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LEWISCARROL

AliceEDIÇÃODEFINITIVA

COMENTADAEILUSTRADA

ASAVENTURASDEALICENOPAÍSDASMARAVILHAS&

ATRAVÉSDOESPELHO

Ilustraçõesoriginais:JOHNTENNIEL

Introduçãoenotas:MARTINGARDNER

Tradução:MariaLuizaX.deA.Borges

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Introduçãoà1ªedição(TheAnnotatedAlice)Introduçãoà2ªedição(MoreAnnotatedAlice)Sobreestaedição(Alice:EdiçãoComentada)

AventurasdeAlicenoPaísdasMaravilhasAtravésdoEspelhoeoqueAliceencontrouporláAnexo:“OMarimbondodePeruca”–inéditoNotas

EsboçosoriginaisdeTennielNotasobreasSociedadesLewisCarrollBibliografiaselecionadaAlicenastelas,porDavidSchaeferSobreCarroll,TennieleGardner

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ALICE,ONDEESTÁS?

Curiosa criança, remota Alice, empresta-me teu sonho: Eu desprezaria oscontadoresdehistóriasdehoje,Seguiriacontigoorisoeofulgor:Estoufatigado,estanoite,desantosepecadores.SomosamigosdesdequeLewiseovelhoTennielEncerraramtuaimortalidadeemvermelhoedourado.Vem!Tuaingenuidadeéumafonteperene.Deixa-meserjovemdenovoantesdeservelho.

És um espelho de juventude: esta noite escolho Perder-me profundamente emteus labirintos mágicos, Em que a Rainha Vermelha vocifera em esplêndidasnuancesEoCoelhoBrancosegueapressadoseucaminho.Vamosmaisumaveznosaventurar,demãosdadas:Faze-medenovoacreditar–noPaísdasMaravilhas!

VincentStarrett,emBrillig,1949

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Introduçãoà1ªedição(THEANNOTATEDALICE)

CONVÉM DIZER DE SAÍDA que há algo de insensato numa Alice comentada.Escrevendoem1932,nocentésimoaniversáriodonascimentodeLewisCarroll,GilbertK.Chestertonexpressouseu“medoterrível”dequeahistóriadeAlicejátivessecaídosobasmãospesadasdosacadêmicoseestivessesetornando“friaemonumentalcomoumtúmuloclássico”.“Pobre, pobre Alice!” lamentou G.K. “Não só a apanharam e a fizeram

estudar lições; foi forçada a infligir lições a outros.Alice é agoranão sóumaaluna como uma professora. As férias acabaram e Dodgson é de novo ummestre.Haveráumaimensaquantidadedeexamescomperguntascomo:(1)Oque você sabe sobre o seguinte:mimsy, gimble, olhos de hadoque, poços demelado e bela sopa? (2) Anote todos os movimentos no jogo de xadrez emAtravésdoEspelhoefaçaumdiagrama.(3)Resumaoprogramapráticodeaçãodo Cavaleiro Branco para lidar com o problema social das suíças verdes. (4)TraceadistinçãoentreTweedledumeTweedledee.”Hámuito a dizer em favor do apelo deChesterton para que não se levasse

Alice a sério demais. Mas nenhuma piada tem graça a menos que se possaentendê-la,eàsvezesosentidotemdeserexplicado.NocasodeAlice,estamoslidandocomumaespéciedenonsensemuitocurioso, complicado, escritoparaleitoresbritânicosdeumoutroséculo,eprecisamosconhecerumgrandenúmerode coisas que não fazem parte do texto se quisermos apreender todo o seuespíritoesabor.Éatémaisgravequeisso,porquealgumasdaspiadasdeCarrollsópodiamsercompreendidasporquemresidiaemOxford,eoutras,aindamaisprivadas,sóestavamaoalcancedasencantadorasfilhasdodeãoLiddell.O fato é que o nonsense de Carroll está longe de ser tão aleatório e

despropositadoquantopareceaumacriançaamericanadenossosdiasquetentaleroslivrosdeAlice.Digo“tenta”porquefoi-seo tempoemqueumacriançacommenos de 15 anos, inclusive na Inglaterra, podia lerAlice comomesmoencantamentoencontradoem,digamos,TheWind in theWillowsouOMágicode Oz. As crianças hoje sentem-se aturdidas e às vezes apavoradas pela

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atmosferadepesadelodossonhosdeAlice.Éapenasporqueadultos–cientistasematemáticosemparticular–continuamaapreciá-losqueoslivrosdeAlicetêmsua imortalidade assegurada. É apenas para esses adultos que as notas destevolumesãodirigidas.Fiz todo o possível para evitar dois tipos de notas, não porque fosse difícil

fazê-las ou porque não devessem ser feitas, mas porque são tãoextraordinariamente fáceis que qualquer leitor arguto pode fazê-las para simesmo.ComoHomero,aBíbliaetodasasoutrasgrandesobrasdefantasia,oslivrosdeAliceprestam-sefacilmenteaqualquertipodeinterpretaçãosimbólica– política, metafísica ou freudiana. Alguns comentários eruditos desse gênerosãocômicos.ShaneLeslie,porexemplo,escrevendosobre“LewisCarroll andtheOxfordMovement”(noLondonMercury,jul1933),encontraemAliceumahistória secreta das controvérsias religiosas da Inglaterra vitoriana. O pote degeleiadelaranja,porexemplo,éumsímbolodoprotestantismo(GuilhermedeOrange;captou?).AbatalhaentreosCavaleirosBrancoeVermelhoéofamosoembate de Thomas Huxley e o bispo SamuelWilberforce. A Lagarta Azul éBenjaminJowett,aRainhaBrancaéocardealJohnHenryNewman,aRainhaVermelhaéocardealHenryManning,oGatodeCheshireéocardealNicholasWiseman, e o Pargarávio “só pode ser uma medonha representação da visãobritânicadopapado…”Nos últimos anos tendeu-se naturalmente para interpretações psicanalíticas.

AlexanderWoolcottexpressoucertavezseualívioporqueosfreudianoshaviamdeixadoossonhosdeAliceinexplorados;masissofoivinteanosatráseagora,pobres de nós, somos todos psicanalistas amadores. Não precisamos que nosdigamoquesignificadespencarnumatocadecoelhoounosenroscardentrodeumacasinhaminúsculacomumpéenfiadopelachaminé.Adificuldadeéquequalquerobradenonsenseapresentatalprofusãodesímbolosconvidativosquepodemos partir de qualquer pressuposto sobre o autor para desenvolver umateoriaclínica.Considere,porexemplo,acenaemqueAliceseapoderadapontadolápisdoReiBrancoepassaaescreverporele.Emcincominutosépossívelcriarseisinterpretaçõesdiferentesparaisso.SealgumadelasestavapresentenoinconscientedeCarrolléumaquestãoextremamenteduvidosa.Maispertinenteéo fato de que Carroll tinha interesse em fenômenos psíquicos e escritaautomática,enãoconvémdescartarahipótesedequetenhasidosóporacidentequeolápisnessacenatinhaaqueleformato.Devemoslembrar tambémquemuitospersonagenseepisódiosemAlice são

resultado direto de trocadilhos e outros jogos linguísticos, e teriam assumidoformas completamente diversas se Carroll estivesse escrevendo, digamos, em

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francês. Não é preciso procurar uma explicação complicada para a TartarugaFalsa;suamelancólicapresençaémuitoadequadamenteexplicadapelasopadetartaruga falsa. Seriam as muitas referências a comida em Alice um sinal da“agressividadeoral”deCarroll,ouCarrollreconheciaquecriançaspequenassãoloucasporcomidaegostamdelersobreela?UmpontodeinterrogaçãosimilarseaplicaaoselementossádicosemAlice,quesãobastantebrandoscomparadosaosdosdesenhosanimadosdosúltimosvinteanos.Pareceinsensatosuporquetodos os diretores de desenho animado são sadomasoquistas; é mais razoávelpresumirquetodosfizeramamesmadescobertasobreoqueascriançasgostamdevernatela.Carrolleraumexímiocontadordehistórias,edevemosatribuir-lheacapacidadedefazerumadescobertasemelhante.AquestãonãoéseCarrolleraneuróticoounão (todos sabemosque era),mas se livrosdenonsenseparacrianças são ou não fontes tão úteis para a investigação psicanalítica como sepoderia supor. São ricos demais em símbolos. Os símbolos têm explicaçõesdemais.Os leitores interessados em explorar as várias interpretações psicanalíticas

conflitantes que foram feitas de Alice considerarão proveitosas as referênciascitadasnofinaldeste livro.PhyllisGreenacre,umapsicanalistadeNovaYork,fez omelhor e omais detalhado estudo deCarroll desse ponto de vista. Suaspropostas são extremamente engenhosas, possivelmente verdadeiras,mas seriadesejável que fossemenos segura de si.Há uma carta emqueCarroll fala damorte de seu pai como “omaior golpe que sofri em toda aminha vida”.NoslivrosdeAlice,ossímbolosmaternosmaisóbvios,aRainhadeCopaseaRainhaVermelha, são criaturas desalmadas, ao passo que o Rei de Copas e o ReiBranco, ambos candidatos prováveis a símbolos paternos, são sujeitos afáveis.Suponha, contudo, que vejamos tudo isso invertido por um espelho econcluamos que Carroll tinha um complexo de Édipo não resolvido. Talvezidentificassemenininhascomsuamãe,detalmodoqueaprópriaAliceseriaoverdadeirosímbolomaterno.Essaéaconcepçãodadra.Greenacre.ElaassinalaqueadiferençadeidadeentreCarrolleAliceeraquaseamesmaqueoseparavade sua mãe, assegurando-nos de que essa “inversão da fixação edipiana ébastante comum”. Segundo a dra. Greenacre, o Pargarávio e Snark sãolembrançasencobridorasdoqueosanalistasaindainsistememchamara“cenaprimária”.Podeser;mastemosnossasdúvidas.Os motivos íntimos das excentricidades do reverendo Charles Lutwidge

Dodgsonpodemserobscuros,masosaspectosexterioresdesuavidasãobemconhecidos. Por quase meio século trabalhou e residiu no Christ Church, afaculdade que foi a alma mater de Oxford. Durante mais da metade desseperíodo foi professor dematemática. Suas aulas eram insípidas e enfadonhas.

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Nãodeunenhumacontribuiçãosignificativaparaamatemática,emboradoisdeseus paradoxos lógicos, publicados na revista Mind, toquem em problemasdifíceis envolvendo o que hoje é chamado de metalógica. Seus livros sobrelógica e matemática são escritos de maneira curiosa, com muitos problemasdivertidos,massãodenívelelementareraramentelidoshoje.Carroll tinhaumaaparênciavistosaeassimétrica–doisfatosquepodemter

contribuídoparaseuinteresseporreflexosespeculares.Umombroeramaisaltoqueooutro,seusorrisoeraligeiramentetortoeoníveldosseusolhosazuisnãoera exatamente omesmo.Era de alturamediana,magro,mantinha sempre umporte rigidamente ereto e tinha umamaneira abrupta e peculiar de andar. Eraafligido pela surdez de um ouvido e por uma gagueira que fazia seu lábiosuperior tremer.Emboraordenadodiácono(pelobispoWilberforce), raramentepregavaemfunçãodesuadeficiênciadefalaenuncafoiordenadopastor.Nãohá dúvida sobre a profundidade e a sinceridade de suas ideias anglicanas.Eraortodoxo sob todos os aspectos, salvo por sua incapacidade de acreditar nadanaçãoeterna.Empolíticaeraumtory,fascinadoporlordseladiesepropensoaoesnobismo

paracomos inferiores.Reprovavavigorosamentea linguagemindecorosaeosdiálogos picantes no palco, e um de seusmuitos projetos inacabados foi o desuperar Bowdler preparando uma edição de Shakespeare apropriada parameninas. Planejava fazê-lo retirando certas passagens que atéBowdler julgarainofensivas.Eratãotímidoquepodiaficarhorasnumareuniãosocialsemnadacontribuir para a conversa,mas a timidez e a gagueira “desapareciam suave esubitamente”quandoseviaa sóscomumacriança.Eraumsolteirãocheiodemanias, empertigado, rabugento, excêntrico e gentil, que levou uma vida semsexo, sem grandes acontecimentos, e feliz. “Minha vida é tão estranhamentelivrede todosofrimentoedificuldade”, eleescreveuumavez, “quenãopossoduvidar de que minha própria felicidade é um dos talentos que me foramconfiadosparaquecomelesme‘ocupe’,atéqueoMestreretorne,fazendoalgoparatornaroutrasvidasfelizes.”Até aí, tudo muito sem graça. Começamos a ter um vislumbre de uma

personalidade mais vívida quando nos voltamos para os hobbies de CharlesDodgson. Quando era criança brincava com marionetes e prestidigitação, edurante a vida inteira gostou de fazer passes de mágica, especialmente paracrianças.Gostavademodelarumcamundongocomolençoeemseguidafazê-lopular misteriosamente de sua mão. Ensinava crianças a fazer barquinhos depapel e também pistolas de papel que estalavam quando vibradas no ar.Interessou-se por fotografia quando essa arte mal estava começando,

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especializando-se em retratos de crianças e pessoas famosas e compondo suasimagens com notável habilidade e bom gosto.Gostava de jogos de todo tipo,especialmente xadrez, croqué, gamão e bilhar. Inventou grande número deenigmas de linguagem e matemáticos, jogos, métodos de codificação e umsistema de memorização de números (em seu diário menciona o uso de seusistema mnemônico para memorizar pi até 71 casas decimais). Era umfrequentadorentusiásticodeóperaeteatronumaépocaemqueesteseramvistoscomreservaspelasautoridadeseclesiásticas.AfamosaatrizEllenTerryfoiumadasamizadesquemanteveportodaavida.Ela foi uma exceção. O principal hobby de Carroll – aquele que lhe

proporcionouasmaioresalegrias–eradivertirmenininhas.“Gostodecrianças(excetomeninos)”,escreveucertavez.Professavahorroraosmenininhos,emaistardeemsuavidapassouaevitá-lostantoquantopossível.Adotandoosímboloromanoparaumdiadesorte,escreviaemseudiário:“Marcoestediacomumapedrabranca”semprequeumdialhepareciaespecialmentememorável.Quaseinfalivelmente, seusdiasdepedrabranca eramaqueles emque tinha entretidoumaamigacriança,outravadoconhecimentocomumanova.Oscorposnusdasmeninas(emcontrastecomosdosmeninos)lhepareciamextremamentebelos.Quando a oportunidade se apresentava, desenhava-as ou fotografava-as nuas,comapermissãodamãe,éclaro.“Seeutivesseacriançamaislindadomundopara desenhar ou fotografar”, escreveu, “e descobrisse nela um ligeiroacanhamento(pormaisligeiroefacilmentesuperávelquefosse)deserretratadanua, eu sentia ser um dever solene para comDeus abandonarpor completo asolicitação.”Portemordequeessasimagensdesnudascriassemembaraçosparaas meninas mais tarde, pediu que após a sua morte fossem destruídas oudevolvidasàscriançasouaseuspais.Nenhumaparecetersobrevivido.EmConclusãodeSílviaeBrunoháumapassagemqueexpressademaneira

pungente o modo como Carroll fixava emmeninas toda a paixão de que eracapaz. O narrador da história, um Charles Dodgson tenuemente disfarçado,recordaquesomenteumaveznavidaviraaperfeição.“FoinumaexposiçãoemLondres,emque,aoabrircaminhoporentreumamultidão,deparei,faceaface,com uma criança de extraordinária beleza.” Carroll nunca deixou de procurarumacriançaassim.Tornou-seespecialistaemencontrarmenininhasemvagõesde trem e praias públicas. Um saco preto que sempre levava consigo nessasviagensaolitoralcontinhaquebra-cabeçasdearameeoutrosregalosinusitadosparaestimularointeressedelas.Chegavaacarregarumsuprimentodealfinetesdesegurançaparaprenderassaiasdemenininhasquandodesejavamchapinharna arrebentação. As manobras iniciais de aproximação podiam ser divertidas.Certavez,quandoestavadesenhandopertodomar,ummeninaquehaviacaído

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naáguapassouporelecomasroupasencharcadas.Carrollrasgouapontadeummata-borrãoedisse:“Possolheofereceristoparaseenxugar?”Uma longa procissão de menininhas encantadoras (sabemos que eram

encantadoras por suas fotografias) passou pela vida de Carroll, mas nenhumajamais tomou o lugar de seu primeiro amor, Alice Liddell. “Tive um grandenúmero de amigas crianças desde sua época”, escreveu-lhe depois que ela secasou, “mas foram algo completamente diferente.” Alice era filha de HenryGeorgeLiddell,odeãodoChristChurch.Pode-seterumaideiadoquantoAlicedeve ter sido cativante através de uma passagem de Praeterita, umaautobiografia fragmentária de JohnRuskin. FlorenceBecker Lennon reproduzessapassagememsuabiografiadeCarroll,eéapartirdeseulivroqueacito.RuskinlecionavaemOxfordnaépocaehaviadadoaulasdedesenhoaAlice.

Numa brumosa noite de inverno, em que o deão e a sra. Liddell estavamjantandofora,AliceconvidouRuskinparatomarumaxícaradechá.“AchoqueAlice deve ter me enviado um bilhete”, ele escreve, “quando o campo ficaradesimpedido.”Ruskinestavainstaladonumapoltronajuntoaumfogocrepitantequando aporta se abriu “ehouveuma súbita sensaçãodeque estrelas haviamsido apagadas pelo vento”. O deão e a sra. Liddell haviam voltado, tendoencontradoasestradasbloqueadaspelaneve.“Quantodeveestarlamentandonosver,sr.Ruskin!”disseasra.Liddell.“Mais,impossível”,Ruskinrespondeu.Odeãosugeriuquevoltassemaseuchá.“Eassimfizemos”,Ruskincontinua,

“mas não pudemos manter papai e mamãe fora da sala de estar depois quetinhamacabadodejantar,evolteiparaCorpus,desconsolado.”E agora a partemais significativa da história.Ruskinacha que as irmãsde

Alice,EditheRhoda,tambémestavampresentes,masnãotemcerteza.“Tudoseassemelha tantoaumsonhoagora”,eleescreve.Sim,Alicedeve ter sidoumamenininhamuitoatraente.Discutiu-semuitoseCarrollapaixonou-seporAliceLiddell.Secomissose

querdizerquequeria secasarcomela,ou fazeramorcomela,nãoháomaisligeiroindíciodetalcoisa.Poroutrolado,suaatitudeemrelaçãoaelaeraadeumhomemapaixonado.Sabemosquea sra.Liddellpercebeualgode insólito,tomoumedidas para desencorajar a atenção deCarroll e,mais tarde, queimoutodasassuasprimeirascartasparaAlice.Nodia28deoutubrode1862,hánodiáriodeCarrollumareferênciacifradaaofatodeterperdidoasboasgraçasdasra.Liddell“desdeocasoLordNewry”.QuecasolevouLordNewryaodiáriodeCarrollcontinuasendoatéhojeummistériointrigante.NãohánenhumaindicaçãodequeCarrolltivesseconsciênciadealgosenãoa

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mais pura inocência em suas relações com meninas, sequer um sinal deimpropriedade em qualquer das ternas rememorações que dezenas delasescreveram a respeito dele mais tarde. Havia uma tendência na Inglaterravitoriana,refletidanaliteraturadaépoca,aidealizarabelezaeapurezavirginaldas meninas. Sem dúvida isso tornou mais fácil para Carroll supor que suainclinação por elas se situava num elevado nível espiritual, emboraevidentementeistoestejalongedeserexplicaçãosuficienteparaessapredileção.Ultimamente Carroll tem sido comparado a Humbert Humbert, o narrador doromanceLolita,deVladimirNabokov.Éverdadequeambostinhampaixãopormeninas, mas suas metas eram diametralmente opostas. As “ninfetas” deHumbertHumberteramcriaturasaseremusadascarnalmente.AsmenininhasdeCarroll o atraíam precisamente porque ele se sentia sexualmente a salvo comelas.OquedistingueCarrolldeoutrosescritoresqueviveramvidasdesprovidasdesexo(Thoreau,HenryJames…)edeescritoresqueeramfortementeatraídospormeninas (Poe,ErnestDowson…)erasuacuriosacombinação,quaseúnicanahistóriada literatura,decompleta inocência sexualcomumapaixãoquesópodeserqualificadadeinteiramenteheterossexual.Carrollgostavadebeijarsuasamiguinhasedeencerrarsuascartasmandando-

lhes 10.000.000 de beijos, ou 4 ¾, ou dois milionésimos de um beijo. Teriaficado horrorizado ante a sugestão de que poderia haver um elemento sexualenvolvido nisso.Há um registro divertido em seu diário de que havia beijadouma menina, só para descobrir depois que ela já tinha 17 anos. Carrollprontamenteescreveuumpedidodedesculpasbrincalhãoparaamãedamoça,assegurando-lhe que aquilo jamais voltaria a acontecer,mas amãe não achougraça.Certafeita,umabonitaatrizde15anoschamadaIreneBarnes(maistardeela

desempenhouospapéisdaRainhaBrancaedoValetedeCopasnapeçamusicaldeAlice)passouumasemanacomCharlesDodgsonnumbalneárioàbeira-mar.“Peloquelembroagora”,Irenerecordaemsuaautobiografia,ToTellMyStory(apassagemécitadaporRogerGreennovol.2,p.454doDiarydeCarroll),“eleeramuito franzino, não chegando a medir 1,80 metro, com um rosto saudável,jovem,cabelosbrancoseumaspectodeextremalimpeza…Tinhaumprofundoamorporcrianças,emboraeutendaapensarquenãoascompreendiaassimtãobem…SeugrandeprazererameensinarseuJogodeLógica.Ousariaeudizerque isso tornava o serão bastante longo, quando a orquestra estava tocando láforanapraçaealuabrilhandosobreomar?”(Ojogoemquestãoeraummétodopara resolver silogismos pondo fichas pretas e vermelhas num diagramainventadopelopróprioCarroll.)

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ÉfácildizerqueCarrollencontrouummeiodedarvazãoaseusrecalquesnasvisões arrebatadoramente, extravagantementeviolentasde seus livrosdeAlice.As crianças vitorianas sem dúvida desfrutaram de uma liberação similar.Sentiam-se felizes por finalmente disporem de alguns livros desprovidos demoralpiedosa,masCarrollfoisetornandocadavezmaisinquietocomaideiadequeaindanãoescreveraumlivroparacriançasquetransmitissealgumtipodemensagemevangélica cristã.Seu esforçonessadireção foiSílvia eBruno,umromancelongoefantásticoquefoipublicadoemduaspartesseparadas.Contémalgumascenascômicasesplêndidas,eacançãodoJardineiro,quesedesenvolvecomo uma fuga demente ao longo da história, é Carroll em sua melhorexpressão.Aquiestáaestrofefinal,cantadapeloJardineirocomlágrimasalhecorrerpelasfaces:

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PensoutervistoumArgumentoQueprovavasereleoPapa:OlhoudenovoedescobriuqueeraUmabarradeSabãoMosqueado.“Umfatotãomedonho”,dissedebilmente,“Liquidatodaaesperança!”

MasasmaravilhosascançõesnonsensenãoeramoqueCarrollmaisadmiravana história. Preferia uma canção cantada pelas duas crianças fantasmagóricas,SílviaeseuirmãoBruno,cujorefrãoera:

PoispensoqueéAmor,PoissintoqueéAmor,PoistenhocertezadequenadamaiséqueAmor!

Carrollconsideravaesteomaisbelopoemaquejáescrevera.Mesmoosqueconcordemcomosentimentoquelheésubjacente,esubjacenteaoutraspartesdo romance que são fortemente saturadas de pieguice, têm dificuldade em lerhoje esses trechos sem constranger o autor. Eles parecem ter sido escritos nofundodepoçosdemelado.Somoslamentavelmenteforçadosaconcluirque,noconjunto, Sílvia e Bruno é um fracasso tanto artístico quanto retórico. Comcerteza poucas crianças vitorianas, a quem a história se destinava, sentiram-seemalgummomentocomovidas,divertidasouelevadasporela.Ironicamente,éononsenseanteriorepagãodeCarrollquepossui,aomenos

para certos leitores contemporâneos, umamensagem religiosamais eficaz queSílviaeBruno.Poisononsense,comoChestertongostavadenosdizer,éumamaneira de encarar a existência aparentada com a humildade e o assombroreligiosos.OUnicórniopensouqueAlicefosseummonstrofabuloso.Épartedoembotamento filosófico de nossos dias que existam milhões de monstrosracionaisaandarporaísobreaspatastraseiras,observandoomundoatravésdepares de pequenas lentes flexíveis e empurrando periodicamente substânciasorgânicaspororifíciosemseusrostosparaseabastecerdeenergia,osquaisnãoveemabsolutamentenadadefabulosoemsimesmos.Ocasionalmenteosnarizesdessas criaturas são sacudidos por paroxismos momentâneos. Kierkegaardimaginou certa vez um filósofo espirrando ao registrar uma de suas frasesprofundas. Como poderia tal homem, perguntou-se Kierkegaard, levar suametafísicaasério?O último nível metafórico nos livros de Alice é este: que a vida, vista

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racionalmenteesemilusão,pareceserumahistóriadisparatadacontadaporummatemático idiota. No cerne das coisas a ciência só encontra uma louca einfindávelquadrilhadeOndasdaTartarugaFalsaePartículasdoGrifo.Porummomentoasondaseaspartículasdançamempadrõesgrotescos,inconcebíveis,capazes de refletir apenas seu próprio absurdo. Todos nós vivemos vidasburlescassobumainexplicávelsentençademorte,e,quandotentamosdescobriroqueasautoridadesdoCasteloqueremquefaçamos,somosencaminhadosdeumburocrataparaoutro.NãotemossequercertezadequeoCondeWest-West,odonodoCastelo,realmenteexiste.MaisdeumcríticocomentouassemelhançasentreOprocessodeKafkaeojulgamentodoValetedeCopas;entreOcastelodeKafkaeumjogodexadrezemquepeçasvivasignoramoplanodojogoenãotêmcomosaberseestãosemovendoporvontadeprópriaousendoempurradaspordedosinvisíveis.A visão damonstruosa insensatez do cosmo (“Cortem-lhe a cabeça!”) pode

sercrueleperturbadora,comoéemKafkaounoLivrodeJó,ouumacomédiaalegre, como emAlice ou emOhomemque eraQuinta-Feira, de Chesterton.Quando Domingo, o símbolo de Deus no pesadelo metafísico de Chesterton,joga recadinhos para os que o perseguem, eles se revelam mensagensdisparatadas.UmdeleséatéassinadoporSnowdrop,omesmonomedaGatinhaBrancadeAlice.Éumavisãoquepodelevaraodesesperoeaosuicídio,àrisadaque encerraO muro, de Jean-Paul Sartre, à resolução humanista de avançarcorajosamente em face da escuridão definitiva. Curiosamente, pode tambémsugerirahipótesedesvairadadequepodehaverluzportrásdaescuridão.O riso, declara Reinhold Niebuhr, é um dosmais excelentes sermões, uma

espécie de terra de ninguém entre a fé e o desespero. Preservamos nossasanidade rindodosabsurdos superficiaisdavida,maso riso se transformaemamarguraeescárniosedirigidoparaasirracionalidadesmaisprofundasdomaledamorte.“Éporisso”,eleconclui,“quehárisonovestíbulodotemplo,oecodorisonoprópriotemplo,massomenteféeoração,enenhumriso,nosantuário.”LordDunsany disse amesma coisa nesse sentido emTheGods of Pagana.

Seu porta-voz é Limpang-Tung, o deus da hilaridade e dos melodiososmenestréis.“Enviareigracejosaomundoeumpoucodehilaridade.EquandoaMortete

parecertãodistantequantoasencostaspúrpurasdasmontanhas,ouosofrimentotãodistantequantoachuvanosdiasazuisdoverão, rezaentãoparaLimpang-Tung.Masquandoficaresvelho,ouantesdemorreres,nãorezaparaLimpang-Tung,poistetornastepartedeumesquemaqueelenãocompreende.”“Saiparaanoiteestrelada,eLimpang-Tungbailarácontigo.…Ofereceum

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gracejoaLimpang-Tung;apenas,nãorezaemtuadorparaLimpang-Tung,poisdadorelediz: ‘Deve sermuitoengenhosadapartedosdeuses,maselenãoacompreende.’”Aventuras de Alice no País dasMaravilhas eAtravés do Espelho são duas

incomparáveis brincadeiras do reverendoC.L.Dodgson, numas fériasmentaisdosafazeresdoChristChurch,oferecidascertavezaLimpang-Tung.

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Introduçãoà2ªedição(MOREANNOTATEDALICE)

CHARLES LUTWIDGE DODGSON, mais conhecido como Lewis Carroll, era umsolteirão tímido e excêntrico que lecionavamatemática noChristCollege, emOxford. Gostava muito de brincar com matemática, lógica e palavras, deescrevertextosnonsenseedacompanhiademenininhasencantadoras.Decertamaneira essas paixões se amalgamaram magicamente para produzir duashistórias imortais, escritas para a mais amada de suas amigas crianças, AliceLiddell,filhadodeãodoChristChurch.Ninguémsuspeitounaépocaqueesseslivrossetornariamclássicosdaliteraturainglesa.EninguémteriasidocapazdeadivinharqueafamadeCarrollacabariaporsuplantaradopaideAliceeadetodososseuscolegasdeOxford.Entreoslivrosescritosparacrianças,nãoháumquerequeiramaisexplicação

queoslivrosdeAlice.Grandepartedesuagraçaestáentretecidacomeventosecostumes vitorianos desconhecidos dos leitores americanos de hoje, e até dosleitores da Inglaterra. Muitas piadas nos livros só podiam ser apreciadas porresidentesdeOxford,eoutraserampiadasíntimas,destinadasexclusivamenteaAlice.Foipara lançaromáximode luzpossívelsobreessasobscuridadesque,quarentaanosatrás,escreviTheAnnotatedAlice.Havia pouconessevolumequenãopudesse ser encontrado espalhadopelas

páginas de livros sobre Carroll. Meu trabalho então não foi fazer pesquisaoriginal mas recolher tudo que pudesse encontrar na literatura existente paratornaroslivrosdeAlicemaisprazerososparaleitorescontemporâneos.Nosquarentaanosqueseseguiram,opúblicoeointeresseeruditoporLewis

Carroll cresceram em ritmo notável. A Lewis Carroll Society foi fundada naInglaterra, e seu animadoperiódico,Jabberwocky (agoraTheCarrollian), temsidopublicadotrimestralmentedesdeseulançamentoem1969.ALewisCarrollSociety ofNorthAmerica, sob a liderança deStanMarx, foi criada em1974.NovasbiografiasdeCarroll–eumadeAliceLiddell!–,bemcomolivrossobreaspectosespecíficosdavidaedosescritosdeCarroll,forampublicadas.Aqueleguiaindispensávelparacolecionadores,TheLewisCarrollHandbook,foirevisto

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e atualizado em 1962 pelo falecido RogerGreen, e atualizado novamente em1979 por Denis Crutch. Artigos sobre Carroll apareceram com crescentefrequênciaemrevistasacadêmicas.Surgiramnovascoletâneasdeensaiossobreeleenovasbiografias.OsdoisvolumesdeLettersofLewisCarroll,organizadosporMortonH.Cohen, forampublicados em1979.TheTenniel Illustrations tothe“Alice”Books,deMichaelHancher,foilançadoem1985.NovasediçõesdeAlice,bemcomoreproduçõesdeAlice’sAdventuresUnder

Ground (Aventuras subterrâneas de Alice, a história original escrita a mão eilustrada por Carroll como um presente para Alice Liddell) e The Nursery“Alice” (a versão da história feita por Carroll para leitores de muito poucaidade), foram lançadas pelomundo todo. Várias edições deAlice apareceramcom novas notas – uma do filósofo britânico Peter Heath. Outras ediçõesreceberamnovasilustraçõesdeartistasgráficoseminentes.Pode-sefazeralgumaideiadavastidãodessa literatura folheandoas253páginasdaobradeEdwardGuiliano,LewisCarroll:AnAnnotatedInternationalBibliography,1960-77, jácommaisdeduasdécadasdeatraso.Desde1960Alice foiaestreladeumsem-númerodeproduçõesdecinema,

televisão e rádio no mundo todo. Os poemas e canções dos livros de Aliceganharam novasmelodias de compositores contemporâneos – um deles SteveAllen,paraummusicaldacbsem1985.DavidDelTredicitemcompostosuasbrilhantes obras sinfônicas baseadas em temas deAlice.O baléAlice deGlenTetley,emquesedestacaamúsicadeDelTredici,foiproduzidoemManhattanem 1986. Morton Cohen, que sabe mais sobre Dodgson que qualquer outrapessoa viva, publicou em 1995 sua biografia, Lewis Carroll, com muitasrevelaçõessensacionais.Enquanto tudo isso ocorria, centenas de leitores de The Annotated Alice

enviaram-me cartas que chamavam atenção para aspectos do texto de Carrollqueeudeixaradeconsiderar,alémdeindicaremondenotasantigaspoderiamsermelhoradasenovasnotasacrescentadas.Quandoessascartasatingiramo topode uma grande caixa de papelão, disse amimmesmo que chegara a hora depublicaraquelenovomaterial.Deveria tentarrevereatualizarolivrooriginal?Ou deveria escrever uma continuação chamada More Annotated Alice?Finalmenteconcluíqueumacontinuaçãoseriamelhor.Leitoresquetivessemooriginal não o considerariam obsoleto. Não haveria necessidade de compararsuas páginas comas de uma edição revista para ver ondenotas novas haviamsidoacrescentadas.Eteriasidoumtrabalhohorrendocomprimirtodasasnotasnovasnasmargensdolivrooriginal.Umacontinuaçãoofereciatambémumaoportunidadedeintroduzirosleitores

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aoutrasilustrações.ÉverdadequeosdesenhosdeTennielsãoparteintegranteeeterna do “cânon” de Alice, mas eles são facilmente acessíveis em TheAnnotatedAlice,bemcomonumgrandenúmerodeoutrasediçõesatualmenteàvenda. Peter Newell não foi o primeiro artista gráfico a ilustrar Alice apósTenniel,mas foi o primeiro a fazê-lo demaneiramemorável. Uma edição doprimeiro livro de Alice com quarenta pranchas de Newell foi publicada pelaHarperandBrothersem1901,seguidapelosegundolivrodeAlice,novamentecom quarenta pranchas, em 1902. Hoje ambos os volumes são itens caros decolecionador. Independentemente do que possam pensar da arte de Newell,acredito que os leitores vão considerar interessante ver Alice e seus amigosatravésdaimaginaçãodeumoutroartista.O fascinante artigo de Newell sobre sua abordagem a Alice é reproduzido

aqui, seguido pelo último e melhor de vários ensaios sobre Newell e seutrabalho.EuhaviaplanejadodiscutirNewellnesta introduçãoatéquedescobriquemeuamigoMichaelHearn,autordeTheAnnotatedWizardofOzeoutroslivros,haviaditonumensaiotudooqueeupoderiadizeremuitomais.O famoso episódio perdido sobre um marimbondo de peruca – Carroll o

eliminoudosegundo livrodeAlice depois queTenniel se queixoudequenãoconseguiadesenharummarimbondoesugeriuqueolivroficariamelhorsemoepisódio – está incluído aqui no final do livro, e não no capítulo sobre oCavaleiro Branco onde Carroll pretendera que figurasse. O episódio foipublicadopelaprimeiravezem1977emumpequenolivropelaLewisCarrollSocietyofNorthAmerica,comintroduçãoenotasminhas.Esselivroestáhojeesgotadoesinto-mefelizporterobtidopermissãoparaincluirovolumeinteiroaqui.AlgunserrosdaintroduçãoaTheAnnotatedAlicerequeremcorreção.Faleido

ensaio de Shane Leslie, “Lewis Carroll and the OxfordMovement” como sefosse de crítica séria. Leitores apressaram-se a me informar que não se tratadisso. O objetivo do texto era zombar da compulsão de alguns estudiosos deprocurar um simbolismo improvável em Alice. Eu disse que nenhuma dasfotografias demeninas nuas feitas por Carroll parecia ter sobrevivido. Quatrodessas fotos, coloridas a mão, apareceram depois na coleção Carroll daRosenbach Foundation, na Filadélfia. Foram reproduzidas em Lewis CarrollPhotographs ofNudeChildren, uma belamonografia publicada pela fundaçãoem1979,comumaintroduçãodoprofessorCohen.Um temadeconsiderável especulaçãoentreoscarrollianos temsido: estava

Carroll“apaixonado”pelaAlicereal?Sabemosqueasra.Liddellpercebeualgode insólito nas atitudes dele em relação à filha, tomou medidas para

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desencorajar-lheasatençõesefinalmentequeimoutodasassuasprimeirascartasparaAlice.Minha introduçãomencionava uma referência cifrada no diário deCarroll(28out1862)aofatodenãoestarnasboasgraçasdasra.Liddell“desdeo caso Lord Newry”. Quando o visconde Newry, aos 18 anos, cursava agraduação no Christ Church, a sra. Liddell alimentara a esperança de vê-locasadocomumadesuasfilhas.Em1862,LordNewryquisdarumbaile,oquecontrariavaasregrasdafaculdade.Solicitouapermissãodocorpodocente,comoapoiodasra.Liddell,maselalhefoirecusada.Carrollhaviavotadocontraele.Poderia isso explicar inteiramente a posição da sra. Liddell? Ou fora suairritaçãoreforçadaporumaimpressãodequeopróprioCarrolldesejavasecasarcomAlicealgumdia?Paraasra.Liddell, issoestavaforadecogitaçãonãosóporcausadagrandediferençadeidade,mastambémporqueCarrolllhepareciaocuparposiçãoinferiornahierarquiasocial.ApáginadodiáriodeCarrollcorrespondenteàdatadesuarupturacomasra.

Liddell foi arrancada do volume por um membro desconhecido da famíliaCarroll, e presumivelmente destruída. Consta que o filho de Alice, CarylHargreaves, teria dito que pensava que Carroll estava romanticamenteapaixonadopor suamãe, eháoutras indicações, aindanãopublicadas, dequeCarrollpodeterexpressadointençõesmaritaisparaospaisdeAlice.AnneClark,emsuasbiografiasdeCarrolledeAlice,estáconvencidadequealgumtipodepropostadecasamentofoifeita.A questão foi explorada a fundo na biografia deCarroll escrita porMorton

Cohen.Originalmente,oprofessorCohenachavaqueCarrolljamaispensouemse casar com ninguém, porém mais tarde mudou de opinião. Aqui está aexplicação que deu para isso numa entrevista publicada in Soaring with theDodo(LewisCarrollSocietyofNorthAmerica,1982),umacoletâneadeensaiosorganizadaporEdwardGuilianoeJamesKincaid:

Na realidade, nãomudei de ideia recentemente; isso aconteceu em 1969,quandorecebiumafotocópiadosdiáriosdafamília.Quandomesenteielitodososdiários–osdiárioscompletos,nãosóostrechospublicados–algoentre25e40%erainédito,enaturalmenteaquelesfragmentosetrechosnãopublicados tinham enorme significação. Aqueles eram os trechos que afamíliadecidiraquenãodeviamserpublicados.RogerLancelynGreen,queorganizouosdiários,na realidade sequer chegouaverosdiários inéditoscompletos, porque trabalhou a partir de um texto datilografado editado.Quando li pela primeira vez todos os trechos não publicados dos diários,contudo, dei-me conta da existência de uma outra dimensão do

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“romantismo” deLewisCarroll.É claro que é bastante difícil conciliar orígido clérigo vitoriano com o homem que tinha tal predileção pormenininhas que teria chegado a propor casamento a uma ou mais delas.Acredito agora que ele fez algum tipo de proposta de casamento para osLiddell,nãodizendo“possomecasarcomsuafilhade11anos?”,oualgono gênero, mas talvez sugerindo sutilmente: após seis ou oito anos, secontinuarmossentindoomesmoquesentimosagora,poderiaalgumtipodealiança ser possível? Acredito também que ele continuou mais tarde apensar na possibilidade de se casar com outras meninas, e penso quedeveriatê-lofeito.Eraumhomemparaocasamento.Acreditofirmementequeteriasidomaisfelizcasadodoquecomosolteiro,econsideroqueumadastragédiasdasuavidafoinuncaterconseguidosecasar.

Alguns críticos compararam Carroll com Humbert Humbert, o narrador doromanceLolita, de Vladimir Nabokov. Realmente, ambos se sentiam atraídospeloqueNabokovchamoudeninfetas,masseusmotivoseramcompletamentediversos. As menininhas de Lewis Carroll talvez o atraíssem precisamenteporquecomelassesentiasexualmenteseguro.HavianaInglaterravitorianaumatendência, que se reflete emgrandeparte de sua literatura e arte, a idealizar abelezaeapurezavirginaldasmeninas.IssosemdúvidatornoumaisfácilparaCarroll dar por certo que seu gosto por elas se situava num elevado planoespiritual. Carroll era um anglicano devoto, e nenhum estudioso sugeriu quetivesseconsciênciadealgoalémdasmaisnobresintenções,enãohátampoucoqualquer indício de impropriedade nas rememorações de suas muitas amigascrianças.Embora Lolita tenha muitas alusões a Edgar Allan Poe, que partilhava as

preferênciassexuaisdeHumbert,nãotemnenhumareferênciaaCarroll.NumaentrevistasobreCarroll,Nabokovfalousobrea“patéticaafinidade”deCarrollcom Humbert, acrescentando que “algum escrúpulo estranho me impediu defazeralusãoemLolitaàsuadeplorávelperversãoeàquelasfotografiasambíguasquefaziaemquartossombrios”.NabokoveraumgrandeadmiradordoslivrosdeAlice.Najuventude,traduziu

Aventuras de Alice no País das Maravilhas para o russo – “não a primeiratradução”,eleobservoucertavez,“masamelhor”.Escreveuumromancesobreumjogadordexadrez(Adefesa)eoutrocomumbaralhodecartascomotema(King, Queen, Knave). Críticos notaram também a similaridade entre osdesfechos de Aventuras de Alice no País das Maravilhas e Invitation to aBeheading,deNabokov.a

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VárioscomentadoresdeTheAnnotatedAlicequeixaram-sedequesuasnotasdivagam, afastando-se muito do texto, com comentários dispersivos maisadequadosaumensaio.Sim,muitasvezesdivago,masesperoquepelomenosalgunsleitoresapreciemessesmeandros.Nãovejorazãoporquecomentadoresnão deveriam usar suas notas para dizer o que quer que lhes agrade, seconsideram que isso será de interesse, ou pelo menos divertido. Muitas deminhas longas notas em The Annotated Alice – a que trata do xadrez comometáforadavida,porexemplo–pretenderamserpequeninosensaios.Os nomes dos leitores que fornecerammaterial para este livro constam nas

notas,masqueroconsignaraquiumadívidaespecialparacomodr.SelwynH.Goodacre,atualeditordoJabberwockyerenomadoespecialistaemCarroll.Nãosóele forneceunumerosos achados comodedicougenerosamente seu tempoàleituradeumprimeirorascunhodasminhasnotas,oferecendovaliosascorreçõesesugestões.

aParaasmuitasalusõesaAlicenaficçãodeNabokov,veranota133(p.377-8,cap.29)deTheAnnotatedLolita,organizadoporAlfredAppelJr.(McGraw-Hill,1970).

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Sobreestaedição(ALICE:EDIÇÃOCOMENTADA)

O LIVROThe Annotated Alice foi publicado pela primeira vez em 1960 pelaeditora Clarkson Potter. Passou por várias reedições nos EstadosUnidos e naInglaterra, em capa dura e brochura, e foi traduzido para o italiano, japonês,russoehebraico.Não fui capazdeconvencer a editoraCrown,queassumiuadireçãodaPotterantesdepassarporsuavezparaocontroledaRandomHouse,a me deixar fazer uma revisão de vulto do livro, acrescentando grandequantidadedenovasnotasquehaviamseacumuladoemmeusarquivos.Acabeidecidindo inseri-las numa continuação intitulada More Annotated Alice. ARandomHouseapublicouem1990,trintaanosapósolivroanterior.ParadistinguiracontinuaçãodoTheAnnotatedAliceoriginal,useiasoitenta

ilustrações de página inteira de Peter Newell em lugar da arte de Tenniel.MichaelPatrickHearncontribuiucomumexcelenteensaiosobreNewell.Pudetambém acrescentar aMore Annotated Alice o episódio perdido havia tantotempo,“OMarimbondodeperuca”[“TheWaspinaWig”],queCarrollexcluírade seu segundo livro de Alice por grande insistência de Tenniel. Mas aindaassim, continuava sendo necessário abrir dois diferentes livros de Alice aomesmotempo,oquepareciabempoucoprático.Em1998 fiquei surpreso e encantadoquandomeu editor naNorton,Robert

Weil,sugeriuqueasnotasdosdoislivrosdeAlicefossemcombinadasemumaúnica edição “definitiva”.Aqui estão elas, algumas ampliadas, alémdemuitasoutras notas novas.As ilustrações deTenniel emTheAnnotatedAlice haviamsidoinsatisfatoriamentereproduzidas,estandocheiasdetiposquebradoselinhasimprecisas. Para este volume, foram fielmente estampadas em sua nitidezoriginal.Oepisódio“OMarimbondodeperuca”estáincluídonolivro,juntamentecom

a introdução e as notas que escrevi para sua primeira publicação pela LewisCarrollSocietyofNorthAmerica,numaediçãolimitadade1977.Tiveograndeprazerde ir àprocuradocolecionadordeNovaYorkquehaviaarrematadoasprovas num leilão em Londres e persuadi-lo ame permitir reproduzi-las num

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pequenolivro.Além de agradecer a Weil por ter tornado esta edição possível, agradeço

tambémaJustinSchiller,omaiorvendedorecolecionadordelivrosrarosparacrianças dos Estados Unidos, pela permissão para incluir reproduções dosesboçospreliminaresdeTennieldaediçãoprivadadeAventurasdeAlicenoPaísdasMaravilhasfeitapelopróprioSchillerem1990.AgradeçotambémaDavidSchaeferporterfornecidoumcatálogodasproduçõescinematográficasdeAlice,combaseemsuagrandecoleçãodessesfilmes.

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AliceEDIÇÃODEFINITIVA

COMENTADAEILUSTRADA

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AventurasdeAlicenoPaísdasMaravilhas

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1.PelatocadoCoelho2.Alagoadelágrimas3.Umacorridaemcomitêeumahistóriacomprida4.Billpagaopato5.ConselhodeumaLagarta6.Porcoepimenta7.Umchámaluco8.OcampodecroquédaRainha9.AhistóriadaTartarugaFalsa10.AQuadrilhadaLagosta11.Quemroubouastortas?

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12.OdepoimentodeAlice

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JUNTOSNAQUELATARDEDOURADA1

Deslizávamosemdocevagar,Poiserambraçospequenos,ineptos,Queiamosremosamanobrar,EnquantomãozinhasfingiamapenasOpercursodobarcodeterminar.

Ah,cruéisTrês!Naquelepreguiçar,Sobumtempoameno,estival,Implorar uma história, e de tão leve alento Que sequer uma pluma pudessesoprar!MasquepodeumapobrevozContratrêslínguasatrabalhar?

Imperiosa, Prima estabelece: “Começar já”; enquanto Secunda, Maisbrandamente,encarece:“Quenãotenhapénemcabeça!”

ETertiaumrordepalpitesoferece,Massóumacadaminuto.

Depois,porsúbitosilênciotomadas,VãoemfantasiaperseguindoA criança-sonho em sua jornada Por uma terra nova e encantada, A tagarelarcombichospelaestrada–Ouvemcrédulas,extasiadas.

EsemprequeahistóriaesgotavaOspoçosdafantasia,Edebilmenteeuousavainsinuar,Nabuscadeoencantoquebrar:“Oresto,paradepois…”“Masjáédepois!”Ouviaastrêsvozesalegresagritar.

Foi assim que, bem devagar, O País dasMaravilhas foi urdido, Um episódiovindo a outro se ligar – E agora a história está pronta, Desvie o barco,comandante!Paracasa!Osoldeclina,jávaiseretirar.

Alice!RecebeestecontodefadasEguarda-o,commãodelicada,ComoaumsonhodeprimaveraQueàteiadamemóriaseentretece,Comoaguirlandadefloresmurchasque

Acabeçadosperegrinosguarnece.2

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CAPÍTULO1

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PelatocadoCoelho

ALICE1 ESTAVA COMEÇANDO a ficar muito cansada de estar sentada ao lado dairmã na ribanceira, e de não ter nada que fazer; espiara uma ou duas vezes olivroqueestavalendo,masnãotinhafigurasnemdiálogos,“edequeserveumlivro”,pensouAlice,“semfigurasnemdiálogos?”.Assim,refletiacomseusbotões(tantoquantopodia,porqueocalorafaziase

sentir sonolenta e burra) se o prazer de fazer uma guirlanda de margaridasvaleriaoesforçodeselevantarecolherasflores,quandoderepenteumCoelhoBrancodeolhoscor-de-rosapassoucorrendoporela.Não havia nada de tão extraordinário nisso; nem Alice achou assim tão

esquisito ouvir o Coelho dizer consigo mesmo: “Ai, ai! Ai, ai! Vou chegaratrasadodemais!”(quandopensousobreissomaistarde,ocorreu-lhequedeveriaterficadoespantada,masnahoratudopareceumuitonatural);masquandoviuoCoelho tirar um relógiodobolsodo colete e olhar as horas, e depois sair emdisparada,Aliceselevantounumpulo,porqueconstatousubitamentequenuncatinhavistoantesumcoelhocombolsodecolete,nemcomrelógioparatirardelá,e,ardendodecuriosidade,correupelacampinaatrásdele,aindaatempodevê-losemeteratodapressanumagrandetocadecoelhodebaixodacerca.Noinstanteseguinte,láestavaAliceseenfiandonatocaatrásdele,semnem

pensardequejeitoconseguiriasairdepois.Porumtrecho,atocadecoelhoseguianahorizontal,comoumtúnel,depois

se afundava de repente, tão de repente que Alice não teve um segundo parapensarempararantesdeseverdespencandonumpoçomuitofundo.Ouopoçoeramuitofundo,ouelacaíamuitodevagar,porqueenquantocaía

teve tempodesobraparaolharà suavoltae imaginaroque iriaaconteceremseguida.Primeiro,tentouolharparabaixoeterumaideiadoqueaesperava,masestavaescurodemaisparaseveralgumacoisa;depoisolhouparaasparedesdopoço,ereparouqueestavamforradasdeguarda-louçaseestantesdelivros;aquie ali, viumapas e figuras pendurados empregos.Aopassar, tirouumpote de

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uma das prateleiras; o rótulo dizia “geleia de laranja”, mas para seu grandedesapontamentoestavavazio:comonãoqueriasoltaropotepormedodemataralguém, deu um jeito de metê-lo num dos guarda-louças por que passou naqueda.2

“Bem!”pensouAlice,“depoisdeumaquedadesta,nãovoumeimportarnadade levar um trambolhão na escada!Como vãome achar corajosa lá em casa!Ora, eu não diria nadinha,mesmoque caísse do topo da casa!” (Oquemuitoprovavelmenteeraverdade.)3Caindo,caindo,caindo.Aquedanãoterminarianunca?“Quantosquilômetros

será que já caí até agora?” disse em voz alta. “Devo estar chegando perto docentrodaTerra.Deixe-mever:issoseriaaunsseismilequinhentosquilômetrosde profundidade, acho…” (pois, como você vê, Alice aprendera várias coisasdesse tipona escola e, embora essanão fosseumaoportunidademuito boadeexibir seuconhecimento, jáquenãohavianinguémpara escutá-la, era semprebomrepassar)“…sim,adistânciacertaémaisoumenosessa…mas,alémdisso,paraqueLatitudeouLongitudeseráqueestouindo?”(Alicenãotinhaamenorideia do que fosse Latitude, nem do que fosse Longitude, mas lhe pareciampalavrasimponentesparasedizer.)Logo recomeçou. “Gostaria de saber se vou cair direto através da Terra!4

Como vai ser engraçado sair nomeio daquela gente que anda de cabeça para

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baixo!Os antipatias, acho…” (desta vez estavamuito satisfeita por nãohaverninguémescutando,poisaquelanãopareciamesmoserapalavracerta)“…masvou terdeperguntaraelesonomedopaís.Por favor, senhora,aquiéaNovaZelândia? Ou a Austrália?” (e tentou fazer uma mesura enquanto falava…imagine fazer mesura quando se está despencando no ar! Você acha queconseguiria?) “E que menininha ignorante ela vai achar que sou! Não, nãoconvémperguntarnada:talvezeuvejaonomeescritoemalgumlugar.”Caindo, caindo, caindo. Como não havia mais nada a fazer, Alice logo

começouafalardenovo.“TenhoaimpressãodequeDinahvaisentirmuitafaltademimestanoite!”(Dinaheraagata.)5“Esperoqueselembremdeseupiresdeleite na hora do chá. Dinah, minha querida! Queria que você estivesse aquiembaixo comigo! Pena que não haja nenhum camundongo no ar, mas vocêpoderiaapanharummorcego,émuitoparecidocomcamundongo.Masseráquegatos comem morcegos?” E aqui Alice começou a ficar com muito sono, econtinuouadizerparasimesma,comonumsonho:“Gatoscomemmorcegos?Gatoscomemmorcegos?”eàsvezes“Morcegoscomemgatos?”pois,comonãosabiaresponderanenhumadasperguntas,ojeitocomoasfazianãotinhamuitaimportância.SentiuqueestavacochilandoetinhacomeçadoasonharqueestavaandandodemãosdadascomDinah,dizendoaela,muitoséria:“Vamos,Dinah,conte-me a verdade: algum dia você já comeu um morcego?” quandosubitamente, bum! bum! caiu sobre um monte de gravetos e folhas secas: aquedaterminara.Alicenãoficounemumpoucomachucada,enumpiscardeolhosestavade

pé. Olhou para cima, mas lá estava tudo escuro; diante dela havia um outrocorredorcompridoeoCoelhoBrancoaindaestavaàvista,andandoligeiroporele.Nãohaviaumsegundoaperder;lásefoiAlicecomoumraio,tendotempoapenasdeouvi-lodizer,aodobrarumaesquina:“Porminhasorelhasebigodes,como está ficando tarde!” Ela estava bem rente a ele, mas quando dobrou aesquinanãohaviamais sinal doCoelhoBranco:viu-senumsalão comprido ebaixo,iluminadoporumafileiradelâmpadaspenduradasdoteto.Haviaportasaoredordosalãointeiro,masestavamtodastrancadas;depoisde

percorrer todo um lado e voltar pelo outro, experimentando cada porta,caminhoudesoladaatéomeio,pensandocomohaveriadesairdali.

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De repente topou com umamesinha de três pernas, feita de vidro maciço;sobreelanãohavianada,anãoserumaminúsculachavedeouro,eaprimeiraideiadeAlicefoiquedeviapertenceraumadasportasdosalão;mas,quepena!ou as fechaduras eram grandes demais, ou a chave era pequena demais, dequalquermaneiranãoabrianenhumadelas.Noentanto,nasegundarodada,deucom uma cortina baixa que não havia notado antes; atrás dela havia umaportinha de uns quarenta centímetros de altura: experimentou a chavezinha deouro,que,parasuagrandealegria,serviu!6Abriuaportaedescobriuquedavaparaumapequenapassagem,nãomuito

maiorqueumburacoderato:ajoelhou-seeavistou,dooutroladodoburaco,ojardimmaisencantadorquejáseviu.7Comodesejavasairdaquelesalãoescuroepassear entre aqueles canteiros de flores radiantes e aquelas fontes de águafresca!Masnãoeracapaznemdeenfiaracabeçapelovãodaporta,“emesmoque conseguisse enfiar a cabeça”, pensou a pobre Alice, “isso de poucoadiantariasemmeusombros.Ah,comogostariadepodermefecharcomoumtelescópio! Acho que conseguiria, se soubesse pelo menos começar.” Pois,vejambem,haviaacontecido tantacoisaesquisitaultimamentequeAlice tinhacomeçadoapensarqueraríssimascoisaseramrealmenteimpossíveis.Comoficaresperandojuntodaportinhaparecianãoadiantarmuito,voltouaté

amesacomumapontadeesperançadeconseguiracharoutrachavesobreela,oupelomenosummanualcomregrasparaencolherpessoascomotelescópios;dessa vez achou lá uma garrafinha (“que com certeza não estava aqui antes”,pensou Alice), em cujo gargalo estava enrolado um rótulo de papel com aspalavras“beba-me”graciosamenteimpressasemletrasgraúdas.8Eramuitofácildizer“Beba-me”,masaajuizadapequenaAlicenãoiriafazer

issoassim às pressas. “Não, primeiro vou olhar”, disse, “e ver se está escrito

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‘veneno’ ou não”; pois lera muitas historinhas divertidas9 sobre crianças quetinhamficadoqueimadasesidocomidasporanimaisselvagenseoutrascoisasdesagradáveis, tudo porquenão se lembravam das regrinhas simples que seusamigos lheshaviamensinado:queumatiçadorembrasaacabaqueimandosuamãosevocê insistiremsegurá-lopormuito tempo;quandovocêcortaodedomuitofundocomumafaca,geralmentesaisangue;eelanuncaesqueceraque,sevocêbebemuitodeumagarrafaemqueestáescrito“veneno”,équasecertoquevaisesentirmal,maiscedooumaistarde.Comoporémnessa garrafa não estava escrito “veneno”,Alice se arriscou a

provar e, achando o gostomuito bom (na verdade, era uma espécie de sabormistodetortadecereja,creme,abacaxi,peruassado,puxa-puxaetorradaquentecommanteiga),deucabodelanuminstante.

“Que sensação estranha!” disse Alice; “devo estar encolhendo como umtelescópio!”10

Eestavamesmo:agorasótinhavinteecincocentímetrosdealturaeseurostoseiluminouàideiadequechegaraaotamanhocertoparapassarpelaportinhaechegaràquele jardimencantador.Primeiro,noentanto,esperoualgunsminutosparaverseiaencolheraindamais:aideiaadeixouumpouconervosa;“poisissopoderiaacabar”,disseAliceconsigomesma,“mefazendosumircompletamente,comoumavela.11Nessecaso,comoeuseria?”Etentouimaginarcomoéachamadeumaveladepoisqueavelaseapaga,poisnãoconseguiaselembrardejamais

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tervistotalcoisa.Um pouco depois, descobrindo que nada mais acontecera, decidiu ir

imediatamenteparao jardim;mas,aidapobreAlice!12quandochegouàporta,viu que tinha esquecido a chavezinha de ouro e, quando voltou à mesa parapegá-la,constatouquenãoconseguiaalcançá-la:podiavê-lamuitobematravésdovidro,efezoquepôdeparatentarsubirporumadaspernasdamesa,maseraescorregadiademais; tendosecansadode tentar, apobrecriaturinhasentounochãoechorou.“Vamos,nãoadiantanadachorarassim!”disseAliceparasimesma,numtom

um tanto áspero, “eu a aconselho a parar já!”Emgeral dava conselhosmuitobonsparasimesma(emborararamenteosseguisse),repreendendo-sedevezemquando tão severamente que ficava com lágrimas nos olhos; certa vez teve aideia de esbofetear as próprias orelhas por ter trapaceadonum jogode croquéqueestavajogandocontrasimesma,poisessacuriosacriançagostavamuitodefingir serduaspessoas.“Masagora”,pensouapobreAlice,“nãoadiantanadafingir serduaspessoas!13Ora,mal sobra algumacoisa demimpara fazerumapessoaapresentável!”Pouco depois deu com os olhos numa caixinha de vidro debaixo da mesa:

abriu-a,eencontroudentroumbolomuitopequeno,comaspalavras“coma-me”lindamenteescritascompassassobreele.“Bem,voucomê-lo”,disseAlice;“seme fizer crescer, posso alcançar a chave; se me fizer diminuir, posso meesgueirarporbaixodaporta;assim,deumamaneiraoudeoutravouconseguirchegaraojardim;paramimtantofaz!”Comeu um pedacinho, e disse para si mesma, aflita, “Para cima ou para

baixo?Paracimaouparabaixo?”,comamãosobreacabeçaparasentiremquedireção estava indo, ficando muito surpresa ao verificar que continuava domesmo tamanho: não há dúvida de que isso geralmente acontece quando secomebolo,masAlice tinha seacostumado tantoaesperar sócoisasesquisitasaconteceremquelhepareciamuitosemgraçaemaçantequeavidaseguissedamaneirahabitual.Assim,pôsmãosàobrae,numsegundo,deucabodobolo.

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CAPÍTULO2

Alagoadelágrimas

“CADAVEZMAISESTRANHÍSSIMO!”exclamouAlice(asurpresaforatantaqueporuminstanterealmenteesqueceucomosefaladireito).“Agoraestouespichandocomoomaior telescópioquejáexistiu!Adeus,pés!”(pois,quandoolhouparaeles,pareciamquaseforadoalcancedesuavista,de tãodistantes).“Oh,meuspobres pezinhos, quem será que vai calçar meias e sapatos em vocês agora,queridos?Comcerteza,euéquenãovouconseguir!Vouestarlongedemaisparameincomodarcomvocês:arranjem-secomopuderem…Masprecisosergentilcom eles”, pensou Alice, “ou quem sabe não vão andar no rumo que quero!Deixe-mever.VoudarumpardebotinasnovasparaelestodoNatal.”Econtinuouplanejandocomseusbotõescomofariaisso.“Vãoterdeirpelo

correio”, pensou; “e que engraçadovai ser,mandar presentes para os própriospés!Ecomooendereçovaiparecerestranho!

ExmoSr.PéDireitodaAlice,TapetejuntoàlareiraPertodoguarda-fogo,1(ComoamordaAlice).

Ai,ai,quantodisparateestoudizendo!”Exatamentenessemomentosuacabeçabateunotetodosalão:defato,agora

estavacomquasetrêsmetros;agarrouimediatamenteachavezinhadeouroefoiligeiroparaaportadojardim.Pobre Alice! O máximo que conseguiu, deitada de lado, foi olhar para o

jardimcomumolhosó;chegarláestavamaisimpossívelquenunca:sentou-seecomeçouachorardenovo.“Deviatervergonha”,disseAlice,“umameninagrandecomovocê”(bemque

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podia dizer isso), “chorando dessa maneira! Pare já, já, estou mandando!”Mesmoassimcontinuou,derramandogalõesdelágrimas,atéqueàsuavoltaseformou uma grande lagoa, com cerca de meio palmo de profundidade e seestendendoatéametadedosalão.Passadoalgumtempo,ouviuunspassinhosàdistânciaeenxugouaslágrimas

mais que depressa para ver o que estava chegando. Era o Coelho Branco devolta,esplendidamentevestido,comumpardeluvasbrancasdepelicaemumadas mãos e um grande leque na outra: vinha a toda pressa, muito afobado,murmurandoconsigo:“Oh,aDuquesa,aDuquesa!Oh!Comovaificarfuriosaseeuativerfeitoesperar!”Aliceestavatãodesesperadaquesesentiadispostaapedir ajuda a qualquer um; assim, quando o Coelho Branco se aproximou,começou,comumavozinhabaixa,tímida:“Porgentileza,Sir…”OCoelhoteveumfortesobressalto,deixoucairasluvasbrancasdepelicaeoleque,eescapuliuparaaescuridãoomaisdepressaquepôde.2

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Aliceapanhouolequeeasluvas,e,comofaziamuitocalornosalão,ficouseabanandosempararenquantofalava:“Ai,ai!Comotudoestáesquisitohoje!Eontemascoisasaconteciamexatamentecomodecostume.Seráquefuitrocadadurante a noite? Deixe-me pensar: eu era a mesma quando me levantei estamanhã?Tenhoumaligeiralembrançadequemesentiumbocadinhodiferente.Mas, se não sou amesma, a próxima pergunta é: ‘Afinal de contas quem soueu?’Ah,esteéograndeenigma!”Ecomeçouapensaremtodasascriançasdasuaidadequeconhecia,paraversepoderiatersidotrocadaporalgumadelas.“Ada, com certeza não sou”, disse, “porque o cabelo dela tem cachos bem

longos,eomeunãotemcachonenhum;éclaroquenãopossoserMabel,3poisseitodotipodecoisaseela,oh!sabetãopouquinho!Alémdisso,elaéela,eeusou eu, e…ai, ai, que confusão é isto tudo!Vou experimentar para ver se seitudoquesabiaantes.Deixe-mever:quatrovezescincoédoze,equatrovezesseisétreze,equatrovezesseteé…ai,ai!destejeitonuncavouchegaravinte!4MasaTabuadadeMultiplicarnãoconta;vamos tentarGeografia.LondreséacapitaldeParis,ePariséacapitaldeRoma,eRoma…não,estátudoerrado,eusei!DevotersidotrocadapelaMabel!Voutentarrecitar‘Comopode…’”,edemãoscruzadasnocolo,comoseestivessedando lição,começoua recitar,massuavozsoavaroucaeestranhaeaspalavrasnãovieramcomocostumavam:5

Comopodeocrocodilo

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Fazersuacaudaluzir,BorrifandoaáguadoNilo

Quedouradavemcair?

Sorrisolargo,vainadando,Edemanso,enquantonada,Ospeixinhosvaipapando

Co’abocarraescancarada!

“Tenhocertezadequeestasnãosãoaspalavrascertas”,disseapobreAlice,eseus olhos se encheram de lágrimas de novo enquanto continuava. “Afinal decontas,devoserMabel,evouterdeirmorarnaquelacasinhaapertada,enãoterquase nenhum brinquedo com que brincar, e oh! muitíssimas lições paraaprender!Não,minhadecisãoestá tomada; se souMabel,vou ficar aqui!Nãovaiadiantarnadaelesencostaremsuascabeçasnochãoepedirem‘Volteparacá,querida!’ Vou simplesmente olhar para cima e dizer ‘Então quem sou eu?Primeiromedigam;aí,seeugostardeseressapessoa,eusubo;senão,ficoaquiembaixo até ser alguma outra pessoa’…Mas, ai, ai!” exclamou Alice numasúbitaexplosãodelágrimas,“queriamuitoqueencostassemacabeçanochão!Estoutãocansadadeficarassimsozinhaaqui!”Aodizer isto,olhouparaas suasmãose tevea surpresadeverquecalçara

umadasluvinhasbrancasdepelicadoCoelhoenquantofalava.“Comopossoterfeitoisso?”pensou.“Devoestarficandopequenadenovo.”Levantou-se,foiatéamesaparasemedirporelaedescobriuque,tantoquantopodiacalcular,estavaagoracomunssessentacentímetros,continuandoaencolher rapidamente: logodescobriuqueacausaeraolequequeestavasegurandoejogou-obruscamentenochão,escapandoporpoucodeencolheratésumirdevez.“Foiporumtriz!”disseAlice,bastanteapavoradacomamudançarepentina,

masmuitosatisfeitaporaindaestarexistindo.6“Eagora,paraojardim!”ecorreua todadevolta àportinha–mas,quepena!aportinha se fecharadenovoeachavezinhadeourocontinuavasobreamesacomoantes;“ascoisasestãopioresquenunca”, pensou a pobre criança, “pois nunca fui tãopequena assimantes,nunca!Eugaranto,istoémuitoruim,deverdade!”

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Quandodiziaessaspalavras,pisouemfalsoe,numinstante,tchibum!estavacom água salgada até o queixo. A primeira ideia que lhe ocorreu foi que, dealgumamaneira,caíranomar,“enessecasopossovoltarde trem”,dissedesiparasi.(Alicetinhaestadoàbeira-marumaveznavida,echegaraàconclusãogeral de que, onde quer que se vá no litoral da Inglaterra, encontram-se umaporçãodemáquinasdebanhonomar,7algumascriançasescavandoaareiacompás de madeira, uma fileira de hospedarias e, atrás delas, uma estaçãoferroviária.)Contudo,logosedeucontadequeestavanalagoadelágrimasquechoraraquandotinhaquasetrêsmetros.“Gostariadenãoterchoradotanto!”disseAlice,enquantonadavadeumlado

paraoutro,tentandoencontrarumasaída.“Parecequevousercastigadaporissoagora,afogando-menasminhasprópriaslágrimas!Vaiserumacoisaesquisita,láissovai!Masestátudoesquisitohoje.”Nesse instante, ouviu alguma coisa espadanando água na lagoa um pouco

adianteeseaproximouanadoparaveroqueera:deiníciopensouquedeviaserumamorsaouumhipopótamo,masentãose lembroudoquãopequenaestavaagora e logo se deu conta de que era só um camundongo que tambémescorregaranaágua.“Será que adiantaria alguma coisa, agora,” pensou Alice, “falar com este

camundongo?É tudo tãoestranhoaquiembaixoqueébemcapazdeelesaberfalar;dequalquermodo,nãocusta tentar.”Assim,começou:“ÓCamundongo,sabecomose fazparasairdesta lagoa?Estoumuitocansadade ficarnadandopara todo lado, ó Camundongo!” (Alice achava que essa devia ser amaneiracorretadesedirigiraumcamundongo;nuncafizeraissoantes,masselembravade ter visto na Gramática Latina do irmão:8 “Um camundongo… de um

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camundongo…paraumcamundongo…umcamundongo…ócamundongo!”)OCamundongolançou-lheumolharumtantoinquisitivo,pareceupiscarumolho,masnãodissenada.“Talvez não entenda inglês”, pensouAlice. “Aposto que é um camundongo

francês, que veio com Guilherme, o Conquistador.” (Pois, com todo o seuconhecimentodehistória,Alicenãotinhaumaideialámuitoclaradeháquantotempoqualquercoisatinhaacontecido.)Assim,recomeçou:“Oùestmachatte?”que era a primeira frase do seu livro de francês.9 O Camundongo pulou forad’água e pareceu estremecer todo de medo. “Oh, desculpe-me!” Alice seapressou em exclamar, temendo termagoadoos sentimentos do pobre animal.“Esquecicompletamentequevocênãogostavadegatos.”“Não gostar de gatos!” gritou o Camundongo com uma voz estridente,

exaltada.“Vocêgostaria,sefosseeu?”“Bem, talvez não”, respondeuAlice num tom apaziguador. “Não se zangue

comisso.Mesmoassim,gostariadepoder lhemostrarnossagataDinah:achoquecomeçariaaterumaquedinhaporgatosseaomenospudessevê-la.Éumacoisinha tranquila, tãoquerida”,Alicecontinuou, falandomaispara simesma,enquanto nadava lentamente pela lagoa, “se senta ronronando tão bonitinhojunto da lareira, lambendo as patas e limpando o rosto… é um bichinho tãomacio para se ninar… e é tão formidável para pegar camundongos… oh,desculpe-me!” exclamou de novo, porque desta vez o Camundongo estavaficando todo arrepiado, o que lhe deu a certeza de que devia estar realmenteofendido.“Nósnãofalaremosmaissobreela,sevocêprefere.”

“Nós,éclaro!”gritouoCamundongo,queagoratremiaatéapontadorabo.“Como se eu fosse falar de um assunto desse!Nossa família sempredetestougatos: criaturas nojentas, baixas, vulgares! Não me faça ouvir esse nome denovo!”

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“Podeestarcertoquenão!”disseAlice,aflitapormudarorumodaconversa.“Por acaso você… gosta… de… de cachorros?” Como o Camundongo nãorespondeu, Alice continuou, animada: “Há um cachorrinho tão lindo perto danossa casa, gostaria de lhe mostrar! Um terrier pequenino, de olhos espertos,sabe,comoh!umpelomarromtãoencaracolado!Eeleapanhaascoisasquandoagentejoga,esesentaepedeoseujantar,essascoisastodas…Nãoconsigomelembrardemetadedelas…eodonodele,umfazendeiro,sabe,dizqueeleétãoútil que vale uma centena de libras! Diz que mata todos os ratos… ai, ai!”exclamouAlice,condoída.“Achoqueoofendidenovo!”PoisoCamundongoestava se afastando dela a nado o mais rápido que podia, causando umverdadeirorebuliçonalagoa.Entãoelaochamoubemdemansinho:“QueridoCamundongo!Volteaqui,e

nãofalaremosmaisdegatosenemtampoucodecachorros,senãogostadeles!”Ao ouvir isso, o Camundongo deu meia-volta e veio nadando devagar emdireçãoaela: tinhaorostopálido(deemoção,pensouAlice),edissecomvozbaixa e trêmula: “Vamos para amargem. Lá eu lhe contareiminha história evocêvaicompreenderporqueodeiogatosecachorros.”Eramais doquehora de ir, pois a lagoa estava ficando apinhadade aves e

animaisquetinhamcaídonela:haviaumPatoeumDodô,umPapagaioeumaAguieta, alémdeváriasoutras criaturas curiosas.10Alice tomouadianteira eogrupotodonadouparaamargem.

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CAPÍTULO3

Umacorridaemcomitêeumahistóriacomprida

PARECIAMESMOUMGRUPOESTRAMBÓTICO o que se reuniunamargem: as avescomaspenasenxovalhadas,osanimaiscomopelogrudadonocorpo,e todosensopados,mal-humoradoseindispostos.Aprimeira questão, claro, era como se enxugar: confabularam sobre isso e,

após alguns minutos, pareceu muito natural a Alice ver-se conversandointimamente comeles, como seos tivesse conhecido avida toda.Naverdade,teveumadiscussãobastantelongacomoPapagaio,queacabousezangandoesódizia: “Soumaisvelhoquevocê edevo sabermais”; issoAlice se recusava aadmitir, sem saber quantos anos ele tinha, e, como o Papagaio se negoucategoricamentearevelarsuaidade,nãohaviamaisnadaadizer.FinalmenteoCamundongo,quepareciaserumaautoridadeentreeles,bradou:

“Sentem-se, vocês todos, e ouçam-me!Vou deixá-los bem secos logo, logo!”Todosse sentaram imediatamentenumgrandecírculo,comoCamundongonomeio. Alice ficou de olhos pregados nele, ansiosa, pois tinha certeza de quepegariaumagripefeiasenãosecasserápido.“Ham!”fezoCamundongocomarimportante.“Estãotodosprontos?Estaéa

coisa mais seca que eu conheço. Silêncio do princípio ao fim, por favor!‘Guilherme, oConquistador, cuja causa era apoiadapelopapa, logo se rendeuaos ingleses, que queriam líderes, e andavamultimamentemuito acostumadoscom usurpação e conquista. Edwin e Morcar, condes da Mércia e daNortúmbria…’”1

“Arre!”soltouoPapagaio,comumarrepio.“Perdão!” falou oCamundongo, fechando a cara,masmuito polido: “Disse

algumacoisa?”

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“Eunão!”oPapagaioseapressouemresponder.“Pensei que tinha”, disse o Camundongo. “Continuando: ‘Edwin eMorcar,

condesdaMérciaedaNortúmbria,proclamaramseuapoioaeleeatéStigand,opatrióticoarcebispodeCanterbury,achandoissooportuno…’”“Achandooquê?”indagouoPato.“Achando isso”, respondeuoCamundongo, bastante irritado. “Suponhoque

saibaoque‘isso’significa.”“Sei muito bem o que ‘isso’ significa quando eu acho uma coisa”, disse o

Pato. “Em geral é uma rã ou uma minhoca. A questão é: o que foi que oarcebispoachou?”Sem tomar conhecimento da pergunta, o Camundongo se apressou em

continuar: “‘…achando isso oportuno, foi comEdgarAtheling ao encontro deGuilherme e lhe ofereceu a coroa. De início a conduta de Guilherme foimoderada. Mas a insolência de seus normandos…’. Como está se sentindoagora,meubem?”continuou,olhandoparaAliceenquantofalava.“Maismolhadadoquenunca”respondeuAlice,desgostosa.“Issonãoparece

mesecarnadinha.”“Nesse caso”, disse o Dodô solenemente, ficando de pé, “proponho que a

assembleiasejaadiadaparaaadoçãoimediataderemédiosmaisdrásticos…”“Fale inglês!” exclamou a Aguieta. “Não sei o sentido de metade dessas

palavras compridas e, oque épior, nemacreditoquevocê saiba!”Ebaixou acabeçaparadissimularumsorriso;algumasdasoutrasavessoltaramrisadinhasaudíveis.“Oqueeuiadizer”,disseoDodônumtomofendido,“équeamelhorcoisa

paranossecarseriaumacorridaemcomitê.”2

“Oqueéumacorridaemcomitê?”perguntouAlice;nãoquequisessemuitosaber, mas o Dodô tinha feito uma pausa como se achasse que alguém deviafalar,emaisninguémpareciainclinadoadizercoisaalguma.“Ora”,disseoDodô,“amelhormaneiradeexplicaréfazer.”(E,comovocê

podequererexperimentaracoisaporcontaprópria,numdiadeinverno,voulhecontarcomooDodôaorganizou.)Primeirotraçouumapistadecorrida,umaespéciedecírculo(“aformaexata

nãotemimportância”,eledisse)edepoistodoogrupofoiespalhadopelapista,aqui e ali.Não houve “Um, dois, três e já”: começaram a correr quando bementenderamepararam tambémquandobementenderam,demodoquenão foifácil saber quando a corrida havia terminado. Contudo, quando estavamcorrendo jáhaviaumameiahora, e completamente secosdenovo,oDodôderepente anunciou: “A corrida terminou!” e todos se juntaram em torno dele,

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perguntandoesbaforidos:“Masquemganhou?”ODodônãopôderesponderaessaperguntasemantespensarmuito,eficou

sentadoumlongotempocomumdedoespetadonatesta(aposiçãoemquevocêgeralmente vê Shakespeare, nas imagens dele), enquanto o resto esperava emsilêncio. Finalmente o Dodô declarou: “Todo mundo ganhou, e todos devemganharprêmios.”“Masquemvaidarosprêmios?”umverdadeirocorodevozesperguntou.“Ora,ela,éclaro”,disseoDodô,apontandoodedoparaAlice;eogrupotodo

seamontoouemtornodela,numagritariaconfusa:“Prêmios!Prêmios!”Alicenãotinhaamenorideiadoquefazere,noseudesespero,enfiouamão

nobolso,tirouumacaixinhadeconfeitos3(felizmentenãoentraraáguasalgadanela)edistribuiu-oscomoprêmios.Haviaexatamenteumparacadaum.

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“Maselatambémdeveganharumprêmio!”exclamouoCamundongo.“Claro”, respondeu o Dodô, muito gravemente. “Que mais você tem no

bolso?”continuou,voltando-separaAlice.“Sóumdedal”,disseAlice,tristonha.“Poisdêcáessededal”,disseoDodô.Em seguida todos se juntaram em torno dela de novo, enquanto o Dodô a

presenteavasolenementecomodedal,dizendo:“Humildementelhepedimosqueaceite este elegante dedal”; e, quando encerrou esse breve discurso, todosaplaudiram.Aliceachouaquilotudomuitoabsurdo,mastodospareciamtãosériosquenão

ousou rir; como não lhe ocorreu nada para dizer, simplesmente fez umareverênciaepegouodedal,comoarmaissolenequearranjou.Depois veio a hora de comer os confeitos; isso provocou algum barulho e

confusão, com as aves grandes se queixando de que não conseguiam sentir ogostodosseus,easmenoresengasgandoetendodelevarpalmadasnascostas.MasfinalmentetudoterminoueelessesentaramdenovonumcírculoepediramaoCamundongoquelhescontassemaisalgumacoisa.“Prometeumecontarasuahistória,lembra?”perguntou-lheAlice.“Eporque

detesta…GeC”,acrescentounumsussurro,commedodequeseofendessedenovo.“Todo o rosário, de cabo a rabo? Ele é comprido e triste”, disse o

Camundongo,virando-separaAliceesuspirando.“Comprido ele é, sem dúvida”, disseAlice, olhando assombrada o rabo do

Camundongo; “mas por que diz que é triste?” E ficou ruminando a questãoenquantooCamundongofalava,demodoqueaideiaquefezdahistóriafoimais

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oumenosassim:4

“Vocênãoestáprestandoatenção!”disseoCamundongoseveramenteaAlice.“Emqueestápensando?”“Peçodesculpa”,disseAlice,muitohumilde.“Nóstínhamoschegadoàquinta

volta,nãoé?”“Nós,não!”gritouoCamundongo,muitobruscoezangado.“Nós!”exclamouAlice,sempreprestativa,olhandoansiosaaoseuredor.“Oh,

deixe-meajudaradesatá-los!”6

“Não vou fazer nada disso”, disse o Camundongo pondo-se de pé e seafastando.“Vocêmeinsultafalandotantodisparate!”

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“Foisemquerer!”protestouapobreAlice.“Mascomovocêseofendeàtoa!”ArespostadoCamundongofoisóumresmungo.“Porfavor,volteetermineasuahistória!”Alicechamou-o;etodososoutros

fizeram coro com ela. “Sim, por favor, volte!” mas o Camundongo apenassacudiuacabeça,impaciente,eapertouopassoumpouquinho.“Que pena ele não ficar!” suspirou o Papagaio, assim que o Camundongo

sumiudevista;eumavelhaCaranguejaaproveitouaoportunidadeparadizeràfilha:“Ah,minhaquerida!Queistolhesirvadelição:nuncapercaasuacalma!”Ao que a jovem Carangueja respondeu, um tantinho insolente: “Bico calado,mamãe!Comvocêatéumaostraperdeapaciência!”“QuemmederaqueanossaDinahestivesseaqui,quemmedera!”Alicedisse

alto,semsedirigiraninguémemparticular.“Numinstanteelaotrariadevolta!”“EqueméDinah,seéquepossomeatreveraperguntar?”disseoPapagaio.Alice respondeu com entusiasmo, pois estava sempre disposta a falar sobre

suabichana:“Dinahéanossagata.Vocêsnãoimaginamcomoéformidávelparaapanharcamundongos!E,oh!gostariaquepudessemvê-laatrásdasaves!Ah!Malvêumpassarinho,eelejáestánopapo.”Essa fala causou especial comoção entreogrupo.Algumasdas aves saíram

correndo imediatamente;umavelhagralhacomeçoua seagasalhar commuitocuidado,comentando:“Realmentepreciso irparacasa;oserenonãoconvémàminha garganta!”E umCanário chamou os filhos numa voz trêmula: “Vamosembora,meusqueridos!Jáestámaisdoquenahoradeestaremtodosnacama!”Sobpretextosvariados,todosseafastarameAlicelogoseviusó.“Não devia ter mencionado a Dinah!” disse tristemente com seus botões.

“Parecequeninguémgostadelaaquiembaixo,etenhocertezadequeéamelhorgatadomundo!Oh,minhaDinahzinha,seráquevouvê-laoutravez?”Eaquiapobre Alice começou a chorar de novo, sentindo-se muito sozinha eacabrunhada.Daliapouco,noentanto,voltouaouvirumbarulhinhodepassosàdistância e levantou os olhos ansiosa, com uma ponta de esperança de que oCamundongo tivesse mudado de ideia e resolvido voltar para terminar a suahistória.

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CAPÍTULO4

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Billpagaopato

ERA O COELHO BRANCO caminhando de volta, devagar, olhando ansioso paratodosos lados como se tivesseperdido algumacoisa; e elaoouviumurmurarconsigomesmo:“ADuquesa!ADuquesa!Oh,minhaspatasqueridas!Oh,meupelo emeus bigodes!Vaimandarme executar, tão certo quanto doninhas sãodoninhas!1Ondeposso tê-los deixado cair?me pergunto!”Alice adivinhou nomesmoinstantequeestavaprocurandoolequeeopardeluvasbrancasdepelicae, muito amavelmente, começou também a buscá-los aqui e ali, mas nãoconseguiuavistá-losemlugaralgum…tudopareciatermudadodesdeseunadonalagoa,eograndesalão,comamesadevidroeaportinha,desapareceraporcompleto.Logo, logo o Coelho se deu conta da presença de Alice, enquanto ela

procurava por todos os lados, e chamou-a com voz irritada: “Ora essa,MaryAnn,2queestáfazendoaqui?Corrajáatéemcasaemetragaumpardeluvaseumleque!Rápido,vá!”3Aliceficoutãoamedrontadaquecorreuimediatamentenadireçãoqueeleapontou,semnemtentarlheexplicaroengano.“Elemeconfundiucomasuacriada”,disseconsigoenquantocorria.“Como

vai ficar surpreso quando descobrir quem eu sou!Mas é melhor lhe trazer olequeeas luvas… istoé, se euconseguir achá-los.”Aodizer isso, topoucomuma casa pequenina e jeitosa; na porta, uma placa de bronze trazia o nome“coelhob.”gravado.Entrousembaterecorreuescadaacima,commuitomedodedardecaracomaverdadeiraMaryAnneserexpulsadacasaantesdeacharolequeeasluvas.“Comopareceesquisito”,disseAliceconsigomesma,“receberincumbências

de um coelho!Logo, logo aDinah vai estarme dando ordens!”E começou aimaginar que tipo de coisa iria acontecer: “Senhorita Alice! Venhaimediatamente e apronte-se para sua caminhada!” “Estou indo num segundo,ama!Mastenhodeficartomandocontaparaocamundongonãosair.”“Sóquenãoacho”,Alicecontinuou,“queelesdeixariamaDinahficarláemcasaseela

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começasseadarordensàspessoasdessejeito!”Aessaalturahaviaentradonumquartinhobem-arrumado,comumamesaà

janelae,sobreela(comoesperara),umlequeedoisoutrêsparesdeminúsculasluvasbrancasdepelica.Pegouolequeeumpardeluvaseestavaprestesasairdoquartoquandobateuoolhonumagarrafinhapousadajuntodoespelho.Destaveznãohavianenhumrótulocomaspalavras“beba-me”,masmesmoassimelaa desarrolhou e levou aos lábios. “Sei que alguma coisa interessante sempreacontece”, pensou, “cadavezque comoou tomoqualquer coisa; entãovou sóveroque éque esta garrafa faz.Esperoqueme faça crescer denovo, porqueestourealmentecansadadeserestacoisinhatãopequenininha.”Foi o que aconteceu, e bemmais depressa do queAlice esperara: antes de

tomarametadedagarrafa,sentiuacabeçaforçandootetoetevedeseabaixarparanãoquebraropescoço.Pousouagarrafarápido,dizendoparasi:“Émaisdoqueobastante…Esperonãocresceraindamais…Dojeitoqueestá,jánãopassopelaporta…Nãodeviaterbebidotanto!”Quepena!Eratardeparaselamentar!Continuoucrescendo,crescendo,edali

apoucotevedeseajoelharnochão;maisuminstanteenãohaviamaisespaçoparatal;tentouentãooartifíciodesedeitarcomumcotovelocontraaportaeooutro braço enrolado em volta da cabeça.Mas ainda continuou crescendo, e,comoúltimorecurso,enfiouumbraçopela janelaaforaeumpépelachaminéacima, murmurando: “Agora não posso fazer mais nada, aconteça o queacontecer.Oquevaiserdemim?”Para sortedeAlice, agarrafinhamágica já tivera seuplenoefeitoeelanão

ficoumaior.Mesmoassim,aquiloestavamuitodesconfortável,e,comoparecianão ter a menor possibilidade de sair do quarto, não admira que se sentisseinfeliz.“Era muito mais agradável lá em casa”, pensou a pobre Alice, “lá não se

ficava sempre crescendo e diminuindo, e recebendo ordens aqui e acolá decamundongosecoelhos.Chegoquaseadesejarnãoterdescidoporaquelatocadecoelho…noentanto…noentanto…ébastanteinteressanteestetipodevida!Realmentemeperguntooquepodeteracontecidocomigo!Quandoliacontosdefadas,eu imaginavaqueaquelascoisasnuncaaconteciam,eagoracáestounomeio de uma! Deveria haver um livro escrito sobre mim, ah isso deveria! Equandoeu forgrande,vouescreverum…mas sougrandeagora”, acrescentounumtompesaroso.“Pelomenosaquinãohámaisespaçoparacrescermais.”“Masnessecaso”,pensouAlice,“seráquenuncavouficarmaisvelhadoque

sou agora?Não deixa de ser um consolo…nunca ficar uma velha…mas poroutrolado…sempreterliçõesparaestudar!Oh!Eunãoiriagostardisso!”4

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“Oh, Alice, sua tola!”, respondeu a simesma. “Como vai poder estudar asliçõesaqui?Ora,malhálugarparavocê,quediráparaoslivros!”E assim continuou, tomando primeiro um lado e depois o outro, e

transformando aquilo numa conversa completa. Passados alguns momentos,porém,ouviuumavozláforaeparouparaescutar.“MaryAnn!MaryAnn!”disseavoz.“Pegueminhasluvasjá!”5Depoisouviu

o som de passinhos na escada.Alice sabia que era oCoelho à sua procura, etremeuatéfazeracasasacudir,completamenteesquecidadequeagoraeraumasmilvezesmaiordoqueoCoelhoenãotinharazãoalgumaparatemê-lo.LogooCoelhochegouàportaetentouabri-la,mas,comoabriaparadentroe

o cotovelo de Alice estava comprimido contra ela, a tentativa revelou-se umfracasso. Alice ouviu-omurmurar: “Neste caso, vou dar a volta e entrar pelajanela.”“Issoéquenão”,pensouAlice,e,apósesperaratéteraimpressãodeouviro

Coelhoaopédajanela,abriuderepenteamãoefezumgestodeagarraralgonoar.Nãoagarroucoisaalguma,masouviuumpequenoguincho,umaquedaeumruído de vidro quebrado, do que concluiu que possivelmente ele caíra numaestufadepepinos,6oualgodogênero.Emseguidaveioumavozfuriosa–adoCoelho:“Pat!Pat!Ondeestávocê?”

E depois uma voz que ela nunca ouvira antes. “Com certeza estou aqui!Escavandomaçãs,voss’excelença.”7

“Escavandomaçãs,poissim!”disseoCoelho,irritado.“Aqui!Venhameajudarasairdisto!”(Maissonsdevidroquebrado.)

“Agoramediga,Pat.Queéaquilonajanela?”“Comcertezaéumbraço,voss’excelença!”(Pronunciavabrass.)

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“Quebraço,seupateta!Quemjáviubraçodaqueletamanho?Como!Ocupaajanelainteira!”“Comcertezaenche,voss’excelença;masnãodeixadeserumbraço.”“Bem,sejacomofor,elenãotemnadaquefazerali.Váesumacomele!”Em seguida fez-se um longo silêncio, e Alice pôde ouvir apenas uns

cochichosvezporoutra,como:“Comcertezanãogostodisso,voss’excelença,nada,nada!”“Façaoqueestoumandando,seucovarde”,eporfimelaabriuamãodenovo, fazendooutrogestodeagarraralgonoar.Destavezhouvedoisguinchos,emaissonsdevidroquebrado.“Quantasestufasdepepino!”pensouAlice.“Oqueseráquevãofazeragora?Quantoamepuxarpelajanela,eubemqueriaquepudessem!Tenhocertezadequenãoqueroficaraquinemmaisumminuto.”Esperoualgumtemposemouvirmaisnada;finalmenteescutouumrangidode

rodinhasdecarroçaeosomdeumaporçãodevozes, todasfalandoaomesmotempo.Conseguiuentenderaspalavras:“Ondeestáaoutraescada?”“Ora,eusótinhadetrazeruma;oBillpegouaoutra.”“Bill!Tragaissoaquirapaz!”“Ponhaasduasdepénestecanto.”“Não,primeiroamarreumanaoutra…mesmoassimnãovãochegarnemàmetadedaaltura.”“Oh!Vãodarmuitobem,nãosejatãometiculoso.” “Aqui, Bill! Segure esta corda.” “Será que o teto aguenta?”“Cuidadocomaquelatelhasolta.”“Opa!Lávemela!Abaixemacabeça!”(ruídode coisa se espatifando). “Ora essa, quem fez isso?” “Foi o Bill, eu acho.”“Quemvaidescerpelachaminé?”“Euéquenão!Vocêdesce!”“Entãotambémnãodesço!”“OBilléquetemdedescer.”“Ei,Bill!Opatrãoestádizendoqueéparavocêdescerpelachaminé!”

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“Ah! Então é o Bill que tem de descer pela chaminé, não é?”, disse Aliceconsigomesma.“Quevergonha,pareceque jogamtudoemcimadoBill!NãoqueriaestarnolugardoBillpornada.Estalareiraéestreita,éverdade;masachoqueconsigodarunsbonspontapés!”Afundouopéomaisquepôdenachaminé,eesperouatéouvirumbichinho

(não conseguiu adivinhar de que tipo era) arranhando e trepando na base dachaminéacimadela.Então,dizendoconsigo“ÉoBill”,deuumfortepontapéeesperouparaveroqueiriaacontecer.Aprimeiracoisaqueouviufoiumcorogeral,“LávaioBill!”,depoisavozdo

Coelho sobressaiu: “Levantem-no, vocês aí perto da cerca!”; depois silêncio eentãooutraconfusãodevozes:“Ergamacabeçadele.”“Umgoledeconhaque.”“Não o façam engasgar.” “Como foi isso, companheiro? Que foi que lheaconteceu?Conte-nostudo.”Porfimveioumavozinhafraca,esganiçada(“ÉoBill”,pensouAlice):“Bem,

eu mesmo não sei… Chega, obrigado; estou melhor agora… mas estou umpoucoatarantadodemaisparalhescontar…Oqueeuseiéqueumacoisabateuemmim,comoumbonecosaltandodeumacaixadesurpresa,evoeicomoumfoguete!”“Vooumesmo,companheiro!”disseramosoutros.“Temosdebotar fogonacasa!”ouviu-seavozdoCoelho;eAliceberrouo

maisaltoquepôde:“Sefizeremisso,soltoaDinahemcimadevocês!”

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Umsilêncioprofundobaixounomesmoinstante,eAlicematutou:“Gostariadesaberoquevãofazeragora!Seraciocinassemumpouquinho,arrancariamotelhado fora.” Depois de um ou dois minutos, eles começaram a se agitar denovo,eAliceouviuoCoelhodizer:“Umcarrinhodemãocheioestábom,paracomeçar.”“Umcarrinhodemãocheiodequê?”pensouAlice;masnãotevemuitotempo

paraconjeturar,porquenosegundoseguinteumachuvadepedrinhascomeçouapipocarnajanelaealgumasaatingiramnorosto.“Vouacabarcomisto”,disseconsigomesma, e gritou: “Melhor não repetirem isso!” o que produziu outrosilêncioprofundo.Alice notou, com alguma surpresa, que as pedrinhas espalhadas no chão

estavamtodasvirandobolinhos,eumaideialuminosalheveioàcabeça.“Seeucomer um destes bolinhos”, pensou, “ele com certeza vai produzir algumamudançanomeutamanho;e,comonãoépossívelelemeaumentar,sópodemediminuir,suponho.”

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Assim, devorou um dos bolos e ficou satisfeitíssima ao ver que começou adiminuir imediatamente.Assimque ficou pequena o bastante para passar pelaporta, correu para fora da casa e encontrou umbandode animaizinhos e avesesperando. O pobre lagarto, Bill, estava no meio, sustentado por doisporquinhos-da-índia que lhe davam alguma coisa de uma garrafa. TodosavançaramparaAliceno instante emqueela apareceu;mas ela correuomaisrápidoquepôdeelogoseviuasalvonumdensobosque.“Aprimeira coisa que tenho de fazer”, disseAlice para simesma enquanto

vagavapelobosque,“évoltarparaomeutamanhodenovo;easegundaéchegaràquelejardimencantador.Achoqueesteéomelhorplano.”Parecia um plano excelente, sem dúvida, e arranjado com muita ordem e

simplicidade;oúnicoproblemaeraqueelanãotinhaamenorideiadeporondecomeçar; e enquanto,muitoaflita, espreitavaatentamenteentreas árvores,umlatidinhoagudologoacimadasuacabeçaafezerguerosolhosnumátimo.

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Umenorme filhote de cachorro olhava para ela com seus olhos redondos egraúdos, esticando debilmente uma pata, tentando tocá-la.8 “Pobre bichinho!”disseAlice,comcarinho,efezumgrandeesforçoparaassobiarparaele;masotempotodoestavasesentindoterrivelmenteamedrontadacomaideiadequeelepodiaestarcomfome,casoemquemuitoprovavelmenteiriacomê-la,apesardetodososseusafagos.Mal sabendo o que fazia, apanhou um graveto e o estendeu para o

cachorrinho;diantedissoofilhotesaltounoar,todasaspatasdeumavez,comumlatidodedeleite,eavançoucontraograveto,fingindotermedodele;depoisAliceseesquivouatrásdeumgrandecardoparanãoseratropelada;assimqueapareceudooutrolado,ocachorrinhofezoutrainvestidacontraogravetoedeuumacambalhotanaafobaçãodeagarrá-lo;entãoAlice,achandoqueaquiloeramuitoparecidocombrincarcomumcavalinho,eesperandoserpisoteadaporelea qualquermomento, correu de novo para trás do cardo; em seguida o filhoteiniciou uma série de breves investidas para o graveto, correndo cada vez bempouquinhoparafrenteemuitoparatrás,arquejando,alínguapendendodaboca,osolhosenormessemicerrados.

