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UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO,
LINGUAGENS E CULTURA
Renata Claudia Martins Ferreira
SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE
AUDITÓRIO NÃO MORRE: uma análise do
Programa Carlos Santos na TV
BELÉM/PA
2011
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Renata Claudia Martins Ferreira
SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE
AUDITÓRIO NÃO MORRE: uma análise do
Programa Carlos Santos na TV
Dissertação de Mestrado apresentada como requisito parcial
para a obtenção do grau de Mestre em Comunicação,
Linguagens e Cultura, pela Universidade da Amazônia.
Orientadora: Profa. Dra. Analaura Corradi
BELÉM/PA
2011
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Renata Claudia Martins Ferreira
SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE
AUDITÓRIO NÃO MORRE: uma análise do
Programa Carlos Santos na TV
Dissertação de Mestrado apresentada como requisito parcial
para a obtenção do grau de Mestre em Comunicação,
Linguagens e Cultura, pela Universidade da Amazônia. Orientadora: Profa. Dra. Analaura Corradi
Data de aprovação: ___/___/______.
Banca examinadora:
________________________________________________ - Orientador
Orientadora: Profa. Dra. Analaura Corradi
Universidade da Amazônia
________________________________________________
Prof. Dra. Maria Ataíde Malcher
Universidade Federal do Pará
________________________________________________
Prof. Dra. Ivânia dos Santos Neves
Universidade da Amazônia
4
Dedico este trabalho ao meu pai, Antônio Fernando Araújo
Ferreira (in memorian), e a minha mãe, Carmem Máximo
Martins Ferreira. Com eles aprendi o valor do estudo e do
trabalho e a importância da amizade e do respeito ao outro.
5
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, professora Analaura Corradi, pela paciência e
direcionamentos imprescindíveis a esta pesquisa e respeito com que acolheu a proposta desta
dissertação.
Aos professores do Programa de Mestrado em “Comunicação, Linguagens e
Cultura”, da Unama, pelos conhecimentos preciosos repassados nos dois anos de convivência.
Às professoras Maria Ataíde Malcher, incentivadora dos meus estudos em nível
de pós-graduação desde os nossos primeiros contatos, e à professora Ivânia Neves, pelo
estímulo e confiança.
Aos colegas de turma do mestrado, principalmente às queridas amigas Tatiana
Ferreira e Vânia Leal, pelo apoio nos momentos de angústia.
À jornalista Lara Lages, amiga fundamental nesta jornada, que com dedicação e
amizade me ajudou a tornar mais compreensível e palatável este texto.
Ao meu companheiro, Paulo Maurício Coutinho, pela compreensão quanto às
horas dedicadas a este estudo, roubadas de nossa convivência, pelo apoio em meus momentos
de apreensão e incertezas e comemoração nas pequenas vitórias conquistadas neste caminho.
As minhas irmãs, Eliana e Cleva, e a minha sobrinha Simone Lobão, pelo afeto e
conforto emocional.
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É só no espaço da comicidade que a televisão se atreve a deixar ver o
povo, esse “feio povo” que a burguesia racial quis a todo custo
ocultar. Só aí a televisão se trai, ao mostrar sem pudor as faces do
povo. Mais uma vez, o realismo grotesco do cômico se faz espaço de
expressão dos de baixo, que nele se dão uma face e apresentam suas
armas, sua capacidade de paródia e caricatura. E é também nesses
programas que as classes altas, as oligarquias, são ridicularizadas e,
mais ainda que elas, os que tentam imitá-las. O alvo das piadas mais
refinadas será a nova classe média, que está com a grana......mas
sobe pelas paredes!
Martín-Barbero (2009, p.320)
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RESUMO
O surgimento dos meios de comunicação na América Latina, no século XX, transformou a
cultura cotidiana. Essa transformação, porém, se deu (e se dá) conjugando a tradicional
oralidade com as novas experiências audiovisuais e técnicas. Assim, a América Latina
colocou a televisão em uma posição especial, considerando as características
socioeconômicas, políticas e culturais desse continente. Situado nesse contexto, encontra-se o
Brasil, onde a televisão conta com um lugar privilegiado dentre os meios de comunicação de
massa. Na grade de programação da TV brasileira, o programa de auditório teve e tem
destaque. Voltando os olhos para o Pará, registra-se o Programa Carlos Santos na TV, objeto
de análise deste estudo, a fim de verificar se esse programa apresenta características de um
programa de auditório tradicional e quais os elementos que o ajudaram a mantê-lo no ar por
17 anos. Pretende-se como objetivos específicos: a descrição do Programa Carlos Santos na
TV e do perfil e da atuação do seu apresentador, a fim de investigar se esses dois aspectos
influenciaram na manutenção do programa. Parte-se da hipótese que o formato e a dinâmica
do programa, o seu aspecto popular e o seu apresentador colaboraram para a manutenção e
resistência desse gênero na TV paraense.
Palavras-chave: gêneros televisivos, Programa Carlos Santos, programa de auditório,
televisão paraense.
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ABSTRACT
The emergence of the means of communication in Latin America, in the twentieth century,
transformed the everyday culture. This transformation, though, took (and takes) combining
the traditional orality with the new audiovisual and techniques experiences. Thus, Latin
America put television in a special position, considering the socioeconomic, political and
cultural characteristics of the continent. Situated within this context, is Brazil, where
television has a privileged place among the means of mass communication. In the schedule of
Brazilian TV, the game show had and still has a prominent position. Turning eyes to Pará, is
registered the Carlos Santos show, object of analysis of this study, in order to verify if this
show has the characteristics of a traditional game show and what are the elements that helped
to keep it in the air for 17 years. It is intended as specific objectives: the description of Carlos
Santos show, the description of the profile and performance of its host, in order to investigate
whether these two aspects influenced in the maintenance of the program. It starts with the
assumption that the shape and dynamics of the program, its popular appearance and its host
contributed to the maintenance and strength of this genre on Para´s TV.
Key words: television genres, Carlos Santos show, game show, Pará’s television.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Carta de Ajustes da TV Tupi utilizada a partir de 1951 39
Figura 2: Índio Tupi usado na logomarca da TV Marajoara 39
Figura 3: Programação TV Guajará com o símbolo que a representava, o saci 40
Figura 4: Quadro Resumo da Definição de Bardin 89
10
LISTA DE TABELAS
Quadro 1 - Alguns programas de rádio famosos dos anos 50 25
Quadro 2 - Movimento gradual da TV 29
Quadro 3 - Estratégias de comunicabilidade em Souza (2004) 66
Quadro 4 - Atrações tradicionais de programas de auditório, segundo Mira (1995) 68
Quadro 5 - Situações-modelo de França (2006) e suas descrições nos programas
de TV
72
Quadro 6 - Profissionais da mídia de Belém e espectadores do programa 92
Quadro 7 - Programas objeto de pesquisa 96
Quadro 8 - Situações-modelos de Vera França 97
Quadro 9 - Atrações tradicionais de programas de auditório, segundo Mira (1995) 97
Quadro 10 - Elementos de estratégias de comunicabilidade em Souza (2004) 98
Quadro 11 - Coleta de dados fundamentada em França (2006) 99
Quadro 12 – Atrações tradicionais de programas de auditório, segundo Mira
(1995)
101
Quadro 13 - Elementos de estratégias de comunicabilidade em Souza (2004) 103
Quadro 14 – Coleta de dados fundamentada em França (2006) 104
Quadro 15 – Atrações tradicionais de programas de auditório, segundo Mira
(1995)
105
Quadro 16 - Elementos de estratégias de comunicabilidade em Souza (2004) 106
Quadro 17 – Coleta de dados fundamentada em França (2006) 107
Quadro 18 – Atrações tradicionais de programas de auditório, segundo Mira
(1995)
108
Quadro 19 - Elementos de estratégias de comunicabilidade em Souza (2004) 110
Quadro 20 - Coleta de dados fundamentada em França (2006) 111
Quadro 21 - Atrações tradicionais de programas de auditório, segundo Mira
(1995)
112
Quadro 22 – Elementos de estratégias de comunicabilidade em Souza (2004) 113
Quadro 23 – Coleta de dados fundamentada em França (2006) 116
Quadro 24 – Atrações tradicionais de programas de auditório, segundo Mira
(1995)
116
11
Quadro 25 – Elementos de estratégias de comunicabilidade em Souza (2004) 117
12
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 13
2 A TELEVISÃO E O COTIDIANO 19
2.1 A televisão e a sua cotidianidade 19
2.2 Um pouco da história da televisão no Brasil 23
2.2.1 Programas de auditório no rádio 31
2.3 Memória da televisão paraense 35
2.3.1 Desenvolvimento da televisão no Pará 36
2.4 Contexto político e sociocultural de Belém na década de 1980 51
2.5 A estratégia do SBT e a chegada da emissora no Pará 55
3 GÊNEROS COMO ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS 59
3.1 Gêneros televisivos 59
3.2 O que é o programa de auditório 65
3.3 O amigo do povo – Trajetória de Carlos Santos 73
3.4 O Programa Carlos Santos 82
3.5 Análise de Conteúdo – Forma de Olhar 86
3.5.1 Fases da Análise de Conteúdo 89
3.5.2 A Análise de conteúdo mediada pela caracterização do
gênero televisivo
90
4 METODOLOGIA 92
5 ANÁLISE DOS PROGRAMAS 99
5.1 Análise do Programa A, exibido em 23 de novembro de 1995 99
5.2 Programa B, exibido em 12 de julho de 2003 103
5.3 Programa C, exibido em 06 de março de 2004 107
5.4 Programa D, exibido em 10 de janeiro de 2009 110
6 RESULTADOS 114
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 120
APÊNDICE 124
13
1 INTRODUÇÃO
As vozes de ídolos da música brasileira dos anos 40 e 50 ecoavam da
aparelhagem de som da taberna1 de seu Ari, em Salvaterra, município da Ilha de Marajó, uma
das regiões mais pobres do Estado do Pará2. Seu Ari, um comunicador nato, tinha a facilidade
de chamar a atenção das pessoas para o seu pequeno negócio. Por isso, a sua taberna era
conhecida como o ‘O Amigo do Povo’. Foi a partir dessa experiência que o menino Carlos
Santos, filho do seu Ari, se inspirou e abraçou a carreira de cantor, locutor de rádio,
proprietário de uma rede de lojas do varejo e de apresentador de um dos programas de
auditório com mais tempo de exibição na TV paraense.
Para entender o conteúdo do Programa Carlos Santos na TV, objeto desta
pesquisa, é preciso situá-lo nesse contexto de vida de seu apresentador. As informações
citadas no parágrafo anterior foram extraídas do depoimento de Carlos Santos ao jornalista
Antônio José Soares, em 2010. Com base neste depoimento, Soares está escrevendo a
biografia autorizada de Carlos Santos que recebeu o título de “De camelô a governador –
História de um vencedor”.
Esta dissertação é o resultado de uma pesquisa no âmbito do Mestrado de
Comunicação, Linguagens e Cultura, da Universidade da Amazônia, cujo objeto é a análise
do Programa Carlos Santos na TV, a fim de verificar se as características que apresenta são
de um programa de auditório, de acordo com o que Souza (2004) entende como tal.
Além disso, propõe-se como objetivos específicos: descrever o Programa
Carlos Santos e verificar como o perfil e a atuação do seu apresentador influenciaram na sua
manutenção.
Parte-se da hipótese que a dinâmica do programa colabora para a resistência de
um formato popular na televisão paraense, o gênero programa de auditório em sua concepção
tradicional.
O método de pesquisa utilizado é a Análise de Conteúdo (AC), com base em
Fonseca Júnior (2008) e Gil (2008). Segundo Fonseca Júnior (2008), nas últimas décadas, a
1 A palavra deriva, pelo latim taberna, do grego ταβέρνα, que significa "abrigo" ou "oficina". É uma espécie de
bar onde também podem ser encontrados alimentos para a venda. 2 O índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da região é um dos piores do país, 0,63, em uma escala que vai
de zero a um, segundo dados do Ministério de Desenvolvimento Agrário de 2010. O IDH é uma medida
comparativa usada pela Organização das Nações Unidas para classificar os países pelo seu grau de
desenvolvimento humano, tendo como referência a qualidade de vida.
http://www.mda.gov.br/dotlrn/clubs/territriosrurais/marajpa/one-community
14
Análise de Conteúdo voltou com renovado interesse de pesquisadores ligados a estudos sobre
as Novas Tecnologias da Informação.
De acordo com Gil (2008, p. 152), a Análise de Conteúdo se desenvolve em
três fases: pré-análise; exploração do material; e tratamento dos dados, inferência e
interpretação. A pré-análise envolve o planejamento do que será analisado. É o momento de
organizar e sistematizar os documentos e textos para a análise. A exploração do material
refere-se à análise propriamente dita a partir do recorte, enumeração e classificação decididos
previamente. Por fim, o tratamento dos dados, inferência e interpretação consistem em tornar
os dados válidos.
Como esta pesquisa trata de um gênero televisivo, no caso o programa de
auditório, busca-se articular a AC com o conceito de gênero televisivo.
Segundo Martín-Barbero (2009, pp. 304-305), a verdadeira função do gênero
televisivo é ser “a chave para a análise dos textos massivos e, em especial, dos televisivos”.
Sendo assim, de acordo com esse autor, os gêneros televisivos são estratégias de
comunicabilidade entre o programa exibido e o telespectador que promovem a interação entre
as duas partes.
Acredita-se que o gênero televisivo dará conta da natureza dialógica da
constituição dos enunciados, trazendo as múltiplas vozes do programa de auditório, ajudando
a fugir da dureza da Análise de Conteúdo, de viés positivista.
Para isso, segue-se a abordagem metodológica proposta por Simone Maria
Rocha (2008). Segundo a autora, se o objetivo do pesquisador é identificar padrões gerais do
conteúdo da mídia e também determinar processos mais subjetivos de construção de sentido, é
necessário combinar a Análise de Conteúdo com algum tipo de análise textual mais detalhada.
Dessa forma, aplicou-se nos programas a Análise de Conteúdo, fundamentada
nas variáveis apontadas por França (2006), Mira (1995) e Souza (2004).
O Capítulo I traz a cotidianidade da televisão nos lares brasileiros e a história
da TV no Brasil, destacando as suas relações com o cenário local.
Toma-se as abordagem de Silverstone (1999, pp.170-171) sobre o tema TV e o
cotidiano, quando o autor diz que, por meio da televisão, as pessoas entendem as suas
próprias vidas, marcam as passagens do tempo e vivem em um espaço sem lugar.
Ao destacar a relevância da recepção e da mediação nos estudos televisivos,
Martín-Barbero (2009) também trata da cotidianidade familiar. O autor refere-se ao ambiente
do lar como um lugar rico de subjetividades e mediações.
15
É neste espaço de relações estreitas e de proximidade, de confrontação,
manifestação de angústias e de privação e exacerbação dos desejos de seus habitantes que se
manifesta a expressividade da cultura da televisão, segundo Martín-Barbero (2009).
No caso da história da TV no Brasil, a proposta é ressaltar alguns tópicos
considerados pertinentes para esta pesquisa, como o ambiente econômico, social e cultural do
país no período de surgimento da TV e a relação desse cenário com os meios de comunicação
de massa.
Segundo Mattos (2009), experimentalismo, improvisações e amadorismo
marcaram a chegada da televisão no Brasil, fato datado oficialmente em 18 de setembro de
1950. A ousada iniciativa foi do empresário paraibano Assis Chateaubriand que mandou
buscar de avião dos Estados Unidos duzentos aparelhos para serem utilizados na primeira
transmissão da TV Tupi, em São Paulo.
O autor ressalta também a forma como o Regime Militar (1964-1985) utilizou
a expansão da televisão no país para consolidar o seu sistema e a censura imposta aos
programas de auditório, neste período de repressão.
Também no Capítulo I, faz-se um passeio pela memória da televisão paraense,
por meio de entrevistas com profissionais ligados a esse meio de comunicação, e
contextualiza-se historicamente a década de 1980, período em que surgiu o Programa Carlos
Santos na TV.
Os anos 80 foram marcados pela efervescência da cultura paraense, como
lembra Costa (2011). Foi nesse clima de inquietação cultural que ocorreu a inauguração de
três emissoras de televisão: o SBT Belém (1981), unidade regional do Sistema Brasileiro de
Televisão, do empresário e comunicador Silvio Santos; a TV Cultura do Pará (1987),
emissora pública do Governo do Estado; e a RBA – Rede Brasil Amazônia de Televisão
(1988), à época, afiliada da TV Manchete do Rio de Janeiro.
Cada uma dessas emissoras tinha uma proposta mercadológica bem definida e
grades de programação estratégicas para a consolidação de suas marcas no Estado.
O embasamento teórico que sustenta esta pesquisa encontra-se no Capítulo II.
Essa segunda parte do trabalho inicia pelo conceito de gênero televisivo e a exploração de um
desses gêneros especificamente: o programa de auditório.
Gênero televisivo muito peculiar na TV brasileira, o programa de auditório faz
parte da história da televisão do país, pois aparece na programação das primeiras emissoras
instaladas em território nacional.
16
Originado no rádio, esse gênero de programa foi transportado e assimilado pela
TV, onde também fez muito sucesso e ganhou popularidade, a partir dos anos 60. Mas eles
começaram a ser transferidos do rádio para a televisão na década de 1950. Segundo Barbosa
Filho (2009), nesse processo de transferência de um veículo para o outro, o programa de
auditório quase não sofreu alterações quanto as suas características originais, com exceção do
recurso da imagem.
Com o passar do tempo, no entanto, esse gênero ganhou contornos próprios na
televisão, como a inclusão de quadros de entrevistas, números de dança e atrações oriundas do
circo, a exemplo de mágicos, trapezistas, malabaristas e animais adestrados.
Segundo Mira (1995), a origem remota do programa de auditório se encontra
no circo e nas festas de largo realizadas a céu aberto. Entretanto, ressalta a autora, o gosto
popular, oriundo das massas, está presente na origem cultural dos povos ocidentais primitivos,
anteriores ao surgimento das sociedades de classes e do Estado.
Nestas comunidades, a seriedade e a comicidade eram consideradas sob o
mesmo aspecto, conviviam juntas nas festas, no ambiente sagrado e no oficial. Com o
surgimento das classes sociais e do Estado, porém, o ambiente sério e o cômico foram se
afastando paulatinamente. O aspecto cômico foi se transformando então em um mundo a
parte: o ambiente popular, de caráter não-oficial.
Na Idade Média, continua Mira (1995), as visões de sério e cômico estavam
bem delimitadas e apartadas, em função da rígida hierarquia social. O Carnaval e os
espetáculos cômicos eram expressões populares, faziam parte da visão de mundo das pessoas.
Elas entendiam as festas, os jogos, os banquetes e as brincadeiras como um convite à
liberdade do corpo e do espírito.
Este ambiente onde predominava o gosto popular, o riso e a extravagância,
coexistia com o mundo da cultura oficial do Estado e da Igreja, considerado mais sério e
elevado. Eram ambientes que conviviam paralelamente, mas não se misturavam, pois o riso
havia sido expurgado dos cultos religiosos e das cerimônias do Estado.
Foi dessa forma que, historicamente, a cultura popular foi se afastando da
cultura dominante, considerada de qualidade mais elevada. No entanto, é importante frisar
que, com base em Canclini (2006), entende-se que não há hierarquia entre as culturas. Além
disso, de um modo geral, as culturas têm aspectos heterogêneos e híbridos, pois reúnem
elementos originais e outros importados. Assim, o programa de auditório, que é um produto
cultural, é atravessado por elementos das culturas populares tradicionais, assim como por
outras formas de cultura.
17
Para melhor compreensão de tema tão complexo, recorre-se às palavras de
Cuche (1999, p.149):
As culturas populares revelam-se, na análise, nem inteiramente dependentes,
nem inteiramente autônomas, nem pura imitação, nem pura criação. Por isso,
elas confirmam que toda cultura particular é uma reunião de elementos
originais e importados, de invenções próprias e de empréstimos.
Segundo Souza (2004, p. 93), os programas de auditório são os “que mais
aproximam o telespectador da realidade da produção em televisão”. Além disso, este gênero
televisivo está sempre relacionado à dinâmica dos quadros, à concepção cênica, ao estilo e à
linguagem do apresentador e à forma como ele se relaciona com a platéia no estúdio, com os
convidados, jurados e telespectadores. Essas são algumas estratégias de comunicabilidade
desse gênero de programa, de acordo com Souza.
Nas emissoras de televisão paraenses, o programa de auditório também
conquistou um lugar estratégico. Em 12 de novembro de 1988, foi exibido pela primeira vez o
Programa Carlos Santos pelo SBT-Belém, canal 5, em caráter experimental. Esta atração da
afiliada paraense do Sistema Brasileiro de Televisão estava em conformidade com o estilo
popular da programação da emissora do empresário e apresentador Sílvio Santos.
Depois desta breve passagem pelo SBT-Belém, a atração comandada por
Carlos Santos estreou em abril de 1989, na TV Guajará, canal 4, onde fez muito sucesso. O
programa era transmitido ao vivo, aos sábados de manhã, das 9 horas ao meio-dia.
No período de 1991 a 1994, o programa foi suspenso devido ao fato de Carlos
Santos ter sido eleito vice-governador do Pará. Em 1994, o programa voltou a ser exibido,
ininterruptamente, até junho de 2010, quando saiu do ar devido à candidatura de Carlos
Santos ao cargo de deputado estadual.
Ex-camelô, cantor, locutor de rádio, empresário do ramo do varejo e político
que chegou a ocupar o posto mais alto do Poder Executivo, o de governador do estado, Carlos
Santos tem uma trajetória rica em significados sociais e culturais. Sua imagem está
relacionada à identificação do telespectador com o programa. Assim, dedica-se um item do
Capítulo II à história de vida e ao perfil do apresentador.
No Capítulo III, dedicado à Metodologia, destaca-se a base amostral que utiliza
como corpus quatro programas, exibidos em 23/11/1995, 12/07/2003, 06/03/2004 e
10/01/2009. Os DVDs com a gravação dos programas foram entregues à pesquisadora pela
produção do Programa Carlos Santos que não permitiu interferência na escolha das datas de
18
exibição. Diante desse fato, foi preciso elencar critérios de análise dos programas, a saber:
cenário, quadros e dinâmica do programa (relação do apresentador com o auditório e com o
telespectador, participação da plateia no estúdio, das dançarinas de palco e do locutor do
programa, anúncios de patrocinadores e duração do programa). Para facilitar o entendimento,
os programas foram denominados de A, B, C e D, respectivamente.
A fim de estabelecer o desenvolvimento e o histórico da TV paraense, foi
realizada pesquisa qualitativa com profissionais do rádio e da televisão paraenses, listados na
metodologia do trabalho, entrevistados no período de dezembro de 2010 a janeiro de 2012.
Foi também incorporada ao estudo a pesquisa bibliográfica documental.
O Capítulo IV é dedicado à análise dos programas e o Capítulo V aos
resultados da análise.
19
2 A TELEVISÃO E O COTIDIANO
2.1 A televisão e a sua cotidianidade
O surgimento dos meios de comunicação na América Latina, no século XX,
transformou a cultura cotidiana. Essa transformação, porém, numa terra onde “as tradições
ainda não se foram e a modernidade não terminou de chegar” (GARCÍA CANCLINI, 2006, p.
17) se deu (e se dá) conjugando a tradicional oralidade com as novas experiências
audiovisuais e tecnológicas.
A esquizofrenia cultural e a ausência de espaços de expressão política, como
nos diz Martín-Barbero (2009 ou 2004, p. 25), potenciam a cena dos meios de comunicação,
principalmente a televisão.
Desta forma, a América Latina colocou a televisão em uma posição especial,
considerando as características socioeconômicas, políticas e culturais desse continente, ao
torná-la palco central da constituição de imaginários coletivos.
O que, portanto, necessitamos pensar é a profunda compenetração – a
cumplicidade e a complexidade de relações – que hoje se produz na América
Latina entre a oralidade, que perdura como experiência cultural primária das
maiorias, e a visualidade tecnológica, essa forma de “oralidade secundária”
tecida e organizada pelas gramáticas tecnoperceptivas do rádio e do cinema,
do vídeo e da televisão (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 47).
Segundo Rezende (2000), a televisão no Brasil conta com um lugar
privilegiado dentre os meios de comunicação de massa, pois para grande parte da população
ela assume a função de ser a única fonte de acesso às notícias e ao entretenimento, graças a
sua capacidade de penetração nas diferentes regiões. Sendo assim, não se pode deixar de
considerar os impactos inquestionáveis que a TV trouxe para o país nestes mais de 60 anos de
existência, como a mudança de hábitos da população e a disseminação de novas posturas
sociais e tendências da moda. A TV tornou-se, assim, um elemento importante da vida
cotidiana, contribuindo para a estrutura e a organização da rotina das pessoas.
Rezende (2000, p. 23) cita algumas razões para o sucesso e a popularidade da
televisão no país:
Vários fatores contribuíram para que a TV se tornasse mais importante no
Brasil do que em outros países: a má distribuição da renda, a concentração
da propriedade das emissoras, o baixo nível educacional, o regime totalitário
20
nas décadas de 1960 e 70, a imposição de uma homogeneidade cultural e até
mesmo a alta qualidade da nossa teledramaturgia.
Ressalta-se, ainda, que a televisão funciona como uma válvula de escape para a
rotina e uma forma das pessoas se sentirem parte de um contexto maior, de se perceberem
inseridas na cultura hegemônica. A identificação existe e a recepção se completa porque a
programação tenta criar condições de verossimilhança com o universo habitual do
telespectador.
Destaca-se que a linguagem televisiva é composta por três elementos: icônico,
sonoro e lingüístico. Falar ao telespectador é exatamente combinar com equilíbrio esses
elementos.
De acordo com Rezende (2000), o elemento icônico está relacionado à
percepção visual, à imagem que o telespectador vê e reconhece, porque ela (a imagem)
pertence a sua realidade física (um animal) ou cultural (um eletrodoméstico).
O elemento sonoro, segundo este mesmo autor, é relativo à música e aos
efeitos sonoros e se manifesta de forma isolada ou como parte da montagem de uma atração
televisiva. Este elemento tem um forte efeito emotivo no espectador, a exemplo da música-
tema de um personagem de telenovela ou da trilha de uma vinheta de um determinado
programa ou telejornal.
Por fim, o código lingüístico que abarca a imensa variedade de palavras e a
combinação dessas palavras que dá origem às frases.
A força da imagem (elemento icônico), porém, seria a chave do poder de
comunicação da televisão, comparada a outros meios como o rádio e o jornal, como aponta
Rezende (2000). Segundo este autor, a despeito da imagem ser o código básico e o mais
impactante na linguagem televisiva, a palavra falada (elemento lingüístico) cumpre um papel
fundamental nesse contexto. A TV não pode prescindir do verbal, porque é ele que completa a
imagem.
Dessa forma, o verbal permite que o telespectador apenas ‘ouça’ a TV, quando
assim desejar fazê-lo, visto que a palavra, assim como o som, pode ser ouvida de qualquer
ambiente que o telespectador esteja, mesmo que este espaço não conte com um aparelho de
TV. Basta que a TV esteja próximo ao telespectador para que ele possa escutá-la.
De acordo com Rezende (2000), para criar essas condições, a televisão teve
que aprender a falar com o telespectador. Para isso, ela desenvolveu seu poder de chamar a
atenção, utilizando uma linguagem coloquial, inscrita no senso comum e nos padrões de uma
21
determinada cultura. Mas o autor faz uma ressalva. Fazer uso da palavra informal não quer
dizer, no entanto, liberdade total quanto às regras gramaticais, mas sim emprego de uma
linguagem compatível com o perfil da audiência e comprometida com a comunicabilidade.
Assim, a TV reúne imagem, som e palavra, criando signos facilmente
reconhecíveis que falam imediatamente aos sentidos, pois a televisão não se distingue por
imagens extraordinárias, como o cinema, mas sim pela busca do reconhecimento e da
identificação do telespectador. Familiaridade, portanto, é uma das características mais
marcantes da TV, visto ser ela um meio de comunicação que convive com as pessoas na
intimidade, na trivialidade.
O lar e o cotidiano como espaços onde a mídia produz seus efeitos e convive
tão proximamente com a família é tema abordado por Silverstone (1999). O autor refere-se à
mídia de um modo generalista, mas concentra o seu pensamento na televisão e no
computador.
As considerações desse autor sobre o lar, sob o ponto de vista de um espaço da
mídia e mediado, é centrada na força simbólica das portas das casas e seus movimentos de
entrada e saída que permitem o acesso ao mundo lá fora, assim como são portais para o
mundo seguro e reservado do interior das residências.
Em um mundo pautado pela tecnologia, as portas são as telas dos meios
eletrônicos. Segundo Silverstone (1999, pp.170-171), por meio da televisão, as pessoas
entendem as suas próprias vidas, marcam as passagens do tempo cotidiano e vivem em um
espaço sem lugar.
Eis o que diz o autor:
E agora temos novas portas, marcadas pela soleira da televisão ou da tela do
computador. Portas e janelas que nos permitem ver e transpor, de fato, a
imaginação. Ligar, conectar-se é transcender o espaço físico, é claro. Mas é
adentrar, como sempre foi, mesmo no mundo da mídia impressa, um
território marcado, que oferece um vislumbre de algo sagrado; ordinário mas
ultramundano; poderoso em sua capacidade de nos dar a ilusão – e às vezes a
realidade – do controle adquirido e exercido; poderoso, também naquilo que
amiúde se crê que ele é capaz de fazer para nós.
Ao destacar a relevância da recepção e da mediação nos estudos televisivos,
Martín-Barbero (2009) também trata da cotidianidade familiar. O autor refere-se ao ambiente
do lar como um lugar rico de subjetividades, onde atuam as mediações.
É nesse espaço de relações estreitas e de proximidade, de confrontação,
manifestação de angústias e de privação e exacerbação dos desejos de seus habitantes que se
22
manifesta a expressividade da cultura da televisão. (Martín-Barbero, 2009, p. 295) “começa a
se estabelecer uma concepção que vê na família um dos espaços fundamentais de leitura e
codificação da televisão.”
No entanto, complementa este autor, o núcleo familiar é mais do que um
habitat de mediação, pois ele também inscreve regras fundamentais na linguagem e no
formato do conteúdo televisivo. Alguns desses dispositivos primordiais que a cotidianidade
estabelece e a TV assimila são: a simulação do contato e a retórica do direto.
Ao explicar o conceito de simulação do contato, Martín-Barbero (2009) trata
da necessidade de intermediários para tornar mais fácil a interação e a identificação do
telespectador com o produto oferecido pela televisão. A simulação do contato se dá por meio
dos mediadores (apresentadores, repórteres) que lançam mão, ao se comunicar, de um tom
pretensamente íntimo e da linguagem coloquial para se aproximar do telespectador e ser seu
interlocutor com o mundo exibido no vídeo.
Esse recurso do diálogo entre apresentador, repórter e telespectador é uma
característica marcante dos programas televisivos produzidos e exibidos principalmente na
América Latina, onde a cultura oral ainda é forte, resquício do parentesco ancestral tribal, do
sentimento de responsabilidade e de envolvimento coletivo.
No entanto, o papel de interlocutor desempenhado pelo apresentador é bem
maior do que apenas o de um transmissor de informações, visto que o diálogo direto e cordial
entabulado com o telespectador é uma necessidade imposta pela simulação do contato, como
explica Martín-Barbero (2009, p.296):
E a necessidade, então, de intermediários que facilitem o trânsito entre a
realidade cotidiana e o espetáculo ficcional. A televisão recorre a dois
intermediários fundamentais: um personagem retirado do espetáculo
popular, o animador ou apresentador, e um certo tom que fornece o clima
exigido, coloquial. O apresentador-animador – presente nos noticiários, nos
concursos, nos musicais, nos programas educativos e até nos ‘culturais’, para
reforçá-los – mais do que um transmissor de informações, e na verdade um
interlocutor, ou melhor, aquele que interpela a família convertendo-a em seu
interlocutor. Daí seu tom coloquial e a simulação de um diálogo que não se
restringe a um arremedo do clima familiar.
O discurso televisivo que familiariza, que induz à intimidade, requer rostos
amistosos. As fisionomias que produzam identificação e sensação de imediatez são
características do meio televisivo e da vida cotidiana e são antagônicos ao cinema, onde as
ações são metafóricas e por vezes oníricas, e os rostos estão repletos de simbolismo.
23
Esta é a retórica do direto, na concepção de Martín-Barbero (2009, PP. 296-
297):
Na televisão, nada de rostos misteriosos ou encantadores demais; os rostos
da televisão serão próximos, amigáveis; nem fascinantes, nem vulgares.
Proximidade dos personagens e acontecimentos: um discurso que familiariza
tudo, torna mais próximo até o que houver de mais remoto e assim se faz
incapaz de enfrentar os preconceitos mais familiares. Um discurso qiue
produz seus efeitos a partir da mesma forma com que organiza as imagens:
do jeito que permitir maior transparência, ou seja, em termos de
simplicidade, clareza e economia narrativa.
Ao destacar a predominância do oral na televisão, Machado (2005) chama a
atenção para o grande número de conteúdos televisivos que têm por base a entrevista, o
depoimento, o comentário e o debate, além do diálogo estabelecido entre os apresentadores-
animadores e seus públicos, nos programas de auditório.
Ainda hoje, de acordo com o autor, a palavra oralizada continua sendo a base
da programação das emissoras de TV brasileiras, mesmo que exista a utilização de recursos
gráficos computadorizados em maior escala. (MACHADO, 2005, p.71/72) “Herdeira direta
do rádio, ela (a televisão) se funda primordialmente no discurso oral e faz da palavra a sua
matéria-prima principal.”
Vale destacar que o texto oral, base da pseudo-intimidade entre o apresentador-
animador e seu espectador, pode explicar o sucesso alcançado por um dos gêneros televisivos
mais tradicionais da televisão brasileira: o programa de auditório. Esse gênero televisivo é
essencialmente marcado pela comunicação direta entre o apresentador, a platéia presente no
estúdio de gravação e o telespectador.
