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Page 1: Síndrome Dos Edifícios Doentes

.�.Encarte Técnico Revista Abrava . Edição 260 . Setembro 2008

abravaE N C A R T E T É C N I C O D A R E V I S TA refrigeração

ar condicionado

ventilação

aquecimento

Edição 260 . setembro 2008 . ano 32

O artigo “Fungos e Síndrome dos Edifícios Doentes no Brasil” de autoria de Cristiane Minussi Degobbi, dou-toranda do Departamento de Patologia da FMUSP, e

de Walderez Gambale, Professor do Depto de Microbiologia do ICBUSP e professor do Depto de Morfologia e Patologia Básica da Faculdade de Medicina de Jundiaí, traz uma abor-dagem científica muito bem documentada e objetiva sobre a contaminação microbiológica na qualidade do ar interior e

coloca em sua devida perspectiva as tentativas de se estipular padrões numéricos para as concentrações aceitáveis de fun-gos no ambiente interno.Um trabalho sério e extremamente competente, com des-taque para a participação de uma das mais reconhecidas autoridades na matéria, o professor Walderez Gambale.

Engº Simon Jacques Levy . Consultor Técnico da Abrava

Síndrome dos Edifícios Doentes: Aspectos microbiológicos, qualidade do ar em ambientes interiores e legislação brasileira (parte 1)

IntroduçãoNo início do século XX houve uma mudança arquitetônica no padrão de edifícios, principalmente comerciais, que se tornaram cada vez mais altos, envidraçados, sem ventilação natural e com maior quantidade de pessoas por metro quadrado. Essa alteração no pa-drão arquitetônico foi acompanhada, durante o decorrer desse século, por uma necessidade de utilização de ma-teriais de construção diferenciados e sistemas de ventilação que reduzissem a entrada de poluentes provenientes do meio externo e garantissem uma tem-peratura agradável.A utilização de materiais como car-petes, computadores, impressoras, aparelhos de fax e móveis prensados levaram a uma liberação e conseqüen-

te acúmulo de gases e outros compos-tos químicos que podem atuar isola-damente ou em sinergia resultando, muitas vezes, em reações adversas nos ocupantes. Ainda, a melhoria do isola-mento térmico, associada a um acúmu-lo de umidade no ambiente e sistemas de climatização, também propiciou o desenvolvimento de contaminantes biológicos, tais como fungos, bacté-rias, ácaros, protozoários e algas.Com a crise energética na década de 70, essas questões passaram por um agravamento. A fim de facilitar o iso-lamento térmico dos edifícios, foram abolidas as aberturas externas e as ta-xas de renovação do ar dos sistemas de climatização passaram a ser meno-res, de 17 m3/h para 8,5 m3/h.Todas essas mudanças foram tornan-

do os ambientes interiores quase to-talmente desconectados do ambiente exterior, e eventualmente propician-do formação de microssistemas eco-lógicos diferenciados.No entanto, o impulso nas pesquisas so-bre doenças relacionadas aos edifícios ocorreu a partir de 1976 quando 250 legionários veteranos comemoravam o dia da independência dos EUA reuni-dos num hotel da Filadélfia e 182 foram acometidos por um quadro respiratório agudo sendo que 29 foram a óbito. Esse quadro clínico recebeu o nome de do-ença dos legionários ou Legionelose e as pesquisas resultaram na descoberta da bactéria Legionella, que havia sido aerolizada a partir do sistema de ar con-dicionado central do edifício. A partir desse episódio, o problema