Aquela pareceu a Alice uma boa oportunidade para fugir; assim, partiuimediatamente,correndoaté ficar realmentecansadaesemfôlego,atéo latidodocachorrinhosoarmuitofracoàdistância.“Ainda assim, que cachorro engraçadinho!” disseAlice, encostando-se num

botão-de-ouroparadescansareseabanandocomumadasfolhas:“Teriagostado

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muito de ensinar alguns truques a ele… se pelomenos estivesse do tamanhocerto para isso! Ai, ai! Tinha quase me esquecido de que preciso crescer denovo!Deixe-mever…comopossoconseguirisso?Suponhoqueteriadecomeroubeberumacoisaououtra;masagrandequestãoé:oquê?”A grande questão era, certamente, “o quê?”. Alice olhou para as flores e a

relvaqueacercavamportodososlados,masnãoviunadaqueparecesseacoisacerta para se comer ou beber naquelas circunstâncias. Havia perto dela umcogumelogrande,quasedasuaaltura;depoisdeolharembaixodele,edosdoislados, e atrás, ocorreu-lhe que não seriamá ideia espiar o que havia em cimadele.Esticou-senapontadospéseespiousobreabordadocogumeloeseuolhar

encontrou imediatamente o de uma grande lagarta azul, sentada no topo, debraços cruzados, fumando tranquilamente um comprido narguilé, sem dar amínimaatençãoaelaouaqualqueroutracoisa.

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CAPÍTULO5

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ConselhodeumaLagarta

ALAGARTA1EALICEficaramolhandoumaparaoutraalgumtempoemsilêncio.Finalmente a Lagarta tirou o narguilé da boca e se dirigiu a ela numa vozlânguida,sonolenta.“Quemévocê?”perguntouaLagarta.Não era um começo de conversa muito animador. Alice respondeu, meio

encabulada:“Eu…eumalsei,Sir,nesteexatomomento…pelomenosseiquemeu era quando me levantei esta manhã, mas acho que já passei por váriasmudançasdesdeentão.”“Quequerdizercomisso?”esbravejouaLagarta.“Explique-se!”“Receionãopodermeexplicar”,respondeuAlice,“porquenãosoueumesma,

entende?”“Nãoentendo”,disseaLagarta.“Receionãopodersermaisclara”,Alicerespondeucommuitapolidez,“pois

eu mesma não consigo entender, para começar; e ser de tantos tamanhosdiferentesnumdiaémuitoperturbador.”“Nãoé”,disseaLagarta.“Bem,talvezaindanãotenhadescobertoisso”,disseAlice;“masquandotiver

de virar uma crisálida… vai acontecer um dia, sabe… e mais tarde umaborboleta,diriaquevaiacharissoumpoucoesquisito,nãovai?”“Nemumpouquinho”,disseaLagarta.“Bem,talvezseussentimentossejamdiferentes”,concordouAlice;“tudoque

seiéqueparamimissopareceriamuitoesquisito.”“Você!”desdenhouaLagarta.“Quemévocê?”2

Oqueas levoudenovoparao iníciodaconversa.Alice,umpouco irritadacom os comentários tão breves da Lagarta, empertigou-se e disse, muitogravemente:“Achoqueprimeirovocêdeveriamedizerquemé.”“Porquê?”indagouaLagarta.Aqui estava outra pergunta desconcertante; e como não pudesse atinar com

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nenhumaboarazão,eaLagartaparecesseestarnumadisposiçãodeânimomuitodesagradável,Alicedeumeia-volta.“Volte!”chamouaLagarta.“Tenhoumacoisaimportanteparadizer!”Issopareciapromissor,semdúvida;Alicesevirouevoltou.“Controle-se”,disseaLagarta.“Issoétudo?”quissaberAlice,engolindoaraivaomelhorquepodia.“Não”,respondeuaLagarta.Alicepensouquepodiamuitobemesperar,jáquenãotinhamaisnadaafazer

e talvez,afinal,eladissessealgumacoisaquevalesseapenaouvir.PoralgunsminutosaLagartasoltoubaforadassemfalar,masporfimdescruzouosbraços,tirouonarguilédabocadenovoedisse:“Entãoachaqueestámudada,nãoé?”“Receioquesim,Sir”,disseAlice.“Nãoconsigomelembrardascoisascomo

antes…enãoficodomesmotamanhopordezminutosseguidos!”

“Nãoconsegueselembrardequecoisas?”perguntouaLagarta.“Bem, tentei recitar ‘Como pode a abelhinha atarefada’, mas saiu tudo

diferente!”Alicerespondeucomvoztristonha.“Recite‘Estávelho,PaiWilliam’”,disseaLagarta.Alicejuntouasmãos3ecomeçou:

“Estávelho,PaiWilliam”,Disseomoçoadmirado.

“Comoéqueaindafaz

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Cabriolaemseuestado?”

“Fosseeumoço,meurapaz,Podiaosmiolosafrouxar;Masagorajáestãomoles,

Paraquemepreocupar?”

“Estávelho”,disseomoço,“Egordocomoumapipa;Masovinumacambalhota…

Nãotemedarnónatripa?”

“Quandomoço”,disseosábio,“Fuisempremuitoágil;usavaestapomada:Ésóumxelimacaixa,4não

Nãoquerdarumaexperimentada?”

“Estávelho”,disseomoço,“Seusdoisdentesjáestãobambos,Masgostadechuparcana,

Comoentãonãocaemambos?”

“Quandomoço”,disseopai,“Sempreeviteimastigar.Foiassimqueestesdoisdentes

Conseguieconomizar.”

“Estávelho”,disseomoço,“Jánãoenxergadedia,Comoentãoindaequilibra

Noseunarizumaenguia?”5

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“Járespondiatrêsperguntas,Parecemaisqueobastante,Sumajáoueulhemostro

Quemaquiéoimportante.”

“Issonãoestácorreto”,falouaLagarta.“Nãocompletamente,acho”,disseAlice;“algumaspalavrasforamalteradas.”“Está errado do princípio ao fim”, declarou a Lagarta, peremptória. E

seguiram-sealgunsminutosdesilêncio.ALagartafoiaprimeiraafalar.“Dequetamanhovocêquerser?”perguntou.“Oh,nãofaçoquestãodeumtamanhocerto”,Aliceseapressouaresponder;

“sóqueninguémgostadeficarmudandotodahora,sabe.”“Eunãosei”,disseaLagarta.Alice não disse nada: nunca fora tão contestada em sua vida e sentiu que

estavaperdendoapaciência.“Estásatisfeitaagora?”perguntouaLagarta.“Bem,gostariadeserumpoucomaior,Sir,senãoseimportasse”,disseAlice.

“Oitocentímetroséumaalturatãoinsignificanteparaseter.”“Pois é uma alturamuito boa!” disse a Lagarta encolerizada, empinando-se

enquantofalava(tinhaexatamenteoitocentímetrosdealtura).“Masnãoestouacostumadaaisso!”defendeu-seapobreAlicenumtomque

inspirava pena.E pensou: “Comogostaria que as criaturas não se ofendessemtãofacilmente!”“Comotempovocêseacostuma”,disseaLagarta;pôsonarguilénabocae

começouafumardenovo.DestavezAliceesperoupacientementeatéqueela resolvessefalardenovo.

Depoisdeumoudoisminutos,aLagartatirouonarguilédaboca,bocejouumaou duas vezes e se sacudiu. Em seguida desceu do cogumelo e foi rastejandopelarelva,observandosimplesmente,depassagem:“Umladoafarácrescer,eo

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outroafarádiminuir.”6

“Umladodoquê?Ooutroladodoquê?”Aliceseperguntou.“Do cogumelo”, foi a resposta da Lagarta, exatamente como se ela tivesse

perguntadoemvozalta;7maisuminstante,eaLagartatinhasumidodevista.Alice ficou olhando para o cogumelo por um minuto, pensativa, tentando

identificarquaiseramseusdois lados;comoeraperfeitamenteredondo,aquelalhe pareceu uma questãomuito difícil.No entanto, por fim esticou omáximoquepodiaosbraçosemvoltadeleequebrouumpedacinhodabordacomcadamão.“Eagora,qualéqual?”perguntou-se, emordiscouumapontadopedaçoda

mão direita para experimentar o efeito: num instante sentiu uma pancadaviolentasoboqueixo:elebateranoseupé!Ficoubastanteassustadacomessamudançasúbita,mas lhepareciaquenão

haviatempoaperder,poisestavaencolhendorapidamente;assim,tratoulogodecomerumpoucodooutropedaço.Seuqueixoestavatãocomprimidocontraseupéquemaltinhacomoabriraboca;masfinalmenteaabriu,conseguindoengolirumticodopedaçodamãoesquerda.

“Viva!Atéqueenfimminhacabeçaestálivre”,disseAlicecomumprazerquenum instante se transformou em susto, quandodescobriu quenão achava seusombrosem lugar algum: tudooqueconseguiaver,quandoolhavaparabaixo,eraumaimensaextensãodepescoço,quepareciaseerguercomoumtalodeummardefolhasverdesqueseestendialálonge,debaixodela.“Oquepodeser todaaquelacoisaverde?”disseAlice.“Eondeforamparar

meusombros?Oh!Minhasmãozinhas,porqueseráquenãoconsigomaisvê-las?”Estavamexendoasmãosenquanto falava,mas issonãopareciaproduzirnenhumefeito,excetoumasacudideladasdistantesfolhasverdes.Como parecia não haver nenhuma possibilidade de erguer as mãos até a

cabeça, tentouabaixaracabeçaatéelas, ficandomaravilhadaaodescobrirqueseupescoçopodiasecurvarfacilmenteemqualquerdireção,comoumacobra.Acabaradeconseguircurvá-lonumgraciosoziguezague,eiamergulharentreasfolhas–quedescobriuseremapenasascopasdasárvoressobasquaisestiveraperambulando – quando um assobio agudo a fez recuar depressa: uma grandepombatinhavoadoatéoseurostoeestavabatendonelaviolentamentecomsuasasas.“Cobra!”arrulhouaPomba.“Nãosouumacobra!”disseAlice,indignada.“Deixe-meempaz!”“Cobra, eu insisto!” repetiu a Pomba, mas num tom mais comedido, e

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acrescentoucomumaespéciedesoluço:“Játenteidetodasasmaneiras,enadaparececontentá-las!”“Nãofaçoideiadoqueestáfalando”,disseAlice.“Tentei as raízes das árvores, tentei as ribanceiras e tentei cercas-vivas”,

continuouaPomba,semlheprestaratenção;“masessascobras!Nãohácomoagradá-las!”Aliceestavacadavezmaisperplexa,masachouquenãoadiantavadizernada

atéqueaPombaterminasse.“Comosenãofossebastanteterdechocarosovos”,disseaPomba,“tenhode

ficardesentinela,vigiandoascobrasnoiteedia!Ora,faztrêssemanasquenãopregooolho!”“Sintomuitoque tenhaseaborrecido”,disseAlice,queestavacomeçandoa

entenderoqueelaqueriadizer.“E justamente quando escolhi a árvore mais alta do bosque”, continuou a

Pomba,elevandoavozaumguincho,“justamentequandoestavapensandoquefinalmentemeverialivredelas,elastêmdedescerdocéuseretorcendo!Arre,Cobra!”“Mas não sou uma cobra, estou lhe dizendo!” insistiu Alice. “Sou uma…

uma…”“Ora essa! Você é o quê?” perguntou a Pomba. “Aposto que está tentando

inventaralgumacoisa!”“Eu… eu sou uma menininha”, respondeu Alice, bastante insegura,

lembrando-sedonúmerodemudançasquesofreraaqueledia.“Realmenteumahistóriamuitoplausível!”disseaPombanumtomdomais

profundodesprezo.“Vimuitasmenininhasnomeutempo,masnuncaumacomumpescoçodesse!Não,não!Vocêéumacobra;enãoadiantanegar.Suponhoqueagoravaimedizerquenuncaprovouumovo!”“Provei ovos, semdúvida”,disseAlice,queeraumacriançamuito sincera;

“masmeninascomemquasetantosovosquantoascobras,sabe.”“Não acredito nisso”, declarou a Pomba; “mas, se comem, então são uma

espéciedecobra,ésóoquepossodizer.”EraumaideiatãonovaparaelaqueAliceficouemsilêncioabsolutoporum

oudoisminutos,oquedeuàPombaoportunidadeparaacrescentar:“Vocêestáprocurandoovos,issoeuseimuitobem;oquemeimportaseéumamenininhaouumacobra?”“Pois a mim, me importa muito”, Alice retrucou rápido; “mas não estou

procurandoovos;e,seestivesse,nãoiriaquererosseus:nãogostodeovocru.”“Bem, então dê o fora!” disse a Pomba num tom amuado, enquanto se

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acomodavadenovoemseuninho.Aliceseagachouentreasárvorescomopôde,poisseupescoçoficavaseenganchandoentreosgalhose,vezporoutra,tinhadeparar e desembaraçá-lo. Passado algum tempo, lembrou-se de que ainda tinhapedaços do cogumelo nas mãos, e pôs-se ao trabalho com muita aplicação,mordiscandoprimeiroumedepoisooutro,ficandoàsvezesmaisaltaeàsvezesmaisbaixa,atéconseguirseajustaràsuaalturanormal.Faziatantotempoquenemseaproximavadotamanhocertoque,nocomeço,

aquilo pareceubastante estranho;mas se acostumou e, algunsminutos depois,começouaconversarconsigomesmacomodehábito.“Pronto,metadedomeuplano está cumprida! Como todas essasmudanças desorientam!Nunca sei aocertooquevouserdeumminutoparaoutro!Sejacomofor,volteiparaomeutamanho; o próximo passo é ir àquele bonito jardim… como será que vouconseguirisso?”Aodizeressaspalavras,chegouderepenteaumlugaraberto,comumacasinhadecercadeummetroevintecentímetrosdealtura.“Seja láquem more aqui”, pensou Alice, “não convém me aproximar deles com estetamanho;quesustoiriamlevar!”Assim,começouamordiscardopedacinhodamãodireitadenovoenãoseaventurouachegarpertodacasaantesdeconseguirsereduzira22centímetrosdealtura.

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CAPÍTULO6

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Porcoepimenta

PORUMOUDOISMINUTOS,elaficouolhandoparaacasaepensandooquefazerem seguida, quando, de repente, um lacaio de libré saiu correndo do bosque(supôs que era um lacaio porque estava de libré; não fosse por isso, a julgarapenaspelorosto,teriaditoqueeraumpeixe)ebateuàportaruidosamentecomos nós dos dedos. A porta foi aberta por um outro lacaio de libré, de rostoredondoeolhosgrandescomoumsapo;eosdoislacaios,Alicenotou, tinhamcabeleiras encaracoladas e empoadas à volta de toda a cabeça. Sentiu muitacuriosidade de saber o que era aquilo e, furtivamente, saiu um pouquinho dobosqueparaouvir.O Lacaio-Peixe começou por tirar de debaixo do braço uma grande carta,

quase do tamanho dele, que entregou para o outro, dizendo com solenidade:“Para a Duquesa. Um convite da Rainha para jogar croqué.” O Lacaio-Saporepetiu,comigualsolenidade,sótrocandoumpouquinhoaordemdaspalavras:“DaRainha.UmconviteàDuquesaparajogarcroqué.”Depois ambos fizeram uma profunda mesura, e os cachos dos dois se

embaraçaram.Aliceriutantodissoquetevedecorrerdevoltaparaobosque,demedoquea

ouvissem,e,naprimeiraespiadaquedeu,oLacaio-Peixetinhadesaparecidoeooutroestavasentadonochãopertodaporta,olhandoaparvalhadoparaocéu.Alicefoitimidamenteatéaportaebateu.“Nãoadiantanadabater”,disseoLacaio, “e istoporduas razões.Primeiro,

porqueestoudomesmoladodaportaquevocê;segundo,porqueestãofazendotanto barulho lá dentro que ninguém pode ouvi-la.” E realmente estava-sefazendo uma barulheira descomunal lá dentro: berros e espirros constantes evoltaemeiaumgrandeestrépito,comoseumatravessaouumachaleirativessesidoestilhaçada.

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“Nessecaso,porfavor”,disseAlice,“comofaçoparaentrar?”“Poderiahaveralgumsentidoemvocêbater”,continuouoLacaiosemlhedar

atenção,“setivéssemosaportaentrenós.Porexemplo,sevocêestivessedentro,poderiabatereeupoderialhedeixarsair,claro.”Enquantofalava,eleolhavaotempo todo para o céu, o que pareceu a Alice francamente descortês. “Mastalvez elenãopossa evitar”, disse consigomesma; “temosolhos tãopertodococuruto.Mesmoassim,podiaresponderaperguntas.“Comofaçoparaentrar?”repetiu,alto.“Vouficarsentadoaqui”,observouoLacaio,“atéamanhã…”Nesse instanteaportadacasaseabriueumpratarrazsaiuzunindo,bemna

direçãodacabeçadoLacaio:pegou-lheonarizderaspãoefoiseespatifarnumadasárvoresquehaviaatrás.“…ou depois de amanhã, quem sabe”, continuou o Lacaio nomesmo tom,

comoseabsolutamentenadativesseacontecido.“Comofaçoparaentrar?”Aliceperguntoudenovo,maisalto.“Mas,afinal,vocêdeveentrar?”disseoLacaio.“Estaéaprimeirapergunta.”Era, sem dúvida: só que Alice não gostou que lhe dissessem isso. “É

realmenteespantoso”,murmurouconsigo,“comotodasascriaturasbrigam.Édelevaragenteàloucura!”OLacaiopareceuvernissoumaboaoportunidadepararepetirseucomentário,

com variações. “Vou ficar sentado aqui”, disse, “ora sim, ora não, por dias edias.”“Masoquedevofazer?”perguntouAlice.

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“Oquequiser”,respondeuoLacaio,ecomeçouaassobiar.“Oh!Nãoadiantafalarcomele”,disseAlice,desesperada,“écompletamente

idiota!”Eabriuaportaeentrou.A porta dava diretamente para uma cozinha ampla, enfumaçada de ponta a

ponta:aDuquesa1estavasentadanomeio,numtamboretede trêspés,ninandoum bebê; a cozinheira estava debruçada sobre o fogo,mexendo um caldeirãoenormequepareciacheiodesopa.“Comcerteza há pimenta demais naquela sopa!”2Alice disse consigo, tanto

quantopodiajulgarporseusespirros.Noar,semdúvidahaviamuita.AtéaDuquesaespirravadevezemquando;

quantoaobebê,espirravaeberravasemumminutode trégua.Asduasúnicascriaturasquenãoespirravamnacozinhaeramacozinheiraeumgatograndequeestavadeitadojuntoaoforno,sorrindodeorelhaaorelha.“Por favor, poderia me dizer”, perguntou Alice um pouco tímida, pois não

sabiaseeradebomtomfalaremprimeirolugar,“porqueseugatotantosorri?”

“ÉumgatodeCheshire”,3disseaDuquesa,“éporisso.Porco!”DisseaúltimapalavracomtãosúbitaviolênciaqueAlicedeuumpulo;mas

numinstanteviuqueeradirigidaaobebê,nãoasi.Diantedisso,tomoucoragemecontinuou:“NãosabiaqueosgatosdeCheshire sempresorriem;naverdade,nãosabia

quegatospodiamsorrir.”“Todospodem”,disseaDuquesa,“eamaioriaofaz.”“Não conheço nenhum que sorria”, declarou Alice, com muita polidez,

sentindo-semuitocontenteporterentabuladoumaconversa.“Vocênãosabegrandecoisa”,observouaDuquesa;“eistoéumfato.”Alice não gostou nada do tomdessa observação e pensou que seriamelhor

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introduziralgumoutroassunto.Enquantotentavaescolherum,acozinheiratirouocaldeirãodesopadofogoesepôsimediatamenteaatirartudoqueestavaaseualcancenaDuquesaenobebê:primeiroforamosatiçadores;depoisumachuvade caçarolas, travessas e pratos. A Duquesa não tomava conhecimento deles,nem quando a atingiam; o bebê já estava berrando tanto que era quaseimpossíveldizerseosgolpesomachucavamounão.“Oh!Porfavor,vejaoqueestáfazendo!”gritouAlice,levantando-sedeum

salto,aterrorizada.“Oh!Lásevaiomimosonarizinhodele”;poisumaenormecaçarolapassourenteequaseoarrancoufora.“Secadaumcuidassedaprópriavida”,disseaDuquesanumresmungorouco,

“omundogirariabemmaisdepressa.”“Oquenãoseriaumavantagem”,emendouAlice,muitosatisfeitaporteruma

oportunidadedeexibirumpoucodasuasabedoria.“Pensesónoqueseriafeitododiaedanoite!Veja,aTerraleva24horasparacompletarsuarevolução…”“Porfalaremrevolução”,disseaDuquesa,“cortem-lheacabeça!”Bastanteaflita,Alicedeuumaolhadadesoslaioparaacozinheiraparaverse

elaiaaproveitaradeixa;masestavaocupadamexendoasopaeparecianãoterouvido.Assim,recomeçou:“24horas,euacho;ouserãodoze?Eu…”“Ora,nãomeaborreça”,disseaDuquesa;“nuncapudesuportarnúmeros!”E

comissocomeçouaacalentarofilhodenovo,enquantocantavaumaespéciedecantigadeninar,dando-lhefortessacudidasaofimdecadaverso:4

Falegrossocomseubebezinho,Eespanque-oquandoespirrar:Porqueeleébemmalandrinho,

Sóofazparaazucrinar.

REFRÃO(Comaparticipaçãodacozinheiraedobebê):Oba!Oba!Oba!

Enquanto cantava a segunda estrofe da canção, a Duquesa jogava o bebêbruscamente para cima e para baixo, e a pobre criaturinha berrava tanto queAlicemalconseguiuouviraspalavras:

Falobravocommeugaroto,BatonelequandoespirraPoissóassimtomagosto

Porpimentaenãofazbirra.

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REFRÃOOba!Oba!Oba!

“Tome! Pode niná-lo um pouquinho, se quiser!” disse a Duquesa a Alice,jogando-lheobebê.“PrecisomeaprontarparajogarcroquécomaRainha”,eseretirouapressada.Quandosaía,acozinheiralheatirouumafrigideira,maserrouapontaria.Alice agarrou o bebê com certa dificuldade, pois a criaturinha tinha uma

formaestranha,combraçosepernasesticadosemtodasasdireções,“igualzinhoa uma estrela-do-mar”, pensou Alice. O pobrezinho bufava como umalocomotiva quando ela o pegou, dobrando-se e se esticando sem parar, de talmodoque,porumoudoisminutos,tudoqueelaconseguiufazerfoisegurá-lo.Assim que descobriu a maneira adequada de acalentá-lo (que era torcê-lo

numa espécie de nó, depois agarrar firme sua orelha direita e o pé esquerdo,evitandoassimquesedesatasse), elao levouparaoar livre. “Seeunão levaresta criança comigo”, pensou Alice, “com certeza vão matá-la qualquer diadesses:nãoseriaumassassinatodeixá-laparatrás?”Disseestasúltimaspalavrasemvozalta,eacriaturinhagrunhiuemresposta(aessaalturapararadeespirrar).“Paredegrunhir”,disseAlice;“nãoéemabsolutoumamaneiraapropriadadeseexpressar.”

Obebêgrunhiudenovo,eAlice,muitoinquieta,examinouseurostoparaveroquehaviadeerradocomele.Nãohaviaamenordúvidadequetinhaumnariz

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muitoarrebitado;alémdisso,osolhoseramumtantomiúdosparaumbebê:notodo, Alice não gostou da aparência da criatura. “Mas talvez ele estivesse sósoluçando”,pensou,eolhoudenovoosolhosdeleparaversehavialágrimas.Não, não havia lágrimas. “Se você vai virar umporco,meuquerido”, disse

Alice seriamente, “não vou mais querer saber de você. Preste atenção!” Ocoitadinho soluçou de novo (ou grunhiu, era impossível distinguir), e os doisficaramemsilêncioporalgumtempo.Aliceestavacomeçandoapensar“Eagora?Quevoufazercomestacriatura

quando for para casa?” quando ele grunhiu de novo com tanta fúria que elaolhouparaoseurostoumtantoalarmada.Destaveznãohaviaenganopossível:era nem mais nem menos que um porco, e lhe pareceu que seria totalmenteabsurdocontinuarcarregando-o.5Assim, colocou a criaturinha no chão e se sentiu muito aliviada ao vê-la

caminhar calmamente para o bosque. “Se tivesse crescido”, disse ela para simesma,“teriasidoumacriançahorrorosa;mascomoporcoébemjeitozinho,euacho.” E começou a pensar sobre outras crianças que conhecia que ficariammuitobemcomoporcos,ebemnahoraemqueestavapensando“seaomenosalguém soubesse a maneira correta de transformá-las” teve um ligeirosobressaltoaoveroGatodeCheshiresentadonogalhodeumaárvoreaalgunsmetrosdedistância.6Ao verAlice, oGato só sorriu. Parecia amigável, ela pensou; ainda assim,

tinhagarrasmuito longaseumnúmeroenormededentes,demodoqueachouquedeviatratá-locomrespeito.“BichanodeCheshire”,começou,muitotímida,poisnãoestavanadacertade

queessenomeiriaagradá-lo;maselesóabriuumpoucomaisosorriso.“Bom,atéagoraeleestásatisfeito”,pensouecontinuou:“Poderiamedizer,porfavor,quecaminhodevotomarparairemboradaqui?”“Dependebastantedeparaondequerir”,respondeuoGato.“Nãomeimportamuitoparaonde”,disseAlice.“Entãonãoimportaquecaminhotome”,disseoGato.7“Contanto que eu chegue a algum lugar”, Alice acrescentou à guisa de

explicação.“Oh,issovocêcertamentevaiconseguir”,afirmouoGato,“desdequeandeo

bastante.”Como isso lhe pareceu irrefutável, Alice tentou uma outra pergunta. “Que

espéciedegenteviveporaqui?”“Naqueladireção”,explicouoGato,acenandocomapatadireita,“viveum

Chapeleiro;enaqueladireção”,acenandocomaoutrapata,“viveumaLebrede

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Março.Visitequaldelesquiser:osdoissãoloucos.”8

“Masnãoqueromemetercomgentelouca”,Aliceobservou.“Oh! É inevitável”, disse oGato; “somos todos loucos aqui. Eu sou louco.

Vocêélouca.”9

“Comosabequesoulouca?”perguntouAlice.“Sópodeser”,respondeuoGato,“ounãoteriavindopararaqui.”Alicenãoachavaqueissoprovassecoisaalguma;apesardisso,continuou:“E

comosabequevocêélouco?”

“Paracomeçar”,disseoGato,“umcachorronãoélouco.Admiteisso?”“Suponhoquesim”,disseAlice.“Pois bem”, continuou oGato, “você sabe, um cachorro rosna quando está

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zangado e abana a cauda quando está contente. Ora, eu rosno quando estoucontenteeabanoacaudaquandoestouzangado.Portantosoulouco.”“Chamoissoronronar,nãorosnar”,disseAlice.“Chamecomoquiser”,disseoGato.“VaijogarcroquécomaRainhahoje?”“Gostariamuito”,admitiuAlice,“masaindanãofuiconvidada.”“Encontre-melá”,disseoGato,edesapareceu.Alicenãoficoumuitosurpresa

comisso,tãoacostumadaestavaficandoavercoisasesquisitasacontecerem.Aindaestavaolhandoparaolugarondeoviraquandoeleapareceudenovode

repente.“Apropósito,oquefoifeitodobebê?”quissaberoGato.“Iameesquecendo

deperguntar.”“Virou umporco”,Alice respondeu tranquilamente, como se oGato tivesse

voltadodeumamaneiranatural.“Euachavaqueiriavirar”,disseoGato,edesapareceudenovo.

Aliceesperouumpouco,comcertaesperançadevê-lodenovo,maselenãoapareceue,depoisdeumoudoisminutos,elacaminhounadireçãoemque,peloquelheforadito,moravaaLebredeMarço.“Vilebresantes”,pensou;“aLebredeMarçovaiserinteressantíssima,etalvez,comoestamosemmaio,nãoestejafreneticamentelouca…pelomenosnãotãoloucaquantoemmarço.”Enquantoassimpensava,ergueuosolhoseláestavaoGatodenovo,sentadonogalhodeumaárvore.10“Vocêdisseporcooucorpo?”oGatoperguntou.“Disse porco”, respondeu Alice; “e gostaria que não ficasse aparecendo e

sumindotãoderepente:deixaagentecomvertigem.”“Estábem”,disseoGato;edessavezdesapareceubemdevagar,começando

pela ponta da cauda e terminando com o sorriso, que persistiu algum tempodepoisqueorestodesiforaembora.

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“Bem! Já vi muitas vezes um gato sem sorriso”, pensou Alice; “mas umsorrisosemgato!11Éacoisamaiscuriosaquejávinaminhavida!”NãotinhaidomuitolongequandoavistouacasadaLebredeMarço:pensou

queacasaeraaquelaporqueaschaminéstinhamformadeorelhaseo telhadoeradepelo.Eraumacasa tãograndequenãoquischegarmaispertoantesdelambiscar mais um pouquinho do pedaço de cogumelo da mão esquerda ecrescer até uns sessenta centímetros de altura.Mesmo assim avançoubastantetimidamente, dizendo para si mesma: “E se no fim das contas ela estiverfreneticamentelouca?ChegoquaseadesejarteridovisitaroChapeleiro!”

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CAPÍTULO7

Umchámaluco

EMFRENTEÀCASAHAVIAUMAMESApostasobumaárvore,eaLebredeMarçoeoChapeleiro1 estavamtomandochá;entreelesestavasentadoumCaxinguelê,2que dormia a sono solto, e os dois o usavam como almofada, descansando oscotovelossobreeleeconversandoporsobresuacabeça.“MuitodesconfortávelparaoCaxinguelê”,pensouAlice;“sóque,comoestádormindo, suponhoquenãoseimporta.”Eraumamesagrande,masostrêsestavamespremidosnumaponta:“Nãohá

lugar! Não há lugar!” gritaram ao ver Alice se aproximando. “Há lugar desobra!”disseAlice,indignada,esentou-senumagrandepoltronaàcabeceira.“Tomeumpoucodevinho”,disseaLebredeMarçonumtomanimador.Alice correuosolhospelamesa toda,mas ali nãohavianada alémde chá.3

“Nãovejonenhumvinho”,observou.“Nãohánenhum”,confirmouaLebredeMarço.“Entãonãofoimuitopolidodasuaparteoferecer”,irritou-seAlice.“Nãofoimuitopolidodasuapartesentar-sesemserconvidada”, retrucoua

LebredeMarço.“Nãosabiaqueamesaerasua”,declarouAlice;“estápostaparamuitomais

doquetrêspessoas.”“Seu cabelo está precisandodeumcorte”,4 disse oChapeleiro. Fazia algum

tempo que olhava para Alice com muita curiosidade, e essas foram suasprimeiraspalavras.“Deviaaprenderanão fazercomentáriospessoais”,disseAlicecomalguma

severidade;“émuitoindelicado.”OChapeleiroarregalouosolhosaoouvirisso;masdisseapenas:“Porqueum

corvoseparececomumaescrivaninha?”5

“Oba,voumedivertirumpoucoagora!”pensouAlice.“Quebomquetenham

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começadoaproporadivinhações.”Eacrescentouemvozalta:“Achoquepossomataresta.”“Estásugerindoquepodeachararesposta?”perguntouaLebredeMarço.“Exatamenteisso”,declarouAlice.“Entãodeveriadizeroquepensa”,aLebredeMarçocontinuou.“Eu digo”,Alice respondeu apressadamente; “pelomenos…pelomenos eu

pensooquedigo…éamesmacoisa,não?”“Nemde longe amesma coisa!” disse oChapeleiro. “Seria comodizer que

‘vejooquecomo’éamesmacoisaque‘comooquevejo’!”“Ouomesmoquedizer”,acrescentouaLebredeMarço,“que‘apreciooque

tenho’éamesmacoisaque‘tenhooqueaprecio’!”“Ouomesmoquedizer”,acrescentouoCaxinguelê,quepareciaestarfalando

dormindo, “que ‘respiro quando durmo’ é amesma coisa que ‘durmo quandorespiro’!”“Éamesmacoisanoseucaso”,disseoChapeleiro,enestepontoaconversa

arrefeceu,eogrupoficousentadoemsilêncioporumminuto,enquantoAlicerefletiasobretudodequeconseguiaselembrarsobrecorvoseescrivaninhas,oquenãoeramuito.

OChapeleiro foioprimeiroaquebrarosilêncio.“Quediadomêséhoje?”disse, voltando-se para Alice. Tinha tirado seu relógio da algibeira e estavaolhando para ele com apreensão, dando-lhe uma sacudidelas vez por outra elevando-oaoouvido.Alicepensouumpoucoedisse:“Diaquatro.”6

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“Doisdiasdeatraso!”suspirouoChapeleiro.“Eulhedissequemanteiganãoiafazerbemparaomaquinismo!”acrescentou,olhandofuriosoparaaLebredeMarço.“Era manteiga damelhor qualidade”, respondeu humildemente a Lebre de

Março.“Sim,masdeveterentradoumpoucodefarelo”,oChapeleirorosnou.“Você

nãodeviaterusadoafacadepão.”ALebredeMarçopegouorelógioecontemplou-omelancolicamente.Depois

mergulhou-o na sua xícara de chá e fitou-o de novo. Mas não conseguiuencontrarnadamelhorparadizerqueseuprimeirocomentário:“Eramanteigadamelhorqualidade.”Aliceestiveraolhandoporcimadoombrodelacomcertacuriosidade.“Que

relógioengraçado!”7observou.“Marcaodiadomês,enãomarcahora!”“Porquedeveria?”resmungouoChapeleiro.“Poracasooseurelógiomarcao

ano?”“Claroquenão”,Alicerespondeumaisquedepressa,“maséporquecontinua

sendoomesmoanopormuitotemposeguido.”“Oqueéexatamenteocasodomeu”,disseoChapeleiro.Aliceficouterrivelmenteespantada.AobservaçãodoChapeleiro lheparecia

não fazer nenhum tipo de sentido, embora, sem dúvida, os dois estivessemfalandoamesma língua.“Nãooentendobem”,disse,omaispolidamentequepôde.“OCaxinguelêestádormindodenovo”,disseoChapeleiro, ederramouum

poucodecháquentesobreonarizdele.OCaxinguelêjogouacabeçaparatráscomimpaciênciaedisse,semabriros

olhos:“Éclaro,éclaro;éprecisamenteissoqueeuiaobservar.”“Já decifrou o enigma?”, indagou o Chapeleiro, voltando-se de novo para

Alice.“Não,desisto”,Alicerespondeu.“Qualéaresposta?”“Nãotenhoamenorideia”,disseoChapeleiro.“Nemeu”,disseaLebredeMarço.Alice suspirou, entediada. “Acho que vocês poderiam fazer alguma coisa

melhor como tempo”, disse, “do que gastá-lo com adivinhações que não têmresposta.”“Se você conhecesse o Tempo tão bem quanto eu”, disse o Chapeleiro,

“falariadelecommaisrespeito.”“Nãoseioquequerdizer”,disseAlice.“Claro que não!” desdenhou o Chapeleiro, jogando a cabeça para trás.

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“Atrevo-meadizerquevocênuncachegouafalarcomoTempo!”“Talveznão”,respondeuAlice,cautelosa,“masseiquetenhodebaterotempo

quandoestudomúsica.”“Ah!Issoexplicatudo”disseoChapeleiro.“Elenãosuportaapanhar.Mas,se

vocêeelevivessememboapaz,elefariapraticamentetudooquevocêquisessecomorelógio.Porexemplo,suponhaquefossemnovehorasdamanhã,horadeestudar as lições;bastariaumcochichoparaoTempo, eo relógiogirarianumpiscardeolhos!Umaemeia,horadoalmoço!”(“Sóqueriaquefossemesmo”,aLebredeMarçosussurrouparasimesma.)

“Seriaformidável,semdúvida”,disseAlice,pensativa.“Masnessecasoeunãoestariacomfome,nãoé?”“Nãoaprincípio,talvez”,disseoChapeleiro;“masvocêpoderiamantê-loem

umaemeiaatéquandoquisesse.”“Éassimquevocêfaz?”perguntouAlice.

O Chapeleiro sacudiu a cabeça, pesaroso. “Eu não!” respondeu. “Brigamosemmarçopassado…poucoantesdeelaenlouquecer,sabe…(apontandoaLebredeMarçocomsuacolherdechá);foinograndeconcertodadopelaRainhadeCopas,eeutinhadecantar8

Pisca,pisca,ómorcego!Queeuaquiquerosossego!

Vocêconheceacanção,talvez?”“Jáouvialgumacoisaparecida”,disseAlice.“Elacontinua,sabe”,prosseguiuaLebre,“assim:

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PorsobreomundovocêadejaQualchánumagrandebandejaPisca,pisca…”

Nessa altura oCaxinguelê se sacudiu e começou a cantar dormindo “Pisca,pisca,pisca,pisca…”,econtinuoupor tanto tempoque tiveramde lhedarumbeliscãoparafazê-loparar.“Bem, eu mal acabara a primeira estrofe”, disse o Chapeleiro, “quando a

Rainha deu um pulo e berrou: ‘Ele está assassinando o tempo!9 Cortem-lhe acabeça!’”“Terrivelmentecruel!”exclamouAlice.“Edesdeaquelemomento”,continuouoChapeleiro,desolado,“elenãofazo

quepeço!Agora,sãosempreseishoras.”Alice teve uma ideia luminosa. “É por isso que há tanta louça de chá na

mesa?”perguntou.“É,éporisso”,suspirouoChapeleiro;“ésemprehoradochá,10enão temos

tempodelavaralouçanosintervalos.”“Então ficam mudando de um lugar para outro em círculos, não é?” disse

Alice.“Exatamente”,concordouoChapeleiro,“àmedidaquealouçasesuja.”“Mas o que acontece quando chegam de novo ao começo?” Alice se

aventurouaperguntar.“Que tal mudar de assunto?” interrompeu a Lebre de Março, bocejando.

“Estou ficando cansada disto. Proponho que esta senhorita nos conte umahistória.”“Temonãosabernenhuma”,disseAlice,bastantealarmada.“Sendo assim, o Caxinguelê vai contar!” gritaram os dois. “Acorde,

Caxinguelê!”eobeliscaramdosdoisladosaomesmotempo.OCaxinguelêabriuosolhos lentamente.“Nãoestavadormindo”,dissecom

vozroucaedébil.“Ouvicadapalavraqueestavamdizendo.”“Conte-nosumahistória!”disseaLebredeMarço.“Conte,porfavor!”implorouAlice.“E trate de ser rápido”, acrescentou o Chapeleiro, “ou vai dormir de novo

antesdeterminá-la.”“Eraumaveztrêsirmãzinhas”,começouoCaxinguelê,muitoafobado;“eelas

sechamavamElsie,LacieeTillie;11emoravamnofundodeumpoço…”“O que elas comiam?” perguntou Alice, sempre muito interessada no que

diziarespeitoacomerebeber.

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“Comiammelado”,12 respondeu o Caxinguelê, depois de pensar um ou doisminutos.“Nãopodeser”,Aliceobservougentilmente;“teriamficadodoentes.”“Eficaram”,disseoCaxinguelê;“muitodoentes.”Alicetentouimaginarcomoseriaviverdessamaneiratãoextraordinária,mas

issoadeixouconfusademais,eelafoiadiante:“Masporquemoravamnofundodeumpoço?”“Tomemaisumpoucodechá”,aLebredeMarçodisseaAlice,demaneira

muitosincera.“Comoaindanão tomeinenhum”,Alicerespondeunumtomofendido,“não

possotomarmais.”“Vocêquerdizerquenãopode tomarmenos”, falou oChapeleiro; “émuito

fáciltomarmaisdoquenada.”“Ninguémpediuasuaopinião”,disseAlice.“Quem está fazendo comentários pessoais agora?” perguntou o Chapeleiro,

triunfante.Comonão soubemuito bemo que responder a isso,Alice se serviu de um

pouco de chá e pão commanteiga, em seguida virou-se para o Caxinguelê erepetiusuapergunta:“Porquemoravamnofundodeumpoço?”Mais uma vez o Caxinguelê levou um ou dois minutos pensando e depois

disse:“Eraumpoçodemelado.”“Isso não existe!” Alice estava começando a dizer, muito irritada, mas o

ChapeleiroeaLebredeMarçofizeram“psss!psss!”eoCaxinguelêobservouamuado:“Senãopodesereducada,émelhorvocêmesmaterminarahistória.”“Não, por favor continue!” Alice disse muito humildemente. “Não vou

interromperdenovo.Voufazerdecontaqueexisteum.”“Um,francamente!”disseoCaxinguelê,indignado.Mesmoassim,consentiu

emcontinuar. “Então essas três irmãzinhas…elas estavamaprendendo a tirar,entendem…”“Atirarnoquê?”,perguntouAlice,completamenteesquecidadesuapromessa.“Atirarmelado”,disseoCaxinguelê,destavezsempestanejar.“Quero uma xícara limpa”, interrompeu o Chapeleiro; “vamos avançar um

lugar.”Enquanto falava, passou para a cadeira seguinte e o Caxinguelê o

acompanhou; a Lebre deMarço passou para o lugar do Caxinguelê, e Alice,muitoacontragosto,tomouolugardaLebredeMarço.OChapeleirofoioúnicoque tiroualgumproveitodamudançaeAliceficoubempiorqueantes,poisaLebredeMarçotinhaacabadodeviraraleiteiranoseuprato.

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ComonãoqueriaofenderoCaxinguelêdenovo,Alicecomeçoucommuitacautela:“Nãoconsigoentender.Deondetiravammelado?”“Pode-se tiraráguadeumpoçod’água”,disseoChapeleiro;“portantovocê

deveria admitir que se pode tirar melado de um poço de melado… não, suaburra?”“Mas elas estavam dentro do poço”, disse Alice ao Caxinguelê, preferindo

desconsideraressaúltimaobservação.“Claroqueestavam”,disseoCaxinguelê,“bemnofundo.”Esta resposta confundiu tanto a pobre Alice que ela deixou o Caxinguelê

continuarporalgumtemposemointerromper.“Elas estavam aprendendo a tirar”, prosseguiu o Caxinguelê, bocejando e

esfregandoosolhos,poisestavaficandocommuitosono;“e tiravamtodotipodecoisa…todotipodecoisaquecomeçacomm…”“Porquecomm?”perguntouAlice.“Porquenão?”quissaberaLebredeMarço.13Alicesecalou.AessaalturaoCaxinguelê fecharaosolhose estavacomeçandoa cochilar;

mas,aumbeliscãodoChapeleiro,despertoucomumguinchinhoecontinuou:“…quecomeçacomm,comomaçaricos,emaçanetas,ememóriaemesmice…comoquandosediz‘andatudoumamesmice’…jáviucoisaparecidacomtirarumamesmice?”“Ora,agoravocêmepergunta”,disseAlice,confusíssima.“Nãopenso…”“Nessecasonãodeveriafalar”,disseoChapeleiro.Essa grosseria foi mais do que Alice podia suportar: levantou-se

revoltadíssima e foi embora; o Caxinguelê adormeceu no mesmo instante, enenhumdosoutrostomouomenorconhecimentodasuasaída,emboraelatenhaolhado para trás uma ou duas vezes, com uma ponta de esperança de que achamassem de volta; a última vez que os viu, estavam tentando enfiar oCaxinguelênobuledechá.14

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“Seja como for, lá é que não volto nuncamais!” exclamouAlice enquantoavançavacomcuidadopelobosque.“Foiochámaisidiotadequeparticipeiemtodaaminhavida!”15

Exatamentequandodiziaisso,percebeuqueumadasárvorestinhaumaporta,dando para seu interior. “Isto é muito curioso!” pensou. “Mas hoje tudo écurioso.Porquenãodarumaentradinha?”Efoioquefez.Viu-senovamentenosalãocomprido,pertodamesinhadevidro.“Destavez

voumesairmelhor”,disseparasimesma,ecomeçouporpegarachavezinhadeouro e destrancar a porta que dava para o jardim. Em seguida tratou demordiscarocogumelo (tinhaguardadoumpedaçonobolso)até ficarcomunstrintacentímetros;depoisseguiupelapequenapassagem;eentão…encontrou-sefinalmentenojardimencantador,entreasfontesdeáguafresca.

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CAPÍTULO8

OcampodecroquédaRainha

UMA GRANDE ROSEIRA CRESCIA junto à entrada do jardim; suas flores erambrancas,mastrêsjardineirosestavamàsuavolta,pintando-asdevermelho.Aliceachouaquilocuriosíssimoeseaproximouparaobservá-los;quandoiachegando,ouviuumdelesdizer:“Veja lá,Cinco!Paredemesalpicar todode tintadessejeito!”“Nãopudeevitar”,disseoCinco,mal-humorado;“oSetedeuumsafanãono

meucotovelo.”AoqueoSeteergueuosolhoseironizou:“Issomesmo,Cinco!Joguesempre

aculpanosoutros!”“Era melhor você ficar calado!” devolveu o Cinco. “Ainda ontem ouvi a

Rainhafalarquevocêmereciaserdecapitado!”“Porquê?”quissaberoquefalaraprimeiro.“Nãoédasuaconta,Dois!”foiarespostadoSete.“É sim, é da conta dele”, disse oCinco, “e vou contar para ele…é porque

levoubulbosdetulipaparaacozinheiraemvezdecebolas.”1

OSete jogouseupincelnochãoe iacomeçandoadizer“Bem,de todasasinjustiças…”quandobateuporacasooolhoemAlice,paradaaliobservando-os,e se calou de repente. Os outros também olharam em volta, e todos fizeramreverênciasprofundas.“Poderiam me dizer”, perguntou Alice, um pouco tímida, “por que estão

pintandoessasrosas?”OCincoeoSetenadaresponderam,masolharamparaoDois.Estecomeçou,

falandobaixo: “Ora,o fato,Senhorita, équeaquidevia ter sidoplantadaumaroseiraderosasvermelhas,eplantamosumaderosasbrancasporengano;seaRainhadescobrir,todosnósteremosnossascabeçascortadas.Assim,Senhorita,estamos nos virando como podemos, antes que ela chegue, para…” Nesse

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momento, o Cinco, que estivera olhando aflito pelo jardim, exclamou: “ARainha!ARainha!”eimediatamenteostrêsjardineirossejogaramdebruçosnochão.Ouviu-seosomdemuitospassos,eAliceolhouemvolta,ansiosaporveraRainha.

Primeiro vieram dez soldados carregando paus; tinham todos o mesmoformatodostrêsjardineiros,eramalongadosechatos,comasmãoseospésnoscantos. Em seguida, os dez cortesãos; estes estavam enfeitados com losangosvermelhosdacabeçaaospésecaminhavamdoisadois, talcomoossoldados.Atrás vieram os infantes reais; eram dez, e os queridinhos vinham saltitandoalegrementedemãosdadas,aospares:estavamtodosenfeitadoscomcorações.2Depois vinham os convidados, na maioria Reis e Rainhas, e entre eles AlicereconheceuoCoelhoBranco:falavadepressa,nervosamente,sorriadetudoqueera dito e passou sem a notar. Seguia-os o Valete de Copas, transportando acoroa do Rei numa almofada de veludo vermelho; e por fim, fechando essegrandecortejo,vieramoreiearainhadecopas.3Alicetevemuitadúvidaquantoàconveniênciadesedeitardebruçoscomoos

trêsjardineiros,masnãoconseguiuselembrardejamaisterouvidofalardeumaregradessasemcortejos;“aliás,dequeserviriaumcortejo”,pensou,“setodostivessemdeficardebruços,sempodervê-lo?”Assim,continuouondeestava,eesperou.Quando o cortejo passou diante de Alice, todos pararam e a fitaram, e a

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Rainhadissenumtomsevero:“Queméessa?”AperguntafoidirigidaaoValetedeCopas,que,emresposta,apenassecurvouesorriu.“Idiota!” disse a Rainha, jogando a cabeça para trás com impaciência; e

voltando-separaAlice,continuou:“Qualéoseunome,criança?”“Meu nome é Alice, para servir à Vossa Majestade”, disse Alice, muito

polidamente; mas acrescentou com seus botões: “Ora! Não passam de umbaralho.Nãoprecisotermedodeles!”“E quem são esses?” quis saber a Rainha apontando os três jardineiros

deitadosemvoltadaroseira;pois,comoestavamdebruçosetinhamnascostaso mesmo padrão que o resto do baralho, ela não tinha como saber se eramjardineiros,soldados,cortesãosoutrêsdosseusprópriosfilhos.“Comoeupoderiasaber?”disseAlice,surpresacomaprópriacoragem.“Isso

nãoédaminhaconta.”ARainha ficou rubra de fúria,4 e depois de fuzilá-la com os olhos por um

momentocomoumaferaselvagemgritou:“Cortem-lheacabeça!Cortem…”“Disparate!”disseAlicedecidida,emaltoebomsom,eaRainhasecalou.OReipôsamãoemseuombroedissetimidamente:“Pensebem,minhacara;

éapenasumacriança!”ARainhaseesquivou,enraivecida,edisseaoValete:“Vire-osparacima!”OValeteassimfez,muitocuidadosamente,comumpé.

“Levantem-se!”disseaRainhaemvozaltaeesganiçada,einstantaneamente

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os três jardineiros pularam de pé e começaram a fazermesuras para o Rei, aRainha,osinfantesreaisetodososdemais.“Paremcomisso!”berrouaRainha.“Estãomedeixandotonta”;e,voltando-

separaaroseira:“Oqueandaramfazendoaqui?”“Que seja do agrado de Vossa Majestade”, disse o Dois num tom muito

humilde,pondoumjoelhonochãoenquantofalava;“estávamostentando…”“Entendo!” disse a Rainha, que nesse meio tempo estivera examinando as

rosas. “Cortem-lhes as cabeças!” e o cortejo foi adiante, três dos soldadosficandoparatrásparaexecutarosdesventuradosjardineiros,quecorreramparaAliceembuscadeproteção.“Vocêsnãoserãodecapitados!”disseAlice,eosenfiounumgrandevasode

flores que estava ali perto. Os três soldados andaram ao léu por um ou doisminutos,àprocuradeles,eemseguidasaíramtranquilamenteatrásdosoutros.“Cortaram-lhesascabeças?”gritouaRainha.“As cabeças rolaram, para o deleite de Vossa Majestade!” os soldados

gritaramemresposta.“Muitobem!”gritouaRainha.“Sabejogarcroqué?”OssoldadosficaramemsilêncioeolharamparaAlice,poisevidentementea

perguntaeraparaela.“Sei!”gritouAlice.“Entãovenha!”urrouaRainha,eAlicesejuntouaocortejo,muitocuriosado

queiriaaconteceremseguida.“É… é um lindo dia!” disse uma voz tímida ao seu lado. Ela estava

caminhadojuntodoCoelhoBranco,queespiavaseurostocomansiedade.“Lindo”,concordouAlice.“OndeestáaDuquesa?”“Psss! Psss!” disse o Coelho falando depressa e baixinho. Olhou aflito por

sobreoombroenquantofalava;depois,napontadospés,abocajuntoàorelhadeAlice,cochichou:“Foicondenadaàmorte.”“Porquê?”disseAlice.“Vocêdisse‘Quepena?’”,oCoelhoperguntou.“Não,nãodisse”,respondeuAlice.“Nãoachoqueissosejaumapena.Disse

‘Porquê?’”“DeuumsopaponasorelhasdaRainha…”,oCoelhocomeçou.Alicesoltou

umgritinhode riso. “Oh,psss!” sussurrouoCoelho, amedrontado. “ARainhavaiouvir!Sabe,elachegoumuitoatrasada,eaRainhadisse…”“Todos para os seus lugares!” esbravejou aRainha, e foi umcorre-corre de

genteparatodolado,unstropeçandonosoutros;emumoudoisminutos,porém,estavamapostos,eojogocomeçou.Alicepensouquenuncaviraumcampode

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croquétãocuriosonasuavida;eracheiodesaliênciaseburacos;asbolaseramouriçosvivos,osmalhosflamingosvivos,5eossoldadostinhamdesedobrareseequilibrarsobreasmãoseospésparaformarosarcos.A maior dificuldade, Alice achou a princípio, era manobrar seu flamingo;

conseguiu aninhar o corpo dele bastante confortavelmente debaixo do braço,com as pernas penduradas para fora, mas, a maioria das vezes, justamentequandotinhaconseguidofazê-loretesarbemopescoçoeiadarumatacadanoouriçocomacabeçadele,elesereviravatodoeafitavacomumaexpressãotãoperplexa que ela não conseguia deixar de cair na gargalhada; e, quando tinhaconseguidofazê-lobaixaracabeçaeiatentardenovo,eraexasperanteconstatarqueoouriçosedesenroscaraeestavasearrastandoparalonge.Aforatudoisso,geralmentehaviaumasaliênciaouumburaconadireçãoemquequerialançaroouriço, e, comoos soldadosdobrados estavama todo instante se levantandoecaminhandoparaoutraspartesdocampo,Alicelogochegouàconclusãodequeaqueleerarealmenteumjogomuitodifícil.

Os jogadores jogavam todos ao mesmo tempo, sem esperar pela sua vez,discutindo semparar e disputandoos ouriços; aRainha logo ficou enfurecida,indodeumladoparaoutrobatendoopéegritando“Cortemacabeçadele!”ou“Cortemacabeçadela!”aintervalosdecercadeumminuto.Alice começou a se sentirmuito apreensiva.Era verdade que até agora não

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tivera nenhum conflito com a Rainha, mas sabia que isso podia acontecer aqualquer instante; “e nesse caso”, pensou, “que seria de mim? Eles sãohorrivelmente chegados a decapitar as pessoas aqui; o que me admira é queaindasobrealguémvivo!”Estava olhando em volta, procurando um meio de fugir e pensando se

conseguiriaescaparsemservista,quandonotouumacuriosaapariçãonoar:deinício ficoumuito intrigada,mas,depoisdeobservarporumoudoisminutos,concluiu que era um sorriso, e disse para si mesma: “É o Gato de Cheshire;agoravoutercomquemconversar.”“Comovaipassando?”disseoGato,assimquetevebocasuficienteparafalar.Depois de esperar até os olhos aparecerem, Alice fez um aceno de cabeça

(“Não adianta falar com ele”, pensou, “antes que as orelhas apareçam, pelomenos uma delas.”) Mais um minuto, e a cabeça toda surgiu. Alice pôs seuflamingonochãoecomeçouadescreverojogo,muitocontenteporteralguémparaouvi-la.OGato,aoqueparecia,achouquejáhaviaobastantedesiàvistaemaisnadaapareceu.“Não acho que joguem nada limpo”, Alice começou, num tom bastante

queixoso,“etodosbrigamtãohorrivelmentequenãoseconsegueouviraprópriavoz… e parecem não ter nenhuma regra em particular; pelo menos, se têm,ninguémassegue…edepoistodasascoisassãovivas,evocênãofazideiadaconfusãoqueissodá;porexemplo,oarcoqueeutinhadetransporemseguidaestavaládooutroladodocampo…ebemnahoraquejogueimeuouriçocontraodaRainha,oouriçodelasaiucorrendoaoveromeuchegando!”“OqueachadaRainha?”perguntouoGatoemvozbaixa.“Não acho nada”, disse Alice. “É tão extremamente…” – nesse instante

percebeu que a Rainha estava logo atrás dela, ouvindo; então continuou: “…provávelqueelavença,quemalvaleapenaterminarojogo.”ARainhasorriueseafastou.“Comquemestáfalando?”indagouoRei,aproximando-sedeAliceeolhando

paraacabeçadoGatocommuitacuriosidade.“Éumamigomeu…umGatodeCheshire”,disseAlice.“Permita-mequelhe

apresente.”“Nãogostonadadacaradele”, falouoRei; “contudo, elepodemebeijar a

mãosequiser.”“Prefironão”,observouoGato.“Nãosejaimpertinente”,disseoRei,“enãomeolhedessejeito!”Pôs-seatrás

deAliceenquantofalava.“Umgatopodeolharparaumrei”,disseAlice.“Liissoemalgumlivro,mas

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nãomelembroqual.”6

“Bem, ele deve ser banido”, decidiu oRei commuita firmeza, e chamou aRainha,que estavapassandonessemomento: “MinhaCara!Queroquemandebanirestegato!”ARainhasótinhaumamaneiraderesolvertodasasdificuldades,grandesou

pequenas.“Cortem-lheacabeça!”ordenou,sempestanejar.“Eumesmovoubuscarocarrasco”,propôsoRei,impaciente,esaiucorrendo.Aliceachouquenãoeramáideiavoltarevercomoiaojogo,quandoouviua

voz da Rainha à distância, gritando com furor. Já a ouvira sentenciar trêsjogadoresàexecuçãopor teremperdidoavez,enãogostounadadaaparênciadascoisas,poisojogoestavanumatalbalbúrdiaquenuncasabiaseeraounãoasuavez.Resolveuirprocuraroseuouriço.Oouriçoestavaenvolvidonumalutacomoutroouriço,oquepareceuaAlice

uma excelente oportunidade para lançar um contra o outro com seumalho.Aúnica dificuldade era que seu flamingo tinha ido para o outro lado do jardim,onde podia vê-lo fazendo tentativas bastante desajeitadas de voar para umaárvore.Quandoagarrouoflamingoeolevoudevolta,alutaacabaraeosdoisouriços

tinhamsumidodevista;“masnãotemmuitaimportância”,pensouAlice,“jáquetodos os arcos saíram deste lado do campo.”Meteu seu flamingo debaixo dobraçoparaquenãoescapassedenovoevoltouparamaisdoisdedosdeprosacomseuamigo.Ao se aproximar do Gato de Cheshire, teve a surpresa de encontrar uma

multidão em torno dele: o carrasco, oRei eRainha estavamdiscutindo, todosfalando aomesmo tempo, enquanto os demais guardavam absoluto silêncio epareciammuitoapreensivos.7Assim que Alice apareceu, todos os três recorreram a ela para resolver a

questão, e repetiram-lhe seuspontosdevista, embora, como falavam todos aomesmotempo,lhetenhaparecidorealmentemuitodifícilentenderaocertooqueestavamdizendo.Opontodevistadocarrascoeraquenãosepodiacortarumacabeça foraa

menos que houvesse um corpo do qual cortá-la; que nunca tinha feito coisaparecidaantesenãoiacomeçarnaquelaalturadasuavida.OpontodevistadoReieraquetudoquetinhacabeçapodiaserdecapitado,e

queorestoeradespautério.OpontodevistadaRainhaeraque,senãosetomasseumamedidaarespeito

imediatamente,mandaria executar todomundo, sem exceção. (Foi esta últimaobservaçãoquedeixoutodoogrupotãosérioepreocupado.)

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A única coisa que ocorreu a Alice foi dizer: “Ele pertence à Duquesa;deveriamperguntaraela.”“Elaestánaprisão”,disseaRainhaaocarrasco;“traga-aaqui.”Eocarrasco

partiucomoumaflecha.AcabeçadoGatocomeçouasumirassimqueocarrascosefoie,quandoele

chegoudevoltacomaDuquesa,jásumiraporcompleto;diantedissooReieocarrasco puseram-se a correr freneticamente para cima e para baixo à procuradela,enquantoorestodogrupovoltavaaojogo.

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CAPÍTULO9

AhistóriadaTartarugaFalsa

NÃO IMAGINA QUE PRAZER é vê-la de novo,meu benzinho!” disse a Duquesa,enquanto enfiava o braço afetuosamente sob o de Alice e saíam caminhandojuntas.Aliceficoumuitosatisfeitaporencontrá-laemdisposiçãotãoafávelepensou

quetalveztivessesidosóapimentaqueatornaratãofuribundanaqueleencontronacozinha.“Quandoeuforumaduquesa”,disseparasimesma(éverdadequenumtom

nãomuitoesperançoso),“nãovouternenhumapimentanaminhacozinha.Umasopapodemuitobemficarboasempimenta…Talvezsejasempreapimentaquetornaaspessoasesquentadas”,continuou,muitocontentedeterencontradoumnovo tipo de regra, “e o vinagre que as torna azedas… e a camomila1 que astornaamargas…e…ocaramelo2eessascoisasquetornamascriançassuaves.Só queria que as pessoas soubessem disto: não seriam tão sovinas combombons…”Aessaaltura,esqueceraporcompletoaDuquesa,eteveumligeirosobressalto

aoouvir-lheavozjuntoaoouvido.“Vocêestápensandoemalgumacoisa,minhacara,e issoafazesquecerdefalar.Neste instantenãopossolhedizerqualéamoraldisso,masvoumelembrardaquiapouquinho.”“Talveznãotenhanenhuma”,Aliceatreveu-seaobservar.“Ora,vamos,criança!”disseaDuquesa.“Tudotemumamoral,équestãode

saberencontrá-la.”3EenquantofalavaseachegoumaisaAlice.Alicenãogostoumuitodeficartãopertodela:primeiro,porqueaDuquesaera

muitofeia;esegundoporquetinhaaalturacertaparaapoiaroqueixosobreoseuombro e era um queixo desconfortavemente pontudo. No entanto, como nãoqueriaserindelicada,suportouaquiloomelhorquepôde.

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“Ojogoestábemmelhoragora”,disse,paraalimentarumpoucoaconversa.“Émesmo”,concordouaDuquesa,“eamoraldissoé…‘Oh,éoamor,éo

amorquefazomundogirar’.”4

“Alguémdisse”,5Alicemurmurou,“queelegiraquandocadaumtratadoqueédasuaconta.”“Ah, bem! O significado é quase o mesmo”, disse a Duquesa, fincando o

queixinhopontudonoombrodeAliceenquantoacrescentava:“eamoraldistoé…‘Cuidedosentido,queossonscuidarãodesi’.”6

“Comogostadeacharmoralnascoisas!”Alicepensouconsigomesma.“Apostoqueestápensandoporquenãopassoobraçopelasuacintura”,disse

aDuquesaapósumapausa;“arazãoéqueestouincertaquantoaotemperamentodoseuflamingo.Devofazerumaexperiência?”“Ele pode bicar”, Alice respondeu com cautela, não se sentindo nem um

poucoansiosaporveraexperiênciafeita.“Éapuraverdade”,disseaDuquesa,“flamingosemostardapicam.Eamoral

dissoé…‘Avesdamesmaplumagemvoamjuntas’.”“Sóquemostardanãoéave”,Aliceobservou.“Certo, como sempre”, disse a Duquesa; “que maneira clara você tem de

expressarascoisas!”“Éummineral,euacho”,disseAlice.

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“Maséclaro”,disseaDuquesa,quepareciaprontaaconcordarcomtudoqueAlicedizia;“háumagrandeminademostardaaquiperto.Eamoraldissoé…‘Quantomaiseuganho,maisvocêperde’.”7

“Oh, eu sei!” exclamou Alice, que não prestara atenção a este últimocomentário.“Éumvegetal.8Nãoparece,masé.”“Concordoplenamentecomvocê”,disseaDuquesa;“eamoraldissoé‘Sejao

que você parece ser’… ou, trocando em miúdos, ‘Nunca imagine que vocêmesmanãoéoutracoisasenãooquepoderiapareceraoutrosdoqueoquevocêfosseoupoderiatersidonãofossesenãooquevocêtivessesidoteriaparecidoaelesserdeoutramaneira’.”“Acho que entenderia isso melhor”, disse Alice, muito polidamente, “se o

visseporescrito;assimouvindo,nãoconsigoacompanharmuitobem.”“Isso não é nada perto do que eu poderia dizer, se quisesse”, respondeu a

Duquesa,encantada.“Porfavor,nãosedêaotrabalhodedizernadamaislongo”,disseAlice.“Ora,trabalhoalgum!”disseaDuquesa.“Dou-lhedepresentetudoquedisse

atéagora.”“Quepresentebarato!”pensouAlice.“Aindabemquenãosedãopresentesde

aniversáriodessetipo!”Masnãosearriscouadizerisso.“Pensando de novo?” perguntou a Duquesa, com nova fincada do seu

queixinhopontudo.“Tenho o direito de pensar”, Alice respondeu bruscamente, pois estava

começandoaficarumpoucopreocupada.“Tantodireito”,disseaDuquesa,“quantoosporcostêmdevoar;9eamo…”Masnesseponto,paragrandesurpresadeAlice,avozdaDuquesasumiubem

nomeiode suapalavra favorita, “moral”, eobraçoque estava ligadoaodelacomeçouatremer.Alicelevantouosolhos,eláestavaaRainhadiantedelas,debraçoscruzados,comumacarrancadearrepiar.“Quebelodia,Majestade!”começouaDuquesa,avozbaixaefraca.“Ouça,estoulheavisando”,gritouaRainha,batendoopénochãoenquanto

falava;“ouvocêouasuacabeçadevemdesaparecer,ejá!Façasuaescolha!”ADuquesafezasuaescolha,desaparecendonuminstante.“Vamoscontinuarcomojogo”,disseaRainha;Alice,apavoradademaispara

abriraboca,acompanhou-alentamentedevoltaaocampodecroqué.OsoutrosconvidadostinhamaproveitadoaausênciadaRainhaparadescansar

na sombra; assimque a viram, porém, correramde volta para o jogo, tendo aRainhasimplesmenteobservadoqueumsegundodeatrasolhescustariaavida.Durantetodootempoemquejogaram,aRainhanãoparoudebrigarcomos

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outros jogadores e de gritar: “Cortem a cabeça dele!” ou “Cortem a cabeçadela!”Ossentenciadosficavamsobaguardadesoldados,que,éclaro,paraissotinham de deixar de ser arcos, de modo que, ao fim de uma meia hora, nãosobrava nenhum arco, e todos os jogadores, exceto o Rei, a Rainha e Alice,estavamdetidosecondenadosàexecução.Então a Rainha parou de jogar, completamente esbaforida, e perguntou a

Alice:“JáestevecomaTartarugaFalsa?”“Não”,respondeuAlice.“NemseioqueéumaTartarugaFalsa.”“ÉaquilodequesefazaSopadeTartarugaFalsa”,10explicouaRainha.“Nuncavi,nemouvifalardisso”,disseAlice.“Entãovenha”,chamouaRainha,“elhecontareiahistóriadela.”Enquanto se afastavam juntas, Alice ouviu o Rei dizer baixinho ao grupo

todo:“Estãotodosperdoados.”“Opa!Issoémuitobom!”,disseconsigomesma,poissesentiramuitoinfelizcomonúmerodeexecuçõesqueaRainhaordenara.Logo toparam comumGrifo,11 dormindo a sono solto ao sol. (Se você não

souberoqueéumGrifo,olheailustração).“Depé,preguiçoso!”disseaRainha.“EleveestasenhoritaparaveraTartarugaFalsaeouvirahistóriadela.Tenhodevoltarparacuidardealgumasexecuçõesqueordenei”;epartiu,deixandoAlicesozinha com o Grifo. Alice não gostou muito da aparência da criatura, mas,tendo concluído que era tão seguro ficar com ela quanto acompanhar aquelaRainhacruel,esperou.OGrifosesentoueesfregouosolhos;depoisfitouaRainhaatéqueelasumiu

devista;emseguidadissecomumrisinhosatisfeito,meioparasimesmo,meioparaAlice:“Queengraçado!”“Ondeestáagraça?”perguntouAlice.“Ora,nela”,disseoGrifo.“Étudofantasiadela:nuncaexecutamninguém.12

Vamos!”“Todomundo aqui diz ‘vamos!’”, pensouAlice enquanto o seguia devagar.

“Nuncarecebitantaordememtodaaminhavida,nunca!”NãotinhamidomuitolongequandoavistaramaTartarugaFalsaàdistância,

sentadatristeesolitárianasaliênciadeumapedra,e,aoseaproximarem,Alicepôde ouvi-la suspirar, como se tivesse o coração partido. Sentiu muita pena.“Qualéoproblemadela?”perguntou.OGriforespondeu,quasecomasmesmaspalavrasdeantes:“Étudofantasiadela:nãotemproblemanenhum.Vamos!”

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Aproximaram-se então da Tartaruga Falsa, que os fitou com grandes olhosmarejadosdelágrimas,masnãodissenada.“Esta senhorita aqui”, disse oGrifo, “precisa conhecer sua história, precisa

mesmo.”“Eu lhe contarei”, disse a Tartaruga Falsa numa voz profunda, cavernosa,

“sentem-seosdois,enãodigamumapalavraatéeuterminar.”Sentaram-se então, e ninguém falou por alguns minutos. Alice pensou

consigo: “Não vejo como ela pode terminar, se nem sequer começa.” Masesperoupacientemente.“Antigamente”, disse a Tartaruga Falsa com um suspiro profundo, “eu era

umaTartarugadeverdade.”Essaspalavrasforamseguidasporumsilênciomuitolongo,quebradoapenas

por uma exclamaçãoocasional – “Hjcrrh!” – doGrifo e o soluçar constante efundo da Tartaruga Falsa. Alice estava a ponto de se levantar e dizer “Muitoobrigada,Sir,porsuainteressantehistória”,mas,comonãoconseguiadeixardeacreditarquetinhadevirmaisalgumacoisa,ficouquietaenãodissenada.

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“Quando éramos pequenos”, a Tartaruga Falsa finalmente recomeçou, maiscalma,emboraaindasoluçandoumpouquinhovezporoutra,“íamosàescolanomar.OmestreeraumCágadovelho…nósochamávamosdeTartarruga.”“PorqueochamavamdeTartarruga,seelenãoerauma?”Aliceperguntou.“Nós o chamávamos deTartarruga porque tinha… tanta ruga!” respondeu a

Tartaruga,irritada;“realmentevocêémuitobronca!”“Deviatervergonhadefazerumaperguntatãosimples”,acrescentouoGrifo;

eemseguidaosdoisficaramemsilêncio,olhandoparaapobreAlice,quetevevontadedeseenfiarembaixodaterra.PorfimoGrifodisseàTartarugaFalsa:“Adiante,companheira.Nãovamospassarodiainteironisso!”eelaprosseguiucomestaspalavras:“Sim,íamosàescolanomar,emboravocêtalveznãoacredite…”“Nuncadisseisso!”interrompeuAlice.“Disse”,aTartarugaFalsarespondeu.13“Caleaboca!”acrescentouoGrifoantesqueAlicepudesseabri-ladenovo.A

TartarugaFalsacontinuou.“Tínhamosamelhoreducação…defato,íamosàescolatododia…”“Eu também ia à escola”, disseAlice; “não precisa ficar tão orgulhosa por

isso.”

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“Comextras?”perguntouaTartarugaFalsa,umpouquinhoansiosa.“É”,disseAlice,“tínhamosaulasdefrancêsemúsica.”“Edelavanderia?”insistiuaTartarugaFalsa.“Claroquenão!”indignou-seAlice.“Ah!Entãoasuaescolanãoerarealmenteboa”,disseaTartarugaFalsanum

tomdegrandealívio. “Poisnanossa vinhaaopéda conta ‘Francês,músicaelavanderia–extras’.”14

“Comcertezanãoprecisavamuitodisso”,Aliceobservou,“vivendonofundodomar.”“Nãopudemedarao luxodeestudaressamatéria”,disseaTartarugaFalsa

comumsuspiro.“Sófizocursoregular.”“Ecomoera?”quissaberAlice.“LenturaeEstrita, é claro,para começar”,15 respondeu aTartarugaFalsa; “e

depoisosdiferentesramosdaAritmética:Ambição,Subversão,DesembelezaçãoeDistração.”“Nuncaouvifalarde‘Desembelezação’”,Aliceseatreveuadizer.“Oqueé?”OGrifo levantou as duas patas de surpresa. “Como?Nunca ouviu falar de

desembelezação?”exclamou.“Sabeoqueéembelezar,suponho?”“Sei”,disseAlicesemmuitaconvicção;“significa…tornar…algumacoisa…

maisbela.”“Nessecaso”,continuouoGrifo,“senãosabeoqueédesembelezar,vocêé

umabobalhona.”Não se sentindo estimulada a fazer mais nenhuma pergunta sobre aquilo,

AlicesevirouparaaTartarugaFalsaedisse:“Quemaistinhadeestudar?”“Bem,tínhamosHisteria”,respondeuaTartarugaFalsa,contandoasmatérias

nas patas, “Histeria antiga e moderna, com Marografia; depois Desdém… oprofessordeDesdémeraumcongrovelho,que ia láumavezpor semana:elenosensinavaaDesdenhar,EmbolsarePingaraAlho.”16

“Comoeraisso?”perguntouAlice.“Bem,nãoposso lhemostrarpessoalmente”,disseaTartarugaFalsa;“estou

muitoenferrujada.EoGrifonuncaaprendeu.”“Nãotivetempo”,disseoGrifo,“Masfizocursoclássico.Oprofessoreraum

bagrinho,ah,seera.”“Nunca estudei com ele…”, comentou a Tartaruga Falsa com um suspiro;

“ensinavaLatidoeEmprego,peloquediziam.”“É verdade, é verdade”, foi a vez do Grifo suspirar; e as duas criaturas

esconderamacaranaspatas.

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“Equantashorasdeaulavocêtinhapordia?”indagouAlice,aflitaparamudardeassunto.“Dez horas no primeiro dia”, disse a Tartaruga Falsa, “nove no seguinte, e

assimpordiante.”“Queprogramacurioso!”exclamouAlice.“Sóassimvocêsepreparaparaumacarreira:aulasmaisrápidasacadadia”,

observouoGrifo.A ideia era inteiramente nova paraAlice e ela refletiu umpouco a respeito

antesde fazermaisumaobservação: “Nessecaso,nodécimoprimeirodia eraferiado?”“Claroqueera”,disseaTartarugaFalsa.“Ecomosearranjavamnodécimosegundo?”Aliceinsistiu,sôfrega.17“Chegadefalarsobreaulas”,oGrifointerrompeunumtomdecidido.“Agora

conteaelaalgumacoisasobrejogos.”

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CAPÍTULO10

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AQuadrilhadaLagosta

ATARTARUGA FALSA DEU UM SUSPIRO profundo e passou o dorso de uma patapelosolhos.OlhouparaAliceetentoufalarmas,porumminutooudois,soluçoslheembargaramavoz.“Pareceatéque temumaespinhanagarganta”,disseoGrifo,epôs-seasacudi-laeaesmurrá-lanascostas.PorfimaTartarugaFalsarecobrouavoz, e, com lágrimas lhe correndopelas faces, recomeçou: “Talvezvocê não tenha vivido muito tempo no mar…” (“Nunca”, disse Alice), “…etalvez nunca tenha sido apresentada a uma lagosta…” (Alice ia começando adizer “Provei uma vez…”, mas engoliu a língua mais que depressa e disse:“Não,nunca”)“…entãonãopodeimaginarquecoisadeliciosaéumaQuadrilhadaLagosta!”1

“Realmentenão”,disseAlice.“Queespéciededançaéessa?”“Ora”,disseoGrifo,“primeiroseformaumafilaaolongodapraia…”“Duasfilas!”exclamouaTartarugaFalsa.“Focas,tartarugas,salmõeseassim

pordiante;depois,quandovocêtiveracabadoderemovertodaaágua-viva…”“Oquegeralmentelevatempo”,interrompeuoGrifo.“…dádoispassosàfrente…”“Cadaumdeparcomumalagosta!”exclamouoGrifo.“Éclaro”,disseaTartarugaFalsa.“Doispassosàfrente,balancê…”“…troquedelagostaeseafastenamesmaordem”,continuouoGrifo.“Depois,sabe”,continuouaTartarugaFalsa,“vocêjoga…”“Aslagostas!”gritouoGrifo,dandoumapiruetanoar.“…nomar,omaislongequepuder…”

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“Nadaatrásdelas!”berrouoGrifo.“Dá um salto mortal no mar!” exclamou a Tartaruga Falsa, cabriolando

freneticamente.“Trocadelagostadenovo!”esgoelou-seoGrifo.“Voltaàterradenovo,eaprimeirafiguraestáterminada”,disseaTartaruga

Falsa, baixando a voz de repente; as duas criaturas, que tinham estado alipulando como loucas aquele tempo todo, se sentaram de novo, tristonhas ecabisbaixas,eolharamparaAlice.“Deveserumadançamuitobonita”,disseAlicetimidamente.“Gostariadeverumpouquinhodela?”,perguntouaTartarugaFalsa.“Sim,gostariamuito”,disseAlice.“Venha, vamos tentar a primeira figura!” disse a Tartaruga Falsa ao Grifo.

“Podemosdispensaraslagostas.Quemvaicantar?”“Oh,vocêcanta”,disseoGrifo.“Esquecialetra.”Então começaram a dançar solenemente, dando voltas e voltas em torno de

Alice, vez por outra lhe pisando os pés quando passavam perto demais, eacenandocomaspatasdianteirasparamarcarocompasso,enquantoaTartarugaFalsacantava,muitolentaetristemente:2

“Querandarmaisligeirinho?”disseamerluza3aocaracol.“Atrásdemimháumdelfim,afobadop’rafestança.

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Lampreias,linguadoselulasbailamalegressobosol.Napraiajánosesperam!Quermedarestacontradança?Vocêquer,ounãoquer,querounãoquerhojecomigodançar?Vocêquer,ounãoquer,querounãoquerhojecomigodançar?

Ah,meubem,vocênemsonhaquemaravilhaserá,Quando,comaslagostas,noslançaremlálongenomar!”Respondeuocaracol,nãosemcertomal-estar:“Jogado assim tão distante, receio que vá me afogar”, Agradecia àmerluza,masiriadeclinarseuconvitep’radançar.Nãoiria,nãopodia,nãoiria,nãopodiahojecomeladançar.Nãoiria,nãopodia,nãoiria,nãopodiahojecomeladançar.

“Edaíquesejalonge?”suaescamosaamigarespondeu.“Existeoutrapraia,vocênãosabia?…Logodoladodelá.SeaInglaterrasomedevista…équeaFrançaapareceu!Sacudaessemedo,meucaracolzinho,evenhacomigodançar.Vocêquer,ounãoquer,querounãoquerhojecomigodançar?Vocêquer,ounãoquer,querounãoquerhojecomigodançar?”

“Obrigada,éumadançamuito interessantedesever”,disseAlice, felizporver aquilo finalmente terminado; “e comogostei dessa curiosa canção sobre amerluza!”“Oh,quantoamerluzas”,disseaTartarugaFalsa,“elas…naturalmentejáas

viu,não?”“Já”, disse Alice. “Vi merluzas várias vezes no jant…” engoliu a língua

rápido.“NãoseiondeJantpodeser”,disseaTartarugaFalsa,“massejáasviutantas

vezes,claroquesabecomosão.”“Acredito que sim”, Alice respondeu ponderadamente. “Têm a cauda na

boca…4esãotodasrecobertasdefarinhaderosca.”“Estáenganadaquantoàfarinhaderosca”,disseaTartarugaFalsa.“Afarinha

sairia toda no mar. Mas elas têm a cauda na boca; e a razão é…” Aqui aTartaruga Falsa bocejou e fechou os olhos. “Conte a ela sobre a razão e tudomais”,disseaoGrifo.“Arazãoé”,disseoGrifo,“queelasqueriamircomaslagostasparaadança.

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Então foram jogadas no mar. Então sofreram uma queda muito longa. Entãoprenderamacaudafirmenaboca.Entãonãoconseguirammaistirá-lasdelá.Éisto.”“Muito obrigada”, Alice agradeceu, “é muito interessante. Nunca aprendi

tantosobremerluzasantes.”“Posso lhe contarmais ainda, se quiser”, sugeriuoGrifo. “Sabeporque se

chamammerluzas?”“Nuncapenseisobreisso”,admitiuAlice.“Porquê?”“Porqueservemparamerlustrarbotasesapatos”,oGriforespondeumuitosolenemente.

Aliceficouinteiramentepasma.“Merlustrarbotasesapatos”,repetiunumtomdeperplexidade.“Ora, oquevocê faz com seus sapatos?”, quis saber oGrifo. “Querodizer,

paradeixá-lostãolustrosos?”Alicebaixouosolhosparaelesepensouumpoucoantesderesponder.“São

lustrados,eucreio.”“Pois no fundo do mar”, continuou o Grifo com voz grave, “eles são

merlustradosparaficarmerluzentes.Agoravocêsabe.”“Edequeelessãofeitos?”Aliceperguntou,muitocuriosa.“Delinguado,eamarradoscomenguias,éclaro”,oGriforespondeubastante

impaciente;“comoatéumtatuíteriapodidolheinformar.”“Seeufosseamerluza”,disseAlice,cujospensamentoscontinuavampresosà

canção, “teria dito ao delfim: ‘Fique longe, por favor: não o queremosconosco!’”“Tinham de aceitar a companhia dele”, disse a Tartaruga Falsa; “nenhum

peixedejuízovaiaqualquerlugarsemumdelfim.”“Émesmo?”espantou-seAlice.“Claroquenão”,disseaTartarugaFalsa.“Ora,seumpeixeviessemecontar

queestavasaindodeviagem,eudiria:‘Comquedelfim?’”

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“Nãoquerdizer‘comquefim’?”perguntouAlice.“Querodizeroquedigo”,respondeuaTartarugaFalsanumtommelindrado.

EoGrifoacrescentou:“Vamos,agoraconte-nosalgumasdassuasaventuras.”“Eu poderia lhes contar minhas aventuras… começando por esta manhã”,

disseAlice umpouco tímida; “masnão adianta voltar a ontem, porque eu eraumapessoadiferente.”“Expliqueissotudo”,disseaTartarugaFalsa.“Não, não! Primeiro as aventuras!” impacientou-se o Grifo. “Explicações

tomamumtempomedonho.”Assim,Alicecomeçoualhescontarsuasaventurasdesdeomomentoemque

viuoCoelhoBrancopelaprimeiravez.Nocomeçoaquiloadeixouumpouconervosa–asduascriaturasestavamtãopertodela,umadecadalado,eabriamtantoosolhoseasbocas–,masàmedidaquecontavaganhoucoragem.Seusouvintesficaramimóveisatéelachegaràparteemquerecitara“Estávelho,PaiWilliam”paraaLagartaeaspalavrastinhamsaídotodasdiferentes;nessepontoaTartarugaFalsarespiroufundoedeclarou:“Issoémuitocurioso.”“Eudiriaquemaiscuriosonãopoderiaser”,disseoGrifo.“Saiutudodiferente”,aTartarugaFalsarepetiu,pensativa.“Gostariadeouvi-

larecitandoalgumacoisaagora.Mande-acomeçar.”OlhouparaoGrifo,como

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seachassequeeletinhaalgumtipodeautoridadesobreAlice.“Levante-seerecite‘Estaéavozdopreguiçoso’”,ordenouoGrifo.“Comoas criaturasdãoordensàgente enos fazemdecorar lições!”pensou

Alice.“Écomoseeuestivessenaescolanestemomento.”Contudo,levantou-seecomeçouarecitar,mastinhaacabeçatãocheiadaQuadrilhadaLagostaquemalsabiaoqueestavadizendo,easpalavrassaíramrealmentemuitoesquisitas:5

EstaéavozdaLagosta;euaouvideclarar:“Vocêmetorrounofornoemedeixousapecar.”Graciosa,elegante,comafuça,edetravés,Dálaços,seabotoaeseparaaspontasdospés.Quandoaareiaestáseca,elaexultacomoninguém,Efaladetodotipodepeixecommuitodesdém.Mas quando é maré cheia, e o tubarão se aproxima, Ela perde atramontana,ejánãoachamaisrima.

“Isso é diferente do que eu costumava recitar quando criança”, comentou oGrifo.“Bem, eu nunca ouvi isso antes”, disse a Tartaruga Falsa; “mas parece um

disparatedescomunal.”Alice não disse nada; sentara-se com a cabeça nas mãos, perguntando a si

mesmasealgumdiaalgumacoisavoltariaaacontecerdemaneiranatural.“Gostariaquemeexplicasseisso”,pediuaTartarugaFalsa.“Elanãotemcomoexplicar”,impacientou-seoGrifo.“Continuecomoverso

seguinte.”“Maseaquilosobreaspontasdospés?Entende?Comoelapodiasepararas

pontasdospéscomafuça?”“É a primeira posição no balé”,6 ensinou Alice; mas estava terrivelmente

desorientadacomaquilotudoesóqueriamudardeassunto.“Continuecomopróximoverso”,repetiuoGrifo,impaciente;“começacom

‘passeipeloseujardim’.”Alice não ousou desobedecer e, embora tivesse certeza de que ia sair tudo

errado, continuou, com uma voz trêmula:Passei pelo seu jardim e notei queatrásdaportaACorujaeaPanteradividiamumatorta.APantera,bemgulosa,comiamassaerecheio,

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EnquantoparaaCorujasobravamoscaroçosdomeio.Quandoatortaacabou,aCorujanãopôdesequerTerporrecompensaumalambidanacolher.Enquanto isso a Pantera com a faca e o garfo ficou, E arrematou o

banquete…7

“Dequeadiantarecitartodaessalenga-lenga”,interrompeuaTartarugaFalsa,“sevocênãovaiexplicandoacadapasso?Édelongeacoisamaisatrapalhadaquejáouvi!”“É, acho melhor você parar”, disse o Grifo – o que Alice fez com muito

prazer.“Vamos tentarmais uma figura daQuadrilha da Lagosta?” propôs oGrifo.

“OuvocêprefeririaqueaTartarugaFalsacantasseumacanção?”“Oh, uma canção, por favor, se a Tartaruga Falsa quiser nos fazer essa

gentileza”, Alice respondeu, tão sôfrega que o Grifo comentou, num tombastante ofendido: “Hum!Gosto não se discute!Cante a ‘Sopa de Tartaruga’paraela,certo,companheira?”A Tartaruga Falsa suspirou profundamente, e começou a cantar, numa voz

entremeadaporsoluços:8

QuebelaSopa,suculentaetrigueira,Esperapornósnaquentesopeira!Quemporelanãosuspira,nãodizopa?Sopadanoite,quebelaSopa!Sopadanoite,quebelaSopa!Ooooó…BelaSooo…paa!Ooooó…BelaSooo…paa!Sooo…paadanooo…iii…teee,Bela,belaSopa!

QuebelaSopa!Quemquersaberdepastel,Assadoououtropitéu?Umasopinhafumegandonoprato,

Nãoédesetirarochapéu?Ooooó…BelaSooo…paa!Ooooó…BelaSooo…paa!Sooo…paadanooo…iii…teee,

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Ooooóbeeelasoopa!

“Orefrãodenovo!”gritouoGrifo,eaTartarugaFalsaestavacomeçandoarepeti-lo quando se ouviu um brado à distância: “O julgamento estácomeçando!”“Vamos!”, gritou o Grifo, e, tomando Alice pela mão, saiu correndo, sem

esperarpelofimdacanção.“Quejulgamentoéesse?”perguntouAlice,ofegante,enquantocorria;maso

Griforespondeuapenas:“Vamos!”ecorreuaindamaisdepressa,enquanto,cadavez mais tenuemente, carregadas pela brisa que os seguia, lhes chegavam aspalavrasmelancólicas:Sooo…paadanooo…iii…teee,Bela,belaSopa!

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CAPÍTULO11

Quemroubouastortas?

QUANDO CHEGARAM, o Rei e a Rainha de Copas estavam sentados em seustronos, com uma multidão reunida à sua volta – toda sorte de avezinhas eanimaizinhos, bem como o baralho completo: o Valete estava postado diantedeles,agrilhoado,comumsoldadodecadaladoparavigiá-lo;pertodoreiestavao Coelho Branco, uma corneta numa das mãos e um rolo de pergaminho naoutra. Exatamente no centro do tribunal havia uma mesa, com uma grandetravessa de tortas sobre ela: pareciam tão boas que Alice ficou com água naboca.“Gostariaquejátivessemencerradoojulgamento”,pensou,“epassassemaos comes e bebes!”Mas como isso parecia de todo improvável, começou aobservartudoàsuavolta,paramatarotempo.Alicenuncaestiveranumtribunalantes,maslerasobreelesemlivros,ficando

muito satisfeita aodescobrir que sabiaonomedequase tudo ali. “Aquele éojuiz”,disseconsigo,“porcausadasuaenormeperuca.”Aliás,ojuizeraoRei;e,comousavaacoroaporcimadaperuca(olheantes

do sumário, se quiser saber como fazia), não parecia muito à vontade e comcertezaaquilonãolheeraapropriado.“Ealiestáabancados jurados”,pensouAlice,“eaquelasdozecriaturas…”

(eraobrigadaadizer“criaturas”,porquealgumaseramanimaisealgumaseramaves)“suponhoquesejamosjurados.”Repetiuestaúltimapalavraduasoutrêsvezes para simesma, commuito orgulho: pois achava, com razão, quemuitopoucas menininhas da sua idade sabiam o significado daquilo tudo. Mas“membrosdojúri”estariaigualmentecerto.Osdozejuradosestavamtodosmuitosatarefados,escrevendoemsuaslousas.

“O que estão fazendo?”Alice sussurrou aoGrifo. “Não podem ter nada paraescreverantesqueojulgamentocomece.”“Estãoescrevendoseusnomes”,oGrifosussurrouemresposta,“pormedode

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esquecê-losantesdofimdojulgamento.”“Quetolos!”Alicecomeçounumtomalto,indignado,masparoudeimediato,

porqueoCoelhoBrancodisseemaltosbrados:“Silêncionotribunal!”eoReipôsosóculos,olhandoemvoltaparadescobrirsehaviaalguémfalando.

Alice conseguiu ver, tão bem como se estivesse espiando sobre os ombrosdeles,que todosos juradosestavamescrevendo“que tolos!”emsuas lousas,epôdeperceberatéqueumdelesnãosabiaescrever“tolos”etevedeperguntaraovizinho. “Que bela embrulhada vão aprontar em suas lousas antes que ojulgamentotermine!”pensouAlice.Umdosjuradostinhaumgizquerangia.Isso,claro,Alicenãopodiasuportar.

Deuavoltanotribunal,plantou-seatrásdeleelogoachouumaoportunidadedepassaramãonogiz.Fezissocomtalrapidezqueopobrejuradozinho(eraBill,oLagarto)nãoconseguiuentenderoqueforafeitodele;assim,apósprocuraràsuavolta,viu-seobrigadoaescrevercomumdedopelorestododia–oquedepoucoadiantava,jáquenãoficavamarcanenhumanalousa.“Arauto,leiaaacusação!”disseoRei.AissooCoelhoBrancodeutrêssoprosnacorneta,desenrolouopergaminhoe

leu:1

ARainhadeCopasfezváriastortasTodasnumasófornada.OValetedeCopasfurtouastortas

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Enãodeixousobrarnada!

“Pronunciemseuveredito”,oReidisseaojúri.“Aindanão,aindanão”,interrompeuoCoelho,afobado.“Hámuitoquefazer

antesdisso!”“Convoqueaprimeiratestemunha”,disseoRei;eoCoelhoBranco,depoisde

trêstoquesdecorneta,bradou:“Primeiratestemunha!”A primeira testemunha era o Chapeleiro. Chegou com uma xícara de chá

numa das mãos e um pedaço de pão com manteiga na outra. “Perdoe-me,Majestade”,começou,“portrazeristo,masaindanãotinhaterminadomeucháquandofuiconvocado.”“Poisdeviaterterminado”,disseoRei.“Quandocomeçou?”O Chapeleiro olhou para a Lebre deMarço, que o havia acompanhado ao

tribunal,debraçodadocomoCaxinguelê.“Diacatorzedemarço,pensoeu.”“Quinze”,corrigiuaLebredeMarço.“Dezesseis”,acrescentouoCaxinguelê.“Anotem isto”, oRei disse ao júri, e os jurados anotaramanimadamente as

trêsdatasnassuaslousaseemseguidaassomaram,convertendooresultadoemxelinsepence.“Tireochapéu”,disseoReiaoChapeleiro.“Nãoémeu”,disseoChapeleiro.“Roubado!” exclamou o rei, voltando-se para os jurados, que

instantaneamentefizeramumapontamentodofato.“São todos para vender”, acrescentou o Chapeleiro à guisa de explicação;

“nenhummepertence.Souumchapeleiro.”AquiaRainhapôsosóculosecravouosolhosnoChapeleiro,quesetornou

pálidoeirrequieto.“Presteoseudepoimento”,disseoRei;“enãofiquenervoso,ouvou terde

mandarexecutá-lonomesmoinstante.”Isso não pareceu encorajar muito a testemunha: ficou de pernas bambas,

olhando apreensivo para a Rainha, e na sua confusão arrancou fora com umamordidaumbomnacodaxícaraemvezdopãocommanteiga.2Nesse exato momento Alice teve uma sensação curiosíssima, que a deixou

muitointrigadaatéentenderoqueera:estavacomeçandoacrescerdenovo.Aprincípio achou que teria de se levantar e sair do tribunal; pensando melhor,porém,decidiuficarondeestavaenquantohouvesseespaçoparaela.“Gostariaquenãomeapertassetanto”,disseoCaxinguelê,queestavasentado

aoladodela.“Malpossorespirar.”

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“Nãopossoevitar”,respondeuAlicemuitodocilmente.“Estoucrescendo.”“Vocênãotemodireitodecresceraqui“,avisouoCaxinguelê.“Não diga tolice”, disse Alice, mais atrevida; “não sabe que também está

crescendo?”“É, mas cresço num ritmo razoável”, ponderou o Caxinguelê, “não dessa

maneiraabsurda.”Elevantou-se,muitoamuado,indosentar-sedooutroladodotribunal.DurantetodoessetempoaRainhanãopararadeolharfixoparaoChapeleiro

e, justo quando o Caxinguelê estava atravessando o tribunal, disse a um dosesbirros:“Traga-mealistadoscantoresnoúltimoconcerto!”,aoqueodesditadoChapeleirotremeutantoquejogoulongeosdoissapatos.3“Presteseudepoimento”,repetiuoRei,irritado,“ouomandoexecutar,esteja

nervosoounão.”“Sou um pobre coitado, Majestade”, começou o Chapeleiro, numa voz

trêmula, “e ainda não tinha começado o meu chá… não faz mais de umasemana…ecomoopãocommanteigaestava rareando tanto…eocintilardabandeja…”4

“Semtirardoquê?”perguntouoRei.“Cin-ti-lar”,oChapeleirocorrigiu.“Claro,semtirarochádolar!”disseoReirispidamente.“Pensaquesouum

asno?Adiante!”“Sou um pobre coitado”, o Chapeleiro continuou, “e quase tudo ficou

cintilandodepoisdisso…sóqueaLebredeMarçodisse…”“Eunão!”aLebredeMarçoseapressouainterromper.

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“Dissesim!”insistiuoChapeleiro.“Eunego!”disseaLebredeMarço.“Elanega”,disseoRei;“omitamessaparte.”“Bem,sejacomofor,oCaxinguelêdisse…”,continuouoChapeleiro,olhando

ansiosoà suavoltaparaver se tambémoCaxinguelê ianegaraquilo;maselenãonegounada,poisdormiaasonosolto.“Emseguida”,continuouoChapeleiro,“corteimaisumpedaçodepãocom

manteiga…”“MasoquedisseoCaxinguelê?”umdosjuradosperguntou.“Dissoeunãomelembro”,respondeuoChapeleiro.“Temdeselembrar”,observouoRei,“oumandoexecutá-lo.”OinfelizChapeleirodeixoucairsuaxícaradecháeopãocommanteigaese

pôssobreumjoelho.“Souumpobrecoitado,Majestade”,começou.“Éumpobreorador!”disseoRei.Aqui um dos porquinhos-da-índia aplaudiu e sua manifestação foi

imediatamente sufocadapelos esbirros. (Vouexplicar como isso foi feito, paraqueentendambemoqueapalavraquerdizer:eles tinhamumgrandesacodecânhamo;enfiaramoporquinhodentro,decabeçaparabaixo,amarraramabocacombarbantesesesentaramemcima.)“Gosteidever isso”,pensouAlice. “Li tantasvezesnos jornais,no fimdos

julgamentos: ‘Houvealgumas tentativasdeaplaudir,mas foram imediatamentesufocadaspelosesbirros’,eatéagoranuncatinhaentendidooquequeriadizer.”“Seissoétudoquetemadizer,podedescer”,prosseguiuoRei.

