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O INGRESSO DO ESTUDANTE DE NÍVEL MÉDIO E DA ESCOLA TÉCNICA NO MERCADO DE TRABALHO POR MEIO DE
ESTÁGIOS NÃO-OBRIGATÓRIOS 1: PERCEPÇÃO E ADAPTAÇÃO DOS JOVENS À OCUPAÇÃO PRECÁRIA
ADA MARIA DE ALMEIDA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS -UNICAMP
e-mail: [email protected] Agência financiadora: Capes
INTRODUÇÃO, JUSTIFICATIVA E METODOLOGIA DA PESQUISA
Este trabalho 2 visa analisar como vem ocorrendo o ingresso do jovem 3 no mercado
de trabalho por meio de estágios remunerados não-obrigatórios 3. A análise dos estágios
contemplou estudantes do ensino médio regular e do ensino técnico de duas escolas
públicas estaduais da região central do município de Araraquara-SP. Para um entendimento
preliminar de como a escola vem tratando a questão da inserção do jovem no mercado de
trabalho por meio de estágios dessa natureza, entrevistamos, numa primeira parte da
pesquisa empírica, os diretores das escolas pesquisadas. Este procedimento foi fundamental
uma vez que, embora não sejam obrigatórios para a obtenção do certificado, os estágios
estão subordinados à autorização prévia da gestão escolar sob pena de configurar-se o
vínculo empregatício do estudante se não houver a assinatura da direção no Termo de
Compromisso.
1 Estamos definindo os estágios aqui analisados como “não-obrigatórios” ou “remunerados não-obrigatórios” para distingui-los, assim como fazem as escolas pesquisas, especialmente a de nível técnico, dos estágios obrigatórios para a obtenção do certificado de conclusão do curso ou estágios supervisionados. 2 Tese de doutoramento em fase de qualificação desenvolvida pela autora no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) sob a orientação do Prof. Dr. João dos Reis da Silva Júnior. 3 É importante salientar que, conforme definição adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU), são considerados jovens aqueles que estão situados na faixa etária que vai dos 15 aos 24 anos. Mas, no Brasil, devido à força que o trabalho infantil exerce sobre a dinâmica do mercado de trabalho, considera-se jovem também as crianças que vão dos 10 aos 14 anos. Portanto, jovem no Brasil é a pessoa que se situa entre 10 e 24 anos, faixa etária que muda de país para país de acordo com as características culturais, políticas e institucionais. Para uma informação mais detalhada da definição do que seja considerado jovem em outras realidades nacionais e em outros mercados de trabalho, ver Pochmann (1998).
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Num segundo momento da pesquisa empírica, que é a parte central deste trabalho,
entrevistamos vinte estudantes que estão realizando estágios em empresas na atualidade,
sendo dez do ensino médio e dez de ensino técnico. O objetivo dessa segunda etapa é
entender como os estudantes do ensino médio e técnico vêm vivenciando uma prática muito
peculiar de ingresso no mercado de trabalho: os estágios.
A pesquisa empírica, que se caracteriza como um estudo de caso, contemplou,
portanto, duas partes que foram desenvolvidas e analisadas de forma qualitativa: entrevistas
semi-estruturadas com os diretores utilizando roteiro elaborado de acordo com estudo
preliminar do Projeto-Político Pedagógico e do Regimento Interno das duas escolas;
entrevistas semi-estruturadas com estudantes das duas escolas que estão exercendo algum
tipo de trabalho que se caracterize como estágio por meio de convênio com a instituição de
ensino. O estudo levou em conta, ainda, as especificidades de cada uma das escolas
quanto aos principais problemas, objetivos e desafios para os anos letivos de 2005 e 2006
no que concerne às questões mais gerais da escola e, sobretudo, levando em conta as
questões que envolvem os estágios remunerados não-obrigatórios para os estudantes.
O roteiro de entrevistas para os estagiários foi elaborado a partir dos resultados da
primeira etapa da pesquisa de campo, isto é, a partir do entendimento que as escolas, na
figura dos diretores e do exposto nas propostas pedagógicas, estão fazendo desse tipo de
estágio como forma de ingresso do estudante no mercado de trabalho. Os roteiros de
entrevistas, tanto para os gestores quanto para os estagiários foram desenvolvidos, ainda,
em conformidade com as análises já realizadas na ampla bibliografia disponível 4 sobre as
mudanças no trabalho e na educação, tanto em nível nacional quanto internacional, nos
últimos trinta anos.
Os últimos trinta anos do século XX foram marcados, no plano econômico, pela
transição do modo de produção fordista para a chamada acumulação flexível do capital e
pela predominância do capital financeiro em detrimento do capital produtivo, levando a um
4 Entre a bibliografia utilizada sobre as mudanças no trabalho destacam-se as obras de Chesnais (1996), Castel (1999), Harvey (1994), Leite (2000), Segnini (2004), Pochmann (2002), Druck (1999), entre outros. Da bibliografia sobre as reformas na educação podemos citar as análises de Bueno (2004), Cunha (2002), Ferreti (2002); Frigotto (2004); Kuenzer (2002), Krawczvk (2004), Silva Júnior (2002; 2003; 2004), Warde (2004); Soares (2004); Vitar; Zibas; Ferreti e Tartuce (2006).
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processo ainda em curso de desregulamentação das relações de trabalho e ao solapamento
das conquistas sociais adquiridas durante a vigência do Estado de Bem-Estar Social do pós-
guerra (HARVEY, 1994). A partir desse momento, a precarização 5 do trabalho passa a
afetar a maior parte dos trabalhadores, e é neste momento também que a proliferação da
oferta de estágios para estudantes ganha impulso como um dos mecanismos utilizados pelos
empregadores para baratear os custos com o trabalho, só que neste caso, a precariedade é
direcionada à população juvenil (CASTEL, 1999, p. 520).
Para atender aos limites desta ocasião, estaremos fazendo apenas a apresentação dos
resultados parciais do trabalho empírico, nos detendo às análises principais obtidas por
meio das entrevistas com os estagiários, pois, entendemos que ninguém melhor do que os
próprios sujeitos que estão vivendo no cotidiano a realidade dos estágios para mostrar como
essa prática de trabalho vem ocorrendo. Assim sendo, as principais questões que se
pretendeu responder por meio das entrevistas com os estagiários foram: como os estágios
remunerados não-obrigatórios vêm operando na formação do estudante com vistas a
prepará-lo para o mercado de trabalho? Que tipo de cidadão, de ser humano, de estudante e
de trabalhador, os estágios, enquanto uma das mais diversas formas de relações de trabalho
que se apresenta hoje na sociedade capitalista, estão formando? Como o estagiário está
enxergando o mundo do trabalho e sua formação escolar na condição de estudante e de
trabalhador? Quais as mudanças culturais, a esfera educacional, cada vez mais vinculada,
ou subordinada, ao mundo do trabalho, vem desencadeando na maneira de ver, pensar, e
vivenciar do aluno as relações entre a escola e o trabalho?
Trabalhamos com a hipótese central de que as instituições de ensino vêm
funcionando muito mais como um dos principais canais de legitimação dos estágios
enquanto uma forma de trabalho precário e subalterno para a juventude do que como um
canal de contribuição para a formação profissional. As diferentes formas de trabalho
precário e subalterno podem ser interpretadas à luz daquilo que comumente vem sendo
5 Conforme definição adotada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos – Pesquisa DIEESE, nº 7, maio de 1993, p. 19, a precarização diz respeito às condições de trabalho e está relacionada, normalmente, aos baixos salários, à ausência de benefícios sociais, a condições ambientais e de segurança precárias, a extensas jornadas de trabalho, a contratos de trabalho ilegais sem registro em carteira e à ausência de representação sindical.
