Símbolos Franciscanos JUFRA SERGIPE – PAZ E BEM
SÍMOLOS FRANCISCANOS
Tau – Símbolos e Significados
Há certos sinais que revelam uma escolha de
vida. O TAU, um dos mais famosos símbolos
franciscanos, hoje está presente no peito das
pessoas num cordão, num broche, enfeitando
paredes numa escultura expressiva de madeira,
num pôster ou pintura. Que escolha de vida
revela o TAU? Ele é um símbolo antigo,
misterioso e vital que recorda tempo e
eternidade. A grande busca do humano querendo
tocar sempre o divino e este vindo expressar-se
na condição humana.
Horizontalidade e verticalidade. As duas linhas:
Céu e Terra! Temos o símbolo do TAU riscado
nas cavernas do humano primitivo. Nos objetos
do Faraó Achenaton no antigo Egito e na arte da
civilização Maia. Francisco de Assis o atualizou
e imortalizou. Não criou o TAU, mas o herdou
como um símbolo seu de busca do Divino e
Salvação Universal.
TAU, SINAL BÍBLICO
Existe somente um texto bíblico que menciona
explicitamente o TAU, última letra do alfabeto
hebraico, Ezequiel 9, 1-7: “Passa pela cidade, por
Jerusalém, e marca com um TAU a fronte dos
homens que gemem e choram por todas as
práticas abomináveis que se cometem”. O TAU
é a mais antiga grafia em forma de cruz. Na
Bíblia é usado como ato de assinalar. Marcar com um sinal é muito familiar na Bíblia. Assinalar significa
lacrar, fechar dentro de um segredo, uma ação. É confirmar um testemunho e comprometer aquele que possui
o segredo. O TAU é selo de Deus; significa estar sob o domínio do Senhor, é a garantia de ser reconhecido
por Ele e ter a sua proteção. É segurança e redenção, voltar-se para o Divino, sopro criador animando nossa
vida como aspiração e inspiração.
O TAU NA IDADE MÉDIA
Vimos o significado salvífico que a letra hebraica do TAU recebe na Bíblia. Mas o TAU tem também um
significado extrabíblico, bastante divulgado na Idade Média: perfeição, meta, finalidade última, santo
propósito, vitória, ponto de equilíbrio entre forças contrárias. A sua linha vertical significa o superior, o
espiritual, o absoluto, o celeste. A sua linha horizontal lembra a expansão da terra, o material, a carne. O TAU
lembra a imagem do sustentáculo da serpente bíblica: clavada numa estaca como sinal da vitória sobre a morte.
Uma vitória mística, isto é, nascer para uma vida superior perfeita e acabada. É cruz vitoriosa, perfeição,
salvação, exorcismo. Um poder sobre as forças hostis, um talismã de fé, um amuleto de esperança usado por
gente devota sensível.
O TAU DO PENITENTE
Francisco de Assis viveu em um ambiente no qual o TAU estava carregado de uma grande riqueza simbólica
e tradicional. Assumiu para si a marca do TAU como sinal de sua conversão e da dura batalha que travou para
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vencer-se. Não era tão fácil para o jovem renunciar seus sonhos de cavalaria para chegar ao despojamento do
Crucificado que o fascinou. Escolhe ser um cavaleiro penitente: eliminar os excessos, os vícios e viver a
transparência simples das virtudes. Na sua luta interior chegou a uma vitória interior. Um homem que viveu a
solidão e o desafio da comunhão fraterna; que viveu o silêncio e a canção universal das criaturas; que
experimentou incompreensão e sucesso, que vestiu o hábito da penitência, que atraiu vidas, encontrou um
modo de marcar as paredes de Santa Maria Madalena em Fontecolombo, de assinar cartas com este sinal. De
lembrar a todos que o Senhor nos possui e nos salva sob o signo do TAU.
O TAU FRANCISCANO
O TAU franciscano atravessa oito séculos sendo usado e apreciado. É a materialização de uma intuição.
Francisco de Assis é um humano que se move bem no universo dos símbolos. O que é o TAU franciscano? É
Verdade, Palavra, Luz, Poder e Força da mente direcionada para um grande bem. Significa lutar e discernir o
verdadeiro e o falso. É curar e vivificar. É eliminar o erro, a mentira e todo o elemento discordante que nega
a paz. É unidade e reconciliação. Francisco de Assis está penetrado e iluminado, apaixonado e informado pela
Palavra de Deus, a Palavra da Verdade. É um batalhador incansável da Paz, o Profeta da Harmonia e
Simplicidade. É a encarnação do discernimento: pobre no material, vencedor no espiritual. Marcou-se com
este sinal da luz, vida e sabedoria.
O TAU COMO IDEAL
No mês de novembro de 1215, o Papa Inocêncio III presidia um Concílio na Igreja Constantiniana de Roma.
Lá estavam presentes 1.200 prelados, 412 bipos, 800 abades e priores. Entre os participantes estavam São
Domingos e São Francisco. Na sessão inaugural do Concílio, no dia 11 de novembro, o Papa falou com energia,
apresentou um projeto de reforma para uma Igreja ferida pela heresia, pelo clero imerso no luxo e no poder
temporal. Então, o Papa Inocêncio III recordou e lançou novamente o signo do TAU de Ezequiel 9, 1-7. Queria
honrar novamente a cristandade com um projeto eclesial de motivação e superação. Era preciso uma reforma
de costumes. Uma vida vivida numa dimensão missionária mais vigorosa sob o dinamismo de uma contínua
conversão pessoal. São Francisco saiu do Concílio disposto a aceitar a convocação papal e andou marcando
os irmãos com o TAU, vibrante de cuidado, ternura e misericórdia aprendida de seu Senhor.
O TAU NAS FONTES FRANCISCANAS
Os biógrafos franciscanos nos dão testemunhos da importância que São Francisco dava ao TAU: “O Santo
venerava com grande afeto este sinal”, “O sinal do TAU era preferido sobre qualquer outro sinal”, “O
recomendava, freqüentemente, em suas palavras e o traçava com as próprias mãos no rodapé das breves cartas
que escrevia, como se todo o seu cuidado fosse gravar o sinal do TAU, segundo o dito profético, sobre as
fontes dos homens que gemem e lutam, convertidamente a Jesus”, “O traçava no início de todas as suas ações”,
“Com ele selava as cartas e marcava as paredes das pequenas celas” (cf. LM 4,9; 2,9; 3Cel 3). Assim Francisco
vestia-se da túnica e do TAU na total investidura de um ideal que abriu muitos caminhos.
