Download - Sobre a pretensão de correção da lei injusta...co, como uma virtude, um bem, ou seja, a busca do bom era seu fim. A partir de Kant, a teoria da justiça passou a buscar uma con-cepção

Transcript
Page 1: Sobre a pretensão de correção da lei injusta...co, como uma virtude, um bem, ou seja, a busca do bom era seu fim. A partir de Kant, a teoria da justiça passou a buscar uma con-cepção

Brasília a. 43 n. 171 jul./set. 2006 285

1. Introdução“Se a noção de justiça, pela qual o Direito se

completa e se realiza, implica considerações deordem metafísica, que as façamos sem medo ecom decisão. Subverter a ordem natural das

coisas, colocando o homem a serviço da ciência,é que não é certo, nem vale a pena”

(VASCONCELOS, 2000).

A ciência do Direito passou vários anosestudando estruturas lógicas como métodode decisão judicial. Esse é, sem dúvida ne-nhuma, um método menos complexo do quese pretende agora. Afinal, bastava o juiz ser“a boca da lei” para aplicar o Direito no casoconcreto.

Por meio da subsunção da premissamaior (norma jurídica) sobre a premissamenor (o fato), facilmente se chegava a umaconclusão (a decisão jurídica). Esse métodofoi desenvolvido pelo positivismo, o qualsupunha eliminar do direito o estudo cog-nitivo dos juízos de valor, pois esses recairi-am fora do campo racional.

Mas esse método não mais correspondeàs necessidades da atual sociedade. Princi-palmente após as duas grandes guerras

Sobre a pretensão de correção da lei injusta

Letícia Balsamão Amorim é Mestra em Di-reito Público pela UERJ, Professora universitá-ria, Advogada da União (lotada no Gabinetedo AGU).

Letícia Balsamão Amorim

Sumário 1. Introdução. 2. Sobre a lei injusta – por

uma reaproximação do Direito com a teoriamoral. 2.1. Podemos, então, falar de “lei injus-ta”?. 3. Pretensão de correção da lei injusta. 3.1.Métodos para a correção da lei injusta. 4. Deci-são judicial razoável. 5. Conclusão.

R171-23.pmd 19/10/2006, 10:42285

Page 2: Sobre a pretensão de correção da lei injusta...co, como uma virtude, um bem, ou seja, a busca do bom era seu fim. A partir de Kant, a teoria da justiça passou a buscar uma con-cepção

Revista de Informação Legislativa286

mundiais, ficou claro que um direito semum conteúdo delimitado, baseado em cer-tos valores, não pode ser um direito válido.A experiência nazista se tornou a críticadefinitiva ao positivismo jurídico e à suapretensão de eliminar do Direito toda refe-rência à justiça. A nova concepção do direi-to deve atribuir importância aos princípiosgerais do direito (ou princípios constitucio-nais como preferem outros1) para que hajauma conciliação dos valores de eqüidade esegurança jurídica, e para que se busqueuma solução que seja “não apenas de acor-do com a lei, mas que seja também eqüitati-va, razoável e aceitável”.

O que pretendemos com este estudo éjustamente aproximar o Direito de um míni-mo de justiça, e assim utilizar a pretensãode correção diante de uma lei injusta paraque se alcance uma decisão judicial razoável.

Ora, se é certo que até pouco tempo osjuristas consideravam que a busca de justi-ça não era de sua competência2, não era umtrabalho para sua seara, o que pretendemosé incluir a justiça como um elemento legiti-mador das sentenças judiciais e fazer comque a busca da justiça no caso concreto sejasim um ideal a ser procurado pela aplica-ção do direito. Atienza resumiu muito bemessa pretensão: “la justicia no es un idealirracional. Es simplemente un ideal o, si sequiere, una idea regulativa; no una nociónde algo, sino una noción para algo: paraorientar la producción y la aplicación delDerecho” (ATIENZA, 1995, p. 9).

2. Sobre a lei injusta – por umareaproximação do Direito com a

teoria moral

De acordo com o positivismo jurídico,não deveria a ciência do Direito indagar seuma lei é justa ou não. A justiça é um juízode valor, e, para o positivismo, esses juízossão sempre arbitrários, pois não possuemum critério de racionalidade que possibiliteserem previamente determináveis. O juiz,segundo essa doutrina, ao emitir um juízo

de valor, o faz de acordo com sua intuição esubjetivismo. Assim, a Ciência do Direito sópoderia questionar acerca da validade ouinvalidade de uma lei, ou seja, se a lei sur-giu de acordo com os preceitos de uma leisuperior e se essa lei tem um mínimo de efi-cácia. E isso bastaria para que a lei fosseválida em determinado ordenamento.

Talvez essa concepção, que afasta o cri-tério de justiça e todos os juízos de valor dequalquer estudo sistemático, seja muito maisprática e simples. Afinal, é muito mais cô-modo desconsiderar tais conceitos da ciên-cia jurídica do que enfrentá-los.

No entanto, a própria história da socie-dade (após as duas grandes guerras, as ex-periências totalitárias) demonstrou que nãopode a Ciência do Direito ficar alheia a es-sas questões. Deve, pelo contrário, enfrentá-las para que não ocorram barbarismos pa-trocinados pelo Direito.

É por isso que sustentamos a tese de quenão basta que uma norma siga os preceitosformais para que ela seja válida em determi-nado ordenamento jurídico. Além do aspec-to formal, devem as normas estar de acordocom um critério material. Esse critério mate-rial se refere aos valores e princípios tutela-dos pelo ordenamento, que se aproximam,no mais das vezes, a um critério de justiça.

A própria constituição dos Estados mo-dernos só pode ser entendida como uma “re-serva de justiça” para que se tenha um Esta-do democrático-constitucional de Direito.

