8/16/2019 SILVA, Joselina - I Encontro Nacional de Mulheres Negras
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Joselina d Silva
Amauri Mendes Pereira
· Organizadores)
Movimento de Mulheres Negras:
escritos sobre os sentidos
de
democracia
e justic;a social no Brasil
Ana Cristina
Conceic;ao Santos
Amauri
Mendes
Pereira
Georgina Helena Lima Nunes
Ivan Costa Lima
Janaina Damaceno
Joselina da
SUva
Kia Lilly C aldwell
Lady
Christina de Almeida
Maria Aparecida
Silva
Belo Horizonte - 20
4
8/16/2019 SILVA, Joselina - I Encontro Nacional de Mulheres Negras
2/15
Encontro
Nacional de Mulheres
Negras: o pensamento das
feministas
negras na
decada
de 1980
Joselina da Sllva
Universidade Federal do eara
Os
anos 1970 e 1980 apontam para o surgimento de grupos or
ganizados em quase todo o pais: Rio de Janeiro Aqualtune, Lu
zia Mahin, Grupo de Mulheres Negras
do
Rio de Janeiro, Nzinga
Coletivo de Mulheres Negras, Centro de Mulheres de
Favelas
e
Periferia); Sao Paulo Coletivo de Mulheres Negras de
SP,
Coleti
vo de Mulheres Negras da Baixada Santista, alem de organiza¢es
existentes
na
periferia de Sao Paulo); Bahia Grupo de Mulheres
do MNU, Grupo de Mulheres do Calabar e outros); Maranhao
Grupo de Mulheres Negras Mae Andreza) etc. Em termos insti
tucionais, vamos encontra-las
no
Conselho Nacional e nos Con
selhos Estaduais e Municipais da Mulhe r destacando-se a
Co-
missao de Mulheres Negras do Conselho Estadual da
Condil ::io
Feminina de SP) .. Enquanto isso, a nivel internacional, sua pre
sen ? se
£ z
visivel nos encontros e congressos, argurnentando e
conseguindo intro duzir a dimensao racial nas analises feministas.
Ulia
Gonzales
s
informa¢es contidas nesta longa
i t ~ o
comportam pen
s c
que,
num
perlodo
de
intensa
n i c i p ~
da sociedi de civil e
do
femfnismo em
geral,
as
mulheres negras estavam. inseridas
na
seara
dos movimentos sociais daquele deceruo. 0 Movi ment o
de
Mulheres
Negrasbrasileiras contabiliza, nos elias atuais, presens:a em grande par-
te dos estados da
e d ~ o
indo
de
ONGs mais intemacionalmente
conhecidas a grupos organizados em tomo de entidades mistas.
1
1
Vcr mai.s informa.;iies oo hnp://www.amnb.org.br/site
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3/15
MOVIMENTO DE
MULHERES
NEGRAS
Paraldamente, constata-se, ainda hoje, por parte de progra
mas diversos- notadamente na rede dos NEABs- a r e s e n ~ de urn
grande
s f o r ~ o
no sentido de estimular maiores pesquisas dedicadas
aos movimentos sociais negros, precipuamente com o recone de ge
nero.
No
en anto, percebemos a ausencia de urna robusta bibliogra
fia, voltada a dialogar teoricamente, a respeito das mulheres negras e
o seu pensamento,
em
diferentes tempos hist6ricos. Paralelamente,
diversos tern sido os estudos sobre o movimento feminista no Bra
sil, dedicados aos seus prim6rdios organizativos. Em nlimeros mais
modestos - porem crescentes - encontram-se os trabalhos que se
prop6em a analisar o Movimento Negro. Contraditoriame nte, pou
co se tern publicado sobre
as
inlimeras oponun idade s organizativas
do I E ncontro Nacional de Mulheres Negras (I ENMN .
Nesta dire«;:io, este texto se prop6e a contribu ir para a atra«;:io
de interesses de pesquisa e produ«;:io neste ambito. Nosso intuito e
abordar urn dos momentos referenciais para a organiza«;:io das
mu
lheres negras brasileiras, o seu I Encontro Nacional, ocorrido em
dezembro de 1988, construido por urna ampla anicula«;:io nacio
nal de mulheres oriundas das cinco regi6es do Pais.
3
Esta reflexao
surge, tambem,
da
necessidade de comungar experiencias vividas e
compartilhadas eor e com urn grupo de mUlheres ativistas dos anos
1980 no Rio de Janeiro.
Diversos,
ponanto,
podem ser os recones quando se preten
de abordar fatos referentes ahist6ria social, nota
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'I
i
I
I
;
'
I
I
;
:
i
0
MOVIMENTO DE MULHERES NECR S
surgimimto
se
dio paralelo
a
expansidn
de
un
amp_lio y
heterogineo
movimimtopopular
de mujeres expresando
las difermtes
formas
m
que
las mujeres comenzaban a mtmder
conectar
y
actuar
sobre su
situacidn de subordinacidn y exclusidn. (VARGAS, 2002, p. 202)
Por esta 6tica,
as
epfgrafes nos trazem
as
tens6es presences
no feminismo em esferas
para
alem das fronteiras brasileiras. Antes
de prosseguir, acredito que seja imperioso contextualizar aqueles
como os anos em que as discuss6es sobre e pelas mulheres cam
peavam nos diversos cen:irios nacionais. Foi urn perfodo marcado
peio ressurgimento e maior poder de r t i c u l a ~ o e i s i b i l i z a ~ o dos
movimentos feministas e seu ide:irio, baseado, sobretudo, no prin
dpio de transformar o privado em publico e vice-versa. Revertia-se
em palavra de ordem a expressao
0
"pessoal e politico". Este
slogan
tornou-se marco da segunda onda do feminismo
4
• Tratava-se de
pensar que 0 cotidiano, no ambito das esferas domesticas e/ou pes
soais, nao estava apartado da vida social e das
r e l a ~ 6 e s
de poder
nele contidas. Logo,
as
conex6es entre os sexos, sobretudo repre
sentadas pelas desigualdades entre
eles,
epermeada pelos amoitos
publico e privado. {C£ OKIN,
2008}
Urn grande momento, em esfera internacional, constituiu
se
urn demarcador de
m o b i l i z a ~ 6 e s
no interior das fronteiras
nacionais brasileiras. Refiro-me ao Ano lnternacional da Mulher,
promovido pela
O r g a n i z a ~ o
das
N a ~ 6 e s
Unidas {ONU) em
1975.
Embora ocorrido na decada anterior, foi nos anos
1980
que suas influencias foram melhor observadas no Brasil.
Em
consequencia, v:irias atividades tiveram lugar
em
diferentes
cidades do Pais, dando luz aos debates sobre direitos e cidadania
para
as
mulheres. Estimulava-se, desta forma, a c r i a ~ o de
iliferentes grupos.
s
ruas,
p r a ~ a s
sindicatos, universidades,
bern como as esferas governamentais, foram, em grande medida,
apoderados pelas mulheres organizadas e suas refiex6es:
No
Brasil, o a v a n ~ o do Movimento de Mulheres desde 1975,
pode ser avaliado na participac;:io cada vez maior de mulheres
nos IX Encontros Nacionais Feministas, na criac;:io do Conselho
• Para
maiorcs
rdlcx6es
sobrc o tcma, sugcrimos: Okin, Suzan Moller. Genera, o publico c o
privado.
evista
cstudos
feminisau.
V. 7. Florian6polis,
n.l 2
(199).
jOSELIN D SILV a M URI MENDES PEREIRA (ORcs.)