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entendido como um processo de exclusão social, o que, na visão de Martins (1997, p. 26),
trata-se de um conjunto das dificuldades, dos modos e dos problemas de uma inclusão
precária e instável, na verdade, marginal. Essa forma de inclusão, diz o autor, atinge
aquelas pessoas que estão sendo alcançadas pela “nova desigualdade social” produzida
pelas grandes transformações econômicas e para as quais não há, na sociedade, senão
lugares residuais.
É sob esta ótica, que os estágios cumprem, ao lado de outras modalidades de trabalho
como o temporário, o terceirizado, o autônomo, o trabalho a domicílio, entre outros, o papel
de oferecer para as empresas uma mão-de-obra barata, escolarizada e disposta a
desempenhar com eficiência e dedicação as mais diversas funções sem que estas estejam,
necessariamente, relacionadas com o curso que o estudante faz. E o estudante, por sua vez,
vem realizando as mais diversas formas de estágios em nome de adquirir experiência e
manter-se vinculado, ainda que precariamente, ao mercado de trabalho.
Estamos considerando os estágios como um tipo de trabalho extremamente precário
porque tanto a carga horária de trabalho realizada nas empresas quanto as atividades
desenvolvidas e as responsabilidades assumidas pelos estagiários não diferem
substancialmente das de um trabalhador adulto, formado e contratado com todos os direitos
garantidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Pochmann (2000) considera
que os estágios de formação/trabalho são válidos como medida de geração do primeiro
emprego para o jovem desde que sejam implantados com recursos públicos e desde que
representem uma ação contra o desemprego, baseada no prolongamento do setor público.
Só assim eles serviriam como barreira à escassez de oportunidades de emprego para a
mão-de-obra juvenil e, ainda, só assim eles efetivamente funcionariam tanto como
ocupação quanto como formação. O autor também afirma que os programas de
formação/trabalho só são eficazes se não tiverem como intenção a substituição do trabalho
do adulto pelo do jovem (2000, p. 79).
Desta forma, os estágios estariam cumprindo uma função muito mais de trabalho na
vida do aluno do que de formação, e a escola, na figura dos gestores, coordenadores e
professores, estaria contribuindo para a exploração capitalista da mão-de-obra juvenil ainda
que não tivessem uma clara percepção disso. Acreditamos, ainda, que a entrada e a
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manutenção do jovem no mercado de trabalho de forma precária, como acontece nos
estágios, alteram a formação humana e influenciam sua maneira de se relacionar com o
trabalho, com as instituições sociais, com a escola e com o próprio Estado.
Foi tendo no horizonte todas estas especificidades relativas aos estágios que, no
roteiro de entrevistas elaboramos questões que abordassem a percepção dos estudantes,
sujeitos dos estágios, sobre como vem se dando essa forma peculiar de inserção da
juventude do ensino médio e técnico no mercado de trabalho. O roteiro foi o mesmo para
as duas modalidades de ensino, porém, o da escola técnica, pela sua natureza
profissionalizante, contemplava algumas questões a mais tais como: o que motivou o
estudante a procurar um curso técnico, por que a escolha por aquele curso e quais as
principais dificuldades que um aluno com a especialização em questão vem encontrando
para entrar no mercado de trabalho.
RESULTADOS PARCIAIS DO ESTUDO
Na exposição dos resultados da segunda parte da pesquisa empírica, primeiramente,
gostaríamos de fazer uma apresentação dos sujeitos de análise, isto é, dos adolescentes e
jovens que foram entrevistados nas duas escolas pesquisadas. O roteiro de entrevista
contemplava, tanto no caso do ensino médio quanto da escola técnica, no que tange à
identificação dos entrevistados, aspectos como: gênero; idade; série ou módulo que o aluno
estava cursando; local de realização do estágio; se ele estava vinculado a alguma agência de
empregos; o tempo que o aluno tinha de estágio na empresa e o tipo de atividade realizada.
Na escola de ensino médio, foram entrevistados três estudantes do sexo masculino e
sete do sexo feminino. Na escola técnica foram entrevistados dois alunos do sexo
masculino e oito do sexo feminino. Conforme se vê, a grande maioria dos estagiários
entrevistados é composta por mulheres, num total de quinze, para apenas cinco homens.
Inclusive, alguns alunos entrevistados relataram que a maior parte das vagas existentes para
estágios na região de Araraquara-SP exige estudantes do sexo feminino.
Quanto à idade, ela difere quando se analisa, separadamente, a escola de nível
médio e a escola de nível técnico, fator facilmente explicável uma vez que o Decreto
2.208/97, ao separar a educação de nível médio do ensino técnico, estabeleceu a
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obrigatoriedade da conclusão do primeiro para os alunos que quisessem receber um
diploma do segundo, obrigando o estudante ou a cursar concomitantemente os dois níveis
de ensino (o que exigiria dois períodos diários dedicados à escola, fator que, no caso do
estudante de nível médio, tornaria a realização de um curso técnico quase impossível para
aqueles que necessitam trabalhar já durante a realização da escola secundária) ou a concluir
o ensino médio para depois fazer um curso técnico. Em função disso e como estamos
tratando de estudantes que já exercem uma atividade remunerada - os estágios - todos os
entrevistados da escola técnica já concluíram o ensino médio.
Portanto, enquanto no ensino médio, oito dos alunos entrevistados têm 17 anos de
idade e dois têm 16 anos, na escola técnica, apenas uma aluna entrevistada tem menos de
18 anos, os demais possuem idades que vão dos 18 aos 33 anos. Dos vinte estudantes
entrevistados dezoito estudam no período noturno, apenas dois, da escola técnica, estudam
no período da tarde e fazem o estágio na parte da manhã.
A série que o estudante estava cursando no momento da realização da entrevista, no
caso do ensino médio, está compatível com a idade, ou seja, a maioria dos alunos de 17
anos de idade estava na terceira série ou no último ano, apenas uma aluna de 17 anos estava
na 2ª série do ensino médio por ter sido retida no ano anterior. Os dois alunos de 16 anos de
idade estavam cursando a segunda série. Na escola técnica, cujos cursos são organizados
em módulos de seis meses cada, num total de três módulos ou um ano e meio de duração,
nove dos alunos entrevistados estavam cursando o primeiro módulo, ou seja, como a
realização das entrevistas com os estagiários se deu ao longo dos meses de abril e maio de
2007, os entrevistados haviam acabado de ingressar no curso técnico.
Depois, constatamos, por meio dos depoimentos, que as empresas preferem
contratar estagiários do primeiro módulo, no caso da escola técnica, porque isso possibilita
que ela faça um contrato de um ano e meio com o aluno, o mesmo prazo que ele ficará
vinculado à instituição de ensino, primeira condição que autoriza a contratação legal de
estagiários. Esse fato fica bastante nítido também no fato de que, diferentemente da escola
de nível médio, nenhum aluno entrevistado da escola técnica tem mais do que quatro meses
de tempo de estágio, e, à exceção do único aluno entrevistado que está no terceiro módulo
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do curso, cujo contrato termina em julho de 2007, os demais estagiários têm prazos de um
ano a um ano e meio na empresa.