2.2 Um pouco da história da televisão no Brasil
Para compreender melhor o cenário brasileiro, quando houve a implantação da
televisão, é necessário levar em consideração o contexto dos anos 50. A seguir, destaca-se
tópicos considerados pertinentes como o ambiente socioeconômico, político e cultural do país
naquele período e a relação desse cenário com os meios de comunicação de massa.
O Brasil da década de 1950 dava os primeiros passos rumo ao processo de
industrialização e urbanização, contando com a força econômica da classe dominante
24
concentrada nas grandes cidades e uma população predominantemente rural e jovem. As
disparidades regionais eram profundas e o número de analfabetos, elevado. Segundo Mattos
(2009), 20% da população era urbana, enquanto 80% viviam na zona rural, em 1950.
Nesta época, o país não contava com uma sociedade de consumo forte e
poderosa, fato que limitava significativamente o acesso da população ao novo meio de
comunicação que estava surgindo, a televisão.
Soma-se a isto, o fato de o Brasil não possuir um parque industrial
desenvolvido, preparado para produzir bens duráveis, como o aparelho televisor, tampouco
infra-estrutura consolidada, do ponto de vista da locomoção e comunicação de pessoas e
produtos.
Nos anos seguintes, o crescimento industrial caminhou a passos largos, de
acordo com Mattos (2009), incentivando a migração acelerada da população das áreas rurais
para as capitais e, consequentemente, favorecendo o surgimento do proletariado e da classe
média urbana. Tanto que, em 1975, de acordo com o autor, 60% da população já vivia nas
cidades e São Paulo já era o maior centro industrial e comercial do país.
Segundo Mattos (2009), experimentalismo, improvisações e amadorismo
marcaram a chegada da televisão no país, fato datado oficialmente em 18 de setembro de
1950. A ousada iniciativa foi do empresário paraibano Assis Chateaubriand que mandou
buscar de avião dos Estados Unidos duzentos aparelhos para serem utilizados na primeira
transmissão da TV Tupi, em São Paulo. Os televisores foram instalados em lojas e bares da
cidade e no saguão dos Diários e Emissoras Associados, grupo empresarial de comunicação
de Chateaubriand, constituído de jornais, revistas e emissoras de rádios e televisão.
O transmissor de televisão da marca RCA Victor foi colocado no topo do
prédio do Banco do Estado de São Paulo, no centro da capital paulista, e as imagens foram
geradas a partir de um estúdio também localizado no centro da cidade. Assim foi inaugurada a
televisão brasileira.
É importante destacar a relação de poder da elite brasileira com o processo de
implantação da TV no país, como explica Mattos (2009, p. 50):
Quando a televisão chegou ao Brasil, a vida cultural do país era concentrada
no Rio de Janeiro. O Copacabana Palace Hotel oferecia atrações
internacionais a todos aqueles que desejavam jogar no que era considerado o
menos violento cassino do mundo, como descrito em folhetos turísticos
promocionais da época. Quando o jogo foi banido, nos anos cinqüenta, a
elite foi encorajada a procurar por novos tipos de diversões, numa época em
que, tanto a classe alta como a média estavam conscientes que lhes faltava o
último e mais moderno símbolo de desenvolvimento tecnológico que seus
25
semelhantes estavam desfrutando nãos países industrializados. O
estabelecimento da televisão no Brasil atendeu ao crescente desejo desses
grupos por novos entretenimentos.
A partir deste ponto, seguindo os passos de Malcher (2009, p.p. 75-76),
propõe-se um deslocamento de foco das questões gerais que envolvem a implantação da TV
no Brasil para o tratamento desse tema de modo mais específico, relacionado diretamente aos
processos de desenvolvimento dos veículos de massa, partindo do rádio, considerado a mídia
antecessora da televisão no Brasil:
Na verdade, o rádio se introduz no Brasil em 1922 e durante toda essa
década se faz a partir de experimentações e pouco penetração no país. Sua
expansão e modificação iniciam-se em 1930 com a chegada do rádio de
válvula, proporcionando, consequentemente, seu barateamento e
possibilitando sua disseminação.
Outra característica do rádio na década de 1930 é o fato das emissoras
passarem a contar com recursos estáveis e programação mais estruturada, devido a permissão
oficial da veiculação de publicidade nesse veículo. Esse fator foi determinante para que o
rádio deixasse para trás a sua fase experimental e começasse um modelo pautado nas
atividades comerciais, abrigando profissionais oriundos do cinema e teatro, duas formas de
entretenimento usuais na época, como destaca Malcher (2009).
Foram esses profissionais os responsáveis pela produção de atrações que
marcaram para sempre a indústria cultural do rádio brasileiro, a exemplo dos famosos
programas de auditório, dos humorísticos e das radionovelas, que ajudaram a fazer do rádio o
mais popular meio de comunicação de massa do país na década de 1950. Esse
amadurecimento e profissionalismo possibilitaram a criação das bases da linguagem televisiva
no país.
Quadro 1: Alguns programas de rádio famosos nos anos 50.
Emissora Programa Gênero Apresentador
Rádio Nacional-RJ Edifício Balança,
mas não Cai
Humorístico Paulo Gracindo
Rádio Nacional-RJ Consultório
Sentimental
Feminino Helena Sangirardi
Rádio Nacional-RJ A Turma do Sereno Musical/Seresta Paulo Tapajós
26
Rádio Nacional-RJ Este Mundo é uma
Bola
Auditório Fernando Lobo
Rádio Nacional-RJ Jerônimo, o Herói do
Sertão
Radionovela
Vários
Rádio Tupi-RJ Calouros em Desfile Musical Ary Barroso
Rádio Clube de
Niterói-RJ
Cassino do
Chacrinha
Variedades Abelardo Barbosa
Fonte: Adaptado dos sites Tele História (http://www.thtv.com.br/notícias) e Década de 50
(http://decadade50.blogspot.com/2006/09/radio-nacional-e-o-sistema-de-estrelato) por Ferreira (2011).
O período anterior à implantação da televisão, marcado pela consolidação do
rádio como a mídia mais popular, é também caracterizado por uma fase de efervescência
cultural no país, como descreve Malcher (2009, p. 77):
No contexto existente nas décadas que antecederam a vinda da televisão para
o Brasil, apesar de não ser considerado como a época de total implantação da
indústria cultural, são detectados movimentos que demonstram que vários
setores dessa área se encontravam em ebulição (revistas, jornais e livros) que
aumentava seu volume de circulação; o rádio se expandia e se consolidava
como veículo de maior poder de penetração em relação aos demais. O
cinema demonstrava atividades marcadas pela forte hegemonia dos produtos
norte-americanos no mundo todo e, em particular, no terceiro mundo.
Naqueles anos também se configuravam as tentativas do cinema nacional.
Chega, então, a fase de implantação da TV. Este fato é caracterizado pelos
recursos técnicos televisivos rudimentares e mão de obra proveniente do rádio. Outra
peculiaridade do primeiro período da TV no país é a forte influência da publicidade, sendo
esta a principal fonte de renda das emissoras. Um exemplo disso eram os programas daquela
época batizados com os nomes dos patrocinadores, como o Repórter Esso, telejornal adaptado
de um programa de rádio, mantido pela Esso, empresa norte-americana de petróleo, exibido
de 28 de agosto de 1941 até 31 de dezembro de 1968.
Porém, mesmo com a grande influência da publicidade na programação, fator
que poderia massificar e popularizar demais os programas, Mattos (2009) classifica de elitista
a primeira fase da televisão brasileira (de 1950 a 1964). Esta classificação está relacionada
tanto ao alto custo do aparelho televisor, quanto à qualidade da programação. Como a infra-
estrutura industrial e logística do país era precária, os televisores não eram fabricados aqui. Os
aparelhos eram importados, o que restringia o seu acesso às classes mais abastadas.
27
Sobre essa realidade, afirma Mattos (2009, p. 81):
O preço de um televisor era três vezes maior que o da mais sofisticada
radiola da época, pouco menos que um carro. Além disso, não existia
nenhuma indústria de componentes para televisores no país, até mesmo as
válvulas eram importadas dos Estados Unidos.
Por outro lado, de acordo com o autor, as emissoras não contavam com uma
estrutura comercial estável e fortalecida, os recursos técnicos eram primários e elas
dispunham apenas do suficiente para manter as estações no ar. Além disso, a audiência era
restrita, porque era formada pela elite da sociedade. Estes fatores foram determinantes para
que a TV enfatizasse certos formatos de programas, considerados por Mattos (2009), mais
elevados do ponto de vista da qualidade.
Toma-se como exemplo o Jornal de Vanguarda, que foi ao ar em 1962, pela
TV Excelsior. Este telejornal, que contava com a participação de profissionais respeitados
provenientes do jornalismo impresso, foi idealizado pelo jornalista Fernando Barbosa Lima,
criador de inúmeros programas de TV.
O Jornal de Vanguarda recebeu prêmios internacionais pela sua qualidade.
Porém, não resistiu à censura imposta pelo golpe militar de 1964 e deixou de ser exibido em
1968.
Por sua vez, Ortiz (2006) faz uma abordagem que diverge da tese de Mattos
(2009) quanto à primeira fase da TV brasileira. Segundo Ortiz (2006), grande parte das
atrações exibidas pelas emissoras tinham sim um caráter popular. O fato é que esta
programação era destinada ao pequeno público que podia comprar um aparelho de TV.
Portanto, os telespectadores é que faziam parte da elite brasileira e não a programação é que
era de aspecto cultural elevado.
Destaca-se a opinião de Ortiz (2006, p. 73):
Não deixa de ser irônico observar que para diversos autores a história da
televisão brasileira como meio de massas seja considerado elitista. Trata-se
de um rótulo que vamos encontrar quase que obrigatoriamente nos estudos
sobre o advento da televisão no Brasil, sejam escritos por acadêmicos ou por
jornalistas que se ocuparam do assunto. Na verdade, há nessas afirmações
uma boa dose de exagero, uma vez que elas esquecem que a totalidade da
programação da época era composta por programas populares, e não por
peças de cunho cultural; por exemplo, shows de auditório, programas
humorísticos, música popular, telenovela. Não é por acaso que esta tendência
conflita com a acima descrita, pois a televisão brasileira recrutava a maioria
de seus quadros entre antigos profissionais do rádio, onde este tipo de
programação já havia se consagrado como popular.
28
É importante notar que esses profissionais da TV – uns oriundos do teatro e
outros do rádio –, citados por Ortiz (2006), estabelecem uma espécie de hierarquia e de
mobilidade na dinâmica de funcionamento das emissoras de televisão, nas primeiras décadas
desse meio de comunicação no país. Os profissionais originados no rádio eram relacionados a
um tipo de programação identificada como popular, enquanto os do teatro eram vistos como
uma elite cultural.
Sendo assim, de acordo com Ortiz (2006), a programação televisiva do período
demonstra que existe uma hierarquia de valores que agrupa, de um lado, programas
considerados mais nobres – a exemplo do teatro e do teleteatro - e de outro lado, os programas
populares. Estes últimos eram produzidos segundo o antigo modelo do rádio.
Segundo Ortiz (2006), esse aspecto hierárquico marcante da programação
televisiva nos primórdios da TV nacional reflete uma característica da formação social dos
meios de comunicação no país que é muito forte, particularmente, em relação aos programas
de auditório: eles sempre foram vistos como produções de segunda linha. (ORTIZ, 2006, p.
87): “O rádio-teatro e o cinema falado se aproximam do pólo da modernidade mais culta,
ficando os shows de auditório e os programas humorísticos no segundo plano.”
No desenvolvimento histórico dos meios de comunicação de massa no Brasil,
não se pode desconsiderar as consequências e influências do Regime Militar (1964-1985). O
fim do Jornal de Vanguarda é um dos exemplos iniciais da atuação desta política imposta
pelo militares no processo de comunicação.
Eis a explicação de Mattos (2009, p.p. 34-35) para a relação do Regime Militar
com o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa:
Entre outras coisas, segundo os próprios revolucionários de 1964, o
movimento ocorreu a fim de construir um programa de desenvolvimento
nacional através de nova ordem social e econômica. Inicialmente, o regime
militar assumiu uma política de descentralização de incentivos a fim de
reduzir as desigualdades de condições de vida e de desenvolvimento entre
regiões e cidades. Essa política também exigiu a construção de um espírito
nacional baseado na preservação das crenças, cultura e valores brasileiros. A
fim de alcançar esses objetivos, o regime precisou de um meio de
disseminação das idéias da nova ordem, ou seja, das aspirações e conceitos
de desenvolvimento, paz e integridade do movimento revolucionário. Os
meios de comunicação de massa se transformaram no veículo através do
qual o regime poderia persuadir, impor e difundir seus posicionamentos,
além de ser a forma de manter o status quo após o golpe. A televisão, por seu
potencial de mobilização, foi mais utilizada pelo regime, tendo também se
beneficiado de toda a infraestrutura criada para as telecomunicações.
29
Considerando a evolução da TV no Brasil, Mattos (2009, p.p. 78-79)
estabelece um movimento gradual dividido em seis momentos, descrito no Quadro 2, com
base no contexto socioeconômico, político e cultural do país, que vale ser destacado a título
de melhor compreensão do tema.
Quadro 2: Movimento gradual da TV
Período Fases Observações
1950-1964 Elitista quando o televisor era considerado um luxo
ao qual apenas a elite econômica tinha
acesso;
1964-1975 Populista quando a televisão era considerada um
exemplo de modernidade e programas de
auditório tomavam grande parte da
programação;
1975-1985 desenvolvimento
tecnológico
quando as redes de TV se aperfeiçoaram e
começaram a produzir, com maior
intensidade e profissionalismo, os seus
próprios programas com estímulo de órgãos
oficiais, visando, inclusive, a exportação;
1985-1990 da transição e da expansão
internacional
durante a Nova República, quando se
intensificam as exportações de programas;
1990-2000 de globalização e da TV
paga
quando o país busca a modernidade a
qualquer custo e a televisão se adapta aos
novos rumos da redemocratização;
começa no
ano 2000
de convergência e da
qualidade digital
com a tecnologia apontando para uma
interatividade cada vez maior dos veículos de
comunicação, principalmente a televisão,
com a internet e outras tecnologias da
informação. Fonte: Adaptado de Mattos (2009, p.p.78/79) por Ferreira (2011).
Entende-se que, neste ponto, cabe retratar brevemente a maneira como os
programas de auditório foram vistos e tratados na segunda fase da TV no país (1964-1975).
Segundo Mattos (2009, p. 97), foi nessa fase que houve a redução do custo do
televisor, como resultado do aumento da produção do aparelho no país, e a presença dos
30
investimentos publicitários se tornou mais forte. Com uma audiência maior, os conteúdos
televisivos se tornaram mais populares, baseando-se na tríade: novelas, enlatados (filmes
norte-americanos de entretenimento) e shows de auditório.
A partir de janeiro de 1970, o governo federal começou a se preocupar
oficialmente com o ‘baixo nível’ da produção televisiva. O resultado dessa iniciativa foi a
criação de uma comissão, em 1971, composta por representantes dos ministérios das
Comunicações, Educação, Justiça e Trabalho, como o objetivo de analisar o conteúdo da TV.
Mattos (2009, p. 101) faz referência a essa época:
Nas administrações de Médici e Geisel, muitos ministros, professores e
críticos fizeram palestras e deram declarações sobre as implicações e
responsabilidades educacionais e culturais da televisão, sobre o conteúdo de
seus programas e sobre os efeitos negativos dos mesmos. Como um
resultado indireto disto, a televisão brasileira avançou e melhorou suas
técnicas e os padrões culturais, bem como iniciou um processo de
nacionalização da programação.
Mattos,(2009, p. 11) ressalta também a importância dos estudos dos meios de
comunicação de massa, a partir de experiências locais, como se propõe nesta pesquisa. A
opinião do autor toma proporções mais relevantes principalmente por se tratar de experiências
televisivas de um país do terceiro mundo, como o Brasil, que passou da situação de
dependência da importação de programas de TV de outros países para a formação de uma
indústria televisiva de ponta, geradora e exportadora de atrações de diversos gêneros, em
especial, as telenovelas.
O caso do Brasil nos leva a repensar as suposições e hipóteses de inúmeras
teorias que vêm estudando o desenvolvimento dos meios de comunicação,
principalmente a televisão, nos países periféricos. Exatamente por isso
acreditamos que estudos de caso podem ser de maior utilidade para se
compreender o crescimento da mídia no Brasil do que muitas abordagens
que tentam estudar a evolução da televisão brasileira a partir, unicamente, de
uma perspectiva global.
Fecha-se este item destacando-se alguns pontos tratados, a exemplo da
influência do rádio como mídia antecessora da televisão, o contexto de surgimento da TV e o
papel deste veículo no cenário socioeconômico do país. No próximo item, aborda-se um
pouco da história do rádio no Brasil e no Pará, com destaque para alguns programas que
marcaram por sua originalidade e popularidade.
31
2.2.1 Programas de auditório no rádio
A característica do programa de auditório no rádio, segundo Barbosa Filho
(2009), é a multiplicidade de informações e diversidade de seções. Mas o entretenimento é a
tônica e está presente nos quadros de humor e nos números musicais. Mesmo assim, há
espaço para as seções de prestação de serviço (orientações sobre o trânsito, divulgação de
datas de programas de saúde pública, como vacinação etc) e de notícias sobre fatos da
atualidade, esporte e política.
O Programa Casé - o que a gente não inventa, não existe, dirigido por Ademar
Casé, é considerado um dos pioneiros do gênero entretenimento, segundo Barbosa Filho
(2009). A atração iniciou a sua transmissão em fevereiro de 1932, na Rádio Philips, depois
convertida em Rádio Nacional do Rio de Janeiro. O programa foi transmitido pela última vez
em 1951, um ano após o surgimento da televisão no país. O Programa Casé lançou o
primeiro jingle do rádio brasileiro3, revelou alguns dos maiores nomes da música brasileira -
como Noel Rosa, Braguinha e Ari Barroso – e apresentou também ao Brasil a radionovela e
os programas de crônica policial.
Em meados da década de 1950, a época de ouro dos programas de auditório no
rádio estava chegando ao fim nas emissoras do país. Começava o declínio do gênero que fez
tanto sucesso e levou diversão e alegria a milhões de pessoas. O programa de auditório
desapareceu das emissoras de rádio do Brasil na década de 1960, porque os seus custos
ficaram inviáveis, em razão da queda das receitas publicitárias que eram destinadas ao
veículo.
Porém, mesmo enfraquecido, o programa de auditório no rádio ainda teve
fôlego anos mais tarde, a exemplo do programa Balancê, surgido na década de 1980, na então
Rádio Excelsior de São Paulo, como destaca Barbosa Filho (2009).
Apresentado pelo locutor esportivo, Osmar Santos, o Balancê recebia artistas,
personalidades e políticos para entrevistas, trazia reportagens e serviços. Contava também
com a dupla de humoristas, Nelson Tatá e Carlos Roberto, e com a locução de Juarez Soares.
O radialista e apresentador de televisão, Fausto Silva, participava do programa como repórter
ou assumindo vez ou outra a apresentação.
3 O primeiro comercial é um jingle do compositor Antônio Nássara, década de 30, para uma padaria da Rua
Voluntários da Pátria, em Botafogo, no Rio de Janeiro, veiculado no Programa Casé, da Rádio Phillips: “Ó
padeiro desta rua!/ Tenha sempre na lembrança/ Não me traga outro pão/ Que não seja o Pão Bragança!”.
32
Em 1983, em função do maior envolvimento de Osmar Santos em projetos para
a televisão e a ida de Juarez Soares para a TV Bandeirantes, em São Paulo, Fausto Silva se
torna o apresentador titular do programa, acentuando o lado cômico da atração, junto com a
dupla de humoristas, Nelson Tatá e Carlos Roberto. Em outubro deste mesmo ano, o Balancê
passa a contar com a presença da platéia no auditório da rádio Excelsior.
De acordo com Barbosa Filho (2009), em função do êxito do programa, em
março de 1984, ele passa a ser exibido pela TV Gazeta, somente para São Paulo, com o nome
de Perdidos na Noite. Fausto Silva continua na apresentação. Em setembro do mesmo ano, o
programa passa para a TV Record. Em 1986, o Perdidos na Noite passa a ser transmitido pela
TV Bandeirantes para todo o Brasil. O programa foi o embrião do Domingão do Faustão4,
produção da Rede Globo que está no ar até hoje.
Em Belém, não foi diferente do resto do país. Em entrevista concedida à
pesquisadora em dezembro de 2010, em seu apartamento em Belém, o radialista Jaime
Bastos5, um dos locutores de rádio daquela época, falou principalmente sobre os programas de
auditório da Rádio Marajoara, onde atuou por muitos anos.
A entrevista com Bastos integra a pesquisa qualitativa realizada com
profissionais do rádio e da televisão paraenses, listados na metodologia deste trabalho. Os
profissionais foram entrevistados no período de dezembro de 2010 à novembro de 2011.
Bastos iniciou sua carreira na Rádio Clube do Pará, em 1949, passando ao
longo dos anos por diversas emissoras paraenses. Foi na área técnica que ele começou sua
atuação no rádio, época em que já ouvia a Rádio Nacional do Rio de Janeiro e prestava
atenção no modo de falar dos locutores. Em seguida, fez locução de comerciais, participou de
rádionovelas e apresentou programas esportivos e de auditório.
Um dos programas que mais marcou a sua carreira foi o Vesperal Alegre que
ele começou a apresentar, ao vivo, em 1954, na Rádio Marajoara, nos estúdios instalados no
bairro de Nazaré, na capital paraense. O Vesperal era um programa de variedades, exibido nas
tardes de sábado, das 16 às 18 horas. O show de calouros, a participação de cantores
paraenses e o envolvimento do auditório faziam da atração vespertina um sucesso.
O auditório do programa ficava lotado, com quase 800 pessoas, graças ao
sucesso da atração e ao preço irrisório do ingresso. A platéia era bastante receptiva e Bastos
4 O programa Domingão do Faustão, apresentado por Fausto Silva, está no ar desde 1989. É uma das mais
antigas atrações da Rede Globo. 5 Jayme Bastos, radialista, advogado, aposentado do Tribunal de Contas, concedeu a entrevista em dezembro de
2010, em Belém.
33
aproveitava esse comportamento para chamar uma pessoa do auditório para cantar ou dançar
no palco.
Os patrocinadores do Vesperal Alegre eram os seguintes produtos: Fósforo
Moça, Rum Bacardi e Tintas Renner. Devido a esses bons patrocínios, o programa premiava
os calouros com uma quantia em dinheiro, enquanto os vencedores das brincadeiras feitas
com o auditório ganhavam brindes.
Bastos trabalhou na Rádio Marajoara até 1959. Depois, juntamente com o
jornalista Linomar Baía, foi fazer parte da equipe que montou a Rádio Guajará, permanecendo
nesta emissora cerca de seis anos. Posteriormente, foi para a Rádio Liberal, onde trabalhou
doze anos. Também trabalhou nas rádios Rauland e Maguari, onde ficou até o ano de 1995.
Na década de 1960, foi eleito vereador de Belém, mas abandonou a política em
1967 e fez concurso público para auditor do Tribunal de Contas.
Outro nome conhecido do rádio paraense é Ivo Amaral6. Radialista,
comentarista esportivo e publicitário, Amaral começou a carreira na Rádio Marajoara em
agosto de 1957, aos 15 anos de idade, exercendo a função de rádio-escuta, no departamento
de esportes da emissora. No jargão jornalístico, rádio-escuta é a pessoa encarregada de ouvir
os noticiários das emissoras de rádio a fim de informar a redação sobre os fatos que merecem
uma apuração mais aprofundada com o objetivo de gerar uma matéria ou entrevistas.
Inaugurada no dia 6 de fevereiro de 1954, pelo diretor dos Diários e Emissoras
Associados Zona Norte, o jornalista Frederico Barata, a Marajoara era considerada uma rádio
padrão deste grupo de comunicação, segundo Amaral. A emissora, juntamente com os jornais
A Província do Pará e O Imparcial, faziam parte do império de comunicações de Assis
Chateaubriand no Pará.
A Marajoara revolucionou o meio radiofônico paraense com sua programação
diversificada e modernos equipamentos importados, como rádios para escuta, gravadores e
microfones potentes.
Além disso, a emissora contava com 11 locutores, uma orquestra com
aproximadamente 15 componentes, um conjunto de música regional e outro de música
romântica. Havia também um grupo de atores de rádioteatro, um grupo de comediantes e
cerca de 15 cantores. Estes artistas formavam o cast da emissora.
A infra-estrutura física também era grande: três auditórios eram usados para as
diversas atrações produzidas na emissora. O maior deles tinha 714 lugares. Estava instalado
6 Ivo Amaral é radialista, comentarista esportivo, publicitário e proprietário da Ivo Amaral Publicidade.
Concedeu entrevista em 25 de outubro de 2011, em sua agência de publicidade, em Belém.
34
onde funciona hoje o Banco Santander, na avenida Nazaré, um ponto nobre de Belém. Neste
espaço, eram apresentados os programas de auditório da emissora, como o Rádio
Divertimentos 20, com o professor de português, Clodomir Colino, exibido nas noites de
domingo, e o Vesperal Alegre, com Jaime Bastos, aos sábados.
Durante os 15 dias em que se festeja o Círio, festa católica em homenagem à
Nossa Senhora de Nazaré, realizada no segundo domingo de outubro, em Belém, este
auditório maior recebia artistas da cidade e de outras capitais, como cantores, mágicos e
vedetes, para o Show Nazareno.
Aos 19 anos de idade, Amaral assumiu a chefia do departamento esportivo da
Rádio Marajoara. A emissora começava as transmissões às seis horas da manhã e só saia do ar
à uma da madrugada. Segundo o publicitário, os textos lidos nos programas eram todos
redigidos por uma equipe de redatores, pois não havia espaço para muitos improvisos, como
ocorre atualmente na maioria das emissoras do país. Ele permaneceu na Marajoara até 1982,
ano em que começou a trabalhar na Rádio Liberal, como comentarista de esportes.
Outro veterano da Rádio Marajoara é o radialista e bacharel em Ciências
Contábeis, Graciano Almeida, funcionário do Arquivo da TV Cultura do Pará. Ele atuou
como rádio-ator na Patrulha da Cidade, programa de jornalismo policial que fez história no
rádio paraense. O programa estreou em 1965. A música “... é uma tristeza, uma infelicidade,
ouvir meu nome na Patrulha da Cidade...” abria o programa, de segunda à sexta-feira, na hora
do almoço.
A atração contava com duas sequências: a Ronda da Cidade que narrava os
casos investigados pela polícia e Os Dramas da Cidade que transformava os fatos em novela,
num tom bem-humorado.
A Patrulha da Cidade teve vários apresentadores, mas o mais marcante foi
Paulo Ronaldo, como recordou Graciano Almeida. Paulo Ronaldo era repórter policial do
jornal A Província do Pará, quando foi convidado para apresentar o programa pelo diretor da
rádio, Adwaldo Castro.
Os textos eram ensaiados pelos atores um pouco antes de o programa começar.
Almeida lembrou alguns radioatores que faziam a Patrulha da Cidade com ele, como:
Tacimar Cantuária, Iracema Oliveira, Lindolfo Pastana e Astrogildo Corrêa.
A Rádio Marajoara AM é propriedade da Carlos Santos desde maio de 1982.
Em 31 de dezembro de 1988, o apresentador colocou no ar a Rádio Marajoara FM 100,9. Nas
manhãs de domingo, de 8 horas ao meio-dia, ele apresenta o seu programa, no qual divulga
35
artistas da música nacional e regional e faz sorteios de prêmios. Desde o final de 2011, o
programa dominical de Carlos Santos passou a ser apresentado na Marajoara AM.
Antes da Marajoara, durante 26 anos, a PRC-5 Rádio Clube do Pará foi a única
emissora de rádio do Estado. Fundada por Roberto Camelier, Eriberto Pio e Edgar Proença, a
transmissão inaugural da Rádio Clube ocorreu em 22 de abril de 1928. Assim como as
primeiras rádios do Brasil, a PRC-5 surgiu sob a forma de associação, em que os integrantes
pagavam mensalidades fixas para manter a emissora. O prefixo pertenceu à família Proença
até 1983, ano em que o empresário Adolpho Bloch comprou a emissora, alguns meses depois
de inaugurar a TV Manchete, no Rio de Janeiro. Desde 1992, a emissora pertence ao Grupo
RBA de Comunicação.
A terceira rádio inaugurada em Belém foi a Liberal AM, em 06 de outubro de
1960. A emissora era de propriedade do então governador do Estado, o general Moura
Carvalho, membro do Partido Social Democrático (PSD). Em 1970, a Liberal foi vendida ao
empresário Romulo Maiorana. Até hoje, a emissora pertence à família Maiorana, proprietária
do Grupo Liberal de Comunicação.
A Guajará AM inaugurou poucos meses depois da Liberal, no dia 24 de
dezembro de 1960. A emissora pertencia ao ex-governador Lopo de Castro, integrante da
Coligação Democrática Paraense (CDP).
2.3 Memória da televisão paraense
Para entendermos melhor o desenvolvimento da televisão no Pará, vale uma
resumida incursão histórica pela conjuntura do Brasil e do Estado nos anos em que se
implantou esse importante meio de comunicação no país, antes da digressão sobre a memória
da TV paraense propriamente dita.
Para fazer um recorte de memória buscando o papel da produção televisiva no
Estado, especialmente em Belém, partiu-se do depoimento de algumas pessoas que
vivenciaram alguns momentos dessa produção. Assim, tenta-se reconstruir um pouco da
história da televisão paraense, sem a pretensão de esgotar tema tão rico e abrangente.
Segundo Pereira (2002), quando a televisão chegou ao Pará, em 30 de setembro
de 1961, com a inauguração da TV Marajoara, canal 2, o Brasil vivia o período que antecedeu
ao Regime Militar. O início dos anos 60 foi marcado por acontecimentos anteriores ao Golpe
36
de 1964, como a renúncia inesperada do presidente Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961,
e a campanha nacional, liderada pelo governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola,
defendendo a posse do vice-presidente João Goulart, então contestada pelas Forças Armadas.
João Goulart (“Jango”) assume, então, a presidência e seu governo dá espaço a
organizações sociais, preocupando classes conservadoras. No comício realizado na Central do
Brasil, em 3 de março de 1964, Jango prometia Reformas de Base. Em oposição, os
conservadores organizaram, quase uma semana depois, a Marcha da Família com Deus pela
Liberdade, em São Paulo. Essa tensão fez com que João Goulart deixasse o país e se
refugiasse no Uruguai. De acordo com Pereira (2002), o governador do Pará, Aurélio do
Carmo, que governou o estado de 1962 a 1964, também apoiava Goulart, por isso foi deposto
pelo Golpe Militar.
Paralelamente ao contexto político, as emissoras nacionais estavam buscando
formas de atuar e conquistando estabilidade técnica, profissional e comercial. Desta forma, o
fator político interferiu na consolidação da televisão no país, desde a primeira emissora
inaugurada, a TV Tupi, em 1950, a primeira emissora de TV do Brasil e da América Latina,
de propriedade de Assis Chateaubriand.
Depois vieram muitas outras emissoras, como a TV Paulista, em 1951 (que
passa às Organizações Victor Costa – TV e Rádio Excelsior – em 1955), a TV Record em
1955 e a TV Cultura de São Paulo em 1960. A Rede Globo entra no ar em 1965, consolidando
a televisão como o meio de comunicação de massa mais popular do país e acentuando a
decadência das emissoras do grupo dos Diários Associados, como destaca Pereira (2002).
Com exceção da TV Excelsior, ligada a João Goulart, todas as emissoras de
TV da época foram acusadas de apoiarem os militares em seu projeto de integração nacional,
em sua lógica de segurança nacional. A Excelsior, perseguida pelo regime, sai do ar
definitivamente em 1970. Já a Globo, na mesma época, já era líder de audiência.
2.3.1 Desenvolvimento da televisão no Pará
As primeiras emissoras de televisão foram implantadas fora do eixo Rio – São
Paulo somente a partir de 1959, segundo Pereira (2002). Nessa época, Assis Chateaubriand,
proprietário do grupo de comunicação mais poderoso do país, os Diários Associados, fez
diversas inaugurações de emissoras de televisão, do Sul ao Norte do país.
37
Naquele momento, já se usava o termo rede para caracterizar a
homogeneização da programação em nível nacional. No entanto, as emissoras regionais e
estaduais ainda produziam grande parte do próprio conteúdo pelas dificuldades técnicas e
operacionais de comunicação com as suas sedes e porque o videoteipe7 estava em sua fase
inicial de utilização no país. Até então, a televisão era feita exclusivamente ao vivo.
O videoteipe permitiu a gravação prévia de programas destinados a
transmissões posteriores. Ele começa a ser usado no Brasil em 1960, em substituição aos
equipamentos pesados, com película, que exigiam a revelação do filme antes da edição de
imagens.
O VT trouxe um considerável avanço para a televisão, afirma Mattos (2009),
porque permitia que uma mesma atração fosse vista em todo país em um horário determinado,
pois cada emissora recebia antecipadamente a fita com a cópia do programa a ser exibido.
Segundo este mesmo autor, a utilização do videoteipe possibilitou a
implantação de uma programação horizontal, criando o hábito de o telespectador assistir à
televisão rotineiramente, sobretudo às telenovelas. Com o uso do VT, se tornou obsoleta a
programação de caráter vertical que consistia na exibição de programas em horários diferentes
todos os dias.
Quando a televisão chegou ao Pará, o clima na capital paraense era de avidez
por entrar na modernidade, registra Pereira (2002). Como opção cultural e de entretenimento,
a cidade contava com cerca de dez cinemas que mostravam chanchadas nacionais, filmes
norte-americanos e europeus, e com cines-teatros que apresentavam números de teatro de
revista.