Nacional dos Direitos da Mulher e de mais 26 Conselhos Esta
duais e Municipais com a mesma finalidade e das Ddegacias de
Mulheres. Estas organiza¢ es caminham no sentido de sensibili
zar setores nacionais, a fun de formularem-se politicas publicas
que visem a reduzir as desigualdades entre homens e mulheres
na
nossa sociedade, na med iaa em qu e escudos tern COII).provado
q _ ~ e
quanto mais organizadas
as
mulheres maior o atendimento ..
lNZINGA, 1988)
Ha
urna tendencia, na literatura que aborda
as
quest6es rela
tivas ao Movimento de Mulheres Negras, nos anos
1970 e 1980, a
classificar
as
feministas" como
se
fossem urn grupo homogeneo e
de ideologias iguais. Embora nao se percebam OS oebates e
as
con
tendas em
r e l a ~ o
ao Movimento de Mulheres Negras nesses tra
balhos, pode-se, notadamente, compreender
as
inHuencias e
vis6es
pollticas e ideol6gicas, permeando grupos e
lideranfi:35.
Assim, em
1975,
surge o CMB (Centro da Mulher Brasileira) no Rio de Janei
ro. Uma primeira dissidencia fez surgir o Coletivo de Mulheres
em
1979. Do s
anos mais tarde, urna s ~ d cisao leva a
r i a ~ o
do
SOS Mulheres. (C£ SOIHET,
2007)
0 retorno das exiladas (so
bretudo da Europa e dos EUA) trouxe novas
c o n t r i b u i ~ 6 e s
ao mo
vimento no Rio oe Janeiro, 0 que ajudou a diversificar ainda
mais
as
mwtiplas vis6es sobre
0
feminismo e
as
formas
de_ i m p l e ~ e n t a r
sua pnixis. Havia, portanto, tens6es sobre olhares diferenoados a
serem seguidos pelo movimento ja desde
os
anos
1970.
A decada seguinte marcou a r e a l i z a ~ o e expansao dos En
contros Nacionais Feministas em diferentes regi6es do
Pais,
carre
ando urn nlimero cada vez maior de mulheres para o ambito das
discuss6es. Assinalou, tambem, a sua a p r o x i m a ~ o e inclusao nas
agendas dos partidos
o l i ~ c o s como
surg mento c o ~ t e s femini
nos. Ampliaffi-se
as
reflexoes sobre
as
mulheres no mteno r de alguns
sindicatos e s s o c i a ~ 6 e s de moradores, so para citar alguns. Surgem,
nesse periodo, os conselhos. 0 primeiro foi o Conselho da Con
d i ~ o
Feminina do Estado de-Sao Paulo, criado em
1983
e, pouco
d e ~ i s o CNDM (Conselho N a c ~ o n a l dos Direitos da ~ ~ e r }
criado em
1985.
Era a questao de genero e a agenda do femuusmo,
entao sendo inserida no ambito do Estado.
Fortemente inHuenciado pela academia estadunidense, no
vos
lugares de reflexao, analises e pesquisas - estabelecidas a par tir
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I
MOVIMENTO DE MULHERES NEGRAS
daqude
decenio - foram OS nucleos de estudos de genero
em
v:irios
programas de universidades brasileiras. Reflex6es acumuladas desde
a decada anterior sabre a questao das violencias contra
as
mulheres
dao Iugar a onstituir;:io da ddegacias especializadas para
as
mulhe
res, sendo a primeir a na Capital Paullsta
em 1985.
Ampliava-se o
es_pac;:o
para se discutir
em
torno das quest6es
ligadas
a
sexualidade feminina. Assim, temas
como
aborto, con
t r c e ~ o e seus direitos, bern como prazer - que antes eram
da
seara
do
privado e,
por
conseguinte,
nao abordidos
publicamente
- tornaram Iugar de referenda na sociedade. Todos incentivados a
partir de urna nova visao apresentada notadamente pdo feminismo
internacional. Mediante esta breve apresentac;:ao, pode-s e observar
que
a questao das mulheres era parte integrante
de vcirias
agendas,
fossem clas politicas, intde ctuai s
ou
ativistas. Naquda conjuntura, a
discussao voltadaa acialidade na sociedade brasileira,
ainda
menos
a intersedonalidade entre
rac;:a
e genera, ocupava
espac;:o
lnfimo
na
agenda feminista.
caminho do I Encontro Nacional
e
Mulheres Negras
Falar daquele encontro, a
partir
de urna perspectiva das
mulheres
negras
do Rio de
janeiro-
ja que
ele e
de muitas outras
de
diferentes estados - e, antes
de tudo, abordar
o I
Encontro
Estadual de Mulheres
Negras,
ocorrido em 1987. Em 1983,
houve
tambem o
Encontro de
Mulheres Negras, organizado pelo
GMN
(Grupo de
Mulheres Negras
do Rio
ae Janeiro)
sob
a co
ordenac;:ao
de
Adelia Azevedo, Abgail Pascoa, Joselina da Silva,
Mary
Isabel e
Vik
Birkbeck,
entre
varias outras.
No mesmo ano,
e criado o
Nzinga-
Coletivo de Mulheres Negras (CALDWELL,
2008},
que tinlia
Lelia Gonzales
como uma de
suas fundadoras.
A cidade ve nascer
tambem,
o Centro
de
Mulheres Negras de Fa
vela e Periferia,
que liderou
o I
Encontro de
Mulheres
de
Favela
e Periferia
em
1983,
fruto
de
pequenos encontros
e reuni6es,
em
varios bairros e cidades do Estado.
Uma
das
prindpais
caracteristicas
do
I Encontro Estadual
de
Mulheres Negras
do
Estado
do
Rio de Janeiro foi garantir, pela pri
meira vez
no
Pais,
que
apenas mulheres afrodescenaentes pudessem
compartidpar.
Os
homens - negros ou brancos - e
as
mulheres
)OSELINA DASILVA •
AMAURI
MENDES PEREIRA 0RGS.)
brancas foram vetados de partilhar do evento. Dito de outra forma,
embora recebendo aportes financeiros oriundos de entidades, par-
lamentares e organizac;:6es feministas brancas, aquela se constituia
nurna oportunidade de
introspecc;:ao organizativa. Para
as
mulheres
negras, se fazia necessaria estar entre suas iguais. Entendia-se, na
quela conjuntura,
que
as mulheres lutavam e deveriam ser visibili
zadas
como
sujeitos politicos nos diversos movimentos sociais e
na
sociedade
em
geral. Esta, certamente, era urna atitude desafiadora a
epoca. Tensoes oriundas de alguns setores do movimento feminista
ai:abaram repercutindo nas cllicuss6es internas
do
encontro.
Outro
grupo que teve dificuldades iniciais de reconhecer a
legitimidade
de
urn encontro apenas
com
a
presenc;:a
de mulheres
negras era constituido por alguns lideres tradicionais do Movimen
to Negro. No entanto, autonomia era a palavra de ordem. Isto e
era imperioso, pa ra
aqude
grupo, a
constituic;:3.o
de uma fala e
de urn espac;:o proprio fossem poss1veis de ser compilados a partir
de
uma independencia,
em rdac;:ao
aos homens , mUlheres brancas,
partidos politicos ou mesmo insclncias governamentais.
Uma
expressiva articulac;:ao
de
mulheres negras
do
Rio
deJa
neiro - inicia.Imente lideradas
por
Sandra
Bdo, com
a partidpac;:ao
de Joana Angelica, Antonia Nolasco, Joselina da Silva, Maria Jose
Silva, Neusa Clas
Dares
Pereira, entre
vcirias
outras - organizou o I
Encontro Estadual de Mulheres Negras
em
1987, nas dependencias
do Centro de Formac;:ao de
Lideres, na cidade
de
Nova
Iguac;:u
(RJ).
A
esse respeito se referia Lelia Gonzales no jornal
Maioria Falante:
Dais
encontros estaduais foram organizados:
em
Sao Paulo e
no
Rio de Janeiro (este Ultimo,
em
novembro de 1987, teve extraordi
naria participac;:ao, sabre tudo que se pensa no nivel das discuss6es.
(C£
GONZALEZ,
1988)
A
preparac;:3.o
do encontro, q_ue durou quase urn ano, organi
zou reuni6es, debates, seminaries, festas, oficinas, mesas redonaas e
mini-cursos em diferentes bairros da cidade e em municipios diver
sos
do
Estado
do
Rio
de
Janeirp.