Mas, enfim, como podemos qualificaruma lei de justa ou injusta?

A própria noção de justiça é algo que hámuito vem sendo discutido em toda filoso-fia. Por ser um termo carregado de sentidoemotivo, podemos considerá-la uma “noçãoconfusa”. Mas não é pela dificuldade dedefinir o que seja justiça que devamos afas-tá-la da ciência do Direito.

A idéia de justiça sugere a todos a noçãode certa igualdade. Desde Platão e Aristóteles,passando por Santo Tomás, até os juristas,moralistas e filósofos contemporâneos, todosestão de acordo sobre esse ponto.

R171-23.pmd 19/10/2006, 10:42286

Page 3: Sobre a pretensão de correção da lei injusta...co, como uma virtude, um bem, ou seja, a busca do bom era seu fim. A partir de Kant, a teoria da justiça passou a buscar uma con-cepção

Brasília a. 43 n. 171 jul./set. 2006 287

Para Aristóteles, a justiça é definida pelofrágil equilíbrio que ela estabelece entre umexcesso e uma falta, um muito pouco, o queo leva a considerá-la como uma “medida”,um termo médio entre dois extremos.

Para os partidários de um direito racionalideal, de Kant a Del Vecchio, a justiça é fun-damentada essencialmente no respeito à au-tonomia de cada pessoa. “Age do modo quedesejarias que agissem teus semelhantes”,esse era o que defendia Kant (PERELMAN,2000, p. 75).

É exatamente sob o impulso da filosofiakantiana que a teoria da justiça passou parao “lado” deontológico, pois até então a jus-tiça era apenas vista sob o aspecto teológi-co, como uma virtude, um bem, ou seja, abusca do bom era seu fim. A partir de Kant,a teoria da justiça passou a buscar uma con-cepção na qual todas as relações morais,jurídicas e políticas sejam postas sob a idéiade legalidade, de conformidade com a lei(RICCEUR, 1991, p. 95).

2.1. Podemos, então, falar de “lei injusta”?

Já dissemos que não há que se falar emum sistema formado apenas por regras. E aciência do Direito não pode ficar alheia àsquestões morais. Ora, o sistema jurídico atu-almente é um sistema orientado por valorese, portanto, com limites intrínsecos com asteorias morais.

Qualquer constituição dos chamadosEstados modernos tem positivados, em seucorpo normativo, princípios como os da dig-nidade humana, liberdade, igualdade, de-mocracia, Estado de Direito, entre outros.Essa é a base do chamado Direito racional damodernidade3. E o caráter desses princípiossignifica que não se trata simplesmente denormas programáticas, sem aplicação efeti-va e imediata, ou meras normas vagas e semnormatividade, mas, ao contrário, com elasse pretende uma tarefa de otimização.

Assim, não podemos temer ou ter receioda aproximação entre Direito e moral, poisesse é um fato presente na maioria das cons-tituições modernas. Ora, a teoria dos princí-

pios oferece um ponto de partida adequadopara atacar as teses positivistas da separa-ção entre Direito e moral. Ao contrário doque propugnavam as teses positivistas, “sãointroduzidas noções pertencentes à moral;algumas que foram fundamentadas, no pas-sado, no direito natural, são hoje considera-das, mais modernamente, como conformesaos princípios gerais do direito” (MAIA;SOUZA NETO, 1998, p. 65).

E justamente a incorporação de elemen-tos morais no conceito de Direito se faz ne-cessária para apoiar os juristas contra umEstado injusto.

A teoria pós-positivista deu grande pas-so para identificação de uma lei injusta. Ora,essa teoria, como já sublinhado, vem de-monstrando que as constituições dos Esta-dos modernos são verdadeiras reservas dejustiça.

Essa nova concepção do direito deu re-levante enfoque aos princípios jurídicos eelevou-os a verdadeiras normas, válidas ecoercivas, deixando para trás o caráter su-pletivo e subsidiário, sem normatividade,que o positivismo os relegava. Assim, osprincípios possuem, de acordo com o pós-positivismo, a mesma dignidade formal queas regras, e, por isso, são normas constituci-onais e dotadas da autoridade que lhes con-fere a rigidez e supremacia da constituição(SCHIER, 1998, p. 123).

Se é verdade que os princípios não dife-rem formalmente das regras, o mesmo nãopode ser dito quanto a suas característicase seu aspecto funcional. Os princípios cons-tituem exigências de otimização, pois resul-tam valores escolhidos como os mais rele-vantes pela sociedade ao longo da história(vida, dignidade da pessoa humana, liber-dade, igualdade, etc.); por isso, contêmstandards que, em primeira linha, devem serrealizados. E é justamente pela sua “refe-rência” a valores ou da sua relevância ouproximidade axiológica (da justiça, da idéiade direito, dos fins de uma comunidade) queos princípios têm uma função sistêmica: sãoo fundamento de regras jurídicas e têm uma

R171-23.pmd 19/10/2006, 10:42287

Page 4: Sobre a pretensão de correção da lei injusta...co, como uma virtude, um bem, ou seja, a busca do bom era seu fim. A partir de Kant, a teoria da justiça passou a buscar uma con-cepção

Revista de Informação Legislativa288

idoneidade irradiante que lhes permite li-gar ou cimentar objetivamente todo o siste-ma constitucional (CANOTILHO apudSCHIER, 1998, p. 126).

“Este momento pós-postivista, afir-mando a normatividade e vinculati-vidade dos princípios, faz assentá-loscomo valores jurídicos supremos dasociedade, servindo como parâmetrode aplicação do Direito para o Estado(Administração Pública, legislador ejuiz) e a sociedade civil passando aconstituir verdadeira reserva de justi-ça, fala-se, aqui, portanto, não de umdireito justo à luz de valores metafísi-cos (superiores e anteriores ao Esta-do) ou formais (identificados com aprópria legalidade) e, sim, de uma re-serva histórica de justiça: aquela queuma dada sociedade concreta elegeu,em momento definido, como padrãode justiça” (SCHIER, 1998, p. 128).