A inauguração da TV Marajoara, canal 2, em 30 de setembro de 1961, ligada
ao grupo dos Diários Associados, ocorreu no momento em que as emissoras começavam a
usar o videoteipe.
Os hábitos da população da capital, nessa época, são lembrados por Pereira
(2002, p. 15):
No começo dessa era, o móvel da televisão na sala ainda era um raro sinal de
status em Belém. Muitos dos privilegiados proprietários ligavam o aparelho
às 18h30 e passavam meia hora vendo apenas a imagem do indiozinho que
marcava o padrão de entrada da TV Marajoara no ar, até às 19 horas, quando
começava o primeiro programa. Poucos telespectadores escapavam de
compartilhar o serão com algum ‘televizinho’, termo que se tornou comum à
7 Equipamento usado para gravar magneticamente áudio e vídeo, originado nos Estados Unidos.
38
época e só desapareceu quando a ampliação do crediário e a indústria
eletroeletrônica nacional contribuíram para a popularização dos receptores.
Em função do seu pioneirismo, como relembra o publicitário, Ivo Amaral
(2010), a TV Marajoara foi uma escola de onde saíram profissionais que aprenderam a fazer
televisão sem manual, lançando mão de conceitos que eles haviam utilizado no rádio. Amaral
se inclui nesta escola. Ele foi um dos primeiros contratados da TV Marajoara, onde
apresentou quase todas as atrações da emissora. Só não participou das novelas.
Amaral (2010) recorda o profissionalismo da emissora:
A Rádio e a TV Marajoara funcionavam 24 horas produzindo os programas,
apesar da TV só entrar no ar às 18h30 e sair às 23 horas. Essa rotina de
trabalho só era possível porque a estrutura era muito grande e bem equipada
e o elenco era de primeira. Foi assim que a emissora conseguiu uma
popularidade enorme, principalmente aos domingos, dia em que os números
chegavam a 90 por cento de audiência.
Amaral começou a fazer televisão na noite da inauguração da TV Marajoara.
Ele foi um dos apresentadores do show Noite Cheia de Estrelas que durou três horas e contou
com a presença de artistas paraenses e nomes nacionais, a exemplo do compositor e cantor
pernambucano, Luiz Vieira8.
Neste mesmo ano da inauguração, 1961, a Marajoara transmitiu o Círio com a
presença de repórteres em pontos estratégicos da procissão. Amaral participou desse momento
histórico, na função de repórter. “Foi emocionante. Esta foi a primeira transmissão externa da
TV paraense”.
Dessa forma, a TV Marajoara se mostrou em sintonia com o ambiente e o
caminho do país rumo ao progresso. O logotipo da emissora paraense era o mesmo logotipo
da TV Tupi, (Figura 01), um indiozinho da tribo dos Tupinambás.
8 Luiz Vieira nasceu em 12 de outubro 1928, em Caruaru, no interior de Pernambuco. Mudou-se para o Rio de
Janeiro ainda menino, onde foi crooner de orquestra em um cabaré do bairro da Lapa. Depois, conseguiu ser
contratado pelas rádios Tupi e Record, em São Paulo, que pertenciam às Emissoras Associadas. Também
apresentou programas de TV, como Encontro com Luiz Vieira, na TV Excelsior, canal 9, de São Paulo, que
estreou em 1962. Ganhou as paradas de sucesso com a canção Prelúdio Pra Ninar Gente Grande, mais
conhecida como Menino Passarinho. Até hoje, prefere ser chamado de cantador.
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Figura 1: Carta de Ajustes da TV Tupi utilizada a partir de 1951
Fonte: Adaptado de Memória da Televisão Paraense e os 25 anos da TV Liberal, 2002
Figura 2: Índio Tupi usado na logomarca da TV Marajoara
Fonte: Adaptado de Memória da Televisão Paraense e os 25 anos da TV Liberal, 2002
Grande parte da programação da emissora era composta por conteúdo local,
produzido por quase cem pessoas, comandadas pelo diretor de TV, Péricles Leal, enviado
pelos Diários Associados. Amaral (2010) conta que foi Leal o responsável pela seleção e
treinamento da equipe.
Apesar de estarem sempre muito atrelados ao conteúdo gerado nas sedes das
emissoras, a TV Marajoara e as emissoras mais antigas instaladas em Belém, como a TV
Guajará, inaugurada em 27 de março de 1967, puderam desenvolver uma programação com
características paraenses. A Marajoara, por exemplo, contava com uma produção local
variada, pautada em programas de entrevista, de variedades, de auditório, musicais, infantis e
tele-teatro.
Um desses programas era o Notícias a Rigor exibido aos domingos à noite.
Segundo contou Amaral, se tratava de um programa jornalístico que contava com sete
apresentadores, entre eles, o próprio publicitário, todos eles vestidos com traje a rigor. Cada
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apresentador tratava de um tema diferente, como política, variedades, economia, cultura.
Amaral fazia o comentário esportivo.
Por sua vez, a TV Guajará, canal 4, de propriedade dos empresários Lopo e
Conceição de Castro, iniciou as suas operações no auge do regime militar. O símbolo
escolhido para representar a emissora foi um Saci, como se vê no trecho da grade de
programação abaixo (Figura 3):
Figura 3: Programação TV Guajará com o símbolo que a representava, o saci
Fonte: Adaptado de Memória da Televisão Paraense e os 25 anos da TV Liberal, 2002
Do seu estúdio no alto do edifício Manoel Pinto da Silva, no coração de Belém,
a TV Guajará começou transmitindo a programação da TV Record, de São Paulo, segundo
Pereira (2002). Em 1969, a emissora trouxe a programação da TV Globo para a capital
paraense, sendo, assim a primeira afiliada do país da emissora de televisão carioca.
A chegada da TV Guajará esquentou o mercado local e deu início à disputa por
audiência entre esta emissora e a TV Marajoara, como destaca Pereira (2002, p. 16):
A entrada da Guajará esquentou o mercado e instalou a disputa pela
audiência. A ‘briga’ era tão grande que, em dezembro de 1967, a Revista TV
Roteiro, ediatada aqui mesmo por Jaime Bastos e Gil Mont’ Alverne, fazia
campanha pela compra do segundo televisor, para evitar desavenças
domésticas.
Uma das atrações da TV Guajará era o Capitão Furacão, apresentado pelo ator
e radialista Kzan Lourenço. Vestido como um velho capitão de navio, Kzan Lourenço divertia
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as crianças do auditório contando suas aventuras pelos mares do mundo. A atração marcou
época e é lembrada até hoje, principalmente pelos veteranos da TV paraense. “O programa foi
um sucesso imediato”, relembra o radialista Graciano Almeida (2011)9, que começou a
trabalhar em televisão nos primórdios da TV Marajoara, como mimiografista, e hoje é um dos
responsáveis pelo arquivo de imagens da TV Cultura do Pará.
Ainda sobre a TV Guajará, outro antigo integrante dos quadros da televisão
paraense, o jornalista e publicitário, José Paulo Vieira da Costa (2011)10
, relembra o Jornal da
Terra, nome do telejornal que durava seis minutos e exibia notícias do meio rural. Como a
equipe era muito pequena, além de criar e dirigir os programas, Costa (2011) redigia os textos
do telejornal. Ele também escrevia as chamadas de divulgação da programação da emissora e
as lia, ao vivo, nos intervalos dos filmes.
Em 1976, em virtude de divergências políticas, a família Lopo de Castro
perdeu a concessão da TV Globo para a TV Liberal, canal 7, das Organizações Romulo
Maiorana, inaugurada em 27 de abril daquele ano.
Segundo o site Tele História (2011), esse foi um período de dificuldades para a
TV Guajará que via os faturamentos publicitários minguarem e não tinha dinheiro para pagar
todos os funcionários.
Ainda em 1976, a Guajará passa a receber gravações da Rede Bandeirantes e se
torna uma das primeiras afiliadas do país da rede de televisão paulista que, na época, estava
em formação. De acordo com Costa (2011), foi neste momento que surgiram na TV Guajará o
programa de esportes de Ivo Amaral e o programa de entrevistas e de números musicais do
radialista Eloy Santos.
Costa (2011) conta também que, no início da década de 1980, a TV Guajará
comprou o prédio da TV Marajoara, no bairro de Nazaré. De posse de uma infraestrutura
física muito maior e contando com equipamentos mais modernos, a emissora pôde pensar em
uma programação mais ousada.
Um exemplo desse novo tempo foi o surgimento do TV Cidade, em 1984, um
programa destinado a um público heterogêneo, inspirado nos tradicionais programas de
auditório da TV brasileira e no TV Mulher, programa da TV Globo lançado em 1980, exibido
de segunda a sexta-feira de manhã, apresentado pela jornalista Marília Gabriela. A atração
estava em sintonia com a imagem de uma nova mulher que vinha se consolidando no país:
9 Graciano Almeida, radialista, concedeu a entrevista em abril de 2011, em Belém.
10 José Paulo Vieira da Costa, jornalista e publicitário, concedeu a entrevista em janeiro de 2011, em Belém.
42
urbana, profissional e mais dona de suas convicções. O programa ficou no ar durante seis
anos.
O TV Mulher era um misto de programa jornalístico com entretenimento que
trazia como atrações notícias do Brasil e do mundo comentadas, entrevistas, números
musicais e quadros destinados ao público feminino, como o da sexóloga, Marta Suplicy, que
comentava as cartas que recebia dos telespectadores, na maioria, sobre dúvidas de cunho
sexual e a respeito de relacionamentos amorosos. Atualmente, Marta Suplicy é senadora do
Partido dos Trabalhadores, por São Paulo.
Costa (2011), criador e diretor do TV Cidade, falou sobre a concepção do
programa:
Queríamos algo muito popular, mas que ao mesmo tempo se comunicasse
bem com todas as classes sociais. Pensamos, então, em um programa nos
moldes do TV Mulher, da TV Globo. Só que a nossa versão falaria mais
diretamente ao povo, pois teríamos um auditório com pessoas fazendo
pedidos para solucionar seus problemas mais prementes e reivindicações de
serviços públicos. O cenário seria uma estilização de uma redação de um
jornal impresso, como o TV Mulher, com estações onde um comentarista
falaria sobre esporte, outro sobre polícia, em outra sessão, notícias da
sociedade paraense, e mais as entrevistas feitas pelo apresentador do
programa, o ator Kzan Lourenço, com médicos, advogados, autoridades, etc.
Haveria também o espaço para a apresentação dos artistas, como um palco.
Tudo simples e colorido, mas de bom gosto. Foi assim que surgiu o TV
Cidade.
De acordo com Costa (2011), Kzan Lourenço, já falecido, foi escolhido devido
ao fato de ele conhecer a linguagem televisiva, pois já havia apresentado o Capitão Furacão,
na TV Guajará. Além disso, Lourenço era ator, sabia usar a voz e tinha um tom tranquilo e
um jeito muito espontâneo de se relacionar com o público e com o telespectador. “Kzan
Lourenço tinha um estilo único que não pode ser comparado com nenhum outro apresentador
de programa de auditório do país,”, elogia Costa.
Costa (2011) rememora alguns números do programa e dá sua opinião acerca
do êxito alcançado por esta atração da TV paraense, que era exibida de segunda à sexta-feira,
do meio-dia às 15 horas:
O TV Cidade foi um sucesso tremendo. Ficou no ar por cerca de 15 anos. O
auditório lotava com a presença de umas 150 pessoas que queriam participar
do programa mais popular da TV paraense, sobretudo às sextas-feiras,
quando abríamos mais espaço para os números musicais. Muitas vezes, os
pedidos feitos pelas pessoas do auditório eram atendidos na mesma hora por
quem estava assistindo ao programa. Todos os artistas que vinham fazer
43
show em Belém se apresentavam no TV Cidade. Assim como os artistas
paraenses mais populares, que não tinham espaço em outras emissoras, como
os ídolos do estilo de música brega que estava surgindo naquela época, a
exemplo de Beto Barbosa e Ted Max.
Em janeiro de 1989, Carlos Santos, que havia recusado em 1980 o convite da
Guajará, é novamente convidado por esta emissora para fazer o Programa Carlos Santos na
TV.
Desta vez ele aceita o convite e estreia o seu programa de auditório, ao vivo,
em abril de 1989. A atração era exibida aos sábados de manhã, com três horas de duração, das
9 horas ao meio-dia, com diversos quadros compostos por apresentação de calouros e de
cantores e bandas, gincanas e sorteios, como: Viva a Criança, Bairro Contra Bairro e Show de
Variedades.
O Programa Carlos Santos na TV fez parte de um contexto histórico bastante
rico e efervescente da cultura paraense, ocorrido na década de 1980. De acordo com Costa
(2011), foi nesse clima de inquietação cultural que ocorreu a inauguração de três emissoras de
televisão: o SBT Belém (1981), unidade regional do Sistema Brasileiro de Televisão, do
empresário e comunicador Silvio Santos; a TV Cultura do Pará (1987), emissora pública do
Governo do Estado, e a RBA – Rede Brasil Amazônia de Televisão (1988), afiliada da TV
Manchete do Rio de Janeiro.
Enquanto o SBT priorizava uma programação de caráter popular, encabeçada
pelo programa de auditório do dono da emissora, Sílvio Santos, a TV RBA surgia com a
mesma proposta da TV Manchete, do Rio de Janeiro, da qual era afiliada. Ou seja, apuro
estético de imagem e atrações de nível cultural mais elevado, voltadas para as classes de
maior escolaridade e poder aquisitivo.
De propriedade do empresário Jair Bernardino, dono da Belauto, holding que
tinha como carro-chefe uma revendedora de automóveis da montadora Volkswagen, a RBA
foi inaugurada em 15 de dezembro de 1988, com uma grande festa que contou com
autoridades, políticos, empresários paraenses e artistas do elenco da TV Manchete. O prédio
moderno da emissora e a imensa torre de concreto construída ao lado dele chamavam a
atenção de quem passava pela movimentada avenida Almirante Barroso, a principal via de
acesso ao centro da capital.
Com equipamentos novos e avançados e uma equipe grande de profissionais, a
TV RBA foi ao ar com uma programação local ousada para uma emissora em fase inicial de
operação, ancorada por três telejornais locais exibidos diariamente. Uma dupla de
44
apresentadores conduzia cada um dos telejornais que duravam de 30 a 40 minutos. José
Carlos Raimundo, Karina Wilker e esta pesquisadora foram alguns destes apresentadores.
Costa (2011), que também atuou como supervisor geral de produção e imagem
nos primeiros anos da RBA, relembra os objetivos de Jair Bernardino em relação à emissora e
as ações de planejamento da empresa:
Em Belém, a estratégia de Bernardino para a RBA era consolidar uma
emissora de televisão forte, competitiva, bem montada, muito bem equipada,
e que, embora integrada à uma rede nacional, tivesse ampla vocação
regional. Isto não só daria suporte de comunicação a todas as empresas
Belauto, mas também ajudaria o grupo a alçar novos negócios. A idéia era, a
partir de Belém, gerar, via satélite, programação de rede, mas também
expressiva grade regional para, inicialmente, 49 pontos no Pará, ao mesmo
tempo brigando inteligentemente por maior espaço para fazer programação
local. Bernardino acreditava que poderia formar uma rede regional
Amazônia-Centro, a partir de Belém. A concorrência prendeu a respiração.
Com um jornalismo robusto, tanto factual quanto o de eventos, conforme relato
de Costa (2011), as matérias produzidas pela RBA tinham presença constante nos telejornais
da Rede Manchete.
No telejornalismo local, além dos telejornais e programas, marcou, entre
outras, pela transmissão pioneira, ao vivo, do Círio Fluvial, em outubro de 1989. Essa romaria
é realizada nas águas da Baía do Guajará, no sábado que antecede ao domingo da procissão do
Círio. Ela cumpre um percurso de dez milhas, do trapiche do distrito de Icoaraci até a
escadinha do Cais do Porto, em Belém.
Algumas datas importantes para o cenário cultural do país e do estado foram
transformadas pela RBA em especiais de TV: carnaval, quadra junina, Círio de Nazaré, Natal.
A emissora também criou um evento, a queima de fogos, na torre da emissora, comemorando
a passagem do ano, no dia 31 de dezembro, que perdura até hoje, segundo Costa (2011).
Comparada à TV RBA, a proposta do SBT Belém era bem mais tímida e
simplória, do ponto de vista de estratégia empresarial e fomento da produção local.
O jornalista Sérgio Palmiquist (2011)11
, que foi diretor de jornalismo do SBT
Belém na segunda metade dos anos 80, afirma que a emissora contava apenas com um
telejornal de 20 minutos, exibido às 19 horas, de segunda a sexta-feira, apresentado por
Ronaldo Porto e Norma Aguiar.
11
Sérgio Palmquist, jornalista, concedeu entrevista em março de 2011, em Belém.
45
Tratava-se do informativo Cidade 5X, exibido entre 1987 e o ano seguinte,
quando foi substituído pelo TJ Pará. A mudança ocorreu em virtude do lançamento pelo SBT
do Telejornal Brasil, o TJ Brasil, em 28 de setembro de 1988.
Segundo Palmiquist (2011), o SBT não valorizava o jornalismo, assim como a
produção regional. O foco era conquistar anunciantes regionais com base na programação
nacional, pautada, principalmente, no Programa Silvio Santos, nos desenhos animados e
filmes.
Por conta disso, a equipe da emissora em Belém era muito pequena e a
estrutura improvisada, como lembra Palmiquist (2011). “Só tínhamos duas equipes de
reportagem e apenas uma delas contava com repórter. A outra era uma equipe muda que fazia
só imagens.”
Como demonstração da programação local claudicante, a equipe de jornalismo
do SBT Belém chegou a ser demitida e depois recontratada para dar continuidade ao
telejornal. Mas as condições de trabalho continuaram muito precárias. “Conseguíamos fazer
um bom telejornal porque a equipe era muito interessada”, conta Palmiquist.
O jornalista Afonso Klautau (2011)12
, que também foi diretor de jornalismo do
SBT Belém, na década de 1980, conta que as reportagens de cunho policial e aquelas que
partiam de denúncias da comunidade eram prioridade nos noticiosos da emissora. Matérias
sobre cultura e arte, comportamento e esporte eram minoria na pauta dos telejornais.
Por outro lado, segundo Klautau (2011), o TJ Pará foi ao ar em um momento
em que o SBT passou a levar mais a sério o seu jornalismo. Foi a época em que esse
departamento recebeu um tratamento mais profissional, amparado pela estréia do Telejornal
Brasil, informativo nacional do SBT, exibido pela primeira vez em 28 de setembro de 1988,
com duração de 40 minutos.
Em razão de ser considerado um paradigma para o telejornalismo brasileiro e
um fator de mudanças para a concepção do jornalismo do SBT Belém, julga-se importante
fazer algumas considerações sobre o TJ Brasil.
Segundo Rezende (2000), o TJ Brasil surgiu com um modelo bastante original
de telejornalismo, com perfil editorial pautado na figura de seu âncora, o jornalista Boris
Casoy. Veterano da imprensa escrita paulista, Casoy imprimiu credibilidade ao jornalismo da
emissora, com o seu trabalho de ancoragem que lhe permitia editar o telejornal, apresentar
notícias e fazer comentários com liberdade em entrevistas, ao vivo ou gravadas.
12
Afonso Klautau, jornalista, concedeu entrevista em março de 2011, em Belém.
46
A figura do âncora criada pelos telejornais norte-americanos, inicialmente,
inspirou Casoy que se fundamentou no modelo de ancoragem dos Estados Unidos. Porém,
com o passar do tempo e a consolidação do TJ Brasil, o jornalista deu uma feição particular
ao seu trabalho.
Sobre a atuação de Boris Casoy à frente do TJ Brasil, escreve Rezende (2000,
p. 163): “é provável que nenhum jornalista, na condição de empregado, tenha desfrutado de
tanta liberdade para conduzir programas jornalísticos na TV brasileira”.
Rezende (2000) lembra também que, na década de 1990, o TJ Brasil conseguiu
grande audiência em todo o país, especialmente em São Paulo, e trouxe enorme popularidade
ao seu âncora. Com alta pontuação registrada em institutos de pesquisa, o TJ Brasil chegou a
ser o segundo programa do SBT em número de cotas publicitárias, ficando atrás apenas do
Programa Sílvio Santos. Mas como de praxe, em se tratando do SBT, ressalta o autor, o TJ
Brasil mudou de horário de exibição diversas vezes, sem que esse fato, no entanto, provocasse
baixas significativas de audiência.
Porém, após a saída de Boris Casoy o noticioso do SBT perdeu a sua força,
apesar da experiência e do carisma, o novo âncora, Hermano Henning, como ressalta Rezende
(2000). Henning não conseguiu manter a configuração do telejornal, que estava muito
atrelado ao estilo de Casoy, e em 31 de dezembro de 1997, o TJ Brasil teve a sua última
edição.
Após essa digressão sobre o TJ Brasil, volta-se o foco para a realidade
paraense por meio do relato do radialista Antônio Siqueira13
(2010), primeiro supervisor de
operações contratado pelo SBT Belém, que relembra como eram produzidos os telejornais
locais da emissora:
A emissora entrava no ar às 17h, com a programação da TVS, como os
desenhos animados, o humorístico A Praça é Nossa, o Programa Sílvio
Santos e os filmes. A nossa produção regional era apenas o jornal da noite,
às 19h, porque as nossas instalações eram improvisadas. O telejornal de
trinta minutos era gravado no estúdio localizado no último andar do edifício
Manoel Pinto da Silva, um apartamento adaptado, e enviado para o
complexo exibidor na avenida Alcindo Cacela.
Segundo Siqueira (2010), não havia uma continuidade na exibição do telejornal
que ficava um ano ou dois anos no ar e depois era retirado por ordens vindas da sede da
13
Antônio Siqueira, radialista, concedeu a entrevista em dezembro de 2010, em Belém.
47
emissora, em São Paulo, para retornar algum tempo depois. Essa realidade só mudou nos
últimos dez anos, com a regularidade do telejornal SBT Belém, exibido até hoje às 13h.
Além do telejornal, Siqueira lembra-se de outra produção local do SBT.
Tratava-se do programa Sessão Premiada que entrava ao vivo nos intervalos comerciais dos
filmes transmitidos pela rede nacional. O apresentador atendia uma ligação de um
telespectador que deveria adivinhar o nome que faltava no jogo de palavras exibido em um
painel montado no cenário. O telespectador que acertasse a palavra levava um prêmio em
dinheiro. O programa caiu nas graças do público que congestionava as linhas telefônicas da
emissora, na tentativa de ganhar o prêmio.
Em outra ponta, figurava a TV Cultura, emissora pública do Estado do Pará,
com um projeto diferenciado: fazer uma televisão de qualidade, desatrelada das imposições
ditadas pelos interesses comerciais e das regras do mercado.
A TV Cultura do Pará começou a funcionar em 1986, pelo canal 2, apenas
como uma retransmissora da TV Educativa do Rio de Janeiro. Em 13 de março do ano
seguinte, a emissora passa a ter uma programação local com a exibição de um telejornal de
meia hora.
A liberdade para experimentar novos formatos e o estímulo à criatividade
encorajava a equipe formada por jornalistas experientes e outros recém-formados.
Palmiquist (2011) fala da importância da TV Cultura para o panorama
televisivo paraense. “Pela primeira vez, tínhamos uma emissora com espaço para a produção
regional e para experimentações.”
O grupo era comandado pelo jornalista Afonso Klautau (2011), diretor da TV
Cultura do Pará à época.
Klautau (2011) fala sobre o perfil da programação da emissora:
A idéia era implantar uma programação regional com enfoque para o
telejornalismo. E foi isso que fizemos. Um jornalismo atuante na Grande
Belém, que era respeitado porque não se prendia à pauta do Governo do
Estado. Além do jornalismo, produzimos grandes documentários, como um
sobre Serra Pelada e outro abordando a vida e obra do maestro Waldemar
Henrique, e outros programas de variedades e de entrevistas, totalizando
cinco horas de conteúdo local. Outro diferencial, era a linha esportiva com
exibição de competições de esporte amador e campeonatos estudantis. A
nossa meta era fazer bem feito ou não fazer. E como havia um hiato na grade
da TV paraense em relação ao regional, a TV Cultura se destacou com uma
programação de referência.
48
Entende-se que também merece destaque nesta reminiscência da TV Cultura do
Pará o programa de entrevistas mais antigo da TV paraense em exibição, o Sem Censura
Pará, no ar ininterruptamente há 24 anos.
O Sem Censura Pará é um programa de entrevistas feito ao vivo, no início das
tardes, de segunda a sexta-feira. Conduzido por um apresentador, o programa conta sempre
com a presença de três ou quatro convidados que tratam de temas diferentes. Um ou dois
debatedores ajudam o apresentador a estimular o debate.
Desde que começou a ser exibido até hoje, o telespectador pode participar do
programa fazendo perguntas aos convidados ou comentários sobre os temas em questão, por
meio de ligação telefônica.
Nos últimos anos, o correio eletrônico (e-mail) e o twitter, rede social, também
são utilizados para o mesmo fim. Os produtores e estagiários ficam responsáveis para que a
participação do telespectador chegue até as mãos do apresentador.
Desde o seu início, a condução do programa contou com as seguintes
jornalistas: Fátima Aragão, Márcia Freitas, Linda Ribeiro, Daniele Redig, Elane Magno,
Andréa Cunha e esta pesquisadora, atual apresentadora do programa.
A importância do Sem Censura Pará é destacada pelo jornalista Sérgio
Palmiquist (2011), um dos diretores do programa na década de 1990 e, atualmente, um dos
debatedores do programa. “É um programa histórico. O mais interessante da televisão
paraense, porque é dinâmico, cabe qualquer assunto e estimula a participação do
telespectador”.
Como está há muitos anos no ar, o programa conta com alguns espectadores
regulares e entusiasmados. Um destes telespectadores é o defensor público aposentado,
Paraguassú Éleres (2011)14
que assiste ao programa desde os primeiros anos de sua exibição.
O formato e o espaço que o Sem Censura Pará dispensa para os assuntos de
interesse regional mereceram o comentário de Éleres (2011):
O que me faz assíduo telespectador é a transparência e variedade dos temas,
a identidade da paisagem social e da linguagem regional com a sociedade de
Belém e do Pará, bem como a atualidade das matérias e a franquia da
palavra aos entrevistados. Eles mostram as suas caras, sem subterfúgio, “sem
censura”. Sob outro prisma, como, em regra, são três entrevistados e cada
qual trata de um assunto diferente, o convidado não é só inquirido, ao vivo,
por um debatedor e pela apresentadora, mas também pelos outros
convidados. Ou seja, pessoas que necessariamente não são do ramo que, em
tese, ele é conhecedor. Além disso, os entrevistados são ainda questionados
14
Paraguassú Éleres, defensor público aposentado, concedeu a entrevista em março de 2011, em Belém.
49
pelo telespectador, por meio de perguntas ou comentários nem sempre
elogiosos, que querem dissecar a verdade.
O Sem Censura Pará também é citado por Éleres (2011) como exemplo de
prática de produção televisiva de uma emissora pública, em virtude da grande diversidade de
temas de interesse da comunidade que são debatidos no programa, como educação, saúde,
política, meio ambiente, ciência, cidadania, arte e cultura, entre outros.
Éleres (2011) fala ainda sobre a sua participação e simpatia pelo programa:
Além de (sempre que possível) fazer perguntas pelo telefone sobre os temas
que são tratados, tenho o privilégio de ter participado do Sem Censura
como debatedor e entrevistado, tratando de assuntos os mais variados e junto
a pessoas de magno conceito intelectual na sociedade paraense. A maioria
desses programas eu os tenho arquivados e por meio deles vejo a variedade
de temas do programa: 1992 (Acidentados do avião da TABA); 2001
(Emancipação de Icoaraci); 2002 (20 Anos da Defensoria Pública, junto com
o escritor paraense Benedicto Monteiro); 2003 (Novo Código Civil, junto
com o jurista Zeno Veloso); 2004 (Questão de Limites entre Pará e Mato
Grosso); 2006 (Projeto de Lei de Florestas Nativas); 2008 (50 anos da
primeira encenação de Morte e Vida Severina pelo Norte Teatro Escola do
Pará).
Na segunda metade dos anos 70, antes da implantação do SBT Belém, da TV
Cultura do Pará e da RBA, havia entrado no ar a TV Liberal, pelo canal 7, afiliada da TV
Globo. A emissora era de propriedade do empresário e jornalista Romulo Maiorana, que já
possuía o jornal O Liberal e a Rádio Liberal AM.
O jornalista Nélio Palheta15
(2011), diretor de jornalismo da TV Liberal, na
década de 1970, relata o impacto da chegada desta emissora ao solo paraense:
Em 1976, quando a TV Liberal inaugurou, havia duas emissoras, a TV
Marajoara, que retransmitia a TV Tupi, e a TV Guajará, retransmitindo a
Globo, que perdeu a filiação para a nova emissora, que chegou moderna,
com equipamento de última geração. Enfim, era o que a Globo precisava
para ampliar a audiência, o que de fato aconteceu. As duas pioneiras ainda
resistiram algum tempo. A TVM desapareceu não só por causa da
esmagadora audiência da TVL, mas porque o Condomínio Diários
Associados – proprietário do canal 2 estava nos estertores. A chegada da
TVL foi um golpe de morte na Marajoara, uma das mais antigas do Brasil. A
TVM vinha de uma experiência exitosa, nos rastro da TV Tupi; produzia
telejornais, programas de auditório, tinha seu corpo musical, um cast
maravilhoso – gente que migrou do rádio para a televisão. Tudo ao vivo, é
15
Nélio Palheta, jornalista, concedeu a entrevista por e-mail, em janeiro de 2011.
50
claro. A TVM, lembro, tinha um jornalismo atuante, melhor do que o da TV
Guajará.
Segundo relato de Palheta (2011), o jornalismo era estratégico não como uma
decisão da TV Liberal, mas porque estava na grade de programação da TV Globo.
A emissora começou com três telejornais diários: Jornal Hoje (local), Jornal
Liberal (antes do Jornal Nacional), e o Jornal Eletrônico que entrava antes do Jornal
Amanhã - chamado, atualmente, de Jornal da Globo. Só depois foi ao ar o Bom Dia Belém,
apresentado por Ronald Pastor, radialista oriundo da Rádio Liberal.
O ambiente na TV Liberal era inventivo e a equipe mostrava entusiasmo, como
demonstra o comentário de Palheta (2011):
A produção do jornalismo era efervescente, eu praticamente morava na TV,
depois do último telejornal, gravávamos entrevistas no estúdio para o jornal
do dia seguinte. Cantores, artistas nacionais famosos, como João Bosco e
Audir Blanc, em temporada em Belém, passaram pela TV para gravar
entrevista; autoridades, altas horas da noite, iam ao estúdio gravar
entrevistas. Essa era a solução, porque a emissora tinha apenas um vídeo
RCA de quatro polegadas, onde eram rodadas as novelas que vinham do Rio
por avião. Era nessa máquina que se gravavam matérias e também os
comerciais que contratavam.
A presença de Romulo Maiorana, de acordo com Palheta (2011), era constante
nas instalações da emissora. Palheta (2011) ressalta que o empresário dava muito valor ao
jornalismo e que quase toda noite, depois do Jornal Nacional, passava na emissora e ia à
redação perguntar se tudo estava correndo bem.
Não lembro de o Romulo ter interferido gravemente no jornalismo. Recordo-
me de um pequeno episódio, sem muitas consequências, por causa de um
pedido que o reitor da Universidade Federal do Pará, na época, fizera-lhe
para não deixar ir ao ar uma matéria sem grande importância.
Palheta (2011) relembra de um programa da TV Liberal que ainda permanece na
memória de muitos telespectadores: o Pierre Show, uma telerevista social apresentada pelo
colunista social do jornal O Liberal, à época, Pierre Beltrand.
De acordo com Palheta (2011), como a TV Globo era razoavelmente flexível
em relação à grade da programação e por um capricho de Romulo Maiorana foi possível
exibir o Pierre Show. “Era uma tentativa de agradar a alta sociedade paraense. Não demorou
no ar, porque, como produto de TV, era muito ruim”, comenta Palheta. Posteriormente, o
51
Pierre Show passou a ser um quadro dentro do Jornal Liberal Primeira Edição, com a
denominação de Minuto Social.
Segundo o site Tele História (2011), Pierre Beltrand já havia apresentado
programas com enfoque na alta sociedade paraense na TV Marajoara, como o Noite Social
RM que foi ao ar em 1961.
Esta atração foi substituída pelo Pierre Show que trazia entrevistas com artistas
nacionais e locais e contava com a presença de dançarinas que eram chamadas de "pierretes",
jovens que faziam performances na abertura do programa. Na TV Marajoara, o Pierre Show
foi exibido até 1980, ano em que a emissora foi desativada.
Palheta (2010) destaca o jornalismo esportivo da TV Liberal que começou com o
Liberal Esporte, um programa de três minutos que apresentava os resultados dos jogos da
rodada do dia anterior, exibido durante o horário do almoço.
Os comentaristas esportivos Jayme Bastos e Mário Antônio dos Santos foram
apresentadores do programa, assim como o jornalista Zaire Filho. Como não havia uma
editoria de esporte, as matérias só eram feitas quando havia uma equipe do jornalismo
disponível.
Ao se observar a grade de programação das emissoras paraenses, nos anos 1980,
percebe-se que os telejornais locais foram programas estratégicos para todas elas, do ponto de
vista da busca por audiência e da consolidação da marca perante o público. Em segundo lugar,
aparecem os programas esportivos, de entrevistas e de auditório.
2.4 Contexto político e sociocultural de Belém na década de 1980
Considerando que esta pesquisa trata de um programa da televisão paraense e
como este programa começou a ser exibido nos anos 80, acredita-se importante fazer uma
breve abordagem deste período, levando em conta o contexto político e sociocultural da
época.
Sob a ótica dos acontecimentos políticos e sociais, a década de 1980 foi
marcante para a história do século XX, pois se considera que ela delimita o fim da idade
industrial e o início da idade da informação.