TAU, SINAL DA CRUZ VITORIOSA
Cruz não é morte nem finitude, mas é força transformante; é radicalidade de um Amor capaz de tudo, até de
morrer pelo que se ama. O TAU, conhecido como a Cruz Franciscana, lembra para nós esta deslumbrante
plenitude da Beleza divina: amor e paz. O Deus da Cruz é um Deus vivo, que se entrega seguro e serenamente
à mais bela oferenda de Amor. Para São Francisco, o TAU lembra a missão do Senhor: reconciliadora e
configuradora, sinal de salvação e de imortalidade; o TAU é uma fonte da mística franciscana da cruz: quem
mais ama, mais sofre, porque muito ama, mais salva. Um poeta dos primeiros tempos do franciscanismo conta
no “Sacrum Comercium”, a entrega do sinal do TAU à Dama Pobreza pelo Senhor Ressuscitado, que o chama
de “selo do reino dos céus”. À Dama Pobreza clamam os menores: “Eia, pois, Senhora, tem compaixão de nós
e marca-nos com o sinal da tua graça!” (SC 21,22).
O TAU E A BÊNÇÃO
Francisco se apropriou da bênção deuteronômica, transcreveu-a com o próprio punho e deu a Frei Leão: “Que
o Senhor te abençoe e te guarde. Que o Senhor mostre a tua face e se compadeça de ti. Que o Senhor volva o
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teu rosto para ti e te dê a paz. Irmão Leão; o Senhor te abençoe!” Sob o texto da bênção, o próprio Frei Leão
fez a seguinte anotação: “São Francisco escreveu esta bênção para mim, Irmão Leão, com seu próprio punho
e letra, e do mesmo modo fez a letra TAU como base”. Assim, Francisco, num profundo momento de
comunicação divina, com delicadeza paternal e maternal, abençoa seu filho, irmão, amigo e confidente.
Abençoar é marcar com a presença, é transmitir energias que vêm da profundidade da vida. O Senhor te
abençoe!
O TAU E A CURA DOS ENFERMOS
No relato de alguns milagres, conta-se que Francisco fazia o sinal da cruz sobre a parte enferma dos doentes.
Após ter recebido os estigmas no Monte Alverne, Francisco traz em seu corpo as marcas do Senhor Crucificado
e Ressuscitado. Marcado pelo Senhor, imprime a marca do Senhor que salva em tudo o que faz. Conta-nos um
trecho das Fontes Franciscanas que um enfermo padecia de fortes dores; invoca Francisco e o santo lhe aparece
e diz que veio para responder ao seu chamado, que traz o remédio para curá-lo. Em seguida, toca-lhe no lugar
da dor com um pequeno bastão arrematado com o sinal do TAU, que traz consigo. O enfermo ficou curado e
permaneceu em sua pele, no lugar da dor, o sinal do TAU (cf. 3Cel159). O Senhor identifica-se com o
sofrimento de seu povo. Toma a paixão do humano e do mundo sobre si. Afasta a dor e deixa o sinal de Amor.
A COR DO TAU
O TAU, freqüentemente, é reproduzido em madeira, mas quando, pintado, sempre vem com a cor vermelha.
O Mestre Nicolau Verdun, num quadro do século XII, representa o Anjo Exterminador que passa enquanto
um israelita marca sobre a porta de sua casa um TAU com o Sangue do Cordeiro Pascal que se derrama num
cálice. O Vermelho representa o sangue do Cordeiro que se imola para salvar. Sangue do Salvador, cálice da
vida! Em Fontecolombo, Francisco deixou o TAU grafado em vermelho. O TAU pintado na casula de Frei
Leão no mural de Greccio também é vermelho. O pergaminho escrito para Frei Leão no Monte Alverne, marca
em vermelho o Tau que assina a bênção. O Vermelho é símbolo da vida que transcende, porque se imola pelos
outros. Caminho de configuração com Jesus Crucificado para nascer na manhã da Ressurreição.
O TAU NA LINGUAGEM
O TAU é a última letra do alfabeto judaico e a décima nona letra do alfabeto grego. Não está aí por acaso; um
código de linguagem reflete a vivência das palavras. O mundo judaico e, conseqüentemente, a linguagem
bíblica mostram a busca do transcendente. É preciso colocar o Deus da Vida como centro da história. É a nossa
verticalidade, isto é, o nosso voltar-se para o Alto. O mundo grego nos ensinou a pensar e perguntar pelo
sentido da vida, do humano e das coisas. Descobrir o significado de tudo é pisar melhor o chão, saber enraizar-
se. É a nossa horizontalidade. A Teologia e a Filosofia são servas da fé e do pensamento. Quem sabe onde está
parte para vôos mais altos. É como o galho de pessegueiro, cortado em forma de tau é usado para buscar veios
d’água. Ele vibra quando a fonte aparece cheia de energia. Coloquemos o tau na fonte de nossas palavras!
O TAU, O CORDÃO E OS TRÊS NÓS
Em geral, o Tau pendurado no pescoço por um cordão com três nós. Esse cordão significa o elo que une a
forma de nossa vida. O fio condutor do Evangelho. A síntese da Boa Nova são os três conselhos
evangélicos=obediência, pobreza, pureza de coração. Obediência significa acolhida para escutar o valor maior.
Quem abre os sentidos para perceber o maior e o melhor não tem medo de obedecer e mostra lealdade a um
grande projeto. Pobreza não é categoria econômica de quem não tem, mas é valor de quem sabe colocar tudo
em comum. Ser pobre, no sentido bíblico-franciscano, é a coragem da partilha. Ser puro de coração é ser
transparente, casto, verdadeiro. É revelar o melhor de si. Os três nós significam que o obediente é fiel a seus
princípios; o pobre vive na gratuidade da convivência; o casto cuida da beleza do seu coração e de seus afetos.
Tudo isto está no Tau da existência!
USAR O TAU É LEMBRAR O SENHOR
Muita gente usa o Tau. Não é um amuleto, mas um sacramental que nos recorda um caminho de salvação que
vai sendo feito ao seguir, progressivamente, o Evangelho. Usar o TAU é colocar a vida no dinamismo da
conversão: Cada dia devo me abandonar na Graça do Senhor, ser um reconciliado com toda a criatura, saudar
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a todos com a Paz e o Bem. Usar o TAU é configurar-se com aquele que um dia ilumina as trevas do nosso
coração para levar-nos à caridade perfeita. Usar o TAU é transformar a vida pela Simplicidade, pela Luz e
pelo Amor. É exigência de missão e serviço aos outros, porque o próprio Senhor se fez servo até a morte e
morte de Cruz.