Assim, de acordo com o pós-positivis-mo, a questão de justiça se positiva e se tor-na um problema jurídico na medida em queexige que as normas legais e as decisõesjudiciais e administrativas se compatibilizemcom os preceitos axiológicos constitucionais.

Podemos, portanto, qualificar como in-justa toda lei que vai de encontro aos valo-res materiais tutelados pela ordem jurídicae que não tenha uma justificação (atravésda argumentação) racional ou razoável.

Enfim, nas sociedades modernas, é o le-gislador quem fixa a ordem de prioridadespara a distribuição de bens. E essa fixaçãodepende da discussão e da decisão política.E é justamente nesse sentido e nessa medi-da que a idéia de justiça requer a mediaçãodo político para alcançar a prática da justiça.

E assim Paul Ricceur distingue dois cam-pos do discurso da justiça: 1. o discurso dajustiça está em ação no debate público rela-tivamente à ordem de prioridade a estabele-cer entre os bens sociais primários; 2. e tam-bém está no procedimento judiciário, da leià pronunciação da sentença através doprocesso.

Com isso, não basta reconhecer uma nor-ma injusta, o Judiciário deve ter meios paracorrigir essa injustiça. Daí a importância daargumentação, do discurso para que as de-cisões (legislativas e judiciais) não se resu-mam no uso da força pública – “como se omonopólio da violência se resumisse a obrada justiça” (RICCEUR, 1991, p. 106). É so-bre esse tema que trataremos no tópico se-guinte.

3. Pretensão de correção da lei injusta

Não podemos encarar a justiça apenascomo conformidade à lei, pois bastará umadecisão arbitrária do legislador para criarnormas por meio de uma conduta injusta.Assim, acreditamos que nem toda prescri-ção do legislador merece obediência e res-peito.

Mas quando é que o juiz poderá deixarde aplicar uma lei por considerá-la injusta?

É, na verdade, contra a injustiça das leise contra a arbitrariedade que se deve modi-ficar ou revisar a ordem estabelecida.

Por tudo quanto foi exposto, não se justi-fica mais existir uma separação estanqueentre Direito e Moral (não podemos olvidarque, apesar da proximidade, esses são con-ceitos que não se confundem).

A indagação que passamos agora a ana-lisar é se uma violação do critério moral re-move o status de norma jurídica ao preceitonormativo. E, ainda, diante de uma normainjusta, pode o juiz afastá-la do caso con-creto? Em caso afirmativo, que meios pos-sui para isso sem que se possa falar em in-terferência do Judiciário no âmbito do Po-der Legislativo?

Segundo Alexy (1993b, p. 44), quem querargumentar essa questão positivamente temque demonstrar que as normas ou o sistemade normas perdem necessariamente o cará-ter jurídico quando sobrepassam certos li-mites de injustiça.

É importante enfatizar aqui que, nestaempreitada de justificar um juízo de valorcomo o critério de injustiça, não poderá o

R171-23.pmd 19/10/2006, 10:42288

Page 5: Sobre a pretensão de correção da lei injusta...co, como uma virtude, um bem, ou seja, a busca do bom era seu fim. A partir de Kant, a teoria da justiça passou a buscar uma con-cepção

Brasília a. 43 n. 171 jul./set. 2006 289

magistrado utilizar o método descritivo, oulógico-dedutivo, como se estivesse fazendoum cálculo matemático. Deverá utilizarcomo método racional a argumentação, que hátanto vinha sendo esquecida pela hermenêu-tica jurídica. O argumento específico para aanálise da lei injusta poderia ser chamado,segundo Alexy (1993b, p. 44), de “argumen-to da injustiça”4.

Quem quer, de acordo com Alexy (1993b,p. 45), demonstrar uma conexão conceitualnecessária entre o Direito e a Moral deve tra-tar de mostrar que, nos processos de criaçãoe aplicação do Direito, os participantes têm,necessariamente, uma pretensão de corre-ção, a qual inclui uma pretensão de corre-ção moral. E aqui estaríamos diante de um“argumento de correção”.

A pretensão de correção é um elementonecessário inserido no conceito de Direito.A idéia de correção nos leva a uma conexãoconceitual entre Moral e Direito (ALEXY,1993b, p. 49-51). Inúmeras situações (como,por exemplo, os sistemas totalitários, asgrandes guerras mundiais) demonstramque sistema jurídico deve ser algo mais queum sistema de normas estabelecidas vali-damente e efetivas.

Segundo Dworkin (apud MAIA; SOUZANETO, 1998, p. 83), não podemos vincularo conceito de Direito apenas à noção de nor-mas criadas validamente pelas autoridadesestatais. Assim, esclarece que mesmo as nor-mas produzidas por legisladores eleitos nãosão válidas se violam determinado direitomoral. Compreende que a supremacia daconstituição engloba não apenas o seu sen-tido formal, mas também um sentido mate-rial, na medida em que os princípios consti-tucionais podem ser também princípiosmorais.

A teoria da pretensão desenvolvida porAlexy (1993b) sustenta que as normas jurí-dicas individuais e as decisões judiciais,assim como o sistema jurídico em sua totali-dade, necessariamente têm uma pretensãode correção. Segundo essa teoria, os siste-mas de normas que não têm essa pretensão,

implícita ou explicitamente, não são siste-mas jurídicos. E os sistemas jurídicos quetêm essa pretensão, mas não a satisfazem,são sistemas defeituosos.