Em termos mundiais, a eleição de Ronald Reagan para a presidência dos
Estados Unidos e de Margareth Thatcher para ocupar o cargo de primeira-ministra do Reino
52
Unido foram determinantes para toda a década de 1980, pois delinearam a política neoliberal,
presente ainda hoje na maioria dos países capitalistas.
No Brasil, foi um período de mudanças radicais dos rumos políticos. O país
estava saindo de 20 anos de regime militar e a população foi para as ruas se manisfestar, por
meio de movimentos mobilizadores como o das Diretas Já, que reivindicava eleições diretas
para presidente da República, após a morte de Tancredo Neves, eleito em 1985, e também a
implantação da Constituinte com o objetivo de elaborar uma nova Constituição para o país.
Os jornais paraenses registraram com destaque todos esses fatos. As páginas de
O Liberal (inaugurado em 1946), A Província do Pará (1876-2001) e o Diário do Pará
(1982), estampavam as mudanças na política brasileira e os principais acontecimentos do
mundo.
Um exemplo é a manchete da primeira página de O Liberal, do dia 10 de
agosto de 1981, anunciando a saída do ministro-chefe da Casa Civil, Golbery do Couto e
Silva, e informando o nome de Leitão de Abreu para o cargo, indicado pelo presidente João
Figueiredo, último presidente do período militar. No texto da matéria, o líder político do Pará
na época, coronel do Exército Jarbas Passarinho, então presidente do Senado, comentava a
saída de Golbery do Couto e Silva da Casa Civil, do Governo Federal.
Ainda nesta edição, uma nota informava que o cantor Frank Sinatra já estava
no Brasil para fazer um show no Rio de Janeiro. Ao lado, destaque para a chamada do
programa Viva o Gordo, humorístico comandado por Jô Soares, exibido às 21h15.
Na coluna Repórter 70, a mais prestigiada do jornalismo impresso paraense,
uma nota registrava o desagrado da cantora Simone com a acústica do Ginásio de Educação
Física, da Universidade do Estado do Pará, onde ela se apresentou para um público
entusiasmado que lotou as arquibancadas e a quadra do local.
A gravidez de Lady Diana, esposa do príncipe Charles, herdeiro do trono
britânico, mereceu destaque no segundo caderno do jornal. A nota anunciava que a princesa
esperava o primeiro filho.
E um canto do segundo caderno, havia um registro discreto de mais uma vitória
de Lula, então presidente da Central Única dos Trabalhadores, para a presidência do Sindicato
dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo.
A política regional mereceu registro, também no segundo caderno. Na matéria,
o rival político de Jarbas Passarinho, coronel Alacid Nunes, comentava a adesão do PMDB,
liderado por Jader Barbalho, à Assembléia Nacional Constituinte que iria elaborar a
Constituição de 1988. Foi também na década de 1980 que Jader Barbalho, atual senador da
53
república, consolidou a sua trajetória política com a primeira eleição para o Governo do
Estado em 1982, quando era deputado federal.
O forte fluxo migratório em direção à capital também marcou a década de
1980, como assinala Pereira (2004). Segundo o pesquisador, o crescimento da população das
cidades, nos anos 70 e 80, mostra a nova peculiaridade da ocupação da Amazônia que tem
como uma das causas a dificuldade de acesso a terra. (PEREIRA, 2004, p. 42): “O núcleo
urbano, segundo essa premissa, passa a ser a condição chave de integração do espaço social e
territorial. É nele que passa a se realizar a dominação econômica e política, necessárias à
reprodução do sistema.”
Segundo os dados do Censo Demográfico de 1991, destacados por Pereira
(2004), enquanto na década de 1960, a população urbana representava 37,4% da população
total da Região Norte, na década de 1970, esse percentual subiu para 45,1%, e nos anos de
1980 para 51,7%.
Pereira (2004, p. 43) ressalta que a concentração de um maior número de
pessoas nas cidades propicia a interação econômica, ideológica e cultural desses centros
urbanos, difundindo comportamentos e valores próprios desse modo de vida.
A urbanização, nesse contexto, não está relacionada apenas ao crescimento
das cidades e de sua população. Como alguns autores chamam a atenção, a
urbanização refere-se à multiplicação dos pontos de concentração e de sua
população na cidade; à (re)socialização da população migrante (consumo de
novas informações e busca de satisfação de necessidades básicas como
educação, saúde e novas oportunidades de trabalho); ao desenvolvimento de
uma nova racionalidade propiciada pela vida na cidade, que, tanto interfere
na sua visão de mundo, quanto orienta a sua tomada de decisão; ao
desenvolvimento de uma economia urbana e por um mercado de trabalho em
bases assalariadas. Define-se, portanto, pela instauração do modo de vida
urbano.
Como parte das consequências desse forte processo de urbanização e
concentração da população, Belém viveu com intensidade os agitados anos 80 no cenário
artístico, como indica o DVD, ‘Belém aos 80’ (2007). De acordo com um fragmento do texto
do encarte do DVD, o processo liberalizante da política e a ansiedade por novidades
propiciaram o clima de efervescência cultural da cidade. Surgiram importantes iniciativas na
área artística que contribuíram para o aparecimento de novas idéias e romperam paradigmas
na forma de apresentar trabalhos.
54
No teatro, o Grupo Experiência16
começa o seu trabalho de pesquisa em
espaços da cidade mais fortemente caracterizados pela cultura amazônica, como o Mercado
do Ver-o-Peso. Foi na década de 1980 que o grupo montou pela primeira vez o espetáculo Ver
de Ver-o-Peso que devido ao enorme sucesso é apresentado até hoje. Esse texto teatral é
importante para o teatro paraense porque foi montado a partir da observação do
comportamento e da linguagem dos trabalhadores do mercado.
Na música, o Anestesia Geral17
, grupo de jazz instrumental, também surgiu nos
anos 80, levando dezenas de pessoas às suas apresentações nas noites de quinta-feira, no Roxy
Bar, no bairro do Umarizal. Esse e outros grupos, como o Gema18
, liderado pelo cantor, ator e
locutor Walter Bandeira, falecido em 02 de junho de 2009, despertaram o gosto de parte da
população para a música instrumental feita na capital paraense.
Na artes plásticas, destaca-se a obra do artista Emmanuel Nassar, fortemente
marcada pela apropriação de conceitos e de referenciais da cultura popular. Em 1984, o artista
foi premiado com a obra Currupiu Gigante no Salão Nacional de Artes Plásticas, no Rio de
Janeiro, evento determinante para a sua inserção no circuito brasileiro de arte.
A cidade viu florescer ainda iniciativas pioneiras e inventivas, a exemplo da
Associação Fotoativa19
, voltada para a prática reflexiva do saber fotográfico e das
experimentações, e o Arraial do Pavulagem20
, coletivo de pessoas reunidas em torno dos
ritmos e das festas tradicionais do estado, como as toadas de boi-bumbá e o carimbó, que sai
em cortejo pelas ruas de Belém em datas especiais, como o Carnaval e as festas juninas.
Muitos desses artistas, assim como jornalistas, arquitetos e escritores,
contavam com um ponto de encontro na cidade: o Bar do Parque, ao lado do Theatro da Paz,
na avenida Presidente Vargas. Naquele pequeno reduto da boemia, um espaço eclético e
16
O Grupo Experiência foi fundado em 1971, por um grupo de atores liderados pelo ator e diretor de teatro,
Geraldo Salles, com a proposta de montar espetáculos voltados para a realidade da região norte. Um desses
espetáculos é Verde Ver-o-Peso, uma comédia de costumes de muito sucesso, encenada há 29 anos pelo grupo.
Em março de 2010, o Grupo Experiência comemorou 40 anos de trajetória. 17
O grupo de música instrumental, Anestesia Geral, foi fundado nos anos 80 pelo baterista João Bererê. 18
O grupo Gema foi criado na década de 1970 por Walter Bandeira e um grupo de músicos. O artista
interpretava as canções sob os acordes de Nego Nelson, Kzan Gama, Bob Freitas e Dadadá. As apresentações do
grupo no bar Maracaibo, na rua Alcindo Cacela, em Belém, ficaram famosas na noite paraense, nos anos 80. 19
Fundada em agosto de 1984, pelo fotógrafo Miguel Chikaoka, a Associação Fotoativa funciona até hoje.
Instalada no bairro da Campina, em Belém, a Fotoativa é uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos
que trabalha com o processo de aprendizagem e prática da fotografia voltada para a construção e exercício da
cidadania. 20
O Arraial do Pavulagem surgiu em 1987, a partir da iniciativa de músicos e compositores paraenses que
tinham o objetivo de divulgar a música de raiz produzida na Amazônia, em especial no Pará. Em 2003, o grupo
criou o Instituto Arraial do Pavulagem, uma sociedade civil, sem fins lucrativos, que desenvolve atividades de
educação cultural. O grupo está em atividade até hoje.
55
democrático, surgiram idéias criativas que modificaram e revitalizaram o cenário artístico e
cultural da capital paraense nos frenéticos anos 80.
Se o Bar do Parque era o centro catalizador e difusor de boas idéias e abrigo
dos intelectuais, por outro lado, a cidade contava com uma pujante classe média que absorveu
os principais símbolos socioeconômicos da época, a exemplo dos carros grandes e possantes
que circulavam pelas ruas e da moda extravagante e muito colorida que os jovens exibiam nos
sábados à noite, nas filas dos principais cinemas como o cines Olímpia e Palácio e nos bares e
boates dos bairros nobres.
Os casais de mais idade frequentavam o jantar dançante do restaurante
Avenida, instalado na avenida Nazaré, esquina com a avenida Generalíssmo Deodoro, e a
boate do clube social Assembléia Paraense, na avenida Presidente Vargas. Nas rodas de
conversa, um dos assuntos preferidos era o sucesso da telenovela Vale Tudo (maio de
1988/janeiro de 1989), da TV Globo, que trouxe para a sala dos brasileiros a discussão sobre a
corrupção no país.
2.5 A estratégia do SBT e a chegada da emissora no Pará
Em 1976, de acordo com Mira (1995), o empresário Sílvio Santos começou a
operação do Canal 11 do Rio de Janeiro, emissora denominada de TVS – TV Sílvio Santos,
localizada no bairro de São Cristovão, considerada o embrião do Sistema Brasileiro de
Televisão - SBT que se materializou em 19 de agosto de 1981.
A concessão do governo federal recebida por Sílvio Santos para explorar a
TVS autorizava-o a assumir quatro emissoras de televisão: TV Tupi, em São Paulo; TV
Marajoara de Belém, no Pará, TV Piratini de Porto Alegre no Rio Grande do Sul e TV
Continental do Rio de Janeiro.
Segundo Mira (1995), o SBT foi concebido sob a égide da mesma filosofia
seguida na TVS. Ou seja, o objetivo continuava a ser fazer uma televisão para atender as
demandas do mercado e agradar às classes menos favorecidas do país em termos sociais e
econômicos.
Dessa forma, os programas exibidos pelo SBT seguiam a linha popular –
filmes, desenhos e noticiários. De acordo com Mira (1995), todos eles eram encabeçados pelo
líder de audiência da TV brasileira aos domingos: o Programa Sílvio Santos. Criado em 1968,
56
na TV Paulista, emissora de São Paulo que foi incorporada pela Rede Globo, o Programa
Sílvio Santos foi transferido para a TV Tupi, em 1976, onde ficou até a falência desta
emissora em 1980. Com a inauguração do SBT, em 1981, o programa passa a ser exibido por
esta emissora.
A estratégia de mercado do grupo empresarial de Sílvio Santos é destacada por
Mira (1995):
Todas as suas empresas, o baú da Felicidade, as Lojas Tamakavy, a
financeira, o Clam, a Aposentec, entre outras, têm uma característica
comum: procuram cobrir uma demanda que se situa entre as classes C e D.
Parece-me que uma das razões do sucesso do Grupo Sílvio Santos é que ele
percebeu a existência de um mercado de consumo popular, investiu e lucrou
com o relativo abandono a que este ficou relegado durante os anos 70. Na
segunda metade da década , o Grupo penetrou nesse ‘espaço vazio’ também
no âmbito do imaginário. Um espaço que o ‘projeto Rede Globo’ deixou
aberto, quando optou por uma linha de programação que respondia,
basicamente, aos anseios das classes médias em ascensão a partir dos anos
60.
Um bom exemplo desse modo pragmático de Sílvio Santos gerir o SBT foi a
Sessão Contínua. Tratava-se da repetição do mesmo filme por mais de duas vezes ao longo da
semana, reduzindo os custos de exibição em aproximadamente 50%.
Os filmes apresentados também seguiam a linha popularesca da emissora, a
exemplo de O Homem Cobra, exibido Sessão das Dez. O filme retratava as aventuras de um
homem jovem que se transformava em serpente, após passar por vários estágios de mutação,
graças às pesquisas de um cientista. Segundo Mira (1995), no Rio de Janeiro, o Homem
Cobra chegou a alcançar 41 pontos de ibope, contra a programação da TV Globo.
A história de vida, os valores defendidos e a carreira dos integrantes da equipe
de produtores do Programa Sílvio Santos, núcleo do SBT, é destacada por Mira (1995) que
chama a atenção para a origem humilde e ascensão profissional desses produtores dentro da
empresa de Sílvio Santos e a relação destes profissionais com a filosofia do grupo
empresarial.
A carreira dos produtores do programa se mistura com a da empresa e reproduz
a trajetória de ascensão de Sílvio Santos. Segundo a pesquisadora (1995, p.p. 94-95), “Tão
popular quanto o público do Programa Sílvio Santos é o seu núcleo de produção.”
Na sua maioria, quando essas pessoas entraram no mercado de trabalho tinham
entre doze e dezesseis anos de idade, começaram no rádio e na televisão sem experiência,
ocupando funções subalternas e, paulatinamente, conquistaram cargos de maior
57
responsabilidade e importância. (MIRA, 1995, p. 97): “Todos eles, sem exceção, afirmam
saber, por experiência ou por intuição, o que o povo gosta. Em geral, essa fala significa
também uma recusa do mundo filosófico ou intelectual.”
Essa mesma realidade pode ser observada em Belém, principalmente quanto ao
setor operacional das emissoras de TV locais. Um dos exemplos é o radialista Antônio
Siqueira (2010). Ele não fez curso superior, concluiu apenas o ensino médio e começou a
trabalhar em televisão aos 18 anos de idade, na área técnica da extinta TV Marajoara, na qual
chegou ao cargo de chefe de operações, funcionário responsável pela coordenação do pessoal
que operava os equipamentos da emissora.
Segundo Siqueira (2010), ele foi o primeiro operador de videoteipe do Estado,
visto que esse equipamento foi utilizado em primeira mão no Pará pela TV Marajoara, no
início dos anos 60. “O videoteipe facilitou muito o nosso trabalho, porque é muito mais
prático usar fitas magnéticas do que enormes rolos de filme”.
Quando a TV Marajoara passou a ser uma das concessões do grupo da TVS,
Siqueira foi, automaticamente, remanejado para a nova emissora, sendo contratado como
supervisor de operações.
As primeiras transmissões da TVS Belém foram realizadas no dia 26 de agosto
de 1981, pelo então canal 2, da TV Marajoara. Logo, a emissora passou a operar pelo canal 5.
Os princípios norteadores da emissora paraense seguiam as diretrizes da TVS: a programação
local, caso houvesse alguma, deveria atender ao gosto do cidadão comum.
O contexto histórico da criação do SBT, assim como as circunstâncias da sua
instalação em Belém, é relatado pelo jornalista e publicitário José Paulo Vieira da Costa
(2011):
Em março de 1975, a TV Guajará perde a programação da Globo que passa a
ser exibida na nova emissora que surgia, a TV Liberal canal 7, montada
dentro dos mais modernos requisitos exigidos para uma afiliada de primeira
linha e com transmissor cinco vezes mais potente que o das concorrentes,
além de um sistema de irradiação de sinal perfeito, abrangendo a cidade com
sinal uniforme e seguro. Em julho de 1980, o Governo Federal fecha a Rede
Associada (Diários Associados), com exceção das emissoras de Brasília e de
Salvador. Foi o fim da TV Marajoara, aqui em Belém. Ainda em 1980, o
Governo anuncia a abertura de concorrência para nova exploração desses
canais, dessa vez divididos em 2 blocos. Em 1981, Sílvio Santos ganha um
desses blocos, o que continha o canal 2 de Belém, ainda no mesmo ano
passando para o canal 5. A nova emissora foi instalada, para surpresa de
muitos, em um dos apartamentos do vigésimo quinto andar do edifício
Manoel Pinto da Silva, alugado pelos donos da TV Guajará que encolheram
as instalações do canal 4 para dar lugar à nova concorrente. Pouco tempo
58
depois, a gentileza era esclarecida: a família Castro, dona da Guajará,
compra o prédio da extinta TV Marajoara e lá se instala com novos
equipamentos, a partir de 1983. A programação local popular passa a ser o
forte da emissora, com pontos expressivos de audiência, integrando,
nacionalmente, na época, a Rede Bandeirantes.
Dessa forma, nos primeiros anos de atuação, o SBT Belém não contava,
efetivamente, com uma programação local. Produzia e exibia apenas um telejornal de quinze
minutos (contando com os intervalos comerciais), às 19 horas, que saiu do ar diversas vezes
porque não dava o retorno financeiro que a emissora de Sílvio Santos esperava. O restante da
grade era preenchido com a programação gerada pelo SBT, em São Paulo.
O noticiário era gravado em um estúdio instalado precariamente em um
apartamento no último andar do edifício Manoel Pinto da Silva, área central de Belém, e
depois a fita era enviada para o complexo exibidor localizado na avenida Alcindo Cacela.
59
3 GÊNEROS COMO ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS
3.1 Gêneros televisivos
O processo comunicativo ainda é uma questão instigante para os estudos sobre
comunicação. Ao longo dos anos de constituição do campo da comunicação, criaram-se
inúmeras teorias desde as que enfatizavam as fontes até os estudos de recepção, como
demonstra Silva (2005).
Considerando os meios de comunicação eletrônicos – rádio e televisão – há
estudos que privilegiam o campo da produção, levando em conta as rotinas de escolha dos
temas e a construção da credibilidade dos programas.
No campo da análise do produto, existem pesquisas sobre as linguagens
específicas dos veículos e a forma como as ideologias são transmitidas nas mensagens.
Na área da recepção, campo de interesse muito explorado pelos estudos
culturais que, ainda na década de 1970, começaram a estabelecer suposições para a análise do
processo comunicativo, incluindo pontos relacionados à recepção dos produtos mediáticos,
como ressalta Silva (2005). Principalmente a partir da década de 1980, esses estudos se
voltaram para a identificação do receptor e para o contexto em que se dá a recepção do
produto.
Dentro do contexto dos estudos culturais e do processo de recepção, chega-se
aos estudos latino-americanos, principalmente às pesquisas de Martín-Barbero (2009),
considerado um dos expoentes deste tema. O autor se apóia na teoria do gênero do discurso de
Bahktin (1997) para explicar a relação da linguagem televisiva e a compreensão dessa
linguagem pelo telespectador, vislumbrando um caminho para o entendimento do processo
comunicativo audiovisual.
Vale ressaltar que Bahktin, filósofo russo que viveu no período de 1895 a
1975, não estudou gêneros televisivos, mas sim gêneros discursivos. No entanto, sua obra é
referência até hoje graças à atualidade, coerência e profundidade do seu pensamento.
No intuito de reforçar a ideia de identificação do telespectador por meio do
gênero televisivo, recorre-se às palavras do próprio Martín-Barbero (2009, pp. 304-305),
quando ele diz que a verdadeira função do gênero televisivo é ser “a chave para a análise dos
textos massivos e, em especial, dos televisivos”.
60
De acordo com este autor, os gêneros televisivos são estratégias de
comunicabilidade entre o programa exibido e o telespectador que promovem a interação entre
as duas partes. Martín-Barbero traz, assim, a noção de competência cultural para os estudos da
recepção no meio televisivo, pois aponta o modo como as mensagens, por si só, acionam a
audiência e seus conhecimentos.
Para Bakhtin (1997, p. 301), gênero é um “padrão relativamente estável de
estruturação de um todo”. O autor enfatiza, ainda, a natureza dialógica dos gêneros
discursivos. Ou seja, a constituição dos enunciados se dá na relação negociada entre eles, de
modo que o discurso traz em si múltiplas vozes. O enunciado é construído socialmente e, por
isso,
(...) visa a resposta do outro (dos outros), uma compreensão responsiva ativa,
e para tanto adota todas as espécies de formas: busca exercer uma influência
didática sobre o leitor, convencê-lo, suscitar sua apreciação crítica, influir
sobre êmulos e continuadores, etc. A obra predetermina as posições
responsivas do outro nas complexas condições de comunicação verbal de
uma dada esfera cultural. A obra é um elo na cadeia da comunicação verbal:
do mesmo modo que a réplica do diálogo, ela se relaciona com as outras
obras-enunciados: com aquelas a que ela responde e com aquelas que lhe
respondem, e, ao mesmo tempo, nisso semelhante à réplica do diálogo, a
obra está separada das outras pela fronteira absoluta da alternância dos
sujeitos falantes (BAKHTIN, 1997, p. 298).
Estabelecendo um processo relacional entre esses autores citados, segundo
Martín-Barbero (2009), é por meio dos gêneros televisivos que as competências culturais dos
produtores e emissores das atrações televisivas e do público receptor se tornam reconhecíveis
e estruturadas, visto que esses atores sociais congregam uma matriz cultural comum, mas
negociada. É por isso que o telespectador é capaz de reconhecer um gênero, mesmo
desconhecendo as etapas de produção dos programas e o funcionamento de uma emissora de
televisão.
O autor destaca também o fato de o gênero televisivo indicar a familiaridade do
telespectador com a televisão, pois os gêneros acionam mecanismos de recomposição da
memória e do imaginário coletivos. Ou seja, o telespectador possui um repertório televisivo
construído ao longo do tempo que lhe permite identificar e reconhecer um determinado
gênero de programa proposto pelo emissor, no momento em que está assistindo a um
determinado programa.
61
Deste modo, o telespectador cria uma expectativa diante da atração exibida,
porque o gênero televisivo é o elemento que se coloca entre o produto e o telespectador, no
processo de recepção. O gênero televisivo, portanto, tem relação tanto com o campo da
produção quanto com o da recepção, influenciando nas expectativas criadas pela audiência
quando colocada diante de um produto.
Por meio do reconhecimento do gênero, o telespectador acompanha a
programação da TV e se posiciona de maneira diferente de acordo com o que lhe está sendo
proposto: se um programa de entretenimento, se um telejornal, se uma telenovela.
Para deixar mais claro o raciocínio, toma-se como exemplo o caso dos
telejornais. Diante da leitura de uma nota pelada (notícia lida pelo apresentador do telejornal,
sem a utilização de qualquer imagem sobre o fato narrado), o telespectador espera uma
informação breve, com menor repercussão e importância para a sociedade.
Quando assiste a uma reportagem, caracterizada pela riqueza de imagens,
presença do repórter no local do acontecimento, narração minuciosa do fato, depoimentos dos
envolvidos e opinião de especialistas sobre o respectivo tema, a expectativa do telespectador é
de uma informação aprofundada e mais detalhada sobre o ocorrido.
De acordo com Silva (2005), no caso dos telejornais, há também alguns
mediadores (repórteres, apresentadores) que possibilitam que o telespectador identifique
rapidamente qual o tipo de assunto que será tratado graças ao estilo próprio do repórter de
apresentar os fatos e os temas mais abordados por um determinado profissional da TV.
Toma-se como exemplo uma repórter muito popular da TV Globo: Glória
Maria21
. As suas matérias remetem imediatamente a costumes e fatos ocorridos em países
distantes do Brasil, com culturas muito diferentes da realidade nacional. A forma realista com
que Glória Maria se envolve com o tema da matéria e reporta essa experiência ao
telespectador, a exemplo dos casos em que ela experimenta comida exótica, salta de pára-
quedas ou veste um traje típico de uma determinada localidade, ajudam o espectador a
perceber o que ele pode esperar daquela reportagem.
Segundo Silva (2005), pode-se afirmar que diante da variação dos elementos,
como os formatos que as notícias são repassadas, o reconhecimento dos mediadores e dos
quadros apresentados, o telespectador vai mudando o seu panorama de expectativas ao longo
21
Jornalista formada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Já trabalhou nos
noticiários da Rede Globo: RJTV, Jornal Hoje e Jornal Nacional. Apresentou e fez reportagens para o programa
Fantástico. Atualmente é repórter especial do Globo Repórter.
62
da emissão. Dessa maneira, ele cria expectativas de acordo com o gênero de programa
(telejornal, telenovela, programa de entrevista, programa de auditório).
Machado (2005) também segue os estudos de Bakhtin (1997) sobre gêneros do
discurso para tratar de gênero televisivo. Para o autor, um programa de auditório ou de
entrevistas, um capítulo de uma novela, um comercial publicitário, uma entrada ao vivo do
repórter em um telejornal, são eventos audiovisuais. No entanto, eles correspondem a um
enunciado, porque expressam um conceito por meio de seus conteúdos e de suas temáticas e
da maneira de operar os códigos do audiovisual. A organização relativamente estável desses
conteúdos, ricos em significados, na grade de programação da TV, pode ser chamada de
gênero televisivo.
Machado (2005) trata ainda da heterogeneidade e da mutabilidade dos gêneros
televisivos, destacando que eles não são apenas muito diferentes entre si, mas também se
multiplicam com facilidade, gerando muitos outros gêneros, simultaneamente, o que permite a
produção de um repertório muito grande e rico em permanente exibição na TV.
A esse respeito, Machado (2005, p. 71) escreve:
Eles existem em grande quantidade, chegam a ser mesmo inumeráveis,
aparecem e desaparecem ao sabor dos tempos, alguns deles predominam
mais num período do que em outro, ou mais numa região do que em outra,
muitos deles subdividem-se em outros gêneros menores. Os gêneros existem
numa diversidade tão grande que muitas vezes se torna complicado estudá-
los enquanto categorias. De fato, como colocar no mesmo pede igualdade
eventos audiovisuais tão distintos entre si, como uma narrativa de ficção
seriada, a transmissão ao vivo de uma partida esportiva, o pronunciamento
oficial de um presidente, um videoclipe, um debate político, uma aula de
culinária, uma vinheta com motivos abstratos, uma missa ou um
documentário sobre o fundo do mar?
É importante, no entanto, não confundir o gênero televisivo com o gênero
discursivo, visto que ambos trazem regras de construção e de leitura dos enunciados.
De acordo com Silva (2005), um dos caminhos para fazer a diferença entre eles
é sistematizando-os dentro da esfera do jornalismo, da seguinte forma: o gênero discursivo
refere-se a uma categoria ampla. Tomando como exemplo o jornalismo, o gênero discursivo
está relacionado às suas regras de construção.
Desse modo, cabe na análise do jornalismo como gênero discursivo, tratar de
questões como: discussões sobre objetividade e imparcialidade da imprensa, a construção de
credibilidade, os valores da notícia e os critérios do que é considerado notícia
(noticiabilidade).
63
Por outro lado, quando se analisa o gênero televisivo propriamente dito, é
possível fazer uma articulação das questões citadas. Um bom exemplo seria a forma como um
telejornal ou um programa de entrevistas utiliza o conceito da construção da credibilidade no
seu modo de produção. Isso pode ser feito por meio do critério de escolha do apresentador do
programa. A opção pode ser feita, por exemplo, a partir do conceito de respeitabilidade que
ele (apresentador) construiu ao longo de sua carreira.
O mesmo raciocínio pode ser aplicado com relação ao motivo da identificação
do público com um determinado programa de auditório. Os meios para buscar essa
identificação podem ser a escolha de um apresentador que traçou a sua carreira no rádio e por
isso se expressa de forma mais direta e espontânea.
No caso específico do programa de auditório, o telespectador sabe que vai
encontrar entretenimento neste gênero televisivo, por meio das atrações apresentadas, como
números musicais e de variedades, brincadeiras propostas pelo apresentador-animador ao
auditório e entrevistas curtas e superficiais com artistas convidados.
De acordo com Souza (2004), os elementos utilizados pelos programas de
diferentes gêneros televisivos configuram um determinado formato. É a partir do formato que
os programas se distinguem uns dos outros e passam a atrair uma determinada fatia do
público, estabelecendo uma identificação com o telespectador.
O formato, portanto, é outro termo importante ligado ao ambiente televisivo e
complementa a concepção de gênero televisivo, mas é pouco encontrado em obras científicas
que tratam deste tema.
Como já mencionado, os formatos se multiplicam e podem ser adaptados a
diversos gêneros. E mais do que isso, podem sofrer um processo de hibridação, apresentando-
se de maneira combinada, fato que possibilita o surgimento de outros programas.
E é justamente a férrea disputa por audiência das emissoras de televisão que
tem aumentado a busca por novos formatos em nível mundial, como aponta Souza (2004, p.
47):
O desenvolvimento e a explosão dos formatos de TV no mundo têm sido um
fenômeno extraordinário dos últimos anos em nível mundial. A cada dia é
maior o número de canais que trocam imediatamente programas que não
funcionam por outros mais interessantes, o que provoca uma concorrência
feroz entre os formatos. As emissoras de todo o mundo procuram um
formato ‘salvador da pátria’ que resolva o problema de audiência em toda a
temporada da programação. Os formatos são a base do êxito, mas muitas
vezes é difícil distinguir o essencial do secundário, para apontar qual o
motivo do triunfo de um e porque ele é diferente do outro.
64
O formato é determinado pelas características gerais, os aspectos de um
determinado programa. Essas peculiaridades são organizadas de uma determinada forma.
Assim, um programa agrada a um tipo de público, dando origem a um formato novo ou
consolidando um já existente.
Por exemplo, no caso do programa de auditório, a presença da platéia no
estúdio e do palco (espaço cenográfico onde fica o apresentador/animador) são as
características principais que delimitam o formato desse gênero televisivo. Mas nada impede
que outro gênero televisivo, como o talk show, por exemplo, incorpore o formato palco e
platéia. Este é o caso do Programa do Jô, criado em agosto de 1988, no SBT. Em 2000, o
programa passou para a grade de programação da TV Globo, emissora em que está até hoje.
Ainda na esfera do entendimento acerca de formatos televisivos, nas duas
últimas décadas, os programas de auditório vêm sendo denominados pelas próprias emissoras
de ‘programas de variedades’. Esse fenômeno ocorre graças à facilidade que o gênero
auditório tem de se desdobrar em outros formatos que comportam reportagens, entrevistas
mais longas e atrações diversas.
Souza (2004), no entanto, chama a atenção para as intenções das emissoras no
que se refere a este novo termo que vem sendo utilizado para os programas de auditório.
Segundo o autor, não raro, sob a nomenclatura de ‘variedades’, esses programas ridicularizam
os seus convidados e a platéia, apresentando quadros dramáticos que exploram fatos do
cotidiano da sociedade, diferenciando-se dos programas de auditório originais.
Para melhor compreensão do tema, recorre-se ao texto de Souza (2004, p. 139):
A reclassificação do gênero variedades, antes denominado auditório, é um
artifício criado pelas próprias emissoras para não dar ao programa uma
imagem popular. Rebatizados, os programas de variedades são os programas
de auditório pós-modernos na TV, que promovem a guerra de audiência com
prejuízo para o telespectador, que vê, ri, chora e se espanta com tudo que é
apresentado. Há uma tentativa de dar continuidade à fórmula desenvolvida
há décadas por Hebe Camargo, Silvio Santos e Flávio Cavalcanti, entre
outros.
Vale ressaltar que esta pesquisa trabalha com o conceito tradicional de
programa de auditório e não com o conceito de programa de ‘variedades’, citado por Souza
(2004). Entende-se que esta opção é a mais adequada para esta pesquisa, pois o conceito
tradicional de programa de auditório traz em seu bojo a história, o desenvolvimento e a
importância desse gênero televisivo no processo de consolidação da televisão brasileira.
65
3.2 O que é o programa de auditório
O programa de auditório é um gênero televisivo muito peculiar da TV
brasileira. Ele faz parte da história da televisão do país, pois aparece na programação das
primeiras emissoras instaladas em território nacional. Originado no rádio, esse gênero de
programa foi transportado e assimilado pela TV, onde também fez muito sucesso e ganhou
popularidade.
Na classificação proposta por Souza (2004), o programa de auditório é um
gênero que pertence à categoria ‘entretenimento’. Nesta categoria, estão elencados mais 22
gêneros televisivos: colunismo social, culinário, desenho animado, docudrama, esportivo,
filme, game show (competição), humorístico, infantil, interativo, musical, novela, quis show
(perguntas e repostas), reality show (TV-realidade), revista, série, série brasileira, sitcom
(comédia de situações), talk show, teledramaturgia (ficção), variedades, western (faroeste).
Focalizando apenas no gênero programa de auditório, destaca-se que ao ser
transferido do rádio para a TV, na década de 1960, o programa de auditório quase não sofreu
alterações quanto as suas características originais, com exceção do recurso da imagem. Com o
passar do tempo, no entanto, esse gênero de programa ganhou contornos próprios na
televisão, como a inclusão de quadros de entrevistas e a apresentação de números de dança e
atrações oriundas do circo, a exemplo de trapezistas, malabaristas, animais adestrados.
Segundo Souza (2004), a variedade de atrações apresentada durante um só
programa é um dos elementos característicos do programa de auditório e é uma das suas
estratégias para prender a atenção do telespectador. Assim como, a presença da platéia no
estúdio e a figura do apresentador-animador que comanda o programa e estimula o auditório a
cantar, dançar e tomar parte das brincadeiras, pois ele é o condutor do programa.
A onipresença do apresentador ocorre tanto pelo discurso direto que ele
constrói frente às câmeras, como também está presente na sua personalidade e carisma. Além
disso, no gênero auditório, o caráter de afirmação do apresentador é bastante nítido, pois ele
desempenha o papel de animador, anfitrião, mediador e juiz.