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tomou-se uma grande preocupação mundial sendo que a literatura assina-lava no começo da década de 80, em torno de 5000 estudos relacionados à Síndrome dos edifícios doentes - SED (Stolwijk, 1984). Esse termo passou a ser vigente em 1982, quando o Comi-tê técnico da Organização Mundial de Saúde definiu os principais sintomas de reconhecimento dessa síndrome: fadiga, letargia, cefaléia, prurido e ardor nos olhos, anormalidades na pele, irritação do nariz e garganta e falta de concentração em trabalha-dores de escritórios (WHO in Santos

et al., 1992). Apesar da ênfase dada a escritórios, esses sintomas podem ser observados também em outros ambientes, tais como residências, bi-bliotecas, creches e escolas. Em termos práticos a Síndrome é de-tectada quando em torno de 20% dos ocupantes desses edifícios apresen-tam os sintomas.As causas desses sintomas não são bem definidas, sendo associadas a uma interação de fatores como: problemas no sistema de climatização artificial, substâncias químicas e físicas e mi-crorganismos. Dentre as substâncias

químicas relevantes estão os gases, vapores, aminas e formaldeídos (provenientes de colas, vernizes de mó-veis, carpete e fumo); dentre as substâncias físicas está o material particulado (prove-niente do ambiente externo, poeira e fibras liberadas no ambiente interno); e final-mente, dentre importantes

agentes biológicos estão os fungos, bactérias, algas, amebas e pólen (pro-venientes do ambiente externo ou de fontes internas que incluem o sistema de climatização). Em um dos estudos importantes con-duzidos ainda na década de 80 por Sterling & Sterling (1983), foi feito o monitoramento dos sintomas da Síndrome a partir de taxas de absen-teísmo e reclamação dos ocupantes. Após mudança de um edifício com ventilação natural, para um edifício “fechado”, houve aumento significa-tivo nas taxas de absenteísmo, como mostra o gráfico 1.Além da abordagem de questões de natureza inflamatória, alguns mode-los de taxa de renovação versus ris-co de infecções por rotas aéreas em trabalhadores podem ser encontrados na literatura. Em um deles, o aumento da taxa de renovação do ar em 0,057 m3/min levaria a uma redução na in-fecção dos ocupantes por Mycobac-terium tuberculosis em aproximada-mente 52% (Nardell et al., 1991).Além da baixa renovação do ar e acú-mulo de poluentes, outras característi-cas podem ser determinantes na etio-logia da Síndrome. Entre os fatores importantes para observação de sin-tomas, estão os psicossociais, como a insatisfação com o trabalho (Skov et al., 1989), o sexo – estudos mostram que as mulheres tendem a perceber ou reportar mais os sintomas (Santos et al., 1992)–, iluminação, temperatu-ra e umidade relativa insatisfatórias, normalmente percebidas de forma diferenciada pelo grupo de alérgicos, que tende a ser mais sensível a tais mudanças (Graudenz et al., 2006).Esses tipos de sintomas podem ser

Tabela 1: Diferenças entre Síndrome dos Edifícios Doentes e doenças relacionadas aos edifícios (Adaptado de Graudenz., 2001).

Síndrome dos edifícios doente

Etiologia não definidaMulticausal

Doenças relacionadas a edifíciosEtiologia definida

Sintomas Patologia Etiologia e sintomas

Fadiga, letargia, cefaléia, prurido e ardor nos olhos, anormalidades na pele, irritação do nariz e garganta e falta de concentração.

Legionelose Legionella pneumophila – pneumonia.

Febre de PontiacLegionella pneumophila – febre e mialgia

Pneumonite de hipersensibilidade

Principalmente fungos e bactérias – febre, tosse, pneumonia

Febre do Umidificador

Principalmente fungos e bactérias – febre e mialgia

Rinite a asmaÁcaros, fungos, bactérias, alérgenos de animais e outros – prurido nasal, espirros, tosses e faltas de ar

Dermatite de contato

Materiais irritativos, como produtos de limpeza – prurido, descamação da pele

Gráfico 1: Aumento da taxa de absenteísmo após mudança de funcionários para prédio novo.