Por
vcirios
meses,
em
comunidades
e cidades perifericas da Capital, as integrantes foram sendo inseridas
no
decorrer
de
reflex6es e grupos
de
estudos,
que
precederam o en
contra. Essa performance fez 3largar consideravelinente, o nt1mero
de
integrantes nas v:irias corniss6es, garantindo mais
de
duas cen
tenas de participantes durante o conClave. Pedrina de Deus, atenta
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.
I
.:
I
0 MOVIMENTO
E
MULHERES NEGRAS
articulista e liderans;a
do
movimento desde a decada anterior, assim
se referia ao evento,
nurn
artigo
no
jornal
Maioria
alante {1988):
Confesso que
fui
ao Encontro de Mulheres Negras psicologica
mente preparada para mais um desgaste. Disc utir nossas quest6es
de
ra'?
em
publico sempre nos reserva algum desgaste. Mas foi
gratificante Para se ter uma ideia da dimensao do evento, mais
de 200 mulheres negras compareceram ... Aprendemos que as
mulheres negras tem a essencia de
t r a n s f o r m a ~ ? o
em suas maos.
0 modelo de desempenho que ocorreu no Encontro Estadual
de Mulheres Negras me apon ta um a nova mulher negra e,
infa-
livelmente um novo Movimento Negro. Elas ocuparam o e s p ~
feminista, com rara cltica revolucionaria. (DEUS, 1988)
· Percebe-se, portanto, que aqudes eram anos ferteis de articu-
l ~ o e o r g a n i z a ~ o social daS mulheres negras
no
Estado. Exemplo
do que apresento e 0 futo de, exatamente naqude momenta, tres
mulheres oriundas
do
movimento - sendo urna atuante
no
movi
mento de &vela e outras duas do GMN {Grupo de Mulheres Ne
gras)
do
Rio
de
Janeiro-
terem ido a Lima,
no
Peru, participar
ao II Encontro Feminista
da
America Latina. A decada anterior ja
testemunhava a
c o n s t i t u i ~ o de
urna consciencia feminista
por
par
te das mulheres negras
no
Rio de Janeiro, como apontado
por
Lelia
Gonzales: Os anos seguintes presenciaram o surgimento de outros
grupos
de
mulheres negras {como Aqualtune, 1979; Luiza Mahin
em
1980; e Grupo de Mulheres Negras do Rio de Janeiro,
em
1982)
gue,
de
urn
modo
ou outro, foram reabsorvidos pdo movimento."
{GONZALEZ, 2008)
0 processo politico e emocional que nos levava a organizar o
I Encontro Estadual, nos fez desejar ir a Garanhuns {PE) participar
do
IX Encontro Nacional Feminista. A comissao organii.adora do
I Encontro de Mulheres Negras
do
Rio de Janeiro, que la esteve,
era composta
por
Sandra Belo,
Antonia
Ines Nolasco, Regina
Cafe, Joana Angelica e Joselina
da
Silva.
Nao
dispUnhamos de
recursos. Conseguirnos ser inseridas nurn onibus, ori?;anizado pdo
movimento feminista, que sairia
da
Assembleia LegiSlativa
do
Rio
e levaria
as
mulheres
para
a Serra Pernambucana. Apos cerca
de
quarenta horas de viagem, chegamos, ainda, na tarde de abertura
@
20@)
)OSELINA
DASILVA • AMAURI MENDES PEREIRA 0RGS.)
do
evento. InUm.eras congratulas;oes e abra'(Os festivos comportaram
aquele momenta. Muitas nao se conheciam, outras nao se viam
desde
as articula¢es
dos encontros
de
Negros
do Norte
e Nordeste
ou de encontros feministas.
Ja no
primeiro dia, as mulheres negras
presentes perceberam a ausencia dos temas
da ras;a
e racimos na
pauta principal
do
referido evento. Sobre aqude
momenta,
assim se
refere Sandra Bello, mais
de
duas decadas apos:
A quest:io de dasse estava entre nos. Mu itas mulheres nao aceita
vam que mulheres negras com
um
outro perfil periferico, auto
noma, suburbano, favelado estivessem a rente do movimento.
Que fossem a vanguarda daquela R e v o l u ~ ? o . Que estavam pra
ticando tese (nao formulando apenas) de ruptura com o euro
centrismo Feminista. Rupt ura com o maternalismo .. onde as fe-
ministas definiam cotas de p a r t i c i p a ~ ? o de Mulheres Negras nos
Encontros. Muitas se acomodaram nessa
c o n d i ~ o
pois acre
ditavam estar representando as Mulheres Negras. Todos os anos
era a mesma coisa e
as
mesmas pessoas nos definindo e determi
nando quantas poderiam participar. As oficinas que se encerra
vam nelas mesmas...
r e f o r ~ ? f i d o
teses distanciadas
da
maioria ..
Ao inves de redamarmos, nos organizamos, fomos quebrando
os sorrisos simpaticos do maternalismo e passamos a rejeitar ..
Por isso, fomos chamadas de agressivas, malucas etc. . . daro
quando se desafia o poder.
5
Aqude
era urn momenta em que a tecnica da linha da vida
era
muito
utilizada pdo movimento feminista
o
de mulheres ne
gras
com
algtllll:l frequencia se valia
dda. Josdina da
Silva sugeriu,
ent:io, aSandra Bdo - figura de grande e referencialliderans:a na
quele momenta
-
que
organizasse
uma
oficina
com
a citada me
todologia como forma de reunir
as
mulheres negras ali presentes.
A estrategia foi realiz:i-la
nurn
lugar
de
visibilidade,
onde
todas as
presentes pudessem perceber sua ocorrencia. Assim, na pergula da
principal piscina
do
hotd,
comes:amos a nos reunir. Paulatinamente
e nos dias sucessivos, mulheres negras, oriundas das cinco regioes do
5 Sintese de mensagens via e-mail po r Sandra Hdc:na Tom:s Bello - hoje residence na Ale-
manha- mediante nossa s o l i d ~ para que se pronunciasse sobre o IENMN, em 12 de
Janeiro de 2 0 12.
@) 21@)
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7/15
·
0 MOVIMENTO
DE
MULHERES NECRAS
Pais, comer;:aram se assomar ao grupo. A tecnic:a
da
Linha
da
Vida
pressup6e depoimentos divididos
por
momentos diferentes das eta
pas existenciais de
c ada
participante.
Chocava-nos perceber que
faixa
eclria, posilfio geogcifica, Iu
gar social, formalfio academica, ou mesmo
tom
de pele (mais claras
ou
mais escuras), enfim, nada obsraculizava a ac;:ao dos racimos e
sexismos sobre
c:ada
urna de nos. As hist6rias eram muito asseme
lhadas. Mesmo quando o relato se referia a tenras idades.
Ligrimas
de tristeza, contentamento, emos:io ou revolta foram vertidas
em
grande quantidade,
naqudas
manhas
ou
rardes
no ano
de 1987,
em Garinhuns
(PE). Para muitas, era a primeira oport unidade de
publicizar experiencias
de dor
ou jubilo, ocultadas e silenciadas
por
raz6es as mais diversas, ten do sempre a ras a como subsidiaria.
As mulheres negras oriundas
do
Rio
de
Janeiro -
que
haviam
ido ao conclave, objetivando estimular urna
articulac;:3.o com vias
a
organizar urn encontro nacional de mulheres negras - foram toma
daS de surpresa. Ativistas de outros esrados tambem esravam ali com
o mes mo prop6sito, sobrerudo as de Sao Paulo (Capital e Santos) e
algumas do Nordeste.
