NAIÁ AIELLO
ENTRE O CONSUMO E A NECESSIDADE: UMA ANÁLISE DAS TENDÊNCIAS DA MODA BRASILEIRA
NO SPFW
Londrina 2011
NAIÁ AIELLO
ENTRE O CONSUMO E A NECESSIDADE: UMA ANÁLISE DAS TENDÊNCIAS DA MODA BRASILEIRA
NO SPFW
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento Comunicação Social - Jornalismo da Universidade Estadual de Londrina. Orientadora: Professora Dra. Rosane Borges da Silva
Londrina 2011
NAIÁ AIELLO
ENTRE O CONSUMO E A NECESSIDADE: UMA ANÁLISE DAS TENDÊNCIAS DA MODA BRASILEIRA NO SPFW
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Comunicação Social – Jornalismo da Universidade Estadual de Londrina.
BANCA EXAMINADORA
____________________________________ Prof. Orientador
Rosane Borges da Silva Universidade Estadual de Londrina
____________________________________ Prof. Componente da Banca
Silvio Demétrio Universidade Estadual de Londrina
____________________________________ Prof. Componente da Banca
Valdirene Aparecida Vieira Nunes Universidade Estadual de Londrina
Londrina, _____de ___________de _____.
Dedico este trabalho aos responsáveis
por tudo em minha vida, os meus
queridos e amados pais, Car e Gi.
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao maior amor do mundo refletido no amor de pai e mãe. Aos
meus mestres supremos da sabedoria, os acolhedores da minha dor e
incentivadores do meu riso. Ao grande exemplo de vida e de força. Este
trabalho só foi possível graças ao imensurável amor de dois grandes seres
humanos, meus pais, Carlos e Gisele. A quem devo minha vida e a quem
dedico não só este trabalho, mas também todas as minhas conquistas.
Agradeço a cumplicidade e amizade que tenho em minha irmã, Mayra,
que existe além do nosso elo eterno de amor. Não dividimos o quarto, os pais,
a vida, e sim, compartilhamos tudo isso. Minha melhor amiga e parceira.
Agradeço a Baby, por ter feito e ainda fazer parte da minha vida. Que
me ensinou que um ser de quatro patas possa amar e ser amado de forma
tão pura e bela. Pequena, muito obrigada por tudo, sempre.
O companheiro de todas horas, o amigo e amor que encontrei dentro
desta universidade. Foi com ele que conheci o significado de caminhar lado a
lado e o amor entre um homem e mulher. Com você, vivi e vivo um amor
mágico que nunca pensei existir. Muito obrigada por tudo, André.
Aos tão importantes na minha vida, meus avós, Darci e Arlindo, que me
ensinaram tanto e continuam ensinando. Agradeço a minha avó Clô e ao meu
avô querido, Antônio Carlos. Meus tios de sangue e minha tia de
consideração, sempre tão importantes para mim. Minha sempre amiga desde
que me dou conta de existir, Tarsila, por tudo o que você me ensinou e o que
aprendemos juntas.
Meus amigos, tão queridos, do passado ou do presente, de Bauru ou
de Londrina, partes indissociáveis de quem sou. Não vou citar nomes já que
os meus verdadeiros amigos sabem tanto de mim a ponto de terem a plena
certeza quem são. Em especial, agradeço a um deles, Filipe, o protagonista
principal da saudade que sinto. Não uso metáforas porque a morte já passou
aqui há muito levando minhas esperanças tão doentes e essas epifanias
doidas que insisto em decorar. Muito obrigada por tudo que você me ensinou!
Por último, mas não menos importante, minha orientadora querida,
Rosane Borges, cujo estilo, elegância e inteligência foram tão inspiradores a
este trabalho. Obrigada por fazer tudo dar certo e pela orientação tão valiosa.
(...)
As vezes amanheço, e minha alma está úmida. Soa, ressoa o mar distante.
Isto é um porto. Aqui eu te amo.
Aqui eu te amo e em vão te oculta o horizonte. Estou a amar-te ainda entre estas frias coisas.
As vezes vão meus beijos nesses barcos solenes, que correm pelo mar rumo a onde não chegam.
Já me creio esquecido como estas velhas âncoras. São mais tristes os portos ao atracar da tarde.
Cansa-se minha vida inutilmente faminta... (...)
Meu tédio mede forças com os lentos crepúsculos. Mas a noite enche e começa a cantar-me.
A lua faz girar sua arruela de sonho.
Olham-me com teus olhos as estrelas maiores. E como eu te amo, os pinheiros no vento,
querem cantar o teu nome, com suas folhas de cobre.
Pablo Neruda
AIELLO, Naiá. Entre o consumo e a necessidade: uma análise das tendências da moda brasileira no SPFW. 2011. 123. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Comunicação Social - Jornalismo) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2011.
RESUMO
Este trabalho tem como propósito analisar os desfiles das coleções outuno/inverno e primavera/verão do São Paulo Fashion Week, tomando como suporte a cobertura do evento do Site Chic destes três estilistas: Alexandre Herchcovitch, Glória Coelho e Reinaldo Lourenço. Fundamenta-se nos princípios da análise do discurso para verificar de que forma a moda constitui-se em um vetor, importante não apenas do ponto de vista da utilidade, mas sobretudo do ponto de vista da afirmação dos sujeitos no contexto de uma sociedade hiperconsumista. Estilos de vida, comportamentos, mudanças geracionais, o papel do jornalismo segmentado são alguns dos temas aqui explorados. Palavras-chave: Moda. Discurso. Jornalismo Segmentado. Consumo. Estilos de Vida
AIELLO, Naiá. Between consumption and necessity: an analysis of brazilian fashion trends in SPFW. 2011. 123. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação Comunicação Social - Jornalismo) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2011.
ABSTRACT
This work aims to analyze the collections Autumn/Winter and Spring/Summer of the fashion show São Paulo Fashion Week, using as a support the Chic Site event coverage of these three designers: Alexandre Herchcovitch, Gloria Coelho and Reinaldo Lourenço. It is based on the principles of speech analysis to see how fashion establishes itself as a vector, not only important from the standpoint of utility, but especially from the standpoint of the assertion of the subjects in the context of a hyper consuming society. Lifestyles, behaviors, generational changes, the role of segmented journalism are some of the themes explored here. Key words: Fashion. Speech. Segmented Journalism. Consumption. Lifestyles
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Evolução esquemática da moda no século XIX ..................................... 35
Figura 2 – Página inicial do site Chic ...................................................................... 65
Figura 3 – Foto número 28 desfile Inverno Herchcovitch........................................ 71
Figura 4 – Foto número 11 desfile Inverno Herchcovitch........................................ 71
Figura 5 – Foto número 1 desfile Inverno Herchcovitch.......................................... 74
Figura 6 – Foto número 10 desfile Inverno Herchcovitch........................................ 74
Figura 7 – Foto número 08 desfile Verão Herchcovitch ......................................... 75
Figura 8 – Foto número 10 desfile Verão Herchcovitch ......................................... 75
Figura 9 – Foto número 31 desfile Verão Herchcovitch .......................................... 78
Figura 10 – Foto número 17 desfile Verão Herchcovitch ........................................ 78
Figura 11 – Foto número 04 desfile Inverno Glória Coelho .................................... 80
Figura 12 – Foto número 34 desfile Inverno Glória Coelho ................................... 80
Figura 13 – Foto número 02 desfile Inverno Glória Coelho .................................... 81
Figura 14 – Foto número 15 desfile Inverno Glória Coelho .................................... 81
Figura 15 – Foto número 09 desfile Verão Glória Coelho ....................................... 84
Figura 16 – Foto número 27 desfile Verão Glória Coelho ....................................... 84
Figura 17 – Foto número 02 desfile Verão Glória Coelho ....................................... 86
Figura 18 – Foto número 34 desfile Verão Glória Coelho ....................................... 86
Figura 19 – Foto número 02 desfile Inverno Reinaldo Lourenço ............................ 87
Figura 20 – Foto número 10 desfile Inverno Reinaldo Lourenço ............................ 87
Figura 21 – Foto número 22 desfile Inverno Reinaldo Lourenço ............................ 89
Figura 22 – Foto número 18 desfile Inverno Reinaldo Lourenço ............................ 89
Figura 23 – Foto número 25 desfile Verão Reinaldo Lourenço ............................... 90
Figura 24 – Foto número 26 desfile Verão Reinaldo Lourenço ............................... 90
Figura 25 – Foto número 21 desfile Verão Reinaldo Lourenço ............................... 92
Figura 26 – Foto número 22 desfile Verão Reinaldo Lourenço ............................... 92
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AD – Análise do Discurso
ARPANET - Advanced Research Projects Agency Network
BBN - Bold, Beranek e Newman
FWD – Fashion Wire Daily
SPFW – São Paulo Fashion Week
WEB – World Wide Web
LISTA DE TABELAS
Tabela 1– A análise do discurso: dispositivos e procedimentos ............................ 60
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 13
2 A INSTITUIÇÃO DA MODA COMO SISTEMA: NOVOS PARÂMETROS PARA A
ERA MODERNA ...................................................................................................... 16
2.1 A MODA COMO SISTEMA ......................................................................................... 19
2.2 A MODA COMO FATOR DE DISTINÇÃO SOCIAL ............................................................ 23
2.3 A CRIAÇÃO (IMPOSIÇÃO) DE ESTILOS DE VIDA: O LUGAR DO VESTUÁRIO ...................... 32
2.4 O MODA NO BRASIL: NOVAS FORMAS DE AFIRMAÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL ........... 36
3 FORMAS JORNALÍSTICAS DE NARRAR ACONTECIMENTOS DO MUNDO: A
SEGMENTAÇÃO DA INFORMAÇÃO ...................................................................... 40
3.1 O JORNALISMO NO BRASIL ...................................................................................... 41
3.2 A SEGMENTAÇÃO NA IMPRENSA BRASILEIRA ............................................................. 43
3.2.1 As Revistas Femininas: tematização prioritária da moda e dos costumes ...... 44
3.3 AS NOVAS PROPOSTAS DA INTERNET ....................................................................... 48
3.3.1 A Internet e o Mercado da Moda ..................................................................... 50
3.4 JORNALISMO DE MODA: NECESSIDADE OU FRIVOLIDADE? .......................................... 53
4 UMA PROPOSTA DE ANÁLISE: O MOVIMENTO DOS DISCURSOS SOBRE A
MODA NO SITE CHIC .............................................................................................. 55
4.1 EM TORNO DA METODOLOGIA ................................................................................. 55
4.2 O DISCURSO E A COMUNICAÇÃO ............................................................................. 57
4.3 AS BASES DA ANÁLISE ............................................................................................ 58
4.4 PROCEDIMENTOS DA ANÁLISE DO DISCURSO ............................................................ 59
5 ESTILOS DE VIDA, CONSUMO, LUXO, NECESSIDADE: PRODUÇÃO DE
SENTIDOS NOS DESFILES DE MODA DO SPFW................................................. 61
5.1 TRAJETÓRIA DO SÃO PAULO FASHION WEEK ............................................................. 61
5.2 O SITE CHIC E A COBERTURA DE MODA ................................................................... 63
5.2.1 As Configurações Verbo-visuais do Site Chic ................................................. 64
5.3 OS ESTILISTAS DE MODA E A VISIBILIDADE NO SITE CHIC ............................................ 69
5.3.1 Alexandre Herchcovitch ................................................................................... 69
5.3.1.1 Análise da cobertura do inverno 2011 de Herchcovitch ................................ 70
5.3.1.2 Análise da cobertura imagética do inverno 2011 de Herchcovitch ............... 73
5.3.1.3 Análise da cobertura do verão 2012 de Herchcovitch .................................. 74
5.3.1.4 Análise da cobertura imagética do verão 2012 de Herchcovitch .................. 77
5.3.2 Glória Coelho ................................................................................................... 78
5.3.2.1 Análise da cobertura do inverno 2011 de Glória Coelho .............................. 79
5.3.2.2 Análise da cobertura imagética do inverno 2011 de Glória Coelho .............. 81
5.3.2.3 Análise da cobertura do verão 2012 de Glória Coelho ................................. 82
5.3.2.4 Análise da cobertura imagética do verão 2012 de Glória Coelho ................. 85
5.3.3 Reinaldo Lourenço ........................................................................................... 86
5.3.3.1 Análise da cobertura do inverno 2011 de Reinaldo Lourenço ...................... 86
5.3.3.2 Análise da cobertura imagética do inverno 2011 de Reinaldo Lourenço ...... 88
5.3.3.3 Análise da cobertura do verão 2012 de Reinaldo Lourenço ......................... 89
5.3.3.4 Análise da cobertura imagética do verão 2012 de Reinaldo Lourenço ......... 91
5.4 ANÁLISE COMPARATIVA DAS COBERTURAS ANALISADAS ............................................ 93
CONCLUSAO .......................................................................................................... 96
REFERÊNCIAS .................................................................................................... ..101
ANEXOS .............................................................................................................. ..105
ANEXO A – Cobertura Inverno 2011 SPFW Alexandre Herchcovitch .................. ..106
ANEXO B – Cobertura Verão 2012 SPFW Alexandre Herchcovitch .................... ..109
ANEXO C – Cobertura Inverno 2011 SPFW Glória Coelho.. ................................ ..112
ANEXO D – Cobertura Verão 2012 SPFW Glória Coelho ...................................... 115
ANEXO E – Cobertura Inverno 2011 SPFW Reinaldo Lourenço ............................ 118
ANEXO F – Cobertura Verão 2012 SPFW Reinaldo Lourenço .............................. 121
13
INTRODUÇÃO
A evolução percebida pela história do vestuário retrata as muitas fases pelas
quais a moda passou até configurar-se como sistema, no século XV. Até este
período, que marca o fim da Idade Média, surgimento do capitalismo e a ascensão
da burguesia ao poder, o vestuário tinha como função a demarcação social realizada
por meio das roupas e uma inserção hierarquizada na vida dos indivíduos. A moda,
pois, constitui-se como um fenômeno que, segundo Lipovetsky (1989), é inseparável
do nascimento e desenvolvimento do mundo ocidental. Assim, desenvolve-se
paralela e juntamente com as principais rupturas ocorridas na passagem para a
modernidade e, de certa forma, traz em sua gênese rompimentos com a tradição,
com a aristocracia e com os padrões em voga até o momento.
Levando em conta esse panorama, este trabalho tem como objetivo
apresentar discussões a respeito da presença da moda na sociedade moderna,
destacando o papel do jornalista enquanto atividade social na constituição de
narrativas sobre estilos de vida. Pretende empreender um resgate histórico parcial
acerca do surgimento e evolução da indústria do vestuário no mundo, bem como de
sua inserção no Brasil. Será apresentado, no capítulo 2, um panorama da imprensa
em geral e, principalmente, do jornalismo segmentado no país, a fim de entender a
inserção tão maciça do jornalismo de moda na internet.
A importância da concepção da moda como um sistema, dá-se em razão da
nova organização econômica que estava em vias de formação ao final do século XV,
o capitalismo. Em um cotidiano em que estão refletidas mudanças de todos os tipos,
o interesse pelo vestuário e a necessidade da configuração da indústria da moda,
transformações certamente não tardarão a ocorrer.
Desta maneira, a moda constitui-se como um sistema organizado propiciando
o culto ao novo e o “Império do efêmero”, nome que titula a importante obra de Gilles
Lipovetsky, texto utilizado como base deste trabalho. A indústria da moda passa a
ter o consumo como seu principal motivador e o incentivo ao individualismo como
justificativa de sua existência. No entanto, agrega em sua essência uma dualidade
conceptiva entre a promoção da individualidade e os artifícios de distinção.
Como veremos no primeiro capítulo deste trabalho, algumas fases
acompanharam seu percurso, como a “moda de cem anos”, momento em que é
14
efetivada como uma organização estável e duradoura, e a “moda aberta”, período
em que a indústria volta-se à produção em série e burocratização da produção.
