELLA,S.(1981)-Ceramicadiproduzioneafricanaerinvenimentiarcheologicisottomarinidellamediaetardaetàimperiale:analisi

deidatiedeicontributireciproci.Mélanges de l’École Française de Rome - Antiquité.Roma.93,pp.355-380.

TRINDADE,L.;DIASDIOGO,A.M.(1995)-ÂnforasromanasdeAljustrel.Vipasca.Aljustrel.4,pp.11-14.

vÁzQUEzDELACUEvA,A.(1995)-Sigillatas africanas en Augusta Emerita.Mérida:MuseoNacionaldeArteRomano.

vIANA,A.;FREIREd’ANDRADE,R.;vEIGAFERREIRA,O.dav.(1954)-MineraçõesromanasdeAljustrel.Comunicações dos Serviços Geológicos

de Portugal.Lisboa.35,pp.7­9-92.

WICKERT,L.(1931)-BerichtübereinezweiteReisezurvorbereitungvonCIL,II,Suppl2.Sitzungsbeerichte der Preussischen Akademie der

wissenschaften philosophisch-historische Klasse.Berlin,pp.835-839.