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“Nãopossodescermais”,disseoChapeleiro;“estounochão,comopodever.”“Entãopodesesentar!”oReirespondeu.Neste ponto o outro porquinho-da-índia aplaudiu, e sua manifestação foi

sufocada.“Pronto, acabaram-se os porquinhos-da-índia”, pensou Alice. “Agora as

coisasvãocorrermelhor.”“Eumaltinhaterminadoomeuchá”,disseoChapeleiro,comumaexpressão

ansiosa,paraaRainha,queestavalendoalistadecantores.

“Estádispensado”,disseoRei,eoChapeleirochispoudotribunal,semsedartemponemparacalçarossapatos.“…ecorte-lheacabeçaláfora”,aRainhaacrescentouparaumdosesbirros.

MasantesqueestepudessechegaràportaoChapeleirojásumiradevista.“Convoqueapróximatestemunha!”disseoRei.A testemunha seguinte era a cozinheira daDuquesa. Trazia a pimenteira na

mão, e Alice adivinhou quem era antes mesmo que ela entrasse no tribunal,quandoviupessoasqueestavampertodaportacomeçaremtodasaespirraraomesmotempo.“Presteseudepoimento”,disseoRei.“Nãopresto”,disseacozinheira.OReilançouumolharaflitoparaoCoelhoBranco,quedissebaixinho:“Deve

interrogarrigorosamenteestatestemunha,Majestade.”“Bem, se devo, devo”, disse o Rei, com um ar tristonho, e, após cruzar os

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braçosequasedarumnónacaradetantoamarrá-laparaacozinheira,perguntoucomumavozcavernosa:“Dequesãofeitasastortas?”“Pimenta,principalmente”,respondeuacozinheira.“Melado”,disseumavozsonolentaatrásdela.“PrendamesseCaxinguelê”,aRainhaguinchou.“DecapitemesseCaxinguelê!

RetiremesseCaxinguelêdoTribunal!Sufoquem-no!Torturem-no!Arranquem-lheosbigodes!”Por algunsminutos o tribunal inteiro virou umpandemônio, todos tentando

expulsar o Caxinguelê, e, quando finalmente sossegaram, a cozinheira tinhadesaparecido.“Nãofazmal!”disseoRei,aparentandograndealívio.“Convoqueapróxima

testemunha.” E acrescentou em vozmais baixa para a Rainha: “Francamente,minhacara,vocêdeveinquirirapróximatestemunha.Issomedádornatesta!”AliceobservouoCoelhoBrancoenquantoelereviravaalista,muitocuriosa

parasaberquemseriaapróximatestemunha,“…poisaindanãoreunirammuitasprovas”,disseparasimesma.QualnãofoisuasurpresaquandooCoelhoBrancoleu,forçandoaomáximosuavozinhaesganiçada,onome“Alice”!

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CAPÍTULO12

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OdepoimentodeAlice

“AQUI!”GRITOUALICE,esquecendoporcompleto,naexcitaçãodomomento,oquantotinhacrescidonosúltimosminutos,ese levantoucomtalafobaçãoquederrubouabancados juradoscomabarradasaia, jogandotodoselessobreascabeçasdaassistência,embaixo,eláficaramelesestatelados,lembrandomuitoaAliceumaquáriodepeixinhosdouradosquederrubaraporacidentenasemanaanterior.1“Oh,milperdões!”exclamoucomgrandeconsternação,ecomeçouarecolhê-

losomaisdepressaquepodia,poisnãoconseguiatirardacabeçaoacidentedospeixinhos dourados; alguma coisa lhe dizia que, se não fossem reunidosimediatamenteepostosdevoltanabancadosjurados,morreriam.“Ojulgamentonãopodeprosseguir”,disseoReinumavozmuitograve,“até

quetodososjuradostenhamretornadoaseusdevidoslugares…todos”,repetiucommuitaênfase,lançandoumolharbravoparaAlice.Alice olhou para a banca dos jurados e viu que, na sua pressa, colocara o

Lagarto de cabeça para baixo, e o pobre bichinho estava abanando a cauda,muito triste, completamente incapaz de se mexer. Apressou-se a pegá-lo denovo,edesvirou-o;“nãoqueissosignifiquemuito”,disseparasimesma;“tenhoa impressãodequevai ser tãoútilno julgamentodecabeçaparacimaquantoparabaixo.”Assimqueserecobraramumpoucodochoquedotomboesuaslousasegizes

foramencontrados e devolvidos, os jurados puseram-se a trabalhar commuitadiligêncianaredaçãodahistóriadoacidente,comaúnicaexceçãodoLagarto,quepareciatranstornadodemaisparafazeralgumacoisaalémdeficarládebocaaberta,fitandootetodotribunal.

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“Oquevocêsabesobreestecaso?”perguntouoReiaAlice.“Nada”,respondeuAlice.“Absolutamentenada?”insistiuoRei.“Absolutamentenada”,confirmouAlice.“Istoémuitoimportante”,disseoRei,voltando-separaosjurados.Elesmal

estavam começando a escrever isso em suas lousas quando o Coelho Brancointerrompeu: “Desimportante, Vossa Majestade quer dizer, é claro”, disse emtommuitorespeitoso,masfranzindoocenhoefazendocaretasparaeleenquantofalava.“Desimportanteéclaro,euquisdizer”,oReiapressou-seadizer,econtinuou

para si mesmo, mais baixo, “importante… desimportante… desimportante…importante…”, como se estivesse experimentando para ver qual das palavrassoavamelhor.Alguns membros do júri anotaram “importante”, e alguns “desimportante”.

Alicepôdever isso,poisestavapertoobastanteparaespiarsuas lousas.“Masissonãotemomenorpropósito”,refletiu.NessemomentooRei,queporalgumtempoestiveraescrevendoatarefadoem

seublocodeanotações,gritou:“Silêncio!”eleudeseubloco:“RegraQuarentaeDois.2Todasaspessoascommaisdeumquilômetroemeiodealturadevemseretirardotribunal.”

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TodosolharamparaAlice.“Nãotenhoumquilômetroemeiodealtura”,disseela.“Temsim”,disseoRei.“Temquasetrêsquilômetros”,acrescentouaRainha.“Bem, seja como for, não vou sair”, disse Alice; “aliás, essa regra não é

válida:vocêacabadeinventá-la.”“Éaregramaisantigadolivro”,observouoRei.“EntãodeveriaseraNúmeroUm”,disseAlice.O Rei ficou pálido e fechou seu bloco rapidamente. “Pronunciem seu

veredito”,disseaojúrinumavozbaixaetrêmula.“Se me permite, Majestade, há mais indícios a examinar”, disse o Coelho

Branco,muitoafobado,dandoumpulopara frente:“Estedocumentoacabadeserapreendido.”“Oquehánele?”indagouaRainha.“Aindanãooabri”,respondeuoCoelhoBranco,“maspareceserumacarta,

escritapeloprisioneiropara…paraalguém.”“Disso não há dúvida”, disse oRei, “amenos que tivesse sido escrita para

ninguém,oquenãoécomum,comosabe.”“Aquemestáendereçada?”inquiriuumdosjurados.“Simplesmentenãoestáendereçada”,disseoCoelhoBranco;“defato,nãohá

nadaescritodoladodefora.”Desdobrouopapelenquantofalava,eacrescentou:“Afinaldecontas,nãoéumacarta.Éumconjuntodeversos.”“Estãoescritoscomaletradoprisioneiro?”perguntououtrodosjurados.“Não, não estão”, disse o Coelho Branco, “e isso é o que têm de mais

esquisito.”(Todoojúripareciapasmo.)“Ele deve ter imitado a letra de outra pessoa”, disse oRei. (Todo o júri se

iluminoudenovo.)“Porfavor,Majestade”,apelouoValete,“nãoescreviissoenãopodemprovar

queescrevi:nãohánenhumaassinaturanofim.”3

“Sevocênãoassinouisso”,disseoRei,“ascoisassópioram.Sópodiatermáintenção,outeriaassinado,comoumhomemdebem.”Aistoseseguiramaplausosgerais:eraaprimeiracoisarealmentesagazqueo

Reidisseraaqueledia.“Issoprovaaculpadele”,disseaRainha.“Nãoprovacoisaalguma!”exclamouAlice.“Ora,nemsabemdoquetratam

osversos!”“Leia-os”,disseoRei.O Coelho Branco pôs os óculos. “Por onde devo começar, por favor,

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Majestade?”perguntou.“Comece pelo começo,” disse o Rei gravemente, “e prossiga até chegar ao

fim;entãopare.”Fez-seumsilênciodemorteno tribunalenquantooCoelhoBranco liaestes

versos:4

SoubequedemimcomelafalasteEcomelefostemeintrigar,Eladissequetenhoengenhoearte,

Sóépenaquenãoseinadar.

Elemandoudizerqueeupartira(Sabemosquetinharazão).Seeladescobrisseamentira,

Qualseriatuasituação?

Deiumap’raela,p’raeledeitrês;Tunosdestecincooumais.Todasvoltaramdeleoutravez

Masamimnãochegaramjamais.

SeacasoemtodaessaquestãoElaoueuandássemosmetidos,Elesabequeoslivrariasdaprisão

Plenamenteabsolvidos.

Sabe,euandavadesconfiado(Antesdoteuataque)Quetutrocavasdelado

Entreele,euenósacadabaque.

Nãolhecontesqueelalhesdeusuaaprovação,PoisestesempreseráUmsegredo,guardadonocoração,

Entretieteuamigocá.

“Éodepoimentomais importantequeouvimos”,disseoRei, esfregandoasmãos;“portantoagoradeixemosojúri…”“Sealguémconseguirexplicaressesversos”,disseAlice(crescera tantonos

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últimosminutosquenãosentianemumpouquinhodemedodeinterrompê-lo),“dou-lheseispence.5Eunãoacreditoquehajaumátomodesentidonele.”Osjuradosempesoanotaramemsuaslousas:“Elanãoacreditaquehajaum

átomodesentidoneles”,masnenhumtentouexplicarodocumento.“Senãohánenhumsentidoneles”,disseoRei,“issonospoupaumbocadode

trabalho, não é mesmo, pois não precisamos tentar encontrar nenhum. Noentanto,nãoestoubemcerto”,prosseguiu,abrindoosversossobreosjoelhoseolhandoparaelesderabodeolho;“tenhoaimpressãodequevejoalgumsentidoneles, afinaldecontas. ‘Sóépenaquenão seinadar…’Vocênão sabenadar,nãoé?”acrescentou,voltando-separaoValete.O Valete sacudiu a cabeça tristemente. “Pareço saber?” disse. (O que

certamentenãoparecia,sendotodofeitodepapelão.)“Atéaqui,tudocerto”,disseoRei,efoiadiante,murmurandoosversospara

simesmo:“‘Sabemosquetinharazão’– issosãoos jurados,éclaro…‘Seeladescobrisse amentira! ’ – deve ser a Rainha… ‘Qual seria tua situação? ’ –Seriamesmo…‘Deiumap’raela,p’raeledeitrês…’–ora, issosópodeseroqueelefezcomastortas…”“Mascontinua:‘Todasvoltaramdeleoutravez’”,disseAlice.“Veja,cáestãoelas!”disseoRei,triunfante,apontandoastortassobreamesa.

“Nadapodesermaisclaroqueisso.Depoisdenovo…‘Antesdoteuataque…’vocênuncasofreuataques,nãoéminhacara?”perguntouàRainha.“Nunca!” disse aRainha, furiosa, jogando um tinteiro no Lagarto enquanto

falava. (O pobrezinho do Bill parara de escrever na lousa com um dedo aodescobrir que não ficavamarca alguma;mas agora se apressara a começar denovo,usandoatinta,quelheescorriapelacaraabaixo,enquantoeladurou.)6“Entãoninguémpodelhefazeresseataque”,disseoRei,passandoosolhos

pelotribunalcomumsorriso.Fez-seumsilêncioabsoluto.7“Éumtrocadilho!”oReiacrescentounumtomofendido,etodosriram.“Que

ojúripronuncieseuveredito”,disse,maisoumenospelavigésimaveznaqueledia.“Não,não!”disseaRainha.“Primeiroasentença…depoisoveredito.”“Masqueabsurdo!”Alicedissealto.“Queideia,terasentençaprimeiro!”“Caleaboca!”disseaRainha,virandoumpimentão.“Nãocalo!”disseAlice.

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“Cortem-lheacabeça!”berrouaRainha.Ninguémsemexeu.“Quemseimportacomvocês?”,disseAlice(aessaaltura,tinhachegadoaseu

tamanhonormal).“Nãopassamdeumbaralho!”Aessas palavras o baralho inteiro se ergueuno ar e veiovoandopara cima

dela:8Alice deuumgritinho, umpoucodemedo e umpoucode raiva, tentourepeli-loseseviudeitadanaribanceira,acabeçanocolodairmã,queafastavadelicadamente algumas folhas secas que haviam voejado das árvores até seurosto.“Acorde, Alice querida!” disse sua irmã. “Mas que sono comprido você

dormiu!”“Ah, tiveumsonho tãocurioso!”disseAlice,econtouà irmã, tantoquanto

podiaselembrardelas,todasaquelasestranhasaventurasquetiveraequevocêacaboude ler; quando terminou, a irmã a beijou e disse: “Semdúvida foi umsonhocurioso,minhaquerida;agoravácorrendotomaroseuchá,estáficandotarde.” Alice então se levantou e saiu correndo, pensando, enquanto corria omaisrápidoquepodia,quesonhomaravilhosotinhasidoaquele.Massuairmãcontinuousentadaquandoelapartiu,acabeçapousadanamão,

contemplandoopôrdosolepensandonapequenaAliceeemtodasaquelassuasaventurasmaravilhosas,atéquetambémelacomeçoudecertomodoasonhar,e

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estefoioseusonho:Primeiro,sonhoucomaprópriaAlice,emaisumavezasmãozinhasdelalhe

apertavamojoelho,eosolhosbrilhanteseimpacientesolhavamosseus…podiaouviratéasentonaçõesdavozdela,everaqueleseujeitinhodejogaracabeçapara afastar o cabelo desgarrado que sempre lhe caía nos olhos… e enquantoouvia,oupareciaouvir,olugarinteiroàsuavoltaganhouvidacomasestranhascriaturasdosonhodairmã.9A relva crescida farfalhou aos seus pés quando o Coelho Branco passou

correndo… o Camundongo apavorado espadanou água ao cruzar a lagoavizinha… pôde ouvir o tilintar das xícaras vendo a Lebre de Março e seusamigos partilharem sua interminável refeição, e a voz estridente da Rainhacondenandoseuspobresconvidadosàexecução…maisumavezobebê-porcoestava espirrando no colo da Duquesa, enquanto travessas e pratos seespatifavamàvoltadele…maisumavezoguinchodoGrifo,orangidodogizdoLagartoeasufocaçãodosporquinhos-da-índiaenchiamoar,misturadosaossoluçosdistantesdainfelizTartarugaFalsa.Ficou ali sentada, os olhos fechados, e quase acreditou estar no País das

Maravilhas, embora soubesse que bastaria abri-los e tudo se transformaria eminsípida realidade…a relva só farfalharia ao vento, e as águas da lagoa só seencrespariam ao ondular dos juncos… as xícaras de chá tilintantes setransformariamnotinirdossinosdasovelhas,eosgritosagudosdaRainhanavoz do pastorzinho… e os espirros do bebê, o guincho do Grifo, e todos osoutros barulhos esquisitos se converteriam (ela sabia) no alarido domovimentado terreiro da fazenda… enquanto osmugidos do gado à distânciairiamtomarolugardossoluçostristesdaTartarugaFalsa.Porfim,imaginoucomoseriaessamesmairmãzinhaquando,nofuturo,fosse

uma mulher adulta; e como conservaria, em seus anos maduros, o coraçãosimpleseamorosodesua infância;ecomo iria reuniroutrascriancinhasàsuavolta e tornar os olhos delas brilhantes e impacientes com muitas históriasestranhas,talvezatécomosonhodoPaísdaMaravilhasdetantotempoatrás;ecomoiriasofrercomtodasasmágoassimplesdessascrianças,eencontrarprazeremtodasasalegriassimplesdelas,lembrandosuaprópriavidadecriança,eosdiasfelizesdeverão.10

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AtravésdoEspelhoeoqueAliceencontrouporlá

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Prefácioàediçãode18971.ACasadoEspelho2.Ojardimdasfloresvivas3.InsetosdoEspelho4.TweedledumeTweedledee5.Lãeágua6.HumptyDumpty7.OLeãoeoUnicórnio8.“Éumainvençãominha”9.RainhaAlice10.Sacudida

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11.Despertar12.Quemsonhou?

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OPEÃOBRANCO(ALICE)VAIJOGAREVENCEREMONZELANCES

1.AliceencontraRainhaV.2.Aliceatravessa3ªcasadaRainha(detrem)echegaà4ªcasadaRainha(TweedledumeTweedledee)3.AliceencontraRainhaB.(dexale)4.Alicepassaà5ªcasadaRainha(loja,rio,loja)5.Alicepassaà6ªcasadaRainha(HumptyDumpty)6.Alicepassaà7ªcasadaRainha(floresta)7.CavaleiroB.tomaCavaleiroV.b

8.Alicepassaà8ªcasadaRainha(coroação)9.Alicetorna-seRainha10.Aliceroca(banquete)11.AlicetomaRainhaV.evence

1.RainhaV.passaà4ªcasadaTorredoRei2.RainhaB.passaà4ªcasadoBispodaRainha(embuscadoxale)3.RainhaB.passaà5ªcasadoBispodaRainha(viraovelha)4.RainhaB.passaà8ªcasadoBispodoRei(deixaovonaprateleira)5.RainhaB.passaà8ªcasadoBispodaRainha(fugindodoCavaleiroV.)6.CavaleiroV.passaà2ªcasadoRei(xeque)7.CavaleiroB.passaà5ªcasadoBispodoRei

8.RainhaV.passaàcasadoRei(exame)9.AsRainhasrocam10.RainhaB.passaà6ªcasadaTorredaRainha(sopa)

VERMELHAS

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BRANCAS

bValeressaltarqueknight,eminglês,designatanto“cavaleiro”comoo“cavalo”,peçadojogodexadrez.(N.T.)

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Prefácioàediçãode1897COMOOPROBLEMADEXADREZapresentadoduaspáginasatrásconfundiualgunsdemeusleitores,talvezconvenhaexplicarqueeleestácorretamenteformuladonoquedizrespeitoaoslances.TalvezaalternânciaentreVermelhaseBrancasnão tenhasido tãoestritamenteobservadaquantodeveria,eo“roque”das trêsRainhassejasimplesmenteumamaneiradedizerqueentraramnopalácio:1maso“xeque”doReiBrancono sexto lance, a capturadoCavaleiroVermelhonosétimo lance e o “xeque-mate” final aoReiVermelho serão considerados, porquem quer que se dê ao trabalho de dispor as peças e fazer os lances comoindicado,estritamentedeacordocomasregrasdojogo.2As palavras novas do poema “Jabberwocky” [“Pargarávio” na tradução]

deramorigem a algumas diferenças de opinião quanto à sua pronúncia; sendoassim, é melhor dar instruções sobre esse ponto também. Pronuncie “slithy”como se fosse “sly, the”; faça um “g” fricativo em “gyre” e “gimble”; epronuncie“rath”demodoarimarcom“bath”.Paraestesexagésimoprimeiromilhar,foramfeitosnovosclichêsapartirdos

blocosxilográficos(que,nuncatendosidousadosparaimpressão,estãoemtãoboas condições como quando gravados pela primeira vez em 1871), e todo olivrofoicompostooutravezcomtiposnovos.Seasqualidadesartísticasdestanova tiragem ficarem aquém, em algum aspecto, das exibidas pela ediçãooriginal,nãoterásidoporfaltadeesmerodapartedoautor,editorouimpressor.Aproveito esta oportunidade para anunciar que The Nursery “Alice”, que

vinha sendo vendido por quatro xelins, líquidos, pode agora ser obtido nasmesmasbasesque livrosdegravurascomunsdeumxelim–emboraeu tenhacertezadequeé,sobtodososaspectos(excetooprópriotexto,sobreoqualnãoestou qualificado para me pronunciar), imensamente superior a eles. Quatroxelins era um preço perfeitamente razoável, considerando-se o gasto inicialmuitopesadoemque incorri; apesardisso,comooPúblicopraticamentedisse“Não vamos pagarmais do que umxelimpor um livro de gravuras, pormaisartisticamente elaborado que seja”, estou disposto a computar minha despesacomolivrocomototalprejuízoe,emvezdedeixarospequeninos,paraquemfoiescrito,ficaremsemele,vouvendê-loaumpreçoque,paramim,significaomesmoquedá-lo.

Natalde1896

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CRIANÇADAFRONTEPURAELÍMPIDA3

Eolhossonhadoresdepasmo!Pormaisqueotempovoeeainda

Quemeiavidanossepare,Irásporcertoacolherencantada

Opresentedeumcontodefadas.

Nãoviteurostoensolarado,Nemouvituarisadaargentina:Lugaralgumporcertomeserádado

Doravanteemtuajovemvida…4

BastaqueagoraconsintassemmaisnadaEmouvirestemeucontodefadas.

Umcontoiniciadooutrora,Sobosoltépidodoverão–Meracantiga,queapenasmarcava

Oritmodenossaembarcação–Cujosecosnamemóriapersistem

Eaodesafiodosanosresistem.

Vemouvir,antesqueumavozinevitável,PortadoradeamargopresságioVenhachamarparaoleitoindesejável5

Umadonzelacontristada!Somossócriançascrescidas,querida,

Inquietas,atéqueosononosdêguarida.

Fora,ogelo,aneveofuscante,Aloucurasoturnadatempestade…Dentro,ocalordofogocrepitante,

Queainfânciaalegreaconchega.Aspalavrasmágicasvãologotetomar:

Nãodarásouvidoaoventoauivar.

EaindaqueumsuspirosaudosoVenhaperpassarestahistóriaPor“diasfelizesdeverão”6epor

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Suaglóriaagoraextinta–Decertonãotornaráofuscada

Aalegria7denossocontodefadas.

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CAPÍTULO1

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ACasadoEspelho

UMACOISAERACERTA:agatinhabrancanada tiveraavercomaquilo; aculpaforatodadagatinhapreta.Poisnoúltimoquartodehoraacaradagatinhabrancaestivera sendo lavada pela gata velha (o que, apesar de tudo, ela suportarabastante bem); como você vê, ela não teria podido meter sua patinha natravessura.Era assim que Dinah lavava a cara dos filhotes: primeiro, erguia o pobre

bichanopelaorelhacomumapata,depois,comaoutra,esfregava-lheacaratodaao contrário, começando pelo focinho; e, nestemomentomesmo, como disse,estava muito atarefada com a gatinha branca, que se mantinha bastantesossegadaetentandoronronar–semdúvidasentindoqueaquilotudoeraparaoseubem.Mas a faxina da gatinha preta terminara mais cedo aquela tarde, e assim,

enquantoAliceenroscava-senumcantodapoltronagrande,meioconversandoconsigomesmaemeiodormindo,elaseesbaldavacomabolade lãqueAlicetentara enovelar, rolando-a para cima e para baixo até desmanchá-la toda denovo;eláestavaalã,espalhadasobreotapete,cheiadenóseemaranhados,comagatinhacorrendonomeioatrásdoprópriorabo.“Oh, sua coisinha travessa!” exclamou Alice, agarrando-a e dando-lhe um

beijinhoparafazê-lacompreenderqueestavafrita.“Francamente,aDinahdeviater lhe ensinado maneiras melhores! Você devia, Dinah, sabe que devia!”acrescentou,comumolhardecensuraparaagatavelhaefalandonotommaiszangadodequeeracapaz…Emseguidaescaloudenovoapoltrona,levandoagatinha e a lã consigo, e pôs-se a enrolar a bola denovo.Maso trabalhonãorendiamuito,pois conversavao tempo todo, àsvezescomagatinha, àsvezesconsigo mesma. Kitty ficou sentada muito recatadamente em seu joelho,fingindo acompanhar o progresso do enovelamento, e de vez em quandoesticando uma pata e tocando delicadamente a bola, como a dizer que teriaprazeremajudar,sepudesse.

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“Sabequediaéamanhã,Kitty?”começouAlice.“Vocêadivinharia,setivesseficadona janelacomigo…sóqueaDinahestava fazendosua toalete,por issovocênãopôde.Fiqueiolhandoosmeninoscataremgravetosparaafogueira–1eéprecisomuitograveto,Kitty!Sóque ficou tão frio, enevava tanto, que elestiveramdeparar.Nãofazmal,Kitty,nósvamosverafogueiraamanhã.”NessepontoAlicepassouduasoutrêsvoltasdalãemtornodopescoçodagatinha,sóparavercomoficaria:issoprovocouumabalbúrdia,poisonovelorolouparaochãoemetrosemetrosdelesedesenrolaramdenovo.“Sabe, fiquei tão zangada, Kitty”, Alice continuou assim que estavam

confortavelmente instaladas de novo, “quando vi toda a travessura que vocêaprontou que estive a ponto de abrir a janela e jogá-la na neve! E teria sidomerecido,minhatraquinasquerida!Quetemadizeremsuadefesa?Agoranãome interrompa!”continuou,dedoemriste. “Vou lhedizer todasas suas faltas.Número um: reclamou duas vezes enquanto aDinah estava lavando seu rostoestamanhã.Ora,issovocênãopodenegar,Kitty:euouvi!Queestádizendo?”(fingindoqueagatinhaestavafalando).“Apatadelaentrounoseuolho?Bem,aculpaésua,porficardeolhosabertos:seosfechasse,apertandobem,issonãoteriaacontecido.Não,nãomevenhacomoutrasdesculpas,ouça!Númerodois:vocêpuxouSnowdrop2pelorabobemnahoraqueeutinhapostoopiresdeleitediantedela!Ah,vocêestavacomsede,é?Comosabequeelanãoestavacomsede também?Agora, número três: você desenrolou a lã inteirinha quando eunãoestavaolhando!”“Sãotrêsfaltas,Kitty,evocênãofoicastigadapornenhumadelas.Sabeque

estou acumulando todos os seus castigos para daqui a duas quarta-feiras…Imagine se tivessem acumulado todos osmeus castigos!” ela continuou,maisparasimesmaqueparaagatinha.“Qualseria o resultadono fimdeumano?

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Seriamandadaparaaprisão, suponho,quandoodiachegasse.Ou…deixe-mever… se cada castigo fosse ficar sem um jantar, então, quando o dia terrívelchegasse, eu teria de ficar sem cinquenta jantares de uma vez! Bem, nãomeimportariatanto!Antespassarsemelesquecomê-los!”“Está ouvindo a neve contra as vidraças,Kitty? Soa tão agradável e suave!

Como se alguém estivesse beijando a janela toda do lado de fora. Será que aneve ama as árvores e os campos que beija tão docemente? Depois ela osagasalha,sabe,comummantobranco;etalvezdiga:‘Durmam,meusqueridos,atéoverãovoltar.’Equandoelesdespertamnoverão,Kitty,sevestemtodosdeverde, e dançam… onde quer que o vento sopre… oh, isso é muito lindo!”exclamouAlice,soltandoonovelodalãparabaterpalmas.“Eeugostariatantoquefosseverdade!Oqueseiéqueosbosquesparecemsonolentosnooutono,quandoasfolhasestãoficandocastanhas.”

“Sabe jogar xadrez, Kitty? Não, não sorria, meu bem, estou perguntando asério.Porque,quandoestávamos jogandohápouco,vocêobservouexatamentecomo se entendesse; e quando eu disse ‘Xeque!’ você ronronou!Bem, foi umbeloxeque,Kitty,eeurealmentepoderiaterganho,nãotivessesidoporaquelecavaleiro desagradável, que veio se insinuar ziguezagueando3 entre minhaspeças.Kitty,querida,vamosfazerdecon…”Eaquieugostariadesercapazdelhe contar a metade das coisas que Alice costumava dizer a partir da suaexpressão favorita: “Vamos fazer de conta”.Ela tivera umadiscussãobastantelongacomairmãaindanavéspera,tudoporquecomeçaracom“Vamosfazerde

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conta que somos reis e rainhas”; e a irmã, que gostava de ser muito precisa,retrucara que isso não era possível porque eram só duas, até que Alicefinalmente sevira forçada adizer: “Bem,você pode ser só umdeles, eu sereitodososoutros.”Ecertavezassustararealmentesuavelhagovernanta,gritando-lhede repente aopédoouvido: “Vamos fazerdecontaqueeu souumahienafamintaevocêéumacarcaça!”MasistoestánosdesviandodafaladeAliceparaagatinha.“Vamosfazerde

contaquevocêéaRainhaVermelha,Kitty!Sabe,achoquesevocêsentasseecruzasseosbraçosficariaigualzinhaaela.Vamos,tente,minhafofura!”EAlicepegouaRainhaVermelhadamesaeapôsemfrenteàgatinhacomoummodelo.Porém a coisa não deu certo – sobretudo, Alice disse, porque a gatinha nãocruzavaosbraçosdireito.Assim,parapuni-la,segurou-adiantedoEspelho,paraque visse o quanto estava intratável… “e se não consertar essa cara já”,acrescentou, “eu lhe faço atravessar para a Casa do Espelho. O que achariadisso?”“Bem, se você ficar só ouvindo, sem falar tanto, vou lhe contar todas as

minhas ideias sobreaCasadoEspelho.Primeiro,háa salaquevocêpodeveratravés do espelho, só que as coisas trocam de lado.4 Posso ver a sala todaquando subo numa cadeira… fora o pedacinho atrás da lareira. Oh! Gostariatantodepoderveressepedacinho!Gostariatantodesaberseelestêmumfogoaceso no inverno: a gente nuncapode saber, amenos que o nosso fogo lancefumaça,eafumaçachegueaessasalatambém…maspodesersófingimento,sóparadaraimpressãodequetêmumfogo.Agora,oslivrossãomaisoumenoscomoosnossos,sóqueaspalavrasestãoaocontrário;seiporquesegureiumdosnossoslivrosdiantedoespelhoeelesseguraramumnaoutrasala.”

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“OquevocêachariademorarnaCasadoEspelho,Kitty?Seráquelhedariamleite lá? Talvez o leite do Espelho não seja gostoso…5 mas, oh, Kitty! agorachegamosaocorredor.SóseconseguedarumaespiadinhanocorredordaCasado Espelho deixando a porta da nossa sala de estar escancarada: é muitoparecido comonosso corredor, até onde se podever, sóque adiante pode sercompletamentediferente.Oh,Kitty, comoseriabomsepudéssemosatravessarparaaCasadoEspelho!Tenhocertezadequenela,oh!hátantascoisasbonitas!Vamosfazerdecontaqueépossívelatravessarparaládealgumamaneira,Kitty.Vamos fazer de conta que o espelho ficou todo macio, como gaze, parapodermosatravessá-lo.Oraveja,eleestávirandoumaespéciedebrumaagora,estásim!Vaiserbemfácilatravessar…”Estavadepésobreoconsoledalareiraenquantodiziaisso,emboranãotivesseamenorideiadecomoforapararlá.Esemdúvidaoespelhoestavacomeçandoasedesfazerlentamente,comosefosseumanévoaprateadaeluminosa.

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NoinstanteseguinteAliceatravessaraoespelho6esaltaralepidamentenasalada Casa do Espelho. A primeira coisa que fez foi verificar se havia fogo nalareira, e ficou muito satisfeita ao constatar que havia um fogo de verdade,crepitandotãoalegrementequantooquedeixaraparatrás.“Assimvouficartãoaquecidaaquiquantoestavalánasala”,pensou;“oumaisaquecida,porqueaquinãovaihaverninguémmandandoqueeumeafastedofogo.Oh,comovaiserengraçado quando me virem aqui, através do espelho, e não puderem mealcançar!”Emseguidacomeçouaolharemvoltaenotouqueoquepodiaservistoda

sala anterior era bastante banal e desinteressante, mas todo o resto era tãodiferente quanto possível. Por exemplo, os quadros na parede perto da lareirapareciamtodosvivos,eoprópriorelógiosobreoconsole(vocêsabequesópodeverofundodelenoespelho)tinhaorostodeumvelhinho,esorriaparaela.“Esta sala não é tão arrumada comoaoutra”,Alicepensou, aonotar várias

peçasdojogodexadrezcaídasnochãoentreascinzas;masnoinstanteseguinte,comumpequeno“Oh!”desurpresa,estavadegatinhas,observando-as.Aspeçasdoxadrezestavamandando,duasaduas!“AquiestãooReiVermelhoeaRainhaVermelha”,Alicedisse(numsussurro,

commedodeassustá-los),“ealiestãooReiBrancoeaRainhaBranca,sentadosnabordadapáda lareira…eaquivãoduasTorres,andandodebraçodado…7

Achoquenãopodemmeescutar”,continuou,baixandomaisacabeça,“etenhoquase certeza de que não podem me ver. Alguma coisa me diz que estou

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invisível…”NessaalturaalgocomeçouaguincharnamesaatrásdeAliceeafezvirara

cabeçabematempodeverumdosPeõesBrancoscairecomeçaraespernear.Observou-o,muitocuriosaparasaberoqueiriaaconteceremseguida.“É a voz da minha filha!” exclamou a Rainha Branca passando pelo Rei,

apressadaecomtanto ímpetoqueoderrubouentreascinzas.“MinhapreciosaLily!Minhagatinhaimperial!”ecomeçouaescalarfreneticamenteumladodoguarda-fogo.“Desatinoimperial!”disseoRei,esfregandoonariz,quemachucaranaqueda.

TinhadireitoaestarumbocadinhoaborrecidocomaRainha,poisestavacobertodecinzasdacabeçaaospés.

Aliceestavaansiosaporserútile,quandoapobrezinhadaLilyestavaapontode ter um ataque de tanto berrar, passou a mão na Rainha rapidamente e adepositousobreamesajuntodesuaescandalosafilhinha.ARainhasesentou,arquejante:arápidaviagempeloarlhetiraraofôlegopor

completoeporumminutooudoisnadapôde fazersenãoabraçarapequeninaLilyemsilêncio.Assimquerecobrouumpouquinhodealento,gritouparaoReiBranco, que estava sentado entre as cinzas, mal-humorado: “Cuidado com ovulcão!”“Quevulcão?”perguntouoRei,olhandoaflitoparaalareira,comosejulgasse

aqueleolugarmaisprovávelparaencontrarum.“Ele…me…expeliu”,arquejouaRainha,queaindaestavaumpoucosemar.

“Tratedesubir…damaneiranormal…nãosedeixeexpelir!”Alice observou oReiBranco transpor lenta e laboriosamente obstáculo por

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obstáculo,8 até que finalmente disse: “Ora, nesse ritmo você vai levar horas ehoras para chegar em cima damesa. Seriamuitomelhor eu ajudá-lo, não é?”MasoReinãotomouconhecimentodapergunta:estavaperfeitamenteclaroquenãoapodiaouvirnemver.Diante dissoAlice o apanhou commuita delicadeza e o ergueumuitomais

lentamentedoqueergueraaRainha,tentandonãolhetirarofôlego.Mas,antesdeopôrnamesa,pensouquenãoseriamáideiadar-lheumaespanadinha, tãocobertodecinzasestava.Mais tarde,contouquenuncaemtodasuavidaviraumacaracomoaqueo

Rei fez ao se ver erguido e espanado no ar por umamão invisível. Ele ficouespantadodemaisparagritar,masseusolhosesuabocaforamficandocadavezmaiores,ecadavezmaisredondos,atéqueamãodaAlicetremeutantocomagargalhadaqueelequasecaiunochão.

“Oh!Por favor, não faça essas caretas, meu caro!” gritou, esquecendo porcompletoqueoReinãoapodiaouvir.“Vocêmefezrir tantoquemalconsigosegurá-lo!Enãofiquecomabocatãoescancarada!Ascinzasvãoentrar todasnela… pronto, agora acho que está apresentável!” acrescentou, enquanto lheajeitavaocabeloeopunhasobreamesaaoladodaRainha.

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OReitomboudecostasimediatamente9eassimficou,absolutamenteestático.Umpoucoalarmadacomoquefizera,Alicesaiupelasalaparaverseconseguiaencontrarumpoucodeáguaparaborrifarnele.Masnãoachounada,anãoserum tinteiro, e quando chegou de volta com ele viu que oRei se recuperara econversavacomaRainhaemsussurrosaterrorizados…tãobaixinhoqueAlicemalpôdeouviroquefalavam.ORei dizia: “Eu lhe asseguro,minha cara, fiquei gelado até as pontas das

minhassuíças!”AoqueaRainharespondeu:“Vocênãousasuíças.”“O horror daquele momento”, continuou o Rei, “eu nunca, nunca vou

esquecer!”“Vaisim”,aRainhadisse,“amenosquefaçaumaanotação.”AliceficouobservandocomgrandeinteresseoReitirarumenormeblocode

anotações do bolso e começar a escrever.Ocorreu-lhe uma ideia de repente esegurou apontado lápis, queultrapassavade algummodooombrodoRei, ecomeçouaescreverporele.10OpobreReipareceuconfusoeinfeliz,lutandocomolápisporalgumtempo

sem dizer nada; mas Alice era forte demais para ele, que finalmente disse,resfolegando:“Minhacara!Realmenteprecisoarranjarumlápismaisfino.Nãoestou tendo omenor controle sobre este; escreve todo tipo de coisas que nãopretendo…”“Quetipodecoisas?”perguntouaRainha,dandoumaespiadanobloco(em

que Alice escrevera: “O Cavaleiro Branco está escorregando pelo atiçador.Equilibra-semuitomal.”)11“Istonãoéumaanotaçãodassuassensações!”Havia um livro sobre amesa, perto deAlice, e, enquanto observava o Rei

Branco(poisaindaestavaumpoucoapreensivacomrelaçãoaele,eprontaalhe

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jogara tinta, casovoltasseadesmaiar), folheousuaspáginas, encontrandoumtrechoquenãoconseguialer–“étodoemalgumalínguaquenãosei”,disseparasimesma.Eraassim:

Quebrou a cabeça por algum tempo, mas por fim lhe ocorreu uma ideialuminosa.“Ora,esteéumlivrodoEspelho,claro!Eseeuosegurardiantedeumespelhoaspalavrasvãoaparecertodasnadireçãocertadenovo.”12

EstefoiopoemaqueAliceleu:

PARGARÁVIO13

Solumbrava,eoslubriciosostouvosEmvertigirospersondavamasverdentes;Trisciturnoscalavam-seosgaiolouvos

Eosporverdidosestriguilavamfientes.

“Cuidado,ófilho,comoPargarávioprisco!Osdentesquemordem,asgarrasquefincam!EvitaopássaroJúbaroefogequalcorisco

DofrumiosoCapturandam.”

Omoçopegoudasuaespadavorpeira:Pordelongadotempooferagonistabuscou.Repousouentãoàsombradatuntumeira,

Eemlúmbriosreflaneiosmergulhou.

Assim,emturbulosospensamentosquedavaQuandooPargarávio,osolhosaraisluscar,Veioflamiscuspindoporentreamatabrava.

Eborbulhavaaochegar!

Um,dois!Um,dois!Einteira,atéopunho,

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Aespadavorpeirafoiporfimcravada!Deixou-olámortoe,emseurocimcatunho,

Tornougalorfanteàmorada.

“MatasteentãooPargarávio?Bravo!Teestreitonopeito,meuResplendoroso!Ógloriandei!Hosana!Estássalvo!”

Enasuaalegriaeleriu,purogozo.Solumbrava,eoslubriciosostouvos

Emvertigirospersondavamasverdentes;Trisciturnoscalavam-seosgaiolouvos

Eosporverdidosestriguilavamfientes.

“Parecemuito bonito”, disse quando terminou, “mas é um pouco difícil deentender!” (Como você vê, não queria confessar nem para simesma que nãoentenderapatavina.)“Sejacomofor,pareceencherminhacabeçadeideias…sóque não sei exatamente que ideias são.De todomodo,alguémmatoualgumacoisa:istoestáclaro,pelomenos…”14

“Mas,oh!”pensouAlicedandoumpuloderepente,“senãomeapressarvouterdepassarpeloespelhodevoltasemtervistocomoéorestodacasa!Voudaruma olhada no jardim primeiro.” Saiu da sala como um raio e correu escadaabaixo – ou melhor, não se tratava exatamente de correr, mas de uma nova

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invençãodelaparadescerescadasdemaneirarápidaefácil,comodiziaparasimesma: mantinha apenas as pontas dos dedos sobre o corrimão e desciaflutuando suavemente, sem sequer roçar os pés nos degraus. Atravessou ovestíbuloaindaflutuando,eteriasaídoportaaforadomesmojeitosenãotivessese agarrado ao umbral. Estava ficando umpouco tonta com tanta flutuação, esentiu-sebastantesatisfeitaaoseverandandodenovodamaneiranatural.

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CAPÍTULO2

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Ojardimdasfloresvivas

“EU VERIA O JARDIM MUITO MELHOR”, disse Alice para si mesma, “se pudessechegaraotopodaquelemorro,ecáestáumatrilhaquelevadiretoparalá…pelomenos–não,nãotãodireto…”(depoisdeseguiratrilhaporalgunsmetrosedarváriasviradasbruscas)“massuponhoqueporfimchegalá.Éinteressantecomoseenrosca!Maispareceumsaca-rolhaqueumcaminho!1Bem,estavoltavaidarnomorro,suponho…nãovai!Vaidardiretonacasadenovo!Bem,nestecasovoutentarnadireçãocontrária.”E assim fez: ziguezagueando para cima e para baixo, e tentando volta após

volta,massemprevoltandoparaacasa,fizesseoquefizesse.Naverdade,certavez,quandodeuumaviradabemmaisrápidoquedecostume,nãopôdeevitarumatrombadanela.“É inútil falar sobre isso”, disseAlice, olhandopara a casa e fingindo estar

discutindocomela.“Nãovouentrarainda.Seiquedeveriaatravessaroespelhodenovo…devoltaàsala…eseriaofimdetodasasminhasaventuras!”Assim,dandoascostasparaacasacomdeterminação,lásefoimaisumavez

pela trilha, decidida a avançar sem trégua até chegar ao morro. Por algunsminutos tudo correu bem e ela acabava de dizer “Desta vez realmente vouconseguir…”quandoatrilhadeuumaguinadarepentina,chacoalhou(segundoadescriçãoquefezmaistarde),enoinstanteseguinteelaseviudefatoentrandoportaadentro.“Oh,masqueazar.Nuncavicasatãointrometida!Nunca!”Noentanto,láestavaomorro,bemàvista,demodoquenãohaviaoutracoisa

afazersenãocomeçardenovo.Dessaveztopoucomumgrandecanteiro,orladodemargaridas,eumsalgueirocrescendonomeio.“Ó Lírio-tigre!”2 chamou Alice, dirigindo-se a um que ondulava

graciosamenteaovento,“gostariaquepudessefalar!”“Pois podemos”, falou oLírio-tigre, “quando há alguémcomquemvalha a

penaconversar.”

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Alice ficou tão espantada que perdeu a voz por um minuto; quase pôs ocoração pela boca. Por fim, como o Lírio-tigre apenas continuava a balançar,faloudenovo,numavoztímida…quaseumsussurro:“Etodasasflorespodemfalar?”“Tãobemquantovocê”,respondeuoLírio-tigre.“Ebemmaisalto.”“Seria pouco delicado da nossa parte começar, sabe”, disse a Rosa, “e eu

realmente estava me perguntando quando você falaria! Disse comigo: ‘Osemblante delame diz alguma coisa, embora não seja uma coisa inteligente!’Apesardetudo,vocêtemacorcerta,eissojáémeiocaminhoandado.”“Nãome importo com a cor”, observou o Lírio-tigre. “Se pelomenos suas

pétalasseencrespassemumpoucomais,tudoestariabemcomela.”Não gostando de se ver criticada, Alice começou a fazer perguntas: “Não

sentemmedoàsvezesdeficarplantadosaquifora,semninguémparacuidardevocês?”“Háaárvorenomeio”,disseaRosa.“Paraquemaiselaserve?”“Masoquepoderiaelafazersesurgissealgumperigo?”perguntouAlice.“Abriroberreiro!”gritouumaMargarida.“Épor issoqueossalgueirossão

chamadoschorões!”“Você não sabia disso?” espantou-se outra Margarida, e então todas

começaram a gritar ao mesmo tempo, até que o ar pareceu repleto de vozesesganiçadas. “Silêncio, todas vocês!” gritou o Lírio-tigre agitando-searrebatadamentedeumladoparaoutro,comfrêmitosdeexcitação.“Sabemquenãoposso alcançá-las!” disse entre arquejos, inclinando a cabeça trêmulaparaAlice,“ounãoseatreveriamafazerisso.”“Não faz mal!” Alice disse num tom apaziguador; e curvando-se para as

margaridas, que estavam recomeçando naquele instante, sussurrou: “Se nãocalaremaboca,euascolho!”Osilênciofoiimediato,eváriasdasmargaridascor-de-rosaficarambrancas.3

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“Muitobem”,falouoLírio-tigre.“Asmargaridassãoaspiores.Quandoumafala,começamtodasaomesmo tempo, fazendoumalaridoquedeixaqualquerummurcho.”“Como é possível que vocês todos possam falar tão bem?” disse Alice, na

esperançademelhorarohumordelecomumelogio.“Estiveemmuitosjardinsantes,masnenhumaflorpodiafalar.”“Ponhaamãonaterraesinta”,disseoLírio-tigre.“Assimvaisaberporquê.”Aliceobedeceu.“Émuitodura”,observou,“masnãoseioqueumacoisatem

avercomaoutra.”“Namaioria dos jardins”, explicou o Lírio-tigre, “fazem os canteiros fofos

demais…porissoasfloresestãosempredormindo.”Pareciaumaexcelenterazão,eAlicegostoumuitodeouvi-la.“Nuncapensei

nissoantes!”disse.“Naminha opinião, vocênuncapensa emcoisa alguma”, disse aRosanum

tombastanteríspido.“Nunca vi ninguém com ar mais bronco”, comentou uma Violeta,4 tão de

repentequeAlicedeuumpulo,poiselanãotinhafaladoantes.“Dobresua língua!” exclamouoLírio-tigre. “Como sevocê já tivessevisto

alguém!Enfiaacabeçasobafolhaseficalároncando,atésabertãopoucodoquesepassanomundoquantoumbotão!”“Hámaispessoasnojardimalémdemim?”Aliceperguntou,preferindonão

levaremcontaaúltimaobservaçãodaRosa.

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“Háumaoutraflornojardimqueécapazdeandarcomovocê”,disseaRosa.“Pergunto-me como fazem isso… (“Você está sempre se espantando”,interrompeuoLírio-tigre),“maselaémaisfolhudaquevocê.”“Éparecidacomigo?”Aliceperguntouansiosa,poislheocorreraaideia:“Há

umaoutramenininhaemalgumcantodojardim!”“Bem,temamesmaformadesajeitadaquevocê”,aRosadisse,“masémais

vermelha…etemaspétalasmaiscurtas,acho.”“Tem as pétalas mais próximas, quase como uma dália”, o Lírio-tigre

interrompeu;“nãodescaídasemredorcomoassuas.”“Mas isso não é culpa sua”, a Rosa acrescentou delicadamente. “Você está

começandoafenecer,sabe…enessecasoéimpossívelevitarquenossaspétalasfiquemumpoucodesalinhadas.”Alicenãogostounadadessaideia;assim,paramudardeassunto,perguntou:

“Elavemaquidevezemquando?”“Provavelmentelogoaverá”,disseaRosa.“Édotipoquetemnoveespigas.”5

“Ondeasusa?”Aliceperguntoucomcertacuriosidade.“Ora,emvoltadacabeça,éclaro”,respondeuaRosa.“Oquemeadmiroufoi

quevocênãotivessealgumastambém.Penseiquefosseanormageral.”“Lá vem ela!” gritou a Esporinha. “Estou ouvindo os passos dela, chump,

chump,chump,nocascalho!”6

AliceolhouemvoltaaflitaedescobriuqueeraaRainhaVermelha.“Comoelacresceu!”foisuaprimeiraobservação.Defato:quandoAliceaencontraraentreascinzas,tinhasósetecentímetrosdealtura…ecáestava,meiacabeçamaisaltadoqueelaprópria!“Éo ar frescoque faz isso”, disse aRosa, “temosumarmaravilhosamente

puroaquifora.”“Achoquevouaoencontrodela”,disseAlice,pois,emboraasfloresfossem

bastanteinteressantes,sentiuqueseriamuitomaissensacionalterumaconversacomumaRainhadeverdade.“Isso você não vai conseguir”, disse a Rosa. “Eu a aconselharia a ir ao

contrário.”Comoissolhesoouabsurdo,Alicenãodissenadaepartiuimediatamenteem

direçãoàRainhaVermelha.Parasuasurpresa,numinstanteaperdeudevistaeseviuentrandopelaportadafrentedenovo.Umpoucoirritada,recuoue,depoisdeolharparatodososladosàprocurada

Rainha(quefinalmenteavistou,bemlongedali),pensouquedaquelavezpodiatentaroestratagemadecaminharnadireçãooposta.Sucesso total.7Nãoandaranemumminutoquandoseviucaraacaracoma

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RainhaVermelha,comomorroquetantodesejaraalcançarbemàvista.“Deondevem?”perguntouaRainhaVermelha.“Eparaondevai?Levanteos

olhos,faledireitoenãofiquegirandoosdedosotempotodo.”8

Aliceobedeceua todasessas instruçõeseexplicou,omelhorquepôde,queperderaseucaminho.“Nãoseioquevocêquerdizercomseucaminho”,disseaRainha;“todosos

caminhos aqui pertencem a mim… mas afinal, por que veio até aqui?”acrescentou num tom mais afável. “Enquanto pensa no que dizer, façareverências,poupatempo.”Aliceficouumpoucosurpresacomaquilo,masestavafascinadademaispela

Rainha para duvidar dela. “Vou tentar quando voltar para casa”, pensou, “dapróximavezqueestiveratrasadaparaojantar.”“Já está na hora de você responder”, disse a Rainha, olhando seu relógio;

“abraumpoucomaisabocaquandofala,edigasempre‘VossaMajestade’.”“Sóqueriavercomoeraojardim,VossaMajestade…”“Estábem”,disseaRainha,dando-lhetapinhasnacabeça,doqueAlicenão

gostounada,“sebemque,quandovocêdiz‘jardim’…jávi jardinsquefariamesteparecerummatagal.”Alicenãoseatreveuacontestarecontinuou:“…epenseiemtentarchegaraté

oaltodaquelemorro…”

“Quando você diz ‘morro’”, aRainha interrompeu, “eu poderia lhemostrarmorrosqueafariamchamaressedevale.”

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“Não,nãofariam”,disseAlice,surpresaporfinalmentetê-lacontestado:“ummorronãopodeserumvale.Issoseriaumabsurdo…”ARainhaVermelhasacudiuacabeça.“Podechamarde‘absurdo’sequiser”,

disse, “mas já ouvi absurdos que fariam este parecer tão sensato quanto umdicionário!”9

Alicefezmaisumareverência,poistemia,pelotomdaRainha,queestivesseumpoucoofendida.Easduassaíramandandoemsilêncioatéchegarnoaltodopequenomorro.Por alguns minutos Alice ficou sem falar, olhando a região em todas as

direções…equeregiãocuriosaeraaquela.Haviaumaquantidadederiachinhosminúsculoscortando-adeladoalado,eoterrenoentreeleseradivididoporumaporçãodepequenascercasverdes,queiamderiachoariacho.“Vejasó!Estádemarcadoexatamentecomoumgrandetabuleirodexadrez!”

Alicedisseporfim.“Devehaveralgumaspeçassemexendoemalgumlugar…ah, lá estão!” acrescentou encantada, e seu coração começou a disparar deentusiasmo enquanto continuava. “É uma partida de xadrez fabulosa que estásendo jogada… no mundo todo…10 se é que isso é o mundo. Oh, como édivertido!Comoeugostariadeserumdeles.NãomeimportariadeserumPeão,contanto que pudesse participar… se bem que, é claro, preferiria ser umaRainha.”

Aodizer isso, olhoude rabodeolho, um tanto acanhada, para a verdadeiraRainha,mas sua companheira apenas sorriu amavelmente eobservou: “É fácilarranjar isso.Você pode ser o Peão daRainhaBranca, se quiser, pois Lily11 é

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muitonovinhaparajogar;vocêestánaSegundaCasa;quandochegaràOitavaCasa,seráumaRainha…”Exatamentenesseinstante,sabe-seláporquê,asduascomeçaramacorrer.Alicenuncaconseguiuentenderdireito,refletindosobreissomaistarde,como

tinhamcomeçado:tudoquelembravaéqueestavamcorrendodemãosdadas,eaRainhacorriatãodepressaqueelamalconseguiaacompanhá-la.Mesmoassim,aRainhanãoparavadegritar“Maisrápido!Maisrápido!”,masAlicesentiaquenãopodiairmaisrápido,emboranãolhesobrassefôlegoparadizerisso.Omaiscuriosonissotudoeraqueasárvoreseasoutrascoisasemvoltadelas

nuncamudavamdelugar:pormaisdepressaqueelaeaRainhacorressem,nãopareciam ultrapassar nada. “Será que todas as coisas estão se movendoconosco?”pensou,atônita,apobreAlice.EaRainhapareceu lheadivinharospensamentos,poisgritou“Maisrápido!Nãotentefalar!”

NãoqueAlice tivesseamenor intençãode fazer isso.Tinhaa impressãodeque nunca conseguiria falar de novo, tão sem fôlego estava ficando; mesmoassim, a Rainha gritava “Mais rápido! Mais rápido!” e a arrastava consigo.“Estamoschegando?”Aliceconseguiuarquejarfinalmente.“Chegando!”aRainharepetiu.“Ora,passamosporládezminutosatrás!Mais

rápido!” E correram em silêncio por algum tempo, o vento assobiando nosouvidosdeAlicee,imaginou,quaselhearrancandoforaoscabelos.“Vamos!Vamos!”gritou aRainha. “Mais rápido!Mais rápido!”Ecorreram

tãodepressaqueporfimpareciamdeslizarpeloar,malroçandoochãocomospés, até que de repente, bem quando Alice estava ficando completamenteexausta,pararam,eelaseviusentadanochão,esbaforidaetonta.

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ARainhaarecostoucontraumaárvoreedissegentilmente:“Podedescansarumpoucoagora.”Aliceolhouaoseuredormuitosurpresa.“Ora,eudiriaqueficamossobesta

árvoreotempotodo!Tudoestáexatamentecomoera!”“Claroqueestá”,disseaRainha,“esperavaoutracoisa?”“Bem,nanossaterra”,disseAlice,aindaarfandoumpouco,“geralmentevocê

chegariaemalgumoutrolugar…secorressemuitorápidoporumlongotempo,comofizemos.”“Queterramaispachorrenta!”comentouaRainha.“Poisaqui,comovê,você

temdecorreromaisquepodeparacontinuarnomesmo lugar.12Sequiser ir aalgumaoutraparte,temdecorrernomínimoduasvezesmaisrápido!”“Prefironãotentar,porfavor!”suplicouAlice.“Estoumuitosatisfeitadeestar

aqui…sóqueestoucomtantocalorecomtantasede!”“Sei do que você gostaria!” disse a Rainha bondosamente, tirando uma

caixinhadobolso.“Aceitaumbiscoito?”Aliceachouque seriapoucoeducadodizer “Não”, emboraaquilonão fosse

nemdelongeoquequeria.Pegouobiscoitoefezopossívelparacomê-lo:erasequíssimo,epensouquenuncaficaratãoengasgadaemtodaasuavida.“Enquanto você se revigora”, disse a Rainha, “vou tirando as medidas.” E

sacouumafitamétricadobolsoepôs-seamediroterrenoeafincarpequenasestacasaquieali.“Aofimdedoismetros”,disse,cravandoumaestacaparamarcaradistância,

“eulhedareisuasinstruções…aceitamaisumbiscoito?”“Não,obrigada”,recusouAlice;“umfoiobastante!”“Matouasede,espero”,disseaRainha.Alice não soube o que responder, mas felizmente a Rainha não esperou

resposta,continuando:“Ao fimde trêsmetrosvou repeti-las…paraocasodevocê as ter esquecido.Ao fimdequatro, vou dizer adeus.E ao fimdecinco,vou-meembora!”A essa altura tinha fincado todas as estacas, e Alice olhou-a com muito

interesseenquantoelavoltavaparaaárvoreeemseguidacomeçavaacaminharlentamenteaolongodafila.Junto à estaca dos dois metros a Rainha virou o rosto e disse: “Um peão

avançaduas casas em seuprimeiromovimento, comovocê sabe.Assim, vocêvai avançar muito rápido para a Terceira Casa… de trem, eu acho… e numinstante vai se ver naQuarta Casa. Bem, essa casa pertence a Tweedledum eTweedledee…aQuintaéquasesóágua…aSextapertenceaHumptyDumpty…Masvocênãofaznenhumcomentário?”

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“Eu… eu não sabia que devia fazer algum… bem nesse ponto”, Alicegaguejou.“Devia ter dito”, prosseguiu a Rainha em tom de grave censura, “‘é

extremamente gentil da sua parteme falar tudo isto’…mas vamos supor queisso foidito…aSétimaCasaé todanobosque…contudo,umdosCavaleiroslhemostraráocaminho…enaOitavaCasa,nósasRainhas,estaremosjuntas;étudo festa e diversão!” Alice se levantou, fez uma reverência e se sentou denovo.Na estaca seguinte a Rainha se virou e, desta vez, disse: “Fale em francês

quando apalavra em inglêspara algumacoisanão lheocorrer…ande comaspontas dos pés para fora13… e lembre-se de quem você é.” Não esperou queAlicefizesseumareverênciadessavez,caminhandorápidoparaaoutraestaca,ondesevirouporuminstanteparadizer“Adeus”ecorreuparaaseguinte.Como aquilo aconteceu, Alice nunca soube, mas exatamente ao chegar à

últimaestaca,aRainhadesapareceu.14Sesumiunoarousecorreuvelozparaobosque(“eelaécapazdecorrermuitorápido!”pensouAlice),nãohaviacomosaber,eAlicecomeçouaselembrardequeeraumPeãoedequelogoseriahoradesemover.

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CAPÍTULO3

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InsetosdoEspelho

EVIDENTEMENTE A PRIMEIRA COISA A FAZER era um levantamento completo daregião que iria atravessar. “É muito parecido com estudar geografia”, pensouAlice,erguendo-senaspontasdospésnaesperançadeconseguirverumpoucomais longe. “Rios principais…nãohá nenhum.Montanhas principais… estouemcimadaúnica,masnãomeparecequetenhanome.Cidadesprincipais…ora,oquesãoaquelascriaturasfazendomelali?Abelhasnãopodemser…quemjáenxergouabelhasaumquilômetrodedistância?”Eficouemsilêncioporalgumtempo,observandoumadelasquesealvoroçavaentreasflores,fincando-lhesoprobóscide,“exatamentecomoumaabelhacomum”,pensouAlice.No entanto, aquilo era tudomenos uma abelha comum: na verdade era um

elefante…1comoAlicelogodescobriu,emboradeinícioaideiaatenhadeixadocompletamentesemfôlego.“Equefloresenormesdevemseraquelas!”foioquepensouemseguida. “Comose fossemcabanas sem teto e comhastes…equequantidadedemeldevemproduzir!Achoquevoudescere…não,aindanão”,continuou, contendo-se quando já começava a correr morro abaixo, tentandoarranjaralgumadesculpaparaficartãoprecavidaderepente.“Nãovaiadiantarnadadesceratéelessemumgalhojeitoso,comprido,para tangê-los…ecomovaiserengraçadoquandomeperguntaremsegosteidomeupasseio.Voudizer:‘Ah, gostei muito…’” (aqui deu sua sacudidela de cabeça favorita), “‘só queestavatãoquenteepoeirento,eoselefantesincomodavamtanto!’”“Achoquevoudescerpelooutrolado”,disseapósumapausa;“etalvezpossa

visitaroselefantesmaistarde.Alémdisso,querotantochegaràTerceiraCasa!”Comessadesculpa,desceuomorrocorrendoesaltouporsobreoprimeirodos

seisriachinhos.2

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“Passagens,por favor!”disseoGuarda,enfiandoacabeçapela janela.Numinstantetodosestavamempunhandopassagens:erammaisoumenosdotamanhodaspessoasepareciamenchercompletamenteovagão.“Vamos lá! Mostre sua passagem, criança!” prosseguiu o Guarda, olhando

irritadoparaAlice.Eumaporçãodevozesexclamouaomesmotempo(“comoorefrão de uma canção”, pensou Alice): “Não o faça esperar, criança! Ora, otempodelevalemillibrasominuto!”“Sintomuito,masnãotenhopassagem”,Alicedisse,atemorizada;“nãohavia

guichê ládeondevim.”Eo corodevozes recomeçou: “Nãohavia lugarparaumapessoaládeondeelaveio.Aterralávalemillibrasocentímetro!”“Nãomevenhacomdesculpas”,disseoGuarda;“deviatercompradoumado

maquinista.”Edenovoocorodevozesseergueucom:“Comomaquinista.Ora,sóafumaçavalemillibrasabaforada!”3

Alice pensou consigo: “Se é assim, não adianta nada falar.”Dessa vez asvozesnãoaacompanharam,jáqueelanãofalara,mas,parasuagrandesurpresa,todaspensaram em coro (espero que você entenda o que significapensar emcoro…porquedevoconfessarqueeunãoentendo):“Melhornãodizernada.Afalavalemillibrasapalavra!”“Vousonharcommillibrasestanoite,tenhocerteza!”pensouAlice.DurantetodoessetempooGuardaestavaolhandoparaela,primeiroatravés

de um telescópio, depois com um microscópio e depois com um binóculo.4Finalmentedisse:“Vocêestánadireçãoerrada”,fechouajanelaefoiembora.

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“Umacriança tãopequena”, disseo cavalheiro sentadodiantedela (a roupadeleeradepapelbranco),5“deveriasaberemquedireçãoestáindo,mesmoquenãosaibaopróprionome!”UmaCabra,queestavasentadajuntoaocavalheirodebranco,fechouosolhos

edissealto:“Eladeviasabercomochegaraoguichê,mesmoquenãosaibaobê-á-bá.”Havia uma Besouro sentado perto da Cabra (tratava-se de um vagão com

passageirosmuitoesquisitos),e,comoaregrapareciaserquecadaumfalassedeuma vez, ele continuou com: “Ela vai ter de ser despachada de volta comobagagem.”Alice não podia ver quem estava sentado na frente do Besouro, mas em

seguidaumavozroucafalou,numtomgrosseiro:“Trocardelocomotivas…”6–enessepontoengasgouefoiobrigadoaparar.“Parecequeéumcavalo”,Alicepensou.Eumfiozinhodevozdisse,pertodo

seu ouvido: “Você podia fazer uma piada sobre isso… algo sobre ‘cavalo’ e‘cavalice’,nãoé?”Depoisumavozmuitomeigadisseàdistância:“Seráprecisolhepregaruma

etiqueta‘Mocinha.Cuidado,éfrágil’.”7

Depois dessa, outras vozes se fizeram ouvir (“Quanta gente neste vagão!”pensouAlice), dizendo: “Deve ir pelo correio, pois está selada…”8 “Deve serenviadacomoumamensagempelotelégrafo…”“Devepuxarotremelaprópriapelorestodaviagem…”eassimpordiante.Mas o cavalheiro vestido de papel branco curvou-se e lhe sussurrou no

ouvido: “Não ligue para o que estão dizendo, minha cara, mas compre uma

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passagemdevoltacadavezqueotremparar.”“De jeitonenhum!”disseAlice,umtanto impaciente.“Nemseioqueestou

fazendonestaviagemdetrem…agoramesmoestavanumbosque…egostariadepodervoltarparalá!”“Você poderia fazer uma piada com isso”, disse a vozinha ao pé do seu

ouvido;“algocomo‘queriasmasnãopodias’,nãoé?”“Pare de caçoar assim”, disse Alice, olhando em volta sem conseguir

descobrirdeondevinhaavoz;“seestá tãoaflitoporumapiada,porquevocêmesmonãofazuma?”Avozinhadeuumsuspiroprofundo.9Estavamuito infeliz, evidentemente, e

Alicelheteriaditoumapalavradeconsolo,“sepelomenossuspirassecomoasoutras pessoas!” ela pensou.Mas aquele foi um suspiro tão assombrosamentepequenininhoquenemo teria escutado senão tivesse sidodadobem juntodoseu ouvido. A consequência foi que sentiu muita cócega no ouvido, e ainfelicidadedapobrecriaturinhadesapareceudasuacabeça.“Seiquevocêéumaamiga”,avozinhacontinuou:“umaamigaqueridaeuma

velhaamiga.Evocênãovaimeferir,emboraeusejauminseto.”“Quetipodeinseto?”,Aliceindagouumpoucoapreensiva.Oquerealmente

queria saber era se picava ou não, mas lhe pareceu que essa não seria umaperguntamuitopolida.“Oraentãovocênão…”,começouavozinha,quandofoiabafadaporumapito

estridentedalocomotiva,etodosderamumpulodesusto,inclusiveAlice.O Cavalo, que tinha posto a cabeça para fora da janela, recolheu-a

calmamente e disse: “É só um riacho que temos de saltar.” Todos pareceramsatisfeitoscomaexplicação,emboraAlicetenhasesentidoumpouconervosaàsimplesideiadetrenssaltando.“Detodomodo,elevainoslevarparaaQuartaCasa, jáéumconsolo!”disseparasimesma.Uminstantedepoissentiuqueovagãoestavasubindopelosarese,noseupavor,agarrouoqueestavamaispertodasuamão,quecalhouserabarbadaCabra.10

Masabarbapareceusedissolverquandoelaa tocou,eAliceseviusentadatranquilamente sobumaárvore…enquantooMosquito (pois esse erao insetocomquemestiveraconversando)sebalançavanumramobememcimadasuacabeçaeaabanavacomasasas.EracertamenteumMosquitomuito grande: “maisoumenosdo tamanhode

umagalinha”,Alicepensou.Mesmoassim,nãopodiasesentirnervosacomele,depoisdeteremestadoconversandoportantotempo.

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“…então não gosta de todos os insetos?” continuou o Mosquito, tranquilocomosenadativesseacontecido.“Gosto deles quando sabem falar”, disse Alice. “Lá de onde eu venho,

nenhumdelesjamaisfalou.”“Que tipo de inseto lhe agrada mais, lá de onde você vem?” o Mosquito

indagou.“Insetos não me agradam”, Alice explicou, “porque tenho bastante medo

deles…pelomenosdosgrandes.Maspossolhedizerosnomesdealguns.”“Claro que eles atendem pelo nome, não é?” o Mosquito comentou

irrefletidamente.“Nuncasoubequeofizessem.”“Dequeserveteremnomes”,disseoMosquito,“senãoatendemporeles?”“Não servedenadaparaeles”,disseAlice, “maséútil para aspessoasque

lhesdãonomes,suponho.Senão,paraqueafinalascoisastêmnome?”“Issoeunãosei”,respondeuoMosquito.“Lálonge,nobosque,elasnãotêm

nome nenhum… seja como for, diga lá sua lista de insetos – está perdendotempo.”“Bem,temamosca”,Alicecomeçou,contandoosnomesnosdedos.“Certo”, disse oMosquito, “nomeio daquele arbusto ali você vai ver uma

‘moscavalo’,seolharbem.Nãosossega,passaodiasebalançandodegalhoemgalho.”“Elacomeoquê?”Aliceperguntoucomgrandecuriosidade.“Seivaeserragem”,disseoMosquito.“Prossigacomalista.”Alice olhou para a moscavalo, muito interessada, e concluiu que tinha

acabadodeserrepintada,tãoreluzenteepegajosaparecia;econtinuou.

“Hátambémalibélula.”

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“Olheparaogalhoemcimadasuacabeça”,disseoMosquito,“evaiverumaLibélula-de-natal. Seu corpo é de pudim de passas, as asas de azevinho, e acabeçaéumapassaflambadaaoconhaque.”11

“Eelacomeoquê?”perguntouAlice,comoantes.“Manjar-brancoepasteldecarne”,oMosquitorespondeu;“efazseuninhona

árvoredeNatal.”“EntãoháaBorboleta”,Alicecontinuou,depoisdeterdadoumaboaolhada

noinsetocomacabeçaemchamasepensadoconsigomesma:“Desconfioqueépor issoqueos insetos gostam tantodevoar para as velas…vontadedevirarlibélulas-de-natal!”

“Rastejandoaosseuspés”,disseoMosquito(Aliceencolheuospésumtantoassustada),“vocêpodeobservarumaBorboleteiga.Suasasassãofatiasfinasdepãocommanteiga,ocorpoédecascadepão,acabeçaéumtorrãodeaçúcar.”“Eoqueelacome?”“Cháfracocomcreme.”UmanovadificuldadesurgiunacabeçadeAlice:“Eseelanãoconseguisse

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encontrarnenhum?”sugeriu.“Nessecasomorreria,éclaro.”“Masissodeveacontecercommuitafrequência”,Aliceobservou,pensativa.“Sempreacontece”,disseoMosquito.Depois disso, Alice ficou em silêncio por um minuto ou dois, refletindo.

Nesse meio tempo oMosquito se divertia dando voltas e voltas em torno dacabeça dela, zumbindo. Finalmente sossegou e fez um comentário: “Você nãoquerperderoseunome,nãoé?”“Não,dejeitonenhum”,disseAlice,umpoucoagoniada.“Noentanto,nãosei”,continuouoMosquitonumtomdisplicente:“pensesó

comoseriaconvenientesevocêconseguisseirparacasasemele!Porexemplo,seagovernantaquisessechamá-laparaestudar,eladiria‘venhacá…’eteriadepararporaí,porquenãoterianenhumnomeparachamá-la–e,éclaro,vocênãoteriadeir,entendeu?”“Isso nunca daria certo, tenho certeza”, disse Alice. “Nunca passaria pela

cabeça da governanta me dispensar do estudo por causa disso. Se ela nãolembrasse do meu nome, me chamaria de ‘Senhora!’, como as governantasfazem.”“Bem, se ela dissesse só ‘Senhora’”, oMosquito observou, “você diria que

estásemhoraenãoiriaestudar…Éumapiadinha.Gostariaquevocêa tivessefeito.”“Porquedesejariaqueeuativessefeito?”Aliceperguntou.“Éumtrocadilho

infame.”O Mosquito limitou-se a suspirar profundamente, enquanto duas grossas

lágrimaslherolavampelasfaces.“Nãodeviafazerpiadas”,disseAlice,“seissoodeixatãoinfeliz.”Seguiu-se mais um daqueles suspirozinhos tristonhos, e dessa vez o pobre

Mosquito pareceu realmente ter-se desfeito em lágrimas, porque quandoAlicelevantouosolhosnãoencontroumaisnadanogalhoe,comojáestavasentindoum pouco de frio por ficar tanto tempo sentada quieta, levantou-se e saiuandando.Logochegouaumcampoaberto,comumbosquedooutrolado;pareciamais

escuro que o último bosque eAlice sentiu umpouco demedo de entrar nele.Refletindomelhor,noentanto, resolveuiremfrente,“poispara tráséquenãovou,comcerteza”,12pensou,eaqueleeraoúnicocaminhoparaOitavaCasa.“Estedeve serobosque”, dissepensativamente, “emque as coisasnão têm

nomes.Oqueseráquevaiserdomeunomequandoeuentrarnele?Nãogostarianadadeperdê-lo…porqueteriamdemedaroutro,eéquasecertoqueseriaum

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nome feio.Mas, nesse caso, o engraçado seria tentar encontrar a criatura queficou com meu antigo nome! Igualzinho àqueles anúncios, sabe, quando aspessoasperdemcachorros:‘Respondepelonome‘Dash’;13usavaumacoleiradelatão…’ Imagineficarchamandotodasascoisasqueeuencontrassede‘Alice’atéqueumadelas respondesse!Sóqueelasnãoresponderiamnada,se fossemespertas.”Assimdivagava quando chegou ao bosque: pareciamuito fresco e sombrio.

“Bem,detodomodoéumgrandealívio”,disseaoentrarsobasárvores,“depoisdesentir tantocalor,entrar sob…oquê?”continuou,bastante surpresadenãoconseguir lembrar a palavra. “Quero dizer entrar sob… sob as… sob isto,entende!”pondoamãonotroncodaárvore.“Comoéqueistosechama,afinal?Acreditoquenãotemnome…ora,comcertezanãotem!”Ficou em silêncio um minuto, pensando. Depois, de repente, recomeçou.

“Então,nofimdascontasacoisarealmenteaconteceu!Eagora,quemsoueu?Vou me lembrar, se puder! Estou decidida!” Mas estar decidida não ajudoumuito,etudoqueconseguiudizer,depoisdequebrarmuitoacabeça,foi:“l,euseiquecomeçacoml!”14

Nesse instanteapareceuumaCorça15 vagandopor ali; olhouparaAlice comseus olhos grandes emeigos,mas não se assustou nadinha. “Venha cá!Venhacá!”disseAlice,esticandoamãoetentandoafagá-la;masaCorçasórecuouumpoucoevoltouaolharparaAlice.“Comovocêsechama?”finalmenteaCorçaperguntou.Quevozdoceesuave

tinha!“Quem me dera saber!” pensou a pobre Alice. Respondeu, um tanto

acabrunhada:“Nada,porenquanto.”“Pensebem”,aCorçadisse,“essenãoserve.”

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Alicepensou,masnão adiantou coisa alguma. “Por favor, poderiamedizercomo você se chama?” disse timidamente. “Acho que isso poderia ajudar umpouco.”“Vou lhedizer sevierumpoucoadiantecomigo”,disseaCorça.“Aqui não

consigomelembrar.”Assim, saíram caminhando juntas pelo bosque, Alice abraçando

afetuosamenteopescoçomaciodaCorça,atéquechegaramaumoutrocampoaberto;entãoaCorçadeuumsúbitopinotenoaresedesvencilhoudosbraçosdeAlice.“SouumaCorça!”16gritouradiante,“e,oh!vocêéumacriançahumana!”Uma expressão de susto tomou de repente seus bonitos olhos castanhos e noinstanteseguinteelafugiucomoumraio.Alice ficou procurando-a, prestes a chorar de frustração por ter perdido sua

queridacompanheiradeviagemtãoderepente.“Detodomodo,agoraseimeunome”,disse,“éalgumconsolo.Alice…Alice…nãovouesquecerdenovo.Eagora,qualdessassetasdevoseguir?”Nãoeraumaperguntamuitodifícil, jáqueumaúnica estrada atravessavao

bosque, e as duas setas apontavam para ela. “Vou resolver a questão”, disseAliceconsigo,“quandoaestradasedividireelasapontaremrumosdiferentes.”Mas isso não parecia provável. Andou e andou por um longo tempo, mas

sempre que a estrada se dividia lá estavam as duas setas, apontando amesmadireção,umacomosdizeres“poraqui–CASADETWEEDLEDUM”eaoutra“CASA

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DETWEEDLEDEE–PORAQUI”.17“Desconfio,”disseAlicepor fim,“queelesmoramnamesmacasa!Nãosei

comonãopenseinissoantes…Masnãopossoficarmuitotempolá.Vousódarumachegadinha,dizer‘olá,comovão?’elhesperguntarocaminhoparasairdobosque.SepelomenoseuchegaràOitavaCasaantesdoanoitecer!”Assimfoidivagando, falando consigomesma enquanto caminhava, até que, numa curvafechada,deudeencontrocomdoishomenzinhosgordos,tãoderepentequenãopôdeevitardarumsaltoparatrás,maslogoserecobrou,certadequesópodiamser18

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CAPÍTULO4

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TweedledumeTweedledee

ESTAVAM DE PÉ SOB UMA ÁRVORE, um abraçando o pescoço do outro, e Alicesoubenomesmoinstantequaleraqualporqueumdelestinha“dum”bordadonagolaeooutro,“dee”.“Imaginoqueambostêm‘tweedle’escritonapartedetrásdagola”,disseparasimesma.Estavam tão quietos que ela esqueceu por completo que estavam vivos e,

justamentequando iaespichandooolhoparaver sehaviaapalavra“tweedle”escrita na parte de trás das duas golas, teve um sobressalto ao ouvir uma vozvindodoquetinhaamarca“dum”.“Sepensaquesomosbonecosdecera”,eledisse,“deviapagaringresso,não

é? Bonecos de cera não são feitos para serem vistos de graça, de maneiraalguma!”“Aocontrário”, acrescentouoque tinhaamarca“dee”, “seachaque somos

vivos,deviafalar.”“Lamento muito, acreditem”, foi tudo que Alice conseguiu dizer; pois as

palavrasdavelhacançãoinsistiamemecoarnasuacabeçacomootiquetaquedeumrelógio,emalconseguiuevitarrepeti-laemvozalta:1

TweedledumeTweedledeeAndamemgranderalho;Pois,disseTweedledum,Tweedledee

Desafinaraseuchocalho.

Iamosdoisseengalfinhar,Quandoumcorvoimenso,escuro,Veionossosheróisespantar,

Eosdoisfugiram,emgrandeapuro.

“Seinoqueestápensando”,disseTweedledum;“masnãoéisso,demaneiraalguma.”

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“Ao contrário”, continuou Tweedledee, “se era assim, podia ser; e se fosseassim,seria;mascomonãoé,nãoé.Istoélógico.”“Estava pensando”, disse Alice muito cortês, “qual será o melhor caminho

parasairdestebosque;estáficandotãoescuro!Poderiammedizer,porfavor?”Masoshomenzinhosgordosapenasseentreolharamesorriram.Pareciam tão exatamente um par de colegiais balofos que Alice não pôde

evitarapontarodedoparaTweedledumedizer:“OPrimeirodaClasse!”2

“Demaneiraalguma!”Tweedledumexclamourapidamente,e fechouabocadenovocomumestalo.“OSegundo!”disseAlicepassandoparaTweedledee,emborativessecerteza

dequeeleiriaapenasgritar“Aocontrário!”,efoioquefez.“Vocêfeztudoerrado!”exclamouTweedledum.“Aprimeiracoisanumavisita

édizer‘Comovai?’edarumapertodemão!”Eaquiosdois irmãossederamumabraçoeestenderamasduasmãosquetinhamlivresparaelaapertar.3Alice não queria apertar a mão de qualquer dos dois em primeiro lugar,

temerosa de ferir os sentimentos do outro; assim, amelhor saída lhe pareceuapertar ambas as mãos ao mesmo tempo; um instante depois eles estavamdançandoemcírculo.Issopareceuperfeitamentenatural(elalembroudepois),enãoficousurpresanemquandoouviuumamúsica:pareciavirdaárvoresobaqual dançavam, e era produzida (pelo que pôde entender) pelos galhos seesfregandounscontraosoutros,comorabecasearcos.

“Mas sem dúvida foi divertido” (Alice disse mais tarde, quando estavacontandotodaestahistóriaàirmã)“mevercantando‘Ciranda,cirandinha’.Nãosei quando comecei, mas a minha impressão era que estava cantando aquilo

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haviamuitotempo!”Osoutrosdoisdançarinoseramgordoselogoficaramsemfôlego.“Quatrovoltaséobastanteparaumadança”,bufouTweedledum,epararam

dedançartãoderepentequantohaviamcomeçado.Amúsicacessounomesmoinstante.Soltaram asmãos deAlice e ficaramumminuto olhando para ela; foi uma

pausaumtantocontrafeita,poisAlicenãosabiacomoentabularumaconversacompessoascomquemacabaradedançar.“Nãocaberiadizer‘Comovaivocê?’agora”,pensoucomseusbotões;“dealgummodo,parecequefomosalémdesseponto.”“Esperoquenãoestejammuitocansados!”disseporfim.“Demaneiraalguma.Emuitoobrigadoporperguntar”,disseTweedledum.“Gratíssimo!”acrescentouTweedledee.“Gostadepoesia?”“Gosto, bastante… de algumas poesias,” Alice respondeu hesitante.

“Poderiammedizerqueestradatomarparasairdobosque?”“Queposso recitar para ela?” disseTweedledee, voltandoparaTweedledum

unsolhosarregaladosesolenes,semfazercasodaperguntadeAlice.“‘A Morsa e o Carpinteiro’ é a mais comprida”, Tweedledum respondeu,

dandoumafetuosoabraçonoirmão.Tweedledeecomeçouimediatamente:

Osolbrilhava…

Nesse ponto Alice arriscou interrompê-lo. “Se émuito comprida”, disse omais polidamente que pôde, “poderiam, por favor,me dizer primeiro qual é aestrada…”

Tweedledeesorriugentilmente,erecomeçou:4

Osolbrilhavasobreomar,Comraioscerteiros,pujantes.Aplicavasuamelhorarte

Atornarasondascoruscantes.Eissoeraestranhoporque

Baterameia-noitepoucoantes.

Aluabrilhavamofina,Porquepensavaqueosol,Depoisqueodiatermina,

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Deviaseretirar.“Émuitaindelicadeza”,dizia,

“Viraquimeofuscar.”

Omarestavamolhado;maisnãopodiaestar.Aareiaestavasecaanãopodermaissecar.Nuvem,nãoseviaumasó,porque

Nãohavianenhumanocéuaflutuar.Nenhumpássarocortavaosares…

Poisnãohaviapássarosparavoar.5

AMorsaeoCarpinteiroCaminhavamladoalado.6Choravamcopiosamenteaover

Ochãoassim,tãodeareiaforrado:“Seaomenosfizessemumafaxina,”diziam,

“Istopoderiaficarembomestado!”

“SesetecriadascomseteesfregõesPorumanoistoaquiesfregassem,Achapossível”,aMorsaperguntou,

“Quetodaestaareialimpassem?”“Duvido”,disseoCarpinteiro

Eumalágrimasentidaderramou.

“ÓOstras,venhamfazerumpasseio!”DisseaMorsasuplicante.Umaboaconversa,umbelorecreio,

Pelaspraiasverdejantes:Masapenasquatroemcadavolteio

Paraasmãoslhesdaradiante.”

AOstramaisvelhaorelanceouMasabocanãodissepalavra.Deuapenasumapiscadela,

Eapesadacabeçameneou…Asugerir:“Deixaraostreira

Paraflanar?Ai,issonãovou.”

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Quatroostrinhas,porém,acorreram,Muitosôfregaspeloregalo:Vestidinholimpo,rostolavado,

Sapatosnostrinqueserabodecavalo.Eissoeraestranho,sebempesado,

Porquetinhamococorapado.

QuatrooutrasOstrasasseguiramEdepoismais,deparempar.Porfimaosbandoschegaram,

Efoiumnãomaisacabar.Todassaltandonaespumadasondas,

Evoltandoàpraiaabracejar.

AMorsaeoCarpinteiroAndaramumbomestirão.Depoisdescansaramnumapedra

Jeitosaquehavianochão.Entãoasostrinhastodas

Puseram-seemfila,deprontidão.

“Échegadaahora”,disseaMorsa,“Defalardemuitascoisas:Desapatos…ebarcos…evazas…

Derepolhos…ereis…elousas…7

EporqueomartantoferveEseosporcostêmasas.”

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“Sóumminutinho”,asOstrasgritaram,“Antesdanossaconversa;Estamostãoesbaforidas,

Viemosemtalcorreria!”“Temostempo!”disseoCarpinteiro,

Rindo,numgestodegalhardia.

“Umnacodepão”,aMorsadisse,“Éoquevemacalhar;Depoispimentaevinagre

Nãosãodesedispensar…Jáestãoprontas,Ostrinhasqueridas?

Vamosdarinícioaojantar.”

“Masnãovãonosjantar!”asOstrasgritaram,Perdendoumpouquinhoacor.“Apóstantagentileza,

Oh,étãodesolador!”“Éumabelanoite”,disseaMorsa,

“Apreciamestabeleza?”

“Foramtãogentisconosco!Nãocriaramumsóembaraço!”OCarpinteirodisseapenas:

“Corte-memaisumpedaço!Minhafomeétamanha

Quetodoestepãohojeeutraço.”

“Éumavergonha”,aMorsadisse,“Lhesfazerumafalsetadessa,Depoisqueastrouxemostãolonge

Easfizemosandartãodepressa!”OCarpinteirodissesó:

“Vamosàprimeiraremessa!”

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“Choroporvocês”,aMorsadisse.“Tenhoocoraçãocontristado.”Eentresoluçoselágrimas,foi

Puxandoasgraúdasp’roseulado.Depois,levouolençoaosolhos,

Queaindaestavammarejados.

“ÓOstras”,disseoCarpinteiro.“Fizeramumabelacorrida!Quetalcorrerdevoltapracasa?”

Masnenhumarespostafoiouvida…Enãoeradeestranhar,porque

Ostraporostratinhasidocomida.8

“GostomaisdaMorsa”,disseAlice.“Porque,veja,elateveumpoucodepenadaspobresostras.”“MascomeumaisqueoCarpinteiro”,disseTweedledee.“Repare,elasegurou

o lenço na sua frente, para o Carpinteiro não poder contar quantas comia: aocontrário.”“Issofoimesquinho!”Aliceexclamouindignada.“Seéassimgostomaisdo

Carpinteiro…seéquenãocomeutantasquantoaMorsa.”

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“Maselecomeuomaisquepôde”,disseTweedledee.Aquiloeraperturbador.9Depoisdeumapausa,Alicecomeçou:“Bem!Eram

ambos tiposmuitodesagradáveis…”Nestepontocalou-se,umtantoassustada,aoouvir algoque lhe lembravao resfolegar de uma locomotiva a vapor pertodeles no bosque, embora temesse que, mais provavelmente, fosse um animalselvagem.“Háleõesoutigresporaqui?”perguntoutimidamente.“ÉsóoReiVermelhoroncando”,disseTweedledee.“Venhaver!”gritaramosirmãos.CadaumpegouumadasmãosdeAliceea

levaramatéondeoReidormia.“Nãoéumavisãoencantadora?”disseTweedledum.Parasersincera,Alicenãopodiaconcordar.OReiusavaumatoucadedormir

vermelha e alta, com um pompom, estava encolhido como uma trouxa mal-ajambradaeroncandoalto…“Esseroncoécapazdelhearrancaracabeçafora!”comentouTweedledum.“Receioquepegueumresfriado,deitadoassimnocapimúmido”,disseAlice,

queeraumamenininhamuitoatenciosa.“Agora está sonhando”, observou Tweedledee. “Com que acha que ele

sonha?”Alicedisse:“Issoninguémpodesaber.”“Ora, com você!” Tweedledee exclamou, batendo palmas, triunfante. “E se

parassedesonharcomvocê,ondeachaquevocêestaria?”“Ondeestouagora,éclaro,”respondeuAlice.“Não,não!”Tweedledeeretrucou,desdenhoso.“Nãoestariaemlugaralgum.

Ora,vocêésóumaespéciedecoisanosonhodele!”10

“Se o Rei acordasse”, acrescentou Tweedledum, “você sumiria… puf!…exatamentecomoumavela!”11

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“Não sumiria!” Alice exclamou indignada. “Além disso, se sou só umaespéciedecoisanosonhodele,gostariadesaberoquevocêssão?”“Idem”,disseTweedledum.“Idem,ibidem”,gritouTweedledee.12EgritoutãoaltoqueAlicenãopôdeseimpedirdedizer:“Psss!Receioquevá

acordá-losefizertantobarulho.”

“Bem, não adianta você falar sobre acordá-lo”, disse Tweedledum, “quandonão passa de uma das coisas do sonho dele.Você sabemuito bem que não éreal.”“Eusoureal!”disseAliceecomeçouachorar.“Não vai ficar nem um pingo mais real chorando”, observou Tweedledee.

“Nãohámotivoparachoro.”“Se eu não fosse real”, disseAlice –meio rindo por entre as lágrimas, tão

absurdoaquilotudoparecia–,“nãoconseguiriachorar.”“Espero que não imagine que suas lágrimas são reais!” Tweedledum

interrompeu-a,numtomdeprofundodesdém.“Seiqueestãofalandoabsurdos”,Alicepensouconsigo,“eétolicechorarpor

causadisso.”Assim,enxugouaslágrimasecontinuou,notommaisalegrequepôde. “Seja como for, tenho de ir embora do bosque, pois está ficandomuitoescuro.Achamquevaichover?”Tweedledum,queabriuumenormeguarda-chuvasobreeleeoirmão,olhou

paracimaedisse:“Não,nãoachoquevai.Pelomenos…nãoaquiembaixo.Demaneiraalguma.”“Masseráquepodechoveraquifora?”

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“Pode…seescolher”,disseTweedledee;“nãofazemosnenhumaobjeção.Aocontrário.”“Criaturas egoístas!” pensou Alice e já ia dizer “Boa noite” e deixá-los

quandoTweedledumsaltouforadoguarda-chuvaeaagarroupelopulso.“Está vendoaquilo?” perguntou, numa voz embargada pela emoção, e seus

olhos ficaram grandes e amarelos de repente, enquanto apontava um dedotrêmuloparaumacoisinhabrancacaídasobaárvore.“Ésóumchocalho”,disseAlice,apóscuidadosoexamedacoisinhabranca.

“E não está na ponta do rabo de nenhuma cascavel, sabe?” deu-se pressa emacrescentar, achandoqueeleestavaapavorado.“Sóumchocalhovelho…bemvelhoequebrado.”“Sabia que era!” exclamou Tweedledum, começando a bater o pé

furiosamenteparatodososladoseapuxarocabelo.“Estáestragado,éclaro!”AquiolhouparaTweedledee,queimediatamentesesentounochãoetentouseesconderdebaixodoguarda-chuva.Alicepousouamãonoseubraçoedisseemtomapaziguador:“Nãoprecisa

ficartãozangadoporcausadeumchocalhovelho.”“Mas não é velho!” gritou Tweedledum,mais furioso que nunca. “É novo,

estou lhe dizendo… comprei-o ontem…meu lindo chocalho NOVO!”13 e suavozseelevounumverdadeiroguincho.Todo esse tempo, Tweedledee estava fazendo o que podia para fechar o

guarda-chuva consigo dentro: o que era uma proeza tão extraordinária quedesvioucompletamenteaatençãodeAlicedoirmãoenraivecido.Masnãotevesucesso e acabou caindo, enrolado no guarda-chuva, só a cabeça de fora: e láficou, abrindo e fechando a boca e os olhos graúdos… “mais parecendo umpeixequequalqueroutracoisa”,Alicepensou.

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“Naturalmentevocêconcordacomumabatalha?”indagouTweedledumnumtommaiscalmo.“Achoquesim”,respondeuooutro,amuado,rastejandoparaforadoguarda-

chuva;“sóqueelatemdeajudaranosvestirmos.”E lá se foram os dois irmãos de mãos dadas pelo bosque, e num minuto

estavam de volta com os braços carregados de coisas… como travesseiros,cobertores,tapetes,toalhasdemesa,abafadoresebaldesdecarvão.“Esperoquevocêtenhaumaboamãoparaalfinetaredarlaços!”Tweedledumobservou.“Éprecisoencaixarcadaumadestascoisas,deumjeitooudeoutro.”Alicecontoumaistardequenuncaviratantobarulhofeitopornadaemtodaa

suavida:oalvoroçodaquelesdois…eaquantidadedecoisasquepuseramsobresi…eatrabalheiraquelhederamparaamarrarcordõeseabotoar…“Realmente,quando ficarem prontos vão estarmais parecidos com trouxas de roupa velhaque com qualquer outra coisa!” disse consigo mesma, enquanto ajeitava umaalmofadaroliçaemvoltadopescoçodoTweedledee,“paraevitarquesuacabeçafossecortadafora”,14comoeledisse.“Sabe”, ele acrescentou muito gravemente, “essa é uma das coisas mais

gravesquepodemacontecernumabatalha…teracabeçacortadafora.”Alicenãoconseguiucontero riso,masdeuum jeitode transformá-lonuma

tosse,receandoferir-lheossentimentos.“Estoumuitopálido?”perguntouTweedledum,aproximando-separaqueseu

elmo fosse preso. (Ele chamava aquilo de elmo, embora certamente maisparecesse uma caçarola.) “Bem… está… um pouco”, Alice respondeugentilmente.“Soumuitocorajosoemgeral”,elecontinuouemvozbaixa;“sóquelogohoje

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estoucomdordecabeça.”“E eu com dor de dente!” disse Tweedledee, que conseguira ouvir o

comentário.“Estoumuitopiorquevocê!”“Nessecasonãodeveriamlutarhoje”,disseAlice,vendoaliumbompretexto

paraaspazes.“Temos de lutar um pouquinho, mas não faço questão de uma luta muito

demorada”,disseTweedledum.“Quehorassãoagora?”Tweedledeeconsultouseurelógioedisse:“Quatroemeia.”“Vamoslutaratéasseis,edepoisjantar”,disseTweedledum.“Muitobem”,ooutroconcordou,umtantocabisbaixo.“Eelapodeassistir…

sónãodevechegarmuito perto”, acrescentou; “costumo acertar tudoque vejopelafrente…quandoficorealmenteempolgado.”“E eu acerto tudo que está aomeu alcance”, exclamou Tweedledum, “quer

possavê-loounão!”Aliceriu.“Imaginoqueacertemasárvorescommuitafrequência”,disse.Tweedledum olhou à sua volta com um sorriso satisfeito. “Tenho a

impressão”, disse, “de que não vai sobrar uma só de pé, por todo este trecho,quandoabatalhativerterminado!”“Etudoporcausadeumchocalho!”espantou-seAlice,aindacomesperança

dedeixá-losumpoucoenvergonhadosdelutaremportalbagatela.“Eu não teria me importado tanto”, disse Tweedledum, “se não fosse um

chocalhonovo.”“Gostariaqueocorvomonstruosochegasse!”pensouAlice.

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“Hásóumaespada,vocêsabe”,disseTweedledumaoirmão.“Masvocêpodeusaroguarda-chuva…équasetãopontudoquantoela.Sóquetemosdecomeçarrápido.Estáescurecendoaolhosvistos.”“Eaolhosfechados”,disseTweedledee.EstavaescurecendotãoderepentequeAliceachouqueumatempestadedevia

estar chegando. “Que nuvem grossa e negra aquela!” disse. “E como vemdepressa!Ui,parecequetemasas!”15

“Éocorvo!”Tweedledumgritoucomumavozestridentedesusto.Eosdoisirmãossaíramemdisparadaenuminstantetinhamsumidodevista.Alicecorreuumpoucomaisparadentrodobosqueeparoudebaixodeuma

grandeárvore.“Aquielenuncavaimepegar”,pensou,“égrandedemaisparaseespremerentreasárvores.Masgostariaquenãobatessetantoasasas…provocaumverdadeirofuracãonobosque–olha,alivaioxaledealguém,sopradopelovento!”

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CAPÍTULO5

Lãeágua

ALICEAGARROUOXALEENQUANTOFALAVAeolhouemvoltaàprocuradadona;um instante depois a Rainha Branca apareceu correndo freneticamente pelobosque,osdoisbraçosabertostotalmenteesticados,comoseestivessevoando,eAlice,muitopolidamente,foiaoencontrodelacomoxale.1“Foiumasorteeuestarnocaminho”,disse,enquantoaajudavaapôroxale

denovo.ARainhaBrancaolhou-acomumaexpressãodeincontrolávelpavoreficou

repetindo para si mesma, num sussurro, algo que soava como “pão commanteiga,pãocommanteiga”,2eAlicepercebeuque,seeraparahaveralgumaconversa, ela mesma tinha de se encarregar disso. Assim, começou, bastantetímida:“EstoumeendereçandoàRainhaBranca?”“Bem,sim,sevocêchamaistodeadereçar”,aRainhadisse.“Nãoéaminha

ideiadacoisa,emabsoluto.”Alice,pensandoquenãoconvinhadiscutirlogonoiníciodaconversa,sorriue

disse:“SeVossaMajestadetiverabondadedemedizerqualéamaneiracertadecomeçar,fareiissodamelhormaneira.”“Masnãoqueroque seja feitodemaneira alguma!”gemeuapobreRainha.

“Fazduashorasqueestoumedesadereçando.”Teria sido muito melhor, pareceu a Alice, se ela tivesse trazido uma outra

pessoaparaadereçá-la,tãoterrivelmentedesalinhadaestava.“Todososadereçosestão tortos”, Alice pensou, “e tudo está pregado com alfinete!… Possoendireitarseuxale?”acrescentouemvozalta.“Não sei o que há de errado com ele!” lamentou a Rainha. “Está de mau

humor,acho.Euopregueicomalfineteaquieali,masnadaocontenta!”