Desde então, passados cinco séculos de uma etapa responsável por transformar a
moda no que é atualmente, diversos setores ligam-se a esta indústria, hoje em
constante diálogo com todas as partes do mundo. Entre os setores de destaque,
está a comunicação, especificamente o jornalismo e a publicidade, com papel
essencial nessa globalização da moda e do consumo: são essas duas atividades
que, por meio de veículos a exemplo da internet, dinamizam e globalizam a moda.
Ganha destaque proeminente o jornalismo de moda, responsável por dar cobertura
integral à temática.
Incluída nos veículos online, que surgem efetivamente há pouco mais de dez
anos, a moda encontra na web uma forma de demonstrar sua importância na vida
cotidiana. Se, por um lado, surge por uma necessidade do mercado e da indústria,
por outro, reflete também o interesse dos próprios consumidores. A partir desta
popularização da internet e da temática do vestuário, surgem duas modalidades
comunicacionais de livre acesso: os sites e blogs, que serão diferenciados no
segundo capítulo deste trabalho.
Buscando referências do jornalismo de revista, o principal expoente do
jornalismo segmentado, os veículos online assumiram novas características,
buscando alinhar-se à contemporaneidade tecnológica e adquirir uma identidade
própria neste campo midiático ainda recente que é a internet. Nesse processo,
conhecido como midiatização, o veículo percorre todos os campos sociais, que,
segundo Maldonado (2002, p. 4), irá “condicioná-los e adequá-los às formas
expressivas e representativas da mídia”.
A partir de suas possibilidades, a mídia online transpassa o valor expositivo,
dos veículos de comunicação. Agora, os veículos online buscam “traduzir” a moda e
suas particularidades ao leitor, utilizando para tal objetivo as diversas ferramentas
que tem configuradas em sua estrutura, definidas por Palacios, Mielniczuk, Barbosa,
Ribas e Narita (2002), por seis características: interatividade, hipertextualidade,
multimidialidade, personalização, memória e atualização contínua. Preceitos
responsáveis por inovar e transformar a comunicação e romper barreiras entre
emissor e receptor, formando um leitor aparentemente mais crítico e ativo.
Aliando as possibilidades da internet com a crescente necessidade da
abordagem da moda por diversos meios, nas revistas, portais, sites ou blogs,
15
discutem-se as especificidades da moda brasileira e internacional, expondo ainda a
característica crítica que pode ser adotada pelo veículo. A informação de moda,
atuando em um jornalismo conceitualmente expositivo e descritivo, também adquire
a função de jornalismo de serviço. Inserido no gênero utilitário, o jornalismo de
serviço tem se tornado cada vez mais comum na sociedade capitalista, com o
propósito de prestar serviço à sociedade.
Em seguida, apresentamos nossas considerações finais que, antes de se
pretender conclusiva, faz um balanço das principais questões que o trabalho
suscitou. Por meio da análise de como está estruturado o discurso do site Chic a
partir da cobertura do São Paulo Fashion Week. A escolha do site é justificada pelo
pioneirismo do portal, criado em 2000 por Glória Kalil e por ser considerado um dos
primeiros veículos online de moda do Brasil. Por meio das configurações do site,
este estudo pretende identificar quais as formações discursivas estão presentes no
site Chic. Pretende discutir, além da compreensão dos textos, os meios de
interpretação da análise dos discursos presentes nas matérias veiculadas pelo site,
buscando entender de qual forma o uso da linguagem e de expressões simbólicas
são responsáveis por construir e constituir relações sociais, muitas vezes inseridas
de forma sutil nas publicações.
16
2 A INSTITUIÇÃO DA MODA COMO SISTEMA: NOVOS PARÂMETROS PARA A
ERA MODERNA
Antes de explorarmos especificamente o tema do nosso trabalho, necessário
se faz apresentar algumas reflexões a respeito da moda em suas diversas
perspectivas. Um fio condutor que nos guia aqui pode ser encontrado nos debates
de cunho sociológico, político e econômico destinados ao tema.
Conceituada por Lipovetsky (1989) como um fenômeno inseparável do
nascimento e desenvolvimento do mundo moderno ocidental, o surgimento da moda
marca uma ruptura. Datado no fim da Idade Média e no surgimento da era moderna,
a moda não institui apenas a novidade como pilar de sustentação, mas agrega em
sua estrutura um sistema baseado na promoção do individualismo, promoção da
distinção, associada a uma autonomização das consciências e dos desejos dos
indivíduos. Para SOUZA (1987), a moda não pode ser considerada um fenômeno
universal e sim particular a certas sociedades e períodos históricos.
O fim do século XIV não marca somente o nascimento da moda, mas também
a sua consolidação de forma sistemática e durável. Até aquele momento, o vestuário
(cujo princípio acredita-se que tenha ocorrido na era pré-histórica, antes mesmo do
surgimento da escrita), era concebido apenas como uma necessidade. Mesmo que
este último fator tivesse perdido espaço para a vaidade e hierarquização das
sociedades ao longo dos séculos, os trajes eram tão somente a vestimenta, pré-
determinada seguindo os preceitos da época. As variações do traje limitavam-se às
hierarquias de classe, em que as diferenciações davam-se, essencialmente, nos
tecidos e ornamentos utilizados. Assim, de acordo com Lipovetsky, “durante séculos,
o vestuário respeitou globalmente a hierarquia das condições: cada estado usava os
trajes que lhe eram próprios” (1989, p. 40). Mesmo que houvesse uma ínfima
diferenciação entre os trajes de classes distintas, não havia possibilidade e
tampouco liberdade para que a moda e o luxo fossem acessíveis aos mais diferentes
níveis sociais.
De maneira geral, podemos dizer que os povos primitivos a desconhecem (talvez a grande significação religiosa e social atribuída à roupa e aos enfeites represente um empecilho às manifestações de mudança), que entre os gregos e romanos ela se limita a alguns setores, como a variação dos estilos de penteado, e que na Idade Média praticamente não existe (SOUZA, 1987, p. 20).
17
A elitização dos trajes dá-se em razão de um conceito enraizado nas relações
e comportamentos dos homens do fim do século XIV: a tradição. Sua força impedia
que as classes inferiores tivessem acesso aos trajes que pertenciam aos nobres,
que não desejavam ter seus privilégios e particularidades usurpadas pelos plebeus.
O rompimento realizado pela moda em relação aos comportamentos tradicionais é
explicado por Gilda de Mello e Souza, que diz que “os costumes cultuam o passado,
ligando-se assim à tradição, e a moda cultua o presente, adotando sempre a
novidade” (1987, p. 20). As classes nobres não desejavam compartilhar com seus
subalternos o luxo dos tecidos, acessórios e jóias, características que consideravam
traço de seu poder e elegância, marca maior de distinção e austeridade da nobreza.
A moda surge em um século em que a arte é representada por artigos com
propriedades predominantemente extravagantes, cujo excesso e utilização
desmedida de ornamentos eram próprios deste período, particulares às classes que
podiam vestir-se com adornos exagerados.
A uniformização dos trajes será colocada em discussão com o surgimento da
moda e as transformações que ela inevitavelmente provoca. A figura do burguês é
fundamental para se pensar na reestruturação que a moda propõe. “(...) o grande
novo rico, de padrão de vida faustoso, que se veste como os nobres, que se cobre
de jóias e de tecidos preciosos, que rivaliza em elegância com a nobreza de sangue”
(LIPOVETSKY, 1989, p. 40). O burguês surge em meio a um crescimento
vertiginoso das cidades, da produção, do comércio e dos bancos, que tem por
consequência o surgimento de uma nova classe social, que não possui sangue azul,
mas é detentora de imensas fortunas e cujo prestígio e poder só irão aumentar. Seu
cenário principal, as cidades, propiciam efetivamente comportamentos próprios da
moda, destacados por Souza. “A aproximação em que vivem as pessoas na área
urbana desenvolve, efetivamente, a excitabilidade nervosa, estimulando o desejo de
competir e o hábito de imitar” (SOUZA, 1987, p. 21). Em contrapartida, enquanto a
ascensão da burguesia caminha pari passu com a sociedade moderna, a nobreza vê
seu poder em constante diminuição em decorrência do novo e duradouro regime
político, o capitalismo, que forneceu cada vez mais subsídios para o aumento de
poder da burguesia, detentora dos meios de produção.
Fenômeno indissociável do ocidente, o surgimento da moda só foi possível
por meio de fatores particulares à Europa após o século X. Condições possibilitadas
18
nos campos econômicos, sociais e políticos que se refletiram na dinâmica europeia,
fator essencial ao desenvolvimento da moda e de seus desdobramentos.
Com o fim dos ataques bárbaros e da destruição causada pelas constantes
disputas territoriais, a Europa ocidental passa a enfrentar um longo período de
imunidade, livre dos ataques estrangeiros. Este fenômeno favoreceu o
desenvolvimento da economia e impulsionou a civilização. Embora as guerras ainda
fossem comuns, elas ocorriam entre os europeus, consolidando aspectos próprios
ao continente. Para LIPOVETSKY (1989), estes fatores particulares ao Ocidente,
que transformaram costumes, valores e a civilização europeia como um todo,
tornaram possível uma sociedade apta às mudanças e disposta a se entregar aos
prazeres mundanos do luxo e da sofisticação.
Os jogos imoderados da frivolidade só foram possíveis em razão dessa profunda estabilidade cultural, que assegurou um ancoradouro permanente à identidade coletiva: na raiz do princípio de inconstância, a constância da identidade cultural ocidental, excepcional na história (LIPOVETSKY, 1989, p. 50).
Embora a moda tenha em seus pilares de sustentação os acontecimentos
políticos que caracterizaram o período de seu surgimento, com o fim da Idade
Média, ascensão do capitalismo e início da era moderna, configurações de cunho
social e econômico que precederam este período tiveram papel fundamental nas
transformações alguns séculos depois. A situação econômica do século XI, com um
crescimento econômico contínuo e sólido, o surgimento das cidades e do comércio e
o estabelecimento do feudalismo, que tiveram como resultado o aumento do poder
monetário da aristocracia, cujo reflexo deu-se nas vestimentas ostentatórias,
atribuídas apenas às classes nobres.
Ao final da Idade Média, com a atenção toda voltada às cidades e ao
comércio, o abandono das terras e dos trabalhos agrícolas pelos camponeses
acabou de vez com o poder do senhorio rural, gerando uma crise financeira. Os
reflexos da crise não foram sentidos em toda a Europa e, embora tenha sido um
período de marasmo econômico, a concentração de fortunas e constante
multiplicação dos poderosos burgueses permitiram não uma diminuição, mas o
crescimento dos dispêndios suntuosos. Segundo LIPOVETSKY (1989), a
manutenção e o crescimento dos gastos era uma forma encontrada pelos burgueses
de demonstrar os signos de seu novo poder e uma estratégia também utilizada pelos
19
nobres, que viam no luxo e no prestígio dos signos estéticos uma forma de manter
sua posição, ao menos na aparência.
2.1 A MODA COMO SISTEMA
Pensar na moda como sistema implica em uma mudança pontual no modo
como era concebido o vestuário até o momento. De tal maneira, o sistema da moda
nasce como uma forma de organizar social e economicamente os indivíduos. Com a
característica principal de basear-se pelo efêmero e pelo gosto pela novidade, as
definições da moda só encontraram uma razão de ocorrer pela nova estruturação da
sociedade moderna e capitalista no final do século XIV. “Só a partir do final da Idade
Média é possível reconhecer a ordem própria da moda, a moda como sistema, como
suas metamorfoses incessantes, seus movimentos bruscos, suas extravagâncias”
(LIPOVETSKY, 1989, p. 23).
A moda como sistema foi responsável por uma revolução no vestuário e, ao
mesmo tempo, uma mudança em toda a estrutura da sociedade e das relações do
homem com o mundo moderno. A sociedade passou por períodos pontuais que
revolucionaram não somente a economia, mas a sociedade como um todo. Assim,
mudanças em relação à elitização e hierarquização do vestuário só poderão ser
vistas realmente na sociedade a partir da passagem do século XVI para o século
XVII, com a imitação parcial do vestuário nobre não só na média, mas também na
pequena burguesia. Estimulada basicamente pelo aumento na produção e pelo
aumento do poder aquisitivo da população, a partir deste momento a sociedade
passa a ter acesso aos mais elegantes trajes, tecidos e ornamentos, embora não
tenha os adotado completamente.
A criação das leis suntuárias, que determinavam quais trajes poderiam ser
utilizados pelas classes mais baixas, cumpriram seu objetivo até o surgimento do
sistema da moda1. Para Souza, as leis suntuárias tinham como objetivo principal
impedir que as classes inferiores usassem trajes semelhantes aos da nobreza, que
queria de toda forma distanciar-se das classes subalternas.
1 Sistema da moda: termo compartilhado por Gilles Lipovetsky (1989) e Roland Barthes, que conceitua a fase em que a moda passa a ser organizada e concebida de acordo com suas particularidades, ao final do século XV. “(...) é possível reconhecer a ordem própria da moda, a moda como sistema, com suas metamorfoses incessantes, seus movimentos bruscos, suas extravagâncias” (LIPOVETSKY, 1989, p. 23).
20
Apenas os príncipes e as princesas podem vestir-se de carmesim; os gentis-homens e suas esposas só têm o direito de utilizar essa cor nas peças mais escondidas; às mulheres da classe média só é permitido o uso do veludo nas costas ou nas mangas; aos maridos, proíbe-se o seu emprego nas vestes superiores, a não ser que as inferiores sejam de pano; às pessoas que se dedicam aos ofícios e aos habitantes do campo, a seda é interdita, mesmo como acessório (SOUZA, 1987, p. 47).
Inevitavelmente, os trajes são comparados em sua elegância e luxuosidade,
o que torna evidente as distinções entre os trajes burgueses em relação aos nobres.
Lipovetsky destaca, como uma das diferenciações entre eles, o período de
defasagem que ocorre se comparados, haja vista que o vestuário burguês utiliza os
artigos da moda com atraso, ao passo que já estão sendo substituídos na corte.
“Ainda que o traje burguês jamais tenha igualado o brilho, a audácia, a ostentação
aristocrática, ainda que se difunda com atraso, quando o uso começa a desaparecer
na corte” (LIPOVETSKY, 1989, p. 41). Mesmo que as autoridades tentassem impedir
as classes inferiores de copiar modelos, tecidos e as formas de vestuário, as
transgressões aos decretos e multas por parte dos burgueses tiveram papel
essencial para dar início a um processo de democratização2 da moda. Eram
adotados, aos poucos, elementos do vestuário aristocrático até que, em 1620, as
leis e os decretos deixaram de segregar um grupo por meio de sua classe social. As
interdições passam a ser destinadas a toda a sociedade e não somente a um grupo
específico.
Gilles Lipovetsky define o processo pelo qual a moda passou para chegar aos
dias de hoje, como símbolo da possibilidade de individualização e distinção entre os
sujeitos.
Mas a moda só pôde ser um agente da revolução democrática porque foi acompanhada mais fundamentalmente por um duplo processo de conseqüências incalculáveis para a história de nossas sociedades: a ascensão econômica da burguesia, por um lado, e o crescimento do Estado moderno, por outro, os quais, juntos puderam dar uma realidade e uma legitimidade aos desejos de promoção social das classes sujeitas ao trabalho (LIPOVETSKY, 1989, p. 42).
2 A acepção correta do termo, neste contexto, situa-se à parte das conceituações de raízes políticas e agrega ao termo o que se entende como uma das temáticas mais discutidas na moda, seu acesso sem restrições, possível a todas as classes. Embora, antes mesmo do surgimento do sistema da moda, sua função de distinção tenha se tornado latente, ao longo dos séculos algumas transformações na moda discutem, de certa forma, o acesso de uma maioria às inovações e proposições da indústria do vestuário, tentando desvincular a moda da visível hierarquia de classes. “Uma democratização da grife que não acarreta de modo algum um nivelamento homogêneo; castas e hierarquias permanecem, mas com fronteiras menos nítidas, menos estáveis, salvo para pequenas minorias” (LIPOVETSKY, 1989, p. 118).