Os
encontros produzidos
pda
oficina
da
inha
da
Vida
perfi
zeram urn caldo cultUral e politico para as primeiras reunioes, clan-
do
vez ao nascedouro
do
I
Encontro
Nacional
de
Mulheres Negras
IENMN),
planejado para o ano seguinte. Assim, alem
da
oficina,
passaram a ocorrer, durante o IX Encontro Nacional Feminista, as
coalizoes para o que viria a ser o IENMN. Toda esta movimenrac;:ao
propiciou urn cliina de certa animosidade no interior do evento. As
mulheres negras -
embora
sem destaques
no
tem:irio -
ganharam
Iugar de visibllidade, sendo
por
vezes tachadas de fomentadoras de
cisOes por
parte de
algt.J?la5
das feministas mais hist6ricas
no mo
vimento. T:ilvez esta tenha sido a razao pda qual,
em
novembro de
1988 (mais
de
urn
ano
ap6s}, o Boletim I
do IENMN
trouxesse
as
seguintes
afirmac;:6es no
seu editorial:
Gastariamas de deixar clara que naa enassa
i n t e n ~ a
pravacar
urn racha nos movimentos sociais como alguns nos acusam.
Nosso objetivD eque n6s, mulheres negras, comecemos a criar
nassos pr6prios referenciais, deixando de alhar a mundo pda
6tica do h o m e ~ tanto o negro quanta o branco, ou da mulher
branca. (IENMN, 1988) '·
jOSELINA DASILVA
• AMAURI
MENDES
PEREIRA
ORCS
.)
0 IX Encontro Nacional Feminista j:i continha, em si,
urn cerro qu ntum
de
tensao. Note-se
que
est:ivamos nos anos
1980, onde
ainda
se via presenc;:a
importance
dos
movimentos
das CEBs
6
• Assim, urn
numero
referendal ou significative
de
mulheres oriundas dos movimentos cat6licos e rurais integrava o
grupo
das participantes. Seus cantos- ouvidos com frequencia,
em meio
s palestras das lideres feministas - e suas falas pautadas
pela Teologia da Libertac;:ao eram, naquele
momento,
algo
pouco
entendido pelas feministas mais cl:issicas,
que
hi estavam. Algu
mas vezes, Clesabafos
eram
ouvidos
pelos
corredores,
que
preco
nizavam o fim
do feminismo no
Pats.
Nesta ambiencia,
portanto,
as reivindicac;:oes colocadas pe
las mulheres negras acabavam por ser interpretadas como mais
urna seara
de
contenda.
Por outro
lado,
eram
o ecoar das
deman
das
de
urn grupo,
que h:i muito
se via alijado dos processos de par
ticipac;:ao nas lucas contra o sexismo. Vale lembrar que, janos anos
1970,
esta era urna demanda presence na pauta do Movimento de
Mulheres Negras e
que
propiciava choques de visao, pensares e
ideologias conforme pontuado por Abdias do Nascimento
(1978):
m 1975, quando as
feministas
ocidentais se reuniram na
s s o c i a ~ o
Brasileira de Imprensa para comemorar o Ana
lntemacianal da Mulher, das ali compareceram e apresentaram
urn docurnenta em que caracterizavam a s i ~ de apressaa e
e : x p l a ~ a da mulher negra. (NANSCIMENTO, 1978, p. 61-62)
Nurn
texto acidamente critico
em relac;:ao
ao pensamento
e a eoria feminista estadunidense, Bell Hooks (2000) volta-se a
constituic;:3.o do
referido movimento e o perfil das mulheres que o
conformam. A aurora denomina urn seleto grupo de mulheres com
terceiro grau,
de
classe
media
e
media
alta, casadas, donas de casa
entediadas
com
o lazer, a c:asa as
crianc;:as
e as compras, desejosas
de obter
mais
de
suas vidas 7.
N ~ t e
mesmo sentido, Hooks aponta
que aqudas
senhoras
nao
atinavam para o faro
de que
a
liberrac;:ao
que propugnavam representava a inserc;:ao
em
seu Iugar, de outras
• Comunidades Eclcsiais de Base:.
7
Tradut;ao
livre: da aurora.
8/16/2019 SILVA, Joselina - I Encontro Nacional de Mulheres Negras
8/15
I
l
·I
I
I
.,
.
I
I
I
0
MOVIMENTO
DE MULHERES NECRAS
mulheres que desempenhariam a mesma u n ~ o e o lugar destinado
s mulheres feministas. Ain da de acordo
com
a autora, deixavam ao
largo os interesses e
as necessidades
das
mulheres sem crianc;:as, sem
casas e sem homens. Logo, as
mulheres brancas pobres e
as
negras
estavam fora do olhar daS feministas.
Em sua analise, Hoo ks devota-se ao trabalho de Fridan
-
he
eminine
MystiiJ ue
-
que
se
tornou uma
obra formadora
do pensamento feminista
da
contemporaneidade. Assim, prossegue
Hooks (2000): "Racismo
e
arto nos escritos
das
feministaS brancas,
refors:ando a supremacia branca e negando a possibilidade de que mu
lheres se
unici.o
politicamente atraves das fronteiras etnicas e r a c i a i s ~ ~ .
Esta
r g u m e n ~ o
de
Hooks {2000), embora produzida duas
dkadas
ap6s, entra
em
consonancia com o que era apontado por Gonzales
{2008), ao analisar o Movimento Feminista dos anos 1970 e 1 980,
no
Brasil:
"Enquanto isso, nossas expenenaas com o movimento de
mullieres caracterizavam-se como bastante contradit6rias:
quando particip:ivamos de seus encontros ou congresses,
muitas vezes eramos considerados 'agressivas'
ou
'nao feministas'
porque sempre insistiamos que o racismo e suas pr.iticas devem
ser levados em coma nas lutas feministas, exatamente porque,
como o sexismo, constiruem formas estruturais de opressao e
explorac;::io em sociedades como a nossa. Quando,
por
exemplo
denunci:ivamos a opressao e explorac;::io das empregadas
domesticas
por
suas patroas, caus:ivamos grande mal-estar;
afinal, dizlamos, a explorac;::io do trabalho domestico assalariado
permitiu a 'liberac;::io' de muitas mulheres que se engajaram nas
lutas 'da mulher"'
s
admoestac;:oes que ambas as te6ricas fazem referem-se,
portanto ao fato de que vidas, expectativas, visoes de mundo
e desigualdades enfrentadas pelas inauguradoras do feminismo
nao
aoarcaram
as plurais
demandas
das
mulheres
com
urn per-
fil diverse das primeiras feministas. Daf, a dificuldade daquele
grupo em perceber, num encontro ja em sua
nona
e d i ~ o que
as l:irasileiras eram compostas tambem
por
mulheres indigenas,
campesinas e negras.
• T r a d u ~ o livre
da
aurora.
.
~ 4 ~
)OSELINA
DASILVA
•
AMAURI
MENDES PEREIRA
ORCS.)
.
processo de construfio do I Encontro Nacional de
ulheres
Negras
9
I ENCONTRO NACIONAL DE MULHERES NEGRAS nas
ceu da necessidade constante de nossa ORGANIZA 5
8/16/2019 SILVA, Joselina - I Encontro Nacional de Mulheres Negras
9/15
0 MOVIMENTO DE MULHERES NEGRAS
zar o I Encontro Nacional de Mulheres Negras em Salvador
(BA).
Segundo o boletim produzido aepoca, estiveram presentes, na
reuniao, representantes dos seguintes estados: Sergipe, Maranhao,
Distri to Feaeral, Sao Paulo e Bahia. Urn segundo momenta foi or
ganizado em Sao Paulo, agora com a
p a r t i c i p a ~ o
de
urn.
nllinero
maior de ativistas.
Se, em janeiro, a
r e p r e s e n t a ~ o
era de cinco estados, em
mar((O, passou a ser de onze: Acre, Minas Gerais, Rio de Janei
ro, Bahia, Sao Paulo, Parana, Espirito Santo, Para, Goias, Sergipe
e Distrito Federal. As discussoes tiveram lugar entre 19 e 20 ae
mar((O.
Ainda naquele primeiro semestre, ocorreu, de
30
de abril
a 1 de maio, em Brasilia, a reuniao responsavel
por
d r a forma
t a ~ o final ao Encontro Nacional, inclusive defiD.indo o local de
r e a l i z a ~ o : Rio de Janeiro. Questoes como objetivos, temario, me
todologia e titulos das oficinas foram todas definidas em Brasilia.