Segundo a teoria do discurso, a preten-são de correção implica a pretensão de jus-tificabilidade. Podemos conceber muitasmaneiras distintas de justificação de deci-sões judiciais. O espectro vai desde merasreferências a tradições ou autoridades até aargumentação racional, que considera todosos aspectos. O ponto decisivo é que a pre-tensão de justificabilidade permite umaperspectiva crítica. O fato de uma decisãojudicial não ser justificada, ou estar total-mente justificada de acordo com argumen-tos irracionais, ou mal justificada, não a pri-va de seu caráter de decisão judicial. Nessesentido, a pretensão de justificabilidade queapresenta necessária significa a possibili-dade de estabelecer níveis de justificaçãomais altos como o desenvolvimento dos sis-temas jurídicos modernos.

Qualquer um que venha a justificar algoaceita, no mínimo, que a outra pessoa sejaum igual, ou ao menos um discurso em queele não exerça coerção, ou que não seja apoi-ado pela coerção exercida por outros. Alémdo mais, pretende-se que seja capaz de de-fender sua tese não apenas contra seu ad-versário, mas contra qualquer pessoa. Es-sas pretensões de igualdade e universali-dade provêm da base de uma ética procedi-mental. Segundo Habermas (apud ALEXY,1993b, p. 55), essa é a ética discursiva:

“A conexão que a teoria do discur-so cria entre os conceitos de correção,de justificação e de generalizabilida-de pode transportar-se ao Direito coma ajuda da tese de que o discurso jurí-dico é um caso especial do discursoprático geral. E se esta tese é verdadei-ra, se poderia estabelecer uma relaçãonecessária entre Moral e Direito dire-tamente válida para os sistemas jurí-dicos modernos, e provavelmente jus-tificáveis para os sistemas jurídicospré-modernos, dentro do marco de

R171-23.pmd 19/10/2006, 10:42289

Page 6: Sobre a pretensão de correção da lei injusta...co, como uma virtude, um bem, ou seja, a busca do bom era seu fim. A partir de Kant, a teoria da justiça passou a buscar uma con-cepção

Revista de Informação Legislativa290

uma teoria normativa da evolução ju-rídica”.

Como visto, não é qualquer sistema denorma que pode ser chamado de ordena-mento jurídico que possa legitimar um Es-tado de Direito. Ora, diante a um sistemanormativo injusto, o juiz não pode ficar iner-te, e aceitar passivamente a injustiça, deve,ao contrário, utilizar a pretensão de corre-ção da lei injusta com argumentos racionais.E pode, ou melhor, deve o juiz adequar anorma que seja falha ou injusta.

3.1. Métodos para correção da lei injusta

Pode ocorrer de o juiz estar diante de umalei que seja injusta apenas num determina-do caso concreto. Essa situação correspon-de àquela em que a lei está perfeitamente deacordo com o ordenamento jurídico, comseus valores e princípios, mas a sua aplica-ção perante um determinado caso concretoseria injusta. Nesse caso, o magistrado po-derá afastar a injustiça no caso concreto uti-lizando como meio de correção a eqüidadeou pela ponderação de interesses, ou então,quando for provocado, por meio de controlede constitucionalidade difuso (afinal a pró-pria Constituição permite um controle porseus princípios materiais).

Por outro lado, podemos estar diante deuma norma que seja objetivamente injusta,ou seja, uma norma que não está de acordocom os valores e princípios tutelados peloordenamento jurídico, seja porque foi cria-da já em desconformidade com o ordena-mento ou porque os valores se modificarame com isso as normas já não condizem maiscom os anseios e valores escolhidos pelasociedade.

Nesse caso específico, seria ideal que opróprio legislador retirasse do ordenamen-to jurídico a norma objetivamente injusta pormeio de sua revogação ou então o própriojudiciário poderia invalidar a norma comum controle de inconstitucionalidade dire-ta, mas para isso dependeria, é claro, da pro-vocação das pessoas competentes para suapropositura.

Mas, diante da omissão tanto do legisla-dor no caso da revogação, como no caso daomissão por parte dos autores competentespara a ADI, o juiz deverá corrigir a lei injus-ta ante o caso concreto utilizando as técni-cas já sugeridas anteriormente.

Exige-se que, em qualquer ordenamen-to jurídico, haja uniformidade, o que conduzà previsibilidade e à segurança. Mas essesprincípios não são suficientes para satisfa-zer a necessidade de justiça. Aristóteles jápreviu esse questionamento e propôs o usoda eqüidade.

“A eqüidade, mesmo sendo justa,não se resume a essa justiça que é con-forme à lei, mas é, antes, um corretivoà justiça legal. A eqüidade se faz ne-cessária porque a lei é sempre umadisposição universal e às vezes nãoconsegue abarcar situações específi-cas” (ARISTÓTELES, 2000).

A eqüidade seria, então, verdadeira ‘muletada justiça’.

Com isso, devemos entender que nem osprecedentes nem as leis devem ser aplica-dos mecanicamente; o juiz possui o poder eo dever de interpretar e adequar a norma aocaso concreto. E pode, se necessário, a eqüi-dade prevalecer sobre a segurança, e o dese-jo de evitar conseqüências iníquas pode le-var o juiz a dar nova interpretação à lei. Masé importante que as decisões sejam motiva-das, argumentadas racionalmente, para quese evitem arbitrariedades.