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“Ele não pode ficar direito se o prende todo de um lado só”, disse Alice,enquantooendireitavagentilmenteparaela,“e,nossa!emqueestadoestáoseucabelo!”“Aescovaficouenganchadanele”,suspirouaRainha.“Perdiopenteontem!”Alicedesprendeucuidadosamenteaescovaefezoquepodiaparalheajeitaro

cabelo.“Veja,estácomumaaparênciamuitomelhoragora!”disseapósmudaramaior parte dos alfinetes de lugar. “Mas realmente devia ter uma criada dequarto!”“Eucontratariavocêcomprazer!”propôsaRainha.“Doispenceporsemanae

geleiaemdiasalternados.”Alicenãopôdedeixarderir,enquantodizia:“Nãoqueroquemecontrate…e

nãogostomuitodegeleia.”“Éumageleiamuitoboa”,disseaRainha.“Bem,detodomodo,nãoqueronenhumahoje.”“Mesmo quequisesse, não poderia ter”, disse a Rainha. “A regra é: geleia

amanhãegeleiaontem…masnuncageleiahoje.”“Issosópodeacabarlevandoàsvezesa‘geleiahoje’”,Aliceobjetou.“Não,nãopode”,disseaRainha.“Égeleianooutrodia:hojenuncaéoutro

dia,entende?”“Nãoaentendo”,disseAlice.“Éhorrivelmenteconfuso!”“Éissoquedáviveràsavessas”,disseaRainhacomdoçura:“sempredeixaa

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genteumpoucotontanocomeço…”“Viveràsavessas!”Alicerepetiuemgrandeassombro.“Nuncaouvifalarde

talcoisa!”3

“…masháumagrandevantagemnisso: anossamemória funcionanosdoissentidos.”“Tenho certeza de que aminha só funciona emum”,Alice observou. “Não

possolembrarcoisasantesqueelasaconteçam.”“É uma mísera memória, essa sua, que só funciona para trás”, a Rainha

observou.“Dequetipodecoisasvocêselembramelhor?”Aliceseatreveuaperguntar.“Oh,dasqueaconteceramdaquiaduas semanas”, aRainha respondeunum

tom displicente. “Por exemplo, agora”, ela continuou, enrolando uma largaatadura no dedo enquanto falava, “há o Mensageiro do Rei.4 Está na prisãoagora,sendopunido,eo julgamentonãovainemcomeçaratéquarta-feiraquevem,e,éclaro,ocrimevemporúltimo.”“Eseelenuncacometerocrime?”disseAlice.“Tantomelhor,nãoé?”aRainha retrucou,prendendoaataduraemvoltado

dedocomumpedacinhodefita.Alice achou que isso era inegável. “Claro que seria muito melhor”, disse,

“masnãoseriamuitomelhorparaeleserpunido.”“Nisso você está completamente errada”, disse a Rainha. “Já foi punida

algumavez?”“Sópeloquefizdeerrado”,respondeuAlice.“Eissosólhefezbem,eusei!”disseaRainha,triunfante.“Sim,maseutinha feitoascoisaspelasquaisfuipunida”,disseAlice,“isso

faztodaadiferença.”

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“Massenãoas tivesse feito”,continuouaRainha,“teriasidomelhorainda;melhoremelhoremelhor!”Suavozfoificandomaisagudaacada“melhor”,atéqueporfimsetransformounumguincho.Alice ia dizendo “Há alguma coisa errada…”, quando aRainha começou a

guinchartãoaltoqueelatevededeixarafraseincompleta.“Ai,ai,ai!”gritavaela, sacudindo a mão como se quisesse fazê-la voar fora. “Meu dedo estásangrando!Ai,ai,ai,ai!”Seus guinchos eram tão exatamente iguais ao apito de uma locomotiva que

Alicetevedetaparosouvidoscomasduasmãos.“Oqueaconteceu?”quissaber,assimqueteveumachancedesefazerouvir.

“Furouodedo?”“Nãoainda,”aRainhadisse,“masvoufurarlogo,logo…ai,ai,ai!”“Quandoesperafazerisso?”Aliceperguntou,commuitavontadederir.“Quandoprendermeuxaledenovo!”apobreRainhagemeu;“obrochevaise

abrir já. Ai, ai!” Enquanto dizia isso o broche se abriu e a Rainha o agarroudesvairadamente,tentandofechá-lodenovo.“Cuidado!”exclamouAlice.“Vocêestásegurandoobrochetodotorto!”Eo

agarrou;maseratardedemais:oalfineteescorregaraeaRainhafuraraodedo.“Issoexplicaosangramento,vê?”disseelaaAlicecomumsorriso.“Agora

vocêentendecomoascoisasacontecemaqui.”

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“Mas por que não gritaagora?”Alice perguntou, com asmãos emposiçãoparataparosouvidosdenovo.“Ora,jágriteioquetinhadegritar”,disseaRainha.“Qualseriaoproveitode

repetirtudo?”A essa altura, estava clareando. “Acho que o corvo deve ter voado para

longe”,disseAlice.“Estoutãocontentequetenhaidoembora.Penseiqueeraanoitechegando.”“Gostaria… de conseguir ficar contente!” a Rainha disse. “Só que nunca

lembro a regra. Você deve ser muito feliz, vivendo neste bosque e ficandocontentequandolheapraz!”“Sóque istoaquié tão solitário!”disseAlice,melancólica;eà ideiadesua

solidãoduasgrossaslágrimaslherolarampelasfaces.“Oh, não fique assim!” exclamou a pobre Rainha, torcendo as mãos em

desespero.“Considereameninagrandequevocêé.Considerealongadistânciaquepercorreuhoje.Considerequehorassão.Considerequalquercoisa,masnãochore!”Alicenãopôdedeixarderirdisso,mesmoemmeioàssuas lágrimas.“Você

consegueparardechorarfazendoconsiderações?”perguntou.“Éassimquesefaz”,disseaRainhacommuitadecisão;“ninguémpodefazer

duas coisas ao mesmo tempo, não é?5 Para começar, vamos considerar a suaidade…quantosanostem?”“Exatamenteseteanosemeio.”“Nãoprecisadizer‘exatualmente’”,aRainhaobservou.“Possoacreditarsem

isso.Agoravoulhedarumacoisaemqueacreditar.Tenhoprecisamentecentoeumanos,cincomeseseumdia.”“Nãopossoacreditarnisso!”disseAlice.“Não?”disseaRainha,commuitapena.“Tentedenovo:respirefundoefeche

osolhos.”Alice riu. “Não adianta tentar”, disse; “não se pode acreditar em coisas

impossíveis.”“Comcertezanãotemmuitaprática”,disseaRainha.“Quandoeueradasua

idade, sempre praticava meia hora por dia. Ora, algumas vezes cheguei aacreditarematéseiscoisasimpossíveisantesdocafédamanhã.6Lásevaimeuxaledenovo!”Obrocheseabriraenquantoelafalava,eumasúbitalufadadeventocarregara

oxaledaRainhaparaaoutramargemdeumpequenoriacho.ARainhaabriuosbraçosdenovo,esaiuvoandoembuscadele,7dessavezconseguindoagarrá-loporsimesma.“Peguei-o!”gritounumtomtriunfante.“Agoravocêvaimever

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prendê-lodenovo,sozinha!”“Nesse caso, seu dedo está melhor agora, não é?” Alice disse muito

polidamente,enquantosaltavaoriachinhoatrásdaRainha.8

“Oh, muito melhor!” gritou a Rainha, a voz se elevando a um guincho àmedidaquefalava.“Muitome-lhor!Me-lhor!Me-e-e-elhor!Me-e-é!”Aúltimapalavraterminounumlongobalido,tãoparecidocomodeumaovelhaqueAlicerealmentelevouumsusto.OlhouparaaRainha,quepareciaterseenroladoemlãderepente.Esfregou

osolhoseolhoudenovo.Nãoconseguiaentendernadadoquetinhaacontecido.Estarianumaloja?Eeramesmo…eramesmoumaovelhaqueestavasentadadooutro lado do balcão? Por mais que esfregasse os olhos, tudo que conseguiaentenderera:estavanumalojinhaescura,9comoscotovelosapoiadosnobalcão,ediantedesiestavaumavelhaOvelha,sentadanumapoltronatricotando,evezporoutraparandoparafitá-laatravésdeumgrandepardeóculos.“Oquedesejacomprar?”perguntouaOvelha,erguendoosolhosdoseutricô

poruminstante.“Aindanãoseimuitobem”,Alicerespondeu,muitogentilmente.“Gostariade

darumaolhadaemtudoàminhavoltaprimeiro,semepermite.”“Podeolharparaasuafrente,eparaosdoislados,sequiser”,disseaOvelha,

“masnãopodeolharparatudoàsuavolta…amenosquetenhaolhosnanuca.”

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Acontece que isso Alice não tinha; assim, contentou-se em dar um giro,olhandoasprateleirasenquantoaspercorria.Alojapareciacheiadetodasortedecoisascuriosas…masomaisestranhode

tudoeraque,cadavezquefixavaosolhosemalgumaprateleiraparadistinguiroque havia nela, essa prateleira específica estava sempre completamente vazia,emboraasoutrasemtornoestivessemcompletamenteabarrotadas.10“As coisas aqui são tão fugidias!”11 comentou por fim num tom queixoso,

depoisdeterpassadocercadeumminutoperseguindoemvãoumacoisagrandeelustrosa,queàsvezespareciaumabonecaeoutrasvezesumacaixadecostura,e sempre estava na prateleira acima da que estava olhando. “E isto é o maisirritantedetudo…masvoulhemostrar…”acrescentou,assaltadaporumsúbitopensamento. “Vou segui-la até a prateleira mais alta de todas. Vai se ver emapurosparaatravessaroteto,imagino!”Mas até esse plano malogrou: a “coisa” atravessou o teto na maior

tranquilidadepossível,comoseestivessemuitoacostumadaaisso.“Vocêéumacriançaouumpião?”12disseaOvelhaenquantopegavaoutropar

deagulhas.“Vaimedeixartontajá,já,secontinuargirandodessejeito.”Agoraestava trabalhando comcatorze pares de agulha aomesmo tempo eAlice nãoconseguiadespregarosolhosdela,espantadíssima.“Como consegue tricotar com tantas?” pensou a atônita criança consigo

mesma.“Acadaminutoelaseparecemaisemaiscomumporco-espinho!”

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“Saberemar?”aOvelhaperguntou,estendendo-lheumpardeagulhasdetricôenquantofalava.“Sei, um pouco…mas não no seco… e não com agulhas…” Alice estava

começandoadizer,quando,derepente,asagulhasviraramremosemsuasmãose eladescobriuque estavamnumbarquinho, deslizando entre ribanceiras–demodoquesólherestavaremaromelhorquepodia.“Nivelar!”13gritouaOvelha,pegandoumoutropardeagulhas.Como esta observação não parecia requerer nenhuma resposta, Alice nada

disseecontinuouremando.Haviaalgodemuitoestranhonaágua,elapensou,poisvoltaemeiaosremosemperravamesóacustosaíamdaágua.“Nivelar!Nivelar!”aOvelhagritoudenovo,pegandomaisduasagulhas.“Já,

jávaiacabarenforcandooremo.”14

“Porquefariaisso?”pensouAlice.“Tãocruel.”“Não me ouviu dizer ‘Nivelar?’” gritou a Ovelha, furiosa, pegando um

punhadodeagulhas.“Ouvi, de fato”, admitiuAlice: “disse isso várias vezes…emuito alto. Por

favor,comoseenforcamremos?”“Comcorda,éclaro!”disseaOvelha,espetandoalgumasdasagulhasna lã,

poisjánãocabiamnasmãos.“Nivelar,estoudizendo!”“Porque ficadizendo‘nivelar’o tempo todo?”Alicefinalmenteperguntou,

umtantoirritada.“Nãoestoudesnivelada!”“Estásim”,disseaOvelha,“vocêéumapatinhapateta.”ComoissodeixouAliceumpoucoofendida,nãohouvemaisconversaporum

minutooudois, enquanto elas deslizavam suavemente, às vezes entre ilhas dealgas(quefaziamosremosresistiremaindamaisàágua),eàsvezessobárvores,massemprecomasmesmasribanceirassobresuascabeças.“Ah, por favor! Há uns juncos perfumados!” Alice exclamou, subitamente

enlevada.“Hámesmo…esãotãolindos!”

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“Nãoprecisamedizer‘porfavor’porcausadisso”,aOvelharespondeusemtirarosolhosdoseu tricô.“Nãofuieuquemospusali,nãosoueuquemvoutirá-los.”“Não, mas o que eu quis dizer foi, por favor, podemos esperar e colher

alguns?”Alicesuplicou.“Senãoseimportadepararobarcoporumminuto.”“Comopossoeupará-lo?”perguntouaOvelha.“Sevocêpararderemar,ele

paraporsimesmo.”Assim deixou-se o barco seguir pelo ribeirão ao seu bel-prazer, até que

deslizou suavemente para omeio dos juncos oscilantes. Então asmanguinhasforamcuidadosamentearregaçadas,eosbracinhosmergulhadosatéoscotovelosparapegarosjuncosbemmaisabaixoantesdequebrá-los…eporalgumtempoaOvelha e seu tricô sumiram da cabeça deAlice, enquanto ela se debruçavasobreabordadobarco, sóaspontasdocabelosemaranhadosmergulhandonaágua… e, com olhos faiscantes e sôfregos, apanhava feixe após feixe dosencantadoresjuncosperfumados.“Esperoqueobarconãovire!”disseparasimesma.“Oh,quelindoéaquele.

Só que não consegui alcançá-lo.” E certamente parecia um pouco enervante(“quase como se fosse de propósito”, ela pensou) que, embora conseguissecolher quantidades de lindos juncos àmedida que o bote deslizava, houvessesempreummaislindoquenãopodiaalcançar.“Osmaisbonitos estão sempremais longe!”dissepor fim, comumsuspiro

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ante a teimosia dos juncos em crescerem tão afastados, enquanto, facesafogueadasecabeloemãospingando, tentavavoltaraseulugarecomeçavaaarrumarseusrecém-descobertostesouros.Que lhe importava naquele momento que os juncos tivessem começado a

murchareaperderseuperfumeebeleza,desdeomomentoemqueoscolhera?15

Até juncosperfumados reais,comovocêsabe,duramsóporpouco tempo…eesses,sendojuncosdesonho,derretiamquasecomoneveenquantorepousavamem feixes aos pés dela… mas Alice mal percebeu isso, tantas outras coisascuriosastinhaparapensar.Nãotinhamidomuitolongequandoapádeumdosremosemperroufirmena

águaeserecusouasair(assimAliceexplicouissomaistarde);eaconsequênciafoiqueopunhodeleacertou-asoboqueixo,e,apesardeumasériede“ai,ai,ai”dapobreAlice,derrubou-adoassentoeaafundounomontedejuncos.Maselanãosemachucounadinhaelogoestavadepédenovo.Enquantoisso

aOvelhacontinuavacomseutricô,comosenadativesseacontecido.“Quebeloremovocêenforcou!”elaobservou,quandoAlicevoltavaaoseulugar,bastantealiviadaporaindaestarnobarco.“Enforquei?Nessecasofoisemquerer”,disseAliceespiandoaáguaescura

sobre a borda do barco cautelosamente. “Espero que não tenha sofridomuito,não gosto de enforcar nada!” Mas a Ovelha só riu com desdém e continuoutricotando.“Hámuitosremosenforcadosaqui?”perguntouAlice.“Remosenforcadosetodotipodecoisas”,disseaOvelha.“Coisasparatodo

gosto,ésódecidir.Diga-me,oquevocêquercomprar?”“Comprar!”Alice repetiunum tomentre espantado e aterrorizado–pois os

remos,obarco,orio,haviamtodosdesaparecidonuminstante,eelaestavadenovonalojinhaescura.“Gostariade comprarumovo,porgentileza”, disse timidamente. “Comoos

vende?”“Cincopenceporum…Doispencepordois”,aOvelharespondeu.“Então dois custam menos que um?” perguntou Alice surpresa, pegando a

bolsa.“Sóque,secomprardois,temdecomê-los”,disseaOvelha.“Nessecasoqueroum, por favor”,disseAlice,pondoodinheironobalcão.

Poispensouconsigomesma:“Osdoisnãodevemsergrandecoisa.”16

AOvelhapegouodinheiroeoguardounumacaixa.Depoisdisse:“Eununcaponhocoisasnasmãosdaspessoas…nãoéconveniente…vocêmesmaterádepegá-lo.”Eassimdizendofoiparaooutrocantoda loja17epôsumovoempé

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numaprateleira.18“Pergunto-meporque seria inconveniente?”pensouAlice,enquanto tentava

sedeslocarporentreasmesasecadeiras,poisofundodalojaeramuitoescuro.“Quantomais ando emdireção ao ovo,mais longe ele parece ficar.Deixe-mever… isto é uma cadeira?Ui! Ela tem galhos, tem sim! Como é estranho terárvorescrescendoaqui!Ede fatoaquiestáumpequeno riacho!Bem,estaéalojamaisesquisitaquejávi!”19

Assimfoiela, espantando-semaisemaisacadapasso,pois todasascoisasviravam árvore tão logo as alcançava, e ela estava certa de que o ovo faria omesmo.

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CAPÍTULO6

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HumptyDumpty

OOVO,PORÉM,FOISÓFICANDOcadavezmaior,ecadavezmaishumano.Quandochegouaalgunsmetrosdele,Aliceviuquetinhaolhos,narizeboca.Equandochegou bem perto, viu claramente que era HUMPTY DUMPTY1 em pessoa. “Nãopodesermaisninguém!”disseparasimesma.“Tenhotantacertezaquantoseeletivesseonomeescritonacara.”Teriasidopossívelescrevê-loumacentenadevezes,facilmente,naquelacara

enorme.HumptyDumpty estava sentado, de pernas cruzadas comoum turco,2em cima de ummuro alto – tão estreito que Alice se perguntou assombradacomoconseguiamanteroequilíbrio3–e,comoelemantinhaosolhos fixosnadireção oposta, não tomando conhecimento dela, pensou que, afinal, devia serumpresunçoso.“Parece um ovo sem tirar nem pôr!” disse alto, com asmãos prontas para

segurá-lopoistemiaquecaísseaqualquermomento.“Émuitoirritante”,HumptyDumptydisseapósumlongosilêncio,semolhar

paraAliceenquantofalava,“serchamadodeovo…muito!”“Disse que parecia um ovo, Sir”, Alice explicou gentilmente. “E há ovos

muitobonitos, sabe”,acrescentou,naesperançade transformarseucomentárionumaespéciedeelogio.“Certas pessoas”, disse Humpty Dumpty, desviando os olhos dela como

sempre,“parecemnãotermaisjuízoqueumbebê!”Alice não soube responder.Aquilo não se parecia nada com uma conversa,

pensou,poiselenuncadizianadaparaela; naverdade, seuúltimocomentáriofoi evidentemente dirigido a uma árvore – assim, ficou quieta e repetiusuavementeparasimesma:4

HumptyDumptynummuroseaboletou,HumptyDumptyládecimadespencou.TodososcavaloseoshomensdoReiaarfar

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Nãoconseguiramdenovoláparacimaoiçar.

“Esteúltimoversoparecelongodemaisparaopoema,”acrescentou,quaseemvozalta,esquecendoqueHumptyDumptyaouviria.“Não fique aí falando sozinha desse jeito”,HumptyDumpty disse, olhando

paraelapelaprimeiravez,“melhormedizerseunomeeatividade.”“MeunomeéAlice,mas…”“Umnomebembobo!”HumptyDumptyainterrompeucomimpaciência.“Oquesignifica?”“Umnomedevesignificaralgumacoisa?”Aliceperguntouambiguamente.“Claro que deve”,HumptyDumpty respondeu comuma risada curta. “Meu

nome significameu formato…aliás umbelo formato.Comumnomecomooseu,vocêpoderiaterpraticamentequalquerformato.”5

“Porque fica sentado aqui sozinho?”disseAlice, nãoquerendo iniciar umadiscussão.“Ora, porque não há ninguém aqui comigo!” exclamou Humpty Dumpty.

“Pensouquenãoteriarespostaparaisso?Pergunteoutra.”“Não acha que ficaria mais seguro no chão?” Alice continuou, não com

qualquerideiadeproporumoutroenigma,masmovidapelasimplesansiedadebenévolaqueaestranhacriaturadespertavanela.“Essemuroétãoestreitinho!”“Que enigmas absurdamente fáceis você propõe!” Humpty Dumpty

resmungou. “Claro que não acho! Se por acaso eu caísse – o que não tem amenor chance de acontecer – mas se eu caísse…” Aqui franziu os lábios epareceu tão solene e majestático que Alice mal pôde conter o riso. “Se eucaísse”,continuou,“oReimeprometeu…ah,podeempalidecer,sequiser!Nãoesperavaqueeufossedizeristo,esperava?OReimeprometeu…dasuaprópriaboca…que…que…”“Mandariatodososseuscavalosetodososseushomens”,Aliceinterrompeu,

demaneiramuitoimprudente.

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“Francamente, isto é horrível!” Humpty Dumpty gritou, lançando-se numafúria repentina.6 “Andou escutando atrás das portas… e atrás da árvores… epelaschaminés…ounãopoderiasaberdisso!”“Nãoandei,verdade!”Alicedissemuitogentilmente.“Estánumlivro.”“Ah, bem!Podemescrever coisas assimnum livro”, disseHumptyDumpty

numtommaiscalmo.“ÉoquevocêschamamumaHistóriadaInglaterra,éisso.Ora,olhebemparamim!SouumdaquelesquefaloucomumRei,eusou:podeserquevocênuncavejaoutro.Eparalhemostrarquenãosouorgulhoso,podeapertaraminhamão!”7Abriuumsorrisoquasedeumaorelhaàoutraenquantoestendiaamão(eporumtriznãocaiudomuroaofazê-lo)eaofereciaaAlice.Ela olhou para ele um pouco aflita enquanto a apertava. “Se abrisse mais osorrisooscantosdasuabocapoderiamseencontraratrás”,pensou,“enessecasonãoseioqueaconteceriacomasuacabeça.Seriacapazdesaltarfora!”“Sim, todos os seus homens e todos os seus cavalos”, Humpty Dumpty

continuou. “Elesme levantariamdenovonumsegundo, levantariam sim!Mas

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estaconversaestáavançandoumpoucodepressademais.Vamosvoltarparasuapenúltimaobservação.”“Temonãopoderlembrarqualfoi”,disseAlice,muitopolidamente.“Nestecaso,vamos recomeçardozero”,disseHumptyDumpty, “eéminha

vez de escolher o assunto…” (“Ele fala exatamente como se fosse um jogo!”pensouAlice.)“Portanto,aquiestáumaperguntaparavocê.Quantosanosdissequetinha?”Alicefezumrápidocálculoerespondeu:“Seteanoseseismeses.”“Errado!” Humpty Dumpty exclamou, triunfante. “Você nunca disse tais

palavras!”“Penseiquequeriadizer‘Quantoanosvocêtem?’”Aliceexplicou.“Setivessequeridodizerisso,teriaditoisso”,disseHumptyDumpty.Nãoquerendocomeçaroutradiscussão,Alicenãodissenada.“Sete anos e seismeses!” HumptyDumpty repetiu, pensativo. “Uma idade

muito incômoda. Se tivesse pedido omeu conselho, eu teria dito: ‘pare nossete’…masagoraétarde.”“Nuncapeçoconselhosobrecrescimento”,Alicedisseindignada.“Orgulhosademais?”ooutroperguntou.Essa sugestão deixou Alice ainda mais indignada. “Quero dizer que uma

pessoanãopodeevitarficarmaisvelha.”“Uma não pode, talvez”, disseHumptyDumpty, “masduas podem.Com a

devidaassistência,vocêteriapodidopararemsete.”8

“Quecintobonitooseu!”Aliceobservouderepente.(Játinhamfaladomaisqueobastantesobreidade,elapensou;eserealmenteiamrevezarnaescolhadeassuntos, agora era a suavez.) “Pelomenos”, corrigiu-se, apóspensarmelhor,“umabelagravata, eudevia ter dito…não,umcinto…querodizer…perdoe-me!” acrescentou assustadíssima, pois HumptyDumpty parecia extremamenteofendidoeelacomeçouadesejarnãoterescolhidoaqueleassunto.“Seeupelomenossoubesse”,pensouconsigo,“oqueépescoçoeoqueécintura!”Era evidentequeHumptyDumptyestavamuito zangado, emboranão tenha

ditonadaporumminutooudois.Quandofaloudenovo,foinumrosnadorouco.“É uma…coisa extremamente…irritante”, disse por fim, “que uma pessoa

nãosaibadistinguirumagravatadeumcinto!”“Sei que émuita ignorânciaminha”, disseAlice, num tom tãohumildeque

HumptyDumptyabrandou.“Éumagravata,criança,eumabelagravata,comovocêdiz.Foiumpresente

doReiedaRainhaBrancos.Quemedizagora?”“Foimesmo?”perguntouAlice,muitocontenteaoverquetinhaescolhidoum

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bomassuntoafinaldecontas.“Deram-me a gravata”, Humpty Dumpty continuou, pensativo, enquanto

cruzava os joelhos e punha as mãos em volta deles, “deram-me… como umpresentededesaniversário.”“Perdão?”Aliceperguntou,perplexa.“Nãoestouofendido”,disseHumptyDumpty.“Querodizer,oqueéumpresentededesaniversário?”“Umpresentedadoquandonãoéseuaniversário,éclaro.”Alice refletiuumpouco.“Gostomaisdepresentesdeaniversário”,declarou

finalmente.“Nãosabedoqueestáfalando!”exclamouHumptyDumpty.“Quantosdiashá

noano?”“Trezentosesessentaecinco”,disseAlice.“Equantosaniversáriosvocêfaz?”“Um.”“Esediminuiumdetrezentosesessentaecinco,restaquanto?”“Trezentosesessentaequatro,claro.”HumptyDumptypareceuduvidar.“Prefeririaveressacontanopapel”,disse.9Alicenãopôdeconterumsorrisoenquantopegavasuacadernetaearmavaa

subtraçãoparaele.

HumptyDumptypegouacadernetaeexaminou-aatentamente.“Pareceestarcorreto…”começou.“Estásegurandodecabeçaparabaixo!”Aliceinterrompeu.“Claro que estava!” Humpty Dumpty disse jovialmente, enquanto ela a

desviravaparaele.“Pareceu-meumpoucoestranho.Comoeuiadizendo,pareceestar correto – embora eu não tenha tido tempo de examiná-la a fundo nesteinstante–e issomostraquehá trezentosesessentaequatrodiasemquevocêpoderiaganharpresentesdedesaniversário…”“Semdúvida”,disseAlice.“Esóumparaganharpresentesdeaniversário,vê?Éaglóriaparavocê!”“Nãoseioquequerdizercom‘glória’”,disseAlice.HumptyDumpty sorriu, desdenhoso. “Claro que não sabe… até que eu lhe

diga.Querodizer‘éumbeloedemolidorargumentoparavocê!’”10

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“Mas‘glória’nãosignifica‘umbeloedemolidorargumento’”,Aliceobjetou.“Quando eu uso uma palavra”, disse Humpty Dumpty num tom bastante

desdenhoso, “ela significa exatamente o que quero que signifique: nem maisnemmenos.”“A questão é”, disse Alice, “se pode fazer as palavras significarem tantas

coisasdiferentes.”11

“Aquestão”,disseHumptyDumpty,“ésaberquemvaimandar–sóisto.”12

Aliceestavaperturbadademaisparadizeroquequerquefosse,demodoque,apósumminuto,HumptyDumptyrecomeçou.“Sãotemperamentais,algumas…em particular os verbos, são os mais orgulhosos… com os adjetivos pode-sefazerqualquercoisa,masnãocomosverbos…contudo,seimanobrarobandotodo!Impenetrabilidade!Éoqueeudigo!”“Poderiamedizer,porfavor”,disseAlice,“oqueissosignifica?”“Agora está falando como uma criança sensata”, disse Humpty Dumpty,

parecendo muito satisfeito. “Quero dizer com ‘impenetrabilidade’ que já nosfartamos deste assunto e que seria muito bom se você mencionasse o quepretendefazeremseguida,jáquepresumoquenãopretendeficaraquipelorestodasuavida.”“Éumbocadoparafazerumapalavrasignificar”,disseAlice,pensativa.“Quando faço uma palavra trabalhar tanto assim”, disse Humpty Dumpty,

“semprelhepagoumadicional.”“Oh!” disse Alice. Estava perplexa demais para fazer qualquer outra

observação.“Ah,precisavavê-lasvindomevisitarnumsábadoànoite”,HumptyDumpty

continuou, balançando a cabeça gravemente de um lado para outro, “parareceberseussalários,sabe?”(Alicenãoseatreveuaperguntarcomqueaspagava;porisso,comovê,não

posso lhe contar.) “Parecemuito habilidoso para explicar palavras, Sir”, disseAlice. “Faria a gentileza de me dizer o significado do poema chamado‘Pargarávio’?”“Vamos ouvi-lo”, disse Humpty Dumpty. “Posso explicar todos os poemas

quejáforaminventados–emuitosqueaindanãooforam.”Comoissosoavamuitoauspicioso,Alicerepetiuaprimeiraestrofe:

Solumbrava,eoslubriciosostouvosEmvertigirospersondavamasverdentes;Trisciturnoscalavam-seosgaiolouvos

Eosporverdidosestriguilavamfientes.

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“Issobastaparacomeçar”,HumptyDumptyinterrompeu-a,“háumbocadodepalavrasdifíceisaí.‘Solumbrava’querdizerqueatardecaía:éaquelahoraemqueosolvaibaixandoeassombrassealongam.”“Istoexplicadireitinho”,disseAlice.“Elubriciosos?”“Bem, ‘lubriciosos’ significa lúbricos que é o mesmo que escorregadios, e

operosos, ágeis. Entende, é uma palavra-valise… há dois sentidos embaladosnumapalavrasó.”13

“Agoraentendo”,Alicecomentoupensativa;“equesão‘touvos’?”“Bem,os‘touvos’sãoumtantoparecidoscomostexugos…têmumpoucode

lagartos…elembrammuitoumsaca-rolha.”“Devemsercriaturasdeaspectomuitoestranho.”“Esão”,disseHumptyDumpty,“alémdisso,fazemseusninhossobrelógios

desol…ah,esealimentamdequeijo.”“Equeé‘vertigiros’e‘persondavam’?”“‘Vertigiro’éogirovertiginosamenterápidodeumaverruma.‘Persondar’é

perfurarperscrutando.”“E‘verdentes’sãooscanteirosdegramaemvoltadeumrelógiodesol,não

é?”disseAlice,surpresacomaprópriasagacidade.“Mas é claro. Chamam-se assim porque ali os gafanhotos cortam a verde

grama…”“Comosdentes”,Aliceacrescentou.

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“Exatamente. Depois, ‘trisciturno’ é triste, taciturno e noturnal (mais umapalavra-valise para você). E ‘gaiolouvo’ é uma ave magricela de aspectoandrajosocomaspenasespetadaspara todo lado…lembramuitoumesfregãovivo.”“Eos‘porverdidos’?perguntouAlice.“Receioestarlhedandoumtrabalhão.”“Bem,‘porverdidos’sãoporcosverdesqueperderamocaminhodecasa.”“Equesignifica‘estriguilavam’?”“Ora, ‘estriguilar ’ é algo entre estridular, guinchar, cricrilar, estrilar e

assobiar,comumaespéciedeespirronomeio–masvocêteráoportunidadedeouvirisso,talvez…lánobosquedistante…equandotiverouvidoumavezvaificarcompletamentesatisfeita.Quemandourecitandoestacoisacomplicadaparavocê?”“Linumlivro”,disseAlice.“Masandaramrecitandoparamimumpoucode

poesia,bemmaisfácilqueesta…foioTweedledee,acho.”“Porfalarempoesia,sabe”,disseHumptyDumpty,estendendoumadesuas

grandesmãos,“possorecitarpoesiamelhorqueninguém…”“Oh!Nãotenhoamenordúvida!”Alicedissemaisquedepressa,naesperança

dedetê-lo.“Apeçaquevourecitar”,elecontinuousemnotarestaúltimaobservação,“foi

inteiramenteescritaparaseudivertimento.”Achandoque,nessecaso,deviarealmenteouvi-la,Alicesesentouedisseum

“Obrigada”desconsolado.

Noinverno,quandotudoéalvocomoleite,Cantoestacançãosóparaoseudeleite…14

“Sóquenãoestoucantando”,acrescentou,àguisadeexplicação.“Estouvendo”,disseAlice.“Seconsegueverseestoucantandoounão,temolhosmaispenetrantesquea

maioria das pessoas”, Humpty Dumpty observou severamente. Alice ficoucalada.

Naprimavera,quandoosbosquesverdejam,Tentareilhedizeroqueestesversosensejam.

“Muitoobrigada”,disseAlice.Noverão,quandoétãolongoodia,Talvezvocêentendaestamelodia;

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Nooutono,estandoasfolhasatombar,Tratedetudoistonopapelregistrar.

“Vouregistrar,seconseguirmelembraratélá”,disseAlice.“Não precisa ficar fazendo comentários desse tipo”, disseHumptyDumpty,

“nãotêmcabimentoemeconfundem.”

Umamensagemaospeixesfizchegar;Expressando-lhesmeudesejar.

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EospeixinhosdomarArespostamederamsemtardar

Eraistoquetinhamadizer:“Istonãopodemos,Sir,porque…”

“Achoquenãoestouentendendomuitobem”,disseAlice.“Depoisficamaisfácil”,HumptyDumptyrespondeu.

Denovomandeilhesdizer:“Quetratassemdeobedecer.”

Arespostachegou,insolente:“Oravejam!Quegêniomaisquente!”

Disselhesuma,disselheduasvezesMasempacaramcomorezes.

EntãoumachaleiranovapegueiPrópriaparaumfimqueengenhei.

MeucoraçãopelabocaquissairQuandoachaleiraatéabordaenchi.

Alguémentãomedisse,sorrindo:“Psss!Ospeixinhosestãodormindo!”

Respondialto,sempestanejar:“Ahé?Poistratedeosacordar.”

Faleibemclaro,comvozdetrovão,Eeleficouali,comopregadonochão.

HumptyDumptyelevouavozquasenumberroenquantorecitavaestaestrofe,eAlicepensoucomumarrepio:“Eunãoteriasidoomensageiropornadanestemundo!”

Depois,emproadoeatrevido,Exclamou:“Nãomearrebenteoouvido!”15

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Tãopetulanteeleera,quedisse:“Certo,vouacordá-los,se…”Numsaca-rolhaentãopasseiamãoEfuieumesmoacordá-loscomdecisão.

Encontreiporémaportatrancada,Gireiamaçaneta,masnada…16

Fez-seumalongapausa.“Acabou?”Aliceperguntoutimidamente.“Acabou”,disseHumptyDumpty.“Atélogo.”Aquilo eramuito brusco, Alice pensou;mas depois de uma insinuação tão

fortedequedeviairemborasentiuquenãoseriapolidoficar.Assim,levantou-seeestendeuamão.“Adeus,atéapróxima!”dissenotommaisjovialquepôde.“Eu não a reconheceria se nós nos encontrássemos”, Humpty Dumpty

respondeu num tom desgostoso, dando-lhe um de seus dedos para apertar:17“vocêétãoexatamenteigualàsoutraspessoas.”“Emgeraléorostoqueconta”,Aliceobservou,pensativa.“Éjustamentedoquemequeixo”,disseHumptyDumpty.“Seurostoéigual

aodetodomundo…osdoisolhos,tão…”(marcandoolugardelesnoarcomo

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polegar)“nariznomeio,bocaembaixo.Ésempreamesmacoisa.Agora,sevocêtivesse os dois olhos do mesmo lado do nariz, por exemplo… ou a boca noalto…issoseriadealgumaajuda.”“Nãoficariabonito”,Aliceobjetou.MasHumptyDumptysófechouosolhos

edisse:“Espereatéexperimentar.”Aliceesperouumminutoparaverseelefalariadenovo,mascomonãovoltou

a abrir os olhos nem tomou omenor conhecimento dela, disse “Adeus”maisuma vez e, não obtendo nenhuma resposta, foi-se em silêncio.Mas não pôdedeixardedizerparasimesmaaopartir:“Detodasaspessoasinsatisfatórias…”(repetiuistoalto,poiseraumgrandeconsoloterumapalavratãocompridaparadizer)“detodasaspessoasinsatisfatóriasquejáencontrei…”Nuncaterminouafrase,porquenessemomentoumenormeestrondosacudiuobosquedepontaaponta.18

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CAPÍTULO7

OLeãoeoUnicórnio

UM INSTANTE DEPOIS surgiram soldados correndo pelo bosque, de início empares,ouemtrês,depoisembandosdedezouvinte,eporfimemmassas tãograndes que pareciam encher toda a floresta. Alice se escondeu atrás de umaárvore,commedodeserpisoteada,eficouvendo-ospassar.Pensou que em toda a sua vida nunca tinha visto soldados tão trôpegos:

tropeçavamotempotodoemumacoisaououtra,esemprequeumcaíaváriosoutros caíam sobre ele, de tal modo que o chão logo ficou coberto commontinhosdehomens.Depois vieram os cavalos. Com quatro patas, saíam-se bemmelhor que os

soldados;masatéelestropeçavamvezporoutra;epareciasernormageralque,sempre que um cavalo tropeçava, o cavaleiro caía imediatamente.A confusãopiorava a cada momento, e Alice ficou feliz de sair do bosque para umdescampado, onde encontrou o Rei Branco sentado no chão tomando notasatarefadamenteemseublocodeanotações.“Mandei-os todos!” o Rei exclamou deliciado, ao ver Alice. “Por acaso

encontrousoldados,minhacara,aopassarpelobosque?”“Encontrei”,disseAlice,“váriosmilhares,eudiria.”“Quatromil duzentos e sete, é o número exato”, disse oRei consultando o

bloco. “Não pude mandar todos os cavalos, sabe, porque dois deles sãonecessários para o jogo.1 Também não mandei os dois Mensageiros. Foramambosàcidade.Dêumaolhadanaestrada,ediga-mesepodeveralgumdeles.”“Ninguémàvista”,disseAlice.“Só queria ter olhos como esses”, observou o Rei num tom irritado. “Ser

capaz de ver Ninguém!2 E à distância! Ora, o máximo que eu consigo é verpessoasreais,comestaluz!”

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Alice não ouviu nada disto, absorta que ainda estava em olhar a estrada,protegendoosolhoscomumadasmãos.“Estouvendoalguémagora!”exclamoufinalmente.“Masvemmuitodevagar…equemaneirascuriosas tem!” (PoisoMensageiro saltitava e se retorcia como uma enguia o tempo todo enquantoavançava,comsuasgrandesmãosabertascomolequesdecadalado.)“Emabsoluto”,disseoRei.“ÉumMensageiroAnglo-Saxão…eessassãoas

maneiras anglo-saxãs.3 Só as exibe quando está feliz. Seu nome é Haigha.”(Pronunciou-odemodoarimarcom“mayor”.)4“Amo meu amor com um h,”5 Alice não resistiu a começar, “porque é

Habilidoso.Detesto-ocomumhporqueéHorroroso.Alimento-ocom…com…HadoquecompãoeHortaliças.SeunomeéHaigha,eelemora…”“MoranaHospedaria”,observouoreiingenuamente,semamínimaideiade

queestavaentrandonojogo,quandoAliceaindahesitavaentrenomesdecidadecomeçandocomh.“Ooutromensageirochama-seHatta.Precisoterdois…paravireir.Umparavireumparair.”“Perdão?”disseAlice.

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“Nãoháoqueperdoar”,disseoRei.“Sóquisdizerquenãotinhaentendido”,disseAlice.“Porqueumparavire

outroparair?”“Nãolhedisse?”oReirepetiu, impaciente.“Tenhodeterdois:paratrazere

levar.Umparatrazereumparalevar.”Nessemomento oMensageiro chegou; estava esbaforido demais para dizer

qualquercoisa,esóconseguiaacenarasmãosefazerasmaispavorosascaretasparaopobreRei.“Esta senhorita o ama com um h”, o Rei disse, apresentando Alice na

esperança de desviar de si a atenção doMensageiro –mas não adiantou…asmaneiras anglo-saxãs só ficavam ainda mais estrambóticas a cada momento,enquantoosgrandesolhosrolavamfreneticamentedeumladoparaoutro.“Está me assustando!” disse o Rei. “Acho que vou desmaiar… dê-me um

hadoque!”

Ante o que o Mensageiro, para grande divertimento de Alice, abriu umasacola que trazia enrolada no pescoço e entregou um hadoque ao Rei, que odevorousofregamente.“Maisumhadoque!”“Agora só sobraramhortaliças”, disse oMensageiro, espiando pela boca da

sacola.“Hortaliças,então”,oReimurmurounumdébilsussurro.Aliceficousatisfeitíssimaaoverqueaquiloorevigoravamuito.“Nãohánada

como comer hortaliças quando se está desfalecendo”, ele observou para ela,

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enquantomascava.“Diriaquelhejogarumpoucodeáguafriaseriamelhor”,Alicesugeriu,“ou

sais.”“Nãodissequenãohavianadamelhor“,oReirespondeu.“Dissequenãohá

nadacomoisso.”OqueAlicenãoseaventurouanegar.6“Por quem passou na estrada?” continuou o Rei, esticando a mão para o

Mensageiroapedirmaishortaliças.“Ninguém”,disseoMensageiro.“Correto”, disse o Rei, “esta senhorita o viu também. Nesse caso,

evidentementeNinguémandamaisdevagarquevocê.”“Façooqueposso”,oMensageirorespondeu,aborrecido.“Tenhocertezade

queninguémandamuitomaisdepressadoqueeu!”“Nãopode andar”, disseoRei, “ou teria chegadoaquiprimeiro.Mas agora

vocêjárecobrouofôlego,podenoscontaroqueaconteceunacidade.”“Voucochichar”,disseoMensageiro,pondoasmãosemconchasobreaboca

e curvando-sedemodo a se aproximardoouvidodoRei.Alice ficou sentida,pois queria ouvir as notícias também. Contudo, em vez de sussurrar, elesimplesmentegritouaplenospulmões:“Começaramdenovo!”“Chama isso de cochichar?” exclamou o pobre Rei, dando um pulo e

estremecendo. “Se fizer tal coisa de novo, voumandar amanteigá-lo! Abalouminhacabeçainteiracomoumterremoto!”“Deve ter sido um terremoto bem pequenininho!” pensou Alice. “Quem

começoudenovo?”arriscou-seaperguntar.“Ora,oLeãoeoUnicórnio,éclaro”,disseoRei.“Lutandopelacoroa?”“Semdúvida”,disseoRei;“eomelhordapiadaéqueésemprepelaminha

coroa!Vamoscorreraté láparavê-los.”E láse foram,Alice repetindoparasimesma,enquantocorria,aspalavrasdavelhacanção:7

OLeãoeoUnicórniopelarealcoroapelejaram:Deramumbeloespetáculoparatodosqueassistiram.Compãobranco,pretoebolodepassasosregalaram.Atéque,cansados,atoquedetamborosexpulsaram.

“Aquele…que…vence… fica com a coroa?” ela perguntou, omelhor quepôde,poisacorridaaestavadeixandocompletamentesemfôlego.8“Ócéus,não!”exclamouoRei.“Queideia!”9

“VossaMajestadeseimportariadepararumminuto…sópara…recobrarmos

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umpoucoofôlego?”“Nãomeimportarianada”,disseoRei,“sónãotenhoforçaparatanto.Veja, umminuto passa tão terrivelmente rápido. Seria o mesmo que tentar

pararumCapturandam!”ComoAlicejánãotinhafôlegoparafalar,seguiramcorrendoemsilêncio,até

que avistaram uma grande multidão, no meio da qual o Leão e o Unicórnioestavam lutando. Estavam envoltos por tal nuvem de poeira que, a princípio,Alice não pôde distinguir qual era qual: mas logo conseguiu identificar oUnicórnio,pelochifre.Puseram-sepertodeHatta,ooutroMensageiro,queestavadepéassistindoà

lutacomumaxícaradechánumadasmãoseopedaçodepãocommanteiganaoutra.“Ele acabou de sair da prisão e não tinha terminado seu chá quando o

chamaram”, Haigha cochichou para Alice. “E lá eles só lhes dão conchas deostras… por isso sentemmuita fome e sede. Como vai você, meu querido?”continuou,abraçandoafetuosamenteopescoçodeHatta.Hatta olhou em volta, assentiu com a cabeça, e voltou ao seu pão com

manteiga.“Sentia-sefeliznaprisão,meuquerido?”perguntouHaigha.

Hattaolhouemvoltadenovo,edessavezumalágrimaouduaslherolarampelasfaces;masnãodisseumapalavra.“Fale, não pode?” Haigha gritou, impaciente. Mas Hatta só continuou

mastigandoetomoumaisumpoucodechá.

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“Fale,vamos!”gritouoRei.“Comoelesestãosesaindonaluta?”Hatta fez um esforço desesperado e engoliu umgrande pedaço de pão com

manteiga.“Estãosesaindomuitobem”,dissenumavozengasgada.“Cadaumfoiderrubadocercade87vezes.”“Então,suponhoquelogovãotrazeropãobrancoeopreto?”Aliceseatreveu

aobservar.“O pão está à espera deles agora”, disse Hatta. “É um pedacinho dele que

estoucomendo.”Exatamentenessemomentohouveumapausanaluta,eoLeãoeoUnicórnio

sentaram-se, arfando, enquanto o Rei proclamava “Dez minutos para amerenda!” Haigha e Hatta puseram mãos à obra imediatamente, trazendobandejas redondas cheias de pão branco e preto.Alice pegou umpedaço paraexperimentar,maseramuitoseco.“Achoquenãovãolutarmaishoje”,oReidisseaHatta.“Váemandequeos

tamborescomecem.”ElásefoiHatta,saltitandocomoumgafanhoto.Por um minuto ou dois, Alice ficou calada, observando-o. De repente,

iluminou-se:“Vejam,vejam!”exclamou,apontandoanimada:“LávaiaRainhaBranca, correndo pelos campos!10 Veio voando daquele bosque…Como essasRainhascorremrápido!”“Há algum inimigo em seu encalço, certamente”, disse o Rei, sem nem

mesmoolharemvolta.“Essebosqueestácheiodeles.”“Masnãovai correr para ajudá-la?”Alice perguntou,muito surpresa coma

calmaquemantinha.“É inútil, inútil!” disse o Rei. “Ela corre terrivelmente depressa. Seria o

mesmoquetentaragarrarumCapturandam!Masvoufazerumaanotaçãosobreela,sevocêquiser…Éumaboaequeridapessoa”,repetiusuavementeparasimesmo, enquanto abria seu bloco de anotações. “‘Pessoa’ se escreve comcedilha?”Nesse momento o Unicórnio passou perambulando por eles, as mãos nos

bolsos.“Leveiamelhordestavez?”perguntoueleaoRei, lançando-lhesóumolharderelance.“Umpouco…umpouco”,oReirespondeu,bastantenervoso.“Masnãodevia

tê-loatravessadocomseuchifre.”“Nãoomachucou”,disseoUnicórnio,negligentemente,eestavaseafastando

quandodeucomosolhosemAlice: fezmeia-voltanomesmo instantee ficouolhandoparaelaumlongotempo,aparentandoomaisprofundodesagrado.“Oque…é…isso?”dissefinalmente.“Istoéumacriança!”Haigharespondeuanimadamente,passandoàfrentede

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Aliceparaapresentá-laeesticandoasduasmãosbemabertasemdireçãoaelacom suas maneiras anglo-saxãs. “Nós só a encontramos hoje: tamanho real eduasvezesmaisnatural.”11

“Sempre achei que elas eram monstros fabulosos!” disse o Unicórnio. “Éviva?”“Sabefalar”,disseHaigha,solenemente.OUnicórniolançouparaAliceumolharsonhadoredisse:“Fale,criança.”Alicenãoconseguiuconterumsorrisoaocomeçar:“Sabe,semprepenseique

osUnicórnioserammonstrosfabulosostambém!Nuncaviumvivoantes.”“Bem,agoraquenosvimosumaooutro”,disseoUnicórnio,“seacreditarem

mim,vouacreditaremvocê.Feito?”

“Feito,selheagrada”,disseAlice.“Vamos, vá buscar o bolo de passas, meu velho!” continuou o Unicórnio,

voltando-separaoRei.“Nãomevenhacompãopreto!”“Certamente…certamente!”murmurouoRei,eacenouparaHaigha.“Abraa

sacola!”sussurrou.“Rápido!Essanão…estácheiadehúmus.”HaighatirouumgrandebolodedentrodosacoeodeuaAliceparasegurar,

enquanto tirava umprato e uma faca de trinchar.Como tudo aquilo pôde sairdali,Alicenãotinhaamenorideia.Eraumespéciedemágica,pensou.Nesse meio tempo, o Leão se juntara a eles: parecia muito cansado e

sonolento, e tinha os olhos semicerrados. “O que é isso?” disse, lançando umolhar preguiçoso para Alice e falando num tom cavernoso que soava como obadalardeumgrandesino.12“Ah, e então?O que é isso?” oUnicórnio exclamou, animado. “Nunca vai

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adivinhar!Eunãoconsegui.”OLeãoolhouparaAliceenfadado.“Vocêéanimal…vegetal…oumineral?”13

disse,bocejandoentreumapalavraeoutra.“É um monstro fabuloso!” o Unicórnio gritou, antes que Alice pudesse

responder.“Entãosirvaobolodepassas,Monstro”,disseoLeão,deitando-seepousando

oqueixosobreaspatas.“Esentem-se,vocêsdois!”(paraoReieoUnicórnio).“Jogolimpocomobolo,vejalá!”ORei estavaevidentementebastante constrangidopor terde se sentar entre

aquelasduascriaturas,masnãohaviaoutrolugarparaele.“Que luta poderíamos ter pela coroa agora!” disse o Unicórnio, olhando

dissimuladamente para a coroa, que o pobre Rei, de tanto que tremia, estavaprestesaarremessarforadacabeça.“Euvenceriafacilmente”,disseoLeão.“Nãoestoutãocertodisso”,disseoUnicórnio.“Ora,euobatipelacidade inteira,seufrangote!”oLeãorespondeufurioso,

quaseseerguendoaofalar.Nessa altura o Rei os interrompeu, para impedir que a briga fosse adiante;

estavamuito nervoso e sua voz tremia: “Por toda a cidade?” disse. “Émuitochão.Passarampelapontevelha,oupelomercado?Amelhorvista é aque setemdapontevelha.”“Nãotenhoideia”,rosnouoLeão,deitando-sedenovo.“Haviapoeirademais

paraseverqualquercoisa.MasquantotempoesseMonstrolevaparacortaressebolo!”Alice se sentara à margem de um riachinho, com o grande prato sobre os

joelhos,eserravadiligentementecomafaca.“Issoémuitoirritante!”disse,emrespostaaoLeão(estavaficandoperfeitamenteacostumadaaserchamadade“oMonstro”).“Jácorteiváriasfatias,maselassempresejuntamdenovo!”“VocênãosabelidarcombolosdoEspelho”,observouoUnicórnio.“Primeiro

sirva-oedepoiscorte-o.”Parecia absurdo, mas Alice levantou-se muito obedientemente e passou o

pratopelaroda,equandoofezobolosedividiuasimesmoemtrêspedaços.“Agoracorte-o”,disseoLeãoquandoelavoltouparaoseu lugarcomopratovazio.“Issonãofoijusto!”gritouoUnicórnioquandoAlicesesentavacomafacana

mão,muitoembaraçadaquantoàmaneiradecomeçar.“OMonstrodeuparaoLeãoduasvezesmaisdoqueparamim!”14

“De qualquer maneira, não guardou nada para si mesma”, disse o Leão.

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“Gostadebolodepassas,Monstro?”MasantesqueAlicepudesseresponder-lhe,ostamborescomeçaram.

De onde vinha o barulho, ela não conseguia distinguir: o ar parecia repletodele, e ressoava em toda a sua cabeça até deixá-la completamente surda.Aterrorizada,levantou-sedeumpuloesaltouoriachinho,15

esótevetempodeveroLeãoeoUnicórnioselevantarem,parecendofuriososporteremseubanqueteinterrompido,antesdecairdejoelhosetaparosouvidoscomasmãos,tentandoemvãocalaramedonhabarulheira.“Se esse ‘toque de tambor’ não os expulsar da cidade”, pensou consigo

mesma,“nadaofará!”

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CAPÍTULO8

“Éumainvençãominha”

APÓSCERTOTEMPOobarulhopareceudesaparecerpoucoapouco,atéquetudomergulhou em profundo silêncio, e Alice levantou a cabeça, um poucoassustada.NãohavianinguémàvistaeseuprimeiropensamentofoiquedeviaterestadosonhandocomoLeãoeoUnicórnioeaquelesesquisitosMensageirosAnglo-Saxões.Noentanto,oenormepratoemquehaviatentadocortarobolodepassasaindaestavaaseuspés.“Entãoeunãoestavasonhando,afinaldecontas”,dissepara simesma, “amenos…amenosque sejamos todospartedomesmosonho.Sóesperoqueosonhosejameu,enãodoReiVermelho!Nãogostodepertencer ao sonho de outra pessoa”, continuou, num tom bastante queixoso.“Sintoumaenormevontadedeiracordá-loeveroqueacontece!”Nesse instante seus pensamentos foram interrompidos por um grito alto de

“Olá!Olá!Xeque!” e umCavaleiro envergandouma armadura carmesimveiogalopandonadireçãodela,brandindoumagrandeclava.Assimqueaalcançou,1o cavalo parou de repente. “Você é minha prisioneira!” o Cavaleiro gritou,enquantocaíadocavalo.Espantada como estava, Alice ficou commaismedo por ele do que por si

própria naquele instante, e observou-o comcerta aflição enquantomontavadenovo.Assimquese instalouconfortavelmentenasela,elerecomeçou:“Vocêéminha…”masnessemomentoumaoutravozsefezouvir.“Olá!Olá!Xeque!”eAliceolhouemvoltaumtantosurpresa,àprocuradonovoinimigo.DestavezeraoCavaleiroBranco.2Parouao ladodeAlice,ecaiudocavalo

exatamentecomooCavaleiroVermelhofizera;emseguidaselevantoueosdoisCavaleirosficaramseolhandoporalgumtemposemfalar.Aliceolhavadeumparaoutro,umtantoatordoada.“Elaéminhaprisioneira,saiba!”disseporfimoCavaleiroVermelho.“Certo,masnessecaso,euvimeresgatei-a!”respondeuoCavaleiroBranco.

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“Bem,entãotemosdelutarporela”,disseoCavaleiroVermelho,pegandooelmo (que estava pendurado na sela e cuja forma lembrava a cabeça de umcavalo)eenfiando-onacabeça.“Vai respeitar as Regras de Batalha, não?” observou o Cavaleiro Branco,

pondoseuelmotambém.“Semprerespeito”,disseoCavaleiroVermelho,ecomeçaramasebatercom

talfúriaqueAlicefoiparatrásdeumaárvoreparaescapardosgolpes.“OqueeuqueriasaberagoraéquaissãoasRegrasdeBatalha”,disseparasi

mesma enquanto observava a luta, espiando timidamente do seu esconderijo.“UmaRegrapareceserque,seumCavaleiroatingeooutro,eleoderrubadoseucavalo,e,seerraogolpe,elemesmocai…eoutraRegrapareceserqueseguramas clavas com os braços, como se fossem marionetes…3 Que barulho fazemquandocaem!Parecequetodososatiçadoresestãocaindodeumavezsobreoguarda-fogo!Ecomooscavalossãomansos!Deixamquemontemedesmontemcomosefossemmesas!”

Outra Regra de Batalha, que Alice não percebera, parecia ser que semprecaíamdecabeça,eabatalhaterminoucomamboscaindodessamaneira,ladoalado. Quando se levantaram, apertaram-se as mãos e em seguida o CavaleiroVermelhomontouepartiuagalope.“Foi uma vitória gloriosa, não?” disse o CavaleiroBranco, aproximando-se

ofegante.

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“Não sei”, disse Alice, hesitante. “Não quero ser prisioneira de ninguém.QueroserumaRainha.”“Eserá,quandotivertranspostoopróximoriacho”,disseoCavaleiroBranco.

“Voulevá-laemsegurançaatéaorladobosque…edepoistenhodevoltar.Éofimdomeumovimento.”“Muito obrigada”, disse Alice. “Posso ajudá-lo a tirar o elmo?”

Evidentemente aquilo era demais para ele fazer sozinho; mas finalmente elaconseguiulivrá-lodoapetrecho.“Assim fica mais fácil respirar”, disse o Cavaleiro, jogando seu cabelo

desgrenhado para trás com as duas mãos e voltando para Alice seu rostobondoso e seusolhosgrandes emeigos.Elapensouquenunca tinhavistoumsoldadotãoestranhoemtodaasuavida.4Ele vestia uma armadura de lata, que parecia lhe servirmuitomal, e trazia

presa entre os ombros uma caixinha de pinho de formato esquisito, de cabeçapara baixo e com a tampa pendendo, aberta. Alice olhou-a com grandecuriosidade.“Vejo que está admirando minha caixinha”, disse o Cavaleiro em tom

amistoso. “É uma invençãominha…para guardar roupas e sanduíches.Comovê,carrego-adecabeçaparabaixo,assimnãoentrachuva.”“Masascoisaspodemsair”,Aliceobservougentilmente.“Sabequeatampa

estáaberta?”“Nãosabia”,disseoCavaleiro,oaborrecimentolheanuviandoorosto.“Nesse

caso,todasascoisasdevemtercaído.Eacaixaéinútilsemelas.”Desprendeu-aenquantofalavaeestavaprestesajogá-laentreasmoitasquando,parecendotersido assaltado por uma súbita ideia, pendurou-a cuidadosamente numa árvore.“Consegueadivinharporquefizisso?”perguntouaAlice.Elasacudiuacabeça.“Naesperançadeque abelhaspossam fazer sua colmeia aí…nesse caso eu

teriaomel.”“Masosenhorjátemumacolmeia…oucoisaparecida…penduradanasela”,

disseAlice.“É verdade, é uma ótima colmeia”, disse oCavaleiro num tom desgostoso,

“damelhorqualidade.Masatéagoranemumaúnicaabelhachegoupertodela.Eaoutracoisaéumaratoeira.Suponhoqueos ratosafugentamasabelhas…ousãoasabelhasqueafugentamosratos,nãoseiqualdosdois.”“Eu estava pensando para que servia a ratoeira”, disseAlice. “Não émuito

provávelapareceralgumratonodorsodeumcavalo.”“Nãomuitoprovável,talvez”,disseoCavaleiro;“mas,seaparecerem,prefiro

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quenãofiquemcorrendoparatodolado.”“Sabe”,continuou,apósumapausa,“omelhoréestarpreparadoparatudo.É

porissoqueocavalotemtodosessesgrilhõesemvoltadaspatas.”“Masparaqueservem?”Aliceperguntoucomgrandecuriosidade.“Paraprotegercontramordidasdetubarões”,5oCavaleirorespondeu.“Éuma

invenção minha. E agora ajude-me a montar. Vou com você até o fim dobosque…Paraqueéoprato?”“Eraparaumbolodepassas”,respondeuAlice.“Melhorlevá-loconosco”,disseoCavaleiro.“Viráacalharseencontrarmos

algumbolodepassas.Ajude-meametê-lonestesaco.”Essaoperaçãoexigiuumlongotempo,emboraAlicesegurasseosacoaberto

commuitocuidado,talfoiaatrapalhaçãodoCavaleiroparaenfiarneleoprato:nasprimeirasduasoutrêsvezesemquetentou,eleprópriocaiunosaco.“Ficoubastanteapertado,comovê”,eledissequandofinalmenteconseguiramcolocaropratodentro.“Háumaquantidadetãograndedecastiçaisnosaco.”Ependurou-onasela,quejáestavacarregadacommolhosdecenouras,atiçadoresemuitasoutrascoisas.6“Esperoqueseucabeloestejamuitobempreso”,elecontinuouaopartirem.“Apenascomoousosempre”,Alicedisse,sorrindo.“Isso não vai ser suficiente”, ele disse, aflito. “Sabe, o vento émuito forte

aqui.Éfortecomosopa.”“Inventoualgumtruqueparaimpedirocabelodeesvoaçar?”Aliceperguntou.“Ainda não”, disse o Cavaleiro. “Mas tenho um truque para impedir que

caia.”“Gostariadeouvi-lo,muitomesmo.”“Primeiro você pega uma vara reta”, disse o Cavaleiro. “Depois faz o seu

cabelo ir trepando por ela acima, como uma árvore frutífera. Ora, os cabeloscaem porque estão pendurados para baixo… as coisas nunca caem para cima,sabe?Ométodoéumainvençãominha.Podeexperimentar,sequiser.”Nãopareciamuitoconveniente,pensouAlice,eporalgunsminutoscaminhou

em silêncio, ruminando a ideia, e parando vez por outra para ajudar o pobreCavaleiro,cujofortecomcertezanãoeraaequitação.Semprequeocavaloempacava(oquefaziacommuitafrequência),elecaía

paraafrente;esemprequerecomeçavaaandar(oqueemgeralfaziademaneirabastante brusca), ele caía para trás. Afora isso, cavalgava bastante bem, nãofossepelohábitoquetinhadecairdeladodevezemquando,ecomogeralmenteeraparaoladoemqueAliceestavaandando,elalogodescobriuqueomelhormétodoeranãoandarmuitopertodocavalo.

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“Parece-me que não tem muita prática de cavalgar”, arriscou-se a dizer,enquantooajudavaaselevantardoseuquintotombo.OCavaleiropareceu surpresíssimoeumpoucoofendidocomaobservação.

“Porquedizisso?”perguntouaoseaboletardenovonasela,agarrandoocabelodeAlicecomumamãoparaevitarcairparaooutrolado.“Porqueaspessoasnãocaemtantoquandotêmmuitaprática.”“Tenho bastante prática”, disse o Cavaleiro, muito gravemente, “bastante

prática!”Alice não achou nada melhor para dizer que “É mesmo?”, mas o fez da

maneiramaisentusiásticaquepôde.Depoisdissoseguiramemsilêncioporumpequeno trecho, o Cavaleiro com os olhos fechados, resmungando consigomesmo,eAliceaflita,alertaparaopróximotombo.“Anobre arte da equitação”, começou oCavaleiro de repente, falando alto,

acenando o braço direito enquanto o fazia, “está em manter…” Aqui a fraseterminou,tãosubitamentequantocomeçara,poisoCavaleirodesaboudecabeçapesadamente bemna trilha emqueAlice estava andando.Dessa vez ela ficoumuitoapavorada,edissenumtomagoniado,enquantooerguia:“Esperoquenãotenhaquebradonenhumosso!”“Nenhum que valha a penamencionar”, disse oCavaleiro, como se não se

importassedequebrarunsdoisoutrês.“Anobreartedaequitação,comoeuiadizendo,está…emmanteroequilíbrioadequadamente.Assim,sabe…”SoltouarédeaeestendeuosdoisbraçosparamostraraAliceoquetinhaem

mente,edessavezcaiudecostas,bemdebaixodaspatasdocavalo.“Bastanteprática!”continuourepetindo,durante todoo tempoemqueAlice

tentavapô-lonovamentedepé.“Bastanteprática!”“É absurdo demais!” exclamouAlice, perdendo toda a paciência dessa vez.

“Deveriaterumcavalodepau,comrodinhas,issosim!”“Esse tipo tem uma andadura suave?” o Cavaleiro perguntou com grande

interesse, abraçando o pescoço do cavalo enquanto falava, justo a tempo deescapardemaisumtrambolhão.“Muito mais suave que a de um cavalo vivo”, disse Alice, soltando uma

risadinhaapesardetodooseuesforçoparacontê-la.“Vouarranjarum”,disseoCavaleiropensativamenteparasimesmo.“Umou

dois…vários.”Emseguidafez-seumbrevesilêncioedepoisoCavaleirorecomeçou.“Tenho

muitopendorparainventarcoisas.Certamentevocêpercebeu,daúltimavezquemelevantou,queeupareciabastantepensativo,não?”“Estavaumpoucosério”,disseAlice.

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“Bem, exatamentenaquele instante estava inventandoumanovamaneiradepassarporcimadeumaporteira…gostariadeouvi-la?”“Gostariasim,muito”,disseAlicecompolidez.“Vou lhe contar como a ideiame ocorreu”, disse o Cavaleiro. “Sabe, disse

paramimmesmo:‘Aúnicadificuldadeécomospés,poisacabeçajáestánumaalturasuficiente.’Ora,primeiroponhoacabeçasobreaporteira–entãoacabeçajá está numa altura suficiente – depois planto uma bananeira – assim os péschegamaumaalturasuficiente–aíjáestoudooutrolado.”“Sim,suponhoqueestariadooutroladodepoisdisso”,disseAlice,pensativa,

“masnãoachaqueseriaumpoucodifícil?”“Como ainda não experimentei”, disse gravemente oCavaleiro, “não posso

lhedizeraocerto…mastemoqueseriaumpouquinhodifícil.”

PareceutãocontrariadocomaideiaqueAlicemudoudeassuntorapidamente.“Queelmocurioso,oseu!”dissealegremente.“Éinvençãosuatambém?”Com orgulho, o Cavaleiro olhou para seu elmo, pendurado na sela. “É”,

respondeu, “mas inventei um melhor que este… parecido com um pão deaçúcar.7 Quando o usava, se caía do cavalo ele tocava o chão num instante.Assimeu tinhaumaquedamuito curta, entende…Mashaviaoperigodecairdentrodele,semdúvida. Issomeaconteceuumavez…eopiordahistóriafoique,antesqueeuconseguissesairdali,ooutroCavaleiroBrancochegouepôso

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elmonacabeça.Pensouquefosseodele.”OCavaleirofalavadaquilocomtantasolenidadequeAlicenãoseatreveua

rir. “Receio que o tenha machucado”, disse numa voz trêmula, “ficando nococurutodele.”“Tivedechutá-lo,éclaro”,disseoCavaleiro,muitosério.“Entãoeletirouo

elmodenovo…maslevaramhorasehorasparametirar.Euestavaengasgadolácomosetivesseumossonagarganta.”“Massãodoistiposdiferentesdeengasgo”,Aliceobjetou.OCavaleiro sacudiuacabeça. “Comigo, eramengasgosde todo tipo,posso

lhe garantir!” disse. Ergueu asmãos num certo arrebatamento ao dizer isso, einstantaneamenteroloudaselaecaiudecabeçanumfossofundo.Alice correupara a borda do fossopara procurá-lo.Estavamuito espantada

comaqueda,poisporalgumtempoelesesaíramuitobem,e temiaquedessavez estivesse realmentemachucado. Contudo, embora só pudesse ver as solasdosseussapatos,ficoumuitoaliviadaaoouvi-lofalarnotomhabitual:“Todosostiposdeengasgo”,elerepetiu,“masfoinegligênciadelepôroelmodeoutrohomem…comohomemdentro,aindaporcima.”“Comoconsegue continuar falando tão calmamente de cabeça para baixo?”

Aliceperguntou,enquantoopuxavapelospéseodeitavanummontenabordadofosso.OCavaleiropareceusurpresocomapergunta.“Quemeimportaondeestáo

meu corpo?” disse. “Minha mente continua trabalhando do mesmo jeito. Naverdade,quantomaisdecabeçaparabaixoestou,maisinventocoisasnovas.”“Veja, a coisa mais engenhosa desse tipo que já fiz”, continuou após uma

pausa,“foiinventarumnovopudimenquantoacarneestavasendoservida.”“Atempode tê-loassadoparaseropratoseguinte?”disseAlice.“Puxa, foi

umtrabalhorápido,comcerteza.”

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“Bem, não para ser o prato seguinte”, disse o Cavaleiro numa voz lenta,pensativa;“não,certamentenãoparaseropratoseguinte.”“Nessecaso, teriadeserparaodiaseguinte.Suponhoquenãocomeriadois

pudinsnumjantarsó?”“Bem,nãoparaodiaseguinte”,oCavaleirorepetiucomoantes;“nãoparao

diaseguinte.Naverdade”,continuou,mantendoacabeçabaixaecomumavozcadavezmaisfraca,“nãoacreditoqueopudimtenhasidoalgumdiaassado!Naverdade, não acredito que o pudim vá ser assado algumdia!E no entanto foiumainvençãomuitoengenhosa.”8

“De que ele seria feito?”Alice perguntou na esperança de animá-lo, pois opobreCavaleiropareciaabatidocomaquilo.“Começavacommata-borrão”,oCavaleirorespondeucomumgemido.“Temoqueissonãosejamuitogostoso…”“Nãomuitogostoso sozinho”, ele interrompeu,muito impaciente. “Masnão

fazideiadadiferençaquefazsemisturadocomoutrascoisas…comopólvoraelacre.Enestepontodevodeixá-la.”Tinhamacabadodechegaràorladobosque.Alicesópôdeficarperplexa;estavapensandonopudim.“Parece triste”,disseoCavaleiro, aflito. “Deixe-mecantarumacançãopara

consolá-la.”“Émuitocomprida?”Aliceperguntou,porquejátinhaouvidoumbocadode

poesiaaqueledia.“Écomprida”,disseoCavaleiro,“masmuito,muitobonita.Todososqueme

ouvemcantá-la…ficamcomlágrimasnosolhos,ou…”“Ouoquê?”quissaberAlice,poisoCavaleirofizeraumasúbitapausa.

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“Ounão,éclaro.9Onomedacançãoéchamado‘Olhosdehadoque’.”“Oh,esseéonomedacanção,nãoé?”disseAlice,tentandoseinteressar.“Não,vocênãoentendeu”,disseoCavaleiro,umpoucoirritado.“Éassimque

onomeéchamado.Onomenaverdadeé‘Ovelhohomemvelho’.”“Nesse caso eu devia ter perguntado: ‘É assim que a canção é chamada’?”

corrigiu-seAlice.“Não, não devia: isso é completamente diferente! A canção é chamada

‘Modosemeios’,10masissoésócomoéchamada,entende?”“Bem, então qual é a canção?” perguntou Alice, que a essa altura estava

completamenteatordoada.“Estavachegandolá”,disseoCavaleiro.“Acançãoérealmente‘Sentadona

porteira’:11eamelodiaéumainvençãominha.”Assim dizendo, parou seu cavalo e soltou as rédeas sobre o pescoço dele;

depois,marcandoo compasso lentamente comamão, e comum sorriso boboiluminando-lheorostobondosoeamalucado,comosegostassedamúsicadesuacanção,começou.DetodasascoisasestranhasqueAliceviuemsuaviagematravésdoEspelho,

estafoiadequesempreselembrariamaisnitidamente.Anosdepoisseriacapazdeevocartodaacena,comosetivesseacontecidonavéspera:osmeigosolhosazuis e o sorriso gentil do Cavaleiro… a luz do poente cintilando através docabelodele, e iluminando-lheaarmaduranumesplendorde luzqueadeixavainteiramenteofuscada…ocavaloandandocalmamenteemvolta,comasrédeaspendendo soltas do pescoço,mordiscando o capim a seus pés…e as sombrasnegrasdobosqueaofundo…Tudoissoelaabsorveucomoumquadro,quando,com uma mão protegendo os olhos, encostou-se numa árvore, observando oestranhopareouvindo,comonumsonho,amúsicatristedacanção.12“Masamelodianãoéinvençãodele”,disseparasimesma,“é‘Eulhedarei

tudo, mais não posso dar’.” Ficou quieta e ouviu, com muita atenção, masnenhumalágrimalheveioaosolhos.

Nadavoulheesconder,Nãohámuitoasercontado.Viumdiaumancião,

Numaporteirasentado.“Quemévocê,meubomvelho?”

Eudisse,“Ecomofaturaumtrocado?”Masàrespostanãodeiouvidos,

Emoutrospensamentosocupado.

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Eledisse,“CaçoasborboletasQuedormemnomeiodotrigo,Comelasfaçocosteletas,

Quevendodepoisaosgritos.Vendo-asparaosestafetas,

SempreacorrerafobadosEassimganhoomeupão…

Poisnuncavendofiado.”

MaseupensavaentãonumplanoDepintardeverdeminhassuíças,Depois,usarsempreumabano

P’raimpedirquefossemvistas.13Assim,nãotendoresposta

Paraoqueovelhodizia,gritei:“Ecomofaturaumtrocado?”

Eumapauladanococolhedei.

Comvozsuave,eleretomouseurelato,Disse:“Souumhomemmuitoteimoso,Equandoacasoencontroumregato,

Boto-lhefogonoato;Comissofazemumapomada,

ÓleodeMacássardeRowlandéchamada…14

Masparamim,noarranjotodo,Sobramdoispenceemaisnada.”

EnquantoissoeupensavacomosepoderiaViversócomendogrude,Eirassim,diaadia,

Ganhandopesoesaúde.Deiumsacolejonovelho,deladoalado,

Atévê-loficarcomorostoazulado:“Então,comofaturaumtrocado?”

Gritei,“Vamos,dêseurecado!”

Eledisse:“CaçoolhosdehadoqueNomeiodobrejoventoso,

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Delesfaçobotõesdefraque,Ànoite,quandotudoésilencioso.Eessesnãovendoporprata

Tampoucoporourolustroso,Maspormeiopênidecobre,

Adúzia,seestácurioso.”

“Àsvezesescavoàbuscadebolachas,Ouusoviscoparapegarcaranguejos;Àsvezesexaminocolinasbaixas

Embuscaderodas,bancosemolejos.Eéassim”(piscouumolho)

“Queminhafortunaprovejo…Emuitoprazerteriaembrindar

Àsuasaúdeeaoseubem-estar.”

Dessavezeuoouvi,poismeuplano,Eujáoterminarainteirinho:Comoprotegerpontesdaferrugem

Ferventando-asnovinho.Agradeci-lhemuitopormecontar

Suamaneiradefortunaacumular.Massobretudopelodesejoexpressado

Debeberaomeubomestado.

Eagora,seporacasonogrudeEnfioomeudedoOuloucamentemetoumpé

Direitonumsapatoesquerdo,15Ouseporoutrarazãome

Atrapalhooumeexcedo,

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Choro,poisissomefazlembrarAquelevelhinhoeseussegredos.Cujorostoerabrandoeafalamansa,Cujacabeçaeracomoanevemaisbranca,Quelembravaumagralhaeumacriança,Quetinhaolhosdebrasa,incandescentes,16Quepareciasofridoapóssuasandanças,Quebalançavaocorpo,indolente,Emurmuravabaixinho,dentesserrados,Comosetivesseabocacheiademelado,Queresfolegavacomoumcãodanado…Naquelatardedeverão,tãofagueira,

Sentadonumaporteira.

Aocantar asúltimaspalavrasdabalada, oCavaleiro empunhouas rédeas evirou a cabeçado seu cavalopara a estradapela qual tinhamvindo. “Você sóprecisaandaralgunsmetros”,disse,“morroabaixoetransporaqueleriachinho,eentão será uma Rainha…Mas antes vai ficar e me ver partir?” acrescentou,quandoAliceseviroumuitoanimadaparaadireçãoqueeleapontara.“Nãovoudemorar.Vaiesperareacenarcomseulençoquandoeuchegaràquelacurvadaestrada?Achoqueissomedariacoragem,sabe.”“Claro que vou esperar”, disse Alice, “e muito obrigada por ter vindo tão

longe…epelacanção…gosteimuitodela.”“Espero”, disse o Cavaleiro, sem muita convicção. “Mas não chorou tanto

quantopenseiquechoraria.”

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Assim,apertaram-seasmãoseemseguidaoCavaleirorumoulentamenteparao interiordobosque. “Nãovoudemorarmuitoparavê-lo cair, tenhocerteza”,Alicedissedesiparasi.“Pronto!Bemdeponta-cabeça,comodecostume!Noentanto,monta de novo commuita facilidade… isso porque tem tantas coisaspenduradas em torno do cavalo…” Assim ficou, falando consigo mesma,enquanto olhava o cavalo amarchar pachorrento pela estrada e o Cavaleiro alevar trambolhões, primeiro de um lado, depois do outro. Após o quarto ouquintotomboelechegouàcurva,eentãoelalheacenoucomseulençoeesperouatéquesumissedevista.17“Esperoque isso o tenha encorajado”, disse, enquanto se virava para correr

morro abaixo. “E agora para o último riacho, e ser uma Rainha! Como soagrandioso!”Algunspoucospassosa levaramàbeiradoriacho.18“FinalmenteaOitava Casa!” gritou, enquanto o transpunha num salto,

e se jogou para descansar num gramado macio como musgo, com pequenoscanteiros de flores salpicados aqui e ali. “Oh, como estou contente por estaraqui!Eoqueéissonaminhacabeça?”exclamouassombradaaoerguerasmãosepegaralgomuitopesadoebemajustadoemvoltadasuacabeça.“Mas como isso pode ter vindo parar aqui sem que eu percebesse?”

perguntou-se, enquanto a erguia e a punha no colo para tentar entender comoaquiloforapossível.Eraumacoroadeouro.19

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CAPÍTULO9

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RainhaAlice

“BEM,ISTOÉMAGNÍFICO!”exclamouAlice.“NuncaespereiserumaRainhatãocedo… e, vou lhe dizer uma coisa, Majestade”, continuou num tom severo(sempre gostava muito de ralhar consigo mesma), “não convém de maneiraalguma você estar esparramada na grama desse jeito! Rainhas devem terdignidade!”Assim,levantou-seeandouporali–muitoempertigadaaprincípio,comose

temessequeacoroapudessecair;mas tranquilizou-secoma ideiadequenãohavianinguémparavê-la,“esesourealmenteumaRainha”,disseaosesentardenovo,“sereicapazdeconduzirissomuitobemcomotempo.”Tudo estava acontecendo demaneira tão esquisita queAlice não ficou nem

umpouquinhosurpresaaosedepararcomaRainhaVermelhaeaRainhaBrancasentadas perto dela, uma de cada lado:1 teria gostadomuito de lhes perguntarcomotinhamchegadoali,masreceouqueissonãofossemuitocortês.Masnãohaveria nenhum mal, pensou, em perguntar se o jogo terminara. “Por favor,poderiamedizer…”começou,olhandotimidamenteparaaRainhaVermelha.“Falequandolhefalarem!”aRainhaatalhou-arispidamente.“Massetodomundoobedecesseaessaregra”,disseAlice,sempreprontapara

uma pequena discussão, “e se você só falasse quando lhe falassem, e a outrapessoasempreesperassevocêcomeçar,veja,ninguémnuncadirianada,demodoque…”“Absurdo!”gritouaRainha.“Ora,vocênãoentende,criança…”aquielafez

umapausacomumacareta e, apóspensarumminuto,mudoubruscamentedeassunto.“Oquequerdizercom‘SesourealmenteumaRainha’?Quedireitotemde se chamar assim?Não pode ser umaRainha até ter passado pelos examesapropriados.Equantomaiscedocomeçarmosisso,melhor.”

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“Eusódisse‘se’!”defendeu-seapobreAlicenumtomquedavadó.As duasRainhas se entreolharam, e aRainhaVermelha comentou, comum

pequenoarrepio:“Eladizquesódisse‘se’…”“Mas dissemuitomais que isso!” resmungou aRainhaBranca, torcendo as

mãos.“Oh,tãomaisqueisso!”“Defato”,aRainhaVermelhadisseaAlice.“Falesempreaverdade…pense

antesdefalar…edepoisescrevaoquefalou.”“Tenhocertezadequenãoquisdizer…”Alice iacomeçando,masaRainha

Vermelhainterrompeu-acomimpaciência.“É exatamente disso que me queixo! Devia ter querido! De que acha que

serviriaumacriançaquenãoquerdizernada?Atéumapiadatemdequererdizeralgumacoisa…eumacriançaémais importantequeumapiada, espero.Vocênãoconseguirianegarisso,nemquetentassecomasduasmãos.”“Nãonegocoisascomminhasmãos”,Aliceobjetou.“Ninguém disse isso”, observou a Rainha Vermelha. “Eu disse que não

conseguiriasetentasse.”“Ela está naquele estado de espírito”, disse aRainhaBranca, “emque quer

negaralgumacoisa…sóquenãosabeoquê!”“Um temperamento desagradável, vicioso”, observou a Rainha Vermelha;

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seguiu-seumsilêncioincômodoporumoudoisminutos.

A Rainha Vermelha quebrou o silêncio dizendo à Rainha Branca: “Eu aconvidoparaojantardeAliceestatarde.”ARainhaBrancasorriudebilmenteedisse:“Eeuaconvido.”“Nãotinhaamenorideiadequehaveriaumjantar”,disseAlice;“massevai

haverum,achoqueeudeveriachamarosconvidados.”“Nóslhedemosoportunidadeparaisso”,observouaRainhaVermelha;“mas

estoucertadequevocênãotevemuitasaulasdeboasmaneiras,nãoé?”“Boas maneiras não se ensinam em aulas”, disse Alice. “Aulas ensinam a

fazercontasdesomar,ecoisasdessetipo.”“EsabeAdição?”perguntouaRainhaBranca.“Quantoéummaisummais

ummaisummaisummaisummaisummaisummaisummaisum?”“Nãosei”,disseAlice.“Perdiaconta.”“NãosabeAdição”,aRainhaVermelhainterrompeu.“SabefazerSubtração?

Subtraianovedeoito.”“Novedeoitonãoposso”,Alicerespondeumuitorapidamente;“mas…”“Não sabe Subtração”, disse aRainhaBranca. “Sabe fazerDivisão?Divida

umpãoporumafaca:qualéoresultadodisso?”“Suponho…”Aliceestavacomeçando,masaRainhaVermelharespondeupor

ela. “Pão commanteiga, é claro. Tente outra Subtração. Tire um osso de umcachorro;restaoquê?”Alice refletiu. “O osso não restaria, é claro, se o tirei… e o cachorro não

restaria:viriamemorder…etenhocertezadequeeunãorestaria!”“Entãoachaquenãorestarianada?”disseaRainhaVermelha.

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“Achoqueessaéaresposta.”“Erradacomodecostume”,disseaRainha;“restariaafúriadocachorro.”“Masnãoentendocomo…”“Ora,olheaqui!”gritouaRainhaVermelha.“Ocachorroteriaumataquede

fúria,nãoteria?”“Talveztivesse”,respondeuAlice,cautelosa.“Então se o cachorro desaparecesse, a fúria restaria!” a Rainha exclamou,

triunfante.Com a maior gravidade que pôde, Alice disse: “Poderiam seguir caminhos

diferentes.” Mas não pôde deixar de pensar com seus botões: “Que terríveisabsurdosestamosdizendo!”“Elanãosabenadinhadearitmética!”asRainhasdisseramjuntas,comgrande

ênfase.“Evocêsabe?”Alicefalou,virando-sederepenteparaaRainhaBranca,pois

nãogostavadesertãocriticada.ARainharespiroufundoefechouosolhos.“EuseiAdição”,disse,“sevocê

mederalgumtempo…masnãoseisubtrairsobnenhumacircunstância.”“Naturalmentesabeoabc?”perguntouaRainhaVermelha.“Maséclaro”,disseAlice.“Eu também”, sussurrou a Rainha Branca, “costumamos recitá-lo todinho

juntas,minhacara.Evoulhecontarumsegredo:seilerpalavrasdeumaletrasó!Issonãoéimpressionante?Masnãodesanime,comotempovocêchegalá.”Nesse momento a Rainha Vermelha recomeçou. “Sabe responder perguntas

úteis?”disse.“Dequeéfeitoopão?”“Issoeusei!”Aliceexclamou,animada.“Pega-seumpoucodefarinha…”“Ondesecolheafarinha?”perguntouaRainhaBranca.“Numjardim,ounas

cercas-vivas?”“Bem,elanãoécolhida”,Aliceexplicou;“émoída…”“Depancada?”disseaRainhaBranca.“Nãodeviaomitirtantascoisas.”“Abane-lheacabeça!”interrompeuaflitaaRainhaVermelha.“Vaificarcom

febredepoisdetantareflexão!”Nãoperderamtempoeaabanaramcomtufosdefolhasatéelaterdeimplorarqueparassem,tantooseucabeloesvoaçava.“Agora ela está bem de novo”, disse a Rainha Vermelha. “Sabe línguas?

Comoéfiddle-de-deeemfrancês?”“Fiddle-de-deenãoéinglês”,Alicerespondeugravemente.“Masquemdissequeera?”retrucouaRainhaVermelha.Aliceachouquedessavez tinhaumamaneiradesesafardoaperto.“Seme

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disseremdequelíngua‘fiddle-de-dee’é,eulhesdireiapalavraemfrancêsparaisso!”exclamoutriunfante.Mas a Rainha Vermelha empertigou-se toda e disse: “Rainhas nunca

barganham.”“GostariaqueRainhasnuncafizessemperguntas”,Alicepensouconsigo.“Não vamos discutir”, disse a Rainha Branca, aflita. “Qual é a causa do

relâmpago?”“Acausado relâmpago”,Alice respondeumuitodecidida,poisdessavezse

sentia totalmente segura, “é o trovão… não, não!” emendou-se rapidamente.“Quisdizerocontrário.”“É tardedemaisparacorrigir”,disseaRainhaVermelha;“depoisquesediz

umacoisa,elaestádita,evocêtemdearcarcomasconsequências.”2

“Issome lembra…”disseaRainhaBrancabaixandoosolhoseapertandoesoltando as mãos nervosamente, “que tivemos tal tempestade terça-feirapassada…querodizer,umadaúltimasériedeterças-feiras.”3

Aliceficoupasma.“Nonossopaís”,comentou,“osdiasdasemanavêmumdecadavez.”ARainhaVermelhadisse:“Éumamaneiralastimáveldefazerascoisas.Aqui,

geralmenteosdiaseasnoitesvêmemdoisoutrêsporvez,enoinvernodevezemquandotemosatécinconoitesjuntas…paraaquecermais,sabe.”“Entãocinconoitessãomaisquentesqueuma?”Alicesearriscouaperguntar.“Cincovezesmaisquentes,éclaro.”“Masdeviamsercincovezesmaisfrias,pelamesmaregra…”“Precisamente!”exclamouaRainhaVermelha. “Cincovezesmaisquentese

cincovezesmais frias…assimcomoeusoucincovezesmais ricaquevocêecincovezesmaisinteligente!”4

Alice suspirou e desistiu. “É exatamente como um enigma sem resposta!”pensou.5“Humpty Dumpty viu isso também”, a Rainha Branca continuou em voz

baixa,mais como se estivesse falando consigomesma. “Ele veio até aminhaporta,comumsaca-rolhanamão…”“Oquequeria?”indagouaRainhaVermelha.“Disse que iria entrar”, a Rainha Branca continuou, “porque estava

procurando um hipopótamo. Ora, acontece que não havia tal coisa na casa,naquelamanhã.”“Geralmentehá?”Aliceperguntou,espantada.“Bem,sónasquintas-feiras”,disseaRainha.“Seiparaqueelefoi”,disseAlice;“queriacastigaropeixeporque…”6

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NessaalturaaRainhaBrancarecomeçou:“Foiumataltempestade,ninguémpoderiaimaginar!”(“Elanuncaconseguiu,sabe?”disseaRainhaVermelha.)“Epartedotelhadodesabou,ecaíramtantostrovõesládentro…eficaramrolandopelasalaaosborbotões…7ebatendonasmesasenascoisas…atéquefiqueicomtantomedoquenãoconseguialembrarmeupróprionome!”Alice pensou consigo: “Nunca tentaria lembrar meu nome no meio de um

acidente! De que adiantaria?” mas não falou isso alto, temendo ferir ossentimentosdapobreRainha.“Deve desculpá-la, Majestade”, a Rainha Vermelha disse a Alice, tomando

uma dasmãos daRainhaBranca na sua e dando-lhe palmadinhas gentis: “elatemboaintenção,masnãoconseguedeixardedizertolices,demodogeral.”ARainhaBranca olhou timidamente paraAlice, que sentiu quedevia dizer

algumacoisadelicada,masrealmentenãoconseguiupensaremnadanahora.“Ela nunca teve realmente uma boa educação”, a Rainha Vermelha

prosseguiu,“mastemumbomgênioespantoso!Dê-lheunstapinhasnacabeça,evejacomogosta!”MasAlicenãotinhacoragemparatanto.“Um pequeno agrado… e prender-lhe os cabelos em papelotes… isso faz

maravilhascomela…”ARainhaBrancadeuumsuspiroprofundoepousoua cabeçanoombrode

Alice.“Estoucomtantosono!”gemeu.“Está cansada, coitadinha!”disse aRainhaVermelha. “Alise seus cabelos…

empreste-lhesuatoucadedormir…ecante-lheumacantigadeninarrelaxante.”“Não tenhouma toucadedormircomigo”,disseAlice, tentandoobedecerà

primeirainstrução;“enãoseinenhumacantigadeninarrelaxante.”“Nesse caso, eu mesma tenho de fazê-lo”, disse a Rainha Vermelha, e

começou:8

Dorme,dorme,senhora,suaboasesta,Hátempodesobraatéahoradafesta.DepoisastrêsRainhasirãoseesbaldarEpelanoiteadentroalegresbailar!

“Agoravocêjásabealetra”,acrescentou,pousandoacabeçanooutroombrodeAlice. “Cante-a todaparamim agora. Estou ficando com sono também.”Enum instante as duas Rainhas estavam dormindo profundamente, e roncandoalto.

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“O que posso fazer?” exclamou Alice, olhando em volta atônita, quandoprimeiro uma cabeça redonda, depois a outra rolaram dos seus ombros epousaramcomoumblocopesadonoseucolo.“Achoquejamaisaconteceuantesdealguém terde tomarcontadeduasRainhas adormecidasaomesmo tempo!Não, não em toda a História da Inglaterra… não teria sido possível, porquenuncahouvemaisdeumaRainha aomesmo tempo.Levantem-se, suas coisaspesadas!”, continuou, num tom impaciente; mas só recebeu por resposta umroncosuave.Oroncotornava-semaisdistintoacadaminuto,soandocadavezmaiscomo

uma melodia. Por fim ela conseguiu entender até as palavras, e ouviu tãosofregamente que, quando as duas grandes cabeças sumiramdo seu colo,maldeuporfaltadelas.Estavaparadadiantedeumaportaemarco,sobreaqualseliamaspalavras

RAINHAALICEemletrasgrandes,edecada ladodoarcohaviaumacampainha;numa estava escrito “Campainha das Visitas” e na outra, “Campainha dosCriados”.“Vou esperar que a canção termine”, pensouAlice, “e depois tocar a…que

campainhadevotocar?”continuou,muitoconfusacomosnomes.“Nãosouumavisita,enãosouumacriada.Deveriahaverumacomainscrição‘Rainha’…”Nesseexatomomentoaportaseabriuumpouquinho;umacriaturacomum

bicocompridopôsacabeçadeforaporuminstanteedisse:“Nãosepodeentraratéasemanaapósapróxima!”–efechounovamenteaporta,comestrondo.Alice bateu e tocou emvão por um longo tempo,mas finalmente umSapo

muitovelho,queestavasentadosobumaárvore,levantou-seeveiocoxeandonasuadireção:usavaumaroupadeumamarelovivoecalçavabotasenormes.9

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“Qual é o problema agora?” perguntou o Sapo num sussurro rouco ecavernoso.Alice virou-se, pronta para criticar meio mundo. “Onde está o criado cuja

obrigaçãoéatenderàporta?”,começou,zangada.“Queporta?”perguntouoSapo.Alice quase sapateou de irritação com a voz arrastada com que ele falava.

“Estaporta,éclaro.”OSapocontemplouaportacomseusolhosgrandeselerdosporumminuto,

depois chegou mais perto e esfregou-a com o polegar, como se estivesseexperimentandoparaverseatintairiasair;depoisolhouparaAlice.“Atenderàporta?”disse.“Elavempedindooquê?”EratãoroucoqueAlice

malpodiaouvi-lo.“Nãoseioquequerdizer”,falou.“Eu falar inglês, não falar?” oSapo continuou. “Ouvocê é surda?Oque a

portalhepediu?”“Nada!”disseAlice,impaciente.“Andeibatendonela!”“Não devia ter feito isso… não devia…”murmurou o Sapo. “Ela se irrita,

sabe.”Adiantou-seentãoedeuumchutenaportacomumdeseusgrandespés.“Deixeelaempaz”,disseofegante,enquantocoxeavadevoltaparasuaárvore,“eeladeixarávocêempaz.”Nesse instante a porta se abriu com violência e ouvi-se uma voz estridente

cantando:10

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AomundodoEspelhoAliceentãoproclamou:Coroanacabeçaecetronamão,agoraconvidoTodasascriaturasqueoEspelhojamaisespelhouAcearcomaRainhaVermelha,aBranca,ecomigo!

Ecentenasdevozesseuniramnorefrão:

Enchampoissuastaças,duasseprecisofor,Salpiquemamesatodacomfloresadesabrochar,Ponhamgatosnocafé,camundongosnolicor,EtrintavezestrêsvivasàRainhaAlicevamosdar!

Seguiu-seumalaridodecongratulações,eAlicepensou:“Trintavezestrêssãonoventa. Será que alguém está contando?” Um minuto depois fez-se silêncionovamente,eamesmavozagudacantououtraestrofe:

“ÓcriaturasdoEspelho”,Alicechama,“venhamcá!Éumahonra,umagraçaqueasortelhesconcedeu,EsteprivilégioímpardejantaretomarcháComaRainhaVermelha,aBranca…eeu!”

Entãoocororecomeçou:

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Demelado,tintaegrudeenchamtodososcoposOudequalqueroutradelíciaquelhesagradar,Àcidramisturemareia,farofaoulãemflocos,EnoventavezesnovevivasàRainhaAlicevamosdar.

“Noventa vezes nove!”Alice repetiu, desalentada. “Oh, isso não vai acabarnunca!Eudeviaentrarlogo…”efez-seumsilênciopesadonoinstanteemqueelaapareceu.Alice deu uma olhada nervosamente para a mesa, enquanto penetrava no

grandesalão,epercebeuquehaviacercadecinquentaconvidados,detodosostipos: alguns eram animais, outros aves, e havia até algumas flores entre eles.“Ficocontentequetenhamvindosemesperarconvite”,pensou.“Eununcateriasabidoquaiseramaspessoascertasaconvidar!”Havia três cadeiras na cabeceira damesa; asRainhasVermelha eBranca já

ocupavamduasdelas,masadomeioestavavazia.Alicesentou-seali,bastantecontrafeitacomosilêncio,eansiosaparaquealguémfalasse.Por fim a Rainha Vermelha começou. “Perdeu a sopa e o peixe”, disse.

“Sirvamoassado!”EosgarçonspuseramumapernadecarneirodiantedeAlice,que a contemplou bastante aflita, pois nunca tivera de trinchar uma perna decarneiroantes.“Pareceumpouquinhoembaraçada;permitaque lheapresenteestapernade

carneiro”, disse a RainhaVermelha. “Alice…Carneiro; Carneiro…Alice.” ApernadecarneiroselevantounopratoefezumapequenamesuraparaAlice,quearetribuiu,semsaberseficavacommedoouachavagraça.“Possolhesservirumafatia?”perguntou,pegandoafacaeogarfoeolhando

deumaRainhaparaaoutra.“É claro que não”, respondeu a Rainha Vermelha, peremptória. “Fere a

etiqueta cortar alguém a quem você foi apresentada.11 Levem o assado!” E osgarçonsolevarametrouxeramumgrandepudimdepassasnolugar.“Nãoqueroserapresentadaaopudim,porfavor”,Aliceseapressouadizer,

“ounãovamosternadaparajantar.Possolhesservirumpouco?”Mas a RainhaVermelha pareceu aborrecida e resmungou: “Pudim…Alice;

Alice…Pudim.Levemopudim!”eosgarçonsolevaramtãodepressaqueAlicenãopôderetribuirsuamesura.