O Crucifixo de São Damião
O Crucifixo de São Damião foi pintado no
século XII por um desconhecido artista da
Úmbria, região da Itália. A pintura é de estilo
romântico, sob clara influência oriental: o
pedestal sobre o qual estão os pés de Cristo
pregados separadamente; e de influência
siríaca: a barba de Cristo; a face circundada pelo
emoldurado dos cabelos; a presença dos anjos e
cruz com a longa haste segurada na mão, por
Cristo (só visível na pintura original), no alto,
encimando a cruz.
O Crucifixo original de São Damião está
guardado com grande zelo pelas irmãs
Clarissas, na Basílica de Santa Clara de Assis, e
é visitado por estudiosos, devotos e turistas do
mundo todo. É um monumento histórico
franciscano e universal.
OUTROS DADOS
• Sem o pedestal, o Crucifixo original mede dois
metros e dez centímetros de altura e um metro e
trinta centímetros de largura.
• A pintura foi feita em tela tosca, colada sobre
madeira de nogueira.
• Naquele tempo, nas pequenas igrejas, o
Santíssimo não era conservado, isto é, a
Eucaristia não era guardada mas, consumida no
dia. Por isso, supõe-se que Crucifixo foi
pendurado no ábside sobre o altar da capela, no
centro da Igreja.
• Provavelmente o Crucifixo permaneceu na Igreja de São Damião até que as Irmãs Pobres, em 1257, o levaram
consigo à nova Basílica de Santa Clara. Guardaram-no no interior do coro monástico por diversos séculos. No
ano de 1938, a artista Rosária Alliano restaurou o Crucifixo com grande perícia, protegendo-o inclusive contra
qualquer deterioração.
• Desde 1958 ele está sobre o altar, ao lado da capela do Santíssimo, na Basílica de Santa Clara, protegido por
vidro.
DESCRIÇÃO DETALHADA DA PINTURA
Descobre-se, à primeira vista, a figura central do Cristo, que domina o quadro pela sua imponente dimensão e
pela luz que sua esplêndida e branca figura difunde sobre todas as pessoas que o circundam e que estão todas
vivamente voltadas para Ele. Esta luz vivificante que brota do interior de sua Pessoa (Jo, 8,12) fica ainda mais
destacada pelas fortes cores, especialmente o vermelho e o preto.
Também impressiona este Cristo ereto sobre a cruz e não pendurado nela, com os olhos abertos, olhando o
mundo.
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Apresenta ainda uma auréola de glória com a cruz triunfante oriental em vez de uma coroa de espinhos, porque
tornou-se vitorioso na paixão e na morte.
Aparecem os sinais de crucificação e as feridas sangrentas mas o sangue redentor se derrama sobre os anjos e
santos (sangue das mãos e dos pés) e sobre São João (sangue do lado direito).
Cristo se apresenta vivo, ressuscitado (Jo 12,32), de pé sobre o sepulcro vazio e aberto (indicado pela cor
preta), visível por trás. Com as mãos estendidas, Cristo está para subir ao céu (Jo 12,32).
A inscrição acima da cabeça de Cristo, “Jesus Nazarenus Rex Judaeorum” Jesus Nazareno Rei dos Judeus é
também própria do Evangelho de João.
Sobre a inscrição, está a ascensão em forma dinâmica, na figura do Cristo ascendente, com o troféu da cruz
gloriosa na mão esquerda (só visível na pintura original) e com a mão direita para a mão do Pai, no céu.
Do alto, a mão direita do Pai acolhe o seu Filho, circundado dos anjos (e santos) na glória celeste.
As cores vermelha e púrpura são símbolos do divino; o verde e o azul, do terrestre. Para “ver” bem o conjunto
da pintura, deve-se realmente parar diante do Crucifixo pois, ordinariamente, olha-se a imagem somente, de
longe, como “turistas”.
À direita do corpo de Cristo, aparecem as figuras de Maria e João, intimamente unidas, enquanto Maria indica
o discípulo predileto com a mão direita (Jo 19,26). À esquerda, estão as duas mulheres, Maria Madalena e
Maria de Cléofas, primeiras testemunhas da ressurreição (Jo 19,25).
E, embora Maria, à direita e Maria Madalena, à esquerda, ergam a mão direita no rosto em sinal de dor,
nenhuma das outras pessoas próximas, manifesta expressão de sofrimento profundo mas uma adesão cheia de
fé ao Cristo vitorioso, Salvador.
À direita das duas mulheres vê-se o centurião com a mão erguida, olhando para o Crucifixo. Com esse gesto
está a dizer: “Verdadeiramente este é o Filho de Deus”.
Sobre os ombros do centurião aparece a cabeça de uma pessoa em miniatura, cuja identidade se discute:
poderia ser o filho do centurião, curado por Jesus (Jo 4,50) ou um representante da multidão ou ainda, o autor
desconhecido da pintura.
Aos pés de Maria e do centurião, vê-se o soldado chamado Longino que, pela tradição, com a lança traspassa
o lado de Jesus e, o portador da esponja, chamado de Estepatão, segundo a tradição (Jo 19,29). Ambos estão
voltados para o Crucifixo.
Debaixo das mãos de Jesus, à direita e à esquerda, encontram-se dois anjos com as mãos erguidas, em intenso
colóquio. Parecem anunciar a ressurreição e ascensão do Senhor.
As duas pessoas, à extrema direita e esquerda, parecem anjos ou talvez mulheres que acorrem ao sepulcro
vazio.
Aos pés de Jesus a pintura original encontra-se muito deteriorada. É provável que seja: São Damião, São
Rufino, São João Batista, São Pedro e São Paulo. Acima da cabeça de São Pedro, está a figura do galo (só
visível na pintura original), a lembrar a negação de Pedro a Cristo (Jo 13,38; 18, 15-27).
As pessoas aos pés de Jesus têm a cabeça erguida para o alto, expressando a espera do retorno glorioso do
Senhor, no juízo.
Deste Crucifixo descrito em detalhes, Francisco teve uma inspiração “decisiva” para a sua vida, diz Caetano
Esser. Passamos a descrevê-la porque é deste fato que se originou a admiração que hoje temos ao Crucifixo
de São Damião.
O CRUCIFIXO FALA A FRANCISCO
O jovem Francisco encontrava-se numa crise espiritual, cheio de dúvidas e trevas. “Conduzido pelo Espírito”,
entra na igrejinha de São Damião, onde se prostra, súplice, diante do Crucifixo. Tocado de modo extraordinário
pela graça divina, encontra-se totalmente transformado. É então que a imagem de Cristo Crucificado lhe fala:
“Francisco, vai e repara minha casa que está em ruína”.
Francisco fica cheio de admiração e “quase perde os sentidos diante destas palavras”. Mas logo se dispõe a
cumprir esse “mandato” e se entrega todo à obra, reconstruindo a igrejinha. Depois pede a um sacerdote,
dando-lhe dinheiro, que providencie óleo e lamparina para que a imagem do Crucifixo não fique privada de
luz, mas em destaque naquele santuário.
