FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA E DE EMPRESAS CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA
CURSO DE MESTRADO EXECUTIVO EM GESTÃO EMPRESARIAL
MARCO AURELIO P. JORGE
SUSTENTABILIDADE E DESENVOLVIMENTO LOCAL: ESTUDO DE PROJETO NA FORMAÇÃO
DA ECOVILA VIVER SIMPLES EM ITAMONTE-MG.
PROFESSOR ORIENTADOR ACADÊMICO
Dr. MARCELO MILANO FALCÃO VIEIRA
Rio de Janeiro 2008
MARCO AURELIO P. JORGE
SUSTENTABILIDADE E DESENVOLVIMENTO LOCAL: ESTUDO DE PROJETO NA FORMAÇÃO
DA ECOVILA VIVER SIMPLES EM ITAMONTE-MG.
Dissertação apresentada ao Centro de Formação
Acadêmica e Pesquisa da Escola Brasileira de
Administração Pública e de Empresas para obtenção
do grau de Mestre em Gestão Empresarial
Orientador: Prof. Dr. Marcelo Milano Falcão Vieira
Rio de Janeiro 2008
MARCO AURELIO P. JORGE
SUSTENTABILIDADE E DESENVOLVIMENTO LOCAL: ESTUDO DE PROJETO NA FORMAÇÃO DA ECOVILA VIVER
SIMPLES EM ITAMONTE-MG.
Esta dissertação foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Mestre em Gestão
Empresarial no Centro de Formação Acadêmica e Pesquisa da Escola Brasileira de
Administração Pública e de Empresas.
Rio de Janeiro, 15 de Julho de 2008
____________________________ Assinatura do Chefe do Centro de Formação Acadêmica e Pesquisa
BANCA EXAMINADORA
________________________________ Prof. Marcelo Milano Falcão Vieira, Dr.
Orientador
________________________________ Prof Dr. Alexandre Faria
________________________________ Prof. Dr.Joel de Lima Pereira Castro Junior
IV
Dedico esse trabalho às minhas filhas Malu e Bia (in
utero), à minha esposa que suportou minhas variações de
humor e a todas as pessoas que trilharam esse caminho
comigo, amparando-me nas horas certas.
V
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, Prof. Marcelo Milano F. Vieira, pela crença, dedicação, incentivo,
paciência e compreensão aos meus pontos de vista durante a orientação deste trabalho.
Ressalto que, os méritos desta dissertação podem ser imputados a nós dois, contudo, os
defeitos ficam por minha conta.
À todos os professores do Curso de Mestrado em Gestão Empresarial da EBAPE/FGV, pelos
ensinamentos transmitidos.
Aos amigos de classe, Hermes, Carlos e Thais, amizades preciosas que vieram junto com esse
mestrado.
À minha mãe, irmã, sobrinha e ao tio Orlando, pelo exemplo irrestrito e incondicional de
Amor.
À minha avó Maria Luiza pelo carinho e ao meu tutor Jonio, pela formação do meu caráter na
infância.
Aos amigos e compadres, Rodrigo e Viviane, pelo exemplo constante de tolerância e de
confiança no ser humano.
Ao Miguel Gouveia, por ter apostado na proposta do mestrado, quando muitos achavam
desnecessário.
E finalmente à Avó Josefa e a Casa da Liberdade pelo suporte espiritual nos momentos
devidos.
VI
1 - INTRODUÇÃO ................................
1.1 A temática e sua contextualização ............................................................................. 2 1.2 Objetivos Geral e Específico ..................................................................................... 5 1.3 Justificativa e Relevância .......................................................................................... 5 1.4 Delimitação da pesquisa ............................................................................................ 7 1.5 Estrutura do trabalho ................................................................................................. 7
2 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ................................
2.1 - A sociedade em mutação: Novos paradigmas que interferem diretamente no modo de vida. ......................................................................................................................... 10 2.1.1 - A questão ambiental: o risco de falência iminente do planeta pelo desequilíbrio causado pelo Homem ..................................................................................................................................10 2.1.2- A Globalização e as conseqüências sobre o cotidiano .........................................................12 2.1.3- Urbanização problemática e o futuro das cidades brasileiras...............................................15 2.2- Sustentabilidade ..................................................................................................... 18 2.2.1- A evolução do conceito de sustentabilidade e suas interpretações.......................................18 2.2.2- Dimensões da sustentabilidade.............................................................................................22 2.2.3- Os desafios da Agenda 21 no Brasil.....................................................................................25 2.2.4 - A sustentabilidade orientando ecovilas ...............................................................................28 2.3- Desenvolvimento local........................................................................................... 33 2.3.1- Controvérsia quanto às definições de crescimento e desenvolvimento................................34 2.3.2 - Evolução e conceito ............................................................................................................35 2.3.3- Desenvolvimento local com base na economia solidária orientando ecovilas.....................40 2.4- Ecovila: Um novo modus vivendi ........................................................................... 45 2.4.1- Evolução e Conceito ............................................................................................................45 2.4.2- As experiências de ecovilas ao redor do mundo ..................................................................49 2.4.3- Razões para planejar ............................................................................................................55 2.4.4- Estudo de projeto para formação da Ecovila Viver Simples em Itamonte – MG: Um Modelo para Análise......................................................................................................................58 2.4.4.1- A cidade de Itamonte e suas características relevantes ao modelo ...................................59 2.4.4.2 - Projeto da Ecovila Viver Simples ....................................................................................62
VII
3 - MÉTODO ................................
3.1 Delineamento de pesquisa ....................................................................................... 68 3.2 Definição das categorias analíticas .......................................................................... 69 3.3 Coleta de Dados ...................................................................................................... 74 3.4 Análise e interpretação de dados.............................................................................. 78
4 – RESULTADOS E DISCUSSÃO ................................
4.1. – Fase I - 2006: a concepção................................................................................... 81 4.1.1 – A natureza jurídica do assentamento ..................................................................................83 4.2 – Fase II – primeira metade de 2007: organização e consultoria............................... 85 4.2.1 – Organograma para dividir tarefas .......................................................................................85 4.2.2 – Consultoria em Design Permacultural ................................................................................89 4.3 – Fase III – a partir da segunda metade de 2007: planejamento, discussão e execução para alcance da sustentabilidade e desenvolvimento local.............................................. 94 4.3.1 – A ecovila e a dimensão social, seus indicadores e atributos...............................................94 4.3.1.1 – Governança circular.........................................................................................................95 4.3.1.2 – Inter-relacionamento comunitário ...................................................................................97 4.3.1.3 – Auto-percepção dos membros .......................................................................................101 4.3.1.4 – Obediência às normas....................................................................................................102 4.3.2 – A ecovila e a dimensão econômica, seus indicadores e atributos.....................................104 4.3.2.1 – Atividades para geração de renda..................................................................................104 4.3.2.2 – Prestação de contas........................................................................................................107 4.3.2.3 – Economia Social ............................................................................................................109 4.3.3 – A ecovila e a dimensão ecológica, seus indicadores e atributos.......................................110 4.3.3.1 – Utilização dos recursos renováveis................................................................................110 4.3.3.2 – Redução, reutilização e reciclagem (3 R´s) ...................................................................114 4.3.3.3 – Conservação da água e tratamento ecológico dos esgotos ............................................116 4.3.3.4 – Produção orgânica de alimentos ....................................................................................119 4.3.4 – A ecovila e a dimensão espacial, seus indicadores e atributos .........................................121 4.3.4.1 – Bio-construção das unidades .........................................................................................121 4.3.4.2 – Acessibilidade e distribuição .........................................................................................125 4.3.4.3 – Presença de unidade de conservação .............................................................................129 4.3.5 – A ecovila e a dimensão cultural/espiritual, seus indicadores e atributos..........................130 4.3.5.1 – Medicina alternativa/Técnicas de meditação.................................................................130 4.3.5.2 - Técnicas locais de manejo..............................................................................................132 4.3.6 – A ecovila como agente catalisador de desenvolvimento local na região..........................130 4.3.6.1 – Cooperação e solidariedade: Parcerias através da OSCIP Instituto Integrando Saberes.....................................................................................................................................................135
4.3.6.2 – Inclusão social: esquema de apoio social e familiar......................................................137 4.3.6.3 – Qualidade de vida e felicidade: Percepção dos moradores da circunvizinhança sobre a presença da Ecovila .....................................................................................................................139
5 – CONCLUSÕES ................................
5.1 – Considerações finais e recomendações ............................................................... 143
REFERÊNCIAS ................................
VIII
Figura 01 – 4 fatores chave no circulo de sustentabilidade ............................................ 48 Figura 02 – Cursos e treinamentos na Fundação Findhorn ............................................. 50 Figura 03 – Telhados verdes.......................................................................................... 51 Figura 04 – Painéis solares ........................................................................................... 51 Figura 05 – Turbinas eólicas ........................................................................................ 51 Figura 06 – Vilas com casebres ..................................................................................... 52 Figura 07 – Centro da Paz Sarvodaya ............................................................................ 52 Figura 08 – Mapa LAEV na região urbana de Los Angeles ........................................... 52 Figura 09 – Residências urbanas ................................................................................... 52 Figura 10 – Estudantes trabalhando nos jardins da LAEV ............................................. 53 Figura 11 – Área ocupada pela ecovila .......................................................................... 53 Figura 12 – Áuto-suficiência na construção................................................................... 54 Figura 13 – Processo de planejamento – Ação em ciclo contínuo ................................. 58 Figura 14 – Distância entre as grandes metrópoles e Itamonte ....................................... 59 Figura 15 – Acessos por rodovias e ferrovias................................................................. 59 Figura 16 – Pico do Picu ............................................................................................... 59 Figura 17 – Capela de São José do Picu......................................................................... 59 Figura 18 – Região da APA da Serra da Mantiqueira..................................................... 60 Figura 19 – Mapa tridimensional da topografia da APA ................................................ 60 Figura 20 – Topografia da região da Ecovila Viver Simples .......................................... 63 Figura 21 – Mata Atlântica com araucárias (espécie endêmica da região) ..................... 82 Figura 22 – Recursos naturais no assentamento – rios e cachoeiras................................ 82 Figura 23 – Organograma Ecovila Viver Simples.......................................................... 85 Figura 24 – Mapa topográfico da Ecovila Viver Simples............................................... 91 Figura 25 – Unidades dos Membros Fundadores para acomodação dos visitantes........ 105 Figura 26 – Carneiro hidráulico selecionado................................................................ 111 Figura 27 – Funcionamento interno da bomba............................................................. 111 Figura 28 – Bomba com roda d’água........................................................................... 111 Figura 29 – Mini usina hidrelétrica.............................................................................. 112 Figura 30 – Utilização do R.Grande para geração de energia na Viver Simples .......... 112 Figura 31 – Painéis solares ......................................................................................... 113 Figura 32 – Potencial eólico na região sudeste............................................................. 114 Figura 33 – Ciclo do uso e tratamento da água ............................................................ 117
IX
Figura 34 – Caixa d’água para armazenamento da chuva............................................. 118 Figura 35 – Banheiros secos........................................................................................ 118 Figura 36 – Exemplo de banhado em construção na India ........................................... 119 Figura 37 – Banhado com substrato em cascalho a ser utilizado na Viver Simples....... 119 Figura 38 – Fundação feita de pedras – técnica local de construção............................. 122 Figura 39 – Casebre de apoio construido no terreno da ecovila ................................... 122 Figura 40 – Uso de madeira de reflorestamento........................................................... 122 Figura 41 – Taipa de mão ou pau-a-pique – técnica de construção local ...................... 122 Figura 42 – Estrutura em eucalipto proveniente de reflorestamento ............................. 124 Figura 43 – Telhado vivo – Técnica não utilizada na Ecovila Viver Simples ............... 124 Figura 44 – Preferência pelo uso de telhas convencionais com estrutura em madeira... 124 Figura 45 – Mapa habitacional da Ecovila Viver Simples............................................ 126 Figura 46 – Carta solares e simulações ........................................................................ 128 Figura 47 – Caminho do Sol para Itamonte (lat: 22.13) ............................................... 128 Figura 48 – Espaço entre telhado e parede preenchido com vidro ................................ 128 Figura 49 – Áreas de pasto e culturas agrícolas que serão reflorestadas. ..................... 129 Figura 50 – Corte no sistema de aquecimento.............................................................. 133 Figura 51 – Economia de lenha ocasionada pelo uso do sistema proposto.................... 133 Figura 52 – Aquecedor externo ................................................................................... 133 Figura 53 – Aquecimento dentro do sofá de terra crua ................................................ 133 Figura 54 – Trabalho realizado pelo Sr. Antônio (artesão local) .................................. 134 Figura 55 – Esteira de palha usadas como forro nos tetos ............................................ 134 Figura 56 – Obras de asfaltamento na estrada que interliga Itamonte a Aiuruoca ......... 141
X
Quadro I – Principais elementos da degradação ambiental. ........................................... 20 Quadro II – Principais organizativos de produção e ecovila .......................................... 41 Quadro III – Características históricas da economia solidária ....................................... 42 Quadro IV – Princípio da Economia solidária orientando ecovilas ao desenvolvimento local ............................................................................................................................. 43 Quadro V – Definições das categorias analíticas ........................................................... 70 Quadro VI – Modelo conceitual adotado nessa pesquisa................................................ 76 Quadro VII – Tópicos mais representativos da ata sobre normas de comportamento...... 97 Quadro VIII – Projeto de OSCIP na Ecovila Viver Simples......................................... 136
Tabela I – Topografia da região da Ecovila Viver Simples. .......................................... 61
XI
Apendice A – Formulário de Pesquisa de Campo. ...................................................... 156 Apendice B – Roteiro da Entrevista Semi-estruturada. ............................................... 159 Apendice C – Guia de Verificação para Observação Sistemática ................................ 160
XII
3 R´s – Reutilização, redução e reciclagem ABRA144 – Aldeia Biorregional Amazônica ANTEAG – Associação Nacional de Trabalhadores e Empresas de Autogestão APA – Área de Proteção Ambiental CAT – Centro de Tecnologia Alternativa CNUMAD – Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento CPDA – Comissão de Politica de Desenvolvimento Sustentável FSM – Forum Social Mundial GEN – Rede Global de Ecovilas GT-Brasileiro – Grupo de Trabalho Brasileiro IBASE – Instituto Brasileiro de Análise Sócio-Economicas IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDH – Indice de Desenvolvimento Humano IOF – Imposto sobre Operações Financeiras IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas IPEC – Instituto de Permacultura e Ecovila do Cerrado IPTU – Imposto predial territorial urbano IPVA – Imposto sobre a Propriedade de Veiculos Automotores IR – Imposto de Renda ISS – Imposto Sobre Serviços LAEV – Ecovilas de Los Angeles LETS – Sistemas Economicos de Troca Local LOTDP – Laboratório Oficina de Treinamento e Desenvolvimento de Protótipos LPPP – Lucro de Projetos Parcialmente Pessoais LPTC – Lucro de Projetos Totalmente Coletivos LPTP – Lucro de Projetos Totalmente Pessoais MMA – Ministério do Meio Ambiente MST – Movimento dos Sem Terra ONG – Organização Não-Governamental ONU – Organização das Nações Unidas OSCIP – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público PIB – Produto Interno Bruto PPA – Programa do Plano Plurianual SCDP – Programa de Desenvolvimento de Comunidades Sustentáveis WBGU – Conselho Alemão sobre Mudanças Climáticas
XIII
RESUMO
As ecovilas são consideradas modelos de comunidades intencionais ou comunidades
sustentáveis e foram incorporadas pelas Nações Unidas no Programa de Desenvolvimento de
Comunidades Sustentáveis (SCDP), como um assentamento de escala humana completamente
caracterizado onde as atividades estão integradas ao mundo natural de maneira não danosa e
de tal forma que dêem apoio ao desenvolvimento humano saudável e que se possa continuar
indefinidamente ao futuro. O texto avalia até que ponto um projeto fundamenta-se nos
constructos de sustentabilidade e desenvolvimento local para formação da Ecovila Viver
Simples em Itamonte - Minas Gerais, analisando os indicadores e atributos que são possíveis
mensurar na fase de planejamento, descrevendo as fases e debates do projeto, além de avaliar
a percepção dos membros sobre os conceitos de ecovila, sustentabilidade e desenvolvimento
local.
Constatou-se após análise das dimensões da sustentabilidade (ecológica, social,
econômica, espacial e cultural/espiritual) e do desenvolvimento local, fundamentado em
economia solidária, a presença de inúmeros aspectos utilizados para fundamentar, orientar,
discutir, planejar e executar ações na formação da Ecovila estudada.
Acredita-se que esse trabalho possa orientar ecovilas na fase de projeto, apontando a
importância dos constructos estudados, sobretudo para algumas comunidades, que se auto-
intitulam “ecovilas”, mas que na verdade não desenvolvem sequer aspectos minimamente
estruturados que as caracterizem como tal, como relações solidárias entre seus participantes,
ou construção orientada atendendo aos preceitos de preservação ambiental.
Palavras-chave: ecovilas, sustentabilidade, desenvolvimento local.
XIV
ABSTRACT
Eco-villages are considered models of intentional communities or sustainable
communities and have been incorporated by the United Nations in the Sustainable
Communities Development Programme (SCDP) as a human scale settlement. They are
characterized by human activities being integrated in a non-damaging way into the natural
world in such a way as to give support to healthy human development so as to be able to
continue indefinitely into the future. This text assesses the extent to which a project to create
the "Eco-village for Simple Living in Itamonte - Minas Gerais" is successful, based on the
concepts of sustainability and local development succeeds, by examining the indicators and
attributes that are able to be measured in the planning phase, describing the stages and
discussions of the project, as well as assessing the members 'perception of "the concepts of
the Eco-village", "sustainability" and "local development".
Subsequent analysis of the degree of sustainability (ecological, social, economic, spacial
and cultural / spiritual) and local development, based on the social economy, demonstrated the
presence of a number of aspects used to support, guide, discuss, plan and implement actions
in the creation of the Eco-village being studied.
This work could be used as a guide to Eco-villages during the planning phase,
indicating the importance of the concepts studied, especially for some communities which are
self-proclaimed "Eco-villages" but which in fact do not show even the slightest structural
aspects which would describe them as such, like solidarity in the relations between
participants, or construction oriented with a view to the precepts of environmental
preservation.
Key words: eco-villages, sustainability, local develop
1
1 - INTRODUÇÃO
2
1 - INTRODUÇÃO
1.1 A TEMÁTICA E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO
“Seria um exagero reivindicar a emergência do
movimento de ecovilas como o mais significante
evento do século XX ? Eu penso que não”
Ted Trainer 1
Natura non facit saltus 2
O século passado deixou marcas profundas e irreversíveis na história da Humanidade.
O consumismo crescente da sociedade, perante a pujança da economia do pós-guerra, e o
fenômeno incauto das concentrações nas grandes cidades, geraram problemas urbanos
ambientais similares ao redor do mundo. Indubitavelmente, esse cenário está incluso em um
contexto maior, que indica a crise do modelo de desenvolvimento social contemporâneo,
onde, atualmente, a relação do homem com o planeta está seriamente comprometida.
Desde a década de 60, a comunidade internacional esboça inquietação com os limites
do desenvolvimento do planeta, quando as discussões sobre os riscos de degradação do meio
ambiente exortaram a ONU a promover em 1972 a Conferência de Estocolmo. A partir desse
evento precursor, outros esforços de conscientização foram realizados, como as Conferências
Sobre Assentamentos Humanos, Habitat I’ 76 e II’ 96; as Conferências sobre Meio Ambiente
Rio-92, e Rio+10 em Joannesburgo; o Relatório Brundtland e o Protocolo de Kyoto com a
finalidade de sedimentar o consenso sobre a imprescindibilidade da relação entre
desenvolvimento sócio-econômico e meio ambiente.
Cada vez mais cidade e sociedade assumem-se em um mecanismo causal em um mundo
globalizado alavancador de metrópoles. Tudo que acontece com uma delas, reflete
1 Sociologista da Universidade de New South Wales- Austrália 2 Natura non facit saltus – A natureza não dá saltos. Expressão latina que ilustra o parecer do último relatório do Grupo Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC, na sigla em inglês) da ONU na Conferência Internacional de Paris, baseado em um trabalho de 2 anos, e lançado em janeiro de 2007 que culpou a humanidade por alterações irreversíveis no clima mundial. A criticidade é tão alta, que mesmo se toda a emissão de poluição no planeta fosse paralisada àquele momento, os ecossistemas em torno da Terra seriam incapazes de retornar ao tempo do “homem amigo e natureza amiga”, comentado por Milton Santos, em “1992: A redescoberta da natureza”, onde a natureza poderia lhe ser útil para a renovação da vida.
3
diretamente na outra. A cidade é o palco da vida e da sociedade, na medida em que mais de 3
bilhões de pessoas – metade da humanidade - vivem em centros urbanos, e projeções da ONU
mostram que em 30 anos esse número será de dois terços da população mundial (Moreno,
2002). O excesso de consumo de matéria e energia com correspondente geração de resíduos e
a poluição em todas as suas dimensões afeta e interfere nefastamente no ambiente urbano.
Todos esses aspectos caracterizam o modo de como a cidade é percebida e, intrinsecamente, a
forma de como ela é construída.
Atualmente, as cidades estruturam-se dentro de uma nova ordem: a globalização. Um
processo de integração econômica sob a égide do neoliberalismo, caracterizado pelo
predomínio dos interesses financeiros, pela desregulamentação dos mercados, pelas
privatizações das empresas estatais, e pelo abandono do estado de bem-estar social.
Seria imperioso, então, em função desse estado de insubsistência, que se propusesse
um modelo alternativo de organização. A fortiori, alguns grupos buscaram implementar
comunidades sustentáveis atendendo aos preceitos de uma vida baseada na consciência
ecológica, no desenvolvimento local e regional através do uso de técnicas e tecnologias, sem
que haja a submissão ao imperativo do crescimento econômico que visa exclusivamente o
lucro. Segundo Sachs (2000), crescimento econômico não é sinal de desenvolvimento. Pode
haver crescimento; mas um crescimento que comporta custos sociais e ecológicos tamanhos é
um crescimento que leva ao mau desenvolvimento.
O planejamento das comunidades visa à criação de assentamentos denominados
ecovilas, que rompem com os paradigmas clássicos de organização social, através da
valorização da qualidade de vida e o bem-estar dos moradores respeitando, sobremaneira, a
natureza; não explorando os recursos naturais ao ponto de exauri-los; não submetendo-se aos
interesses da economia globalizada; senão a satisfazer a sublime necessidade humana de viver
em sociedade baseada na regência social, política, ecológica, cultural/espiritual ausente no
modelo do neoliberalismo capitalista.
As ecovilas são experiências que estão ocorrendo em vários países e estão
estruturalmente amparadas nos princípios da sustentabilidade, que provém de um
relativamente longo processo histórico de reavaliação crítica de relação existente entre
sociedade civil e seu meio natural. Por se tratar de um processo contínuo e complexo,
observa-se a existência de uma extensa variedade de abordagens para explicá-lo (Van Bellen,
2005).
4
Outro aspecto importante observável, em arranjos como as ecovilas, está relacionado ao
desenvolvimento local, que assume papel importante na busca de redução da desigualdade
social e da pobreza, e deve ser interpretado de uma forma mais ampla, e não somente como
um índice de crescimento econômico. Estruturalmente, as ecovilas são organizadas a partir de
preceitos forjados na “economia solidária” 3, cujo valor central é o trabalho, o saber e a
criatividade humanos e não o capital-dinheiro e sua propriedade sob quaisquer de suas formas
(AMORIM; ARAÚJO, 2004, p.49).
No contexto brasileiro, percebe-se um processo paulatino de afloramento das
comunidades sustentáveis em diversas regiões do país, em consonância com o restante da
antroposfera ecológica ao redor do mundo. Contudo, grande parte desses assentamentos
constitui-se em modelos puramente empiricistas, através de prática “aprende-se fazendo”,
despreocupando-se com a fase prévia de projeto e debate sobre os aspectos que constituem,
efetivamente, esse modelo. Atividades de planejamento são comumente vistas como parte de
uma racionalidade objetiva antagônica a essência de um movimento que se caracteriza por
conter aspectos de subjetividade. As ONGs (organizações não-governamentais) e outros
movimentos sociais, como as ecovilas ou não tem a prática de planejar suas ações ou, sendo
um fenômeno mais recente, vêm adotando modelos inovadores e mais adequados ao contexto
em que se localizam.
A adoção de arquétipos para a constituição de arranjos, como o movimento sócio-
ambiental de ecovilas, deveriam amparar-se em ações planejadoras que apoiam, na sua
essência, os princípios de sustentabilidade, bem como atuar como catalisador de
desenvolvimento nas suas circunvizinhanças.
A partir desse panorama, estabeleceu-se a seguinte pergunta de pesquisa: Até que
ponto o projeto para formação da Ecovila Viver Simples em Itamonte - MG
fundamenta-se nos constructos sustentabilidade e desenvolvimento local ?
Ainda que, estruturalmente, pareça-nos que os constructos de sustentabilidade e
desenvolvimento local sejam condições sine qua non para a formação de uma ecovila, na
prática percebe-se que alguns assentamentos, que se auto-intitulam “ecovilas”, caracterizam-
3 A economia solidária, quanto aos valores de cooperação e solidariedade, constitui o fundamento de uma globalização humanizadora, de um desenvolvimento sustentável socialmente justo e voltado para a satisfação racional das necessidades de cada um e de todos os cidadãos da Terra, seguindo um caminho intergeracional de desenvolvimento sustentável na qualidade de sua vida. A Economia Solidária representa práticas fundadas em relações de colaboração solidária, inspiradas por valores culturais que colocam o ser humano como sujeito e finalidade da atividade econômica, em vez da acumulação privada de riqueza, em geral, e de capital, em particular (AMORIM; ARAÚJO,2004,p.49).
5
se por adotar regras baseadas, puramente, em relações comerciais de oferta de unidades em
condomínios residenciais, que não apresentam sequer aspectos minimamente estruturados em
relações solidárias entre seus participantes, ou construção orientada atendendo aos preceitos
de preservação ambiental.
1.2 OBJETIVOS GERAL E ESPECÍFICO
O Objetivo geral desse trabalho consiste em investigar o projeto de formação de uma
ecovila, através da avaliação dos constructos de sustentabilidade e desenvolvimento local, no
intuito de otimizar a fase subseqüente de implantação dessa comunidade.
Os seguintes objetivos específicos permeiam este estudo:
• Analisar os indicadores que determinam os graus e atributos de sustentabilidade
e desenvolvimento local, que são possíveis mensurar na fase de planejamento.
• Descrever e analisar as fases do projeto e os debates sobre as diversas ações que
envolvem a implementação da comunidade ecovila em questão.
• Avaliar se os conceitos de ecovila, sustentabilidade e desenvolvimento local são
compreendidos pelos membros do assentamento e relacioná-los com a teoria
selecionada como arcabouço teórico do trabalho.
1.3 JUSTIFICATIVA E RELEVÂNCIA
Na essência, a grande motivação dos fundadores da ecovila em levar adiante um
projeto que rompe com os paradigmas clássicos de organização social ocorreu pela percepção
de uma desanimadora perspectiva de crise urbana interminável, fruto sobretudo, de um
modelo obsoleto e pouco racional de ocupação de espaço. As mazelas causadas pelo acúmulo
de riquezas sem distribuição eqüitativa e a intensa aglomeração urbana sem uma política
social eficiente têm transformado as cidades na contradição da sua natureza – uma
comunidade humana que permita uma “vida melhor”, conforme nos comenta Aristóteles:
A comunidade constituída a partir de vários povoados é a cidade definitiva, após
atingir ao ponto máximo de uma auto-suficiência praticamente completa; assim, ao
mesmo tempo que já tem condições de assegurar as vidas de seus membros, ela
6
passa a existir também para lhe proporcionar uma vida melhor (ARISTÓTELES,
Política, L.I, cap.I, 1253 a, p15).
Ao despertarem para a conscientização de que a sociedade permanece em um caminho
social e ecologicamente ruinoso, resolveram optar pela exceção. Apoiados na crença de que a
construção de um assentamento humano na forma de ecovila embasada, fundamentalmente,
nos princípios da sustentabilidade, deveria criar uma alternativa de bem-estar dos seus
participantes, preservando a natureza e criando uma aproximação com o ambiente sem criar
uma dicotomia com a circunvizinhança. A proposta de trazer um desenvolvimento local
incorporou-se ao planejamento que se levaria à cabo, como lócus da qualidade de vida na
região, incorporando outros atores ao projeto - a população local - evidenciando a
compatibilidade da ecovila com o propósito de solidariedade que está intrínseco a esse
modelo de organização.
Em uma perspectiva mais ampla, a relevância do tema está em consonância com a
tentativa de mitigar os impactos ambientais que assolam o planeta. Segundo a Agenda 21
(CNUMAD), prevê-se que em 2020 a população mundial já tenha ultrapassado os 8 bilhões
de habitantes. O crescimento da população mundial e da produção, associado aos padrões
não-sustentáveis de consumo, aplica uma pressão cada vez mais intensa sobre as condições
que o a geosfera tem para sustentar a vida.
Em 1988, as primeiras ecovilas foram oficialmente incluídas na lista das 100 Melhores
Práticas4 (Best Practices) da ONU Habitat, como excelentes modelos de vida sustentável,
comungando com os ideais de sustentabilidade. Este modelo encontra aplicações bem
sucedidas e monitoradas nos contextos urbano e rural, nos países desenvolvidos e naqueles
em desenvolvimento; e são planejadas de tal maneira que os negócios, as estruturas físicas,
sociais e tecnológicas não interferem na habilidade inerente da Natureza de manter a vida.
Em face da escassez de estudos específicos sobre ecovilas, pela recente constituição de
tais comunidades, o presente trabalho tem a intenção de contribuir somando à
cognoscibilidade existente a mensuração qualitativa dos constructos sustentabilidade e
desenvolvimento local, estruturalmente, em um caso de projeto de formação de uma ecovila
na localidade de Itamonte, no sul do Estado de Minas Gerais. Esse conhecimento poderá ser
extensível a casos semelhantes, evidentemente, respeitando as limitações que, futuramente,
serão apresentadas nesse trabalho.
4 A base de dados de "Melhores Práticas" é parte do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos, e contém uma seleção de histórias de iniciativas bem sucedidas que tiveram como resultado melhorias claras e sustentáveis na qualidade ambiental das comunidades humanas
7
1.4 DELIMITAÇÃO DA PESQUISA
Segundo Gil (2002), delimitar uma pesquisa é estabelecer limites para a investigação, e
nem todos os aspectos do problema podem ser pesquisados simultaneamente.
Desta forma, o foco desse trabalho restringiu-se a análise do projeto de implantação da
Ecovila Viver Simples e sua circunvizinhança, localizada na zona rural do município de
Itamonte – MG.
Pelas características do objeto estudado, este trabalho abrange diversos conceitos e
aspectos que formam o arcabouço teórico vasto e complexo, e além de tudo em constante
evolução. Temas como sustentabilidade e desenvolvimento local são construídos
paulatinamente a partir de experiências vivenciadas em várias oportunidades e diversos
desdobramentos. Logo, a pesquisa não pretende realizar uma análise exaustiva e definitiva. Os
conceitos de ecovilas são tratados dentro do seu desenvolvimento histórico, como movimento
organizado na formação de assentamentos. Quanto à sustentabilidade, adotam-se cinco
dimensões (ambiental, social, econômica, espacial e cultural/espiritual) para representá-la,
conforme a literatura vigente, ainda que alguns autores inovem com três dimensões
adicionais, que não serão considerados nesse trabalho. Utiliza-se, ainda nessa pesquisa, o
conceito de economia solidária para representar as relações que podem efetivar a prática do
desenvolvimento local, a partir de uma lógica endógena, que visa gerar ações no interior da
comunidade, ainda que se saiba da existência de outras linhas teórica que poderiam embasar
esse tópico.
A generalização desse trabalho para outras situações deve respeitar os aspectos
particulares dos assentamentos do tipo das ecovilas, principalmente relacionados a questões
culturais e sociais, que são peculiares a cada comunidade estudada.
1.5 ESTRUTURA DO TRABALHO
No intuito de abordar de forma sistemática os objetivos previamente definidos, esse
trabalho foi estruturado em cinco capítulos, incluindo esta introdução.
No Capitulo II, inicialmente discutem-se aspectos motivacionais que conduziram os
atores desse trabalho a constituírem um assentamento com o perfil de uma ecovila. Esses
aspectos estão amplamente envolvidos com a evolução histórica e os modelos de vida atuais
8
adotados pela sociedade. Posteriormente, é apresentada a fundamentação teórica, que alicerça
a dissertação, nas bases da sustentabilidade e do desenvolvimento local, como instrumentos
na construção de assentamentos humanos de ecovilas.
O Capítulo III apresenta o delineamento da pesquisa e a definição das categorias
analíticas, cujos aspectos são fundamentais em uma pesquisa qualitativa. As tarefas de coleta,
analise e interpretação dos dados encerram os tópicos de cientificidade da metodologia,
permitindo a avaliação por parte do leitor a forma pela qual estruturou-se o trabalho.
O Capitulo IV, trata da aplicação prática da pesquisa, onde são apresentados os
resultados da coleta de dados referentes à descrição e análise das fases do projeto, bem como
os indicadores que determinam os graus e atributos de sustentabilidade e desenvolvimento
local, que são possíveis mensurar na fase de planejamento.
O Capitulo V, apresenta as considerações finais e conclusivas, seguidas das sugestões
para realização de novos trabalhos.
9
2 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
10
2 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Este capítulo apresenta os conceitos técnicos que devem embasar o desenvolvimento do
trabalho, criando um arcabouço teórico que tem por objetivo orientar o projeto de uma
ecovila. Para tanto, serão abordados alguns aspectos considerados fundamentais para uma
plena compreensão dessa questão, os quais passam pelos novos paradigmas que interferem no
cotidiano da população mundial, como as questões ambientais e a globalização; por histórico
e definições de sustentabilidade e suas dimensões; pela evolução do conceito de
desenvolvimento local e economia solidária; finalizando com a origem e definição das
ecovilas e como essas experiências ocorrem no Brasil, para análise de um modelo de
formação da ecovila em questão, em Itamonte - MG.
2.1 - A SOCIEDADE EM MUTAÇÃO: NOVOS PARADIGMAS QUE INTERFEREM DIRETAMENTE NO MODO DE VIDA. 2.1.1 - A questão ambiental: o risco de falência iminente do planeta pelo desequilíbrio
causado pelo Homem
“Não há quem se diga inimigo da ecologia ou
do eco-desenvolvimento. No entanto,
observamos que as práticas predatórias seguem
eliminando espécies, contaminando rios e
ampliando a desertificação.”
Carlos Minc 5
Desde os primórdios, a relação entre o Homem e a natureza foi calcada por uma ampla
interação que permeou a trajetória da nossa evolução como espécie biológica no planeta. Ao
longo dos séculos, os seres vivos, animais ou vegetais, participaram de um mecanismo cíclico
onde cada parte buscava, de modo diverso e complementar, retirar do meio ambiente as
substâncias necessárias para o seu metabolismo. Os vegetais processam diretamente a energia
solar em energia química, através da fotossíntese clorofiliana, utilizando-se de água e dióxido
carbônico (CO2), e alguns compostos presentes no solo. Os animais por sua vez obtêm a
energia da matéria que processam sob a forma de alimento; isto é, das substâncias vegetais e
5 Professor Adjunto da UFRJ e Doutor em Economia do Desenvolvimento pela Universidade de Paris I.
11
de outros animais, algumas das quais são particularmente ricas em energia. O resto da matéria
utilizada, pobre em energia e substâncias nutritivas é restituído ao ambiente sob a forma de
dejetos, que posteriormente são transformados por micro-organismos e disponibilizados
novamente para o metabolismo vegetal (Tronconi, 1991).
Trata-se, como bem nos comenta Santos (1992), de uma época onde o Homem escolhia,
dentro do seu quinhão de natureza, o que lhe era útil para a renovação de sua vida, havendo
uma coordenação entre o grupo humano e seu meio: é o tempo do Homem amigo e da
natureza amiga.
No entanto, a partir da Revolução Industrial iniciado na metade do século XVIII,
rompeu-se esse ciclo natural pela necessidade do desejo de consumo exagerado, induzindo-
nos a obter, de qualquer forma, a energia da natureza.
Bonder (2003) relata como o espírito dominador do Homem moderno pode
comprometer a capacidade da vida no planeta, deixando marcas indeléveis na biosfera:
O ser humano, como os demais seres vivos, interage com o meio em que vive,
tecendo uma teia de relações fundamentais à sua sobrevivência. No entanto, o seu
espírito dominador aliado ao desconhecimento da complexidade dos sistemas
naturais tem resultado em ações antrópicas nem sempre planejadas e às vezes
inconseqüentes, comprometendo a capacidade de suporte da vida no planeta, isto é, a
exploração predatória dos recursos naturais para a satisfação das necessidades
humanas e a manutenção de certos padrões e estilos de vida, vêm comprometendo a
sustentabilidade ambiental em nível global.
Atualmente, a demanda pela manutenção do mecanismo de produção e consumo que
regula o mercado capitalista, tem tornado cada vez mais insaciável a exploração da
capacidade de produção suportável pelo planeta. Dessa forma, ao longo do desenvolvimento
da sociedade capitalista houve a geração descomedida de uma miríade de subprodutos, como
as escórias que o meio ambiente não consegue degradar, os gases que alteram a qualidade do
ar e das chuvas, substâncias tóxicas que se descarregam nos aterros e o lixo radioativo que se
acumula em depósitos, sem que saiba como torná-lo inócuo, conseqüência de uma produção
desenfreada. Pode-se afirmar, peremptoriamente, que o modelo de desenvolvimento da atual
civilização do desperdício pode ser representado como um processo altamente dissipativo que
consome muitíssima energia para manter níveis de complexidade injustificados (Tronconi,
1991).
12
Caso o ritmo de exploração do planeta siga a marcha atual (cenário conhecido como
“business as usual” 6), em um século não haverá fontes de água ou de energia, reservas de ar
puro nem terras para agricultura em quantidade suficiente para a preservação da vida.
Atualmente, mesmo com metade da humanidade situada abaixo da linha de pobreza, o
consumo alcança 20% a mais do que a Terra consegue renovar. A analogia alarmante de que
se a população do mundo passasse a consumir como os americanos, seriam necessários mais
três planetas iguais a este para garantir produtos e serviços básicos como água, energia e
alimentos para todo mundo, aponta o risco iminente que o planeta sofre em função do
desequilíbrio causado pelo Homem, segundo os últimos estudos do IPCC 7.
O cenário apocalíptico vislumbrado por cientistas está intimamente relacionado com o
modelo econômico capitalista vigente, através de um mecanismo causal, em que a causa são
os meios de produção convencionalmente poluidores e a conseqüência é a depleção dos
recursos da Biosfera além dos limites da regeneração ambiental.