21
Muito embora alguns elementos do vestuário aristocrático fossem adotados
pela burguesia, não foram todos e nem qualquer um dos elementos suntuários que
despertaram admiração da nova classe. Houve um mimetismo parcial de gostos e
símbolos da nobreza, chamado por Lipovetsky de “mimetismo seletivo e controlado”.
Ainda que as classes burguesas tenham efetivamente escolhido seus modelos na nobreza, não os copiaram em tudo, nem todas as inovações frívolas foram aceitas, e isso, mesmo na corte. Nos círculos mundanos, as excentricidades não foram todas assimiladas e, na burguesia, os traços mais fantasiosos do parecer despertaram mais reprovação do que admiração (LIPOVETSKY, 1989, p. 42).
O século XVII é marcado pela “moda ponderada”, livre dos excessos da
aristocracia, agregadora de valores essenciais à burguesia, como o conforto, a
prudência, a utilidade e a limpeza. É uma moda do “homem correto” efeito do filtro
burguês, que só extrai dos gostos e preferências corteses aquilo que não fere suas
normas de bom senso e moderação. É também traço do crescente individualismo
que surge e se desenvolve com a moda.
Por sua estrutura relativamente maleável, a moda abre as possibilidades de
recusa ou submissão, responsável pela liberdade que concede às pessoas em
aceitar ou não as novidades que, com o sistema da moda, não cessam em aparecer.
Parte disso é decorrente do rompimento com a tradição realizado pelo vestuário.
Rompeu com os ideais que o impediam de se desenvolver de forma autônoma e
livre, na constante exaltação da individualidade e do culto ao efêmero e às
novidades. Para Lipovetsky, foi a partir daí que a sociedade deixou de exaltar
práticas tradicionalistas e pode constituir um sistema de essência moderna, no qual
o antigo não é mais venerável e as atenções estão todas voltadas ao presente.
(...) enquanto nas eras de costume reinam o prestígio da antiguidade e a imitação dos ancestrais, nas eras da moda dominam o culto das novidades assim como a imitação dos modelos presentes e entrangeiros – prefere-se ter semelhanças com os inovadores contemporâneos do que com os antepassados (LIPOVETSKY, 1989, p. 32).
As mudanças em diversas áreas, como o trabalho, economia e a vida em
sociedade foram responsáveis por transformações pontuais nos hábitos dos
indivíduos. O consumo torna-se uma atividade comum aos sujeitos, destacada pela
por fatores que configuram sua existência, como o capitalismo e as novas
estratégias produtivas, além de novos parâmetros, como o prestígio do novo e o
culto pelo presente social.
Institucionalizando o efêmero, diversificando o leque dos objetos e dos serviços, o terminal da moda multiplicou as ocasiões da escolha individual,
22
obrigou o indivíduo a informar-se, a acolher as novidades, a afirmar preferências subjetivas: o indivíduo tornou-se um centro decisório permanente, um sujeito aberto e móvel através do caleidoscópio da mercadoria (LIPOVETSKY, 1989, p. 175).
Falar de multiplicação das escolhas individuais também converge em um
sentido tão particular da moda, que justifica em grande parte sua existência e sua
predominância até o presente momento nas sociedades com as mais variadas
características. Pressuposto das escolhas dos homens e da capacidade de o
indivíduo tomar sua própria decisão no que concerne as manifestações simbólicas, o
vestuário é destacado como principal agente da autonomia das consciências,
adquirida apenas a partir de sua criação como sistema, no qual “a moda aparece
antes de tudo como o agente por excelência da espiral individualista e da
consolidação das sociedades liberais” (LIPOVETSKY, 1989, p. 13).
Acrescente-se ainda que como forma de manifestação de oposição a valores
estabelecidos, o consumo configura-se material ou simbolicamente. Como forma de
desvalorizar os atributos das classes mais baixas, os dominantes tendem a
classificar as classes dominadas por meio de antagonismos, como masculino e
feminino, sério e frívolo, útil e fútil, o realismo e o irrealismo. A nova concepção do
ser, sua autonomia e individualidade foram responsáveis por retirar da moda o
aspecto hierarquizado da aparência, que culminou na generalização do desejo de
moda, ao mesmo tempo que pretende tornar cada homem único, pretende também
uniformizar alguns setores da vida cotidiana. Cabe ao indivíduo adotar ou utilizar,
fazendo uso das novidades conforme sua necessidade ou desejo. Essa situação
ambivalente é facilmente comprovada nos dias de hoje, conforme veremos nas
análises posteriores.
A individualização dos gostos, que institui-se como uma das características
mais importantes da moda, se desenvolveu paralelamente à individualização
religiosa e econômica e precedeu o surgimento do individualismo ideológico. Tem-
se, portanto, a importância da moda não somente em fornecer ao homem o direito
de ser concebido como um ser individualizado e livre, mas também em possibilitar a
ascensão e criação de um individualismo em todas as áreas que circundam os
homens, a individualização econômica, religiosa e ideológica só foi possível a
medida em que a moda adquiriu sua importância e seus preceitos foram legitimados
nas sociedades modernas ocidentais. Para Lipovetsky, por meio de conceitos tão
particulares à moda, como o luxo e a ambiguidade, foi possível o desenvolvimento
23
de uma sociedade aos moldes do ocidente: “o indivíduo livre, solto, criador, e seu
correlato, o êxtase frívolo do eu” (LIPOVETSKY, 1989, p. 49).
2.2 A MODA COMO FATOR DE DISTINÇÃO SOCIAL
Mas não é possível deixar de identificar preceitos que tornam a moda símbolo
de distinção, em qualquer fase de análise. Embora não se possa justificar a urgência
da moda e suas características fundadoras apenas como tentativas de distinção dos
indivíduos, esta função esteve presente em todos as fases da moda, mesmo que de
maneira sutil.
A moda é um todo harmonioso mais ou menos indissociável. Serve à estrutura social, acentuando a divisão em classe; reconcilia o conflito entre o impulso individualizador de cada um de nós (necessidade de afirmação como pessoa) e o socializador (necessidade de afirmação como um membro do grupo); exprime ideias e sentimentos, pois é uma linguagem que se traduz em termos artísticos (SOUZA, 1987, p. 29).
Devido a configuração moderna da sociedade - não mais baseada por
posições estamentárias - em que o poder e o dinheiro é que conferem ao indivíduo a
possibilidade de mobilidade social -, algumas estratégias de distinção social passam
a ser aplicadas. Uma competição, agora configurada de diversas maneiras, não
somente por meio do vestuário e da moda, mas, basicamente, por meio dos bens de
consumo, que estão cada vez mais afastadas do consumo motivado pela
necessidade. Se, até pouco antes do capitalismo, o consumo só possuía como mote
a necessidade, justificada pela produção escassa, agora o consumo está fincado em
bases distintas, e o lugar da necessidade é ocupado pela diversificação dos artigos
e pela sedução, admitidos como “a produção e o consumo de massa sob a lei da
obsolescência” (LIPOVETSKY, 1989, p. 159).
As novidades agora ditam o curso das decisões e dos desejos, atrelada,
basicamente, às novas estratégias de sedução para o consumo de massa. Para
Lipovetsky (1989, p. 29), “(...) não há sistema da moda senão quando o gosto pelas
novidades se torna um princípio constante e regular, quando já não se identifica,
precisamente, só com a curiosidade em relação às coisas exógenas”. A busca por
meios de distinguir-se esteticamente tem origem na mobilidade social. Ainda que a
sociedade tenha se transformado completamente com o novo meio de produção
capitalista e a ascensão da burguesia, os indivíduos agora eram livres em suas
24
escolhas, não só no que concerne o vestuário, mas no que diz respeito às escolhas
no cardápio, decoração e todos os artigos de consumo.
Os indivíduos buscam – também muito influenciados pelo consumo de massa
– elementos que possam individualizar sua existência e provar sua necessidade de
afirmação como parte da sociedade, com características próprias que podem variar
entre a distinção e a uniformização. Mas a capacidade de escolha e decisão dos
seres, mesmo que inconscientes, de acordo com Bourdieu (2007), é capaz não só
de individualizar os homens, mas também de consolidar as posições por eles
ocupadas.
As tomadas de posição, objetiva e subjetivamente, estéticas – por exemplo, a cosmética corporal, o vestuário ou a decoração de uma casa – constituem outras tantas oportunidades de experimentar ou afirmar a posição ocupada no espaço social como lugar a assegurar ou distanciamento a manter (BOURDIEU, 2007, p. 57).
Do mesmo modo como são concebidas como estratégias de confirmação da
posição exercida, as escolhas são percebidas como elementos de distinção entre os
seres, mais comumente exercidas por meio das distinções de classe e classificações
sociais.
De fato, as escolhas estéticas explícitas constituem-se, muitas vezes, por oposição às escolhas dos grupos mais próximos no espaço social, com quem a concorrência é mais direta e imediata e, sem dúvida, de modo mais preciso, em relação àquelas, entre tais escolhas, em que se torna mais evidente a intenção, percebida como pretensão, de marcar a distinção em relação aos grupos inferiores (BOURDIEU, 2007, p. 58).
Os fenômenos de distinção podem explicar o gosto pelas novidades, o culto
do presente, no entanto, não conseguem explicar a negação da tradição e do
passado. Para Lipovetsky, as teorias da distinção não foram suficientes para
esclarecer nem o advento da autonomia pessoal, nem a paixão pelo efêmero e pelo
novo, embora Bourdieu discorde. De acordo com Bourdieu, as estratégias distintivas,
que atuam por meio dos gostos pessoais e, principalmente, pela classe a qual
pertencem os indivíduos, pode explicar o gosto pelo efêmero, pela novidade e pela
promoção da autonomia. Pode explicar a eclosão da moda e de sua importância na
sociedade, como tornou-se, em um tempo relativamente pequeno, um fenômeno tão
importante à estrutura da sociedade, do trabalho e das relações econômicas. A
afirmação de Lipovetsky, no entanto, não quer dizer que a moda seja estranha aos
fenômenos de rivalidade entre as classes. O autor é categórico, por meio de
análises, afirmando que o motor principal do consumo das classes superiores
25
“obedece essencialmente ao princípio do esbanjamento ostentatório, e isso a fim de
atrair a estima e a inveja dos outros” (LIPOVETSKY, 1989, p. 55). A exibição da
riqueza, do luxo e do poder que se dá por meio dos elementos da moda, são fatores
destacados por ele como indissociáveis da rivalidade de classes, destacadas como a
base da raiz do consumo. Para Souza (1987), a moda converge para duas
classificações, em que está incluído o desejo de individualizar-se e distinguir-se dos
outros indivíduos. “Com efeito, ao mesmo tempo que traduz a necessidade do
adorno, a moda corresponde ao desejo de distinção social” (SOUZA, 1987, p. 47).
Manifestações estéticas de poder e riqueza como formas de conquistar honra
e prestígio fazem parte do escopo da moda, que “acha-se particularmente adaptada
para intensificar o dispêndio ostensivo (...), um instrumento de obtenção da
honorabilidade social” (LIPOVETSKY, 1989, p. 56), concepções partilhadas por
Gilles Lipovetsky e Pierre Bourdieu.
Compreende-se que a maneira de usar bens simbólicos e, em particular, daqueles que são considerados como os atributos da excelência, constitui um dos marcadores privilegiados da “classe”, ao mesmo tempo que o instrumento por excelência das estratégias de distinção, ou seja, na linguagem de Proust, da “arte infinitamente variada de marcar as distâncias (BOURDIEU, 2007, p. 65).
A consciência inédita da identidade dos seres, a predominância do particular
e o gosto pelo novo possibilitaram a moda assumir sua posição, sempre mutável e
buscando a individualização dos sujeitos. A partir de tais preceitos, a moda também
assume feições ainda mais particulares ao seu sistema, como o gosto pelas marcas
e do luxo, possível para poucos. Na tentativa de, ao mesmo tempo buscar a
individualização e, com ela, a diferença, o efêmero é tido como pilar de sustentação
das artimanhas da moda e de sua sedução aos homens.
O apreço pelo novo e por esta nova configuração do vestuário, possibilitou ao
homem, mesmo que a níveis pequenos, o exercício de sua liberdade, de seus níveis
particulares escolha e seu gosto próprio, características que viriam a se tornar
próprias do mundo moderno ocidental.
Economia e meios de produção ganharam diferentes conceitos com o passar
dos anos, marcados pela lógica capitalista, e foi por meio deles que a moda se
desenvolveu. Com o aumento na intensidade das trocas internacionais, o
renascimento urbano e as constantes renovações na produção, outros modos de se
conceber a moda foram tomando forma. O intercâmbio entre países impulsionou a
26
diversificação das matérias-primas do vestuário, como tecidos, acessórios, tinturas e
tecelagem, e eram importados todos os artigos para a confecção de moda que se
podia imaginar, dos mais diversos países.
As primeiras décadas experimentadas pela moda são caracterizadas pelo
furor das novidades, impulsionada de forma dispersa e irregular. Suas variações
ocorriam de forma tão rápida que praticamente não havia hiato entre os desejos e a
produção de vestuário na época. O grande motor das paixões frívolas e das
ambições de consumo eram as inovações e extravagâncias dos integrantes da
nobreza, que, mesmo sem o poder de antes, eram conhecidos como expoentes da
moda.
O século XIX marca uma fase notável no curso da moda como sistema. É o
que Lipovetsky (1989) nomeia “moda de cem anos”. Da metade do século XIX até o
ano de 1960, tem-se um período que foi considerado a primeira fase da moda
moderna, momento em que a moda é efetivada como uma organização estável e
duradoura.
A moda de cem anos é caracterizada por estar articulada entre indústrias
recentes, a alta-costura e a confecção, duas indústrias de vestuário que atuam sobre
bases completamente distintas. A primeira, que fabrica o luxo, o traje prestigioso e
sob medida. E a segunda, uma confecção industrial, com bases na produção em
série e de baixo custo, que tenta reproduzir as criações de sua opositora, a alta-
costura.
Criação de modelos originais, reprodução industrial: a moda que ganha corpo se apresenta sob o signo de uma diferenciação marcada em matéria de técnicas, de preços, de renomes, de objetivos, de acordo com uma sociedade ela própria dividida em classes, com modos de vida e aspirações nitidamente contrastados (LIPOVETSKY, 1989, p. 70).
Com a produção de moda dividida em duas partes, em que uma está
conceituada como a alta-costura, que monopoliza a inovação e lança as tendências
e a outra são as confecções industriais, que seguem os lançamentos da primeira,
inspirando-se de forma suave ou intensa. É o que o autor considera o período de
monocefalia da moda, em que apenas uma base lança conceitos, difunde
tendências e define o que será ou não utilizado na próxima estação. Tendo como
centro a capital francesa, Paris, a estrutura da alta-costura é suntuosa: as belas
maisons, casas ilustres, local no qual aconteciam as revoluções e experimentações
da moda de cem anos.
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Em certo ponto, a inspiração dos modelos da alta-costura pela indústria da
confecção passou de algo velado para uma estrutura fixa de produção:
Os profissionais estrangeiros compram os modelos de sua escolha com o direito de reproduzi-los no mais das vezes em grande série em seus países. Munidos dos modelos e das fichas de referência dando as indicações necessárias para a reprodução do vestido, os fabricantes (...) podiam reproduzir as criações parisienses simplificando-as: assim, muito rapidamente, em algumas semanas, a clientela estrangeira poderia vestir-se na última moda da Alta Costura a preços acessíveis, ou até muito baixos, segundo a categoria da confecção (LIPOVETSKY, 1989, p. 73).