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Sejacomofor,nãoentendiaporqueaRainhaVermelhadeviaseraúnicaadarordens,eassim,parafazerumteste,chamou“Garçom!Tragaopudimdevolta!”enumsegundoláestavaeledenovo,comonumpassedemágica.Eratãograndeque não pôde deixar de se sentir umpouco embaraçada com ele, como haviaficado como carneiro.Contudo, venceu seu embaraço e, comgrande esforço,cortouumafatiaeaserviuàRainhaVermelha.“Que impertinência!” disse oPudim. “Será que gostaria se eu cortasse uma

fatiadevocê,suacriatura?”12

Falava com uma voz grossa, untuosa, e Alice não teve o que dizer emresposta.Sóconseguiuficarimóveleolharparaeleboquiaberta.“Faça um comentário!” disse aRainhaVermelha. “É absurdo deixar toda a

conversanasmãosdopudim!”“Sabe, recitaram-me tanta poesia hoje”, Alice começou, um pouco

amedrontada ao constatar que, no instante em que abrira os lábios, fizera-sesilêncioabsoluto,etodososolhoshaviamsefixadonela,“eéumacoisamuitocuriosa,acho…todosospoemastratavamdepeixesdealgummodo.Sabeporquegostamtantodepeixesporaqui?”Dirigiu-se à Rainha Vermelha, cuja resposta fugiu um pouco à questão.

“Quantoaospeixes”,disseela,demaneiramuito lentaesolene,pondoabocajuntoaoouvidodeAlice,“SuaMajestadeBrancasabeumalindaadivinhação…todaemversos…todasobrepeixes.Querqueelaarecite?”“SuaMajestadeVermelhaémuitogentilaomencionarisso”,aRainhaBranca

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murmurou no outro ouvido de Alice, numa voz que parecia o arrulho de umpombo.“Seriaumprazertãogrande!Posso?”“Porfavor”,disseAlice,muitopolidamente.ARainhaBrancariuencantadaedeuumtapinhanabochechadeAlice.Em

seguidacomeçou:

“Primeiroéprecisoopeixepescar.”Éfácil:atéumbebê,acho,poderiaapanhá-lo.“Depoiséprecisoopeixecomprar.”

Éfácil:umpêni,acho,poderiacomprá-lo.

“Agora,tratedeopeixecozinhar!”Éfácil,esóvailevardoisinstantes.“Ponha-onumatravessacircular!”Éfácil,porquelájáestavaantes.

“Traga-ocá,deixe-meprovar!”Éfácilpôrtalpratosobreamesa.“Queiraopratodestapar!”

Ah,nãosoucapazdetamanhaproeza!

Porquecomocolaatampaelesegura:Estáagarradaaoprato,nãoquersedesentalarQualseriaatarefamenosdura,

Destamparopeixeouoenigmadecifrar?13

“Pense um minuto, depois tente adivinhar”, disse a Rainha Vermelha.“Enquantoisso,vamosbeberàsuasaúde…àsaúdedaRainhaAlice!”gritouaplenospulmões,etodososconvidadoscomeçaramabeberimediatamente,edemaneira muito esquisita: alguns punham os copos sobre as cabeças comoapagadores,14ebebiamtudoquelhesescorriapelorosto…outrosemborcavamasgarrafasetomavamovinhoqueescorriapelasbeiradasdamesa…etrêsdeles(que pareciam cangurus) passaram a mão no prato de carneiro assado ecomeçaram a lamber avidamente o molho, “exatamente como porcos num

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cocho!”pensouAlice!

“Deve agradecer os cumprimentos com um discurso caprichado”, disse aRainhaVermelha,franzindoocenhoparaAlice.“Temosdeapoiá-la”,aRainhaBrancacochichouquandoAlicese levantava

parafazê-lo,muitoobedientemente,masumpoucoamedrontada.“Muitoobrigada”,elasussurroudevolta,“maspossomesairmuitobemsem

isso.”“Isso não seria o correto em absoluto”, disse a Rainha Vermelha, muito

categoricamente.Assim,Alicetentousesubmeteràquilodebomgrado.(“Eelasempurraramtanto!”eladissemaistarde,quandocontavaparaairmã

ahistóriadobanquete.“Pareciaquequeriammeachatar!”)Defato,foibastantedifícilparaAlicesemanteremseulugarenquantofazia

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seudiscurso:asduasRainhasaempurravamtanto,umadecadalado,quequasea fizeram subir pelos ares. “Ergo-me para agradecer…” Alice começou – erealmente se ergueu enquanto falava, vários centímetros, mas se segurou nabeiradadamesaeconseguiusepuxarparabaixodenovo.“Tomemuitocuidado!”berrouaRainhaBranca,agarrandoocabelodeAlice

comasambasasmãos.“Algumacoisavaiacontecer!”Então (comoAlice descreveumais tarde) todo tipo de coisas aconteceu ao

mesmo tempo.As velas cresceram todas até o teto, parecendoumcanteiro dejuncoscomfogosdeartifícionaponta.Quantoàsgarrafas,cadaumaseapossoude um par de pratos, ajeitando-os rapidamente como se fossem asas, e assim,usandogarfoscomopernas,saíramesvoaçandoparatodolado–“esepareciammuito com pássaros”, Alice pensou consigo mesma, tanto quanto isso erapossívelnaterrívelconfusãoqueseestavaarmando.Nessemomentoelaouviuumarisadaroucaaoseuladoevirou-separavero

queestavasepassandocomaRainhaBranca;masemvezdaRainhaBrancaviuapernadecarneirosentadanacadeira.“Aquiestou!”gritouumavozdaterrinadesopa,eAliceseviroudenovoatemposódeverorostolargoebonachãodaRainhasorrindoparaelaporumsegundosobreabordadaterrina,antesqueeladesaparecessenasopa.15Nãohaviaumminutoaperder.Váriosconvidadosjáestavamestendidosnos

pratos,eaconchadasopaestavacaminhandopelamesaemdireçãoàcadeiradeAlice,acenando-lheimpacientementeparaquesaíssedoseucaminho.“Não posso mais suportar isto!” ela gritou, dando um pulo e agarrando a

toalha da mesa com as duas mãos: um bom puxão, e travessas, pratos,convidadosevelasvieramabaixonumestrondoeseamontoaramnochão.“Quanto a você”, ela continuou, virando-se enfurecida para a Rainha

Vermelha,aquemconsideravaacausadetodoaqueletranstorno–masaRainhajá não estava ao seu lado: reduzira-se subitamente ao tamanho de umabonequinha,eagoraestavasobreamesa,correndoalegrementeemvoltasemaisvoltasàprocuradoseuxale,quesearrastavaatrásdela.Emqualquer outra ocasiãoAlice teria ficado surpresa com isso,masagora

estava alvoroçada demais para se surpreender com qualquer coisa. “Quanto avocê”, repetiu,agarrandoacriaturinhacomosesaltassesobreumagarrafaqueacabaradeaparecersobreamesa,“vousacudi-laatéquevireumagatinha,ah,sevou!”16

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CAPÍTULO10

Sacudida1

ARRANCOU-ADAMESAENQUANTOFALAVAesacudiu-aparatráseparafrentecomtodaaforça.ARainhaVermelhanãoofereceunenhumaresistência;sóseurostofoificando

muitopequeno,eosolhosficandograndeseverdes,ecadavezmais,enquantoAlice continuava a sacudi-la, ia ficando menor… e mais gordinha… e maismacia…emaisredonda…e…

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CAPÍTULO11

Despertar

…eafinaldecontaseramesmoumagatinha.1

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CAPÍTULO12

Quemsonhou?

“VOSSA VERMELHA MAJESTADE não devia ronronar tão alto”, disse Alice,esfregando os olhos e dirigindo-se à gatinha de maneira respeitosa, mas comcertaseveridade.“Vocêmeacordoudeum…oh,umsonhotãolindo!Eestevejuntocomigo,Kitty…portodoomundodoEspelho.Sabiadisso,querida?”Osgatinhostêmohábitomuitoinconveniente(Alicecomentaraumavez)de

sempreronronar,sejaoqueforqueselhesdiga.“Sepelomenossóronronassemparadizer‘sim’emiassemparadizer‘não’,oualgumaregradessegênero”,eladissera,“seriapossívelmanterumaconversa!Mascomosepodeconversarcomumapessoaseeladizsempreamesmacoisa?”1

Nessa ocasião a gatinha só ronronou – e era impossível saber se issosignificava“sim”ou“não”.Em seguida Alice procurou entre as peças de xadrez sobre a mesa até

encontraraRainhaVermelha.Entãoajoelhou-senotapetejuntoàlareira,epôsagatinha e a Rainha face a face. “Agora, Kitty!” exclamou triunfante, batendopalmas:“Confessequefoinelaquevocêsetransformou!”(“MaselanãoolhavaparaaRainha”,disse,quandoestavaexplicandoacoisa

maistardeparasuairmã;“viraraacabeçaparaoutrolado,efingiaquenãoavia:maspareceuumpoucoenvergonhada,demodoqueachoqueeladevetersidoaRainhaVermelha.”)“Aprume-se um pouco mais, querida!” Alice exclamou com uma risada

alegre.“Efaçaumareverênciaenquantopensanoque…noqueronronar.Poupatempo,lembre-se!”Elevantouagatinhaedeu-lheumbeijinho,“sóemhonraaofatodetersidoumaRainhaVermelha”.

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“Snowdrop,minhabichinha!” continuou,olhandopor sobreoombropara aGatinhaBranca, que ainda estava se submetendo pacientemente à sua toalete,“quando será que aDinah vai terminar o banho deVossa BrancaMajestade?Devia haver alguma razão para você estar tão desmazelada no meu sonho…Dinah!SabequeestáesfregandoumaRainhaBranca?Realmente,quefaltaderespeitodasuaparte!”“E que será que a Dinah virou?” ia ela tagarelando, espichando-se

confortavelmente no chão, um cotovelo no tapete e o queixo na mão, paraobservarosgatinhos.“Diga-me,Dinah,vocêvirouHumptyDumpty?2Achoquesim…masnãodevemencionarissocomseusamigosporenquanto,porquenãotenhocerteza.”“Apropósito,Kitty,sevocê tivesseestadorealmentecomigonomeusonho,

de uma coisa teria gostado muito: recitaram para mim uma quantidade tãogrande de poesia, todas sobre peixes!3 Amanhã de manhã você vai ter umverdadeiro regalo.Durante todo o tempo em que estiver tomando seu café damanhã,vourecitar‘AMorsaeoCarpinteiro’;assimvocêpoderáfazerdecontaqueestácomendoostras,querida!”“Agora, Kitty, vamos pensar bem quem foi que sonhou tudo isso. É uma

questão séria, minha querida, e você não devia ficar lambendo a pata dessejeito…Como se a Dinah não tivesse lhe dado banho esta manhã! Veja bem,

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Kitty,ou fuieuou foioReiVermelho.Ele fezpartedomeusonho,éclaro…masnessecasoeufizpartedosonhodele também!Terá sidooReiVermelho,Kitty?Vocêeraamulherdele,minhacara,portantodeveriasaber…Oh,Kitty,meajude a resolver isto!Tenhocertezadeque suapatapode esperar!”Mas aimplicantegatinhasó fezcomeçarcomaoutrapata, fingindonão terouvidoapergunta.Quemvocêpensaquesonhou?

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ADESLIZARSERENOSOBOCÉU

Luminoso,obarcoderivanaIdílicatardedeverão,aoléu…

Criançasalipertoaninhadas,Espertas,ouvidosatentos,esperamPelahistóriaquelhesserácontada…

Lánoaltoocéuhámuitoempalideceu,Ecosdeclinam,lembrançasperecem.Afriagemdooutono,overãovarreu.

Senãoque,espectral,elasegueameobsedar,AliceapercorrerestranhasterrasNuncavistasporquemnãosabesonhar.

Criançasquequeiramestahistóriaouvir,Espertas,ouvidoscuriososeLúcidos,devempertinhosereunir.

Imaginário País das Maravilhas percorrem, Devaneando enquanto os diaspassam,Devaneandoenquantoosverõesmorrem.

Encantadas,pelacorrentesedeixamlevar…LentamentesucumbindoaofascíniodaLenda…Quemaiséviversenãosonhar?1

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OMarimbondode‘Peruca

INÉDITO

Episódio“suprimido”deATRAVÉSDOESPELHO

EOQUEALICEENCONTROUPORLÁ

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PrefácioIntroduçãoOMarimbondodePeruca

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PrefácioEM 1974 A FIRMA LONDRINA DE LEILÕES Sotheby Parke Bernet and Companyarroloudiscretamenteoseguinteitememseucatálogododia3dejunho:

Dodgson (C.L.) “Lewis Carroll.” Provas para um trecho suprimido de“Através doEspelho”, prova de granel 64-67 e porções de 63 e 68, comrevisões autógrafas e anotação na tinta roxa do autor de que a extensapassagemdeveseromitida.O presente trecho contém um incidente em que Alice conhece um

Marimbondo [Wasp] mal-humorado, incorporando um poema em cincoestrofesqueseiniciacom“WhenIwasyoung,myringletswaved”.Deveriatersidopublicadoemseguidaa“Averyfewstepsbroughthertotheedgeofthebrook”napágina183daprimeiraedição.Asprovasforamarrematadasno leilão dos móveis, objetos pessoais e biblioteca do autor em Oxford,1898,eaparentementepermanecemsemregistroeinéditas.

O termo “aparentemente” na última frase foi discreto. Não só o trechosuprimidonuncahaviasidopublicado,comoosespecialistasemCarrollsequertinhamconhecimentodequeforacomposto,quedirápreservado.Adescobertadequeaindasubsistiafoiumeventodegrandealcanceparaoscarrollianos–naverdade,paratodososestudiososdaliteraturainglesa.Agora,maisdecemanosdepoisdeAtravésdoEspelhotersidocompostotipograficamente,oepisódiohátantotempoperdidorecebesuaprimeirapublicaçãodevulto.Até1974,nadasesabiasobreotrechoperdidoalémdoqueStuartDodgson

Collingwood, sobrinhodeLewisCarroll, dissera a respeitonabiografiado tioque publicou em 1898, The Life and Letters of Lewis Carroll. Collingwoodescreveu:

Ahistória,comooriginalmenteescrita,continhatrezecapítulos,masolivropublicado consistia de apenas doze. O capítulo omitido introduzia umMarimbondo,nopersonagemdeumjuizouadvogado,suponho,jáqueosr.Tenniel escreveu que “ummarimbondo deperuca está inteiramente além

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dosinstrumentosdaarte”.Aforaasdificuldadesdeilustração,ocapítulodo“Marimbondo”nãofoiconsideradoàalturadorestantedolivro,eessafoiprovavelmenteaprincipalrazãoportersidoexcluído.

Estasobservaçõeseramseguidasporumfac-símiledeumacarta,datadade1ºdejunhode1870,queJohnTennielenviaraaCarroll.(Acartaestáreproduzidaaquinaspáginas236-8.)NoesboçoqueTennielfezdacenadovagãodetrem,Aliceestásentadadiantedeumacabraedeumhomemvestidodepapelbranco,enquantooGuardaaobservadebinóculo.Emseudesenhofinal,Tennieldeuaohomemde chapéu de papel o rosto deBenjaminDisraeli, o primeiro-ministrobritânicoqueelecaricaturavacomtantafrequêncianaPunch.Carroll aceitou ambas as sugestões de Tenniel. A “velha senhora”,

presumivelmente um personagem da versão original do cap.3, desapareceu docapítuloedailustraçãodeTennieleoMarimbondo,dolivro.EmTheAnnotatedAliceminhanota sobre isso terminaassim:“Éumapenaquenadadocapítuloperdido tenha sobrevivido.”OpróprioCollingwoodnãohavia lidooepisódio.Sabemosdissoporquesupôs,erroneamente,comoserevelou,que,seusavaumaperuca,oMarimbondodeviaserumjuizouumadvogado.Carrollnãodeixounenhumregistrodesuaopiniãofinalsobreoepisódioouo

poemaquecontinha.Preservou,noentanto,asprovascuidadosamente,epareceprovávelquepretendessefazeralgumacoisacomelasalgumdia.FoiopróprioCarroll,convémlembrar,quemdecidiupublicarsuaprimeiraversãodeAlicenoPaís das Maravilhas, o original que escrevera a mão e ilustrara para AliceLiddell.Muitos de seus primeiros poemas, publicados emperiódicos obscurosousimplesmentenãopublicados,acabaramseinfiltrandoemseuslivros.Mesmoque Carroll não tivesse planos específicos para utilizar o episódio doMarimbondoouseupoema,édifícilacreditarquenãoteriaficadosatisfeitosesoubessequeseriafinalmentepublicado.ApósamortedeCarrollem1898,asprovasforamcompradasporumapessoa

desconhecidae–pelomenosporora–poucosabemossobreaquempertenciamatéqueaSotheby’saspôsemleilão.Nãoestãoarroladasnoscatálogosde1898dosbensdeCarroll,aparentementeporestaremincluídasnumloteheterogêneode itens não identificados. “Propriedade de um cavalheiro”, foi como aSotheby’sasrotulouemseucatálogo.ASotheby’snãorevelaasidentidadesdosvendedoresquedesejampermaneceranônimos,masobtiveainformaçãodequeasprovashaviamsidotransmitidasaovendedorporummembromaisvelhodesuafamília.AsprovasforamarrematadasporJohnFleming,umnegociantedelivrosraros

deManhattan,paraNormanArmourJr.,tambémdacidadedeNovaYork.Foia

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gentilezadosr.Armourempermitirapublicaçãodessasprovasquetornouestelivropossível.Quemaisprecisaserditoàguisadeagradecimento?

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FAC-SÍMILEDACARTADETENNIELADODGSON,COMUMATRANSCRIÇÃO

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MEUCARODODGSON,Pensoque,quandoaconteceopulonacenadaestradadeferro,vocêpoderiacertamentefazerAliceagarrarabarbadaCabracomosendooobjetomaispróximode suamão–emvezdeocabelodavelha senhora.Osolavanconaturalmenteasarremessariajuntas.Nãome considere brutal, mas sinto-me obrigado a dizer que o capítulo do

“marimbondo” não me interessa em absoluto, e não consigo imaginar comoilustrá-lo. Se quer encurtar o livro, não posso deixar de pensar – com todasubmissão–queaíestáasuaoportunidade.Aflitopelapressa,Sinceramenteseu,

J.TENNIELPortsdownRoad,1odejunhode1870

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IntroduçãoANTESQUEOEPISÓDIODOMARIMBONDOviesseàluz,amaioriadosestudiososdeCarrollsupunhaqueotrechoperdidoeraadjacente,oupelomenosnãodistante,dacenadovagãodetrem.IssoporqueTenniel,emsuacartadequeixa,pareciaassociarosdois incidentes.Nocap.3,emqueAlicesaltaoprimeiroriachoeotrempulasobreosegundo,ameninaencontraumavariedadedeinsetos,entreosquaisabelhasdotamanhodeelefantes.NãoseriaapropriadoqueencontrasseumMarimbondonessaregiãodotabuleiro?Que Carroll não pretendia que Alice se deparasse com o Marimbondo tão

cedonojogodexadrezéevidenciadodeimediatopelosnúmerosnasprovas,epelo que Alice pensou quando o Marimbondo lhe contou como seus anéiscostumavamespiralar. “Umacuriosa ideiaveio à cabeçadeAlice.Quase todomundo que conhecera havia recitado poesia para ela, e pensou que iriaexperimentar para ver se o Marimbondo também não o poderia fazer.” AprimeirapessoaarecitarpoesiaparaAliceéTweedledee,easegundaéHumptyDumpty.Oepisódioperdido,portanto,tinhadeocorrerdepoisdocap.6.Aprimeiralinha,incompleta,dasprovasnãodeixadúvidadequeocatálogo

da Sotheby’s indica corretamente onde Carroll pretendera que o episódio doMarimbondofigurasse.(Opontoémostradopelasetanareproduçãonap.183daprimeiraediçãodeAtravésdoEspelho,aquireproduzidanap.248).Aliceacaboude acenar seu adeus final aoCavaleiroBranco, descendodepois omorroparasaltaroúltimoriachoesetornarumaRainha.“Algunspoucospassosalevaramà beira do riacho.” Em vez de um ponto final havia uma vírgula. A frasecontinuavanoaltodaprimeiraprova:“eestavaprestesasaltá-loquandoouviuumsuspiroprofundo,quepareciavirdobosqueatrásdesi.”TantoTennielquantoCollingwoodchamaramoepisódioum“capítulo”,mas

essa ideia encerra problemas. As provas não dão nenhuma indicação de quesejam outra coisa senão trechos do cap.8, e parece improvável que CarrollpudesseterqueridoqueseusegundolivrodeAlicetivesse13capítulosquandooprimeiro tinha 12. Morton Cohen acredita que Tenniel, escrevendo “premidopela pressa”, usou a palavra capítulo quando queria dizer episódio. AsobservaçõesdeCollingwoodsãofacilmenteexplicáveiscomoconsequênciadomodo como interpretou as cartas de Tenniel. (Ele deve ter tido acesso a pelomenos mais uma carta de Tenniel, porque a observação que cita como do

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ilustrador sobre um Marimbondo de peruca estar “além dos instrumentos daarte”nãoconstadacartaquereproduzemfac-símile.)Seria possível sustentar que, se o episódio do Marimbondo pertencesse ao

capítulodoCavaleiroBranco,esteteriasidoinusitadamentelongo,enessecasonão teriaTenniel escritoqueoepisódiodeveria ser removidopara“encurtarocapítulo”emvezdepara“encurtarolivro”?Poroutrolado,ofatodeocapítuloestar longo demais pode ter sido mais uma razão para Carroll se dispor aeliminar o episódio. Infelizmente, ao que se sabe nenhuma outra provasobreviveu,demodoquesomosforçadosanosbasearemindíciosindiretosparadecidirqueideiaécorreta.Edward Guiliano é favorável à ideia de que Tenniel tinha “episódio” em

mente.Apoiaosargumentosjáapresentadosetemtambémaimpressãodequeos incidentesdoepisódio teriamacrescentadounidade temática ao capítulodoCavaleiroBranco.ApósconversarcomoCavaleiroBranco,umfidalgodaclassealtaaindavigoroso,Aliceconheceumtrabalhadordeclassebaixaemsuafasededeclínio.cDáseuadeusaoCavaleiroBrancocomumlenço;oMarimbondotemum lenço enrolado no rosto. O Cavaleiro Branco fala sobre abelhas e mel; oMarimbondopensaqueAlice éumaabelha e lhepergunta se temalgummel.Atéo trocadilhocomopente [nooriginal, compentee favo,amboscombeminglês],Guilianoacredita,nãoéassim tão fraconocontextodocapítulocomooriginalmente se pretendeu. Esses e outros incidentes no episódio doMarimbondo o ligam ao capítulo do Cavaleiro Branco de uma maneira quesugerequenãofoiconcebidoparafigurarisoladamente.EraoepisódiodoMarimbondoumtextoquemereciaserpreservado?Era,é

claro,eminentementemerecedordepreservaçãoporrazõeshistóricas,masnãoéissoque tenhoemmente.Temmérito intrínseco?Tennieldissequeoepisódionãoo interessava emabsoluto, emuitosqueo leram recentemente concordamquenãoestá(naspalavrasdeCollingwood)“àalturadorestantedolivro”.PeterHeath acha que uma razão por que o episódio carece da vivacidade de outraspartes do livro é a repetição que faz de tantos temas que ocorrem em outraspassagens.Aliceteveumaconversaanteriorcomuminsetoinfeliz,oMosquito,no cap.3.No capítulo seguinte ao do episódio doMarimbondo, conversa commaisumacriaturadosexomasculinodeclassebaixa,oSapo.AscríticasqueoMarimbondofazaorostodeAlicelembramasdeHumptyDumpty.AstentativasdeAlicedeajeitaraaparênciadesalinhadadoMarimbondosãoanálogasàssuastentativasdedarumjeitonadesarrumaçãodaRainhaBrancanocap.5.Háaindaoutros ecos de temas conhecidos que o professor Heath notou. “É como se ainventividadedeCarrollestivesseumpouquinhodebilitada”,escreveelenuma

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carta,“eomomentumdanarrativativessesidotemporariamenteperdido.”Tudo istopodeserverdade,masestouconvencidodeque, seoepisódio for

lidocomatenção,depoisrelidováriasvezesemocasiõesposteriores,seuméritoficará cada vez mais visível. Antes de mais nada é inconfundivelmentecarrollianoemseutomgeral,seuhumor,seusjogosdepalavraseseunonsense.AadvertênciadoMarimbondo“Queelepareporaí!”esuaobservaçãodequeosolhosdeAlicesãotãopróximosumdooutro(comparadoscomosdele,éclaro)queelapoderiatersearranjadoigualmentebemcomumolhosóemvezdedoissão ambos puro Carroll. Os jogos de palavras podem não estar à altura domelhordeCarroll,masdevemoslembrarquefrequentementesódepoisqueumlivro estava composto ele começava a trabalhar a sério em revisões. Se oepisódio do Marimbondo foi removido do livro antes de Carroll começar aburilarasprovas, issoexplicariaporqueo textoparecemaiscruquequalqueroutrapassagemdolivro.Duascaracterísticasdoepisódioimpressionam-mecomodeespecialinteresse:

a extraordinária habilidade com que Carroll, em apenas poucas páginas dediálogo, traz à luz a personalidade de um velho irascível mas de certomodocativante,eainfalívelgentilezadeAliceparacomele.EmboraAlice sejahabitualmentedelicadae respeitosaparacomascuriosas

criaturasqueencontraemseusdoissonhos,pormaisdesagradáveisquesejam,nemsempreissoacontece.NalagoadelágrimaselaofendeoCamundongoduasvezes, dizendo-lhe que sua gata caça camundongos e que um cachorro dovizinhogostadematarratos.Poucomaistarde,apósacorridaemcomitê,elasedistraidenovoeinsultaasavesreunidascomentandooquantosuagatagostadecomerpassarinhos.SemesquecerocerteiropontapécomquearremessaBill,oLagarto,foradachaminé.(“LávaioBill!”)EmAtravésdoEspelho,Alice (agoraseismesesmaisvelha)nãoémais tão

intempestiva,masemnenhumepisódiodolivrotrataumacriaturadesagradávelcomtãonotávelpaciência.Emnenhumepisódio,nosdoislivros,seucarátersedá a conhecer tão vividamente como o de umamenininha inteligente, polida,atenciosa. É um episódio em que a extrema juventude confronta a extremavelhice.EmboraoMarimbondoacritiqueconstantemente,emnenhummomentoAlicedeixadesecompadecerdele.Precisodizeristo?SomosinformadosdoquantoAlice,opeãobranco,almeja

tornar-se uma Rainha. Sabemos quão facilmente poderia ter saltado o riachofinal para ocupar a última fila do tabuleiro. No entanto, Alice não faz omovimentoquandoouveosuspiroagoniadoatrásdesi.QuandooMarimbondorespondecomirritaçãoàssuasamáveisobservações,desculpaomauhumordele

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comacompreensãodequeésuadorqueodeixarabugento.Depoisqueelaoajudouapassarparaumoutroladomenosexpostoaofriodaárvore,arespostadele é: “Não consegue deixar uma pessoa empaz?”Sem se ofender,Alice seofereceparalerparaeleojornaldemarimbondosqueestáaospésdele.Embora o Marimbondo continue criticando-a, quando o deixa Alice está

“muitosatisfeitaporterrecuadoededicadoalgunsminutosaconsolarapobreealquebrada criatura”. Carroll certamente deve ter querido mostrar Alicepraticandoumatofinaldecaridadequejustificariasuaiminentecoroação,umarecompensa que ele, cristão piedoso e inglês patriota, teria considerado umdesfecho de justiça. Alice desponta como uma menininha tão admirável eencantadoraqueoprofessorGuilianodescobriu,parasuasurpresa,quealeituradoepisódioalterousuareaçãoaolivrointeiro.Ovelho,comseutemperamentoirascíveleseusossosdoloridos,étambém,é

claro,uminsetogenuíno.Asfêmeasdosmarimbondos(rainhaseoperárias)sealimentam de outros insetos, como lagartas, aranhas e moscas, que primeiroparalisam, aferroando-as. Com suas fortes mandíbulas, removem a cabeça, aspernaseasasasdavítima;depoisocorpoémascadoatévirarumapolpaaserdadacomoalimentoparasuaslarvas.TalveznãosejaporacasoqueosinsetosdeCarrollpertencemaumaestruturasocialqueincluirainhasferozesepoderosas,comoasrainhasdoxadrezemuitasrainhasqueaInglaterrajáteve.Em contraste, os machos (zangões) não aferroam. Em algumas espécies o

macho,seopegamosnamão,vaitentaramedrontar-noseconseguiraliberdaderealizando todos os movimentos da picada. (John Burroughs comparou esseblefecomatentativadeumsoldadonabatalhadeassustaroinimigodetonandocartuchos vazios.) Marimbondos-macho, como o de Carroll, embora pareçamtemíveis,assemelham-seaosreisdoxadrez.Sãocriaturasamáveis,inofensivas.Com exceção de um pequeno número de rainhas que hibernam, os

marimbondos são insetos de verão e não sobrevivem ao inverno. Durante osmesesquentes,trabalhamfuriosamenteparaproverasubstânciadaprole;depoisenrijecem-seemorremcomachegadadosventosfriosdooutono.ÉassimqueOliverGoldsmithexpressaissoemsuamaravilhosa,agoraesquecida,HistoryoftheEarthandAnimatedNature:

Enquantooscaloresdoverãocontinuam,elas[osmarimbondos-fêmea]sãoaudaciosaseempreendedoras;masquandoosol se retrai issoparece lhesroubaracoragemeatividade.Àmedidaqueofrioaumenta,observa-sequese tornammais caseiras; raramente deixam o ninho, pouco se aventuramforadecasa,voejamdeumladoparaoutronocalordomeio-dia,epouco

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depois regressam com frio e fracas … Quando o frio aumenta, já nãoencontramcalorsuficienteemseusninhos,quesetornamodiososparaelas,e voam para buscá-lo nos cantos das casas e lugares que recebem calorartificial.Masmesmo assimo inverno é insuportável; e, antes que o anonovocomece,secamemorrem.

Como tantas pessoas idosas, oMarimbondo tem lembranças felizes de umainfânciaemqueseuscabelosespiralavam.Emcincoestrofesdepéquebradoeleconta aAlice sobre seu terrível erro de deixar que amigos o convencessem araspar a cabeça para usar umaperuca.Todos os seus infortúnios subsequentessãoatribuídosaessaimprudênciadescabida.Elesabequesuaaparênciaatualéridícula.Suaperucanãoseajusta,nãoconseguemantê-laarrumada.Ofende-sequandoriemdele.OMarimbondoéa“últimafolha”deOliverWendellHolmes,sofrendo a zombaria da comunidade enquanto se agarra ao “velho edesamparadogalho”.EmboraoMarimbondofinjanãoquererqueAliceoajudedemaneiraalguma,

seu ânimomelhora comavisitadela e aoportunidadede lhe contar sua tristehistória.Defato,antesdapartidadeAlice,tornou-seanimadoefalante.Quandoela finalmente diz “até logo”, ele responde com “Obrigado”. É o únicoagradecimentoqueAlicerecebedequalquerumqueencontradooutroladodoespelho.AmodadaperucaatingiuproporçõesabsurdasnaFrançaenaInglaterranos

séculosXVIIeXVIII.DuranteoreinadodarainhaAna,quasetodososhomensemulheres de classe alta na Inglaterra usavam esse atavio e era possível saberinstantaneamente qual era a profissão de um homem pelo tipo de peruca queexibia.Algumasperucasmasculinascaíamatéabaixodosombros,encobrindoascostaseopeito.AmaniacomeçouaarrefecersobarainhaVitória.NaépocadeCarroll, tinhapraticamentedesaparecido,comexceçãodasperucascerimoniaisdejuízeseadvogados,dasperucasdeatoresedaquelasusadasparaesconderacalvície. A peruca do Marimbondo é claramente uma marca de sua idadeavançada,mesmoquetivessecomeçadoausá-laquandojovem.Por que uma peruca amarela? Se os anéis do marimbondo eram amarelos,

seria natural que os substituísse por uma peruca amarela, mas Carroll pareceenfatizaracorporoutras razões.Eleoqualificade“amarelovivo”.EquandoAlice se encontra com o Marimbondo pela primeira vez a peruca dele estácobertacomumlençoamareloenroladonacabeçaenaface.AmbososlivrosdeAlicecontêmpiadassobrepessoasqueaAlicereal,Alice

Liddell,conhecia.Épossível,suponho,queoMarimbondodeCarrollfaçatroça

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de alguém, talvez algum comerciante idoso da área, que usava uma perucaamareladespenteada,comaspectodealgasmarinhas.OutrateoriaestáligadaàcoramarelademuitosmarimbondosnaInglaterra.O

termoamericanoyellow-jackets para uma grande classe de insetos sociais queeram (e são) chamadoshornets [marimbondos-caçadores ou vespões] pode terestadonamentedeCarroll.OtermosepropagouparaaInglaterra,enumerosasvariedadesdemarimbondosbritânicos têmlistrasamarelasemtornodocorpo.As antenas dos marimbondos são compostas de minúsculas ligações tambémchamadasanéis.Asantenasdeummarimbondojovemcertamenteondulariam,se encaracolariam e se encrespariam como pretende o poema. Se cortadas, épossívelquenãovoltemacrescer.TalvezhouvessemarimbondosemOxford,conhecidosporCarrolleporAlice

Liddell, com cabeças pretas circuladas por uma listra amarela que pareceria atodomundoumlençoamareloamarradoemtornodafacedoinseto.Mesmosemuma tira amarela, a face de ummarimbondode fato parece uma face humanaenvolta por um lenço, as pontas do nó se projetandodo topoda cabeça comoduas antenas.d O professor Heath se lembra de ter tido exatamente essespensamentosquandoeracriançanaInglaterra.UmaterceirateoriaéadequeoMarimbondo,comseulençoamarelosobre

umaperucaamarela,correspondeaAlicedepoisqueelasetornaumarainha–acoroadouradasobreseucabelocordelinho.Uma quarta teoria (evidentemente essas teorias não são mutuamente

excludentes) é que Carroll escolheu o amarelo por causa de sua longaassociação,naliteraturaenafalacomum,comooutonoeavelhice.Amarelaéapeledosidosos,especialmentesesofremdeicterícia.Éacordasfolhasmortas,domilhomaduro,dopapel“amareladopelosanos”.“Sorrow,thought,andgreatdistressmadeherfullyellow”[“Ador,opensamentoeograndepenarfizeram-natodaamarela”],escreveuChaucer(emRomanceoftheRose).Shakespeare usou frequentemente o amarelo como símbolo da idade. O

professorCohenrelataqueCarrollcitapelomenosduasvezes,emsuascartas,oseguinte comentário de Macbeth: “My way of life is fallen into the sere, theyellow leaf” [“Meu modo de viver terminou na folha seca, amarela”]. EstesversosdoSoneto73deShakespearesãoparticularmenteapropriados:

NessaépocadoanopodesmecontemplarQuandofolhasamarelas,ounenhuma,oupoucas,persistemNaquelesgalhosquetrememcontraofrio…

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Através do Espelho abre e fecha com poemas que falam do inverno e damorte. O próprio sonho ocorre provavelmente em novembro, enquanto Aliceestásentadadiantedeumfogocrepitanteeaneveestá“beijando”asvidraças.“Afriagemdooutono,overãovarreu”,écomoCarrolloexpressaemseupoemafinal, lembrando aquela viagem de barco pelo Tâmisa num 4 de julhoensolarado,quandocontoupelaprimeiravezaAliceahistóriadaviagemdelaaoPaísdasMaravilhas.Emboraaindanãotivesse40anosquandoescreveuseusegundolivro,Carroll

eravinteanosmaisvelhoqueAliceLiddell,aamigacriançaqueadoravaacimadequalqueroutra.Nopoemaqueabreo livroele faladesimesmoedeAlicecomoseparadospor“meiavida”.RelembraaAlicequenãovaidemorarmuitoaté“queumavozinevitável”achamepara“oleitoindesejável”,esecomparaaumacriançamaisvelhaqueseagitaàaproximaçãodahoradedormirfinal.Os estudiosos acreditam queCarroll pretendeu que seuCavaleiroBranco –

aquele fidalgodesajeitado, inventivo, commeigosolhos azuis e sorrisogentil,quetratouAlicecomumacortesiatãoatípicaparaalguémdetrásdoespelho–fosseumaparódiade simesmo.Seriapossível que elevisse seuMarimbondocomo uma paródia de si mesmo quarenta anos depois? O professor Cohenconvenceu-medequenão.Carrollseorgulhavadeserumgentlemanvitoriano;em nenhuma circunstância teria se associado a um zangão de classe baixa.Apesar disso, parece-me que Carroll não teria sido capaz de escrever esseepisódio sem uma aguda consciência do fato de que o abismo de idade entreAlice e oMarimbondo se assemelhava ao que separavaAlice do narrador demeia-idadedahistória.EstouconvencidodequeCarroll,talveznãoconscientemente,falouatravésde

seu Marimbondo como um ventríloquo através de um boneco quando o fezexclamar – de umamaneira queparece estranhamente deslocadanodiálogo–“Comabreca,comabreca!Nuncahouveumacriançaassim!”

cOCavaleiroBranco,aseconsiderarapenasotextodeCarroll,poderiatersidoumjovemnacasados20anos.Tenniel,comaaprovaçãodeCarroll,desenhou-ocomoumfidalgodeidade,emboracertamentenãotãovelhoquantoo“velhohomemvelho”acujorespeitoelecanta.dAbibliotecadeLewisCarrollincluia,quandodesuamorte,umlivrodeJohnG.WoodchamadoAWorldofLittleWonders:orInsectsatHome.Ocapitulosobremarimbondosdescreveumavariedadecomumdemarimbondossociaiscomantenascujoprimeiroaneleamarelo.

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ONDECARROLLPRETENDIAQUEOEPISÓDIOFIGURASSE(REPRODUÇÃODAPRIMEIRAEDIÇÃO)

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OMarimbondodeperuca

…eestavaprestesasaltarquandoouviuumsuspiroprofundo,quepareciavirdobosqueatrásdesi.“Háalguémmuitoinfelizali”,pensou,olhandoaflitaparatrásparaveroque

haviadeerrado.Algoparecidocomumhomemmuitovelho (sóqueseu rostoparecia o de um marimbondo) estava sentado no chão, apoiado contra umaárvore,todoencolhidoetremendocomosesentissemuitofrio.“Nãoachoquepossaajudá-loemcoisaalguma”,foioprimeiropensamento

deAliceaosevirarparasaltarsobreoriacho;“masvousólheperguntarqualéoproblema”, acrescentou, detendo-se quando estava bem na beirada. “Uma vezqueeutenhasaltado,tudovaimudar,enãovoupodermaisajudá-lo.”1

Assim, voltou até o Marimbondo, bem a contragosto, pois estava muitoansiosaparaserumaRainha.“Ai,meusvelhosossos,meusvelhosossos!”eleestavamurmurandoquando

Aliceseaproximou.“É reumatismo, me parece”, Alice falou com seus botões e, inclinando-se

sobreele,dissemuitodelicadamente:“Nãoestácommuitasdores,espero?”OMarimbondo só deu de ombros e virou o rosto para o outro lado. “Ah,

pobredemim!”disseparasimesmo.“Posso fazer alguma coisa pelo senhor?”Alice continuou. “Não estámuito

expostoaofrioaqui?”“Quantodesembaraço!”exclamouoMarimbondonumtomirritado.“Coma

breca,comabreca!Nuncahouveumacriançacomoesta!”Alice sentiu-se bastante ofendida com esta resposta, e esteve a ponto de se

afastaredeixá-lo,maspensouconsigomesma:“Talvezsejaapenasadorqueodeixarabugento.”Assim,tentoumaisumavez.“Nãoquerdeixarqueoajudeapassarparaooutrolado?Vaiestarprotegido

contraoventofrioali.”OMarimbondopegouobraçodelaedeixouqueoajudasseafazeravoltada

árvore,masquandosossegoudenovodisseapenas,comoantes:“Comabreca,comabreca!Nãopodedeixarumapessoaempaz?”“Gostariaqueeulesseparaosenhorumpedacinhodisto?”Aliceprosseguiu,

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pegandoumjornalqueestavajogadoaospésdele.2“Podeler,seestiverdisposta”,disseoMarimbondodemaneirabastantemal-

humorada.“Ninguémestálheimpedindo,queeusaiba.”Assim, Alice se sentou ao lado dele, abriu o jornal sobre os joelhos e

começou:“Últimas notícias.OGrupo Explorador realizou outra expedição àDespensa e descobriu cinco novos torrões de açúcar branco, grandes e emexcelentescondições.Aoretornar…”“Algumaçúcarmascavo?”oMarimbondointerrompeu.Alice correu rapidamente os olhos pelo papel e disse: “Não. Não diz nada

sobremascavo.”“Nenhum açúcar mascavo!” resmungou o Marimbondo. “Belo grupo

explorador!”3

“Aoretornar”,Alicecontinuou lendo,“descobriramumlagodemelado.Asmargens do lago eram azuis e brancas, e pareciam louça. Enquantoexperimentavamomelado,sofreramumtristeacidente:doismembrosdogrupoforamengolfados…”“Foramoquê?”oMarimbondoperguntounumavozmuitozangada.“En-golf-ados”,Alicerepetiu,dividindoapalavraemsílabas.4“Nãoexisteessapalavranalíngua!”exclamouoMarimbondo.“Masestánestejornal”,Alicedisseumpoucotimidamente.“Vamospararporaqui!”irritou-seoMarimbondo,virandoacabeça.Alice largou o jornal. “Receio que não esteja bem”, disse num tom

apaziguador.“Nãoháalgumacoisaquepossafazerpelosenhor?”“É tudo por causo da peruca”, disse oMarimbondo numa voz muito mais

suave.“Porcausodaperuca?”Alicerepetiu,muitosatisfeitadeverqueeleestavase

acalmando.“Você seria rabugenta também, se tivesse uma peruca como a minha”,

continuouoMarimbondo.“Elesamolaagente.Chateiaagente.Eentãoagenteficamostiririca.5Ecomfrio.Eficamosdebaixodeumaárvore.Epegarumlençoamarelo.6Eamarrarnacara…comoagora.”Alice contemplou-o apiedada. “Amarrar o rosto é muito bom para dor de

dente”,disse.7“Eémuitobomparaapresunção”,acrescentouoMarimbondo.Alicenãoentendeuexatamenteapalavra.“Éumaespéciededordedente?”

perguntou.OMarimbondo refletiu umpouco. “Bem, não”, respondeu; “é quando você

ficadecabeçaerguida–assim–semcurvaropescoço.”

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“Ah,osenhorquerdizertorcicolo”,8disseAlice.OMarimbondodisse:“Esseéumnomecriadoagora.Nomeutempoissoera

chamadopresunção.”“Presunçãonãoédoençademaneiraalguma”,Aliceobservou.“É sim”, disse oMarimbondo; “espere até sofrer dela, e vai ver. E quando

vocêapegar,pelomenosexperimenteusarumlençoamareloenroladonacara.Vaicurá-lanuminstante!”Enquantofalavaeledesamarrouolenço,eAliceolhouparaaperucadelecom

grande surpresa. Era de um amarelo vivo,9 como o lenço, e estava todaemaranhada e despencando para os lados como ummonte de algasmarinhas.“Poderia deixar sua peruca muito mais arrumada”, disse ela, “se pelo menostentasseadoçaressecabelo.”“Ora,vocêéumaAbelha,nãoé?”disseoMarimbondo,olhando-acommais

interesse.“Evocêtemumfavo.Muitomel?”“Nãoestoufalandodemel”,Aliceseapressouaexplicar,“masdepente.10É

parapentearseucabelo…suaperucaestátãodesgrenhada,sabe.”“Vou lhe contar como passei a usá-la”, disse oMarimbondo. “Quando era

jovem,sabe,osanéisdosmeuscabelosespiralavam…”UmaideiacuriosaveioàcabeçadeAlice.Quasetodomundoqueconhecera

haviarecitadopoesiaparaela,eresolveuverseoMarimbondonãopoderiafazê-lo também. “O senhor se importaria de contá-la em versos?” perguntou, commuitapolidez.“Nãoéoqueestouacostumadoafazer”,disseoMarimbondo;“detodomodo

vou tentar, espere um pouquinho.” Ficou em silêncio por alguns instantes, eentãorecomeçou:Quandoerajovem,meusanéisondulavam11

Eseencaracolavameseencrespavam.Entãomediziam:“Raspeestajubaindomável

Euseumaperucaamarelaapresentável.”

Masquandofinalmenteseguiessepreceito,Eosquemecercavamperceberamoefeito,Disseramquenão,queaquilonãolhesagradara

Nemdelongetantocomoantesseesperara.

Afirmaramqueporcertonãomecaíabem,Quemetornavafeio,feiocomoninguém:Mas,diga-me,quepodiaeufazeragora?

Meuscachoshaviamparasempreidoembora.

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Eassim,hoje,queestouvelhoecansado,Semmaiscabelo,sótendopassado,Arrancamdemimaperuca,zombando:

“Comopodeusaresteobjetonefando?”

Emais,semprequememostroumpouco,Elesmevaiam,apupamegritam“Porco!”12

Eassimfoiquecaínumaenormeesparrela,Tudoporcausadeumaperucaamarela.

“Sintomuitopelosenhor”,Alicedissedecoração;“eachoquesesuaperucaseajustasseumpoucomelhornãoiriamcaçoartanto.”“Asuaperucaseajustamuitobem”,murmurouoMarimbondo,olhandopara

elacomumaexpressãodeadmiração;“éporcausado formatoda suacabeça.Mas os seus maxilares não são bem-conformados. eu diria que você nãoconseguemorderbem,nãoé?”Alicecomeçouasoltarumgritinhoderiso,quetransformouemtossetãobem

quantopodia.13Porfimconseguiudizergravemente:“Consigomorderqualquercoisaquequeira.”14

“Não com uma boca assim tão pequena”, o Marimbondo insistiu. “Seestivesselutando,ora…seriacapazdeagarrarooutropelanuca?”“Achoquenão”,disseAlice.“Bem,éporqueseusmaxilaressãocurtosdemais”,oMarimbondocontinuou.

“Masococurutodasuacabeçaébem-feitoeredondo.”TirouaprópriaperucaenquantofalavaeesticouumapataemdireçãoaAlice,15comosedesejassefazero mesmo com ela, mas a menina recuou, tirando o corpo fora. Assim oMarimbondocontinuoucomsuascríticas.“Depois,seusolhos…estãonafrentedemais,semdúvida.Dánomesmoter

umoudois,seéparasetê-lostãopertoumdooutro…”16

Alicenãogostoudeouvirtantoscomentáriospessoaisaseurespeitoe,comooMarimbondohaviarecobradobastanteoânimoeestavaficandomuitofalante,achouquepoderiadeixá-losemrisco.“Pensoquedevoiremboraagora”,disse.“Atélogo.”“Atélogo,eobrigado”,disseoMarimbondo,eAlicelásefoidenovomorro

abaixo,muitosatisfeitaporterrecuadoededicadoalgunsminutosaconsolarapobreealquebradacriatura.

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Notas

AVENTURASDEALICENOPAÍSDASMARAVILHAS

1.Nesses versos à guisa de prefácioCarroll relembra aquela “tarde dourada” de 1862 quando ele e seuamigo reverendoRobinsonDuckworth (entãomembrodadireçãodoTrinityCollege,Oxford,mais tardecônegodeWestminster)levaramastrêsencantadorasirmãsLiddellparaumaexcursãoemumbarcoaremopelo Tâmisa. “Prima” era a irmãmais velha, Lorina Charlotte, de 13 anos. Alice Pleasance, de 10, era“Secunda”,eairmãmaisnova,Edith,de8anos,era“Tertia”.Carrolltinhaentão30anos.Adataerasexta-feira, 4 de julho, “um dia tão memorável na história da literatura”,W.H. Auden observou, “quanto nahistóriaamericana”.

O passeio foi de cerca de cinco quilômetros, começando emFollyBridge, perto deOxford, eterminando na aldeia de Godstow. “Tomamos chá às margens do rio”, Carroll registrou, “e sóchegamos de volta ao Christ Church um quarto depois das 8, quando as levamos até os meusaposentosparaverminhacoleçãodemicrofotografias,easdevolvemosàresidênciadodeãopoucoantesdas9”.Setemesesmaistardeeleacrescentouaesseregistroaseguintenota:“OcasiãoemqueconteiaelasocontodefadasdasaventurassubterrâneasdeAlice…”

Vinteecincoanosmaistarde(emseuartigo“AliceontheStage”,TheTheatre,abr1887),Carrollescreveu:

Havíamosremadojuntosmuitosdiasnaquelaságuastranquilas–astrêspequenasdonzelaseeu–emuitoscontosdefadashaviamsidoimprovisadosparaelas,queremmomentosemqueonarradorestava“inspirado”,efantasiasinvoluntáriasoassaltavamaosbandos,queremoutrosemqueaMusaesfalfadaeraestimuladaaagir,esedeixavaarrastarresignada,maisporquetinhadedizeralgodoqueporque tivesse algo a dizer; no entanto, nenhumadessasmuitas histórias foi escrita: viviamemorriam,comomaruinsdeverão,cadaumaemsuaprópriatardedourada,atéquechegouodiaemque,poracaso,umademinhaspequenasouvintessuplicouqueahistóriafosseescritaparaela.Issofoi há muitos anos, mas lembro nitidamente, agora enquanto escrevo, como, numa tentativadesesperadadechegaraumcontodefadasdefeiçãodiferente,eu,paracomeçar,tinhadespachadominhaheroínadiretamentepor uma tocade coelho, semamínima ideia doquedeveria acontecerdepois.Eassim,paraagradaraumacriançaqueeuamava(nãomelembrodenenhumoutromotivo),escrevi amão e ilustrei commeus próprios desenhos toscos – desenhos que se rebelavam contratodasasleisdaAnatomiaoudaArte(poisnuncativeraumaauladedesenho)–olivroqueacabodepublicar em fac-símile.Aoescrevê-lo, acrescenteimuitas ideiasnovas, quepareciambrotar por simesmas a partir do tronco original; e muitas mais se acrescentaram quando, anos mais tarde, oreescreviinteiroparapublicação…

Surja,pois,vindadopassadoevanescente,“Alice”,acriançadosmeussonhos.Muitosemuitos

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anos se passaram desde aquela “tarde dourada” que a deu à luz, mas posso recordá-la quase tãoclaramente como se tivesse sido ontem– o azul semnuvens acima, o espelho-d’água embaixo, obarcoderivandoociosoemseucaminho,orespingardasgotasquecaíamsobreosremos,enquantoeles se agitavam tão sonolentamentepara frente epara trás, e (único lampejo radiantedevidaemtodaacenamodorrenta)ostrêsrostosimpacientes,famintosdenotíciasdopaísdasfadas,equeserecusavamaadmitirum“não”;vindodaqueleslábios,“Conta-nosumahistória,porfavor”tinhatodaaimutabilidadeinflexíveldoDestino!

Aliceregistrouduasvezessuaslembrançasdaocasião.AslinhasqueseseguemsãocitadasporStuartCollingwoodemTheLifeandLettersofLewisCarroll:

Amaiorpartedashistóriasdosr.DodgsonnosfoicontadaemexpediçõespelorioatéNunehamouGodstow,pertodeOxford.Minhairmãmaisvelha,agorasra.Skene,era“Prima”,euera“Secunda”e“Tertia”eraminhairmãEdith.AcreditoqueoiníciodeAlicefoicontadonumatardedeverãoemqueosolqueimavatantoquehavíamosdesembarcadonascampinasrioabaixo,abandonandoobarcoparanosrefugiarmosnaúnicanesgadesombraàvista,queeradebaixodeummontedefenorecém-empilhado.Ali,veiodastrêsavelhasúplica“Conte-nosumahistória”,eassimcomeçouodeliciosoconto.Àsvezes,paranosprovocar–etalvezestandorealmentecansado-,osr.Dodgsonparavaderepenteedizia:“Eésó,atéapróximavez.”“Ah,masestaéapróximavez”,eraaexclamaçãodastrês;eapósalgumapersuasãoahistóriarecomeçava.Outrodia,talvezahistóriacomeçassenobarco,eosr.Dodgson,nomeiodorelatodeumaaventurapalpitante,fingiateradormecidoprofundamente,paranossagrandeconsternação.

OfilhodeAlice,CarylHargreaves,escrevendonaCornhillMagazine(jul1932),citaamãenosseguintestermos:

QuasetudodeAlice’sAdventuresUndergroundfoicontadonaquelaresplandecentetardedeverão,anévoadocalortremeluzindosobreascampinasondeogrupodesembarcouparaseabrigarporalgumtemponasombraprojetadapelosmontesdefenopertodeGodstow.Achoqueashistóriasqueelenoscontouessa tardedevemtersidomelhoresquedecostume,porque tenhoumalembrançabemnítida da excursão, e também porque, no dia seguinte, comecei a importuná-lo para escrever ahistóriaparamim,oquenunca tinhafeitoantes.Foiporcausademeu“vamos lá,vamos lá”edaminha importunação que, depois de dizer que ia pensar no assunto, acabou por fazer a hesitantepromessaqueoimpeliuaescrevê-la.

Finalmente,temosorelatodoreverendoDuckworth,encontradoemTheLewisCarrollPictureBook,deCollingwood:

EuremavanapopaeelenaproanafamosaviagemaGodstowduranteasfériaslongas,emqueastrêssenhoritasLiddelleramnossaspassageiras,eahistóriafoidefatocompostaecontadasobremeuombroparaoentretenimentodeAliceLiddell,queestavaservindode“timoneiro”denossobarco.Lembrodemeviraredizer:“Issoéumromanceimprovisadoseu,Dodgson?”Eelerespondeu:“É,estouinventandoàmedidaqueavançamos.”Lembro-metambémdecomo,quandolevamosastrêscrianças de volta para a residência do deão,Alice disse, ao nos dar boa-noite, “Oh, sr.Dodgson,gostariaqueescrevesseasaventurasdeAliceparamim”.Elerespondeuqueiriatentar,emaistardemedissequehaviapassadoquaseanoitetodaacordado,registrandonumcadernosuaslembrançasdasbrincadeirascomqueanimaraatarde.Acrescentouilustraçõesfeitasporeleeofereceuovolume,quecostumavaservistocomfrequêncianamesadasaladeestardaresidênciadodeão.

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Écompesarqueacrescentoqueem1950,quandosefezumaverificaçãojuntoaoinstitutodemeteorologiadeLondres(talcomorelatadoemLewisCarroll:Photographer,deHelmutGernsheim),osregistrosindicaramqueotemponasproximidadesdeOxfordnodia4dejulhode1862foi“frescoebastanteúmido”.IssofoiconfirmadomaistardeporPhilipStewart,doDepartamentode

SilviculturadaUniversidadedeOxford.ElemeinformouporcartaqueasAstronomicalandMeteorologicalObservationsMadeattheRadcliffeObservatory,Oxford,vol.23,reportamotemponodia4dejulhocomochuvosoapósas14h,comcoberturadenuvens10/10etemperaturamáximaàsombrade19,9grauscentígrados.EssesregistrosapoiamaideiadequeCarrolleAliceconfundiramsuaslembrançasdaocasiãocompasseiosdebarcosemelhantesfeitosemdiasmaisensolarados.Aquestão,contudo,continuacontroversa.Paraumadefesabemfundamentada

daconjeturadequeodiapodeafinaltersidosecoeensolarado,ver“TheWeatheronAliceinWonderlandDay,4July1862”,deH.B.Doherty,doAeroportodeDublin,emWeather,vol.23(fev1968),p.75-8.QuemmechamouatençãoparaesseartigofoioleitorWilliamMixon.2.OsperegrinosàTerraSantausavamcomfrequênciafloresnacabeça.OleitorHowardLeesenviouumacitaçãodoPrólogodosContosdeCanterbury,deChaucer,emqueoOficialdeJustiçaéassimdescrito:

Nacabeça,traziaumaguirlandaqueera

Tãograndequantooramodeazevinho

Quediantedatabernanosconvidaatomarvinho…

NãoestariaCarrollsugerindo,perguntaLees,“queAlicedeveriaguardaressashistóriasemsuamemóriainfantil;amemóriaque,quandoelasetornaradulta,serácomoumramodefloresmurchascolhidasnaterradistantedainfância?”

Alguns anos antes de escrever esse poema introdutório, Carroll fotografou Alice com umaguirlanda de flores na cabeça. A foto está reproduzida emLewis Carroll: A Biography, de AnneClark (Schocken,1979), emfacedap.65,eemReflections inaLookingGlass,deMortonCohen(Aperture,1998),p.58.

1.PELATOCADOCOELHO1.AsimagensdeAlicefeitasporTennielnãoretratamAliceLiddell,quetinhacabeloescurocortadocurtoefranjacaindolisasobreatesta.CarrollenviouaTennielumafotografiadeMaryHiltonBadcock,outraamigacriança,recomendando-lhequeausassecomomodelo,masseTennielaceitouounãoesseconselhoé uma questão. Que não o tenha feito é fortemente sugerido por estas linhas de uma carta que CarrollescreveualgumtempodepoisqueambososlivrosdeAlicehaviamsidopublicados(acartaécitadapelasra.LennonemseulivrosobreCarroll):

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O sr. Tenniel é o único artista que desenhou para mim que se recusou resolutamente a usar ummodelo,declarandoquetinhatãopoucanecessidadedeumquantoeudeumatabuadademultiplicarpara resolverumproblemamatemático!Arrisco-meapensarqueestavaerradoeque,por faltademodelo, desenhou várias imagens de “Alice” completamente desproporcionais – cabeçaevidentementegrandedemaisepésevidentementepequenosdemais.

Em “Alice on the Stage”, artigo citado na primeira nota ao poema introdutório, Carroll fez aseguintedescriçãodapersonalidadedesuaheroína:

Queerastu,Alicedesonho,nosolhosdeteupaiadotivo?Comoeleteretratará?Amorosa,primeiro,amorosaegentil:amorosacomoumcão(desculpaosímileprosaico,masnãoconheçoamorterrenotãopuroeperfeito), egentil comoumacorça;depois, cortês–cortêsparacom todos, grandes oupequenos,ilustresougrotescos,ReiouLagarta,comosefosseelamesmaafilhadeumRei,eseustrajes de ouro forjados; depois, confiante, pronta a aceitar asmais extravagantes impossibilidadescom toda aquela ilimitada confiança que só os sonhadores conhecem; e, por fim, curiosa –desvairadamentecuriosa, comumgozoávidodaVidaquesóocorrenashoras felizesda infância,quandotudoénovoe justo,equandoPecadoeDorsãoapenasnomes–palavrasvaziasquenadasignificam!

ConcordocomocorrespondenteRichardHammeruddequefoiintençãodeCarrollcomeçarsuahistóriacomapalavra“Alice”.

OsímboloquesevênocantodireitoinferiordosdesenhosdeTennieléummonogramadesuasiniciais,J.T.

2.Carrolltinhaconhecimento,éclaro,dequenumestadonormaldequedalivreAlicenãopodianemsoltaropote(elepermaneceriasuspensodiantedela)nemrecolocá-lonumaprateleira(suavelocidadeseriarápidademais).ÉinteressantenotarqueemseuromanceSílviaeBruno,cap.8,Carrolldescreveadificuldadedetomarchánumacasaqueestácaindo,bemcomonumaqueestásendopuxadaparabaixonumaaceleraçãoaindamaior;antecipouassim,sobcertosaspectos,afamosa“experiênciadepensamento”emqueEinsteinusouumelevadorimaginárioemquedaparaexplicarcertosaspectosdateoriadarelatividade.

3.WilliamEmpsonassinalou(naseçãosobreLewisCarrollemseuSomeVersionsofPastoral)queestaéaprimeirapiadasobremortenoslivrosdeAlice.Muitasmaisviriam.

4.NaépocadeCarrollhaviaconsiderávelespeculaçãopopularquantoaoqueaconteceriasealguémcaíssenumburacoquepassasseexatamentepelocentrodaTerra.Plutarcohaviaformuladoaperguntaemuitospensadores famosos, entre os quais FrancisBacon eVoltaire, haviam-na discutido.Galileu (Dialogo deimassimisistemi,giornataseconda,editadoemFlorençaem1842,vol.1,p.251-2)deuarespostacorreta:oobjetocairiacomvelocidadecrescentemascomaceleraçãodecrescenteatéatingirocentrodaTerra,pontoemquesuaaceleraçãoseriazero.Apartirdaíteriasuavelocidadereduzida,comaceleraçãocrescente,atéalcançaraaberturanooutroextremo.Emseguidacairiadevolta.Ignorando-searesistênciadoareaforçadeCoriolisqueresultadarotaçãodaTerra(amenosqueoburacovádepoloapolo),oobjetoiriaoscilardeumladoparaooutroeternamente.Aresistênciadoar,éclaro,acabariaporpô-loemrepousonocentrodaTerra.O leitor interessado deveria consultar “AHole through the Earth”, do astrônomo francêsCamilleFlammarion, em The Strand Magazine, vol.38 (1909), p.348, ainda que apenas para ver as sinistrasilustrações.

O interessedeCarrollpeloassuntoé indicadopelo fatodeque,nocap.7de seuConclusão de

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SílviaeBruno,eledescreve(alémdeumabandadeMöbius,deumplanoprojetivoeoutrosinventoscientíficos e matemáticos fantásticos) um método extraordinário para propelir trens usando agravidadecomoúnicafontedeenergia.Ostrilhosseestendemdeumacidadeaoutraporumtúnelperfeitamente reto.Comoocentrodo túnelestánecessariamentemaispróximodocentrodaTerraquesuasextremidades,o tremcorreporumdecliveatéocentro,adquirindomomentum suficientepara mover-se pela outra metade do túnel. Curiosamente, um trem como esse faria a viagem(ignorando-sea resistênciadoareoatritodas rodas)exatamentenomesmotempoqueumobjetolevariaparacairatravésdocentrodaTerra–poucomaisque42minutos.Essetempoéconstante,sejaqualforocomprimentodotúnel.

Aquedamundosubterrâneoadentrocomoartifíciopara ingressarnuma terrademaravilhas foiusadapormuitosoutrosautoresdehistóriasfantásticasparacrianças,emespecialporL.FrankBaumemDorothy e oMágico deOz eRuthPlumlyThompson emThe Royal Book ofOz.BaumusoutambémotuboatravésdaTerracomoumtruquedemuitoefeitonatramadeTik-TokofOz.

5.As irmãsLiddell erammuitoafeiçoadasaosdoisgatosmalhadosda família,DinaheVillikens, assimchamadosapartirdeumacançãopopular,“VillikensandHisDinah”.Dinaheseusdois filhotes,KittyeSnowdrop,reaparecemnoprimeirocapítulodosegundolivrodeAlicee,maistarde,nosonhodeAlicesobaformadasRainhasVermelhaeBranca.

6.Umachavedeouroquedestrancavaportasmisteriosaseraumobjetocomumnaliteraturavitoriana.Aquiestáasegundaestrofeda“BalladeoftheBookworm”,deAndrewLang:

Umdomasfadasmederam(três

Emgeralconcediamoutrora):

Oamoraoslivros,achavedeouroQueabreaportaencantada.

Emsuasnotasparaumaediçãodos livrosdeAlice feita emOxford,RogerGreenassociaessachavedeourocomachavemágicaparaocéudafamosahistóriafantásticadeGeorgeMacDonald,“TheGoldenKey”.A história foi publicada pela primeira vez num livro de 1867,Dealings withFairies, dois anos após a publicação deAlice noPaís dasMaravilhas,masCarroll era amigo deMacDonald e é possível, escreve Green, que tivesse visto a história em manuscrito. MacDonaldescreveu também um poema intitulado “The Golden Key”, que foi publicado cedo o suficiente(1861)paraqueCarrollotivesselido.AhistóriaestáreproduzidanaesplêndidaantologiadeMichaelHearn,TheVictorianFairyTaleBook(Pantheon,1988).

7. T.S. Eliot revelou ao crítico Louis L. Martz que tinha esse episódio em mente quando escreveu osseguintesversospara“BurntNorton”,oprimeiropoemadeseusQuatroquartetos[queaparecemaquinatraduçãodeIvanJunqueira]:

Otempopresenteeotempopassado

EstãoambostalvezpresentesnotempofuturoEotempofuturocontidonotempopassado.

Setodootempoéeternamentepresente

Todotempoéirredimível.Oquepoderiatersidoéumaabstração

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Quepermanece,perpétuapossibilidade,

Nummundoapenasdeespeculação.Oquepoderiatersidoeoquefoi

Convergemparaumsófim,queésemprepresente.

EcoampassosnamemóriaAolongodasgaleriasquenãopercorremos

Emdireçãoàportaquejamaisabrimos

Paraoroseiral.

AportinhaparaumjardimsecretoapareceaindaemTheFamilyReunion,tambémdeEliot.Eraparaeleumametáforadeeventosquepoderiamterocorrido,casosetivessemabertocertasportas.

8.Ofrascoderemédiovitorianonãotinhatampadeenroscarnemrótulocolado.Eraarrolhado,comumrótulodepapelamarradonogargalo.

9.As“historinhasdivertidas”,CharlesLovettmelembra,nãoeramtãodivertidasassim.Eramoscontosdefadas tradicionais, cheios de episódios de horror e em geral com umamoral piedosa.Ao pôr de lado amoral,oslivrosdeAliceinauguraramumnovogênerodeficçãoparacrianças.

10.Estaéaprimeirade12ocasiõesnolivroemqueAlicemudadetamanho.RichardEllmannsugeriuqueCarrolltalvezestivessesimbolizandoinconscientementeagrandedisparidadeentreapequenaAlicequeeleamava,mas com quem não podia se casar, e aAlice grande que ela logo se tornaria.Veja “OnAlice’sChanges in Size in Wonderland”, de Selwyn Goodacre, em Jabberwocky (inverno 1977), para muitasdiscrepânciasnasilustraçõesdeTennielnotocanteaotamanhodeAlice.

11.ObserveousoporTweedledumdamesmametáforada chamadavelanocap.4do segundo livrodeAlice.

12.[Nooriginal:“alasforpoorAlice!“]TeveCarrollaintençãodefazerumjogodepalavrascom“alas”?Édifícil saberaocerto,masnãohádúvida sobrea intençãoemFinnegansWake (ed. rev.Viking,1959,p.528)quandoJamesJoyceescreve:“Alicious,twinstreamstwinestraines,throughalluringglassoralasinjumboland?”Enovamente(p.270):“ThroughWonderlawn’slostusforever.Alis,alas,shebroketheglass!Liddelllokkerthroughtheleafery,oursismisteryofpain.”

Para as centenas de referências a Dodgson e aos livros de Alice em Finnegans Wake, ver oexcelenteartigodeAnnMcGarrityBuki,“LewisCarrollinFinnegansWake”,emLewisCarroll:ACelebration(ClarksonN.Potter,1982),organizadoporEdwardGuiliano,eoartigoanteriordeJ.S.Atherton,“LewisCarrollandFinnegansWake”,emEnglishStudies(fev1952).Emsuamaiorparte,asalusõessãoindiscutíveis,masquesentidodaraestranhezascomoasiniciaisidênticasdosnomesAlicePleasanceLiddelleAnnaLiviaPlurabelle?Seráumacoincidência,comoascorrespondênciasentreosnomesdeCarrolleAlice(notadapeloleitorDennisGreen)notocanteaocomprimentodosnomes,àsposiçõesdasvogais,consoanteseletrasduplasnoúltimonome?

ALICELIDDELL

LEWISCARROLL

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Maisjogoscomletras:considereasconsoantesiniciaisde“DearLewisCarroll”[QueridoLewisCarroll].Detrásparafrente,sãoasiniciaisdeCharlesLutwidgeDodgson.

DeinteressemaissérioéofatodequeAliceteveumfilhochamadoCarylLiddellHargreaves.Outra coincidência? O caso amoroso importante que Alice teve antes de se casar com ReginaldHargreavesfoicomopríncipeLeopolddaInglaterra.ElesseconheceramquandoorapazfaziasuagraduaçãonoChristChurch.ArainhaVitóriaconsideravainconcebívelqueelesecasassecomalgomenosqueumaprincesa e a sra.Liddell concordava.Aliceusouumpresente dopríncipe em seuvestidodenoivaedeuaseusegundofilhoonomeLeopold.OpríncipeLeopold,quesecasoucomumaprincesaalgumassemanasdepois,deuaumafilhaonomeAlice.ÉdifícilacreditarqueAlice,quando batizou seu terceiro filhoCaryl, não tivesse emmente seu velho amigomatemático,massegundoAnneClark,emseumaravilhosolivroTheRealAlice (Stein&Day,1982),Alice sempreinsistiuqueonomevieradeumromance.Aidentidadedoromanceédesconhecida.

13. Não há indício algum, sustentamDenisCrutch eR.B. Shaberman em seu livroUnder theQuizzingGlass (Magpie Press, 1972), de que Alice Liddell gostasse de fingir ser duas pessoas. No entanto, emconformidadecomsuaafirmaçãodequeCarrollinjetoumuitodesimesmoemsuaAliceficcional,elesnoslembramqueCarrollsempretevecuidadoemmanterseparadosCharlesDodgson,omatemáticodeOxford,eLewisCarroll,autordelivrosparacriançaseapreciadordemenininhas.

2.ALAGOADELÁGRIMAS

1.Umguarda-fogoéumalâminabaixademetal,outela,àsvezesornamental,entreotapeteeumalareiraaberta.

2. Em seu artigo “Alice on the Stage” (citado na primeira nota ao poema introdutório do livro), Carrollescreveu:

E o Coelho Branco, que dizer dele? Foi moldado nas linhas de “Alice” ou concebido como umcontraste?Comoumcontraste,nitidamente.Ondenelahá“juventude”,“audácia”,“vigor”e“prontadeterminação”,vejanele“idoso”,“tímido”,“fraco”e“nervosamenteindeciso”,eperceberáalgumacoisadoquepretendiquefosse.PensoqueoCoelhoBrancodeviausaróculos.Tenhocertezadequesuavozdeviavibrareseusjoelhostremerem,etodooseuaspectosugeretotalpusilanimidade.

EmAlice’sAdventuresUnderGround,omanuscritooriginal,ocoelhodeixacairumramalheteemvezdeumleque.OencolhimentosubsequentedeAliceéresultadodocheirodessasflores.

3.Emsuahistóriaoriginal,Alice’sAdventuresUnderGround,osnomessãoGertrudeseFlorence,queeramprimasdeAliceLiddell.

4. A explicação mais simples de por que Alice nunca vai chegar a 20 é que a tabuada de multiplicargeralmenteparaem12;assim,levando-seessaprogressãoabsurdaadiante–4vezes5é12,4vezes6é13,4vezes7 é14, e assimpordiante– terminamoscom4vezes12 (omais longeque elapode ir) é19–faltandoapenas1para20.

A.L. Taylor, em seu livro The White Knight, propõe uma teoria interessante, porém maiscomplicada.Quatrovezes5realmenteé12numsistemanuméricoqueutilizeumabase18.Quatrovezes6é13numsistemacombase21.Se levamosessaprogressãoadiantesempreaumentandoabaseem3,nossosprodutoscontinuamaumentandoem1atéquechegamosa20,ondepelaprimeiravezo sistemamalogra.Quatro vezes 13não é 20 (num sistemanumérico combase42),mas “1”seguidoporqualquersímboloquesejaadotadopara“10”.

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ParaoutrainterpretaçãodaaritméticadeAlice,ver“MultiplicationinChangingBases:ANoteonLewisCarroll”,deFrancineAbeles,emHistoriaMathematica,vol.3(1976),p.183-4.

5.Emsuamaioria,ospoemasnosdoislivrosdeAlicesãoparódiasdepoemasoucançõespopularesmuitoconhecidos pelos leitores contemporâneos de Carroll. Com poucas exceções, os originais estão hojeesquecidos, seus títulos só semantendovivosporqueCarroll resolveu fazer troçadeles.Comomuitodagraçadeumaparódiaéperdidosenãoseconheceoqueestásendocaricaturado,todososoriginaisserãoreproduzidosnestaedição.Aqui temosumahabilidosaparódiadopoemamaisconhecidodoinglêsIsaacWatts (1674-1748), teólogo e autor de hinos tão conhecidos quanto “O God, our help in ages past”. OpoemadeWatts,“AgainstIdlenessandMischief”(deseuDivineSongsforChildren,1715)éreproduzidoabaixonaíntegra:

ComopodeaabelhinhaAcadaradiantehoraseocupar,Etodooseudiapassaracolher,

Omeldecadanovaflorabrotar!

Comquehabilidadeconstróiseualvéolo!Comquecaprichoespalhaacera!Elabutadiligenteparabemoarmazenar,

Comoalimentodocequesabepreparar.

Emtarefasárduasoudehabilidade,Quiseraeuserdiligentetambém;PoisSatãsempreencontraumamaldade

Paramãosociosasocupar.

Naleitura,notrabalhoounosaudávelfolguedo,OxalámeusprimeirosanossepassemDetalmodoqueeupossadecadadia,semmedo,

Tersempreboascontasaprestar.

Carroll escolheu o preguiçoso e lento crocodilo como uma criatura muito diversa da abelha, a voarrapidamente,sempreatarefada.

6. As primeiras expansões de Alice foram citadas por cosmólogos para ilustrar aspectos da teoria douniverso em expansão. Sua escapada por um triz nesta passagem evoca uma teoria do universo emcontração proposta certa vez numa brincadeira carrolliana pelo eminente matemático Sir EdmundWhittaker.Talvezaquantidade totaldematériaestejase tornandocontinuamentemenor,eouniversováfinalmente se diluir em absolutamente nada. “Isso teria a vantagem”, disseWhittaker, “de fornecer umaimagemmuitosimplesdodestinofinaldouniverso.”(Eddington’sPrincipleinthePhilosophyofScience,conferência de Whittaker publicada em 1951 pela Cambridge University Press.) Um desaparecimentosemelhanteocorreriaseouniversotivessematériasuficienteparaparardeseexpandireemseguidafazeromovimentocontráriorumoaumbigcrunch[“grandeimplosão”].

7.Máquinasdebanho[bathing-machines]erampequenascabines individuais sobre rodas.Erampuxadaspara dentro do mar por cavalos até a profundidade desejada pelo banhista, que em seguida emergiadiscretamenteporumaportaquedavaparaomar.Umenormetoldonaparteposteriordamáquinaocultavaobanhistadoolharpúblico.Napraiaaspessoasusavamasmáquinas,éclaro,parasevestiredespirsemseremvistas.Essa curiosa engenhocavitoriana foi inventadaporvoltade1750porBenjaminBeale, umquacre quemorava emMargate, tendo sido usada pela primeira vez na praia deMargate.Mais tarde as

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máquinasforamintroduzidasemWeymouthporRalphAllen,omodelodosr.AllworthynoTomJones,deFielding.EmHumphryClinker(1771),deSmmollet,umacartadeMattBrambledescreveumamáquinadebanhoemScarborough.(VerNotesandQueries,13ago1904,série10,vol.2,p.130-1.)

O segundo “ataque” no esplêndido poema nonsense de Carroll, The Hunting of the Snark (com osubtítulo: An Agony in Eight Fits) nos conta que o apreço por máquinas de banho é uma das “cincocaracterísticasinconfundíveis”pelasquaisomisteriosoanimalsnarkpodeserreconhecido:

Aquartaéseugostopormáquinasdebanho,Quesemprecarregaparatodaparte.Eacreditaqueelassomamàbelezadascenas…

Umsentimentoabertoàdúvida.

8. Em seu artigo “In Search of Alice’s Brother’s Latin Grammar”, em Jabberwocky (primavera 1975),SelwynGoodacre sustenta queo livropode ter sidoTheComicLatinGrammar (1840).Ele fora escritoanonimamente por PercivalLeigh, que escrevia naPunch, com ilustrações do chargista da revista, JohnLeech.Carrollpossuíaumexemplardaprimeiraedição.

Umúnicosubstantivoeradeclinadoporcompletonolivro:apalavralatinamusa.GoodacresugerequeAlice,“olhandoagramática latina sobreoombrodo irmão, tomoumusapormus”, apalavra latinapara“camundongo”[mouse].OutroscomentáriossobreessaespeculaçãoaparecememJabberwocky(primavera1977).EverettBleilerobservaqueadeclinaçãodeAliceomiteaformaablativa.

9. Hugh O’Brien, escrevendo sobre “The French Lesson Book” em Notes and Queries (dez 1963),identificou o livro como La Bagatelle: pretende introduzir crianças de três ou quatro anos a algumconhecimentodalínguafrancesa(1804).

10.EmduasdasilustraçõesdeTennielparaopróximocapítulo,vê-seacabeçadeummacaco.Sugeriu-sequeTennielpretendiaqueseumacacofosseumacaricaturadeCharlesDarwin.Pareceimprovável.AcaradomacacodeTenniel,emsuasegundailustração,reproduzexatamenteadeummacacoquefigurounumachargepolíticaquepublicounaPunch(11out1856),emqueomacacorepresenta“KingBomba”,oapelidodeFerdinandoII,reidasDuasSicílias.

O dodô incapaz de voar foi extinto por volta de 1681. Charles Lovett informou-me que o OxfordUniversity Museum, que Carroll visitava com frequência com as meninas Liddell, continha (e aindacontém)osrestosdeumdodôeumafamosapinturadaavedaautoriadeJohnSavory.OdodôeranativodasIlhasMaurício,noOceanoÍndico.Marinheirosholandesesecolonizadoresmatavamas“avesnojentas”,comoaschamavam,paracomê-las,eseusovos(sóumporninho)eramdadosaosanimaisdasfazendasdosprimeiroscolonos.Ododôéumdosprimeirosexemplosdeespécieanimaltotalmenteextintapelaespéciehumana.Ver“TheDodointheCaucusRace”,porStephenJayGould,emNaturalHistory(nov1996).

ODodôdeCarrollpretendiaserumacaricaturadelemesmo–diz-sequesuagagueiraofaziapronunciarseu nome “Dodo-Dodgson”.OPato é o reverendoRobinsonDuckworth, quemuitas vezes acompanhouCarrollempasseiosdebarcocomasirmãsLiddell.OPapagaio[nooriginalLory,umpapagaioaustraliano]éLorina,amaisvelhadasirmãs(istoexplicaporquê,nosegundoparágrafodopróximocapítulo,eledizaAlice:“Soumaisvelhoquevocêedevosabermais.”).EdithLiddelléaAguieta.

É curioso observar que, quando a biografia de Charles Lutwidge Dodgson entrou na EnciclopédiaBritânica,foiinseridaexatamenteantesdoverbetesobreoDodô.Osmembrosdesse“grupoestrambótico”representamosparticipantesdeumepisódioregistradonodiáriodeCarrollem17dejunhode1862.Carrolllevou suas irmãs,FannyeElizabeth, e sua tiaLucyLutwidge (asoutras “criaturas curiosas”?)paraumaexcursãodebarcojuntocomoreverendoDuckwortheastrêsmeninasLiddell.

17 de junho (terça). Excursão a Nuneham. Duckworth (do Trinity) e Ina, Alice e Edith foramconosco.Partimosporvoltadas12h30echegamosaNunehamàs2h:jantamoslá,depoisandamos

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peloparquee iniciamosavoltaparacasaporvoltadas4h40.CercadedoisquilômetrosacimadeNunehamcaiuumachuvapesada,edepoisdesuportá-laporumbrevetempodecidiquedevíamosdeixar o barco e caminhar: quase cinco quilômetros disso nos deixou a todos completamenteensopados.Seguiprimeirocomasmeninas,poiselaspodiamandarbemmaisrápidoqueElizabeth,elevei-asparaaúnicacasaqueconheciaemSandford,adasra.Broughton,ondeRankensehospeda.Deixei-ascomelaparaquesecassemsuasroupasesaíembuscadeumveículo,masnãofoipossívelencontrarnenhum;assim,quandoosoutroschegaram,DuckwortheeuandamosatéIffley,deondelhesmandamosumcabriolédealuguel.

Nomanuscritooriginal,Alice’sAdventuresUnderGround,aparecemváriosdetalhesrelacionadosaessaexperiência, que Carroll mais tarde suprimiu por pensar que teriam pouco interesse para os que nãopertenciamaocírculodaspessoasenvolvidas.Quandoaediçãofac-similadadomanuscrito foipublicadaem 1886, Duckworth recebeu um exemplar com a dedicatória: “TheDuck from theDodo” [O Pato doDodô].

3.UMACORRIDAEMCOMITÊEUMAHISTÓRIACOMPRIDA

1.RogerLancelynGreen,editordodiáriodeCarroll, identificaessaprolixapassagemcomoumacitaçãorealdolivrodeHavillandChepmell,ShortCourseofHistory(1862),p.143-4.Carrolltinhaumparentescodistante comos condesEdwin eMorcar,masGreen considera improvável que ele o soubesse. (VerTheDiaries of LewisCarroll, vol.1, p.2.)O livro deChepmell era um dosmanuais que asmeninas Liddellestudavam. Em outra passagem Green sugere que Carroll pode ter pretendido que o CamundongorepresentasseMissPrickett,agovernantadascrianças.

2. [No original: “Caucus-race”] O termo caucus teve origem nos Estados Unidos, referindo-se a umareuniãodelíderesdeumafacçãoparadecidirsobreumcandidatooupolítica.FoiadotadonaInglaterracomum sentido ligeiramente diferente, referindo-se a um sistema de organização partidária extremamentedisciplinada por comitês. Em geral era usado por um partido como um termo injurioso aplicado àorganização de um partido adversário. Carroll pode ter pretendido que sua “corrida em comitê”simbolizasseofatodequeosmembrosdecomitêsgeralmentecorremmuitoemcírculo,semchegaralugaralgum,todosalmejandoumprêmiopolítico.Sugeriu-sequeelefoiinfluenciadopelocomitêdecorvosnocap.7deWaterBabies,cenaqueCharlesKingsleyescreveracomóbviaintençãodemordazsátirapolítica,masasduascenastêmpoucoemcomum.

Acorridaemcomitênãofiguranomanuscritooriginal,Alice’sAdventuresUnderGround.Elasubstituiaseguintepassagemsuprimida,baseadanoepisódiocitadonanota10docapítuloanterior.

“Eupretendiadizerapenas”,disseoDodônum tombastanteofendido,“queseideumacasaaquiperto onde a senhorita e o resto do grupo poderiam se secar, e depois poderíamos ouvirconfortavelmenteahistóriaque,meparece,vocêteveagentilezadeprometernoscontar”,fazendoumaprofundareverênciaparaocamundongo.

Ocamundongonãofezobjeçãoaisso,etodoogruposeguiuaolongodamargemdorio(poisaessaalturaalagoahaviacomeçadoafluirparaforadosalãoesuabordaestavacobertadejuncosemiosótis) numa lenta procissão, com o Dodô na dianteira. Após algum tempo o Dodô ficouimpacientee,deixandooPatoescoltarorestodogrupo,seguiuaumpassomaisrápidocomAlice,oPapagaioeaAguieta,elogochegoucomelesaumacabaninha;aliseaconchegaramjuntoaofogo,enroladosemcobertores,atéqueorestodogrupochegoueficaramtodossecosdenovo.

Odedal,tomadodeAliceedepoisdevolvidoaela,podesimbolizaromodocomoosgovernostomamdinheirodobolsodoscidadãosedepoisodevolvemnaformadeprojetospolíticos.Ver“TheDodôandtheCaucus-Race”,deNardaLaceySchwartz,emJabberwocky(inverno1977),e“TheCaucus-RaceinAlicein

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Wonderland:AVeryDryingExercise”,deAugustImholtzJr.,emJabberwocky(outono1981).Acorridanoepisódio, segundo Alfreda Blanchard em Jabberwocky (verão 1982), pode significar a competição dospolíticosporcargos.

AodesenharessacenaTennielfoiforçadoapôrmãoshumanassobaspequenasasasdoDodô.Dequeoutromodoelepoderiasegurarumdedal?

3. Os confeitos [comfits] eram balas duras feitas pondo-se frutas ou sementes secas em conserva comaçúcarecobrindo-ascomumafinacamadadexarope.

4.AhistóriadoCamundongotalvezsejaoexemplomaisconhecidodepoemaemblemático,oufigurado,eminglês:poemasimpressosdetalmaneiraqueseassemelhamaalgorelacionadoaseutema.Asimulaçãoremonta àGrécia antiga.Entre seus praticantes incluem-se bardos tão eminentes quantoRobertHerrick,GeorgeHerbert,StéphaneMallarmé,DylanThomas,e.e.cummingseopoetafrancêsmodernoGuillaumeApollinaire. Para uma defesa vigorosa, se não convincente, do poema emblemático como forma de arteséria,veroartigodeCharlesBoultenhouse“PoemsintheShapesofThings”,noArtNewsAnnual(1959).Outros exemplos da forma serão encontrados na revista Portfolio (verão 1950); emGleanings for theCurious(1867,revisto),deC.C.Bombaugh;noHandy-BookofLiteraryCuriosities(1892),deWilliamS.Walsh;eemAWhimseyAnthology(1906),deCarolynWells.

TennysondissecertavezaCarrollquesonharacomumlongopoemasobrefadas,quecomeçavacomversosmuitolongos,quedepoisiamsetornandocadavezmenores,atéqueopoematerminavacom50ou60versosdeduassílabascadaum.(Tennysonteveopoemaemaltacontaenquantosonhava,masesqueceu-ocompletamentequandodespertou.)Foiexpressaaopinião(TheDiariesofLewisCarroll,vol.1,p.146)dequeissopodeterdadoaCarrollaideiaparasuahistóriadoCamundongo.

Nooriginaldolivroescritoamão,umpoemainteiramentediferenteaparececomoahistória;decertomodoeramaisapropriado,poiscumpriaapromessadoCamundongodeexplicarporquenãogostadegatosecachorros,aopassoqueahistóriatalcomofiguraaquinãocontémreferênciaagatos.Ahistóriaoriginal,escritaamãoporCarroll,éaseguinte:

Vivíamossobocapacho,Eraquente,aconcheganteefarto.Nãofosseporumadesgraça:Eessaeraogato!

Paranossaalegriaumestorvo.Emnossosolhosumacerração.SobrenossoscoraçõesumapressãoEraocão!

Quandoogatovaipassear,Oscamundongosfazemafesta,Mas,ai!nummomentoinopinado(Talcomoporelesécontado)

Apareceramocachorroeogato,Queestavamàcaçadeumrato,Oscamundongosforamtodosesmagados,Alimesmoondeestavampostados.

Debaixodocapacho,Eraquente,aconcheganteefarto.

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Imaginesóessefato!

OlógicoefilósofoamericanoCharlesPeirceeramuitointeressadonoanálogovisualdaonomatopeiapoética.Entreseusartigosinéditosháumacópiade“Ocorvo”,dePoe,escritocomumatécnicaquePeircechamoude“caligrafiaartística”,comaspalavrasformadasdemodoatransmitirumaimpressãovisualdasideias do poema. Isso não é tão absurdo quanto parece.A técnica é frequentemente empregada hoje nodesenhode letrasdeanúncios,capasde livro, títulosdematériaseartigosderevistas, títulosdefilmeseprogramasdetelevisão,eassimpordiante.

Eunãosabia,atélerarespeitoemUndertheQuizzingGlass,deR.B.ShabermaneDenisCrutch,queCarrollcertavezpropôsumamudançaadicionalnaúltimaquadradopoema.Foiumadas37correçõesqueelearrolouemseuexemplardaediçãode1866dolivro.Aestroferevistateriasido:

Disse o camundongo ao vira-lata: “Tal julgamento, senhor, sem júri e sem juiz, seria insípido eenfadonho.” “Eu serei juiz e júri”, insistiu o velhoFúria em dizer: “Vou julgar o caso inteiro econdená-loamorrer.”

Furyeraonomedeumfox-terrierpertencenteàmeninaEvelineHull,amigadeCarroll.MortonCohen,numanota na p.358 deTheLetters of LewisCarroll (Oxford, 1979), especula que o cachorro foi assimchamadoporcausadovira-latadahistóriadoCamundongo.CitaumregistronodiáriodeCarroll(omitidodaversãopublicada)quecontacomoFurydesenvolveuhidrofobiaetevedeserabatidoatiros,oquefoifeitonapresençadeCarroll.

Em 1989, dois adolescentes alunos na Pennington School, em Nova York, Gary Graham e JeffreyMaiden, fizeram uma descoberta inusitada.O poema doCamundongo deCarroll [no original] tem umaestrutura do que é conhecido como “tail rhyme” – um couplet rimado seguido de um verso curto nãorimado.Alongandooúltimoverso,Carroll transformouseu“poema-cauda”numpadrãoque,seimpressodeforma tradicional,comomostradoabaixo,seassemelhaaumcamundongocomumacaudacomprida!Paradetalhesdadescoberta,ver“TailinTail(s):AStudyWorthyofAlice’sFriends”,noNewYorkTimes(1omai1991,p.a23).

Em1995,David eMaxineSchaefer, deSilverSpring,Maryland, fizeramuma edição privada de um

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pequeno livro de capa dura intituladoThe Tale of theMouse’s Tail. Ilustrado por Jonathan Dixon, essedeliciosovolumereproduztodasasdiferentesmaneirascomoacaudadoCamundongofoirepresentadaemediçõesdeAlicenoPaísdasMaravilhaspelomundotodo.

5.Cf.“TheBarrister’sDream”(Ataque6deTheHuntingoftheSnark),emqueoSnarkservecomojuizejúri,eaindacomoconsultordedefesa.

6.Esta fala foimais tardecitadapelopróprioCarrollcomoepígrafedas respostasparaumasériededezenigmasmatemáticos(queelechamavade“nós”)quepublicouem1880noTheMonthlyPocket.Em1885elesapareceramemformadelivrocomoATangledTale.

4.BILLPAGAOPATO

1.EmAlice’sAdventuresUnderGroundoCoelhoBrancoexclama:“AMarquesa!AMarquesa!ohminhasqueridaspatas!ohmeupeloemeusbigodes!Elavaimandarmeexecutar, tãocertoquantodoninhassãodoninhas!”NãohánenhumaDuquesanessaprimeiraversãodahistória;maistardeficamossabendopeloCoelhoBranco: “ARainha é aMarquesa: você não sabia disso?”E ele acrescenta: “Rainha deCopas eMarquesadeTartarugasFalsas.”

Somosinformadosnocapítulo“Porcoepimenta”dequeomedodoCoelhoBrancoéjustificado,porqueaDuquesagritaparaAlice:“Porfalaremrevolução,cortem-lheacabeça!”[nooriginal:“Talkingofaxes,chopoffherhead!“].SelwynGoodacreconsideradescabidoparaumaduquesaordenarexecuções.SugerequeCarrollintroduziuaobservaçãodaDuquesanumesforçoparaharmonizarahistóriacomaexclamaçãodoCoelhoBranconaversãoanterior.

Doninhas [ferrets] são uma variedade semidomesticada do furão inglês, usada sobretudo na caça decoelhosecamundongos.Emgeralsãodeumbrancoamarelado,comolhoscor-de-rosa.OCoelhoBrancotinhaumaboarazãoparasereferiradoninhasemseutemordeser“executado”.AquiestáumapassagemdaseçãodeOliver-Goldsmithsobre“TheFerret”emsuaHistoryoftheEarthandAnimatedNature:

É naturalmente uma inimiga tão ferrenha da espécie dos coelhos que, se um coelho morto éapresentadoaumadoninhajovem,ela,aindaquenuncatenhavistoumantes,oatacaeomordecomumaaparênciaderapacidade.Seocoelhoestivervivo,adoninhasemostraaindamaisávida,agarra-opelopescoço,seenrolaemtornodeleeaseguirsuga-lheosangue,atéficarsaciada.

Além de ser usado como verbo, a palavra ferret era coloquialmente aplicada na Inglaterra a agiotas.Segundo nota de Peter Heath emThePhilosopher’sAlice (St.Martin’s, 1974), a expressão “as sure asferretsareferrets”[“tãocertocomodoninhassãodoninhas”]eracorrentenotempodeCarroll.HeathcitaseuusoemumdosromancesdeAnthonyTrollope.

ComoCarrollobservaemTheNursery“Alice”,Tennieldesenhouumadoninhaentreos12juradosnojulgamentodoValetedeCopas.

PossuirumadoninhanacidadedeNovaYork,ondesedizhaver10mildoninhas,éumaviolaçãodocódigosanitário.UmamatériadaAssociatedPress (18set1983)noticioua formaçãodoNewYorkCityFriendsoftheFerret,umgrupoempenhadonasustaçãodasinjunçõesmunicipais.Osporta-vozesdogruposustentaram que as doninhas “dão amor e afeição… atendem pelo nome e podem aprender truques”.Durante o verão anterior o grupo promoveu um “festival da doninha” no Central Park. Compareceramduzentaspessoas,levandoconsigocercade75doninhas.

ONewYorkTimes(25jun1995)noticiouolançamentodeModernFerret,umarevistadeluxodedicadaàexaltaçãodasdoninhas,publicadaporEriceMaryShefferman,deMassapequaPark,NY.

2. Segundo Roger Green,MaryAnn era na época um eufemismo britânico para “criada”. A amiga deDodgson,sra.JuliaCameron,umaapaixonadafotógrafaamadora,tinharealmenteumacriadade15anos

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chamadaMaryAnneháumafotografiadelanabiografiadeCarrollescritaporAnneClarkparaprová-lo.Mary Anne Paragon era a criada desonesta que cuidava da casa de David Copperfield (ver cap.44 doromancedeDickens).Suanatureza,nosédito,era“debilmenteexpressa”porseuúltimonome[paragonémodelo,exemplo].

DicionáriosdegíriadãooutrossentidosparaMaryAnncorrentesnaépocadeCarroll.OmostruáriodeumamodistaerachamadodeMaryAnn.Maistarde,especialmenteemSheffield,onomeficouassociadoamulheresque combatiam lojistas que exploravamos empregados.Aindamais tarde, tornou-seum termovulgarparasodomitas.

AntesdaRevoluçãoFrancesa,MaryAnneeraumtermogenéricoparaorganizaçõesrepublicanas,bemcomoumagíriaparaaguilhotina.Mariannetornou-seeaindaéumsímbolofemininomíticodasvirtudesrepublicanas,umsímbolofrancêscomparávelaoJohnBulldaInglaterraeaoTioSam.Étradicionalmenterepresentada, em charges políticas e estatuetas, carregando o barrete frígio vermelho usado pelosrepublicanos naRevolução Francesa. É provavelmente por coincidência que o uso do nome porCarrollantecipaaobsessãopeladecapitaçãopartilhadapelaDuquesaeaRainhadeCopas.

3.Observe que amaneira irritada como oCoelhoBranco dá ordens aos seus criados, aqui e em outraspassagensdocapítulo,condizcomocaráter tímidodescritoporCarrollnapassagemcitadananota2docap.2.

4.NaediçãoPennyroyaldeAlicenoPaísdasMaravilhas(UniversityofCalifornia,1982),JamesKincaidglosaocomentáriodeAlicedestamaneira:

Estaéumafalaambígua,etalvezpungente,dadosossentimentosdeCarrollanteocrescimentodesuas amigas crianças. Suas cartas estão cheias de piadas que expressam sua comiseração de simesmo:“Algumascriançastêmocostumeextremamentedesagradáveldecrescer.Esperoquevocênãováfazernadadessetipoantesdenosencontrarmosdenovo.”

Em suas “Confessions of a Corrupt Annotator” (Jabberwocky, primavera 1982), Kincaid defende odireitodoscomentadoresdeespecularnadireçãoquelhesaprouver.Citaanotaacimacomoumexemplo.“O contexto histórico não pede uma glosa, mas a passagem fornece oportunidade para assinalar umaambivalênciaquepodeseaplicaràfiguracentraleaseudesejodecrescer.”Agradeçoaosr.Kincaidporapoiarminhasprópriasdivagações.

5.EstaéasegundavezqueoCoelhoBrancopedesuasluvas,masnãonoséditoseumdiachegouaobtê-las.LuvaseramtãoimportantesparaCarrollquantoparaoCoelho,sejanarealidadeoulinguisticamente.“Eleeraumpoucoexcêntricoemsuasroupas”,escreveIsaBowmanemTheStoryofLewisCarroll(J.M.Dent,1899).“Quandofaziafrionuncausavaumsobretudo,etinhaocuriosohábitodeusar,emtodasasestaçõesdoano,umpardeluvasdealgodãocinzentasepretas.”

Luvassãoo tópicodeumadasmaisdivertidascartasdeCarroll, escritaparaa irmãde IsaBowman,Maggie.Carrollalegouque,aodizerqueestavalhemandando“sacosrepletosdeamorecestasrepletasdebeijos”[“sacksfullofloveandbasketsfullofkisses”],Maggienaverdadequeriaescrever“umsacorepletodeluvaseumacestarepletadegatinhos”[“asackfullofglovesandabasket fullofkittens! “]Umsacorecheadocommilluvaschegou,elecontinua,eumacestacom250gatinhos.Assimelepôdecalçarquatroluvasemcadagatinhoparaevitarquesuaspatasarranhassemasestudantesaquemdeuosgatinhos.