A partir do momento que o consumo tomou proporções maiores e a economia tornou-se
mundializada, faz-se necessário abordar o fenômeno da “globalização” como parte
componente da cartilha da economia atual do capitalismo liberal que rege nosso cotidiano e
interfere em nossas vidas.
2.1.2- A Globalização e as conseqüências sobre o cotidiano
"A globalização favorece o capital."
Ignacy Sachs 8
"Globalização não é um conceito sério. Nós,
americanos, o inventamos para dissimular nossa
política de entrada econômica nos outros
países."
John Kenneth Galbraith 9
6 Cenário que mantém as atuais tendências, sem mudanças no padrão energético de produção. 7 Organismo ligado à ONU, da qual fazem parte mais de 1.000 estudiosos do clima. 8 Diretor do Centro de Pesquisas do Brasil Contemporâneo, da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris.Cenário que mantém as atuais tendências, sem mudanças no padrão energético de produção. 9 Economista norte-americano.
13
A palavra “globalização” está na moda. Devido a uma exposição excessiva na mídia,
houve uma apropriação deste termo em todos os segmentos da sociedade que discutem
economia, e os desdobramentos causados por ele em nossas vidas, através de situações e
eventos manifestados individualmente.
A globalização tem sido descrita como a panacéia do mundo. Entretanto, quanto mais o
termo é usado, menos preciso seu significado se torna. No caso da globalização, é difícil
encontrar alguém que a desconheça, contudo não se torna claro tal fenômeno, pela
indeterminação de ocorrência ou de condução (onde ocorre e quem a comanda?). Sua escala é
tão abrangente que pode ser percebida tanto a nível global como local.
A expressão "globalização" tem sido utilizada mais recentemente num sentido
marcadamente ideológico, no qual assiste-se no mundo inteiro a um processo de integração
econômica sob a égide do neoliberalismo, caracterizado pelo predomínio dos interesses
financeiros, pela desregulamentação dos mercados, pelas privatizações das empresas estatais,
e pelo abandono do estado de bem-estar social.
Ramalho (2006), aponta alguns aspectos nocivos da globalização ao afirmar que a
globalização tem demonstrado constituir-se uma nova e surpreendente ameaça, ao exacerbar a
desigualdade econômica e a exclusão social entre as nações e no interior delas mesmas. A
mesma dinâmica uniformizadora que se supõe integrar os países, globaliza a miséria. Além
disso, o frenesi da modernização e do consumo, exacerba os custos sociais e ambientais locais
e globais.
Na esfera econômica o fenômeno da homogeneização, um dos fatores viciosos da
globalização ocorre em função da necessidade de ampliação do comércio entre as
coletividades:
No começo dos tempos históricos, cada grupo humano construía seu espaço de vida
com as técnicas que inventava para tirar do seu pedaço de Natureza os elementos
indispensáveis à sua própria sobrevivência. Organizando a produção, organizava a
vida social e organizava o espaço, na medida de suas próprias forças, necessidades e
desejos. A cada constelação de recursos correspondia um modelo particular. Pouco a
pouco esse esquema se foi desfazendo: as necessidades de comércio entre
coletividades introduziam nexos novos e também novos desejos e necessidades e a
organização da sociedade e do espaço tinha de se fazer segundo parâmetros
estranhos às necessidades íntimas ao grupo.
Essa evolução culmina, na fase atual, onde a economia se tornou mundializada, e
todas às sociedades terminaram por adotar, de forma mais ou menos total, de
14
maneira mais ou menos explícita, um modelo técnico único que se sobrepõe à
multiplicidade de recursos naturais e humanos (SANTOS, 1992, p.97)
A unificação dos mercados no mundo e o freqüente fluxo de capitais apatriados que são
característicos de economias liberais, cria a padronização das economias mundiais,
otimizando a produção e incentivando o consumo demasiado. A internacionalização do
capital financeiro, que Santos (2000) chama de “a violência do dinheiro”, permite que
megafirmas ou megainvestidores possam especular com o dinheiro ao redor de um mundo
sem fronteiras. O capital tornou-se despótico em um ambiente macro em que tudo passa a ter
valor de troca.
Para Santos (2000), as relações globalizadas carregam consigo uma ausência de
compaixão, quando a competitividade toma o lugar da competição. A concorrência atual não é
mais a velha concorrência, sobretudo porque tem a guerra como norma. Há, a todo custo, que
vencer o outro, esmagando-o, para tomar o seu lugar.
As conseqüências do cenário supracitado são desemprego estrutural e exclusão social. A
crescente concorrência internacional obriga as empresas a minimizar seus custos objetivando
a redução dos preços dos seus produtos ou serviços. Nessa reestruturação uma miríade de
postos de trabalhos são eliminados, criando a tendência ao desemprego estrutural. Muitas
empresas transnacionais promovem uma ciranda de produção, deslocando suas fábricas para
países com custo de produção mais baixo. Concomitantemente, a exclusão social ocorre pela
divisão da humanidade em duas classes: uma minoria globalizada e a maioria que jamais terá
acesso aos benefícios desse processo, levando o mundo ao risco de uma explosão social
decorrentes de violência, miséria, fome, migrações em escala mundial (Ramalho, 2006).
Na esfera cultural, a idéia que acompanha o ideário de globalização é o imperialismo
cultural dos países de primeiro mundo sobrepondo-se às culturas locais. Apoiados pelas regras
do sistema econômico internacional, as culturas americanas, européias ocidentais e japonesas
promovem o “american way life” que simboliza o modus vivendi dessas sociedades sufocando
as manifestações regionais. Grande parte dos críticos afirma que esta cultura mundial é
socialmente indesejável e ambientalmente insustentável, ameaçando a tradição e a diversidade
(Bonder, 2003). Os símbolos da globalização cultural se espalham através do fenômeno
midiático que assola as consciências humanas: Coca-cola, Windows, Barbie, Wal-mart e
McDonalds são ícones que têm alcance em quase todas as sociedades ao redor do mundo. A
manifestação dominadora das culturas neoliberais é tratada como um dos principais
molestadores das relações entre os atores globais:
15
A potência destruidora do neoliberalismo globalizado manifesta-se gravemente pela
tentativa de padronização do mundo, conduzindo ao pensamento único, à
uniformização de valores, atitudes, comportamentos, produtos, estilos de vida,
espaços urbanos, às sociedades supostamente planetárias, conduzidas, no momento,
pelos ideais e estilo de vida de apenas uma delas – a norte-americana – como se as
demais estivessem anestesiadas por um processo de macdonaldização do mundo
(RAMALHO, 2006, p.3)
Devido à complexidade do tema e de seus aspectos multifacetados, optou-se por adotar
uma abordagem que relacione os efeitos, ditos contra-indicativos, causados pela globalização
perversa, como estímulo de uma conscientização maior à sociedade sobre a necessidade da
humanidade em viver eqüitativamente a partir do significado da natureza. As conseqüências
nefastas do movimento de globalização foram tratadas nesse item com a prerrogativa de
contextualizar os elementos incentivadores de uma sociedade na busca de um modelo
alternativo organizacional como a ecovila.
2.1.3- Urbanização problemática e o futuro das cidades brasileiras
“A cidade é uma casa grande. A casa é uma
cidade pequena”.
Definição dos filósofos gregos 10
Cada vez mais cidade e sociedade assumem-se em um mecanismo causal no mundo
globalizado alavancador de metrópoles. Tudo que acontece com uma delas, reflete
diretamente na outra. A cidade é o palco da vida e da sociedade, na medida em que mais de 3
bilhões de pessoas – metade da humanidade - vivem em centros urbanos, e projeções da ONU
mostram que em 30 anos esse número será de dois terços da população mundial (Moreno,
2002).
Acselrad (2001) já declarara antes da virada do século XXI, que quase todas as
sociedades enfrentavam a desanimadora perspectiva de uma infindável crise urbana, função
de um modelo obsoleto de ocupação de espaço, que promovia a acumulação de riquezas sem
10 Moreno, Julio. O futuro das cidades
16
uma distribuição de renda e benefícios sociais eqüitativos, gerando conflitos e contradições,
particularmente nas grandes aglomerações.
Pode-se considerar, especificamente, o processo de urbanização no Brasil como
amplamente sintomático. Em 1940, o censo demográfico revelara que apenas 31,2% da
população brasileira na época, que era de 41,2 milhões de habitantes, residia em áreas
urbanas. Nas décadas seguintes esse percentual aumentara sistematicamente, observando-se
tendência crescente de urbanização, porém somente em 1970 registrara-se uma população
urbana superior à rural (55,9%). No ano de 2000, o crescimento urbano determinara, segundo
o último levantamento censitário, um grau de urbanização de 81,2% 11. A tendência crescente
do aumento no grau de urbanização não pode ser tratada como novidade histórica, já que
países capitalistas desenvolvidos, como a Inglaterra, Estados Unidos e o Japão, apresentaram
todos, comportamento similar, ou seja, uma maciça transferência da população do campo para
as cidades, chegando a graus de urbanização que variam entre 85,0 a 95,0%.
Analisando a realidade de algumas das principais cidades brasileiras, a urbanização
veloz, a concentração de indústrias e serviços, a escassez de um planejamento urbano e a
grande competição por empregabilidade acelera as manifestações de problemas de tensão
social, que tornam indivíduos inimigos um dos outros, ou agressivos contra a sociedade.
Acselrad (2001) comenta o estudo de alguns cientistas sociais que apontavam perda de
identidade, do sentido de pertencer a algum grupo, da solidariedade social e a solidão
existencial dos rejeitados e marginalizados. Os mercados de trabalho funcionam como
mecanismos de exclusão e destruição do indivíduo, da família e de comunidades inteiras. Em
nome do progresso, implementa-se uma política de crescimento econômico perverso, que
geram bens e serviços alcançáveis apenas pelos consumidores da elite, cada vez com menor
quantidade de trabalho. Conseqüentemente, milhões de trabalhadores são descartados do
mecanismo produtivo, e a posteriori, de relacionamentos significativos com o grupo de seus
pares e com o mundo que os cerca.
No final do século a imagem das grandes cidades está marcada por favelas, poluição do
ar e das águas, enchentes, desmoronamentos, crianças abandonadas, violência, epidemias.
Relatos sobre a ausência de uma política de urbanização buscam explicar o cenário, por
vezes caótico das cidades brasileiras:
11 Dados Básicos: FIBGE, Censos Demográficos de 1940, 1950, 1960, 1970, 1980, 1991 e 2000 (dados preliminares)
17
A pobreza urbana é maior do que a média da pobreza brasileira e está concentrada
nas Regiões Metropolitanas. Dos pobres brasileiros, 33% estão nas "ricas"
metrópoles do sudeste. Concentram-se também nas regiões metropolitanas 80% da
população moradora das favelas, conforme estudos de Suzana Pasternak. Em 9
metrópoles brasileiras moram cerca de 55 milhões de pessoas. É mais do que a
população de vários países latino-americanos ou europeus, juntos. O Rio de Janeiro
tem população equivalente a um Chile e São Paulo tem população superior a um
Chile e meio. No entanto, o país não tem política institucional para as regiões
metropolitanas, como se os índices de violência, poluição e miséria que elas
apresentam pudessem ser resolvidos com políticas compensatórias pontuais. A
ausência de políticas para as metrópoles é uma ofensa à inteligência brasileira.
(MARICATO, 2006, p.176-177)
O quesito moradia, relevante nessa discussão sobre as mazelas de uma urbanização
problemática, não pode ser ignorado, pois ele circunscreve dois aspectos: aglomerações
irracionais e agressão ambiental.
A estimativa da Organização das Nações Unidas de que, em 2020, haverá cerca de 1,4
bilhão de pessoas morando em favelas em todo o mundo, das quais 162 milhões na América
Latina e no Caribe, reforça a necessidade de estabelecerem-se políticas sociais voltadas à
moradia popular.
Segundo Maricato (2006), a autoconstrução de casas em loteamentos ilegais ou terras
ocupadas irregularmente conduziu, ao final de muitos anos, a grandes desastres nas principais
cidades brasileiras. Algumas das maiores aglomerações do mundo, como é o caso de Rio de
Janeiro e São Paulo tem regiões inteiras construídas a partir dos esforços fragmentados e
espontâneos de um sem número de agentes isolados. O resultado é caótico: terras sem lei, seja
para a ocupação urbana seja para a resolução de conflitos entre os moradores. �Loteamentos
ilegais, conjuntos habitacionais de promoção pública, "condomínios fechados" de promoção
privada formam uma colcha de retalhos sem qualquer unidade ou articulação. A ausência de
qualquer racionalidade na circulação viária, interrompida a cada 500 metros, revela que se
trata de um depósito de pessoas. A ausência da gestão pública, a inexistência de qualquer
contrato social remete o lugar para a "terra de ninguém" onde "a lei é do mais forte".
A ocupação de áreas ambientalmente frágeis - beira dos córregos, encostas deslizantes,
várzeas inundáveis, áreas de proteção dos mananciais - é a alternativa que sobra para os
excluídos do mercado e dos insignificantes programas públicos. Em algumas cidades, as
regiões onde a ocupação mais cresce são as APA´s -Áreas de Proteção Ambiental, ou seja,
18
áreas produtoras de água potável onde a ocupação é proibida na lei, mas não o é na prática da
ocupação do território. Nas grandes e médias cidades os rios, riachos, lagos, mangues e praias
tornaram-se canais ou destino dos esgotos domésticos.
Uma distribuição de renda igualitária e o incentivo de relações solidárias entre os
moradores de um assentamento, bem como a democratização das administrações dessas
sociedades, são apontados como fatores preponderantes para a racionalização das moradias e
determinação de convivência amigável com o meio ambiente. A transformação do modelo
privatizante de ocupação do território e a ruptura dos paradigmas de uso da terra, conferem a
ecovila uma alternativa de plano, ou melhor práxis, na busca de uma proposta de comunidade
com foco no discurso da sustentabilidade.
2.2- SUSTENTABILIDADE 2.2.1- A evolução do conceito de sustentabilidade e suas interpretações
"O Desenvolvimento Sustentável é aquele que
atende às necessidades do presente sem
comprometer a possibilidade de as gerações
futuras atenderem às suas próprias
necessidades."
Harlem Gro Brundtland 12
Desde a década de 60, a comunidade internacional esboça inquietação com os limites do
desenvolvimento do planeta, quando as discussões sobre os riscos de degradação do meio
ambiente exortaram a ONU a Promover em 1972 a Conferência sobre Meio Ambiente de
Estocolmo.
Em meio ao cenário de conscientização crescente dos problemas ambientais gerados
pela primeira crise do petróleo em 1973, que ratificava os estudos de que o meio ambiente não
era uma fonte de recursos infinita, e que o chamado “ouro negro” tratava-se de um recurso
não-renovável, Maurice Strong e Ignacy Sachs formulam os princípios do
ecodesenvolvimento: satisfação das necessidades básicas; solidariedade com as gerações
12 Harlem Gro Brundtland - Presidente da Comissão para o Meio Ambiente da ONU
19
futuras; participação da população envolvida; preservação dos recursos naturais e do meio
ambiente; elaboração de um sistema social que garanta emprego, segurança social e respeito a
outras culturas e programas de educação. Paradoxalmente, o conceito do ecodesenvolvimento
contrapõe-se ao relatório “The limits to growth” (Meadows et al, 1972), assumindo um novo
viés analítico, onde o processo de desenvolvimento não pode estacionar, no entanto
incorporando cuidados, com o que antes parecia externo à sua ação objetiva: o meio ambiente.
Como registra Van Bellen (2005), nessa mesma década, inicia-se uma reflexão que vai
levar ao aparecimento do conceito de sustentabilidade ou desenvolvimento sustentável, onde
se apregoa uma forma de desenvolvimento que garanta qualidade de vida para as gerações
futuras.
No ano de 1987, a Comissão Mundial da ONU sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento, presidida por Gro Harlem Brundtland e Mansour Khalid, apresentou um
documento chamado Our Common Future, mais conhecido por relatório Brundtland, que
coube o mérito de ter apontado o vínculo indissolúvel entre o crescimento econômico e o
meio ambiente, além de ter preconizado uma das mais conhecidas definições, ao afirmar que
desenvolvimento sustentável é o que atende às necessidades das gerações presentes sem
comprometer a possibilidade das gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades
(BRUNDTLAND, 1988).
O relatório Brundtland apresentou algumas sugestões de políticas públicas que
poderiam promover o desenvolvimento sustentável. Fazia-se mister a adoção das seguintes
medidas: i) limitação do crescimento da população; ii) garantia de segurança alimentar a
longo prazo; iii) preservação da biodiversidade e dos ecossistemas; iv) diminuição do
consumo de energia e desenvolvimento de tecnologias que incorporassem o uso de fontes
renováveis de energia; v) satisfação de todas as necessidades básicas de pessoas; vi) aumento
da produção industrial nos países não-industrializados à base de tecnologias que fossem
ecologicamente limpas; vii) controle da urbanização desenfreada das populações; e viii)
promover maior e melhor integração entre campo e cidade (MARTINS, 2002, p.30 apud
Lemos). Dessa forma, a visão do relatório indica que os atores envolvidos adotem uma idéia
de desenvolvimento que compatibilize eficiência econômica, com justiça social e ações
ecológicas.
A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada
no Rio de Janeiro, em 1992, demonstrou a imprescindibilidade do interesse mundial pelo
futuro do planeta, onde muitos países deixaram de ignorar as relações entre desenvolvimento
20
sócio-econômico e modificações no meio ambiente, reforçando o conceito de sustentabilidade
através da construção da Agenda 21.
O surgimento do conceito de desenvolvimento sustentável tornou-se rapidamente uma
unanimidade em todos os segmentos da sociedade, ocasionando o aprofundamento da
discussão sobre o seu real significado teórico e prático (Van Bellen, 2005, p.13).
As comunidades que visam alcançar a harmonia e garantir uma melhor qualidade de
vida para seus integrantes, encontram na idéia de sustentabilidade um alicerce que sustenta a
orientação de convívio sem exageros de consumo.
Capra (2002) define como uma comunidade sustentável deve manter sua correlação
simbiótica com o meio ambiente, reforçando os laços de parceria entre a antroposfera e a
biosfera:
Uma comunidade sustentável é organizada de maneira a promover a vida, os
negócios, a economia, infra-estrutura e tecnologia sem interferir com a herança da
natureza de sustentar a vida. O primeiro passo deste desafio é entender o princípio
da organização dos ecossistemas para sustentar a rede da vida. Quando estudamos os
princípios básicos da ecologia, descobrimos que eles são os princípios de
organização de todos os sistemas vivos. (CAPRA, 2002)
Evidentemente, no momento em que se ultrapassa a capacidade de carga oferecida
pela biosfera, existe um decréscimo da geração de serviços à sociedade. Essa relação entre o
homem e a natureza, quando pende para a assimetria, gera fatalmente um cenário que remete
ao crescimento econômico às custas de impactos ambientais. O quadro I , subseqüente, aponta
os principais itens da degradação ambiental, segundo o German Advisory Council of Global
Change (VAN BELLEN, 2005, p.19-20 apud WBGU, 1996), que atentam contra os princípios
do desenvolvimento sustentável:
Principais elementos da degradação ambiental
• Cultivo excessivo de terras marginais
• Exploração excessiva dos ecossistemas naturais
• Degradação ambiental decorrente do abandono de práticas de
agricultura tradicionais.
• Utilização não sustentável, pelos sistemas agroindustriais, do solo e dos
corpos de água.
21
• Degradação ambiental decorrente da depleção de recursos não-
renováveis
• Degradação da natureza para fins recreacionais.
• Destruição ambiental em função do uso de armas e decorrente dos
conflitos militares.
• Dano ambiental da paisagem natural a partir de projetos de grande
escala.
• Degradação ambiental decorrente da introdução de métodos de
agricultura inadequados e/ou inapropriados.
• Indiferença aos padrões ambientais em função do rápido crescimento
econômico.
• Degradação ambiental decorrente do crescimento urbano
descontrolado.
• Destruição da paisagem natural em função da expansão planejada em
função da infra-estrutura urbana
• Desastres ambientais antropogênicos com impactos ecológicos de longo
prazo.
• Degradação ambiental que ocorre a partir da difusão contínua e em
grande escala de substâncias da biosfera.
• Degradação ambiental decorrente da disposição controlada e
descontrolada de resíduos.
• Contaminação local de propriedades onde se localizam plantas
industriais.
Quadro I – Principais elementos da degradação ambiental (Van Bellen, 2005, p.19-20)
Fonte: WBGU (1996)
As diversas ópticas são fundamentais para a cognoscibilidade do constructo
“sustentabilidade” ou sua sinonímia “desenvolvimento sustentável”, que provém de um
relativamente longo processo histórico de reavaliação crítica de relação existente entre
sociedade civil e seu meio natural. Por se tratar de um processo contínuo e complexo,
observa-se a existência de uma extensa variedade de abordagens para explicá-lo (Van Bellen,
22
2005). Conseqüentemente, faz-se necessário uma melhor compreensão das suas diversas
dimensões.
2.2.2- Dimensões da sustentabilidade
“Concebido de forma unicamente técnico-
econômica, o desenvolvimento está no fim
insustentável, incluindo o desenvolvimento
durável. Falta-nos uma noção mais rica e
complexa do desenvolvimento que seja não
apenas material, mas também intelectual,
afetiva, moral...”
Edgar Morin 13
Quando Edgar Morin busca estabelecer os alicerces do chamado pensamento complexo,
alerta para os riscos de mutilação que somos tendenciosos a efetuar, ao contextualizar uma
abordagem por um prisma único ou simplificador:
Se tentarmos pensar o fato de que somos seres simultaneamente físicos, biológicos,
sociais, culturais, psíquicos e espirituais, é evidente que a complexidade reside no
fato de se tentar conceber a articulação, a identidade e a diferença entre todos estes
aspectos, enquanto o pensamento simplificador ou separa estes diferentes aspectos
ou os unifica através de uma redução mutiladora (MORIN, 1982, p. 138).
Ainda em outro momento, fundamenta a importância do pensamento multidimensional
para a cognoscibilidade:
A ambição da complexidade é relatar articulações que são destruídas pelos cortes
entre disciplinas, entre categorias cognitivas e entre tipos de conhecimento. De fato
a aspiração à complexidade tende para o conhecimento multidimensional. Ela não
quer dar todas as informações sobre um fenômeno estudado, mas respeitar suas
diversas dimensões: assim como acabei de dizer, não devemos esquecer que o
homem é um ser biológico-sociocultural, e que os fenômenos sociais são, ao mesmo
tempo econômicos, culturais, psicológicos etc.” (MORIN, 1982, p. 138).
13 Edgar Morin. Os setes saberes para a educação do futuro.
23
Alinhados com essas questões epistemológicas, adotamos a visão de alguns autores que
tratam a sustentabilidade como um constructo multidimensional, dentre eles Van Bellen e
Sachs.
Van Bellen (2005) esclarece que para assegurar a sustentabilidade do desenvolvimento
devem-se considerar os fatores social, ecológico e econômico, dentro das perspectivas de
curto, médio e longo prazos.
Sachs (1993) crê no desenvolvimento sustentável como um conceito dinâmico e que
engloba um processo de mudança, identificando cinco dimensões simultâneas que precisam
ser levadas em conta: sustentabilidades social, econômica, ecológica, espacial e cultural:
• Sustentabilidade social – Entendida como a consolidação de um processo de
desenvolvimento baseado em outro tipo de crescimento e orientado por outra
visão do que é a boa sociedade, tendo como objetivo construir uma civilização
do ‘ser’. Tal perspectiva, segundo Sachs (1993) refere-se ao estímulo de um
desenvolvimento através de crescimento estável, onde exista maior eqüidade na
distribuição do ‘ter’ e da renda, criando predominantemente, uma sociedade com
equidade e apta a reduzir o abismo entre o padrão de vida dos mais ricos e dos
pobres.
• Sustentabilidade econômica - Sua essência somente é possível por meio de
alocação e gerenciamento mais eficiente dos recursos e do fluxo de
investimentos. Uma condição fundamental para isso é superar as atuais
condições decorrentes de uma combinação de fatores negativos: as relações
adversas de troca, as barreiras protecionistas ainda existentes nos países
industrializados e, finalmente, as limitações do acesso à ciência e à tecnologia.
Nessa dimensão existe o reconhecimento de um capital natural que não deve ser
tratado independentemente do sistema todo, mas sim como parte integrante e
fundamental do mesmo. Conseqüentemente, a eficiência econômica não deve ser
tratada apenas como a maximização do lucro e embasada em critérios de
rentabilidade empresarial, e sim ser avaliada em termos macro sociais.
• Sustentabilidade ecológica ou ambiental: Busca a regulamentação dos meios de
produção e padrão de consumos, e tem como principal preocupação os impactos
24
da atividade humana sobre o ambiente. Segundo Sachs (1993) alguma medidas
são implementáveis para incremento da sustentabilidade segundo o viés
ecológico, como a intensificação do uso dos recursos potenciais dos diversos
ecossistemas, causando o mínimo de dano aos sistemas de sustentação de vida
da biosfera; limitação do consumo de combustíveis fósseis e de outros recursos e
produtos esgotáveis ou que causem danos profundos ao ambiente, substituindo-
os por recursos renováveis, abundantes e inofensivos; utilização de técnicas que
promovam a conservação de energia e reciclagem de recursos, reduzindo a
poluição e volume de resíduos; limitação do consumismo exacerbado pelas
camadas privilegiadas; intensificação de pesquisa de tecnologias “limpas” que
usem eficientemente os recursos em prol do desenvolvimento; e finalmente a
definição de regras para promover uma adequada proteção ambiental.
• Sustentabilidade espacial: Perspectiva voltada para a obtenção de uma
configuração rural-urbana mais equilibrada e melhor distribuição dos
assentamentos urbanos e das atividades econômicas. Fatores como concentração
excessiva nas áreas metropolitanas; destruição de ecossistemas frágeis, que são
vitalmente preponderantes; promoção de projetos de agricultura regenerativa e
otimização do uso do solo, dando preferência a operação por pequenos
produtores - que poderiam se utilizar de técnicas como a permacultura 14; e por
fim a criação de uma rede de reservas naturais e de biosfera para proteger a
biodiversidade.
• Sustentabilidade cultural/espiritual: inclui a procura de raízes endógenas nos
processos de modernização e sistemas agrícolas integrados, privilegiando
processos de mudança no seio da continuidade cultural e espiritual, traduzindo o
conceito normativo de ecodesenvolvimento em uma pluralidade de soluções
particulares, que respeitem as especificidades de cada ecossistema, de cada
cultura e de cada local. Essa dimensão garante o respeito e o apoio às
manifestações de espiritualidade sob práticas, caminhos e formas diferentes,
celebrando as conexões com o divino e incentivando as expressões da alma.
14 Permacultura é uma síntese das práticas agrícolas tradicionais com idéias inovadoras. Unindo o conhecimento secular às descobertas da ciência moderna, proporciona o desenvolvimento integrado da propriedade rural de forma viável e segura para o agricultor familiar.
25
Como bem observa Morin, existe uma complexidade necessária no tratamento da
multidimensionalidade do constructo desenvolvimento sustentável, devido à incapacidade de
articulação isolada, de cada uma das “sustentabilidades” propostas por Sachs, sob risco de
mutilação e incompreensão do todo.
Aspectos multifacetados são cada vez mais avaliados por especialistas na avaliação da
busca pelo desenvolvimento sustentável, como nos comenta Van Bellen:
O foco político de uma valorização monetária do crescimento econômico, tem sido
muito criticado pelos defensores de um tipo de desenvolvimento multiorientado.
Existe um acrescente percepção de que é necessário considerar no planejamento, nas
políticas e nas ações em longo prazo aspectos não-monetários, demográficos sociais
e ambientais para realmente se alcançar a sustentabilidade. (Van Bellen, 2005, p.36)
Pode-se perceber que a sustentabilidade torna-se um principio necessário ao debate do
desenvolvimento de comunidades como a Ecovila, quando se preocupa com a melhoria de
qualidade de vida da população não só no curto prazo, mas também ao longo prazo,
considerando o não comprometimento das gerações futuras. A discussão da relevância desses
princípios são institucionalizados através de algumas ações globais propostas pelas Nações
Unidas na tentativa de orientar um novo padrão de desenvolvimento para o século XXI, cujo
alicerce é a sinergia da sustentabilidade ambiental, social e econômica: A Agenda 21.
É fundamental a compreensão dos princípios dessa agenda e a consideração dos
desafios da sua prática no Brasil.
2.2.3- Os desafios da Agenda 21 no Brasil
"A Agenda 21 reúne o conjunto mais amplo de premissas e recomendações sobre como as nações devem agir para alterar seu vetor de desenvolvimento em favor de modelos sustentáveis e a iniciarem seus programas de sustentabilidade". Marina Silva 15
15 Marina Silva é política, ambientalista e pedagoga. Desde 2003 exerce o cargo de Ministra do Meio Ambiente.
26
A comunidade internacional concebeu e aprovou a Agenda 21 durante a Rio 92,
assumindo, assim, compromissos com a mudança da matriz de desenvolvimento no século
XXI. O termo "Agenda" foi concebido no sentido de intenções, desígnio, desejo de mudanças
para um modelo de civilização em que predominasse o equilíbrio ambiental e a justiça social
entre as nações. (MMA, 2007)
A Agenda 21 é um processo de planejamento participativo, com envolvimento de das
Nações Unidas, governos, organizações e sociedade civil que resulta na análise da situação
atual de um determinado espaço, seja país, região ou município, com objetivo de projetar
ações de forma sustentável. A premissa para alcance dos objetivos deve ocorrer com o
envolvimento de toda a sociedade no debate dos problemas relevantes e na criação de
parcerias e compromissos para solucioná-los a curto, médio e longo prazos. O plano de ação
constitui-se na mais abrangente tentativa já realizada de orientar para um novo padrão de
desenvolvimento para o século XXI, cujo alicerce é a sinergia da sustentabilidade ambiental,
social e econômica, perpassando em todas as suas ações propostas.
Composta por 40 capítulos, a Agenda 21 Global é fruto de um trabalho de consenso, a
partir da contribuição de governos e instituições da sociedade civil de mais de 170 paises, em
um processo que resultou na realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), na cidade do Rio de Janeiro em 1992, que em
função do fato acabou conhecida popularmente por Rio 92.
Há que se destacar que a Conferência Rio 92 foi orientada para o desenvolvimento, e
que a Agenda 21 é um projeto que prima pelo desenvolvimento sustentável, onde,
evidentemente, o meio ambiente é uma consideração prioritária. O enfoque desse processo de
planejamento apresentado com o nome de Agenda 21 não é restrito às questões ligadas à
preservação e conservação da natureza, mas sim a uma proposta que rompe com o
desenvolvimento dominante, onde predomina o econômico, dando lugar à sustentabilidade
ampliada, que une a Agenda ambiental e a Agenda social, ao enunciar a indissociabilidade
entre os fatores sociais e ambientais e a necessidade de que a degradação do meio ambiente
seja enfrentada juntamente com o problema mundial da pobreza. A Agenda 21 considera,
dentre outras, questões estratégicas ligadas à geração de emprego e renda; à diminuição das
disparidades regionais e inter-pessoais de renda; às mudanças nos padrões de produção e
consumo; à construção de cidades sustentáveis e à adoção de novos modelos e instrumentos
de gestão (MMA, 2007).
A Agenda 21 brasileira é construída a partir das diretrizes da Agenda 21 Global, e está
alinhada com os processos e instrumentos de planejamento participativo para o
27
desenvolvimento sustentável. A primeira fase da Agenda brasileira ocorreu entre 1997 e 2002
e resultou na conclusão de um documento composto de áreas temáticas baseadas em seis
“eixos principais” - Agricultura Sustentável, Cidades Sustentáveis, Infra-estrutura e
Integração Regional, Gestão dos Recursos Naturais, Redução das Desigualdades Sociais e
Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Sustentável. O desenvolvimento de cada uma
das temáticas foi coordenado pelo governo através da Comissão de Políticas de
Desenvolvimento Sustentável (CPDS), e contou com debates regionalizados envolvendo
instituições e sociedade civil.
A segunda fase da Agenda, a partir de 2003, não somente entrou na fase de
implementação assistida pela CPDS, como também foi elevada à condição de Programa do
Plano Plurianual, PPA 2004-2007 o que lhe confere maior alcance, capilaridade e importância
como política pública. O Programa Agenda 21 é composto por três ações estratégicas que
estão sendo realizadas com a sociedade civil: implementar a Agenda 21 Brasileira; elaborar e
implementar as Agendas 21 Locais e a formação continuada em Agenda 21. A prioridade é
orientar para a elaboração e implementação de Agendas 21 Locais com base nos princípios da
Agenda 21 Brasileira que, em consonância com a Agenda global, reconhece a importância do
nível local na concretização de políticas públicas sustentáveis. Atualmente, existe mais de 544
processos de Agenda 21 Locais em andamento no Brasil, quase três vezes o número levantado
até 2002, segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA, 2007).
Baseados nessa óptica, os projetos de ecovila são experiências que atendem as
premissas das Agendas 21 locais e estão alicerçados no documento denominado “Cidades
Sustentáveis – Subsídios à Elaboração da Agenda 21 Brasileira” que reúne conclusões de um
grupo de estudos formado para investigar e propor caminhos para o desenvolvimento
sustentável no Brasil, incluindo um tópico sobre a sustentabilidade nas cidades brasileiras que
podem ser estendidos aos assentamentos humanos nos modelos propostos pelas ecovilas.
Os principais desafios encontrados pela Agenda 21 brasileira no âmbito local estão em
alcançar os objetivos estratégicos para a promoção da sustentabilidade em assentamentos, a
partir da realidade vigente. Segundo (Krzyzanowski, 2005) o documento aponta os seguintes
aspectos relevantes:
• Aperfeiçoar a regulação do uso e da ocupação do solo e promover o
ordenamento do território, contribuindo para a melhoria das condições de vida
da população, considerando a promoção da equidade, eficiência e qualidade
ambiental;
28
• Promover o desenvolvimento institucional e o fortalecimento da capacidade de
planejamento e gestão democrática do local, incorporando no processo a
dimensão ambiental e assegurando a participação da população envolvida;
• Promover mudanças nos padrões de produção e consumo da cidade, reduzindo
custos e desperdícios e fomentando o desenvolvimento de tecnologias
sustentáveis;
• Desenvolver e estimular a aplicação de instrumentos econômicos no
gerenciamento de recursos naturais visando a sustentabilidade.
A orientação do movimento de ecovilas deve objetivar os princípios e as premissas de
sustentabilidade que orientam a implementação da Agenda 21 sabendo que não constituem
um rol completo e acabado: torná-la realidade é antes de tudo um processo social no qual os
envolvidos vão pactuando paulatinamente novos consensos e montando projetos possíveis
rumo ao futuro que se deseja sustentável.
2.2.4 - A sustentabilidade orientando ecovilas
"Passados os primeiros 25 anos deste século, mais de um bilhão e meio de pessoas nas cidades de todo o mundo estarão habitando ambientes ameaçadores à sua saúde e à sua vida, a menos que possamos revolucionar as soluções dos problemas urbanos."���Conferência Habitat II, das Nações Unidas 16
A Conferência Habitat II - ou Cúpula das Cidades -, última das cúpulas mundiais deste
século, realizou-se vinte anos apos a primeira (Vancouver, Canadá, 1976). Ela teve como
objetivo principal atualizar os temas e paradigmas que fundamentam a política urbana e
habitacional, com vistas a reorientar a linha de ação dos órgãos e agências de cooperação
internacional para estes temas, incluindo a do próprio Centro das Nações Unidas para os
Assentamentos Humanos - Habitat.
Como bem comenta Rolnik (2006), houve uma grande mudança de paradigma entre as
Conferências de Vancouver-76 e Istambul-96. Anteriormente houvera uma crença no
16 Conferência Habitat II ou Cúpula das Cidades - realizou-se em Istambul em 1996.
29
desenvolvimento urbano através de uma expansão sem limites e acreditara na tecnologia e no
fluxo contínuo de investimentos como armas contra qualquer tipo de escassez ou
desequilíbrio. Atualmente, o termo sustentável adjetiva o termo desenvolvimento a cada vez
que este aparece em um texto da conferência. Complementarmente, percebe-se que dois
cenários distintos emergem polarizando atenção das discussões: o primeiro demanda uma
idéia que de comunidade entre os temas ambientais entre paises ricos e pobres, citando a
poluição do ar e das águas o destino do lixo e dos dejetos urbanos, a deterioração da cidade
causada pelos automóveis não são mais temas apenas de cidades européias e norte-
americanas; o segundo cenário prega um afastamento dos fatores da temática, já que os
problemas ambientais estão intimamente ligados aos sociais, e não podem de forma alguma
ser tratado separadamente.
Rolnik atenta para a indissociabilidade entre os aspectos ambientais e sociais e
classifica o Brasil como elemento desse segundo cenário
No Brasil, esta afirmação é mais que conhecida, é vivida. As enchentes e
desmoronamentos nos períodos de chuva, arrastando casas e famílias, as favelas
sobre mangues e lixões e outros tantos exemplos de cenas urbanas recorrentes
entrelaçaram a fragilidade ambiental com a vulnerabilidade social. Para as cidades
brasileiras, portanto, uma agenda urbano-ambiental centrada na sustentabilidade
passa pelo enfrentamento difícil, mas inevitável, da questão social. (ROLNIK, 2006,
p.5)
Segundo East (2002), quando se trata de assentamentos como as ecovilas existem pelo
menos três grandes níveis de sustentabilidade que devem figurar e estabelecer a harmonia dos
assentamentos que são: sustentabilidade ecológica, sustentabilidade social/comunitária e
sustentabilidade cultural/espiritual. Ao longo dos últimos 10 anos, as ecovilas têm
implantado, as soluções discutidas nas principais conferências da ONU dos anos 90, incluindo
o aspecto ambiental da Agenda 21 e a Agenda Habitat do encontro da Turquia, ao ponto das
primeiras ecovilas serem oficialmente incluídas na lista das 100 Melhores Práticas (Best
Practices) da ONU Habitat, como excelentes modelos de vida sustentável, conforme descritos
a seguir:
30
• Utilização de Sistemas Integrados de Energias Renováveis
O uso de energia é, fundamentalmente, não tóxico incluindo energia solar, eólica,
biomassa ou geotérmica que são usados para aquecer, resfriar e iluminar as ecovilas.
• A Bioconstrução ou Construção Ecológica
A bioconstrução desenvolvida nas ecovilas combina uma eficiência no uso de métodos
de construção que reduzem a produção de lixo durante o processo, com materiais
renováveis, não tóxicos, de fonte bioregional, que causam o menor impacto possível no
meio ambiente.
Promove uma arquitetura sustentável que busca a conservação energética das
moradias, e o planejamento integrado onde as construções são desenhadas para se fundir e
complementar o ambiente natural.
• Esquemas dos 3 R´s: Redução, Reutilização e Reciclagem.