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observados em larga escala tanto em prédios antigos devido, por exemplo, à falta de manutenção do sistema de ar condicionado e idade dos dutos, como em edifícios novos, que apresentam acúmulos de poluentes principalmente de natureza química liberados por ver-nizes, tintas, carpetes e outros acaba-mentos (Lundholm et al., 1990).Outro termo que vem sendo utilizado atualmente é DER - doenças relacio-nadas a edifícios. Diferentemente da SED, são doenças com causa defini-da, como é o caso da legionelose.Essas doenças geralmente são desen-cadeadas por agentes biológicos ou químicos presentes no ar de determi-nados ambientes. São relacionadas a mecanismos imunológicos, processos infecciosos ou toxicidade direta dos agentes causais.Em resumo, a SED é multicausal e a DRE tem causa determinada. As principais diferenças entre elas estão explícitas na tabela 1.A síndrome é bastante estudada em diversos países e a bibliografia médi-ca estrangeira é extensa. Embora não seja causa de morte e diminuição da expectativa de vida, seus sintomas causam desconforto e aumento do absenteísmo no ambiente de trabalho, reduzindo a eficiência e refletindo-se na economia geral do país. As esti-mativas do impacto econômico dos problemas relacionados à SED, como custos médicos, perdas decorrentes de absenteísmo e queda na produtivi-dade dos funcionários são da ordem de 10 bilhões de dólares ao ano nos Estados Unidos da América (Seltzer, 1994), indicando a dimensão do pro-blema e justificando a preocupação mundial nesse assunto.

Aspectos microbiológicos relacionados à síndrome do edifício doente (sed) ou doenças relacionadas a edifícios (dre)

FungosOs principais fungos relacionados a problemas de qualidade do ar de ambientes internos são os bolores. A maioria das espécies de fungos é pro-veniente de ambientes externos onde habitam o solo e, ao lado de outros mi-crorganismos, atuam na ciclagem dos materiais na natureza. Além do solo, os fungos também vivem nos vegetais, outros são exclusivamente aquáticos e alguns fazem parte da microbiota nor-mal do homem e de outros animais.Em seu hábitat natural, os fungos, com condições ambientais e de nutrição ade-quadas, multiplicam-se assexuada ou sexuadamente de acordo com a espécie e seu ciclo de vida. Os fungos se dis-persam na natureza por várias vias e a eficiência da dispersão dos fungos está relacionada à alta produção de propágu-los de disseminação, sendo os mais im-portantes os esporos, principalmente os de origem assexuada, que são formados em grande quantidade nesse processo. Além dos esporos, fragmentos de micé-lio vegetativo ou outras estruturas fún-gicas, podem também se constituir em elementos de disseminação dos fungos.A via de dispersão mais utilizada pelos fungos é o ar atmosférico, onde os pro-págulos podem ser levados a grandes distâncias pelos ventos. Entretanto, no processo de dispersão, outras vias podem ser utilizadas em um ou outro momento, como homem, animais, in-setos, água (Figura 1). O homem e os

animais, além de terem uma microbio-ta fúngica endógena, são também im-portantes vias de dispersão de fungos. Na sua superfície corpórea, principal-mente, encontramos várias espécies de fungos em processo de dispersão, constituindo uma microbiota transi-tória. Todas essas vias participam da entrada não somente de fungos, mas também de outros microrganismos para o ambiente interior de edifícios. Quando depositados em ambientes in-ternos, encontrando condições ambien-tais favoráveis e nutrientes adequados, os fungos se reproduzem sucessiva-mente, formando colônias visíveis (co-mumente conhecidas com o nome de mofo). A sua variabilidade enzimática é grande e podem colonizar os mais va-riados substratos, como objetos de cou-ro, roupas, colchões, paredes, carpetes, lentes de câmeras fotográficas (Block, 1953), argamassas, tintas, derivados de petróleo, alimentos e outros materiais, eventualmente deteriorando-os. Quan-do não há condições adequadas para a colonização, dependendo da espécie, permanecem invisíveis a olho nu, por longos períodos. Nesse processo de de-senvolvimento, interferem vários fatores importantes como temperatura, umida-de relativa do ar, pH e atividade de água do substrato entre outros. No entanto, a principal condição necessária ao seu de-senvolvimento é a umidade e, de forma geral, o crescimento de bolor é ótimo com umidade relativa do ar acima de 95% e é inibido em umidades relativas abaixo de 50% (Clark et al., 2004).Como umidade relativa, entende-se pressão de vapor d’água e está inti-mamente relacionado à temperatura. O ar condicionado pode ser uma fonte interna de umidade e diminuição de

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temperatura, portanto de instalação de mofo. No inverno, a temperatura das paredes e das janelas é menor do que a temperatura do ambiente. Assim pode acontecer do vapor de água presente no ambiente transformar-se em gotí-culas de água quando entra em contato com superfícies mais frias (janelas e paredes), aumentando as chances de instalação de mofo nesses locais.O problema de mofo geralmente é diagnosticado quando a mancha é vi-sível ou mesmo quando se é possível sentir o odor característico provenien-te dos compostos orgânicos voláteis liberados no metabolismo do fungo.