A partir de então, nunca se esqueceu de cuidar daquela igrejinha e daquela imagem.
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Francisco parecia intimamente ferido de amor para o Cristo Crucificado, participando da paixão do Senhor,
de quem já trazia os estigmas no coração e mais tarde, em 1224, receberia as chagas do Cristo em seu próprio
corpo.
Segundo Santa Clara, está visão do Crucifixo foi um êxtase de amor radiante e impulso decisivo para a
conversão de Francisco.
Entre os estudiosos ainda existe uma dúvida a ser esclarecida: ao ouvir o Cristo do Crucifixo, Francisco pensa
na igrejinha material de São Damião. Mas nada impede de se pensar que se trata do “templo de Cristo no
coração de Francisco e nos corações dos homens”.
Enfim, a própria oração de Francisco diante do Crucifixo de São Damião sugere antes a reparação “espiritual”
da casa do Senhor, crucificado no coração.
Tanto que ele pede especialmente pelas três virtudes teologais (fé, esperança e amor) para poder cumprir esse
“mandato” de Cristo.
O Monte Alverne
Na Toscana, existe um monte rochoso e coberto
de bosques, inacessível e sublime, com fendas
horríveis cobertas de musgo e de frescor. Há
muitos anos, o conde Orlando de Chiusi lho
doara, em sinal de devoção, para que se servisse
dele nos seus encontros com Deus.
Em agosto de 1224 subiu Francisco com alguns
irmãos os mil e trezentos metros do Monte
Alverne. É difícil ao turista que sobe hoje de
automóvel esse monte, imaginar o que
significava para Francisco, já esgotado, viajar a
lombo de burro pelos caminhos sinuosos até
chegar ao cimo da montanha, onde ela parece
abrir-se subitamente, oferecendo, do alto duma
rocha íngreme, vista para os vales lá embaixo.
Cuidados, privações e enfermidades tinham
enfraquecido o corpo desse homem de quarenta e dois anos. Francisco sempre se sentiu à vontade nos cumes
das montanhas. Desejava afastar-se das últimas preocupações a respeito de sua Ordem, das decepções e da
falta de compreensão. Pediu que o levassem a uma abertura na rocha, onde ainda se vê uma grade no lugar em
que ele dormia; pode-se supor que não foi mudada muita coisa naqueles blocos de pedra úmidos e mofados.
Ano após ano, penetrava cada vez mais na essência de Deus até chegar à mais elevada forma que se possa
imaginar na terra: à contemplação mística de Deus. É esta contemplação mística que ele experimentará de uma
forma única na solidão do Alverne, pelo espaço de quarenta dias (de 15 de agosto até 29 de setembro, festa de
São Miguel). Ele se retira do convívio de seus irmãos e só o irmão Leão pode lhe levar diariamente um pouco
de pão e água durante a sua viagem mística ao invisível.
O Serafim Alado – Chagas
DOS “FIORETTI” – TERCEIRA CONSIDERAÇÃO DOS SACROSSANTOS ESTIGMAS
“Um dia, no princípio de sua conversão, ele rezava na solidão e, arrebatado por seu fervor, estava totalmente
absorto em Deus e lhe apareceu o Cristo Crucificado. Com esta visão, sua alma se comoveu e a lembrança da
Paixão de Cristo penetrou nele tão profundamente que, a partir deste momento, era-lhe quase impossível
reprimir o pranto e suspiros quando começava a pensar no Crucificado”.
E rezava:
“Ó Senhor, meu Jesus Cristo, duas graças eu te peço que me faças, antes de eu morrer: a primeira é que, em
vida, eu sinta na alma e no corpo, tanto quanto possível, aquelas dores que tu, doce Jesus, suportaste na hora
da tua dolorosa Paixão.
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A segunda, é que eu sinta, no meu coração, tanto quanto for possível, aquele excessivo amor, do qual tu, filho
de Deus, estavas inflamado, para voluntariamente suportar uma tal Paixão por nós pecadores”.
DA LEGENDA MENOR DE SÃO
BOAVENTURA, CAPÍTULO 6
“Francisco era um fiel servidor de Cristo. Dois anos
antes de sua morte, havendo iniciado um retiro de
Quaresma em honra de São Miguel num monte
muito alto chamado Alverne, sentiu com maior
abundância do que nunca a suavidade da
contemplação celeste. Transportado até Deus num
fogo de amor seráfico, e transformado por uma
profunda compaixão n’Aquele que, em seus
extremos de amor, quis ser crucificado, orava certa
manhã numa das partes do monte.
Aproximava-se a festa da Exaltação da Santa Cruz,
quando ele viu descer do alto do céu, um serafim de
seis asas flamejantes, o qual, num rápido vôo,
chegou perto do lugar onde estava o homem de Deus.
O personagem apareceu-lhe não apenas munido de
asas, mas também crucificado, mãos e pés estendidos
e atados a uma cruz. Duas asas elevaram-se por cima
de sua cabeça, duas outras estavam abertas para o
vôo, e as duas últimas cobriam-lhe o corpo.
Tal aparição deixou Francisco mergulhado num
profundo êxtase, enquanto em sua alma se
mesclavam a tristeza e a alegria: uma alegria
transbordante ao contemplar a Cristo que se lhe
manifestava de uma maneira tão milagrosa e
familiar, mas ao mesmo tempo uma dor imensa, pois a visão da cruz transpassava sua alma como uma espada
de dor e de compaixão.
Aquele que assim externamente aparecia o iluminava também internamente. Francisco compreendeu então
que os sofrimentos da paixão de modo algum podem atingir um serafim que é um espírito imortal. Mas essa
visão lhe fora concedida para lhe ensinar que não era o martírio do corpo, mas o amor a incendiar sua alma
que deveria transformá-lo, tornando-o semelhante a Jesus crucificado.
Após uma conversação familiar, que nunca foi revelada aos outros, desapareceu aquela visão, deixando-lhe o
coração inflamado de um ardor seráfico e imprimindo-lhe na carne a semelhança externa com o Crucificado,
como a marca de um sinete deixado na cera que o calor do fogo faz derreter.
Logo começaram a aparecer em suas mãos e pés as marcas dos cravos. Via-se a cabeça desses cravos na palma
da mão e no dorso dos pés; a ponta saía do outro lado. O lado direito estava marcado com uma chaga vermelha,
feita por lança; da ferida corria abundante sangue. Frequentemente, molhando as roupas internas e a túnica.
Fui informado disso por pessoas que viram os estigmas com os próprios olhos.
Os irmãos encarregados de lavar suas roupas, constataram com toda segurança que o servo de Deus trazia, em
seu lado bem como nas mãos e pés, a marca real de sua semelhança com o Crucificado”.