Abordagem sistêmica que ajuda as ecovilas a reduzirem de maneira significativa o
consumo de recursos naturais e a geração de resíduos sólidos.
O Objetivo ideal dessa proposta é zerar o lixo nos aterros sanitários, através de
algumas ações efetivas: (Gerenciamento de resíduos sólidos, Portal Governo de SP, 2007)
1. A “Redução” minimiza a freqüência do consumo pelo habitante da ecovila,
diminuindo a produção de resíduos. Como exemplo das atividades de redução tem-se:
i. o reuso de produtos ou embalagens como, por exemplo, garrafas recicláveis, barris e tambores recondicionados;
ii. o aumento da vida dos produtos, de modo a evitar o máximo possível a necessidade de produzi-los e, conseqüentemente, dispô-los;
iii. a utilização de embalagens que diminuam os danos ou o derramamento do produto;
iv. o gerenciamento de resíduos orgânicos como restos de alimentos e resíduos de jardinagem, por meio da compostagem 17 no próprio local ou por outras alternativas de disposição (como dispor restos de poda sobre o gramado).
17 A compostagem é o processo de transformação de materiais grosseiros, como palhada e estrume, em materiais orgânicos utilizáveis na agricultura.
31
2. A reutilização é um método de gerenciamento de resíduos, baseado no emprego
direto do produto no mesmo uso, para o qual foi originalmente concebido: um exemplo
típico é a reutilização das garrafas de vidro. Reutilização é um método de controle útil na
minimização da produção de resíduos, com base na sua redução, uma vez que os bens
envolvidos retêm suas características e funções originais.
3. A reciclagem é um método de gerenciamento de resíduos baseado no
reaproveitamento do material pelo qual o produto é composto, visando o mesmo ou um
diferente uso, para o qual fora originalmente concebido: um exemplo típico é a reciclagem
de garrafas plásticas para produzir outras garrafas plásticas ou outros produtos. A
reciclagem se diferencia da reutilização porque aqui não há a reutilização direta do
produto propriamente dito, mas do material de que é feito. Em conseqüência, reciclagem é
um método de reaproveitamento no qual é necessário levar-se em conta uma provável
perda de valor, mesmo que sensível, do produto original.
Em comunidades sustentáveis como as ecovilas existem toda uma reformulação do
conceito na definição de lixo. Uma das linhas de pensamento afirma que o lixo é um
problema que o ser humano cria quando se esquece de que também é parte do ambiente
em que vive.
• Transporte Sustentável
Os hábitos de transporte são responsáveis por níveis crescentes de consumo de energia
e níveis crescentes de emissões associadas a esse consumo.
Se, por um lado, percebemos um progresso na eficiência dos biocombustíveis e,
conseqüentemente, na diminuição de emissões dos veículos, por outro lado, o número de
veículos cresceu assustadoramente e os consumidores estão percorrendo distâncias cada
vez maiores. Em termos de diretrizes, pode-se dizer que as ecovilas são projetadas de
forma a minimizar internamente o uso de veículos particulares, incluindo o desenho de
ciclovias e caminhos que tornam as caminhadas e as bicicletas seguras e convenientes.
A estratégia conjuga o uso de veículos elétricos, híbridos, movidos a biodiesel, com
esquemas de rodízio de veículos e o uso de transporte público.
32
• Conservação da água e tratamento ecológico dos esgotos
Os métodos de conservação da água utilizados nas ecovilas incluem captação e uso de
água da chuva, reutilização da água cinzenta, redução do consumo doméstico, uso
limitado de produtos de limpeza, jardinagem natural e não-tóxica, manutenção constante
dos encanamentos para prevenir vazamentos.
Utilizam-se sistemas ecológicos de tratamento de esgotos através da construção de
sistemas de terras úmidas, sistemas de zonas de raízes, vasos sanitários com descarga
reduzida ou sanitários secos, e filtros biológicos.
Conforme apregoa East (2002), as ecovilas deveriam basear-se nos princípios de
design ecológico permacultural da ecovila australiana Crystal Waters, a qual prevê que a
qualidade da água que sai da ecovila, comparada com a que entra, deve ser melhor ou pelo
menos manter-se no mesmo nível.
• Localização e Produção Orgânica de Alimentos
O cultivo, a colheita, o processamento, empacotamento e transporte de alimentos têm
um impacto ambiental muito significativo.
East (2002) faz uma comparação usando a o exemplo da Grã-Bretanha, onde cerca de
três quartos dos alimentos consumidos lá são importados, e cerca de um terço das
emissões de gás carbônico por morador é resultante do seu consumo de comida.
Nas ecovilas, os alimentos são originados, principalmente, de fontes locais e
biorregionais. Esse contexto é oportuno para minimizar, por um ato de vontade própria
dos participantes, a quilometragem embutida nos alimentos pelo transporte entre áreas
produtoras e consumidoras (modelo de consumo vigente), além de incentivar o consumo
consciente.
Uma outra característica é a preferência orgânica no consumo dos alimentos - livre de
contaminantes, praguicidas, herbicidas, fertilizantes químicos, que são minimamente ou
quase nunca utilizados, na busca de equilíbrio nutricional.
• Economia social
A pedra fundamental da economia social das ecovilas é a localização dos recursos,
serviços e produtos.
33
Um dos grandes desafios seria “equacionar o problema” 18 de como as necessidades
locais podem ser atendidas por fontes locais.
Via de regra existe, encorajamento e apoio aos membros das ecovilas para criarem
negócios que enriqueçam a economia local, que não gerem poluição, e que não explorem
recursos humanos ou naturais.
Moedas locais, clubes e sistemas de troca, LETS 19, transação com bancos
cooperativos, éticos que apóiem projetos de responsabilidade social são algumas das
facetas desta economia social.
Não se pode negligenciar, que as relações que envolvem uma ecovila permeiam a sua
circunvizinhança e estão intimamente ligados com uma economia, dita, “social”. Um aspecto
importante observável, em arranjos como as ecovilas, está relacionado ao desenvolvimento
local, que assume papel importante na busca de redução da desigualdade social e da pobreza,
e deve ser interpretado de uma forma mais ampla, e não somente como um índice de
crescimento econômico. Estruturalmente, as ecovilas são organizadas a partir de preceitos
forjados na “economia solidária” 3, cujo valor central é o trabalho, o saber e a criatividade
humanos e não o capital-dinheiro e sua propriedade sob quaisquer de suas formas
(AMORIM;ARAÚJO, 2004).
2.3- DESENVOLVIMENTO LOCAL
"Pense globalmente, aja localmente."�René Jules Dubos 20
18 Ao referir-me “equacionar o problema” digo, na verdade, colocá-lo em termos com os quais se possa trabalhar.
Karl Marx, em seus escritos filosóficos, afirmou que a humanidade somente se coloca um problema quando já possui a solução. No caso das ecovilas, cumpre-se que o problema, para o qual no fundo já possuem, de antemão uma solução, possa ser equacionado, através da busca da técnica do como fazê-lo. 19 LETS – Sigla para a expressão em inglês, Local Exchange Trading System, moeda alternativa criada em uma
vila próxima da cidade de Vancouver, no Canadá, em 1980. Os Lets se configuram como um clube de troca,
onde o dinheiro oficial é substituído por uma moeda própria.
20 René Jules Dubo foi um dos mais influentes biólogos do século XX e um dos responsáveis pela
conscientização do homem a respeito das questões ambientais. Foi redator da Primeira Conferência Internacional
sobre o Meio Ambiente, realizada em Estocolmo, no ano de 1972.
34
2.3.1- Controvérsia quanto às definições de crescimento e desenvolvimento
Há 50 anos quando iniciara a discussão em torno de desenvolvimento, imediatamente se
vinculara ao fato a condição sine qua non de crescimento econômico. Hoje, as percepções
falaciosas sobre essa comparação ainda surtem efeitos nas discussões entre economistas e
ambientalistas, e ajudam a aumentar a confusão sobre esse tema.
Segundo o dicionário, crescer significa “aumentar naturalmente em tamanho pela adição
de material através de assimilação ou acréscimo”. Desenvolver-se significa “expandir ou
realizar os potenciais de; trazer gradualmente a um estado mais completo, maior ou melhor”.
Sachs (2000) sustenta uma posição de distinção entre crescimento e desenvolvimento,
afirmando que desenvolvimento é um conceito pluridimensional, baseado em um crescimento
social razoável, ecologicamente prudente e economicamente eficiente. Quaisquer distorções
nesses três aspectos podem causar enfermidades ao conceito de desenvolvimento. Pode haver
crescimento; mas um crescimento que comporta custos sociais e ecológicos não é sinônimo de
desenvolvimento.
Para Teixeira (2004), crescimento e desenvolvimento são duas coisas tão diferentes que
podem prevalecer separadas ou até opostamente, pois pode ocorrer desenvolvimento com
recessão. Normalmente, o crescimento dos países é medido pela expansão do PIB – produto
interno bruto, índice que atesta crescimento ou recessão econômica a partir da oscilação
positiva ou negativa da riqueza nacional no período anual. Caso haja crescimento sem o
acompanhamento de uma distribuição mais justa da renda, por exemplo, caracteriza-se como
um fator ofensor ao desenvolvimento. Ao observar a pirâmide social brasileira, verifica-se
que nos últimos anos ocorre crescimento econômico, sem ocorrer desenvolvimento na mesma
proporção, dado que em conjunto com o PIB, cresce a miséria e a degradação ambiental.
O conceito de desenvolvimento está vinculado a algo mais abrangente. Uma sociedade
se desenvolve na medida em que melhoram os índices de qualidade de vida. Isso deve estar
refletido na melhora da educação, saúde, da alimentação, da moradia e do lazer, enfim no seu
índice de desenvolvimento humano – IDH. Nas situações em que o crescimento econômico
ocorre de forma isolada, funciona como catalisador de concentração de renda e gerador de
pobreza, contradizendo a velha tese de que precisamos primeiro aumentar o bolo para depois
distribuí-lo, não funciona. (TEIXEIRA, 2004, p.36).
O movimento de ecovilas possui foco no desenvolvimento – reforçando,
conceitualmente, as diferenças para “crescimento” - na esfera local, tornando-se uma
35
oportunidade de implementação das políticas embasadas nas peculiaridades locais,
fundamentadas nas necessidades e prioridades da comunidade, e levando em conta outros
fatores culturais, ambientais e de organização social.
2.3.2 - Evolução e conceito
— E o que havia ele feito, irmãos das almas,e o que havia ele feito contra a tal pássara?
— Ter uns hectares de terra, irmão das almas, de pedra e areia lavada que cultivava.
— Mas que roças que ele tinha, irmãos das almas que podia ele plantar na pedra avara?
— Nos magros lábios de areia, irmão das almas, os intervalos das pedras, plantava palha.
— E era grande sua lavoura, irmãos das almas, lavoura de muitas covas, tão cobiçada?
— Tinha somente dez quadras, irmão das almas, todas nos ombros da serra, nenhuma várzea.
— Mas então por que o mataram, irmãos das almas, mas então por que o mataram com espingarda?
— Queria mais espalhar-se, irmão das almas, queria voar mais livre essa ave-bala.
Morte e Vida Severina – João Cabral de Mello Neto 21
O latifúndio e a ausência de políticas públicas eficazes que possam manter o homem no
campo podem ser considerados uma das maiores mazelas que assolam a população rural
brasileira nos últimos 500 anos. Desde os lotes de terra ocupados pelas capitanias hereditárias
no período colonial aos latifúndios improdutivos dos dias de hoje, vimos suscitar discussões
passionais e polêmicas – como a reforma agrária - na tentativa de desarticular as grandes
propriedades que criavam concentração de renda e riqueza, produzindo um esvaziamento do
meio rural e inibindo o desenvolvimento local.
21 Morte e Vida Severina é um livro do escritor brasileiro João Cabral de Melo Neto.O livro apresenta um poema dramático, escrito entre 1954 e 1955 e relata a dura trajetória de um migrante nordestino em busca de uma vida mais fácil e favorável no litoral.
36
Para Buainain e Silveira (2003), o governo militar, a partir da década de 60, promoveu
um amplo processo de modernização direcionado pelo Estado, que preservou a grande
propriedade e impulsionou a transformação de parte do latifúndio improdutivo no competitivo
e dinâmico agronegócio brasileiro, sendo responsável pela geração da atual parcela
substancial do superávit comercial com o resto do mundo. Tal cenário foi capaz de gerar
milhões de empregos no campo e na cidade, pelo crescimento de pequenas e médias cidades
em quase todas as regiões do país, alterando os fluxos migratórios, antes direcionados às
grandes e superlotadas regiões metropolitanas.
Ainda que haja um notável desempenho do agronegócio no país, esse benefício é
percebido mais fortemente pelo latifundiário, em função das margens obtidas, do que do
trabalhador que sofre com a crise da agricultura familiar; da mecanização de sistemas
produtivos, tradicionais absorvedores de mão-de-obra rural; da reestruturação da indústria e
elevação do desemprego nas regiões urbanas; do relativo fechamento das fronteiras agrícolas
que funcionavam como válvula de escape para tensões sociais em outras áreas; e pela falta de
oportunidade e perspectiva para milhões de famílias desalojadas de seu meio de vida no
mundo rural. (BUAINAIN;SILVEIRA, 2003)
Segundo Goulart (2006), alternativas como: parcerias, consórcios, arranjos produtivos
locais, redes e outras variações interorganizacionais vêm sendo formuladas, estudadas e
avaliadas como configurações capazes de promover o desenvolvimento de localidades, em
diferentes escalas, como ações que orbitam em torno do mesmo tema central: como obter
desenvolvimento e transformá-lo em agente de bem-estar econômico e social para as
comunidades em nível local.
Ao contrário que se possa imaginar, as bases do desenvolvimento local não são novas
estratégias de desenvolvimento de políticas públicas, e estão inseridas no contexto da
municipalização, que por sua vez, deriva de um processo maior: a descentralização da
administração Estatal. Essas medidas do Estado, dito moderno, estão em linha com as
tendências do liberalismo econômico e dos preceitos da globalização, valorizando ações que
promovam a desoneração do Estado como principal ator de alavancagem e fomento de
políticas de desenvolvimento. Goulart (2006) chama a atenção que cenários com esse viés,
podem abrir espaço para sociedades civis que busquem investir em projetos ou implementar
iniciativas, em escala local, para criação de emprego e renda, fortalecimento dos laços de
solidariedade e construção de matrizes institucionais confiáveis.
No Brasil nos últimos anos, há um maior interesse pelas abordagens relacionadas ao
desenvolvimento local, fruto do trabalho realizado por organizações multilaterais, privadas,
37
governamentais nas três esferas e do terceiro setor em geral – principalmente as ONG´s 22,
pelo resgate à cidadania.
A compreensão do conceito de desenvolvimento local é fator preponderante na
discussão da cognoscibilidade desse constructo, sendo fundamental para o tema desse
trabalho, ainda que, seja factual para estudiosos da área a dificuldade de sintetizar
desenvolvimento local dentro de uma definição singular, pelas características inerentes de
controvérsia e baixo consenso que permeiam tal assunto. Esse óbice parte do obstáculo de
conceituar a própria palavra desenvolvimento, ou confundi-lo com crescimento, como vimos
no capitulo anterior.
Dowbor (1995) destaca que o desenvolvimento local não precisa ser pensado,
exclusivamente, dentro de uma lógica economicista:
É preciso conceituá-lo sob uma roupagem não subordinada aos agregados
macroeconômicos ou à eficiência das unidades de produção. Pretende-se uma
definição de desenvolvimento que coloque o ser humano e os interesses coletivos e
das maiorias como ponto central (DOWBOR, 1995 p.29).
Contudo, Dowbor (1995, p.29) não negligencia a importância dos aspectos econômicos,
afirmando que o desenvolvimento local não pode ser analisado sem que se coloque o
problema da geração de emprego e renda.
Vieira e Holanda (2003) sugerem que a partir de um cenário onde o espaço local foi
valorizado como lócus das dimensões de desenvolvimento sustentável local, percebe-se a
possibilidade de uma maior integrabilidade das dinâmicas socioeconômicas, através do
encontro das ações do Estado e da sociedade, potencializando as parcerias interinstitucionais
que podem ser celebradas nessa esfera. De tal forma, surge o conceito de desenvolvimento
local, como:
Um novo modo de promover o desenvolvimento que possibilita o surgimento de
comunidades mais sustentáveis, capazes de: suprir suas necessidades imediatas;
descobrir ou despertar suas vocações locais e desenvolver suas potencialidades
22 ONG´s – Organizações Não-governamentais - são associações do terceiro setor, da sociedade civil, que se declaram com finalidades públicas e sem fins lucrativos, que desenvolvem ações em diferentes áreas e que, geralmente, mobilizam a opinião pública e o apoio da população para melhorar determinados aspectos da sociedade.
38
específicas; e fomentar o intercâmbio externo aproveitando-se suas vantagens locais.
(VIEIRA, HOLANDA, 2003)
Já Coelho (1995,p.47) cita alguns pontos que aprofundam o conceito de
desenvolvimento local, entendido como um “plano de ação” coordenado, descentralizado e
com foco em melhorar, de forma sustentável, a condição de vida dos habitantes de uma
localidade:
• Eliminar a tensão entre localidades através da constituição de novos arranjos
políticos/financeiros/institucionais capazes de viabilizar projetos locais e regionais.
• Os novos sujeitos desse processo – empreendedores locais, ONG´s, setores privados,
cooperativas, órgãos públicos locais - devem fortalecer fóruns e outras formas de
organização capazes de constituir um pacto territorial local de forma democrática.
• Atuar no sentido de projetar regionalmente estratégias espaciais que se oponham aos
efeitos perversos da globalização como a apartação sócio-espacial, a ação predatória
dos recursos naturais, a disseminação da miséria ocasionada pelo esvaziamento do
território.
• Considerar que o desenvolvimento local consiste em potencializar o desenvolvimento
socioeconômico tomando como base a mobilização dos recursos humanos e
financeiros locais, significando uma reorganização institucional que permita a
acumulação local dos pequenos empreendimentos e do associativismo promovendo a
reestruturação econômica.
Milani encara o conceito de desenvolvimento local como um “processo” e compactua
da idéia de desenvolvimento local pluridimensional e interdependente entre os segmentos que
atua, e atenta para as facetas paradoxais que pode assumir, como conflito e competição,
simultaneamente a cooperação e reciprocidade.
O desenvolvimento local pode ser considerado como o conjunto de atividades
culturais, econômicas, políticas e sociais – vistas sob ótica intersetorial e trans-
escalar – que participam de um projeto de transformação consciente da realidade
local. Neste projeto de transformação social, há significativo grau de
interdependência entre os diversos segmentos que compõem a sociedade (âmbitos
político, legal, educacional, econômico, ambiental, tecnológico e cultural) e os
agentes presentes em diferentes escalas econômicas e políticas (do local ao global).
39
É fundamental pensar o desenvolvimento local enquanto projeto integrado no
mercado, mas não somente: o desenvolvimento local é também fruto de relações de
conflito, competição, cooperação e reciprocidade entre atores, interesses e projetos
de natureza social, política e cultural. (MILANI, 2002-2005, p.1-2)
Goulart (2006) afirma a presença da competição aos recursos como um aspecto de
construção do desenvolvimento local exógeno.
Na localidade definem-se espaços de articulação e implementação das ações
voltadas para o desenvolvimento, mas os lugares tornaram-se alvo de competição e
recursos disputados por agentes externos, cujo poder de pressão é tanto maior quanto
forem o domínio tecnológico e a capacidade de articulação político-econômica que
detêm. (GOULART, 2006, p. 4)
A perspectiva de desenvolvimento local ocorre a partir de diferentes estratégias, que se
assentam em diferentes lógicas e interesses que conformam uma rede de relações
determinantes na conformação dos lugares, de orientação global ou local, que estão sob a
égide do desenvolvimento endógeno ou exógeno.
Singer comenta sobre a lógica endógena e exógena do desenvolvimento em uma de
suas palestras:
O desenvolvimento exógeno é o que vem de fora para dentro. Temos comunidades
pobres, muito tempo pobres, em geral, há décadas ou há mais do que isso, há
gerações e que está na sua, mais ou menos conformadas com a sua situação. Vem,
então, o agente externo, que pode ser em geral um investimento de uma empresa
estatal ou de uma empresa privada, junto com esse investimento, provavelmente, o
governo, que pode ser o governo municipal, o governo estadual ou o governo federal
fazem investimentos complementares em infra-estrutura, em energia, transporte,
comunicações e assim por diante (...). O desenvolvimento endógeno vem de
iniciativas da própria comunidade: da comunidade pobre, da comunidade decadente
ou que já perdeu o que tinha tido, ela se reorganiza, daí a idéia da organização para o
desenvolvimento e é uma reorganização política, inicialmente, basicamente ela se
convence de que a sua situação não é fatal, acho que esse é o grande obstáculo."
(SINGER, 2006 - transcrição da Palestra no Seminário Organização para o
Desenvolvimento)
Logo, percebe-se que existem abordagens plurais através de formas heterogêneas de
atuação, no manejo do tema. A perspectiva a seguir, chamada desenvolvimento local solidário
40
possui seu mainstream no combate à exclusão social, privilégio da produção local pelo uso de
tecnologia apropriada, com incentivo à cidadania.
2.3.3- Desenvolvimento local com base na economia solidária orientando ecovilas
"A economia solidária surge como modo de produção e distribuição alternativo ao capitalismo, criado e recriado periodicamente pelos que se encontram (ou temem ficar) marginalizados do mercado de trabalho."�Paul Singer 23
A economia solidária surge no contexto do desenvolvimento das forças produtivas do
capitalismo, como reação ao espantoso empobrecimento das classes artesãs, provocados pela
difusão das máquinas e de uma nova organização fabril. A discussão sobre a exclusão de uma
parcela da população dos meios de produção e as tensões provocadas pelas inserções
desiguais dos cidadãos na economia de mercado criara preocupação quanto à sobrevivência
de tal massa de trabalhadores.
Para Singer (2000), a economia solidária não é criação intelectual de alguém, embora na
primeira metade do século XIX, autores socialistas “utópicos” 24 (Owen, Fourier, Buchez,
Proudhon, etc) tenham dado contribuição decisiva para o seu desenvolvimento.
Um dos principais articuladores dessa nova perspectiva, Robert Owen, apontara que o
maior desperdício nas crises econômicas capitalistas, era a ociosidade forçada de parte
substancial da força de trabalho (devido à queda de demanda), dado que havia um efetivo
empobrecimento da sociedade, concentrado nos trabalhadores excluídos da atividade
econômica. A alta correlação entre a quantidade de trabalhadores empregados e a expansão da
criação de riquezas, foi demonstrada mais de um século depois por Keynes, com o
lançamento das bases sobre políticas de pleno emprego.
23 Paul Singer – Trabalhando recentemente com o tema da economia solidária, o professor Paul Singer assumiu a tarefa de implementar, desde junho de 2003, a Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), constituída pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego. 24 O termo refere-se a obra de Thomas More, chamada Utopia, a uma espécie de romance filosófico (De optimo reipublicae statu deque nova insula Utopia, 1516), onde relatava as condições de vida em uma ilha desconhecida, que denominou Utopia. Nela teriam sido abolidas a propriedade privada e a intolerância religiosa. Foi por isso que tal termo passou a designar, não apenas qualquer tentativa análoga, como também qualquer ideal político, social ou religioso, cuja realização seja difícil ou impossível.
41
No intuito de evitar os mecanismos de mercado de alta e queda de demanda, na segunda
metade do século XIX, aparecem novos modelos de comunidades, cidades de cooperação,
“Falanstere” a fim de demonstrar a possibilidade de uma forma alternativa de organização
econômica, que acabaram por inspirar formas mais locais e modestas de solidariedade.
(AMORIM, ARAUJO, 2004, p.46).
Atualmente, percebe-se que a economia solidária coaduna o princípio da unidade entre
posse e uso dos meios de produção e distribuição com o princípio da socialização desses
meios (capitalismo). Os meios de produção são socializados, sob uma plataforma capitalista,
através de sistemas operados por pessoas agindo coordenadamente, ou seja, cooperando entre
si. Conforme Singer (2002) nos comenta, o modo solidário de produção e distribuição da
economia solidária parece híbrido entre o capitalismo e a pequena produção, entretanto ela
constitui uma síntese que supera ambos. A unidade típica desse sistema é a cooperativa de
produção.
Analogamente, as ecovilas, mutatis mutandi, são sinonímias organizacionais das
cooperativas de produção e ambas estão sob a égide da economia solidária, principalmente no
respeito aos direitos igualitários entre seus participantes e os atores locais. Em todos os
sentidos, essas instituições podem ser consideradas organizações que empreendem esforços
solidários que mudam o relacionamento entre participantes, família, vizinhos, autoridades
publicas, religiosas, intelectuais, etc.
As ecovilas aproveitam o caráter revolucionário da economia solidária, apresentando
perspectivas de superar a condição de simples paliativo contra o desemprego e a exclusão
social no espaço local, ao ponto de polarizar um grande número de simpatizantes que não
adaptam-se mais ao modelo econômico-social vigente (relação patrão-empregado, relações
burocráticas hierarquizadas, consumismo exacerbado, etc). Pode-se citar como princípios
organizativos desses assentamentos:
Princípios organizativos da cooperativa de produção e ecovilas
• Posse coletiva dos meios de produção pelos usuários que efetivamente a usam no
intuito de produzir
42
• Gestão democrática da empresa ou por participação direta (número de cooperadores
não são demasiados) ou representação (situação oposta ao comentário presente no
parêntese anterior).
• Repartição da receita líquida entre os cooperados conforme discussão e acordo, prévio,
entre todos os envolvidos.
• Destino do excedente anual, baseado no critério acertado entre os cooperadores.
Quadro II – Princípios organizativos de produção e ecovilas
Fonte: Singer (2002)
Singer (2002, p. 13-14) apresenta uma vertente nefasta sobre a tendência estrutural do
capitalismo de desempregar, excluir e empobrecer a classe trabalhadora, polarizando a
sociedade entre a elite endinheirada e a massa de trabalho que sobrevive com o salário modal
vigente. Destarte, a economia solidária pode ser considerada um projeto desenvolvido há 2
séculos por trabalhadores que ensaiam práticas de obtenção de subsistência (ganhar a vida
pela venda dos produtos e serviços produzidos); semelhança que, possivelmente, explica a
tendência das ecovilas em pautarem-se nos mesmo princípios. Suas características históricas
em constante construção, podem ser sintetizadas:
Características históricas da economia solidária
• Vitimas do capital que se organizam como produtores associados com o objetivo de
reintegrarem-se a divisão social do trabalho em condição de competição com as
empresas capitalistas.
• Pequenos produtores de mercadorias que se associam para comprar e vender em
conjunto, tornando-se fortes pelo ganho de escala.
• Associação de assalariados para aquisição de bens e serviços de consumo, visando
ganho de escala e melhor qualidade de vida.
• Pequenos produtores e assalariados que reúnem suas poupanças em fundos rotativos
na busca de financiamento empreendimentos solidários e obter empréstimos com juros
menores ao cobrado pelo mercado.
• Criação de associações mútuas de seguros, cooperativas de habitação, etc.
Quadro III – Características históricas da economia solidária
Fonte: Singer (2002)
43
No Brasil, a economia solidária começara a ressurgir, de forma rarefeita na década de
80, e foi amplamente estimulada a partir da segunda metade dos anos 90. Na essência, ela
desponta dos movimentos sociais iniciados como resposta à crise de desemprego em massa de
1981 e agravados com a abertura do mercado interno às importações, a partir de 1990.
O despertar do movimento da sociedade civil brasileira pela economia solidária ganha
contornos evidentes em 2001, com a realização do I Fórum Social Mundial (FSM) que visara
articular e mediar a participação nacional e das redes internacionais da economia solidária,
através da criação do grupo de trabalho brasileiro (GT-Brasileiro), constituído por
organizações e redes de uma diversidade de práticas e segmentos da economia popular
solidária: campo, cidade, práticas diminutas, práticas complexas, igreja, bases populares,
bases sindicais, universidades, movimentos sociais populares, práticas governamentais,
práticas de apoio ao crédito, práticas de redes de informação, vínculos às bases nacionais,
vínculos às redes internacionais, dentre elas Associação Nacional dos Trabalhadores de
Empresas em Autogestão; Instituto Brasileiro de Análises Sócio-Econômicas (IBASE) e
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST/Concrab). (ANTEAG, 2007)
Os fóruns seguintes: Fórum Social Mundial, em 2002 e III Fórum Social Mundial, em
2003 seguiram a estratégia de lançamento do documento de “Princípios da Economia
Solidária” para orientar as movimentações organizadas pelos diversos estados brasileiros no
intuito de criar um fórum brasileiro de economia solidária mais participativo e democrático.
Esse documento serve como orientação em assentamentos como ecovilas no
desenvolvimento local solidário, e segue uma lista de princípios onde os atores pretendem se
movimentar na implementação de políticas de bem-estar social nas circunvizinhanças.
(AMORIM, ARAUJO, 2004, p.49).
Principios da economia solidária orientando ecovilas ao desevolvimento local
• A valorização social do trabalho humano, principalmente na esfera local.
• A satisfação plena das necessidades de todos como eixo da criatividade tecnológica e
da atividade econômica.
• O reconhecimento do lugar fundamental da mulher e das minorias numa economia
fundada na solidariedade.
• A busca de uma relação de intercâmbio respeitoso com a natureza.
44
• Os valores da cooperação e da solidariedade como mainstream para o
desenvolvimento local.
• O valor central da economia solidária é o trabalho, o saber e a criatividade humana e
não o capital-dinheiro e sua propriedade sob quaisquer de suas formas.
• A economia solidária busca a unidade entre produção e reprodução, evitando a
contradição fundamental do sistema capitalista, que desenvolve a produtividade, mas
exclui crescentes setores de trabalhadores do acesso aos seus benefícios.
• A economia solidária busca outra qualidade de vida e de consumo, e isso requer a
solidariedade entre os cidadãos do centro e os da periferia do sistema mundial.
• A economia solidária representa práticas fundadas em relações de colaboração
solidária, inspiradas por valores culturais que colocam o ser humano como sujeito e
finalidade da atividade econômica, em vez da acumulação privada de riqueza, em
geral, e de capital, em particular.
• Para a economia solidária a eficiência não pode limitar-se aos benefícios materiais de
um empreendimento, mas se define também como eficiência social, em função da
qualidade de vida e da felicidade de seus membros e, ao mesmo tempo, de todo o
ecossistema.
• A economia solidária é um poderoso instrumento de combate à exclusão social, pois
apresenta alternativa viável para a geração de trabalho e renda e para a satisfação
direta das necessidades de todos, provando que é possível organizar a produção e a
reprodução da sociedade de modo a eliminar as desigualdades materiais e difundir os
valores da solidariedade humana.
Quadro IV –Princípios da economia solidária orientando ecovilas ao desevolvimento local
Fonte: AMORIM; ARAUJO, 2004, p.49
Ao longo da fundamentação teórica, buscou-se contextualizar os fatores que são
preponderantes na constituição analítica de um projeto de ecovila. Optou-se por montar, ex-
ante, um cenário dos aspectos que orbitam o tema central desse trabalho, com o intuito de
estruturá-lo finalmente no próximo capítulo, a partir de um conhecimento comum, adquirido
dentro da linha de exposição adotada.
45
2.4- ECOVILA: UM NOVO MODUS VIVENDI
"Na minha visão, ecovilas, e o amplo movimento social da qual elas são parte integrante, são o mais promissor e importante movimento de toda a história."�Robert Rosenthal 25
2.4.1- Evolução e Conceito
O reordenamento econômico do pós-guerra criou um cenário em que os atores
hegemônicos, Estados Unidos e países aliados, preocupados com o futuro das relações
políticas e econômicas internacionais estabeleceram uma economia mundial aberta, sem
obstrução de fluxos comerciais, utilizando-se de mecanismos como a Conferência de Bretton
Woods 26. O sistema capitalista atingiu um nível de pujança material, que consolidou um novo
paradigma social: o american way life. O consumismo, a globalização, a submissão da mulher
e a cultura de massa construíram um arquétipo conservador da elite burguesa que alastrou-se,
tragando outros países sob a forma de um estilo de vida irresistível. Contudo, foi neste
período, que “surgiram movimentos contestatórios e libertários que visavam questionar todos
os setores constituídos da sociedade da época: hábitos, idéias, corporeidade, arte, organização
política, espiritualidade, estrutura produtiva e social, tecnologia. Nada escapou ao espírito
inquieto e inconformista da época” (SANTOS JUNIOR, 2006, p.3).
Os movimentos emancipatórios das décadas de 60 e 70 procuraram transformações
radicais tratando questões, que outrora foram considerados tabus pela sociedade, como o
pacifismo, o feminismo, a questão racial, o movimento hippie e o ecologismo.
Adicionalmente, outras questões surgiram como reflexo da proposta de consumo
desenfreado pela sociedade capitalista. Segundo Bissolotti (2004), a crise do petróleo dos
anos 70 retomou os pensamentos sobre energias renováveis não fósseis. Desde então a palavra
ecologia tem sido muito utilizada nos meios de comunicação e despontou na sociedade o
início de uma conscientização ambiental.
25 Robert Rosenthal – Professor de Filosofia no Hanover College nos Estados Unidos. 26 A Conferência de Bretton Woods definiu o sistema de gerenciamento econômico internacional, estabelecendo em Julho de 1944 as regras para as relações comerciais e financeiras entre os países mais industrializados do mundo, preparando-se para reconstruir o capitalismo mundial enquanto a Segunda Guerra Mundial estava caminhando para seu término.
46
Gradativamente, para por em prática o modelo que retornava o homem ao ideário de
“vida simples”, re-criando vínculos com a natureza, obtendo satisfação espiritual e adotando
projetos de auto-sustentabilidade, um grande número de pessoas começou a deixar os espaços
urbanos para agrupar-se naquilo que ficou conhecido como comunidades alternativas.
Existe uma dificuldade quanto à definição de fundação das primeiras ecovilas, já que
muitos dos assentamentos pioneiros foram criados quando nem existia tal definição. Em 1960
diversos projetos baseados na busca pela espiritualidade foram iniciados em diversas partes
do globo, como a Findhorn na Escócia, The Farm no Tennessee – USA, Sarvodaya no Sri
Lanka, e o movimento NAAM em Burkina Faso. A Solheimer na Islândia tinha raízes em
assentamento em 1930. Porém o maior impulso para esse tipo de comunidades veio do
filósofo e sábio Sri Aurobindo levando sua visão adiante em Auroville na Índia em
1968.(JACKSON; JACKSON, 2004, p.3-4)
Segundo Santos Junior (2006, p.9), “o movimento de ecovilas, no entanto, é difundido
internacionalmente pela primeira vez, em 1991, por meio de um relatório, encomendado pela
organização Gaia Trust 27 da Dinamarca, intitulado Ecovilas e Comunidades Sustentáveis”.
Tal estudo foi fundamental para despertar pesquisas sobre sustentabilidade e atentar para as
novas práticas surgidas nas ecovilas ao redor do mundo. Em um encontro entre comunidades
sustentáveis, em 1995, na Fundação Findhorn, Escócia, o arcabouço do movimento foi
sistematizado e popularizado, com a criação da Rede Global de Ecovilas (GEN – Global
Ecovillages Network), dando maior visibilidade e dinâmica aos assentamentos.
Desde então, as ecovilas são consideradas modelos de comunidades intencionais ou
comunidades sustentáveis e foram incorporadas pelas Nações Unidas no Programa de
Desenvolvimento de Comunidades Sustentáveis (SCDP).
Historicamente, nascida no âmago do movimento ecológico como alternativa à busca de
modelos de assentamentos humanos, as ecovilas reproduzem conceitos que se reúnem numa
prática constante de mudanças de nossos hábitos e crenças, comportamentos individuais e
coletivos: harmonizar o planeta, de forma equilibrada e inovadora e ceder a estilos de vida
mais saudáveis, com planos de ação, visando a proteção do meio ambiente e a utilização
racional dos recursos naturais. A mudança de consciência posiciona o homem frente à
natureza, no compromisso de cada um, como se todos fossem integradores de uma grande
27 Projeto de Ross e Hildur Jackson, criadores de uma fundação danesa, chamada Gaia Trust, que é uma associação fundada em 1987 com a intenção de dar suporte a comunidades que desejam fazer a transição a uma futura sociedade sustentável. (ABRA 144)
47
ação a sustentabilidade do planeta, em que o objetivo é a conservação da vida global
(ALVERCA, 2002).
Gilman (1991) nos oferece a seguinte explicação para essa nova forma organizacional:
Uma Eco-Vila é um assentamento de escala humana completamente caracterizado
onde as atividades humanas estão integradas ao mundo natural de maneira não
danosa e de tal forma que dêem apoio ao desenvolvimento humano saudável e que
se possa continuar indefinidamente ao futuro.
De acordo com Braun (2005),
as ecovilas são comunidades intencionais baseadas num modelo ecológico que
focaliza a integração das questões culturais e socioeconômicas como parte de um
processo de crescimento espiritual compartilhado. A base de sustentação das
inúmeras ecovilas e comunidades sustentáveis têm sido a visão de ecologia profunda
que é a busca do equilíbrio entre o que seja positivo no mundo de hoje, mas
considerando fundamentalmente as raízes naturais de nossa existência.
Dessa forma, na compreensão do conceito e na percepção da sua evolução, diversas
tentativas de definição do conceito de ecovila são feitas. Em todas, prevalece uma visão
comunitária, integrada, sustentável e plural. Svensson (2002, p. 10) coloca:
Ecovilas são comunidades de pessoas que se esforçam por levar uma vida em
harmonia consigo mesmas, com os outros seres e com a Terra. Seu propósito é
combinar um ambiente sócio-cultural sustentável com um estilo de vida de baixo
impacto. Enquanto nova estrutura societária, a ecovila vai além da atual dicotomia
entre assentamentos rurais e urbanos: ela representa um modelo amplamente
aplicável para o planejamento e reorganização dos assentamentos humanos no
século 21.
Na visão do GEN (2007), as ecovilas são embasadas na combinação de quatro
dimensões ou quatro fatores-chave (four keys) para confecção do “circulo de
sustentabilidade”: visão global, social/comunitária, econômica e ecológica, conforme figura
01.
Essencialmente esse arcabouço descreve as razões porque as pessoas são atraídas
freqüentemente para viver em ecovilas, já que essas organizações assumem o arquétipo de
48
assentamentos comunitários sustentáveis, tornado-se uma comunidade ecológica modelo,
além de desenvolver uma abordagem filosófica acrática, gerida por um processo de tomada
de decisões considerado profundamente democrático.
Novos paradigmas poderão
emergir da própria mudança de
postura de grupos de pessoas que
são guiadas por princípios
ecológicos, aliados à natureza
com uma troca de benefícios. Um
dos fatores que motivam o
surgimento de novos modelos ou
o aperfeiçoamento dos existentes
são as estruturas organizacionais
adotas em cada uma dessas vilas
ecológicas.