Com a dinâmica instaurada pela alta-costura, as inovações e tendências em
matéria de vestuário agora são lançadas com data marcada, a moda torna-se
bianual, de acordo com o lançamento das coleções de verão e inverno.
As novidades eram, primeiramente, apresentadas aos representantes
estrangeiros, que compram os modelos desejados com a permissão de reproduzi-los
em série nos seus países. “(...) assim, muito rapidamente, em algumas semanas, a
clientela estrangeira podia vestir-se na última moda da alta-costura a preços
acessíveis (...)” (LIPOVETSKY, 1989, p. 73). Segundo o autor, o surgimento da alta-
costura e de seus desdobramentos disciplinou a moda no momento em que ela
provocava inovações nunca antes vistas.
Como se viu, a alta-costura foi o primeiro expoente de uma moda produzida
em série, classificada por Lipovetsky como “a primeira manifestação de um consumo
de massa, homogêneo, estandardizado, indiferente às fronteiras” (1989, p. 74).
Como consequência, a distribuição das criações luxuosas das maisons parisienses
para serem produzidas em série gerou, além da centralização, o que se pode
conceituar como uma democratização da moda. Muito impulsionada pela
comunicação de massa, causou, no início do século XX, a atenuação parcial das
desigualdades que existiam entre o vestuário das diferentes classes sociais.
O mais notável da alta-costura deve-se ao fato de, ao mesmo tempo que
centralizou as criações e difundiu ainda mais a indústria do luxo e do prestígio, foi
responsável pela formação de uma moda menos hierarquizada, acessível aos mais
distintos públicos com diferenças menos evidentes que nos séculos anteriores. A
partir de 1920, a alta-costura torna-se mais facilmente imitável por defender uma
aparência de propriedades mais simples, menos extravagante e ostentatória,
impulsionada pela visionária estilista e fundadora da Maison Chanel, conhecida
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como Coco Chanel3, cuja história remonta um período importante da moda do século
XX e ainda se faz essencial, haja vista que a grife fundada por Chanel ainda é um
dos mais significativos nomes da moda no mundo.
Evidentemente, distâncias muito nítidas continuaram as toaletes das diferentes classes, mas o fato mais importante reside em que o luxo do vestuário deixou de ser um imperativo ostentatório, só legítimo uma vez esfumado e invisível; uma certa simplicidade “impessoal”, aparentemente estandizável, conseguiu impor-se na cena da elegância feminina (LIPOVETSKY, 1989, p. 74).
No entanto, falar na teórica democratização da moda não implica em uma
uniformização dos trajes. O caráter de distinção adquirido pelo vestuário continua
existindo, conceituado como um valor de gosto e de refinamento das classes
superiores, novos signos, mais sutis, promovem pontos de referência que remetam e
valorizem mais os atributos pessoais.
A democratização também é responsável por uma universalização do gosto
de moda. As classes mais baixas, que até o momento não tinham capital para
consumir com frequência artigos de vestuário, agora contavam com acesso às
novidades ao mesmo tempo que eram lançadas nos luxuosos ateliês de Paris. “À
democratização da aparência correspondeu a extensão e depois a generalização do
desejo de moda, outrora circunscrito às camadas privilegiadas da sociedade”
(LIPOVETSKY, 1989, p. 78). Mas não é possível dizer que a moda está, a partir de
então, mediante o acesso irrestrito de todas as classes sociais, sem parâmetros
distintivos. De certa forma, está disponível para a maioria dos indivíduos, no entanto,
sob critérios que as distinguem, como materiais, tecidos e também pelas grifes, que
tem como compradores apenas os membros das classes dominantes. É somente
após as grandes guerras mundiais que o direito à moda terá uma base sólida e uma
legitimidade de massa. A moda de cem anos, além de aproximar o modo de vestir
dos indivíduos de todos os âmbitos sociais, salvo algumas particularidades, difundiu
o gosto pelo efêmero e pelo novo, tornando a paixão pelas frivolidades um
3 Gabrielle Bonheur Chanel, mais conhecida Coco Chanel, é considerada uma das figuras mais icônicas da moda. Nasceu em uma família pobre, foi abandonada pela mãe aos seis anos, que deixou Gabrielle e os quatro irmãos aos cuidados do pai. Funda, em 1910, uma pequena chapelaria, que viria a se tornar uma das grifes mais influentes e conceituadas do mundo da moda, a Chanel. Em 1920, já era uma pessoa influente na França e passa a criar, além dos chapéus, roupas, perfumes e acessórios. Tem, como marcas registradas, a bolsa Chanel 2.55, as pérolas e o vestido preto. Morre em 1971, aos 87, época em que ainda trabalhava ativamente no desenvolvimento das coleções de sua Maison. Seu nome, além de constar como uma das figuras mais importantes da moda, está atualmente ligado a uma série de publicações que a envolvem com o nazismo, que tratam-se apenas de hipóteses, sem comprovações efetivas.
29
sentimento compartilhado por todos os indivíduos, mesmo que de formas próprias à
classe em que se enquadram.
O direito dado às mais distintas classes de consumirem a moda assim que é
lançada promove a discussão sobre moda nas revistas especializadas, que se
tornaram cada vez mais numerosas devido a alta-costura. Desta forma, realizou uma
revolução comercial feita por estratégias voltadas ao consumo desenfreado. Visando
saciar os desejos no que diz respeito à aparência, a indústria da moda torna seus
produtos artigos de sedução aos indivíduos, sob a faceta de uma individualização
mais profunda e a possibilidade da escolha de cada integrante da sociedade, que
“consiste em estimular, em desculpabilizar a compra e o consumo através de
estratégias de encenação publicitária, de superexposição dos produtos”
(LIPOVETSKY, 1989, p. 95).
O consumo e produção de massa caracterizam-se pela produção em larga
escala, característica que implica em indivíduos de trajes homogêneos e análogos.
No entanto, segundo Lipovetsky, tais conceitos exigem da indústria posições que
contrariam a uniformização dos indivíduos definidas como “a multiplicação dos
modelos, a diversificação das séries, a produção de diferenças opcionais, a
estimulação de uma procura personalizada” (LIPOVETSKY 1989, p. 98). A
organização da sociedade, compreendida pela produção, organização, difusão e
toda a ode dos costumes dos homens, é influenciada pela moda a promover os
desejos individuais, estimular a participação social e fornecer opções plausíveis aos
indivíduos. Não há como negar a verdadeira faceta das constantes novidades e
inovações promovidas pela indústria da moda. Com a constante obsolescência dos
produtos, a moda, empresa industrial e comercial de luxo, objetiva o desejo por suas
criações para acelerar o consumo e obter maiores lucros. Mas, segundo Gilda de
Mello e Souza, é errado responsabilizar costureiros e estilistas por estas constantes
renovações e inovações da moda.
É um grave erro dizer que o costureiro força o sentido da moda. “Nenhum produtor apresenta um produto sem que o público a quem se endereça o tenha solicitado”, afirma Steinmetz. Como o poeta, ele é apenas o porta-voz de uma corrente que se esboça e cuja tomada de consciência antecipa (SOUZA, 1987, p. 31).
Transformações nos âmbitos sociais, econômicos e organizacionais ocorridas
partir dos anos 1950 e 1960 inauguraram a segunda fase da moda moderna,
conhecida como “moda aberta”. Essa nova fase estende e universaliza os preceitos
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mais modernos da moda de cem anos: estruturação de uma indústria de série,
burocratização da produção, gerenciamento da criação por profissionais da moda,
bem como lançamentos organizados em coleções sazonais e a destinação
publicitária dos desfiles de moda.
Além de consolidar traços do sistema anterior, como fundamento, rompe com
alguns dos princípios de sua predecessora. A moda não é concebida a partir da
configuração hierarquizada e unitária anterior e ganha estrutura diversa sustentada
em três pilares: burocrático-estético, industrial e o pilar democrático e individualista
da moda. Nesta nova fase, embora ainda seja consagrada e dotada de prestígio
único, a alta-costura não lança mais as novidades do mercado e tampouco produz a
última moda. Configura-se como uma marca eterna, nem clássica, nem vanguarda,
“realizando obras primas de execução, de proeza, de gratuidade estética, toaletes
inauditas, únicas, suntuosas, transcendendo a realidade efêmera da própria moda”
(LIPOVETSKY, 1989, p. 109)
Como principal revolução da moda aberta, tem-se o prêt-a-porter, expressão
lançada na França que significa “pronto para usar”, que rivaliza a produção de
massa na qualidade e referência estilística de seus produtos.
Enquanto a roupa de confecção apresentava muitas vezes um corte defeituoso, uma falta de acabamento, de qualidade e de fantasia, o prêt-a-porter quer fundir a indústria e a moda, quer colocar a novidade, o estilo, a estética na rua (LIPOVETSKY, 1989, p. 110).
Mimetizando parcial ou completamente as inovações da alta-costura, o prêt-a-
porter só vai se estabelecer quando começa a criar peças e conceber roupas com
um espírito bem diferente do abordado pela alta-costura, com a moda voltada à
juventude, à novidade e à audácia. Enquanto a alta-costura é deposta de seu status
criador de desejos e paixões em moda, é substituída por um sistema alinhado ao
seu tempo e ao estilo dos consumidores: um vestuário livre e de estilo jovem. Ainda
contrariamente às maisons parisienses, o prêt-a-porter despolariza a criação de
moda, dissemina os polos criativos e impede que apenas um país detenha todas as
criações de moda de todo o mundo. Como características principais, o prêt-a-porter
quer unir itens considerados indispensáveis aos indivíduos: peças de qualidade, com
bom acabamento e sempre à disposição dos consumidores, lançando seus produtos
a todo momento, sem definir coleções específicas.
O prêt-a-porter inaugura a fase industrial de essência homogênea da moda,
na qual o sistema do sob medida e em série deu lugar a uma indústria que oferece,
31
a preços considerados baixos, produtos com qualidade estética e de criação de
moda específica. As razões de existência do prêt-a-porter estão nas características
da sociedade, que enfrentava um período de elevação do nível de vida, valorização
do bem-estar, da cultura e do lazer, que tornaram possível a concretização da última
etapa da legitimação e da democratização das constantes criações de moda.
Os signos efêmeros e estéticos da moda deixaram de aparecer, nas classes populares, como um fenômeno inacessível reservado aos outros; tornaram-se uma exigência de massa, um cenário de vida decorrente de uma sociedade que sacraliza a mudança, o prazer, as novidades (LIPOVETSKY, 1989, p. 115).
Há uma reviravolta na produção de moda em série, que sai do anonimato e é
exibida em revistas de moda, nas vitrines, nos artigos publicitários e até nas próprias
roupas. Paralelamente, o prêt-a-porter democratiza um símbolo de distinção muito
aparente nas fases posteriores da moda, a grife. Mesmo que a popularização do
vestuário tenha dado seus passos em direção a uma moda sem barreiras, não é
possível falar na democratização da moda em seu sentido irrestrito: existe, de fato, a
possibilidade, antes inexistente, no consumo de artigos de moda por diferentes
classes sociais, principalmente para as classes mais baixas. Mas isso não quer dizer
que os símbolos hierárquicos tenham desaparecido e tampouco que as fronteiras
entre as classes tenham se esvaído.
A sociedade atual é caracterizada pelas vitrines, pelo olhar e pelo parecer. “O
fato é que estamos vivendo numa era das telas e dos visores, de uma sociedade
escópica, comandada pelo olhar”. (SEVCENKO 2001, p. 123). Como condição
principal, esta nova forma de conceituar a sociedade “impõe uma existência
vinculada à visibilidade, e consequentemente à celebridade, mas por outro lado,
amplia cada vez mais a vigilância e o controle sobre cada indivíduo” 4. Os sujeitos
preocupam-se mais com sua aparência, aumentando a importância da moda na
sociedade chamada por Sevcenko de “escópica”, em que o parecer é
constantemente evocado na sociedade e nas relações entre os indivíduos.
Assim, o consumo passa a ser visto como o regulador da sociedade, com a
dupla função de feições distintivas que funciona também sob a perspectiva do
utilitarismo e do individualismo. Para Lipovetsky, “isso não significa, evidentemente, 4 LOPES, Ana Isabel; SANTOS, Sónia; POMBO, Olga. Da Sociedade Disciplinar à Sociedade de Controle. Disponível em: http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/momentos/sociedade%20disciplinar/Sociedade%20de%20controle.htm Acesso em: 23/08/2011
32
que os objetos já não tenham valor simbólico e que o consumo esteja livre de toda
competição por status” (1989, p. 174).
2.3 A CRIAÇÃO (IMPOSIÇÃO) DE ESTILOS DE VIDA: O LUGAR DO VESTUÁRIO
Tem-se a moda e seus desdobramentos formados, em grande parte, por
rupturas. Rompimentos no que concerne o vestuário, a visão individual do homem e
sua concepção na sociedade. As relações sociais, que se transformaram juntamente
com a estética e aspirações, irromperam ideais muito diferentes daqueles que eram
praticados até o momento. Desta maneira, costumes e valores antigos e tradicionais
deixaram de ser cultuados para dar lugar ao efêmero e à paixão da inovação. O
rompimento com os hábitos antigos é caracterizado por Lipovetsky por meio da nova
configuração das relações humanas.
Mesmo se o indivíduo, no mais das vezes, continua a obedecer fielmente às regras de vestuário coletivas, acabou sua sujeição de princípio ao conjunto: onde era preciso fundir-se na lei do grupo, trata-se agora de fazer valer uma idiossincrasia e uma distinção singular; onde era preciso continuar o passado, há a legitimidade da mudança e do gosto criador pessoal (LIPOVETSKY, 1989, p. 29).
A vida em sociedade agora é pautada por novos ideais de vida, novas
relações e, principalmente, novos valores estéticos. Ainda que os indivíduos
continuem a obedecer, embora não completamente, as regras de vestuário coletivas,
há a possibilidade de se exercer o gosto criador pessoal e as transformações no
vestuário comum. A customização presta-se a proclamar a personalização inventiva.
De um sistema enrijecido, fechado, avesso a mudanças, passou-se para um
universo em que a mudança é cultuada e os indivíduos possuem liberdade em vários
aspectos da vida cotidiana, principalmente nas questões relativas ao vestuário e
aparência. As preocupações tais fatores, impulsionadas pelo consumo, adquirem
outros preceitos e outros formatos, definidos, em grande parte, por meio dos estilos
de vida.
Definidos por uma variável de condições de existência próprias aos
indivíduos, os estilos de vida são responsáveis por definir as práticas geradas pelos
diferentes habitus. Conceituado por Bourdieu como as configurações de
propriedades que exprimem as diferenças objetivamente inscritas nas condições de
existência dos indivíduos, nas disposições do habitus estão inseridos toda a
estrutura do sistema de condições, entre elas, as oposições, que se impõem como
33
princípios fundamentais das práticas sociais e de sua percepção pelos homens. “A
identidade social define-se e afirma-se na diferença” (BOURDIEU, 2007, p. 164).
Paralelamente, o gosto está presente como parte do sistema de classificação
e diferenciação, por meio de ações inconscientes e é também definido pela posição
social, cada vez mais atuante na vida dos homens. O gosto atua como o principal
operador de uma prática que fabrica elementos distintos e distintivos, fazendo com
que elementos de distinção que pertençam à esfera física tenham acesso à esfera
simbólica das diferenciações significantes. Embora a definição de gosto em relação
ao vestuário vislumbre a escolha independente dos indivíduos sem qualquer
interferência social ou econômica, a uniformização dos trajes para certos grupos de
indivíduos permitem observar as variadas influências sofridas pelos sujeitos.