No caso do ensino médio, o tempo que os alunos entrevistados já cumpriram nos
estágios varia bastante, mas, como a grande maioria está na terceira série, é possível
encontrar alunos que já fazem o estágio há um ano ou mais, cujo início se deu ainda quando
eles estavam na segunda série. É importante salientar que, nos primeiros contatos com a
direção das duas escolas e, na idéia inicial de como chegaríamos aos estagiários para
entrevistá-los, a intenção era solicitar para os diretores, que também seriam entrevistados,
que nos fornecessem os contratos dos alunos que estavam realizando estágio no corrente
ano letivo. Desde a concepção do projeto de pesquisa, pretendíamos selecionar os
estagiários que seriam entrevistados de forma que o estudo contemplasse estudantes
vinculados ao comércio, à indústria, à prestação de serviços e ao setor público.
Porém, as duas gestões escolares nos informaram que não estavam autorizadas,
pelas empresas, a fornecerem contratos dos estágios, nem que fosse para análise na própria
escola, como chegamos a sugerir. Então, a solução encontrada foi percorrer as salas de
aulas das duas escolas perguntando quais eram os alunos que estavam fazendo estágios
atualmente, e assim, fomos selecionando os entrevistados tendo como critério o setor
econômico em que eles estagiavam. Inclusive, como estávamos atrás de estudantes que já
exerciam uma atividade remunerada, a maioria deles foi encontrada no período noturno.
Apenas na escola técnica, dois dos entrevistados estudavam no período da tarde e exerciam
o estágio na parte da manhã.
Quando começamos a procurar os sujeitos de pesquisa nas salas de aula,
percebemos que, no caso da escola de nível médio, não foi possível encontrar estagiários na
primeira série. Os estudantes da primeira série têm por volta de quinze anos de idade e
ainda têm três anos para concluir o ensino médio. Ao que tudo indica, na região de
Araraquara-SP, as empresas vêm contratando estagiários acima dos dezesseis anos de
idade, que estejam iniciando a segunda série do ensino médio e tenham mais dois de
vínculo com a instituição escolar. Como a Lei nº 6.494/77 e o Decreto nº 87.497/82 da
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) só autorizam a realização de estágios por um
prazo máximo de dois anos na mesma empresa, os empregadores contratam,
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prioritariamente, estudantes do ensino médio que estejam cursando a partir da segunda série
e que tenham a idade apropriada, ou seja, dezesseis anos de idade. Com essa medida, a
empresa cumpre três fatores estabelecidos pela legislação: a idade do aluno; se tem a idade
apropriada para a série em que está o aluno nunca foi retido na sua vida escolar, o que
indica dedicação aos estudos por meio de notas e freqüência; e o tempo de duração do
estágio.
No caso da escola técnica, pelo menos no que tange ao fator “série do aluno”, ao
percorrer as salas de aulas, nos deparamos com a situação inversa. Quase não foi possível
encontrar alunos que estivessem fazendo estágios no segundo e terceiro módulos do curso,
a maior parte foi encontrada cursando o primeiro módulo, fator facilmente explicável uma
vez que, contratando alunos que acabaram de ingressar na escola técnica, os empregadores
podem fazer uso da força de trabalho do estagiário pelo prazo máximo que é permitido pela
legislação, ou seja, até dois anos.
Porém, em relação ao tempo de permanência do estudante no estágio, por meio dos
depoimentos, é possível observar que, no geral, os estagiários do ensino técnico possuem
contratos que variam de um ano a um ano e meio. Os contratos de um ano e meio, na
verdade o tempo exato de duração do curso, no entanto, abrangem, principalmente, os
estudantes que estão vinculados ao Projeto Aprendiz, e que estão prestando serviços, em
sua maioria, em empresas do setor do comércio e da prestação de serviços de médio e
grande porte da região de Araraquara-SP. Aliás, como a intenção da pesquisa era tentar
analisar como os estágios se caracterizam em setores como o comércio, a prestação de
serviços, a indústria e o setor público, entrevistamos, no caso do ensino médio, três
estagiários do comércio, um do setor de prestação de serviços, dois da indústria e quatro de
órgãos públicos, no caso da escola técnica, quatro estagiários do comércio e seis da
prestação de serviços.
Por mais estranho que possa parecer, não encontramos, na escola técnica, pelo
menos nos cursos em que fomos limitados a buscar os estagiários, isto é, em cursos cujo
estágio não fosse obrigatório para a obtenção do diploma, nenhum estagiário da indústria e
nem do setor público. Inclusive, quanto à modalidade técnica que os alunos que
entrevistamos estão cursando, três são do Curso de Administração, quatro são do Curso de
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Assessoria Empresarial e três são do Curso de Informática, apenas essas três modalidades
técnicas da escola estudada não possuem estágios obrigatórios para a obtenção do diploma6,
por isso na nossa busca pelos entrevistados, ficamos limitados a elas.
Quanto às atividades realizadas pelos estagiários, no geral, elas não diferem
substancialmente quando passamos da escola de ensino médio para a técnica, nos dois
casos os jovens têm executado as mais diversificadas tarefas em qualquer dos setores
econômicos em que está inserido. Mas os destaques são para atividades como atendimento,
recepção, cobranças, reposição, recebimentos, vendas, pequenos serviços administrativos,
e, no caso da escola técnica, alunos do curso de Informática têm trabalhado como
digitadores e na manutenção dos computadores.
Contudo, o fator mais fundamental que só pôde ser constatado quando em contato
com a realidade, é que a entrada do adolescente e do jovem de nível médio e técnico no
mercado de trabalho por meio de estágios não-obrigatórios remunerados vem se dando de
duas formas distintas no que diz respeito à legislação: por meio do contrato de “Aprendiz”
e por meio do contrato de “Estagiário”. O Contrato de “Aprendiz” é regulamentado pela
Lei nº 10.097 e artigos 403 e 428 a 433 da CLT de dezembro de 2003, sendo ainda previsto
no artigo 7º da Constituição Federal, como um contrato de trabalho especial, de natureza
industrial, comercial ou rural, que deve ser ajustado por escrito e por prazo determinado e
deve se restringir ao estudante que está situado na faixa etária que vai dos 14 aos 24 anos.
O Contrato de “Estagiário” é regulamentado pela Lei nº 6.494/77 e Decreto nº
87.497/82, como um contrato que deve proporcionar ao trabalhador, sem limites de idade,
atividades que proporcionem experiência prática da profissão que pretende seguir. O
contrato de estagiário deve ter, de acordo com as análises de Marques e Abud (2005, p.
22), caráter de aprendizagem social, profissional e cultural que proporcione ao estudante a
6 Entre os cursos técnicos modulares a escola técnica estudada oferece, ainda, Habilitação Profissional de Técnico em Enfermagem (2 turmas), Habilitação Profissional de Técnico em Mecânica (2 turmas), Habilitação Profissional de Técnico em Nutrição e Dietética, Habilitação Profissional de Técnico em Secretariado, Habilitação Profissional de Técnico em Turismo. No total, na modalidade técnica, a instituição tem 1059 alunos, sendo que apenas o curso técnico em Informática dispõe de vagas no período diurno (manhã e tarde) e noturno, os demais funcionam somente no período noturno. À exceção dos cursos de Informática, Administração e Assessoria Empresarial, todos as outras modalidades têm estágio supervisionado obrigatório. A escola tem, também, seis turmas de ensino médio no período diurno.
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participação em situações reais de vida e trabalho de seu meio, sob a responsabilidade e
coordenação da instituição de ensino.