As ecovilas são
experiências que estão ocorrendo
em vários países e estão
estruturalmente amparadas nos princípios da sustentabilidade, que provém de um
relativamente longo processo histórico de reavaliação crítica de relação existente entre
sociedade civil e seu meio natural. Por se tratar de um processo contínuo e complexo,
observa-se a existência de uma extensa variedade de abordagens para explicá-lo (Van Bellen,
2005).
Destarte, faz-se mister uma análise de outras experiências na construção de ecovilas ao
redor do mundo, no intuito de perceber suas especificidades, observar seu modus vivendi e
mitigar os riscos de projetá-las aprendendo com as práticas de outrem.
Figura 01 – 4 fatores chaves no círculo de sustentabilidade Fonte: Fundação Gaia
49
2.4.2- As experiências de ecovilas ao redor do mundo
“As ecovilas se encontram na vanguarda dos projetos de sustentabilidade do mundo. O design de ecovilas reconecta as demandas locais às ofertas locais, se utiliza de tecnologia verde e enfatiza uma vida comunitária cooperativa e saudável. Esse planejamento integrado permitiu que a ecovila Findhorn reduzisse seu impacto sobre o planeta” May East 28
�
O movimento das ecovilas emergiu ao redor do mundo enquanto movimento social
organizado para o re-desenho de nossos assentamentos humanos como uma resposta ao
problema extremamente complexo de como mover o planeta em direção a uma rede de
assentamentos auto-sustentáveis. Segundo a GEN – Global Ecovillage Network – (Rede
Global de Ecovilas), estima-se que existam mais de 15.000 ecovilas espalhadas no mundo e
em torno de 30 delas estão no Brasil. As ecovilas possuem, em geral, entre 20 e 500
participantes, e são normalmente gerenciadas por um conselho responsável pela gestão
participativa e a tomada de decisões que permitam o desenvolvimento orgânico das atividades
e projetos comunitários.
As informações sobre as diversas ecovilas ao redor do Brasil e do mundo se
caracterizam pela peculiaridade de ficarem restritas aos seus núcleos, sem a preocupação de
registro dos seus dados em um modelo de racionalidade objetiva.
De acordo com a ABRA144 Aldeia Bioregional Amazônica (2007),
No que se refere a números, dados e estatísticas, não temos cifras quantitavas claras
que possam facilitar essa informação e sim uma base de dados a nível internacional
disponível no site oficial da GEN: http://www.ecovillage.org onde na verdade esses
números não refletem na totalidade do que existe realmente. Um dos motivos é
porque o sistema de cadastro é feito de uma maneira descentralizada, onde as
mesmas ecovilas se registram e colocam as informações e outro motivo é que muitas
comunidades preferem ficar no anonimato ou desconhecem a ferramenta na internet.
Então, os números exatos não existem, e nesse sentido é até preferível que fique
assim já que estamos lidando com um movimento social, que implica muitas outras
coisas que em um certo nível não são possíveis de quantificar.
28 May East é uma das diretoras da Ecovila Findhorn Foundation
50
Ainda que haja limitação em um conhecimento quantitativo profundo de todos os
assentamentos existentes, as comunidades cadastradas no GEN incluem desde grandes
organizações a pequenas ecovilas. Redes como a Sarvodaya Sharamadana, com cerca de 15
mil vilas tradicionais no Sri Lanka; Ecoyoff, que coordena a rede senegalesa e engloba 350
ecovilas,o projeto Ladakh, no planalto tibetano; ecocidades como Auroville, no sul da Índia;
pequenas ecovilas rurais, como a Gaia Asociación, na Argentina, e Huehuecoyotl, no México;
projetos de rejuvenescimento urbano como LA Eco Village de Los Angeles e Bedzed em
Londres, Ecovila Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, Forum Vauban, em Freiburg, e Ufa
Fabrik em Berlim; projetos de permacultura como Crystal Waters, na Austrália, IPEC no
cerrado Brasileiro; e centros de pesquisa e educacionais como Findhorn Foundation, na
Escócia, CAT- o renomado Centro de Tecnologia Alternativa, no País de Gales, e muitos
outros (GEN, 2007).
Destacam-se alguns exemplos que merecem menção:
� Fundação Findhorn
A Findhorn Foundation é uma das primeiras
experiências no movimento de ecovilas. Representa
uma associação sem fins lucrativos e faz parte de
uma comunidade espiritual composta de cerca de
400 pessoas, espalhada ao redor da baía de Findhorn,
ao norte da Escócia. Fundada em em 1962, a
comunidade tornou-se conhecida pelo seu trabalho
em co-criação com a Natureza.
Atualmente a Findhorn é um centro de educação
espiritual e holística que vive e trabalha em estreita
colaboração com outras organizações e indivíduos
que recebem cerca de 14000 pessoas por ano de mais
de 70 países que participam de cursos e treinamentos, como mostra a figura 02 (FINDHORN,
2007).
Figura 02 – Cursos e treinamentos na Fundação Findhorn Fonte: Findhorn
51
A Ecovila Findhorn é um laboratório de novas
relações humanas e uma aldeia ecológica em
construção, modelo de planejamento inspirado pelo
impulso da Agenda 21. Atualmente o assentamento
possui 45 construções ecológicas e com planos para
futuras expansões baseado no modelo de construção
particular, eficiente ambientalmente, com uso de
materiais naturais e não-tóxicos. O processo permite a
criação de estruturas chamadas “paredes
respiradouros” e “telhados verdes”, que criam conforto
nas moradias nos aspectos de temperatura, umidade e tratamento acústico, como apontado na
figura 03. O uso de painéis solares e turbinas eólicas permitem a geração de 750Kw,
garantindo 100% da geração da energia necessária para a comunidade (FINDHORN, 2007) –
Figuras 04 e 05.
� Sarvodaya Shramadana Sangamaya
A Ecovila Sarvodaya foi criada no Sri Lanka em 1958 pelo professor de budismo A. T.
Ariyaratna, baseada na filosofia budista. A organização tem como modelo de
desenvolvimento o respeito as etnias e a orientação a espiritualidade, e sua criação surgiu da
reunião de alguns de seus alunos coordenando acampamentos comunitários em vilas
paupérrimas de seu país (conforme figura 06). Fundamentados na prática da generosidade, os
Figura 03 – Telhados verdes Fonte: Fundação Findhorn
Figura 04 – Painéis Solares Fonte: Fundação Findhorn
Figura 05 – Turbinas eólicas Fonte: Fundação Findhorn
52
estudantes e os membros da comunidade propunham-se a trabalhar em iniciativas como a
construção de escolas, pontes e estradas, a escavação de canais de irrigação ou o
ajardinamento de certos locais. O movimento alastrou-se para mais de 15.000 vilas em 34
distritos, tornando-se a maior organização não-governamental cingalesa e a maior ecovila
presente na GEN. O nome oficial dado por Ariyaratna ao movimento expressa bem seu
significado: Sarvodaya Shramadana Sangamaya, ou “Despertando a comunidade por Meio do
Compartilhamento de Nossa Energia”. (SARVODAYA, 2007)
� LAEV – Los Angeles Eco-Village
A Ecovila de Los Angeles (LAEV) foi fundada
em 1993 em dois quarteirões da vizinhança de Bimini
com aproximadamente 11 acres, em uma área
intensamente urbanizada de Koreatown. A figura 08
demonstra a localização exata da ecovila organização na
região metropolitana de Los Angeles. Iniciou como um
projeto sem fins lucrativos da Cooperativa de projetos
de recursos e serviços, e a partir de 1993 seus
participantes empenharam-se em demonstrar a
possibilidade de criação de uma vizinhança saudável, do
ponto de vista ecológico, social e econômico.
(Intentional Communities, 2007) A estratégia é reduzir
os impactos ambientais enquanto aumentam a qualidade
de vida do seu em torno, A ecovila de Los Angeles é a
Figura 08 – Mapa LAEV na região urbana de Los Angeles Fonte: Site Los Angeles Ecovillage
Figura 09 – Residências urbanas Fonte: Site Los Angeles Ecovillage
Figura 07 – Centro da Paz Sarvodaya Fonte:Pemacultura Magazine
Figura 06 – Vilas com casebres Fonte: Sarvodaya
53
demonstração de desenvolvimento de uma comunidade
sustentável, que compartilha seus processos, estratégias
e técnicas com interessados através de visitação,
palestras, conferências e outras formas de exposição das
suas atividades. O Objetivo da Ecovila é balancear a
diversidade nas áreas de renda, etnia, gerações e
composição de moradia. Os membros da ecovila, em
conjunto com os 500 residentes nas circuvizinhança
buscam o desenvolvimento de politicas de construção
ecológicas e criação de futuras comunidades
intencionais. Atividades de criação de jardins orgânicos
entre as construções - conforme ilustração da figura 10,
oferta regulares de refeições aos vizinhos menos afortunados, incentivo à adoção de medidas
ecologicamente corretas nas moradias da região, além da promoção de eventos que
propaguem as idéias de sustentabilidade são ações efetivas dessa ecovila situada na área
urbana de Los Angeles. (LAEV, 2007).
� IPEC – Instituto de Permacultura e Ecovilas do Cerrado
O Instituto de Permacultura e Ecovilas do
Cerrado, conhecido como IPEC - é uma organização
situada em Pirenópolis, no interior goiano, criada
para desenvolver oportunidades de educação e
referências em sustentabilidade. O Ecocentro IPEC
mantém um centro de referência em que desenvolve
soluções práticas para os problemas atuais das
populações brasileiras, incluindo estratégias de
habitação ecológica, saneamento responsável,
energia renovável, segurança alimentar, cuidado com
a água e processos de educação de forma vivenciada. (IPEC, 2007)
O Instituto tem capacitado pessoas e prestado serviços comunitários para populações
rurais do Cerrado Brasileiro desde sua criação em julho de 1998, bem como cooperado
internacionalmente com organizações da África, Ásia e das Américas, principalmente nas
Figura 10 – Estudantes trabalhando nos jardins da LAEV Fonte: Site Los Angeles Ecovillage
Figura 11 – Área ocupada pela Ecovila. Fonte: IPEC
54
atividades permaculturais. De acordo com Nakasato
(2007), a permacultura é a principal ferramenta de
trabalho do IPEC, embasada na metodologia de suprir as
necessidades básicas de uma comunidade de forma
ecológica, eficiente e com baixo custo. Em outras
palavras, consiste em ocupar determinado espaço e seus
recursos naturais de maneira consciente, planejada e sem
desperdícios.
Quanto às construções, cada detalhe é profundamente planejado no Ecocentro IPEC.
Erguidas em mutirões, elas impressionam qualquer pessoa que nunca tenha visto uma casa
feita de terra. A maioria é feita de super adobe, conforme figura 12, uma técnica recente
desenvolvida na Califórnia (EUA), que usa subsolo úmido em sacos de polipropileno.
Socados, formam paredes, cuja construção é economicamente
viável, condicionando a temperatura no interior da casa de forma agradável, que tanto no
verão quanto no inverno alcança a média de 22ºC. (NAKASATO, 2007)
O sistemas de calhas para captação de chuvas, que estão presente em todas as
habitações, permitem que as telhas de cerâmica conduzam a água às cisternas de
ferrocimento, que são mais economicas para construção e manutenção. No sistema de esgotos,
existe o re-aproveitamento da água suja proveniente das cozinhas comunitárias, tanques de
lavar e chuveiros através de tratamento biológico de filtragem com plantas e exposição à ação
de bactérias para eliminação de material orgânico.
Pelas características de estudo de permacultura e criação e desenvolvimento de
técnicas eficientes, o Ecocentro IPEC é o maior centro de referência em construção natural,
permacultura e sustentabilidade da América Latina (IPEC, 2007).
Percebe-se que, tanto nas ecovilas mais desenvolvidas quanto nas de menor porte, em
cada um dos cinco continentes onde o movimento possui assentamentos, há a prevalência de
modelos empiricistas, através da prática do “aprende-se fazendo”, despreocupando-se com a
fase prévia de projeto e debate sobre os aspectos que constituem, efetivamente, esse modelo.
Na tentativa de propagar esse conhecimento, organismos como o GEN - Rede Global de
Ecovilas – incetivam fóruns, eventos e treinamentos com o intuito de proliferar as “melhores
práticas” e discutir cada uma das experiências das ecovilas na tentativa de geração de
subsídios e ferramental para o surgimento de novos projetos.
Desarte, a idéia de que em ecovilas o processo é mais importante que os resultados,
nos remete a necessidade de discutir o porquê planejar.
Figura 12 – Auto-suficiência na construção Fonte: SESC SP
55
2.4.3- Razões para planejar
'Alice - Poderia me dizer, por favor, qual é o caminho para sair daqui? Gato - Isso depende muito do lugar para onde você quer ir. Alice - Não me importa muito para onde. Gato - Nesse caso, não importa por qual caminho você vá.' Alice no País das Maravilhas 29
Diversas têm sido as estratégias de se repensar uma organização a partir das premissas
do desenvolvimento sustentável, entretanto, poucas delas têm focado um aspecto importante
no dia-a-dia das organizações: os projetos (CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DO
INSTITUTO ETHOS, 2006).
Deve-se compreender por “projeto” algo mais profundo do que meramente uma
sequência de atividades planejadas e agendadas no tempo, cujo objetivo é a entrega de um
produto qualquer ou a construção de alguma obra. Há de se entendê-los como verdadeiros
agentes de transformação em um empreendimento humano. O emprego de energia, sob suas
diversas formas – ação de pessoas, debates de idéias, recursos financeiros e materiais, com
intenção de alcançar um determinado objetivo.
Segundo Castor e Suga (1989), a discussão do binômio planejamento e ação planejada,
levanta pontos muito interessantes para que se reflita sobre a crise do planejamento, tanto no
setor privado quanto na gestão de organizações públicas. Já as ONGs (organizações não-
governamentais) e outros movimentos sociais, como as ecovilas ou não tem a prática de
planejar suas ações ou, sendo um fenômeno mais recente, vêm adotando modelos inovadores
e mais adequados ao contexto em que se localizam.
Castor e Suga (1989) destacam os itens que colaboram para a supracitada falta de êxito
do planejamento:
• Distinção entre os atores que planejam e executam, ocasionando uma
dicotomia entre “cérebro” e “mãos”, e conseqüentemente ao
descompromisso dos executores das atividades que não arquitetaram.
29 Dialogo entre Alice e o gato de Cheshire na obra “Alice no Pais das Maravilhas” escrita em 1865 por Lewis Carroll.
56
• A mitificação do planejamento como atividade de elite de técnicos
altamente qualificados, que por sua vez, são vistos como criadores de
idéias mirabolantes e de pouca aplicabilidade.
• A excessiva valorização de “formulários” e “tabelas” (que refletem a
idéia de ferramentas inócuas) a serem preenchidas constantemente, e de
modo repetitivo, sem mapeamento com a realidade dinâmica.
• O planejamento tem a fama de limitador da criatividade e do
dinamismo que são características de atividades empíricas.
• Resulta disto tudo um inevitável distanciamento entre o planejamento e
a ação, com a última sendo determinada pelo imediatismo e pela
improvisação, e o primeiro pretendendo (e fracassando
sistematicamente) prever como seria o futuro a partir das formulações
dos planejadores em seus escritórios.
Pela soma de todos esses fatores, desenvolver a prática de atividades vinculadas ao
planejamento, requer maior dispêndio de energia por parte dos atores envolvidos nas práticas,
que devem mitigar o descompasso entre o planejamento e a ação. Particularmente no caso das
ecovilas, os projetos devem ter uma maior preocupação em se questionar o quanto estão
contribuindo para a estratégia de sustentabilidade e desenvolvimento local.
Segundo a Conferência do Instituto Ethos (2006), há que se salientar que o tema de
projetos imbricado com a questão do desenvolvimento sustentável deve ser considerado como
“inovação”. Não há similar debate recentemente no campo organizacional, até onde se consta
e, portanto, é grande o desafio. A proposta de incorporar critérios de sustentabilidade na
gestão de projetos em geral e no processo de inovação baseado no desenvolvimento de novas
organizações não é nova e tampouco difícil de entender. Entretanto, sua implementação pode
ser considerada como uma ação de certa complexidade, principalmente ao se considerar a
novidade de organização como as ecovilas.
Essencialmente, os principais fatores que levam as organizações como ecovilas a optar
empor adotar a fase de projeto, segundo Matus (1996):
57
• é necessária uma mediação entre o presente e o futuro;
• é preciso ter várias alternativas quando a predição é impossível;
• é preciso reagir com rapidez e sem improvisação ante as surpresas;
• é necessária uma mediação entre o passado e o futuro (aprender com a
prática);
• é preciso uma mediação entre o conhecimento e a ação;
• é necessário coerência ante as ações parciais dos atores sociais.
Adicionalmente, é importante frisar as idéias de Maximiano (1995) que alertam sobre
a capacidade do planejamento interagir influenciando o futuro:
O processo de planejar consiste em tomar decisões antecipadamente. Certas decisões
são tomadas de imediato, assim que o problema ocorre, e seu alcance esgota-se com
a resolução desse mesmo problema. Outras decisões, ao contrário, visam definir um
objetivo ou curso de ação para o futuro. Elas são formuladas no presente, para serem
postas em prática no futuro. Não apenas serão postas em prática num futuro que
pode estar próximo ou distante, mas também têm o objetivo de influenciar esse
mesmo futuro (Maximiano, 1995, pág. 196).
Utiliza-se o modelo apontado por Zmitrowicz (2002), que demonstra a necessidade do
planejar movido por ações de melhoria constante (ciclo contínuo), através das experiências
acumuladas que retro-alimentam o processo:
O planejamento parte da realidade, da qual são tiradas as informações em função dos
objetivos estabelecidos. A partir das informações é feita a análise da situação, e
elaboradas as projeções para o futuro, através das quais são vislumbradas diversas
soluções possíveis para os problemas que estariam impedindo que os objetivos
fossem alcançados. A escolha das soluções mais adequadas é a fase seguinte, sendo
depois as mesmas implantadas, modificando a situação da realidade. Observe-se que
os objetivos constituem o ponto de apoio para todos o processo, no qual são básicas
as conexões retro-alimentares. (ZMITROWICZ, 2002, pág. 3)
58
Diante da assunção que a fase de projeto é fundamental para direcionar os objetivos do
movimento social de ecovilas, e que o planejamento é uma ação recorrente que opera na
forma de ciclos contínuos, evidencia-se o projeto para formação da Ecovila Viver Simples
através de um modelo para análise, que encerra o arcabouço teórico proposto nesse trabalho.
2.4.4- Estudo de projeto para formação da Ecovila Viver Simples em Itamonte – MG: Um Modelo para Análise.
“O estudo e a aplicação do modelo das ecovilas não é apenas para ecologistas. O modelo deve ser apresentado de forma sistematizada, em uma metodologia não linear para gerar uma massa crítica e um ponto de transição. Ecovilas podem tirar as pessoas da pobreza e gerar empregos através do senso e espírito de comunidade. Ecovilas podem restaurar em profundidade a dignidade humana.” Fritjof Capra 30
30 Fritjof Capra (Áustria, 1939 - ) é um físico teórico e escritor que desenvolve trabalho na promoção da educação ecológica.
Realidade
Informações
Implantação
Escolha das Soluções
Projeções Análises
Conexões retro-alimentares
Objetivos
Figura 13 – Processo de planejamento – ação em ciclo contínuo Fonte: Autor
59
Na primeira parte do capítulo faz-se uma breve descrição da região escolhida, onde é
apresentado somente características relevantes à compreensão do contexto, da forma e da
evolução histórica do município onde está inserido a ecovila.
Na segunda parte, descreve-se o projeto da ecovila em questão e as perspectivas de sua
inserção na comunidade partindo do ideário do desenvolvimento local, bem como seus
objetivos de auto-suficiência através da sustentabilidade.
2.4.4.1- A cidade de Itamonte e suas características relevantes ao modelo
O município de Itamonte é uma pequena cidade, com aproximadamente 12.000
habitantes, encravada na Serra da Mantiqueira, onde existe uma das nascentes de rio de maior
altitude do país (aproximadamente 2.600 metros de altitude), a do Rio Aiuruoca. Trata-se de
um dos nove municípios que compõem o conglomerado de cidades denominado “Terras Altas
da Mantiqueira”, no sul das Minas Gerais. Limita-se com os estados de São Paulo e Rio de
Janeiro, sendo servida pela Rodovia Br-354 – Rio – Caxambu, e conta com a vantagem de
estar próximo das três maiores metrópoles do país. (PREFEITURA DE ITAMONTE).
Figura 14 – Distância entre as grandes metrópoles e Itamonte Fonte: Google Earth
Figura 15 – Acessos por rodovias e ferrovias Fonte: Prefeitura de Itamonte
Figura 17 – Capela São José do Picu Fonte: Prefeitura de Itamonte
Figura 16 – Pico do Picu Fonte: Prefeitura de Itamonte
60
De acordo com a história local, localizado em uma das regiões mais altas da Serra da
Mantiqueira, o povoado de Itamonte teve início no século XVIII com a crescente penetração
das bandeiras paulistas nas terras de Minas Gerais. Por volta de 1818, com a região semi-
povoada, foi necessário construir um atalho, que ligasse a capela do Capivari ao sopé do Pico
do Picu, para facilitar a comunicação com o Rio de Janeiro. Posteriormente, foi erguida uma
capela em homenagem a São José do Picu, ficando o povoado conhecido com esse homônimo
– Figuras 16 e 17 - até o ano de 1927, quando passou-se a se chamar São José do Itamonte. A
origem de sua denominação vem de um hibridismo tupi-português, com duas prováveis
versões: pedra do monte ou montanha de pedra. Em 1938, Itamonte teve sua emancipação
Política Administrativa e durante séculos a cidade foi apenas passagem para quem tinha,
como destino, o chamado Circuito das Águas. (PREFEITURA DE ITAMONTE)
Sob a perspectiva ecológica, a cidade desfruta de uma localização privilegiada por estar
inclusa na Área de Proteção Ambiental (APA) da Serra da Mantiqueira, uma das unidade de
conservação criada pelo Decreto Federal 91.304 de 03 de junho de 1985. São 422.873 ha,
abrangendo 27 municípios em 3 estados (MG, SP e RJ) e a APA Serra da Mantiqueira ocupa
uma área montanhosa de 800 a 2900 m, conforme figuras 18 e 19..
Contudo, segundo a Secretaria Municipal de Itamonte (2007) mesmo com os apelos de
preservação ambiental da APA da Serra da Mantiqueira a região sofre com problemas de
parcelamento irregular do solo, ocupação desordenada e mau uso da terra, poluição dos
recursos hídricos, abertura e manutenção de estradas, corte ilegal de vegetação nativa (mata
ciliar) e queimada.
Figura 18 – Região da APA da Serra da Mantiqueira Fonte: Prefeitura de Itamonte
Figura 19 – Mapa tridimensional da topografia da APA Fonte: Prefeitura de Itamonte
61
Muito dessa mazelas estão vinculadas à falta de alternativa de atividades sócio-
econômicas de subsistência, principalmente na área rural de Itamonte. Ainda que o município
possua indicadores econômicos satisfatórios (PIB e PIB per capita) 31 e índices de bem-estar
da população (IDH) 32 levemente superiores a média nacional, conforme quadro V, os
habitantes da zona rural sofrem com a má distribuição de renda e a escassez de empregos
(IBGE, 2007).
Tabela I – Indicadores do Município de Itamonte.
Características geográficas Área 430,597 km² População 13.801 hab. est. 2006
Densidade 32,1 hab./km²
Altitude 933 metros Clima Tropical de altitude
Indicadores IDH Itamonte 0,792 PNUD/2000
IDH Brasil 0,789PNUD/2000
PIB Itamonte R$ 75.741.285,00 IBGE/2003
PIB per capita Itamonte R$ 5.797,27 IBGE/2003
PIB per capita Brasil R$ 8.694,00 IBGE/2003 Fonte: IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – 2007
Além das características geográficas de proximidade com os três maiores centros
urbanos do país, a região em torno de Itamonte polariza algumas vantagens para abrigar
projetos ecológicos como o movimento de ecovilas, devido ao statu quo obtido a partir da
criação da APA da Serra da Mantiqueira. Oportunidades econômicas em turismo, artesanato,
exploração florestal sustentável e permacultura; aliadas as outras atividades como o
desenvolvimento da educação ambiental, do potencial paisagístico, valorização da cultura
local através da exploração das técnicas endêmicas, potencial regional de estância hidro-
climática, potencial hídrico, biodiversidade, remanescentes florestais, zona núcleo da Reserva
31 O Produto Interno Bruto (PIB) representa a soma (em valores monetários) de todos os bens e serviços finais produzidos em uma determinada região (qual seja, países, estados, cidades), durante um período determinado (mês, trimestre, ano, etc). O PIB per capita é um indicador que ajuda a saber o grau de desenvolvimento de um país. Chega-se a ele dividindo o Produto Interno Bruto pela população (per capita vem do latim e significa "por cabeça"). (Wikipedia, 2007)
32 Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma medida comparativa de riqueza, alfabetização, educação, esperança de vida, natalidade e outros fatores para os diversos países do mundo. É uma maneira padronizada de avaliação e medida do bem-estar de uma população, especialmente bem-estar infantil (Wikipedia, 2007)
62
da Biosfera da Mata Atlântica, acabaram por atrair a atenção dos fundadores do movimento,
que buscavam uma área com semelhança ao perfil citado.
2.4.4.2 - Projeto da Ecovila Viver Simples
Na sua essência, a formação da Ecovila Viver Simples tem a intenção de reunir um
grupo de pessoas com metas e ideologias em comum, viabilizando maior integração e
convívio com a natureza seja por meio da busca da sustentabilidade ou pela tentativa de
apreendê-la e respeitá-la por meio de técnicas ecológicas e taoístas. Concomitantemente
pretende-se produzir conhecimento e disseminá-lo para a sociedade, buscando sempre uma
integração mais ativa com as comunidades circunvizinhas (INTERTAO33, 2007).
O modelo intencional discutido pelos participantes aponta algumas premissas que
determinam a orientação na fase de projeto e servem para consolidar objetivos, aspectos de
localização, organizacionais, econômicos, sociais, ecológicos e futuros planejamentos:
� Objetivos
De acordo com o INTERTAO (2007), a proposta original é transformar a ecovila em
uma estrutura completamente independente dos sistemas de produção de alimentos e energia
coletivos, com possibilidade de sobreviver a qualquer catástrofe ecológica ou social. Viver
com beleza e alta tecnologia sem ferir a natureza, aceitando essa missão como única
alternativa criativa, e real, a construção de uma nova humanidade.
Para evitar o risco de propostas utópicas ou ingenuamente românticas, o modelo
proposto persegue os objetivos:
I - Produção local e orgânica de alimentos;
II - Utilização de sistemas de energias renováveis;
III - Utilização de material de baixo impacto ambiental nas construções;
IV - Criação de esquemas de apoio social e familiar;
V - Diversidade cultural e espiritual;
33 O Intertao é um instituto sem fins lucrativos dedicado a estudar, pesquisar e ensinar a administrar as energias internas do corpo. Seus associados são praticantes de Alquimia Interna Taoista. Ely Britto, estudiosa da cultura chinesa é a fundadora e diretora deste instituto, assim como idealizadora da Ecovila Viver Simples.
63
VI - Governança circular, incluindo experiência com novos processos de tomada de decisão e
consenso;
VII - Socio-economia solidária;
VIII - Educação transdisciplinar;
IX - Saúde integral;
X - Comunicação global.
� Aspectos de localização - características espaciais da Ecovila
A Ecovila Viver Simples
localiza-se a 21 Km do município
de Itamonte e a 18 km do vilarejo
de Aiuroca na localidade conhecida
como Morro Grande. A região está
cercada pela Serras do Pouso Alto,
Papagaio e Morro do Chapéu, que
fazem parte da APA (Área de
Proteção Ambiental) da Serra da
Mantiqueira, localizadas acima de
900m de altitude e entremeadas por
rios, cachoeiras e corredeiras, além
de apresentarem remanescentes dos ecossistemas da Mata Atlântica. Características que
proporcionam comportamento climático entre 15º e 22 º com um cenário montanhoso e
atrativos naturais entre os quais a Floresta Nacional de Passa-Quatro, a Estação Ecológica do
Papagaio e, especialmente, as estâncias hidrominerais de Cambuquira, Caxambu, Baependi,
Passa-Quatro, Conceição do Rio Verde, Lambari e São Lourenço, além do Parque Nacional
de Itatiaia. A Ecovila Viver Simples é beneficiada pela privilegiada localização, a 360 km de
distância de Belo Horizonte, 295 km de São Paulo e a 205 Km do Rio de Janeiro (IBGE,
2007).
� Como organizar o ambiente
Parte-se da premissa de criar um ambiente coerente com a proposta de impedir a
degradação da natureza e distorções no estilo de vida implantado, de certa forma, pelo sistema
capitalista. Assim sendo, constatou a necessidade de criar um ambiente que disseminasse a
ECOVILA
Serra do Pouso Alto
Morro do Chapéu Serra do Papagaio
Figura 20 – Topografia da região da Ecovila Viver Simples Fonte: Google
64
filosofia de vida que prima pela consciência ambiental, desenvolvimento e aplicação
“racional” das tecnologias para a longevidade e a saúde. Atividades e filosofias de vida que
devem agir em consonância com a população local e circunvizinha.
Na composição de organização do ambiente, pretende-se construir área comum
contendo: salão de meditação, onde serão ministrados cursos de filosofia taoísta, ecologia e
das artes; salas com fins terapêuticos, para implementação de tratamentos com técnicas
naturais; centro tecnológico voltado para pesquisas e disseminação de conhecimentos e vila
para alojamento de pesquisadores. A área privada será composta por lotes, destinados a
construção da habitação familiar (INTERTAO, 2007).
�
� Uso e ocupação do solo: Propõem-se estudo prospectivo com o intuito de identificar
as formas mais adequadas de ocupação da terra, verificando a variação dos tipos do
solo, dados da vegetação, hidrografia e demais características que permitam uma
ocupação que minimize os impactos ambientais negativos. �
� Loteamento: A área destinada a Ecovila será composta de Mata Atlântica virgem,
cachoeira e nascente em terra montanhosa. Deste modo, vão ser identificadas as
melhores condições para a construção de uma área comum que comporte os
empreendimentos citados e os lotes destinados às áreas particulares. As áreas
atribuídas a cada família participante terão cerca de 5 mil a 10 mil m2, observando os
princípios adotados pelo movimento, que conferem o respeito ao ecossistema e as
regras de sustentabilidade.
� O “estilo” arquitetônico: O projeto arquitetônico adiciona as demais premissas à
utilização da mão de obra e dos conhecimentos das comunidades locais, para tanto,
será realizado um estudo prospectivo com objetivo de identificar a matéria prima
disponível na região e as técnicas construtivas locais. O projeto arquitetônico será
comum a todos, sendo permitido adequações estudadas caso a caso ficando sujeito à
aprovação do condomínio, garantindo, assim, a uniformidade estética e consonância
com o meio ambiente.
� Área comum: A área comum será destinada a uso dos condôminos e de visitantes,
respeitando as limitações estabelecidas pelos valores ecológicos do assentamento.
Considerando que dentre os objetivos da ecovila estão a pesquisa tecnológica,
disseminação de conhecimento e integração com a comunidade, essas áreas serão
65
prioritariamente destinadas a cursos e oficinas e ao desenvolvimento e apoio de
pesquisas previamente estabelecidas.
� Salão de Meditação: O projeto do salão de meditação prevê um espaço amplo e
predominantemente aberto que permitirá a realização de cursos e aulas das técnicas
taoísta, ambientais, assim como o ensino de atividades artísticas como teatro, música,
pintura, dança e outras atividades. É desejável que os condôminos estejam integrados a
essas atividades de disseminação de conhecimento, avaliados as habilidades e
interesses pessoais, onde poderão ser repassadas técnicas para a comunidade local.
� Salas terapêuticas - UTI Natural: As salas terapêuticas serão duas unidades
localizadas nas proximidades do salão de meditação. A finalidade dessas salas é
viabilizar a pesquisa e a aplicabilidade de técnicas advindas de saberes tradicionais da
cultura popular brasileira e da cultura oriental. Pode-se citar como exemplo a
fitoterapia, acupuntura, uso de ervas e outras.
� Mini-Centro Tecnológico: O Mini-centro tecnológico tem como objetivo
desenvolver estudos e pesquisas ligados às tecnologias sociais e promover o
intercâmbio entre as experiências das comunidades circunvizinhas, universidades e
pesquisadores. Será composto de estrutura mínima que permita um laboratório de
computação, para armazenamento de dados e viabilização de videoconferência,
laboratórios de experimentos e biblioteca. O detalhamento deste item vai ser realizado
posteriormente em projeto específico com o intuito de concorrer a editais de incentivos
a ciência e tecnologia.
� Vila de Pesquisadores: É o conjunto de aproximadamente três quartos e um
restaurante com o objetivo de oferecer estrutura mínima aos cursos que serão
ministrados e hospedar pesquisadores e visitantes a baixo custo.
� Aspectos econômicos - Sustentabilidade econômica
� A área comum da Ecovila será utilizada para realização de cursos nacionais e
internacionais de técnicas taoista. Esses cursos terão os fundos revertidos para a
viabilização e melhoria das áreas de uso comum da Ecovila. Sugere-se como
alternativa aos condôminos a construção de unidades de alojamento nos lotes
66
particulares criando, desta forma, uma possibilidade de geração de renda para
sustentabilidade econômica dessas áreas particulares (INTERTAO, 2007).
�
� Aspectos Sociais - Desenvolvimento local e integração com a
comunidade local
Serão realizados estudos prospectivos na região e mapeamento sócio-cultural. O
objetivo é conhecer as potencialidades e carências da comunidade circunvizinha com foco nos
saberes -patrimônio imaterial e tecnologias sociais -, e no sistema de ensino. A partir do
resultado desses estudos serão realizadas oficinas, no mini-centro tecnológico, que
possibilitem o aperfeiçoamento e o repasse dos conhecimentos identificados. Pretende-se
promover cursos com o intuito de suprir carências no sistema de ensino a partir do
voluntariado dos condôminos e demais profissionais, bem como propagar atividades
envolvendo oficinas de artes, música, teatro e demais atividades artísticas (INTERTAO,
2007).
�
� Aspectos sócio-ecológicos
Quanto aos aspectos ecológicos, verifica-se também, que para manter a biodiversidade
local (recursos de água e nascente não poluídas, e recursos florestais), será preciso fornecer
aos pequenos proprietários da circunvizinhança, remanescentes na região, meios alternativos
de subsistência para que possam permanecer donos de suas propriedades. O intuito da ecovila,
neste sentido, é utilizar conhecimentos artísticos, técnicos e científicos dos seus condôminos e
desenvolver estudos específicos para colaborar na manutenção destas populações na sua
localidade conservando a cultura, a sabedoria, as técnicas dessas sociedades tradicionais
(INTERTAO, 2007).
�
� Futuros projetos
Os contatos a serem criados, com intercambio de idéias com pensadores nacionais e
internacionais que hoje criam o futuro do conhecimento, são um dos ativos que vão permitir a
criação de parcerias com as universidades para o crescimento intelectual e científico. Assim,
pretende-se desenvolver seminários que serão realizados dentro da área da ecovila, trazendo
recursos materiais e intelectuais, inestimáveis para o progresso e desenvolvimento dos
moradores e comunidades circunvizinhas.
67
3 – MÉTODO . .
68
3 - MÉTODO
3.1 DELINEAMENTO DE PESQUISA
Nesse capítulo serão discutidos os tópicos gerais de cientificidade da metodologia,
permitindo a avaliação por parte do leitor a forma pela qual estruturou-se o trabalho.
Optou-se nessa pesquisa por utilizar abordagem qualitativa, que possibilita a
investigação de conceitos, sentimentos e motivações que antecedem ou estão presentes no
comportamento do indivíduo e na formação das representações sociais. Na visão de Vieira
(2006), outra característica da pesquisa qualitativa é que ela geralmente oferece descrições
ricas e bem fundamentadas, além de explicações sobre processos em contextos locais
identificáveis. Essas concepções estão em linha com as características encontradas no estudo
do projeto de constituição da ecovila em questão
O método adotado será o de estudo de caso único, embasado no fundamento lógico de
análise de caso representativo, caracterizado pela análise profunda dos elementos, de maneira
que permita o seu amplo e detalhado conhecimento de uma única organização. A unidade de
análise foi a Ecovila Viver Simples e sua circunvizinhança, localizada na zona rural do
município de Itamonte – MG. O estudo de caso é um estudo empírico que investiga um
fenômeno contemporâneo dentro de um contexto real de vida, quando as fronteiras entre o
fenômeno e o contexto que ele se insere não são claramente definidas (Yin, 2004).
O trabalho possui natureza exploratória, considerando a possibilidade de que a
descoberta de novas idéias ou dados, pode rever a direção da exploração ou seguir as
premissas a priori e extenuá-las antes da busca de novas informações. Indicadores a serem
fixados, poderão constituir um referencial complementar de apoio à investigação, devendo ser
relevantes o suficiente para facultar o seu monitoramento ao longo da pesquisa, tornando
possível fazer inferências de modo a contribuir com a compreensão da seqüência dos fatos
que se pretende investigar. Na maioria dos casos, conforme comenta Gil (2002), esse tipo de
pesquisa envolvem levantamento bibliográfico e entrevista com pessoas que tiveram
experiências práticas com o problema pesquisado.
A ecovila Viver Simples é formada por 10 famílias (15 adultos e 5 crianças), que
recebem a designação de fundadores, terminologia adotada para os proprietários do terreno de
150 mil m2 que constitui o assentamento. Adicionalmente, outros atores, denominados
incubados, compõem a população regular da ecovila, através de 1 família (2 adultos). O papel
desses membros é residir na ecovila e desenvolver atividades de interesse, na ausência ou
69
impossibilidade da residência in locu dos fundadores. Os moradores circunvizinhos da ecovila
que desenvolvem atividades conjuntas com o projeto também são foco desse trabalho. Foram
considerados como população de interesse, os 15 membros adultos fundadores da ecovila,
além dos moradores que tiveram algum relacionamento nas discussões de projeto. Devido ao
pequeno tamanho da organização não são usadas técnicas de amostragem, buscando-se
trabalhar com o universo de interesse. O trabalho adotou uma perspectiva longitudinal pura,
na qual o interesse esteve na averiguação dos constructos de sustentabilidade e
desenvolvimento local da ecovila Viver Simples ao longo do tempo. Essa tipologia de corte
caracteriza-se pela coleta de dados em diferentes momentos, o que permite a identificação das
transformações periódicas do fenômeno que está sendo observado (Vieira, 2006).
3.2 DEFINIÇÃO DAS CATEGORIAS ANALÍTICAS
Conforme aponta Vieira (2006), a partir da introdução das definições constitutiva e
operacional de termos ou variáveis, ocorre a entronização do rigor na avaliação das pesquisas
qualitativas. A definição constitutiva refere-se ao conceito dado por algum autor da variável
que se vai estudar, devendo emergir da fundamentação teórica estudada. A definição
operacional caracteriza-se como aquela variável será identificada, verificada ou medida,
devendo representar a operacionalização da definição constitutiva.