Embora cada uma das reunioes nacionais tenha sido autora da
melhor e s t r u t u r a ~ o do encontro, foi na cidade de Sao Paulo que
sua
f o r m a t a ~ o
pode ser complementada, mediante a presen'(a de
nove estados
11
•
As
reunioes nacionais deliberaram sabre diversos aspectos
que norteavam a
o r g a n i z a ~ t a o
do I ENMN. Assim, em Brasllia
-como
informa uma carta assinada
em
outubro de 1988 pela
comissao do III Encontro Estadual de Mulheres Negras
{de
Sao
Paulo) - foram criadas duas comissoes, sendo uma executiva e
outra organizadora.
0
documento detalha 0 carater de cada urn
dos grupos. 0 mesmo define, tambem, a categoria da comis
sao executiva, que deveria ser centralizada
no
Rio de Janeiro e
composta por pessoas daquele Estado. A p u b l i c a ~ o prossegue,
determinando a esfera de a t u a ~ t a o do referido grupo: "Delibe
rativo a nfvel de
o r g a n i z a ~ t a o
de infraestrutura, escolha local,
recursos humanos e
e l a b o r a ~ o
do projeto para financiamento;
nao delibera a poHtica a ser levada no Encontro, cabendo essa
tarefa organizativa
a
Comissao Organizadora".
Mato Grosso do Sui, Bahia, Disuito Federal, Maranhao, Goi:is, Rio de Janeiro, Esplrito
Santo, Para e Sao Paulo.
@ 26@)
JOSELINA DASILVA •
AMAURI MENDES
PEREIRA (0RGS.)
A comissao executiva responsavel por organizar o Encontro,
no Rio de Janeiro, era composta por quatorze mulheres negras
12
,
eleitas por voto direto e secreto, logo ap6s a III Reuniao Preparat6-
ria, no Dist rito Federal. Ja a comissao organizadora era formada pe
los estados presentes nas reunifies nacionais {ocorridas em Salvador,
Sao Paulo e Brasilia). Ainda de acordo
como
documento das mi
litantes, a
d i v u l g a ~ o
e a visibilidade do mesmo deveriam ter lugar
hem antes de sua ocorrencia em dezembro. Exemplos disto, temos o
seguinte evento, apontado pelo informativo NZINGA de julho de
1988: "Debate MUlher Negra
eo
apartheid como parte integrante
dos
comemora((Oes
dos 70 anos de Nelson Mandela"
13
• Outr a ativi
dade publica e de grande relevancia para a comunidade negra na ci
dade foi realizada em agosto daquele ano, intitulada "Mulher negra
faz a
festa .
Tratava-se de
urn.
momento cultur l com dan((a, mwica
e performances com artistas da comunidade negra local.
Ainda com o mesmo objetivo de ch m r
aten'(3.o
da opiniao
publica para o I
ENMN
foi organizado
urn.
certame para a escolha
aa identidade visual do evento atraves da c r i a ~ o de urn. cartaz.
0
concurso intitulava-se 0 encontro e nacional e o concurso tam
hem " e a
i v u l ~ o
dizia:
Companheira:
voce
que e desenhista profissional, esrudante ou
simplesmente tem aquele jeitinho para desenhar, participe do
concurso para a r i a ~ d identidade visual do
1
ENCONTRO
NACIONAL DE MULHERES NEGRAS. erie e envie logo o
seu trabalho, companheira. 0 encontro Nacional e nosso e o
. concurso, e daro, tambem.
0 I Encontro Nacional de Mulheres Negras foi resultado
de uma ampla a r t i c u l a ~ o em dezoito Estados da F e d e r a ~ o que
12
W3nia de Jesus San'Anna (Presidente), Sandra Hdena Torres Bello (Vice -Presidentes), Ju
rema Gomes I Secreairia),
Hild&ia
Alves Medei ros (
II
Secreairia), Hdena Marla
de
Souza
(I Tesoureira),
Marla
LUcia
de
Carvalho
.(II
Tesoureira), Maria Jose Lopes
da
Silva (Direrora
Cultural), Ndi Adelaide G o n ~ v e s (Oiretora de Rda¢es Publicas), Marla Hdena uzee (nao
ha i n f o r r n a ~ sobre seu cargo), Neuza d s Dores Peteira (Diretora Social) Agnes Consula Jo
seph Rodtigues (Diretora de i v u l ~ . Jutlith dos Santos Rosano (Diretora de Pauimonio),
Josdina
da
Silva (Suplente).
13
Ndson Mandda so foi libertado em janeiro
de
1990.
@ 27@)
8/16/2019 SILVA, Joselina - I Encontro Nacional de Mulheres Negras
10/15
i
:I
I
•
I
.
i
i
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I
I
·
I
i
0 MOVIMENTO DE MULHERES NEGRAS
congregou cerca de quatro centenas
de
mulheres na cidade
de
Va
lens:a (RJ) em dezembro de 1988. 0 conclave deu bases para uma
extensa constrUI;:ao coletiva nacional. 0 sistema de participa j:io era
por
representa j:io, com ddegadas deitas nos respecrivos estados. 0
processo
de
escolha teria que ocorrer atraves
de uma
reuniao, se
minario ou encontro pUblico e
com
abrangencia estadual. Nesta
dire j:io, urn dos boletins produzidos e impressos pela comissao or
ganizadora informava,
no
mes de dezembro, que OS f.stados de Ala-
goas, Rio Grande
do
Sul (citado como
Pono
Alegre), Pernambuco,
Mato
Grosso
do
Sul, Goias, Brasilia, Espfrito Santo , Rio
de
Janeiro
e Parana ja haviam realizado - ou estavam em vias de faze-lo - uma
oponunidade
coletiva para a escolha das representantes.
Uma das
grandes
preocupa¢es que permeavam
as a¢es
or
ganizativas, era o-local de ocorrencia do evento. Naquda conjuntura,
a cidade do Rio de Janeiro contava com uma estrutu ra de novas ins
tala¢es
que abrigavam_ os
CIEP
(Centro Integrado
de
Educa j:io Po
pular, tamb6n chamados
de
Brirol6es).
Eram
estruturas modulares,
criadas pela Secretaria Estadual de Educa j:io e disponibilizadas aos
movimentos
sociais,
com cena facilidade, nos
fins
de semana. Embo-
ra rec6n-inaugurados, exigiam implementa j:io
de
uma
i.nfiaestrutura
espedfi.ca, em caso de abrigar urn nllinero t3.o ex:pressivo de pessoas. A
busca para o apoio financeiro para urn local mais aprazfvd,
por
tantos
dias, esbarrava sempre na argumenta j:io de que a estrutura dos CIEPs
deveria ser utilizadi, com vistas a diminuir custos. A recusa da comis
sao organizadora provocava
algumas
tens6es dentro e fora do grupo.
Havia,
por pane
dos possiveis apoiadores, a acusa j:io de
uma
postura
elitista
na
ex:pectativa de
uma
localiza j:io diferenciada. Atentas a esta
critica, assim se expressaram em urn dos boletins informativos.
~ ~ ; : J , z a n d o o nosso encontro Administrando o nosso
Desde que nos constituindo como Comissao Executiva estive
mos batalhando para que todas
as
mulheres participantes do
Encontro pudessem contar com urn lugar agradavd e tranqui
lo para as suas discussoes; que n6s como organizadoras tambem
pudessemos dispor de urna secretaria que atendesse as nossas ne
cessidades e que todas n6s pudessemos aprender que sim, somos
capazes de gerenciar nossas decisoes. Foi muito
dfficil
encontrar
urn lugar capaz de abrigar 500 mulheres. Nao eram, sobreru-
(®
28@
JoSELINA DASILVA • AMAURI
MENDES
PEREIRA (0RGS.)
do 500 mulheres quaisquer e sim 500 mulheres negras. Obtive
mos muitas recusas, algumas devidamente justi.6cadas e outras
nem tanto. Arran ar urn local adequado foi urna "via crucis". E
verdade que nao queriamos ter
as
nossas mulheres alojadas
em
qualquer escola .. nada contra as escolas, qu e sempre estiveram
abertas s nossas reuni6es de mulheres, mas e que depois de 4 ~ 8
anos de Brasil e urn primeiro encontro nacional acreilitamos ter
o dinheiro a algo melhor e tranquilo para nossa d i s ~ o . N6s
merecemos isso e muito mais 0 nosso Encontro v:u acontecer
no Hotd dos Engenheiros, n a cidade de V a l e n ~ e nos custaci
Cz$
12. 712.114,00,
hospedar
500
mulheres d urante tres
dias
de
Encontro.