A lei distingue, portanto, o “Aprendiz” do “Estagiário”, sendo, o primeiro, um
programa de aprendizagem por meio do qual os estabelecimentos de qualquer natureza são
obrigados a empregar e a matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem
número de aprendizes equivalente a 5% no mínimo e 15 % no máximo dos trabalhadores
existentes em cada estabelecimento cujas funções demandem formação profissional,
conforme o art. 429 da CLT (MARQUES; ABUD, 2005, p. 19). As porcentagens não se
aplicam, porém, diz o parágrafo primeiro do mesmo artigo, quando se tratar de entidade
sem fins lucrativos.
Ademais, o estudante que tiver inscrito no programa de aprendizagem deve ter
assegurada, pelo empregador, uma formação técnico- profissional metódica e compatível
com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico. O contrato de aprendizagem
também só é válido se for anotado na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) do
estudante, o que lhe garante o recolhimento e saque do Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço (FGTS) no término do contrato. O estudante inscrito no programa de
aprendizagem deve estar com a matrícula e a freqüência na escola em dia e não pode
cumprir uma jornada de trabalho superior a seis horas diárias, sendo proibida a
prorrogação e a compensação de horas. O “Aprendiz” deve receber “salário mínimo
horário”, valor que, no final do mês pode ser inferior ou superior ao salário mínimo
nacional vigente, além de vale transporte e vale alimentação.
A extinção do contrato de aprendizagem pode se dar em quatro situações: no final do
prazo estipulado; quando o aprendiz completar 24 anos; antecipadamente, quando houver
desempenho insuficiente ou inadaptação do aprendiz, falta grave, ausência injustificada à
escola com perda do ano letivo; a pedido do aprendiz (MARQUES; ABUD, 2005, p. 20).
Quanto ao estagiário, a lei nº 6.494/77 deixa claro que, não sendo considerado um
“empregado”, ele não tem os direitos previstos na CLT, além disso, o trabalho do
estagiário deve ter finalidade pedagógica e só pode ser prestado à pessoa jurídica, sendo
vedada a contratação de estagiários por advogados, médicos, e outros profissionais liberais
que não forem organizados em pessoa jurídica. Portanto, podem conceder estágios para
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estudantes regularmente matriculados e efetivamente cursando o ensino médio, o ensino
profissional, educação especial e o nível superior, tanto em instituições públicas quanto
privadas, as pessoas jurídicas de direito privado e os órgãos da administração pública
direta e indireta, como as fundações, as autarquias, as sociedades de economia mista, as
empresas públicas que explorem atividade econômica e as instituições de ensino. Nesse
caso, dos “estágios”, entretanto, diferentemente do “aprendiz”, não há a necessidade de
anotação na CTPS, sendo necessário apenas que seja firmado um Termo de Compromisso
de estágio, por escrito, entre o estudante, a empresa e a escola. É a existência desse
documento e a assinatura do diretor da instituição de ensino que conferem validade ao
estágio e afastam a existência do vínculo empregatício.
Vale destacar, entretanto, que tanto a gestão das duas escolas como os próprios
estudantes consideram “estágio” os dois tipos de vínculo, mas, entendem que existem
algumas diferenças fundamentais entre eles, principalmente no que tange às garantias do
trabalho, como o FGTS, a carga horária semanal, o salário, os benefícios sociais e outras
proteções legais conferidas ao “Aprendiz” e subtraídas ao “Estagiário”.
Observemos como uma estagiária da escola técnica, do curso de Assessoria
Empresarial, que trabalha numa cooperativa de trabalho médico que contrata os dois tipos
de estagiários, explicou a diferença entre o contrato de aprendizagem e o contrato de
estágio quando perguntamos para ela por que alguns estagiários trabalham naquele mesmo
local somente quatro horas (já havíamos entrevistado duas garotas da mesma escola e do
mesmo curso que trabalham na mesma empresa somente quatro horas diárias, por meio do
contrato de “Aprendiz”) por dia e ela trabalha oito horas diárias:
Porque tem diferença entre “Aprendiz” e “Estagiário”. O Aprendiz é registrado e tem direito a tudo, a férias, décimo terceiro, tudo, o estagiário não, ele ganha por hora e o certo é ter que trabalhar seis horas por dia, só que a empresa contratou a gente por oito horas e paga por hora. Eu não tenho carteira assinada, não recebo nenhum benefício, só tenho seguro de vida da empresa em caso de acidente, tenho contrato de um ano e meio mas, antes disso, se eles quiserem me mandar embora eles podem sem pagar nada, o estagiário não tem direito a nada. Quando fui contratada, fui eu e mais uma menina só que ela já saiu, não gostou, e quando fomos contratadas a vaga era para estágio, e estagiário fica o dia inteiro. Já as outras duas quando foram ser contratadas, depois de mim, foram contratadas como “Menor Aprendiz”. O “Menor Aprendiz”
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trabalha menos que o estagiário porque conta quatro horas da escola e quatro do trabalho, só que também, o aprendiz não pode faltar aqui, se ele faltar da escola ele tem desconto no salário porque essas quatro horas aqui são contadas como trabalho. Agora, o estagiário, como trabalhamos as oito horas, fora as horas na escola, podemos faltar aqui que não tem desconto no salário.
O que se pode depreender do depoimento acima é que, os empregadores de empresas
de grande porte, após cumprirem a determinação da legislação, de empregar, entre seus
trabalhadores, o equivalente a 5% no mínimo e 15% no máximo de aprendizes, atendendo
o que está na Lei nº 10.097 e artigos 403 e 428 a 433 da Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT) de dezembro de 2003, passam a suprir o restante da mão-de-obra que falta
em atividades que não exijam uma qualificação muito elevada, com estagiários que se
enquadram na Lei nº 6.494/77 e Decreto nº 87.497/82. Este último caso, impõe menos
limites aos empregadores, não só no que concerne ao não pagamento dos direitos do
trabalho, mas também quanto à idade do estudante e às horas diárias trabalhadas.
Tanto no caso do aprendiz quanto do estagiário, porém, as funções que normalmente
têm sido relegadas aos estudantes, não demandam trabalhadores muito especializados,
como atendimento, cobranças, recebimentos, reposição, recebimentos, tirar pedidos das
vendas, pequenos serviços administrativos, entregas, etc., conforme já salientado. Muitos
dos entrevistados, inclusive, tanto os aprendizes quanto os estagiários e tanto os alunos do
ensino médio quanto os da escola técnica, quando solicitados a descrevessem as atividades
que realizam ao longo do dia, relataram que, na maior parte do tempo, fazem atividades
externas à empresa. Entre as atividades externas eles citaram serviços de banco, levar e
trazer papéis e documentos para pessoas assinarem em outros locais, ir cobrar e buscar
cheques em determinados lugares, etc. Tudo isso, segundo os depoimentos, deve ser feito
em um tempo pré-estabelecido pelo chefe. Um depoimento bastante ilustrativo desse fato é
o de uma aluna do curso de Assessoria Empresarial que é “Aprendiz” em uma cooperativa
de trabalho médico e diz ter sido contratada como “Secretária”:
Na Secretaria estou como “Aprendiz” porque já tem duas secretárias que já estão há bastante tempo lá, aí, elas deixam para mim a parte mais fácil porque tudo o vai para os médicos passa por lá, então, eu pego as correspondência porque os médicos não têm tempo de ler, às vezes abro as correspondências e vou levar no
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consultório deles, atendo telefone, arquivo alguma circular, quando precisa pegar alguma documento do financeiro na contabilidade eu que vou, por enquanto só estou fazendo serviço externo. Eles falaram que, como só estou lá há duas semanas por enquanto é isso, só a partir do segundo mês é que eles vão me ensinar o que é realmente uma secretaria, mas por enquanto só faço isso, verifico correspondência, atendo telefone, vou nos consultórios médicos, faço algum serviço quando tem que ir no cartório, no banco, no momento é isso. [...] Por exemplo, quando eu tenho que ir no consultório dos médicos eu tenho que esperar eles mandaram para eu poder ir, aí, ela fala que eu tenho que ir o mais rápido possível, aí, marco o tempo para ver quanto tempo eu gasto para ir e voltar, então, estou sempre procurando fazer as coisas certinho porque eu quero ficar efetiva.