Os conceitos de variáveis, atribuído nesse trabalho, são os elementos constitutivos da
pergunta de pesquisa, detalhados no projeto como: sustentabilidade e desenvolvimento local.
A definição constitutiva da variável sustentabilidade consiste na modificação da
biosfera e na aplicação dos seus recursos para atender às necessidades humanas e aumentar a
sua qualidade de vida. A definição operacional especificada nesse projeto ocorre pela
manipulação de indicadores qualitativos de sustentabilidade tratados na esfera local.
A variável desenvolvimento local possui em sua definição constitutiva destaque no
debate para a busca de redução da desigualdade social e da pobreza, e deve ser interpretado de
uma forma mais ampla, e não somente como um índice de crescimento econômico. O foco na
esfera local torna-se, então, necessário para implementação de políticas solidárias, embasadas
nas peculiaridades locais, fundamentadas nas necessidades e prioridades da comunidade, e
levando em conta outros fatores culturais, ambientais e de organização social. Sua
especificação ocorre nesse projeto pela manipulação de indicadores qualitativos de
desenvolvimento local.
Quadro V – Definições das categorias analíticas Fonte: JORGE, M.Aurélio
Os atributos considerados a partir das categorias analíticas e indicadores selecionados
são complexos, e possuem potencial de verificação que permite organizá-los como aspectos
específicos de cada um dos indicadores escolhidos nesse estudo. Os atributos considerados
fundamentam-se na base teórico-empiríca utilizada pelo autor, assim como no conhecimento
obtido previamente no projeto da ecovila Viver Simples.
� Relações Sociais - Analisa a forma de contato ou interação entre os participantes
da Ecovila. Possui como atributos:
o Governança circular – Processo de tomada de decisão e resolução de
conflito.
o Inter-relacionamento comunitário – Verifica se a comunidade propicia
inter-relacionamento entre os envolvidos e simultaneamente preserva a
privacidade dos participantes
o Auto-percepção dos membros – Verificação da percepção dos conceitos
de ecovila como um assentamento sustentável e sua capacidade de gerar
desenvolvimento local, avaliado pelos membros.
o Obediências às normas – Grau de observância das normas estabelecidas
em estatuto.
� Suficiência Financeira - Analisa os negócios, com princípios ecológicos,
desenvolvidos na busca da auto-suficiência financeira da ecovila. Possui como
atributos:
o Atividades para geração de renda – Descrição das atividades de produção
que podem ser implementáveis na geração de renda, respeitando os
impactos ambientais.
o Prestação de contas – Modo em que os membros da ecovila informam o
critério de alocação dos lucros (pessoal ou coletivo) e o resultado das
atividades produtivas.
o Economia social – Formas de parcerias produtivas entre os atores locais
(membros da ecovila e circunvizinhanças) que enriqueçam a economia
local, cujo valor central seja o trabalho e não o capital-dinheiro.
72
� Utilização dos recursos naturais - Analisa a capacidade da população da ecovila
de explorar seus recursos naturais sem ameaçar, ao longo do tempo, a
integridade ecológica do meio ambiente. Possui como atributos:
o Utilização dos recursos renováveis – o aproveitamento de recursos
energéticos endógenos de elevado potencial, diminuindo as necessidades
de consumo de combustíveis fósseis e de fontes externas, minimizando
impactos sobre o meio ambiente.
o Redução, reutilização e reciclagem (3 R´s) - A “redução” minimiza a
freqüência do consumo pelo habitante da ecovila; a “reutilização” é um
método de gerenciamento de resíduos, com emprego direto do produto
no mesmo uso; a “reciclagem“ é um método de gerenciamento de
resíduos baseado no reaproveitamento do material pelo qual o produto é
composto, visando o mesmo ou um diferente uso.
o Conservação da água e tratamento ecológico dos esgotos – Verifica o uso
de técnicas de conservação e reaproveitamento da água da ecovila e o
tratamento dos esgotos sem agressão ao ecossistema.
o Produção orgânica de alimentos – Mensura a preferência ao consumo dos
alimentos orgânicos locais, produzidos na ecovila e livre de
contaminantes químicos.
� Regulação de Uso e Ocupação do solo - Analisa os impactos causados pela
criação da ecovila no espaço imaginado pelos fundadores. Possui como
atributos:
o Bio-construção das unidades – Analisa se os materiais e/ou as técnicas
utilizados na construção das casas são ecológicos e racionalizados a fim
de caracterizar a unidade de forma ecologicamente correta.
o Acessibilidade e distribuição – Verificam se os acessos e a distribuição
das unidades estão integrados ao ambiente da ecovila sem que haja
destruição ou manejo desnecessário de recursos ambientais.
o Presença de unidade de conservação (Percentual de área protegida) –
Analisa se um dos instrumentos fundamentais para a conservação e
73
preservação do ecossistema natural no qual está inserido a ecovila estão
mantidos ao longo do tempo.
� Diversidade cultural e espiritual - Analisa o uso de mecanismos endógenos nas
atividades da ecovila, além do desenvolvimento da consciência holística e
espiritual. Possui como atributos:
o Técnicas locais de manejo – Verifica a utilização de técnicas/culturas
advindas de saberes tradicionais da cultura popular brasileira nas
atividades da ecovila: construção, artesanato, culinária, etc.
o Medicina alternativa/Técnicas de meditação – Verifica o envolvimento
dos participantes da ecovila com atividades terapêuticas vinculadas à
medicina alternativa e técnicas de meditação. É desejável que os
condôminos estejam integrados a essas atividades de disseminação de
conhecimento, avaliados as habilidades e interesses pessoais, onde
poderão ser repassadas técnicas para a comunidade local. Pode-se citar
como exemplo a fitoterapia, acupuntura, uso de ervas e outras.
� Cooperação e solidariedade - Analisa o conjunto de atividades sócio-economicas
exercidas na circunvizinhança lideradas pelos agentes da ecovila, criando um
ambiente favorável ao surgimento de novos empreendimentos que gerem
ocupações produtivas de forma sustentável.
o Parcerias - Parcerias institucionais da ecovila com o Estado (poder
público).
� Inclusão Social - Analisa o conjunto de atividades lideradas pelos agentes da
ecovila que incentivam os moradores da região que são excluídos socialmente,
por algum motivo, a participar de uma sociedade que valorize todos os aspectos
e dimensões da vida (econômico, cultural, político, religioso, ambiental, etc).
Possui como atributo:
74
o Esquema de apoio social e familiar – Verifica o desenvolvimento de
núcleos/atividades liderados por agentes da ecovila com intuito de criar
apoio social e familiar à circunvizinhança.
� Qualidade de vida e felicidade dos moradores da circunvizinhança - Implica em
bem-estar físico, psíquico e social que permitem lutar pelos objetivos na busca
da felicidade. Possui como atributo:
o Percepção dos moradores da circunvizinhança sobre a presença da
ecovila – Verifica a percepção dos moradores se houve mudanças da
“qualidade de vida” com a implantação da ecovila, através da
valorização da cultura local, do intercâmbio com os moradores da
ecovila, bem como o envolvimento de toda a família em atividades que,
antes de gerar recursos materiais, gera no exercício da hospitalidade,
grande satisfação pessoal, bem como ampliação da auto-estima e
orgulho.
3.3 COLETA DE DADOS
As técnicas de coleta de dados empregadas preliminarmente foram a observação técnica
e a anotação de campo, principalmente nas discussões dos grupos criados sob a forma de
“conselhos” para tratar dos diversos assuntos constituintes do projeto: obras e projetos,
soluções, financeiro, marketing e produção. A posteriori, usaram-se entrevistas individuais e
uso de questionários estruturados, a partir da identificação dos elementos legítimos com
visões diferenciadas das possibilidades de estudo. A generalização, nessa pesquisa de natureza
qualitativa, foi feita pela teoria de fundo.
Utilizaram-se os seguintes instrumentos e técnicas (MARCONI; LAKATOS, 1982):
• ANÁLISE DOCUMENTAL: Ocorre na avaliação dos conteúdos contidos em
documentos selecionados, a partir de um roteiro, pré-estabelecido, seguido da
análise de conteúdo, complementada por leituras mais amplas, realizadas a partir de
estudos censitários e outros, como dados secundários, fazendo cortes específicos
75
para adensar inferências e interpretações qualitativas. Para tanto servirão de fonte as
atas das reuniões dos conselhos no projeto da ecovila e fotografias.
Quanto ao trabalho de campo, optou-se pelas técnicas de (MARCONI; LAKATOS;
MINAYO, 1982 e 1993):
• OBSERVAÇÃO SISTEMÁTICA: Uso de todos os sentidos para estudar o
ambiente, os comportamentos individuais e grupais, a linguagem não-verbal, a
seqüência e temporalidade dos eventos. Essencialmente, a opção pelas observações
sistemáticas e estruturadas, utilizando-se instrumentos para a coleta dos dados, teve
o intuito de verificar as categorias analíticas “sustentabilidade” e “desenvolvimento
local”, bem como a percepção da incidência dos indicadores selecionados
inicialmente. No processo, dois novos indicadores emergiram a partir da
observação: prestação de contas e obediência às normas, sendo devidamente
incluídos no trabalho, por apresentarem-se significativos para essa pesquisa.
• ENTREVISTA SEMI–ESTRUTURADA: Esse tipo de entrevista tem características
da entrevista estruturada, mas admite certa flexibilidade, em função das respostas
obtidas, visando assegurar o alcance dos objetivos da pesquisa. Nos apêndices A e
B, existem formulários que contém questões fechadas e abertas.
• ANOTAÇÕES DE CAMPO: Observações e reflexões sobre expressões verbais e
ações dos sujeitos, descrevendo-as primeiro e depois, fazendo comentários críticos;
são também realizadas observações e reflexões sobre a atuação do próprio
pesquisador. Usou-se esse recurso, principalmente na discussão das fases do projeto
da Ecovila estudada.
76
Quadro VI – Modelo conceitual adotado nessa pesquisa
Fonte: GIL, 2002, p.21
A definição do universo da pesquisa foi encerrada pelos elementos constituintes da
ecovila: fundadores e pelos moradores da circunvizinhança que possuírem envolvimento com
os projetos desenvolvidos na região.
Todos os fundadores foram submetidos ao questionário, cujo modelo encontra-se no
apêndice A, para obtenção de evidências documentais com proposição para avaliação das
questões relacionadas à sustentabilidade e ao desenvolvimento local. Quanto às entrevistas,
todos os fundadores foram contatados, inicialmente por telefone, para explicações sobre o
77
formulário e coleta dos seus endereços eletrônicos para envio dos questionários. Duas famílias
de fundadores recém trocaram suas moradias para as proximidades da ecovila em Itamonte –
MG, para melhor acompanhamento do projeto, através da presença física no assentamento, no
entanto, a grande maioria ainda reside nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas
Gerais. Devido aos problemas de distância e marcação de agenda, todos os membros
consultados preferiram receber e enviar os formulários em mídia eletrônica. Dentre os 15
formulários enviados às 10 famílias dos fundadores participantes, apenas um deles não
retornou com as respostas da pesquisa. Cabe-se ressaltar a importância da participação de
quase a totalidade dos membros fundadores da ecovila, visto que esses atores eram um dos
sujeitos da pesquisa.
O rol dos entrevistados e participantes do projeto Ecovila Viver Simples que
contribuíram com essa pesquisa:
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O segundo foco desse estudo é a população circunvizinha à Ecovila Viver Simples que
obteve algum tipo de contato ou conhecimento do projeto, ao qual pudesse testemunhar
aspectos de benfeitorias promovidas pelo assentamento. Nessa parte da pesquisa realizaram-se
entrevistas gravadas em vídeo ou áudio, utilizando como base o formulário relatado no
apêndice B desse trabalho, aplicadas em 4 pessoas: três homens e uma mulher, da
circunvizinhança:
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As anotações de campo e observação sistemática, constituinte do apêndice C desse
trabalho foram realizadas como forma de gerar maior precisão aos resultados. Houve
78
participação do pesquisador em oito reuniões em Itamonte, com a presença de quase todos os
envolvidos, ao longo de 2 anos e meio de pesquisa.
Uma questão que merece nota é o relacionamento desenvolvido pelo pesquisador com
os membros da Viver Simples antes e durante toda a investigação, que propiciou a obtenção
de minúcias e detalhes a partir dessa fonte complementar de dados do trabalho.
Segundo Vieira (2006), o uso de triangulação, no intuito de diminuir os vieses dos
pesquisadores e explicitação das explicações alternativas ou rivais - que pode justificar
diferença entre os resultados encontrados e os esperados - garante a qualidade dos requisitos:
validade interna, credibilidade e autenticidade, sendo observados na coleta de dados.
Quanto a confiabilidade, que refere-se à consistência da pesquisa, estabeleceu-se
conexão entre os constructos teóricos, o método e o resultado (VIEIRA, 2006).
Com relação aos aspectos de validade externa, que dizem respeito ao fato das
conclusões poderem ser generalizadas, buscou-se realizá-las com cuidado e critério, sabendo
que se trata de estudo de caso único. Essa característica, certamente, exigiu o uso de teoria de
fundo consistente, conforme apontado por Vieira (2006).
Por fim, porém não menos importante, atentou-se para o aspecto da utilização, que
refere-se à importância pragmática da pesquisa efetuada, como por exemplo a utilidade desse
estudo para implementação de futuras ecovilas, - desde que respeitadas as limitações
apresentadas no item 1.4 desse trabalho - além dos aspectos discutidos para desenvolver e
inter-relacionar comunidades vizinhas.
3.4 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DE DADOS
Os dados foram analisados da forma interpretativa, com transcrição baseada na análise
e categorização dos dados das entrevistas.
Segundo Gil (2002), como o estudo de caso vale-se de procedimentos de coleta de
dados os mais variados, o processo de análise e interpretação pode, naturalmente, envolver
diferentes modelos de análise. Todavia, é natural admitir que a análise dos dados seja de
natureza, predominantemente, qualitativa.
A análise dos dados teve como objetivo organizar e sumariar os dados de forma tal que
possibilitem o fornecimento de respostas ao problema proposto para a investigação; e a
interpretação tem como objetivo a procura do sentido mais amplo das respostas, o que é feito
mediante sua ligação a outros conhecimentos anteriormente obtidos.
79
A análise de conteúdo, visa a obtenção de indicadores qualitativos, que permitam a
inferência (indução a partir dos fatos) de conhecimentos relativos à produção/recepção das
mensagens; e, para tal, somente será possível a inferência se o pesquisador possuir amplo
campo de clareza teórica e domínio dos conceitos básicos das teorias que fundamentam o
estudo. Tal motivo incentivou o autor a dedicar-se no capitulo referente à fundamentação
teórica, por acreditar que o arcabouço teórico do trabalho tem função primordial nas
justificativas das informações obtidas.
Dessarte, os indicadores selecionados, e informados no item anterior desse trabalho,
geram uma massa crítica de dados, colhidos a partir do trabalho de campo através de
diferentes fontes primárias e secundárias. Fez-se mister, que o pesquisador verificasse se a
forma como as variáveis de estudo foram selecionadas contribuíram para responder ou não ao
problema formulado.
Há de se atentar que, segundo comenta Alves Mazotti (1998), pesquisas qualitativas
tipicamente geram um enorme volume de dados, que precisam ser organizados e
compreendidos. Esse é um processo complexo, não-linear, que implicou em trabalho de
redução, organização e interpretação dos dados, que se iniciou já na fase exploratória e
acompanhou toda a investigação. Logo, o pesquisador realizou, nesse trabalho:
1 – Codificação das informações obtidas a partir das respostas ao questionário, com
intuito de permitir a identificação das categorias, indicadores e seus atributos.
2 – Recuperação e catalogo dos dados obtidos a partir do processo de observação e
anotações de campo.
3 – Registro da ocorrência de dados de cada uma das categorias, indicadores e atributos,
em cada uma das entrevistas.
4 – Após todas as codificações, os dados foram revisados para conferir a ocorrência de
atributos que ocorreram em cada um dos indicadores das duas categorias propostas:
sustentabilidadade e desenvolvimento local e embasados no arcabouço teórico advindo da
fundamentação teórica.
5 – Ao término do processo de análise de dados, as informações estavam agrupadas com
base nas categorias/indicadores/atributos permitindo uma compreensão global do tema.
80
4 – RESULTADOS E DISCUSSÃO
81
4 – RESULTADOS E DISCUSSÃO
Esse é o capitulo que trata da aplicação prática da pesquisa, onde são apresentados os
resultados da coleta de dados referentes à descrição e análise das fases do projeto, bem como
os indicadores que determinam os graus e atributos de sustentabilidade e desenvolvimento
local, que são possíveis mensurar na fase de planejamento. A auto-percepção dos
participantes dos conceitos pesquisados e a comparação com o arcabouço teórico, merece
destaque nesse tópico. A obtenção dos resultados, através da metodologia comentada
anteriormente, é apresentada seguida de breve discussão sobre as aplicações desta pesquisa.
4.1. – FASE I - 2006: A CONCEPÇÃO.
“Confesso que não tenho uma resposta definida. Penso que temos que investigar que forma, se condomínio, associação, etc, que facilite nossa forma de viver em grupo, tornando viável nossa permanência e sustentabilidade na Ecovila “ Lucia Silveira – fundadora da Ecovila
As primeiras impressões coletadas sobre esse projeto ocorreram há cinco anos atrás,
quando um grupo de estudiosos e praticantes de uma técnica terapêutica milenar exercida na
medicina chinesa, conhecida como alquimia interna taoísta, perceberam o potencial de criação
de um ambiente em sintonia com os ensinamentos da doutrina. Concebia-se, nesse momento,
o projeto de um assentamento com as características de uma ecovila, cujos alicerces deveriam
estar apoiados em uma consciência ambiental e filosofia de vida, que valorizava a
longevidade e saúde dos praticantes, através dos preceitos da sustentabilidade, e que não se
furtaria a promover essa prática à população local e circunvizinha. Tal concepção atendia aos
conceitos propagados por Gilman (1991), Svensson (2002) e Braun (2005), presentes no
arcabouço teórico deste trabalho, orientando as perspectivas de vida em uma ecovila.
Em 9 de Janeiro de 2006, após intensas tentativas de obtenção de um espaço adequado,
que pudesse reunir as características necessárias as expectativas dos fundadores quanto aos
atributos sociais, econômicos e ecológicos, optou-se por aquisição de uma área de 15 hectares
na região de Itamonte, no estado de Minas Gerais. A oportunidade de aquisição de uma terra
82
viável economicamente pelo grupo, e que possuía recursos naturais abundantes foi
incentivada pela preocupação sócio-cultural de desenvolver uma localidade que sofria a
mazela do fechamento de uma fábrica de laticínios italiana situada na região. Os pequenos
proprietários rurais, quase todos produtores de leite, sentiam as condições precárias de
sobrevivência a partir da queda de preços e ausência de comprador do seu produto, e
relegados à própria sorte acabavam por negociar suas posses ao agente especulador
imobiliário. A re-inserção do contingente de produtores rurais no mercado de trabalho como
empregados ou caseiros dos compradores de suas terras, criava um ciclo vicioso nocivo para a
população local e para a economia da região.
Uma das formas de romper esse paradigma, segundo Coelho (1995), seria a promoção
de uma reorganização que permita a acumulação local dos pequenos empreendimentos e do
associativismo, promovendo a reestruturação econômica que possa potencializar
desenvolvimento socioeconômico ao aproveitar a mobilização dos recursos humanos e
financeiros locais.
No contexto das bases lançadas por Coelho (1995), os participantes do projeto da
Ecovila Viver Simples, queriam averiguar se a presença de uma organização nos moldes de
uma ecovila poderia ser perceptível pela população local e trazer desenvolvimento, dentro da
premissa de sustentabilidade almejada.
Figura 21 – Mata Atlântica com araucárias (espécie endêmica da região). Fonte: JORGE, M. Aurélio, 2006.
Figura 22 – Recursos naturais no assentamento – rios e cachoeiras Fonte: JORGE, M. Aurélio, 2006.
83
4.1.1 – A natureza jurídica do assentamento Na tentativa de estabelecer uma organização que atendesse as características, a priori,
idealizadas pelos membros: autogestão, organização sem finalidade lucrativa, mas que
permitisse aos participantes resguardar os investimentos a serem realizados na confecção
desse empreendimento, a ecovila foi constituída como um condomínio civil. A lei básica que
regula o condomínio é a Lei 4.591, de 16 de dezembro de 1964, existindo também
regulamentação na Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002 (Novo Código Civil) e na Lei 8.245
(Lei do Inquilinato), de 18 de outubro de 1991.
Nas diversas discussões realizadas nos primeiros meses de 2006 de abordagem desse
assunto, a percepção de que um condomínio expressaria a idéia, em sentido técnico, do direito
exercido por mais de uma pessoa sobre o mesmo objeto do ponto de vista legal atendia as
expectativas dos membros. Ademais, a vantagem de garantir o direito exercido pelas pessoas
sobre suas unidades privativas e sobre as dependências de uso comum de edificação
construída sob a forma de condomínio mostrou-se assertivo juridicamente.
Propôs-se uma categorização dos membros dentro de uma classificação de
condôminos. Os Condôminos Fundadores são aqueles que participaram da compra e
unificação das terras escrituradas além de responsáveis pela criação do condomínio Ecovila
Viver Simples, sendo conferida a posse/propriedade de suas casas, benfeitorias particulares e
parte proporcional da terra unificada. Os Condôminos Locatários ou Incubados são aqueles
que, mediante alguma contrapartida, residem temporariamente no Condomínio e usufruem de
suas instalações sob a responsabilidade do Condômino Fundador que lhe ceder sua unidade.
São considerados Condôminos Visitantes ou Convidados os amigos dos fundadores e
simpatizantes da Ecovila Viver Simples que se associem, visitem ou usufruam das instalações
do condomínio a titulo gracioso, sem titularidade especifica.
No tocante a administração do assentamento, o objetivo de propagar a autogestão, foi
decidido unanimemente pelos fundadores, com rodízio dos participantes na figura de líder,
conforme a constituição de um mecanismo coletivo no modelo de assembléia. Esse modelo
vai ao encontro das prerrogativas discriminadas, conforme comenta Singer (2002), nos
princípios organizativos de assentamentos como cooperativas de produção e ecovilas.
Quanto ao mecanismo que trata da finalidade lucrativa, a opção pelo instrumento legal
de associação civil (comumente chamadas de “Instituto”), evidencia a ecovila como pessoa
jurídica sem fins lucrativos, constituída por uma ou mais pessoas (chamadas “associados”)
que compartilham de determinado objetivo comum. Esses objetivos foram assinalados pelos
84
membros como de interesse público e privado (que interessariam apenas aos associados), com
a consciência de que as associações civis são reguladas pelo Código Civil, e que podem sofrer
auditoria pelo Ministério Público, em caso de evidências de ilegalidades na sua administração.
Pari passu, iniciou-se um debate entre os participantes sobre a possibilidade de
formação de uma OSCIP - Organização da Sociedade Civil de Interesse Público34, no âmago
da ecovila, aproveitando o fato das “Associações Civis”, que atendam ao interesse público
poderem pleitear tal titulação, recebendo verbas públicas para operar seus projetos.
Dado que o projeto da ecovila é de uma entidade pequena, os estudos realizados pelos
membros do conselho jurídico apontaram a combinação associação civil + OSCIP mais
adequada aos seus propósitos, sobretudo quanto as facilidades dos aspectos tributários. Em
agosto de 2006, o conselho jurídico apresentou aos participantes as benesses desse
instrumento: As entidades sem fins lucrativos, dedicadas a atividades de educação e
assistência social são imunes a impostos sobre patrimônio, renda e serviços, nos termos do
artigo 150 da Constituição Federal. Para tal a ecovila deveria cumprir com os requisitos do
artigo 14 do Código Tributário Nacional, quais sejam:
I – não distribuír qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer
título;
II - aplicar integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos
institucionais;
III - manter escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de
formalidades capazes de assegurar sua exatidão.
A imunidade constitucional incluiria o Imposto de Renda – IR, o Imposto sobre
Serviços – ISS, o IPTU e outros impostos como o IPVA e o IOF.
Percebeu-se, então, a necessidade de debate sobre a criação de uma ecovila que
abrigasse uma OSCIP. A Ecovila Viver Simples, sem fins lucrativos, poderia fazer constar
entre os objetivos, as áreas de educação e assistência social, mesmo que em conjunto com
outras áreas, como meio ambiente, por exemplo. O conselho jurídico apresentou, ainda, a
recomendação de que os associados e conselheiros não obtenham remuneração ou qualquer
outro benefício material para exercer cargos nessa estrutura, como demonstração de prática
alinhada as exigências de organizações públicas. Esse assunto fomentou discussões mais
abrangentes para que no futuro trate-se um código robusto para questões administrativas da
ecovila e da OSCIP.
34 Maiores informações sobre OSCIP estão descritas no item 4.3.6.1 desse trabalho.
85
Adicionalmente, alguns aspectos jurídicos permanecem inconclusivos no projeto,
como questões de herança e repasse das cotas, no caso de desistência dos condôminos
fundadores. Tais aspectos serão fruto de consultas específicas à luz da legislação competente,
oportunamente.
4.2 – FASE II – PRIMEIRA METADE DE 2007: ORGANIZAÇÃO E CONSULTORIA.
“Acredito que devemos estabelecer cargos e funções para todos que irão participar do projeto. Estes cargos e funções podem sofrer um rodízio. Somente assim poderemos atuar socialmente, já que este tipo de atividade não é visando lucro.” Nahima Neto – fundadora da Ecovila
4.2.1 – Organograma para dividir tarefas
Em função da complexidade dos temas a serem tratados e da inclinação e habilidade
dos membros do projeto, em fevereiro de 2007, o grupo optou por montar um organograma
com divisão de tarefas. A proposta seria das discussões ficarem restritas aos grupos que
teriam maior autonomia e competência para manejar determinados temas.
Figura 23 – Organograma Ecovila Viver Simples Fonte: JORGE, M.Aurelio, 2006.
86
� Conselho de Administração Geral
(sub-dividido em: Jurídico e Recursos Humanos)
O Conselho de Administração Geral é imperativamente informado de toda e qualquer
medida considerada pelos outros Conselhos e com eles deliberar a linha de ação, gerenciando
as interconexões, marcando Assembléias Gerais por iniciativa própria ou a pedido de
condôminos que apresentem causas que julgue legitimas e organizando os trabalhos decididos
pelos referidos Conselhos. Este Conselho compreende subdivisões que devem gerenciar
assuntos Jurídicos e relacionados aos Recursos Humanos.
� Conselho Financeiro
(sub-dividido em: Gestão financeira e Compras -Planejamento Financeiro)
Compete ao Conselho Financeiro:
• Determinar o valor das cotas do condomínio, acompanhar a compra e
venda dessas cotas em caso de desistência de algum membro;
• Administrar o recebimento de valores relativos a área comum da Ecovila e
hospedagens e repassá-los a quem de direito;
• Gerir os recursos financeiros da área comum da Ecovila mediante a
assinatura de dois de seus membros;
• Prestar contas de toda sua gerencia periodicamente, em assembléias a
serem marcadas pelo Conselho de Administração Geral;
• Fazer todas as compras da Ecovila – manter todos os setores supridos com
os materiais e ferramentas necessárias ao seu bom funcionamento;
• Fiscalizar a necessidade dessas compras;
• Fazer orçamentos e cotações desses materiais, negociar prazos e formas de
pagamento;
• Tratar da compra de bens, ferramentas, maquinários, veículos, etc;
• Gerenciar os aspectos jurídico-contábeis dos recursos humanos (contratar,
efetuar pagamentos, verificar a documentação dos funcionários, pagamento
87
impostos e tributos, documentação frente a órgãos públicos e
contabilidade)
� Conselho de Obras e Projetos
(sub-dividido em: Urbanismo e Arquitetura – Coordenação de Obras e
Implantação – Novos Projetos)
Compete ao Conselho de Obras e Projetos:
• Contratar e descontratar profissionais autônomos (não funcionários) como
Arquitetos, Construtores, Marceneiros, Pedreiros e todas as funções requeridas
na implementação de uma obra;
• Fazer orçamentos e enviar para a aprovação do Conselho Financeiro;
• Desenvolver novos projetos, orçá-los e contratar os profissionais para sua
implementação;
• Acompanhar a implantação das obras e monitorar seus funcionários e
profissionais autônomos;
• Aprovar plantas de construção e decoração de projetos da área comum e de
moradores, vendo se estão de acordo com as normas de construção;
• Fiscalizar obras e reformas quanto às normas estabelecidas de construção.
� Conselho de Soluções
(sub-dividido em: Consultoria Técnica – Novas Idéias)
Compete ao Conselho de Soluções:
• Resolver qualquer dificuldade técnica dos outros conselhos e da manutenção
do condomínio, pesquisando, encontrando os profissionais habilitados a
solucionar o problema;
• Buscar alternativas criativas para a auto-suficiência da Ecovila;
• Buscar alternativas de energia livre e limpa;
88
• Implementar idéias criativas de qualquer conselho e buscar soluções para essa
implementação;
• Pesquisar idéias novas e novas tecnologias aplicadas em outras organizações
afins, e analisar seu custo de implementação;
• Atender as solicitações de pesquisa e solução de problemas requeridas por
outros Conselhos;
• Receber recursos dos condôminos que tiverem motivos válidos para contestar
decisões dos demais Conselhos - estes deverão apresentar suas observações por
escrito e aguardar a resposta do Conselho de Soluções, após a qual poderão
solicitar a convocação de uma Assembléia Geral Extraordinária junto ao
Conselho de Administração Geral.
�
� Conselho de Marketing
(Sub- dividido em: Organização de Eventos – Comunicação – Relações Exteriores
– Comercial)
Compete ao Conselho de Marketing:
• Criar, orçar e produzir qualquer tipo de evento que contribua à viabilidade
econômica da Ecovila;
• Contratar designers, criar, orçar e aprovar qualquer material de divulgação do
Condomínio e de seus eventos;
• Estabelecer contatos internacionais para promover a Ecovila e seus eventos;
• Administrar os aspectos comerciais e proventos relativos a qualquer produto ou
material vendido durante os eventos;
• Coordenar a realização dos eventos, inclusive aspectos tais como divulgação,
transporte, parcerias, material impresso e outros.
� � Conselho de Produção
(Sub-dividido em: Gestão de alimentos - Gestão de Recursos Naturais)
Compete ao Conselho de Produção:
89
• Determinar o ciclo de alimentos, as plantas amigas, o que e onde plantar
visando sustentabilidade e auto-suficiência, o local de plantio segundo a
permacultura, o tempo de maturação e necessidade de replante;
• Dispor sobre as normas de armazenamento de sementes e produtos, cuidar da
compostagem, húmus, minhocário e outros meios naturais de combater pragas
e fertilizar o solo;
• Determinar os grupos de trabalho de plantio, cuidados e colheita;
• Cuidar da criação dos animais provedores das proteínas na alimentação (leite,
manteiga, lã, ovos, óleo, etc);
• Estabelecer um menu variável levando em conta o sabor e o valor nutricional
aproveitando da melhor forma os produtos plantados na Ecovila;
• Ministrar cursos sobre dietas e culinária saudável;
• Elaborar novas receitas e preparar os alimentos usando apenas produtos
plantados localmente;
• Administrar a Cozinha e o treinamento de pessoal da cozinha, o controle
sanitário e de qualidade, o uso de uniformes, o inventario de utensílios e
alimentos, a reciclagem das sobras e do lixo orgânico;
• Coordenar a jardinagem e planejar o plantio de ervas finas e medicinais, bem
como os jardins de legumes;
• Acompanhar o projeto paisagístico e sua manutenção.
�A concepção de dividir discussões e tarefas para planejamento e execução por grupos
capacitados, baseados nas habilidades de cada um, permitiu um dinamismo nas atividades do
projeto, e foi fundamental para o sucesso do planejamento. Devido a ausência de literatura
que considere projetos imbricados com questões de sustentabilidade e desenvolvimento,
armar uma estrutura organizacional para conteplar esses fatores, implicaria em uma ação de
certa complexidade principalmente ao se considerar a novidade de organização como as
ecovilas, conforme afirma a Conferência do Instituto Ethos (2006).
� 4.2.2 – Consultoria em Design Permacultural
O conselho de Administração Geral, frente ao entendimento de que a proposta de
alcance da sustentabilidade necessitava de orientação técnica, propôs aos membros a
90
contratação de consultoria para auxílio nos diversos temas tratados pelos conselhos criados. A
proposta foi aceita em março de 2007 e os custos rateados entre os participantes. Um grupo
composto por três engenheiros agrônomos com experiência em design permacultural35 foi
escolhido e gerou uma avaliação de projeto arquitetônico do ponto de vista da implantação da
auto-sustentabilidade de água e energia e de impacto ambiental.
Durante a reunião entre os membros da ecovila e os técnicos, acordou-se como escopo
da consultoria um conjunto de objetivos, que deveriam nortear o estudo e gerar soluções
factíveis financeiramente. Os fatores deveriam estar de acordo, com as quatro dimensões ou
quatro fatores-chave (four keys) para confecção do “circulo de sustentabilidade”: visão
global, social/comunitária, econômica e ecológica, preconizados pelo GEN (2007).
Os consultores “Meninos da Terra” iniciaram sua análise com as premissas de criar:
1. Estudo da diversidade de recursos e elementos naturais disponíveis e possíveis
de serem utilizados para a construção da Ecovila, subdivididos em Águas,
Energias, Habitações e Produção de Alimentos – Em linha com o fator-chave
ecológico (GEN 2007)
2. Estudo dos conhecimentos tradicionais locais e suas técnicas construtivas
intuitivas desenvolvidas ao longo de sua interação com o ambiente – Em linha
com o fator-chave social/comunitário. (GEN 2007)
3. Avaliação de um projeto urbanístico e sua condição de execução baseado em
conceitos permaculturais. – Em linha com os fatores-chave ecológicos e
econômicos. (GEN 2007)
4. Avaliação dos projetos arquitetônicos do núcleo comunitário face às condições
climáticas, topográficas e de disponibilidade de recursos naturais locais. – Em
linha com os fatores-chave social e ecológico. (GEN 2007)
5. Apontar possibilidades para uma readequação da implantação, buscando
minimizar os custos de sua realização; e mais, a busca de novas soluções para
uma implantação mais eficiente, utilizando os recursos naturais, bem como os
conhecimentos tradicionais locais disponíveis. – Em linha com os fatores-
chave ecológicos, econômicos e de visão global. (GEN 2007)
35 O design permacultural envolve o planejamento, a implantação e a manutenção conscientes de ecossistemas produtivos que tenham a diversidade, a estabilidade e a resistência dos ecossistemas naturais (FUNDAÇÂO GAIA, 2006).
91
Após alguns dias de acampamento no local, os primeiros levantamentos acusavam que
algumas reivindicações e planejamentos inicias dos membros, como disposição das
residências e de algumas estruturas de alvenaria, como o templo, poderiam causar danos
ambientais no curto e médio prazo. Além disso, outra área outrora imaginada como destinada
a OSCIP estaria em área de mata nativa, inviabilizando seu aproveitamento.
A proposta dos consultores foi dividir o terreno em três núcleos principais delimitados
pela presença dos córregos e topografia local, e alertar aos membros as 30 principais
observações obtidas do trabalho de campo:
Figura 24 – Mapa topográfico da Ecovila Viver Simples Fonte: Ecovila Viver Simples, 2006.
Núcleo Oeste (à esquerda do mapa):
1. Grandes áreas desmatadas com aclives superiores a 45 graus, acarretando um
alto custo ligado a fundações para construções desse gênero. Sugere-se a
redução da densidade habitacional, re-alocando as habitações dos aderentes,
ficando apenas as moradias dos fundadores da ecovila;
92
2. Questionamento para um comparativo entre a ocupação adensada dessa área e
todos os investimentos ligados a essa ocupação (infra-estrutura, terraplenagem,
vias de acesso) e a possibilidade de anexar uma nova gleba de terras
localizadas atrás do templo, onde os custos com infra-estrutura seriam bastante
reduzidos;
3. Constatada a fragilidade do acesso existente e a necessidade de ações
preventivas para evitar maiores danos ambientais;
4. Foi estudada a possibilidade de transferência do templo para essa região,
porém descartado posteriormente por não estar de acordo com sua premissa de
implantação, a de estar voltado para o Cruzeiro do Sul;
5. Questionada a implantação da sede da OSCIP na área de mata nativa em
processo de recuperação;
6. Dificuldade de armazenamento de água em áreas íngremes;
7. Dificuldade em reaproveitamento de águas pós uso, devido à proximidade das
casas dos aderentes;
8. Deficiência de insolação no período da tarde, agravado nas áreas de maior
inclinação, acarretando habitações com maior propensão a umidade;
9. Constatada a possibilidade de problemas de convivência social entre os
aderentes desse local devido ao adensamento proposto;
10. Baixa diversidade de materiais e dificuldade de uso dos mesmos, devido à
inclinação do terreno e a conseqüente dificuldade em realização de cortes para
o uso da terra local;
11. Área voltada para leste, oferecendo assim um alto potencial de implantação de
apiário para geração de renda aos moradores;
12. Com a diminuição do número de habitações e conseqüentemente o de
habitantes, a implantação de um apiário nesse local se torna realmente possível,
se um projeto de reflorestamento aconteça em conjunto;
Núcleo Leste (à direita do mapa):
13. Grandes áreas desmatadas com declividade superior a 45 graus, acarretando
um alto custo ligado a fundações para construções desse gênero;
14. Dificuldade de armazenamento de água em áreas íngremes;
93
15. Dificuldade em reaproveitamento de águas pós-uso devido à proximidade das
casas dos aderentes;
16. Comparação dos custos gerados pelos investimentos necessários para efetuar
uma ocupação adensada desta área (infra-estrutura, terraplenagem, vias de
acesso) versus a possibilidade de anexar uma nova gleba que absorva todos os
aderentes (em área elevada atrás do templo): a segunda opção apresenta menor
custo para implantação por já possuir acesso, topografia favorável, e áreas já
desmatadas, favorece o sinergismo entre os elementos construídos, oferece
condições climáticas mais favoráveis, e o agrupamento das construções dos
aderentes em área separada e juridicamente distinta da ecovila;
17. Deficiência de insolação no período da manhã, agravado pelo futuro
reflorestamento nas áreas de maior inclinação, acarretando habitações com
menor temperatura interna;
18. Alta incidência de sol nas tardes de verão, com possibilidades de adequação
com o uso de plantas trepadeiras (parreiras) ou estruturas que cumpram essa
função, tornando a temperatura interna das casas mais agradável;
19. Menor oferta de água devido à captação em riacho de menor volume;
20. Bom acesso através da estrada principal da ecovila;
21. Apresentam materiais diversos (pedra, terra, eucalipto) para o uso nas
construções, minimizando os custos;
22. Apresentam jazidas de cal e barro, materiais a serem utilizados nas obras;
23. Existência de taludes desmatados e com inclinações próximas a 60 graus,
apresentando alto risco de desmoronamento e erosões.