Com concentração aumentada no ambiente interior, os fungos podem ocasionar respostas alérgicas (em in-divíduos atópicos), tóxicas ou infec-ciosas. Deve-se ressaltar, no entanto que tais respostas dependerão da sus-ceptibilidade do indivíduo e até mes-mo da espécie e concentração do fun-go com a qual se entra em contato.Esporos de fungos podem variar entre 1 e 30µm (Jones et al., 2004) e dependen-do do tamanho, podem ser depositados no nariz, garganta, regiões superiores do pulmão ou regiões mais profundas, como os alvéolos pulmonares. Quanto menor o esporo, mais profunda a região na qual ele pode penetrar.Esporos e fragmentos são fontes primá-rias de alérgenos, sendo que mais de 80 gêneros estão relacionados a sintomas respiratórios (Burge et al., 2000). Em or-dem de importância de citação na litera-tura estão Alternaria alternata (Licorish et al., 1985; Tariq et al., 1996; Fung et al., 2000; Bush et al., 2004;), Cladospo-rium herbarium (Tariq et al., 1996), Pe-nicillium sp (Licorish et al., 1985; Gent et al., 2002), Dreschlera monoceras (Menezes et al., 1998), principalmente em estudos com asmáticos. No caso de Alternaria, o principal alér-geno é Alt a 1, que possui atividades enzimáticas (Saenz-de-Santamaria et

al., 2006). Porém, um agente importante e presente em todos os fungos e algumas bac-térias é o (1-->3)-β-D-Glucano, um com-posto de poliglicose constituinte da parede celular (Dillon et al., 1996). Diversos estu-dos realizam medições

dessa substância e encontram respostas inflamatórias de aumento de linfócitos sanguíneos nos indivíduos expostos (Beijer et al., 2002), Imunoglobulina E (Beijer in: Su et al., 2005), interferon α ou citocinas de resposta pró-inflamatória (Sigsgaard et al., 2000). De forma geral, existem evidências sufi-cientes de que bolores são responsáveis por sintomas respiratórios do trato supe-rior (congestão nasal, espirros, prurido nasal, irritação na garganta e tosse seca) e no trato inferior (dificuldade de respi-rar, associada a “chiado” no peito) (Cla-rk et al., 2004) ou irritação nos olhos e na pele (Rylander et al., 1992). Um estudo conduzido em escolas ame-ricanas mostrou uma prevalência signi-ficativamente maior de Penicillium sp em 41% das escolas onde havia queixas relativas à Síndrome do Edifício Doen-te, mostrando a importância desse fun-go na deflagração de sintomas (Cooley et al., 1998) – gráfico 2. Outros estudos confirmam a importância do gênero (Mc Grath et al., 1999), e ressaltam a questão relativa ao potencial alergêni-co diferenciado entre os gêneros e por-tanto a relevância de identificação dos mesmos em se tratando de qualidade do ar de ambientes internos. [a]

Figura 1: Habitat e vias de dispersão dos fungos.

Gráfico 2: Prevalência elevada de Penicillium sp em áreas escolares que apresentavam queixas de problemas de qualidade do ar.

. Cristiane Minussi DegobbiDoutoranda do Depto de Patologia da FMUSP . [email protected]

. Walderez GambaleProfessor do Depto de Microbiologia

do ICBUSP. Professor do Depto de Morfologia e Patologia Básica da

Faculdade de Medicina de Jundiaí . [email protected]

Artigo extraído da revista Microbiologia In Foco, edição de

abril/maio/junho de 2008, editada pela Sociedade Brasileira de Microbiologia