TOMÁS DE CELANO – VIDA II, 211
“Francisco já tinha morrido para o mundo, mas Cristo estava vivo nele. As delícias do mundo eram uma cruz
para ele, porque levava a cruz enraizada em seu coração. Por isso fulgiam exteriormente em sua carne os
estigmas, cuja raiz tinha penetrado profundamente em seu coração”.
Outros textos: 1Cel, 94; Legenda Maior, 13,35,69.
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A Porciúncula
Diversos textos, das assim chamadas “fontes
franciscanas”, falam do sentido e do valor que este
lugar passou a ter na vida de São Francisco, e
posteriormente considerado “cabeça e mãe dos
Frades Menores”.
• “Vendo o bem-aventurado Francisco que o Senhor
queria aumentar o número de seus frades, disse-lhes
um dia: ‘Caríssimos irmãos e meus filhinhos, vejo
que o Senhor quer fazer crescer a nossa família.
Parece-me que seria prudente e próprio de
religiosos irmos pedir ao Senhor Bispo ou aos
cônegos de S. Rufino ou ao abade do mosteiro de
São Bento uma igreja pequena e pobre onde os
frades possam recitar as horas e, ao lado, uma casa
pequena e pobre, de barro e de vimes, onde os
frades possam descansar e fazer o que lhes for
necessário. O lugar que agora habitamos já não é
conveniente e a casa é exígua demais para nos
abrigar, visto que aprouve ao Senhor multiplicar-
nos. … Foi então apresentar ao bispo o seu pedido,
que lhe respondeu assim: “Irmão, não tenho igreja
para vos dar”. Dirigiu-se em seguida aos cônegos
de S. Rufino. Estes deram-lhe a mesma resposta.
Foi dali ao mosteiro de São Bento do Monte
Subásio. Falou ao abade como fizera ao bispo e aos
cônegos, relatando-lhe a resposta que deles
obtivera. O abade compadecido, depois de se
aconselhar com os seus monges, resolveu com eles,
como foi da vontade de Deus, entregar ao bem-aventurado Francisco e seus frades a igreja de Santa Maria da
Porciúncula, a mais pobre que eles possuiam. Para o bem-aventurado Francisco era tudo quanto de há muito
desejava. … Não cabia em si de contente, com o benefício recebido: porque a igreja era dedicada à Mãe de
Cristo; porque era muito pobre; e também pelo nome que era conhecida. Era com efeito chamada de
Porciúncula, presságio seguro de quje viria a ser cabeça e mãe dos pobres frades menores. O nome de
Porciúncula tinha sido dado a esta igreja por ter sido construída numa porção acanhada de terreno que de há
muito assim era chamada” (Legenda Perusina, cap. 8).
• “Depois que o santo de Deus trocou de hábito e acabou de reparar a Igreja de São Damião, mudou-se para
outro lugar próximo da cidade de Assis, … chamado Porciúncula, onde havia uma antiga igreja de Nossa
Senhora Mãe de Deus, mas estava abandonada e nesse tempo não era cuidada por ninguém. Quando o santo
de Deus a viu tão arruinada, entristeceu-se porque tinha grande devoção para com a Mãe de toda bondade, e
passou a morar ali habitualmente. No tempo em que a reformou, estava no terceiro ano de sua conversão” (
T.Celano, Vida I, cap. 9,21).
• “Embora o Seráfico Pai soubesse que o reino dos céus é estabelecido em todos os lugares da terra… sabia,
no entanto, por experiência, que Santa Maria dos Anjos havia sido contemplada com bençãos especiais… Por
isso recomendava sempre os frades: ‘Meus filhos, tende cuidado de jamais abandonar este lugar. Se vos
expulsarem por uma porta, entrai pela outra. Este lugar é sagrado, morada de Cristo e da Virgem Maria, sua
bendita Mãe. Aqui, quando éramos apenas um pequeno número, o bom Deus nos multiplicou. Aqui ele
iluminou a alma destes pequeninos com a luz de sua sabedoria, abrasou a nossa alma com o fogo de seu amor”
(Espelho da Perfeição, cap. 83).
• “Neste tempo nasceu a Ordem dos Frades Menores, multidão de homens que, então, começou a seguir o
exemplo do Seráfico Pai. Clara, esposa de Cristo, recebeu nesta igreja a tonsura, despojando-se das pompas
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do mundo para seguir a Cristo. Aqui, para Cristo, a Santa Virgem Maria gerou os frades e as Pobres Damas,
e, por meio deles, deu Cristo ao mundo. Aqui, estrada larga do mundo antigo tornou-se estreita e a coragem
dos que foram chamados tornou-se maior. Aqui foi composta a Regra, a santa pobreza foi reabilitada, a vaidade
humilhada e a cruz alçada às alturas. Se algumas vezes o Seráfico Pai sentiu-se conturbado e aflito, neste lugar
reanimou-se, o seu espírito recuperou a paz interior. Aqui desaparece toda a dúvida. Por fim, aqui se concede
aos homens tudo que o pai pediu por eles” (Espelho da Perfeição, cap. 84).
O Presépio
Sua maior intenção, seu desejo principal e plano
supremo era observar o Evangelho em tudo e por
tudo, imitando com perfeição, atenção, esforço,
dedicação e fervor os “passos de Nosso Senhor
Jesus Cristo no seguimento de sua doutrina”. Estava
sempre meditando em suas palavras e recordava
seus atos com muita inteligência. Gostava tanto de
lembrar a humildade de sua encarnação e o amor de
sua paixão, que nem queria pensar em outras coisas.
Precisamos recordar com todo respeito e admiração
o que fez no dia de Natal, no povoado de Greccio,
três anos antes de sua gloriosa morte. Havia nesse
lugar um homem chamado João, de boa fama e vida
ainda melhor, a quem São Francisco tinha especial
amizade porque, sendo muito nobre e honrado em
sua terra, desprezava a nobreza humana para seguir
a nobreza de espírito. Uns quinze dias antes do
Natal, São Francisco mandou chamá-lo, como
costumava, e disse: “Se você quiser que nós
celebremos o Natal de Greccio, é bom começar a
preparar diligentemente e desde já o que vou dizer.
Quero lembrar o menino que nasceu em Belém, os
apertos que passou, como foi posto num presépio, e
ver com os próprios olhos como ficou em cima da
palha, entre o boi e o burro”. Ouvindo isso, o
homem bom e fiel correu imediatamente e preparou
o que o santo tinha dito, no lugar indicado.