As atividades descritas acima, praticadas pela maior parte dos entrevistados tanto da
escola técnica quanto do ensino médio, se assemelham mais ao serviço de office boy do
que à denominação que leva a função para qual o estagiário diz ter sido contratado, como
auxiliar administrativo, telefonista, recepcionista, digitador, secretária, etc. Sobre isso, é
importante salientar que, tanto a lei do aprendiz quanto a do estagiário deixam claro que as
tarefas desenvolvidas pelo estudante devem ser compatíveis com o curso que ele faz e deve
complementar o ensino, caso contrário, o estágio pode ser considerado nulo estabelecendo-
se o vínculo empregatício.
Há que se informar, ainda, que dos vinte estudantes entrevistados, nove estão
vinculados a uma agência de empregos, na qual se cadastraram à procura de um emprego e
o que lhes foi oferecido, foi um estágio, ou, para ela foram encaminhados, pela escola ou
pela empresa, quando já haviam sido selecionados para a vaga de estágio. No ensino médio,
seis estudantes estão fazendo estágios por meio de agências, sendo três do Centro de
Integração Empresa - Escola (CIEE), um da Ideal Estágios, um do Centro de Atendimento
ao Adolescente (CAA) e um do Centro Promocional Educacional Social na Comunidade
(Ceproesc). Os outros quatro estudantes não estão vinculados a agências de empregos, mas,
por fazerem parte do “Projeto Aprendiz”, foram encaminhados, pelas empresas em que
conseguiram os estágios, para os cursos profissionalizantes do Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial (SENAI) ou para algum curso profissionalizante, aos sábados, no
Centro Paula Souza, uma obrigatoriedade da lei para que esse tipo de estágio seja válido.
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Os alunos do ensino médio que estão vinculados ao Projeto Aprendiz trabalham
meio período numa empresa, fazem um curso de aprendizagem industrial ou comercial no
outro período e cursam o ensino médio no período noturno. Na escola técnica, quatro dos
alunos entrevistados estão vinculados a uma agência de empregos, sendo todos do CIEE.
Os outros seis alunos não estão ligados a nenhuma agência, conseguiram o estágio por meio
da escola ou diretamente no local de trabalho.
Quanto às atividades que os estagiários estão realizando, mesmo na realidade da
escola técnica, onde, a princípio, o aluno poderia e deveria exercer alguma atividade no
estágio relacionada ao curso que faz, isso não acontece conforme revelam os depoimentos,
e, a participação da escola na entrada do jovem no mercado de trabalho por meio de
estágios, que deveria ser um acompanhamento em termos de aprendizagem efetiva de uma
profissão, não tem acontecido. A participação da escola tem se resumido a uma assinatura,
vejamos um exemplo de resposta quando questionamos aos estagiários se a escola faz
algum acompanhamento e supervisão dos estágios:
Não. Depois que lá deu certo, eu vim aqui, falei que eu precisava de uma Declaração da Escola para levar no Serviço, e eles deram, não falaram e nem perguntaram nada. Mas, lá no serviço eles pedem o boletim de todo bimestre para ver as notas e as faltas e, todo começo de ano eles pedem a confirmação da matrícula. Mas a escola não acompanha nada. (ESTAGIÁRIA DO ENSINO MÉDIO)
E quando questionamos aos estagiários qual a relação entre o que aprendem na
escola com que o realizam no trabalho, no geral, as respostas foram do tipo:
Nenhuma, não tem relação, não exerço a informática. Lá, algumas pessoas são ligadas ao computador e à Internet, mas, o que se arruma lá é a parte mecânica da máquina. O que aprendo lá não tem nada a ver com aqui (ESTAGIÁRIO DO CURSO DE INFORMÁTICA).
Mesmo não vendo nenhuma relação entre o que aprendem na escola com o que
praticam no trabalho, os entrevistados, em sua maioria, consideram importante estar
fazendo o estágio porque, por meio dele, estão superando dificuldades e adquirindo
qualidades que, segundo eles, só o trabalho possibilita tais como: os contatos pessoais, a
superação da timidez, uma melhor capacidade de comunicação, o senso de responsabilidade
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tanto nos estudos, quanto no trabalho e na família, a socialização, enfim, o
desenvolvimento como ser humano foi citado por todos como a principal contribuição dos
estágios para sua vida. Essas características estão, na percepção dos entrevistados, entre as
principais contribuições que a inserção em uma atividade profissional possibilita, e esse
pensamento se aplica, especialmente, nos casos em que o estágio é o “Primeiro Emprego”
do jovem.
Quanto à modalidade legal do estágio realizado pelos alunos, no ensino médio
entrevistamos oito aprendizes e dois estagiários, até porque, nessa realidade constatou-se
que a maior parte dos estudantes está realizando estágio por meio do “Projeto Aprendiz”,
principalmente, em indústrias do setor privado, em órgãos públicos 7 e em grandes lojas do
comércio. Já na escola técnica, ocorre o inverso, a maior parte dos alunos está fazendo
estágio por meio do “Contrato de Estagiário” e está trabalhando em pequenas lojas do
comércio ou pequenas empresas de prestação de serviços, portanto, nesse caso
entrevistamos apenas três aprendizes e sete estagiários, sendo quatro do comércio e seis do
setor de serviços.
A maior parte dos entrevistados ficou sabendo dos estágios por meio da própria
escola ou pelas agências de empregos, especialmente os do ensino técnico, estes, inclusive,
só decidiram fazer um curso profissionalizante porque amigos ou parentes que já fizeram
ou fazem um curso dessa natureza os informaram da “facilidade” de se conseguir um
estágio ou emprego quando se tem um curso profissionalizante. Portanto, o principal
motivo que levou tanto os alunos do ensino médio quanto da escola técnica a fazer um
estágio foi o desemprego, a necessidade de obter uma renda e, principalmente, a
necessidade de adquirir experiência no mercado de trabalho para, posteriormente, tentar um
emprego efetivo e registrado. Vejamos: “Procurei esse estágio porque queria uma
oportunidade de ter uma aprendizagem no mercado de trabalho, de ter uma experiência no
currículo” (ESTAGIÁRIA DO ENSINO MÉDIO); “Pela questão da experiência
profissional e pela questão do dinheiro que também é inevitável” (ESTAGIÁRIO DO
ENSINO MÉDIO).
7 Entre os estudantes entrevistados que estão fazendo estágio em órgãos públicos, um trabalha no Fórum, dois na Secretaria da Fazenda e um na Defensoria Pública.
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No caso da escola técnica, os motivos que levaram os alunos a fazerem estágios
envolvem, além da própria escolha do curso técnico ter sido determinada pela “facilidade”
de se conseguir estágios na área e além do fato de estarem desempregados e precisando de
uma renda, outras questões como a possibilidade de conseguir um emprego que os
remunere melhor e possibilite custear a entrada em uma universidade. Interessante que,
tanto os alunos do ensino médio quanto os da escola técnica colocam a realização de um
curso profissionalizante como “condição” fundamental sem a qual não conseguirão
ingressar numa universidade, às vezes, o curso técnico é necessário para se conseguir um
trabalho melhor e poder custear a faculdade, mas, às vezes, o curso técnico é visto como
um “preparo” para a universidade. Como exemplo, uma aluna que quer fazer curso superior
de Enfermagem acredita que primeiro deve fazer um “Técnico em Enfermagem” para
adquirir experiência na área e, só depois estar preparada para entrar num curso superior 8.