Núcleo Central:
24. A alta densidade de ocupação proposta deste espaço, juntamente com a
proximidade ao encontro dos riachos e do relevo descontínuo acarreta um alto
grau de dificuldade na gestão das águas utilizadas;
25. Apresentação de materiais para construção em abundancia, principalmente
pedras para as fundações;
26. Área extremamente fria e úmida, condição que requer um design especifico das
habitações nesta situação;
94
27. Reúne baixa declividade e solo com alta concentração de rochas, delimitantes
ligados ao manejo da água e suas redes subterrâneas;
28. Necessidade de readequação da implantação, a fim de evitar a construção de
parte do núcleo comunitário sobre o leito da nascente existente;
29. Possibilidade de utilização das toras de araucárias existentes tombadas,
localizadas próximas ao bosque das pedras sagradas;
30. Verificar a real necessidade de travessia do bosque das pedras sagradas com
vias de acesso, trazendo um fluxo inconveniente de pessoas para aquele lugar;
Em julho de 2007, de posse de resultados e instruções colhidas pela consultoria os
membros da ecovila iniciam a fase III do projeto, com a proposta de criação de um
planejamento aderente às fases anteriores, pela intensificação das discussões sobre as ações e
tarefas propostas, bem como a viabilização destas.
4.3 – FASE III – A PARTIR DA SEGUNDA METADE DE 2007: PLANEJAMENTO, DISCUSSÃO E EXECUÇÃO PARA ALCANCE DA SUSTENTABILIDADE E DESENVOLVIMENTO LOCAL.
“Teremos que substituir o conceito de lucratividade por sustentabilidade, desenvolvendo atividades que garantam uma vida simples, abandonando o padrão consumista moderno. “ Olavo Guerra – fundador da Ecovila
4.3.1 – A ecovila e a dimensão social, seus indicadores e atributos
Para atestar a dimensão social da sustentabilidade no projeto da Ecovila Viver
Simples, mensurou-se uma de suas faces: o indicador de RELAÇÕES SOCIAIS.
Em todos os atributos derivados desse indicador que foram estudados, pode-se
verificar que as opiniões apontaram uma preocupação excessiva com aspectos envolvendo o
trato entre os participantes, principalmente com o respeito às individualidades dentro de uma
comunidade que preza a coletividade. Uma característica marcante das respostas ao
formulário foi a discussão que criava regras, em certos pontos severas, que previam punições
por comportamento destoante com a proposta da ecovila. Ambos aspectos,
95
surpreendentemente mostraram-se destoantes, na essência, da fundamentação teórica que trata
manejam esses assuntos.
Nas observações sistemáticas nas reuniões, constantes alertas sobre a importância de
criar e manter um relacionamento saudável com a vizinhança mostrava os esforços
necessários para inserir a ecovila na comunidade, sem artificialismos. Segundo os
entrevistados, a ecovila não podia ser um assentamento com aspectos de “corpo estranho” na
região, sendo rechaçada pela circunvizinhança, caso houvesse negativa no relacionamento
social entre os atores – membros e população local. A ecovila pleiteava sua aceitação e
inclusão na vida da localidade como agente ativo de transformações, e a forma assertiva de
implementar tais ações era desempenhar as RELAÇÕES SOCIAIS da forma mais receptiva e
agradável entre os envolvidos.
No que tange a dimensão social, uma das limitações desse trabalho é tratar somente os
assuntos relacionados ao relacionamento social intra-ecovila. Optou-se por basear a percepção
de inclusão social por parte da comunidade vizinha, na seção referida a desenvolvimento
local.
4.3.1.1 – Governança circular
Segundo May East (2006), o poder tem um preço alto para quem o detém, visto que
está intimamente relacionado com a idéia de dominação. O poder funciona como uma camisa
de força, criando cenários que imperam a inflexibilidade, a restrição de movimentos e o
estreitamento da criatividade e da visão holística. Cientes das relações de poder estabelecidas
nas organizações atuais, onde há prevalência da burocracia e da hierarquia, os participantes da
ecovila planejam romper com o statu quo na gestão do assentamento Viver Simples.
Os dados coletados a partir do formulário apontam que, para os envolvidos no projeto
da Viver Simples um dos principais fatores que levam a exercitar a experiência em ecovilas
dizem respeito ao emprego do poder e ação através de liderança circular. Para tal, o grande
desafio das relações na comunidade é fortalecer os grupos de trabalho, por meio de uma
política de gestão por colegiado (dos Conselhos), com rotatividade no exercício de tomada de
decisão, numa tentativa de governança coletiva.
Para criar mecanismos, que incentivem uma participação mais livre dos atores
envolvidos nos processos de liderança e resolução de conflito, a Ecovila Viver simples optou
pela criação de um fórum democrático de discussão no formato de assembléias. Essas
reuniões diferem das chamadas assembléias gerais ordinárias, que ocorrem em prazos
96
trimestrais e possuem, essencialmente, a responsabilidade de tratar de assuntos
administrativos propostos pelos conselhos. Os fóruns democráticos criados pela Viver
Simples estariam embasados nas práticas previstas pela Agenda 21, segundo Krzyzanowski
(2005), que promovem o desenvolvimento institucional e o fortalecimento da capacidade de
planejamento e gestão democrática do local.
No que tange ao processo de votação nas assembléias, cada fundador possui o poder
de voto igualitário, e basta a maioria simples, ou seja, a aprovação de mais da metade dos
fundadores presentes, para decisão das proposições.
Contudo, alguns aspectos demonstram que a proposta de governança circular ainda
apresenta limitação, uma vez que as votações dos temas de interesse do assentamento ficam
restritas aos fundadores. Um dos atores fundamentais na estrutura da Ecovila Viver simples,
os incubados não detêm poder de voto, ainda que convidados a participar das assembléias. No
caso de eventuais sugestões ou queixas, os incubados devem propor suas considerações aos
Conselhos competentes, ou em assembléias ordinárias ou extraordinárias em se tratando de
matérias estranhas à competência dos Conselhos. Tal mecanismo indica que avanços podem
ser feitos no sentido de promover maior flexibilização nas votações e inclusão desses
participantes que estão mais intimamente ligados às ações cotidianas do assentamento do que
possivelmente o fundador a qual está vinculado. A característica de tratamento diferenciada
entre os atores que representam o papel de incubados e os membros fundadores, confere a
governança circular a ser empregada na Viver Simples, uma orientação que vai, parcialmente,
de encontro ao movimento contestatório e libertário das ecovilas, que deveriam quebrar os
paradigmas e hábitos de desigualdades nas relações sociais e na execução de poder (SANTOS
JUNIOR, 2006).
Outro assunto que vêm sendo constantemente discutido nas reuniões dos participantes,
e carece de melhor prática na sua execução, são os assuntos que devem entrar em pauta nas
votações das assembléias. Há um consenso estabelecido que uma assembléia extraordinária
poderá ser convocada a qualquer momento, a pedido de qualquer participante, seja fundador
ou incubado, desde que julgado procedente pelo Conselho de Administração Geral. O
procedimento criado justifica-se na alegação de garantir a relevância dos temas a serem
votados, entretanto a obrigatoriedade de submissão à aprovação de um conselho restringe as
sugestões cotidianas e naturais, características em regimes com viés acrático, como as
ecovilas.
O amadurecimento das relações de governança seria a resposta para o rompimento dos
padrões de dominação trazidos pelos participantes do projeto e que emergiram nos resultados
97
obtidos. Os fundadores entrevistados, embora cônscios dos efeitos repressivos causados pelas
medidas adotadas, ainda carregam consigo certos vícios adquiridos por anos expostos a
modelos que negligenciam o incentivo de relações solidárias e a democratização das
administrações de sociedades. Houve um comprometimento dos fundadores da ecovila em
aprimorar, no futuro, o mecanismo de tomada de decisão para uma forma mais abrangente,
inclusiva e equânime, envolvendo os atores interessados, como incubados e população
circunvizinha.
4.3.1.2 – Inter-relacionamento comunitário
Um dos desafios propostos pela Agenda 21 brasileira no âmbito local, segundo
Krzyzanowski (2005), pretende alcançar os objetivos estratégicos para a promoção da
sustentabilidade em assentamentos a partir da realidade vigente, promovendo a participação
da população envolvida, conforme abordado no arcabouço teórico, item 2.2.3 desse trabalho.
Entendendo a importância do inter-relacionamento com a circunvizinhança, os
membros da Ecovila Viver Simples, elegeram os principais aspectos guias, quanto às normas
de comportamento e relacionamento com a comunidade vizinha. Uma ata foi gerada, com a
expectativa de torná-la um guia e transformá-la na essência de uma convenção com normas de
convivência e regulamento interno que deveriam reger as relações.
Utilizando-se do mecanismo de análise documental, descreve-se aqui os itens mais
representativos:
Relação com as comunidades vizinhas
• Respeito às diferenças culturais - Os moradores da Ecovila representam um grupo
culturalmente diferente que chegou em terras que possuem seu próprio saber
tradicional. Somos vistos como um grupo, e sua ação e atitudes individuais irão refletir
• na imagem e no trabalho de todo esse grupo. Daí a importância de termos regras bem
definidas e compreendidas a esse respeito. Assim também precisamos aprender a
preservar os conhecimentos naturais desse povo e com ele aprender.
• As principais normas de convivência orientadoras discutidas estão aqui relacionadas:
� Item 1- Evitar presentear objetos de consumo desnecessários aos vizinhos.
98
� Item 2 - Evitar discutir ou conversar sobre ideologias e religiões diferentes das
praticadas pela comunidade, resguardando o direito a diversidade espiritual.
� Item 3- Evitar freqüentar as casas das pessoas locais mesmo quando convidados, e
quando aceitar manter a distância saudável. Evitar se envolver emocionalmente
com os vizinhos, manter o equilíbrio em qualquer situação.
� Item 4 - Manter uma postura digna e imparcial diante de conflitos locais que não
dizem respeito a ecovila – sejam materiais, emocionais, políticos ou religiosos.
� Item 5- Respeitar as diferenças de gosto musical e geral - evitar modificar
inclinações naturais por músicas, modas os costumes que nos pareçam retrógrados
ou pouco naturais.
� Item 6- Evitar assistencialismo como doação de roupas, alimentos, sobras, moveis
velhos e coisas que não se quer mais.
� Item 7- Não usar nunca o nome da ecovila em seus contatos e negócios pessoais de
qualquer ordem.
� Item 8 – Nossos vizinhos tem uma forma própria de falar, evitar corrigir ou rir
desse aspecto, procurando compreender ou perguntando o que eles querem dizer
com aquilo.
Ações estimuladas
� Item 1- Observar as atividades das pessoas e aprender seus saberes.
� Item 2- “Perguntar, perguntar e perguntar” sobre seus conhecimentos e “ouvir,
ouvir e ouvir”.
� Item 3- Pesquisar sobre as necessidades reais para criar os projetos de inclusão
social.
� Item 4 – Incentivar a solidariedade nas reais necessidades humanas como: caronas,
atendimento médico, psicológico, terapêutico quando solicitado.
� Item 5- Incentivar trocas de conhecimento, parcerias em todos os setores quer
sejam comerciais, de saberes e parcerias com os órgãos públicos na melhoria das
condições locais.
� Item 6 – Desenvolver os programas de inclusão social baseado na real necessidade
local.
99
� Item 7 – Celebração de festas populares tradicionais na ecovila como festas juninas,
contanto que não danifiquem os jardins e áreas em comum determinando a
quantidade máxima de pessoas nestes eventos.
Atividades a incentivar
� Item 1 – Jogos, danças e cânticos em conjunto, uso de instrumentos musicais, teatro
e artes.
� Item 2 - Exercícios e práticas em grupo.
� Item 3 - Esportes em geral.
� Item 4 – Refeição em conjunto sempre que possível.
� Item 5- Trocas e trabalhos em comum.
� Item 6- Todo tipo de ajuda mutua.
� Item 7- Troca de conhecimentos e tecnologia.
� Item 8- Incentivar as virtudes no trato entre as pessoas mesmo que intimas.
� Item 9- Incentivar reciclagem de todo o material consumido no local.
� Item 10- Priorizar os investimentos em grupo.
� Item 11- Incentivar todo o tipo de pesquisas de arte, dança e todas as formas de
expressão criativa.
� Item 12 – Estar pronto a ajudar e colaborar com os outros.
� Item 13 – Partilhar responsabilidade nas falhas dentro dos trabalhos desenvolvidos
em grupo.
� Item 14- Incentivar reuniões de lazer para o grupo.
� Item 15 – Usar a mão de obra local para os serviços de atendimento aos visitantes e
hospedes.
Da relação dentro do próprio grupo
� Item 1- Evitar comentários maldosos e criação de facções dentro do grupo –
Procurar resolver as questões claramente e diretamente com a pessoa envolvida.
� Item 2- Evitar reuniões para o uso de material proibido nos estatutos.
� Item 3- Evitar uso de material poluente.
100
� Item 4- Evitar comentar os problemas internos com os moradores locais de fora da
ecovila.
� Item 5- Respeitar o momento de solidão de cada um.
� Item 6- Respeitar o silêncio local, não usando aparelhos e instrumentos musicais
cujo som seja mais alto do que os sons naturais em qualquer horário. Durante os
cursos nenhum som deve ser audível fora das casas de cada um.
� Item 7 – Respeitar o patrimônio individual.
� Item 8 - Não criar animais domésticos de nenhuma espécie para não interferir na
biodiversidade local; como cães, gatos, ratos, passarinhos de todas as espécies,
animais exóticos ou qualquer outro animal que deve viver em seu habitat natural.
� Item 9- Evitar criticas destrutivas em geral. “ Se você não faz parte da solução, faz
parte do problema”
� Item 10 – Não contratar empregados domésticos diários particulares dentro das
casas da ecovila, sendo permitido trabalho temporário para as hospedagens e a área
comum.
� Item 11 - Não atuar de forma a colocar em risco a vida dos moradores. Ex;
fogueiras em locais inapropriados, uso de material perigoso.
� Item 12 – Pessoa jurídica, como escritórios, lojas ou agroindústrias, deve ser criada
a parte do projeto da ecovila.
Quadro VII – Tópicos mais representativos da ata sobre normas de comportamento
Fonte: JORGE, M.Aurelio
Se por um lado os itens que compõem o guia que deverá ser a base de uma convenção
com normas de convivência e regulamento interno possuem um conteúdo alinhado com as
práticas de ecovilas, que regem as relações entre os participantes e a comunidade local de
forma harmoniosa, dentro de um ambiente sócio cultural sustentável, e com estilo de vida de
baixo impacto (SVENSSON, 2002); por outro, existe a questão impositiva do formato
tradicional de aplicação de regras, que usualmente é percebido em instituições embasadas em
características de disciplina e severidade, pouco comuns em comunidades de ecovilas.
A crença dos fundadores em um formato baseado em regras firmes quanto às
determinações nas relações humanas é a tentativa de inserção da ecovila como um elemento
101
natural na região. Futuramente, essas relações deverão ser usuais e sem as imposições
disciplinares atuais.
4.3.1.3 – Auto-percepção dos membros
A percepção dos membros sobre os conceitos de ecovila, sustentabilidade e
desenvolvimento local são fundamentais para esse trabalho, visto que esses termos, em função
de uso cada vez mais comum, tornaram-se “eco-jargões” e nem sempre comungam com um
arcabouço teórico acadêmico. As distorções na compreensão dos conceitos poderiam detectar
uma falsa orientação do projeto e permitir falácias nas coletas de dados.
De acordo com as entrevistas, os envolvidos no projeto possuem uma experiência em
assuntos de assentamentos comunitários, obtidos tanto pela pesquisa acadêmica através de
cursos e palestras, quanto pela vivência in locu em outras ecovilas, como a findhorn na
Escócia. Esse conhecimento, transferido nas reuniões dos mais experientes aos mais leigos,
permitiu um nivelamento satisfatório quanto à base teórica, fundamental, para as discussões
dos constructos sustentabilidade e desenvolvimento local pelo grupo.
Em relação a auto-percepção do conceito de ecovila, a pesquisa de campo apontou
para uma convergência de opiniões, representada por um dos membros:
“A nossa compreensão de ecovila é um local onde seus fundadores, mais as pessoas
que freqüentam o local possam vislumbrar ou ter a experiência de um lugar onde se
agride o menos possível o meio ambiente de onde está instalado, onde o convívio
com os recursos naturais é o mais sutil ou menos impactante possível, e o lugar
onde, principalmente você possa vivenciar algo diferente do que nós estamos
acostumados nos centros urbanos, de uma vida complicada, violenta, desgastante e
depressiva. Num lugar como esse onde você está cercado de natureza e preserva o
recurso ambiental, naturalmente você se sente bem e integrado. Uma ecovila por
definição tem que prover essa experiência, essa possibilidade para quem esta
construindo, vivendo ou morando nela.”
Unanimemente, todos indicaram que a Viver Simples poderia ser chamada de ecovila
pelas suas características.
Quanto aos aspectos de sustentabilidade, os membros, dividiram suas opiniões.
Enquanto um grupo apontava que o alcance desse constructo por parte da Ecovila será apenas
parcial, e sem perspectivas de obtenção devido as características do assentamento, o outro
acredita na obtenção desse alcance ao longo dos anos. A visão dos descrentes do encalço
102
sobre a sustentabilidade apóia-se na ausência de espaço e diversidade dentro do assentamento.
A limitação de profissionais como médicos, dentistas, encanadores, assim como serviços
diversos necessários em qualquer comunidade, como escolas e hospitais encerravam a Viver
simples como um assentamento eternamente insustentável.
Outro aspecto relevante é o reconhecimento da multidimensionalidade da
sustentabilidade, porém, uma característica que merece destaque em quase todas as
entrevistas, foi a extrema preocupação com as questões relacionadas as dimensões ambientais
e sociais, relegando a segundo plano aspectos da espirituais/culturais e espaciais. A dimensão
econômica foi a menos citada, a pretexto de ser considerada polêmica e incipiente no projeto.
Em relação à percepção se a ecovila poderá trazer benefícios locais a ponto de trazer
efetivo desenvolvimento para a região, a pesquisa de campo mostra afirmação nessa crença
por parte dos membros, em níveis médios e altos. Contudo percebeu-se uma distorção nesse
discurso, quando perguntados em entrevista se estavam cientes das atividades planejadas. Os
aspectos relacionados ao desenvolvimento local ficaram restritos ao grupo que trata
atualmente desse assunto. A grande maioria das respostas foi simplória e alegavam
desconhecimento das atividades propostas pela área de recursos humanos, que está vinculado
ao Conselho de administração geral.
Relacionando as respostas obtidas com o arcabouço-teórico selecionado para esse
trabalho, pode se perceber alinhamento dos membros com os conhecimentos acadêmicos
sobre o assunto. Espontaneamente citaram alguns autores como Ross e Hildur Jackson, May
East e De Paula (sendo que esse último não foi utilizado como arcabouço teórico desse
projeto).
4.3.1.4 – Obediência às normas
A evolução das ecovilas ao redor do mundo ocorreu, enquanto expressão social
organizada, como um movimento contestatório e libertário que visava questionar todos os
setores constituídos da sociedade da época: hábitos, idéias, corporeidade, arte, organização
política, espiritualidade, estrutura produtiva e social, tecnologia. Nada escapou ao espírito
inquieto e inconformista da época. (SANTOS JUNIOR, 2006, p.3).
A idéia de possuir uma proposta alternativa ao cenário de relações humanas e
organização social vigente preconiza que, os participantes da ecovila Viver Simples criariam
um código ou norma pré-estabelecida com viés de desenvolver uma abordagem filosófica
acrática, com mecanismos menos severos e punitivos para obediências a elas.
103
Uma característica marcante das respostas ao formulário foi a discussão que criavam
regras, em certos pontos severas, que previam punições por comportamento destoante com a
proposta da ecovila. O Conselho de Administração Geral orienta, julga e determina as
punições para aqueles que desrespeitam as normas de convivência e estatuto da ecovila. A
justificativa apresentada em resposta ao formulário, e citada gratuitamente pelos membros,
afirma que somente um estatuto rigoroso para cumprimento das exigências discutidas nas
dimensões sociais, ecológicas, culturais e econômicas poderiam levar à sustentabilidade.
Um dos entrevistados afirma que:
“O afrouxamento das regras, ou a displicência no cumprimento do que fora acordado
coloca em risco todo o planejamento na implantação da Ecovila. Claro que, no
futuro, quando todos estejam acostumados com a cultura da ecovila, o cumprimento
das regras vai ocorrer de forma natural, e não haverá necessidade de intervenção do
conselho”.
Quanto a solvência de conflitos, ou eventualidades de não observância das normas, o
Conselho de Administração geral tem a autoridade para julgamento de impasses.
A discussão sobre a criação de regras e obediência as normas adotou contorno de
severidade em certos pontos, já que prevêem punições por comportamento destoante com a
proposta da ecovila. As respostas dos questionários acusaram a percepção dos membros
quanto à necessidade forçosa de cumprimento de regras. Esse viés é pouco usual na literatura
que trata desse tipo de aspecto em assentamentos em comunidades intencionais e ecovilas,
que caracterizam-se por adotar perfil de relacionamento com viés liberal, com presença de
uma empática informalidade. Na literatura sobre assentamentos de comunidades afins, ao
invés de regras orientadoras e punitivas percebe-se uma maior adoção de fóruns e outras
formas de organização capazes de constituir um pacto territorial local de forma democrática
(COELHO, 1995).
A conscientização dos membros de que o formato adotado é fugaz prepara o terreno
para a instrumentalização de mecanismos criativos e flexíveis, como fóruns e outras formas
de organização capazes de constituir um pacto territorial local de forma democrática, ao longo
do funcionamento futuro da ecovila.
104
4.3.2 – A ecovila e a dimensão econômica, seus indicadores e atributos
Esta é a dimensão da sustentabilidade onde verificou-se maior possibilidade de
geração de benefícios no curto e médio prazo, tanto para os fundadores, quanto para
incubados e moradores das vizinhanças. Se por um lado, há carência de projetos na região que
possam gerar empregos, que usualmente estão são restritos a agricultura - basicamente de
subsistência – e a pecuária leiteira nas fazendas locais; por outro lado existem diversos
projetos potenciais da Ecovila que buscam alcançar a SUFICIÊNCIA FINANCEIRA,
contando com essa mão-de-obra disponível. O indicador selecionado, supracitado, é
unanimemente apontado pelos entrevistados como peça-chave no sucesso do assentamento.
4.3.2.1 – Atividades para geração de renda
Durante as discussões iniciais da constituição da estrutura da Ecovila Viver Simples,
existia um plano incipiente de como tratar do aspecto econômico, envolvendo a geração de
renda dos participantes, conforme citado no arcabouço teórico desse trabalho.
A área comum da Ecovila seria utilizada para realização de cursos nacionais e
internacionais de técnicas taoísta. Esses cursos teriam os fundos revertidos para a viabilização
e melhoria das áreas de uso comum da Ecovila. Sugeria-se como alternativa aos condôminos a
construção de unidades de alojamento nos lotes particulares criando, desta forma, uma
possibilidade de geração de renda para sustentabilidade econômica dessas áreas
particulares (INTERTAO, 2007).
A pesquisa de campo revelou que, essencialmente, a idéia de utilizar a Ecovila como
um ambiente propício para a recepção de alunos, visitantes e iniciados nas técnicas taoístas
dos cursos ministrados pelo Intertao, manteve-se como a principal atividade de geração de
renda à curto prazo. Trata-se de uma atividade de acomodação em dormitórios em cada uma
das unidades dos membros da Ecovila, que não tem a premissa, tampouco a pretensão, de
transformar-se em serviços tradicionais de hotelaria. Os visitantes são previamente
informados das regras e da proposta do assentamento quanto aos procedimentos da sua
estadia, e do respeito sócio-ambiental de uma comunidade com as características de ecovila.
A expectativa dos membros na recepção de um público selecionado, que possui sintonia com
as formas de pensamento dos envolvidos com a Ecovila tornou-se positiva. A forma de gerar
riqueza nessa atividade ocorre através da remuneração pela estadia dos visitantes durantes o
período que estiverem na comunidade, criando uma cadeia de valores com a participação de
mão-de-obra local. Há a intenção de utilizar trabalhadores locais e membros incubados na
105
infra-estrutura de suporte da recepção dos visitantes, principalmente em serviços que podem
ser desde lavanderia a guia para caminhadas na região.
A proposta de geração de renda imaginada em projeto vai ao encontro das diretrizes
apontadas por Sachs (1993), quanto à face da sustentabilidade econômica, cuja essência
somente é possível por meio de alocação e gerenciamento mais eficiente dos recursos e do
fluxo de investimentos. Nessa dimensão existe o reconhecimento de um capital natural que
não deve ser tratado independentemente do sistema todo, mas sim como parte integrante e
fundamental do mesmo. Conseqüentemente, a eficiência econômica não deve ser tratada
apenas como a maximização do lucro e embasada em critérios de rentabilidade empresarial, e
sim ser avaliada em termos macro sociais. Desta forma, a eficiência econômica assume um
papel coadjuvante em relação a outros aspectos da sustentabilidade, como o social e o
ambiental.
Nas respostas ao formulário ficou evidente a preocupação quanto a capacidade de
recepção de pessoas de fora da comunidade e o impacto que traria aos outros aspectos (sociais
e ambientais) para alcance da sustentabilidade:
“ Os eventos devem ser pequenos para que não torne a região num andará (sic)
danado de estranhos, respeitando um estudo de capacidade de carga a ser realizado,
pois os impactos são tremendos, como: aumento do nível de ruído, que assustam
animais silvestres; tráfego de automóveis, que poluem e compactam o solo;
Interação dos “estrangeiros” com a população local, que geralmente cria um
desconforto, pois o nativo se sente inferior e perde suas virtudes; aumento no nível
de poluentes, como lixo e produtos, pois os visitantes sempre levam algum creme
para entrar no riacho e poluem tudo; consumo de água e madeira, pois mais gente
exige mais consumo dos recursos naturais. “
Claramente, uma limitação da
capacidade dos visitantes representaria um
impacto financeiro na auto-suficiência da
ecovila. O cenário resumia-se a cizânia
entre a eficiência econômica e o impacto
sócio-ambiental. Novas atividades para
geração de renda foram propostas, e aceitas
pelos participantes como alternativas à
acomodação dos visitantes, com
expectativa de implementação em Figura 25 – Unidades dos Membros Fundadores para acomodação dos visitantes Fonte: JORGE, M. Aurélio, 2008.
106
momentos distintos, conforme resposta ao formulário:
Acho que deveríamos focar em atividades com as quais estejamos mais
familiarizados e que envolvam investimentos menores de montagem. Acho que
deveríamos focar em “serviço” em detrimento de atividades de “comercio” e/ou
“industria”. Portanto, indico os investimentos que considero mais viáveis no
momento: atividades culturais e espirituais, consultoria e pesquisa. Acho que
deveríamos priorizar em três etapas (curto, médio e longo prazo).
No tocante a outras atividades, foram citadas em resposta aos formulários
a) Pesquisas – Estudo e desenvolvimento de técnicas que sejam destinadas a melhoria
das práticas em Ecovilas, através de parcerias com governos, ONG´s ou universidades.
Pretende-se realizar parceria com o Laboratório Oficina de Treinamento e
Desenvolvimento de Protótipos (LOTDP) para atividades de desenvolvimento de
projetos futuros na Ecovila. O LOTDP é um espaço onde há mais de 20 anos
professores designers, engenheiros, arquitetos e alunos estagiários estudam temas
como taxonomia, tratamento e plantio do bambu da forma mais adequada, técnicas
construtivas, arquitetura, design, bioremediação e paisagismo.
b) Plantação de alimentos de subsistência: Utilização de permacultura para geração de
alimentos orgânicos.
c) Consultorias técnicas para outros assentamentos: Atividades de design
permacultural.
d) atividades culturais – Utilizar a infra-estrutura da ecovila para ministrar cursos de
qualidade para empresas, escolas, etc.
e) Artesanatos - Criar a comercialização dos artesanatos locais.
f) Pequenas agronegócios - Aproveitando o potencial local para produção de produtos
naturais, como mel, chás, ervas, em pequena escala.
107
A opção dos membros da Ecovila Viver Simples em selecionar as atividades
supracitadas está em linha com East (2002), que aponta alternativas de produção em ecovilas,
principalmente relacionadas a produção orgânicas de alimentos. Entretanto, o fato dos
participantes não definirem exatamente qual atividade vão desenvolver revela a incipiência
desse fator na implantação do projeto, bem como uma provável escala de tempo maior para
sua operacionalização.
4.3.2.2 – Prestação de contas
De acordo com Singer (2002), a característica de cooperativas de produção, como as
ecovilas, é de repartição da receita líquida entre os cooperados conforme discussão e acordo,
prévio, entre todos os envolvidos. De fato, esse processo, comumente chamado de prestação
de contas, promoveu discussões acaloradas entre os membros fundadores da ecovila pela
diversidade de opiniões. Optou-se por estabelecer uma classificação de projetos que
permitisse ao participante da atividade econômica caracterizar seu negócio como
empreendimento pessoal ou coletivo, e estabelecer o critério de alocação dos lucros
provenientes dessas atividades.
• Lucro de Projetos Totalmente Pessoais (LPTP) - Será aquele gerado
individualmente, por um ou mais moradores da ecovila, sem a utilização de
recursos coletivos. Classifica-se que qualquer (m2), fora da área dos terrenos
individuais (casas, alojamentos e circulação) é um espaço coletivo. Esse
recurso não possui obrigatoriedade de apresentação de resultados e relatórios
de andamento aos outros membros da ecovila.
• Lucro de Projetos Parcialmente Pessoais (LPPP) – Será aquele que for
desenvolvido de forma pessoal, mas coordenado e avaliado pela coletividade e
utilizando recursos coletivos. Essa renda é dividida entre o(s) executor(es) e a
entidade criada. Essas atividades terão seus lucros destinados parcialmente
para um fundo monetário coletivo, administrado através do Conselho
financeiro.
108
• Lucros de Projetos Totalmente Coletivos (LPTC) – Esses são os recursos
pagos para a instituição Ecovila, em qualquer dimensão (a OSCIP poderia ser
um exemplo). Essas atividades terão seus lucros destinados totalmente para um
fundo monetário coletivo, administrado através do Conselho financeiro.
Intenciona-se manter os recursos gerados provenientes dos projetos desenvolvidos
pelas contribuições coletivas (Lucro de Projetos Parcialmente Pessoais e Lucro de Projetos
Totalmente Coletivo) em fundos monetários que serão usados para re-investimentos na
Ecovila Viver Simples. Segundo um dos entrevistados, essa forma de gestão compartilhada de
divisas demonstra o quão estão preparados para participar de assentamentos coletivos, como
as ecovilas:
“ (...) E poderemos participar diretamente das decisões dos novos investimentos. O
enriquecimento coletivo é totalmente possível assim como as benfeitorias para a
Ecovila. Será uma grande prova para nós e uma grande oportunidade de provarmos
nossa maturidade. Se falharmos neste ponto, será sinal que não estamos preparados
para viver em comunidade.”
Conforme apresentado no item anterior, a remuneração proveniente da principal
atividade geradora de recursos – acomodação de visitantes nas unidades – caracteriza-se como
um recurso ou lucro de projetos totalmente coletivos (LPTC).
Acselrad (2001) já declarara antes da virada do século XXI, que quase todas as
sociedades enfrentavam a desanimadora perspectiva de uma infindável crise urbana, função
de um modelo obsoleto de ocupação de espaço, que promovia a acumulação de riquezas sem
uma distribuição de renda e benefícios sociais eqüitativos, gerando conflitos e contradições,
particularmente nas grandes aglomerações. Percebe-se que esse tema é recorrente também em
pequenas aglomerações como a Ecovila Viver Simples, já que a discussão de como classificar
o lucro ou caracterizar atividades como ‘pessoais’ ou ‘coletivas’ consumiram energia e tempo
dos participantes, além de suscitar polêmicas, devido a discordância de classificação dos
projetos propostos.
Assim como o atributo anterior de ‘geração de renda’, o item estudado apresentou
indefinições estruturais preocupantes sobre como classificar, manejar e repartir - em suma,
gerir - os recursos financeiros obtidos.
109
4.3.2.3 – Economia Social
A pedra fundamental da economia social das ecovilas é a localização dos recursos,
serviços e produtos. Via de regra existe, encorajamento e apoio aos membros das ecovilas
para criarem negócios que enriqueçam a economia local, que não gerem poluição, e que
não explorem recursos humanos ou naturais.
As observações sistemáticas revelaram que, propostas de implantação de atividade
geradoras de renda pelos membros fundadores previam utilização de formação de
parcerias, tanto com os trabalhadores rurais da região, quanto com os incubados.
Os modelos organizacionais são baseados na economia solidária e, na prática, seguem
os formatos de cooperativas de produção, com divisão dos lucros entre os participantes em
cotas igualitárias. Percebe-se entre os participantes da ecovila, tecem esforços para
garantir respeito aos direitos igualitários entre seus participantes (fundadores e incubados)
e os atores locais, com intuito de promover um relacionamento de confiança entre os
envolvidos. O comentário de uma entrevistada relata esse ponto:
“ Creio que aqui também temos que apreciar a simplicidade, hora teremos um tipo
de transação, hora outro, pressupõe-se que há um espírito de bom caráter em todos
que são animados por essa comunhão, por isso não vamos esperar que alguém haja
de má fé procurando lesar os interesses das cooperativas. Quanto a liberdade de
disposição dos bens produzidos no seio do conjunto, creio que mais um espírito de
fraternidade comunitária estará se produzindo em nosso meio do que as estressantes
burocracias governamentais, as vezes cerceadoras de iniciativas criativas e
enriquecedoras das partes, e conseqüentemente do todo”
Contudo, as últimas reuniões, realizadas em fevereiro de 2008, mostraram uma face
receosa por parte dos fundadores ao iniciar uma atividade produtiva em modalidade de
cooperativa, caso tivessem que realizar, exclusivamente, investimentos para começar seus
negócios. A visão de criar um negócio nos moldes: “os fundadores entram com o capital e
os incubados e/ou moradores locais com sua força de trabalho” gerou um certo temor em
alguns dos envolvidos. Segundo essas pessoas - ouvidas na pesquisa de campo - as
premissas de iniciar uma atividade com a obrigação de mitigar os impactos ambientais,
embasadas em valores de solidariedade, incentivando a criatividade humana, a qualidade
110
de vida e a felicidade dos envolvidos em detrimento do dinheiro, trazia a dificuldade de
não alcançar a auto-suficiência financeira:
“Penso que no inicio podemos adotar uma forma com mais propensão ao lucro, e
depois mudar para uma organização mais igual na divisão desse dinheiro.”
Quanto a possibilidade de divisão dos produtos gerados, como artesanatos, alimentos
orgânicos, objetos, houve um consenso que os membros precisam pensar em mecanismos
de trocas ou vendas com preços diferenciados para a população das comunidades
circunvizinhas.
East (2002) indica a relevância de práticas com cunho de economia social para
enriquecimento da economia local. Ainda que os membros tenham essa consciência,
percebe-se que tais práticas mostraram-se tímidas para serem levadas à cabo, pelo receio
por parte dos fundadores em iniciar atividades de negócios em cooperativa, arcando
exclusivamente com os investimentos.
4.3.3 – A ecovila e a dimensão ecológica, seus indicadores e atributos
A diversidade de recursos empregados na composição de uma ecovila e os possíveis
impactos ambientais tornam imperativo orientar seu desenvolvimento em alicerces que
propiciem o alcance da sustentabilidade, através de ações de conscientização do uso dos
recursos renováveis; do incentivo da política dos 3 R´s – reduzindo, reutilizando e reciclando;
conservar a água e tratar ecologicamente o esgoto e finalmente tirar da terra os alimentos de
forma orgânica. Para verificar a ocorrência da dimensão ecológica no projeto da Ecovila
Viver Simples avaliou-se o indicador: UTILIZAÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS, e seus
atributos.
4.3.3.1 – Utilização dos recursos renováveis
Segundo Sachs (1993) alguma medidas são implementáveis para incremento da
sustentabilidade segundo o viés ecológico, como a intensificação do uso dos recursos
potenciais dos diversos ecossistemas, causando o mínimo de dano aos sistemas de sustentação
de vida da biosfera. Um dos maiores desafios de qualquer assentamento que valoriza o meio
111
ambiente é como promover o aproveitamento de recursos energéticos endógenos de elevado
potencial, diminuindo as necessidades de consumo de combustíveis fósseis e de fontes
externas, minimizando impactos sobre o meio ambiente.
A partir da compilação das informações obtidas do apêndice C, e da análise
documental realizada a partir dos relatórios gerados pela consultoria, observou se que a
Ecovila Viver Simples possuía 3 alternativas para geração de energia na comunidade
respeitando a premissa de utilização de recursos endógenos, além de 2 opções para
bombeamento da água potável para utilização nas unidades (residências, comedouro, templos,
etc). A Ecovila Viver Simples desfruta de um privilegiado potencial hídrico, devido a
passagem pelas dependências do assentamento de 2 riachos – Rio Leste e Rio Grande,
advindos de uma nascente próxima, conforme figura 24.
� Bombeamento da água: análise entre Carneiro hidráulico36 e Bomba acionada apor
roda d’água, conforme demonstrado pelas figuras 26, 27 e 28.
Tanto o carneiro hidráulico quanto a bomba
acionada por roda d’água são equipamentos úteis
na elevação de água em propriedades rurais. Estes
equipamentos requerem pouca manutenção e
podem funcionar ininterruptamente à custa da
energia hidráulica. Cada um desses equipamentos
apresenta suas particularidades. A solução sugerida
para utilização no Rio Leste, que possui uma vazão
36 O carneiro hidráulico é uma bomba dágua simples de ser construída e com a grande vantagem de não requerer nenhuma fonte de energia externa para funcionar. Ela funciona com a própria pressão da coluna dágua que ela usa para bombear a água para um ponto mais alto do terreno.
Figura 26 – Carneiro hidráulico selecionado Fonte: Ecovila Viver Simples, 2008
Figura 27 – Funcionamento interno da bomba Fonte: Ecovila Viver Simples, 2008
Figura 28 – Bomba com roda d’água Fonte: Fabricante – Rochfer, 2008
112
de 5 l/s (cinco litros por segundo) foi o uso conjugado de ambas soluções.
O carneiro hidráulico aproveitando certa queda d’água, consegue elevar apenas uma
parte do liquido, contudo isso não seria um problema no caso da Ecovila Viver Simples,
devido às características de perfil do córrego. As bombas conjugadas com roda d’água
apresentam, neste aspecto, sua grande vantagem: podem ser movimentadas por águas
superficiais sujas e contaminadas, mas pode bombear a água de boa qualidade de um poço
raso, aberto nas proximidades, e elevá-la para o consumo doméstico.