Aproximou-se o dia da alegria e chegou o tempo da exultação. De muitos lugares foram chamados os irmãos:
homens e mulheres do lugar, de acordo com suas posses, prepararam cheios de alegria tochas e archotes para
iluminar a noite que tinha iluminado todos os dias e anos com sua brilhante estrela. Por fim, chegou o santo e,
vendo tudo preparado, ficou satisfeito. Fizeram um presépio, trouxeram palha, um boi e um burro. Greccio
tornou-se uma nova Belém, honrando a simplicidade, louvando a pobreza e recomendando a humildade.
A noite ficou iluminada como o dia e estava deliciosa para os homens e para os animais. O povo foi chegando
e se alegrou com o mistério renovado em sua alegria toda nova. O bosque ressoava com as vozes que ecoavam
nos morros. Os frades cantavam, dando os devidos louvores ao Senhor e a noite inteira se rejubilava. O santo
parou diante do presépio e suspirou, cheio de piedade e de alegria. A missa foi celebrada ali mesmo no
presépio, e o sacerdote que a celebrou sentiu uma piedade que jamais experimentara até então.
O santo vestiu dalmática, porque era diácono, e cantou com voz sonora o santo Evangelho. De fato, era “uma
voz forte, doce, clara e sonora”, convidando a todos às alegrias eternas. Depois pregou ao povo presente,
dizendo coisas maravilhosas sobre o nascimento do Rei pobre e sobre a pequena cidade de Belém. Muitas
vezes,-quando queria chamar o Cristo* de Jesus, chamava-o também com muito amor de “menino de Belém”,
e pronunciava a palavra “Belém” como o balido de uma ovelha, enchendo a boca com a voz e mais ainda com
Símbolos Franciscanos JUFRA SERGIPE – PAZ E BEM
a doce afeição. Também estalava a língua quando falava “menino de Belém” ou “Jesus”, saboreando a doçura
dessas palavras.
Multiplicaram-se nesse lugar os favores do Todo-Poderoso, e um homem de virtude teve uma visão admirável.
Pareceu-lhe ver deitado no presépio um bebê dormindo, que acordou quando o santo chegou perto. E essa
visão veio muito a propósito, porque o menino Jesus estava de fato dormindo no esquecimento de muitos
corações, nos quais, por sua graça e por intermédio de São Francisco, ele ressuscitou e deixou a marca de sua
lembrança. Quando terminou a vigília solene, todos voltaram contentes para casa.
Guardaram a palha usada no presépio para que o Senhor curasse os animais, da mesma maneira que tinha
multiplicado sua santa misericórdia. De fato, muitos animais que padeciam das mais diversas doenças naquela
região comeram daquela palha e tiveram um resultado feliz. Da mesma sorte, homens e mulheres conseguiram
a cura das mais variadas doenças.
O lugar do presépio foi consagrado a um templo do Senhor e no próprio lugar da manjedoura construíram um
altar em honra de nosso pai Francisco e dedicaram uma igreja, para que, onde os animais já tinham comido o
feno, passassem os homens a se alimentar, para salvação do corpo e da alma, com a carne do cordeiro
imaculado e não contaminado, Jesus Cristo Nosso Senhor, que se ofereceu por nós com todo o seu inefável
amor e vive com o Pai e o Espírito Santo eternamente glorioso por todos os séculos dos séculos. Amém.
Aleluia, Aleluia.
O Cântico das Criaturas
Quase moribundo, compôs São Francisco o Cântico das criaturas. Até ao fim da vida queria ver o mundo
inteiro num estado de exaltação e louvor a Deus. No outono de 1225, enfraquecido pelos estigmas e
enfermidades, ele se retirou para São Damião. Quase cego, sozinho numa cabana de palha, em estado febril e
atormentado pelos ratos, deixou para a humanidade este canto de amor ao Pai de toda a criação.
A penúltima estrofe, que exalta o perdão e a paz, foi composta em julho de 1226, no palácio episcopal de
Assis, para pôr fim a uma desavença entre o bispo e o prefeito da cidade. Estes poucos versos bastaram para
impedir a guerra civil. A última estrofe, que acolhe a morte, foi composta no começo de outubro de 1226.
A oração do santo diante do crucifixo de São Damião e o Cântico do Sol são as únicas obras de São Francisco
escritas em italiano antigo e, por isso, são dos mais importantes documentos literários da linguagem popular.
Foi nesta língua que ele certamente ditou a maioria de seus escritos, antes que os irmãos versados em letras os
traduzissem para a língua comum da época, o latim.
“Na tradição ocidental Francisco de Assis é visto como uma figura exemplar de grande irradiação. Com fina
percepção sentia o laço de fraternidade e de sonoridade que nos une a todos os seres. Ternamente chama a
todos de irmãos e irmãs: o sol, a lua, as formigas e o lobo de Gubbio. As coisas tem coração. Ele sentia seu
pulsar e nutria veneração e respeito por todo ser, por menor que fosse. Nas hortas, também as ervas daninhas
tinham o seu lugar, pois do seu jeito elas louvam o Criador.
O coração de Francisco significa um estilo de vida, a expressão genial do cuidado, uma prática de
confraternização e um renovado encantamento pelo mundo. Recriar esse coração nas pessoas e resgatar a
cordialidade nas relações poderá suscitar no mundo atual o mesmo fascínio pela sinfonia do universo e o
mesmo cuidado com irmã e mãe Terra como foi paradigamaticamente vivido por São Francisco.”
O CÂNTICO DAS CRIATURAS (OU CÂNTICO DO IRMÃO SOL)
Altíssimo, onipotente, bom Senhor
Teus são o louvor, a glória, a honra
E toda a benção.
Só a ti, Altíssimo, são devidos;
E homem algum é digno
De te mencionar
Louvado sejas, meu Senhor
Com todas as tuas criaturas,
Especialmente o senhor irmão Sol,
Que clareia o dia
Símbolos Franciscanos JUFRA SERGIPE – PAZ E BEM
E com sua luz nos alumia.
E ele é belo e radiante
Com grande esplendor:
De ti, Altíssimo, é a imagem.
Louvado sejas, meu Senhor,
Pela irmã Lua e as Estrelas,
Que no céu formaste as claras
E preciosas e belas.
Louvado sejas, meu Senhor,
Pelo irmão Vento,
Pelo ar, ou nublado
Ou sereno, e todo o tempo,
Pelo qual às tuas criaturas dás sustento.
Louvado sejas, meu Senhor
Pela irmã Água,
Que é muito útil e humilde
E preciosa e casta.
Louvado sejas, meu Senhor,
Pelo irmão Fogo
Pelo qual iluminas a noite,
E ele é belo e jucundo
E vigoroso e forte.
Louvado sejas, meu Senhor,
Por nossa irmã a mãe Terra,
Que nos sustenta e governa
E produz frutos diversos
E coloridas flores e ervas.