A maior parte dos alunos da escola técnica já havia realizado algum tipo de trabalho
remunerado ou de estágio antes do atual, enquanto isso, a maior parte dos entrevistados do
ensino médio nunca havia realizado nenhum tipo de trabalho antes, sendo o estágio atual
caracterizado, por eles, como “Primeiro Emprego”. No caso da escola técnica, até por já
terem dezoito anos ou mais e por já terem concluído o ensino médio, os entrevistados já
exerceram algum tipo de trabalho remunerado que eles classificam como extremamente
precário, mal pago, sem perspectivas de ascensão social e profissional e na maioria das
vezes sem registro em carteira. Vejamos o depoimento a seguir de um dos entrevistados da
escola técnica:
Já trabalhei em vários lugares, até com carteira assinada. Comecei a trabalhar aos 12 anos entregando jornal, mas esse foi sem registro, Aí, com 16 anos foi meu primeiro registro, num outra cidade como cortador de cana, trabalhei um ano lá. Mas, a maior parte dos meus serviços é tudo sem registro. De registro, tenho como cortador de cana, balconista, ajudante geral e porteiro. Já trabalhei como auxiliar de pintura, como várias coisas. (ESTAGIÁRIO DO CURSO DE INFORMÁTICA)
8 Os depoimentos, na íntegra, poderão ser consultados posteriormente ao exame de qualificação da autora, inclusive para a análise das riquezas de detalhes das falas dos estagiários que não puderam ser colocadas neste espaço.
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A maior parte dos entrevistados procurou um curso técnico como uma alternativa à
universidade, pois, após várias tentativas frustradas de entrar em uma universidade pública
e de perceber que com os empregos precários que conseguiam, tendo apenas o ensino
médio, não conseguiriam pagar as altas mensalidades que as faculdades privadas cobram,
decidiram fazer um curso profissionalizante. Nesse processo, eles entendem que
conseguirão resolver duas questões ao mesmo tempo: conseguir um salário mais elevado e,
conseqüentemente, poder pagar uma instituição de nível superior privada.
Porém, ao escolher o curso técnico, percebe-se que a maioria dos entrevistados não
opta por uma área equivalente ao curso superior sonhado e desejado, o que se detecta,
quando se questiona qual o curso superior o aluno gostaria de fazer – isso, na verdade se dá
tanto no caso do ensino médio quanto do técnico - é que existe uma grande atração pela
área da saúde e pelas biológicas. Mas, quando o estudante decide fazer um curso
profissionalizante, ele tende a fazer aquele que considera, embasado no senso comum, que
lhe dará melhores chances de conseguir um estágio ou um emprego de carteira assinada de
forma mais rápida. Nessa escolha, esses alunos vão para cursos voltados à área de
administração de empresas ou de informática por acreditarem que, assim, terão chances de
entrar em uma “grande empresa” da região.
Talvez por todas as expectativas presentes e futuras que os estudantes colocam nos
estágios, aliado ao brutal desemprego que assola a juventude brasileira atualmente 9, além
da forma precária como a maior parte dos jovens está se inserindo no mercado de trabalho,
os estágios são extremamente concorridos e, normalmente, as exigências que os candidatos
têm de cumprir para conseguir uma vaga equivalem ao que se pede do trabalhador adulto,
formado e com várias experiências na profissão, num momento de acumulação flexível do
capital. Mas, no caso dos estágios, entre as exigências estabelecidas para a vaga, mesmo
9 Segundo pesquisa divulgada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) no site www..folha.com.br, no dia 13 de setembro de 2006, acesso em 13/09/2006, os jovens representam hoje mais de 45% dos desempregados do país e, embora representem apenas 25 % da população economicamente ativa, a porcentagem de desempregados jovens - que abrange a faixa etária dos 16 aos 24 anos - revela a falta de oportunidades desse segmento no mercado de trabalho, cujas taxas de desemprego são bem maiores ao da população adulta com 25 anos de idade ou mais. Uma outra pesquisa, divulgada pelo Jornal Tribuna Impressa (Araraquara-SP, dia 4 de outubro de 2006, p. D 1), explicava que o desemprego entre a juventude, que já é uma tradição no país, torna-se alarmante porque aqueles jovens que precisam ajudar a família passam a ingressar em massa no mercado de trabalho. O problema é que, agora, os jovens vêm encontrando uma situação muito adversa: não há trabalho para todos.
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na escola técnica em que os alunos já estão aprendendo uma profissão, sobressaem
atributos individuais, subjetivos, pessoais, de caráter, disciplina e assiduidade, além dos
requisitos já conhecidos de “iniciativa”, do “vestir a camisa da empresa” e ter “boa
capacidade de comunicação”.
Quanto à carga horária cumprida nos estágios, à exceção dos “Aprendizes”, que no
geral trabalham de quatro a seis horas diárias e recebem um salário mínimo por mês, além
de vale transporte e auxílio alimentação, os demais estagiários, que se enquadram naquilo
que, na verdade, a lei entende como estágio, trabalham oito horas diárias ou mais. Muitos
deles, inclusive, trabalham também aos sábados e recebem entre meio e um salário mínimo
por mês, não tem direito ao vale transporte e nem ao auxílio alimentação. Sobre os
benefícios, os entrevistados explicaram que o “patrão” oferece “se quiser”, mas que não é
obrigado a oferecer para o estagiário nada além da bolsa-auxílio.
Ainda a respeito da questão salarial e da rotina que um estagiário de tempo integral
enfrenta para conseguir conciliar o trabalho com os estudos, uma estagiária do ensino
médio que trabalha em um consultório médico, prestando assistência para dois médicos, um
no período da manhã e outro no período da tarde, sob o vínculo de “estagiário”, disse que:
Recebo R$ 230, 00. Esse salário é a média que ganha um estagiário de nível médio. Fora isso, ganho uma ajuda de custo para pagar o passe. Ele fala que não vai pagar o vale transporte inteiro, só vai pagar metade, o dinheiro que ele dá só dá para pagar a ida, não vou para casa almoçar, levo comida e almoço lá, depois, à tarde, venho direto para a escola e também não uso passe, e para voltar para a casa à noite, volto com o ônibus escolar, da prefeitura, que não é pago.
Apesar dos baixos salários e da rotina pesada que alguns estagiários enfrentam,
como a exposta na fala acima, existe a crença, praticamente generalizada entre os
entrevistados, de que se eles se dedicarem ao máximo à empresa, se forem disciplinados,
responsáveis, assíduos, pontuais, bons alunos, fizerem todas as tarefas para as quais foram
contratados, com a eficiência e a rapidez que o empregador exige deles, eles serão, com
certeza, efetivados no emprego. Freqüentemente, eles citam casos de amigos, parentes ou
funcionários do mesmo local onde fazem o estágio que, após terem feito um estágio,
conseguiram se efetivar na mesma empresa ou conseguiram um trabalho de “carteira
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assinada”, “fixo”, “estável”, palavras empregadas com mais freqüência entre eles e objetivo
primordial de todos eles para quando vencer o contrato de estágio.