Ao desempenhar esses papéis, o apresentador funciona como um elo de contato
entre todas as falas em circulação no programa (locutor, convidados, jurados, platéia). Assim
é que, de acordo com Oliveira (2005), de forma diferente do discurso jornalístico tradicional
66
na TV, marcado pela homogeneização, o discurso dos programas de auditório é heterogêneo,
pois reflete diversas vozes.
A dinâmica dos quadros e a estrutura cenográfica do programa – como cenários
e figurino do apresentador, das dançarinas de palco e da platéia – também ajudam na
composição do programa de auditório.
Como em qualquer outro gênero televisivo, os programas de auditório são
espaços de convenções e regras. Há um ritual presente em cada programa, do qual fazem parte
o apresentador-animador, a equipe técnica e os participantes (platéia, entrevistados, artistas,
convidados, figurantes etc). Todos devem seguir as normas, sob pena de quebrar o sentimento
de coletividade que paira nos estúdios de TV, visto que há um clima de colaboração em torno
do caráter performático do espetáculo.
Sendo assim, é usual nos programas de auditório a presença de um (ou mais de
um) coordenador de palco carregando placas de ‘aplauso’ ou ‘silêncio’ direcionadas à platéia,
a fim de provocar diretamente tais manifestações. O coordenador de palco também pode
utilizar os gestos com os braços e as mãos para incitar o auditório.
A forma de participação do auditório (atuante ou passiva), a linguagem do
apresentador (coloquial direta) e a cenografia do programa (cores, cenários) são alguns
elementos que compõem as estratégias de comunicabilidade dos programas de auditório,
sintetizadas aqui nas ideias Souza (2004), conforme indica o Quadro 3.
Quadro 3: Estratégias de comunicabilidade, com base em Souza (2004)
Presença de auditório Passiva ou atuante
Formato Ao vivo, gravado ou misto
Tipo de narrativa Pessoal, intimista
Linguagem Coloquial, direta
Relação de uso que se estabelece com a
recepção
Entretenimento, participativo, cooperativo
Cenografia dos programas Cores, cenários e similares
Fonte: Adaptado de Souza (2004) por Ferreira (2011).
É importante registrar, porém, que entre as adaptações implantadas ao longo do
tempo nos programas de auditório da TV brasileira estão as inserções de quadros de oferta e
venda de diversos produtos, como ferramentas de marketing, chamadas de merchandising no
67
meio da publicidade e propaganda. Essa influência da publicidade significou uma das
principais fontes de renda das emissoras possibilitando o próprio desenvolvimento dos
programas, sob o ponto de vista das condições financeiras, dos recursos técnicos e das
atrações.
Mas para delimitar de forma ainda mais precisa o programa de auditório, deve-
se refletir um pouco sobre a origem e a presença desse gênero televisivo na TV brasileira.
Segundo Mira (1995), três fenômenos culturais bastante populares e muito
interligados encontram-se nos fundamentos da história do programa de auditório no Brasil: o
rádio, o teatro de revista e a chanchada produzida pelo cinema nacional. A dinâmica das
relações entre eles está registrada, por exemplo, nos números de teatro de revista que eram
apresentados antes da exibição de filmes, nas salas de cinema da cidade do Rio de Janeiro.
O tipo de humor praticado no teatro de revista e na chanchada era explorado
nos programas de auditório do rádio. Assim como as vedetes do teatro de revista teriam
influenciado a presença e a performance das dançarinas de palco dos programas de auditório
da televisão, anos depois.
A autora destaca o circo como fenômeno cultural encontrado na matriz mais
remota dos programas de auditório, assim como a festa de largo, realizada no entorno das
igrejas, principalmente nas cidades do interior.
Como se verifica, uma mistura de atrações de estilo popular e uma grande
variedade de recursos cênicos e artísticos compõem a estrutura básica dos programas de
auditório, como afirma Mira (1995, p. 128):
Um fato absolutamente notável é que quanto mais voltamos na história dos
programas de auditório mais nos aproximamos do universo da cultura
popular. Passando pelas histórias das primeiras emissoras de TV e das
manifestações culturais que constituíram suas fontes mais diretas (o rádio, a
‘chanchada’ e o teatro de revista), acabamos por descobrir sua ligação
profunda com o circo e a festa popular.
De acordo com Mira (1995, p.127), nas décadas de 1920 e 1930, a imprensa
costumava denominar o teatro de revista e alguns programas de rádio, em especial os
programas de auditório, como atrações vulgares, grosseiras, maliciosas e pouco elaboradas.
Entretanto, ressalta a autora, o gosto comum, oriundo das massas, está presente
na origem cultural dos povos ocidentais primitivos, anteriores ao surgimento das sociedades
de classes e do Estado. Nestas comunidades, a seriedade e a comicidade eram consideradas
sob o mesmo aspecto, conviviam juntas nas festas, no ambiente sagrado e no oficial. Porém,
68
com o surgimento das classes sociais e do Estado, o ambiente sério e o cômico foram se
afastando paulatinamente. O aspecto cômico foi se transformando então em um mundo a
parte: o ambiente popular, de caráter não-oficial.
Na Idade Média, continua Mira (1995), as visões de sério e cômico estavam
bem delimitadas e apartadas, em função da rígida hierarquia social. O Carnaval e os
espetáculos cômicos eram expressões populares, faziam parte da visão de mundo das pessoas.
Elas entendiam as festas, os jogos, os banquetes e as brincadeiras como um convite à
liberdade do corpo e do espírito.
Este ambiente onde predominava o gosto popular, o riso e a extravagância
coexistia com o mundo da cultura oficial do Estado e da Igreja, considerado mais sério e
elevado. Eram ambientes que conviviam paralelamente, mas não se misturavam, pois o riso
havia sido expurgado dos cultos religiosos e das cerimônias do Estado.
A autora destaca, porém, que o gosto popular medieval não morreu totalmente
na Idade Moderna (séculos XVI, XVII e XVIII), tampouco perdeu a sua vitalidade e
capacidade de resistência. Haja vista os espetáculos apresentados em praça pública, pelos
profissionais andarilhos, a exemplo dos palhaços, malabaristas, dançarinos, curandeiros,
menestréis e acrobatas.
Mira (1995) compara alguns elementos característicos das festas populares e do
circo que até hoje são utilizados tradicionalmente em atrações dos programas de auditório,
conforme indica o Quadro 4.
Quadro 4: Atrações tradicionais de programas de auditório, segundo Mira (1995)
Proposta de quadros dos programas Gosto popular
Mágicas espetaculares Número de feiras/ artes circenses
magia/limites do corpo
Competições/ Gincanas Duelos/apostas/adivinhas
Lutas/jogos
Musicais/coreografias Danças/música
Quadros dramatizados Lendas/contos/sermão/ estórias
Narrativas
Piadas /humor Farsa/paródia
Teatro/comicidade
Calouros /anomalias Bobos/bufões/ corpos grotesco
Riso/inversão do mundo
Fonte: Adaptado de Mira (1995) por Ferreira (2011).
69
Nesta perspectiva, a autora trata dos apresentadores-animadores dos programas
de auditório, chamando atenção para a desenvoltura que eles têm em lidar com o público.
Segundo Mira (1995), esse talento pode ser comparado ao dos apresentadores de espetáculo
em praça pública, dos séculos XVI e XVII, que tinham habilidade para chamar a atenção do
público com brincadeiras, além de um texto oral simples e envolvente.
Em geral, esses apresentadores citados pela autora eram espécies de
charlatães. Hábeis vendedores ambulantes de pílulas e remédios que atraíam a atenção dos
fregueses fazendo brincadeiras sobre as qualidades do produto ofertado, além de alguns
números básicos de mágica e de malabarismo.
A seguir, um trecho da obra de Mira (1995, p. 141) que ilustra bastante o perfil
do apresentador-animador do passado e a sua relação com a figura do empresário e
apresentador Sílvio Santos, foco da pesquisa da autora:
Nos séculos XVI e XVII, os espetáculos de praça pública tinham um
apresentador. O charlatão ou “opérator”, como às vezes ele se
autodenominava na França, era um vendedor ambulante de pílulas e outros
remédios, que fazia palhaçadas e desfiava uma arenga engraçada para atrair
a atenção de fregueses em potencial. Na Itália, a palavra ‘ciarlatano’ pode
significar um camelô que vende remédios ou um ator de rua. Mas a praça
não era o único cenário da cultura popular. Quando o espetáculo era
apresentado nas tabernas ou em seus pátios, o estalajadeiro atuava como
empresário ou ‘animateur’. A semelhança com a figura de Sílvio Santos não
parece ser mera coincidência. Poderíamos pensá-lo como um ‘charlatão
moderno’: ao mesmo tempo apresentador de espetáculos e empresário
capitalista. Na verdade, um dos maiores empresário brasileiros no setor da
‘cultura popular de massa’. O tipo de espetáculo que ele comanda em seu
programa e no próprio SBT como um todo incorporou temas, fórmulas e
características próprias do universo da cultura popular tradicional, agora
produzidos em larga escala e negociados no mercado de bens culturais.
Mas como estamos falando de gosto popular, é importante que se tente
compreender melhor este conceito, com a ressalva de que não há a pretensão de aprofundar
tão complexa questão. Explicando melhor, este trabalho não pretende fazer uma abordagem
de grande alcance acerca do processo histórico do termo ‘popular’, mas apenas compreender a
sua definição.
Segundo França (2006, p. 38), o termo popular apresenta diversos significados
e remete a formas de relações diferentes com o povo: o que vem do povo, aquilo que é feito
para ele, o que é peculiar do povo e o que é apreciado por ele.
70
Entende-se que, como o foco desta pesquisa é um programa de auditório, o
significado de popular que mais se aproxima deste gênero televisivo é o segundo: aquilo que é
feito para o povo, que se destina a ele. De acordo com França (2006, p. 40), este significado
se relaciona aos produtos destinados ao povo que buscam ativar o consumo por meio da
identificação. Ou seja, estes produtos assumem algumas características entendidas pelo senso
comum como apreciadas pelo povo, a exemplo de falta de sofisticação, baixa qualidade, cores
berrantes.
No entanto, esta concepção de cultura popular é abordada criticamente por
Canclini (2006). O autor destaca que, à exceção do trabalho de Mikhail Bakhtin, somente nas
três últimas décadas, surgiu uma atenção da comunidade científica em relação à cultura
popular. A maioria destes trabalhos, no entanto, tende a considerar a cultura popular como
uma manifestação tradicional e subalterna, em contraposição ao que é entendido como culto,
caracterizado pelo moderno e hegemônico.
Para Canclini (2006, p. 255), “estes estudos conceberam o popular como uma
subcultura, determinada pela posição de seus agentes e pela extensão de seu público.”
Esta concepção dos primeiros estudos, de acordo com Canclini (2006, p. 255),
pautou os veículos de massa acerca do conceito de cultura popular, “segundo os quais, a
cultura massiva substituiria o culto e o popular tradicionais.” Ou seja, estes estudos
consideravam os meios de comunicação de massa uma ameaça às tradições populares. Por sua
vez, os meios de massa entenderam que o popular não interessa como tradição e experiência,
mas como algo fugaz e prosaico.
Eis o que diz Canclini (2006, p. 259):
Para a mídia, o popular não é o resultado de tradições, nem da personalidade
coletiva, tampouco se define por seu caráter manual, artesanal, oral, em
suma, pré-moderno. Os comunicólogos vêem a cultura popular
contemporânea constituída a partir dos meios eletrônicos, não como
resultado de diferenças locais, mas da ação difusora e integradora da
indústria cultural. Popular é o que se vende maciçamente, o que agrada a
multidões. A rigor, não interessa ao mercado e à mídia o popular e sim a
popularidade.
Sendo assim, Canclini (2006, p. 281) chama a atenção para a importância do
estudo transdisciplinar, quando ao conceito de cultura popular, visto que pesquisadores de
campos de estudo diferentes têm suas próprias visões e contribuições sobre o tema, a exemplo
de folcloristas, comunicólogos e sociólogos.
71
Talvez a coisa mais alentadora que esteja ocorrendo com o popular é que
alguns folcloristas não se preocupam só em resgatá-lo, os comunicólogos em
difundi-lo e os políticos em defendê-lo, que cada especialista não escreva só
para seus iguais nem para determinar o que o povo é, mas antes para
perguntar-nos, junto aos movimentos sociais, como reconstruí-lo.
Seguindo esta linha de pensamento, entende-se importante ressaltar que,
originalmente, não há hierarquia entre as culturas. De um modo geral, elas são heterogêneas,
híbridas e conversam entre si, pois reúnem elementos originais e outros importados. Assim, o
programa de auditório, que é um produto cultural, é atravessado por gostos das culturas
populares tradicionais, assim como de outras formas de cultura do mundo atual, como a pop e
a urbana .
Para um melhor entendimento, eis as palavras de Cuche (1999, p.149):
As culturas populares revelam-se, na análise, nem inteiramente dependentes,
nem inteiramente autônomas, nem pura imitação, nem pura criação. Por isso,
elas confirmam que toda cultura particular é uma reunião de elementos
originais e importados, de invenções próprias e de empréstimos.
O cunho popular do Programa Sílvio Santos está profundamente relacionado
aos profissionais que fazem o programa, como aponta Mira (1995). Segundo a autora, grande
parte dos produtores do Programa Sílvio Santos é oriunda das classes populares ou vem de
uma trajetória profissional ligada à produção de programas destinados ao consumo popular.
Por isso a produção de Sílvio Santos traz a marca do popular, pois os profissionais envolvidos
saíram desse universo ou conviveram com ele, na TV, desde cedo.
Eis a explicação de Mira (1995, p. 101):
A idéia de que, por sua própria formação pessoal e profissional, eles
partilham da mesma ética e possuem um repertório apenas mais trabalhado
do que seu público parece bem mais próxima da verdade. Quase tão
anônimos quanto o povo, os produtores dos programas populares não têm de
fazer tantas concessões como se imagina. Seu gosto e seus valores não são
assim tão diferentes dos de seus espectadores.
Esses homens e mulheres são originários das classes trabalhadoras. Nesse
ambiente, eles construíram suas condições de sujeitos sociais, na família, na escola e nos
contatos profissionais, ressalta Mira (1995). Emergiram, assim, vivências e experiências que
influenciaram na construção do gosto dessas pessoas, determinando preferências em relação à
arte e ao consumo.
72
Julga-se pertinente também trazer a análise de França (2006) acerca da
presença do povo na TV brasileira. Historicamente, a televisão brasileira conta com pessoas
famosas na condição de protagonistas nos programas de auditório, a exemplo de astros da TV,
atletas consagrados, personalidades, modelos, atores e cantores. Às pessoas comuns, cabem os
papéis secundários. Elas aparecem como participantes de gincanas, jogos e brincadeiras, ou na
condição de atrações circenses ou de calouros. Neste último caso, cantando canções que
fizeram sucesso nas vozes de ídolos da música.
Somente a partir dos anos 90 é registrada uma mudança sutil nesse quadro: o
homem comum passa a ter participação diferenciada em alguns programas que contam com
platéias no estúdio de gravação. Estes programas, no entanto, não apresentam,
necessariamente, todos os elementos que caracterizam os programas de auditório tradicionais.
Estes programas surgidos na década de 1990, como o Programa do Ratinho,
levam pessoas comuns para o centro, a fim de que elas contem os seus dramas pessoais e
busquem soluções para eles, com a ajuda do apresentador, da platéia e de convidados,
especialistas em relacionamento humano ou na resolução de conflitos, como médicos,
terapeutas e psicanalistas.
Porém, como sublinha França (2006, p. 52), as pessoas comuns tornam-se o
centro das atenções, são protagonistas por alguns minutos, mas não ocupam o lugar de estrela.
O papel delas continua sendo secundário, como sempre foi na TV brasileira, pois a
participação do povo na televisão apresenta aspectos singulares, como descreve a autora.
França (2006, p.p. 52-53) destaca a presença do homem comum nestes
programas surgidos nas últimas duas décadas a partir de cinco situações-modelo, descritas no
Quadro 4: “o circo”, em que a pessoa passa por uma situação engraçada no ar; “o tribunal-
divã”, em que as pessoas levam seus problemas pessoas para serem debatidos no ar; “a
máquina de sonhos”, na esperança de realizar desejos; “os games”, em que as pessoas
participam de disputas visando prêmios; e “as vítimas”, pessoas que expressam algum
sofrimento e vão ao ar pedir justiça. Algumas dessas situações, como indica o quadro 5,
podem até ser encontradas nos programas de auditório tradicionais.
Quadro 5: Situações-modelo de França (2006) e suas descrições nos programas de TV
Circo Pessoa que passa por situação engraçada no
ar.
Tribunal-divã Pessoas que expõem problemas pessoais para
73
serem debatidos em público.
Máquina de sonhos Esperança de sonhos a serem realizados.
Games Pessoas que disputam visando prêmios.
Vítimas Pessoas que expressam opressões sofridas e
buscam soluções.
Fonte: Adaptado de França (2006) por Ferreira (2011).
Por tudo o que foi dito até este ponto sobre a importância do estilo e do
desempenho do apresentador em um programa de auditório, no próximo item, trata-se com
mais detalhes da origem, do perfil e da personalidade do empresário e apresentador Carlos
Santos.
3.3 O amigo do povo – Trajetória de Carlos Santos
Nascido em Salvaterra, distrito da Ilha do Marajó22
, uma das regiões mais
pobres do Pará, no dia 12 de novembro de 1951, Carlos Santos é filho de um pequeno
comerciante, Carlos Santos Filho, conhecido como seu Ari, e de uma dona de casa.
O pequeno negócio de seu pai, em Salvaterra, tinha a denominação de ‘O
Amigo do Povo’, nome aproveitado por Carlos Santos, muitos anos depois, como slogan de
sua rede de lojas de varejo, o ‘Avistão’.
As vozes de ídolos da música brasileira dos anos 40 e 50 ecoavam da
aparelhagem de som da taberna de seu Ari. O ‘sonoro’, como são popularmente chamadas as
aparelhagens de som no Pará, era utilizado também para anunciar as novidades e as
promoções feitas pela pequena casa comercial.
Segundo Carlos Santos, seu pai era um comunicador nato, um homem
simpático e de trato fácil que sabia agradar as pessoas e atraí-las para seu ponto de comércio.
22 A ilha do Marajó está localizada na foz do rio Amazonas, no arquipélago do Marajó, no estado do Pará. Com
uma área de aproximadamente 40 100 km², é a maior ilha fluviomarinha do mundo. O arquipélago do Marajó é
composto por 16 municípios e população de cerca de 400 mil habitantes. O índice de Desenvolvimento Humano
(IDH) da região é um dos piores do país, 0,63, em uma escala que vai de zero a um, segundo dados do Ministério
de Desenvolvimento Agrário de 2010. O IDH é uma medida comparativa usada pela Organização das Nações
Unidas para classificar os países pelo seu grau de desenvolvimento humano, tendo como referência a qualidade
de vida. http://www.mda.gov.br/dotlrn/clubs/territriosrurais/marajpa/one-community
74
Essa lição foi aprendida e utilizada pelo apresentador, pois ele não se afastou das raízes
populares durante sua trajetória, como empresário, comunicador e político.
A opção por iniciar este perfil de Carlos Santos tratando de sua procedência
justifica-se porque se entende que a sua origem popular e humilde é muito representativa no
contexto da sua vida profissional. O meio onde nasceu e se criou nunca foram negados pelo
apresentador. De outro modo, foi utilizado por ele na construção de sua imagem pública e no
marketing dos seus negócios. É possível comprovar essa afirmação conhecendo alguns fatos
de sua vida.
Os passos seguidos por Carlos Santos estão descritos no seu depoimento ao
jornalista Antônio José Soares (2010), autor da biografia do apresentador a qual a
pesquisadora teve acesso. O texto, que recebeu o título de ‘De Camelô a Governador –
História de um Vencedor’, está em fase de elaboração.
A biografia (2010) enaltece as qualidades de Carlos Santos, enquanto homem
empreendedor, determinado e ativo, mas também evidencia os traços de sua personalidade
relacionados à simplicidade, sensibilidade e preocupação com as condições de vida do povo
simples do seu Estado. Em momento algum, o texto descola a imagem de Carlos Santos da
figura de homem do povo.
Nesse sentido, pode-se dizer que o texto é uma peça laudatória à figura do
menino do interior, ex-camelô, empresário, cantor e comunicador de sucesso, à sua
persistência e força de vontade, como retrata o trecho a seguir da biografia (SOARES, 2010,
pp. 01-02):
Menino, em Salvaterra, Marajó, sonhou um dia em ser governador do Pará.
Carlos Santos sonhou algo que parecia impossível para muitas pessoas.
Menos para ele mesmo que não ficou de braços cruzados, esperando que o
tal sonho se materializasse sozinho. Lançou-se em busca do seu objetivo e,
como se sabe, foi um dos vitoriosos. Teve que percorrer um longo caminho,
é fato. Mas toda a conquista importante é sempre difícil. Primeiro foi
camelô, depois lojista, apresentador de programa de rádio e televisão,
cantor.... Vice-governador e, finalmente, governador do Pará, em 31 de
março de 1994.
Carlos Santos trilhou o seu caminho apoiado no conceito de homem do povo,
assim como escolheu Sílvio Santos como modelo de apresentador e empresário. Ele não
esconde de ninguém a sua admiração pelo apresentador carioca, tampouco o fato de o seu
programa de TV ter como base o Programa Sílvio Santos.
75
Carlos Santos, no entanto, não se refere ao seu programa como uma imitação
do Programa Sílvio Santos. Ele diz em seu depoimento (2010) que assistia muito a esse
programa quando veio morar em Belém, recém-chegado de Salvaterra, e que, partindo da
observação do estilo de Sílvio Santos e das características dos quadros apresentados em seu
programa dominical, concebeu, então, o formato do seu programa.
Na biografia (2010), ele conta que o sentimento de admiração por Sílvio Santos
nasceu a partir da adolescência, época em que Carlos Santos começou a assistir ao programa
de televisão do apresentador carioca. No entanto, a história de vida dos dois é parecida em
muitos aspectos, a começar pelo sobrenome. Mas as coincidências são muitas, como a origem
simples, a vida de camelô, a carreira de comunicador, a facilidade para as relações comerciais
e as aspirações políticas.
Além da admiração, Carlos Santos soube tirar proveito dessas coincidências,
no sentido de construir sua imagem pública associada ao nome do empresário e apresentador
carioca. Chegou, inclusive, a batizar um filho e uma filha com o nome de Sílvio e Sílvia.
Na década de 1980, espalhou autdoors em Belém a fim de verificar a sua
popularidade, com a perspectiva de se candidatar a um cargo político. Dos cartazes, constava
a seguinte frase: ‘Carlos Santos vem aí!’, em uma alusão ao refrão da música cantada no
quadro de calouros do Programa Sílvio Santos.
Como fisicamente Carlos Santos não se parece com Sílvio Santos (o
apresentador paraense tem estatura baixa, rosto arredondado e pele morena), ele imita seu
ídolo na maneira de vestir, na cor e no corte do cabelo.
Assim, o visual de Carlos Santos em seu programa de TV segue a risca o estilo
o de Sílvio Santos. O apresentador paraense veste paletó completo, geralmente de cor escura,
e penteia o cabelo para trás. Nos lábios, um sorriso constante, a fim de reafirmar a todo
instante a sua simpatia e afabilidade com o auditório, com os seus convidados e o
telespectador. Os gestos são contidos e o texto oral demonstra informalidade e proximidade
com o espectador. As frases são curtas, diretas e repetidas muitas vezes ao longo do
programa.
A presença de Carlos Santos é constante, no entanto não chega a ser poderosa,
imponente ou mesmo ruidosa e extravagante, a exemplo de outros apresentadores famosos de
programas de auditório da televisão brasileira.
Ele faz o estilo distinto de maneiras. Não desrespeita, tampouco ignora a
presença de seus convidados, ou mesmo deixa de prestar atenção para as poucas palavras ditas
por eles. As suas palavras e gestos indicam que ele não rejeita as suas origens, até tira partido
76
delas. No entanto, ele não perde a oportunidade de mostrar que conseguiu se transformar em
um homem requintado e polido.
Um exemplo desse comportamento está no fato de Carlos Santos, vez ou outra,
dizer que as atrações do seu programa são internacionais, assim como afirmar que ele esteve
em locais famosos, como restaurantes e casas de espetáculos em capitais do país e cidades do
exterior.
Entende-se que, dessa forma, o apresentador pretende dar um caráter de
importância e prestígio ao seu programa, assim como quer deixar que é um homem fino e
viajado. Esse comportamento reafirma a imagem pública do garoto do interior que ganhou o
mundo, tornando-se um cosmopolita, acostumado ao luxo, mas sem esquecer as suas raízes
interioranas e simples.
Em resumo, Carlos Santos valoriza os seus convidados, respeita as dançarinas
e a platéia, mas não deixa de ser ele mesmo o centro das atenções. Ou seja, não abandona em
momento algum o papel de orquestrador do seu programa, como se espera de um apresentador
desse gênero televisivo.
A biografia (2010) destaca também a trajetória de Carlos Santos, como
empresário, o sonho de se tornar político e a sua passagem pelo Executivo paraense, como
vice-governador e governador do Pará. Mas também aborda a faceta de radialista e de
apresentador de televisão.
Sobre o ingresso e a permanência na carreira política, as palavras de Carlos
Santos no depoimento querem fazer crer que ele elaborou uma estratégia, com base em um
planejamento muito bem organizado, apoiado no marketing pessoal. Existe a possibilidade,
porém, de o apresentador não ter estruturado a sua vida de forma tão metódica e elaborada, no
sentido de direcioná-la para esse fim, mas sim de os fatos e as oportunidades terem surgido e
ele ter aproveitado essas chances.
Com base nessa última possibilidade, é oportuno afirmar que, com o passar do
tempo, naturalmente, ele foi conquistando popularidade e posição social, o que possibilitou as
condições para o ingresso na política.
Uma das passagens relatadas na biografia (SOARES, 2010, p. 27), entretanto,
trata o projeto político do apresentador como um quadro projetado por ele com perspicácia e
foco no seu objetivo:
Uma das crenças de Carlos Santos é de que a propaganda é a alma do
negócio. Por isso, sempre investiu muito em publicidade, aproveitando todos
77
os meios possíveis. Criou uma rede de lojas cujo alvo eram os menos
favorecidos e direcionou a sua propaganda para este nicho, certo de que,
assim, pavimentaria o caminho para o Palácio Lauro Sodré, até então a sede
do Governo paraense. Acreditava que, ao se tornar conhecido e popular,
poderia credenciar-se a um cargo eletivo. Sua tática se revelaria eficaz,
embora muitos achem que Carlos Santos se tornou governador porque é um
predestinado, não um estrategista.
Carlos Santos afirma que cultivou o desejo de se tornar chefe do Poder
Executivo do Estado23
desde a visita do ex-governador do Pará, Aurélio do Carmo, a
Salvaterra, quando o apresentador era garoto. O espírito cívico do evento, com banda de
música e comitiva governamental, teria deixado o menino do interior deslumbrado e a cena
registrada em sua memória.
Aurélio do Carmo foi eleito governador pelo Partido Social Democrático
(PSD) em 1962, exercendo o mandato até 1964 quando foi deposto pelo Golpe Militar.
Na biografia (2010), ao ser questionado sobre o seu talento como cantor,
Carlos Santos diz que não se sente um profissional dessa área, no sentido de ter uma voz
diferenciada e bem treinada e de investimento na carreira. Ele afirma que é um animador de
auditório, um comunicador, que vez ou outra grava discos, tanto que começou a cantar
profissionalmente para vender discos e assim promover as suas lojas e firmar a sua carreira no
rádio e na televisão.
Mas ele conseguiu construir uma carreira de sucesso como cantor, chegando ao
ponto de ganhar seis discos de ouro e cinco de platina, em razão do número de discos
comercializados, 3,5 milhões de cópias vendidas.
Para chamar a atenção do seu público-alvo, as classes C e D, Carlos Santos
usou uma estratégia de marketing no lançamento do seu primeiro disco em 1975, como relata
a biografia (2010).
Aurino Gonçalves, mais conhecido como ‘Pinduca’, o rei do carimbó, um dos
melhores amigos de Carlos Santos e artista muito popular no Estado, foi chamado para
produzir o compacto feito em homenagem à inauguração da ponte Belém-Mosqueiro,
construída sobre o Furo das Marinhas.
A obra era muito esperada pelos moradores de Belém, pois resolveria o
problema da viagem cansativa e demorada feita de navio ou por rodovia. Nesse último caso, o
trecho do rio era atravessado por balsas.
23 Carlos Santos elegeu-se vice-governador do Pará em 1991, na chapa do PMDB, encabeçada por Jader
Barbalho. Em 1994, Jader renunciou ao cargo para concorrer a uma vaga no Senado Federal. Durante este ano,
quem completou o mandato foi o vice-governador Carlos Santos.
78
A estratégia utilizada na divulgação do primeiro compacto demonstra o talento
de Carlos Santos para saber exatamente o que o povo gosta. Foi essa habilidade que o levou a
primeiro distribuir seu disco entre amigos e clientes para depois vendê-lo nas suas lojas.
Carlos Santos começou a carreira de empresário com uma pequena loja,
chamada Discolux, localizada na rua Treze de Maio, no bairro do Comércio, em Belém. No
início, vendia somente discos, depois diversificou os negócios com móveis e colchões, dando
origem à rede ‘Avistão - O Amigo do Povo’.
Habituado a lidar com o público e a divulgar seus produtos desde os tempos em
que era camelô, o apresentador comprou um carro e com um microfone em punho fazia
pessoalmente a propaganda de sua rede de lojas.
Carlos Santos entrou no mundo das comunicações em 18 de abril de 1973,
quando começou a apresentar o programa de rádio Boa Noite Pará, na PRC-5 Rádio Clube do
Pará, ao lado do radialista, Jota Meninéia. Meses depois, foi para a Rádio Guajará fazer o
Programa Carlos Santos. A convite do então diretor da Rádio Liberal, o jornalista Walter
Guimarães, se transfere para esta emissora em 1975, onde permaneceu até o início de 1981.
Neste mesmo ano, ele vai para a Rádio Marajoara. No ano seguinte, Carlos
Santos assume o controle acionário da Marajoara e amplia seu grupo de comunicação para
três emissoras de rádio e duas televisão: Rádio Marajoara, em Belém; Rádio Guarani, em
Soure, no Marajó; e Rádio Ximango, em Alenquer, município do oeste do Pará, e mais as
emissoras de TV nos municípios paraenses de Ananindeua, Região Metropolitana de Belém e
Castanhal, no nordeste do estado.
Desde a década de 1980 até os dias de hoje, Carlos Santos apresenta o seu
programa de rádio aos domingos, das 8 horas da manhã ao meio-dia, na Rádio Marajoara FM.
Algumas vezes o programa é feito ao vivo, outras vezes é gravado. O formato conta com
sorteios de brindes para os ouvintes que participam das brincadeiras propostas por Carlos
Santos e apresentação de cantores e grupos regionais e nacionais. No final de 2011, o
programa passou a ser transmitido na Rádio Marajoara AM, mantendo o mesmo horário e
formato.
Pessoalmente, Carlos Santos não é muito simpático. É sério e parece sempre
apressado, sobrecarregado de compromissos e reuniões. Não gosta de falar muito de si
mesmo, preferindo que a pessoa interessada em sua vida visite o seu site. Mas é acessível,
desde que o seu interlocutor possa esperar até que sua agenda esteja mais livre.
Os contatos para marcar reuniões e entrevistas são feitos com uma secretária
que tenta conciliar as obrigações da vida pessoal e profissional do apresentador. Foi ela quem
79
agendou o encontro desta pesquisadora com Carlos Santos. A reunião foi muito rápida,
porque o apresentador precisava atender as outras pessoas que o esperavam na ante-sala do
seu escritório. Além disso, Carlos Santos pareceu desconfiado com o objetivo e o conteúdo
desta pesquisa. Dessa forma, pediu para eu visitar o seu site e buscar mais informações com a
sua secretária.
Na ocasião, Carlos Santos usava camisa azul claro de mangas compridas e
calça social bege. Instalado nos autos da Rádio Marajoara, no centro comercial de Belém, as
instalações do escritório do apresentador são bastante simples. Não há nada de extraordinário
que chame a atenção pelo luxo ou sofisticação.
O espaço é simples, limpo, claro e espaçoso. Os móveis são básicos e os
apetrechos assentados na sua mesa de trabalho, como canetas e blocos de papel, são comuns.
Não há nada que possa relacionar o apresentador ao requinte, nem mesmo os funcionários que
o rodeiam. Gente simples, assim como o patrão.
Para saber o que pensa e qual o perfil socioeconômico de alguns
telespectadores do Programa Carlos Santos na TV, esta pesquisadora conversou com quatro
pessoas que assistiam frequentemente ao programa.
Uma das pessoas ouvidas foi a cozinheira Rita de Cássia Pereira (2011)24
, 45
anos, paraense, ensino fundamental incompleto. Como trabalha em um restaurante de uma
empresa, Rita tem folga aos sábados, dia em que era exibido o programa. Ela contou que
parava o que estava fazendo para assistir a atração, porque acha Carlos Santos muito
simpático e respeitador com os convidados e o auditório. Além disso, segundo Rita, o
apresentador leva ao seu programa artistas e atrações do Pará.
Rita (2011) conta que gostava quando Carlos Santos dizia, assim que começava
o seu programa: “ligue para cinco pessoas que você conhece e diga que o Carlos Santos está
no ar.”
A entrevistada também assiste a telejornais, em especial os da TV Record, e
programas populares produzidos pelas emissoras locais que mostram perseguições policiais a
acusados de assaltos e roubos. “É bom porque a gente fica sabendo quem são as pessoas do
nosso bairro que estão envolvidas em crimes e quais são os bons policiais e os boçais”, diz
Rita.