Louvado sejas, meu Senhor,
Pelos que perdoam por teu amor,
E suportam enfermidades e tribulações.
Bem-aventurados os que as sustentam em paz,
Que por Ti, Altíssimo, serão coroados.
Louvado sejas, meu Senhor,
Por nossa irmã a Morte corporal,
Da qual homem algum pode escapar.
Ai dos que morrerem em pecado mortal!
Felizes os que ela achar
Conformes à tua santíssima vontade,
Porque a morte segunda não lhes fará mal!
Louvai e bendizei ao meu Senhor,
E dai-lhe graças,
E servi-o com grande humildade.
A Benção de São Francisco
O pequeno pergaminho de 14 x 10 cm, dado por Francisco a Frei Leão, contém dois textos: de um lado a
oração Louvores de Deus e do outro a Bênção a Frei Leão, seu fiel companheiro:
O Senhor te abençoe e te guarde,
Mostre a ti o seu rosto e tenha misericórdia de ti.
Volte para ti o seu olhar
e te dê a paz.
Símbolos Franciscanos JUFRA SERGIPE – PAZ E BEM
Embaixo do escrito, Frei Leão acrescentou de próprio punho e com
bela caligrafia em tinta vermelha: “O bem-aventurado Francisco
escreveu de próprio punho esta bênção para mim, Frei Leão”.
As palavras da Bênção de São Francisco correspondem, nas cinco
primeiras linhas, quase completamente à benção de Aarão do livro
dos Números (Nm 6,22-26). Mas o Santo deixa fora duas vezes a
palavra “Senhor” (Jahwe-Dominus), que está três vezes no texto
bíblico, tríplice repetição que fez os Padres da Igreja verem uma
alusão à Trindade:
O Senhor te abençoe…
O Senhor te mostre…
O Senhor volte para ti…
Retomada na liturgia pós-conciliar, ela foi colocada no novo missal
como primeira entre as possíveis bênçãos solenes do período “per
annum”. Além disso, a leitura de Nm 6,22-26 está nos três ciclos
litúrgicos como primeira leitura na festa de 1º de janeiro. Hoje é um bem “recuperado” pela Igreja Católica. A
revalorização desta bênção deve então ser muito sentida por todos os que pertencem à família franciscana.
Redescobrindo-a e voltando a utilizá-la estaremos fazendo o que fez Francisco ao recuperar uma fórmula
litúrgica quase esquecida, considerando-a apta para consolar o amigo na aflição. Usando-a, Francisco
descobriu o profundo significado da fórmula e, no modo de usá-la, mostrou que captou precisamente seu
sentido original.
As palavras que Francisco acrescentou às bíblico-litúrgicas são poucas, mas importantes, porque são pessoais
do Santo: “O Senhor te abençoe, Frei Leão”. Essas palavras foram deslocadas um pouco à direita e escritas de
modo a fazer passar a haste vertical da cruz através do nome de Frei Leão. De forma muito simples, Francisco
dá a bênção a seu sofrido companheiro. A invocação pessoal mostra a preocupação materna de Francisco por
seu fidelíssimo amigo, pai, confessor e secretário. Leão é sacerdote, Francisco apenas diácono: neste caso, é
um não-sacerdote que abençoa o sacerdote.
Francisco, ao abençoar, põe-se – e talvez muito conscientemente – na linha dos que, no AT, mediavam a
bênção de Javé e na liturgia da Igreja invocavam, em situações especiais, a bênção de Deus sobre uma pessoa
ou sobre o povo. Fazendo isso, o Santo põe em prática uma habilitação dada pelo batismo e para a qual tinha
sido encarregado como diácono.
DO “VÓS” DE DEUS AO “TU” DO IRMÃO
Os Louvores de Deus, como se encontram no frontispício do pergaminho, repetem por mais de trinta vezes a
invocação “vós”, e nunca usam a palavra “eu”. Diante da riqueza e da grandeza de Deus, engrandecidas com
títulos e invocações sempre renovados, coloca-se como que de lado. Mesmo mudando as palavras, o que sobra
é o dom de si ao inalcansável e inefável VÓS.
Na Bênção, em vez disso, Francisco sai dessa imersão mística do Vós divino para se voltar ao tu do irmão.
Mesmo nesse caso o eu do Santo fica completamente em segundo plano. O que interessa é só o Senhor e seu
irmão Leão. No breve texto de bênção repete-se sete vezes o pronome “tu-te”, estendendo assim o seu voltar-
se do Vós de Deus para o tu do irmão sofrido e aflito.
Francisco não dá a seu companheiro nenhuma sugestão prática sobre o que tem que fazer; diante de Leão
comporta-se de forma discreta, abençoando-o “apenas”. Como na outra parte do pergaminho tinha
encaminhado para a grandeza e bondade de Deus, agora só põe Frei Leão sob a bênção do mesmo
misericordioso protetor, guarda e defensor, para que Ele volte seu rosto para o irmão e dele tenha misericórdia.
O rosto do Senhor, que iluminou as trevas de Francisco em São Damião, ilumine também a escuridão de Frei
Leão. Aquele rosto que, na figura do serafim, tinha marcado em Francisco as feridas do amor, inflame de amor
também Frei Leão. Aquele que é “segurança e descanso” dê também a Frei Leão shalom, paz e bem.
Símbolos Franciscanos JUFRA SERGIPE – PAZ E BEM
O fiel companheiro, desencorajado pela visão da cruz experimentada por Francisco, foi englobado, através da
bênção, no encontro que o Santo teve com Cristo. Francisco quer fazê-lo participar daquela graça que lhe foi
dada através de sua personalíssima bênção, reforçada com o “Sinal do Tau com a cabeça”.
UMA BÊNÇÃO CONSOLADORA PARA FREI LEÃO E PARA NÓS
Independentemente de como Frei Leão interpretou o desenho posto no fim da bênção, é certo que o gesto de
bênção e as palavras de Francisco foram para ele um sinal de consolação, como ainda é para nós hoje.
O significado central do pergaminho todo pode ser assim resumido: uma consolação para todo mundo. Toda
pessoa pode percebê-la como dirigida a si. Ainda que os Louvores de Deus sejam uma personalíssima oração
de Francisco, escrita por ele depois de receber os estigmas, não se restringem àquela situação mas, como
oração, valem para todo tempo e estão abertos a todas as pessoas.
Os louvores litânicos apresentam a grandeza e a bondade de Deus e convidam a entrar com Francisco na
santidade, na grandeza, no amor, na mansidão e na bondade de Deus e isso acontece quando levamos Cristo
no nosso coração e no nosso corpo através do amor e da consciência pura e sincera, e o geramos através do
santo agir, que deve resplandecer como exemplo para os outros (2CtFi 53).