Apenas dois alunos da escola técnica, por sinal os dois entrevistados com mais
idade, sendo uma aluna de 25 anos e um aluno de 33 anos de idade, ela cursando
Administração e ele Informática, que já passaram por outros estágios ou empregos
temporários antes, não são tão otimistas quanto à eficácia dos estágios na contribuição para
que o jovem estudante consiga efetivar-se na empresa após cursá-lo. Esses alunos também
estão descrentes quanto à contribuição dos estágios, ao proporcionar experiência de
trabalho, para que o jovem estudante consiga encontrar um trabalho “registrado”.
Os dois alunos da escola técnica que já passaram por outras experiências
semelhantes a que vivem hoje, admitem que só estão fazendo o estágio por “falta de
opção”, porque, por menos que ganhem, “precisam do emprego”, “não podem ficar
parados”. O estudante de Informática, inclusive, “tem esposa e filhos para sustentar”, sabe
que está sendo “explorado”, que tem poucas chances de se “efetivar” porque “as empresas
trocam de estagiário sempre que o contrato termina”, “elas contratam estagiários para
escapar dos encargos trabalhistas”, diz ele. Vejamos a resposta dada por esse aluno, que
presta serviços de manutenção em computadores numa empresa revendedora de máquinas
de xerox, quando questionado se considera que fazer estágios contribui para o aluno
conseguir efetivar-se no mercado de trabalho:
Eu, particularmente, acho que não contribui porque acho que as empresas usam os estagiários para pagar menos impostos. Veja bem, eu estou lá com um contrato pelo qual ganho R$ 450,00, não recebo mais nada além disso, nem o vale transporte, se eles tivessem que contratar, registrada, uma pessoa para fazer tudo o que estou fazendo, os encargos seriam muito maiores. [...] Trabalho cerca de 9 horas e quinze minutos por dia. Quero dizer que, daqui um ano, vencendo o meu contrato, se eles não quiserem continuar comigo eles não são obrigados. Acaba nosso contrato, a gente sai “com uma mão na frente e outra atrás”, aí, eles contratam outro estagiário que está começando, e acabou. Minha irmã trabalha numa firma que ela entrou como estagiária, e ela já me falou que o patrão dela faz assim, que todas as outras que entram por contrato de estágio, o patrão dela faz assim: “Acaba o contrato de uma, ele pega outra, acaba de uma, ele pega outra, e faz isso há anos”. De contrato em contrato de estágio, o patrão nunca registra ninguém e vai levando. É claro que um pouco, se efetivar ou não também
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depende do aluno, mas, na maior parte dos casos, os estágios só servem para o patrão fugir dos encargos.
O depoimento acima é um dos poucos que revelam uma percepção bastante sombria
e nada otimista sobre os estágios, mas, no geral, os alunos tendem a ver nos estágios uma
das formas mais legítimas de ingresso do jovem no mercado de trabalho na atualidade.
Nesse processo, a escola, ao lado das empresas que vêm sistematicamente contratando
estagiários, embora claramente não estejam nem um pouco preocupadas com a
aprendizagem escolar e profissional do jovem ao encaminhá-lo para as mais diversas
formas de trabalho realizados nos estágios, conforme é possível verificar quando os alunos
falam que as escolas não fazem nenhum acompanhamento efetivo deles, estão sendo vistos
como os principais responsáveis pela “salvação” do estudante em relação ao desemprego.
Inclusive, eles chegam a dizer que, se estão empregados, foi graças à escola que, além de
ter, muitas vezes, “indicado” os melhores alunos para as empresas que a procuram na busca
de estagiários, o diretor fez o “favor” de “assinar” o contrato de estágio e de transferi-los
para o período noturno para poder fazer o estágio. Falas como as que seguem revelam bem
essa realidade: “Os professores ficam felizes quando sabem que a gente conseguiu estágio,
eles ficam contentes porque sabem que foi graças à escola” (ESTAGIÁRIA DO ENSINO
MÉDIO). E ainda,
Eu tive que trazer um papel para eles assinarem, tem uma menina que foi trabalhar lá como estagiária e o diretor da escola dela não assinou, ela não pôde fazer, se o diretor não assina você não pode fazer estágio. Às vezes, tem diretor que não assina porque fala que estágio não é serviço para o aluno, que isso não é certo, essa menina, todos os diretores dos alunos que estavam lá assinaram, menos o dela, então, ela não pôde efetivar o estágio por causa do diretor. Se o diretor não assinar você não pode fazer estágio porque tem que estar estudando. Esse diretor que não assinou falou um monte de coisa para ela, que o estágio ia atrapalhar os estudos, que aquilo era serviço mal pago, etc. Teve uma menina também que não conseguiu mudar o período na escola, ela estudava à tarde e conseguiu o estágio, só que teria que se transferir para a noite e não conseguiu a transferência e nem outra escola, ela perdeu o estágio. Eles dão um prazo para a gente, como a gente é de menor, eles dão um prazo para a mãe assinar o contrato, aí, eles dão três contratos, um fica com meu patrão, outro comigo e outro com a escola. Esse contrato tem que estar assinado pelo meu patrão, pela escola e pelo aluno. A escola só tem que assinar o contrato, fora isso ela não tem
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nenhuma participação, que eu saiba a escola não faz nenhum acompanhamento dos estágios. Ajuda assim, se o diretor concordar em assinar o papel aí ele está ajudando, agora, se ele não assina, não está ajudando.
A última fala deixa evidente que o papel da escola, ao assinar o contrato de estágio e
dar todas as facilidades para que o aluno possa trabalhar, como mudar seu horário de
estudos, dar informações sobre seu comportamento na escola, etc., tem sido tão importante
para os estudantes conseguirem entrar ou manter-se no mercado de trabalho que eles
chegam até a condenar o diretor que se recuse a compactuar com o ingresso de forma
precária do jovem no mercado de trabalho. Na percepção do estudante, o diretor que
entenda que o estágio, pela feição que vem tomando - de clara utilização de estudantes
pelos empregadores como mais uma das maneiras de driblar a legislação trabalhista -, é
uma forma de exploração inaceitável do jovem que deve ser combatida, é visto como
alguém que não está contribuindo para que o estudante consiga um emprego.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS
As análises realizadas até o presente momento nos permitem chegar a algumas
conclusões a respeito de como vem se dando a entrada do jovem de ensino médio e técnico
no mercado de trabalho por meio de estágios e de como o estudante está percebendo essa
forma de ingresso na vida profissional. Mas, antes disso, cabem algumas considerações
rápidas a respeito do papel da escola nesse processo, pois, a participação dela tem se
resumido à assinatura no contrato, procedimento por meio do qual a escola declara que está
“disponibilizando o aluno para o estágio”.
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Com esse procedimento a escola está, na nossa concepção, ao lado da legislação 10,
desresponsabilizando a empresa de eventuais processos judiciais trabalhistas e, ademais, ao
que parece, a escola também tem servido como uma espécie de “pré-seleção” de
estagiários, de forma a garantir que só cheguem à empresa, para a verdadeira seleção, os
alunos já aprovados pela escola devido às boas notas e à freqüência, mas, antes de tudo, já
aprovados pelo seu comportamento “exemplar” 11. É fácil estabelecer uma relação entre
comportamentos na escola e comportamentos no trabalho, afinal, se o aluno é assíduo e
disciplinado em relação à escola, depreende-se que ele será também em relação ao trabalho.
E assiduidade e disciplina são condições fundamentais para que os estudantes consigam
uma vaga de estágio, essa informação, é a escola que vem se encarregando de fornecer à
empresa, na verdade, a escola está funcionando como uma espécie de filtro de “melhores
alunos” para estagiar em empresas.