Expor as “coisas do Pará” e o fato do apresentador sentir orgulho de ser
paraense são duas características do Programa Carlos Santos que mais chamam a atenção de
24 Rita Pereira, cozinheira, concedeu a entrevista em março de 2011, em Belém.
80
Walcicléa Pereira (2011)25
, paraense, de 32 anos, assistente de cozinha. “Ele fala bem da
nossa terra e diz que nasceu aqui. Não tem vergonha das origens dele”, afirma.
É interessante notar que tanto Rita quanto Walcicléa destacam a presença de
artistas populares, principalmente os paraenses, como a grande força do Programa Carlos
Santos. Entende-se, dessa forma, que esse seria um dos canais mais fortes de identificação do
programa com elas.
Os tipos populares exibidos nos programas de auditório são um dos seus
grandes diferenciais, justamente porque trazem para o ambiente televisivo o mundo real de
um determinado segmento da sociedade, proporcionando a identificação entre o produto e o
seu espectador.
Outro exemplo que permite reconhecer esse tipo de identificação é a referência
que Rita (2011) faz aos programas policiais criados e produzidos por emissoras locais. Saber
se o vizinho é ou não procurado pela polícia é muito mais útil e importante para ela do que
conhecer a cultura de um país distante, saber a cotação da Bolsa de Valores ou compreender o
resultado da última pesquisa científica.
Sendo assim, parece correto conjeturar que, esse gênero de programa se opõe à
TV glamourizada, limpa e bem composta que os brasileiros estão acostumados a assistir,
como França (2006, p. 127) chama a atenção: “É por causa desse diálogo entre TV e
experiência cotidiana, dos mecanismos de identificação que ele aciona, que o programa, a
despeito de sua qualidade, ganha importância”.
Fã de Carlos Santos e de seu programa, a doceira, Antônia Rodrigues de
Almeida (2011)26
, de 82 anos, participou muito dos sorteios do programa. “Eu ia para o
auditório, porque gostava da animação do programa e do Carlos Santos. Ele era muito
educado, simpático e inteligente. Também ajudava muita gente”
Segundo Antônia, ela ganhou muitas vezes as cestas de mantimentos que
Carlos Santos dava ou uma pequena quantia em dinheiro, o equivalente hoje a R$ 10, para
quem adivinhasse as charadas ou preenchesse a ficha com o nome, depositada na urna.
Antônia afirma que gostava muito de adivinhar as charadas. Lembra até de
uma delas: – Vocês sabem por que a água foi presa? Porque matou a sede. Ela também
participou do quadro “Realize o seu sonho”. O seu pedido foi cantar no programa. “Cantei a
música Ronda. Minha voz falhou um pouco no final, mas mesmo assim foi emocionante”, diz.
25 Walcicléa Pereira, assistente de cozinha, concedeu a entrevista em março de 2011, em Belém. 26
Antônia Almeida, dona de casa, concedeu a entrevista em julho de 2011, em Belém.
81
De acordo com Antônia, o programa mudou muito nos últimos anos em que foi
transmitido, pois não havia mais as brincadeiras e competições. “O programa já não estava tão
alegre, como antes”, afirma.
Para o ator Roger Paes (2011)27
, de 43 anos, outro telespectador do Programa
Carlos Santos, chama a atenção o fato de Carlos Santos e seus produtores acreditarem naquilo
que estão fazendo. Por essa razão, o programa não soa falso e penetra facilmente no universo
popular, possibilitando a identificação do público.
Segundo Paes, “o programa é tosco e mal acabado. Algumas figuras que se
apresentam são bizarras. Mas tudo funciona naquele contexto, porque quem faz o programa,
no caso a equipe técnica e os produtores, assim como quem o assiste, os telespectadores, se
identificam com aquele mundo, até porque vieram e vivem nesse mundo de características
populares.”
Um dos produtores do Programa Carlos Santos na TV é citado na biografia
(2010) de Carlos Santos. Trata-se de Paulo Gonçalves, nascido em Salvaterra, amigo de
infância do apresentador e seu homem de confiança. Gonçalves sempre esteve presente nos
negócios, assim como nos momentos de lazer de Carlos Santos, a exemplo de viagens e festas
de aniversário da família.
De origem humilde, Gonçalves vendia discos com Carlos Santos nas calçadas
do centro de Belém e cantavam e tocavam violão aos domingos, no Bosque Rodrigues Alves.
Foi funcionário de Carlos Santos durante 28 anos. Produziu discos na Gravason, empresa de
Carlos Santos, e chegou a gerente-geral do Grupo Avistão.
Em seu testemunho ao jornalista Antônio José Soares (2010, p. 80), Gonçalves
demonstra a sua admiração pelo apresentador, patrão e amigo, e ajuda a reforçar a imagem de
Carlos Santos como um empresário visionário:
O Carlos começou a sua arrancada de sucesso como empreendedor a partir
de uma portinha, ao pé de uma escada, na rua 13 de Maio. Em seguida, ele
abriu o Feirão, na João Alfredo, em frente à Lobrás. Ele possui um grande
dom: o de enxergar mais além. Se ele disser vou fazer tal coisa, ela faz e
tudo dá certo.
Para Carlos Santos, atuar na televisão foi uma consequência da sua carreira de
locutor de rádio, conforme consta da biografia. Mas comparado aos seus primeiros anos no
rádio, o começo do trabalho de Carlos Santos na TV foi mais difícil, em função do maior
27
Roger Paes, ator, entrevista concedida em abril de 2011, em Belém.
82
número de recursos tecnológicos próprios da televisão, especialmente a comunicação com o
telespectador que implica no ato de falar, olhando para as câmeras, sem perder o foco no
auditório, nas atrações apresentadas e no ambiente do estúdio como um todo.
Apesar das dificuldades iniciais, ele conseguiu superar os obstáculos da sua
carreira televisiva, como demonstra o seu programa de auditório, consolidando o seu nome
como um apresentador popular e desenvolto.
Fecha-se neste ponto o item sobre a vida e a personalidade de Carlos Santos.
Espera-se ter conseguido traçar um perfil o mais honesto possível e fiel do apresentador,
dentro das possibilidades deste trabalho e das fontes as quais esta pesquisadora teve acesso.
3.4 O Programa Carlos Santos na TV
O Programa Carlos Santos na TV foi ao ar pela primeira vez em 12 de
novembro de 1988, exibido pelo SBT-Belém, canal 5. A atração estava em consonância com
o caráter popular suscitado pela emissora de Sílvio Santos. Mas esta foi apenas uma
experiência-piloto, segundo o radialista Nelson Magalhães28
, diretor e produtor do Programa
Carlos Santos durante aproximadamente 11 anos.
Depois desta primeira experiência no SBT, Carlos Santos foi fazer o seu
programa na TV Guajará, canal 4, onde contava com uma infraestrutura maior e mais bem
organizada. Foi nesta ocasião que Nelson Magalhães (2012) foi convidado pelo apresentador
para dirigir e produzir o Programa Carlos Santos na TV. A nova atração estreou em um
sábado, do mês de abril de 1989, ao vivo, com três horas de duração, das 9 horas ao meio-dia.
Nesta época, Carlos Santos já era bastante conhecido como cantor, locutor de
rádio e empresário do ramo do varejo. “O programa fez muito sucesso. O auditório ficava
lotado. Eram cerca de trezentas pessoas na plateia e mais duzentas que ficavam do lado de
fora, porque não conseguiam entrar”, conta Magalhães.
O programa desfilava na TV paraense uma diversidade grande de atrações,
como show de calouros, gincanas, números de mágica, de malabaristas, acrobatas e de humor.
Também havia sorteios de prêmios e brincadeiras com a plateia e os telespectadores e
apresentação de cantores e grupos musicais regionais e nacionais. 28
Nelson Magalhães, radialista, diretor e produtor de televisão, com atuação na Rede Globo de Televisão,
TV Cultura do Pará e RBA – Rede Brasil Amazônia de Comunicação. Concedeu a entrevista por telefone, em
janeiro de 2012.
83
No período de 1991 a 1994, o programa deixa de ser exibido em função da
eleição de Carlos Santos ao cargo de vice-governador do Pará.
Segundo Magalhães, o programa volta a ser exibido em julho de 1994, mas
desta vez pela RBA – Rede Brasil Amazônia de Comunicação, aos sábados, das 10 horas ao
meio-dia. “A equipe de produção era bastante enxuta. Eu contava com três pessoas. E o
sistema de áudio, a iluminação e o cenário eram por nossa conta e não de responsabilidade da
emissora”, diz Magalhães.
Em 1996, o programa deixa de ser ao vivo. Passa a ser gravado no estúdio de
propriedade de Carlos Santos, instalado no bairro do Arsenal, em Belém, em um galpão que
antes servia de depósito para a rede de lojas do empresário. Sobre esta fase, Magalhães conta
que o programa perdeu um pouco a sua força, porque o carisma de Carlos Santos ficou um
abalado em função de sua passagem pela política. “As pessoas passaram a confundir o
apresentador com o político e isso prejudicou um pouco a audiência do programa.” Magalhães
produziu e dirigiu o Programa Carlos Santos na TV até 2003.
De acordo com o site do Programa Carlos Santos na TV, em 16 de dezembro
de 2005, o programa estreia na TV Diário, canal 22, de Fortaleza. Neste mesmo ano, passa a
ser transmitido pela TV Marajoara, canal 50, instalada em Ananindeua, Região Metropolitana
de Belém, emissora de propriedade de Carlos Santos; nas cidades de São Luiz e Imperatriz, no
Maranhão; em Macapá, capital do Amapá; e em mais 120 cidades espalhadas pelo Norte e
Nordeste do Brasil.
Em 2006, o programa vivencia uma mudança significativa, pois passa a ser
gravado em um estúdio de uma produtora em São Paulo e transmitido pela RBI, canal 14,
instalada na capital paulista, para mais 18 emissoras do país.
Em Belém, o programa era exibido pela RBA – Rede Brasil Amazônia de
Comunicação aos domingos, do meio-dia às 13 horas e 30 minutos. O Programa Carlos
Santos na TV saiu do ar em junho de 2010, devido à candidatura de Carlos Santos ao cargo de
deputado estadual pelo Partido Progressista (PP). O apresentador perdeu a eleição. Até 10 de
janeiro de 2012, o programa não voltou a ser exibido.
Percebe-se que, ao longo desses anos, foram feitas alterações na concepção
cenográfica do programa. O cenário passou da simplicidade de cores e formas – branco, preto,
cinza e amarelo claro, figuras geométricas espalhadas pelo palco, tecido preto contornando o
auditório, fotografias amadoras do apresentador – para algo mais bem elaborado e colorido,
com fotos de monumentos, representando Belém e o Rio de Janeiro, imagens expressivas do
apresentador e revestimento prateado no auditório.
84
Essas transformações, porém, se deram sempre em consonância com a
perspectiva popular do programa. Isso significa dizer que a simplicidade está presente na
composição do cenário, nos trajes das dançarinas de palco e das pessoas que compõem a
platéia e nas atrações do programa.
Outro exemplo do contexto popular está nas tomadas dos cinegrafistas
mostrando as câmeras e os refletores do estúdio presos em grossos cabos de aço escuro. Vez
ou outra também nota-se a presença de um homem segurando alguns papéis, posicionado ao
lado de Carlos Santos, informando o apresentador sobre algo acerca do programa.
Também merece destaque a presença de Sapolino. Trata-se de um boneco de
marionete em forma de sapo que conta com um cenário próprio: uma toca estilizada, de tecido
e madeira, feita em um tronco falso de uma árvore. Simpático, o boneco é feito de um tecido
verde, usa chapéu de palha e veste uma espécie de colete com gravata borboleta.
O boneco interage com Carlos Santos durante o programa, ajudando a divulgar
os sorteios e as competições, apresentando algumas atrações e fazendo piadas e comentários
que não ficariam bem saindo da boca do apresentador. Carlos Santos segue a linha de seu
ídolo, Sílvio Santos, na condução de seu programa. Respeitoso, polido e simpático, trajando
paletó e gravata, Carlos Santos não constrange seus convidados, tampouco menospreza
qualquer um deles. De outra forma, sempre tem um elogio ou comentário favorável em
relação aos seus convidados.
Sapolino é o parceiro de Carlos Santos, nos moldes do Louro José, do
programa Mais Você, da TV Globo, apresentado por Ana Maria Braga. O nome do mascote
de Carlos Santos foi escolhido por meio de uma pesquisa feita com os artistas que se
apresentavam no programa e com o telespectador.
O sapo-boneco tece rápidos diálogos com o apresentador sobre o programa e
suas atrações, mas a sua presença não é tão explorada, como no caso do Louro José29
, que tem
uma participação significativa no Mais Você.
Nesse caso, de forma divertida, o papagaio dialoga com Ana Maria Braga,
opina sobre os assuntos em pauta, as reportagens, participa das brincadeiras, conversa com os
convidados, dá conselhos e auxilia o preparo das receitas culinárias. Ou seja, está presente em
29
O Louro José é um boneco de fantoche na forma de um papagaio idealizado para divertir o público infantil do
programa Mais Você. A intenção era a criança se identificar com esse tipo de animal, conhecido por imitar o ato
humano da fala. O boneco acabou fazendo sucesso também entre os adultos. Louro José é manipulado pelo ator
Tom Veiga, ex-assistente de palco da apresentadora que passou a fazer o papel após um teste feito em estúdio. O
Mais Você é produzido e exibido pela Rede Globo, desde 18 de outubro de 1999, de segunda a sexta-feira, às
8h30.
85
praticamente todos os quadros do Mais Você, diferentemente de Sapolino que só é interpelado
nos momentos em que Carlos Santos se dirige até a sua toca.
Chamadas de ‘Carletes’, em uma alusão às Chacretes do programa do
Chacrinha30
, as dançarinas do Programa Carlos Santos vestem trajes sensuais, mas sem
caráter apelativo. As Carletes podem ser consideradas bem discretas se comparadas às roupas
e aos gestos que as Chacretes faziam em frente às câmeras.
Até nesse aspecto percebe-se a imitação que Carlos Santos faz de seu ídolo,
Sílvio Santos que também não prima pela lubricidade de suas ajudantes de palco. Além disso,
deve-se levar em consideração o fato de Carlos Santos prezar pela imagem de homem digno,
pai de família e político sério. Não ficaria bem, no âmbito dessa imagem que ele quer passar,
um programa repleto de mulheres seminuas e insinuantes.
Entre outros recursos, o Programa Carlos Santos também utiliza matérias
gravadas. A estratégia ajuda a dar mais dinâmica e também dar credibilidade para o programa.
As matérias são modestas e singelas, no que se refere aos temas, à abordagem, estrutura e à
linguagem.
Por meio das matérias, a proposta é mostrar ao telespectador aquilo que está
acontecendo de interessante, peculiar e engraçado no Pará. O programa cumpre esse objetivo
se valendo das técnicas do telejornalismo, em uma tentativa de denotar compromisso com a
realidade e verdade dos fatos.
As técnicas utilizadas são sonoras (entrevistas feitas com pessoas que fazem
parte da situação ou fato apresentado), texto em off do repórter (no telejornalismo, o off
refere-se aos momentos em que o repórter não está em cena, mas a sua voz está contado o fato
ocorrido, apresentado nas imagens) e a passagem de vídeo (repórter aparece em cena falando
sobre algo referente à matéria. Em geral, a passagem é usada quando não há imagem para
cobrir o que o repórter está falando).
Os shows e os programas de auditório são atrações demarcadas pelo
entretenimento, assim como as telenovelas, filmes e séries pertencem ao mundo da ficção, de
30
José Abelardo Barbosa de Medeiros, o Chacrinha, nasceu em Surubim, Pernambuco, no dia 30 de setembro de
1917, e faleceu no Rio de Janeiro, em 30 de junho de 1988. Foi comunicador de rádio e um nome muito popular
da televisão brasileira, como apresentador de programas de auditório, desde os anos 50 até a década de 1980, na
TV Tupi, TV Rio e Rede Globo. Foi o autor da célebre frase: "Na televisão, nada se cria, tudo se copia".
Apresentava-se com roupas engraçadas e espalhafatosas, acionando uma buzina de mão para desclassificar os
calouros. Utilizava um humor debochado e bordões e expressões que se tornaram populares, como
"Teresinha!", "Vocês querem bacalhau?". As Chacretes eram as suas dançarinas e ajudantes de palco. Elas
usavam collants bastante coloridos, uma espécie de maiô muito cavado na parte superior da coxa, meias,
sandálias altas e enfeites no cabelo. Cada uma tinha um apelido dado pelo próprio Chacrinha, como Rita
Cadillac, a mais famosa das Chacretes que faz shows até hoje.
86
acordo com França (2006). No âmbito dessas atrações, a realidade nunca foi a preocupação
central. Por isso, a introdução de matérias em programas de auditório é uma forma
relativamente nova na televisão brasileira de reforçar a realidade e trazê-la para o campo de
ação desse gênero televisivo.
Outra característica observada no programa é a publicidade em forma de
merchandising. Acredita-se que esta característica se relaciona ao tipo de recepção
cooperativa estabelecida com o telespectador, de acordo com Bahktin (1996) e Aronchi
(2004).
As maneiras de fazer marketing de produtos no programa são variadas.
Ocorrem sob a forma da apresentação dos nomes dos patrocinadores, nos momentos em que
eles são anunciados pelo locutor, logo após a apresentação da vinheta de abertura, na volta do
intervalo. O locutor diz os nomes das empresas, enquanto são exibidas imagens da fachada
desses empreendimentos ou de suas logomarcas.
O chamado marketing testemunhal também é explorado no programa. Há
momentos, por exemplo, em que o apresentador diz que esteve em uma determinada agência
do Banpará, um dos patrocinadores do programa, e foi muito bem atendido pelo gerente.
No item seguinte, aborda-se a forma de observação do objeto deste estudo. A
forma escolhida foi a Análise de Conteúdo, muito utilizada nos estudos de Comunicação
Social, por sua possibilidade de revelar o que está por trás dos estereótipos.
3.5 Análise de Conteúdo – Forma de Olhar
O conteúdo de uma comunicação permite muitas interpretações. A Análise de
Conteúdo (AC) faz parte da formação do campo da Comunicação Social. Desde a
communication research até às pesquisas sobre novas tecnologias dos dias de hoje, esse
método tem sofrido adaptações e novas técnicas foram a ele acrescidas para que ele pudesse
responder aos desafios atuais (FONSECA JÚNIOR, 2008, p. 280). Talvez o maior desafio da
abordagem da Análise de Conteúdo seja explicitar os seus objetos de análise sem ser
reducionista.
Wilson Fonseca Júnior (2008, p. 281), em seu levantamento sobre o uso da
Análise de Conteúdo, descreve-a como tributária do positivismo, corrente de pensamento
desenvolvida por Augusto Comte (1798-1857), que valorizava as ciências exatas, cujas
87
observações da experiência sensível deveriam produzir dados verificáveis, concretos. A
corrente positivista pregava devoção à ciência e o progresso da sociedade só se daria a partir
da ordem com base nos conhecimentos científicos.
Essa foi uma tentativa de dar maior objetividade às pesquisas. Por isso, a AC
teve seus altos e baixos nas ciências. Ela foi muito valorizada no contexto da II Guerra
Mundial (1939-1945), depois desqualificada pela corrente de pensamento marxista na década
de 1970.
A crise epistemológica levou seu principal teórico, Bernard Berelson, a
reconhecer as limitações do método no modo como se apresentava. A rigidez do modelo nos
moldes positivistas era usada como caminho para uma ilusória neutralidade do método.
Rocha e Deusdará (2005, p. 309) acreditam que essa busca por neutralidade gerou um
equívoco clássico de associar análise quantitativa e objetividade, ocorrendo sempre uma
espécie de patrulhamento para afastar qualquer indício de subjetividade. “Aproximar-se da
neutralidade equivale, nesses termos, a sustentar-se como ciência. O analista seria, portanto,
um detetive munido de instrumentos de precisão para atingir a significação profunda dos
textos”. O analista deveria, portanto, fornecer técnicas objetivas capazes de garantir o
verdadeiro significado do texto.
Nas últimas décadas, a Análise de Conteúdo volta com renovado interesse de
pesquisadores ligados a estudos sobre as Novas Tecnologias da Informação. A definição
clássica da AC sob a postura positivista, formulada por Berelson, em 1952, e posteriormente
desenvolvida por Kientz, Bardin e Krippendorff, designa-a “como uma técnica de pesquisa
para a descrição objetiva, sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto da comunicação”
(KIENTZ, 1973; BARDIN, 1988 E KRIPPENDORFF, 1990, apud FONSECA JÚNIOR,
2008, pp. 281-282).
No campo da comunicação, até metade do século XX, as principais
preocupações dos estudos eram em relação à opinião pública e à propaganda política. A partir
de 1955, percebe-se a superação da ênfase excessiva nos aspectos quantitativos, tendo como
característica principal a inferência.
Vamos entender as definições da AC dos autores citados por Fonseca Júnior.
Para Albert Kientz (1973, p. 69), a “análise de conteúdo permite revelar (no sentido
fotográfico) os modelos, as imagens, os estereótipos que circulam na cultura de massa”. É um
trabalho de ordem lógica, que analisa a estrutura formal dos textos.
88
Já para Krippendorff “é uma técnica de investigação destinada a formular, a
partir de certos dados, inferências reproduzíveis e válidas que podem se aplicar a seu
contexto”, incluindo o elemento contextual para amenizar a herança positivista.
Por fim, a AC de Laurence Bardin está relacionada à investigação
psicossociológica e ao estudo das comunicações de massa. O analista parte dos índices postos
em evidência para “inferir (deduzir de maneira lógica) conhecimentos sobre o emissor ou
sobre o destinatário da comunicação” (BARDIN, 1988, PP. 39-40 apud FONSECA JÚNIOR,
2008, pp. 284). Aqui, já é pesquisado o campo semântico de um determinado enunciado.
Segundo Gil (2008, p. 152), a Análise de Conteúdo se desenvolve em três
fases: pré-análise; exploração do material; e tratamento dos dados, inferência e interpretação.
A pré-análise envolve o planejamento do que será analisado. É o momento de organizar e
sistematizar os documentos e textos para a análise. A exploração do material refere-se à
análise propriamente dita a partir do recorte, enumeração e classificação decididos
previamente. Por fim, o tratamento dos dados, inferência e interpretação consistem em tornar
os dados válidos.
Mais detalhes no esquema, a seguir, cunhado por Fonseca Júnior (2008), com
base em Bardin (1988).
89
Figura 4: Quadro Resumo da Definição de Bardin
Fonte: Fonseca Júnior, 2008, p. 289.
3.5.1 Fases da Análise de Conteúdo
O método na tabela anterior da pesquisadora francesa Laurence Bardin (1988)
está estruturado em cinco etapas: Organização da análise; codificação; categorização;
inferência e tratamento informático.
90
Fonseca Júnior (2008) detalha cada etapa. Num primeiro momento é preciso
planejar o trabalho a ser elaborado. É preciso ter um ponto de partida e um problema de
pesquisa sólido. Entrar em contato com documentos, fazer uma leitura flutuante para
aproximar-se do tema, e decidir o que analisar propriamente.
Aqui daremos destaque para as categorias organizadas por Krippendorff, a
saber: sistemas, normas, índices e sintomas, representações linguísticas e comunicação. A
escolha desta análise se dá pelo sistema. Ele é descrito como recorte da realidade e os seus
elementos constitutivos podem relacionar-se com estados de coisas ainda desconhecidos
(FONSECA JÚNIOR, 2008, p. 291).
O próximo passo são a codificação e a categorização. A partir daí pode-se
transformar os dados brutos em categorizados, segundo regras de enumeração, agregação e
classificação. É uma forma de ligar o material da análise à teoria escolhida pelo pesquisador.
Já os critérios de categorizaão podem ser semântico, sintáticos, lexicais e expressivos (Ibid.,
p. 292).
A inferência vem logo depois. É uma fase de extrema importância. Inferir
significa admitir uma proposição sobre determinado texto, associando-a a proposições já
aceitas como verdadeiras. É uma operação lógica de construção de uma teoria. Assim, a
Análise de Conteúdo é libertada da sua operação apenas descritiva e oscila entre o formalismo
estatístico e análise qualitativa de materiais. A valorização de um ou outro depende da
ideologia do pesquisador.
Por fim o tratamento informático torna o computador um instrumento que
possa auxiliar na compreensão e processamento de dados. Na pesquisa aqui proposta, não será
utilizado nenhum programa de informática para o processamento de materiais textuais.
3.5.2 A Análise de conteúdo mediada pela caracterização do gênero televisivo
Segue-se a abordagem metodológica proposta por Simone Maria Rocha (2008)
que articula análise de conteúdo com análise de gênero televisivo.
Como descrito acima, a Análise de Conteúdo deve sempre exceder a mera
descrição e “se dedicar também às condições que engendram a produção de significados”
(ROCHA, 2008, p. 123).
91
Ainda de acordo com Rocha (2008, p. 124), na tentativa de identificar o
processo e as características da produção, “os gêneros enriquecem o entendimento, pois são
convenções pelas quais a maneira de significar dos programas é estruturada, determinando
regras, modos e limites para o processo de produção”.
Como já dito, a Análise de Conteúdo pode ser combinada a outros modos de
análise. Rocha utiliza a afirmação de Mauro Porto (2007) para embasar seu raciocínio:
Se o pesquisador está interessado na identificação dos padrões gerais do
conteúdo da mídia e também na identificação de processos mais subjetivos
de construção de sentido, ele ou ela necessita combinar análise de conteúdo
com algum tipo de análise textual mais detalhada. Apesar do fato de que os
autores vinculados aos estudos de recepção geralmente rejeitam a análise de
conteúdo devido às suas limitações epistemológicas, alguns autores
ressaltam que as potencialidades deste método não foram ainda
compreendidas de forma adequada [...] (Thomas, 1994) e que enfoques
quantitativos e qualitativos podem ser combinados na análise de conteúdo
(PORTO, 2007, apud ROCHA, 2008, p. 124).
Por isso, exploraremos os potenciais da AC associada ao gênero. Assim,
podemos lançar mão de uma técnica diferenciada que ajude a fugir da dureza da Análise de
conteúdo de viés positivista. O gênero dará conta da natureza dialógica da constituição dos
enunciados, trazendo as múltiplas vozes do programa de auditório. Mas é válido ressaltar que
não será uma análise de discurso. Destrincharemos apenas os padrões do programa, com o
auxílio do gênero programa de auditório, para desenvolver a análise textual.
92
4 METODOLOGIA
Para estabelecer o desenvolvimento e o histórico da TV paraense foi realizada
pesquisa qualitativa com profissionais atuantes no meio, do período de dezembro de 2010 a
janeiro de 2012, os quais destacaram e marcaram pontos referenciais, e também com alguns
telespectadores do Programa Carlos Santos, como indicado no Quadro 6.
Quadro 6 - Profissionais da mídia de Belém e espectadores do programa
Nome Cargo/função
Ivo Amaral Radialista, comentarista esportivo e publicitário, Amaral
começou a carreira na Rádio Marajoara em agosto de 1957,
aos 15 anos de idade, exercendo a função de rádio-escuta, no
departamento de esportes da emissora, onde também foi
locutor de programas esportivos. Em seguida, assumiu a
direção deste departamento. Com a inauguração da TV
Marajoara, em 1961, Amaral foi para esta emissora, onde
atuou como apresentador e comentarista esportivo. Hoje, é
proprietário da Ivo Amaral Publicidade e comentarista
esportivo da TV Liberal.
Graciano Almeida Radialista e contador, começou a trabalhar nos veículos de
comunicação paraenses em 1956, como jornaleiro, no
periódico A Província do Pará. Das ruas da cidade, foi para a
redação do jornal, como office boy. Em 1960, foi contratado
pela Rádio Marajoara como operador de mimeógrafo31
. Foi
nessa época que começou a fazer pequenos papéis nas
radionovelas da emissora. Assim que inaugurou a TV
Marajoara, em 1961, foi transferido para a emissora, onde
também operava o mimeógrafo. Almeida também passou pelo
departamento comercial e pela tesouraria da TV Marajoara.
Deixou a emissora em 1984, ano em que ela foi comprada
pela TVS, do empresário Silvio Santos. Dois anos depois, foi
chamado para trabalhar na TV Cultura do Pará que estava em
fase de implantação. Ele começou a montar o arquivo de fitas
da emissora, departamento em que trabalha até hoje.
José Paulo Vieira da Costa Jornalista e publicitário. Começou a carreira de jornalista na
TV Guajará, em 1975. Fez de tudo um pouco. Locução de
cabine; redação de chamadas de programa; direção de
programação e produções; direção de atores em quadros de
teledramaturgia e diretor do Núcleo Belém do programa
31 Máquina usada para fazer cópias que utiliza na reprodução álcool e um tipo de papel chamado estêncil.
93
nacional Boa Noite Brasil (Rede Bandeirantes). Passou para a
Rede Brasil Amazônia de Televisão em 1988, onde foi
Supervisor Geral de Produção e Imagem, redator de
documentários e programas e diretor de fotografia de
programas e especiais. De 1978 a 1992, promoveu eventos
culturais, shows e feiras e criou comerciais para o rádio e a
televisão. Hoje, é sócio-proprietário da produtora de vídeo 3D.
Sérgio Palmiquist Jornalista, começou a trabalhar no periódico A Província do
Pará, onde exerceu as funções de repórter, chefe de
reportagem, editor e diretor de redação. Trabalhou na Rádio
Cultura do Pará, como chefe de reportagem e criou, dirigiu e
apresentou o programa Cultura da Terra. Chefiou o
departamento de jornalismo da TVS, atual SBT. Foi chefe de
reportagem da TV Liberal. Foi repórter da Revista Veja,
sucursal da Amazônia. Trabalhou no Programa Academia
Amazônia, da Universidade Federal do Pará. Trabalhou na TV
Cultura do Pará, onde dirigiu o Programa Sem Censura Pará,
o programa Regatão Cultural e apresentou o programa de
entrevistas, Controvérsia. Hoje, é editor da Revista
Tucunduba, da Pró-Reitoria de Extensão da Universidade
Federal do Pará.
Afonso Klautau Jornalista, foi diretor de jornalismo do SBT Belém, na década
de 1980. Professor do curso de Comunicação da Universidade
Federal do Pará. Também foi diretor da TV Cultura do Pará,
na década de 1980 e 1990. Foi proprietário da produtora de
vídeo AK. Hoje, está de volta à TV Cultura, onde desenvolve
projetos especiais.
Antônio Siqueira Radialista, trabalhou na TV Marajoara, na década de 1960,
logo depois que a emissora foi inaugurada, em 1961. Foi
operador de videoteipe, o primeiro a ter esta função em
Belém, segundo ele próprio. Em 1981, Siqueira foi para o
SBT Belém que, na época, se chamava TVS, como supervisor
de operações. Nessa época, o SBT estava instalado no
vigésimo quinto andar do edifício Manoel Pinto da Silva, ao
lado da TV Guajará. As instalações eram improvisadas. A
cabine de som, por exemplo, onde eram gravadas as locuções
dos apresentadores e repórteres, não contava com acústica
adequada. Eram forradas com compensado. As duas emissoras
usavam a mesma torre de transmissão. Siqueira trabalhou 26
anos no SBT e só saiu de lá para a aposentadoria.
Nélio Palheta Jornalista, atuou como repórter e editor dos jornais A
Província do Pará, O Liberal e Folha do Norte. Na Mendes
94
Publicidade, atendeu as contas de imprensa. Também ocupou
o cargo de Assessor de Comunicação da Telepará, onde teve a
oportunidade de lidar com planejamento de marketing. Foi
diretor de jornalismo da TV Liberal na década de 1970. Foi
fundador da agência de propaganda, Griffo Comunicação,
onde criou produtos inovadores de comunicação empresarial e
de endomarketing para várias empresas e Governo do Estado.
Retornou à redação nos anos 80, como Diretor de Jornalismo
da TV Liberal, onde já havia implantando o Departamento de
Jornalismo, quando a emissora foi inaugurada. Foi presidente
da Rede Cultura de Comunicação e da Imprensa Oficial do
Estado na década de 1990, onde chefiou uma equipe
numerosa, ofereceu treinamento a diversos profissionais e
criou conteúdos. Hoje, é proprietário da Xingu Comunicação.
Paraguassú Éleres Defensor público aposentado. Foi Topógrafo do Ministério da
Aeronáutica, 1a Zona Aérea, em Belém, em 1962. Foi
Coordenador Geral da Defensoria Pública do Pará de julho de
1984 a janeiro de 1989. Foi Sub-Coordenador de Assuntos
Possessórios da Defensoria Pública (1989). Foi também
Diretor Técnico do Instituto de Terras do Pará (1995-1999),
professor de Direito em instituições de ensino particulares de
Belém, além de professor convidado da Escola de
Magistratura do Tribunal de Justiça do Pará, no curso de pós-
graduação em Direito Agrário, na preparação de juízes das
Varas Agrárias do Pará (2006, 2008, 2010, 2011). Hoje, é
defensor público aposentado.
Rita de Cássia Pereira Cozinheira.
Walcicléa Pereira Assistente de cozinha.
Roger Paes Ator.
Antônia Rodrigues de
Almeida
Doceira.
Jaime Bastos Iniciou a carreira no setor técnico da Rádio Clube do Pará, em
1949, passando ao longo dos anos por diversas emissoras de
rádio paraenses. Em seguida, fez locução de comerciais,
participou de radionovelas e apresentou programas esportivos
e de auditório, como o Vesperal Alegre, feito ao vivo, a partir
de 1954, na Rádio Marajoara. Trabalhou na Rádio Marajoara
até 1959. Depois, juntamente com o jornalista Linomar Baía,
foi fazer parte da equipe que montou a Rádio Guajará,
permanecendo nesta emissora cerca de seis anos.