Quanto ao gosto, se a moda implica uma imposição do grupo e depende de um sentimento especial de aprovação coletiva, pois que é um fenômeno organizado, disciplinado e sancionado, o gosto representa uma escolha especial dentre muitas possibilidades. É verdade que, como observa Sapir, a escolha de cada um dependerá, em geral, de uma combinação dos dois elementos (SOUZA, 1987, p. 20).
Com a transformação das necessidades em virtude e das obrigações em
preferências, o gosto utiliza como estratégia a produção dos habitus, fazendo com
que as “escolhas” dos indivíduos sejam correlatas ao produto vendido.
Essa transformação da necessidade em aporte principal ao gosto às decisões
de consumo individuais não abrangem o real sentido da escolha pessoal dos
indivíduos. O gosto, parâmetro individual e que pressupõe liberdade absoluta, tem
seu sentido real reduzido, transformado em gosto da necessidade. Os indivíduos são
condenados a consumir certos produtos que, embora existam outras opções, só se
sentirão realmente satisfeitos ao consumir aquilo que lhes foi designado gostar e
escolher.
O gosto é amor fati, escolha do destino, embora forçada, produzida por condições de existência que, ao excluir qualquer outra possibilidade como se tratasse de puro devaneio, deixam como única escolha o gosto pelo necessário (BOURDIEU, 2007, p. 169).
Baseado no jogo de estratégias do consumo e nas escolhas emblemáticas e
pré-determinadas da classe social a que pertence, os gostos de necessidade se
aplicam, essencialmente, a um estilo de vida classificado negativamente. Através da
privação, os artigos consumidos pelas classes mais baixas tornam-se elementos
distintivos, por meio dos quais os indivíduos denunciam imediatamente qual classe
social pertencem. De tal maneira, as classes sociais acabam por uniformizar os
34
gostos dos indivíduos com as constantes mudanças de gosto da massa. Percebe-se
o surgimento de mais uma forma de distinção, feita a partir do contraste dos grupos
sociais e para demarcar os indivíduos de forma negativa de acordo com o que
consomem e o que não possuem condições de consumir.
Assim, por exemplo, para cada novo recém-chegado, o universo das práticas e dos espetáculos esportivos apresenta-se como um conjunto de escolhas previamente determinadas e de possibilidades objetivamente instituídas – tradições, regras, valores, equipamentos, técnicas, símbolos – que recebem sua significação social do sistema constituído por elas (BOURDIEU, 2007, p. 197).
Para distanciar-se das classes operárias, os membros das classes
dominantes buscam um gosto que seja o mais distinto possível do gosto de
necessidade, o gosto de luxo. A partir dele, as classes superiores fazem suas
escolhas baseadas em três estruturas de consumo: a alimentação, a cultura e os
itens que envolvem o cuidado pessoal, como artigos de higiene, beleza e vestuário.
Dotadas de características proporcionais ao seu capital e, por tal motivo, opostas em
cada conjunto social, as escolhas realizadas pelas classes dominantes buscarão o
afastamento máximo das práticas das massas, desejarão buscar o prestígio da
heterogeneidade e o luxo de sua posição social.
Predisposto a expressar as diferenças de classes sociais, o universo dos
bens de luxo tem inscrita em sua estrutura a relação de distinção. Deste modo, os
gostos efetivos estão intimamente ligados ao sistema dos bens oferecidos, em uma
relação dependente e reacionária, em que qualquer mudança no sistema dos bens
de consumo resulta na mudança dos gostos. Contrariamente, segundo Bourdieu, as
transformações ocorridas antes na produção e no produto e, em seguida nos gostos
não são aleatórias.
Qualquer mudança dos gostos resultante de uma transformação das condições de existência e das disposições correlatas é de natureza a determinar, quase diretamente, uma transformação do campo da produção, facilitando o sucesso, na luta constitutiva deste campo, dos produtores mais bem preparados para produzir as necessidades correspondentes às novas disposições (BOURDIEU, 2007, p. 216).
Mesmo com a importância cada vez mais evidente do vestuário e do
individualismo nas práticas sociais e no consumo, a aquisição de artigos referentes à
aparência física é predominante à medida que se sobe na hierarquia social. Muito
embora Gilles Lipovetsky não considere a distinção social o principal objetivo e
motor da moda como sistema, não exclui a importância dos métodos de
diferenciação dos indivíduos. “Não se pode duvidar de que o desejo de diferenciação
35
social tenha sido, durante séculos, um móvel preponderante, particularmente
intenso” (LIPOVETSKY, 1989, p. 151).
As incessantes transformações da moda, tão particulares ao seu sistema
erigido concomitantemente ao mundo moderno e do qual se extraiu o desejo pelo
efêmero e pelo novo, justificam-se pela interligação de dois espaços autônomos,
representados pelas lutas internas ao campo de produção e pelas lutas internas das
classes dominantes.
A oposição entre o “autêntico” e o “símile”, a “verdadeira” cultura e a “vulgarização”, que alicerça o jogo ao servir de fundamento à crença no valor absoluto do que está em jogo(...) as distinção e a pretensão, a alta cultura e a cultura média – como, alhures, a alta costura e a costura, os salões mais prestigiados de cabelereiro e os mais comuns, e assim por diante – só existem uma pela outra e é sua relação, ou, melhor ainda, a colaboração objetiva entre seus aparelho de produção e os respectivos clientes que produz o valor da cultura e da necessidade de apropriar-se dela (BOURDIEU, 2007, p. 234).
Figura 1 – Evolução esquemática da moda no decorrer do século XIX. Fonte: SOUZA (1987, p. 66)
A distinção realizada por meio da moda fica evidente pela constante tentativa,
de acordo com Bourdieu, de aproximar-se do fator diferenciador, para afastar-se
daqueles que estão desprovidos de determinados bens simbólicos. Fornecendo
valor às estratégias de distinção, os indivíduos fazem do consumo material uma
36
forma de confirmar a posse de um capital elevado, constatada a importância do
poder em relação à necessidade.
Para Gilda de Mello e Souza, é com o desenvolvimento das sociedades
democráticas, do capitalismo e das indústrias do vestuário que a moda encontra um
cenário em que vislumbra todas as possibilidades de demonstrar sua forma. “Na
sociedade democrática do século XIX, quando os desejos de prestígio se avolumam
e crescem as necessidades de distinção e de liderança, a moda encontrará recursos
infinitos de torná-los visíveis” (SOUZA, 1987, p. 25).
2.4 A MODA NO BRASIL: NOVAS FORMAS DE AFIRMAÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL
A moda e a indústria do vestuário no Brasil passaram por diversas fases até
chegar ao cenário em que se encontram atualmente. No início da moda brasileira,
são encontradas características muito particulares aos polos produtores de moda,
como a capital francesa, responsável por influenciar diversos países e por organizar
as estruturas próprias de cada um deles em relação à moda.
O começo do século XX é o período em que a moda começa a se apoiar
também em questões nacionais, como a arte, com o modernismo. Sofre a influência
de artistas como Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e Anita Malfati, bem como
de novos ideais estéticos vindos também da França, como Art Déco e o cubismo. Na
metade do século, a industrialização rivaliza a produção internacional e a indústria
têxtil se fortalece, muito impulsionada por um fator essencial no trabalho aqui
presente, a comunicação. A facilidade com que eram encontrados tecidos, moldes e
artigos de costura nos centros urbanos mudaram a forma de se conceber a moda e
sua produção. Revistas e jornais popularizam-se e possibilitam a cópia de modelos e
com preços mais acessíveis em relação aos praticados até o momento.
Uma série de fatores como o advento da burguesia, a melhoria das vias de comunicação e o número crescente de figurinos – cujas pranchas de moda eram copiadas pelos jornais e revistas da província e de outros países – fizeram com que não fosse mais o apanágio de uma classe e se difundisse fora dos grandes centros de irradiação da cultura (SOUZA, 1987, p. 89).
A adoção de fatores internos e externos ao país também possibilitam outros
paradigmas no que diz respeito aos trajes, que muito se assemelham aos conceitos
empregados na capital francesa e na sociedade americana. Muito embora a
produção ainda sofra fortes influências de outros países, o progresso técnico e as
37
novas estruturas fabris do país, juntamente com o novo poder aquisitivo do brasileiro
possibilitam uma inserção do desejo de moda e da indústria do vestuário na
concepção das mulheres e também dos homens.
O século XIX, trazendo as profissões liberais, a democracia, a emancipação das mulheres e a difusão dos esportes, completará as metamorfoses sociais que fizeram o traje hirto dos séculos anteriores desabrochar na estrutura movediça de hoje em dia (SOUZA, 1987, p. 50).
Instaurando a simplicidade dos trajes como símbolo da elegância na Europa,
Coco Chanel possibilitou ainda mais a popularização da moda e a mimetização do
vestuário. Característica também encontrada sob influência da moda inglesa, a
simplicidade do traje também é visivelmente agregada aos trajes brasileiros. Para
Lipovetsky (1989), a transformação, ocorrida a partir dos anos 1920 “com a
simplificação do vestuário feminino, de que Chanel é de alguma maneira o símbolo,
a moda se tornou, com efeito, menos inacessível porque mais facilmente imitável”
(1989, 74). A partir deste período, a exibição ostentatória do luxo e do prestígio
passa a ser signo de mau gosto, tendo destaque apenas para a discrição e
diminuição dos adornos até então admirados quando em excesso. A simplificação do
vestuário é também conceituada por Gilda de Mello e Souza, que partiu de um
movimento político e social e invadiu as criações de moda não somente da Europa,
mas também do Brasil.
O século XIX, dissemos, se inicia sob o signo da simplicidade. Nesse sentido já vinha se processando, desde o século anterior, um movimento que partiu talvez das ideias de Rousseau e da influência das modas inglesas, acentuando-se com a Revolução Francesa. As mulheres, abolindo os espartilhos, as anáguas, os saltos altos, puseram-se de camisola branca atada debaixo dos seios; e o vestido se tornou escasso e sem formas (SOUZA, 1987, p. 61).
A mulher do século XIX utiliza da moda como uma “grande arma na luta entre
os sexos e na afirmação do indivíduo dentro do grupo” (SOUZA, 1987, p. 89).
Enquanto o desinteresse dos homens pelo vestuário diminuía, as mulheres
consagraram os trajes como um aliado e importante meio de expressão diante de
uma sociedade em que o principal objetivo do sexo feminino é o casamento. A moda
reforçou o pensamento individualista da mulher e as roupas realizaram pelo sexo
feminino uma característica incomum na sociedade brasileira dos séculos XIX e XX:
o gosto pela sedução, pelos artifícios possibilitados pela moda para assumir uma
feição diferente ou transformar-se apenas variando-se o traje.
38
Com mudanças na comunicação e na publicidade, em que cada vez mais
estão acessíveis os produtos, os jornais e revistas de moda, o comportamento da
sociedade também se transforma. Se no início da moda como sistema os trajes da
nobreza eram desejados e imitados, no séculos XIX e XX são as celebridades que
ditam a moda e despertam o interesse. “As estrelas despertaram comportamentos
miméticos em massa, imitou-se amplamente sua maquiagem dos olhos e dos lábios,
suas mímicas e posturas” (LIPOVETSKY, 1989, p. 214).
O crescente interesse da sociedade em geral e principalmente das mulheres
com a moda foi responsável por avanços em todas as áreas do vestuário. Crescem
as indústrias de moda, surgem e expandem-se os cursos de graduação em moda e
nas áreas relacionadas. Lojas espalham-se por todo o país e, no ano de 1996,
ocorre a primeira semana de moda no Brasil. Batizada inicialmente de Morumbi
Fashion Brasil, o evento, de proporções muito diferentes daquelas atingidas pelas
semanas de moda atuais, contava apenas com quatro desfiles diários e com um
público de apenas trezentas pessoas.
A importância das semanas de moda justifica-se pela visibilidade do produto
nacional e, consequentemente, da abertura em diversos setores que realizam no
país, possibilitando a entrada de grifes internacionais conceituadas. Foi o que
ocorreu no Brasil, com marcas como Chanel e Versace que, a partir deste momento,
preocuparam os empresários brasileiros e os obrigaram a investir em tecnologia de
ponta para rivalizar com esses símbolos internacionais.
A entrada do Brasil no fechado circuito, no final dos anos 90, foi resultado de uma simultaneidade de fatores: o crescimento do setor têxtil e de confecção, a valorização da moda como negócio; a qualidade da matéria-prima nacional (e o seu aprimoramento), a utilização e os investimentos em tecnologia de ponta; a criatividade dos estilistas, demonstradas em coleções contemporâneas, não limitadas a roupas artesanais ou “de folclore”; a consolidação de um calendário de moda uniformizando as iniciativas antes isoladas, aliadas à cobertura e repercussão na imprensa especializada no Brasil e exterior (HINERASKY, 2006, p. 02).
Foi apenas em 2001 que o evento transformou-se em São Paulo Fashion
Week, acontecendo duas vezes ao ano, registrando crescimento surpreendente
desde sua criação cinco anos antes, em sua décima edição. A semana de moda
paulistana é considerada o evento de moda mais importante da América Latina e
está entre as cinco maiores semanas de moda do mundo, ao lado de expoentes
como a semana de moda de Paris, Nova Iorque, Milão e Londres.
39
A moda, configurada como elemento importante na individualização dos seres
e promoção de suas características pessoais, adquire formatos bem distintos
daqueles que a caracterizavam em seu início, no século XV. De lá pra cá,
globalizou-se e atingiu proporções inimagináveis em relação à produção e difusão
de seus produtos. Suas criações tornaram-se objetos de desejo para grande parte
dos indivíduos e seus artigos, tantas vezes elitizados e que só poderiam ser
adquiridos por uma ínfima parcela da sociedade, acabaram por se tornar elementos
de distinção social. Os gostos e as escolhas destacaram-se de sua função original:
pautados pelas arbitrariedades do mercado e das classes dominantes, deixaram de
ser fruto das preferências individuais. Com tais conceitos, delineia-se o
questionamento abordado por este trabalho: a moda é um estilo de vida pessoal ou
é um artifício do mercado para impor bens fugazes aos indivíduos? Tal
questionamento será retomado nas análises realizadas no quarto capítulo deste
trabalho
40
3 FORMAS JORNALÍSTICAS DE NARRAR ACONTECIMENTOS DO MUNDO: A
SEGMENTAÇÃO DA INFORMAÇÃO
Uma vez que, como vimos no capítulo anterior, a moda constitui-se como um
vetor importante para pensar a modernidade, era de se esperar que ela figurasse
como um departamento vital para a narrativa jornalística contemporânea. Desse
modo, antes de proceder a análise do portal de moda Chic, faz-se necessário definir
os parâmetros do surgimento do jornalismo no Brasil e no mundo. Além disso, o
capítulo pretende abordar temas como o jornalismo segmentado, conceitos do
jornalismo especializado em moda e de suas vertentes no universo online.
O surgimento da imprensa data do século XV, na Europa. Concebida como
um fenômeno moderno, que, assim como a moda, surgiu em meio a importantes
transformações nos âmbitos sociais, políticos e econômicos, no período de transição
da Idade Média para a Idade Moderna. Sua criação, muito impulsionada pela prensa
móvel, criação do alemão Johanes Gutenberg, em 1452, marca uma etapa decisiva
para a sociedade. Responsável pelos tipos móveis, que possibilitaram a impressão
em papel com uma tinta específica criada por Gutenberg, diversas obras puderam
ser impressas. O livro mais notável impresso pelo criador da prensa móvel ficou
conhecido como a "Bíblia de Gutenberg", impresso em duas colunas e contendo
1282 páginas. Tornou-se notável porque marcou a impressão em massa de livros e
outros artigos no Ocidente.
Com a prensa móvel, mudanças acontecem no que diz respeito à rapidez,
quantidade de impressões e, consequentemente, à circulação de informação. Por
isso, é considerada "uma das revoluções técnicas mais importantes da história da
humanidade" (VERGER, 1999 apud RIBEIRO, CHAGAS, PINTO, 2007, p. 30).