Ainda que em nós não foram impressos os estigmas do crucificado de modo visível, cada um tem suas feridas
que podem salvar, que podem tornar-se fonte de salvação para si e para os outros. A cada um que se deixa
ferir em nome de Cristo e que leva em si a sua cruz, Francisco repete o que disse a Leão: também tu estás
marcado com a cruz de Cristo e por isso és abençoado. És um possuído de Deus e estás sob a proteção dele.
Assim todos os que tentam seguir Jesus na fadiga de sua vida podem ler a bênção de Francisco como
endereçada a eles, ver-se marcados com o Tau e poder assim afirmar: este Tau é a cruz, o sinal de Cristo, do
cordeiro que foi imolado. Através dele também eu sou redimido. Posso me contar entre aqueles sobre os quais
foi assinalado o tau, que vieram da grande tribulação e lavaram suas roupas no sangue do cordeiro. Agora eles
vivem em comunhão com ele e a seu serviço. E o cordeiro vai conduzi-los às fontes da água da vida, e Deus
vai enxugar suas lágrimas.
Francisco tornou-se um sinal também para mim. Nele tornaram-se visíveis os sinais da paixão de Cristo. Ele
é como o anjo do sexto selo que segura o juízo de condenação de Deus e sela e abençoa os servos de Deus. Na
cruz de Cristo também eu sou assinalado e salvo. E como Francisco posso agora também eu abençoar os outros
e tornar-me sinal e sentido, paz e salvação para eles. Eu, o seu irmão Leão, e os nossos irmãos e nossas irmãs.
Há diversos modos de bênção: a bênção do olhar, da mão, da palavra e da oração. Quem segue esses caminhos
torna-se uma bênção para os outros. Como eu poderia ser uma “ponte de bênção” tornando-me um sinal de
esperança para os outros?
A saudação de Paz e Bem
A saudação franciscana de “Paz e Bem” tem sua origem na
descoberta e na vocação do envio dos discípulos, que São
Francisco descobriu no Evangelho e, que ele colocou na Regra
dos Frades Menores – “o modo de ir pelo mundo”. Lucas (10,5)
fala na saudação “A paz esteja nesta casa”, e Francisco
acrescenta que a saudação deve ser dada a todas as pessoas que
os frades encontrarem pelo caminho: “O Senhor vos dê a paz”.
No seu Testamento, Francisco revela que recebeu do Senhor
mesmo esta saudação. Portanto, ela faz parte de sua inspiração
original de vida: anunciar a paz. Muito antes de São Francisco,
o Mestre Rufino (bispo de Assis, na época em que Francisco
nasceu), já escrevera um tratado, “De Bono Pacis” – “O Bem da
paz” e, que certamente deve ter influenciado a mística da paz na
região de Assis. Haviam, então, diferentes formas de saudação
da paz, entre elas a de “Paz e Bem”.
Símbolos Franciscanos JUFRA SERGIPE – PAZ E BEM
A PAZ INTERIOR COMO FUNDAMENTO DA PAZ EXTERIOR
Na Legenda dos três companheiros (58), São Francisco dá para seus frades, o significado único para a paz:
“A paz que anunciais com a boca, mais deveis tê-la em vossos corações. Ninguém seja por vós provocado à
ira ou ao escândalo, mas todos por vossa mansidão sejam levados à paz, a benignidade e à concórdia. Pois é
para isso que fomos chamados: para curar os feridos, reanimar os abatidos e trazer de volta os que estão no
erro”.
Trata-se da paz do coração que conquistaram. Francisco exorta seus frades a anunciar a paz e a testemunhá-la
com doçura, porque este é o único caminho de comunicação para atrair todos os homens para a verdadeira
paz, a bondade e a concórdia.
A saudação da paz, como primeira palavra que os frades dirigem aos outros, tem o objetivo de abrir os corações
à paz, isto é, à força espiritual interior: a paz interior da bem-aventurança e a paz proclamada e dirigida a todos,
constituem uma única e mesma realidade.
O BEM DA PAZ – O “SUMO BEM”
Deus Sumo Bem é a experiência fundamental de Francisco, o ponto de partida de sua espiritualidade. Nela se
fundamenta a vida franciscana como resposta de amor, configurando o amado ao Amor. Portanto, “Bem” é
Deus-Amor, é a caridade.
Deus, o Sumo Bem, chamou a todos a participarem do seu Ser, não no sentido de “soma de todos os bens
divinos”, mas Deus, enquanto “bem único”. Por isso, a atitude típica de São Francisco é o êxtase adorante e a
decisão de estar sempre a serviço deste Deus; um serviço que nasce da alegria da gratidão. É a atitude que
projeta em Deus a completude de si mesmo, que leva a renúncia a tudo, até à posse de Deus. Francisco descobre
neste “vazio”, a presença de Deus, unicamente como “dom”.
E é justamente este o sentido da resposta humana, a da conversão ao Bem, ao “Sumo Bem”: aceitar Deus como
centro absoluto da própria existência, e inserir-se no seu projeto tornando-se seu colaborador. Desta
experiência nasce a “doçura”, que enche a vida de Francisco, a sua necessidade de entregar tudo a Deus
(pobreza), de render-lhe graças e louvá-lo sem cessar. Desta experiência nasce também a confiança de tudo
arriscar, sabendo que Deus não o deixará desamparado.
“PAZ E BEM” – A PAZ SE CONSTRÓI PELA CARIDADE
Portanto, a saudação franciscana de “Paz e Bem” é um programa de vida, é uma forma evangélica de viver o
espírito das bem-aventuranças. Nestas duas ‘pequenas’ palavras se esconde um dinamismo e uma provocação:
saudar alguém com “Paz e Bem” é o mesmo que dizer: o amor de Deus que trago em meu ser, é a mesma
pessoa que reconheço nos outros e no mundo e, por causa d’Ele, devemos viver a caridade – o Bem – entre
nós.
Daí que, a paz só se constrói por meio da caridade (o Bem), porque a caridade é “forte como a morte” (ct 8,6);
à qual ninguém resiste e, quando vem, mata o mal que fomos para que sejamos outro bem. A caridade gera a
paz. A caridade está na paz assim como o espírito da vida está no corpo. A caridade sozinha mantém
firmemente unidos na paz os filhos da Igreja; faltando a caridade, esta paz se dissolve. A caridade vivifica os
membros de Cristo, os une e os faz estar em harmonia num só corpo. Ela é como um cabo, em cuja parte
superior foi aplicado um gancho que liga a divindade à humanidade, o cordão que o senhor colocou na terra e
com o qual ergueu o homem para o céu”.
FONTE: http://www.franciscanos.org.br/?page_id=574
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