Assim asmenininhas voltaram dançando para casa e, namanhã seguinte, foram dançando para aescola.Osarranhõeshaviamsarado,eelasmedisseram:“Osgatinhossecomportaram!”E,quandoalgum gatinho quer apanhar um camundongo, simplesmente tira uma de suas luvas; e se querapanhardoiscamundongos,tiraduasluvas;esequerapanhartrêscamundongos,tiratrêsluvas;esequer apanhar quatro camundongos, tira todas as suas luvas. Mas, assim que apanham os

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camundongos,calçamrápidosuasluvasdenovo,porquesabemquenãoospodemosamarsemsuasluvas.Porque,veja, “gloves” [luvas] têm“love”[amor]dentro delas–nãohánenhumdo lado defora.

6. Uma estufa de pepinos é um caixilho envidraçado que fornece calor a pepineiros em crescimentocaptandoradiaçãosolar.

CarrollianosobservaramquenailustraçãodeTennielparaessacenaocoletedoCoelhoBranco,queerabranconasimagensanteriores,ficouxadrezcomoseupaletó.

7.Seráestaumaoutrapiadacomofrancês?ComooleitorMichaelBergmannassinalanumacarta,“apple”[maçã]épommeemfrancês,e“potato”[batata]épommedeterre[literalmente,maçãdaterra].Masnão,éuma piada irlandesa. Pat é um nome irlandês e ele fala com sotaque irlandês.ComoEverettBleilermeinforma,“Irishapples”[maçãsirlandesas]eraumagíriaparabatatasirlandesasnoséculoXIX.

QuetipodeanimaleraPat,oescavadordemaçãs?Carrollnãodiz.DenisCrutcheR.B.Shaberman,emUndertheQuizzingGlass,conjeturamquePatéumdosporquinhos-da-índiaquereanimamBilldepoisqueele é chutado chaminé acima.Durante o julgamento doValete deCopas, ambos os porquinhos-da-índiaestãonasaladotribunal,ondesão“sufocados”poraplaudir.

8. Muitos comentadores tiveram a impressão de que este cachorrinho está deslocado no País dasMaravilhas, como se tivesse se desgarrado domundo real e penetrado no sonho deAlice.DenisCrutchobservouqueeleéaúnicacriaturaimportantenoPaísdasMaravilhasquenãofalacomAlice.

5.CONSELHODEUMALAGARTA

1. EmThe Nursery “Alice”, Carroll chama atenção para o nariz e o queixo da Lagarta no desenho deTenniel e explica que eles são na realidade duas de suas patas. Ned Sparks fez o papel da Lagarta naproduçãocinematográficadeAlicedaParamountem1933,eRichardHaydnforneceuavozdaLagartanodesenhoanimadodahistóriaqueWaltDisneyfezem1951.Umdosefeitosvisuaismaisimpressionantesdofilme de Disney foi obtido fazendo-se a Lagarta ilustrar suas palavras soprando anéis de fumaçamulticoloridosqueassumiamaformadeletraseobjetos.

2.FredMadden,emJabberwocky(verão/outono1988),chamaatençãoparaumcapítulointitulado“PopularFollies of Great Cities” na obra clássica de CharlesMackay,Extraordinary Popular Delusions and theMadnessofCrowds(1841).Mackaymencionaváriasexpressõesdeusopopularquesurgiramsubitamenteem Londres. Uma delas era “Who are you”, falada com ênfase na primeira e na última palavras. Elaapareceude repente, “comoumcogumelo…Numdiaeraobscura,desconhecida,não inventada;nodiaseguinte impregnava Londres … A cada recém-chegado a uma taberna se perguntava, sem cerimônia:‘Quemévocê?’”

Em“WhoAreYou:AReply”(Jabberwocky,inverno/primavera1990),JohnClarksalientaqueCarrolltinhaolivrodeMackayeprovavelmentefoialvodaperguntadurantesuarápidacoquelucheemLondres.SeráquetinhaessamodaemmentequandofezsuaLagartaazul,sentadasobreumcogumelo,perguntaraAlice“Quemévocê?”?Parecebempossível.TomeiconhecimentodareferênciadeMackaynumacartadeTeller,dogrupodecomédia/mágicaPennandTeller.

3. SelwynGoodacre (em Jabberwocky, primavera 1982) tem um comentário interessante sobre asmãosunidas de Alice aqui e suas mãos cruzadas no cap.2 (“como se estivesse dando lição”) quando recitou“Comopodeocrocodilo…”:

Discutiessaspassagenscomumdiretordeescolaprimáriaaposentado…eeleconfirmouqueissoéexatamenteoqueascriançaseramensinadasafazer–i.e.,deviamrecitarsuaslições(observequea

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palavra não é “declamar”, que se refere a festas em casa e a entretenimento doméstico), o quesignifica memorizar; seria esperado dela saber as lições de cor – e cruzar as mãos se estivessesentada,uni-lassedepé,ambosossistemastendoporobjetivoconcentraramenteeevitaragitação.

“YouareOld,FatherWilliam”,umadasobras-primasindiscutíveisdoversononsense,éumaengenhosaparódiadohámuitoesquecidopoemadidáticodeRobertSouthey(1774-1843)“TheOldMan’sComfortsandHowHeGainedThem”.

“Estávelho,PaiWilliam”,disseomoçoadmirado,Asmechasqueindalherestam,todasgrisalhasestão;Évigoroso,PaiWilliam,umrobustoancião;

Agora,semepermite,eulheperguntoarazão.”“Nosmeustemposdejuventude”,PaiWilliamrespondeu

“Lembravaqueamocidadedepressairiapassar,Edeminhasaúdeevigorsempretrateidenãoabusar,

Paraquenofuturonãomeviessemafaltar.”“Estávelho,PaiWilliam”,disseomoçoadmirado,

“Eosprazeressevãoquandoajuventudetermina.Noentantonãolamentaosdiasdoseupassado;

Agora,semepermite,eulheperguntoarazão.”“Emmeustemposdejuventude”,PaiWilliamrespondeu,

“Lembravaqueamocidadenãopoderiadurar;Nofuturopensava,emtudoquantofazia,

Paraquemeupassadonuncaviessealamentar.”“Estávelho,PaiWilliam”,disseomoçoadmirado,

“Eavidaporcertoestácelerementeapassar;Éalegre,esobreamorteconversadebomgrado,

Agora,semepermite,eulheperguntoarazão.”“Soualegre,meurapaz”,PaiWilliamrespondeu,

“Eacausaeulheconto,comtodaasinceridade;EusemprelembravadeDeusnaminhamocidade!

EEle,atéagora,nãoesqueceuminhaidade.”

Emboratenhatidoumaenormeproduçãoliteráriatantodeprosaquantodepoesia,Southeyépoucolidoatualmente,excetoporalgunspoemascurtoscomo“TheInchcapeRock”e“TheBattleofBlenheim”,bemcomoporsuaversãodoimortalcontopopular“CachinhosDouradoseostrêsursos”.

4.Na versão original deste poema, emAlice’sAdventuresUnderGround, o preço da pomada era cincoxelins.

5. Na ilustração de Tenniel para esse verso vê-se no fundo o que parece uma ponte. Philip Benham,escrevendo em Jabberwocky (inverno 1970), diz: “A ‘ponte’ é na verdade uma armadilha para enguias,construídaatravésdeumribeirãoourio,econsistedeumabarreiradecestoscônicostecidoscomjuncosouporvezesmadeiradesalgueiro.”

RobertWakeman acrescenta que ainda existe uma feita de ferro perto deGuildford. “Umorifício nofundodecadacestopermiteàsenguiasescaparparaumtanqueseparado,enquantooutros tiposdepeixesãoincapazesdeatravessarosorifícios.”Paramaisdetalheseoutrasimagensdearmadilhasparaenguias,verTheTennielIllustrationstothe“Alice”Books,deMichaelHancher(OhioStateUniversityPress,1985).

6.EmAlice’sAdventuresUnderGround,aLagartadizaAlicequeochapéudocogumeloafaráficarmais

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altaeotaloafaráficarmaisbaixa.Muitos leitoresapontaram-mevelhasobras,queCarrollpoderia ter lido,descrevendoaspropriedades

alucinógenasdecertoscogumelos.Amanitamuscariaéamaiscitada.Suaingestãoproduzalucinaçõesemqueotempoeoespaçosãodistorcidos.Noentanto,comoRobertHornbackdeixaclaroemseuencantador“Garden Tour of Wonderland”, em Pacific Horticulture (outono 1983), esse não pode ser o cogumelodesenhadoporTenniel:

Amanita muscaria tem chapéus de um vermelho vívido que parecem ter sido salpicados compedacinhos de ricota. O poleiro da Lagarta é, em vez disso, uma espécie de chapéu liso, muitoparecidocomAmanitafulva,quenãoétóxicoeébastantesaboroso.PoderíamospresumirquenemTennielnemCarrolldesejavamqueas crianças imitassemAlicee acabassemcomendocogumelosvenenosos.

7.ALagartaleuopensamentodeAlice.Carrollnãoacreditavaemespiritismo,masacreditavanarealidadedapercepçãoextrassensorialenopoderdamentedemoveroudeformarobjetosinanimados.Numacartade1882(vero livrodeMortonCohen,TheLettersofLewisCarroll,vol.1,p.471-2),elefaladeumfolhetosobre“leituradepensamento”publicadopelaSocietyforPsychicalResearch,quefortaleceusuaconvicçãodequeosfenômenospsíquicossãogenuínos.“Tudopareceindicaraexistênciadeumaforçanatural,aliadaàeletricidadeeàforçadosnervos,pelaqualcérebropodeatuarsobrecérebro.Pensoqueestamospróximosdodiaemqueissoseráclassificadoentreasforçasnaturaisconhecidas,eterásuasleistabuladas,eemqueoscéticoscientíficos,quesemprefechamosolhosatéoúltimomomentoparaqualquerindícioquepareceapontarparaalémdomaterialismo,terãodeaceitá-locomoumfatoprovadodanatureza.”

Carroll foi sócio fundador e entusiasta da Society for Psychical Research, e sua biblioteca continhadezenas de livros sobre ocultismo.Ver “LewisCarroll and theSociety forPsychicalResearch”, deR.B.Shaberman,emJabberwocky(verão1972).

6.PORCOEPIMENTA

1.Sónocap.9,quandoAliceeaDuquesaseencontramdenovo,somosinformadosdequeAlicetentavamanterdistânciadaDuquesaporque ela “eramuito feia”, eporque ficava todoo tempoespetando-lheoombrocomseu“queixinhopontudo”.Oqueixopontudoémencionadomaisduasvezesnesseepisódio.OparadeirodoDuque,seéqueestavavivo,permaneceummistério.

OqueixodaDuquesadesenhadaporTennielnãoémuitopequenooupontudo,masécertamentefeio.PareceprovávelqueeleotenhacopiadodeumapinturaatribuídaaopintorflamengoQuentinMatsys(seunometemváriasgrafias).ElaépopularmenteconsideradaumretratodaduquesadoséculoxivMargaretdaCaríntiaedoTirol,quetemfamadeseramulhermaisfeiadahistória.(Seuapelido,“Maultasche”significa“bocadebolsa”.)OromancedeLionFeuchtwangerTheUglyDuchessésobresuatristevida.Vertambém“APortraitoftheUgliestPrincessinHistory”,deW.A.Baillie-Grohman,BurlingtonMagazine(abr1921).

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“ADUQUESAFEIA”,PORQUENTINMATSYS(NationalGallery,Londres)

Poroutro lado,hámuitasgravurasedesenhosquase idênticosàpinturadeMatsys,entreosquaisumdesenhodeFrancescoMelzi,umdiscípulodeLeonardodaVinci.PartedaRoyalCollectionnoBuckinghamPalace, é considerado uma cópia de um original perdido de Leonardo. Para a confusa história dessasimagens, que talvez não tenham conexão alguma com a duquesaMargaret, ver o cap.4 deThe TennielIllustrationstothe“Alice”Books.

2. A pimenta na sopa e o no ar sugerem o gênio irascível da Duquesa. Seria costume entre as classesinferiores na Inglaterra vitoriana pôr pimenta demais na sopa para disfarçar o gosto de carne e vegetaisligeiramenteestragados?

ParaaproduçãodeAlicenopalco,porSavileClarke,Carrollforneceuasseguintesfalasaseremditaspelacozinheiraenquantoelamexeasopa:“Nãohánadacomopimenta,éoqueeudigo…Nãoestánemmeio bastante ainda. Nem um quarto bastante.” Em seguida a cozinheira recita, como uma bruxasalmodiandoumencantamento:

Fervabemdemansinho,Misturebesuntadinho,Depoismexaespirradinho,Um!Dois!Três!!!

“UmparaaSenhorita,doisparaogato,etrêsparaobebê”,acozinheiracontinua,batendononarizdobebê.

CitodovaliosolivrodeCharlesC.Lovett,AliceonStage:AStoryoftheEarlyTheatricalProductionsof Alice inWonderland (Meckler, 1990). As falas aparecem tanto na produção teatral quanto na versãopublicadadotexto.

3.Aexpressão“sorrir comoumgatodeCheshire” [“grin likeaCheshirecat”] era correntena épocadeCarroll.Suaorigemnãoéconhecida.Asduasprincipaisteoriassão:(1)UmpintordetabuletasdeCheshire(ocondadoemqueCarrollnasceu,diga-sedepassagem)pintouleõessorrindonastabuletasdehospedariasda região (verNotesandQueries,n.130,24abr1852,p.402); (2)osqueijosdeCheshirenaépocaerammoldadosnaformadeumgatosorrindo(vejaNotesandQueries,n.55,16nov1850,p.412).“Issotemumapelocarrollianopeculiar”,escreveadra.PhyllisGreenacreemseuestudopsicanalíticodeCarroll,“poisprovocaafantasiadequeogatodequeijopodecomeroratoqueiriacomeroqueijo”.OGatodeCheshirenãoestánomanuscritooriginal,Alice’sAdventuresUnderGround.

DavidGreeneenviou-meestacitaçãodeumacartadeCharlesLambescritaem1808:“FizumjogodepalavrasoutrodiaeomostreiaHolcroft,que riucomoumgatodeCheshire.Porqueosgatos riememCheshire?Porqueoutrorafoiumcondadopalatinoeosgatosnãopodemdeixarderirsemprequepensam

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nisso,emboraeunãovejagraçanenhumanacoisa.”Hans Haverman escreveu para sugerir que o Gato evanescente de Carroll podia derivar da Lua

minguante–hámuitoaLuaéassociadacomaloucura–àmedidaqueelasetransformalentamentenumatiraestreita,parecidacomumsorriso,antesdedesaparecer.

TeriaT.S.Eliot tidooGatodeCheshireemmentequandoconcluiu“Manhãà janela”comocoupletabaixo?

UmsorrisosemdestinoquenoarvacilaEsedissiparenteaoníveldostelhados.

Paramaissobreosorriso,ver“TheCheshire-CatandItsOrigins”,deKenOultram,emJabberwocky(inverno1973).

Umtextopublicadoem1989noJapão,LewisCarrollandHisWorld–CheshireCat,deKatsukoKasai,citaasseguinteslinhasdoromancedeThackeray,Newcomes(1855):“AquelamulhersorricomoumgatodeCheshire…QuemfoionaturalistaquedescobriuessapeculiaridadedosgatosemCheshire?”KasaicitatambémdeADictionaryoftheBuckishSlang,UniversityWitandPickpocketEloquence(1811),docapitãoGosse:“ElesorricomoumgatodeCheshire:ditodealguémquemostraosdenteseasgengivasaorir.”OutrascitaçõeseváriasteoriassobreaorigemdaexpressãosãodiscutidasporKasai.Em1995,numacartadirigidaamim,Kasaifazumaconjeturainteressante:sabemosqueoqueijodeCheshireeravendidooutroranaformadeumgatosorrindo;atendênciaseriapartiroqueijoacomeçarpelacaudaatéquefinalmentesórestassenatravessaacabeçasorridente.Knight Letter, o órgão oficial da LewisCarroll Society ofNorthAmerica, publicou o artigo de Joel

Birenbaum (verão 1992) “HaveWeFinally Found theCheshireCat?”.Birenbaum relata sua visita à St.Peter’sChurch,emCroft-on-Tees,ondeopaideCarrollerapároco.Naparedelestedocoroelenotouumaentalhaduranapedradacabeçadeumgato,flutuandonoarcercadeummetroacimadopiso.Quandoseajoelhouparamelhorobservá-laeolhouparacima,abocadogatoapareceucomoumlargosorriso.SuadescobertafigurounaprimeirapáginadoChicagoTribune(13jul1992).

Whoopi Goldberg foi o Gato de Cheshire na versão enfadonha e medíocre de Alice no País dasMaravilhasqueaNBClevouaoarem28defevereirode1999.

4.Ooriginal dessa paródia é “SpeakGently”, umpoema felizmente esquecido que algumas autoridadesatribuemaumcertoG.W.LangfordeoutrasaDavidBates,umcorretordaFiladélfia.

JohnM.Shaw,emTheParodies ofLewisCarroll and theirOriginals (o catálogo e as notas deumaexposiçãofeitanaFloridaStateUniversityLibrary,dez1960),relataquenãotevesucessoemsuabuscadaversãodeLangford:defato,nãoconseguiulocalizaropróprioLangford.Shawencontrouopoemanap.15deTheEolian, um livrodeversospublicadoporBatesem1849.Eleassinalaqueo filhodeBates,numprefácioaPoeticalWorks(1870),dopai,afirmaqueesteforadefatooautordessepoemamuitocitado.AsprimeirasduasestrofesparodiadasporCarrollsão:

Falesuavemente!ÉdelongetãomelhorDominarpeloamorquepelomedo;Falecombrandura;nãodeixequepalavrasduras

Destruamobemquepoderiaserfeito.Falesuavemente!Ébaixinhoqueoamorsussurra

Osvotosquevêmunircoraçãoacoração;EsuavementeasinflexõesdaAmizadefluem;

Ésemprebrandaavozdaafeição.

Segundo a tradição familiar dos Langford, George escreveu o poema quando visitava o lugar ondenascera na Irlanda em 1845. Todas as reproduções do poema anteriores a 1900 são ou anônimas, ou

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atribuídasaLangford.NenhumareproduçãoconhecidadopoemanaInglaterraéanteriora1848.O argumento de Bates foi fortemente reforçado pela descoberta em 1986 de que o poema, assinado

“D.B.”,foipublicadonasegundapáginadoPhiladelphiaInquirerem15de julhode1845.Amenosqueuma publicação anterior possa ser encontrada num jornal britânico ou irlandês, parece extremamenteimprovávelqueLangfordpossatê-loescrito,emboraummistériofundamentalpermaneça.ComoseunomeveioaficartãofirmementeassociadoaopoemanaInglaterra?

Para uma história detalhada da controvérsia, ver meu ensaio “Speak Gently”, em Lewis CarrollObserved(ClarksonN.Potter,1976),organizadoporEdwardGuilianoereproduzidocomacréscimosemmeuOrderandSurprise.

5.CertamentenãofoisemmalíciaqueCarroll transformouumbebêdosexomasculinonumporco,poisnão tinhamenininhosemaltaconta.EmConclusãodeSílvia eBruno, umdesagradávelgarotochamadoUggug(“umhorrívelmeninogordo…comaexpressãodeumporcopremiado”)acabasetransformandonumporco-espinho.VezporoutraCarrollfaziaumesforçoparasercordialcomummenino,masemgeralsóquandoeletinhairmãsquedesejavaconhecer.Eleencerrouumadesuascartasemversosocultos(umacartaquepareceseremprosa,masaumexamemaisatentorevelaseremversos)comasseguinteslinhasnump.s.:

Paravocê,meuamorsincero,–paraasuaMãe,Minhaestimaeconsideração–paraogordoImpertinenteeignorantedoseuirmão,Minharaiva–ésóesteoseuquinhão.

(Carta21,paraMaggieCunnynghame,emASelectionfromtheLettersofLewisCarrolltoHisChild-Friends,organizadoporEvelynM.Hatch.)

A imagem que Tenniel fez de Alice segurando o bebê-porco aparece, com o bebê redesenhado,mostrando feiçõeshumanas,na frentedo invólucrodo“WonderlandPostage-StampCase”.Tratava-sedeumestojodepapelãoprojetadoparaguardarselospostais,umainvençãodeCarrollvendidaporumafirmadeOxford.Quando sepuxavaa caixapara forado seu invólucro, encontrava-sena frentedela amesmafigura,comadiferençadequeobebêsetransformaranumporco,comonodesenhooriginaldeTenniel.Ofundodo invólucro edo estojo exibiauma transformação semelhanteda imagemdeTenniel doGatodeCheshiresorrindoparaafiguraemqueogatodesapareceuquasetodo.Enfiadonacaixahaviaumlivrinhominúsculo intituladoEightorNineWordsaboutLetterWriting.EsseencantadorensaiodeLewisCarrollcomeçaassim:

Algumescritoramericanodisseque“ascobrasnestedistritopodemserdivididasemumaespécie–asvenenosas”.Omesmoprincípioseaplicaaqui.Caixasdeselospodemserdivididasnumaespécie:a “Wonderland”. Imitações dela logo vão aparecer, certamente; mas não podem incluir as duasSurpresasPictóricas,quetêmcopyright.

Vocênãoentendeporqueeuaschamo“Surpresas”?Bem,pegueoestojocomamãoesquerdaeolhe atentamente para ele. Está vendo Alice ninando o Bebê da Duquesa? (Uma combinaçãointeiramentenova,aliás:nãoocorrenolivro).Agora,comseupolegareoindicadordireitos,agarreolivrinhoepuxe-oparaforaderepente.OBebêsetransformounumPorco!Seissonãoosurpreende,ora,suponhoquenãoficarianadasurpresosesuasogravirassesubitamenteumGiroscópio!

FrankieMorris,emJabberwocky(outono1985),sugerequeatransformaçãodobebênumporcopodederivardeumafamosapeçapregadaemJaimeIpelacondessadeBuckingham.ElatramouparaqueSuaMajestadeassistisseaobatismodoqueelepensouserumbebezinhomaseranarealidadeumporco,animalqueJaimeIabominavaparticularmente.

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6. Em The Nursery “Alice”, Carroll chama atenção para a planta ornamental dedaleira [foxglove] queaparecenofundododesenhodeTennielparaessacena(aparecetambémnailustraçãoanterior).Raposas[foxes]nãousamluvas[gloves],Carrollexplicaaseusleitores.“Apalavracertaé‘Folk’s-Gloves’.Jáouviufalarqueantigamenteasfadaseramchamadas‘thegoodFolk’?”

7.EssasobservaçõesestãoentreaspassagensmaiscitadasdoslivrosdeAlice.UmecodelassefazouvirnoromanceOntheRoad,deJackKerouac:

“…agentetemdeirenãopararnuncaatéchegarlá.”“Paraondeagenteestáindo,cara?”“Nãosei,masagentetemdeir.”

JohnKemenyintroduzaperguntadeAlice,eafamosarespostadoGato,comoepígrafedeseucapítulosobre ciência e valores emA Philosopher Looks at Science (1959). De fato, cada capítulo do livro deKemenyéprecedidoporumacitaçãoapropriadadeAlice.ArespostadoGatoexpressamuitoprecisamenteaeternadivisãoentreciênciaeética.ComoKemenydeixaclaro,aciêncianãonospodedizeraondeir,masdepoisqueessadecisãoétomadaemoutrasbases,elapodenosdizeramelhormaneiradechegarlá.

Fui informadodequeháumapassagemdoTalmudequediz:“Senãosabesparaondevais,qualquercaminhotelevarálá.”

8.Asexpressões“loucocomoumchapeleiro”e“loucocomoumalebredemarço”eramcomunsnotempoemqueCarroll escreveu, e evidentemente foi por isso que criou os dois personagens. “Louco comoumchapeleiro”talvezfosseumavariaçãodoanterior“loucocomoumcontador”,porémémaisprovávelquetenhaorigemnofatodequeatérecentementechapeleirosrealmenteenlouqueciam.Omercúriousadoparaprepararofeltro(agoraháleiscontraoseuusonamaioriadosestadosnosEUAeempartesdaEuropa)eraumacausacomumdeenvenenamentopormercúrio,omercurialismo.Asvítimasdesenvolviamochamado“tremor do chapeleiro”, que afetava seus olhos e membros e tornava sua fala confusa. Em estágiosavançados,desenvolviamalucinaçõeseoutrossintomaspsicóticos.

“DidtheMadHatterHaveMercuryPoisoning?”éotítulodeumartigodeH.A.WaldronemTheBritishMedicalJournal(24-31dez1983).Odr.WaldronsustentaqueoChapeleiroLouconãoeraumavítimadadoença,masSelwynGoodacreedoisoutrosmédicosdiscutemissononúmerode28dejaneirode1984.

Doiscientistasbritânicos,AnthonyHolleyePaulGreenwoodrelataram(emNature,7jun1984)amplasobservaçõesquenãoconfirmamacrençapopulardequelebresmachosenlouquecemduranteoperíododociodemarço.Oprincipalcomportamentodas lebresdurante todoseuperíododeacasalamento,queduraoito meses, consiste na perseguição das fêmeas pelos machos, seguida por lutas. Março não difere denenhum outro mês. Foi Erasmo que escreveu “Louco como uma lebre do pântano” [“a marsh hare”].Cientistaspensamqueapalavra“marsh”foicorrompidaem“March”emdécadasposteriores.

AodesenharaLebredeMarço,Tennielpôsfiosdepalhanacabeçadalebre.Carrollnãofazmençãoaisso,mas na época esse era um símbolo de loucura, tanto nas artes plásticas quanto no palco. EmTheNursery“Alice”,Carrollescreve:“AquelaéaLebredeMarço,comorelhascompridasepalhasmisturadasnocabelo.Aspalhasmostravamqueeralouca–nãoseiporquê.”Paramaissobreisto,verocapítulodeMichaelHanchersobreapalhacomosinaldeinsanidadeemTheTennielIllustrationstothe“Alice”Books.NosdesenhosqueHarryFurnissfezdoJardineiroLoucoparaoslivrosdeSílviaeBruno,deCarroll,pode-severumapalhasemelhantenocabeloenaroupadoJardineiro.

OChapeleiroeaLebreaparecempelomenosduasvezesemFinnegansWake:“Hatters hares” (p.83,linha1daed.rev.Viking,1959),e“hittershairs”(p.84,linha28).

9.CompareasobservaçõesdoGatodeCheshirecomaseguinteanotação,de9defevereirode1856,nodiáriodeCarroll:

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Indagação:quandoestamossonhandoe,comotantasvezesacontece,temosumavagaconsciênciadofato e tentamos despertar, não dizemos e fazemos coisas que na vigília seriam insanas? Nãopoderíamos portanto definir por vezes a insanidade comouma incapacidade de distinguir o que évigíliaeoqueésono?Frequentementesonhamossemamenorsuspeitadeirrealidade:“Osonotemseuprópriomundo”,ecomfrequênciaétãorealquantoooutro.

NoTeetetodePlatão,SócrateseTeetetodiscutemestetópicodaseguintemaneira:

TEETETO:Certamentenãopossomecomprometerademonstrarqueosloucosouosquesonhamacreditamnoquepensamquandoimaginam,algunsdeles,quesãodeuses,eoutrosquepodemvoar,eestãovoandoemseusonho.

SÓCRATES:Vês uma outra pergunta que pode ser suscitada sobre esses fenômenos, em especialsonhareestardesperto?

TEETETO:Quepergunta?

SÓCRATES:Umaperguntaque,meparece,devesterouvidopessoasfazeremmuitasvezes:comopodes tudeterminar se nestemomento estamosdormindo, e todososnossospensamentos sãoumsonho;ouseestamosdespertos,econversandoumcomoutronoestadodevigília?

TEETETO:Realmente,Sócrates,nãoseicomoprovarnemumacoisanemoutra;poisemambososcasososfatoscorrespondemprecisamente;enãohádificuldadealgumaemsuporquedurantetodaestadiscussãoestivemosfalandoumcomooutroemsonho;equandonumsonhoparecemosestarnarrandosonhos,asemelhançaentreosdoisestadosérealmenteespantosa.

SÓCRATES:Vês,portanto,queumadúvidasobrearealidadedossentidoséfacilmentesuscitada,jáque pode haver dúvida até quanto a estarmos despertos ou num sonho. E como nosso tempo éigualmentedivididoentreosonoeavigília,emambasasesferasdaexistênciaaalmasustentaqueospensamentos presentes em nossasmentes nomomento são verdadeiros; e durante umametade denossas vidas afirmamos a verdade de uma, e, durante a outra metade, da outra; e temos plenaconfiançaemambas.

TEETETO:Amaispuraverdade.

SÓCRATES:Enãopodeomesmoserditodaloucuraedasoutrasdesordens?Aúnicadiferençaéqueostemposnãosãoiguais.(Cf.cap.12,nota9,eAtravésdoEspelho,cap.4,nota10)

10.SelwynGoodacreobservouque,emboraAlicetivesse“caminhado”,TennielmostraoGatodeCheshire,quandoelereaparece,sentadonamesmaárvoredeantes.IssopermitiuaCarroll,emsuaNursery“Alice”,acrescentarumafantasiacomdobraduradepapel.AsduasilustraçõesdeTennielforampostasempáginaspares,demodoque(naspalavrasdeCarroll)“sevocêviraocantodestapágina,teráAliceolhandoparaoSorriso:eelanãoparecenemumpouquinhomaisassustadadoquequandoestavaolhandoparaoGato,parece?”

11.Aexpressão“sorrisosemumgato”nãoéumamádescriçãodamatemáticapura.Emborapossammuitasvezesserutilmenteaplicadosàestruturadomundoexterno,os teoremasmatemáticossãoemsimesmosabstrações que pertencem a um outro domínio, “distante das paixões humanas”, comoBertrandRussell

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certavezoexpressounumapassagemmemorável,“distanteatédosdesprezíveisfatosdaNatureza…umcosmoordenado,emqueopuropensamentopoderesidircomoemsuamoradanatural,eemqueum,pelomenos,denossosmaisnobresimpulsospodefugirdoáridoexíliodomundoreal.”

7.UMCHÁMALUCO

1.HárazõesparaseacreditarqueTennielacatouumasugestãodeCarrolldequedesenhasseoChapeleirode modo a parecer Theophilus Carter, um comerciante de móveis estabelecido perto de Oxford (nãohavendoquaisquerfundamentosparaacrençacorrentedequeoChapeleiroeraumacaricaturadoprimeiro-ministroGladstone).Carter era conhecido na região comooChapeleiroLouco, emparte porque sempreusavacartolaeemparteporcausadesuasideiasexcêntricas.Suainvençãodeuma“camadespertador”,queacordavaapessoajogando-anochão(exibidanoCrystalPalaceem1851),podeajudaraexplicarporqueoChapeleirodeCarrollétãopreocupadocomotempobemcomoemacordarumcaxinguelêsonolento[nooriginal,umdormouse].Observa-setambémqueitensdemobiliário–mesa,poltrona,escrivaninha–sãoproeminentesnesteepisódio.

O Chapeleiro, a Lebre e o Caxinguelê não aparecem em Alice’s Adventures Under Ground; todo ocapítulo é portanto uma adição posterior à história. A Lebre e o Chapeleiro reaparecem como osmensageiros do Rei, Haigha e Hatta, no cap.6 de Através do Espelho. No filme Alice realizado pelaParamount em1933,EdwardEverettHorton foi oChapeleiro eCharlesRuggles, aLebredeMarço.EdWynnforneceuavozdoChapeleironodesenhoanimadodeWaltDisneyde1951,eJerryColonnadublouopapeldaLebre.

“ÉimpossíveldescreverBertrandRussell”,escreveNorbertWienernocap.14desuaautobiografiaEx-Prodigy,“excetodizendoqueelepareceoChapeleiroLouco…AcaricaturadeTennielquaserevelaumaantecipação por parte do artista.” Wiener prossegue, apontando a semelhança dos filósofos J.M.E.McTaggart e G.E.Moore, dois dos colegas de Russell emCambridge, com o Caxinguelê e a Lebre deMarço,respectivamente.OstrêshomenseramconhecidosnacomunidadecomooCháMalucodeTrinity.

EllisHillman,escrevendoem“WhoWastheMadHatter?”emJabberwocky(inverno1973),propõeumnovocandidato:SamuelOgden,umchapeleirodeManchesterconhecidocomo“MadSam”,queem1814desenhouumchapéuespecialparaoczardaRússiaemvisitaaLondres.

Hillman tambémconjeturaque,suprimindo-seoh,“MadHatter”soacomo“MadAdder” [“ContadorLouco”].Isso,eleescreve,poderiasertomadocomodescriçãodeummatemático,comoopróprioCarroll,outalvezCharlesBabbage,ummatemáticodeCambridgevistoemgeralcomoligeiramenteloucoemseusesforçosparaconstruirumacomplicadamáquinadecalcularmecânica.

HughRawson,emDeviousDerivations (1994),escrevequeThackerayusouaexpressão“loucocomoumchapeleiro”emPendennis(1849).OmesmofezThomasChandlerHaliburton,umjuizdaNovaScotia,emTheClockmaker:“IrmãSal…saiudoquartotãoloucacomoumchapeleiro.”

2.Odormousebritânico[aquisubstituídoporumcaxinguelê]éumroedorqueseassemelhamuitomaisaumpequenoesquiloqueaumcamundongo[omesmopodeserditodocaxinguelê,queétambémchamadoesquilo].Onomevemdolatimdormire,dormir,eestáassociadoaohábitoquetemoanimaldehibernarnoinverno. Em contraste com o esquilo, o dormouse é noturno, demodo quemesmo emmaio (omês daaventuradeAlice)permanecenumestadoletárgicoduranteodiatodo.EmSomeReminiscencesofWilliamMichaelRossetti (1906) somos informados de que odormouse pode ter tido pormodelo owombat [ummarsupialaustraliano]deestimaçãodeDanteGabrielRossetti,quetinhaohábitodedormirsobreamesa.CarrollconheciatodososRossettieocasionalmenteosvisitava.

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SelwynGoodacreobservouqueodormousenãotemsexodefinidoduranteochá,masrevelasermachonocap.11.

Um correspondente britânico, J. Little, enviou-me o selo acima, que apresenta o dormouse britânicocomoespécieameaçada.Oselofoiemitidoemjaneirode1998.

3.CarrolleTennielparecemteresquecidoquehaviaumaleiteiranamesa.SabemosquehaviaporquemaistardenocháoCaxinguelêaderruba.

4. EmUnder theQuizzingGlass, R.B. Shaberman e Denis Crutch ressaltam que ninguém diria a umameninavitorianaqueseucabeloestavacompridodemais,masaobservaçãoteriaseaplicadoaCarroll.EmTheStoryofLewisCarroll(J.M.Dent,1899),IsaBowman,aatrizeantigaamigacriançarelembra:“LewisCarroll eraumhomemde estaturamediana.Quandoo conheci seu cabelo era cinzaprateado,bemmaislongodoqueeramodausar,eseusolhoseramdeumazulprofundo.”

5. O famoso enigma não respondido do Chapeleiro Louco foi objeto demuita especulação de salão notempo deCarroll.A resposta dele próprio (dada num prefácio que escreveu para a edição de 1896) é aseguinte:

TantasvezesmefoiperguntadoseépossívelimaginaralgumarespostaparaoEnigmadoChapeleiroque posso também registrar aqui o queme parece uma resposta claramente apropriada, qual seja:“Porquepodeproduzir algumasnotas, embora sejammuito chatas; e nunca é posto de trás para afrente!”[“Because it canproducea fewnotes, tho theyarevery flat; and it is nevar putwith thewrongendinfront.”]Isso,contudo,éummerareflexãoposterior;oEnigma,talcomooriginalmenteinventado,nãotemrespostanenhuma.

Outrasrespostasforamsugeridas,emespecialporSamLoyd,ogênioamericanodosenigmas lógicosemsuaobrapóstumaCyclopediaofPuzzles(1914),p.114.EmharmoniacomoestiloaliterantedeCarroll,Loydoferececomosuamelhorsolução:porqueasnotaspelasquaissãonotadosnãosãonotadasporseremnotasmusicais. Outras sugestões de Loyd: porque Poe escreveu sobre ambos; porque ambos se postamsobresuaspernas.

Em1989 aLewisCarroll Society da Inglaterra anunciou umconcurso para novas respostas, a seremfinalmentepublicadasnoboletimdasociedade,Bandersnatch.

Aldous Huxley, em “Ravens and Writing Desks” (Vanity Fair, set 1929), propõe duas respostasnonsense: porque há um b em ambos, e porque não há n em nenhum deles. JamesMichie enviou umarespostasemelhante:porqueamboscomeçamcome.Huxleydefendeaideiadequequestõesmetafísicas,como “Deus existe?” “Temos livre-arbítrio?” “Por que há sofrimento?” são tão desprovidas de sentidoquantoaperguntadoChapeleiroLouco–“enigmasnonsense,perguntasnãosobrearealidademassobrepalavras”.“Ambostêmpenasimersasemtinta”foisugeridopeloleitorDavidB.JodreyJr.

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DenisCrutch(Jabberwocky,inverno1976)relatouumasurpreendentedescoberta:noprefácioàediçãode1896Carrollgrafou“never”como“nevar”,pretendendoclaramenteescrever“raven”detrásparafrente.A palavra foi corrigida para “never” em todas as reimpressões posteriores, talvez por um editor queimaginou ter detectado um erro de impressão. Como Carroll morreu pouco depois que essa “correção”destruiuaengenhosidadedasuaresposta,agrafiaoriginalnuncafoirestabelecida.Nãosesabesetomouconhecimentododanofeitoàsuainteligenteresposta.

Em1991TheSpectator,naInglaterra,pediurespostasparaoenigmadoChapeleiroemseuconcursonº1683.Entreasvencedoras,divulgadasnodia6dejulho,estavamasseguintes:

PorquesemumeoutroAdmirávelmundonovonãoteriapodidoserescrito.(RoyDavenport)

Porque “corvo” contém cinco letras que poderíamos igualmente esperar encontrar numaescrivaninha.(RogerBaserel)

AquiestámaisumadasrespostasdeFrancisHuxley,autordeTheRavenandtheWritingDesk(1976):

Porque“raven”e“desk”contêmambosumrio:NevaeEsk.

6.AobservaçãodeAlicedequeédia4,combinadacomarevelaçãofeitanocapítuloanteriordequeomêsémaio,estabeleceadatadaaventuradeAlicedebaixodaTerracomo4demaio.Alicenasceunodia4demaiode1852.Tinha10anosem1862,oanoemqueCarrollcontoueregistroupelaprimeiravezahistória,massuaidadenahistóriaécertamente7anos(vercap.1,nota1,deAtravésdoEspelho).Naúltimapáginado original escrito amão deAlice’sAdventuresUnderGround, que Carroll deu a Alice, ele colou umafotografiadelaquefizeraem1859,quandotinha7anos.

EmseulivroTheWhiteKnight,A.L.Taylorrelataque,nodia4demaiode1862,haviaexatamentedoisdiasdediferençaentreosmeses lunar eosdocalendário. Isso, sustentaTaylor, sugerequeo relógiodoChapeleiroLoucomarcavaotempolunareexplicasuaobservaçãodequeestavacom“doisdiasdeatraso”.SeoPaísdasMaravilhasestápertodocentrodaTerra,observaTaylor,aposiçãodoSolseriainútilparaadeterminação da hora, ao passo que as fases da Lua permanecem confiáveis. A conjectura é apoiadatambémpelaestreitaconexãode“lunar”com“lunático”,masédifícilacreditarqueCarrolltivessetudoissoemmente.

7.Aindamais engraçadoéo “RelógioEsquisito”que tinhaoprofessorde alemãonocap.23deSílvia eBruno.Voltarseusponteirosparatrásnotempotemoefeitodefazerospróprioseventosrecuaremparaahoraindicadapelosponteiros,umainteressanteantecipaçãodeAmáquinadotempo,deH.G.Wells.Masissonãoé tudo.Apressãodeum“pinode reversão”noRelógioEsquisito faziaoseventos semoveremparatrás;umaespéciedereversãoespeculardadimensãolineardotempo.

IssotrazàlembrançaumfragmentoanteriordeCarrollemqueeleprovaqueumrelógioparadoémaisprecisodoqueumqueatrasaumminutopordia.Oprimeirodáahoraexata2vezesacada24horas,aopassoqueosegundosódáahoraexata1vezacada2anos.“Vocêpoderiaperguntaremseguida”,Carrollacrescenta,“‘Comovousaberqueafinalsãomesmo8horas?Meurelógionãomedirá.’Sejapaciente:vocêsabequequandoforem8horasseurelógioestarácerto;muitobem;aregraparavocêéaseguinte:fiquedeolhofixonorelógioenomomentoexatoemqueeleestivercertoserão8horas.”

8.AcançãodoChapeleiroparodiaaprimeiraestrofedoconhecidopoemadeJaneTaylor,“TheStar”.

Pisca,pisca,estrelinha,Quiserasaberoqueés!Acimadomundo,tãoalta,

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Qualdiamantenocéu.

A paródia de Carroll talvez contenha o que cômicos profissionais chamam de “inside joke” (piadasíntimas). Bartholomew Price, eminente professor de matemática em Oxford e amigo de Carroll, eraconhecidopelosestudantespeloapelido“TheBat”.Suaspreleçõescertamentetendiamapairarbemacimadascabeçasdeseusouvintes.

AparódiadeCarrollpode tambémdeveralgoaumepisódioqueHelmutGernsheimrelataemLewisCarroll:Photographer(Chanticleer,1949):

NoChristChurcholentegeralmentecircunspectorelaxavanacompanhiadecriançasquevisitavamseusvastosaposentos–umverdadeiroparaísoparaelas.Haviaumamaravilhosacoleçãodebonecasebrinquedos,umespelhoquedistorcia,umursomecânicoeummorcegovoadorfeitoporele.Esteúltimofoicausadegrandeembaraçoquando,numatardequentedeverão,apósdarváriasvoltaspelasala, de repente saiu voando pela janela e aterrissou numa bandeja de chá que um criado dauniversidade estava carregando justamente naquele instante através daTomQuad.Assustado comessaestranhaaparição,eledeixouabandejacaircomgrandeestrépito.

9.“Assassinandootempo”:desfigurandooandamentodacanção.

10.Istofoiescritoantesqueochádas5setornasseocostumegeralnaInglaterra.Pretendiareferir-seaofatodequeosLiddellporvezesserviamocháàs6horas,coincidindocomojantardascrianças.ArthurStanley Eddington, bem como escritores menos ilustres na teoria da relatividade, compararam o chámaluco,emquesãosempre6horas,comaquelaporçãodomodelodocosmodeDeSitteremqueotempopermaneceeternamenteimóvel.(Vercap.10deSpaceTimeandGravitation,deEddington.)

11.As três irmãzinhas são as três irmãsLiddell, Elsie éL.C. (LorinaCharlotte), Tillie é uma alusão aoapelidofamiliardeEdith,Matilda,eLacieéumanagramadeAlice.

EstaéasegundavezqueCarrolbrincacomapalavra“Liddell”.Primeirobrincacomasemelhançaentre“Liddle”e“little”, na primeira estrofe de seupoema introdutório, emque “little” é usado três vezes emreferênciaàs“cruéisTrês”daestrofeseguinte:

AllinthegoldenafternoonFullleisurelyweglide;Forbothouroars,withlittleskill,Bylittlearmsareplied,WhilelittlehandsmakevainpretenceOurwanderingstoguide.

Sabemos como “Liddell” era pronunciado porque na época de Carroll os estudantes compuseram oseguintecouplet:

IamtheDeanandthisisMrs.Liddell.Sheplaysthefirst,andIthesecondfiddle.

Poralgumarazão,Tennielnãodesenhouastrêsirmãs.AimagemquePeterNewellfezdelasnofundodopoçoestánap.90demeuMoreAnnotatedAlice.

12.“Treacle” [apalavrausadanooriginal inglês] éoequivalentebritânicodoamericano“molasses”,oumelado.VivienGreene(mulherdoromancistaGhahamGreene),quemoraemOxford,foiaprimeiraameinformar–maistardeasra.HenryA.MorssJr.,deMassachusetts,enviouinformaçãosemelhante–queumchamado“treaclewell”[poçodemelado]realmenteexistianaépocadeCarrollemBinsey,pertodeOxford.

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“Treacle”referia-seoriginalmenteacompostosmedicinaisdadosparapicadasdecobra,venenoseváriasdoenças.Poçoscujaáguaseacreditavatervalormedicinaleramporvezeschamados“treaclewells”. Istoenriquece,éclaro,osentidodaobservaçãoquefazoCaxinguelê,algumaslinhasdepois,dequeasirmãsficaram“muitodoentes”.

MavisBatey,emAlice’sAdventuresinOxford(APitkinPictorialGuide,1980),contaalendadopoçoBinsey,doséculoviii.ParecequeDeuscegouoreiAlgarporqueeleassediavaaprincesaFrideswidenointuitodedesposá-la.AprecedaprincesaasantaMargaretepedindomisericórdiaparaoreifoirespondidapeloaparecimentoemBinseydeumpoçocomáguasmilagrosasquecuraramacegueiradeAlgar.SantaFrideswideretornouaOxford,ondesupostamentefundouumconventonolocalondehojeseergueoChristChurch.O“treaclewell”foiumlocaldecuramuitoprocuradodurantetodaaIdadeMédia.

Umexemplodivertidodoantigosignificadode“treacle”éfornecidoporumafamosa“Bíbliacuriosa”impressaem1568econhecidacomoaTreacleBible.(BíbliacuriosaéumtermogenéricoparaBíbliasquecontêmerrostipográficospeculiareseescolhasdepalavrasestranhasfeitasporumeditor.)NaBíbliadoreiJaime, o versículo Jeremias 8:22 começa com as palavras: “Is there no balm in Gilead…?” [“Não hábálsamoemGalaad?”]NaTreacleBiblelê-se:“IstherenotreacleinGilead?”

NaCapela Latina da catedral deChrist Church, um vitral (reproduzido em cores no livrinho da sra.Batey)representaumgrupodepessoasenfermasacaminhodo“treaclewell”deBinsey.

13.HenryHoliday,que ilustrouHuntingfortheSnark,deCarroll, recordounumacarta terperguntadoaCarroll por que todos os nomes dos membros da tripulação de um navio começavam com b. Carrollrespondeu:“Porquenão?”

ObservequeéaLebredeMarço,nãooCaxinguelê,querespondeàperguntadeAlice.ComoSelwynGoodacre assinalou, “o nomedela [MarchHare] começa ele próprio comm, e ela queria fazer parte dahistória”.

Selwyn Goodacre chamou minha atenção também para o fato de que, como “molasses” [melado]começacomm,eraadequadoqueasmeninaso“tirassem”dopoço.

14. Sou grato a Roger Green pela surpreendente informação de que as crianças vitorianas costumavamrealmenteterdormicecomobichosdeestimação,conservando-osembulesdechácheiosdecapimoufeno.

15.Umacenabaseadanochámalucofoiumadasprimeirasaserelaboradaparaumanovatecnologiaemrápidodesenvolvimentochamada“realidadevirtual”.Apessoapõeumcapaceteque forneceacadaolhoumateladevídeoconectadaaumprogramadecomputador.Usatambémfonesdeouvidoeumtrajeeluvasequipadoscomsensoresdefibraópticaqueinformamaocomputadorcomoseucorpoesuasmãosestãosemovendoecomoessesmovimentosalteramacenavisual.Comisso,elaécapazdeveresemovimentarno“espaço” tridimensional artificial. A pessoa pode assumir o papel de Alice ou o de qualquer outro dospersonagens do chá maluco e, com o avanço da tecnologia, deverá ser capaz até de interagir com ospersonagens.Ver“OntheRoadtotheGlobalVillage”,deKarenWright(ScientificAmerican,mar1990),e“ArtificialReality”,deG.PascalZachary(WallStreetJournal,23jan1990,p.1).

8.OCAMPODECROQUÉDARAINHA

1. Bruce Bevan escreveu dizendo que Carroll talvez tivesse em mente aqui um incidente descrito nocapítulo sobre amania da tulipa na obraExtraordinaryPopularDelusions and theMadness ofCrowds,publicadaporCharlesMackayem1841.UmviajanteinglêsnaHolanda, ignorandoosaltospreçosentãopagos por espécies raras de tulipas, pegou um bulbo de tulipa pensando que era uma cebola e se pôs adescascá-lo. Acontece que o bulbo custava 4mil florins. O pobre homem foi detido emandado para acadeia,ondeficouatéencontrarmeiosdepagaressasomaaoproprietáriodobulbo.

2.Entreascartasintermediárias,asdeespadassãoosjardineiros,asdepaussãosoldados,asdeourossão

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cortesãoseasdecopas,os10infantesreais.Asfigurassão,éclaro,membrosdacorte.ObservecomqueengenhosidadeCarrollvinculouaolongodetodoestecapítuloocomportamentodesuascartasanimadasaode cartas reais debaralho.Elas sedeitamdebruços, nãopodemser identificadaspelodorso, podemserviradasfacilmenteesecurvamnaformadearcosdecroqué.

Asra.DaveAlexander, lendomeuMoreAnnotatedAlice, notouquePeterNewell cometeuoerrodemostrarosjardineiroscomocartasdecopas,emvezdeespadas.

3.AilustraçãodeTennielparaestacenanojardiméadmiravelmenteanalisadanolivrodeMichaelHanchersobreo ilustrador.OValete, comonariz ligeiramente sombreado (vercap.12,nota7), estácarregandoacoroadeSãoEduardo,acoroaoficialdaInglaterra.AscabeçasdoReideCopasedoValetedeCopas(umdosdoisvaletesdeumolhosó,comosãoconhecidospelosjogadoresdecartas)sãoobviamentebaseadasemcartasdebaralho.ÀesquerdadoReideCopas,vêem-seasfacesdoReideEspadasedoReidePaus,eoReideOuros,deumolhosó,olhandoparaoleste,enãoparaoestecomodecostume.

ARainhadeCopasusaumvestidosemelhanteaodeumarainhadeespadas.EstariaTenniel,perguntaHancher,identificando-acomumacartatradicionalmenteassociadaàmorte?Observeacúpuladevidrodeumaestufanofundo.

Desafio:DescubraoCoelhoBranconailustração.

4. “Emminhamente”, escreveuCarroll emseuartigo“Alice on theStage” (citadoemnotasanteriores),“imagineiaRainhadeCopascomoumaespéciedeencarnaçãodapaixãoingovernável–umaFúriacegaedesnorteada.” Suas constantes ordens de decapitação soam chocantes para aqueles críticos atuais deliteraturainfantilqueachamqueaficçãoparacriançasdeveriaserdesprovidadequalquerviolênciaeemespecialdeviolênciacomsugestõesfreudianas.AtéoslivrosdeOzdeL.FrankBaum,tãosingularmentedistantesdoshorrorespresentesemGrimmeAndersen,contêmmuitascenasdedecapitação.Peloquesei,nãosefizeramestudosempíricossobreomodocomocriançasreagemataiscenaseodanoqueéounãocausadoàssuaspsiques.Minhaimpressãoéqueacriançanormalachatudoissomuitodivertidoenãoéprejudicadaemabsoluto,masquenãosedeveriapermitirquelivroscomoAlicenoPaísdasMaravilhaseOmágicodeOzcirculassemlivrementeentreadultosqueestãosesubmetendoaanálise.

NasilustraçõesdeTennielparaestacenaemTheNursery“Alice”,orostodaRainhaédeumvermelhovívido.

5.NooriginaldeAliceescritoamãoporCarroll,bemcomonosdesenhosqueele fezpara ilustrá-lo,osmalhossãoavestruzesemvezdeflamingos.

Carrolldedicavamuito tempoà invençãodemaneiras inusitadasde jogar jogosbemconhecidos.Doscerca de duzentos textos que imprimiu privadamente, cerca de vinte versam sobre jogos originais. SuasregrasparaCastleCroquet,umjogocomplicadoqueelejogavafrequentementecomasirmãsLiddell,estãoreproduzidas, juntamente com seus outros panfletos sobre jogos, em meuUniverse in a Handkerchief:LewisCarroll’sMathematicalRecreations,Games,Puzzles,andWordPlay(1996).

6.FrankieMorrissugereemJabberwocky(outono1985)queolivroqueAliceleupoderiatersidoACatMayLookUponaKing(Londres,1625),umimpiedosoataqueaosreisinglesesdaautoriadeSirArchibaldWeldon.“Umgatopodeolharparaumrei”éumprovérbioconhecidoque implicaqueos inferiores têmcertosprivilégiosnapresençadesuperiores.

7.Emsuailustraçãoparaestacena,Tenniel,apropriadamente,figurouoValetedePauscomoocarrasco.

9.AHISTÓRIADATARTARUGAFALSA

1.Camomila eraummedicamentoextremamenteamargo, amplamenteusadona Inglaterravitoriana.Eraextraídodaplantadomesmonome.

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2.“Barleysugar”[comoaparecenooriginal]éumrebuçadotransparente,quebradiço,geralmentenaformade um bastão torcido, ainda vendido na Inglaterra.Outrora era feito com açúcar de cana fervente e umpreparadodecevada.

3. M.J.C. Hodgart chama minha atenção para a seguinte afirmação no romance Dombey and Son, deCharlesDickens(cap.2):“Háumamoralemtudo,desdequetiremosproveitodela.”JamesKincaid,numadesuasnotasparaaediçãoPennyroyaldeAtravésdoEspelho (1983), ilustradaporBarryMoser,citadamonografia de Carroll,TheNew Belfry of Christ Church, Oxford: “Tudo tem umamoral, se decidimosprocurar por ela. Em Wordsworth, boa metade de cada poema é dedicada à Moral; em Byron, umaproporçãomenor;emTupper,opoemainteiro.”

4.Umacançãofrancesapopulardaépocacontémosversos“C’estl’amour,l’amour/Quifaitlemondeàlaronde”, mas Roger Green acha que a Duquesa está citando o primeiro verso de uma canção inglesaigualmente antiga, “TheDawnofLove”.Ele chama atençãopara a afirmação semelhante que encerra oParaíso,deDante.

“É o amor que faz omundo girar, querida”, escreveCharlesDickens (Nosso amigo comum, livro 4,cap.4),eháinúmerasoutrasexpressõesdosentimentonaliteraturainglesa.

5.“Alguém”foiaprópriaDuquesa,nocap.6.

6.Certamentepoucosamericanosreconheceramistopeloqueé:umaalteraçãoextremamenteengenhosadoprovérbiobritânico“Cuidedospencequeaslibrascuidarãodesi”.AobservaçãodaDuquesaéporvezescitadacomoboaregraaseseguirquandoseescreveprosaoumesmopoesia.Falaciosa,éclaro.

7. [Nooriginal, “Themore there isofmine, the less there isofyours”]Carroll parece ter inventadoesteprovérbio.Eledescreveoquenateoriadosjogoscontemporâneaéchamadoumjogodesomazeroentreduaspessoas–umjogoemqueoganhodovencedoréexatamenteigualàperdadoderrotado.Opôqueréumjogodesomazeroentreváriaspessoas,porqueasomatotaldedinheiroganhoéigualàsomatotaldedinheiroperdido.

8.Alice passou de animal paramineral e para vegetal. Como a leitora Jane Parker escreve numa carta,temos aqui uma referência ao popular jogo de salão vitoriano “animal, vegetal, mineral”, em que osjogadores tentavam adivinhar o que alguém tinha em mente. As primeiras perguntas feitas eramtradicionalmente:Éumanimal?Éumvegetal?Éummineral?Asrespostastinhamdesersimounãoeoobjetivoeraadivinharcorretamenteemvinteperguntasoumenos.Umareferênciamaisexplícitaao jogopodeserencontradanocap.7dosegundolivrodeAlice.

9.UmareferênciaaporcosvoadoresocorrenacançãodeTweedledeenosegundolivrodeAlice,quandoaMorsaespeculaseporcostêmasas.“Porcospodemvoar”,rezaumvelhoprovérbioescocês,“masépoucoprovávelqueofaçam.”Podem-severporcosaladosnailustraçãodeHenryHolidayparaaauladoCastoremTheHuntingoftheSnark.

10.Asopadetartarugafalsaéumaimitaçãodesopadetartarugaverde,geralmentefeitacomvitela.IstoexplicaporqueTennieldesenhousuaTartarugaFalsacomcabeça,patastraseiraserabodebezerro.

11.O grifo é ummonstro fabuloso com cabeça e asas de águia e a parte inferior do corpo de leão.NoPurgatório, canto 29, da Divina comédia de Dante (aquela incursão menos conhecida pelo País dasMaravilhas através de um buraco na terra), o coche da Igreja é puxado por um grifo.O animal foi umsímbolomedievalcomumdauniãoentreDeuseohomememCristo.AquitantooGrifoquantoaTartarugaFalsasãosátirasóbviasaosgraduandossentimentaisquepovoavamOxford.

SougratoaVivienGreenepormeinformarqueogrifoéoemblemadoTrinityCollegedeOxford.Ele

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figuranoportãoprincipaldoestabelecimento–fatocertamenteconhecidoporCarrolleasirmãsLiddell.OleitorJamesBethunevêumsignificadosatíriconosonodoGrifo.Supostamente,osgrifosteriamsido

os ferozes guardiões dasminas de ouro da antigaCítia, o que faz deles dignos emblemas heráldicos deextremavigilância.VeroartigodeAnneClark“TheGriffinandtheGryphon”,emJabberwocky(inverno1977).

12.Seo“ninguém”doGrifonuncaéexecutado,Alicepodeperfeitamentetervistoninguémnaestradanocap.7dosegundolivrodeAlice.

13.ComoPeterHeathassinalouemThePhilosopher’sAlice,aTartarugaFalsaestádizendoaAlicequeelaacaba justamente de dizer “isso”.Heath nos lembra comoHumpty, no próximo livro, pegaAlice numaarmadilhaverbalsemelhantereferindo-seaalgoqueelanãodisse.

14.Aexpressão“Francês,músicaelavanderia–extras”apareciacomfrequêncianascontasdosinternatos.Significava,éclaro,quehaviaumpreçoadicionalporaulasdefrancêsemúsicaepelalavagemderoupafeitanaescola.

15.Neméprecisodizerque todasasmatériasdaTartarugaFalsasão trocadilhos(leitura,escrita,adição,subtração,multiplicação,divisão,história, geografia, desenho, esboço,pintura aóleo, latimegrego).Defato, este capítulo e o que se segue estão repletos de trocadilhos. As crianças acham muita graça emtrocadilhos,masamaioriadasautoridadesatuaisnoqueascriançassupostamenteapreciamacreditaqueelesrebaixamaqualidadeliteráriadelivrosinfantis.

16.O“professordeDesdém”,quevinhaumavezporsemanaparaensinar“aDesdenhar,EmbolsarePingaraAlho”, é uma referência a ninguémmenos que o crítico de arte JohnRuskin. Ruskin ia uma vez porsemana à casa dos Liddell para ensinar desenho, esboço e pintura a óleo às crianças. Estas foram bemensinadas.UmaolhadelaapenasàsmuitasaquarelasdeAliceeàsdeseuirmãoHenry,eaumapinturaaóleodeAlice feitaporsua irmãViolet, jápermiteavaliaro talentoparaaartequeherdaramdopai.VerBeyondtheLookingGlass,deColinGordon(HarcourtBraceJovanovich,1982)parareproduções,muitasemcores,detrabalhosartísticosproduzidospelosLiddell.

FotografiasdeRuskinnaépoca,eumacaricaturafeitaporMaxBeerbohm,mostram-noalto,magro,eextremamenteparecidocomumcongro.ComoCarroll,elesesentiaatraídopormenininhasprecisamenteporcausadapurezasexualdelas.SeucasamentocomEuphemia(“Effie”)Gray,10anosmaisnovaqueele,foianuladoapós6anosinfelizescombaseem“impotênciaincurável”.EffielogovoltouasecasarcomojovemJohnMillais,cujaspinturaspré-rafaelitasRuskinmuitoadmirava.Ela lhedeuoitofilhos,entreosquaisamenininharetratadaporMillaisnofamosoMyFirstSermon(vercap.3,nota4,dosegundolivrodeAlice).

QuatroanosmaistardeRuskinseapaixonouporRosieLaTouche,filhadeumbanqueiroirlandêscujamulheradmiravaseusescritos.Rosietinhaentão10anoseele47.Pediuamãodajovemquandoelafez18anos,mas ela o recusou.Foi umgolpe esmagador.Ruskin continuou a se apaixonar pormenininhas tãovirgensquantoelepróprio,tendopedidoumameninaemcasamentoquandoestavacom70anos.Morreuem1900,apósdezanosdegravedoençamaníaco-depressiva.UmaautobiografiafaladesuaadmiraçãoporAliceLiddell,masnãohámençãoaLewisCarroll.

17. A excelente pergunta de Alice embaraça o Grifo justificadamente, pois introduz a possibilidade demisteriososnúmerosnegativos(conceitoquetambémconfundiamatemáticosantigos),queparecemnãoternenhumaaplicaçãoahoráriosdeaulano“curioso”esquemaeducacional.Nodécimosegundodiaenosdiassubsequentes,começariamosalunosadaraulaparaoprofessor?

10.AQUADRILHADALAGOSTA

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1.Aquadrilha,umadançaemcincofiguras,eraumadasmaisdifíceisdançasdesalãoemmodanaépocaemqueCarroll escreveu suahistória.AscriançasLiddell tinhamaprendidoadançá-la comum instrutorparticular.

Emumade suascartasaumamenininha,Carrolldescreveusuaprópria técnicadedançada seguintemaneira:

Quantoadançar,minhaquerida,eununcadanço,amenosquemesejapermitidofazê-lodaminhaprópriamaneirapeculiar.Éinútiltentardescrevê-la:sóvendoparaacreditar.Naúltimacasaemquetentei,opisodesabou.Mastambémeraumpisomuitoruim–astábuastinhamsó15centímetrosdeespessura,malmereciamonomedetábuas;arcadasdepedrasãomuitomaissegurasemsetratandode uma dançadomeu tipo peculiar. Alguma vez você já viu o Rinoceronte e oHipopótamo, noJardimZoológico,tentandodançarumminuetojuntos?Éumespetáculocomovente.

A “Quadrilha da Lagosta” [Lobster-Quadrille] pode ter sido pensada como uma brincadeira com a“LancersQuadrille”,dançaparaseisaoitoparesqueeraimensamentepopularnossalõesdebaileinglesesnaépocaemqueCarroll escreveu seus livrosdeAlice.Variantedaquadrilha, consistiadecinco figuras,cadaumanumritmodiferente.SegundooDicionárioGrovedemúsica,o“lanceiro”(comoeramchamadastantoadançaquantosuamúsica)foiinventadoporumprofessordedançadeDublinealcançouaceitaçãointernacional na década de 1850, após ter sido introduzido em Paris. A última estrofe da canção daTartarugaFalsatalvezreflitaapopularidadedolanceironaFrança,eoarremessodaslagostastalvezsejaumaalusãoaoarremessodelançasemcombate.Seessearremessodesempenhavaalgumpapelnadança,nãosei.

2. A Canção da Tartaruga parodia o primeiro verso e adota amétrica [no original] do poema deMaryHowitt’s(baseadoporsuaveznumacançãomaisantiga)“Aaranhaeamosca”.EstaéaprimeiraestrofedaversãodeHowitts:

“Queresviraomeusalão?”aaranhaveioàmoscaconvidar.“Éosalãomaisbonitoemquehaverádepisar.Ocaminhoparaeleéumaescadaemespiral,Etenhocoisascuriosasparamostrarguardadaslá.”“Oh,não,não”,disseamosquinha,“éinútilmetentar,Poisquemsobeasuaescadanuncamaisretornacá.”

NomanuscritooriginaldeCarroll,aTartarugaFalsaentoaumacançãodiferente:

DebaixodaságuasdomarHálagostasdasmaisgraúdas…Comvocêecomigoelasgostamdedançar.Meuquerido,meumeigoSalmão!

REFRÃOPr’acimaSalmão!Pr’abaixoSalmão!VemSalmão,suacaudaenroscarEmtornodospeixestodosdomar.NinguémémelhorqueoSalmão.

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AquiCarrollestáparodiandoumacançãodeorigemnegra,cujoestribilhoseiniciacom:

Pr’acimaSally!Pr’abaixoSally!Vem,Sally,rodarossaltospelosalão!

Emumapontamentofeitoemseudiárioem3dejulhode1862(navésperadafamosaexcursãopelorioTâmisa), Carrollmenciona ter ouvido as irmãs Liddell (numa reunião em dia chuvoso na residência dodeão) cantarem essa canção de origem negra “com grande espírito”. Roger Green, numa nota a esseapontamento,forneceasegundaestrofeeoestribilhodacanção:

Segunda-feiraeudeiumbaile,Etodososnegrosestavamlá,Gordos,magros,baixos,altos,MasninguémpôdeSallyacompanhar!

Pr’acimaSally!Pr’abaixoSally!Vem,Sally,rodarossaltospelosalão!Ovelhofoiembora,comumaindisposição…Vem,Sally,vemrodarbemnomeiodosalão!

Algumasestrofesterminamcom“Dar’snotagallikeSally!”Numacarta(1886)aHenrySavileClarke,queadaptouos livrosdeAliceparaopereta,Carroll insistiuemquesuascançõesqueparodiavamvelhasmúsicasinfantisfossemcantadascomasmelodiastradicionais,nãoarranjadasemmúsicanova.Destacouessacançãoemparticular.“Seriaprecisoumcompositormuitobomparacomporalgomelhorqueavelhaedoceáriade‘Queresviraomeusalão?’.”

A charge política de Tenniel naPunch (8 mar 1899), intitulada “Alice in Bumbleland”, apresenta omesmotriodeAlice,oGrifoeaTartarugaFalsa.AliceéopolíticoconservadorArthurJamesBalfour,oGrifo é Londres e a Tartaruga Falsa chorosa é a cidade deWestminster.Alice, oGrifo e uma tartarugacomum aparecem na charge anterior de Tenniel “Alice in Blunderland” (Punch, 30 out 1880). OutrasapariçõesdeAlicenaPunchocorremnachargedeTennielde1ºdefevereirode1868(AlicerepresentaosEstadosUnidos)enofrontispíciodeTennielparaovol.46encadernado(1864).

3.Merluzaéumpeixecomestíveldafamíliadobacalhau[nooriginal,“whiting”].

4.“Quandoescreviaquilo”,sãoaspalavrasatribuídasaCarroll(nolivrodeStuartCollingwood,TheLifeandLettersofLewisCarroll,p.402),“euacreditavaquemerluzasrealmentetinhamacaudanaboca,masdepoismedisseramqueospeixeirosenfiamacaudapeloolho,pelabocanunca.”

Umleitorqueseassinouapenas“Alice”mandou-meumrecortedeumacartadeCraigClaibornequefoipublicadaemTheNewYorker (15 fev1993).Ele descreve umprato francês conhecido comomerlan encolère,ou“merluzaenfurecida”,preparado“torcendo-seopeixenumcírculoeamarrandoouprendendodeoutra forma sua caudanaboca.Emseguida ele é frito (nãocozido) e servidocomsalsa, limãoemolhotártaro.Quandoservidoquente,temumaspectonitidamentecolérico,ouirascível.”

5.O primeiro verso deste poema lembra a expressão bíblica “a voz da tartaruga” (Cântico dos cânticos2:12); na verdade, é uma paródia dos primeiros versos de “The Sluggard” [“O preguiçoso”], ummelancólicopoemadeIsaacWatts(vernota5docap.2),queosleitoresdeCarrollconheciambem:

Estaéavozdopreguiçoso;euoouvisequeixar.“Vocêmeacordoumuitocedo,vouvoltaracochilar.”Comoaportanosseusgonzos,assiméelenacama,Trocadelado,sesacodeeaindamaisseesparrama.

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AparódiaqueCarrollfezdosversosdepé-quebradodeWattspassoupormuitasmudanças.Antesde1886 todas as edições de Alice tinham uma primeira estrofe de quatro versos e uma segunda que erainterrompida após o segundo verso. Carroll forneceu os versos que faltavam para Songs from Alice inWonderland,livropublicadoporWilliamBoydem1870.Aestrofecompletaera:

PasseipeloseujardimenoteiqueatrásdaportaAcorujaeaostradividiamumatorta,EnquantoopatoeoDodô,olagartoeogato,Nadavamnoleiteentornadonumsapato.

Em1886Carroll revisoueaumentouopoemapara16versosparaaencenaçãomusicaldeAlice.OsversosaquireproduzidossãoaversãofinalqueaparecenasediçõesdeAliceapartirde1886.Porincrívelque pareça, um vigário de Essex escreveu uma carta para The St. James Gazette acusando Carroll deirreverênciaporcausadaalusãobíblicanoprimeiroversodesuaparódia.

6. SelwynGoodacre comunicou-me a observação de sua filha de que Tenniel seguiu cuidadosamente ocomentáriodeAlice,desenhandoalagostacomospésnaprimeiraposiçãodobalé.

7.Asimpiedosaspalavrasfinais,“comendoacoruja”[“eatingtheOwl“],aparecemnaediçãoimpressadaopereta de Savile Clarke, de 1886. Esta é uma outra versão, provavelmente anterior, dos dois últimosversos,reproduzidanabiografiadeStuartCollingwood:

EnquantoissoaPanteracomafacaeogarfoficou,Assim,quandoelaperdeuapaciência,acorujaperdeuavida.

Carrollianostêmsedivertidosubstituindo“eatingtheOwl”poroutrasexpressões,quesãoveiculadasdetemposemtemposnoboletimdaLewisCarroll’sSociety,Bandersnatch.Estessãoalgunsfinaispropostos:“talking a prowl”, “wiping his jowl”, “giving a howl”, “taking a trowel”, “kissing the fowel”, “giving ascowl”e“donningacowl”.

8.Nodia1ºdeagostode1862,Carroll registrouemseudiárioqueas irmãsLiddellcantaramparaeleacançãopopular“Estreladatarde”.LetraemúsicaeramdeJamesM.Sayles:

Belaestrela,nocéutãobrilhante,Mansamentejorraatuaprateadaluz,EtutemovesdaTerratãolonge,Estreladatarde,óbelaestrela.

REFRÃOBelaestrela,Belaestrela,Estreladatarde,belaestrela.

CaryGrantsoluçouaolongodacançãoemseupapeldeTartarugaFalsanamedíocreversãodeAliceparaocinemaproduzidapelaParamountem1933.

Váriosleitoresmeinformaramquetartarugasmarinhascomfrequênciaparecemchorarcopiosamente–em especial as fêmeas, quando de suas visitas noturnas à praia para pôr ovos.Um leitor,Henry Smith,explicaoporquê:os rinsdos répteisnão são feitospara removero saldaáguademaneira eficiente.Astartarugasmarinhassãodotadasdeumaglândulaespecialquedescarregaáguasalgadaatravésdeumdutonoscantosexternosdecadaolho.Sobaáguaasecreçãoé removida,masquandoas tartarugasestãoemterraelaseassemelhaaumfluxodelágrimas.Carroll,quetinhagrandeinteresseporzoologia,semdúvidatinhaconhecimentodofenômeno.

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11.QUEMROUBOUASTORTAS?

1. ComoWilliam e Ceil Baring-Gould observam em seuAnnotatedMotherGoose (ClarksonN. Potter,1962,p.149),oCoelhoBrancolêapenasosprimeirosversosdeumpoemapublicadooriginalmenteemTheEuropeanMagazine(abr1872).Aprimeiraestrofechegouaumacoletâneadepoemas“MotherGoose”eprovavelmentedevesuafamaatual,comosugeremosBaring-Gould,aseuusoporCarroll:

ARainhadeCopasfezváriastortasTodasnumasófornada.OValetedeCopasfurtouastortasEnãodeixousobrarnada.OReideCopasexigiuastortasEsurrouoValetecomenergia.OValetedeCopasdevolveuastortasEjurouquenuncamaisroubaria.

OdesenhooriginaldeTennieldoCoelhoBrancotocandoacornetadifereemmuitosaspectosdoquefoiimpresso.

2. Foi observado que a gravata-borboleta do Chapeleiro, na ilustração de Tenniel para esta cena, tem aextremidadepontudaàsuadireita,comonasimagensdeNewell.EmduasilustraçõesanterioresdeTenniel,apontadagravataestádoladoesquerdodoChapeleiro.MichaelHancher,emseulivrosobreTenniel,citaistocomoumadasmuitasincongruênciasdivertidasdaartedeTenniel.

3.ARainha está recordando a ocasião, descrita no cap.7, em que oChapeleiro assassinava o tempo aocantar“Pisca,pisca,ómorcego!”.

4.Senãotivessesidointerrompido,oChapeleiroteriadito“bandejadechá”.Estápensandonacançãoquecantounochámalucosobreomorcegoquepiscavanocéucomoumabandejadechá.

12.ODEPOIMENTODEALICE

1.EmTheNursery“Alice”Carrollsalientaquetodosos12membrosdojúripodemservistosnodesenhodeTennielparaestacena,eenumera-oscomosapo,dormouse[caxinguelê],rato,doninha,ouriço,lagarto,galo garnisé, toupeira, pato, esquilo, storkling [filhote de cegonha],mousling [filhote de camundongo].Sobreosdoisúltimos,Carrollescreve:“Osr.TennieldizqueaavequeestágritandoéumStorkling(claro

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quevocêsabeoqueéisto,não?)eacabecinhabrancaéumMousling.Nãoéumagracinha?”

2.Onúmero42tinhaumsignificadoespecialparaCarroll.OprimeirolivrodeAlicetinha42ilustrações.Umaimportanteregranáutica,aRegra42,écitadanoprefáciodeCarrollparaTheHuntingoftheSnark,eno“ataque”1,estrofe7,oPadeiroembarcanonaviocom42caixascuidadosamenteembrulhadas.Emseupoema“Phantasmagoria”,canto1,estrofe16,Carrolldeclarater42anos,emborafosse5anosmaismoçona época. EmAtravés do Espelho o Rei Branco envia 4.207 cavalos e homens para restaurar HumptyDumpty,e7éumfatorde42.AidadedeAlicenosegundolivroé7anose6meses,e7vezes6são42.Embora, provavelmente por coincidência (como PhilipBenham observou), cada livro deAlice tenha 12capítulos,ou24notodo,e24seja42àsavessas.

Paramaisnumerologiaemtornode42–navidadeCarroll,naBíblia,nocânonedeSherlockHolmesealhures–,vero42ºnúmerodeBandersnatch,oboletimdaLewisCarrollSocietydaInglaterra.(Onúmerofoipublicadoemjaneirode1942mais42.)Vertambém,deEdwardWakeling,“WhatITellYouForty-twoTimes is True!” (Jabberwocky, outono 1977), seu “Further Findings About the Number Forty-two”(Jabberwocky, inverno/ primavera 1988) e a nota 32demeuAnnotatedSnark tal como aparece emTheHuntingof theSnark (WilliamKaufmann,1981).Noconhecidoromancede ficçãocientíficadeDouglasAdams,Oguiadomochileirodasgaláxias, éditoque42éa respostaparaa“PerguntaDefinitiva sobreTudo”.Vercap.1,nota4,paramaisum42.

3.SeoValetenãoescreveuosversos,perguntaSelwynGoodacre,comosabequenãoestavamassinados?

4. A prova do Coelho Branco consiste de seis estrofes com pronomes confusos emuito pouco sentido.Foramtomados,sobumaformaconsideravelmenterevista,dopoemanonsenseemoitoestrofesdeCarroll“She’sAllMyFancyPaintedHim”, publicado pela primeira vez emTheComicTimes, deLondres, em1855.Oprimeiro verso do original copia o primeiro verso de “AliceGray”, uma canção sentimental deWilliamMeepopularnaépoca.Orestantedopoemanãotemnenhumasemelhançacomacanção,excetonamétrica.

TeráCarrollintroduzidoessepoemaemsuahistóriaporqueacançãoportrásdelefalasobreoamornãocorrespondido de um homem por uma moça chamada Alice? Estas são as estrofes iniciais da canção,tomadasdopequenolivrodeJohnM.Shaw(citadonanota4docap.6):

Elaétudoqueminhafantasiapintou,Éadorável,émesmodivina,Masseucoraçãoaoutropertence,Nãoseránuncaaminhamenina.

Ameinoentanto,comoumhomemnuncaamou,Umamorqueavidatodaalimentarei,Ó,meucoração,ficaráparasemprepartidoPeloamordeAliceGray.

5. “Declaração que é uma medida de sua crescente autoconfiança”, comenta Selwyn Goodacre(Jabberwocky,primavera1982),“porquesabemosqueelanãotemumamoedasequernobolso–contouaoDodôquesótinhaodedal.”

6.Estaéaprimeiradasduasreferênciasajogartintanacaradealguém.NoprimeirocapítulodeAtravésdoEspelho,AlicepretendereanimaroReiBrancojogando-lhetintanacara.

7. Uma reação semelhante a um trocadilho é um dos cinco traços característicos de um snark, comoaprendemosnosegundo“ataque”[“fit”]deTheHuntingoftheSnarkdeCarroll:

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Aterceiraéalentidãoparaumapiadaentender;Seporacasoumavocêarrisca,Suspirafundo,comoseestivesseasofrer:Eaumtrocadilho,ficasérioamaisnãopoder.

AilustraçãofeitaporTennieldoReiolhandoàsuavoltacomumdébilsorrisotinhaaclaraintençãodemostrá-lonoinstanteseguinteàcenaqueaparecianofrontispíciodolivro.OValetenãoalterousuaposturadesafiadora,emboraoRei(comoSelwynGoodacrepercebeu)tenhaconseguidomudardecoroa,pôróculoseselivrardoorbeedocetro,eostrêsesbirrostenhamcaídonosono.ObservequeemambasasfigurasTennielsombreouonarizdoValeteparasugerirqueéumbêbado.Osvitorianosimaginavamoscriminososcomograndesbebedoresesombrearnarizeseraumaconvençãoentreoscartunistasdaépoca,comoentreosdeagora,paradenotarbeberrões.EmTheNursery“Alice”,cujasilustraçõesforamcoloridasamãoporTenniel, a ponta do nariz doValete é rosada tanto no frontispício como na figura do cap.8, em que eleapresentaacoroaaoRei.

JeffreyStern, em Jabberwocky (primavera 1978), chama atenção paramuitas semelhanças entre essefrontispício e o deAs fábulas de Esopo (1857), ilustrado pelo colega de Tenniel e ilustrador daPunchCharlesHenryBennett:

FRONTISPÍCIODECHARLESBENNETTPARAAsfábulasdeEsopo

Oesbirro(acoruja)temoolharaturdidodoRei,eoLeãoexibeumacarrancaigualàdaRainha(elaaté olha na mesma direção). Alguns dos jurados e a ave de peruca/advogados estão numa posesemelhante,eocãoquefazadefesaestápraticamentenamesmaposiçãoqueoValete.Nadadissoteriamuitosignificado,nãofossepelofatodequeolivrodeBennettfoipublicadoem1857–oitoanosantesdeAlicenoPaísdasMaravilhas.Incidentalmente,afábulailustradaé“MantriedattheCourtoftheLionfortheIll-treatmentofaHorse”.

8.NailustraçãodeTennielparaestacenaascartassetransformaramemcartasdebaralhocomuns,emboratrêsconservemnarizesresiduais.NaversãodePeterNewell,algumastêmatécabeças,braçosepernas.

EmmuitasediçõesdeAlicenoPaísdasMaravilhas(nãoverifiqueiprimeirasedições),acartaocultadapelo 6 de espadas traz na margem esquerda as misteriosas letras “B. ROLLITZ”. Talvez fosse umempregadodosirmãosDalziel,quefizeramasgravaçõesemmadeira.

Parasublinharo retornodosonhoà realidade,comoRichardKellyobservaemsuacontribuiçãoparaLewisCarroll:ACelebration,organizadoporEdwardGuiliano,TennieldespiuoCoelhoBranco.

9.Este temado sonho-dentro-de-um-sonho (a irmãdeAlice sonhando como sonhodela) reaparece sob

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umaformamaiscomplicadanacontinuação.VerAtravésdoEspelho,cap.4,nota10.

10.NaúltimapáginadotextoescritoamãodeAlice’sAdventuresUnderGroundquedeuaAliceLiddell,Carrollcolouumafotografiaovaldeseurostoqueelefizeraem1859,quandoelatinha7anos,aidadedeAlicenahistória.Foisóem1977queMortonCohendescobriu,escondidosobessafotografia,umdesenhodorostodeAlice.Trata-sedoúnicodesenhoconhecidoqueDodgsonfezdaAlicereal.

ATRAVÉSDOESPELHOEOQUEALICEENCONTROUPORLÁ

PREFÁCIOÀEDIÇÃODE1897

1.Nãohánoxadreznenhumlanceemquerainhasroquem.Carrollestáexplicandoaquique,quandoastrêsRainhas (a Vermelha, a Branca e Alice) entraram no “castelo” [em inglês, “rocar” é “to castle”], elaspassaramparaa8afila,emquepeõessetornamrainhas.

2.AdescriçãoqueCarrollfazdoproblemadexadrezsubjacenteàaçãodolivroéprecisa.NãohácomoentenderaafirmaçãodeSidneyWilliamseFalconerMadan,nap.48deAHandbookoftheLiteratureoftheRev.C.L.Dodgson,dequenãofoifeita“nenhumatentativa”dedarumxeque-matenormal.Oxeque-matefinal é inteiramente ortodoxo. É verdade, no entanto, como o próprio Carroll salienta, que as peçasvermelhasebrancasnãoalternamlancesapropriadamente,ealgunsdos“lances”arroladosporCarrollnãosãorepresentadospormovimentosreaisdaspeçasnotabuleiro(porexemplo,oprimeiro,terceiro,nonoedécimo“lances”deAliceeo“roque”dasrainhas).

Aviolaçãomaisgravedasregrasdoxadrezocorrepertodofimdoproblema,quandooReiBrancoéposto em xeque pela Rainha Vermelha sem que nenhum dos dois lados leve o fato em conta.“Provavelmentenenhumlancetemumobjetivosensato,dopontodevistadoxadrez”,escreveosr.Madan.É verdade que os dois lados fazem um jogo excessivamente negligente,mas que outra coisa se poderiaesperardascriaturasloucasdetrásdoespelho?EmdoismomentosaRainhaBrancaperdeaoportunidadededarumxeque-mateeemoutraocasiãofogedoReiVermelhoquandopoderiatê-locapturado.Ambososlapsos,contudo,sãocompatíveiscomsuadistração.

Considerando-seastremendasdificuldadesenvolvidasnacombinaçãodeumjogodexadrezcomumadivertida fantasia absurda, Carroll se sai notavelmente bem. Em nenhummomento, por exemplo, Alice

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trocapalavrascomumapeçaquenãoestejaentãonumacasacontíguaàsuaprópria.Rainhassealvoroçamfazendocoisas,enquantoseusmaridospermanecemrelativamenteimóveiseimpotentes,exatamentecomoemjogosdexadrezreais.AsexcentricidadesdoCavaleiroBrancocorrespondemadmiravelmenteàmaneiraesdrúxulacomooscavalossemovem;atéatendênciadosCavaleirosacairdosseuscavalos,paraumladoouparaoutro,sugereomovimentodessaspeças,quesedeslocamduascasasnumadireçãoeemseguidaumacasaàdireitaouàesquerda.Paraqueoleitorpossamelhorintegrarosmovimentosdexadrezcomahistória,cadalanceseráregistradonotextonopontoprecisoemqueocorre.

Asfilasdogigantescotabuleirodexadrezsãoseparadasentresiporriachos.Ascolunassãodivididasporcercas.AolongodetodooproblemaAlicepermanecenacolunadarainha,excetoemseulancefinalquando (como rainha) captura aRainhaVermelha para dar xeque-mate ao dorminhocoReiVermelho.ÉdivertidoobservarqueéaRainhaVermelhaquemconvenceAliceaavançaraolongodesuacolunaparaa8ªcasa.ARainhaestáprotegendoasimesmacomesseconselho,poisasbrancastêmnoinícioumxeque-matefácil,emboradeselegante,emtrêslances.OReiBrancodáxequeprimeirona3ªcasadoCavaleirodoRei.SeoReiVermelhosemovesseparaa6ªoua5ªcasadaRainha,asbrancaspoderiamdarxeque-matecomaRainhana3ªcasadoBispodaRainha.AúnicaalternativaparaoReiVermelhoseriapassarparaa4ªcasa do Rei. A Rainha Branca daria então xeque-mate na 5ª casa do Bispo da Rainha, forçando o ReiVermelhoasemoverparaa3ªcasadoRei.ARainhadariaassimxeque-matena6ªcasadaRainha.Issoexigiria, é claro, uma atenção que nem o Cavaleiro nem a Rainha possuem. Fizeram-se tentativas deelaborar uma sequênciamelhor de lances de xadrez que correspondesse à narrativa e aomesmo tempoatendesse às regras do jogo. Amais ambiciosa iniciativa dessa espécie com que deparei encontra-se naBritishChessMagazine (vol.30,mai1910,p.181).DonaldM.Liddellpropõeumjogodexadrez inteiro,começandocomaAberturadeBirdeterminandocomummatedeAlicequandoelaentrana8ªcasaemseu16ºmovimento!Aescolhadaaberturaéapropriada,poisnenhumexpertdoxadrezjamaisteveumestilodejogotãohilarianteeexcêntricoquantooinglêsH.E.Bird.NãoconseguiapurarseDonaldLiddelléparentedosLiddell.

Na Idade Média e no Renascimento, jogava-se xadrez por vezes com peças humanas em camposenormes (vejaGargantua ePantagruel, de Rabelais, livro 5, caps.24 e 25),mas não conheço nenhumatentativaanterioràdeCarrolldebasearumanarrativaficcionalempeçasanimadasdexadrez.Desdeentão,issofoifeitomuitasvezes,sobretudoporautoresdeficçãocientífica.ExemplorecenteéoexcelentecontodePoulAnderson,TheImmortalGame(FantasyandScienceFiction,fev1954).

Por muitas razões, peças de xadrez são singularmente apropriadas ao segundo livro de Alice.Complementamascartasdebaralhodoprimeiro livro,permitindooretornodereiserainhas;aperdadevaletesémaisdoquecompensadacomoganhodecavaleiros.AsatordoantesmudançasdetamanhoqueAlice experimenta no primeiro livro são substituídas por mudanças igualmente atordoantes de lugar,ocasionadas,éclaro,pelosmovimentosdaspeçasdexadrezpelo tabuleiro.Porumafelizcoincidência,oxadrezseharmonizaperfeitamentecomotemadoespelhamento.Nãosótorres,bisposecavaleirosvêmaospares,comoadisposiçãoassimétricadaspeçasdeumjogadornoiníciodeumjogo(assimétricaporcausadasposiçõesdereie rainha)éumespelhamentoexatodadisposiçãodaspeçasdoadversário.Por fim,alógicaincomumdojogodexadrezcombinamuitobemcomalógicaloucadomundodoespelho.

Estaéa listadospersonagensquefigurounasprimeirasediçõesdolivro,antesdeCarrollsubstituí-laporseuprefáciode1896.Foisensatoretirá-la,porquesóacrescentaconfusãoaojogodexadrez.Voucitarapenas um caso. Se os irmãos Tweedle são as duas torres brancas, perguntou Denis Crutch numaconferênciasobrejogodexadrez(publicadaemJabberwocky,verão1972),queméentãoatorrebrancanaprimeirafiladodiagramadeCarroll?

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Oarranjodaspalavrasnaposiçãoinicialdeumjogodexadreztornafácilidentificarcadapeçaepeão.Observequeosbispos,nuncamencionadosnahistória,estãoligadosaquiàOvelha,aoVelho,àMorsaeaoCorvo,emborapornenhumarazãodiscernível.

3.Provasdopoema introdutório sobreviveram, comalterações escritasna letradeCarroll.Asmudançasfeitasparaaprimeiraediçãoestãoarroladasnap.60deTheLewisCarrollHandbook (Oxford,1931),deSidneyWilliamseFalconerMadan.

4.EmboraCarrolltenhaperdidocontatocomamaioriadassuasamigascriançasdepoisqueelasentraramna adolescência, o triste pressentimento dessas linhas provou-se infundado. Entre os mais admiráveistributosjáprestadosaCarrollestãoaslembrançasqueAlicedeleexpressouemseusúltimosanos.

5. “leito indesejável” [“unwelcomed bed”]: referência àmorte da contristada donzela, com a implicaçãocristãdequeseráapenasumbrevecochilo,e,comooscríticos freudianosnuncasecansamdesalientar,talvezcomsugestõesdoleitoconjugal.

6.As3palavrasentreaspas [“happysummerdays”] sãoas3últimasdeAventurasdeAlicenoPaísdasMaravilhas.

7. “alegria”: nas provas do livro a palavra era “pleasures”. Carroll mudou-a habilmente para o arcaico“pleasance” [“The pleasance of our fairy-tale”], demodo a poder introduzir o segundo nome de AlicePleasanceLiddell.

1.ACASADOESPELHO

1.FoicaracterísticodeCarroll,comseuamorporcontrastesbemmarcados,abrirsuacontinuaçãocomumacenade interior, empleno inverno. (O livroanterior inicia-seaoar livre,numa tépida tardedemaio.)Otempo invernal harmoniza-se também com os símbolos gélidos da idade e da aproximação da mortepresentesemseuspoemasinicialefinal.ApreparaçãodeumafogueiraeocomentáriodeAlice,“Sabequediaéamanhã,Kitty?”,sugeremqueadataera4denovembro,vésperadoGuyFawkesDay.(Oferiadoeracelebrado anualmente no Christ Church com uma enorme fogueira no Peckwater Quadrangle.) Isso écorroboradopeladeclaraçãoqueAlicefazàRainhaBranca(cap.5)dequetemexatamente7anosemeio,poisoaniversáriodeAliceLiddelleranodia4demaio,eaviagemanterioraoPaísdasMaravilhasocorreunessemesmodia, quando, pelo quepodemos supor, tinha exatamente7 anos (ver nota 6, cap.7do livroanterior).ComoRobertMitchelldiznumacarta,osdias4demaioe4denovembro,estandoa6mesesde

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distânciaentresi,sãodatasquenãopoderiamestarmaisseparadas.Istodeixaabertaaquestãodoano,quepoderiaser1859(quandoAlicetinharealmente7anos),1860,

1861 ou 1862, quando Carroll contou e escreveu a história da primeira aventura de Alice. O dia 4 denovembrode1859foiumasexta-feira.Em1860foidomingo,em1861segunda-feiraeem1862terça-feira.A última data parece a mais plausível, considerando-se a observação de Alice para a gatinha (doisparágrafosadiante)dequeestavaacumulandooscastigosdelaparadaliaduasquartas-feiras.

Asra.MavisBaitey,emseulivroAlice’sAdventuresinOxford(APitkinPictorialGuide,1980),sustentaqueadataera10demarçode1863,odiadocasamentodopríncipedeGales.AocasiãofoicelebradaemOxfordcomfogueirasefogosdeartifício,eCarrollrelataemseudiárioquelevouAliceparaumpasseiopelauniversidadeànoite:“FoimaravilhosoveroabsolutoencantamentocomqueAlicedesfrutoudaquilotudo.”Noentanto,osregistrosqueCarrollfezemseudiárionosdias9e10demarçonãocontêmnenhumamençãoànevedequeAlicefala.Aindaassim,aconjeturadasra.BaiteyéreforçadapelofatodequenaInglaterraaneveémuitoraranoiníciodenovembroebastantecomumemmarço.

2. Snowdrop era o nome de uma gatinha pertencente a uma das amigas crianças de Carroll, MaryMacDonald. Mary era filha de um grande amigo de Carroll, George MacDonald, poeta e romancistaescocês,autordeconhecidashistóriasfantásticasparacriançascomoThePrincessandtheGoblineAttheBackoftheNorthWind.AscriançasMacDonaldforamemparteresponsáveispeladecisãodeCarrolldepublicarAventurasdeAlicenoPaísdasMaravilhas.Parapôràprovaosaborgeraldahistória,elepediuàsra.MacDonaldparaleromanuscritoparaosfilhosdela.Aacolhidafoientusiástica.Greville,de6anos(quemaistarderecordouaocasiãoemseulivroGeorgeMacDonaldandHisWife),declarouquedeviamserimpressos60.000exemplaresdolivro.

KittyeSnowdrop,asgatinhaspretaebranca, refletemascasaspretasebrancasdoxadrezeaspeçasvermelhasebrancasdojogodexadrezdolivro.

3.“veioseinsinuarziguezagueando”[“camewriggling”]éumaboadescriçãodomodocomoumcavalosemoveporumtabuleirodexadrez.

4.Otemadoespelhoparecetersidoumacréscimotardioàhistória.TemosadeclaraçãodeAliceLiddelldequeboapartedolivroerabaseadanashistóriassobreoxadrezqueCarollcontouparaasmeninasLiddellquandoestavamaprendendoojogo,entusiasticamente.Foisóem1868queumaoutraAlice,primadistantedeCarroll,desempenhouumpapelnasugestãodotemadoespelho.FoiassimqueelacontouahistórianoTimesdeLondresde22dejaneirode1932:

Quandocrianças,morávamosemOnslowSquareeíamossemprebrincarnojardimatrásdascasas.CharlesDodgsoncostumavaficarlácomumvelhotio,eandarparaumladoeparaooutro,asmãosatrásdascostas,nafaixadegrama.Umdia,ouvindomeunome,chamou-meedisse:“EntãovocêéumaoutraAlice.GostomuitodeAlices.Gostariadevircomigoeverumacoisamuitointrigante?”Nósoacompanhamosatésuacasa,quedava,comoanossa,parao jardim,entrandonumcômodoatulhadodemóveisecomumespelhoaltodeviésnumcanto.

“Agora”,disseele,dando-meuma laranja,“primeiromedigaemquemãoestá segurandoessafruta.”“Adireita”,eudisse.“Agora”,elecontinuou,“ponha-sediantedoespelhoemedigacomquemãoameninaquevocêvêláaestásegurando.”Apósalgumacontemplaçãoperplexa,eudisse:“Amãoesquerda.”“Exatamente”,disseele,“ecomovocêexplicaisso?”Nãosabiaexplicaraquilo,masvendo que alguma solução era esperada, arrisquei: “Se eu estivesse do outro lado do espelho, alaranja não continuaria a estar namãodireita?”Possome lembrar a risada que deu. “Muito bem,pequenaAlice”,disse.“Amelhorrespostaquejáouvi.”

Nãoouvimaisnadanaocasião,mas emanosposteriores soubeque eledisseque eu lhe tinhadadoaprimeiraideiaparaAtravésdoEspelho,doqualmeenviouumacópia,bemcomoumdecadaumdeseusoutroslivros,regularmente.

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Num espelho, todos os objetos assimétricos (que não se sobrepõem em suas imagens especulares)“ficam ao contrário”. Há muitas referências no livro a essas inversões esquerda-direita. Tweedledee eTweedledum são, como veremos, gêmeos especulares; o Cavaleiro Branco canta sobre o enfiar um pédireitonumsapatoesquerdo;etalveznãosejaporacasoqueháváriasreferênciasasaca-rolhas,porqueahéliceéumaestruturaassimétricacomformasdireitaeesquerdabemdefinidas.Seampliarmosotemadareflexãoespecularparaincluirainversãodequalquerrelaçãoassimétrica,tocamosumpontoquedominaahistória inteira. Tomaria muito espaço aqui arrolar todos os casos, mas os seguintes exemplos sãosuficientes.ParaseaproximardaRainhaVermelha,Aliceandaàsavessas;novagãodetremoGuardadizaela que está viajando ao contrário; oRei tem doismensageiros, “um para vir, outro para ir”.ARainhaBrancaexplicaasvantagensdeviverde trásparafrentenotempo;obolodoespelhoéprimeiroservido,depoispartido.Númerosímparesepares,oequivalentecombinatóriodeesquerdaedireita,sãointroduzidosnahistóriaemváriospontos(p.ex.,aRainhaBrancaoferecegeleiadiasim,dianão).Numcertosentido,oprópriononsenseéumainversãosanidade-insanidade.Omundousualéviradodecabeçaparabaixoedetrásparafrente;torna-seummundoemqueascoisastomamtodososrumos,menososesperados.