Transformou a sociedade europeia no que diz respeito a aspectos sociais, políticos e
psicológicos e no desenvolvimento da ciência, cultura, religião e da política. A
tipografia passou a ter importância em diversos países do norte europeu, nos quais
funcionava como propulsor do Humanismo e da Reforma Protestante.
Somente mais de 150 anos depois do surgimento da prensa móvel surge o
primeiro periódico jornalístico da história: o "Frankfurter Journal". Escrito em alemão
e com periodicidade semanal, o jornal abriu as portas para a criação de diversos
41
periódicos em países da Europa. Assim, em 1621, surge em Londres o primeiro
jornal de língua inglesa, chamado "The Corante".
3.1 O JORNALISMO NO BRASIL
Cerca de duzentos anos separam o surgimento da imprensa mundial da
imprensa brasileira. Mais de um século depois da criação de Gutenberg, no século
XVII, os países europeus já possuíam oficinas de impressão consolidadas. Estima-
se que, apenas dez anos após a criação da prensa móvel, já se registrava a
existência das oficinas de impressão em 108 cidades europeias e, no ano de 1500,
estima-se que este número já chegava a 226.
Foi apenas no ano de 1808 que teve início de forma sistemática o exercício
da imprensa no Brasil, com a chegada da corte portuguesa e a instalação da
tipografia da Imprensa Régia. A transformação do Brasil colônia em sede da
monarquia portuguesa muda também a sociedade e a organização social e
econômica. Há a abertura de portos, a fundação do Banco do Brasil e a
popularização dos periódicos nas grandes cidades. Ao mesmo tempo em que os
jornais periódicos surgem na colônia, o Brasil conhece a censura, que realizava a
interdição de publicações que não se encaixavam nos parâmetros morais, religiosos
e políticos da corte. Por consequência da censura, o Correio Brasiliense, o primeiro
jornal brasileiro, não era feito no país, e sim produzido em Londres para distribuição
em território nacional.
Papel específico teve, sem dúvida, o Correio Brasiliense, mas é discutível a sua inserção na imprensa brasileira, menos pelo fato de ser feito no exterior, o que aconteceu muitas vezes, do que pelo fato de não ter surgido e se mantido por força de condições internas, mas de condições externas (SODRÉ, 1999, p. 20).
Mesmo antes do surgimento oficial da imprensa, jornais como a Gazeta de
Lisboa já circulavam pelo país desde 1778 e outras publicações produzidas na
Europa chegavam ao Brasil, pelo menos, desde o início do século XVIII. O
jornalismo se mostrava presente no cotidiano da colônia algumas décadas antes do
surgimento da imprensa.
A "importação" dos periódicos não compreendia por completo o ideal vivido
pela população. A maioria das publicações trazidas ou inspiradas pelos periódicos
da Europa compartilhava com o ideal absolutista e não promovia os debates,
discussões e críticas para a sociedade.
42
De acordo com Martins e Luca (2008), embora tenha surgido com atraso em
relação ao a outros países, a imprensa periódica no Brasil teve seu início em meio a
um período em que já existiam outras formas de comunicação e as formas de
transmissão já existentes passam a compartilhar espaço com a imprensa recém
criada no país.
O periodismo pretendia, também, marcar e ordenar uma cena pública que passava por transformações na relação de poder que diziam respeito a amplos setores da hierarquia da sociedade, em suas dimensões políticas e sociais (MARTINS; LUCA, 2008, p. 25).
A partir de setembro de 1808, com a instalação da Imprensa Régia, passa a
ser produzida no Brasil a “Gazeta do Rio de Janeiro”, dirigida inicialmente pelo Frei
Tibúrcio da Rocha. O primeiro jornal oficial, produzido no país, tinha como objetivo
divulgar o conteúdo conivente à corte. No entanto, seu conteúdo não era atrativo aos
leitores, como ressalta SODRÉ (1999, p. 20). “Jornal oficial, feito na imprensa
oficial, nada nele constituía atrativo para o público, nem essa era a preocupação dos
que o faziam, como a dos que o haviam criado”.
Muito semelhante ao principal jornal português a “Gazeta de Lisboa”, na
“Gazeta do Rio de Janeiro” não havia espaço para críticas à corte e tampouco aos
debates políticos. “Não se manchavam essas páginas com efervescências da
democracia, nem com a exposição de agravos”. (ARMITAGE, John, 1914 apud
SODRÉ, 1999, p. 20). Com a morte do responsável pelo jornal, D. Rodrigo de Sousa
Coutinho, é nomeado como redator Manuel Ferreira de Araújo Guimarães, que fica
no jornal até o inicio do ano de 1821. Com a mudança de orientação política do
jornal no ano de 1820, causada pelo movimento liberal português, no ano seguinte a
“Gazeta do Rio de Janeiro” tem como redator o cônego Vieira Goulart. O novo
redator também era responsável pela publicação do jornal "O bem da ordem", que
pretendia ser lido pelos indivíduos que não faziam parte da sociedade intelectual,
segundo Martins e Luca, "pelo povo rude e sem aplicação às letras" (2008, p. 30).
Era a forma que os jornalistas encontraram de ampliar os leitores dos jornais,
democratizando a informação e fornecendo conhecimento àqueles que não faziam
parte dos intelectuais do país.
Surge, a partir da imprensa, com os novos ordenamentos e a propensão ao
debate, a opinião pública. A sociedade passa a posicionar-se de forma mais crítica,
muito influenciada pela quantidade de publicações e pluralidade de ideais que, com
os jornais, puderam florescer e tornaram-se acessíveis aos indivíduos. "A opinião
43
pública era um recurso para legitimar posições políticas e um instrumento simbólico
que visava transformar algumas demandas setoriais numa vontade geral"
(MARTINS; LUCA, 2008, p. 33).
O momento decisivo para a opinião pública foi entre 1820 e 1821, data que
antecede a Independência e define um período de mudanças pontuais. Uma destas
mudanças foi o decreto estabelecendo a liberdade de imprensa, em 21 de setembro
de 1820, que marca o fim da censura prévia e uma nova etapa no jornalismo do
Brasil.
3.2 A SEGMENTAÇÃO NA IMPRENSA BRASILEIRA
O surgimento tardio da imprensa no Brasil não significou uma produção
jornalística limitada. Ao contrário, ao longo das décadas, a evolução da imprensa é
visível quando verificada a quantidade de periódicos existentes no país. No início do
século XX, de acordo com Martins e Luca (2008), o número de publicações chegava
a 1.496 títulos apenas na imprensa paulista, número que abrange publicações que
vão desde os jornais de bairro até os periódicos da chamada "grande imprensa".
Entre 1912 e 1930, período em que o aumento das publicações é evidenciado,
destacam-se as revistas mensais e semanais, responsáveis por iniciar o período de
segmentação da imprensa brasileira. As publicações passaram a incluir, além dos
jornais informativos, periódicos noticiosos, esportivos, religiosos e literários,
totalizando vinte e três categorias.
As empresas jornalísticas, para sobreviverem nesse mercado competitivo, com consumidores acostumados a procurar, e obter, produtos específicos para suas necessidades também tiveram que se adaptar a essa realidade e focar seus produtos informativos e jornalísticos para públicos segmentados (GARCIA, 2009, 2).
Torna-se necessária a produção de artigos especializados, caracterizada por
um desejo do público, que procurava por produtos que pudessem atender
diretamente às suas necessidades. É o que identifica Maria Teresa Garcia. "Era
importante atender os anseios do público, oferecer aquilo que realmente era
desejado (...) só assim seria possível conquistar e fidelizar o cliente, mantendo-o
satisfeito" (2009, p. 03).
Caracterizada por Marília Scalzo como “um veículo de comunicação, um
produto, um negócio, uma marca, um objeto, um conjunto de serviços, uma mistura
44
de jornalismo e entretenimento” (2009, p 11), as revistas surgem no Brasil em 1812,
em Salvador. É a revista “As variedades ou o Ensaio de literatura”, que em suas
páginas falava sobre os costumes da época, as virtudes morais e sociais, história
antiga e textos literatos portugueses. Como primeira revista brasileira, ainda trazia
características mais usuais aos livros do que aos magazines.
A diversificação e crescimento do mercado editorial ocorreram, de acordo
com Martins e Luca (2008), pela evolução da economia e pela modernização
técnica, associadas também ao aumento crescente do número de leitores. Com o
surgimento justificado, além de outros fatores, para atender à demanda da
segmentação, as revistas conquistam o público que busca por um jornalismo voltado
ao seu interesse, um jornalismo especializado.
A partir da diversificação das publicações e popularização dos magazines,
surge a necessidade de se estabelecer as diferenças entre os jornais e as revistas.
O primeiro, normalmente diário e vespertino, caberia a divulgação da notícia, o retrato instantâneo do momento, abrangendo desde as disputas políticas até o descarrilamento do trem de subúrbio. À revista reservava-se a especificidade de temas, a intenção de aprofundamento e a oferta de lazer tendo em vista os diferentes segmentos sociais: religiosas, esportivas, agrícolas, femininas, infantis, literárias ou acadêmicas, essas publicações atendiam a interesses diversos, não apenas como mercadorias, mas ainda como veículos de divulgação de valores, ideias e interesses (MARTINS; LUCA, 2008, p. 105).
A segmentação, porém, não ocorreu somente devido à necessidade do
público leitor, mas também por consequência de uma demanda social. "As temáticas
especializadas e o estímulo à formação de públicos específicos também fazem parte
desta tendência de expor a diversidade existente na sociedade" (ABIAHY, 2010, p.
03). A popularização dos veículos de comunicação, principalmente os jornais e
revistas traduziu o período de diversidade cultural que o país estava vivendo no
início do século XX e impulsionou ainda mais o surgimento dos periódicos
específicos, como é o caso das revistas femininas, que serão abordadas no próximo
tópico deste trabalho. Essas revistas foram responsáveis por catalisar os anseios da
moda e de estilos de vida, circunscritos a visões de mundo de uma classe média
emergente.
3.2.1 As Revistas Femininas: tematização prioritária da moda e dos costumes
45
Com o surgimento das revistas especializadas, um segmento se destaca: o
das publicações destinadas ao público feminino. Os magazines femininos surgem
sem muito alarde e, geralmente, eram escritas por homens, salvo exceções. Datam
da segunda metade do século XIX, tinham como objetivo divulgar a moda e a
literatura e eram concebidas como objeto de lazer. “Traziam as novidades da moda,
importadas da Europa, dicas e conselhos culinários, artigos de interesse geral,
ilustrações, pequenas notícias e anedotas” (SCALZO, 2009, p. 33). Tiveram funções
importantes na sociedade, revelando-se essencialmente normativas, "definindo o
papel social e determinando os padrões de comportamento desejáveis para a
mulher da época" (MARTINS; LUCA, 2008, p. 117). Desta maneira, as revistas
discutiam as formas de conduta da mulher e seu convívio social, ultrapassando,
segundo Martins e Luca, o papel de vitrine dos costumes, tornando-se um veículo
capaz de impor um modelo social às suas leitoras.
Entre 1914 e 1936, o periódico ilustrado mais famoso destinado às mulheres
era a “Revista Feminina”, dirigida por Virgiliana Salles. Faziam parte da revista
importantes escritores, nomes como Menotti del Picchia, Julia Lopes de Almeida e
Coelho Neto. Sob o pseudônimo de Chrysanthème, Cecília Bandeira de Mello
elaborava em seus artigos a receita da mulher ideal: "caprichosa, prendada,
organizada, bem-humorada, bela, vestida com apuro e principalmente disposta à
abnegação em nome do bem-estar do marido e dos filhos" (MARTINS; LUCA 2008,
p. 117). Eram impressos 15 a 20 mil exemplares por publicação e, em alguns
números, este número chegou a 30 mil exemplares. Além disso, a revista tinha o
interesse em constituir-se como base comercial por meio da "Empresa Feminina",
que vendia artigos de beleza e outros tipos de publicação voltada às mulheres.
A revista acompanhou uma fase de mudanças do público feminino e de seu
papel social, mais precisamente uma época em que as transformações sociais
atingiam diretamente a mulher, como as relações de trabalho. Aos poucos, a revista
também enxergou a necessidade de moldar-se aos novos padrões de vida, uma
exigência feita tanto pelo público leitor, quanto pelo mercado, que não desejava uma
revista presa aos padrões tradicionais sem acompanhar a evolução da sociedade.
Veiculam o que é considerado próprio do mundo feminino pelos seus contemporâneos. Seu conteúdo é marcado pela história. Nunca surgem com ideias revolucionárias, não abrem caminhos, mas também não podem ficar muito distantes das transformações de seu tempo, pois correm o risco de perder seu público leitor (BASSANEZI apud MARTINS; LUCA, 2008, p. 118).
46
Outro periódico que fez muito sucesso entre as mulheres foi a revista "A
Cigarra". Criada no ano de 1914, em São Paulo, a publicação fez muito sucesso
algumas décadas depois, em 1970, e ditou moda para o público feminino da época.
No início definida como uma revista ilustrada de variedades, cujos temas discutidos
tinham conteúdo agradável e direcionado às mulheres. Por este motivo, pouco
tempo depois, passou a se enquadrar no segmento das revistas femininas.
Como características principais da revista “A Cigarra”, MATOS (2008) destaca
a participação de intelectuais renomados nas edições da revista, a utilização de
imagens de alto padrão, o que não era usual nas publicações da época bem como a
diversidade temática inserida em seu conteúdo, fatos que, segundo a Hivana Matos,
"(...) parecem ter garantido o sucesso inicial da revista que a ajudou a permanecer
no mercado editorial por longas décadas" (MATOS, 2008, p. 6).
Os primeiros anos do século XX são considerados o primórdio das revistas
ilustradas. As publicações acompanham a modernização e crescimento das cidades,
oferecendo, além do conteúdo dos magazines, produtos e serviços ofertados pela
indústria. As empresas enxergam nas revistas uma eficiente vitrine para seus
produtos, porque as publicações alcançavam leitores em diversas partes do país,
efetuando a "difusão de padrões de comportamento, de modelos estéticos
desejáveis e na busca de se construir um ideal de identidade" (AZEVEDO, 2002, 1).
Eram divididas entre as revistas de consumo, vendidas nas bancas, por meio
das assinaturas, destinadas ao grande público e as revistas especializadas, em sua
maioria gratuitas, que tratavam de temas específicos. No entanto, até 1950, existiam
poucas opções para o público nas publicações especializadas, principalmente no
que se tratava das revistas de consumo. É com o lançamento da empresa editorial
Pato Donald, de Victor Civita, que a imprensa brasileira começa a viver uma eclosão
nas publicações voltadas ao consumo. E, em seguida, com a fundação, também por
Civita, da Editora Abril, em São Paulo. Para concorrer com as revistas da época, a
Abril lança a revista "Capricho", para rivalizar com a revista "Grande Hotel", lança a
"Manequim", buscando concorrer com "A Cigarra". As publicações da editora
passam a concorrer - e até superar - publicações lideradas por grandes nomes
editoriais, como Roberto Marinho, Assis Chateaubriand, Adolfo Bloch e Adolfo Aizen.
Com o número crescente de revistas diversificadas no mercado editorial
brasileiro, popularizam-se também as publicações mensais, que possibilitam os
47
anúncios e as inserções publicitárias, inexistentes nos periódicos infantis e nas
fotonovelas, que marcam uma nova era editorial no Brasil. Lançada em 1959, a
revista “Manequim”, inspirada na revista de moldes alemã "Burda", trazia em suas
publicações desenhos e fotos de moda comprados das agências europeias. Trazia
ainda encartes com moldes, que ensinavam a copiar as peças mostradas na revista,
do mesmo modo que a "A Cigarra", revista concorrente, fazia.