14
Ainda assim, 0 regimento intemo
do
Enconu:o, entregue as
participantes, informava
que
apenas duzentas
podenam
hospedar
se
no
referido hotd e as demais em outros distribuidos na pequena
cidade de Valens:a,
no
Estado
do
Rio de Janeiro. l ~ mulheres
levaram crians:as pequenas e seus companhei ros para ~ ~ ddas
os quais se instalaram sob suas ex:pensas em outros hotelS, diferentes
daqUele que sediava o Encontro. Ve-se, p o n a n ~ ~ · que o p ~ ~
de
consrru j:io
do
evento envolveu questoes poliucas, econorrucas,
logisticas e organizacionais, entre outras. ~ o d a s a serem
~ ~ ~
por
mulheres q ~ e tinham naquela p o ~ d a d e uma ex:penenaa
inaugural, mediante urn evento de tal magrutude.
AmUises e debates: o feminismo negro no I NMN
Companheiras,
0 Movimento de Mulheres Negrastambem e urn corpo de ideias
que penetra na trama do tecido s6cio-politico-culrural-economi
co e vai constru indo a transformas:iio dentro de
cada
uma de n6s.
Por isso esquentem as rurbinas que esti chegando a grande hora.
15
Virginia Vargas
(2002)
refere-se aos encontros feministas
latino-americanos e caribenhos- - iniciados
em
1981 com
frequencia inicialmente a cada dois anos e posteriormente a cada
14
Ver: Boletim Inforrnativativo I Encontro Nacional
da
Mulher Negra)
"
Ver:
Inforrnativo I Encontro Nacional
da
Mulher Negra. Ano I., n. 02, novembro
de
1988.
@ > 2 9 ~
8/16/2019 SILVA, Joselina - I Encontro Nacional de Mulheres Negras
11/15
I
I
I
I
I
I
I
0
MoVIMENTo
DE MuLHERES NEGRAS
tres -
como um
dos grandes fomencadores
da c o n s t r u ~ o de
urn
pensamento feminista na regiao.
Ocorrendo
em
oponunidades
mais modestas
em 1988
e 1992), reitero
que
os encontros
nacionais de mulheres negras foram tambem produtores de
e l a b o r a ~ o de
complexas e sofisticadas
c o n s t r u ~ o e s
analiticas e
politicas
do
pensamenco das mulheres negras brasileiras. A troca e
m p l i ~ o de
experiencias
entre as
mais antigas e as
que
acabavam
de se assomar a ausa cooperavam
para
a
a c e l e r a ~ o
das a ~ o e s e de
e s p a ~ o s de ativismo.
Proveniences de varios movimentos , nao apenas o feminista,
eram estas diversas origens, que propiciavam a c o n s o l i d a ~ o de
algo gestado
na
decada anterior,
ou
seja, a
identidade de
feministas
negras. Esta,
engendrada mesmo
antes, nos encontros estaduais
tao presences no cenario organizacional das ativistas. No regime
de suas r e a l i z a ~ o e s -
com
diversas reunioes preparat6rias ocorridas
em diferentes pontos do Pals - os encontros, seminarios e reu
nioes regionais e esraduais fomencaram
que
ideias e f o r m u l a ~ o e s
criticas fossem elaboradas.
Referindo-se aos movimentos sociais latino-americanos,
no
tadamente aqueles organizados pelas mulheres, Vargas (1986)
ob
serva
que
estes foram responsaveis
por uma
critica
Iadical
sobre a
estrutura das sociedades. Nesta i r e ~ o estes tambem interpelariam
os paradigrnas tradicionais das anilises sociais e politicas.
Ou
seja,
o
IENMN
se
propunha
a pluralizar
as
demandaS sociais, inserindo
o que lhes possibilirou evidenciar a complexidade, assim tornando
explicitos os muitos conHitos, para alem daqueles contidos nas di
namicas das classes sociais. Nesta sequencia,
as
questoes atinentes
ao cotidiano- ainda, s ~ o Vargas 1986)- estiio intimamen
te conectadas
s
rela¢es
de poder e, portanto, poss fveis
de
serem
transformadas. Estas novas possibilidades analiticas promov em
a ~ o e s
coletivas inovadoras e
permitem
a
p r e s e n ~ de
temas e enten
dimentos mllltiplos, os quais subsidiam estrategias para m u d a n ~
politicas. Pautadas nestas reflexoes, podemos e ntend er a f o r m u l ~ o
ao segundo objetivo geral
do
encontro: Fazer emergir as diversas
formas locais
de
lura e
u t o d e t e r m i n ~ o
face s formas
de
discrimi
n ~ o existentes.
Patricia Collins (1995),
em
seu escudo sobre a
c o n s t i t u i ~ o
do
movimento feminista afro-estadunidense, afirma
que
tal qual
~ 3 ~
jOSELINA DASILVA • AMAURI MENDES PEREIRA 0RGS.)
outros grupos em i t u a ~ o de opressao, as mulheres negras dos EUA
lograram aesenvolver distintas analises interpretativas a respeito
ci opressao a elas imposta. Certamente, estes achados de Collins
(1995)
contribuem com
esta reflexao
no que
arguimos sobre a cons
t i t u i ~ de novos lugares analiticos i n a ~ d o s
no
IENMN, t l
como apontado pelo objetivo geral de numero tres: Encaminhar
wna perspectiva unit:lria
de luta dentro de uma
diversidade social,
cultufal e politica das mulheres presences ao Encontro .
Kimberle Crenshaw (1991), num de seus artigos, se pro_p6e a
falar sobre as questoes de violencia que se abatem sobre as mulheres
e de como estes trabalhos sao ainda pouco references
s
mulheres
negras. Lembra-nos a aurora
que
a intersecionalidade entre e
genero, quando ausentes das analises sobre as mulheres, deixam as
negras fora dos inUmeros aspectos
de
violencia dos quais sao viti
madas. Por outro lado, aqueles que se dedicam s an3.lises de r a ~
voltadas para as mulheres negras, pouco se referem
s
violencias co
tidianas presences nas vidas
s
mulheres e,
por
conseguinte, refe
rences
s
afrodescendentes.
Essas
reflexoes
de
Crens haw fazem luz para analisarmos o ca
pitulo I
do
regimento interno
do
evento:
0 I Encontro Nacional de Mulheres Negras e urn foro consuJti
vo, deliberative e indicativa, cuja finalidade e congregar mulhe
res negras de todo o territ6rio nacional, em principia e leva-las
a reftetir sobre a verdadeira razao que as torna diferentes, ou
a razao pda qual lhes e dada urn tratamento diferenciado dos
demais individuos que comp6em a sociedade. A obtenr;:ao de
resposras a estes e
ouuos
questionamentos esta sendo a mola
propulsora para a organizar;:io deste Evento. Sabendo que nao
basta responde-lo, e necessaria tambem encontrar formas para
implantar
solw;:6es
encontradas.