Temasdeinversãoocorrem,éclaro,aolongodetodosostextosnonsensedeCarroll.NoprimeirolivrodeAlice,ameninaseperguntasegatoscomemmorcegosoumorcegoscomemgatos,eéinformadadequedizeroquepensanãoéomesmoquepensaroquediz.Quandocomeoladoesquerdodocogumelo,cresce;o lado direito tem o efeito inverso. Essasmudanças de tamanho, que ocorrem com tanta frequência noprimeirolivro,sãoemsimesmasinversões(porexemplo,emvezdeumameninagrandeeumfilhotedecachorro pequeno, temos um filhote de cachorro grande e uma menina pequena). Em Sílvia e Brunoficamos sabendo do “imponderal”, uma lã antigravidade que pode ser introduzida em pacotes a seremenviados por serviços de encomenda para fazê-los pesar menos que nada; de um relógio que inverte otempo;daluznegra;dabolsadeFortunatus,umplanoprojetantecomoladodeforaparadentroeoladodedentroparafora.Aprendemostambémquee-v-i-l[diabo]nadamaiséquel-i-v-e[viva]àsavessas.

TambémnavidarealCarrollexploroutantoquantopôdeanoçãodeinversãoparadivertirsuasamigascrianças. Uma de suas cartas fala de uma boneca cuja mão direita fica “left” [“largada” e “esquerda”]quandoamãoesquerdatomba;umaoutracartanoscontacomoàsvezeselevaiparaacamatãocedoapósselevantarquesepeganacamaantesdesairdela.Escreveucartasemescritaespecularquedevemserlidasacomeçardaúltimapalavraatéchegaràprimeira.Tinhaumacoleçãodecaixasdemúsicaeumadesuasproezaserafazê-lastocaràsavessas.Faziadesenhosengraçadosquesetransformavamemoutrosquandoviradosdecabeçaparabaixo.

Mesmoemmomentossérios,amentedeCarroll,comoadoCavaleiroBranco,pareciafuncionarmelhorquando via as coisas de cabeça para baixo. Ele inventou um novo método de multiplicação em que omultiplicador é escrito às avessas e sobre o multiplicando. The Hunting of a Snark, ele nos diz, foicompostodefatoàsavessas.Oversofinal,“FortheSnarkwasaBoojum,yousee”,veio-lheàmentecomouma inspiração repentina e em seguida moldou uma estrofe para se adequar ao verso e finalmente umpoemaparaseadequaràestrofe.

Estreitamente relacionado com o humor que Carroll extraía da inversão é o humor que extraía dacontradiçãológica.ARainhaVermelhasabedeummorrotãograndeque,comparadoaele,oqueestáemquestãoéumvale;comem-sebiscoitossecosparamatarasede;ummensageirosussurraaosgritos;Alicecorretãodepressaquantopodeparaficarnomesmolugar.NãosurpreendesaberqueCarrollgostavamuitodo chiste irlandês, cuja essência é a contradição lógica. Certa vez ele escreveu para a irmã: “Por favor,analiselogicamenteoseguinteraciocínio:Menina:‘Ah,aindabemquenãogostodeaspargos.’Amiga:‘Porque, minha querida?’Menina: ‘Porque se gostasse teria de comê-los… e não os suporto’.” Um dosconhecidosdeCarrollouviu-ofalarsobreumamigocujospéseramtãograndesquetinhadevestirascalçaspelacabeça.

O tratamentodeuma“classenula” (umconjuntosemmembros)comose fossealgoexistenteéoutraricafontedoabsurdocarrolliano.ALebredeMarçoofereceaAliceumvinhoinexistente;Aliceperguntaasimesmaondeestáachamadeumavelaquandonãoestáacesa;omapaemTheHuntingoftheSnark é

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“umperfeitoeabsolutovazio”;oReideCopasachainusitadoescrevercartasparaninguémeoReiBrancofelicitaAliceporterumavistaboaapontodeavistarninguémagrandedistâncianaestrada.

PorqueohumordeCarroll estava tão entrelaçadocomefeitos lógicosdesse tipo?Nãovamos tentarapurar aqui se o interesse de Carroll por lógica ematemática é uma explicação suficiente, ou se haviaimpulsos inconscientes que tornavam necessário para ele estar sempre deformando e esticando,comprimindoe invertendo, revertendoedistorcendoomundoconhecido.Certamentea tesepropostaporFlorenceBeckerLennon em suabiografia, soboutros aspectos admirável,VictoriaThrough theLookingGlassnãoéadequada.ElasustentaqueCarrolleracanhotodenascençaefoiforçadoausaramãodireita,eque“sedesforroufazendoumpoucodeinversão”.Lamentavelmente,sóháomaisinconsistente,omenosconvincentedos indíciosdequeCarroll eracanhotodenascença.Mesmoque isso fosseverdade,pareceumaexplicaçãodeploravelmenteinadequadaparaaorigemdononsensecarrolliano.

R.B. Shaberman, escrevendo sobre a influência que George MacDonald exerceu sobre Carroll(Jabberwocky, verão 1976), cita a seguinte passagem do cap.13 do romance de MacDonald de 1858,Phantastes:

Quecoisaestranhaéumespelho!Equeafinidadeassombrosaexisteentreeleeaimaginaçãodeumhomem!Poisestemeuquarto, talcomoocontemplonoespelho,éomesmo,enoentantonãoéomesmo.Não é amera representação do quarto em que vivo,mas é exatamente como seria se euestivesselendosobreelenumahistóriaqueaprecio.Todaasuatrivialidadedesapareceu.Oespelhoosuspendeuda regiãode fatoparaasesferasdaarte…Gostariadevivernessequarto, seaomenospudesseentrarnele.

5.AsespeculaçõesdeAlicesobreoleitedoespelhotêmmaisalcancedoqueCarrollsuspeitava.SomenteváriosanosapósapublicaçãodeAtravésdoEspelhoaestereoquímicaencontrouindíciospositivosdequesubstâncias orgânicas possuem um arranjo assimétrico de átomos. Isômeros são substâncias que têmmoléculas compostas exatamente dos mesmos átomos, mas com eles ligados entre si em estruturastopologicamentemuitodiferentes.Estereoisômerossãoisômerosidênticosaténaestruturatopológica,masque,porcausadanaturezaassimétricadessaestrutura,vêmemparesdeimagemespecular.Amaiorpartedas substâncias queocorremnosorganismosvivos consiste de estereoisômeras.O açúcar é umexemplocomum:na formadireita é chamadodextrose, na forma esquerda, levulose.Comoa ingestãode comidaenvolve complicadas reações químicas entre alimento assimétrico e substâncias assimétricas no corpo,frequentemente há acentuadas diferenças de paladar, cheiro e digestibilidade entre as formas esquerda edireitadamesmasubstânciaorgânica.Atéagoranenhumlaboratórioouvacaproduziuleiteinvertido,masseaestruturaassimétricadoleitecomumfosseserrefletida,pode-seapostarcomsegurançaqueesseleitedoespelhonãoseriasaboroso.

Nestejulgamentodoleitedoespelhosóseconsideraumainversãodaestruturapelaqualosátomosdoleite estão ligados uns aos outros. Evidentemente um verdadeiro reflexo especular do leite iria tambéminverteraestruturadasprópriaspartículaselementares.Em1957doisfísicossino-americanos,TsungDaoLee e Chen Ning Yang, receberam o Prêmio Nobel pelo trabalho teórico que conduziu à “divertida emaravilhosadescoberta”(naexpressãofelizdeRobertOppenheimer)dequeaspartículaselementaressãoassimétricas. Parece provável agora que as partículas e suas antipartículas (isto é, partículas iguais comcargasopostas)nadamais sejam,comoosestereoisômeros,que formasem imagemespeculardamesmaestrutura.Se isso forverdade,o leitedoespelhoseriacompostode“antimatéria”,eportantonemsequertocávelporAlice;defato,leiteeAliceexplodiriamassimqueentrassememcontato.Evidentemente,paraumaanti-Alice,dooutroladodoespelho,oantileitepareceriatãosaborosoenutritivocomosempre.

LeitoresquequeiramaprendermaissobreasimplicaçõesfilosóficasecientíficasdalateralidadepodemseremeteraoencantadorlivrinhodeHermannWeylsobreSymmetry(1952)eaoartigodePhilipMorrison“The Overthrow of Parity”, em Scientific American (abr 1957). Sob o aspecto mais ameno há minhadiscussãodetópicosesquerda-direitanoúltimocapítulodeTheScientificAmericanBookofMathematical

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PuzzlesandDiversions(1959)eminhahistória“LeftorRight?”,emEsquire(fev1951).Ocontoclássicodeficçãocientíficaenvolvendoainversãoesquerda-direitaé“ThePlattnerStory”,deH.G.Wells.Enãosedeveria negligenciar o Department of Amplification doNewYorker (15 dez 1956, p.164) em que o dr.EdwardTellercomentacomespíritocarrollianoumpoemapublicadoanteriormentenojornal(10nov1956,p.52)quedescreveaexplosãoocorridaquandoodr.Tellerapertouamãododr.EdwardAnti-Teller.

Referências não técnicas recentes sobre a simetria e a assimetria do espaço-tempo incluemReality’sMirror:ExploringtheMathematicsofSymmetry,deBryanBunch(Wiley,1989);meuNewAmbidextrousUniverse (W.F. Freeman, 1990); e “The Handedness of the Universe”, de Roger Hegstrom e DilipKondepudi,emScientificAmerican(jan1990).

Háconsiderávelespeculaçãoentreoscientistasatômicosquantoàpossibilidadedesecriarantimatériaemlaboratório,mantendo-asuspensanoespaçoporforçasmagnéticas,depoiscombinando-acommatériaparaalcançarumaconversãototaldamassanuclearemenergia(emcontrastetantocomafusãoquantocomafissão,emqueapenasumapequenaporçãodemassaéassimconvertida).Ocaminhoparaopodernuclearmáximoreside,portanto,dooutroladodoespelho.

6.As imagens feitasporTennieldeAliceatravessandooespelho sãodignasdeanálise.Observequenasegunda ilustração ele acrescentou uma face sorridente ao fundo do relógio e à base do jarro. Era umcostumevitorianopôrrelógiosefloresartificiaissobredomasdevidro.Menosóbvioéagárgula,pondoalínguadefora,noornamentoemcimadalareira.

AsimagensmostramtambémqueAlicenãoficainvertidadooutroladodoespelho.Continuaaerguerobraçodireitoeajoelharsobreapernadireita.

Observeonome“Dalziel”nabasedeambasasfiguras,bemcomonamaioriadasilustraçõesdeTennielemambososlivrosdeAlice.OsirmãosDalzielfizeramasgravaçõesemmadeiradetodososdesenhosdeTenniel.ObservetambémqueTennielinverteuseumonogramanasegundafigura.

Somosinformadosmaistardedequeosquadrosnaparedepertodalareiraparecemvivos.PeterNewellindicouissoemsuailustraçãodeAliceemergindodoespelho.NofilmedaParamountde1933osquadrosnaparedeganhamvidaeconversamcomAlice.

Emtodasasediçõespadrão,osdoisquadrosestãoemladosopostosdeumalâmina,comoseapróprialâmina fosse o espelho queAlice atravessou.Uma ediçãoPuffin (1948) pôs os quadros em suas capa equartacapa,fazendodolivrooespelho.

7. Observe como Tenniel sugeriu reflexões especulares em seu emparelhamento de peças de xadrez nailustração para esta cena. Embora Carroll nunca mencione bispos (talvez por deferência ao clero), elespodemservistosclaramentenodesenhodeTenniel.AhistóriademistériodeIsaacAsimov,“TheCuriousOmission”,emseuTalesoftheBlackWidowSpiders,derivadacuriosaomissãodosbisposdoxadrezporCarroll.

8.AlentalutadoReiBrancoguarda-fogoacima,obstáculoporobstáculo,refleteofatodeque,emboraumreidoxadrezpossasemoveremqualquerdireção,comoumarainha,sólheépermitidopassardeumacasaparaapróxima.Umarainhapodesemoveraté7casasnumlance,oqueexplicaacapacidadequeasrainhasexibemmaistardedevoarpelosares,masoreiprecisade7lancesparairdeumladoaoutrodotabuleiro.

9.Nojogodexadrez,quemperdefrequentementeassinalaaderrotadeitandoseureidecostas.Comologoficamossabendo,esseéummomentodehorrorparaorei,quelogoperdeaconsciência,comoumapessoamortaemcombate.Asugestãodarainhaquantoaumregistrodoeventosugereapráticadejogadoresdeanotarmovimentosdeumjogodexadrezparanãoosesquecer.

10.A psicografia, como é chamada, era um aspecto importante da coqueluche do espiritismo no séculoXIX.Acreditava-sequeumespíritodesencarnadoassumiaocontroledamãodeummédium–amulherdeConan Doyle era uma conhecida escritora automática – e produzia mensagens do Além. Para meus

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comentáriossobreointeressedeCarrollpeloocultismo,verAlicenoPaísdasMaravilhas,cap.5,nota7.

11.OequilíbrioprecáriodoCavaleiroBranconoatiçadorprenunciaseuequilíbrioprecárionolombodeumcavaloquandoAliceoencontramaistarde,nocap.8.

12.Originalmente,Carrollpretendiaimprimir“Jabberwocky”[“Pargarávio”,natradução]inteirodeformainvertida;maistarde,porém,decidiulimitarissoàprimeiraestrofe.Ofatodeotextoimpressoteraparecidoinvertido paraAlice é prova de que ela própria não foi invertida por sua passagem através do espelho.Como explicado anteriormente, existem agora razões científicas para se suspeitar que uma Alice nãoinvertida não poderia existir pormais que uma fração de segundo nummundo especular. (Ver tambémcap.5,nota10.)

HáoutrasrazõesparasesuporqueAlicenãoeraumreflexoespecular.MuitasdasilustraçõesdeTennielnoprimeirolivromostram-nadestraeelaassimcontinuanassuasimagensparaosegundolivro.AartedePeterNewelléambíguanesseponto,emboranocap.9Alicesegureumcetrocomamãoesquerda,nãocomadireitacomonodesenhodeTenniel.

Alice não tem qualquer dificuldade para ler o jornal do Marimbondo no episódio por tanto tempoperdido“OMarimbondodeperuca”.Aocontráriode“Pargarávio”,nãoestavainvertido.Tambémnãoestãoinvertidas as marcas “dum” e “dee” nas golas dos irmãos Tweedle, o letreiro na cartola do ChapeleiroLouco e “Rainha Alice” sobre a porta no cap.9. Brian Kirshaw enviou-me uma análise detalhada dosaspectos esquerda-direita do livro, que levam todos à conclusão de que nemTenniel nemCarroll foramcoerentescomrelaçãoaoqueerareflexoespeculardooutroladodoespelho.

13.[OpoemadeCarrollnooriginal:

JABBERWOCKY

’Twasbrillig,andtheslithytovesDidgyreandgimbleinthewable:Allmimsyweretheborogoves,

Andthemomerathsoutgrabe.

“BewaretheJabberwock,myson!Thejawsthatbite,theclawsthatcatch!BewaretheJubjubbird,andshun

ThefrumiousBandersnacht!”

Hetookhisvorpalswordinhand:Longtimethemanxomefoehesought…SorestedhebytheTumtumtree,

Andstoodawhileinthought.

And,asinuffishthoughthestood,TheJabberwock,witheyesofflame,Camewhifflingthroughthetulgeywood,

Andburbledasitcame!

One,two!One,two!AndthroughandthroughThevolpalbladewentsnicker-snack!Heleftitdead,andwithitshead

Hewentgalumphingback.

“AndhastthouslaintheJabberwock?

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Cometomyarms,mybeamishboy!Ofrabjousday!Callooh!Callay!”

Hechortledinthisjoy.

’Twasbrillig,andtheslithytovesDidgyreandgimbleinthewabe:Allmimsyweretheborogoves,

Andthemomerathsoutgrabe.]

Aestrofedeaberturade“Jabberwocky”apareceupelaprimeiravezemMischmasch,aúltimadeumasériedepequenos“periódicos”privadosqueojovemCarrollescreviaamãoeilustravaparaodivertimentodeseusirmãoseirmãs.Numnúmerodatadode1855(Carrolltinhaentão23anos),sobotítulo“Estrofedepoesiaanglo-saxã”,apareceoseguinte“curiosofragmento”:

EmseguidaCarrollpassaainterpretaraspalavras,daseguintemaneira:

BRYLLIG(derivadodoverbo toBRYL,ouBROIL). “ahorade cozinharo jantar, isto é, o fimdatarde.”

SLYTHY(compostodeSLIMYeLITHE).“Lisoeativo.”

TOVE.Uma espécie de texugo.Tinhampelo liso e branco, longas patas traseiras e chifres curtoscomoumveado;alimentavam-sesobretudodequeijo.

GYRE,verbo(derivadodeGYAOURouGIAOUR,“umcão”).Escavarcomoumcão.

GYMBLE(dondeGIMBLET).“Furarburacosemtudo.”

WABE (derivado do verbo to SWAB ou SOAK). “A encosta de um morro” (do fato de ela ser“soaked”[empapada]pelachuva).

MIMSY(dondeMIMSERABLEEMISERABLE).“Infeliz.”

BOROGOVE.UmaespécieextintadePapagaio.Nãotinhamasas,seusbicoseramviradosparacimaefaziamseusninhossobrelógiosdesol;alimentavam-sedevitela.

MOME(dondeSOLEMOME,SOLEMONEeSOLEMN).“Grave.”

RATH.Umaespéciedetartarugaterrestre.Cabeçaereta;bocacomoadotubarão;patastraseirastãocurvadasparaforaqueoanimalandavadejoelhos;corpolisoeverde;alimentavam-sedeandorinhaseostras.

OUTGRABE,passadodoverboOUTGRIBE.(ÉconectadocomoantigoverboGRIKE,ouSHRIKE,doqual“shriek”e“creak”derivam.)“Guinchado.”

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Portanto a tradução literal da passagem é: “Era o anoitecer, e os texugos lisos e ativos estavamescavandoefurandoburacosnaencostadomorro;muitoinfelizesestavamospapagaios;easgravestartarugasguinchavam.”

Provavelmentehaviarelógiosdesolnoaltodomorro,eos“borogoves”estavamcommedodequeseusninhosfossemdestruídos.Omorroestavaprovavelmentecheiodeninhosde“raths”,quesaíamcorrendo, guinchandodemedo, aoouvir os “toves” escavandodo ladode fora.Esta é umaobscura,masaindaassimprofundamentecomovente,relíquiadePoesiaarcaica.

Poucos contestam o fato de que “Jabberwocky” é o mais notável de todos os poemas nonsense eminglês.EratãobemconhecidopelosescolaresinglesesdofinaldoséculoXIXquecincodesuaspalavrasnonsenseaparecemdisplicentementenaconversadeestudantesemStalky&Co.,deRudyardKipling.AprópriaAlice, no parágrafo que se segue ao poema, põe o dedo no segredo do encanto dele: “…pareceencherminhacabeçadeideias…sóquenãoseiexatamentequeideiassão.”Emboranãotenhamnenhumsentidopreciso,aspalavrasestranhasseharmonizamcomsugestõessutis.

Háumasemelhançaóbviaentreversosnonsensecomoesseeumapinturaabstrata.Opintorrealistaéforçado a copiar a natureza, impondo à cópia tudo que lhe é possível em matéria de formas e coresagradáveis; mas o pintor abstrato é livre para brincar com a tinta como bem lhe apraz. De maneirasemelhante, o poeta nonsense não precisa procurarmaneiras engenhosas de combinar padrão e sentido;simplesmenteadotaapolíticaopostaaoconselhodadopelaDuquesanolivroanterior(vercap.9,nota6),cuidandodossonsedeixandoqueosentidocuidedesi.Aspalavrasqueusapodemsugerirsignificadosvagos,comoumolhoaquieumpéalinumaabstraçãodePicasso,oupodemnãoterabsolutamentesentidoalgum–ummerojogodesonsagradáveiscomoojogodecoresnãoobjetivasnumatela.

Carrollnãofoi,éclaro,oprimeiroausaressatécnicaambíguaemversoshumorísticos.FoiprecedidoporEdwardLear,eéumfatocuriosoqueemnenhumapassagemdosescritosoucartasdessesdoislíderesincontestesdononsenseinglêsqualquerumdelestenhafeitoreferênciaaooutro;tampoucoháindíciosdequeumdiatenhamseconhecido.DesdeotempodeLeareCarrollfizeram-setentativasdeproduzirumapoesia mais séria desse tipo – poemas dos dadaístas, dos futuristas italianos e de Gertrude Stein, porexemplo–,masdecertomodo,quandoatécnicaélevadademasiadamenteasério,osresultadosparecemmaçantes.Aindaestouporencontraralguémcapazderecitarumdosesforçospoéticosdasrta.Stein,masconhecimuitoscarrollianosquedescobriramquesabiam“Jabberwocky”decor,semjamaisteremfeitoumesforçoconscienteparamemorizá-lo.OgdenNashproduziuumaexcelentepeçanonsensecomseupoema“Geddondillo”(“TheSharrotscuddersnightsinthequastrannow,/Thedorlimslinksundecededinthegrost…”),masmesmonestecasoparecehaverumpoucodeesforçodemaisembuscadeefeito,aopassoque“Jabberwocky”temumacadêncianegligenteeumaperfeiçãoquefazemdeleacoisasingularqueé.

OastrônomobritânicoArthurStanleyEddingtonadorava“Jabberwocky”,eomencionouváriasvezesemseusescritos.EmNewPathways inScience ele compara a estrutura sintática abstratadopoemacomaquele ramo contemporâneo da matemática conhecido como teoria dos grupos. Em The Nature of thePhysicalWorld, salienta que a descrição que um físico faz de uma partícula elementar é realmente umaespéciedeJabberwocky;palavrasaplicadasa“algodesconhecido”queestá“fazendonãosabemosoquê”.Comoadescriçãocontémnúmeros,aciênciaécapazdeimporcertograudeordemaosfenômenosefazerprevisõesbem-sucedidasacercadeles.

“Contemplandooitoelétronsquecirculamnumátomoeseteelétronsquecirculamemoutro”,escreveEddington,

começamosacompreenderadiferençaentreoxigênioenitrogênio.Oitoslithytovesgyreegimblenawabe do oxigênio; sete no nitrogênio. Admitindo-se alguns números, até “Jabberwocky” pode setornarcientífico.Podemosagoraaventurarumaprevisão;seumdostovesescapar,ooxigênioestarásemascarandonumavestimentaquepertencepropriamenteaonitrogênio.Nasestrelasenebulosasencontramos de fato esses lobos em pele de cordeiro que de outro modo poderiam nos ter

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surpreendido. Não seria uma maneira descabida de lembrar o desconhecimento das entidadesfundamentais da física traduzi-las em “Jabberwocky”; desde que os números – todos os atributosmétricos–permaneçaminalterados,nãoháomenorprejuízo.

“Jabberwocky” foi habilidosamente traduzido para várias línguas. Há duas versões latinas. Uma deAugustusA.Vansittart,adjuntodoTrinityCollege,Cambridge,foidivulgadanaformadeumfolhetopelaOxford University Press em 1881 e pode ser encontrada na p.144 da biografia de Carroll por StuartCollingwood.Aoutraversão,do tiodeCarroll,HassardH.Dodgson,estáemTheLewisCarrollPictureBook, na p.364. (The Gaberbocchus Press, uma extravagante editora de Londres, deriva seu nome dapalavralatinadotioHassardparaJabberwock.)

Atraduçãofrancesaquesesegue,deFrankL.Warrin,foipublicadapelaprimeiraveznoNewYorker(10jan1931).(Citodolivrodasra.Lennon,emqueéreproduzida.)

LEJASEROQUE

Ilbrilgue:lestôveslubricilleuxSegyrentenvrillantdansleguave,Enmîméssontlesgougebosqueux,

Etlemômeradehorsgrave.

Garde-toiduJaseroque,monfils!Lagueulequimord;lagriffequiprend!Garde-toidel’oiseauJube,évite

LefrumieuxBand-à-prend.

Songlaivevorpalemmainilva-T-àlarechercedufauvemanscant;Puisarrivéàl’arbreTé-Té,

Ilyreste,réfléchissant.

Pendantqu’ilense,toutuffuséLeJaseroque,àl’oeilflambant,Vientsiblantparleboistullegeais,

Etburbuleenvenant.

Undeux,undeux,parlemilieu,Leglaivevorpalfaitpat-à-pan!Labêtedéfaite,avecsatête,Ilrentregallomphant.

As-tutuéleJaseroque?Viensàmoncoeur,filsrayonnais!Ojourfrabbejeais!Calleau!Callai!

Ilcortuledanssajoie.

Ilbrilgue:lestôveslubricilleuxSegyrentenvrillantdansleguave,Enmîméssontlesgougebosqueux,

Etlemômeradehorsgrave.

UmamagníficatraduçãoalemãfoifeitaporRobertScott,eminenteespecialistaemgregoquecolaboroucom Dean Liddell (pai de Alice) num léxico grego. Apareceu pela primeira vez num artigo, “The

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Jabberwock Traced to Its True Source” (Macmillan’s Magazine, fev 1872). Usando o pseudônimo deThomasChatterton,ScottcontaquecompareceuaumasessãoemqueoespíritodeumcertoHermannvonSchwindel insistiuemqueopoemadeCarrollnãopassavada traduçãoinglesadaseguintebaladaalemãantiga:

DERJAMMERWOCH

Esbrilligwar.DieschlichteTovenWirrtenundwimmelteninWaben;Undaller-mümsigeBurggoven

DiemohmenRäth’ausgraben.

BewahredochvorJammerwoch!DieZähneknirschen,Krallenkratzen!Bewahr’vorJubjub–Vogel,vor

FrümiosenBanderschnätzchen!

ErgriffseinvorpalsSchwertchenzu,Ersuchtelangdasmanchsam’Ding;Dann,stehenduntenTumtumBaum,

Eran-zu-denken-fing.

AlsstandertiefinAndachtauf,DesJammerwochen’sAugen-feuerDurchtulgenWaldmitwiffekkam

Einburbelndungeheuer!

Eins,Zwei!Eins,Zwei!Unddurchunddurch

SeinvorpalsSchwertzerschnifer-schnück,Dabliebestodt!Er,KopfinHand,

Geläumfigzogzurück.

UndschlugstDujadenJammerwoch?Umarmemich,mienBöhm’schesKind!OFreuden-Tag!OHalloo-Schlag!

Erchorteltfroh-gesinnt.

Esbrilligwar,etc.

NovastraduçõesdoslivrosdeAlicecontinuamaparecendo;devehaverpelomenoscinquentadiferentesversões de “Jabberwocky” em cinquenta línguas diferentes. Veja meuMore Annotated Alice para umasegundatraduçãofrancesaeversõesemlatim,italiano,espanhol,russoegalês.

Incontáveisparódiasde“Jabberwocky”foramtentadas.Trêsdasmelhoresserãoencontradasnasp.36e37 da antologia de Carolyn Wells, Such Nonsense (1918): “Somewherein-Europe Wocky”,“Footballwocky” e “The Jabberwocky of the Publishers” (“’Twas Harpers and the Little Browns/ DidHoughton Mifflin the book…”). Tendo porém a partilhar a ideia desfavorável que tinha Chesterton(manifestada em seu artigo sobre Carrollmencionado na introdução) de todos esses esforços para fazerimitaçõeshumorísticasdealgohumorístico.

Em “MimsyWere theBorogoves”, umas dasmais conhecidas histórias de ficção científica deLewis

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Padgett(pseudônimoliteráriodofalecidoHenryKuttneresuamulher,CatherineL.More),aspalavrasde“Jabberwocky”sãoreveladascomosímbolosdeumalínguafutura.Corretamenteentendidas,explicariamuma técnica para se ingressar num contínuo quadridimensional. Ideia semelhante é encontrada nomagnificamenteengraçadoromancedemistérioNightoftheJabberwock,deFredricBrown.OnarradordeBrown é um carrolliano entusiasta. É informado porYehudi Smith, aparentemente ummembro de umasociedadedeadmiradoresdeCarrollchamadaTheVorpalBlades,dequeasfantasiasdeCarrollnãosãoemabsolutoficção,masdescriçõesrealistasdeumoutroplanodeexistência.AspistasdasfantasiasestariamengenhosamentedissimuladasnostratadosmatemáticosdeCarroll,especialmenteCuriosaMathematica,eem seus poemas não acrósticos, que na realidade seriam acrósticos de um tipo mais sutil. NenhumcarrollianopodedeixardelerNightoftheJabberwock.Éumaobradeficçãoexcepcional,quetemvínculosestreitoscomoslivrosdeAlice.

14.Atéomomento,está longede ter sidoesclarecidose“Pargarávio”éemalgumsentidoumaparódia.RogerGreen, noLondon Times Literary Supplement (1ºmar 1957) emais recentemente emTheLewisCarrollHandbook(1962),sugerequetalvezCarrolltivesseemmente“Opastordasmontanhasgigantes”,umalongabaladaalemãquecontacomoumjovempastormatouumGrifomonstruoso.AbaladahaviasidotraduzidapelaprimadeCarroll,ManellaButeSmedley,epublicadaemSharpe’sLondonMagazine(7e21mar1846).“Asimilaridadenãopodeseridentificadaprecisamente”,escreveGreen.“Grandeparteestánosentimentoenaatmosfera;aparódiaédoestiloedaatitudegerais.”

EmUsefuland InstructivePoetry, queCarroll escreveu aos 13 anos (foi seu primeiro livro), há umaparódiadeumapassagemtomadada2ªpartedeHenriqueiv,deShakespeare,emqueopríncipedeGalesusaapalavrabiggen.Nasuaversão,opríncipeexplicaaoconfusoreiqueapalavra“significaumaespéciedetoucadedormirdelã”.Maistardeintroduzapalavrarigol.

“Quesignifica‘rigol’?”perguntaorei.“Não sei dizer, meu senhor”, o príncipe responde, “senão que se encaixa mais adequadamente na

métrica.”“Certamenteofaz”,oreiconcorda.“Masporqueusarumapalavraquenãotemsentido?”Arespostadopríncipetemumarelaçãoproféticacomaspalavrasabsurdasde“Pargarávio”:“Senhor,a

palavrafoidita,poispassoupormeuslábios,enemtodosospoderessobreestaterraapodemdesdizer.”Paramaissobre“Pargarávio”,inclusiveomodocomooscontemporâneosdeCarrollreagiramaopoema

eàinfluênciaqueeletevenaliteraturaenodireito,verSomeObservationsonJabberwocky(CheshireCatPress,1997).

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2.OJARDIMDASFLORESVIVAS

1.Saca-rolhassãomencionadosváriasvezesemAtravésdoEspelho.Carroll sabia, é claro, que eles sãohélices,curvastridimensionaisassimétricasqueespiralam“aocontrário”noespelho.HumptyDumptydizaAlicequeos“touvos”em“Pargarávio”têmcertasemelhançacomsaca-rolhas.Recitaumpoemaemquefaladeusarumsaca-rolhaparadespertarospeixese,nocap.9,aRainhaBrancarecordaqueeleapareceunaportadela,saca-rolhanamão,àprocuradeumhipopótamo.

2. Carroll pretendeu usar originalmente a flor-de-maracujá aqui,mas substituiu-a pelo lírio-tigre quandosoubequeonomedaflor[passionflowereminglês]aludianãoapaixõeshumanas,masàPaixãodeCristonaCruz.Todooepisódioéumaparódiadasfloresfalantesdaseção22dopoemadeTennyson,Maud.

3.RobertHornback(numartigocitadonocap.5,nota6,deAlicenoPaísdasMaravilhas)sugerequeessasmargaridassãovariedadesdamargaridasilvestreinglesa:“Elastêmpétalasemumbela,brancasnoaltoeavermelhadasnapartemaisbaixa.Quandoestasseabremdemanhã,asmargaridasparecempassardecor-de-rosaabrancas.”

4.AlémdastrêsmeninasLiddelldequeCarrolltantogostava,haviaduasirmãsLiddellmaisnovas,RhodaeViolet.ElasaparecemnestecapítulocomoaRosaeaVioleta–únicareferênciaquelheséfeitanoslivrosdeAlice.

5.NaprimeiraediçãodeAtravésdoEspelhoafrase“She’soneofthekindthathasninespikes…”[“Édotipoque temnoveespigas”] apareceucomo“She’soneof the thorny kind” [“Édo tipo espinhento”].As“espigas”referem-seàsnovepontasdacoroadaRainhaVermelha.TodasasrainhasdeTennieltêmcoroascomnovepontas,equandoAlicechegaà8ªcasaesetornaumarainha,suacoroadeourotemnovepontastambém.

6.ComparecomaseguinteestrofedeMaud,deTennyson:

UmalágrimaesplêndidarolouDaflor-da-paixãonacancela.Lávemela,minhapomba,minhaquerida,

Lávemela,minhavida,meudestino;Arosavermelhachora:“Vemchegando,vemchegando;”

Earosabrancalamenta:“Elademora.”Aesporinhaescuta:“Estououvindo,estououvindo.”

Eolíriosussurra:“Euespero.”

7.Óbviaalusãoaofatodequeasdireçõesparafrenteeparatrássãoinvertidasporumespelho.Quandosecaminhaemdireçãoaumespelho,aimagemsemovenadireçãooposta.

8.Emseuartigo“AliceontheStage”,citadoanteriormente,Carrollescreveu:

ARainhaVermelhaeuretrateicomoumaFúria,masdeumoutrotipo;apaixãodeladeveserfriaecalma; deve ser formal e estrita, embora não inclemente; pedante até o último grau, a essênciaconcentradadetodagovernanta!

Conjeturou-se que a Rainha Vermelha teria sido modelada segundo a srta. Prickett, governanta dascriançasLiddell(queachamavampeloapelidode“Pricks”).MexericosdeOxfordligaramCarrollàsrta.

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Prickett romanticamente, por causa das frequentes visitas dele à casa dos Liddell, mas logo se tornouevidentequeCarrollestavainteressadonascrianças,nãonagovernanta.NofilmeAlice,daParamount,opapeldaRainhaVermelhafoidesempenhadoporEdnaMayOliver.

9. Eddington, no capítulo final de The Nature of the Physical World, cita esta observação da RainhaVermelha em conexão comuma sutil discussão do que chama o “problema do nonsense” do físico. Emresumo, Eddington sustenta que, embora possa ser nonsense para o físico afirmar alguma espécie derealidadeacimadasleisdafísica,issoésensatocomoumdicionáriosecomparadoaononsensedesuporquetalrealidadenãoexiste.

10.Tantaspassagensmemoráveisforamescritasemqueaprópriavidaécomparadacomumenormejogodexadrezqueumaantologiadebomtamanhopoderiasercoligidaapartirdelas.Porvezesosjogadoressãoos próprios homens, buscando manipular seus semelhantes como se manipulam peças de xadrez. ApassagemquesesegueédeFelixHolt,deGeorgeEliot:

Imagineoqueseriaumjogodexadrezsetodasaspeçastivessempaixõeseintelectosmaisoumenosegoístasedissimulados;sevocêestivesseincertonãosóquantoàspeçasdeseuadversário,masumpouco incerto tambémsobreas suaspróprias; se seuCavalopudesse se enfiarnumanovacasaàsescondidas;seseuBispo,descontentecomseuroque,pudesseengambelarseusPeões,induzindo-osasairdeseus lugares;eseseusPeões,odiandovocêporseremPeões,pudessemse livrardeseuspostos demodo a que você pudesse receber um xeque-mate de repente. Você poderia ser amaisastuta das mentes dedutivas e, ainda assim, ser derrotado por seus próprios Peões. Estariaespecialmentesujeitoaserderrotadosecontassearrogantementecomsuaimaginaçãomatemáticaeencarassesuaspeçastemperamentaiscomdesprezo.

Noentantoessexadrezimaginárioéfacilmentecomparávelcomumjogoqueumhomemdevejogarcontraseussemelhantesusandooutrossemelhantescomoseusinstrumentos…

Por vezes os jogadores são Deus e Satã. William James flerta com esse tema em The Dilemma ofDeterminism,eH.G.Wellslhefazeconoprólogodeseuexcelenteromancesobreeducação,TheUndyingFire.ComooLivrodeJóquelheservedemodelo,ahistóriadeWellsabrecomumaconversaentreDeuseoDiabo.Elesestãojogandoxadrez.

Masoxadrezque jogamnãoéo joguinhoengenhosoqueseoriginounaÍndia;dá-senumaescalacompletamentediferente.OSoberanodoUniversocriaotabuleiro,aspeçaseasregras;elefaztodosos lances; pode fazer quantos lances quiser, quando quiser; a seu antagonista, porém, é permitidointroduzirumaligeiraeinexplicávelimprecisãoemcadalance,cujacorreçãorequeroutroslances.OCriador determina e oculta o objetivo do jogo, e nunca fica claro se o propósito do adversário éderrotá-loouauxiliá-lo emseuprojeto inescrutável.Aparentementeo adversárionãopodevencer,mastampoucopodeperderenquantopudermanterojogoemandamento.Maseleestápreocupado,aoqueparece,emevitarodesenvolvimentodequalqueresquemaracionalnojogo.

Porvezesosprópriosdeusessãopeçasnumjogomaiselevado,eosjogadoresdessejogosãoporsuavezpeçasdeumainterminávelhierarquiadetabuleirosdexadrezmaiores.“Ehádivertimentolánoalto”,dizmadreSereda,apósseestendersobreessetemaemJurgen,deJamesBranchCabell,“masestámuitodistante.”

11.Lily,afilhadaRainhaBrancaeumdospeõesbrancos,foiencontradaporAlicenocapítuloanterior.Aoescolheronome“Lily”,Carroll talvez tivesseemmentesua jovemamigaLiliaScottMacDonald(cap.1,nota2).Liliaerachamada“MyWhiteLily”[“MeuLírioBranco”]pelopai,eascartasdeCarrollparaela(quandotinhamaisde15anos)contêmmuitasreferênciaszombeteirasàsuaidadeavançada.Aafirmação

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feitaaquidequeLilyéjovemdemaisparajogarxadrezpodecertamentetersidopartedessacaçoada.Háumregistro(abiografiadeCarrollporCollingwood)deumagatinhabrancachamadaLily(aRainha

Brancachamasuafilhade“Minhagatinhaimperial”nocapítuloanterior),queCarrolldeuaumadesuasamigascrianças.Isso,contudo,podeterocorridodepoisqueeleescreveuAtravésdoEspelho.

12.Essapassageméprovavelmenteamaiscitada(geralmenteemreferênciaasituaçõespolíticasemrápidamudança)doslivrosdeAlice.

13.GeraldM.Weinberg,numacarta,fazduasinteressantesobservaçõessobrearecomendaçãodaRainha.ComoelaestáinstruindoAlicesobrecomosecomportarcomoumpeão,“faleemfrancêsquandoapalavraeminglêsparaalgumacoisanãolheocorrer”poderiasereferirapeõesquetomamumapeçaenpassant(termoparaesselance),e“andecomaspontasdospésparafora”poderiaindicarométodopeloqualpeõestomampeçasatravésdemovimentosdiagonaisparafrenteàesquerdaouàdireita.

14.UmrápidoolharparaaposiçãodaspeçasdexadreznodiagramaqueaparecenoprefáciodeCarrollmostraqueAlice(opeãobranco)eaRainhaVermelhaestãoladoaladoemcasasadjacentes.Oprimeiromovimentodoproblemaocorreagora,quandoaRainhasedeslocaparaa4ªcasadaTorredoRei(a4ªcasana colunada torredoReiVermelho, contandoapartir do ladovermelhodo tabuleiro.Nestanotação, ascasassãosemprenumeradasapartirdoladodapeçaqueémovida).

3.INSETOSDOESPELHO

1.A.S.M.Dickins,emseuartigosobreo jogodexadrezdoEspelho(vercap.9,nota1),mencionaquealetrab[debee,abelha](aforaserafavoritadeCarroll)éosímbolodeumbispodoxadrez,equeháuns600anosobispodoxadrezerachamadoelefante.“Alfilnoxadrezmuçulmano,HastinoindianoeKinouSiangno chinês.Os russos até hoje o chamamSlon, que significa ‘elefante’.”Assim, nesse curioso parágrafoLewisCarrolldefatointroduzoBisponahistória,masbemdisfarçadosobumcodinome.

Numaencantadorahistóriacomumapitadadenonsensechamada“Isa’sVisit toOxford”,escritaparasua amiga criança Isa Bowman, que a reproduziu em seu livroThe Story of Lewis Carroll (J.M. Dent,1899),Carroll fala de ter andado com Isa pelos jardins doWorcesterCollege.Não conseguiram“ver oscisnes(quedeviamestarnoLago),nemohipopótamo,quenãodeviaestarcaminhandoporentreasflores,colhendomelcomoumaabelhaatarefada.”

2. Os seis riachinhos são as seis linhas horizontais que separamAlice da 8ª casa onde deverá ser feitarainha. Cada vez que ela transpõe uma linha, a travessia é marcada no texto por . Seuprimeirolance,4ªcasadaRainha,éummovimentodeduascasas,aúnicalonga“viagem”permitidaaumpeão.Aquielasaltaparaa3ªcasa,depoisotremalevaparaa4ª.

3.Jabberwocky (mar1970)publicouminha indagação:“Talvezalgumdevocês leitorespossaelucidaroqueparamiméumdosmaioresmistériosaindanãodecifradosacercadoslivrosdeAlice.Nacenadovagãode trem a expressão ‘_____ vale mil libras _____’ (com diferentes palavras onde estão os brancos) érepetidaváriasvezes.TenhocertezadequeCarrollestavasereferindoaquiaalgodebemconhecidopelosseusleitoresdaépoca(umslogandepublicidade?),masfuiincapazdedescobriroqueera.”

Oconsensoentreosqueresponderam,nonúmeroseguinte,foiqueaexpressãosereferiaaumsloganpopulardapílulasdeBeecham:“worthaguineaabox“.R.B.ShabermaneDenisCrutch,emUndertheQuizzingGlass,propõemumateoriadiferente.PensamqueissofazecoaumaconhecidaexpressãousadaporTennysonaodescreverofrescordoarnaIlhadeWightcomo“worthsixpenceapint”.

Outraconjetura,numacartadeWilfredShepherd,associaasmillibrasàenormepublicidadequecercouaconstruçãodoGreatEastern,umnaviobritânicogigantescoparaaépoca(foilançadoàáguaem1858).AEncyclopaediaBritannica faladelecomo“talvezomaisdiscutidonavioavaporjáconstruído,eomaior

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fracassohistórico”.Shepherdencontrouumaexposiçãodocasonum livrochamadoTheGreat IronShip(1953),deJamesDuggan.Estácheiadereferênciasacustosdemillibras–millibrasporpéparalançaronavio, um investimento de um capital demil libras por dia, e assim por diante. Talvez alguém devesseverificarasnotíciasdejornalqueCarrollterialidoparaverseháreferênciasa“millibrasabaforada”.

FrankieMorris, escrevendo sobre “‘Smiles and Soap’: Lewis Carroll and the ‘Blast of Puffery’” emJabberwocky (primavera1997), relata que a palavrapuff [baforada, na tradução] era um termovitorianocomumnapromoçãodeumprodutoporpublicidadeeendossospessoais.Cita,deTheShockingHistoryofAdvertising (1953, cap.3), de E.S. Turner, a oferta de um fabricante de pílulas para Dickens como “athousandpoundsforapuff”.

4.AilustraçãodeTennielparaestacenapodetersidoumaparódiadeliberadadeMyFirstSermon,pinturafamosade JohnEverettMillais.A semelhançanomodocomoasduasmeninas estãovestidas énotável:chapéuporkpiecomumapluma,meiaslistradas,umasaiacomcarreirasdepregasnabarra,sapatospretosbicudos,eumregalo.UmabolsaaoladodeAlicetomaolugardaBíbliaàesquerdanameninanobancodeigreja.Emseudiário(7abr1864)CarrollregistraumavisitaàcasadeMillais,ondeconheceuafilhade6anosdopintor,Effie,ooriginaldameninadapintura.

SpencerD.BrownfoioprimeiroareconhecerasemelhançaentreaAlicenotremdeTennieleameninanaigrejadeMillais.OsparalelossãoaindamaisimpressionantesseodesenhodeTennielfortomadocomoum compósito deMy First Sermon e uma pintura posterior,My Second Sermon, que mostra a mesmameninadormindonumbancodeigreja.My First Sermon foi amplamente reproduzido na Inglaterra. Nos Estados Unidos, Currier and Ives

venderamumacópiaempretoebranco(algumaseramcoloridasamão)intituladaLittleElla.ÉumacópiaexatadapinturadeMillais,excetoporqueestáespecularmenteinvertida(Carrollteriasedivertido)eporqueorostodameninafoialteradoparaseassemelharmaisaodeumaboneca.AdatadaimpressãodeCurrierandIvesédesconhecida,assimcomoonomedoartistaqueamodificou.Tampoucosesabeseaimagemfoipirateada,ouseCurrierandIvesobtiverampermissãoparacopiá-la.

Roger Green convenceu-me de que a semelhança entre o desenho de Tenniel e as duas pinturas deMillaispodetersidofrutodemeracoincidência.Remeteu-meailustraçõesdaépocanaPunchquemostrammenininhasemvagõesde tremvestidasexatamentecomoAlice, comasmãosemseus regalos.MichaelHearn enviou-me uma imagem semelhante extraída do livro de Walter Crane Little Anne and Jack inLondon,de1869.

Apesardisso,asemelhançaentreaAlicedeTennieleafilhadeMillaisnaigrejaétãoimpressionantequeéimpossívelacreditarqueoilustradornãotivessepelomenosconsciênciadela.Oleitorpodeformaraprópriaopiniãoestudandoasduasfigurasreproduzidasacima.

5.UmacomparaçãodaimagemdohomemcomroupadepapelbrancocomaschargespolíticasdeTennielnaPunch deixa pouca dúvida de que o rosto sob o chapéu de papel dobrado é o deBenjaminDisraeli.Tenniel e/ou Carroll talvez tivessem em mente os “white papers” (documentos oficiais) de que esseshomensdeEstadoestãocercados.

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6.Atençãoàsutilezadogracejodeterumpassageirocavalogritando“trocardelocomotivas”emvezde“trocardecavalos”.

7.NaInglaterra,pacotescontendovidroemgeraltrazemaetiqueta“Vidro,cuidado”.

8. “Head” [cabeça] era a gíria vitoriana para o selo postal. Como Alice tinha uma cabeça, as vozessugeriramqueeladeveriaserenviadapelocorreio.

9.Noepisódiodo“Marimbondodeperuca”(reproduzidonestelivro)olongosuspirodoMarimbondoidosotalvezexpressasseatristezadeCarrollanteoabismoqueotempoabriraentreelepróprioeAlice.GeorgeGarcin diz numa carta que, a seu ver, o suspiro do Mosquito tem implicações semelhantes. O tempo,simbolizado pelo trem, está transportandoAlice (sua “amiga querida, e uma velha amiga”) “na direçãoerrada”– rumoà idadeadulta,emque logo ficaráperdidaparaele.Essapassagemdo tempopodesero“suspirosaudoso”mencionadonaúltimaestrofedopoemacomqueCarrollabreolivro.

Fred Madden, escrevendo sobre “Orthographic Transformations in Through the Looking-Glass”, emJabberwocky (outono1985), temumaexplicação intriganteparao fatodeCarroll terpostoummosquito[gnat]novagãodetremaoladodeumacabra[goat].NojogodeDoubletsdeCarroll,apalavra“gnat”setransformaem“goat”pelatrocadeumaúnicaletra.Maddensustentaessepontodevistareferindo-seaumaescadadepalavrasquerealmenteaparecenofolhetoDoublets:AWordPuzzle,deCarroll (Macmillan,3ªed.,1880,p.31),emqueeletransformougnat[mosquito]embite[mordida]emseispassos:GNAT,GOAT,BOAT,BOLT,BOLE,BILE,BITE.

10.OsaltodotremcompletaomovimentodeAliceparaa4ªcasadaRainha.NomanuscritooriginaldeCarroll,Aliceagarravaocabelodeumavelhasenhoranovagão,mas,nodia1ºdejunhode1870,TennielescreveuparaCarroll:

MEUCARODODGSON:PensoquequandoopuloacontecenacenadaestradadeferrovocêpoderiaperfeitamentefazerAliceagarrarabarbadacabracomosendooobjetomaispróximodesuamão–emvezdeocabelodavelhasenhora.Osolavancodefatoasarremessariajuntas.

Nãomeconsideregrosseiro,massinto-meobrigadoadizerqueocapítulodo“marimbondo”nãomeinteressaemabsoluto,enãoconsigoimaginarcomoilustrá-lo.Sequerencurtarolivro,nãopossodeixardepensar–comtodasubmissão–queestaéasuaoportunidade.

Aflitopelapressa,Sinceramenteseu,

J.TENNIEL

Carrollacatouambasassugestões.Avelhasenhoraeum13ºcapítulo(ouumepisódiodocap.8)sobreoMarimbondoforamsuprimidos.

11.Snapdragon[substituídonatraduçãoporlibélula-de-natal](ouflapdragon)éonomedeumpassatempoquedeliciavaascriançasvitorianasnaépocadoNatal.Enchia-sedeconhaqueumatigelarasa,jogavam-sepassasnelaeateava-sefogoaoconhaque.Osjogadorestentavamagarraraspassasemmeioàsbruxuleanteschamas azuis e jogá-las, ainda em chamas, na boca. As passas flambadas também eram chamadassnapdragons.

12.YossiNatanson,umcorrespondenteisraelense,salientaqueAlicesabequenãopoderecuarporqueéumpeão,eospeõesnãopodemsemoverparatrás.

13.ArainhaVitória,segundoCharlesLovettmeinformou,tinhaumspanielchamadoDashqueeramuito

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conhecidonaInglaterra.ArainhafoifrequentementefotografadaepintadacomDashaseuladoouemseucolo.

14.AlicepodeestarpensandoemLily,onomedopeãobrancocujo lugar ela tomou, e tambémemseusobrenome, Liddell. Talvez, como os leitores Josephine van Dyk e a sra. Carlton Hyman propuseramindependentemente,Aliceestejarecordandovagamenteosomdeseuprenome,queparececomeçarcomonomedaletral[eminglês]–“L-is”.

Em Language and Lewis Carroll (Mouton, 1970), Robert Sutherland assinala que o tema doesquecimento do próprio nome é comumnos escritos deCarroll. “Quem é você?” aLagarta pergunta aAlice, e ela está confusademaispara responder; aRainhaVermelhaadverteAlice: “Lembre-sedequemvocêé!”;ohomemvestidodepapelbrancolhediz:“Umacriançatãopequenadeveriasaberemquedireçãoestáindo,mesmoquenãosaibaopróprionome!”;aRainhaBrancaficatãoapavoradacomatrovoadaqueesqueceseunome;oPadeiroesqueceseunomeemTheHuntingofaSnarkeomesmofazoProfessoremSílvia eBruno. Talvez esse tema reflita a confusão do próprioCarroll quanto a serCharlesDodgson, oprofessordeOxford,ouLewisCarroll,escritordefantasiaenonsense.

15.FredMadden(veranota8destecapítulo)observaqueAlice,umpeão,estáseencontrandoaquicomumacorça,equenojogodosdoubletsdeCarrollamudançadeumaúnicaletratransformapawn[peão]emfawn[corsa].SegundoaListadePersonagensdeCarroll[verp.305,nota2],aCorçaédefatoumpeãonojogodexadrez.Presumivelmente,osdoispeões,ambosbrancos,estãoagoravizinhos.

16.Obosqueemqueascoisasnãotêmnomeédefatooprópriouniverso,talcomoéindependentementedas criaturas manipuladoras de símbolos que rotulam porções dele porque – como Alice observouanteriormentecomsabedoriapragmática–isso“éútilparaaspessoasquelhesdãonomes”.Acompreensãodequeomundoemsimesmonãocontémsignos–dequenãoháconexãoalgumaentreascoisaseseusnomes, excetoparaumamentequeconsideraos rótulosúteis–nãoéemabsolutoumachado filosóficotrivial.OencantamentodaCorçaaolembrarseunomenosfazpensarnavelhapiadasobreAdãochamandootigredetigreporquepareciaumtigre.

17.OleitorGregStonechamaminhaatençãoparaomodocomo“casa”eosnomesdosirmãosTweedleestão numa inversão esquerda-direita nessas tabuletas [“to tweedledum’s house” e “to the house oftweedledee”], em consonância com o fato de que Carroll pretendeu que os irmãos fossem a imagemespecularumdooutro.

18.ClaramenteCarrollpretendeuqueestaúltimacláusulaeotítulodopróximocapítulofossemumcoupletrimado:

Certadequesópodiamser[Feelingsurethattheymustbe]TweedledumandTweedledee.

4.TWEEDLEDUMETWEEDLEDEE

1.Nadécadade1720houveacerbadarivalidadeentreGeorgeFrederickHaendel,ocompositorgermano-inglês, e Giovanni Battista Bononcini, um compositor italiano. John Byrom, compositor de hinos eprofessordetaquigrafiadoséculoXVIII,descreveuacontrovérsiadaseguintemaneira:

Decertomodo,aBononcinicomparadoEsseHaendelalemãonãopassadeumabobado;OutrosdeclaramqueBononciniéqueéomaioralEquepertodeleHaendelficamesmomuitomal;

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ÉestranhoquetantadivergênciahajaporaquiEntretweedledumetweedledee.

NinguémsabeseacançãoinfantilsobreosirmãosTweedleteveoriginalmentealgumaligaçãocomessafamosabatalhamusical,ousehaviaumacançãomaisantigadequeByromtomouoúltimoversodeseupoeminha.(VeroOxfordDictionaryofNurseryRhymes,1952,organizadoporIonaePeterOpie,p.418.)

2.OsirmãosTweedledeTenniel,vestindoseusskeletonsuits,comoseutrajeerachamado,lembrammuitoseusdesenhosdeJohnBullpublicadosnaPunch.VeroprimeirocapítulodolivrodeMichaelHancher,TheTennielIllustrationstothe“Alice”Books.

“Primeiro da Classe” [“FirstBoy”], segundo Everett Bleiler escreve numa carta, era uma expressãousadanasescolasbritânicasparaomeninomaisbrilhantedeumaclasse,ouummeninomaisvelhoqueserviacomoumaespéciedemonitor.

3. Tweedledum e Tweedledee são o que os geômetras chamam “enantiomorfos”, formas em imagemespecular um do outro. Que Carroll pretendeu isso é fortemente sugerido pela palavra favorita deTweedledee,“contrariwise”[traduzidapor“aocontrário”]epelofatodeelesestenderemasmãosdireitaeesquerda para um aperto demãos.A imagem que Tenniel fez dos dois enantiomorfos equipados para abatalha (na p.159), e parados em posturas idênticas, indica que ele via os gêmeos da mesma maneira.ObservequeaposiçãodosdedosdamãodireitadeTweedledum(ouseráTweedledee?–aalmofada foienrolado no pescoço de Tweedledee, mas a caçarola o assinala como Dum) corresponde exatamente àposiçãodosdedosdamãoesquerdadoirmão.

OsirmãosTweedlesãomencionadosemFinnegansWake(Viking,1959),nap.258.

4.Aocompor“AMorsaeoCarpinteiro”,Carrollescreveuparaumtioem1872,“nãotinhanenhumpoemaparticular emmente.Amétrica é comum,enãoachoque ‘EugeneAram’o sugeriumaisdoquemuitosoutrospoemascomamesmamétricaqueli.”(TheLettersofLewisCarroll,organizadoporMortonCohen,vol.1,p.177).(“EugeneAram”éumpoemadeThomasHood.)

Como um limite à tendência de encontrar simbolismo intencional demais nos livros de Alice, éconvenientelembrarque,quandoCarrolldeuomanuscritodessepoemaparaTennielilustrar,ofereceuaoartistaaescolhadedesenhar“acarpenter,butterflyorbaronet”[“umcarpinteiro,borboletaoubaronete”].Todasessaspalavrasseencaixavamnoseuesquemaderimas,eCarrollnão tinhapreferênciaalgumanoquediziarespeitoaononsense.Tennielescolheuocarpinteiro.

OchapéudepapelemformadecaixaqueTennielpôsnacabeçadoCarpinteirojánãoémaisfeitopeloscarpinteiros.Noentanto,chapéusassimcontinuamsendoamplamenteusadosporoperadoresdeprensasdejornal:dobramfolhasdepapeldejornalembranconessaformaeasusamparaprotegerocabelodatinta.J.B.Priestleyescreveuumdivertidoartigosobre“TheWalrusandtheCarpenter”(NewStatesman,10ago1957,p.168)emqueinterpretaasduasfigurascomoarquétiposdedoistiposdepolíticos.

5. Richard Boothe observa numa carta que Peter Newell, em sua ilustração dessa cena, desrespeitou opoema,pondotantopássarosquantonuvensnocéu.(VerMoreAnnotatedAlice,p.219.)AMorsadeNewellusaum traje debanhovitoriano.Achavequependedo seupescoço é a deumamáquinadebanhoqueNewellsituounoplanodefundo.

6. Por sugestãodeTenniel, este verso [“Werewalking close at hand”] substituiu “Werewalking hand inhand”[“Caminhavamdemãosdadas”].

7.CabbagesandKings[RepolhoseReis]foiotítulodoprimeirolivrodeO.Henry.Osquatroprimeirosversos dessa estrofe são os mais conhecidos e os mais frequentemente citados do poema. Em “TheAdventuresoftheMadTeaParty”,aúltimahistóriadeTheAdventuresofElleryQueen,essesversossão

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um elemento importante do curioso método do detetive para assustar um assassino e lhe arrancar umaconfissão.

[Ooriginaldosfamososversos:

“Thetimehascome”,theWalrussaid,Totalkofmanythings:Ofshoes…andships…andsealing-wax…Ofcabbages…andkings…]

JaneO’ConnorCreedescreveuparaassinalarcomoosversosdeCarrollfazemecoaoseguintetrechodafaladoreiRicardoemRicardoii,deShakespeare,ato3,cena2:

Vamosfalardetumbas,devermes,eepitáfios;FazerdapoeirapapeledeolhospluviososInscreveradornoseiodaterra.Vamosescolhertestamenteirosefalardelegados.…………………………………PorDeus,vamossentarnochãoEcontarhistóriastristessobreamortedereis.

8.ParaaoperetaAlice,deSavileClarke,Carrollacrescentouumaestrofe:

OCarpinteiroparoudesoluçar;AMorsaparoudechorar;Tinhamdadocabodasostrastodas;

Easpuseramparadescansar…Epara,dasuamalíciaecrueldade,

Colherumcastigodeverdade.

DepoisqueaMorsaeoCarpinteirovãodormir,os fantasmasdeduasostrasaparecemnopalcoparacantaredançarepunirosdorminhocospisoteando-lhesopeito.Carrollsentiue,aoqueparece,asplateiasconcordaram,que isso forneciaumdesfechomaisefetivoparaoepisódioe tambémapaziguariadecertomodoossimpatizantesdasostrasentreosespectadores.

Ofantasmadaprimeiraostradançaumamazurcaecanta:

OCarpinteiroestádormindo,demanteigabesuntadoVinagreepimentaseespalhamportodolado!Queasostrasosembalemeseusonovenhamninar;Eseissonãodercerto,noseupeitovamossentar!

Noseupeitovamossentar!Noseupeitovamossentar!Ocastigomaissimplesalhesdarénoseupeitosentar!

Ofantasmadasegundaostradançaumhornpipeecanta:

Ótriste,chorosaMorsa,suaslágrimassãofingidas!ÉsópeloseuestômagoqueasOstrassãoqueridas:Vocêapreciaumadelaspradargraçaàrefeição…Desculpe-me,Morsamalvada,porsapatearnoseucoração!Sapatearnoseucoração!

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Sapatearnoseucoração!Desculpe-me,Morsamalvada,porsapatearnoseucoração!

(TodasasestrofesacimasãocitadasapartirdasnotasdeRogerGreenaTheDiariesofLewisCarroll,vol.II,p.446-7.)

9.Alice fica perturbada porque se defronta aqui como tradicional dilema ético de ter de escolher entrejulgarumapessoaemtermosdeatosouemtermosdeintenção.

10.EssadiscussãomuitoconhecidaemuitocitadadosonhodoReiVermelho(omonarcaestácochilandonuma casa do tabuleiro imediatamente a leste daquela queAlice ocupa nomomento)mergulha a pobreAliceemimpiedosaságuasmetafísicas.OsirmãosTweedledefendemaposiçãodobispoBerkeley,segundoaqualtodososobjetosmateriais,inclusivenósmesmos,sãoapenas“espéciesdecoisas”namentedeDeus.AliceadotaaposiçãodesensocomumdeSamuelJohnson,queachavaquepodiarefutarBerkeleydandoumchutenumapedragrande.“Umadiscussãomuitoinstrutivadeumpontodevistafilosófico”,observouBertrandRussell ao comentar o sonho doReiVermelho num painel de discussão sobreAlice no rádio.“Mas,senãoaencarássemoscomhumor,nospareceriadolorosademais.”

OtemaberkelianoperturbavaCarrollcomoperturbatodososplatônicos.AmbasasaventurasdeAlicesão sonhos e emSílvia eBruno o narrador move-semisteriosamente de um lado para o outro entre osmundos real e onírico. “Portanto, ou estive sonhando com Sílvia”, ele diz para si mesmo no início doromance,“eistoéarealidade,ourealmenteestivecomSílvia,eistoéumsonho!SeráaprópriaVidaumsonho?Éoquemepergunto.”EmAtravésdoEspelhoCarrollretornaàquestãonoprimeiroparágrafodocap.8enasúltimaslinhasdolivro,bemcomonaúltimalinhadopoemaqueencerraolivro.

UmaestranhaespéciederegressãoaoinfinitoestáenvolvidaaquinossonhosparalelosdeAliceedoReiVermelho.AlicesonhacomoRei,queestásonhandocomAlice,queestásonhandocomoRei,eassimpordiante,comodoisespelhosquesedefrontam,oucomoaquelachargegrotescadeSaulSteinbergemqueumasenhoragordaestáfazendoumapinturadeumasenhoramagraqueestáfazendoumapinturadeumasenhoragordaqueestáfazendoumapinturadeumasenhoramagra,eassimpordiante,emplanoscadavezmaisprofundosdasduastelas.

JamesBranchCabell,emSmire,oúltimoromancedesuatrilogiaSmirt,Smith,Smire,introduzomesmoparadoxo circular de duas pessoas, uma sonhando com a outra. Smire e Smike se confrontamno cap.9,ambosafirmandoestaremdormindoesonhandocomooutro.Noprefácio,Cabelladescrevecomo“umahistóriadesonhocompleta”quetenta“expandironaturalismodeLewisCarroll”.

OReiVermelhodormedurantetodaanarrativa,atéquenofinaldocap.9aRainhaAlicelhedáxeque-matequandocapturaaRainhaVermelha.Nãoépreciso lembraranenhumjogadordexadrezqueosreistendem a dormir durante a maior parte dos jogos, por vezes não se movendo depois de rocar.Ocasionalmente,emtorneiosdexadrezjoga-sedetalmodoqueoreipermaneceemsuacasainicialdurantetodoojogo.

11.EstaobservaçãodeTweedledumfoiantecipadaporAlicenoprimeirocapítulodolivroanterior,emqueelaseperguntaseseuencolhimentopoderiavirafazê-la“sumircompletamente,comoumavela”.

12. Molly Martin, numa carta, sugere que a exclamação de Tweedledee [no original, “Ditto, ditto!”]sublinhaaduplicaçãodosgêmeoseasformasidênticasdosobjetosedeseusreflexosespeculares.

13.O chocalho quebrado pode ser visto no chão na ilustração deTenniel para essa cena.Numa carta aHenrySavileClark(29nov1886)CarrollsequeixoudomodocomoTennieldesenhoudissimuladamenteuma matraca de vigia: “O sr. Tenniel introduziu uma ‘leitura’ falsa em sua ilustração da briga deTweedledumeTweedledee.Tenhocertezadeque‘meulindochocalhonovo’significava,navelhacançãoinfantil,umchocalhodecriança,nãoumamatracadevigiacomoeleodesenhou.”

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Naquelaépoca,umamatracadevigiaconsistiadeumafinapranchademadeiraquevibravacontraosdentes de uma roda dentada quando girada, produzindo estalidos ruidosos que eram sinal de alarme.Asmatracassãovendidashojesobretudoparasefazerbarulhoemfestas.ComooleitorH.P.Youngsalientounumacarta,sãofrágeisesequebramcomfacilidade.

Numa arguta análise dos objetos pendurados no cavalo do Cavaleiro Branco no cap.8, Janis Lullidentificaumagrandematracadevigianafrentedocavalo.Elaévisívelemtrêsilustrações,bemcomonofrontispíciodolivro.AnteriormenteTennielhaviadesenhadoumamatracacomoessanocartumdaPunch(19jan1856)mostradoacima.

14.AilustraçãodeTennielparaessacenaparecemostrarAlicearrumandoumaalmofadaroliçaemvoltadopescoço de Tweedledee, o que nos leva a crer que o outro irmão é Tweedledum.Mas, olhando-se comatenção, vê-se um cordão nas duas mãos de Alice. O gêmeo da esquerda é Tweedledum, e Alice estáamarrandoumapanelanacabeçadele.ComoMichaelHanchermostraemseu livrosobreas imagensdeTenniel,oartistaaparentementecometeuumerroaquiaodaraespadadepauaTwedledee.

15.J.B.S.Haldane,emseulivroPossibleWorlds(cap.2),pensaqueomonstruosocorvonegrodacançãoinfantiléumamaneiradedescreverumeclipsesolar:

Todomundo,porexemplo,ouviufalardeTweedledumeTweedledee,cujabatalhafoiinterrompidaporumcorvomonstruosodotamanhodeumbarrildealcatrão.Averdadeirahistóriadessesheróiséaseguinte:oreiAliatedaLídia,paidocélebreCreso,estiveraenvolvidoporcincoanosnumaguerracomCiaxares, rei daMédia.No sexto anodaguerra, em28demaiode585 a.C., como sabemosagora,abatalhafoiinterrompidaporumeclipsetotaldoSol.Osreisnãosomentecessaramabatalha,masaceitarammediação.UmdosdoismediadoresfoininguémmenosqueNabucodonosor,quenoanoanteriorhaviadestruídoJerusalémeforçadosuapopulaçãoaocativeiro.

5.LÃEÁGUA

1.Correndodesabaladaparaa4ªcasadoBispodaRainha,aRainhaBrancachegaàcasaimediatamenteaoestedeAlice.Ofatodeasrainhascorreremumbocadoatravésdahistóriaéumaalusãoaopoderquetêmdesemoverporumadistânciailimitadaemtodasasdireçõespelotabuleiro.Comdesatençãocaracterística,aRainhaBrancaacabadeperderumaoportunidadededarumxeque-mateaoReiVermelho,passandoparaa3ªcasadoRei.Emseuartigo“Aliceon theStage”,CarrollescrevesobreaRainhaBrancadaseguintemaneira:

Por fim, a Rainha Branca parecia, à minha imaginação sonhadora, gentil, parva, gorda e pálida;indefesacomoumacriança;ecomumarlerdo,aparvalhado,queapenassugeriaimbecilidade,mas

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nuncachegavaaserrealmente isso; issoseria,pensoeu, fatalparaqualquerefeitocômicoqueelapoderiadeoutromodoproduzir.HáumpersonagemassimnoromancedeWilkieCollin,NoName:por dois caminhos diferentes que convergiram, atingimos de certomodo omesmo ideal, e a sra.WraggeaRainhaBrancapoderiamtersidoirmãsgêmeas.

O papel da Rainha Branca foi desempenhado por Louise Fazenda na versão cinematográfica daParamount.

2.EdwinMarsden lembra numa carta que, quandomenino emMassachusetts, ensinaram-lhe a sussurrar“Pão commanteiga, pão commanteiga” sempre que ummarimbondo, abelha ou qualquer outro insetovoava à sua volta. A expressão visava a proteger a pessoa contra ferroadas. Se havia esse costume naInglaterra vitoriana, isso pode explicar por que a Rainha Branca usa a expressão quando está sendoperseguidapelocorvogigante.

ÉpossíveltambémqueaRainha,queestácorrendocomosbraçosabertos,“comoseestivessevoando”,estejaimaginandoqueéumadasBread-and-butterflies[natradução,Borboleteigas]encontradasporAlicenocap.3.“Pãocommanteiga”pareceestarnasuacabeça.Nocap.9elaperguntaaAlice:“Dividaumpãoporumafaca…qualéoresultadodisso?”ARainhaVermelhaimpedequeAliceresolvaesseproblemadedivisãocomaresposta:“Pãocommanteiga,éclaro”,dandoaentenderque,depoisdecortarumafatiadepão,passa-semanteiganela.

NosEstadosUnidosumusomaiscomumdebreadandbutter ocorrequandoduaspessoasque estãoconversando entre si são forçadas a se “dividir” e passar por ambos os lados de uma árvore, poste ouobstáculosimilar.

Eric Partridge, em seu Dictionary of Slang and Unconventional English, dá vários significadoscoloquiaisdebreadandbuttercorrentesnaInglaterravitoriana.Umdelesé“schoolgirlish”;umamoçaquesecomportacomoumaescolar[schoolgirl]échamada“schoollgirlishmiss”.ARainhaBrancapoderiaestaraplicandoaexpressãoaAlice.

3.EmConclusãodeSílviaeBrunoháumepisódio turbulentoemqueosacontecimentos retrocedemnotempodepoisqueo“pinodainversão”do“RelógioEsquisito”doprofessoralemãofoigirado.

Carroll era tão fascinadopela inversãodo tempo comopelas inversões especulares.EmTheStoryofLewisCarroll,IsaBowmancontacomoelegostavadetocarmúsicasàsavessasemcaixasdemúsicaparaproduziroquechamavade“músicadecabeçaparabaixo”.Nocap.5deseu“Isa’sVisittoOxford”,Carrollfaladetocarumorguinetteàsavessas.Esseinventoamericanooperavacomoumapianola,comumrolodepapelperfuradoqueeragiradocomumamanivela:

Primeiropuseramumrolodoladoerrado,eouviramumamúsicaàsavessas,elogodescobriramqueestavamnodiadeontem.Assim,nãoousaramiradiante,commedodetornarIsatãojovemquenãoseria capaz de falar. O A.A.M. não gosta de visitantes que só fazem berrar, e ficar de rostoafogueado,demanhãatéanoite.(A.A.M.éoAgedAgedMan[oVelhoHomemVelho].)

Numacarta (30nov1879) à amiga criançaEdithBlakemore,Carroll disse que estava tãoocupado ecansadoquevoltavaparaacamaumminutodepoisdeselevantar,“eàsvezesvoltoparaacamaumminutoantesdemelevantar”.

Desde queCarroll a utilizou, a “vida às avessas” foi a base demuitas fantasias e histórias de ficçãocientífica.AmaisconhecidaéocontodeF.ScottFitzgerald,“OcuriosocasodeBenjaminButton”.

4.OMensageirodoRei,comoa ilustraçãodeTennieldeixaclaroecomoveremosnocap.7,éninguémmenosqueoChapeleiroLoucodolivroanterior.

Em consonância com a ideia fantástica de que Tenniel antecipou a face deBertrandRussell quando

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desenhouoChapeleiroLouco,PeterHeathafirmaquea imagemdoChapeleironacadeiamostraRussellpor volta de 1918, trabalhando em sua Introdução à filosofia matemática quando estava numa prisãobritânicaporsehaveropostoàentradadaInglaterranaPrimeiraGuerraMundial.ClaramenteCarrollpediuaTennielqueredesenhasseessailustração,porqueumaversãodiferentedelasobreviveu;elaéreproduzidaabaixo, tomada do artigo deMichaelHearn, “Alice’sOther Parent: Sir John Tenniel as Lewis Carroll’sIllustrator”,emAmericanBookCollector(mai/jun1983).

PorqueoChapeleiroLoucoestásendopunido?Pareceserporumcrimequeaindaestáporcometer,masatrásdoespelhootempopodeseguirnosdoissentidos.Talveztenharecebidoumasuspensãodapenadeexecuçãopor“assassinarotempo”–istoé,porcantarforadoritmonumconcertodadopelaRainhadeCopasno livroanterior (cap.7).Comoo leitorcertamentese lembra,aliaRainhaordenaraqueele fossedecapitado.

UMAILUSTRAÇÃODETENNIELNÃOUTILIZADA

Aobservação daRainha sobre “daqui a duas semanas” é ecoada no cap.9 quando a criatura de bicocomprido,antesdebaternaporta,dizaAlice:“Nãosepodeentraratéasemanaapósapróxima.”

5.CarrollpunhaempráticaoconselhodaRainhaBranca.EmsuaintroduçãoaPillowProblems,elefaladeresolver problemasmatemáticosmentalmente à noite, durante as horas que passava acordado, como umespécie de terapia ocupacional para evitar que pensamentos menos saudáveis o atormentassem. “Hápensamentos céticos, que momentaneamente parecem exterminar a mais firme fé; há pensamentosblasfemos, que se atiram sem serem convidados na mais reverente alma; há pensamentos ímpios, quetorturam,comsuaodiosapresença,afantasiaquesegostariapura.Contratudoisso,algumtrabalhomentalrealéumaliadodosmaisvaliosos.”

6.“Acreditoporqueéabsurdo”,declarouTertulianonumadefesadocaráterparadoxaldecertasdoutrinascristãscitadacommuitafrequência.Numacartade1864aumaamigacriança,MaryMacDonald,Carrolladvertiu:

Não tenha tantapressa emacreditardapróximavez…vou lhedizerporquê: sevocê sedispõeaacreditar em tudo, vai cansar osmúsculos de suamente e depois vai ficar tão fraca que não serácapazdeacreditarnamaissimplesdascoisasverdadeiras.Fazsóumasemanaqueumamigomeuresolveu acreditar noBicho-Papão. Conseguiu,mas isso o deixou tão exausto que quando eu lhedisse que estava chovendo (o que era verdade) não foi capaz de acreditar, saindo para a rua semchapéuouguarda-chuva,emconsequênciadoqueseucabeloficouextremamenteúmidoeumcachonãorecuperouaformacorretaporquasedoisdias.

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7.ARainhaBrancaavançaumacasa,passandoparaa5ªcasadoBispodaRainha.

8.Aliceavançaigualmenteumacasa.Issoalevapara5ªcasadaRainha,ondeficanovamenteaoladodaRainha(agoraumaovelha).

9.WilliamseMadan,emseuHandbookoftheLiteratureoftheRev.C.L.Dodgson,revelam(ereproduzemumafotografiaparaprová-lo)queasduasimagensdalojafeitasporTennielcopiamfielmenteavitrinaeaporta de uma pequenamercearia situada na Saint Aldgate’s Street, 83, Oxford. Tenniel teve o cuidado,contudo,deinverterasposiçõesdajanelaedaporta,bemcomooletreiroqueinformaqueochácustadoisxelins.EssasinversõescorroboramaideiadequeAlicenãoéumaanti-Alice.

Alojinha(mostradaaolado)chama-sehojeTheAliceinWonderlandShop,enelapodemsercompradoslivrosetodotipodeartigosrelacionadoscomoslivrosdeAlice.

ALOJADEALICECOMOÉHOJE

David Piggins e C.J.C. Phillips, escrevendo sobre “Sheep Vision in Through the Looking-Glass”(Jabberwocky, primavera 1994), discutem se os óculos da ovelha erampara perto, porque ela só os usaquandoestátricotando.NãoosexibequandoestánobarcocomAlice.(NaimagemdePeterNewellparaessa cena os óculos permanecem.) Pesquisasmostraram, escrevem os autores, que os olhos das ovelhascarecemdopoderdeacomodação(acapacidadedefocalizar);portantoosóculosdaovelha,elesconcluem,nãotêmnenhumsentidoóptico.

10. A dificuldade de Alice em olhar diretamente para os objetos à venda na loja foi comparada pordivulgadoresdateoriaquânticacomatarefaimpossíveldeidentificaralocalizaçãoprecisadeumelétronemsua trajetóriaem tornodonúcleodeumátomo.Somos levadosapensar tambémnaquelespontinhosminúsculosqueporvezesaparecemligeiramenteforadocentrodenossocampovisualequenuncapodemservistosdiretamenteporquesemovemquandooolhoofaz.

11.CarrolleraumgrandeadmiradordosPensamentos,dePascal.JeffreyStern,escrevendosobre“LewisCarrollandBlaisePascal”(Jabberwocky,primavera1983),citaumapassagemquetalveztivesseemmentequandoescreveusobreomodocomoascoisasfluemnalojinhadaOvelha:

[Somos]incapazesdeconhecimentocertooudeignorânciaabsoluta.Flutuamosnummeiodevastaextensão,semprederivandodemaneiraincerta,sopradosparacáeparalá;semprequepensamosquetemosumpontofixoaquenossegurarefirmar,elesemoveenosdeixaparatrás;seoseguimos,elenãosedeixaagarrar,escapole,efogeeternamenteànossafrente.Nadapermaneceparadoparanós.Esse é nosso estadonatural e no entantoo estadomais contrário a nossas inclinações.Desejamosardentementeencontrarumfundamentofirme,umabasedefinitiva,duradoura,emqueconstruirumatorrequeseergaatéainfinito,mastodoonossoalicercedesmorona.

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12.Umteetotum[palavrausadanooriginal]éumpequenopiãosemelhanteaoquehojeéchamadoumpiãoput-and-takenaInglaterraenosEstadosUnidos.ErapopularnaInglaterravitorianacomoumdispositivousadoemjogosinfantis.Essepiãotemladoschatos,quesãomarcadoscomletrasounúmerose,quandopara,o ladomaisalto indicaoqueo jogadordevefazerno jogo.Tiposprimitivosdopião tinhamformaquadrada,comosladosmarcadoscomletras.Aletrat,numdoslados,representavaapalavralatinatotum,indicandoqueojogadorcapturavatudo.

13.EmseupoemaàguisadeprefácioaAventurasdeAlicenoPaísdasMaravilhas,Carrollmencionaos“braçospequenos, ineptos”dasirmãsLiddellcomoremadoras.TalvezAliceLiddell,numadasexcursõesde barco comCarroll, tenha ficado tão perplexa quantoAlice fica aqui com o termo de remo “feather”[substituídona traduçãopor“nivelar”].AOvelhaestápedindoaAliceparavirar aspásdo seu remonahorizontalquandoosrecolheparaapróximaremada,demodoqueabordainferiordelenãosearrastepelaágua.

14.“Catchingacrab”[comoaparecenooriginal,literalmente“apanhandoumcaranguejo”]égíriainglesadoremoparaumaremadafalhaemqueoremomergulhatãoprofundamentenaáguaqueomovimentodobarco,seforrápidoobastante,podelançaropunhocontraopeitodoremadorcomforçasuficienteparadeslocá-lo.IssorealmenteacontececomAlicemaistarde.“Aexpressãoprovavelmenteteveorigem”,dizoOxford English Dictionary, “na sugestão cômica de que o remador tinha apanhado um caranguejo queestavasegurandoseuremodebaixod’água.”Aexpressãoéusadaporvezes(impropriamente)paraoutroserros de remo que podem desequilibrar o remador. [Na tradução, lançamos mão de outra expressão,“enforcarumremo”,queoDicionárioAurélioEletrônicodefinecomo:“Deixarqueelefiquepressionadocontraocostado,presonachumaceiraoutoleteira,pordescontroledaremada.”]

15.ÉpossívelqueCarrollconcebesseesses juncosdesonhocomosímbolosdesuasamigascrianças.Asmais lindas parecem ser as mais distantes, escapando por pouco ao alcance, e, uma vez colhidas, logofenecem e perdem seu perfume e beleza. Conscientemente, é claro, eles pretendem ser símbolos daqualidadefugaz,efêmeraedifícildeconservardetodaabeleza.

16.OsalunosdegraduaçãodoChristCollege,naépocadeCarroll,insistiamemque,quandosepediaumovocozidonocafédamanhã,emgeralvinhamdois,umbomeumruim.(VerTheDiariesofLewisCarroll,vol.I,p.176.)

17. O movimento da Ovelha para o outro canto da loja é indicado no tabuleiro de xadrez como ummovimentodaRainhaBrancaparaa8ªcasadoBispodoRei.

18. Observe que a Ovelha põe o ovo empé na prateleira – proeza nada fácil a menos que se adote oestratagemadeColombodebateroovonumamesaeracharligeiramentesuabase.

19.AlinhaonduladaindicaqueAlicecruzouoriachoavançandopara6ªcasadaRainha.AgoraelaestánacasaàdireitadadoReiBranco,emborasóváconhecê-lodepoisdoepisódiodeHumptyDumptycontadonopróximocapítulo.

6.HUMPTYDUMPTY

1. [Em inglês, a expressão “Humpty-Dumpty” é usada como termo ofensivo para alguém “baixinho egordo”.Háváriasversõessobreaorigemdaexpressão,entreelas:a)datariadofinaldoséculoXVIIIeviriadopersonagemdacantigadecrianças“Humpty-Dumpty”;b)seriaumpoderosocanhãousadonaGuerraCivil inglesa (1642-49) para defender a Igreja deColchester no cerco do verão de 1648 – o canhão foiatingidoeoshomensdo reinãoconseguiramconsertá-lo;c)a sonoridadealudiriaaRicardo III,queeracorcundaemanco.Cercadoportropasinimigaseatacado,seucorpofoicortadoempedaços.(n.t.)]

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2.NemTenniel,nemNewell,comoEverettBleilerapontanumacarta,mostramHumptyDumptysentadodepernascruzadas,aposiçãoquedeveriatornarseupoleiromaisprecário.

3.MichaelHancher,emseulivrosobreaartedeTenniel,chamaatençãoparaumasutilezanaimagemqueeste fezdeHumptyquemostraoquantoo topodomuroéestreito.Àdireitadodesenho,pode-severomuroemcortetransversal.Éencimadoporumrematequasepontudo!

4. O episódio deHumptyDumpty – como os doValete deCopas, dos gêmeos Tweedle e do Leão e oUnicórnio – desenvolve incidentes relatados em canções infantis conhecidas. Uma outra visão, muitodiferente, será encontrada no primeiro livro de L. Frank Baum para crianças,Mother Goose in Prose(1897). Nos últimos anos, o sr. Dumpty vem editando uma revista para crianças (Humpty Dumpty’sMagazine,publicadapeloParents Institute).Tiveoprivilégiode trabalharporoitoanos sobsuadireção,comocronistadasaventurasdeseufilho,HumptyDumptyJunior.UmpontoaltonaversãocinematográficadeAlicefoiodesempenhodopapeldeHumptyporW.C.Fields.

5.PeterAlexander,emseuexcelenteartigo“LogicandtheHumorofLewisCarroll”(ProceedingsoftheLeedsPhilosophicalSociety,vol.6,mai1951,p.551-66),chamaatençãoparaumainversãocarrollianaqueaquifacilmentepassadesapercebida.Navidareal,nomesprópriosraramentetêmumsentidoalémdofatodedenotaremumobjetoindividual,aopassoqueoutraspalavrastêmsentidosgerais,universais.NoreinodeHumptyDumpty,ocontrárioéverdadeiro.NomescomunssignificamoquequerqueHumptyqueiraquesignifiquem, ao passo que se supõe que nomes próprios, como “Alice” e “HumptyDumpty”, devem tersignificação geral.A tese do sr.Alexander, comque temos de concordar plenamente, é que o humor deCarrolléfortementeinfluenciadoporseuinteressepelalógicaformal.

6.MollyMartinchamaatenção,numacarta,paraapalavra“breaking”[aquitraduzidapor“lançando-se”],queantecipaaquedadeHumpty.

7. Essas observações de Humpty (observe seu frequente uso da palavra “orgulhoso” no resto da suaconversacomAlice)revelamoorgulhoqueprecedeasuaqueda.

8.[Nooriginal,“buttwocan”,homófonode“butyoucan”(masvocêpode)].Comooutrosnotaram,esseéochistemaissutil,maisimplacável,maisfácildenãoentenderdoslivrosdeAlice.NãoespantaqueAlice,tãorápidaparaentenderumainsinuação,mudedeassunto.

9.HumptyDumptyéumfilólogoeumfilósofoprimordialmenteversadoemquestõeslinguísticas.TalvezCarrollestejasugerindoaquiquetiposcomoesse,fartamenteabundantestantoentãoquantoagoranaáreadeOxford,raramentetêmpendormatemático.

10.Em“HumptyDumptyandHeresy;Or, theCaseoftheCurate’sEgg”,naWesternHumanitiesReview(primavera1968),WilburGaffneysustentaqueadefiniçãodeglóriadeHumptypodetersidoinfluenciadapor uma passagemde um livro daquele intelectual britânico egotista, cabeça de ovo, o filósofoThomasHobbes:

Glóriasubitaéapaixãoqueproduzaquelascaretaschamadasriso;eécausadasejaporalgumatorepentinodelespróprios,quelhesapraz[como,éclaro,sair-secomumbeloedemolidorargumento];oupelaapreensãodealgodeformadoemoutrem;porcomparaçãocomaqualeles subitamente seaplaudem a si mesmos. E tende a ocorrer sobretudo com aqueles que são conscientes de menostalentosemsimesmos;quesãoforçadosasemanterasimesmosemseupróprioapreçoobservandoasimperfeiçõesdeoutrem.

Janis Lull, em Lewis Carroll: A Celebration, observa que o Cavaleiro Branco declara sua peleja

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“arrasadora”comoReiVermelhonocap.8uma“vitóriagloriosa”.Retireoldeglory,CarrollobservanofinaldosextonóemUmahistóriaemaranhada,evocêficacom

gory[sangrento].Umadjetivoquedescreveofimdeumadiscussãoarrasadora?

11. Em seu artigo “The Stage and the Spirit of Reverence”, Carroll expressa isso da seguintemaneira:“palavra alguma tem um sentido inseparavelmente ligado a ela; uma palavra significa o que o falantepretendedizercomela,eoqueoouvinteentendeporela,eissoétudo…Estepensamentopodeservirparaminorarohorrorquealgunstêmdalinguagemusadapelasclassesmaisbaixas,que,éumconsololembrar,éfrequentementeummeroajuntamentodesonssemsignificado,noquedizrespeitoafalanteeouvinte.”

12.LewisCarroll tinhaplenaconsciênciadaprofundidadedodiscursoextravagantedeHumptyDumptysobresemântica.HumptyadotaopontodevistaconhecidonaIdadeMédiacomonominalismo;aideiadeque termosuniversaisnãose referemaexistênciasobjetivas,nadamais sendoque flatusvocis, emissõesverbais.AconcepçãofoihabilmentedefendidaporGuilhermedeOccameésustentadaporquasetodososempiristaslógicoscontemporâneos.

Mesmonalógicaenamatemática,emqueostermossãoemgeralmaisprecisosqueemoutrasmatérias,enorme confusão resulta frequentemente de uma incapacidade de compreender que as palavras nãosignificam “nem mais nem menos” do que pretendem significar. Na época de Carroll uma intensacontrovérsia no campo da lógica formal dizia respeito à “relevância existencial” das quatro proposiçõesbásicas deAristóteles.As afirmações universais “Todo a é b” e “Nenhum a é b” implicam que a é umconjunto que realmente contém membros? Está essa implicação presente nas afirmações particulares“Algumaéb”e“Algumanãoéb”?

Carrolldáumarespostarelativamenteextensaaessasquestõesnap.165deseulivroSymbolicLogic.Apassagemmerecesercitada,poissaidiretamentedabocarradeHumptyDumpty:

Osescritores,eeditores,doslivrosdidáticosdeLógicaqueseguemastrilhasusuais–aquemvoume referirdaquiemdiantepelo título (queespero seja inofensivo)“OsLógicos”–adotam,aesterespeito,oquemepareceserumaposiçãomaishumildedoqueénecessário.FalamdaCópuladeumaProposição“comofôlegosuspenso”;quasecomosefosseumaEntidadeviva,consciente,capazde declarar por si mesma o que lhe convém significar, e nós, pobres criaturas humanas, nadativéssemos a fazer senão apurar quais são a vontade e o prazer soberanos dela e a eles nossubmetermos.

Emoposiçãoaessaideia,sustentoquequalquerautordeumlivroestáplenamenteautorizadoaassociarqualquersignificadoquelheagradeaqualquerpalavraouexpressãoquepretendausar.Seencontro um autor dizendo, no início de seu livro, “Entenda-se que pela palavra ‘preto’ estareisemprequerendodizer‘branco’,equepelapalavra‘branco’estareisemprequerendodizer‘preto’”,aceitodocilmenteseucomando,pormaisinsensatoquepossameparecer.

Assim, quanto à questão de uma Proposição dever ou não ser entendida como afirmando aexistênciadeseuSujeito,afirmoquetodoescritorpodeadotarsuaprópriaregra,contanto,éclaro,queelasejacoerenteconsigomesmaecomosfatosaceitosdaLógica.

Vamos considerar algumas ideias que podem ser logicamente sustentadas, e estabelecer assimquais delas podem ser convenientemente defendidas; após o que vou me considerar livre paradeclararquaisdelaseupretendodefender.

AconcepçãoadotadaporCarroll(dequetanto“todo”quanto“algum”implicamexistênciamasdequeo“não”deixaaquestãoaberta)nãoacabouportriunfar.Nalógicamoderna,somenteasproposições“algum”são consideradas como implicando que uma classe não é uma classe nula. Isso não invalida, é claro, aatitude nominalista de Carroll e seu ovo. O ponto de vista atual foi adotado exclusivamente porque oslógicosacreditaramsereleomaisútil.

QuandooslógicosdesviaramseuinteressedaclasselógicadeAristótelesparaocálculoproposicional,

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ou de valor de verdade, um outro debate furioso e engraçado propagou-se (embora sobretudo entre nãológicos) quanto ao significado de “implicação material”. A maior parte da confusão brotou de umaincapacidadedecompreenderque“implica”naafirmação“aimplicab”temumsentidorestritopeculiaraocálculoenãoserefereatodarelaçãocausalentreaeb.Umaconfusãosemelhanteaindapersistenotocanteàslógicasdevalormúltiploemquetermoscomo“e”,“não”e“implica”nãotêmnenhumsentidodesensocomumouintuitivo;defato,nãotêmnenhumoutrosentidosenãooqueéexatamentedefinidopelastábuasmatrizes,quegeramessestermos“conectivos”.Umavezquesecompreendaisso,amaiorpartedomistérioqueenvolveessaestranhalógicaevapora.

Emmatemáticaiguaisquantidadesdeenergiaforamdissipadasemdiscussõesinúteissobreo“sentido”de expressões como “número imaginário”, “número transfinito” e assim por diante; inútil porque taispalavrassignificamprecisamenteoquesuasdefiniçõesestabelecemqueofazem–nemmais,nemmenos.

Por outro lado, se desejamos nos comunicar com precisão, vemo-nos sob uma espécie de obrigaçãomoraldeevitarapráticadeHumptydedarsignificadosprivadosapalavrasdeusocomum.“Podemos…fazernossaspalavrassignificarnãoimportaoquequeiramosquesignifiquem?”perguntaRogerW.Holmesem seu artigo “The Philosopher’sAlice inWonderland” (AntiochReview, verão 1959). “Pensamos numdelegado soviético usando ‘democracia’ num debate na onu. Podemos atribuir um sentido inusitado àsnossas palavras, ou essa é a matéria de que a propaganda é feita? Temos obrigações para com o usopassado?Emcertosentido,aspalavrassãonossossenhores,ouacomunicaçãoseriaimpossível.Emoutro,nóssomosossenhores;sefossediferentenãopoderiahaverpoesia.”

13. “Portmanteauword” [expressão aqui traduzida por “palavra-valise”] pode ser encontrada emmuitosdicionários contemporâneos. Tornou-se uma expressão comum para palavras que carregam, como umamala, mais de um significado. Na literatura inglesa, o grandemestre da palavra-valise é evidentementeJamesJoyce.FinnegansWake (umsonho,comoos livrosdeAlice) temdezenasdemilharesdelas.Entreelasestãoaquelesdezribombosdecemletrasquesimbolizam,entreoutrascoisas,acolossalquedadeTimFinnegan, o carreteiro irlandês, de sua escada. O próprio Humpty Dumpty está empacotado no sétimoribombo:

Bothallchoractorschumminaroundgansumuminarumdrumstrumtruminahumptadumpwaultopoofoolooderamaunsturnup!

Referências a Humpty abundam emFinnegansWake, desde umamenção na primeira página a umaoutra,naúltima.

14. Neil Phelps enviou-me uma possível inspiração para a canção de Humpty, um poema chamado“SummerDays”[“Diasdeverão”]deumesquecidopoetavitoriano,WathenMarkWilksCall(1817-70).Opoemaéanônimoemmuitasantologiasvitorianas.AversãodaprimeiraestrofequeseseguefoitomadadeEveryman’sBookofVictorianVerse(1982),organizadoporJ.R.Watson:

Noverão,quandoeramlongososdias,Peloscampos,doisamigos,íamosacaminhar,Ocoraçãoleve,opassofirme,seguíamos,Eavida,ensolaradaeboa,nosenvolviaNoverão,quandoeramlongososdias.

15.EmseulivrosobreTenniel,MichaelHancherchamaatençãoparaoquantoailustraçãodeleparaessesversosseassemelhaàdeumagroselhagigantedeumcartumseupublicadonaPunch.

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AGROSELHAGIGANTE

G.G.“ESTAMOSNUMABELAENRASCADA,COAXANTE!

DETODOMODO,PENSEIQUE

GROSELHASGRANDESESARAIVADASDERÃSTIRARIAM

FÉRIASNESTA‘TOLAESTAÇÃO’.

MASOCASOTRANSMITIDOPORCARRAPATO

FOIINTEGRALMENTEADIADO,EVAMOSTERDEFICARDE

SERVIÇODENOVO.”

Tenniel.“AGroselhaGigante”,Punch,15dejulhode1871

16.“Estesópodeseropiorpoemanos livrosdeAlice”,escreveu [acercadooriginal]RichardKellyemLewisCarroll(Twayne,1977).“Alinguageméinsípidaeprosaica,oenredofrustradoéseminteresse,oscouplets carecem de inspiração e não conseguem surpreender ou encantar, e não há quase nenhumverdadeiro elemento de nonsense presente, além do desejo não expresso do narrador e da falta de umdesfechoparaaobra.”

BeverlyLyonClark,emsuacontribuiçãoparaSoaringwiththeDodo (LewisCarrollSocietyofNorthAmerica,1982), organizadoporEdwardGuilianoe JamesKincaid, salienta comoos finais abruptosdosversosdopoemaecoamo“Até logo”deHumptyparaAlice,enocomentário inacabadodestanoúltimoparágrafodocapítulo:“detodasaspessoasinsatisfatóriasquejáencontrei…”

17.JohnQ.Rutherford,deMillLane,Essex,chamaminhaatençãoparaodesagradávelhábitodealgunsmembros da aristocracia vitoriana de estender dois dedos quando cumprimentando os que lhes eramsocialmenteinferiores.Emseuorgulho,Humptylevaessapráticaaoextremo.

18. Os estudiosos de FinnegansWake não precisam ser lembrados de que Humpty Dumpty é um dossímbolos básicos do livro: o grande ovo cósmico cuja queda, como a queda causada pela bebedeira deFinnegan,sugereaquedadeLúciferedohomem.

Umpoemaem14estrofesintitulado“TheHeadstrongMan”[“Ocabeça-dura”],escritoporCarrollaos13anos,antecipaacolossalquedadeHumpty.OpoemafoipublicadonoprimeirolivrodeCarroll,UsefulandInstructivePoetry,escritoparaseusirmãosmaismoços,epublicadopostumamenteem1954.Opoemacomeça:

Umavezumhomeminventou

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Denummuroaltíssimosubir,EtodosqueporlápassavamGritavam“Cuidado,vocêvaicair”.

Umventofortevarreohomemdecimadomuro.Nodiaseguinteelesobenumaárvore,ogalhoquebraeelecaidenovo.

NaediçãoPennyroyaldeAtravésdoEspelho,BarryMoserdesenhouHumptycomorostodeRichardNixon.SeráquealgumilustradorfuturovaidaraoovoosemblantedeWilliamJeffersonClinton?

7.OLEÃOEOUNICÓRNIO

1.Osdoiscavalossãonecessáriosnoxadrezparaservirdemontariaaosdoiscavaleirosbrancos.