O jornalismo de serviço em revistas foi visto no início como um jornalismo de segunda categoria, esquecendo - quem era dessa opinião - que se tratava de uma maneira eficiente de servir e de fidelizar o leitor, dando-lhe informações úteis para a sua vida pessoa. E hoje, com raras exceções, jornais e revistas de todos os tipos, inclusive as semanais de notícias, consideram "servir o leitor" parte de sua missão editorial (MARTINS; LUCA, 2008, 211).
O jornalismo de serviço tornou-se aporte principal para as publicações da
época. E não foi diferente com o lançamento da revista “Claudia”, da Editora Abril
em 1961, que logo no início já se tornou um sucesso. Publicada até hoje, o periódico
destinado às mulheres só tinha como concorrente a revista "Jóia", da Editora Bloch.
As duas publicações falavam sobre os assuntos de interesse do público-alvo: moda,
culinária, beleza e matérias de interesse geral. Posteriormente, para concorrer com a
nova publicação da Abril, a revista "Jóia" foi reformulada, tornando-se ainda mais
parecida com a concorrente.
Como diferencial, a “Claudia” tinha seu conteúdo focado nos produtos
brasileiros. Ao contrário de algumas publicações nacionais, que ainda utilizavam
grande parte de fotos estrangeiras para ilustrar seus periódicos, a “Claudia” passa a
exibir conteúdo voltado ao mercado nacional. "(...) para servir a leitora, tinha que se
afastar do modelo de publicar fotos estrangeiras, que mostravam produtos
estrangeiros que não estavam à venda nas lojas brasileiras - da moda à comida, da
decoração à beleza" (MARTINS; LUCA, 2008, 201). Também reformulada, a revista
“Claudia” passa a incluir em suas publicações matérias sobre comportamento, como
a educação dos filhos, relação com o marido e discussões sobre o papel da mulher
na sociedade e no mercado de trabalho.
Mas foi a jornalista e psicóloga Carmen da Silva, colunista de Cláudia a partir de 1963, quem começou de fato a mudar o jornalismo feminino. Sua coluna, “A arte de ser mulher”, quebrou tabus e aproximou-se de forma inédita das mulheres, tratando temas até então intocáveis, como a solidão, o machismo, o trabalho feminino, a alienação das mulheres, seus problemas sexuais (SCALZO, 2009, p. 34).
48
O interesse por produtos diversificados evidencia-se, a partir do século XX,
em todos os tipos de publicação e com os mais distintos tipos de público, adquirindo
novos formatos. "Essa segmentação, assim como as de produtos e serviços, foram
se aprimorando ao longo do tempo, tendo atingido seu auge após 1980" (GARCIA,
2009, 2).
3.3 AS NOVAS PROPOSTAS DA INTERNET
Se as publicações especializadas atingiram seu ápice após 1980, como
destacou Maria Teresa Garcia, as décadas seguintes também concentraram muito
da produção do jornalismo em geral e segmentado.
Iniciada de forma experimental, a rede comunicacional ARPANET (Advanced
Research Projects Agency Network), foi utilizada por centros de pesquisa para todos
os tipos de comunicação, embora ainda restrita aos pesquisadores. Em meados do
ano de 1972, é criado pela Bold, Beranek e Newman (BBN), o primeiro programa de
envio de mensagens por meio de correio eletrônico. No entanto, a conexão com a
rede mundial de computadores só ocorreu de fato em 1990, com o encerramento
formal das atividades da ARPANET, que culminou no nascimento da internet.
Definida como uma rede de alcance mundial, o conjunto de páginas que compõe a
World Wide Web(também chamada de web ou www), foi idealizada pelo cientista da
comunicação e físico Tim Berners-Lee em 1980. Somente no ano de 1989 a criação
é finalizada e a internet adquire o formato que seria o início da internet como
conhecemos hoje.
Ainda em fase de desenvolvimento, tem seu início no Brasil no fim da década
de 1980 por meio de redes que interligavam universidades do Rio de Janeiro, São
Paulo e Porto Alegre aos centros de pesquisa dos Estados Unidos. No entanto, seu
uso era restrito ao meio acadêmico e só em 1995 as redes passaram a ser utilizadas
comercialmente e disponibilizadas a todos os setores da sociedade. "Uma das
principais razões para expansão vertiginosa da Internet no mundo foi o ingresso
maciço no ciberespaço de governos, organizações, instituições e empresas
comerciais, industriais e de serviços" (DEBIASI, 2010, p. 20).
A criação e popularização da internet provocaram uma revolução na
comunicação. Embora os formatos tradicionais de jornalismo não deixassem de
existir e fazer sucesso entre o público, a web foi responsável por um formato
49
completamente diferente e repleto de particularidades: o jornalismo online. Esta
forma de transmissão da informação foi responsável por configurar uma outra
maneira de noticiar os acontecimentos em todos os âmbitos, inclusive no que diz
respeito à moda e sua difusão noticiosa.
Em meio ao furor da internet e de suas possibilidades, no ano de 2001 há
uma diminuição do conteúdo jornalístico dos portais de notícia. Assim, as
informações e notícias passam a ser fornecidas por um grupo restrito de fontes,
gerando uma tendência à uniformização de conteúdos dos veículos online. De
acordo com FERRARI (2008), o valor comercial dessa informação veiculada pela
internet não era suficiente para manter nos portais e sites o conteúdo jornalístico que
possuíam antes.
O grande problema é que, degradado em “informação”, o conhecimento não deu sinais de ser economicamente rentável e estimulante. O colapso da Nova Economia fez sentido, portanto. Diferentemente de bens materiais e serviços prestados, a informação on-line não é reproduzível em geração de valor como objeto econômico (FERRARI, 2008, p. 20).
Ainda assim, a autora não acredita que a internet constitua-se como um
fenômeno efêmero e passageiro. Para ela, neste momento, os portais online ainda
veiculam conteúdo sem aprofundamento e voltado a um público passivo, que tem
como maior contribuinte para esta característica os próprios meios de comunicação
que compõem o universo online.
Com a maioria dos sítios eletrônicos tendo apenas reproduzido o conteúdo
destinado aos outros veículos, com o passar dos anos, como ressalta FERRARI
(2008), inicia-se a produção de conteúdo verdadeiramente destinada à comunicação
na internet: interativa e personalizada. “A web começou, assim, a moldar produtos
editoriais interativos com qualidades convidativas: custo zero, grande abrangência
de temas e personalização” (FERRARI, 2008, p. 23).
A partir deste período, a informação é concebida de uma forma específica,
com a produção colaborativa das notícias, o compartilhamento instantâneo e a
utilização de diversos formatos específicos que surgem na internet.
(...) diferentes experiências informativas no ciberespaço são analisadas, a partir da "hipertextualidade", uma forma multidirecional, não linear, de estruturar e acessar informações numa plataforma digital promovendo relações com outros dados, através de links; da "interatividade", um conceito que remete à idéia de que os membros da audiência podem iniciar e desenvolver ações plenas de comunicação tanto com o meio quanto com outros usuários, o que de modo geral, não ocorre de modo efetivo; e da "multimidialidade", que supõe a possibilidade de integrar em um mesmo
50
suporte diferentes formatos e linguagens (BECKER & TEIXEIRA, 2009, p. 45).
A importância destas mudanças, para Aline Hinerasky, deve-se ao fato de que
“refletiram diretamente nos formatos e na maneira como se dá o fluxo das
informações nos diferentes suportes midiáticos” (2010, p. 1).
Além disso, a internet tornou possível a difusão da informação por todos os
usuários através de portais, sites e blogs. O primeiro, conceituado como um local
onde se concentram informações sobre determinados assuntos, é visto como um
distribuidor de notícias. Os sites, ou sítios eletrônicos, surgiram juntamente com a
internet, classificados como um conjunto de páginas da web. Nomeada por seu
criador, Tim Berners-Lee, tem este nome por ser comparada a uma teia (web, em
inglês). Os blogs, criados no ano de 1999 por meio do software Blogger, foram
concebidos como uma “alternativa popular para publicação de textos on-line, uma
vez que a ferramenta dispensava o conhecimento especializado em computação”
(KOMESU, 2004, p. 110). Inicialmente chamadas de weblogs, a plataforma, de fácil
edição, atualização e manutenção de conteúdo, o sucesso dos blogs foi inevitável,
traduzido por seus números: de acordo com o site Technorati5, no ano de 2006
existiam 62,5 milhões blogs em toda a rede. Ainda segundo o site, o crescimento da
plataforma é de aproximadamente 175 mil novas páginas a cada dia. Hoje, segundo
o rastreador de audiências americano BlogPulse6, acredita-se que o número
ultrapasse os 152 milhões de blogs ativos no mundo.
3.3.1 A Internet e o Mercado da Moda
A partir dos anos 90, com surgimento e popularização da web, surgem novas
propostas do jornalismo destinado à internet, mais conhecido como jornalismo
online. Por meio das transformações dos processos comunicacionais, o jornalismo
segmentado também precisou reformular seus preceitos para adequar-se ao novo
veículo, utilizando os blogs e sites para atender ao crescente público das notícias
especializadas.
A internet multifacetada, por excelência, intensificou esse diálogo quase particularizado. Estes produtos culturais com público específico podem
5 - Fonte: http://technorati.com/ 6 - Fonte: http://www.blogpulse.com/
51
constituir um discurso mais aprofundado com determinado grupo social ou apenas atender a um nicho mercadológico lucrativo (ABIAHY, 2010, p. 1).
O universo online foi responsável por redefinir não somente os sistemas
comunicacionais, mas também os padrões econômicos do mercado da moda. Até
este momento, os setores produtivos, industriais e o jornalístico seguiam em ritmos
distintos. A indústria do vestuário encontrou na web uma plataforma muito poderosa
em divulgação e expansão de seus conteúdos, antes restritos ao público leitor das
revistas femininas.
Foi a chegada da internet comercial que levou ao boom da divulgação dos eventos, desfiles de moda e coleções via web e possibilitou a verdadeira democratização do setor, já que iniciou a divulgação acelerada dos desfiles nas plataformas multimídia e exigiu adaptações das tradicionais (HINERASKY, 2010, p. 2).
Diversos fatores contribuíram para a popularização da moda nas diversas
classes sociais que se instalou. De um lado, a importância evidente da inserção da
moda em todos os setores da mídia. De outro lado, segundo HINERASKY (2010), o
desenvolvimento da indústria alavancou o jornalismo de moda, que necessitava de
uma vitrine para seus produtos e lançamentos cada vez mais frequentes. É nessa
época que a moda deixa de encaixar-se nas editorias de variedades ou
comportamento e conquista seu próprio espaço nos periódicos, com editoria própria
para o assunto.
Objeto de análise do trabalho aqui apresentado, um os primeiros sites
especializados em moda no Brasil, o site Chic foi criado em 1999 e lançado
oficialmente em 2000 por Glória Kalil no portal IG, que à época lançava o primeiro
portal gratuito de notícias do país. O Chic, segundo seu editor-executivo, André do
Val7, surgiu como uma adaptação do livro “Chic”, de Gloria Kalil. Mas surge em uma
época em que a internet ainda pouco conhecia suas possibilidades e não possuía
uma linguagem própria. Grande parte do conteúdo aplicado nos portais e sites não
era voltado especificamente ao jornalismo online. Para o editor-executivo do portal, a
busca de uma linguagem própria sempre foi uma preocupação. “Desde o começo
tivemos que aprender a criar uma linguagem, aprendemos que desde o começo que
não tem como criar uma forma muito fixa, tem que ir para onde as pessoas estão”.
Ao longo dos seus onze anos de existência, o site Chic passou por diferentes fases
até consolidar-se como um portal de informação sobre moda no Brasil e no mundo.
7 André do Val, editor-executivo do site Chic, em entrevista por telefone em 5 de outubro de 2011.
52
O Site Chic entrou nessa primeira onda de sites que teve. (...) Uma mídia supernova, não sabíamos como iria ser. Começou como uma revista eletrônica, mas não tinha nenhum projeto no qual podíamos nos inspirar, fomos fazendo no escuro. Fomos mudando, o site teve mil personalidades, várias pessoas trabalharam aqui, cada um foi fazendo de um jeito. Hoje em dia o nosso foco está muito nas redes sociais, que é o que a internet e o público estão pedindo hoje. Passamos deste modelo de revista para uma cara bem de internet, nas redes sociais (DO VAL, 2011).
Com conteúdo direcionado para a moda em geral, mas, principalmente, à
moda que é produzida, difundida e vendida no Brasil, o site é utilizado como uma
agência de notícias sobre o que acontece com a moda brasileira para diversos
portais, nacionais e internacionais. Além disso, para André do Val, editor-executivo
do Chic, a internet propicia uma troca de informação com o público inexistente em
outros veículos de forma tão eficaz e imediata. Para ele, a contribuição dos leitores é
levada em conta em diversos aspectos, desde os assuntos abordados até para
medir a audiência de determinados temas.
A internet tem este lado muito positivo, é um canal aberto com o leitor, recebemos de e-mails e comentários o tempo inteiro. A opinião das pessoas é muito usada para pautar o site, é uma ferramenta muito importante para saber o que as pessoas querem, o que elas querem ler (DO VAL, 2011).
Outro expoente do jornalismo de moda online, o fotógrafo brasileiro Marcio
Madeira lança, em 1995, o site First View. Como principais características do site, o
fotógrafo disponibiliza na íntegra e de forma muito rápida a cobertura das
temporadas de moda mais importantes do mundo. No início, cobria apenas as
semanas de moda de Milão, Nova York, Paris e Londres e, posteriormente, passou a
fazer a cobertura da moda brasileira das temporadas de São Paulo e do Rio de
Janeiro. No mesmo ano, é lançado o site Fashion Wire Daily (FWD), que passou a
noticiar as semanas de moda e seu conteúdo praticamente em tempo real. A
agilidade da informação e da transmissão dos acontecimentos modifica a
configuração de tempo e espaço do mercado, realizada pela comunicação em todos
os âmbitos comerciais.
Antes da criação dos sites e blogs que realizavam as coberturas das semanas
de moda, HINERASKY (2010) afirma que as informações restringiam-se a uma
quantidade muito limitada de pessoas. Ocorriam como uma tentativa dos estilistas
para tentar impedir as cópias dos modelos e tendências utilizadas no desfile antes
do lançamento da coleção ao público. No entanto, ainda segundo a autora, as
cópias já existiam e não foram geradas pelas possibilidades da internet. “Na
verdade, os copiadores já existiam antes da era da internet, cuja entrada apenas
53
serviu para alterar a velocidade e adiantar o processo da visibilidade das marcas,
tendências, estilistas e/ou modelos”. (HINERASKY, 2010, p. 2).
Por meio de características análogas entre a moda e a internet, como a
“efemeridade, atualização, multiplicidade e individualismo”. (LIPOVETSKY, 1989;
AMARAL, et&al, 2007; FERREIRA, VIEIRA, 2007 apud HINERASKY, 2010, p. 3),
aliadas a particularidades da web na rapidez e expansão do conteúdo publicado a
públicos distintos, o resultado é um aumento numeroso nas produções jornalísticas
de moda, tanto nos veículos destinados à internet, quanto nos meios de
comunicação tradicionais, que sentiram a necessidade de acompanhar o desejo do
público e rivalizar com a internet por sua programação diferenciada e particular.
Com o foco cada vez mais voltado para a moda, impulsionada pelo sucesso
das redes sociais, portais, sites e blogs sobre o assunto, que o mercado fashion vê
multiplicar o interesse e a cobertura de seus produtos no Brasil e no mundo. Além
dos desfiles e lançamentos das marcas, o foco dessa nova mídia online passa a
voltar-se também sobre a moda de rua – conhecida como street-style – e o consumo
em geral. Outros temas relacionados à moda também ganham destaque, como
beleza, saúde e comportamento.