� Utilização de geradores hidrelétricos:
Devido a uma maior vazão de água no
Rio Grande, algo em torno de 17,5 l/s
(dezessete e meio litros por segundo),
e uma altura de 15 metros no caimento
do córrego, percebeu-se a oportunidade
de uso de um equipamento que poderia
gerar em torno de 1350W. Observe no
detalhe abaixo – Figura 30 - o trecho
de rio entre a captação (parte superior, onde há um canal) e a usina (parte inferior,
onde há uma pequena casa abrigando o equipamento). No caso de utilização da vazão
total do rio, ou seja, os 17,5 l/s, o trecho entre a captação e a usina ficaria seco.
Figura 29 – Mini usina hidrelétrica Fonte: Fabricante Alterima, 2008
Figura 30 – Utilização do Rio Grande para geração de energia na Ecovila Viver Simples Fonte: Vantuir Durant, 2007
113
� Utilização de energia fotovoltaica: A energia solar fotovoltaica é uma excelente opção
para as residências da Ecovila Viver Simples, pois pode ser gerada no telhado de cada
residência, evitando a instalação de enormes redes de fios para distribuir energia para
todas as casas e edificações, conforme figura 31.
A energia solar fotovoltaica condicionará os
membros da ecovila ao conhecimento de seus
sistemas de energia, “casando” as épocas de maior
uso com as épocas de maior insolação.
Conseqüentemente, os usuários de energia solar
tornam-se mais cientes dos ciclos e ritmos naturais,
conectando suas atividades cotidianas a esses ciclos.
Em dias de muito sol, permite-se lavar roupas com a
máquina elétrica e utilizar mais equipamentos, e em
dias de chuva deve-se ter maior atenção à produção e
consumo para não ficar sem energia em momentos onde esta é necessária.
Como o sistema será híbrido (solar e hidroelétrico), não haverá problema com falta de
energia em épocas muito chuvosas, pois nesses casos a micro-usina hidroelétrica pode
carregar as baterias dos sistemas solares. A idéia inicial é colocar carregadores de bateria nos
núcleos comunitários onde cada morador leva suas baterias para recarregar, ou ainda a
possibilidade de se instalar em cada residência um ponto de energia hidroelétrica, somente
para carga das baterias em caso de necessidade.
� Utilização de energia eólica: Após análise dos mapas de velocidade dos ventos da
região e estudo da topografia ao redor verificou-se que a região da Ecovila não é
favorável para a geração de energia eólica, conforme figura 32. Essa alternativa
somente seria possível em determinados pontos do assentamento com custos altos.
Percebe-se que na faixa litorânea, com as cores mais “quentes”, existe grande
potencial para geração de energia eólica, o que tornaria essa solução economicamente viável
devido a freqüência e abundância dos ventos.
A composição das soluções hidroelétricas e fotovoltaicas não permite a autonomia da
ecovila na geração de energia elétrica devido a perspectiva de consumo.
Figura 31 – Painéis solares Fonte: Consultoria Meninos da Terra, 2008
114
Faz-se necessário a utilização de energia da
operadora elétrica CEMIG para
complementação da capacidade solicitada. A
intenção de tornar-se geradora de energia
elétrica “limpa” não somente para o
assentamento, como também para a
comunidade circunvizinha, utilizando-se
somente de recursos renováveis, ainda não
poderia ser alcançada.
Um dos pontos robustos e firmes de
qualquer projeto de ecovila ocorre na
dimensão ecológica da sustentabilidade.
Muitas das práticas utilizadas no projeto estudado, advêm da experiência de alguns membros
na vivência da Ecovila Findhorn, uma aldeia ecológica em constante construção, cujo modelo
de planejamento é inspirado pela Agenda 21 (FINDHORN, 2007). A Viver Simples, assim
como a Findhorn, inspira-se nas soluções baseada em modelos de geração de energia a partir
de recursos renováveis, como o uso de painéis solares e aproveitamento do potencial
hidrelétrico. Os esforços em buscar soluções assertivas ao assentamento, premiaram o projeto
da Viver Simples com alternativas à altura na geração de energia, dita ‘limpa’, ainda que não
alcancem a completa auto-suficiência na produção de toda a energia que imaginam consumir.
.
4.3.3.2 – Redução, reutilização e reciclagem (3 R´s)
A manutenção do equilíbrio de uma ecovila se dá pela forma de como tratamos o lixo. Rodrigo Ramponi – fundador da Ecovila
A proposta de tratamento dos resíduos em geral na ecovila começa por uma mudança
de mentalidade, conforme exposto pela pesquisa de campo. A maior parte das respostas ao
questionário proposto, assim como em todas as oportunidades de discussão desse assunto nas
reuniões do conselho de produção, concluia que o lixo é caro, ocupa espaço, atrai doenças,
gasta recursos para armazenagem e demora bastante tempo para decompor-se.
Figura 32 – Potencial eólico na região sudeste Fonte: Consultoria Meninos Terra, 2007
115
As respostas afirmam que o modelo de sustentabilidade que pretende-se alcançar
implica em um cambio no modo de viver, produzir, consumir e descartar dos participantes, e
que as iniciativas de redução, reutilização e reciclagem seriam conceitos fundamentais nessa
tarefa.
As práticas de coleta seletiva serão praticadas para encaminhamento à reciclagem dos
materiais, conforme suas vocações. Os resíduos sólidos e orgânicos serão encaminhados para
compostagem e reduzidos em quase sua totalidade dentro da ecovila, enquanto que materiais
como plásticos, vidros, papel e afins serão separados e encaminhados a cidade para
reciclagem quando não puderem ser reutilizados.
Alguns materiais polivalentes possuem destinos de reuso definidos, como tambores ou
barris de ferro que podem ser reutilizados nas soluções de aquecedores que serão apresentados
no item 4.3.5.2, ou reciclados como óleo proveniente do cozimento de alimentos podem
alimentar motores diesel ou na fabricação de sabão, ou ainda pneus que podem ser usados na
construção de futuras unidades na constituição de paredes que possuem alta massa térmica, ou
usados para construção de jardins.
A pesquisa de campo coletou algumas “boas práticas” que devem ser adotadas pelos
moradores e visitantes da ecovila, sugeridas em resposta aos formulários, sendo aqui citadas:
• Evitar consumir produtos desnecessários;
• Utilizar fraldas de pano ao invés das descartáveis, pois estas demoram mais de
500 anos para decomporem-se;
• Adquirir produtos biodegradáveis, recicláveis e recarregáveis;
• Evitar utilizar produtos plásticos descartáveis, como sacos de compras, pratos,
copos, embalagens (opte por refil), PETS (vidro são mais fáceis de reutilizar);
• Usar papel reciclado e utilize toda a sua extensão (ambos os lados da folha);
• Evitar o uso de papel higiênico perfumado ou branqueado com cloro, pois
implicam no uso de produtos químicos poluidores;
• Guardar seus alimentos em embalagens reutilizáveis, não em papel alumínio
ou filmes plásticos;
• Reutilizar embalagens de leite, sucos ou latas para uso como vasos de plantas;
116
• Doar roupas a quem necessita ou usá-las como pano de limpeza;
• Reduzir o uso de produtos químicos na limpeza domestica, substituindo-os por
vinagre, bicarbonato de sódio, água, sal e sabão.
Os dados coletados mostram acordância com a teoria prevista na fundamentação
teórica, conforme o gerenciamento de resíduos sólidos, no Portal Governo de SP (2007), que
aponta a relevância das políticas de 3R´s na abordagem sistêmica de assentamentos com o
perfil de ecovilas. Atualmente as questões dos resíduos, sejam orgânicos ou inorgânicos, são
um dos dilemas da sociedade capitalista, que por um lado incentiva o consumo imoderado e
por outro obtém como subproduto as escórias que o meio ambiente não consegue degradar, os
gases que alteram a qualidade do ar e das chuvas, substâncias tóxicas que se descarregam nos
aterros e o lixo radioativo que se acumula em depósitos, sem que saiba como torná-lo inócuo,
conseqüência de uma produção desenfreada (Tronconi, 1991).
Constata-se que, o atributo estudado está no caminho correto segundo a teoria analisada,
e apenas aguarda momento oportuno para iniciar as práticas ecológicas através da política de
tratamento de resíduos inorgânicos (política dos 3 R´s).
4.3.3.3 – Conservação da água e tratamento ecológico dos esgotos
O projeto executivo da Ecovila Viver Simples contempla estratégias para o
abastecimento de água potável, possibilidades e capacidades ligadas ao uso de águas pluviais,
biossistemas de tratamento de águas cinzas e possibilidades de reuso, além do tratamento de
águas negras.
O ciclo de uso das águas possui infra-estrutura baseada em engenharia
ecológica, que inicia-se com a forma de captação, armazenamento e reuso racional de águas e
nutrientes, a partir das fontes até seu tratamento por sistemas naturais.
117
Abastecimento de água nas residências: Os dois riachos que cortam o assentamento
trazem vantagens e conforto no abastecimento de água potável para as unidades, visto que a
vazão média de 22,5 litros por segundo representa abundância ao suprimento de água
consumida pelos membros da ecovila e visitantes. Ainda que exista esse privilégio, sabe-se
pelos moradores da região que nos últimos 10 anos a oferta de água nos córregos vem
diminuindo paulatinamente. Nos períodos de diminuição de chuvas, entre abril e outubro, a
vazão dos rios chega a metade da capacidade média informada, comprometendo o consumo e
a geração de energia hidrelétrica pretendida.
A proposta foi utilizar um mecanismo de captação e armazenamento de água das
chuvas, que vem popularizando-se em algumas localidades, devido a simplicidade da sua
construção. A coleta da água da chuva ocorre a partir de calhas instaladas nos beirais dos
Figura 33 – Ciclo do uso e tratamento da água Fonte: Jorge, M.Aurelio, 2008
118
telhados e conduzidos para uma caixa d’água construída com adobe, mesmo material
empregado nas residências.
Sistema de tratamento ecológico de esgoto – águas cinzas e negras 37: No tocante ao
saneamento, optou-se por utilizar a idéia de banheiros secos para tratamento dos dejetos
humanos, pela possibilidade de transformar esse material em adubo orgânico, utilizável nas
culturas agrícolas permaculturais do assentamento. A transformação ocorre através da
compostagem, cujo processo bioquímico converte os dejetos em composto orgânico pela ação
de microorganismos. A nomeclatura utilizada “banheiro seco” se justifica pela ausência de
água no processo, o que reduz o risco de misturá-la com água potável, e gerar uma enorme
quantidade de esgoto que muitas vezes polui as fontes locais.
Quanto ao reaproveitamento da água cinza, utilizou-se a idéia de banhados artificiais
ou sistemas de zonas de raízes, através da construção de áreas artificiais, com presença de
plantas aquáticas em substrato, sendo que na ecovila optou-se pela utilização de cascalho,
onde de forma natural e em condições adequadas, os microorganismos presentes nas raízes
das plantas atuam sobre as águas servidas, por meio de processos físico-químicos e
biológicos. Esses projetos devem iniciar sua execução a partir do término do período de
37 Águas cinza e negras - A água cinzenta ou água cinza é a água que foi utilizada em máquina de lavar, pia, banheira ou chuveiro. A chamada água negra é a usado em vasos sanitários ou que contém algum tipo de coliforme fecal.
Figura 35 – Banheiros secos Fonte: Consultoria Meninos da Terra, 2007
Figura 34 – Caixa d’água para armazenamento da chuva. Fonte: Consultoria Meninos da Terra, 2007
119
chuva, ou seja, a partir de abril e tão logo esteja terminada a construção das unidades
residenciais.
East (2002) ressalta a importância do emprego de métodos de conservação da água
utilizados nas ecovilas, que incluem captação e uso de água da chuva, reutilização da água
cinzenta, redução do consumo doméstico, uso limitado de produtos de limpeza, jardinagem
natural e não-tóxica e, manutenção constante dos encanamentos para prevenir vazamentos. O
uso de princípios ecológicos de tratamento de esgotos usados na Ecovila Viver Simples
através da construção de sistemas de zonas de raízes em conjunto com vasos sanitários secos,
e captação e reutilização de água da chuva e de águas cinzentas, de forma integrada, conforme
sistema demonstrado na figura 33, indica o alcance das prerrogativas de projeto, que
pretendiam manter a qualidade da água que sai da Ecovila, no mesmo nível, ou melhor, da
que entra.
4.3.3.4 – Produção orgânica de alimentos
“o trabalho na terra faz bem ao corpo e a alma, além de ser uma oportunidade de praticar chi kung e um dos princípios da sustentabilidade” Ivan Silveira – fundador da Ecovila
Figura 37 – Banhado com substrato em cascalho a ser utilizado na Viver Simples Fonte: Gaia Fundation, 2006
Figura 36 – Exemplo de banhado em construção na India. Fonte: Gaia Foundation, 2006
120
Segundo os entrevistados, a permacultura tem algumas funções primordiais dentro da
comunidade. Uma das vertentes é servir como agente financeiro, gerando renda na produção
de pequenas culturas com alto valor agregado, como ervas, temperos e cogumelos, que podem
alcançar lucros para alcance da auto-suficiência da ecovila, superando as limitações das áreas
reduzidas. Todos as pessoas pesquisadas reconhecem a necessidade de valorizar os espaços e
reduzir os impactos ambientais que grandes monoculturas trazem para a terra, por isso a
alternativa de agronegócio tradicional foi descartada dando lugar a permacultura. No centro
da atividade do permacultor está o design, tomado como planejamento consciente para tornar
possível, entre outras coisas, a utilização da terra sem desperdício ou poluição, a restauração
de paisagens degradadas e o consumo mínimo de energia, todos requisitos considerados
dentro do projeto da Ecovila.
Outro aspecto relevante é a preferência pelo consumo de alimentos produzidos sem o
uso de praguicidas ou qualquer fertilizante químico na busca de equilíbrio nutricional.
A produção de alimentos na ecovila para consumo próprio em pequenas hortas ou
pomares além de criar economia de custos, terá uma função de inclusão social e incentivadora
no relacionamento com a comunidade, já que a proposta é utilizar a mão de obra local para
auxilio no manejo das plantações.
Em resposta ao questionário, apenas dois membros dos quinze participantes da ecovila
não têm pretensão de desenvolver atividades em permacultura, e apenas um terceiro membro
acredita que a permacultura deve estar voltada exclusivamente para a subsistência do
assentamento. A Viver Simples alimenta a perspectiva de liberar dois hectares destinados ao
uso de plantações, o que representa aproximadamente 20 (vinte) mil m2.
Segundo o IPEC (2007), a permacultura é a principal ferramenta de trabalho de
ecovilas. Essencialmente, a prática está embasada na metodologia de suprir as necessidades
básicas de uma comunidade de forma ecológica, eficiente e com baixo custo. Em outras
palavras, consiste em ocupar determinado espaço e seus recursos naturais de maneira
consciente, planejada e sem desperdícios. Percebe-se o grande potencial na área destinada a
produção orgânica de alimentos, tanto para o consumo próprio como atividade geradora de
renda. Para tal, existe a necessidade de melhor definição dos membros de sua efetiva
implementação, com definição do que deve ser produzido, utilizando a área apropriada
(úmida ou seca, alcalina ou ácida, etc), além da devida ocupação, o que até o presente
momento no projeto mostra-se indefinido.
121
4.3.4 – A ecovila e a dimensão espacial, seus indicadores e atributos
Estabelece-se a analise de uma dimensão complementar a ecológica, com objetivo de
analisar os impactos que a criação de uma ecovila pode causar ao meio ambiente. Através do
indicador selecionado de REGULAÇÃO DE USO E OCUPAÇÃO DO SOLO, e seus
atributos: bio-construção das unidades, acessibilidade e presença de unidade de conservação
pode-se avaliar a ocorrência de uma configuração equilibrada e melhor distribuição do
assentamento planejado.
No que tange a dimensão ambiental, uma das limitações desse trabalho é a sua
abrangência, dado que essa dimensão baseia-se, particularmente, na visão dos participantes
(fundadores) e nas ações mais imediatas de proteção ambiental.
4.3.4.1 – Bio-construção das unidades
A bio-construção desenvolvida nas ecovilas pretende combinar eficiência no uso de
métodos de construção que reduzem a produção de lixo durante o processo, com materiais
renováveis, não tóxicos, de fonte bio-regional, que causam o menor impacto possível no meio
ambiente. Promover uma arquitetura sustentável que busca a conservação energética das
moradias, e o planejamento integrado onde as construções são desenhadas para se fundir e
complementar o ambiente natural.
A partir da pesquisa de campo, pôde-se esclarecer quais materiais locais são apontados
com potencialidade de utilização no processo de bio-construção das edificações da Ecovila
Viver Simples. Atestou-se o uso de técnicas construtivas comumente empregadas pela
comunidade local de Itamonte, local de implantação do empreendimento.
� Técnicas construtivas locais:
1. Fundação com pedras locais: Uso de pedras locais cortadas ou não, para
montagem de vigas corridas e sapatas em pedra, para composição das
fundações das edificações. Desta forma o madeiramento e toda a alvenaria
em terra ficam protegidos de umidades provenientes do solo e respingos dos
beirais dos telhados. Utiliza-se este material de forma a garantir um
distanciamento entre alvenaria e solo de no mínimo 30 centímetros. A figura
38 expõe a prática sugerida.
122
2. Estrutura com madeiras de reflorestamento: Optou-se por utilizar eucalipto tratado
para montagem do esqueleto da estrutura da habitação, garantindo assim a estabilidade
estrutural da construção, informado pela figura 42. O processo de tratamento em autoclave
dos eucaliptos, que consiste na injeção de composto orgânico sob pressão, garantindo a
proteção da madeira por toda a circunferência com espessura de 3 centímetros. Dessa forma,
mesmo que aconteça algum ataque no madeiramento, parte da madeira resistirá por mais
algum tempo, oferecendo maior garantia e segurança de uso dessas estruturas a longo prazo.
Este benefício não acontece em tratamentos tradicionais com aplicação de material químico
com pincel ou através de fervura do composto.
Para a composição da estrutura das paredes, a serem construídas em pau-a-pique,
indicou-se a utilização de madeiramento não tratado (eucalipto e bambu), devido ao fato do
Figura 39 – Casebre de apoio construido no terreno da ecovila. Fonte: Jorge, M.Aurelio, 2007
Figura 38 – Fundação feita de pedras – técnica local de construção Fonte: Ecovila Viver Simples, 2007
Figura 40 – Uso de madeira de reflorestamento Fonte: Ecovila Viver Simples. 2007
Figura 41 – Taipa de mão ou pau-a-pique – técnica de construção local Fonte: Ecovila Viver Simples, 2007
123
madeiramento permanecer escondido dentro das paredes, sob a argamassa de terra crua,
portanto sem a possibilidade de proliferação de pragas.
3. Alvenarias de fechamento: Com base nas construções vizinhas e na mão de obra
local já experiente na técnica, apontou-se como solução para as paredes de fechamento a
utilização da técnica construtiva denominada pau-a-pique ou taipa de mão, conforme ilustra a
figura 41. A taipa de mão ainda é trabalhada pelos moradores locais de Itamonte, sendo esta
técnica parte da tradição local para soluções construtivas naturais. Uma outra possibilidade
para as de paredes de fechamento são os tijolos de adobe, já que a estrutura permanecera
sendo em madeira. Para o uso do Adobe deve-se considerar a produção local do material,
obedecendo seu processo de fabricação, para seu uso posterior na composição da paredes.
Pesquisas junto às comunidades vizinhas apontaram o adobe como a segunda técnica
mais utilizada na região, com casas ainda existentes no município de Aiuruoca, ao lado de
Itamonte.
� Materiais disponíveis localmente
Em seguida apontam-se 3 elementos naturais básicos definidos como matrizes para as
construções locais e sua potencialidade de uso:
1. Pedras Locais – Material abundante no terreno da Ecovila, especificamente na
região central, entre os dois riachos que cortam a área. Pode-se utilizar estas pedras
diretamente nas fundações, sem corte das mesmas, conforme figura 39. Devido o número de
habitações por construir e, principalmente, devido à concentração de pedras no local com
dimensões acima das condições de uso e transporte, fica clara a necessidade do uso de pedras
cortadas previamente, em dimensões que facilitem seu transporte e aplicação. Em conversas
com moradores locais, os participantes descobriram dois artesãos da região de Itamonte
especialistas no trabalho com estas pedras nas condições necessárias para o uso nas
edificações da Ecovila Viver Simples.
2. Madeiras de reflorestamento – Em decorrência das técnicas construtivas utilizadas
obedecendo às tradições locais, e buscando trabalhar com soluções que minimizem o impacto
local ligado a implantação das edificações, optou-se pelo uso do eucalipto proveniente de
reflorestamentos e já tratado contra pragas, garantindo assim sua qualidade e durabilidade
para seu uso como estrutura das edificações. O bambu também é uma madeira local de
124
extrema importância e indicada ao uso,
principalmente na montagem da estrutura das
alvenarias, realizando a estruturação do
barreado.
3. Terra Local – Seguindo as tradições
e conhecimentos locais que apontam as
construções em terra crua como as mais
eficazes na questão conforto térmico durante o
rigoroso inverno local, apontamos o uso
intensivo da terra do subsolo local na
composição das alvenarias das habitações a serem construídas. Em decorrência das
inclinações no terreno, principalmente nas áreas onde serão implantadas as residências e
demais equipamentos e a necessidade de utilização da terra proveniente do subsolo, abaixo do
solo superficial orgânico, propõe-se que cada habitação seja implantada considerando o
fornecimento de terra necessária na execução de suas paredes. Desta forma evitaremos
grandes cortes no terreno, realizando pequenos cortes locais de acordo com o volume
necessário para construir a casa em questão.
Em decorrência das baixas temperaturas e a baixa eficiência térmica das coberturas
das casas locais, que utilizam telhas cerâmicas e estruturadas com madeiramento de arvores
locais, a melhor proposta apresentada previa o uso de coberturas vivas a serem montadas de
forma a compor estrutura e acabamento com os mesmos materiais, possibilitando a
diminuição do valor final das construções. Devido aos custos implicados nessa implantação e
Figura 43 – Telhado vivo – Técnica não utilizada na Ecovila Viver Simples. Fonte: Consultoria Meninos da Terra, 2008
Figura 44 – Preferência pelo uso de telhas convencionais com estrutura em madeira. Fonte: Jorge, M.Aurelio, 2008
Figura 42 – Estrutura em eucalipto proveniente de reflorestamento Fonte: JORGE, M. Aurélio, 2008
125
a manutenção constante exigida, os fundadores da Ecovila Viver Simples optaram pela não
implantação dessa prática.
A relevância do atributo de bio-construção é apontada por diversos autores ao longo
do arcabouço teórico desse trabalho, como East (2002), Agenda 21 (2007), Conferencia
Habitat (1996) e IPEC (2007), através das políticas habitacionais que devem preocupar-se em
solucionar os problemas de moradias, não somente nos pequenos assentamentos como a Viver
Simples, como também nas cidades, causando menor impacto possível no meio ambiente.
Particularmente, as técnicas selecionadas na Ecovila em questão buscam aproveitar
materiais e técnicas locais que apresentam alta valorização dos padrões ecológicos,
corroborando as exigências de uma arquitetura sustentável.
4.3.4.2 – Acessibilidade e distribuição
Os hábitos de transporte são responsáveis por níveis crescentes de consumo de energia
e níveis crescentes de emissões associadas a esse consumo. Em termos de diretrizes, pode-se
dizer que as ecovilas são projetadas de forma a minimizar internamente o uso de veículos
particulares, incluindo o desenho de ciclovias e caminhos que tornam as caminhadas e as
bicicletas seguras e convenientes.
Segundo os dados obtidos em campo, a estratégia proposta pela Ecovila Viver Simples
conjuga o uso de pequeno veículo elétrico, semelhante ao “carrinho de golf”; com soluções de
tração animal, como charretes com uma carroceria acoplada para transporte de cargas e
pessoas; ou até mesmo tração humana, como a trivial bicicleta.
A diretriz sobre transporte adotada é conseqüência da proibição de tráfego de carros e
veículos grandes no interior da comunidade. Um estacionamento situado próximo a entrada,
às margens da estrada de acesso à Ecovila, será criado com cobertura de vegetação natural do
tipo pérgola, que deve proteger os veículos e integrar o estacionamento ao ambiente.
Em relação aos caminhos no interior da ecovila, os fundadores acataram as indicações
dos consultores permaculturais para criarem acessos pequenos e estreitos, não
impermeabilizados e preferencialmente com jardins nas laterais. A utilização de materiais
como britas, pedras ou madeiras favorecem o retorno da água ao solo, além de compor
esteticamente o cenário ecológico e harmonioso, desejado pelos participantes, que valorizam
as linhas curvas e topografia da região.
126
Devido aos 2 riachos que cortam a propriedade (Rio Leste e Rio Grande), aprovou-se a
construção de pontes feitas de pedras, madeiras ou bambus, otimizando o transporte na
ecovila.
Finalmente, em relação à acessibilidade, pode-se relatar que, os trajetos entre a cidade
de Itamonte e a ecovila são feitos por estradas de chão de difícil acesso em períodos de chuva,
devido a formação de grande trechos com água e lama, o que pode ser um problema para a
chegada dos visitante, bem como acesso dos membros à cidade.
No tocante a distribuição das unidades, os participantes do assentamento evitaram
levantar cercas no interior da propriedade, justamente para não incentivar o conceito de lote
ou propriedade particulares ao redor de cada unidade de moradia, bem como estimular a
interação entre os envolvidos. Entretanto, em caso de necessidade do uso, as cercas serão,
exclusivamente, do tipo “cercas vivas” com suporte de bambu.
A determinação da consultoria indicara que um menor adensamento das unidades nas
áreas selecionadas, originalmente, pelos membros seria necessário. Contudo essa sugestão não
foi seguida. Se por um lado o espaçamento traria menor impacto ambiental, por outro traria
melhoria no inter-relacionamento entre os participantes.
Figura 45 – Mapa habitacional da Ecovila Viver Simples Fonte: Ecovila Viver Simples, 2008
127
Os participantes definiram áreas comuns para integração dos membros e da
comunidade na realização das tarefas propostas pela Ecovila, conforme citado no arcabouço
teórico desse trabalho no item 2.4.4.2. A distribuição dos espaços e o mapa habitacional
definido, segue conforme a figura 45.
Outro aspecto que colaborou para a orientação das unidades residenciais estar,
relativamente, próximas seria o conforto térmico. A Ecovila Viver Simples está localizada em
uma região montanhosa, com altitude média de 1.200m, e um clima tropical de altitude com
temperatura média de 18oC (com mínimas próximas de 0oC). Deste modo, fez-se necessária
uma estratégia de aquecimento de ambientes para aumentar o conforto térmico nas
edificações: o design solar passivo.
Design Solar passivo é o design que não requer aparatos mecânicos de aquecimento ou
resfriamento, sendo baseado exatamente na disposição e posicionamento das residências.
Casas e edificações projetadas desta forma tiram vantagem dos fluxos naturais de energia para
manter seu conforto térmico. A Ecovila Viver Simples ao incorporar os princípios de design
solar passivo em suas unidades trouxe os seguintes benefícios:
• Aumento significativamente do conforto.
• Redução ou eliminação de gastos com aquecimento e resfriamento.
• Redução da emissão de gases estufa pelo aquecimento, resfriamento,
ventilação mecânica e iluminação.
O design solar passivo proposto na Viver Simples empregou a aplicação
cuidadosa dos seguintes princípios:
• Orientação para a face norte das áreas de convivência e uso durante o dia.
• Massa térmica para armazenamento de calor.
• Isolamento térmico e contra umidade.
• Sombreamento passivo do vidro.
• Soluções avançadas de uso de vidros.
• Zoneamento da planta baseado em necessidades de aquecimento.
Estas estratégias maximizam ganhos de calor no inverno, minimizam a perda de calor
e concentram o aquecimento nas áreas mais necessárias.
128
A utilização do vidro, composto
com paredes que geram massa térmica,
aumenta o conforto dentro das unidades
mitigando a variação de temperatura
durante os períodos do dia.
A Viver Simples, através de uma
consultoria permacultural, orientou
esforços do projeto sobre a forma mais
otimizada de distribuição das construções
e acessos ao longo do terreno, bem como
o posicionamento utilizando técnicas de
design solar passivo, que vão ao encontro da literatura especializada.
Maricato (2006) alerta para os fatores nefastos das autoconstruções de casas irregulares
nas principais cidades brasileiras, e das mazelas causadas por aglomerações em regiões
construídas a partir dos esforços fragmentados e espontâneos de um sem número de agentes
isolados. O resultado é caótico: "condomínios fechados" de promoção privada formam uma
colcha de retalhos sem qualquer unidade ou articulação, e a ausência de qualquer
racionalidade na circulação viária, interrompida a cada 500 metros, revela que se trata de um
depósito de pessoas.
Figura 46 – Carta solares e simulações Fonte: Consultoria Meninos da Terra, 2007
Figura 47 – Caminho do Sol para Itamonte (lat: 22.13) Fonte: Consultoria Meninos da Terra, 2007
Figura 48 – Espaço entre telhado e parede preenchido com vidro Fonte: Jorge, MAurelio, 2008
129
Faz-se jus ao projeto da Viver Simples pela abordagem assertiva nas questões de acesso
e distribuição., assumindo uma postura receptiva a consultoria especializada realizada.
4.3.4.3 – Presença de unidade de conservação
Dois dos aspectos citados no arcabouço teórico na dimensão espacial da
sustentabilidade eram a promoção de projetos de agricultura regenerativa e a criação de uma
rede de reservas naturais e de biosfera para proteger a biodiversidade.
Atualmente o terreno onde será constituída a Ecovila Viver Simples possui 75% da
sua extensão (15 hectares) desmatada pelo uso anterior de pastos para a pecuária e culturas
agrícolas, como milho e feijão. As únicas áreas preservadas até então eram reservas legais,
entorno de cachoeiras, regiões
muito inclinadas de morros,
margens e áreas de nascentes, por
serem um problema para o
agronegócio tradicional. Com a
implantação da ecovila essas
áreas de mata passam a ser fonte
de atração, valorizadas como
importante agente de
transformação aos visitantes das
grandes cidades, desacostumados
com habitat natural.
O projeto da Ecovila prevê ampliação da área de cobertura vegetal natural através de
reflorestamento das espécies nativas, e há uma previsão de aumento em 40% da região
coberta por vegetação nos próximos 10 anos, conforme figura 49.
Segundo o INTERTAO (2007), haveria uma proposta original de estudo prospectivo
com o intuito de identificar as formas mais adequadas de ocupação da terra, verificando a
variação dos tipos do solo, dados da vegetação, hidrografia e demais características que
permitam uma ocupação que minimize os impactos ambientais negativos. Tal proposta foi
mantida e operacionalizada, através da ‘consultoria permacultural’, que atendeu os quesitos
comentados por Sachs (1993) quanto a sustentabilidade espacial, principalmente quanto a
Figura 49 – Áreas de pasto e culturas agrícolas que serão reflorestadas. Atualmente a mata existente é ciliar e à margem do riacho. Fonte: Jorge, M.Aurelio, 2008
130
manutenção de ecossistemas frágeis, que são vitalmente preponderantes para a promoção de
projetos de agricultura regenerativa e uma rede de reservas naturais para proteger a
biodiversidade.
4.3.5 – A ecovila e a dimensão cultural/espiritual, seus indicadores e atributos
A última das dimensões que compõe o constructo multidimensional de
sustentabilidade, possui aspectos de valorização dos conhecimentos endógenos e das
peculiaridades da localidade de Itamonte. O indicador selecionado para estudar essa dimensão
é a própria DIVERSIDADE CULTURAL E ESPIRITUAL a ser adotada pela ecovila no que
concerne ao seu inter-relacionamento interno e com a comunidade. Após as análises das
entrevistas realizadas, verificou-se que alguns dos aspectos de valorização da cultura local
eram percebidos e considerados como fundamentais para integração do assentamento
naturalmente pela comunidade da região.
4.3.5.1 – Medicina alternativa/Técnica de meditação
“As práticas taoístas são uma boa ferramenta para encontrarmos um equilíbrio entre unidade e diversidade.” Olavo Guerra – fundador da Ecovila
Um dos aspectos marcantes na pesquisa de campo foi a identidade dos participantes
com um método ou técnica oriental de manipulação da energia vital do corpo (Chi, segundo a
cultura chinesa), chamada alquimia taoísta. A coincidência explica-se pela grande maioria dos
envolvidos na ecovila (membros fundadores ou incubados) serem instrutores ou estudantes do
Intertao.
Os dados revelaram que os entrevistados consideram essas práticas essenciais ao
equilíbrio material e espiritual do grupo, e pretendem exercê-los como prática diária de
harmonização da ecovila. As sessões serão ministradas a partir das salas terapêuticas, devido a
preparação prévia desses ambientes, tanto em relação a infra-estrutura material, como a
131
presença de macas, esteiras e aparelhos específicos, quanto espiritual, com tratamento
energético. O alcance dessa atividade não será restrito aos membros da ecovila, mas
inclusivas a comunidade, assim como outras ações que possuam promover a integração do
assentamento na vizinhança, conforme depoimento de um dos membros:
“Meditar juntos, trabalhar juntos as técnicas taoístas, comer juntos e respeitar o
momento de solidão de cada um. Exercícios, cantos e danças em conjunto ajudam a
criar essa coesão, e que essas atividades surjam naturalmente e sejam incentivadas,
mas nunca determinadas de fora para dentro. Reconhecendo o talento de cada um e
respeitando suas dificuldades vamos construindo uma alegre convivência todos os
dias.”
Existe a pretensão de criar um mecanismo de seleção de alguns valores locais na
população vizinha para iniciação nas técnicas taoístas e formar futuros instrutores residentes
na comunidade. Por outro lado, há um grande interesse no aprendizado de técnicas locais e
repasse desses conhecimentos em treinamentos aos alunos do Intertao e interessados. No
primeiro semestre do ano, um dos cursos oferecidos in locu, com estadia em acampamento na
área da Ecovila Viver Simples, detalhava o conhecimento de ervas plantadas pela comunidade
e seus usos medicinais, sendo ministrado por “Seu João”, um genuíno raizeiro local.
O intercâmbio de conhecimentos pode ser justificado como prerrogativa de
comunidades que baseiam-se em princípios de economia solidária. Ecovilas no
desenvolvimento local solidário, seguem uma lista de princípios onde os atores pretendem se
movimentar na implementação de políticas de bem-estar social nas circunvizinhanças.
(AMORIM, ARAUJO, 2004, p.49). No caso específico da Ecovila Viver Simples, as técnicas
de meditação e emprego de medicina alternativa buscam uma relação de intercâmbio
respeitoso com a natureza, a partir de práticas fundadas em relações de colaboração solidária,
inspiradas por valores culturais que colocam o ser humano como sujeito e finalidade da
atividade econômica, em vez da acumulação privada de riqueza, em geral, e de capital, em
particular.
132
4.3.5.2 - Técnicas locais de manejo
O atributo considerado mensura a utilização de técnicas/culturas advindas de saberes
tradicionais da cultura popular local nas atividades da ecovila, nas áreas de construção,
artesanato e culinária.
Segundo o INTERTAO (2007), o intuito da ecovila, neste sentido, é utilizar
conhecimentos artísticos, técnicos e científicos dos seus condôminos e desenvolver estudos
específicos para colaborar na manutenção destas populações na sua localidade conservando a
cultura, a sabedoria, as técnicas dessas sociedades.
Em relação às técnicas de construção, apresentou-se, previamente, o conhecimento
local de bio-construção, conforme itens 4.3.4.1 e 4.3.4.2, que também poderia estar abordado
nesse tópico. Entretanto, existe espaço para indicação de mais uma técnica da cultura local
que pode ser considerada tanto como benéfica nas áreas de construção quanto na área
energética: a utilização de fornos aquecedores internos às residências alimentados por
biomassa.
Usualmente, no meio rural utiliza-se fornos à lenha para cozimento dos alimentos. Em
Itamonte, devido às características climáticas de temperatura, uma região montanhosa, com
altitude média de 1.200m, e um clima tropical de altitude com temperatura média de 18oC
(com mínimas próximas de 0oC), aproveita-se o calor gerado por fornos para calefação das
residências, e atualmente também é usado nas pousadas locais para aquecimento em saunas. A
técnica assemelha-se a um sistema chamado “rocket stoves”.
A lenha é uma das mais antigas fontes de energia utilizadas pelos seres humanos. É
considerada uma fonte renovável, pois podemos plantar árvores e utilizar este recurso por
tempo indeterminado, desde que o manejo adequado seja adequado. Na ecovila a proposta é
de utilização de lenha das árvores caídas no assentamento e adquirida de áreas de manejos
apropriados.
O desenho dos aquecedores favorece a queima da lenha por completo a altíssimas
temperaturas, reduzindo drasticamente a emissão de fumaça e conseqüentemente de Carbono
na atmosfera.
133
Quanto ao artesanato, algumas técnicas, principalmente utilizando palha, podem ser
aprendidas e utilizadas na ecovila. Esse é um mercado em crescimento devido ao aumento de
qualidade das peças e a diversidade de uso. O processo de produção é altamente centralizado
e os artesãos podem realizar seus trabalhos em espaços reduzidos ou em suas próprias
residências. Um dos especialistas nessa técnica de trancamento de palha de coqueiro é o Sr.
Antônio, que atualmente está envolvido no projeto de construção da ecovila, conforme
mostrado nas figuras 54 e 55.
Figura 51 – Economia de lenha ocasionada pelo uso do sistema proposto. Fonte: Consultoria Meninos da Terra, 2007
Aquecedor usado na Ecovila
Aquecimento a lenha convencional
Figura 50 – Corte no sistema de aquecimento Fonte: Consultoria Meninos da Terra, 2007
Figura 52 – Aquecedor externo. Fonte: Consultoria Meninos da Terra, 2007
Figura 53 – Aquecimento dentro do sofá de terra crua. Fonte: Consultoria Meninos da Terra, 2007
134
Em relação a culinária local, duas especiarias destacam-se na região da Serra da
Mantiqueira, a primeira é a truta que pode ser criada em tonéis nas propriedades através de
manejo relativamente fácil, alem de possuir alto valor nutritivo, com alto teor de proteína,
cálcio, fósforo, sais minerais e vitaminas. Apresenta também ácidos graxos do tipo Ômega-3 e
baixo teor de calorias, o que a torna uma boa opção para dietas de emagrecimento e na
redução do colesterol ruim (LDL), nocivo ao coração. A segunda é o pinhão, como é
conhecida a semente do pinheiro. Diversos pinheiros-do-paraná são encontrados na ecovila,
conforme registro da figura 21, gerando muitas semente que apresentam um valioso teor
nutricional. Historicamente, era a principal fonte de alimentação de algumas tribos indígenas
do sul do Brasil. Sua polpa é formada basicamente de amido, sendo muito rica em vitaminas
do complexo B, cálcio, fósforo e proteínas.