Crenshaw segue, afirmando que muitas das expenencias
so&idas pelas mullieres negras
nao
estiio restritas
s
cercanias
dimensionadas por e genero. Por conseguince, nao se
pode
analisar
as
questoes
que lhe
sao relacionadas,
olhando
separadamente os aspectos
do
racismo
ou do
sexismo. Percebe-se,
en
ao, que tanto quanto genero se conjuminam e se intersetam
para moldar
os aspectos estruturais, politicos e representacionais
8/16/2019 SILVA, Joselina - I Encontro Nacional de Mulheres Negras
12/15
0
MOVIMENTO
DE MULHERES NECR S
da violencia contra
as
mulheres negras. Esta reflexio, proposta
por Grenshaw, pode nos auxiliar no entendimenro de
um
dos
primeiros objetivos apresenrados pela comissao que construiu o
encontro aqui analisado:
Denunciar as desigualdades sc:xuais sociais e raciais existentes,
indicando as diversas vis6es que as mulheres negras brasileiras
tern em rela jio ao seu futuro.
Este mesmo objetivo e ex:plicado
pdas
organizadoras como
sendo primordial para "a
r e a l i z a : ~ o
de diagn6sticos a respeito
da
s i r u a ~ o da
mulher negra". Assim, prossegue Grenshaw
(1991),
chamando a
a t e n ~ o
para
0
faro de que a intersecionalidade e ne
cessaria para
se
perceber a
o r g a n i z a ~ o
do mundo social,
em
sua
c o n s t r u ~ o
que abranja aspectos mwtiplos
da
identidade. Tambem
este recorre pode ser inseriao quand o se observa o temano do I En
contra Nacional de Mulheres
N ~
0 conclave foi
o r ~ d o
abrangendo seis metodologias diferentes: paineis, debates, oficinas,
salas
de conversas, outras tecnicas e salas de reflexio e
a v a l i a ~ o .
Com
este procedimento, as organizadoras se propunham a
dar
voz
s mulheres com diferentes origens sociais, academicas e politicas.
Nesta
i r e ~ o um
dos informativos, daborados
pda
comissao ex:e-
cutiva, apresentava o temario com a seguinte
n t r o d u ~ o :
Se voce tern urn ttabalho concreto com mulheres negras, pode
ci
apresent:l-lo oeste encontro. Para isto, basta que nos envie urn
projeto detalhado, acompanhado de urn pequeno perfil, contendo
dados pessoais, Entidade e natureza do seu tiabalho com mulheres
negras, ate 25/10/88 ...
Voce
mulher de base, tambem pode par
ticipar conta ndo a sua vida suas experiencias, trazendo ou &zenda
seu trabalho n a hora, apresentando suas denl1ncias ... Tambem va
mos organizar uma Feira
de ne
durante o Encontro, abertaas de
legadas, ex:positoras, debatedoras e dinamizadoras dos Estados ..
16
16
lntcgranta da subcomissao
de
a:nWio:Azoilda Trindadc;
Eva
dos Sanros
PcR:ira;
Geni
de
Oli
veira Silva; Gesia
de
Oliveira; Ieda LUcia Silva; Josina Maria da Cunha Marques;
K:itia
Marl C.S.
De
Jesus Maria
Jose
Lopes
da Silya; Maria
LUcia de
Carvalho; Ncuza das Dores PcrcUa; Regina
Cocli B. Santos;
T
Pereira
Lirio;
Th=zinha
August:a da Silva; Uyara a i ~
da
Silva Barros.
)OSELINA
DASILVA • AMAURI
MENDES
PEREIR ORCS.)
Havia urna
r e o c u p a ~ o
com os temas a serem coletivamente
debatidos. 0 grupo gestor do evenro preocupava-se com a inclusao,
p a r t i c i p a ~ o
e
d a b o r a ~ o
realizadas por mUlheres com
vozes
plu
rais. Era necess:irio inserir urn nfunero maior de mulheres
na
equipe
organizadora e dividir serores diversos.
Afinal
nao tinhamos ex:pe-
riencia no processo. Foram organizadas comissOes e reunioes, ·em
diferentes ponros do Pais, que iriam, pouco a pouco, dando forma
ao I Encontro Nacional.
F i n a n ~ ? S
temario, local, nfunero de participantes, perfil das
participantes, estas eram algumas das p r e o c u p a ~ o e s que norreavam
as
reunioes no processo de sua
c o n s t r u ~ o .
Nesse sentido, quatro
meses antes
da
abertura do Enconrro Nacional, doze mulheres rea
lizaram
quatorze reunioes, para definir
os
caminhos discursivos do
encontro conforme regisrraao:
Companheiras, desde o dia 2 de Agosto Ultimo, sob a coordena
'rio de Maria Jose Lopes da Silva, membra da Comissao Execu-
tiva, auxiliada por Maria Lucia de Carvalho e Neuza das Dares
Pereira, tambem da Comissao Executiva
do
Encontro, formou-se
a Subcomissao de Temario e Metodologia, com os objetivos de
ampliar o processo de discussao em torno do temario aprovado
a nivel nacional, tendo em vista dar-lhe urn encaminhamento
politico; compatibilizar o tem:lrio com a metodologia provada
em Brasilia, sugerir material de apoi8 para o desenvolvimemo
(videos, filmes etc .. ).
17
•
0 grupo de assuntos que integravam os termos a serem de
senvolvidos pdas participantes do conclave demonstra 9ue, c?mo
aponrado por Crenshaw (1991}, r a ~ e genera s o os dettagradores
das analises, mas devem receber outras cont ribui¢es, uma
vez
que
as
mulheres negras, por estarem inseridas
na
sociedade, sao alvo de
diferentes outras m:inifesta¢es discriminat6rias. Por conseguinte,
nas suas
a ~ o e s
de insurgencia, terao especifidades que demandarao
recorres e abrangencias multifaceradas.
Eassim que podemos entender o temario desenvolvido no
IENMN
e dencado
pda
comissao que lhe deu vida:
As
Mulheres
17
Ver:
lnfonnativo l Enconuo Nacional
da mulhcr Negra.
Ano
1
n.
02,
novcmbro
de 1988.
@ 33@
8/16/2019 SILVA, Joselina - I Encontro Nacional de Mulheres Negras
13/15
·j
I
I
I
i
i
i
I
0 MOVIMENTO DE MULHERES NEGRAS
Negras e
as
O r g a n i z a ~ o e s da Sociedade Civil ; & Mulheres Negras
eo
Trabalho";
&
Mulheres Negras e a
Ed.ucas:ao ;
"& mulheres
Negras e a
Legislac;ao ; &
mulheres Negras eo Mito da Demo
cracia Racial";
&
Mulheres Negras e a
I d e o l o ~ a
do Embranque
cimento";
''As
mulheres Negras e a Sexualidade; & Mulheres Ne
gras e os Meios de Comunicac?o";
&
Mulheres
e ~
na
Arte
e
na Cultura"; & Mulheres Negras e a sua Hist6ria na .Afiica e no
Brasil"; ''As Mulheres Negras e
as
Politicas de Controle da Natali
dade"; "& mulheres Negras e a Saude"; & Mulheres Negras e a
Violencia"; & mulheres Negras e a Estetica'';
&
Mulheres Negras
e o Sexismo".
0 breve di:Uogo, aqui trazido por Hooks (2000) e Gonzales
(2008) - anteriormente resenhado - pode ser ilustrado pela vas
ta gama de assuntos, presente no tem:irio do encontro. Como
ja
foi elencado, cada urn dos titulos acompanhava uma sinopse sobre
quais recortes e abordagens deveriam ser aludidas pelo grupo que
sobre ele se d e b r u ~ e . A guisa de exemplificac;ao, tem-se:
VI- As
Mulheres Negras e a Sexualidade": Adolescencia. Vida
reprodutiva: o v u l a ~ o f e c u n d a ~ o
m e n s t r u a ~ o
gravidez; me
todos contraceptives: pilula, DIU,
e s t e r i l i z a ~ o
coito interrom
pido, tabela. Abono. Climaterio e menopausa. 0 prazer. Ho
mossexualidade.
Pode-se, ainda, deduzir que, para alem dos silenciamentos
ainda presences,
h3 as falas
de mlllheres negras desde o Continence
Africano, passando
pdos
tumbeiros, quilombos e a s s o c i a ~ o e s reli
giosas (de matriz africana
ou
cat6licas), ate os Movimentos de Mu
llieres na contempoclneidade.