2.Osmatemáticos,lógicosealgunsmetafísicosgostamdetratarzero,aclassenula,eNadacomosefossemAlgo, e Carroll não era exceção.No primeiro livro deAlice, oGrifo diz aAlice que “nunca executamninguém”.Aqui encontramos oNinguém não executado caminhando pela estrada, emais tarde ficamossabendo que Ninguém anda mais devagar ou mais depressa que o Mensageiro. “Se você vir Ninguémentrando na sala”, escreveu Carroll para uma de suas amigas crianças, “por favor, dê-lhe um beijo pormim.”NolivrodeCarrollEuclidandHisModernRivals,encontramosHerrNiemand,umprofessoralemãocujonomesignifica “ninguém”.Qual foi aprimeira apariçãodeNinguémnos livrosdeAlice?No“Chámaluco”. “Ninguémpediu a sua opinião”, disseAlice aoChapeleiro Louco.Volta a aparecer no últimocapítulodolivro,quandooCoelhoBrancoapresentaumacartaque,segundoele,oValetedeCopasteriaescrito para “alguém”. “Amenos que tivesse sido escrita para ninguém”, comenta o Rei, “o que não écomum,comosabe.”

CríticoslembraramcomoUlisseslogrouociclopePolifemodizendochamar-seNinguémantesdevazaro olho do gigante. Quando Polifemo gritou “Ninguém está me matando!”, ninguém entendeu que issosignificavaquealguémoestavarealmenteatacando.

3.Emsuasreferênciasàsmaneirasanglo-saxãsCarrollestáfazendotroçadaerudiçãoanglo-saxãemvogana sua época. Harry Morgan Ayres, em seu livro Carroll’s Alice (Columbia University Press, 1936),reproduz alguns desenhos de anglo-saxões em vários figurinos e posturas, extraídos do ManuscritoCaedmon do códex Juniano (pertencente à Bodleian Library de Oxford), e sugere que podem ter sidousados como fonte tanto por Carroll quanto por Tenniel. Um romance de AngusWilson, Anglo-SaxonAttitudes,citaessapassagemdeCarrollnapáginaderosto.

4. Hatta é o “Mad Hatter” [o Chapeleiro Louco], agora solto da prisão, e Haigha, cujo nome, quandopronunciadodemodoarimarcom“mayor”,soacomo“Hare”,éobviamentea“MarchHare”(aLebredeMarço). Em seu livroCarroll’sAlice, HarryMorgan Ayres sugere que Carroll talvez tivesse emmenteDanielHenryHaigh, eminente especialista do século xix em runas saxãs e autor de dois livros eruditossobreossaxões.

ÉcuriosoqueAlicenãoreconheçanenhumdosseusdoisvelhosamigos.A razão precisa por que Carroll disfarçou o Chapeleiro e a Lebre deMensageiros Anglo-Saxões (e

Tenniel sublinha isso fantasiosamente,vestindo-oscomoanglo-saxõeseatribuindo-lhes“maneirasanglo-saxãs”)continuaaintrigar.“NocontextodosonhodeAlice”,escreveRobertSutherlandemLanguageandLewisCarroll(Mouton,1970),“elesaparecemcomofantasmasparaperturbaraalegriadosdoutos.”

ApresençanosonhodeAlicedaspeçasdexadrez,dospersonagenstomadosdecançõesinfantis,dosanimais falantes, das várias criaturasmais esquisitas é facilmente explicada.Ou têm similares naexperiênciavígildeAliceousãoascriaçõesfantásticasdamentesonhadoradeumamenininha.MasosMensageirosAnglo-Saxões!Elesnãosãomencionadosnoprimeirocapítulo,ondeváriosaspectos

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do sonho são prenunciados na sala de estar de Alice. Devemos presumir uma leitura da históriaanglo-saxãporAliceemseus livrosescolares?OuseráapresençadosMensageirosAnglo-Saxõesuma adição gratuita de Carroll, constituindo uma falha menor na estrutura sob outros aspectoscoerentementeconcebidadolivro?Seráapresençadelesa intrusãodeumaprivatejokeàcustadaerudiçãoanglo-saxãdaépoca,eumareflexãosobreseuprópriointeressenaAntiguidadebritânica?Aquestão das intenções de Dodgson ao criar os Mensageiros Anglo-Saxões é um enigma quepermaneceráobscuroatéquemaisinformaçõesvenhamàluz.

RogerGreen (em Jabberwocky, outono 1971) apresenta o seguinte palpite: Carroll registrou em seudiário(5dez1863)seucomparecimentoaumespetáculoteatralamadornoChristChurchqueincluíaumaparódiachamada“AlfredtheGreat”.Asra.Liddellestavalácomseusfilhos.Greenconjeturaqueaparódiaincluíacenáriosetrajesanglo-saxões,oquepodeterdadoaCarrollaideiadetransformaroChapeleiroeaLebreemMensageirosAnglo-Saxões.

5. “Eu amomeu amor comum a” [I lovemy lovewith an a] era um jogo de salãomuito apreciado naInglaterravitoriana.Oprimeirojogadorrecitava:

Euamomeuamorcomumaporqueeleé_______.Euodetestoporqueé________.Elemelevouparaosignode_______.Emetratoucom________.Onomedeleé________.Emoraem_______.

Emcadalacuna,ojogadorusavaumapalavracondizentecomeçadacoma.Osegundojogadorrepetiaentão asmesmas linhas, usandob emvez de a e o jogo continuava dessemodo até o final do alfabeto.Jogadores que não conseguissem fornecer uma palavra aceitável eram excluídos do jogo.O fraseado darecitação variava; as linhas citadas acima foram tomadas deTheNurseryRhymes ofEngland, de JamesOrchardHalliwell,livropopularnaépocadeCarroll.FoiengenhosodapartedeAlicecomeçarojogocomhemvezdea,porqueosMensageirosAnglo-SaxõessemdúvidanãopronunciavamseusHS.

6. Tomar as expressões literalmente e não como são comumente compreendidas é característico dascriaturasatrásdoEspelho,eabaseparamuitodohumordeCarroll.Outrobomexemploocorrenocap.9,quandoaRainhaVermelhadizaAlicequeelanãoconseguirianegaralgonemquetentassecomasduasmãos.

Uma das brincadeiras mais divertidas de Carroll fornece mais um exemplo de seu gosto por essavariedade de nonsense. Em 1873, quandoEllaMonier-Williams (uma amiga criança) emprestou-lhe seudiáriodeviagem,eleodevolveucomaseguintecarta:

MINHACARAELLA,Devolvo seu livro agradecendo-lhemuito; você estará se perguntando por que fiquei com ele portantotempo.Compreendo,peloquedissesobreele,quenãopretendepublicarnenhumapartevocêmesma,eesperoquenãofiqueaborrecidaporeuterenviadotrêspequenoscapítulosdeextratosdeleparaserempublicadosemTheMonthlyPacket.Nãodeinenhumnomeporinteiro,nempusnenhumtítulomaisdefinidoquesimplesmente“DiáriodeElla,ouasexperiênciasdafilhadeumprofessordeOxfordduranteummêsdeviagemnoestrangeiro”.

Entregarei religiosamente a você qualquer dinheiro que possa receber por conta disso da srta.Yonge,aeditoradeTheMonthlyPacket.

Seuafet.amigo,C.L.DODGSON

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Ellasuspeitouqueeleestavabrincando,mascomeçoua levá-loa sérioquando recebeuumasegundacartacomaseguintepassagem:

Lamento dizer-lhe que cada palavra de minha carta era estritamente verdadeira. Agora vou lhedizermais–queasrta.Yongenãorecusouomanuscrito,masnãovaipagarmaisqueumguinéuporcapítulo.Seráissosuficiente?

AterceiracartadeCarrollelucidouabrincadeira:

MINHACARAELLA,Receio ter brincado demais com você.Mas realmente era verdade. Eu “esperava que não ficasseaborrecidaporeu teretc.”,pelaótimarazãodequeeunãoohavia feito.Enãodeinenhumtítulodiferentede“DiáriodeElla”,nemtampoucodeiessetítulo.MissYongenãoorecusou–porquenãooviu.Ecertamentenãoprecisoexplicarqueelanãodeumaisdetrêsguinéus!

Nemportrêsguinéuseuoteriamostradoparaquemquerquefosse–depoisdelheterprometidoquenãoofaria.

Àspressas,Afetuosamenteseu,

C.L.D.

7. Segundo oOxfordDictionary of Nursery Rhymes, a rivalidade entre o leão e o unicórnio remonta amilharesdeanos.Supõe-seemgeralqueacançãoinfantilsurgiunoiníciodoséculoXVII,quandoauniãodeEscóciaeInglaterraresultounumnovobrasãobritânicoemqueounicórnioescocêseoleãobritânicoapareciam,comoofazemhoje,comoosdoissuportesdasarmasreais.

8. Por razões desconhecidas, oReiBranco, ao correr para ver a luta doLeão e doUnicórnio, viola seumodolento,casaporcasa,desemovernumtabuleirodexadrez.

9. Se Carroll pretendeu que seu Leão e o Unicórnio representassem Gladstone e Disraeli (ver nota 12adiante),essediálogoassumeumsentidoóbvio.Carroll,queeraconservadoremsuasideiaspolíticasenãoapreciavaGladstone,compôsdoisanagramasnotáveiscomseunomeinteiro,WilliamEwartGladstone.Sãoeles: “Wilt tear down all images?” [“Destruirá todas as imagens?”] e “Wild agitator! Means well”[“Agitadorselvagem!Éoquesignifica.”].(VerTheDiariesofLewisCarroll,vol.II,p.277.)

10.ARainhaBrancaestásemovendodeumacasaimediatamenteaoestedoCavaleiroVermelhoparaa8ªcasadoBispodaRainha.De fato,nãoprecisa fugir–oReinãoapoderia ter tomado, aopassoqueelapoderiatê-lotomado–masomovimentoécaracterísticodesuaobtusidade.

11.“Aslargeaslifeandquiteasnatural”eraumaexpressãocomumnotempodeCarroll(oOxfordEnglishDictionaryacitadeumafontede1853);aparentemente,porém,Carrollfoioprimeiroasubstituir“quite”por“twice” [a expressão que aparece no original é “large as life, and twice as natural” – traduzida por“tamanhorealeduasvezesmaisnatural!”].AexpressãotalcomocunhadaporeleéhojeausualtantonaInglaterraquantonosEstadosUnidos.

12. Teria Tenniel pretendido fazer dos animais caricaturas de Gladstone e Disraeli, que frequentementedigladiavam?MichaelHancher,emseulivrosobreaartedeTenniel,sustentaquenemCarrollnemTennieltinham tais semelhanças em mente. Reproduz uma das charges de Tenniel na Punch, mostrando umunicórnioescocêseumleãobritânico,ambosdesenhadosexatamentecomoosdeAlice,confrontando-se.

13.Vercap.9,nota8,deAventurasdeAlicenoPaísdasMaravilhas.

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14.Istoé,apartedoleão.AexpressãovemdeumafábuladeEsopoquecontacomoumgrupodeanimaisdividiuosdespojosdeumacaçada.Oleãoexigeumquartoemvirtudedesuaposiçãohierárquica,umoutroquarto por sua coragem superior, um terceiro quarto para sua mulher e seus filhos. Quanto ao quartorestante,oleãoacrescenta,todosquequeiramdisputá-locomeleestãolivresparafazê-lo.

15.Aliceavançaparaa7ªcasadaRainha.

8.“ÉUMAINVENÇÃOMINHA”

1. O Cavaleiro Vermelho passou para a 2ª casa do Rei; um movimento poderoso num jogo de xadrezconvencional,poiselesimultaneamentecolocaemxequeoReiBrancoeatacaaRainhaBranca.ARainhaestáperdida,amenosqueoCavaleiroVermelhopossaserremovidodotabuleiro.

2.OCavaleiroBranco,aopousarnacasaocupadapeloCavaleiroVermelho(acasaadjacenteaAliceemseu lado leste),gritadistraidamente:“Xeque!”;na realidade, sóestápondoemxequeseupróprioRei.AderrotadoCavaleiroVermelhoindicaummovimentodecavaloversuscavalonojogodexadrez.

EmboraamaioriadocarrollianosconcordequeCarrollpretendeuqueoCavaleiroBrancorepresentassea si mesmo, outros candidatos foram propostos. DomQuixote é uma escolha óbvia, e os paralelos sãohabilidosamentedefendidosem“AliceMeetstheDon”,deJohnHinz,noSouthAtlanticQuarterly(vol.52,1953,p.253-66),reproduzidoemAspectsofAlice(Vanguard,1971),organizadoporRobertPhillips.

CharlesEdwardsescreveu-mecontandosobreumapassagemdoromancedeCervantes(parte2,cap.4)em que Quixote pede a um poeta que escreva um poema acróstico, com as letras iniciais dos versosformando“DulcineadelToboso”.Opoetaacha17umnúmerodesajeitadoparaumpoemacomestrofesregulares,porserumnúmeroprimo,semdivisores.Quixoteoaconselhaatrabalharcomafinconopoemaporque “nenhumamulher acreditará que versos foram feitos para ela amenos que seu nome seja nelesclaramenteperceptível”. “AlicePleasanceLiddell” tem21 letras. Issopermitiu aCarroll, em seupoemaacrósticoquefechaolivro,ter7estrofesde3linhascada.

Outro candidato a Cavaleiro Branco é um químico e inventor que era amigo de Carroll e éfrequentementemencionadonodiáriodele.Ver“TheChemistinAllegory:AugustusVernonHarcourtandtheWhiteKnight”,deM.ChristineKing,JournalofChemicalEducation (mar1983).Outros candidatossão considerados porMichael Hancher no cap.7 de seuThe Tenniel Illustrations to the “Alice” Books.ComoTennielmaistardeemsuavidausouumbigodedepontasviradas(eseunarizpareciaodoCavaleiroBranco),sugeriu-sequeteriafeitoumacaricaturadesimesmo.IssopareceforçadoporquenaépocaemquedesenhouoCavaleiroBrancoelenãousavabigode.

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AimagemdoCavaleiroBrancodesenhadaporTennielparaaaberturadolivroassemelha-sesobmuitosaspectosàágua-fortedeAlbrechtDürerrepresentandooCavaleironapresençadaMorteedoDiabo.Foiissointencional?QuandoescreviaMichaelHancherpedindosuaopinião,elechamouminhaatençãoparaacharge de Tenniel na Punch (5 mar 1887), intitulada “The Knight and His Companion (Suggested byDürer’s famous Picture)”. O Cavaleiro representa Bismarck e seu companheiro é o Socialismo.“Obviamente Tenniel tinha uma cópia do Dürer diante de si quando desenhou essa charge”, Hancherescreveu.“Meupalpiteéquenãoa tinhaquandodesenhouo frontispíciodoEspelho,masquea evocoucomsuanotávelmemóriavisual.”

OCAVALEIRODEDÜRER

“OCavaleiroBranco”,Carroll escreveu a Tenniel, “não deve ter suíças; não se deve fazê-lo parecervelho.” Em nenhum lugar do texto Carroll menciona bigode, tampouco indica a idade do cavaleiro. ObigodedepontasviradasdoCavaleiroBrancodeTennieleobastobigodedodeNewellforamadiçõesdos

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artistas.TalvezTenniel,sentindoqueoCavaleiroBrancoeraCarroll,tenhalhedadoumaaparênciacalva,idosa,parapôrsuaidadeemcontrastecomadeAlice.

Jeffrey Stern, em seu artigo “Carroll IdentifiesHimself at Last” (Jabberwocky, verão/ outono 1990),descreveumjogodetabuleirodesenhadoamãoporCarrollquefoidescobertorecentemente.Anaturezadojogoédesconhecida,masno lado inferiorda folhadecartolinaCarroll escreveu“OliveButler, from theWhiteKnight.Nov.21,1892.”“Assim, finalmente”,Sterncomenta,“podemos tercertezadequeCarrollrealmenteretratouasimesmocomooCavaleiroBranco.”

3.Carrollpodeestarsugerindoaquiqueoscavaleiros,comomarionetes,sãomerosjoguetesmovidospelosjogadores invisíveisdojogo.ObservequeTenniel,quecontrastacomosilustradorescontemporâneosemsuaescrupulosafidelidadeao texto,mostraoscavaleirossegurandosuasclavasàmaneira tradicionaldasmarionetes.

4. Como vimos, muitos estudiosos de Carroll conjeturaram, com boas razões, que ele pretendeu que oCavaleiroBrancofosseumacaricaturadesipróprio.Comoocavaleiro,Carrolltinhacabelodesgrenhado,meigosolhosazuiseumrostodelicadoegentil.Comoocavaleiro,suamentepareciafuncionarmelhorquenuncaquandoviaascoisasdepernasparaoar.Comoocavaleiro,gostavadeengenhocascuriosasetinha“muitopendorparainventarcoisas”.Estavasempre“pensandonumamaneira”defazerissoeaquilodeumjeito um pouquinho diferente. Muitas de suas invenções eram, como o pudim de mata-borrão, muitoengenhosas,mastinhampoucaprobabilidadedeseremrealizadas(emboraalgumastenhamsereveladonãotãoinúteisquandooutrosasreinventaramdécadasdepois).

Entres as invenções deCarroll estão um jogode xadrez para viajantes, com furos para se encaixar eseguraraspeças;umagradedecartolina(eleachamavaumNyctograph)paraajudaraescrevernoescuro;umestojoparaselospostaiscomsuas“surpresaspictóricas”(vercap.6,nota5,deAventurasdeAlicenoPaísdasMaravilhas).Seudiáriocontinharegistroscomo:“Ocorreu-meaideiadequesepoderiafazerumjogo com letras, a serem movidas por um tabuleiro de xadrez até formarem palavras” (19 dez 1880);“Inventeiumnovoesquemade‘RepresentaçãoProporcional’queédelongeomelhorquejáarquitetei…InventeitambémregrasparatestaraDivisibilidadedeumnúmeropor17e19.Umdiainventivo!”(3jun1884);“Inventeiumsubstitutoparaogrude,paracolarenvelopes…,montarpequenascoisasemformadelivroetc.–asaber:papelcomcoladeambososlados”(18jun1896);“Penseinumplanoparasimplificarvales postais, fazendo o remetente preencher dois papéis em duplicata, um dos quais entrega para sertransmitidopeloagentedocorreio–contémumnúmero-chavequeodestinatáriodevefornecerparaobterodinheiro.Pensoemsugeririsso,emeuplanodepostagemdupla,nodomingo,aoGoverno”(16nov1880).

OsaposentosdeCarrollcontinhamumavariedadedebrinquedosparaoentretenimentodesuasvisitascrianças:caixasdemúsica,bonecas,bichosmovidosacorda(inclusiveumursoqueandavae“BobtheBat”[“Bob,oMorcego”],quevoavapelasala),jogos,uma“orguinetteamericana”quetocavaquandoumafitadepapelperfuradaeramovidacomumamanivela.Quandosaíadeviagem,conta-nosStuartCollingwoodemsuabiografia,“todososobjetoseramcuidadosamenteembrulhadosempedaçosdepapelumaum,demodoqueseusbaúscontinhamquasetantaquantidadedepapelquantodecoisasmaisúteis.”

É digno de nota também que, de todos os personagens que Alice encontra em suas duas aventurasoníricas, somente o Cavaleiro Branco parece gostar genuinamente dela e lhe oferecer ajuda especial. Équaseoúnicoalhefalarcomrespeitoecortesia,esomosinformadosdequeAliceselembravadelemelhordoquedequalqueroutracriaturaqueconheceuatrásdoespelho.SeumelancólicoadeuspodeseroadeusdeCarrollaAlicequandoelacresceu(tornou-seumarainha)eoabandonou.Dequalquermaneira,énesseepisódio crepuscularqueouvimosmais alto aquele “suspiro saudoso”que, comoCarroll nosdiz emseupoemaintrodutório,vai“perpassarestahistória”.

OpapeldoCavaleiroBrancofoidesempenhadoporGaryCoopernofilmedaParamountde1933,AliceinWonderland.

5.“SugiroquequandooCavaleiroBrancodissequeosgrilhõesdeseucavaloeramparaprotegê-locontra

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mordidasdetubarões[sharks],otipógrafodesuaprimeiraprovafezasubstituiçãomuitofácildo‘h’porum‘n’,edeixouCarroll intrigadoacercadecomopoderiamsermordidasdesnarks… tão intrigadoque,inevitavelmente,TheHuntingoftheSnarkseseguiu,sendoessaamaneiracomocoisasassimsãoescritas.”–A.A.Milne,YearIn,YearOut(1952)

6.JanisLull,emLewisCarroll:ACelebration,afirmaqueCarrolleTennieljuntoscarregaramocorcelcomobjetosestreitamenterelacionadoscomcoisasmencionadasoudesenhadasemoutraspassagensdoslivrosdeAlice[verdesenhodap.200]:aespadadepaueoguarda-chuvasãoparecidoscomaespadaeoguarda-chuvapertencentesaosirmãosTweedle;amatracadevigiapareceochocalhoquecausouabrigadosdoisirmãos; a colmeia lembraasabelhas-elefantesdocap.3; a ratoeira representaocamundongodoprimeirolivrodeAlice;oscastiçaisaludemàsvelasqueseextinguemcomofogosdeartifícionofinaldocap.9;acampainhademolasugereasduascampainhasnaportadocap.9;osatiçadoresefolessãocomoosdasaladeestardeAlice,abaixodoespelho;osgrilhõescontra tubarõespoderiamevocaros tubarõesnosversosqueAlicerecitanocap.10dolivroanterior;asduasescovasestãorelacionadascomaescovadecabelocomque Alice penteia a Rainha Branca no cap.5; o bolo de passas, é claro, é o que a Lebre de Março[Mensageiro]extraicomonumpassedemágicadesuapequenasacolaquandooLeãoeoUnicórnioestãolutando pela coroa; as cenouras poderiam estar lá como comida para a Lebre deMarço; e a garrafa devinho, talvez vazia, sugere o vinho inexistente que a Lebre deMarço convidouAlice a tomar no “Chámaluco”,bemcomoovinhorealdobanquetedocap.9.

“O Cavaleiro é uma espécie de contrarregra”, resume Lull, “cujos apetrechos ao mesmo temporecapitulamoquesepassouanteseantecipamoqueestáporvir.”

ParamaisinvençõesdoCavaleiroBrancodeCarroll,verocap.9demeuVisitorsfromOz.

7.NotempodeCarroll,oaçúcarrefinadoeravendidonaformadepedaçosgrossoschamadossugarloaves[epãesdeaçúcaremportuguês].Otermosugarloafécomumenteaplicadoachapéusemorroscônicos.

8.EstariaCarrollaludindoaoprovérbio“Theproofofthepuddingisintheeating”[“Aprovadopudimestáemcomê-lo”]?

9.Na lógicabinária isso seria consideradoumexemploda lei do terceiro excluído:umaafirmação éouverdadeira ou falsa, não havendo terceira opção. A lei é a base de vários antigos versos nonsense: porexemplo,Haviaumavelhinhaquenaquebradafoimorar,/Esenãofoiemboraaindaestámorandolá.

10.Emseudiário (5ago1862)Carrollescreveu:“Depoisdo jantarHarcourteeufomosà residênciadodeão para combinar sobre o rio amanhã, e ficamos para jogar um jogo de ‘Ways andMeans’ [Modos emeios]comascrianças.”FuiinformadodequeosparentesdeCarrollpossuemumconjuntoderegrasdessejogoescritasamãoporele,masninguémsabedizersefoiinvençãodeleoudealgumaoutrapessoa.

11.Paraumestudiosodelógicaesemântica,tudoissopareceperfeitamenterazoável.Acançãoé“Sentadonaporteira”;échamada“Modosemeios”;onomedelaé“Ovelhohomemvelho”,eessenomeéchamado“Olhos de hadoque”.Carroll está fazendo aqui uma distinção entre coisas, nomes de coisas e nomes denomesdecoisas.“Olhosdehadoque”,onomedeumnome,pertenceaoqueos lógicoschamamhojede“metalinguagem”. Adotando a convenção de uma hierarquia de metalinguagens, os lógicos conseguemevitar certosparadoxosqueosatormentaramdesdea épocadosgregos.Paraumadivertida traduçãodasobservações do Cavaleiro Branco em notações simbólicas, feita por Earnest Nagel, veja seu artigo“SymbolicNotation,Haddock’sEyesandtheDog-WalkingOrdinance”,novol.3daantologiadeJamesR.Newman,TheWorldofMathematics(1956).

Umaanálisemenostécnicamasigualmentebemfundadaeencantadoradessapassagemestáincluídanoartigo deRogerW.Holmes, “ThePhilosopher’sAlice inWonderland” (AntiochReview, verão 1959). Oprofessor Holmes (que foi diretor do departamento de filosofia noMount Holyoke College) pensa que

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CarrollestavazombandodenósquandofezoCavaleiroBrancodizerqueacançãoé“Sentadonaporteira”.Evidentemente, essa não pode ser a própria canção, mas apenas mais um nome. “Para ser coerente”,Holmesconclui, “oCavaleiroBranco,apósdizer ‘acançãoé…’, sópodia terpassadoacantaraprópriacanção.”Coerenteounão,oCavaleiroBrancoéumpresentedeCarrollqueoslógicostratamcomcarinho.

AcançãodoCavaleiroBrancotambémexibeumaespéciedehierarquia,comoumreflexoespeculardeumreflexoespeculardeumobjeto.OexcêntricoCavaleiroBrancodeCarroll,dequemAlicenãopôdeseesquecer, é também incapaz de esquecer um outro excêntrico cujos traços sugerem que, também ele,poderia ser uma caricatura de Carroll; talvez a visão que Carroll tinha de si mesmo como um homemsolitário,nãoamado.

12. A canção do Cavaleiro Branco é uma versão revista e ampliada deste poema anterior de Carroll,publicadoanonimamenteem1856numarevistachamadaTheTrain:

NACHARNECASOLITÁRIA

UmhomemvelhíssimoencontreiNacharnecasolitária:Sabiaqueeueraumfidalgo,

Eelenãomaisqueumpária.Assim,àqueima-roupaperguntei-lhe:

“Vamos,diga-mecomoganhaavida!”Masàrespostanãodeiouvidos,

Minhamenteemoutrascoisasabsorvida.

Eledisse:“Caçobolhasdesabão,Nomeiodotrigoescondidas,Comelasfaçocosteletas,

Easvendonasavenidas.Vendo-asparaosestafetas,

Sempreacorrerafobados,Eassimganhoomeupão,

Poisnuncavendofiado.”

MaseupensavaentãonumjeitoDepordezmultiplicarEsemprenaresposta

Àperguntadevoltachegar.Nãoouvipalavradoquedisse,

Masacalmadovelhodesafiei,Berrando:“Afinal,comovive?”

Eumbeliscãonobraçolhedei.

Comvozsuave,eleretomouseurelato.Disse:“Souumhomemmuitoteimoso,Equandoacasoencontroumregato,

Boto-lhefogonoato.Comissofazemumapomada,

ÓleodeMacássardeRowlandéchamada,Masparamimnoarranjotodo,

Sobramquatropenceemaisnada.”

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MaseupensavaentãonumplanoParaasbotinasdeverdepintar.Ficariamtãodacordagrama

Queninguémaspoderiaenxergar.Dei-lhenaorelhaumtabefe

Edenovooquestionei,Epuxei-lheocabelogrisalho,

Enofimochacoalhei.Eledisse:“Caçoolhosdehadoque

Nomeiodobrejoventoso,Delesfaçobotõesdefraque,

Ànoite,quandotudoésilencioso.Eessesnãovendoporprata

Tampoucoporourolustroso,Maspormeiopênidecobre,

Adúzia,seestácurioso.”

“Àsvezesescavoembuscadebolachas,Ouusoviscoparapegarcaranguejos;Àsvezesinspecionoascolinasfloridas

Embuscaderodas,bancosemolejos.Eéassim”(piscouumolho)

“Queminhavidaconsigoganhar,Emuitoprazerteriaemtomar

Umacervejapeloseubem-estar.”

Dessavezoouvi,poismeuplano,Eujáoterminarainteirinho:Comoprotegerpontesdaferrugem

Ferventando-asnovinho.Agradeciaovelho,antesdepartir

Portãoesquisitashistóriascontar,Massobretudopelagentilintenção

Decomcervejaminhasaúdebrindar.

Eagora,seporacasonogrudeEnfioomeudedo,Ouloucamentemetoumpé

Direitonosapatoesquerdo,Sedigoumagrandetolice

Ouseminhamemóriapeca,Pensonoestranhovelhinho

Tãosólánasuacharneca.

“Na charneca solitária” [no original,Upon the Lonely Moor] foi escrito para o filho de Tennyson,Lionel.AquiestácomoCarrollrelatasuaorigemnumaanotaçãofeitaemseudiárioemabrilde1862.Esteregistro estava numa parte do diário hoje perdida, mas Stuart Collingwood a cita em sua biografia deCarroll.

DepoisdoalmoçofuiàcasadosTennysoneconseguiqueHallameLionelassinassemseusnomes

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emmeuálbum.FiztambémumtratocomLionel,segundooqualelemedariaalgummanuscritodeseusversos,eeulheenviariaalgumdosmeus.Foiumtratomuitodifícildenegociar;noinícioquaseperdi a esperança, tantas eram as condições que ele impunha – primeiro, eu tinha de jogar umapartidadexadrezcomele;isso,commuitadificuldadereduzimospara12lancesdecadalado;masfezpoucadiferença,porquedei-lhexeque-mateno6ºlance.Segundo,eledeveriaterpermissãoparamedarumgolpena cabeça comummalho (disso, elepor fimconsentiu emabrirmão).Esqueçoquais eram as outras,mas no fimdas contas conseguimeus versos, que retribuí escrevendo “TheLonelyMoor”paraele.

“‘Sentado na porteira’ é uma paródia”, disse Carroll numa carta (ver The Letters of Lewis Carroll,organizadasporMortonCohen,vol.1,p.177),“emboranãoquantoaoestiloouàmétrica–masseuenredofoi tomado de ‘Resolution and Independence’, de Wordsworth, poema que sempre me divertiu muito(emboranãosejaemabsolutoumpoemacômico)pelomodoabsurdocomoopoetacontinuaquestionandoo pobre velho catador de sanguessugas, fazendo-o contar sua história vezes sem conta e nunca dandoatençãoaoqueelediz.Wordsworthterminacomumamoral–exemploquenãosegui.”

Carroll certamente se identificava com o “velho homem velho” da canção, um homem ainda maisseparadodeAlicepela idadedoqueoCavaleiroBranco.Em“Isa’sVisit toOxford”,Carrollchamaasimesmode“theAgedAgedMan”,queabreviaaolongodetodoodiáriocomo“theA.A.M.”.Carrolltinhaentão58 anos.Frequentemente referia-se a simesmoemcartaspara as amigas crianças comoumvelhohomemvelho.

Noconjunto,opoemadeWordsworthéumabelapeça,edigoissocientedofatodequepartedeleestáincluídaemTheStuffedOwl, acômicaantologiademausversoscompiladaporD.B.WyndhamLewiseCharlesLee.

Osversosqueabrema cançãodoCavaleiroBrancoparodiamosversosdeWordsworth “I’ll tell youeverythingIknow”e“I’llgiveyouallthehelpIcan”[nooriginalaparódiadeCarrollcomeçacomoverso“I’lltelltheeeverythingIcan”…]daversãooriginaldeumdosesforçosmenosfelizesdopoetachamado“TheThorn”.Oversoreflete tambémo títulodacanção,“I’give theeall, Icannomore”[“Eulhedareitudo,maisnãopossodar”],comcujamelodiaoCavaleiroBrancocantasobreovelhohomemvelho.EssacançãoéopoemalíricodeThomasMoore“MyHeartandLute”,quefoimusicadopelocompositoringlêsSirHenryRowleyBishop.AcançãodeCarrollsegue[nooriginal]opadrãométricoeoesquemarítmicodopoemadeMoore.

“O caráter do Cavaleiro Branco”, escreveu Carroll numa carta, “foi concebido para se adequar aonarradornopoema.”QueonarradoréopróprioCarrollésugeridoporsuasideiassobremultiplicaçãopor10na3ªestrofedaversãoanterior.ÉmuitopossívelqueCarrollvisseopoemadeamordeMoorecomoacançãoqueele,oCavaleiroBranco,teriagostadodecantarparaAlicemasnãoousava.

13.[Estesversosnooriginal:ButIwasthinkingofaplanTodyeone’swhiskersgreen,AndalwaysusesolargeafanThattheycouldnotbeseen.]

BertrandRussell,emOabcdarelatividade,cap.3,aplicaessesquatroversosàhipótesedecontraçãodeLorentz-Fitzgerald,umatentativainicialdeexplicarofracassodoexperimentodeMichelson-Morleyparadetectar uma influência domovimentodaTerra navelocidadeda luz.Segundo essahipótese, os objetosencolhem na direção de seu movimento, mas como todas as réguas de mensuração são similarmenteencurtadas, elas servem, como o abano do Cavaleiro Branco, para nos impedir de detectar qualquermudança no comprimento dos objetos.Osmesmos versos são citados porArthur Stanley Eddington nocap.2deTheNatureofthePhysicalWorld,mascomumsentidometafóricomaisamplo:oaparentehábito

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queanaturezatemdeescondereternamentedenósseuplanoestruturalbásico.NopoemaanteriordeCarroll,“UpontheLonelyMoor”(reproduzidonanota12),sãobotinas[“one’s

gaiters”]quesãopintadasdeverde.

14.OOxfordEnglishDictionarydescreveesseóleo[Rowland’sMacassar-Oil]como“umunguentoparaocabelo,vastamenteanunciadonaprimeirapartedoséculoXIX,edescritopelosfabricantes(RowlandandSon)comoconsistindodeingredientesobtidosdomacássar”.Noprimeirocanto,estrofe17deDonJuan,Byronescreve:

Emvirtude,nadademundanoapodiasuperar,Salvoesse“óleoincomparável”,Macassar!

Otermo[inglês]“antimacassar”paraopanopostosobreoencostodepoltronasesofásparaevitarqueotecidofiquemanchadoporóleocapilarteveorigemnapopularidadedesseproduto.

15.Éumasuperstiçãoantiga,conta-meoleitorTimHealey,quepôropédireitonumsapatoesquerdoédemauagouro.ElecitaumapassagemdeHudibras,deSamuelButler,quefaladeAugustoCésarcometendoesseerro:

UmdiaAugustopordistraçãoEnfiouosapatonopétrocado,EnessediamesmofoiassassinadoPorsoldadosquenãotinhapagado.

16.OmédicoDavidFrischchamaminhaatençãoparaasseguinteslinhas–asduasúltimasdaestrofe12dopoemadeWordsworthantesqueeleorevisseparaumaimpressãoposterior:

ElemerespondeucomprazeresurpresaEhavia,enquantofalava,fogoemseusolhos.

17.OCavaleiroBranco retornou à 5ª casa doBispo doRei, amesma que ocupava antes de capturar oCavaleiroVermelho.

ComoosmovimentosdocavalosãoemformadeL,omovimentodoCavaleiroBrancoéa“curvadaestrada”aqueelesereferiualgunsparágrafosantes.

Estacena,emqueCarrollpretendeclaramentedescrevercomoesperaqueAlicevásesentirdepoisquecrescerelhedisseradeus,éumdosepisódiospungentesnotáveisdaliteraturainglesa.NinguémescreveumaiseloquentementesobreelequeDonaldRackinemseuensaio“LoveandDeathinCarroll’sAlices”(emSoaringwith theDodo:EssaysonLewisCarrollLifeandArt,organizadoporEdwardGuilianoe JamesKincaid):“Oamorefêmeroquesegredaatravésdestacenaé,portanto,complexoeparadoxal:éumamorentre uma criança toda potencial, liberdade, fluxo e crescimento e um homem todo impotência,aprisionamento,torporedeclínio.”

18. Este é o ponto em queCarroll pretendeu originalmente situar seu episódio sobre oMarimbondo dePeruca.EmboraTenniel,emsuacartaaCarroll,ochamedecapítulo,todososindíciosmostramquedeveriaser uma longa seção num capítulo que, mesmo sem ele, tornou-se o mais longo do livro. O episódiocompleto,comintroduçãoenotasminha,estáreproduzidonestelivro.

19.Alicesaltouoúnicoriachorestanteeestáagorana8ªcasadaRainha,aúltimadacolunadarainha.Paraleitoresnãofamiliarizadoscomoxadrez,devemosdizerque,quandoatingeaúltimafiladotabuleiro,umpeãopode se transformar emqualquerpeçaqueo jogadordeseje.Geralmente escolhe seruma rainha, amaispoderosadaspeçasdexadrez.

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9.RAINHAALICE

1.ARainhaVermelhaacabaradepassarparaacasadoRei,demodoqueAlicetinhaagoraumarainhadecada ladode si.OReiBranco ficaemxequepor essemovimento,masnenhumdos ladosparece sedarcontadisso.

IvorDavies, escrevendo sobreo “Looking-GlassChess” emTheAnglo-WelshReview (outono 1970),temumaexplicaçãoparaofatodeninguémnotarqueoReiBrancofoipostoemxequepelomovimentodaRainhaVermelhaparaacasadoRei.Umdos livrossobrexadreznabibliotecadeCarrolleraTheArtofChess-Play (1846),deGeorgeWalker.Aregra20do livrodeclara:“Quandoumapessoadáxeque,deveinformar o adversário dizendo em voz alta ‘xeque’; ou não precisa informar isso, podendo fazermovimentoscomoseoxequenãotivessesidodado.”

“ARainhaVermelhanãodisse‘xeque’”,comentaDavies.“Seusilênciofoiinteiramentelógicoporque,nomomentodesuachegadaàcasadoRei,eladisseaAlice…‘Falequandolhefalarem!’Comoninguémfalaracomela,estariaquebrandosuaprópriaregrasetivessedito‘xeque’.”

Outroartigoesclarecedorsobreojogodexadrezdolivroé“AliceinFairyland”,deA.S.M.Dickins,emJabberwocky (inverno1976).Especialistade renomemundialem“xadrez imaginário”,Dickinsanalisaojogo de Carroll como umamistura de regras de xadrez imaginário. Chama atenção para a regra 14 deWalker,que,incrivelmente,permiteaumjogadorfazerumasériedelancesconsecutivosdeumavezdesdequeoadversárionãoobjete!

2. Estaria a Rainha Vermelha, como conjeturam Selwyn Goodacre e vários outros correspondentes,aludindoaofatodequenenhumlancenoxadrezpodeserdesfeito?Umavezmovidaapeça,“vocêtemdearcarcomasconsequências”.Asregrascontemporâneasdoxadrezsãoaindamaisrígidas:seumapeçaémeramentetocada,temdesermovida.

3.Carrollgostavaespecialmentedas terças-feiras.“PasseiodiaemLondres”,escreveuemseudiárionaterça-feira,10deabrilde1877.“Foi(comotantasterças-feirasemminhavida)umdiamuitoagradável.”Oprazernessaocasiãofoiterconhecidoumamenininhasimples“quetalvezsejaacriançamaisbonita(tantoorostoquantoafigura)quejávi.Tem-sevontadedefazercemfotografiasdela.”

4.ÉfácildeixarescaparaquiasugestãodaRainhaVermelhadequericoeinteligentesãoopostos,comoquenteefrio.

5. “Enigma sem resposta”: como o enigma não respondido do Chapeleiro Louco sobre o corvo e aescrivaninha.

6.AliceestárelembrandoacançãodeHumpty(cap.6)emqueelefaladepegarumsaca-rolhaeiracordarospeixesparapuni-lospordesobediência.

Alice talvez não tenha sido interrompida em seu comentário. Podia estar simplesmente lembrando opoemadeHumptynocap.6comseucoupletinacabado:

Eraistooquetinhamadizer:“Istonãopodemos,Sir,porque…”

7.MollyMartinespeculanumacartaque,quandoaRainhaBrancalembraumaocasiãoemqueotelhadodesaboueotrovãoficourolandopelasala, issopoderiasereferirà tampadeumacaixadexadrezsendoremovidaeaspeçaschacoalhandopelacaixaquandoumjogadorcomeçaa retirá-lasouadespejá-lasnamesa.

8.Ooriginaléumaóbviaparódiadaconhecidacançãoinfantil“Hush-a-bybaby,onthetreetop…”

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9.ComoMichaelHancherassinalaemseulivro,citadotantasvezesemnotasanteriores,oportalromânicoda ilustração deTenniel para essa cena é idêntico ao que desenhou para a a página de rosto do volumeencadernadodaPunch,jul-dez1853.HancherreproduztambémailustraçãotalcomoTennieladesenhouoriginalmente,mostrandoAlicecomumasaia-balãoquepareceaparteinferiordasrainhasdoxadrez,emharmoniacomsuacoroa,queéidênticaàdaspeçasdexadrez.

Carroll–que,segundoconsta,teriadito:“Detestoamodadasaia-balão”–reprovoucincodesenhosdeTenniel quemostravamAlice com saia-balão depois de se tornar rainha. Tenniel satisfez o pedido dele,redesenhandotodasascincoimagens.SeusesboçosoriginaisparaelasestãoreproduzidosemAventurasdeAlicenoPaísdasMaravilhas,deJustinSchillereSelwynGoodacre(impressãoprivada,1990).

ODESENHOORIGINALDETENNIEL

Omesmoportal românico, informa-meCharlesLovett, comseupadrãocaracterísticoemziguezague,foidesenhadoporTennielparaoprimeirolivrocujasilustraçõeslheforamencomendadas,asegundasériedoBookofBritishBallads.O arco aparecenoplanode fundodeumacenaque acompanhaumabaladachamada“KingEstmere”.

EmseulivrinhoAlice’sAdventuresinOxford(1980),MavisBateydizqueaportaé“claramenteaportadaCasadoCapítulodopaidela [Alice]”– a casa emqueos assuntosda catedraldoChristChurch sãoadministrados.

10. Essa é uma paródia da canção de Sir Walter Scott, “Bonny Dundee”, de sua peça The Doom ofDevorgoil.Reproduzimosatraduçãodorefrãoaseguir:

Venhamencherminhataça,atéfazê-latransbordar,Venhamselarseuscavaloseosseushomensconvocar;VenhamabriroPortãoOeste,emeubandolibertar,Epr’osgorrosdeBonnyDundeenãohádefaltarlugar!

11. Nenhum leitor vitoriano deixaria de perceber o trocadilho. To cut [cortar] é ignorar alguém que seconhece.OBrewer’sDictionaryofPhraseandFabledistinguequatrotiposde“cortes”:cortedireto(olharparaumconhecidoefingirnãoconhecê-lo);corteindireto(fingirnãoveralguém);ocortesublime(admiraralgumacoisacomooaltodeumprédio,atéqueumconhecido tenhapassado);eocorte informal (pararparaajeitarolaçodosapato).

12.OcorreuaRogerGreenqueodiálogodeAlicecomopudimpoderiatersidosugeridoaCarrollporum

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cartumpublicadonaPunch(19jan1861)quemostraumpudimdepassaslevantando-seemsuatravessaedizendoaumcomensal:“Permita-mediscordardosenhor.”MichaelHancherreproduzocartumdaPunchemseulivrosobreTenniel,eassinalaoreaparecimentodopudim,depernasparaoar,nocantoesquerdoinferiordaúltimailustraçãodeTennielparaestecapítulo.

13.Aresposta:umaostra.TheLewisCarrollHandbook(1962,p.95)revelaqueumarespostanumaestrofede quatro versos para o enigmadaRainhaBranca, namesmamétrica, foi publicada no periódico inglêsFun,em30deoutubrode1878,p.175.ArespostahaviasidopreviamentesubmetidaaCarroll,queburilouamétricaparaoautoranônimo.Aestrofefinaldaresposta,talcomocitadanoHandbook,é:

Pegueumafacabemamolada,paraEntreatampaeopratoenfiar;Eentão,numbreveinstante,Des-cobriráasOSTRAS,Eoenigmaempratoslimposestará!

14.A referênciaéaapagadoresdevela,pequenosconesocosusadosparaextinguirachamademodoaevitaracirculaçãodafumaçapeloaposento.

15.ARainhaBrancaafastou-sedeAliceindoparaa6ªcasadaTorredaRainha;ummovimentoilegalnumjogodexadrezortodoxo,porquenãotiraoReiBrancodoxeque.

16.EssaéacapturadaRainhaVermelhaporAlice.Resultanumxeque-matelegítimoaoReiVermelho,quedormiu durante toda a partida de xadrez sem se mover. A vitória de Alice confere uma tênue moral àhistória, pois as peças brancas são personagens bons e gentis em contraste com os temperamentosimpetuososevingativosdaspeçasvermelhas.Oxeque-mateencerraosonho,masdeixaabertaaquestão:dequemeraosonho,deAliceoudoReiVermelho?

10.SACUDIDA

1.OescritorecríticoamericanoEverettBleiler,numartigodeprimeirapáginaintitulado“AliceThroughtheZodiac”(BookWorld,3ago1997), fazumaconjeturacuriosa.DadoqueCarrollesticouseusegundolivrodeAliceparaqueficassecom12capítulosfazendoesteeopróximocapítulosextremamentecurtos,seriapossívelquetivesseemmenteos12signosdozodíaco?Porexemplo,osgêmeosTweedlepoderiamserumaalusãoaGêmeos,oLeãoaLeão,aOvelhaaÁries,aCabraaCapricórnio,oCavaleiroBrancoaSagitário, Humpty a Libra e assim por diante. Por mais impressionantes que essas correlações sejam,poucos carrollianos levaram a sério a conjetura de Bleiler. Assinalam que Carroll não tinha nenhuminteresseporastrologiaequequeriaqueosegundolivrodeAlicetivesseomesmonúmerodecapítulosdoprimeiro.

11.DESPERTAR

1.RoseFranklin,umadasamigascriançasdeCarroll,recordouemsuasmemóriasqueCarrolllhedissera:“NãoconsigoresolvernoquefazeraRainhaVermelhavirar.”Rose respondeu:“Elaparece tãozangada,porfavorfaça-aviraraGatinhaPreta.”

“Issovaiseencaixaresplendidamente”,Carrollteriarespondido,“eaRainhaBrancavaiseraGatinhaBranca.”

Lembre-seque,nocap.1,antesdecairnosono,Alicedisseàgatinhapreta:“VamosfazerdecontadequevocêéaRainhaVermelha.”

12.QUEMSONHOU?

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1.AideiadeAliceéfundamentalnateoriadainformação,dizGeraldWeinbergnumacarta.Nãohálógicade um elemento só – não hámeio de registrar ou transmitir informação sem pelomenos uma distinçãobinária entre sim e não, ou verdadeiro e falso. Em computadores, a distinção é comandada pelasalternânciasligado-desligadodeseuscircuitos.

2.PorqueAlicepensouqueHumptyeraDinah?EllisHillman,escrevendosobre“Dinah,theCheshire,andHumptyDumpty”,emJabberwocky(inverno1977),propõeumateoriaengenhosa.“SouumdaquelesquefaloucomumRei,eusou”,HumptyDumptydisseaAlice.ComosabemospelovelhoprovérbioqueAlicecitounocap.8dolivroanterior,umgatopodeolharparaumrei.

FredMadden,emseuartigocitadonocap.3,notas8e14,salientaque,quandoinvertidas,asiniciaisdeHumptyDumptysetornamD.H.,aprimeiraeaúltimaletrasde“Dinah”.

3.Aexpressãoqueerfish[peixeestranho],significandoalguémconsideradoesquisito,eracorrentenaépocadeCarroll.Aodarênfaseapeixesnestelivro,estariaCarrollpensandoemtodosos“peixesestranhos”quecontinha? Ou que há algo de “fishy” [duvidoso] em seu nonsense? Por coincidência, fish nos EstadosUnidoséumtermodegíriaparaumjogadordexadrezmedíocre.

[ADESLIZARSERENOSOBOCéU]

1.Nestederradeiropoema,umdosseusmelhores,Carrollrelembraaquelepasseiododia4dejulhopeloTâmisaemquecontoupelaprimeiravezahistóriadasAventurasdeAlicenoPaísdasMaravilhasparaastrêsmeninasLiddell.OpoemarefleteostemasdoinvernoedamortequepercorremopoemaintrodutóriodeAtravésdoEspelho.É a cançãodoCavaleiroBranco, lembrando aAlice comoela estava antes de irembora,comolhossecose impacientes,prontaparacorrermorroabaixoesaltaroúltimoriachorumoàcondição demulher.O poema é um acróstico, as letras iniciais dos versos formando o nome inteiro deAlice.

MatthewHodgartescreveudaInglaterraparasugerirquenestaestrofedeseupoemaacrósticoCarrollestavaconscientementefazendoecoaossentimentosdaquelacançãomuitoconhecidanaInglaterranaqueletempo:“Row,row,rowyourboat”.

RalphLutts,umcorrespondentequefazamesmasugestão,salientaque“merrily”nocânoneestáligadoao“merrycrew”nopoemaintrodutóriodoprimeirolivrodeAlice.[Osversosfinaisdapenúltimaestrofedaquelepoemasão,nooriginal:Andhomewesteer,amerrycrew,/Beneaththesettingsun.]

Omundo real e o estado “misterioso” do sonho alternam-se ao longo dos dois livrosSílvia eBrunointeirosdeCarroll.“OuestivesonhandocomSílvia”,eledizasimesmonocap.2doprimeirolivro,“eistoérealidade.OuestivecomSílvia,eistoéosonho.SeráaprópriaVidaumsonho,perguntoeu?”

OpoemaàguisadeprefáciodeSílviaeBruno,umacrósticocomonomedeIsaBowman,expressaomesmotema:

Issoéumsonho,então,oquevivemos,SomenteentrevistonapenumbradouradaAcontrariarofluxoescuro,fatal,dotempo?

Baixandoacabeçacomamargopesar,Ourindonaruadequalquerespetáculo,Vagamosociososparacáeparalá.

Maishorastivesseamanhã,poucasseriam,eApartirdomeio-dianãolançamosNemumolharparaanoitequenosemudecerá

MorrisGlazerconjeturanumacartaseCarrollteveaintençãodeiniciaroversodomeiodopoemacom

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“Alice”[“Alicemovingunderskies”nooriginal,“Aliceapercorrerestranhasterras”natradução],pondo-aassimnocentrodopoemacomoestavanocentrodesuavida.

OMARIMBONDODEPERUCA

1.AabruptamudançadecenárioqueocorresemprequeAlicesaltaumriachoseassemelhaàsmudançasque têm lugar num jogo de xadrez sempre que um lance é feito, bem como às súbitas transições queocorremnossonhos.

2.Sealguminsetotinhaumjornal,sópodiaseromarimbondo.Osmarimbondossãograndesfabricantesdepapel.Seus finosninhosdepapel,geralmenteemárvoresocas, são feitoscomumapolpaqueproduzemmascandofolhasefibrademadeira,

3. “açúcar mascavo”: os marimbondos apreciam todo tipo de doces feitos pelo homem, especialmenteaçúcar.MortonCohensalientaqueapreferênciadoMarimbondoporaçúcarmascavoécaracterísticadasclassesbaixasvitorianas,queopodiamcomprarmaisbaratoqueoaçúcarbrancorefinado.

4.“Engulphed”[comoaparecenotexto,traduzidopor“engolfado”]eraumagrafiacomumpara“engulfed”nos séculos xvi e xvii. Era vista ocasionalmente no tempo de Carroll, e o Marimbondo pode estarexpressandoodesagradopessoaldeCarrollporessagrafia.TalvezsejaapronúnciaincorretadeAlice“en-gulph-ed” (três sílabas em vez de duas) [no original, que reproduzimos aqui por “en-golf-ados”] que oMarimbondoachaesquisita.DonaldL.HotsonsugerequeCarrollpoderiaestarbrincandoaquicomumaexpressãodegíria usadanas universidades na época.SegundoTheSlangDictionary (Chatto&Windus,1974),gulfed (por vezes grafado “gulphed”) foi “originalmente um termodeCambridge, denotando queumapessoanãopodesesubmeteraosexamesclássicosporterfracassadonodematemática…AexpressãoéhojecomumemOxfordcomodescritivadeumapessoaqueestáesperandoseraprovadacomhonraseconsegueapenaspassar.”

5. A maneira de falar do Marimbondo o assinala claramente como um zangão na estrutura social dosmarimbondos.

Carrollnão só identificou seu impertinentevelhocomoumacriaturauniversalmente temidaeodiada,comoosituounaclassebaixa,emacentuadocontrastecomaorigemdeclassealtadeAlice– fatosquetornamadelicadezadelaparacomoinsetoaindamaisnotável.

6.Umlençodesedaamarelo,coloquialmentechamado“ayellowman”,eramodanaInglaterravitoriana.

7.No tempodeCarroll, acreditava-senomundo todoqueamarrarum lençoem tornodo rosto,comumcataplasma dentro, proporcionava alívio para uma dor de dente. Pessoas que se consideravam bonitasdeviamfrequentementeservistasnessacondição,esuaaparênciacertamentenãoreforçavasuapresunção.

8.[Nooriginal:“Oh,youmeanstiffneck”]Umstiffneckéumtorcicolo,alémdedesignaraposturadeumapessoaarrogante,orgulhosaouvaidosa.TalvezoMarimbondoestivesseadvertindoAliceparaoperigodesetornarumarainhaarrogante,tãoempertigadaquantoumarainhademarfimdoxadrez.Defato,assimqueencontraacoroadeouroemsuacabeça,Alicecaminhaaoredor“muitoempertigada”[ratherstiffy] paraevitar que a coroa caia.Noúltimocapítulo, ela ordena àgatinhapretaque “se aprumeumpoucomais”comoaRainhaVermelhaqueimaginavaqueelaforaemseusonho.ComparetambémcomoMensageiro“emproadoeatrevido”[proudandstiffy]nopoemadeHumptyDumpty.

9.“amarelovivo”:aexpressãoéusadanovamenteporCarrollnocap.9,ondeé tambémassociadacomaidade.“Umsapomuitovelho”estávestidode“amarelovivo”.

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10.“pente”[nooriginalháumtrocadilhocomosdoissentidosdapalavra“comb”:penteefavo.Alicediz:“ifonlyyouhadacomb”,eoMarimbondoresponde:“What,youareaBee,areyou?…Andyou’vegotacomb.Muchhoney?“]NotequeAliceestáprestesasetornarumaabelhaRainha.

11.Seráestepoema,comotantosoutrosnosdoislivrosdeAlice,umaparódia?Muitospoemasecançõesdaépoca começavam com “When I was young…” [“Quando era jovem…”], mas não consegui encontrarnenhumqueparecesseumabaseprovávelparaeste.Carrolltalveztivesseconhecimentodequeaexpressão“ringletswaved”[anéisespiralavam]ocorrenabeladescriçãoqueJohnMiltonfazdeEvadesnuda(Paraísoperdido,livro4):

Comoumvéu,sobreotorsoesguio,Seuscabelosdeourosemadornostombavam,Emdesalinho,masemanéisnegligentesespiralados,Comooscaracóisqueavideiraenrosca…

Eháoseguinteversode“Sappho”,deAlexanderPope:

Nãomaismeuscachos,emanéis,seencrespavam.

Noentanto,comoanéissempreseencrespameondulam,osparalelospodemsermerascoincidências.Podevalerapenadestacarqueapalavraringlets[anéis]refere-seusualmentenãoaanéiscurtos,masa

cachoslongosemformahelicoidal,comoasvideirasmencionadasporMilton.Comomatemático,Carrollsabiaqueumahéliceéumaestruturaassimétricaque(naspalavrasdeAlice)“ficaaocontrário”noespelho.

Comomencionadoantes,nãoéporacasoqueosegundolivrodeAliceestárecheadodereferênciasareflexosespeculareseaobjetosassimétricos.Aprópriahéliceémencionadaváriasvezes.HumptyDumptycomparaos touvoscomsaca-rolhas,eTennielosdesenhacomrabosefocinhoshelicoidais.Humptyfalatambémnumpoema sobredespertar peixes comum saca-rolha, e no cap.9 aRainhaBranca lembraqueHumptytinhaumsaca-rolhanamãoquandoestavaprocurandoumhipopótamo.NasilustraçõesdeTenniel,ounicórnioeacabratêmchifreshelicoidais.AestradaquelevaAliceaomorronocap.3seretorcecomoum saca-rolha. Carroll deve ter compreendido que o jovem (e talvez vaidoso na época) Marimbondo,admirando-senumespelho,teriavistoseuscachosseenrolarem“aocontrário”.

Seja como for que o encaremos, o próprio poema parece inadequado para figurar num livro paracrianças,emboranãomais,talvez,queainescrutávelpeçarecitadaporHumptynocap.6.Ocortedocabelo,comoadecapitaçãoeaextraçãodedente,éumconhecidosímbolofreudianodacastração.Interpretaçõesinteressantesdopoemaporcríticosdeorientaçãopsicanalíticasãopossíveis.

12.Nocapítulo“Porcoepimenta”deAlicenoPaísdasMaravilhas,Alicedeiníciopensaqueo“Porco!”gritadopelaDuquesaédirigidoaela.Revela-sedepoisqueaDuquesaestálançandooepítetoaomenininhoqueestáninando,quelogovaivirarumporcodeverdade.Ousode“porco”[“pig”]comotermodeescárnioparaumapessoa,dizoOxfordEnglishDictionary,eracomumnaInglaterravitoriana.Surpreendentemente,mesmo assim era um epíteto frequentemente usado contra oficiais da polícia.Umdicionário de gíria de1874acrescenta:“ApalavraéquaseexclusivamenteaplicadaporladrõesdeLondresapoliciais.”

13.Alicetransformouseu“gritinhoderiso”diantedoMarimbondonumadiscretatosse.Poucoanteshaviatentado, sem sucesso, conter um “gritinho de riso” diante do Cavaleiro Branco. Não podemos saber aocerto,éclaro,setodososparaleloscomoesteestavamnotextooriginal.DepoisdeeliminaroepisódiodoMarimbondo,Carrollpodetertomadoalgumasdesuasexpressõeseimagensparausaremoutraspassagensquandoburilouorestodasprovas.

14.Alice certa vez aterrorizou sua amagritando-lhe no ouvido: “Vamos fazer de conta que eu sou umahienafamintaevocêéumacarcaça!”(AtravésdoEspelho,cap.1)

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15.Estacenaumtantoaterrorizante,umgrandeMarimbondoesticandoa“pata”paraarrancaraperucadeAlice, lembra três outros episódios do livro. O Cavaleiro Branco, ao montar seu cavalo, se equilibrasegurandoocabelodeAlice.ARainhaBrancaagarraocabelodeAlicecomambasasmãosnocap.9.E,numainversãodeidades,CarrollplanejavafazerAliceagarrarocabelodeumavelhasenhorasentadaaoseu lado quando o vagão do trem de ferro salta o segundo riacho, como ficamos sabendo pela carta deTenniel.

16.DiferentementedeAlice,osmarimbondostêmolhoscompostosdebulbosdosdoisladosdacabeçaemaxilaresgrandesefortes.ComoadeAlice,acabeçadelesé“bem-feitaeredonda”.OutrascriaturasdoEspelho (a Rosa, o Lírio-tigre, o Unicórnio) avaliam Alice de maneira similar, à luz de seus própriosatributosfísicos.

Tenniel,aos20anos,perdeuavisãodeumdosolhosnumalutadeesgrimacomopai.Oprotetordalâminadopaicaiuporacidente,eapontadelagolpeoudeleveseuolhodireito,causandoumadorsúbitaquedeveterparecidoadaferroadadeummarimbondo.Pode-seentenderporqueTennielpoderiaterficadoofendidocomaobservaçãodoMarimbondo;nessecaso,issoteriainfluenciadosuaatitudeemrelaçãoaoepisódio.

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ESBOÇOSORIGINAISDETENNIEL

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NOTASOBREASSOCIEDADESLEWISCARROLL

A Lewis Carroll Society of North America é uma organização sem finslucrativos que incentiva o estudo da vida, obra, época e influência deCharlesLutwidge Dodgson. A sociedade foi fundada em 1974 e cresceu de váriasdezenas de membros para várias centenas, de toda a América do Norte e doexterior.Entreosmembrosatuaisincluem-seeminentesautoridadesemCarroll,colecionadores,estudiosos,entusiastasemgeralebibliotecas.Asociedadeestáfazendoumesforçoprofissionalintegradoparasetornarocentrodasatividadesedosestudoscarrollianos.Asociedadesereúneduasvezesporano,emgeralnooutonoenaprimavera,

no local de uma importante coleção Carroll no leste dos Estados Unidos. Osencontros já contaram com conferencistas de grande renome e exposiçõesfantásticas.Asociedademantémumativoprogramadepublicações,administradoporum

comitê ilustre interessado empublicar e emauxiliar a publicaçãodemateriaisrelacionados com a vida e a obra de Lewis Carroll. Os membros recebem oboletimdasociedade(KnightLetter),exemplaresdasériedasociedade(CarrollStudies) e outras publicações especiais. “O Marimbondo de Peruca” foipublicadopelaprimeiravezcomopartedessasérie.Informaçõesadicionaispodemserobtidasescrevendo-separaTheSecretary,

EllieLuchinsky,LewisCarrollSocietyofNorthAmerica,18FitzhardingPlace,OwingsMill,Maryland21117,EUA.A mais antiga Lewis Carroll Society da Inglaterra foi fundada em 1969.

Publicaumperiódico–TheCarrollian(anteriormenteintituladoJabberwocky),editadoporAnneClarkAmor–eBandersnatch,umboletim.ParainformaçõesescrevaparaTheSecretary,SarahStanfield,Acorns,Dargate,NearFaversham,Kent,InglaterraMEI39HG.A Lewis Carroll Society do Canadá publica White Rabbit Tales, boletim

editadoporDaynaMcCausland,Box321,Erin,Ontario,Canadá,NOB1TO.ALewisCarrollSocietydoJapãopublicaumboletimeminglêseemjaponês.

OsecretáriodasociedadeéKatsukoKasai,3-6-15Funato,Abiko270-11,Japão.Carroll temmuitos admiradores no Japão, que já conta com cerca de sessentaediçõesdoslivrosdeAlicepublicadas.

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BIBLIOGRAFIASELECIONADA

DELEWISCARROLL

Alice’sAdventures inWonderland. 1865. Carroll providenciou a edição de doismil exemplares a serempublicadosnodia4dejulhoparacomemoraradatadopasseiodebarco,trêsanosantes,emquecontarapela primeira vez a história de Alice. Essa edição foi recolhida por Carroll e Tenniel porque nãogostaram da qualidade da impressão. Folhas não encadernadas foram então vendidas para a firmaAppleton,deNovaYork,quepublicoumilexemplarescomnovapáginaderostoimpressaemOxfordedatada de 1866. Essa foi a segunda tiragem da primeira edição.A terceira foi o lote restante de 952exemplares,comumapáginaderosto impressanosEstadosUnidos.Carroll tinhapouco interesseporsuas publicações nos Estados Unidos. “Temo que seja verdade que não há crianças na América”,escreveu em seu diário (3 set 1880) após conhecer uma moça de 18 anos de Nova York cujocomportamentonãoaprovou.

AnElementaryTreatiseonDeterminants.1867.ThroughtheLooking-Glass,andWhatAliceFoundThere.1871.TheHuntingoftheSnark,AnAgonyinEightFits.1876.EuclidandHisModernRivals.1879;reedição,1973.Alice’sAdventuresUnderGround.1886;reedição,1965.Umfac-símiledomanuscritooriginal,comaletra

deCarrolletoscamenteilustrado,dadocomopresenteparaAliceLiddell.Tempoucomais dametade do tamanhodeAventuras deAlice noPaís das

Maravilhas.SylvieandBruno.1889;reedição,1988.TheNursery“Alice”.1889; reedição,1966.Versão reescritaeabreviadadoprimeiro livrodeAlice, para

leitoresmuitojovens,“deZeroaCinco”.AsilustraçõessãoasdeTenniel,ampliadasecoloridas.SylvieandBrunoConcluded.1893.The Lewis Carroll Picture Book. Organizado por Stuart Dodgson Collingwood. 1899; reedição, 1961.

Valiosa coleção de umamiscelânea de pequenos textos de Carroll, incluindomuitos de seus jogos equebra-cabeçasoriginaiseoutrasrecreaçõesmatemáticas.

FurtherNonsenseVerseandProse.OrganizadoporLangfordReed.1926.TheRussianJournalandOtherSelectionsfromtheWorksofLewisCarroll.OrganizadoporJohnFrancis

McDermott.1935;reedição,1977.IncluiodiáriodeCarrolldaviagemquefezàRússiaem1867comCanonHenryLiddon.

TheCompleteWorksofLewisCarroll.IntroduçãodeAlexanderWoollcott.1937.Otítuloéumaespéciedeembuste porque o livro está longe de ser completo, mesmo excluindo-se (como este livro o faz) osmuitoslivrosescritossobonomedeCharlesDodgson.Continua,contudo(comoumlivrodaModernLibrary),aseracoleçãomaisacessíveldosescritosemprosaeversodeCarroll.

TheDiariesofLewisCarroll,2volumes.OrganizadoporRogerLancelynGreen.1953.IndispensávelparaqualquerestudiosodeCarroll,emborasejadelamentarqueassupressõesdeGreenincluam“fórmulaseproblemasmenoresdematemáticaelógica”deCarrolle“longosrelatosdecomo[ele]viucriançasnapraiaemEastbournemasfoiincapazdecultivarsuaamizade”.UmaexcelentecríticadeW.H.AudenfoipublicadanoNewYorkTimesBookReview,28fev1954.

SymbolicLogicand theGameofLogic.Reedição,1958.Reediçãonumúnicovolumedosdois livrosdeCarrollsobrelógica,ambosdestinadosacrianças.

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PillowProblemsandaTangledTale.Reedição, 1958.Reedição emumúnicovolumedosdois livrosdeCarrolldeproblemasemmatemáticarecreativa.

TheRectoryUmbrellaandMischmasch.Reedição,1971.UmareediçãodosdoisprimeirosmanuscritosdeCarroll.

The Oxford Pamphlets, Letters and Circulars of Charles Lutwidge Dodgson. Organizado por EdwardWakeling.1993.

LewisCarroll’sDiaries.OrganizadoporEdwardWakeling.Vol.1(1993),vol.2(1994),vol.3(1995),vol.4(1997).

Phantasmagoria.Organizado porMartinGardner, 1998.Uma reedição das baladas deCarroll sobre umfantasma.

EDIÇÃESBRASILEIRASDASOBRASDELEWISCARROLL

Aventuras de Alice no País das Maravilhas. Adaptação: Fernando de Mello; ilustrações: John Tenniel;tradução:JoséVazPereiraeManuelJoãoGomes.RiodeJaneiro:Ed.Brasília/Rio,1976.

AventurasdeAlicenoPaísdasMaravilhaseAtravésdoEspelho.Tradução:SebastiãoUchoaLeite.SãoPaulo:Summus,1980.

AlicenoPaísdasMaravilhas.Traduçãoeadaptação:RuthRocha.SãoPaulo:Melhoramentos,1983.AlicenoPaísdasMaravilhas.Adaptação:Naufer.RiodeJaneiro:Brasil-América,1983.AlicenoPaísdasMaravilhas.Traduçãoeadaptação:TatianaBelinky.SãoPaulo:NovaCultural,1987.AlicenoPaísdasMaravilhas.Traduçãoe adaptação:NicolauSevcenko; ilustrações:CeliaSeybold.São

Paulo:Scipione,1992.Alice no País dasMaravilhas. Tradução e adaptação: Ruy Castro; ilustrações: Laurabeatriz. São Paulo:

CompanhiadasLetrinhas,1992.AlicenoPaísdasMaravilhas.Traduçãoeadaptação:AnaMariaMachado;ilustrações:JôdeOliveira.São

Paulo:Ática,1997.AlicenoPaísdasMaravilhas.Tradução:RosauraEichemberg.PortoAlegre:L&PM,1999.RimasdoPaísdasMaravilhas.Seleçãoetradução:JoséPauloPaes;ilustrações:MarianaMassarani.São

Paulo:Ática,2000.AsAventurasdeAlicenoPaísdasMaravilhas.Adaptações e ilustrações:TonyRoss;Tradução:Ricardo

Gouveia.SãoPaulo:MartinsFontes,2001.AlicenoPaísdasMaravilhas.Tradução:NicolauSevcenko. Ilustrações:LuizZerbini.SãoPaulo:Cosac

Naify,2009.Alice–AlicenoPaísdasMaravilhas/AtravésdoEspelhoeoqueAliceencontrouporlá.EdiçãoBolsode

Luxo.Tradução:MariaLuizaX.deA.Borges;ilustrações:JohnTenniel.RiodeJaneiro:Zahar,2010.AlicenoPaísdasMaravilhas.Tradução:RosauraEichemberg.PortoAlegre:l&pm,1999.Alice no País do Espelho. Tradução e adaptação: Ganymedes José; ilustrações: Myoung Lee. Rio de

Janeiro:Tecnoprint,1986.Do outro lado do Espelho e o que Alice encontrou lá. Adaptação e ilustrações: Tony Ross; tradução:

RicardoGouveia.SãoPaulo:MartinsFontes,1997.Cartasàssuasamiguinhas.Tradução,seleçãoenotas:NewtonPauloTeixeiradosSantos.RiodeJaneiro:

SetteLetras,1997.AlgumasaventurasdeSílviaeBruno.Traduçãoeintrodução:SérgioMedeiros;ilustraçõesoriginais:Harry

Furniss.SãoPaulo:Iluminuras,1997.Acaçaaoturpente.Tradução,apresentaçãoenotas:ÁlvaroAntunes; ilustrações:ReginaE.C.Fernandes.

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AlémParaíba:InteriorEdições,1984.Obrasescolhidas.Tradução:EugênioAmado.BeloHorizonte:Itatiaia,1999,2vols.

EDIÇÃESANOTADASDOSLIVROSDEALICE

AliceinWonderlandandThroughtheLooking-Glass.OrganizadoporRogerLancelynGreen.1971.AliceinWonderland.OrganizadoporDonaldJ.Gray.1971.ThePhilosopher’sAlice.OrganizadoporPeterHeath.1974.Alice’sAdventures inWonderlandandThrough theLooking-Glass.Organizadopor JamesR.Kincaid.2

volumes,1982-83.AliceinWonderlandandThroughtheLooking-Glass.OrganizadoporHughHaughton.1998.

EDIÇÃESILUSTRADASDEALICE

MaisdeumacentenadeartistasilustraramoslivrosdeAlice.Paraumacatalogação,vejaTheIllustratorsofAliceinWonderland,organizadoporGrahamOvenden,comumaintroduçãodeJackDavis.Publicadoem1972pelaAcademyEditionsnaInglaterraenosEstadosUnidospelaSt.Martin’sPress.Essebonitovolumereproduznumerosasilustrações,algumasinteiramentecoloridas.

CARTASDELEWISCARROLL

ASelectionfromtheLettersofLewisCarrolltoHisChild-Friends.OrganizadoporEvelynM.Hatch.1933.TheLettersofLewisCarroll.OrganizadoporMortonN.Cohen.2volumes,1979.LewisCarrollandtheKitchins.OrganizadoporMortonN.Cohen.1980.LewisCarrollandtheHouseofMacmillan.OrganizadoporMortonN.CoheneAnitaGandolfo.1987.LewisCarroll’sLetterstoSkeffington.OrganizadoporAnneClarkAmor.1990.

PRODUÇÕESTEATRAISDEALICE

AliceonStage.CharlesC.Lovett.1990.

BIOGRAFIASDELEWISCARROLL

TheLifeandLettersofLewisCarroll.StuartDodgsonCollingwood.1898.BiografiaescritapelosobrinhodeCarroll;afonteprimáriadeinformaçãosobreavidadeCarroll.

TheStoryofLewisCarroll.IsaBowman.1899;reedição,1972.RecordaçõesdeCarrollporumadasatrizesque fez o papel deAlice na peçamusical de Savile Clarke e que se tornou uma das suas principais

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amigascrianças.LewisCarroll.WalterdelaMare.1932.TheLifeofLewisCarroll.LangfordReed.1932.Carroll’sAlice.HarryMorganAyres.1936.VictoriathroughdeLooking-Glass.FlorenceBeckerLennon.1945;reedição,1972.LewisCarroll:Photographer.HelmutGernsheim.1949;ed.revista,1969.Incluiexcelentesreproduçõesde

64fotografiasfeitasporCarroll.TheStoryofLewisCarroll.RogerLancelynGreen.1949.LewisCarroll.DerekHudson.1954;ed.revista,1977.LewisCarroll.RogerLancelynGreen.1960.TheSnarkWasaBoojum.JamesPlastedWood.1966.LewisCarroll.JeanGattégno.1974.LewisCarroll.RichardKelly.1977;ed.revista,1990.LewisCarroll.AnneClarke.1979.LewisCarroll.GrahamOvenden.1984.LewisCarroll:InterviewsandReflections.OrganizadoporMortonN.Cohen.1989.LewisCarrollinRussia.FanParker.1994.LewisCarroll.MortonN.Cohen.1995.[Ed.bras.:LewisCarroll,umabiografia.RiodeJaneiro:Record,

1998.]LewisCarroll.MichaelBakewell.1996.LewisCarrollinWonderland.StephanieStoffel.1996.LewisCarroll.DonaldThomas.1998.Reflections in a LookingGlass.MortonN. Cohen. 1998. Bonitas reproduções das fotografias feitas por

Carroll,incluindoosquatroretratosdemenininhasnuasquesepreservaram.

CRÍTICASDECARROLL

Carroll’sAlice.HarryMorganAyres.1936.TheWhiteKnight.AlexanderL.Taylor.1952.CharlesDodgson,Semiotician.DanielF.Kirk.1963.Alice’sAdventuresinWonderland.OrganizadoporDonaldRackin.1969.LanguageandLewisCarroll,RobertD.Sutherland.1970.AspectsofAlice.OrganizadoporRobertPhillips.1971.Play,GamesandSports:TheLiteraryWorksofLewisCarroll.KathleenBlake.1974.TheRavenandtheWritingDesk.FrancisHuxley.1976.LewisCarrollObserved.OrganizadoporEdwardGuiliano.1976.SoaringWiththeDodo.OrganizadoporEdwardGuilianoeJamesR.Kinkaid.1982.LewisCarroll:ACelebration.OrganizadoporEdwardGuiliano.1982.ModernCriticalReviews:LewisCarroll.OrganizadoporHaroldBloom.1987.Alice’sAdventuresinWonderlandandThroughtheLooking-Glass.DonaldRackin.1991.SemioticsandLinguisticsinAlice’sWorld.R.L.F.FordyceeCarlaMarcello.1994.TheLiteraryProductsoftheLewisCarroll-GeorgeMacDonandFriendship.JohnDocherty,1995.TheMakingofAliceBooks:LewisCarroll’sUseofEarlierChildrenLiterature.RonaldReichertz.1997.LewisCarroll:TheAliceCompanion.JoElwynJoneseJ.FrancisGladstone.1998.

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TheArtofAliceinWonderland.StephanieLovettSteffel.1998.

INTERPRETAÇÃESPSICANALÍTICASDECARROLL

“AliceinWonderlandPsycho-Analyzed”.A.M.E.Goldschmidt.NewOxfordOutlook(mai1933).“Alice inWonderland: TheChild as Swain”.WilliamEmpson. Em SomeVersions ofPastoral. 1935. A

ediçãonorte-americanaéintituladaEnglishPastoralPoetry.ReproduzidoemArt andPsychoanalysis.OrganizadoporWilliamPhillips.1957.

“PsychoanalyzingAlice”.JosephWoodKrutch.TheNation144(30jan1937),p.129-30.“PsychoanalyticRemarksonAliceinWonderlandandLewisCarroll”.PaulSchilder.TheJournal of Nervous and Mental Diseases 87 (1938), p.159-68. “About the Symbolization of Alice’sAdventuresinWonderland“.MartinGrotjahn.AmericanImago4(1947),p.32-41.

“LewisCarroll’sAdventures inWonderland”.JohnSkinner.AmericanImago 4 (1947),p.3-31;Swift andCarroll.PhyllisGreenacre.1955.

“AllonaGoldenAfternoon”.RobertBloch.FantasyandScienceFiction(jun1956).UmcontoqueparodiaaabordagempsicanalíticaaAlice.

SOBRECARROLLCOMOLÓGICOEMATEMÁTICO

“LewisCarrollasLogician”.R.B.Braithwaite.TheMathematicalGazette16(jul1932),p.174-8.“LewisCarroll,Mathematician”.D.B.Eperson.TheMathematicalGazette17(mai1933),p.92-100.“LewisCarrollandaGeometricalParadox”.WarrenWeaver.TheAmericanMathematicalMonthly45(abr

1938),p.234-6.“The Mathematical Manuscripts of Lewis Carroll”. Warren Weaver. Proceedings of the AmericanPhilosophicalSociety98(15out1954),p.377-81.

“LewisCarroll:Mathematician”.WarrenWeaver.ScientificAmerican(abr1956),p.116-28.“MathematicalGames”.MartinGardner.ScientificAmerican(mar1960),p.172-6.Umadiscussãodosjogos

eenigmaslógicosdeCarroll.TheMagicofLewisCarroll.OrganizadoporJohnFisher.1973.LewisCarroll:SymbolicLogic.WilliamWarrenBartley,iii;ed.revista,1986.LewisCarroll’sGamesandPuzzles.OrganizadoporEdwardWakeling.1982.TheMathematicalPamphletsofCharlesLutwidgeDodgsonandRelatedPieces.OrganizadoporFrancine

Abeles,1994.RediscoveredLewisCarrollPuzzles.OrganizadoporEdwardWakeling.1995.TheUniverseinaHandkerchief.OrganizadoporMartinGardner.1996.

SOBREALICELIDDELL

TheRealAlice.AnneClark.1981.LewisCarrollandAlice:1832-1982.MortonN.Cohen.1982.

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BeyondtheLookingGlass:ReflectionsofAliceandHerFamily.ColinGordon.1982.TheOtherAlice.ChristinaBjork.1993.

BIBLIOGRAFIAS

The Lewis Carroll Handbook. SidneyHerbertWilliams e FalconerMadan. 1931. Revisto por LancelynGreen,1962;revistoadicionalmenteporDennisCrutch,1979.

AliceinManyTongues.WarrenWeaver.1964.SobretraduçõesdoslivrosdeAlice.LewisCarroll:AnAnnotatedInternationalBibliography1960-77.EdwardGuiliano.1980.LewisCarroll:ASesquicentennialGuidetoResearch.EdwardGuiliano.1982.LewisCarroll’sAlice:AnAnnotatedChecklistoftheLovettCollection.CharleseStephanieLovett.1984.LewisCarroll:AReferenceGuide.RachelFordyce.1988.

SOBRENONSENSE

“ADefenseofNonsense”,GilbertChesterton.EmTheDefendant,1901.“LewisCarroll”e“HowPleasanttoKnowMr.Lear”.GilbertChesterton.EmAHandfulofAuthors.1953.ThePoetryofNonsense.EmileCammaerts.1925.“NonsensePoetry”.GeorgeOrwell.EmShootinganElephant.1945.TheFieldofNonsense.ElizabethSewell.1952.Nonsense.SusanStewart.1980.

SOBRETENNIELEOUTROSILUSTRADORES

EnchantingAlice!Black-and-whiteHasmadeyourcharmperennial;Andnoughtsave“ChaosandoldNight”CanpartyounowfromTenniel.e–deumpoemadeAustinDobson

CreatorsofWonderland.MargueriteMespoulet.1934.O livro sustentaqueTenniel foi influenciadopeloartistafrancêsJ.J.Grandville.

SirJohnTenniel.FrancesSarzano.1948.“TheLifeandWorksofSirJohnTenniel”.W.C.Monkhouse.ArtJournal(númerodePáscoa,1901).The Illustrators of Alice in Wonderland and Through the Looking-Glass. Graham Ovenden. 1973; ed.

revista,1979.TheTennielIlustrationstothe“Alice”Books.MichaelHancher.1985.“PeterNewell“.MichaelPatrickHearn.EmMoreAnnotatedAlice.OrganizadoporMartinGardner.1990.

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EsselivroreproduzasoitentailustraçõesdeNewellparaosdoislivrosdeAlice.SirJohnTenniel:Alice’sWhiteKnight.RodneyEngen.1991.SirJohnTenniel:AspectsofHisWork.RogerSimpson.1994.

e[FascinanteAlice!Opretoebranco/tornouseuencantoperene;/Enadaexceto“oCaoseasTrevas”/Podesepará-laagoradeTenniel.]

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ALICENASTELAS

DavidSchaefer,umestudiosodeCarrollqueresideemSilverSpring,Maryland,possuiumagrandecoleçãodefilmesrelacionadosaAlice.Gentilmente,elemeforneceuasseguinteslistas:f

JORNALCINEMATOGRÁFICO

1932AliceinU.S.Land.ParamountNews.Cinejornaldasra.AliceLiddellHargreaves,80anos,chegandoparaacelebraçãodocentésimoaniversáriodonascimentodeCarroll.Faladesuaexcursãopeloriocomo “Sr. Dodgson”. Seu filho, Caryl Hargreaves, e sua irmã, Rhoda Liddell, podem ser identificados.Filmado a bordo do Berengeria, da Cunard Line, no porto de Nova York em 29 de abril de 1932.Duração:75segundos.

FILMES

1903AliceinWonderland.ProduzidoedirigidoporCecilHepworth.FilmadonaGrã-Bretanha.OpapeldeAliceédesempenhadoporMayClark.OprimeirofilmedeAlice.Aliceencolheecresce.Ofilmetem16cenas,todasdeAventurasdeAlice.Duração:10minutos.

1910Alice’sAdventuresinWonderland(AFairyComedy).ProduzidopelaEdisonManufacturingCompany,Orange,NewJersey.OpapeldeAliceédesempenhadoporGladysHulette.Ofilmetem14cenas,todasdeAventurasdeAlice.Duração:10minutos(1rolo).OfilmefoifeitonoBronx.GladysHulettemaistardetornou-seumaestreladaPathé.

1915Alice inWonderland. Produzido pelaNonpareil Feature FilmCompany, dirigido porW.W.Young,“ilustrado”porDewittC.Wheeler.OpapeldeAliceédesempenhadoporViolaSavoy.Amaiorpartedascenas foi filmada numa propriedade em Long Island. O filme tal como originalmente feito continhacenasdeAventurasdeAliceeAtravésdoEspelho.Duração:50minutos(5rolos).

1931AliceinWonderland.CommonwealthPicturesCorporation.AdaptaçãoparaateladeJohnF.GodsoneAshleyMiller.ProduzidonosMetropolitanStudios,FortLee,NewJersey.Dirigidopor“Bud”Pollard.PapeldeAlicedesempenhadoporRuthGilbert.TodasascenassãodeAventurasdeAlice.OprimeiroAlicesonoro.Frequentementesepodeouvirobaquedacâmara.

1933AliceinWonderland.ParamountProductions.ProduzidoporLouisD.Leighton,dirigidoporNormanMcLeod,roteirodeJosephMankiewiczeWilliamCameronMenzies.MúsicadeDimitryTiomkin.Aliceinterpretada porCharlotteHenry.O elencode 46 estrelas inclui:W.C.Fields comoHumptyDumpty,EdwardEverettHorton comooChapeleiroLouco,CaryGrant como aTartarugaFalsa,GaryCoopercomooCavaleiroBranco,EdnaMayOlivercomoaRainhaVermelha,MayRobsoncomoaRainhadeCopas e Baby LeRoy como o Valete de Copas. Cenas deAventuras deAlice eAtravés do Espelho.Duração:90minutos.Deumamaneiraespecular,CharlotteHenrycomeçousuacarreiracomoaestreladestefilmeparapassardepoisafazerpapéismenores.

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1948Aliceaupaysdesmerveilles(Alice inWonderland).ProduzidonaFrançanosStudiosVictorineporLouBunin. Dirigido porMarcMaurette eDallas Bowers; roteiro deHenryMyers, Edward Flisen eAlbertCervin.AnimaçãodemarionetesporLouBunin.AliceinterpretadaporCarolMarsh.VozesdosbonecosdeJoyceGrenfell,PeterBulleJackTrain.Oprólogo,quemostraavidadeLewisCarrollnoChristChurch,temPamelaBrowncomorainhaVitóriaeStanleyBakercomopríncipeAlbert.Produzidoem versões inglesa e francesa.Afora o prólogo, todos os personagens são bonecos, com exceção deAlice,queéuma figuraadultaviva.ADisney tentou sustar aprodução,distribuiçãoe exibiçãodestefilme.

1972 Alice’s Adventures in Wonderland. Produtor executivo, Joseph Shaftel. Produtor, Derek Home.Diretor,WilliamSterling.Diretormusical, JohnBarry.MúsicasdeDonBlack.Alice interpretadaporFionaFullerton.PeterSellers é aLebredeMarço,DameFloraRobsoné aRainhadeCopas,DennisPrice é o Rei de Copas e Sir Ralph Richardson é a Lagarta. Cor. Tela grande. Produção pródiga,visualmente bonita, de ação lenta. As ilustrações de Tenniel são fielmente seguidas. Sequências deAventurasdeAliceeAtravésdoEspelho.Duração:90minutos.

1985Dreamchild. AAlice de 80 anos (Alice Hargreaves) é interpretada por Coral Browne. Seu jovemacompanhantecontratado,porNicolaCowper.AjovemAliceporAmeliaShankleyeLewisCarrollporIanHolm.UmahistóriaficcionalinspiradapelavisitadeAliceaosEstadosUnidosem1932.

1976Alice inWonderland,anX-RatedMusicalComedy.OpapeldeAliceédesempenhadoporKristineDeBell.

1988NecozAlenky.DirigidoeescritoporJanSvankmajer,daTchecoslováquia.

SEQUÊNCIASDEALICEEMOUTROSFILMES

1930Puttin’ontheRitz.ProduzidoporJohnW.ConsidineJr.,dirigidoporEdwardH.Sloman.MúsicaseletrasdeIrvingBerlin.JoanBennettestánumasequênciadedançadeAlicenosPaísdasMaravilhasde6minutosnestefilme.

1938MyLuckyStar.20thCenturyFox.SonjaHenieéumaAlicedepatinsjuntamentecommuitosoutrospersonagensdolivro,tudosobreogelo.Sequênciadeaproximadamente10minutos.

DESENHOSANIMADOS

1933BettyinBlunderland.DesenhoanimadodirigidoporDaveFleischer.AnimaçãodeRolandCrandalleThomasJohnson.BettyBoopacompanhaospersonagensdePaísdasMaravilhaseAtravésdoEspelhodeumquebra-cabeçadepeçasrecortadaspassandoporumaestaçãodemetrôeseenfiandopelatocadocoelho.Duração:10minutos.

1936ThrutheMirror.WaltDisneyProductions.BrilhantedesenhoanimadodeMickeyMousebaseadoemAtravésdoEspelho.

1951AliceinWonderland.WaltDisneyProductions.Supervisordeprodução,BenSharpsteen.VozdeAlicepor Kathryn Beaumont. Animação. Cor. Sequências de Aventuras de Alice e Através do Espelho.Duração:75minutos.Teveacolhidafracaquandoproduzido,masrendeugrandequantidadededinheiroparaaDisneydesdeentão.

1955SweapeaThrutheLookingGlass.DesenhoanimadodoKingFeaturesSyndicate.Produtorexecutivo,AlBrodax.DirigidoporJackKinney.Cor.Sweapeaatravessaumespelhoecainumburacodegolfe,

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chegandoao“WunnerlandGolfClub”.1971 Zvahlar aneb Saticky Slameného Huberta. Produzido por Katky Film, Praga. Roteiro, desenho e

direçãode JanSvankmajer.Esta animação começa comuma leiturade “Jabberwocky”.Sequênciadeimagenscompostasdeatividadesaparentementenonsense.Cor.Duração:14minutos.

FEITOSPARAATELEVISÃO

1950AliceinWonderland.ProduçãoparaatelevisãoencenadanoFordTheatreemdezembrode1950.OpapeldeAliceédesempenhadoporIrisManneoCoelhoBrancoporDorothyJarnac.

1965CurlyinWonderland.OsTrêsPatetasemdesenhoanimado.1966Alice inWonderland,orWhat’s aNiceKidLikeYouDoing in aPlaceLikeThis?Hanna-Barbera

Productions.TextodeBillDana.MúsicaseletrasdeLeeAdamseCharlesStrauss.Cor.Animação.VozdeAlice por JanetWaldo,Gato deCheshire por SammyDavis Jr., CavaleiroBranco por Bill Dana,Rainha por Zsa Zsa Gabor. Duração: 50 minutos. Alice segue seu cachorro através de um tubo detelevisão.

1966AliceThroughtheLookingGlass.Exibidoemnovembrode1966.RoteirodeAlbertSimmons,letrasdeElsieSimmons,músicadeMooseCharlap.SeuelencoincluiJudiRolincomoAlice,JimmyDurantecomo Humpty Dumpty, Nanette Fabray como a Rainha Branca, Agnes Moorehead como a RainhaVermelha,JackPalancecomooPargarávio,TheSmothersBrotherscomoTweedledumeTweedledee,RicardoMontalbancomooReiBranco.Duração:90minutos.

1967 Alice in Wonderland. Produção da bbc. Dirigido por Jonathan Miller. Apresentação do País dasMaravilhas como um comentário social vitoriano.Grande produção com elenco de estrelas: Sir JohnGielgudcomoaTartarugaFalsa,SirMichaelRedgravecomoaLagarta,PeterSellerscomooRei,PeterCookcomooChapeleiro,SirMalcolmMuggeridge comooGrifo, eAnne-MarieMallik, uma jovemestudante,comoAlice.

1967AbottandCostelloinBlunderland.HannaBarberaProductions.Umaanimação.1970AliceinWonderland.Produçãoortf(televisãofrancesa).DirigidoporJan-ChristopheAverty.Paródia

comassombrososefeitosvisuaisesonoros.AliceSapritcheFrancisBlanchecomooReieaRainha.1973ThroughtheLookingGlass:Produçãodabbc.ProduzidoporRosemaryHill,adaptadoedirigidopor

JamesMacTaggart.SarahSutton,de12anos,comoAlice,BrendaBrucecomoaRainhaBranca,FreddieJones como Humpty Dumpty, Judy Parfitt como a Rainha Vermelha e Richard Pearson como o ReiBranco.

1985AliceinWonderlandandThroughtheLookingGlass.ProduzidoporIrwinAllen.CançõesdeSteveAllen.NatalieGregorycomoAlice, comelencodeestrelas incluindo JayneMeadows,RobertMoley,RedButtonseSammyDavisJr.

1999Alice inWonderland. Produção com três horas de duração dirigida por NickWilling. Houve 875efeitosdigitaispós-produção.RobertHalmieRobertHalmiJr.foramosprodutoresexecutivos,ePeterBarnesescreveuoroteiro.TinaMajorinoéAlice;WhoopiGoldberg,oGatodeCheshire;MartinShort,oChapeleiroLouco;BenKingsley,aLagarta;ChristopherLloyd,oCavaleiroBranco;PeterUstinov,aMorsa;MirandaRichardson,aRainhadeCopas;eGeneWilder,aTartarugaFalsa.RobbieColtraneeGeorgeWendtsãoTweedledumeTweedledee.OprimeirofilmeAlicecomamploaperfeiçoamentoporcomputador.

EDUCATIVOS

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1972CuriousAlice.Escrito,desenhadoeproduzidoporDesignCenter,deWashington,eua.FeitoparaoNational Institute of Mental Health. Cor. Parte de um curso sobre drogas para crianças da escolaelementar.UmaAlice viva faz uma viagem emmeio a personagens de desenho animado.ALagartafumamaconha,oChapeleiroLoucotomalsd,oCaxinguelêusabarbitúricoseaLebredeMarçotomaanfetaminas.OCoelhoBrancoéumlíderquejáentrounasdrogas.OGatodeCheshireéaconsciênciadeAlice.Duração:cercade15minutos.

1978Alice inWonderland:ALesson inAppreciatingDifferences.WaltDisneyProductions.PersonagensvivosnoinícioenofimcomoensinamentodaapreciaçãodediferençasrealizadomedianteaexibiçãodasequênciadaflordofilmedeDisney(1951)eumadiscussãosobreoquantoasflorestrataramAlicemalsimplesmenteporqueelaeradiferente.

fAnteriormenteaAliceinWonderland(2010).CoproduçãoWaltDisneyPictures,RothFilms,TeamToddeTheZanuckCompany.DirigidoporTimBurton,roteirodeLindaWoolverton.OelencoincluiJohnnyDeppcomooChapeleiroLouco,MiaWasikowskacomoAlice,He-lenaBorhamCartercomoaRainhadeCopaseAnneHathawaycomoaRainhaBranca,alémdasvozesdeStephenFryePaulWhitehouseparaoGatodeCheshireeaLebredeMarço,respectivamente.Cor,3D,duração:108min.(N.T.)

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SOBRECARROLL,TENNIELEGARDNER

LEWISCARROLLéopseudônimodeCharlesLutwidgeDodgson,nascidoem27de janeiro de 1832 em Cheshire, Inglaterra. Suas obras mais famosas sãoAventurasdeAlicenoPaísdasMaravilhas–publicadaem1865eescritaparaAliceLiddell, filhadodeãodoChristChurch–e suacontinuação,AtravésdoEspelho, publicada em 1872. Carroll morreu em 14 de julho de 1898, emdecorrênciadeumabronquite.(Retrato de Lewis Carroll por Sir Hubert von Herkomer. Cortesia da Christ

ChurchPictureGallery)

JOHN TENNIEL nasceu em Londres em 1820. Cego de um olho e com umamemória fotográfica prodigiosa, desenhava sem modelos. Entre 1850 e 1901colaborou com a revista satírica Punch, para a qual produziu mais de 2 mililustraçõesecaricaturas.Ilustroutambémvárioslivros,incluindoumaediçãode1848 das fábulas de Esopo, porém seus trabalhosmais importantes foram emAventurasdeAlice noPaís dasMaravilhas eAtravésdoEspelho.Morreu em1914.(Autorretrato,1889)

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MARTIN GARDNER, reconhecido por sua cultura – que abrange desde amatemáticaatéSherlockHolmes–,éconsideradoumdosmaioresespecialistasemCarrollesuaobra.Durantevinteanosfoieditordeproblemasmatemáticosda revistaScientific American. É autor de diversos livros sobre matemática elógica e organizador de Annotated Alice e More Annotated Alice. Gardnermorreuem2010,aos95anos.(FotodeOlanMills)

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COLEÇÃOCLÁSSICOS|EDIÇÕESCOMENTADAS

Persuasão:ediçãodefinitiva–comentadaSeguidodeduasnovelasinéditasemportuguêsJaneAusten

PeterPan:ediçãodefinitiva–comentadaeilustradaJ.M.Barrie

Alice:ediçãodefinitiva–comentadaeilustradag

AventurasdeAlicenoPaísdasMaravilhas&AtravésdoespelhoLewisCarroll

SherlockHolmes:ediçãodefinitiva–comentadaeilustradaa

9vols.ArthurConanDoyle

OcondedeMonteCristo:ediçãodefinitiva–comentadaeilustradaa

AlexandreDumas

A mulher da gargantilha de veludo e outras histórias de terror: ediçãodefinitiva–comentadaeilustradaAlexandreDumas

Ostrêsmosqueteiros:ediçãodefinitiva–comentadaeilustradaa

AlexandreDumas

Contosdefadas:ediçãodefinitiva–comentadaeilustradaa

MariaTatar(org.)

20milléguassubmarinas:ediçãodefinitiva–comentadaeilustradaJulesVerne

gConheçatambémaediçãoBolsodeLuxodestetítulo.

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AosmilharesdeleitoresdemeusAnnotatedAliceeMoreAnnotatedAlicequesederamaotrabalhodeenviarcartascomcomentáriose

sugerircorreçõeseideiasparanovasnotas.

Títulooriginal:TheAnnotatedAlice:TheDefinitiveEdition

Traduçãoautorizadadaediçãonorte-americanapublicadaem2000porW.W.Norton,deNovaYork

Copyright©2000,1990,1988,1960,MartinGardnerEdiçõesanteriorespublicadassobotítulode

AnnotatedAlice(1960)eMoreAnnotatedAlice(1990)

Copyrightdaediçãobrasileira©2002:JorgeZaharEditorLtda.

ruaMarquêsdeS.Vicente99–1ºandar|22451-041RiodeJaneiro,RJtel(21)2529-4750|fax(21)[email protected]|www.zahar.com.br

Todososdireitosreservados.Areproduçãonãoautorizadadestapublicação,notodo

ouemparte,constituiviolaçãodedireitosautorais.(Lei9.610/98)

GrafiaatualizadarespeitandoonovoAcordoOrtográficodaLínguaPortuguesa

Revisão:MônicaSurrage,EduardoFariasProjetográfico:CarolinaFalcão|Capa:RafaelNobre

Ediçãodigital:agosto2012

ISBN:978-85-378-0930-3

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