4. Decisão judicial razoável

Por tudo quanto já foi dito, a noção deEstado de Direito não pode mais ficar limi-tada apenas ao princípio da legalidade comopreviam as teorias formalistas. É claro que,para não sofrermos as arbitrariedades porparte dos detentores do Poder, os nossosgovernantes devem estar limitados por nor-mas jurídicas. Mas essas normas devem serelaboradas democraticamente e abrangerdireitos fundamentais. E não basta que si-gam um procedimento correto e adequado

R171-23.pmd 19/10/2006, 10:42290

Page 7: Sobre a pretensão de correção da lei injusta...co, como uma virtude, um bem, ou seja, a busca do bom era seu fim. A partir de Kant, a teoria da justiça passou a buscar uma con-cepção

Brasília a. 43 n. 171 jul./set. 2006 291

para que sejam válidas; devem estar de acor-do com preceitos éticos e morais escolhidoscomo relevantes pela sociedade.

É a partir dessa premissa que o Estadode Direito atualmente passa a ser entendi-do acrescido de dois adjetivos: Estado de-mocrático-constitucional de Direito. Assim,não é qualquer direito que irá satisfazer osanseios da sociedade, mas um direito queseja democrático e que tenha como conteú-do valores éticos.

“O critério de legitimidade do poderconstituinte não é mera posse do poder, masa concordância ou conformidade do actoconstituinte com as ‘idéias de justiça’ radi-cadas na comunidade” (CANOTILHO,1993).

“As Constituições não surgem donada, mas decorrem de um processopolítico que tem como pano de fundoa evolução do constitucionalismo de-mocrático e dos direitos humanos, queestabelecem as bases para a organi-zação de sociedades que estão se re-organizando sobre o ethos da igual-dade e da liberdade” (VIEIRA, 1999,p. 255).

Assim, podemos observar o quão intrín-seco está o Direito, atualmente, às teoriasmorais; “a vigência das normas jusfunda-mentais significa que o sistema jurídico éum sistema aberto, frente à Moral” (ALEXY,1993d, p. 525-526).

Importante também ressaltar que justa-mente pelo fato de haver uma verdadeirafusão do direito constitucional com as teori-as morais é que encontramos normas jurídi-cas prescritas de modo vago, muito abstra-to, como é o que ocorre com normas relacio-nadas aos direitos fundamentais, por exem-plo, direito à liberdade, igualdade, dignida-de da pessoa humana. Ora, todas essas nor-mas são preceitos que possuem um conteú-do moral, que envolvem questões de justiçae eqüidade. Exatamente por essas caracte-rísticas, essas normas não podem ser inter-pretadas pelo método lógico-dedutivo, pelasubsunção.

Foi preciso que a hermenêutica constitu-cional desenvolvesse métodos adequadospara devida concretização dessas normaspara que não passassem de meros recados,programas políticos sem efetividade prática.

“A constitucionalização de prin-cípios morais, ao invés de neutralizá-los, moraliza obrigatoriamente o de-bate constitucional. Ao acolher direi-tos fundamentais e princípios formaisde justiça, a Constituição convida to-dos os seus intérpretes a uma leituraética de seu texto. Contestar isto seriareduzir a Constituição a dispositivoretórico, destituído de força normati-va” (DWORKIN apud VIEIRA, 1999,p. 240).

Diante de tais mudanças metodológicaspor que passa a hermenêutica constitucio-nal, o que devemos antes aceitar é que, emface do caráter aberto dos princípios e direi-tos constitucionais, não há alternativa se-não delegar aos magistrados o preenchi-mento do conteúdo desses preceitos. Noentanto, o que buscamos aqui é determinarmétodos em busca de uma decisão razoá-vel, que não fique à mercê do arbítrio e esco-lhas pessoais por parte dos juízes.

Considerar que a justiça do juiz é apli-car a lei, sem modificá-la, é cometer um gran-de erro. Definir o ato justo ou a decisão justacom relação à regra aplicada corretamente ésupor que nem a escolha nem a interpreta-ção da regra levantam problema. No entan-to, a lei pode mostrar-se insuficiente, e o re-curso à eqüidade parece ser inevitável.

Aristóteles (2000) já previa que o eqüita-tivo é justo: não é o legalmente justo, masuma correção da justiça legal. Assim, umajustiça humana, portanto passível de serimperfeita, não pode impor uma submissãoincondicional. Será adequado temperar seusexcessos pelo recurso à correção para quese tenha uma decisão razoável.5

A busca de decisões razoáveis, apesarde ser uma noção vaga e instável, estabele-ce, para o Estado de Direito, um limite aoexercício do poder discricionário legalmen-

R171-23.pmd 19/10/2006, 10:42291

Page 8: Sobre a pretensão de correção da lei injusta...co, como uma virtude, um bem, ou seja, a busca do bom era seu fim. A partir de Kant, a teoria da justiça passou a buscar uma con-cepção

Revista de Informação Legislativa292

te reconhecido. Assim, as escolhas feitaspelo legislador, pelo administrador ou pelojuiz não poderão ser desarrazoadas, sobpena de serem consideradas contrárias aoDireito, e portanto ilegais.

O Direito deve ser antes uma técnica aserviço do ideal de justiça. Não podemosdizer que o método lógico-formal, deduti-vista, deva ser abandonado. Deve, no en-tanto, ser completado, pois se mostra insu-ficiente para a concretização de um direitoque se baseie na justiça. “O juiz não podecontentar-se em aplicar a lei: deve servir-seda lei para motivar suas decisões, mas estasdevem ser acima de tudo eqüitativas.”(PERELMAN, 2000, p. 72).

O juiz deve utilizar a regra formal paraaplicar o direito, mas essa regra deve serpreenchida no seu aspecto essencial ou aces-sório. E deve o juiz justificar o seu posicio-namento; para isso, deverá recorrer não,como se poderia acreditar, a uma lógica dosjuízos de valor, mas a todos os recursos deuma argumentação.