Posteriormente, foi para a Rádio Liberal, onde trabalhou doze
anos. Também atuou nas rádios Rauland e Maguari. Nesta
95
última emissora ficou até o ano de 1995. Na década de 1960,
foi eleito vereador de Belém. Abandonou a política em 1967 e
fez concurso público para o cargo de auditor do Tribunal de
Contas. Hoje, está aposentado.
Nélson Magalhães Radialista, produtor e diretor de programas de TV. Trabalhou
como produtor, de 1974 a 1986, na linha de programas de
entretenimento da TV Globo, no Rio de Janeiro, como Os
Trapalhões e Viva o Gordo. Voltou para Belém em 1986 para
trabalhar na TV Cultura do Pará, quando esta emissora estava
sendo implantada. Em 1989, começou a produzir e dirigir o
Programa Carlos Santos na TV, na TV Guajará. Ele trabalhou
com Carlos Santos até 2003. Depois disso, atuou em televisão
em Macapá e em cidades do interior do Pará. Voltou para
Belém em 2007. Atualmente, dirige o programa de variedades
Ari Santos tá bonito na TV, apresentado pelo irmão de Carlos
Santos, exibido na Rede TV, aos sábados, do meio-dia às 13
horas.
Fonte: Produzido pela autora.
As entrevistas feitas para esta pesquisa foram do tipo semi-aberta. Realizadas
pessoalmente pela pesquisadora, no período de dezembro de 2010 a março de 2011, as
entrevistas foram registradas em um gravador digital e por meio de anotações. Assim, foi
possível assinalar o conteúdo completo das respostas dos entrevistados, como assegurar a
transcrição correta de cada resposta.
Segundo Duarte (2005), a entrevista semi-aberta é um tipo de entrevista em
profundidade, realizada em pesquisas de caráter qualitativo. Sua característica está na
formulação de questões semi-estruturadas, na abordagem em profundidade e nas respostas
indeterminadas obtidas do entrevistado.
Esse tipo de entrevista, de acordo com Duarte (2005), conjuga a flexibilidade
da questão não estruturada com um roteiro de controle. As questões, sua ordem, profundidade,
forma de apresentação, dependem do entrevistador, mas a partir do conhecimento e
disposição do entrevistado, da qualidade das respostas, das circunstâncias da entrevista.
As entrevistas foram feitas a partir da formulação de questões amplas que
deram liberdade de resposta aos entrevistados que falaram à vontade sobre os tópicos
questionados. Por outro lado, a pesquisadora também teve flexibilidade para fazer novas
perguntas, com base nas respostas obtidas dos entrevistados, resultando em entrevistas
espontâneas, específicas, concretas e auto-reveladoras.
96
O objeto da pesquisa é a análise do Programa Carlos Santos, a fim de verificar
se esse programa apresenta características de um programa de auditório tradicional. Dessa
forma, pretende-se verificar como se apresenta o programa e quais os elementos que o
ajudaram a mantê-lo no ar por 21 anos.
Os objetivos específicos escolhidos foram a descrição do Programa Carlos
Santos e do perfil e da atuação do seu apresentador, a fim de investigar se esses dois aspectos
influenciaram na manutenção do programa.
Parte-se da hipótese que o formato e a dinâmica do programa, o seu aspecto
popular e o perfil do seu apresentador colaboraram para a manutenção e resistência desse
gênero na TV paraense.
Para a base amostral foi usado como corpus quatro programas exibidos em
23/11/1995, 12/07/2003, 06/03/2004 e 10/01/2009 (Quadro 7), disponibilizados pela produção
do programa, buscando-se diferenças e similitudes nos programas pesquisados.
Quadro 7 - Programas objeto de pesquisa
Programas Datas de exibição
Programa A 23/11/1995
Programa B 12/07/2003
Programa C 06/03/2004
Programa D 10/01/2009
Fonte: pesquisa de campo da autora.
Foram também incorporados ao estudo a pesquisa inloco, por meio da
observação pessoal, e pesquisa bibliográfica documental. Este último item inclui literatura
sobre a história da TV no Pará.
Além das pesquisas citadas, ainda aplicou-se na metodologia a Análise de
Conteúdo aplicada aos programas, fundamentada nas variáveis apontadas por França (2006),
Mira (1995) e Souza (2004).
França defende que os programas televisivos com presença do auditório no
estúdio, exibidos a partir dos anos 1990, apresentam como elementos de atratividade cinco
situações-modelo (Quadro 8).
97
Quadro 8 - Situações-modelos propostas por França (2006)
Circo Pessoa que passa por situação engraçada no
ar
Tribunal-divã Pessoas que expõem problemas pessoais para
serem debatidos em público
Máquina de sonhos Esperança de sonhos a serem realizados
Games Pessoas que disputam visando prêmios
Vítimas Pessoas que expressam opressões sofridas e
buscam soluções
Fonte: Adaptado de França (2006) por Ferreira (2011).
As variáveis apontadas por Mira (1995), descritas no Quadro 09, exemplificam
a presença do conceito de gosto popular tradicional nas propostas de quadros dos programas
de auditório.
Quadro 9 - Atrações tradicionais de programas de auditório, segundo Mira (1995)
Proposta de quadros Gosto popular tradicional
Mágicas espetaculares Números de feiras/ artes circenses
Magia/limites do corpo
Competições/Gincanas Duelos/apostas/adivinhas
Lutas/jogos
Musicais/coreografias Danças/música
Quadros dramatizados Lendas/contos/sermão/ estórias
Narrativas
Piadas /humor Farsa/paródia
Teatro/comicidade
Calouros /anomalias Bobos/bufões/ corpos grotesco
Riso/inversão do mundo
Fonte: adaptado de Mira (1995) por Ferreira.
Complementando a delimitação da análise do programa, destaca-se as ideias de
Souza (2004) sobre as estratégias de comunicabilidade dos programas de auditório, como
aponta o Quadro 10.
98
Quadro 10 - Elementos de estratégias de comunicabilidade em Souza (2004)
Presença de auditório Passiva ou atuante
Formato Ao vivo, gravado ou misto
Tipo de narrativa Pessoal, intimista
Linguagem Coloquial direta
Relação de uso que se estabelece com a
recepção
Entretenimento, participativo, cooperativo
Cenografia dos programas Cores, formatos, cenários e similares
Fonte: Adaptado de Aronchi (2004) por Ferreira (2011).
99
5 ANÁLISE DOS PROGRAMAS
Dentro desse contexto de análise, os programas que são objetos deste estudo, já
denominados de A, B, C e D, serão observados buscando atender às demandas propostas no
problema, objetivos específicos e hipótese.
5.1 Análise do Programa A, exibido em 23 de novembro de 1995
Programa ao vivo, com 50 minutos de duração, dividido em quatro blocos,
incluindo os intervalos que levam, em média, dois a três minutos. Exibido na manhã de
sábado, o programa é todo focado em uma gincana, na qual os participantes (jovens do sexo
masculino e feminino) levam atrações para julgamento do júri, a fim de receber um prêmio.
Quadro 11 - Coleta de dados fundamentada em França (2006)
Programa A, exibido em 23/11/1995
Situações-modelos Descrição Observações
Circo Pessoa que passa por
situação engraçada no
ar.
Sim, esta situação-modelo foi
observado no Programa A, no
número da macaca adestrada e dos
acrobatas, em um percentual de
50%, em relação ao seu
significado no programa como um
todo.
Tribunal-divã Pessoas que expõem
problemas pessoais para
serem debatidos em
público.
A situação-modelo tribunal-divã
não foi registrada no Programa A.
Máquina de sonhos Esperança de sonhos a
serem realizados.
Sim, registrada no lançamento do
sorteio ‘Enxoval de Rainha’.
Games Pessoas que disputam Sim, a situação-modelo games está
100
visando prêmios. presente em todo o Programa A,
visto que ele é pautado na gincana.
Percentual de 100% em relação a
sua importância dentro do
programa.
Vítimas Pessoas que expressam
opressões sofridas e
buscam soluções.
Esta situação-modelo não foi
registrada no Programa A.
Fonte: Adaptado de França (2006) por Ferreira (2011).
No Programa A, a situação-modelo circo está presente e caracterizada no
número da macaca adestrada, Chuca. Vestida com um macacão prateado, a macaca dança e
faz acrobacias sob o comando do seu adestrador. Essa é uma atração típica do universo
circense e muito utilizada pelos programas de auditório. Nesse caso, trata-se de uma atração
meio bizarra que faz o auditório rir.
O grupo de contorcionistas e acrobatas, Los Wilson, também é exemplo da
situação-modelo circo. Verifica-se o aspecto cômico, meio fanfarrão, na encenação do
integrante mais velho que faz brincadeiras usando o suporte do microfone como se fosse o
corpo de uma mulher. Ele também brinca com o salto quebrado do seu sapato e com a sua
peruca que cai ao final da apresentação. Para acompanhar o número, uma música típica do
universo circense, uma espécie de marcha, sincopada e alegre.
A situação máquina de sonhos é verificada no lançamento do sorteio Enxoval
de Rainha. Carlos Santos diz que vai sortear uma das cartas que serão enviadas ao programa
(não diz o prazo para mandar a carta) com o nome dos noivos, data e local do casamento. A
noiva da carta sorteada vai ganhar o vestido, a festa, com direito à filmagem, e a viagem de
lua-de-mel (apresentador também não diz o destino da viagem). O noivo será presenteado
com o traje do casamento e mais algumas peças de roupa.
A vencedora desse sorteio irá ao programa receber seus prêmios. Nesse
momento, ela terá o seu desejo atendido, como uma cinderela que vai ao baile viver a noite de
sonho. A situação-modelo ‘máquina de sonhos’ é representada também quando uma pessoa
comum vai ao programa para ganhar uma casa, rever parentes ou conhecer um ídolo.
Observa-se que, nessas situações, o sorteado não deixará a sua condição de
pessoa simples, comum, pois ela se destaca por um desejo que foi atendido, não por um
101
talento artístico diferenciado, pela beleza ou por ser um ídolo do esporte, por exemplo, como
as estrelas e personalidades, protagonistas dos programas de auditório da televisão brasileira.
A situação-modelo games ocorre quando pessoas comuns participam de
torneios, gincanas e disputas dos mais variados tipos, com a finalidade de conseguir o prêmio
oferecido à equipe vencedora. Exatamente como ocorre com a gincana do programa em
análise, na qual cada equipe leva uma atração para a disputa.
Quadro 12 – Atrações tradicionais de programas de auditório, segundo Mira (1995)
Programa A, exibido em 23/11/1995
Proposta de quadros Gosto popular tradicional Observações
Mágicas espetaculares Número de feiras/ artes
circenses
magia/limites do corpo
Sim, esta proposta de
quadro foi observada no
Programa A nos
números da macaca
adestrada, dos acrobatas
e do homem que fala 58
idiomas, em um
percentual de 50% em
relação ao seu
significado no contexto
do programa.
Competições / Gincanas Duelos/apostas/adivinhas
Lutas/jogos
Sim, presente na
gincana. 100% do
programa.
Musicais/coreografias Danças/música Musicais e coreografias
não foram detectadas no
Programa A.
Quadros dramatizados Lendas/contos/sermão/
Estórias/narrativas
Não há registro deste
item.
Piadas/humor Farsa/paródia
Teatro/comicidade
Sim, piadas e humor
foram observadas em
atrações como os
102
acrobatas, o humorista e
a presença do mascote,
‘Sapolino’. Percentual
de 50% em relação a sua
importância no
programa.
Calouros /anomalias Bobos/bufões/ corpos grotesco
Riso/inversão do mundo
Sim, observado em
atrações como a macaca
adestrada, os acrobatas,
o humorista e o matador
de moscas, em um
percentual de 80% em
relação ao significado
no programa.
Fonte: Adaptado de Mira (1995) por Ferreira (2011).
O gosto popular tradicional está presente em praticamente todo o Programa A,
sob diversos aspectos. Chama a atenção, a proposta de quadro denominada ‘mágicas
espetaculares’, sob a forma de artes circenses, nos números da macaca adestrada, dos
acrobatas e do homem que fala 58 idiomas.
As competições e jogos aparecem na gincana. Assim como considera-se os
acrobatas, o humorista e a presença de Sapolino, o mascote do programa, números de teatro e
comicidade.
Sapolino é um boneco de marionete em forma de sapo que interage com Carlos
Santos durante o programa, ajudando a divulgar os sorteios e as competições, apresentando
algumas atrações e fazendo piadas e comentários.
No caso do humorista, ele está de terno, camisa e gravata colorida, chapéu na
cabeça e barbicha. Fala como se fosse um caipira, reforçando o estereótipo do homem
simplório do campo.
Os bobos, bufões e o riso são observados na macaca adestrada, nos acrobatas,
no humorista e no matador de moscas.
O matador de moscas é um senhor que criou um equipamento rudimentar para
matar o inseto. A demonstração do equipamento é motivo de gargalhadas do auditório e dos
jurados.
103
Quadro 13 - Elementos de estratégias de comunicabilidade em Souza (2004)
Programa A, exibido em 23/11/1995
Elementos Descrição Observações
Presença de auditório Passiva ou atuante Auditório atuante
Formato Ao vivo, gravado ou misto Ao vivo
Tipo de narrativa Pessoal, intimista Pessoal
Linguagem Coloquial direta Coloquial direta
Relação de uso que se
estabelece com a recepção
Entretenimento, participativo,
cooperativo
Entretenimento,
participativo
Cenografia dos programas Cores, cenários e similares Gosto popular
presente no formato,
no cenário, nas
atrações e na
dinâmica do
programa.
Fonte: Adaptado de Souza (2004) por Ferreira (2011).
5.2 Programa B, exibido em 12 de julho de 2003
Programa ao vivo, exibido pela TV RBA, no sábado de manhã. Com 55 minutos e
32 segundos de duração, divido em quatro blocos e intervalos de dois minutos, em média, este
programa é chamado por Carlos Santos de Programa de Verão.
Destaque para vinheta do programa na abertura e na volta dos intervalos e anúncio
dos patrocinadores no início do programa, logo após a vinheta de abertura.
Patrocinadores: Avistão, Banpará – Banco do Estado do Pará, Celpa
(concessionário de energia elétrica), Banco da Amazônia, Big Ben (rede de farmácias), Óticas
Diniz, Armazéns Paraíba (rede de varejo), Shopping João Alfredo (centro de compras
popular), e sabão em pó Ace.
Vídeos de três patrocinadores (Banpará, Armazéns Paraíba e Óticas Diniz) são
exibidos em três blocos do programa. Há também a exibição de mais dois vídeos feitos em
104
Paragominas e Ulianópolis, nordeste do Estado, mostrando os investimentos feitos pelos
prefeitos desses municípios e o potencial econômico dessa região do Pará.
Registra-se ainda as pequenas matérias do repórter Sidney Santos, mostrando o
veraneio na praia do Atalaia, em Salinópolis, município localizado na costa atlântica do Pará.
Quadro 14 – Coleta de dados fundamentada em França (2006)
Programa B, exibido em 12/07/2003
Situações-modelos Descrição Observações
Circo Pessoa que passa por
situação engraçada no ar
Não foi registrada no Programa B
a situação-modelo de circo.
Tribunal-divã Pessoas que expõem
problemas pessoais para
serem debatidos em
público.
Não foi registrado.
Máquina de sonhos Esperança de sonhos a
serem realizados.
A situação-modelo máquina de
sonhos está presente sob a forma
de videoclipe de uma dançarina do
programa. Representa 3% de
importância no contexto do
Programa B.
Games Pessoas que disputam
visando prêmios.
Games foram constatados.
Vítimas Pessoas que expressam
opressões sofridas e
buscam soluções.
Não foi registrada a situação-
modelo vítimas.
Fonte: Adaptado de França (2006) por Ferreira.
A situação-modelo máquina de sonhos pode ser caracterizada no vídeo de uma
dançarina de palco do programa, produzido em lugares de Belém que ela mais gosta de
freqüentar. Sorridente, a jovem dançarina, Anngye Fhabrycya, foi filmada tomando uma
ducha, saindo de biquíni das águas de um igarapé, remando lentamente em um caiaque e
105
caminhando sobre uma ponte de madeira usando uma saída de banho feita com um tecido
vazado sobre o biquíni.
Vestindo calça jeans e blusa de alças, a jovem também aparece dirigindo uma
motocicleta e caminhando no Complexo Feliz Lusitânia, bairro da Cidade Velha, em Belém.
Na sequência, ela surge sentada na motocicleta com o microfone em punho, sorri para a
câmera e diz que é dançarina do Programa Carlos Santos e que aqueles são os seus lugares
preferidos para passear.
Os espaços por onde a jovem passeia, no entanto, não são identificados no
momento em que são exibidos, conforme determinam as regras da linguagem televisiva.
Tampouco a dançarina cita o nome dessas locais em sua fala. Esses pequenos detalhes
evidenciam o amadorismo do vídeo.
O videoclipe de aspecto caseiro e meio tosco da dançarina se encaixa na
máquina de sonhos, como um dos componentes dos programas de auditório de cunho popular.
Nas cenas gravadas está a jovem anônima, simplória, vestida com trajes comuns, usando
pouca maquiagem e os cabelos soltos ao vento que tem os seus quinze minutos de fama.
Ao aparecer fitando o telespectador e se mostrando para ele, a dançarina de
palco passa a ter o status de uma estrela de TV, caracterizando a situação de sonhos
realizados.
É importante considerar também que o videoclipe da dançarina é uma
estratégia para aproximar o universo de referência do programa com o seu telespectador e de
valorizar e glamourizar as ajudantes de palco de Carlos Santos.
Quadro 15 – Atrações tradicionais de programas de auditório, segundo Mira (1995)
Programa B, exibido em 12/07/2003
Proposta de quadros
Gosto popular tradicional
Observações
Mágicas espetaculares Número de feiras/ artes
circenses
magia/limites do corpo
Não foi registrada esta
proposta de quadro.
Competições/ Gincanas Duelos/apostas/adivinhas
Lutas/jogos
Não houve registro.
106
Musicais/coreografias Danças/música Sim, presente nas
atrações musicais e nas
dançarinas de palco, em
um total de 80% em
relação à importância e
significado no contexto
do programa.
Quadros dramatizados Lendas/contos/sermão/ estórias
Narrativas
Não foi registrada a
proposta de ‘quadros
dramatizados’.
Piadas /humor Farsa/paródia
Teatro/comicidade
Não foram registrados
quadros de humor.
Calouros /anomalias Bobos/bufões/ corpo grotesco
Riso/inversão do mundo
Não foram registrados.
Fonte: Adaptado de Mira (1995) por Ferreira.
Chamadas de Carletes, as jovens dançarinas fazem coreografias simples para
acompanhar as oito bandas que se apresentam no programa. Elas têm o biótipo amazônico
(morenas, de cabelos longos, pretos) e vestem trajes sensuais, mas sem caráter apelativo.
Quadro 16 - Elementos de estratégias de comunicabilidade em Souza (2004)
Programa B, exibido em 12/07/2003
Elementos Descrição Observações
Presença de auditório Passiva ou atuante Atuante
Formato Ao vivo, gravado ou misto Ao vivo
Tipo de narrativa Pessoal, intimista Pessoal
Linguagem Coloquial direta Coloquial direta
Relação de uso que se
estabelece com a recepção
Entretenimento, participativo,
cooperativo
Entretenimento,
participativo
Cenografia dos programas Cores, cenários e similares Gosto popular
presente no formato,
cenário, nas atrações e
107
na dinâmica do
programa.
Fonte: Adaptado de Souza (2004) por Ferreira (2011).
5.3 Programa C, exibido em 06 de março de 2004
Programa ao vivo, exibido pela TV RBA, no sábado de manhã. Com 60
minutos de duração, divido em quatro blocos e intervalos de dois minutos, em média.
Destaque para vinheta na abertura e na volta dos intervalos e anúncio dos patrocinadores no
início do programa, logo após a vinheta de abertura.
Quadro 17 – Coleta de dados fundamentada em França (2006)
Programa C, exibido em 06/03/2004
Situações-modelos Descrição Observações
Circo Pessoa que passa por
situação engraçada no
ar.
Não houve registro da situação-
modelo circo
Tribunal-divã Pessoas que expõem
problemas pessoais para
serem debatidos em
público.
Não houve registro da situação-
modelo tribunal-divã
Máquina de sonhos Esperança de sonhos a
serem realizados.
Sim, a situação-modelo máquina
de sonhos está presente no
lançamento do sorteio ‘O Sonho
da Minha Vida’. 3% de
importância no contexto do
programa
Games Pessoas que disputam
visando prêmios.
Não foram registrados
Vítimas Pessoas que expressam Não foram registradas
108
opressões sofridas e
buscam soluções
Fonte: Adaptado de França (2006) por Ferreira (2011).
O Sonho de Minha Vida é o sorteio lançado por Carlos Santos neste programa.
Entende-se que esse sorteio se enquadra na situação-modelo máquina de sonhos. Para
participar, o telespectador deverá enviar para o endereço indicado no programa uma carta
contando qual o desejo que pretende realizar. A carta sorteada terá o seu sonho atendido pela
produção do programa, segundo Carlos Santos.
Quadro 18 – Atrações tradicionais de programas de auditório, segundo Mira (1995)
Programa C, exibido em 06/03/2004
Proposta de quadros Gosto popular tradicional Observações
Mágicas espetaculares Número de feiras/ artes
circenses
magia/limites do corpo
Não foi detectada a
proposta de quadro
‘mágicas espetaculares’.
Competições/ Gincanas Duelos/apostas/adivinhas
Lutas/jogos
Sim, na adivinhação das
charadas propostas pelo
mascote, ‘Sapolino’, à
plateia. 5% de
importância no
programa
Musicais/coreografias Danças/música Sim, nos números
musicais e nas
dançarinas de palco.
70% em significado no
programa
Quadros dramatizados Lendas/contos/sermão/ estórias
Narrativas
Sim, a proposta de
quadro dramatizado está
presente na matéria do
disco voador. 10% em
importância no contexto
109
do programa
Piadas /humor Farsa/paródia
Teatro/comicidade
Sim, foi detectado
humor na participação
do sapo-mascote. 10%
de significado no
contexto do programa
Calouros /anomalias Bobos/bufões/ corpos grotesco
Riso/inversão do mundo
Sim, na presença do
transformista. 5% de
importância no contexto
do programa
Fonte: Adaptado de Mira (1995) por Ferreira.
A matéria do disco voador pode ser enquadrada na proposta, quadro
dramatizado, pois se trata de uma estória, ou seja, uma narrativa curiosa sobre um senhor que
está construindo o seu segundo disco voador, em Curuçá, município do nordeste do Estado.
Baixo, calvo, de bigode e olhos miúdos, o tenente aposentado do Exército,
Nazaire, é o criador da “primeira nave espacial do Pará”, como afirma o repórter Sidney
Santos.
A nave é uma estrutura de alumínio, no formato de um disco, montada sobre
um alambrado de madeira. Uma escada, também de madeira, dá acesso ao objeto. Nazaire
mostra o interior do disco voador e as turbinas e conta que a construção tem como base alguns
livros e visões que ele tem com alienígenas que explicam como construir o objeto.
A presença do transformista Lorran está de acordo com a proposta de quadro
calouros, anomalias, em função do caráter bizarro da atração.
Lorran veste uma extravagante roupa branca, com mangas em forma de asas.
Usa um enorme arranjo na cabeça e calça botas pretas de saltos e cano alto. Ao final, o
transformista diz a Carlos Santos que se apresenta em uma boate, na avenida Boulevard
Castilhos França. Localizada no Comércio, próximo ao Porto de Belém, essa avenida é
conhecida na cidade pelas boates e bares de baixa condição que fazem a vida noturna do
bairro.
Na cultura popular, encontram-se outros tipos que poderiam estar nesta
proposta de quadro calouros, anomalias, a exemplo dos bufões e bobos. Todos esses tipos
representam o grotesco e a inversão da forma tradicional de ver e interpretar o mundo. De
outra forma, eles são o avesso da sociedade, os excluídos e estranhos, presentes na cultura
110
popular da Idade Média, que resistiram o passar do tempo e se encontram hoje nos programas
de auditório.
Quadro 19 - Elementos de estratégias de comunicabilidade em Souza (2004)
Programa C, exibido em 06/03/2004
Elementos Descrição Observações
Presença de auditório Passiva ou atuante Atuante
Formato Ao vivo, gravado ou misto Ao vivo
Tipo de narrativa Pessoal, intimista Pessoal
Linguagem Coloquial direta Coloquial direta
Relação de uso que se
estabelece com a recepção
Entretenimento, participativo,
cooperativo
Entretenimento,
participativo
Cenografia dos programas Cores, formatos, cenários e
similares
Gosto popular,
presente no formato,
no cenário, nas
atrações e na
dinâmica do
programa.
Fonte: Adaptado de Souza (2004) por Ferreira (2011).
5.4 Programa D, exibido em 10 de janeiro de 2009
Programa gravado, com 1 hora e 12 minutos de duração, dividido em cinco
blocos, com uma média de quinze minutos cada bloco, sendo duas a três apresentações de
artistas ligados à música em cada um desses blocos.
Gravado nos estúdios de uma produtora, em São Paulo, este programa foi
transmitido para diversas cidades do país por várias emissoras, por meio de antenas
parabólicas, em dias diferentes.
Chama a atenção, neste programa, a publicidade em forma de merchandising
que recebeu tratamento especial e ganhou um espaço maior e bem demarcado neste programa.
O merchandising é feito por outro apresentador, de nome Fernando, que aparece ao lado de
111
Carlos Santos, em quatro blocos, na volta do intervalo. Ele divulga impressora, equipamento
para filtrar água e aparelho de ginástica.
Mas as maneiras de fazer marketing de produtos neste programa são variadas.
Ocorrem também sob a forma de apresentação dos nomes dos patrocinadores, nos momentos
em que eles são anunciados pelo locutor, logo após a apresentação da vinheta de abertura, na
volta do intervalo. O locutor diz os nomes das empresas, enquanto são exibidas imagens da
fachada desses empreendimentos ou de suas logomarcas.
O chamado marketing testemunhal também é explorado no programa. Há
momentos, por exemplo, em que o apresentador diz que esteve em uma determinada agência
do Banpará, um dos patrocinadores, e foi muito bem atendido pelo gerente.
Quadro 20 - Coleta de dados fundamentada em França (2006)
Programa D, exibido em 10/01/2009
Situações modelos Descrição Observações
Circo Pessoa que passa por
situação engraçada no ar
Não houve registro
Tribunal-divã Pessoas que expõem
problemas pessoais para
serem debatidos em
público
Não houve registro da situação-
modelo ‘tribunal-divã’
Máquina de sonhos Esperança de sonhos a
serem realizados
Não houve registro
Games Pessoas que disputam
visando prêmios
Sim, os games estão presentes na
atração ‘Em busca de Novos
Talentos’. 5% de importância no
contexto do programa
Vítimas Pessoas que expressam
opressões sofridas e
buscam soluções
A situação-modelo ‘vítimas’ não
foi constatada
Fonte: Adaptado de França (2006) por Ferreira (2011).
112
Quadro 21 - Atrações tradicionais de programas de auditório, segundo Mira (1995)
Programa D, exibido em 10/01/2009
Proposta de quadros Gosto popular tradicional Observações
Mágicas espetaculares Número de feiras/ artes
circenses
Magia/limites do corpo
Não houve registro.
Competições/Gincanas Duelos/apostas/adivinhas
Lutas/jogos
Sim, nos calouros do
‘Em busca de Novos
Talentos’. 5% de
significado no contexto
do programa
Musicais/coreografias Danças/música Sim, esta proposta de
quadro está presente em
todos os blocos do
programa, somando
80% de importância no
contexto do Programa D
Quadros dramatizados Lendas/contos/sermão/ estórias
Narrativas
Esta proposta de quadro
não consta do programa
Piadas /humor Farsa/paródia
Teatro/comicidade
Sim, na participação do
boneco-mascote,
‘Sapolino’. 5% de
significado no contexto
do programa
Calouros /anomalias Bobos/bufões/ corpos grotesco
Riso/inversão do mundo
Não houve registro da
proposta de quadro
‘calouros e anomalias’
Fonte: Adaptado de Mira (1995) por Ferreira (2011).
Uma mulher participou do Em busca de Novos Talentos, um quadro que
escolhe o melhor calouro na área da música. Supõe-se que em cada programa participou um
calouro até completar um determinado número exigido pela produção e assim escolher o
melhor com a ajuda do auditório.
113
Competições de diversas naturezas, a exemplo dos calouros que mostram seus
talentos musicais, são atrações muito utilizadas pelos programas de auditório desde a época
do rádio até os dias de hoje, como forma de trazer dinâmica ao programa e incitar a
participação da platéia.
Registra-se também que os comentários maliciosos saem da boca do boneco
Sapolino, caracterizando a proposta de quadro piadas/humor. Ao boneco-mascote cabem as
ironias, as brincadeiras mais pesadas, assim como os gracejos, a exemplo dos pedidos de beijo
às artistas que se apresentam.
O boneco-mascote teve o seu nome escolhido por meio de uma consulta feita
com o telespectador e com os artistas que se apresentavam no Programa Carlos Santos.
Os quadros de humor e piadas acompanham os programas de auditório desde o
seu início. Esses quadros têm origem na cultura popular da Idade Média. Eles permaneceram
nas festas de largo e no circo, origem remota dos programas de auditório, passando depois
para o rádio, o teatro de revista e as chanchadas do cinema, origem mais atual desse gênero
televisivo.
Quadro 22 – Elementos de estratégias de comunicabilidade em Souza (2004)
Programa D, exibido em 10/01/2009
Elementos Descrição Observações
Presença de auditório Passiva ou atuante Auditório atuante
Formato Ao vivo, gravado ou misto Gravado
Tipo de narrativa Pessoal, intimista Pessoal
Linguagem Coloquial direta Coloquial direta
Relação de uso que se
estabelece com a recepção
Entretenimento, participativo,
cooperativo
Entretenimento e
participação
Cenografia dos programas Cores, cenários e similares Gosto popular,
presente no formato,
no cenário, nas
atrações e na
dinâmica do programa
Fonte: Adaptado de Souza (2004) por Ferreira (2011).
114
6 RESULTADOS
Explica-se, em primeiro lugar, que as atrações são consideradas segundo as
suas importâncias e os seus significados no contexto do programa. Dessa forma, a análise é
qualitativa e não quantitativa, pois verifica-se que muitas atrações se enquadram em mais de
uma situação-modelo proposta pelos autores que estão no referencial teórico desta pesquisa.
Programa A
Nota-se que o Programa A é o que apresenta o maior número de situações-
modelo propostas por França (2006), como o circo (50%), a máquina de sonhos (5%) o os
games (100%). Esses últimos (games/jogos) permeiam todo o programa, com a gincana. Por
isso, o percentual de 100% dessa situação-modelo, em relação a sua relevância no contexto
total do programa.
O Programa A indica também um número significativo de quatro propostas de
quadros, sugeridas por Mira (1995), como mágicas espetaculares (50%), competições e
gincanas (100%), piadas/humor (50%) e calouros/anomalias (80%).
Quanto aos elementos de estratégias de comunicabilidade, segundo Souza
(2004), o Programa A conta com auditório atuante, formato ao vivo, narrativa pessoal,
linguagem coloquial direta, relação de uso que se estabelece com a recepção é do tipo
entretenimento participativo. O programa é todo construído com base no gosto popular.
Programa B
O Programa B apresenta apenas uma situação-modelo referida por França
(2006), a de máquina de sonhos (3%). Quanto às atrações tradicionais de programas de
auditório, segundo Mira (1995), o Programa B aponta apenas musicais/coreografias (80%).
Quanto aos elementos de estratégias de comunicabilidade, segundo Souza
(2004), o Programa B conta com auditório atuante, formato ao vivo, narrativa pessoal,
linguagem coloquial direta, relação de uso que se estabelece com a recepção é do tipo
entretenimento participativo. O programa é todo construído com base no gosto popular.
Programa C
115
O Programa C apresenta apenas uma situação-modelo referida por França
(2006), a de máquina de sonhos (3%). Por outro lado, quanto às atrações tradicionais de
programas de auditório, segundo Mira (1995), o Programa C apresenta cinco, das seis
atrações, que têm como base a cultura popular tradicional. São elas: competições/gincanas
(5%), musicais/coreografias (70%), quadros dramatizados (10%), piadas/humor (10%) e
calouros/anomalias (5%).
Este programa, portando, só não apresenta a atração mágicas espetaculares,
proposta por Mira (1995).
Quanto aos elementos de estratégias de comunicabilidade, segundo Souza
(2004), o Programa C conta com auditório atuante, formato ao vivo, narrativa pessoal,
linguagem coloquial direta, relação de uso que se estabelece com a recepção é do tipo
entretenimento participativo. O programa é todo construído com base no gosto popular.
Programa D
Observa-se que o Programa D conta com apenas uma situação-modelo indicada
por França (2006) que é o game (5%), quando pessoas disputam entre si visando a um prêmio.
As atrações tradicionais de programas de auditório, segundo Mira (1995), estão presentes em
três, das seis propostas de quadros: competições/gincanas (5%), musicais/coreografias (70%)
e piadas/humor (5%). Os 20% restantes são ocupados por marketing de produtos.
Quanto aos elementos de estratégias de comunicabilidade, segundo Souza
(2004), o Programa D conta com auditório atuante, formato gravado, narrativa pessoal,
linguagem coloquial direta, relação de uso que se estabelece com a recepção é do tipo
entretenimento participativo. O programa é todo construído com base no gosto popular.
Resultados apresentados em quadros
Abaixo, apresenta-se os três quadros com os resultados dos programas, de
acordo com os autores que são a base do referencial teórico desta pesquisa e segundo o que
foi exposto no item acima (Resultados). Cada quadro mostra os elementos propostos por um
autor e a presença destes elementos no Programa A, no Programa B, no Programa C e no
116
Programa D. No primeiro e no segundo quadros, a palavra SIM indica que o elemento
proposto pelo autor foi detectado no respectivo programa e a palavra NÃO indica que o
elemento não foi encontrado no programa.