Neste processo, tanto a escola quanto os estagiários, estão reproduzindo a ideologia
empresarial sobre os estágios. A gestão está reproduzindo a ideologia da empresa talvez por
não ter desenvolvido ainda uma visão própria sobre os efeitos deletérios que os estágios
podem estar provocando nos jovens quando se pensa no logo prazo, como a possibilidade
de que eles entrem numa universidade e consigam realizar seus planos mais legítimos de
ascensão profissional, econômica e social. Pelos depoimentos dos alunos, percebe-se que a
10 Além das leis que regulamentam o trabalho do aprendiz e do estagiário, já citadas, cabe salientar que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), por meio do artigo 82, determina que: “Os sistemas de ensino estabelecerão as normas para realização dos estágios dos alunos regularmente matriculados no ensino médio ou superior em sua jurisdição”. E o parágrafo único desse mesmo artigo estabelece que: “o estágio realizado nas condições deste artigo não estabelecem vínculo empregatício, podendo o estagiário receber bolsa de estágio, estar segurado contra acidentes e ter a cobertura previdenciária prevista na legislação específica”. Conforme se vê, da forma como coloca a questão, os formuladores da legislação, nossos órgãos governamentais oficiais, tratam logo de proteger a classe empregadora dos encargos trabalhistas ao deixar que cada instituição de ensino determine as normas para a realização dos estágios de formação/trabalho. Conferir autonomia às escolas pode ser legítimo em muitos aspectos, mas, nesta situação específica, podemos interpretar a questão como uma clara demonstração de descaso dos nossos órgãos governamentais para com a população juvenil (já vulnerável pela fase da vida em que se encontra) que estuda e precisa se inserir no mercado de trabalho para poder contribuir nas despesas familiares e para arcar com os gastos da própria educação. 11 Este fato fica ainda mais evidente quando analisamos as especificidades dos estágios remunerados na escola técnica. Nessa realidade, a gestão escolar deixa explícito que leva em conta na hora de “indicar” alunos para as empresas, o comportamento dos mesmos, como a maneira de falar, de se vestir, etc. A gestão escolar fala que age assim porque a concorrência para os estágios é muito grande e, é preciso selecionar os “melhores alunos”. Os depoimentos dos diretores poderão ser encontrados na versão completa do trabalho, inclusive com as entrevistas na íntegra, que está em fase final de elaboração para o exame de qualificação.
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escola não está cumprindo sua função de zelar pelos interesses de formação e aprendizagem
dos alunos nos estágios, pois, não sendo obrigatórios para a obtenção do diploma, os
estágios aqui analisados, que tem se constituído em uma das principais formas de ingresso
da juventude no mercado de trabalho, estão encontrando respaldo junto aos sujeitos que os
vivenciam na prática cotidiana mesmo quando ocorrem nos mais diferentes moldes da
precariedade.
A precariedade do trabalho, categoria a partir da qual analisamos os estágios,
embora presente tanto nos contratos de aprendizes como nos de estagiários, conforme
prefere tratar a nossa legislação, a escola ou a empresa, fica mais evidente, quando
comparamos as duas modalidades, nos contratos de “estágios”. Essa evidência se manifesta,
principalmente, na carga horária cumprida, no valor do salário, nos benefícios sociais e no
amparo legal do trabalhador. Este último aspecto é colocado pelos entrevistados como uma
das principais diferenças entre as duas formas de estágios que os incomoda profundamente,
pois, o aprendiz tem o contrato de estágio registrado na CTPS, está contando o tempo de
serviço e pode sacar o fundo de garantia após o término de estágio, o estagiário não conta
com praticamente nenhum amparo legal.
Em qualquer uma das situações, os estagiários, embora saibam que os estágios são
uma forma imediatista, assistencialista e emergencial de ingresso no mercado do trabalho e,
embora sintam, pelas suas condições materiais de vida e pelo peso da rotina diária de
trabalho e estudo que vêm enfrentando, que os estágios são uma das formas subalternas e
temporárias de se inserir a juventude no primeiro emprego, depositam todas as suas
expectativas profissionais nessa experiência que, supostamente, contribuirá, futuramente,
para a entrada efetiva no mercado de trabalho. Prevalece entre os entrevistados, a crença de
que só depende do aluno a contratação como funcionário da empresa após o término do
estágio, e eles acreditam que, se isso não ocorrer, é porque eles não se adaptaram à função,
isto é, o jovem está fazendo o discurso empresarial e está se culpabilizando pela sua
situação.
Por meio dos discursos percebe-se que os entrevistados entendem que a empresa
capitalista está fazendo um “favor” aos jovens estudantes (é essa a mensagem que vem
sendo passada pela mídia e pela escola) contratando estagiários e com essa medida estão
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contribuindo para a sua formação e aquisição de experiência profissional. A relação que se
estabelece nos contratos de estágios, na verdade uma troca capitalista entre partes desiguais
em poder econômico, social, cultural, etário, de formação e tudo o mais que não cabe aqui
detalhar, é tomada e entendida como uma benevolência da parte mais forte em relação à
mais fraca. É como se o aluno, parte mais fragilizada da relação, ao se submeter aos
estágios, não tivesse dedicando horas do seu dia, na verdade, do tempo que poderia estar
sendo dedicado aos estudos ou outras atividades de aprendizagem ou lazer, à prestação de
serviços para a empresa e, assim, não estivesse contribuindo para a desoneração dos
empregadores do pagamento de muitos dos impostos obrigatórios, inclusive os trabalhistas.
Dentro da realidade dos estágios, depreende-se fundamentalmente que, embora
possa parecer estranho, conforme aumenta a idade e a escolaridade dos jovens, a
precariedade do trabalho aumenta ainda mais. Isso porque, os estagiários de nível médio,
que estão na faixa etária que vai dos 16 aos 18 anos, no geral, estão vinculados aos estágios
por meio do Contrato de Aprendiz, no qual segundo os entrevistados, “a precariedade é
menor”. Para os jovens com mais de 18 anos de idade, portanto, para os que estão cursando
o nível técnico, estão sendo relegados os estágios vinculados, legalmente, ao Contrato de
Estagiário que, conforme se viu, praticamente não tem nenhuma das garantias do trabalho
previstas na CLT, não impõe limites de horas trabalhadas pelos jovens nos estágios ou,
quando impõe, esses limites não são cumpridos. O Contrato de Estagiário não impõe para a
empresa limites de idades e, assim, trabalhadores que na verdade são adultos e não jovens,
estão sendo absorvidos por esta forma de estágio.
Desta maneira, contrariando o sendo comum e a percepção dos estudantes
entrevistados de que conforme aumenta a escolaridade do jovem aumentam suas chances
de conseguir um emprego qualificado, melhor remunerado, estável e com as garantias
previstas no direito do trabalho, pelo menos no que concerne aos estágios que vêm
absorvendo os alunos do ensino médio e técnico, a melhoria da situação de trabalho e de
vida do jovem não se observa. Mais do que um processo de aprendizagem e preparação
para exercer uma profissão, os estágios estão funcionando como uma forma de adaptação
dos estudantes, futuros trabalhadores adultos, ao meio precário do trabalho e do emprego,
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destituído de direitos, sendo os estagiários muito mais explorados do que já o é qualquer
trabalhador na realidade capitalista.
REFERÊNCIAS
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26
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______. A batalha pelo primeiro emprego: as perspectivas e a situação atual do jovem no mercado de trabalho brasileiro. São Paulo: Publisher Brasil, 2000.
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