Também é projeto de Dworkin (1984)construir uma teoria da decisão judicial quenão deixe espaço para a discricionariedadejudicial (a despeito das teorias patrocina-das por Frank, Kelsen e Hart). Dworkin(1984) tem como ponto de partida o fato deque, além das regras, o ordenamento jurídi-co é formado por princípios6 e ambos sãoespécies do gênero normas jurídicas. E osprincípios, segundo Dworkin (apud VIERA,1999, p. 197), constituem “uma exigência dejustiça ou fairness (equidade) ou algumaoutra dimensão da moralidade”.

Colocando os princípios ao lado das re-gras, e conseqüentemente exigindo-se sua efe-tividade como norma jurídica, Dworkin es-treita, consideravelmente, o espaço deixadoao magistrado, tornando o julgador mais vin-culado ao ordenamento, diferentemente doque pretendiam os realistas ou positivistas.

Considerando os princípios normas ju-rídicas com imediata aplicabilidade, o juizdeve estar vinculado a eles; assim, o uso dosprincípios não significa que se esteja agin-

do discricionariamente, mas apenas apli-cando elementos estruturantes do sistemajurídico, que não se confundem com seuspróprios valores.

Segundo Dworkin (apud VIEIRA, 1999,p. 200), quando o juiz se depara com umhard case, ele não decide de forma discricio-nária, pois, apesar de a regra muitas vezesnão conter todos os elementos para a toma-da de decisão, o Direito oferece outros crité-rios que também vinculam o magistrado.Assim, não há uma liberdade total, em queo magistrado decide a partir de valores ex-ternos ao Direito, que, na maioria das vezes,são os seus próprios, mas uma esfera carre-gada de princípios (que fazem parte do or-denamento jurídico) que limitam e impõemdeterminado sentido às decisões judiciais.

É com essa tese que Dworkin (1984) re-futa a posição dos positivistas de que todanorma aberta é, na realidade, um convitepara que os juízes exercitem suas própriasescolhas e opiniões. Pois, para Dworkin(1984), ao aplicar normas de textura aberta,os juízes estarão obrigados por princípiosque integram o Direito, ou seja, o juiz devedecidir conforme a direção indicada peloprincípio ao qual ele se vê obrigado, da mes-ma forma que se vê obrigado a aplicar umaregra. E, pelo fato de os princípios possuí-rem conteúdo moral, que envolve questõesde justiça e eqüidade, os juízes não só po-dem como devem realizar um debate na es-fera moral, a fim de decidir casos concretos.

Com isso, Dworkin (1984) tenta demons-trar que as escolhas dos juízes não são arbi-trárias, nem ao menos discricionárias. De-vem, ao contrário, basear-se racionalmentede acordo com as próprias estruturas ofere-cidas pelo ordenamento, para que o magis-trado atinja a decisão correta.

É certo que a maior dificuldade que en-contramos atualmente no que diz respeito à“nova hermenêutica” é quanto à densifica-ção ou concretização das normas constitu-cionais principiológicas.

Ora, a justificativa da teoria jusnaturalnão é mais aceitável, não concretizamos as

R171-23.pmd 19/10/2006, 10:42292

Page 9: Sobre a pretensão de correção da lei injusta...co, como uma virtude, um bem, ou seja, a busca do bom era seu fim. A partir de Kant, a teoria da justiça passou a buscar uma con-cepção

Brasília a. 43 n. 171 jul./set. 2006 293

normas de acordo com o estado de nature-za, com preceitos materiais pré-determina-dos. E o método subsuntivo não é adequadopara a interpretação de princípios. E tão-pouco podemos aceitar, como previam asteorias realistas, que o preenchimento dasnormas abertas fique ao arbítrio do magis-trado. Mas e se, para a concretização dosdireitos fundamentais (normalmente es-tão previstos em forma de princípios), orecurso ao próprio texto constitucional forinsuficiente?

Nesse caso, o intérprete constitucionalserá obrigado a buscar o conteúdo dessespreceitos a partir de um processo de inter-pretação que, embora tome por base o textoconstitucional, a doutrina e eventuais pre-cedentes, não negligencie a necessidade derecorrer ao discurso da filosofia política, àargumentação racional.

Dworkin (1984) pretende elaborar ummétodo (mesmo que contrafático) para quese possa chegar a uma única resposta corre-ta ou verdadeira. Para ele, essa resposta cor-reta seria a que melhor possa justificar-sepor meio de uma teoria substantiva que con-tenha aos princípios que melhor correspon-dam à constituição, às regras de Direito eaos precedentes. E, segundo ele, uma deci-são será justa (ou seja, respeitará a integri-dade do direito) se fornecer a resposta cor-reta (mesmo que esta não se baseie na estri-ta legalidade) para o caso.

Mas, segundo Dworkin (apud ALEXY,1993a), apenas o juiz ideal, a quem chamade “Hércules” (equipado com superman skill,learning, patience and acumen), estaria em si-tuação adequada para chegar a essa únicaresposta correta. Assim, caberia ao juiz reala tarefa de se aproximar a esse ideal o máxi-mo possível.

Segundo Alexy (1993a, p. 20), pelo fatode nosso ordenamento ser composto de re-gras e princípios, e pelo fato de não poder-mos estabelecer uma hierarquia prévia (umalista de topois) desses princípios, a argumen-tação jurídica não nos pode levar em cadacaso precisamente a um único resultado. E

isso vale tanto para a subsunção de regrascomo para a ponderação de princípios. E,no que diz respeito aos princípios, ele de-fende que, por serem mandados de otimiza-ção, sempre exigirão um conteúdo moral, e,em sua aplicação, há que se recorrer semprea questões morais. E a grande empreitadaque se coloca é a de sustentar que essas va-lorações morais não podem ser extraídasobrigatoriamente de um material arbitraria-mente fixado. E a busca da racionalidadeda argumentação jurídica vai depender es-sencialmente de se, e com que alcance, es-sas valorações são suscetíveis de um con-trole racional. “La cuestión de la racionali-dad de la fundamentación jurídica lleva asía la cuestión de la posibilidad de fundamen-tar racionalmente los juicios prácticos omorales en general” (ALEXY, 1993a, p. 20).