Quadro 23 – Coleta de dados fundamentada em França (2006)
Situações-
modelos
Descrição Programa
A
Programa
B
Programa
C
Programa
D
Circo Pessoa que passa por
situação engraçada no
ar
SIM NÃO NÃO NÃO
Tribunal-divã Pessoas que expõem
problemas pessoais
para serem debatidos
em público
NÃO NÃO NÃO NÃO
Máquina de
sonhos
Esperança de sonhos a
serem realizados.
SIM SIM SIM NÃO
Games Pessoas que disputam
visando prêmios
SIM NÃO NÃO SIM
Vítimas Pessoas que expressam
opressões sofridas e
buscam soluções
NÃO NÃO NÃO NÃO
Fonte: Adaptado de França (2006) por Ferreira (2011).
Quadro 24 – Atrações tradicionais de programas de auditório, segundo Mira (1995)
Proposta de quadros Gosto popular
tradicional
Programa
A
Programa
B
Programa
C
Programa
Mágicas espetaculares número de feiras/ artes
circenses
magia/limites do corpo
SIM NÃO NÃO NÃO
Competições/Gincanas Duelos/apostas/adivinhas
Lutas/jogos
SIM NÃO SIM SIM
Musicais/coreografias Danças/música NÃO SIM SIM SIM
Quadros dramatizados Lendas/contos/sermão/ NÃO NÃO SIM NÃO
117
estórias
Narrativas
Piadas /humor Farsa/paródia
Teatro/comicidade
SIM NÃO SIM SIM
Calouros /anomalias Bobos/bufões/ corpos
grotesco
Riso/inversão do mundo
SIM NÃO SIM NÃO
Fonte: Adaptado de Mira (1995) por Ferreira (2011).
Quadro 25 – Elementos de estratégias de comunicabilidade em Souza (2004)
Elementos Descrição Programa A Programa B Programa C Programa D
Presença de
auditório
Passiva ou
atuante
Atuante Atuante Atuante Atuante
Formato Ao vivo,
gravado
ou misto
Vivo Vivo Vivo Gravado
Tipo de
narrativa
Pessoal,
intimista
Pessoal Pessoal Pessoal Pessoal
Linguagem Coloquial
direta
Coloquial
direta
Coloquial
direta
Coloquial
direta
Coloquial
direta
Relação de
uso que se
estabelece
com a
recepção
Entreteni
mento,
participati
vo,
cooperativ
o
Entretenimen
to/participati
vo
Entretenimen
to/participati
vo
Entretenimen
to/participati
vo
Entretenimen
to/participati
vo
Cenografia
dos
programas
Cores,
cenários e
similares
Gosto
popular
Gosto
popular
Gosto
popular
Gosto
popular
Fonte: Adaptado de Souza (2004) por Ferreira (2011).
118
Resultados finais
Em vista desses resultados, observa-se que, nos primeiros anos, o Programa
Carlos Santos apresentava diversos elementos do gênero programa de auditório no seu
formato mais tradicional, como atrações inspiradas nas artes circenses, número de piadas,
dança, música, corpo de jurados, jogos, competições e gincanas. No entanto, alguns desses
elementos foram perdendo a força no contexto do programa, haja vista a prevalência de
atrações musicais e merchandising e a ausência de acrobatas, malabaristas, mágicos,
transformistas, e animais adestrados, como se verifica no Programa D, exibido em 10 de
janeiro de 2009.
Porém, a composição visual, a dinâmica do programa e o estilo de música e
coreografia continuaram a obedecer aos cânones do gosto popular, visto que o Programa
Carlos Santos manteve a plateia no estúdio, com participação atuante. A comunicação do
apresentador continuou no estilo direto e coloquial, prezando o estímulo à participação do
telespectador, por meio de sorteios e promoções. Outros elementos que permaneceram foram
as dançarinas de palco e a presença do boneco-mascote Sapolino, concentrando nele uma
parte do tom cômico e burlesco do programa.
Há também o registro da presença do locutor, Valdo Souza, pontuando o
programa com seus comentários sobre as atrações, informando os sorteios, números de
telefone para contatos e divulgando os patrocinadores do programa.
À frente do programa, o apresentador Carlos Santos, figura de apelo popular
forte diante do telespectador, devido a sua trajetória de vida rica de significados, sob o ponto
de vista da ascensão social e da carreira como empresário, político e comunicador do rádio e
da televisão.
Conforme os depoimentos de telespectadores e dos profissionais da imprensa,
ouvidos nesta pesquisa, assim como o conjunto de fatos relacionados ao Programa Carlos
Santos, descritos neste trabalho, verifica-se a influência do apresentador na consolidação e
manutenção do programa.
Além disso, nos relatos e na pesquisa bibliográfica foi registrado apenas outro
programa de auditório de maior expressividade, produzido no Pará, na década de 1980. Trata-
se do TV Cidade, da extinta TV Guajará, que começou na segunda metade da década de 1980
e chegou a ser apresentado por Carlos Santos. Segundo o publicitário e jornalista José Paulo
Vieira da Costa (2011), criador e diretor do TV Cidade, o programa foi exibido durante doze
ou quinze anos, no máximo.
119
Ressalta-se, assim, que o Programa Carlos Santos demonstra a sua força
diante do público pelo tempo em que foi exibido, cerca de 17 anos, assim como evidencia que
é um espaço de resistência do universo popular na televisão paraense.
Dessa forma, entende-se que esta pesquisa, que tem como objeto a análise do
Programa Carlos Santos, cumpriu os objetivos específicos que são a descrição do programa e
a atuação de seu apresentador, assim como a hipótese de que o formato e a dinâmica do
programa, o seu aspecto popular e o perfil de Carlos Santos colaboraram para a resistência
desse gênero na TV paraense.
Nota-se que essa hipótese é importante porque o Programa Carlos Santos foi
um canal de divulgação das preferências das classes populares do Pará na TV. Contar com
programas regionais que mostram a cultura, os gostos e o biótipo do povo da Amazônia é uma
forma de resistência à televisão glamourizada e plasticamente limpa que ainda é feita
majoritariamente no país.
120
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AMARAL, Ivo. Série de Depoimentos. Belém, PA, 2011. Entrevista concedida para a
pesquisa sobre a história da televisão no Pará.
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concedida para a pesquisa sobre a história da televisão no Pará.
ÉLERES, Paraguassú. Série de Depoimentos. Belém, PA, 2011. Entrevista concedida para a
pesquisa sobre a história da televisão no Pará.
KLAUTAU, Afonso. Série de Depoimentos. Belém, PA, 2011. Entrevista concedida para a
pesquisa sobre a história da televisão no Pará.
PAES, Roger. Série de Depoimentos. Belém, PA, 2011. Entrevista concedida para a pesquisa
sobre o Programa Carlos Santos.
PALHETA, Nélio. Série de Depoimentos. Belém, PA, 2011. Entrevista concedida para a
pesquisa sobre a história da televisão no Pará.
PALMIQUIST, Sérgio. Série de Depoimentos. Belém, PA, 2011. Entrevista concedida para
a pesquisa sobre a história da televisão no Pará.
PEREIRA, Rita de Cássia. Série de Depoimentos. Belém, PA, 2011. Entrevista concedida
sobre o Programa Carlos Santos.
PEREIRA, Walcicléa. Série de Depoimentos. Belém, PA, 2011. Entrevista concedida sobre
o Programa Carlos Santos.
SIQUEIRA, Antônio. Série de Depoimentos. Belém, PA, 2011. Entrevista concedida para a
pesquisa sobre a história da televisão no Pará.
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DÉCADA de 50. A rádio nacional e o sistema de estrelato. Disponível em:
http://decadade50.blogspot.com/2006/09/rdio-nacional-e-o-sistema-de-estrelato.html.
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123
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TRIBUNA Popular. História do voto no Brasil: Década de 80: as Diretas-Já. Disponível
em: http://tribunapopular.wordpress.com/historia-do-voto-no-brasil-decada-de-80-as-
diretas-ja. Acesso em: 31 julho de 2011.
124
APÊNDICE
125
APÊNDICE A
Programa A
Data de exibição: 23 de novembro de 1995
Tempo: 50 minutos
Blocos: quatro blocos
Concepção cenográfica
Simploriedade dos recursos cênicos, a exemplo do pano preto que contorna
todo o auditório, onde a platéia senta em cadeiras forradas por um tecido vermelho. O palco é
revestido de um piso na cor prata brilhante de um material que não parece de muito boa
qualidade. Figuras geométricas nas cores branca, cinza e amarelo claro rodeiam o palco.
Algumas tomadas das câmeras mostram a parte de cima do estúdio, com
refletores presos em grossos cabos de aço escuro. Vez ou outra também nota-se a presença de
um homem segurando alguns papéis, posicionado ao lado de Carlos Santos, como se estivesse
ali para informar o apresentador sobre algo acerca do programa.
Atrações
Uma das atrações levadas por um dos grupos que participam da gincana é um
rapaz e sua macaca adestrada que dança e faz acrobacias. A macaca, que responde pelo nome
de Chuca, está vestida com um macacão prateado.
Carlos Santos pede aplausos do auditório que atende à solicitação com palmas
e gritos. O adestrador pede para Chuca estender a mão para Carlos Santos que a cumprimenta
e pergunta se ela está gostando do programa. A macaca faz um sinal negativo com a cabeça.
O auditório ri e aplaude mais uma vez. Carlos Santos também sorri, passa a mão na cabeça do
animal e pergunta para o adestrador o número do telefone para quem estiver interessado em
contratar a atração.
Em seguida, o apresentador anuncia a próxima atração: ‘Los Wilson’, um
grupo de três homens, dois jovens e um senhor, que faz um número de contorcionismo e outro
de acrobacia utilizando xícaras.
O aspecto cômico do número é encenado pelo integrante mais velho que faz
brincadeiras com o suporte do microfone como se esse objeto fosse o corpo de uma mulher.
126
Ele também brinca com o salto quebrado do seu sapato e com a sua peruca que cai da cabeça,
no momento em que ele agradece os aplausos da plateia. Para acompanhar o número, uma
música típica das apresentações circenses, uma espécie de marcha, sincopada e alegre.
Nesse número, configuram-se as características das atrações de circo, tão comuns
nos programas de auditório. No integrante mais velho do grupo Los Wilson está representado
o bobo da corte, o bufão, o mundo visto pelo lado cômico e ao mesmo tempo, a ingenuidade e
e o riso sem artifícios.
É assim também que se enquadra a presença do comediante. Com um jeito
bobalhão, ele veste paletó listrado e gravata de bolas e os seus dois dentes da frente estão
pintados de preto, como se estivessem faltando. Na cabeça, uma peruca escura e um chapéu
de tecido preto. O comediante imita um pouco a maneira de falar de um caipira do interior,
mas suas piadas são maldosas, cheias de trocadilhos e de fácil entendimento.
O auditório
O programa começa com a imagem das pessoas na plateia aplaudindo, ajeitando-
se nas cadeiras e sorrindo. Quando Carlos Santos aparece no vídeo, ele mesmo pede mais
aplausos para o seu programa.
- Aplausos, aplausos!, diz o apresentador, sorrindo.
As risadas e os aplausos não foram colocados ali sem um propósito, pois
mostram ao telespectador que o espetáculo está ocorrendo naquele momento em que está
sendo exibido. Dessa forma, os efeitos sonoros não são meros enfeites, mas elementos
primordiais do meio televisivo.
É usual nos programas populares de auditório a presença de um (ou mais de
um) coordenador de palco carregando placas de ‘aplauso’ ou ‘silêncio’ direcionadas à platéia,
a fim de provocar diretamente tais manifestações. O coordenador de palco também pode
utilizar os gestos com os braços e as mãos para incitar o auditório, como constatado neste
programa.
Como em qualquer outro gênero televisivo, os programas de TV são espaços
de convenções e regras. No caso do programa de auditório, o público que é chamado a
participar deve conhecer e respeitar essas regras, sob pena de quebrar o sentimento de
coletividade que deve pairar nos estúdios dos programas de TV.
Outros elementos de destaque no programa
127
Destaca-se também o júri formado por duas donas de casa, um piloto de avião,
um garçom, um maestro e uma mulher integrante do Corpo de Bombeiros. Sem dúvida, um
corpo de jurados bastante eclético e inusitado. Afinal, o que estaria fazendo um piloto de
avião em um júri de um programa de auditório?
Nota-se ainda que não há integrantes com formação técnica em artes ou
música, com exceção do maestro. Tampouco registra-se a presença de artistas ou
personalidades, como ocorre normalmente nos programas de variedades da TV brasileira.
Cabia aos jurados atribuir notas para duas equipes integradas por jovens
(homens e mulheres) que participavam da gincana. O tipo físico desses jovens é bem
paraense: pele morena e cabelos pretos. Eles vestem shorts e mini-blusas, mas os trajes são
bem-comportados.
Obedecendo às orientações do apresentador, eles correm pelo palco e
respondem as perguntas, animadamente, sob os aplausos, as vaias e os gritos orquestrados da
platéia.
Uma das brincadeiras é responder em que estado foi inventado o trio elétrico.
As opções são: Bahia, Rio de Janeiro e Pará. A vencedora foi a equipe que respondeu ‘Bahia’.
128
APÊNDICE B
Programa B
Data de exibição: 12 de julho de 2003
Tempo: 55 minutos e 32 segundos
Blocos: quatro blocos
Concepção cenográfica
A fotografia de Carlos Santos aparece em destaque, emoldurada em um
círculo, na lateral esquerda do cenário. No centro, de frente para o telespectador, está o palco
de piso prateado, rodeado por uma estrutura de alumínio que sustenta todo o cenário,
composto por figuras geométricas nas cores laranja, vermelho e amarelo.
Nos momentos em que Carlos Santos se dirige à câmera, ele se posiciona em
frente a sua fotografia. Dessa forma, ele aparece em duplicidade para o telespectador. Ou seja,
ele está falando com o espectador, enquanto a sua imagem aparece atrás, com o mesmo
sorriso largo e o indefectível paletó.
Entende-se que a redundância da figura do apresentador é proposital, pois se
trata de uma forma de marcar fortemente a sua imagem no repertório televisivo do
telespectador.
Atrações
Destaque para as bandas de música de estilo popular e o quadro Flagra de
Verão, com o repórter Sidney Santos mostrando algumas situações engraçadas na praia do
Atalaia, no município de Salinópolis, na costa atlântica do Pará.
Outros elementos de destaque no programa
Matéria gravada que utiliza as técnicas do telejornalismo, em uma tentativa de
denotar compromisso com a realidade e verdade dos fatos, como sonoras (entrevistas feitas
com pessoas que fazem parte da situação ou fato apresentado), texto em off do repórter (no
telejornalismo, o off refere-se aos momentos em que o repórter não está em cena, mas a sua
voz está contado o fato ocorrido, apresentado nas imagens) e a passagem de vídeo (repórter
129
aparece em cena falando sobre algo referente à matéria. Em geral, a passagem é usada quando
não há imagem para cobrir o que o repórter está falando).
Os shows e os programas de auditório são atrações demarcadas pelo
entretenimento, assim como as telenovelas, filmes e séries pertencem ao mundo da ficção. No
âmbito dessas atrações, a realidade nunca foi a preocupação central. Por isso, a introdução de
matérias em programas de auditório é uma estratégia relativamente nova na televisão
brasileira, dentro desse gênero.
Neste programa, na volta do primeiro intervalo, após a exibição da vinheta
(nome do programa rodeado de estrelas azuis e roxas, com a música-tema ao fundo), vêem-se
imagens do monumento construído na entrada do município de Santa Izabel do Pará.
Logo em seguida, corte para um homem de meia-idade, forte, com entradas nos
cabelos grisalhos, vestindo uma camisa de mangas compridas amarelo-escuro, de microfone
na mão, respondendo as perguntas de Carlos Santos, durante um programa exibido em outra
data. Depois entram as imagens de pessoas em volta de um igarapé bucólico e se jogando em
suas águas. Enquanto as imagens são exibidas, o locutor diz:
- Santa Izabel rumo ao progresso com Antônio Simão na prefeitura, dando
apoio a todos os setores. No turismo, os balneários e igarapés recebem visitantes de toda a
parte.
Após a exibição das imagens e do texto do locutor em off, aparece Carlos
Santos, de camisa pólo branca, calça bege e cinto preto, em um dia ensolarado, segurando o
microfone, como um repórter, perguntado a um rapaz, enquanto aponta para as águas verde-
escuras, contornadas por árvores frondosas:
- Como é o nome deste igarapé aqui?
- É o rio Itá, responde o rapaz, enquanto são exibidos vários takes (imagens) do
local. E continua: ele passa por São Francisco e Vila do Carmo e vai desembocar no rio
Caraparu. É uma das belezas que temos aqui em Vila do Carmo, onde os turistas, os
namorados, vêm curtir o lugar. É o lugar mais sossegado em Vila do Carmo. Porque aqui tem
outros igarapés, mas esse é o melhor da região.
Mais uma vez Carlos Santos aparece, em pé, próximo ao igarapé, fazendo a
mesma pergunta para outro rapaz:
- Como é mesmo o nome deste igarapé?
- Itá, responde o rapaz.
- E as pessoas vêm aqui nos finais de semana, banhar-se e fazer o lazer?,
pergunta o apresentador.
130
- Vêm, vem muita gente aqui de fora, muitos turistas, mesmo. Aqui é ótimo.
Em seguida, o enquadramento da câmera é mais aberto. Carlos Santos agora
está próximo a uma mesa, perto do igarapé, onde se vê um rapaz e uma jovem em pé e outro
homem sentado na cadeira, mais perto da mesa. Sorridente, o apresentador se dirige à jovem e
pergunta o nome dela:
- Letícia, diz a jovem, vestida com o sutiã do biquíni e shorts, enquanto pega
alguma coisa para comer em um prato, disposto na mesa.
- Você vem sempre aqui?
- Sim, com certeza, responde a jovem, meio tímida.
- E você?, pergunta Carlos Santos ao homem sentado, usando sunga preta e
boné verde.
- Sim. Venho tomar uma cervejinha, relaxar do estresse da semana, comer
alguma coisa. Aproveitando o domingo, né?
A voz em off do locutor diz então: visite Santa Izabel, cidade dos balneários e
igarapés.
Conceição do Itá é um balneário de Vila do Carmo, localizada em Santa Isabel
do Pará, município distante 38 quilômetros de Belém.
O balneário é um lugar simples, de gente do povo. A matéria mostra
exatamente essa realidade. Meninos pulando do tronco de árvores no igarapé, fazendo gesto
de adeus para as câmeras, garrafas de cerveja e pratos com peixe e caranguejo nas mesas,
pessoas vestindo trajes comuns. Não há luxo, aparato ou requinte nesse lugar. Só a realidade
popular do povo paraense.
Por essa razão, a matéria está em consonância com a concepção e estrutura do
programa, pois ela foi pensada como uma estratégia destinada a causar algum efeito no
espectador do programa.
131
APÊNDICE C
Programa C
Data da exibição: 06 de março de 2004
Tempo: 60 minutos
Blocos: quatro blocos
Concepção cenográfica
Foto de Carlos Santos no centro do cenário em volta do palco. Fisionomia do
apresentador reflete entusiasmo. Ele está com o sorriso aberto e em sua volta há muitas
estrelas nas cores rosa, azul e amarelo. Durante o programa, flashes de luzes coloridas
iluminam todo o cenário. Em volta do auditório, espelhos grandes refletem a imagem do
apresentador, dos convidados e das dançarinas.
Atrações
Sapolino, o boneco marionete em forma de sapo, mascote do programa, recebe
uma camiseta da banda ‘Tá na Cara’, formada por um casal de cantores e dançarinos, após a
apresentação do grupo. O boneco diz que está feliz com o presente.
Em seguida, Carlos Santos chama uma jovem da platéia que está segurando um
cartaz, feito de cartolina branca, com declarações de carinho para a banda. A jovem dá um
beijo no casal de cantores e diz que é fã do grupo há bastante tempo. Carlos Santos pede
aplausos e depois convida a todos para assistirem a matéria do repórter Sidney Santos sobre
um disco voador que está sendo construído em Curuçá, nordeste do Estado.
Após a exibição da primeira parte da matéria do disco voador, o programa
volta para o estúdio, onde Carlos Santos faz uma brincadeira com a nave espacial de Curuçá
e, em seguida, pede à banda ‘Tá na Cara’ mais uma música.
Depois da banda, entra o intervalo. Na volta do comercial, é a vez da banda
‘Zíngara’, que distribui camisetas para o auditório, enquanto Carlos Santos diz:
132
- Alegria, alegria. Carlos Santos está no ar. Quem quer ganhar camisetas da
banda ‘Zíngara’?
Em seguida, é a vez de chamar ao palco o ‘Ceguinho’, líder do Carnaval de
Ananindeua. O rapaz está acompanhado da ‘Garota Carnaval do Ceguinho’, uma jovem de
pele morena clara, cabelos longos pretos, vestindo uma calça e top jeans muito justos.
Carlos Santos elogia a beleza de Leidiane, nome da jovem, e pede uma música
de Carnaval para que ele possa dançar. Enquanto faz uma demonstração, o locutor do
programa diz, com malícia:
- Imagina se ele não fosse ‘Ceguinho’, não é Carlos Santos?, em uma
referência à beleza e exuberância da jovem.
Depois disso, o apresentador anuncia o transformista ‘Lorran’ para uma
dublagem de música internacional. O artista recebe os aplausos da platéia. Ele está vestindo
uma extravagante roupa branca, com um enorme arranjo na cabeça e calçando botas pretas de
cano até o início das coxas e saltos muito altos.
É nesse ponto que as realidades do espectador e de quem é atração no
programa se interligam, pois a para o receptor, o artista popular está próximo do seu
cotidiano. É gente que vive a mesma realidade e passa pelo mesmo tipo de problema que ele,
que gosta do mesmo estilo de diversão, de música e talvez admire os mesmos ídolos.
É assim que essas pessoas se sentem reconhecidas e incluídas ao assistirem um
programa de cunho popular. Por meio da legitimação da forma de suas vidas, esse gênero
televisivo confere certa aura de poder ao seu espectador.
Outros elementos de destaque no programa
A linguagem utilizada por Carlos Santos é coloquial e direta, mas a sua
abordagem em relação aos convidados, ao auditório e ao espectador é cordial e respeitosa. Os
comentários maliciosos saem da boca do boneco Sapolino. A ele cabem as ironias, as
brincadeiras mais pesadas, assim como os gracejos, a exemplo dos pedidos de beijo às artistas
que se apresentam.
Pode-se afirmar que Carlos Santos é o orquestrador do seu programa, como se
espera de um apresentador desse gênero televisivo.
Nos lábios, um sorriso constante, a fim de reafirmar a todo instante a sua
simpatia e afabilidade com o auditório, com os seus convidados e com o telespectador. Os
133
gestos são contidos e o tom do texto falado é de relativa intimidade com o espectador, nas
frases curtas, diretas e repetidas muitas vezes ao longo do programa.
O apresentador solicita constantemente a participação do público. Ele divulga o
número do telefone do programa, diz que está esperando a ligação de quem está em casa,
como foi observado no programa do dia 06 de março de 2004:
- Ok, ok. Alegria, alegria. Eu quero ver você aí, participando! Ligue para mim.
Qual é o telefone, Valdo?
Entra a voz em off do locutor Valdo Souza que lembra muito o tom e a maneira
de falar do famoso Lombardi32
, do programa Sílvio Santos. Enquanto o locutor informa os
números dos telefones para participação do telespectador, Carlos Santos permanece em foco,
sorridente.
Em seguida, diz:
- Ligue agora para cinco pessoas que você conhece e diga que Carlos Santos
está no ar.
Na volta do intervalo, Carlos Santos fala, ao som de um rock and roll que toca
em playback. Desta vez, ele imita nitidamente Sílvio Santos:
- Oiaaa, exclama, com ênfase na letra ‘a’. Alegria, alegria. Você está com
Carlos Santos. Ligue, ligue para cinco pessoas que você conhece e diga que Carlos Santos
está no ar.
Enquanto pronuncia estas frases, o apresentador faz uns passos, tentando
acompanhar a música que toca ao fundo.
Faz parte da linguagem televisiva a repetição de palavras, expressões e
comportamento dos comunicadores. A redundância e a repetição estão relacionadas ao
universo televisivo e a sua atmosfera de familiaridade com o telespectador.
32
Lombardi começou sua carreira na TV Globo, na década de 1960. No entanto, ele ficou famoso depois de
trabalhar com Sílvio Santos. Foi locutor oficial do programa Sílvio Santos por 40 anos. Lombardi evitava ser
fotografado para manter o mistério em torno de sua voz forte e marcante. O locutor morreu no dia 02 de
dezembro de 2009, em sua casa, em Santo André, na Grande São Paulo, aos 69 anos, vítima de um infarto.
134
APÊNDICE D
Programa D
Data de exibição: 10 de janeiro de 2009
Tempo: 1 hora e 12 minutos
Blocos: cinco blocos, com uma média de quinze minutos cada bloco.
Concepção cenográfica
A composição de cena é mais ordenada e impessoal, comparada aos demais
programas analisados. O ambiente está mais atraente em termos de disposição e cores do
cenário e efeitos da iluminação. A cena mostra o apresentador como um paraense apaixonado
por sua terra, mas em sintonia com o resto do país. A análise abaixo tem o objetivo de
evidenciar essas observações.
A estrela roxa com matizes azuis sombreada de preto, onde está escrito
Programa Carlos Santos, é o destaque no conjunto de elementos que compõem o cenário
criado especialmente para a gravação do programa. Atrás da estrela roxo-azulada sobressai
um círculo azul anil como se fosse um globo terrestre pontilhado por pequenas estrelas
amarelas.
Este é o ponto principal da estrutura da construção cênica do programa. A
estrela com o nome do programa está localizada bem no centro do cenário, de frente para o
telespectador, no tapume central, entre os dois outros instalados lateralmente. Justamente por
estar no centro, é o enquadramento mais utilizado pelo diretor de imagens durante a exibição
do programa e, consequentemente, a representação plástica mais vista pelo telespectador.
O cenário atrás do palco é revestido com a cor azul claro, entremeada de rasgos
brancos, como se fossem nuvens. Entende-se que a intenção é passar a idéia de um céu bonito
e sereno que transmita a sensação de infinitude e impessoalidade.
Essa concepção de cenário empresta um caráter cosmopolita e incaracterístico
ao programa, pois sob aquele céu pode estar qualquer cidade do país.
Entende-se que tal conceito está presente com o objetivo de colocar Carlos
Santos como um comunicador bem-sucedido, com status para apresentar o seu programa em
qualquer capital brasileira. O apresentador está em todas as cidades e ao mesmo tempo em
nenhuma delas. Situa-se em um lugar fora dos lugares geográficos. Está em um não lugar,
onde não há raízes no chão.
135
Mas no tapume do lado direito do telespectador, sob o mesmo céu plácido e
alegre, está a fotografia do Mercado do Ver-o-Peso, o mais tradicional e conhecido espaço
turístico de Belém. Esse é o ponto de identificação com o público paraense.
Símbolo da capital paraense, o Ver-o-Peso é a síntese da diversidade
sociocultural da cidade. Construído no século XVII, em frente à Baía do Guajará, é local de
mistura de aromas, cores, frutas, peixes, carnes, raças e de gente, muita gente. Nada melhor
do que uma foto bem grande desse espaço singular para aflorar o inconsciente ufanista do
paraense, principalmente daquele que vive em Belém.
Esse é o objetivo da reprodução fotográfica do Ver-o-Peso no cenário do
programa. Trazer à tona o afeto pela cidade e relacionar esse sentimento ao programa e ao seu
apresentador. Além disso, é mostrar que Carlos Santos está inserido naquele contexto popular
do mercado. Mostrar que ele não deixou para trás as suas raízes e o seu povo.
Prova disso é que Belém tem outros espaços e prédios importantes do ponto de
vista histórico e arquitetônico, como o Theatro da Paz, conjunto no estilo neoclássico
finalizado em 1874, e o Palácio Lauro Sodré, construído em 1771, atualmente sede do Museu
do Estado do Pará. Mas o Ver-o-Peso é o único que tem cheiro de gente, de ervas da
Amazônia e de comida típica.
No entanto, conforme foi referido, a composição cenográfica também tem o
propósito de construir a imagem de Carlos Santos como um homem do mundo, exitoso nos
negócios, um comunicador sem fronteiras que fala para todas as cidades do país.
Desse modo, do lado esquerdo do vídeo, pode-se ver a foto do Cristo Redentor,
imagem-símbolo do Rio de Janeiro, conhecida como a cidade maravilhosa, metáfora do Brasil
grandioso em sua natureza exuberante e de terra boa que abriga um povo simpático, generoso
e acolhedor.
Mais à esquerda, após a foto do Cristo Redentor, está montada a toca estilizada,
de tecido e madeira, feita em um tronco falso de uma árvore, onde está o boneco em forma de
sapo, Sapolino.
Atrações
Os convidados são cantores e bandas populares de diferentes cidades do país e
as dançarinas usam trajes bem cuidados, mas sem extravagância. No auditório, somente
jovens bonitas de cabelos longos, usando blusas brancas de malha e calça jeans.
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Abaixo, destaca-se um trecho do programa, a fim de enfatizar a estética de gosto
popular e o texto verbal.
- ‘Atenção Brasil para o toque de cinco segundos’, diz o locutor, enquanto os
números de um a cinco vão aparecendo no vídeo, em ordem decrescente, contornados por
estrelas azuis e roxas, como a vinheta do programa.
Corte para o estúdio, onde aparece o auditório, e ao fundo ouve-se novamente a
voz do locutor:
- Sucesso no norte e nordeste, agora para todo o Brasil: Programa Carlos
Santos!
O apresentador aparece, dizendo:
- Ok, ok, estamos chegando para mais um Programa Carlos Santos.
Aplausos do auditório.
- Obrigado, obrigado. Podem sentar, podem sentar. Obrigado também às
dançarinas e ao Sapolino. Quem quiser participar do programa é só ligar ou mandar um e-
mail, informa o apresentador, enquanto aparecem no vídeo os endereços para a participação
do público.
- Alô galera que está aqui no estúdio (gritos do auditório), daqui a pouco vou
dar dinheiro para vocês. Quem quer ganhar dinheiro? (auditório se levante e responde
afirmativamente). E você que está aí em casa pode ganhar também. Não é mesmo, Sapolino?
O sapo-boneco responde que sim, diz o número do telefone para o
telespectador participar, (91) 4005-4433, e informa que será divulgado o nome do ganhador,
no final do programa.
- E agora a nossa primeira atração internacional: Lowalva Braz, anuncia Carlos
Santos.
A artista entra no palco e já começa a cantar. No meio da apresentação, os
caracteres mostram no vídeo o nome da cantora e o número do telefone para contratá-la para
shows. Em seguida, aparece o número do telefone para a participação do telespectador,
seguido da frase: ganhe dinheiro.
No final da apresentação de Lowalva Braz, sob os aplausos da platéia, Carlos
Santos entra no palco, dança com a cantora e diz que ela já fez shows em várias cidades do
mundo. A cantora agradece a oportunidade de estar no programa, sai do palco e Carlos Santos
chama a próxima atração, uma banda de tecnobrega.
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Após a apresentação da banda, Carlos Santos chama o intervalo.
Após os comerciais, volta para o estúdio, onde Carlos Santos incentiva o
telespectador a ligar para o programa e participar do sorteio. Em seguida, ele apresenta a
banda de rock, ‘Cará com Alho’, do Rio de Janeiro. Depois, Carlos Santos anuncia a última
atração, o cantor de música romântica, José Roberto, de 41 anos de carreira. Nesse momento,
o apresentador agradece a presença do cantor, se despede do espectador e da platéia.
Enquanto José Roberto canta uma música desbragadamente romântica, os
caracteres anunciam no vídeo o nome do ganhador do prêmio em dinheiro e o valor a ser
recebido: módicos R$ 100. É o povo na TV!
Outros elementos de destaque no programa
O merchandising recebeu tratamento especial e ganhou um espaço no
Programa. As maneiras de fazer marketing de produtos no programa são variadas. Ocorrem
sob a forma da apresentação dos nomes dos patrocinadores, nos momentos em que eles são
anunciados pelo locutor, logo após a apresentação da vinheta de abertura, na volta do
intervalo. O locutor diz os nomes das empresas, enquanto são exibidas imagens da fachada
desses empreendimentos ou de suas logomarcas.
O chamado marketing testemunhal também é explorado no programa. Há
momentos, por exemplo, em que o apresentador diz que esteve em uma determinada agência
do Banpará, um dos patrocinadores do programa, e foi muito bem atendido pelo gerente.
Na volta do primeiro intervalo, corte direto para Carlos Santos. Ele está ao lado
de um homem magro e alto, bem-apessoado, vestindo um terno escuro, cabelos pretos lisos,
penteados para trás. Os dois estão na parte do cenário em que aparece a foto em tamanho
grande do Mercado Ver-o-Peso. Na frente deles, está uma máquina colocada em cima de uma
mesa pequena coberta com uma toalha.
- Que sucesso, hein, Fernando? diz Carlos Santos para o homem que está ao
seu lado.
O interlocutor responde, mostrando a MaqJet, máquina recarregadora de
cartuchos de tinta para impressora, e relatando as qualidades e vantagens do produto.
Em outro momento do programa, Fernando aparece novamente ao lado de
Carlos Santos. Eles estão no mesmo lugar do cenário, ou seja, em frente à foto do Ver-o-Peso.
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Dessa vez, eles estão vendendo um aparelho para exercícios físicos que
movimenta ao mesmo tempo pernas e braços. Uma das dançarinas é quem faz a demonstração
do aparelho, sob os olhares atentos de Carlos Santos e Fernando e os comentários de ambos
sobre os benefícios que o equipamento pode trazer para a saúde do telespectador, um
potencial comprador do produto.
Mas no programa Carlos Santos, também se vende máquina para fazer adesivos
usados em camisetas e aparelho que ajuda a controlar a quantidade da água utilizada em casa.
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