Ao
optar por
urn temario
com
abran9encias tao variadas,
as
mulheres negras brasileiras,
do
final da decada
de
1980, trou
xeram
a
uz a reHexao de que a construc?o
da
imagem negativada
da
mulher negra
na
sociedade era fruto dos aspectos
ae r a ~ a
genero e classe em primeira instancia, em conexao
com
diversos
outros que pod eriam ser evidenciados a partir das muitas formas
analiticas que a metodologia do encontro permitia abordar.
)OSELINA DASILVA AMAURI MENDES PEREIRA (ORCS.)
Pensares onclusivos
Longe estive esta reflexao da pretensao de ser urn texto con
clusive so6re a
o r g a n i z a ~ a o
das mulheres negras brasileiras,
no
evento em tela, urna vez que a analise sobre os movimentos sociais
as
a ~ o e s
J?Or
eles desenvolvidas pressupoem intJ.meras interfaces
m t e ~ p r e t a n v a s .
Uma delas. nos autoriza a criticar parte expressiva
da
h t e r a ~ r a
sobre o Mov1mento de Mulheres Negras brasileiras,
que o des1gna como resultante das dissidencias
com
os movimen
tos
f e ~ s t a
e negro. Ou seja, a ausencia de discussao polftica e
comprormsso de luta cont ra o racismo no interior do Movimento
Ferninista e de genero no Movimento Negro teriam dado Iugar ao
Movimento de Mulheres de Negras.
. Uma grande c o n t r i b u i ~ a o daqude rol de atividades e
~ o e s
fm, port.anto, a i n s e r ~ a o mais veemente
da
tematica de genero,
no ~ o v 1 m e n t o Negro, e das reflexoes sobre r e l a ~ o e s raciais, no
Movnnen to Ferninista. Tais
p r o p o s i ~ o e s
nos incit am a recolocar
no
c ~ n a r i o
analitico, o paradigma
da
nao ambiencia possivel
n o ~
mov1mentos Negro e Feminista brasileiro, que tern sido assina
lada como proplilsora
do
Movimento de Mtilheres Negras.
Dito
de outra forma, quando nos d e b r u ~ o s sobre o temario do
IENMN, vemos que nao sao aqueles dois
movimentos-
Negro
e
Feminista-
os interlocutores preferenciais das mulheres negras
nacionalmente organizadas.
Destarte,
num
quadro de criticas
a
ociedade e de pautas
por u d a n ~ podemos inseri r o Movimento de Mulheres Negras
~ ~ s
anos 1980. A sofist cac;ao a n a l i t i ~ a por elas apresentadas foi
util para mdhor entendimento da amculac?o do poder na socie
dade brasileira. Suas reflexoes emprestaram ao
feminismo-
nos
s ~ u s passos primordiais - possibilidades de percepc?o da especifi
cldade das questoes de genero
no
Pais. 0 sexismo
atuava-
e ainda
hoje arua - em consonancia com o utros fatores discrirninat6rios
e opressivos, inclusive a
r a ~ . &sim,
pela primeira vez, urn grupo
de
a i s ~ e
quatro cente-?as
a f r o - b r ~ i l e i r a s
pode, coletivamen
te d1scut1r e propor denunc1as sobre saude, trabalho, sexualidade,
educac;ao,
o r g a n i z a ~ a o
da sociedade civil, familia, religiosidade,
violencia, entre outros setores.
@
35@
8/16/2019 SILVA, Joselina - I Encontro Nacional de Mulheres Negras
14/15
0 MOVIMENTO DE MULHERES NEGRAS
, . Na verdade, o IENMN era uma oportunidade coletiva e
~ o h t i ~
de
r e ~ o l o c a r as
questoes de genera e de
r a ~
no cena
no cnttco nactonal. ~ intuito e ~ a , portanto, denunciar e ampliar
o olhar sobre os ractsmos e
~ e x t s m o s .
Causa-nos especie pensar
que as mulheres negras se articularam por insuficiencia de opor
t u n i ~ a d e s
de
i n s e r ~ o
de suas demandas nas agendas de outros
m o v u ~ e n t o s .
Embora nao se possa reduzir a importante repre
s e n ~ ~ a o
?estes. no processo organizativo das mitlheres negras,
ao h i p e r ~ m e n s t o n a r suas n e g a ~ o e s e preciso cuidar para nao
se
?,esvalonzare ll
os
p r o ~ e s s o ~ fundantes de mulheres organizadas
Ja a n ~ e s da decada
aqw
analtsada e mesmo em datas anteriores ao
Movtmento Feminista brasileiro.
Num
texto critico sobre as categorias Novas Movimen
tos Sociais: Ruth
C . a r ~ o . s o
(1987} afirma que estas sao fruto do
~ e s c o n h e c t m e n t ~
histonco sabre movimentos sociais. Suas ana
h ~ e s abrem a v e m d ~ para tecer c o n s i d e r a ~ o e s a respeito das vi
soes que excluem dtrerentes fazes
o r ~ c i o n a i s
das mulheres
negras.brasileiras e centram o olhar sobre os anos 1970 e 1980,
c o m ~ t ~ a u g u r a d o r e s
das
reB.exoes
pautadas no genera e
na
r a ~ .
A
n a ~ o
do ~ o n ~ e l h o Nacional de Mulheres Negras em maio de
1950, a ocorre,ncta Co-?gresso ~ a c i o n a l de Mulheres Negras
no mesmo penodo - msendos no ambito do Teatro Experimen
tal
d?
Negro ( T E ~ ) -, sob a c o o r d e n a ~ a o de Maria de Lurdes
Nascimento, nos a l t c e r ~ a no debate de que
ja
eramos mulheres e
n ~ ~ r a s do ponto de vista argumentativo e da c o n s t r u ~ o identi
tarta, antes mesmo das
a l t e r c a ~ o e s
com o Movimento Feminista
e o Movimento Negro.
. A lura, portanto, et:apor direitos iguais, pda dentincia contra
o raosmo e os aspectos diferenciados de sexismo quando exercido
sabre as mulheres negras. As desigualdades sociais impostas eram
~ b e ; D alvo da
p r e o c u p ~ o
do olhar das mulheres negras. Prova
disto e o temario do IENMN, aqui abordado. A f.uta abrangencia
de
t ~ ~
; O r r ~ b o r a
com
.o
que
~ u s c a m o s
aludir. Ou
seja
a pauta
de ~ v m d i c a ~ o e s era matS
a m p l i a ~
que meras
visoes
ideol6gicas
p ~ e ~ t e n t e s
no cerne de outros movrmentos. Neste sentido, a orga
~ ~ ~ mulheres ~ g r a s , em ambito nacional, muito contribuiu
para
VlStbilizar
as guestoes especificas nos diferentes ambitos presen
tes no cotidiano
das
afro-brasileiras.
~ 6 ~
jOSELINA DASILVA • AMAURI MENDES PEREIRA ORCS.)
Estas reB.exoes nonearam-se, objetivando apresentar pistas
capazes de auxiliar urn nUmero maior de pesquisas em torno da
a r u a ~ o de muitas daqudas ativistas aqui referidas. Aspectos
inUmeros podem ser ooservados quando se pretende retratar as
mulheres negras no Brasil. Ha muito a ser averiguado numa seara
quase virgem de analises e diagn6sticos. Deixo de
faze-lo
aqui, por
exiguidade de
e s p a ~ o
e por reconhecer que
i n v e s t i ~ o e s
com este
furi-
como ja reiterado aqui- ainda esrao por ser iealizadas. Logo,
se
faz
necessaria expressar a ausencia de estudos que perrnitam
dimensionar a extensao do legado
das
afro-brasileiras
ao
Iongo
da
c o n s t i t u i ~ o do E s t a d o - N a ~ o brasileiro.
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DASILVA •
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ANEXO
COMPOSI
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