Segundo Gilman (1991), o movimento de ecovilas possui foco na esfera local, tornando-
se uma oportunidade de implementação das políticas embasadas nas peculiaridades locais,
fundamentadas nas necessidades e prioridades da comunidade, e levando em conta outros
fatores culturais, ambientais e de organização social. Nesse aspecto a Viver Simples atende ao
atributo do uso de técnicas locais de manejo nas áreas estudadas de construção, artesanato e
culinária.
Figura 54 – Trabalho realizado pelo Sr. Antônio (artesão local). Fonte: Jorge, M. Aurélio, 2008
Figura 55 – Esteira de palha usadas como forro nos tetos. Fonte: Jorge, M. Aurélio, 2008
135
4.3.6 – A ecovila como agente catalisador de desenvolvimento local na região
A proposta da Ecovila Viver Simples é, prioritariamente, criar um mecanismo de
incentivo ao desenvolvimento local, em linha do que comenta Singer (2006) sobre o
desenvolvimento endógeno. Proveniente de iniciativas da própria comunidade, que se
reorganiza.
A Ecovila como modelo organizacional sob a égide da ECONOMIA SOLIDÀRIA,
principalmente no respeito aos direitos igualitários entre seus participantes e os atores locais,
pretende criar os subsídios, ainda que incipientes, para promover ações de inclusão social,
cooperação e solidariedade e melhoria da qualidade de vida dos moradores da
circunvizinhança.
4.3.6.1 – Cooperação e solidariedade: Parcerias através da OSCIP Instituto Integrando Saberes
As discussões sobre o projeto da ecovila, em linhas gerais, sempre mostraram-se
permeadas por uma atmosfera de consenso. Contudo, conforme apontado pela pesquisa de
campo, existia um ponto-chave delicado, devido a apreensão que o cercava: a formação de
uma segunda entidade jurídica dentro do projeto da Ecovila Viver Simples. Inicialmente, um
certo desconforto foi criado quando esclareceram que a criação dessa organização pública
implicava na doação de uma parte da terra da ecovila. Após as explicações e apresentação dos
planos de construção da OSCIP, que elucidavam a origem e a forma das construções e como
ocorreria a realização desse projeto (através de doações e parceria públicas) a maioria dos
membros acabou por aceitar a criação dessa associação.
A OSCIP é um título fornecido pelo Ministério da Justiça do Brasil, cuja finalidade é
facilitar o aparecimento de parcerias e convênios com todos os níveis de governo e órgãos
públicos (federal, estadual e municipal) e permite que doações realizadas por empresas
possam ser descontadas no imposto de renda. A lei que regula as OSCIPs é a nº 9.790, de 23
março de 1999. Esta lei traz a possibilidade das pessoas jurídicas (grupos de pessoas ou
profissionais) de direito privado sem fins lucrativos serem qualificadas, pelo Poder Público,
como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIPs e poderem com ele
136
relacionar-se por meio de parceria, desde que os seus objetivos sociais e as normas
estatutárias atendam os requisitos da lei. (WIKIPEDIA, 2007)
Criou-se, então, o Instituto Integrando Saberes. Uma OSCIP, cujas finalidades
estavam identificadas pelos preceitos definidos:
OSCIP criada na Ecovila Viver Simples
Para a consecução de suas finalidades, o INSTITUTO INTEGRANDO SABERES
sugere promover, colaborar, coordenar ou executar ações e projetos visando:
I - execução programas de qualificação profissional de pessoas e a sua inclusão no
mercado de trabalho por meio da educação, do resgate de conhecimentos tradicionais,
do artesanato, do saber científico, da democratização e acesso à tecnologia de
informação;
II - promoção da geração de trabalho e renda comunitários, através do ensino de
práticas produtivas cooperativistas e associativistas de valor cultural e/ou econômico;
III - fomento de ações que contribuam para manter viva a memória cultural popular
relacionada com os usos, costumes e tradições da diversidade cultural brasileira,
promoção da arte e cultura;
IV - promoção de intercâmbio com entidades científicas, de ensino e de
desenvolvimento social, nacionais e internacionais, bem como o desenvolvimento de
estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e
divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos;
V - execução de serviço de radiodifusão sonora, publicações escritas, programas de
TV, documentários e clipes com finalidade educativa, artística, cultural e informativa,
com respeito aos valores éticos e sociais, em benefício do desenvolvimento geral da
comunidade.
VI - promoção da educação e da saúde alternativa incluindo prevenção de doenças;
VII - preservação, defesa e conservação do meio ambiente e promoção do
desenvolvimento sustentável;
VIII - promoção do voluntariado, de criação de estágios e colocação de educandos no
mercado de trabalho;
137
IX - experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas
alternativos de produção, comércio, emprego e crédito;
X - promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de
outros valores universais.
Quadro VIII – Projeto de OSCIP na Ecovila Viver Simples Fonte: OSCIP Instituto Integrando Saberes
A dedicação às atividades acima previstas mediante a execução direta de projetos,
programas, planos de ações correlatas, ocorreria por meio da doação de recursos físicos,
humanos e financeiros, ou ainda pela prestação de serviços intermediários de apoio a outras
organizações sem fins lucrativos e a órgãos do setor público que atuem em áreas afins.
A pretensão de promover ações de cooperação e solidariedade, através de parcerias
com órgãos públicos e privados seria uma das responsabilidades da OSCIP, catalisando
recursos para investimento na região.
A atividade de criação de um projeto de sociedade civil, como a OSCIP Integrando
Saberes no âmago da Ecovila Viver Simples, corrobora a diretriz da Agenda 21 brasileira e
está alinhada com os instrumentos de planejamento participativo para o desenvolvimento
sustentável através da criação de parcerias que incentivem a infra-estrutura e integração
regional. Essa temática vem sendo desenvolvida e coordenada pelo governo através da
Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável (CPDS), e conta com debates
regionalizados envolvendo instituições e sociedade civil. (MMA, 2007). As atividades a
serem desenvolvidas na Integrando Saberes procuram parceiros entre os envolvidos no
projeto: membros fundadores, incubados e a população da circunvizinhança.
4.3.6.2 – Inclusão social: esquema de apoio social e familiar
Segundo a pesquisa de campo, os membros fundadores da Ecovila Viver Simples
preconizaram como núcleo fundamental das atividades de inclusão social, um grupo de apoio
familiar com a perspectiva de prestar serviço voluntário na comunidade, com características
informais e voltado para atividades culturais, educacionais e de lazer.
138
A perspectiva inicial seria realizar um mapa sócio-cultural das redondezas, e a partir
da detecção das necessidades locais, implementar ações prioritárias que iriam ao encontro aos
desejos da comunidade.
As atividades estão a cargo do grupo de Recursos Humanos, vinculados diretamente
ao Conselho de administração geral, conforme figura 23, composta por três membros
fundadores, que recém iniciaram o processo de levantamento das informações através das
interações com os trabalhadores, que atualmente constroem as unidades residenciais. Até a
presente data, duas atividades foram realizadas com a presença média de nove pessoas, quase
na sua totalidade composta por homens, entre 20 e 30 anos, arrimos de família e moradores da
região de Morro Grande.
Essencialmente, as reuniões visaram colher dados através de um processo desprovido
de formalidade e registro tradicional, como formulários e anotações. Empregaram-se
dinâmicas em grupo e atividades lúdicas para romper a inibição da população,
eminentemente, masculina. A próxima reunião deve contar com a presença das esposas dos
trabalhadores, convidadas a participar de uma reunião exclusivamente feminina, organizada
por uma dos membros do grupo.
Segundo um dos membros entrevistados, os problemas pessoais da vizinhança da
podem ser serenados através do apoio familiar, contudo alerta para a ressalva do
envolvimento prejudicial:
“Os problemas pessoais poderão ser amainados pela comunhão com o coletivo, mas
não desafinar, desviar do rumo ou interpor-se entre o coletivo e o seu objetivo,
porque se não em breve teremos um sanatório e não um grupo ativo, e contribuinte
para o bem familiar da vizinhança.”
Exerce papel fundamental a OSCIP, no desenvolvimento das atividades relacionadas
com o levantamento em andamento. As ações prementes e percebidas pelos encontros
realizados indicam priorização para:
• orientação e auxílio na obtenção de registro de documentos.
• suporte psicológico contra alcoolismo
• organização de atividades recreativas e culturais com as famílias da
comunidade.
139
• auxílio a pessoas da terceira idade, que vivem isoladas em casa ou com
dificuldade de locomoção.
• esclarecimento sobre métodos contraceptivos e prevenção contra DST.
O foco dos participantes da Ecovila Viver Simples é combater a realidade de algumas
cidades brasileiras, cujas mazelas de escassez de um planejamento urbano aceleram as
manifestações de problemas de tensão social, que tornam indivíduos inimigos um dos outros,
ou agressivos contra a sociedade. Acselrad (2001) aponta a perda de identidade, do sentido de
pertencer a algum grupo, da solidariedade social e a solidão existencial dos rejeitados e
marginalizados. O esquema de apoio social e familiar pretende criar subsídios que evitem o
esfacelamento dos envolvidos, de suas famílias e da comunidade circunvizinha.
4.3.6.3 – Qualidade de vida e felicidade: Percepção dos moradores da circunvizinhança sobre a presença da Ecovila
A aferição sobre a melhoria de qualidade de vida e felicidade dos moradores é a que
apresenta maior dificuldade de verificação, visto que os impactos sócio-econômicos
ambientais são de difícil mensuração, sem contar que as vantagens proporcionadas na fase de
projeto, normalmente são incipientes. Tais impactos, quando ocorrem, restringem-se apenas
aos envolvidos diretamente com a Ecovila na sua fase de implementação.
Nas entrevistas realizadas, pode-se verificar que um dos maiores benefícios, na
percepção dos moradores da comunidade, é a manifestação de que atualmente usufruem uma
melhor qualidade de vida oriunda da geração de renda proporcionada pela construção das
residências do assentamento. Ressalta-se também a adoção de valores ecológicos e mudança
de comportamento com o habitat, dado que anteriormente práticas como queimadas e cortes
de árvores nativas eram comuns. Um dos entrevistados comenta a mitigação dessas atividades
predatórias pelo receio de fiscalização do IBAMA e pela criação de alternativas geradoras de
renda como a Ecovila Viver Simples:
“ (...) Para falar a verdade o pessoal aqui não tem essa preocupação, não. Aqui a
gente, o pessoal mais velho, o meu pai, faziam derrubada. Todo mundo aqui era
assim...agora o IBAMA, a fiscalização florestal vêm e multa, e o pessoal começa a
ficar com medo, mas é só por isso que a gente não faz mais isso. (...) E por surgir
outros meios de viver como esse daqui de estar trabalhando, tem até um menino
140
daqui que tem que trabalhar na cidade. Serviço de roça no campo ninguém quer mais
(...) Agora com a oportunidade de trabalhar na ecovila trabalha bastante gente aqui.
Tem menino que trabalha e sustenta a casa com o serviço daqui”
Ademais, outro fator percebido foi uma maior fixação do homem no campo, que
passou a ser considerado, não apenas como mão de obra trivial e desqualificada, mas como
prestadores de serviço valorizados pelo conhecimento impar das técnicas locais. A proposta
da Ecovila é, em breve, utilizar-se de parcerias através de uma relação de equivalência para
gerar novas e melhores oportunidades que atendam a expectativa local:
“Seria muito importante pra gente não acabar isso, porque agora aqui trabalham umas quinze
pessoas, as vezes vinte, as vezes menos; e quando acabar a obra esse pessoal vai diminuir, e aí
eu não sei o que vai acontecer com eles”
A valorização dos conhecimentos locais e resgate da auto-estima pôde ser verificada
pelo orgulho dos participantes que tiveram algum tipo de envolvimento, direta ou
indiretamente no projeto, seja na construção ou na participação em cursos oferecidos pela
Ecovila, como o citado no item 4.3.5.1, ministrado pelo Sr. João raizeiro, que terminou seu
curso com a seguinte frase:
“Vocês não sabem a felicidade que eu sinto no coração de poder passar pra vocês o
saber que eu recebi do meu pai, que veio do meu avô e que veio do pai dele, e que agora não
vai morrer mais comigo.”
A proposta do assentamento Viver Simples é de interação com a comunidade baseada
em relações de equidade e hospitalidade, e propagar esse sentimento aos visitantes que
estiverem usufruindo das atividades da ecovila, através de um relacionamento informal,
porém respeitoso e aproveitando o espírito receptivo da comunidade:
“Hoje a vida aqui é bem calma, e o pessoal não se importa muito com quem vem de
fora, e quando eles olham e gostam da pessoa é tudo muito tranqüilo”
Merece destaque a oportuna percepção dos moradores, principalmente mulheres,
quanto as ações sociais que pretende-se implantar nos núcleos de apoio familiar, que intentam
141
minimizar alguma das mazelas locais citadas no item anterior. Uma das entrevistadas revelou,
que nas redondezas não existe nenhuma organização governamental ou ONG que exerça um
levantamento das necessidades da população de Morro Grande, e que esses assuntos somente
são tratados em época de eleições como promessas políticas.
Quanto a infra-estrutura, a presença da Ecovila Viver Simples motivou o
“desengavetamento” de um projeto que era discutido na esfera municipal há 15 anos: o
asfaltamento da estrada que interliga Itamonte a Aiuruoca, e que cruza toda a localidade de
Morro Grande onde encontra-se a Viver Simples. Essa medida trará facilidade a
acessibilidade dos moradores, bem como a redução do custo de transporte de materiais e
alimentos vindos de fora para a comunidade.
Através de todos esses indicadores
positivos, percebeu-se que a implantação de
uma Ecovila no local é vista como uma
mudança para melhor em relação à situação
anterior, fator que pode ser considerado
como melhoria na qualidade de vida da
comunidade, principalmente, nas áreas
sociais, econômicas e ambientais. Aspectos
da presença do desenvolvimento local
sustentável, O sentimento de felicidade dos
moradores em participar de projetos que
representem valorização do indivíduo e do lugar mostra-se propício, na medida que simboliza
relações que produz ganho para os envolvidos, oportunidades equânimes para quem ocupa-se
das atividades, além da manutenção e ampliação da dignidade da comunidade, como lócus
privilegiado de relações humanas.
Figura 56 – Obras de asfaltamento na estrada que interliga Itamonte a Aiuruoca. Fonte: Jorge, M. Aurélio, 2008
142
5 – CONCLUSÕES
143
5 – CONCLUSÕES
5.1 – CONSIDERAÇÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES
A esfera na qual uma ecovila insere-se com sua estrutura e manifestação, compreende
uma oportunidade de avaliação das deliberações humanas em uma sociedade civil integrada
ao meio natural. Por se tratar de um processo complexo e contínuo, contribui para a criação de
uma identidade peculiar em cada comunidade criada, a partir das estratégias pensadas e
discutidas coletivamente, para criação de uma organização que atue como agente de
transformação do ambiente local. Esse trabalho apresenta a discussão sobre os aspectos de
formação de uma ecovila, avaliando como os constructos de sustentabilidade e
desenvolvimento local podem alicerçar o projeto, bem como avaliar a percepção desses
conceitos por parte dos envolvidos.
As ecovilas são consideradas modelos de comunidades intencionais ou comunidades
sustentáveis e foram incorporadas pelas Nações Unidas no Programa de Desenvolvimento de
Comunidades Sustentáveis (SCDP), como um assentamento de escala humana completamente
caracterizado onde as atividades estão integradas ao mundo natural de maneira não danosa e
de tal forma que dêem apoio ao desenvolvimento humano saudável e que se possa continuar
indefinidamente ao futuro.
Ao redor do mundo, o movimento de ecovilas apresenta-se como uma experiência
geradora de eventos enriquecedores e democráticos, e desenvolvem diversos níveis de
sustentabilidade, muitas vezes manifestando algumas dimensões da sustentabilidade em prol
de outras. No Brasil, as experiências ainda são restritas e passam por um processo paulatino
de afloramento. Contudo, grande parte desses assentamentos constitui-se em modelos
puramente empiricistas, através de prática “aprende-se fazendo”, despreocupando-se com a
fase prévia de projeto e debate sobre os aspectos que constituem, efetivamente, esse modelo.
Este trabalho visa analisar os indicadores que determinam os graus e atributos de
sustentabilidade e desenvolvimento local, que são possíveis mensurar na fase de
planejamento, no intuito de otimizar a fase subseqüente de implantação desse tipo de
comunidade.
Assumindo os cinco níveis de sustentabilidade e o arcabouço teórico de economia
solidária para fundamentar o desenvolvimento local nesse trabalho, pôde-se preparar
questionamentos baseados nos indicadores selecionados para avaliar até que ponto esses
constructos são levados em consideração na fase de projeto da Ecovila Viver Simples.
144
Foi possível verificar os grandes esforços dos membros na fase de projeto em garantir
que aspectos ambientais tornassem-se foco das discussões, e demandassem maior zelo e
esmero na operacionalização do assentamento.
Quanto a dimensão ecológica, o fato da estrutura organizacional adotada possuir três
conselhos: Conselho de Obras e Projetos, Conselho de Soluções e Conselho de Produção para
priorizar tarefas vinculas ao meio ambiente indica a inclinação dos membros em criar
mecanismos de mitigação de impacto do habitat. Os estudos realizados para verificar como o
indicador de “utilização dos recursos renováveis” poderia atender as exigências de
sustentabilidade, obtiveram sucesso nos atributos estudados, cumprindo em grande parte as
expectativas. Considerando que, a Ecovila está em fase de implementação, algumas das
propostas já tornaram-se realidade como a utilização de recursos renováveis, enquanto outras
estão aguardando momento oportuno para iniciarem suas práticas como as políticas de
tratamento de resíduos inorgânicos (política dos 3 R´s).
Adicionalmente, a dimensão espacial, que por afinidade pode ser encarada com parte
constituinte dos aspectos ambientais valorizados, corroborou através do indicador de
“regulação de uso e ocupação do solo” a valorização do perfil ambientalista dos envolvidos. A
bio-construção desenvolvida nas ecovilas combinou eficiência no uso de métodos de
construção que reduzem a produção de lixo durante o processo, com materiais renováveis, não
tóxicos, de fonte bio-regional. A acessibilidade e distribuição, seguiu a propostas de otimizar
os trajetos dentro da ecovila com mínimo de impacto, e o design solar passivo obteve a
melhor distribuição das residências para conforto térmico. A unidade de preservação da
vegetação na ecovila, com previsão de reconstituição de parte da mata nativa encerram os
indicadores positivos dessas dimensões. Através desses parâmetros pode-se perceber que duas
das dimensões de sustentabilidade (ecológica e espacial) estão representadas com robustez e
são partes constituintes e ativas desse projeto.
Na análise da dimensão econômica, a pesquisa apontou uma debilidade no manejo dos
temas vinculados ao indicador “suficiência econômica”, visto que o principal atributo na
mensuração: a atividade para geração de renda mostrou-se indefinida quanto às propostas que
cada membro deve desenvolver. A maior expectativa de obtenção de renda - através da
remuneração pela estadia dos visitantes – esbarra na limitação de capacidade da ecovila para
grandes escalas. Essa cizânia gera um dilema entre obter recursos financeiros versus atender
as premissas sócio-ambientais do assentamento. O atributo relacionado a prestação de contas ,
mesmo tendo acordado uma classificação de projetos que permitisse ao participante da
atividade econômica caracterizar seu negócio como empreendimento pessoal ou coletivo, e
145
estabelecer o critério de alocação dos lucros provenientes dessas atividades, é um item que
suscita polêmicas, devido a discordância de classificação dos projetos propostos. Finalmente,
as práticas de economia social mostraram-se incipientes, pelo receio por parte dos fundadores
em iniciar atividades de negócios em cooperativa, arcando exclusivamente com os
investimentos, além de atender as premissas de minimizar os impactos ambientais e sociais.
Avaliando esses parâmetros pode-se dizer que o projeto é frágil na dimensão econômica da
sustentabilidade.
Em relação a dimensão social, averiguou-se a presença de características peculiares, e
por vezes ambíguas, nas discussões de projeto da Viver Simples. A ecovila pleiteava sua
aceitação e inclusão na vida da localidade como agente ativo de transformações, e a forma
assertiva de implementar tais ações era desempenhar o indicador de “relações sociais” da
forma mais receptiva e agradável entre os envolvidos. Observando as discussões do projeto e
as entrevistas, por um lado encontraram-se mecanismos que desenvolvem uma abordagem
filosófica acrática, gerida por um processo de tomada de decisões considerado democrático,
como a prática de governança circular para implementação de lideranças e resolução de
conflitos; por outro lado esse mesmo mecanismo apresenta limitações, uma vez que as
votações dos temas de interesse do assentamento ficam restritas aos fundadores, desprezando
a opinião dos incubados, além dos assuntos relacionados para discussão em fórum passarem
pelo crivo da Assembléia Geral. No inter-relacionamento comunitário e interno ao grupo,
mesmo que as regras sejam áureas38, acabam funcionando como imposição, sujeitas a
punições no caso de descumprimento. Alguns desses paradoxos representam a necessidade de
melhor posicionamento desses aspectos pelos membros da ecovila, através de
acompanhamento continuo para melhoria dos processos até o alcance da maturidade. Na
análise desse indicador pode-se afirmar que a dimensão social da sustentabilidade é parcial
com viés positivo, e deve estar exposta às práticas que desenvolvam os diversos aspectos do
relacionamento social.
Merece destaque o atributo: auto-percepção dos membros, classificado na dimensão
social, que intentara mensurar a percepção dos conceitos de ecovila como um assentamento
sustentável e sua capacidade de gerar desenvolvimento local, avaliado pelos próprios
fundadores. As características que repetiram-se em mais de um questionário foram
unanimemente classificar a comunidade, efetivamente, como uma ecovila e conceituar a
38 Refiro-me a regra de ouro, como um princípio moral geral, que se encontra em praticamente todas as religiões e culturas, freqüentemente como regra fundamental. Não faças aos outros aquilo que se a ti for feito, te causará dor - Mahabharata (5:15:17)
146
ecovila como assentamento com características de sustentabilidade ecológicas e sociais,
omitindo quase sempre aspectos espirituais e econômicos.. Os membros dividiram suas
opiniões quanto ao alcance da sustentabilidade do assentamento no futuro, caracterizando a
ecovila, nas auto-percepções como uma comunidade com características parcialmente
sustentáveis.
A dimensão espiritual/cultural da sustentabilidade mostrou-se como outro fator positivo,
já que os participantes possuem uma sensibilidade desenvolvida pelo estudo da alquimia
taoísta e consideram essas práticas essenciais ao equilíbrio material e espiritual do grupo,
pretendendo exercê-las como prática diária de harmonização da ecovila. As técnicas locais de
manejo nas áreas de construção, especificamente quanto ao conforto térmico, artesanato e
culinária, despertaram interesse de aprendizagem pelos membros, além da pré-disposição de
transferência dos conhecimentos de medicina oriental aos interessados da comunidade
vizinha. O respeito a diversidade espiritual e cultural é contemplado, e pode-se dizer que esse
indicador caracteriza alcance de tal dimensão da sustentabilidade no projeto estudado.
Na avaliação do constructo desenvolvimento local, o grande diferencial da Viver
Simples foi ter criando um instrumento jurídico na forma de OSCIP com a pretensão de
promover ações de cooperação e solidariedade, através de parcerias com órgãos públicos e
privados, catalisando recursos para investimento na região. A atenção dos fundadores da
ecovila em criar núcleos de apoio familiar, a partir de levantamento sócio-cultural das
redondezas, demonstra aspectos positivos na criação de mecanismos de fortificação social
para geração de um desenvolvimento local “endógeno”, conforme comenta Sachs (2000). E
finalmente a aferição da melhoria da qualidade de vida e felicidade com a presença da Viver
Simples, ainda que apresente dificuldades quanto a mensuração de impactos sócio-
econômicos na fase de projeto, alguns envolvidos no projeto testemunharam expectativa
positivas de geração de renda na comunidade, melhoria de infra-estrutura, apoio familiar e
valorização da cultura local. Afirma-se, baseado em tais indicadores, que a Ecovila Viver
Simples apresenta um grande potencial de gerar desenvolvimento local para a
circunvizinhança da região de Itamonte em Minas Gerais.
Apoiando-se nas conclusões descritas acima, foi possível responder a pergunta de
pesquisa: Até que ponto o projeto para formação da Ecovila Viver Simples em Itamonte
- MG fundamenta-se nos constructos sustentabilidade e desenvolvimento local ?, através
do uso dos questionários e entrevistas.
147
Constatou-se, realmente na constituição do projeto inúmeros aspectos que caracterizam,
o uso dos constructos de sustentabilidade e desenvolvimento local para fundamentar, orientar,
discutir, planejar e executar ações na formação da Ecovila estudada, com sucesso.
Quanto aos objetivos específicos desse trabalho:
• Analisar os indicadores que determinam os graus e atributos de sustentabilidade
e desenvolvimento local, que são possíveis mensurar na fase de planejamento.
Foi atingido, a partir da identificação e seleção dos indicadores e atributos conforme
item 3.2, e verificação sobre o grau de ocorrência no item 4.3 desse trabalho.Há
também que ressaltar o fato de algumas dimensões de sustentabilidade
demonstrarem o alcance parcial desse constructo no projeto, conforme comentado
nesse capítulo.
• Descrever e analisar as fases do projeto e os debates sobre as diversas ações que
envolvem a implementação da comunidade ecovila em questão.
Descreve-se nos itens 4.1 a 4.3 as fases do projeto de formação da ecovila,
utilizando-se dos instrumentos de coleta de dados especificados no item 3.3, a partir
de uma perspectiva longitudinal pura, na qual o interesse esteve na averiguação dos
constructos de sustentabilidade e desenvolvimento local da ecovila Viver Simples ao
longo do tempo
• Avaliar se os conceitos de ecovila, sustentabilidade e desenvolvimento local são
compreendidos pelos membros do assentamento e relacioná-los com a teoria
selecionada como arcabouço teórico do trabalho.
Com a aplicação do questionário e entrevista, obteve-se a percepção dos membros
quanto aos conceitos supracitados, relacionando-os com o arcabouço teórico
selecionado, como já comentado nesse capitulo.
Durante o período de realização desse trabalho, e também pelo seu decurso, pode-se
recomendar alguns estudos, com vistas a dar seqüência aos estudos do uso de sustentabilidade
e desenvolvimento local em ecovilas:
148
• Investigar os aspectos de sustentabilidade e desenvolvimento local na Ecovila
Viver Simples quando estiver implantada, monitorando o desenvolvimento do
que foi proposto em projeto e a evolução de aspectos emergentes com a prática
das atividades.
• Avaliar o relacionamento das ecovilas em contato com outras, ou a partir da
integração de redes locais ou globais como o GEN, detectando que tipo de
atividades, ações, trocas podem promover alcance da sustentabilidade ou
desenvolvimento local.
• Assumindo a urbanização problemática como realidade global, conforme citado
no item 2.1.3 desse trabalho, verificar quais experiências de ecovilas urbanas são
implementáveis nas cidades brasileiras, investigando como tais assentamentos
seriam embasados em sustentabilidade em todas as suas dimensões, e atestando
intenção de promover desenvolvimento das redondezas.
Como resolução final, fica a expectativa de que o trabalho possa orientar ecovilas na
fase de projeto, apontando a importância dos aspectos de sustentabilidade e desenvolvimento
local na formação de assentamentos desse tipo. Espera-se também que os conhecimentos aqui
disseminados sirvam como prólogo, auxiliando na prática algumas comunidades, que se auto-
intitulam “ecovilas”, mas que na verdade não desenvolvem sequer aspectos minimamente
estruturados que as caracterizem como tal, como relações solidárias entre seus participantes,
ou construção orientada atendendo aos preceitos de preservação ambiental.
149
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APÊNDICE A – FORMULÁRIO DE PESQUISA DE CAMPO
ECOVILA VIVER SIMPLES Data:___________ Identificação do participante Nome: _______________________________________________ Idade: ______ anos Quantas pessoas da família estão envolvidas no projeto da Ecovila ?
• menores de 7 anos • entre 7 e 18 anos • maiores de 18 anos • acima de 60 anos
Exerce a função de participação na ecovila como: Fundador Incubado Quanto aos aspectos que tratam da auto-percepção, pode-se considerar que no projeto da Ecovila os participantes compreendem: 1. Qual é o seu entendimento dos conceitos de ecovila, sustentabilidade e desenvolvimento local ? Você
acredita que o projeto de comunidade do qual participa pode ser chamada de ecovila ? ____________________________________________________________________________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________________________________________________________________________
2. Qual a percepção dos membros sobre o projeto quanto à sustentabilidade do assentamento: � completamente auto-sustentável. � parcial, com perspectivas de alcance da sustentabilidade ao longo dos anos. � parcial, mas sem perspectivas de alcance da sustentabilidade pelas características do
assentamento. � a sustentabilidade plena é uma utopia, e como tal não gera expectativas de alcance.
3. Quais os principais fatores que deveriam ser avaliados, em projeto, para que a Ecovila alcance a sustentabilidade, caso seja possível ?
________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
4. Os membros acreditam que a Ecovila poderá trazer benefícios locais a ponto de trazer efetivo desenvolvimento para a região ?
� sim. Em caso positivo, em que nível ? baixa média alta � não
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Quanto aos aspectos que tratam da sustentabilidade ESPACIAL, pode-se considerar que no projeto da Ecovila Viver Simples abordou-se no planejamento:
5. Descreva o histórico da decisão sobre a localização e distribuição das unidades na ecovila ? O desenho dos espaços (residenciais e comuns) possibilita minimizar as necessidades de energia e harmonização com o ambiente ? __________________________________________________________________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 6. Você se sente confortável com os materiais aprovados pela convenção da ecovila (materiais naturais ou reciclados, como pedras da região, preservantes, adobe, materiais de fabricação local, madeira certificada, etc) ? __________________________________________________________________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Quanto aos aspectos que tratam da sustentabilidade ECONÔMICA, pode-se considerar que no projeto da Ecovila Viver Simples abordou-se no planejamento: 7. Você pensa em desenvolver uma atividade para geração de renda na Ecovila ? Como você imagina a entrada de recursos financeiros na ecovila ? Individualmente ou coletivamente através de associação ? __________________________________________________________________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 8. Qual seria a forma de organização da produção e o critério de recompensa que você imagina (p.ex.: fundadores investem capital e incubados realizam as tarefas, e existe uma divisão igualitária da renda gerada) ? __________________________________________________________________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 9. Como você prevê a prestação de contas entre os sócios na produção ? __________________________________________________________________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 10. Você pensa realizar alguma atividade produtiva visando aproveitar a mão-de-obra dos moradores da circunvizinhança ? Pode descrevê-las ? __________________________________________________________________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________________________________________________________________
158
11. Você pensa em implantar mecanismo de transação comercial entre os moradores da Ecovila e da circunvizinhança cuja compensação não seja exclusivamente dinheiro? Pode descrevê-las ? __________________________________________________________________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Quanto aos aspectos que tratam da sustentabilidade SOCIAL, pode-se considerar que no projeto da Ecovila Viver Simples abordou-se no planejamento: 12. Como ocorre o processo de tomada de decisão e resolução de conflito entre os membros da Ecovila (existe algum peso maior entre algum dos participantes, os incubados tem alguma representatividade ou somente os fundadores participam das decisões do assentamento) ? __________________________________________________________________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 13. Existe algum código ou normas pré-estabelecidas e que mecanismos foram criados para obediências a elas ? No caso de discordância ou não observância das normas por parte de algum(uns) membro(s), qual o processo para solvência ? __________________________________________________________________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Quanto aos aspectos que tratam da sustentabilidade CULTURAL e ESPIRITUAL, pode-se considerar que no projeto da Ecovila Viver Simples abordou-se no planejamento: 14. Quais os conhecimentos e técnicas locais, nas diversas áreas, que podem ser adotadas usualmente na Ecovila, e que podem ser replicadas em projetos semelhantes (técnicas de construção, manejo de culturas animais e vegetais, culinária, artesanato, etc) ? __________________________________________________________________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 15. Qual a sua participação com as atividades terapêuticas, técnicas orientais de meditação e medicina alternativa propostas pela Ecovila ? __________________________________________________________________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 16. Existe alguma proposta de projeto de integração e troca de conhecimentos entre os participantes da Ecovila e os moradores da circunvizinhança onde se possa ensinar e aprender os conhecimentos dominados por cada um dos grupos ? __________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________
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APÊNDICE B – ROTEIRO DA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA
ECOVILA VIVER SIMPLES Data:___________ Identificação do participante Nome: _______________________________________________ Idade: ______ anos
� Qual é sua expectativa com a implantação do projeto de uma ecovila na sua região ? Como você acha que a ecovila pode ajudar a vizinhança ?
� Você sabe exatamente qual a finalidade e como funciona uma ecovila ? � Existe alguma atividade desenvolvida na sua região (pelo poder público, privado, ONG) que
promova apoio social ou familiar ? � Você gostaria de participar mais das decisões sobre atividades na sua região ? � Gostaria de participar de núcleos e ter ao seu alcance os seguintes benefícios próximos a sua
residência ?
o mapeamento sócio-cultural: conhecer as necessidades e carência da vizinhança o incentivo a educação: cursos, oficinas, técnicas de produção. o ensino de atividades artísticas como teatro, música, pintura, dança e outras atividades o saúde da família: técnicas terapêuticas, técnicas naturais (chás, ervas, etc)
� Atualmente, você realiza algum tipo de ação para preservação ambiental ? Quais ? Você acredita
que a ecovila pode ajudar a preservar o meio ambiente ? � Quais são os empregos existentes na região? Com o que você e sua família trabalham ? � Como você vê o futuro ? Existe perspectiva de melhora na sua qualidade de vida e da sua família
? � Como você se sentiria com a presença de visitantes trazidos pela ecovila à sua região ? Você
acredita que pode haver bom relacionamento entre visitantes e a população local ?
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APÊNDICE C – GUIA DE VERIFICAÇÃO PARA OBSERVAÇÃO SISTEMÁTICA
ECOVILA VIVER SIMPLES
Quanto aos aspectos que tratam da sustentabilidade ESPACIAL, pode-se considerar que no projeto da Ecovila Viver Simples abordou-se no planejamento:
1. Observa-se a topografia para correta locação das unidades (residenciais e área comum) para que tirem o máximo proveito da (o):
• força da gravidade para circulação de pessoas e materiais ? • otimização dos equipamentos de saneamento e abastecimento ? • benefício da vegetação existente ?
2. Como foi imaginado a circulação dentro da ecovila ? Existem limitações ou estímulos ao uso de determinados meios de transportes ? 3. Quais as condições de acesso à Ecovila a partir da cidade mais próxima ? Existem obstáculos ou impeditivos ? 4. Qual a área total de vegetação natural preservada e quanto isso representa da área total da ecovila ? 5. No processo de construção das unidades, observa-se os aspectos citados abaixo:
• temperatura no verão e no inverno ? • ventilação ? • iluminação ? • instalações elétricas e hidráulicas (água e esgoto) ? • isolamento de ruídos ?
6. Quais as práticas de bio-construção foram selecionadas para uso na ecovila ? Quanto aos aspectos que tratam da sustentabilidade ECOLÓGICA, pode-se considerar que no projeto da Ecovila Viver Simples abordou-se no planejamento: 7. Quais as fontes de energia empregadas para alimentar as necessidades dos moradores da ecovila ? 8. Existe algum projeto de redução gradativa do uso de energia de fontes externas, através de expansão das tecnologias de energia renovável local (solar, eólica, biomassa)? 9. Pretende-se gerar parte dessa energia (excedente ou não) para a circunvizinhança ? 10. Existe alguma fonte natural (nascente, rios, poços) na área ou nas proximidades para abastecimento da Ecovila ? Em caso positivo, descrevê-la. 11. Planeja-se alguma política de consumo, conservação ou utilização desse recurso (fonte de água). Por exemplo: uso de descargas com caixa acoplada com limitador de vazão de água, torneiras temporizadas, etc ? 12. Quais as técnicas selecionadas para melhor aproveitamento da água (não proveniente de fontes naturais) na Ecovila:
sim não sim não sim não
sim não
sim não
sim não
sim não
sim não
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� Redução no abastecimento de água por uso de água de chuva (p.ex.: captação a
partir de calhas instaladas nos beirais das coberturas e armazenamento em cisternas)
No caso dessa alternativa ser considerada, qual destino desse recurso (água não potável): � irrigação � descarga de vasos sanitários ou uso em banheiros (lavatórios, chuveiro, etc) � lavagem de roupas � limpeza � outros. Especificar:________________________________
� Redução no abastecimento de água por reuso de água cinza (sem matéria fecal) após tratamento de filtragem e purificação.
No caso dessa alternativa ser considerada, qual destino desse recurso (água não potável): � irrigação � descarga de vasos sanitários ou uso em banheiros (lavatórios, chuveiro, etc) � lavagem de roupas � limpeza � outros. Especificar:_________________________________
13. Existe técnica para tratamento da água negra (material fecal) do esgoto na Ecovila ? Em caso positivo descrevê-las. 14. Como é tratado e qual o destino do lixo na Ecovila ? As técnicas dos 3R´s (redução, reutilização e reciclagem) são usadas sob que forma (p.ex.: coleta seletiva, etc) ? 15. Imagina-se alguma técnica de reaproveitamento dos resíduos orgânicos (p.ex.: uso de composteira para transformação de lixo orgânico na produção de alimentos, como na permacultura ou piscicultura) ? 16. Existe expectativa de produção orgânica de alimentos no interior ou arredores da Ecovila buscando a subsistência da comunidade (permacultura, hortas ou pomares individuais ou comunitários para produção de alimentos, temperos, chás, etc) ? Quanto aos aspectos que tratam da sustentabilidade SOCIAL, pode-se considerar que no projeto da Ecovila Viver Simples abordou-se no planejamento: 17. Quais são os mecanismos previstos para incentivo às relações entre os membros da ecovila ? Existem locais comunitários para encontros dos membros ou atividades diárias projetadas para permitir melhor interação (locais de celebrações, práticas artísticas ou espirituais) ? 18. Quais os mecanismos previstos para resguardar a privacidade dos moradores na Ecovila ? Quanto aos aspectos que tratam do DESENVOLVIMENTO LOCAL, pode-se considerar que no projeto da Ecovila Viver Simples abordou-se no planejamento: 19. Ações de inclusão social são comuns para alavancar o desenvolvimento local. Quais atividades propostas por agentes (membros) da Ecovila podem ser desenvolvidas para criar suporte familiar, educacional, de saúde, profissionalizante aos moradores da região ?
162
20. Que tipo de ações foram planejadas para fomentar cooperação entre a Ecovila e a população da região ? A ecovila tem intenção de atuar em parceria com o poder público no desenvolvimento de atividades solidárias sustentáveis (economica, social, ambiental, espacial e cultural/espiritual), que tragam melhorias para os moradores da circunvizinhança ?
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