Alexy (1993a) admite que não são possí-veis teorias morais materiais em que, paracada questão prática, permitam extrair comsegurança intersubjetivamente uma respos-ta precisa, mas, sim, que são possíveis teori-as morais procedimentais que formulem re-gras ou condições para uma argumentaçãoou decisão prática racional. “Uma versiónexpecialmente prometedora de uma teoriamoral procedimental es la del discurso prác-tico racional” (ALEXY, 1993a, p. 21).

Assim, Alexy (1993a) está preocupadoem desenvolver mecanismos racionais deponderação e decisão, repelindo as teoriasdecisionistas do direito e a discricionarie-dade postulada pelo positivismo jurídico.E, segundo ele, uma ponderação será racio-nal se o enunciado de preferência a que con-duz puder ser fundamentado racionalmen-te. Com isso, transfere o problema da racio-nalidade da ponderação para a fundamen-tação racional de enunciados que estabele-çam preferências condicionadas entre valo-res e princípios opostos.

Para se atingir uma argumentação raci-onal, Alexy (1993a) desenvolve um sistemade 28 regras e pretende, assim, formular umcódigo da razão prática. Essas regras se es-tendem desde aquelas que exigem não con-

R171-23.pmd 19/10/2006, 10:42293

Page 10: Sobre a pretensão de correção da lei injusta...co, como uma virtude, um bem, ou seja, a busca do bom era seu fim. A partir de Kant, a teoria da justiça passou a buscar uma con-cepção

Revista de Informação Legislativa294

tradição, claridade lingüística e verdadeempírica, passando por aquelas que expres-sam a idéia de universalizabilidade, queassegura a cada um o direito de tomar parteno discurso e a cada um a mesma conside-ração no discurso, até aquelas que se diri-gem a uma argumentação conseqüencialis-ta, à ponderação e à análise de formação deconvicções normativas.

E chega Alexy (1993a) a concluir que umaúnica resposta para cada caso só poderiaadmitir-se recorrendo a cinco idealizações, asaber: 1) tempo ilimitado; 2) informação ili-mitada; 3) claridade lingüística conceitual ili-mitada; 4) capacidade de disposição ilimita-da para as mudanças de regras e 5) carênciade prejulgamentos ilimitada.

Assim, apesar de o juiz “Hércules” ficaradstrito apenas a um plano ideal, e portan-to afastando-nos de chegar a uma respostaúnica e correta racionalmente, é de se espe-rar e exigir que o juiz real busque sempre seaproximar ao máximo desse ideal com umadecisão pelo menos razoável, que vá ao en-contro dos valores tutelados constitucional-mente, dos precedentes, da doutrina e dasregras e princípios do nosso ordenamento.

5. Conclusão

Chegamos ao fim deste trabalho com acerteza de que muito ainda tem que ser pes-quisado em torno do tema proposto. Masficaremos satisfeitos se os leitores tiverempercebido que a intenção central deste bre-ve estudo foi alertar para a necessidade dese questionar o conteúdo material das nor-mas, e fazer um controle das escolhas (quenão podem ser tão discricionárias como sepretendia) determinadas pelo legislador oupelo administrador.

Assim, não é qualquer norma que podeser tida como norma jurídica, ainda que sejaválida formalmente. Afinal, o Direito se apro-xima da teoria moral para provar que nãobasta o aspecto formal para que uma normaseja válida, mas há certos limites materiaisque devem ser obedecidos.

E nesse mister grande importância tem adecisão judicial, que deverá controlar todotipo de arbitrariedade que possa tornar umalei injusta. E, ao corrigir uma lei injusta, nãoestará o judiciário substituindo a suposta dis-cricionariedade do legislativo por uma deci-são subjetiva e individual (como pretendi-am os relativistas); ao contrário, deverá cor-rigir a lei injusta de acordo com os valores eprincípios presentes no ordenamento jurí-dico, princípios dotados de normatividade,que foram eleitos pela sociedade ao longoda história como os mais relevantes, utili-zando para essa correção a argumentaçãojurídica como método cognitivo.

Notas1 Cf. BONAVIDES, 1994. O professor Paulo

Bonavides, brilhantemente, em seu curso, discorresobre a importante passagem dos princípios geraisdo direito para princípios constitucionais que severifica no nosso ordenamento.

2 Diziam os seguidores do positivismo que ajustiça é um ideal importante, mas não cabe aodireito estudá-lo, caberia a outros tipos de ciência,como a filosofia, sociologia, etc., mas não o direito.

3 Expressão usada por Robert Alexy (1993b).4 Ora, concordamos com a posição de José

Américo M. Pessanha (1989, p. 230), de que hánecessidade de se reabrir espaço para outra formade racionalidade, igualmente legítima e insubsti-tuível, sobretudo nos campos do plausível, do ve-rossímil, do provável, na medida em que escapa àscertezas do cálculo. Esse é o território da Teoria daArgumentação.

5 Perelman diferencia o razoável do racional.Para ele, a categoria do razoável, que desempenhaum papel fundamental na argumentação, diferedo racional, porque esse se refere a verdades eter-nas e imutáveis, é coercivo e demonstrativo; o razo-ável, por sua vez, diz que é uma noção mais vaga,com conteúdo condicionado pela história, pelas tra-dições, pela cultura de uma sociedade, é argumen-tativo e não coercivo. Por isso preferimos adotarcomo objetivo deste estudo a busca de uma deci-são “razoável” por entendermos não ser possíveluma única e verdadeira decisão demonstrável.

6 Apesar de considerarmos a diferença entreprincípios e regras de extrema relevância, não o fa-remos aqui. Remetemos os leitores às obras deDWORKIN, 1984; ALEXY, 1993; ATIENZA, 1995,2000; e, entre nós, SARMENTO; GALUPPO, 1999e VIEIRA, 1999.

R171-23.pmd 19/10/2006, 10:42294

Page 11: Sobre a pretensão de correção da lei injusta...co, como uma virtude, um bem, ou seja, a busca do bom era seu fim. A partir de Kant, a teoria da justiça passou a buscar uma con-cepção

Brasília a. 43 n. 171 jul./set. 2006 295

Referências

ALEXY, Robert. Derecho y razón práctica. México:Fontamara, 1993a.

______ . Sistema jurídico, princípios jurídicos yrazón práctica. In: ______ . Derecho e razón práctica.México: Fontamara, 1993b.

______ . Sobre las relaciones necesarias entre el derecho yla moral. In: ______ . Derecho y razón práctica.México: Fontamara, 1993c.

______ . Teoria de los derechos fundamentales. Tradu-ção de Ernesto Grazón Valdés. Madrid: Centro deEstudios Constitucionales, 1993d.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: M.Claret, 2002.

ATIENZA, Manuel. As razões do direito: teoria daargumentação jurídica. São Paulo: Landy, 2000.

______ . Tras la justicia: una introducción al derechoy al razonamiento jurídico. Barcelona: Ariel, 1995.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional.6. ed. São Paulo: Malheiros, 1994.

______ . Curso de direito constitucional. 12. ed. SãoPaulo: Malheiros, 2002.

______ . Do estado liberal ao estado social. Rio deJaneiro: Forense, 1980.

BÖNCKENFORDE, Ernest Wolfgang. Estudios so-bre el estado de derecho y la democracia. Madrid: Trot-ta, 2000.

BÖNCKENFORDE, Ernest Wolfgang. Lê droit, l’étatet la constitution démocratique. Paris: LGDJ, 2000.

CALSAMIGLIA, Albert. Postpositivismo. Alicante:Doxa, 1998.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e te-oria da constituição. 2 ed. Coimbra: Almedina, 1997.

______ . Direito constitucional. Coimbra: Almedina,1993.

DWORKIN, Ronald. Los derechos em serio. Barcelona:Ariel, 1984.

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A ciência do di-reito. São Paulo: Atlas. 1997.

GALUPPO, Marcelo Campos. Os princípios jurídi-cos no estado democrático de direito: ensaio sobreo modo de sua aplicação. Revista de Informação Le-gislativa, Brasília, a. 36, n. 143, jul./set. 1999.

HABERMAS, Jügen. Direito e democracia: entre fac-ticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasilei-ro, 1997. v. 1.

HESSE, Konrad. A força normativa da constituição.Porto Alegre: S. A. Fabris, 1999.

HÖFFE, Otfried. Justiça política. São Paulo: M.Fontes, 2001.

KELSEN, Hans. O problema da justiça. São Paulo:M. Fontes, 1998.

______ . Teoria geral do direito e do estado. São Paulo:M. Fontes, 2000.

______ . Teoria pura do direito. 2. ed. Coimbra: A.Amado, 1962.

LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Tra-dução de José Lamego. 2. ed. Lisboa: FundaçãoCalouste Gulbenkian, 1989.

MAIA , Antônio C.; SOUZA NETO, Cláudio P. Osprincípios de direito e as perspectivas de Perelman,Dworkin e Alexy. In: PEIXINHO, Manoel Messias(Org.). Os princípios da constituição de 1988. Rio deJaneiro: Lúmen Júris, 2001.

______ . , et al. Direito e teoria da argumentação.Cadernos Pet-Jur: Departamento de Direito Puc-Rio,Rio de Janeiro, a. 3, n. 1 (2. ed.), 1997.

______ . Excurso: da distinção fato/valor ou daspretensões da teoria crítica. In: ______ . A genealo-gia de Foucault e a teoria crítica da sociedade. 1999. ? f.Tese (Doutorado em Filosofia) – Pontifícia Univer-sidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,1999.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdojurídico do princípio da igualdade. 2. ed. São Paulo:Revista dos Tribunais, 1984.

PERELMAN, Chaïm. Ética e direito. São Paulo: M.Fontes, 2000.

PESSANHA, José Américo Motta. A teoria da ar-gumentação ou nova retórica.

In: CARVALHO, Maria Cecília de (Org.). Paradig-mas filosóficos da atualidade. São Paulo: Campinas,Papirus, 1989.

PLATÃO. A república. São Paulo: M. Claret, 2001.

RAWLS, John. Justiça como equidade: uma concep-ção política, não metafísica. Lua Nova, São Paulo,n. 25, 1992.

RICCEUR, Paul. O justo entre o legal e o bom. In:______ . Leituras 1: em torno do político. São Paulo:Loyola, 1991.

SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem constitucional:construindo uma nova dogmática jurídica. PortoAlegre: S. A. Fabris, 1999.

R171-23.pmd 19/10/2006, 10:42295

Page 12: Sobre a pretensão de correção da lei injusta...co, como uma virtude, um bem, ou seja, a busca do bom era seu fim. A partir de Kant, a teoria da justiça passou a buscar uma con-cepção

Revista de Informação Legislativa296

VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria da norma jurídi-ca. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

VIEIRA, Oscar Vilhena. A constituição e sua reservade justiça: um ensaio sobre os limites materiais aopoder de reforma. São Paulo: Malheiros, 1999.

R171-23.pmd 19/10/2006, 10:42296