3.4 JORNALISMO DE MODA: NECESSIDADE OU FRIVOLIDADE?
Mesmo com a evidência de assuntos que envolvem a moda, o espaço
conquistado pelo o vestuário e seus desdobramentos em veículos tradicionais e
também nos contemporâneos, um questionamento ainda se faz presente: a temática
da moda ainda é alvo de preconceito e vista como um assunto fútil no âmbito
jornalístico?
Carregada de estigmas desde o seu surgimento, no fim da Idade Média, após
os meios de comunicação dirigirem o foco para o vestuário nas revistas femininas, o
jornalismo de moda lutou para consolidar-se como uma temática não somente
comportamental, mas também cultural. Nas redações, a moda é, muitas vezes, vista
como uma forma de publicidade, suprimindo a função do jornalismo de moda
informativo e noticioso. Mas, aos poucos, o panorama de julgamento da moda dá
sinais de mudança e os meios de comunicação “percebem que os leitores esperam
do jornalismo de moda matérias atuais e bem estruturadas, priorizando as
necessidades do público-alvo” (OTTONI, 2008, p. 14).
54
Citada por OTTONI (2008), Ruth Joffily, no livro “Jornalismo e Produção de
moda”, esmiúça os principais conceitos do jornalismo de moda em relação ao seu
público leitor, ao mercado da moda e ao comportamento dos indivíduos em geral.
O valor editorial de moda está em manter o público atualizado em relação ao lançamento e tendências. Está em realizar a crítica, buscando critérios estéticos e pragmáticos. Estéticos pelo lado criativo e artístico da criação de moda. Pragmáticos, porque a roupa é para ser usada no cotidiano, porque há períodos em que o consumidor anda de bolso vazio. Está em acompanhar, pelo prisma da moda, a flutuação dos comportamentos, a mudança nas correntes sócio culturais. Em outro dos seus ramos, o jornalismo de moda especializado em prestar serviço ao leitor – informação extremamente objetiva – realiza-se, na minha opinião, a concretização do nosso papel junto ao público, qual seja o de adequar o sonho da moda à realidade da leitora(...) (JOFFILY, 1991, p. 12 apud OTTONI, 2008, p. 14).
Conceitos que os profissionais do jornalismo de moda buscam aplicar em suas
práticas profissionais do cotidiano que, ainda segundo JOFFILY (1991 apud
OTTONI, 2008, p. 15), permeiam a relação do preconceito com a área da moda
pode estar relacionada à formação técnica e cultural agregada em sua prática
profissional, já que a moda é, também, formada por aspectos culturais, como os
hábitos e as crenças. A discussão pode ser considerada relevante a partir de fatores
como o incremento dos investimentos publicitários, possibilidade de debate e
interatividade com o leitor, instantaneidade da notícia, bem como o armazenamento
de conteúdo e, nos últimos anos, com o número crescente de estudos sobre a moda
e seu impacto social, cultural e econômico. Para HINERASKY (2010, p. 3), “Nessa
perspectiva, tornam-se relevantes para reflexão e pesquisa, a despeito de o universo
fashion ser alvo de preconceito e desdém quando se trata de uma temática
escolhida para esmiuçar práticas e construção de conhecimentos”.
55
4 UMA PROPOSTA DE ANÁLISE: O MOVIMENTO DOS DISCURSOS SOBRE A
MODA NO SITE CHIC
4.1 EM TORNO DA METODOLOGIA
Ora, se partirmos do entendimento, por um lado, de que a moda institui
sentidos aos modos de ser e estar no mundo e, por outro, nos sentidos de que o
jornalismo especializado é um dos responsáveis pela disseminação dos valores e
conceitos em torno da moda, avaliar como esses valores se sedimentam requer um
exercício em torno dos discursos que constroem a história sobre o assunto aqui em
discussão. Partindo dessa perspectiva, o presente trabalho utiliza como
fundamentação metodológica a análise do discurso. Com o objetivo de identificar as
construções de sentido presentes em um texto, a Análise do Discurso (AD) é
utilizada com frequência nos estudos da comunicação para analisar os discursos
reproduzidos pela mídia. Este trabalho, que tem como aporte metodológico a obra
“Análise de discurso: princípios e procedimentos”, de Eni Puccinelli Orlandi, entende
como necessário apresentar outras definições da metodologia para, assim,
compreender o discurso e suas profundas implicações na vida em sociedade,
presente, principalmente, na comunicação e na publicidade.
A Análise de Discurso francesa surge na década de 1960 em um contexto
marcado pelo progresso da linguística, que afeta o modo como as pessoas
consideram o sentido do discurso. Neste momento, segundo Orlandi (1999), a leitura
é posta em suspenso e o sentido é configurado como fundamental. A proposta
intelectual da Análise de Discurso relaciona três áreas aparentemente distintas,
como a Linguística, a Filosofia e as Ciências Sociais. Assim, a articulação destas
três áreas resulta na posição crítica em relação à leitura, interpretação e a relação
entre o indivíduo e o sentido. Para Macedo e Santos (2007), entender o sentido da
fala ou do texto permitem analisar não somente o conteúdo do texto, a sua intenção,
mas permitem entender como o texto funciona. De acordo com Cardoso (2005 apud
MACEDO; SANTOS, 2007), não é possível afirmar que o discurso seja confundido
com a fala.
Um terceiro elemento (nem a língua nem a fala), o discurso é fruto do reconhecimento de que a linguagem não deve ser buscada apenas na língua, sistema ideologicamente neutro, mas num nível situado fora do pólo da dicotomia língua/fala (MACEDO; SANTOS, 2007, p. 03).
56
Ao mesmo tempo em que a linguagem configura-se como uma “entidade
formal”, reforça-se como um sistema, que recebe também importantes influências
subjetivas e sociais. O discurso torna-se, segundo Macedo e Santos (2007),
carregado de conceitos sociais, ideológicos, históricos e psíquicos, que interagem
por meio dos indivíduos em circunstâncias concretas.
Como define ORLANDI (1999, p. 15), a compreensão realizada por meio da
análise do discurso tem a intenção de perceber a língua fazendo sentido enquanto
configura-se como trabalho simbólico, como parte constituinte do trabalho social
geral, que faz parte do sujeito e de sua história.
Não trabalha com os textos apenas como ilustração ou como documento de algo que já está sabido em outro lugar e que o texto exemplifica. Ela produz um conhecimento a partir do próprio texto, porque o vê como tendo uma materialidade simbólica própria e significativa, como tendo uma espessura semântica: ela o concebe em sua discursividade (ORLANDI, 1999, p. 18).
Outras definições sobre a temática, MAINGUENEAU (2004, apud CARNEIRO
& CARNEIRO, 2007, p. 01) apresentam o discurso como uma “dispersão de textos
cujo modo de inscrição histórica permite definir como um espaço de regularidades
enunciativas”. Em sua definição, FOUCAULT (1986) concebe o discurso fora da
ótica em que é considerado apenas um conjunto de signos. Segundo o autor,
embora não se possa dissociar discurso e signo, já que o último é constituinte do
primeiro, os signos não conseguem exprimir por completo a amplitude de significado
do discurso. Designam as coisas, mas deixam de manifestar o discurso como um
todo.
(...) o discurso não é uma estreita superfície de contato, ou de confronto entre uma realidade e uma língua, o intrincamento entre um léxico e uma experiência; gostaria de mostrar, por meio de exemplos precisos, que, analisando os próprios discursos, vemos se desfazerem os laços aparentemente tão fortes entre as palavras e as coisas, e destacar-se um conjunto de regras, próprias da prática discursiva. (...) não mais tratar os discursos como conjunto de signos(elementos significantes que remetem a conteúdos ou a representações), mas como práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam (FOUCAULT, 1986, p. 56, apud FISCHER, 2001, p. 197).
Com o objetivo de colocar o discurso em questão e, principalmente, refletir
sobre o real sentido que a linguagem exprime em seus diferentes formatos, a análise
do discurso compreende, segundo Orlandi (1999), a ausência de neutralidade em
qualquer dos discursos. Para a autora, “Em outras palavras, a linguagem é
57
linguagem porque faz sentido. E a linguagem só faz sentido porque se inscreve na
história”. (ORLANDI, 1999, p. 25)
4.2 O DISCURSO E A COMUNICAÇÃO
Não por acaso, a análise do discurso se faz tão presente na comunicação.
Tida como uma prática social, a linguagem é um dos mecanismos pelos quais a
sociedade se autorregula. Como conceitua CORREIA (2007, p. 1), “a análise crítica
do discurso escolhe como campos de pesquisa as microestruturas e
macroestruturas organizativas do discurso, as estratégias esquemáticas, os estudos
das metáforas e da sua estrutura”.
Dada a importância da linguagem na vida em sociedade, o trabalho aqui
apresentado pretende identificar como estão configuradas as ideologias formadoras
do discurso do site “Chic”, um dos primeiros portais de moda do Brasil e, atualmente,
um dos principais sites sobre o tema do país. Desta forma, a análise irá se debruçar
não somente ao elemento verbal da cobertura realizada pelo portal, mas irá
engendrar-se também na análise imagética e não-verbal das publicações,
analisando, além das imagens publicadas, os aspectos visuais que compõem o site,
como a tipografia, as cores e s outros elementos de composição.
A sociedade atual e francamente imagética, tendo como tentáculos a
televisão, a publicidade, a mídia, o universo digital, que, devido ás constantes
inovações tecnológicas, revolucionaram o modo como as pessoas se comunicam e
concebem a informação. É o que destaca Coelho (2007, p. 2) “a sociedade moderna
está na era digital, são informações diversas a cada segundo, em um centro de
cidade as placas, letreiros, outdoors dominam a paisagem visual (...)”. Por meio
deste novo processo comunicacional, há também a transmissão de conceitos e
ideologias por meio das imagens. Para João Carlos Correia, a sociedade imagética
passa a rivalizar com o texto a importância no discurso.
De uma forma geral, a imagem tornou-se mais evidente no século XX com a televisão. A forma de ver depende de hábitos culturais. A percepção depende da cultura e do contexto. A representação da imagem real é algo de complexo e a sua relação com a realidade difícil de compreender se não conhecermos a gramática da imagem. É difícil, assim, saber se a palavra ou a imagem são mais importantes uma do que a outra, mas será possível admitir que sempre foram igualmente importantes (CORREIA, 2007, p. 3).
58
Nesse sentido, Orlandi (1999) ressalta ainda que as novas tecnologias, que
criam também novos tipos de veículos e linguagens específicas, desenvolvem o que
chama de “memória metálica”, decorrente da informatização dos discursos. Ao
apropriar-se da memória metálica, a mídia promove a homogeneização do que
conceitua como “efeitos de memória”. A mídia seria responsável pela imobilização
da interpretação, estabilizando os sentidos e eliminando as diferenças. Para Orlandi,
desta forma, “apagam-se os efeitos da história, da ideologia, mas nem por isso elas
estão menos presentes” (1999, p. 10).
4.3 AS BASES DA ANÁLISE
Em seu livro “Análise de Discurso: princípios e procedimentos”, Eni Puccinelli
Orlandi discorre sobre os procedimentos que o analista deve realizar para a
construção de um dispositivo de interpretação.
Para a autora, a Análise de Discurso não procura encontrar o sentido
“verdadeiro” dos discursos. Procura, em sua análise, o real do sentido, passível de
identificação em sua materialidade histórica e linguística. “Todo enunciado, dirá M.
Pêcheux (1990), é linguisticamente descritível como uma série de pontos de deriva
possível oferecendo lugar à interpretação” (ORLANDI, 1999, p. 59).
O analista deve explicitar os processos de identificação. Dependendo da
posição do sujeito e da inscrição do que diz em uma formação discursiva, uma
mesma palavra, na mesma língua, pode ter uma significação diferente. Para tal, o
dispositivo de análise deve ser capaz de identificar o real sentido do discurso,
levando em conta aspectos como o inconsciente e a ideologia presentes. Este
dispositivo deve considerar os gestos de interpretação, ligados ao processo de
identificação dos sujeitos e suas filiações de sentido. Nesta fase, interpretação e
descrição estão relacionadas entre si e o analista tem como objetivo a distinção
destes dois aspectos a fim de compreender o sentido discursivo.
O que se espera do dispositivo é que ele permita o analista trabalhar em uma
posição que não seja neutra, mas seja relativizada diante da interpretação. Orlandi
(1999, p. 61), explica: “É preciso que ele atravesse o efeito de transparência da
linguagem, da literalidade do sentido e da onipotência do sujeito”. A função do
dispositivo busca atuar em três frentes, garantindo a opacidade da linguagem,
59
tirando o sujeito do centro da questão e no efeito metafórico do discurso. Por meio
da mediação teórica, é possível o analista colocar-se fora da interpretação, de forma
que não sofra os efeitos e ilusões por ela provocados.
De acordo com Orlandi, quando se pensa na análise do discurso, um dos
primeiros pontos deve ser a constituição do corpus da pesquisa. Sabendo que a
natureza da linguagem possui diferentes formatos, principalmente se pensarmos nas
possibilidades da internet, a análise de discurso pode permear o discurso transmitido
por textos, sons e também imagens. “Assim, a construção do corpus e a análise
estão intimamente ligadas: decidir o que faz parte do corpus já é decidir acerca de
propriedades discursivas” (ORLANDI, 1999, p. 63).
O corpus selecionado para a pesquisa são as coberturas do site Chic de três
importantes desfiles da 30ª e 31ª edições do evento de moda São Paulo Fashion
Week no ano de 2011. As imagens analisadas são de autoria do fotógrafo Charles
Naseh exclusivamente para o site Chic e os textos, em sua maioria, escritos por
Glória Kalil, exceto pela análise do desfile de Alexandre Herchcovitch no Verão de
2012, assinado pela redação do site.
Baseando-se em critérios que permeiam a importância do estilista e da marca
no cenário brasileiro e mundial, bem como a presença da marca no evento, os
desfiles selecionados foram dos estilistas Alexandre Herchcovitch (feminino),
Reinaldo Lourenço e Glória Coelho. A apresentação do inverno 2011, que consta
como a edição de número 30 do evento, ocorreu de 28 de janeiro a 02 de fevereiro
de 2011. A 31ª edição do evento mostrou as tendências dos estilistas para o verão
2012 e ocorreu de 13 a 18 de junho de 2011. As duas edições comemoram o
aniversário de 15 anos do evento, considerado o maior evento de moda da América
Latina e um dos cinco maiores do mundo.
4.4 PROCEDIMENTOS DA ANÁLISE DO DISCURSO
A Análise de Discurso, feita por etapas que correspondem à
consideração de propriedades discursivas, é feita a partir de um percurso que
perpassa do texto ao discurso quando se aplica ao material empírico ou corpus.
Na primeira etapa, o analista procura compreender no texto a discursividade
presente e, em uma primeira análise linguístico-enunciativa, formula um objeto
60
discursivo. Desta forma, de acordo com Orlandi (1999), “é desfeita a ilusão de que
aquilo que foi dito só poderia sê-lo daquela maneira” (1999, p. 77). Para
compreender a configuração das formações discursivas, o analista deve trabalhar
com paráfrases, para produzir outros efeitos de sentido. Na etapa posterior, a partir
do objeto discursivo, é realizada uma análise que busca relacionar as formações de
discurso distintas com a formação ideológica que governa estas relações.
Identificando características presentes no discurso, é possível compreender qual a
relação de sentido que o governa, de acordo com Maldidier (2003, apud CAZARIN,
2009, p. 01). “O interdiscurso designa o espaço discursivo e ideológico no qual se
desdobram as formações discursivas em função de relações de dominação,
subordinação, contradição”.
Tabela 1 – A Análise do discurso: Dispositivos e procedimentos.
Etapas da Análise de Discurso
1ª Etapa Passagem da Superfície
Linguística
para o
Texto (Discurso)
2ª Etapa Passagem do Objeto Discursivo Para a
Formação Discursiva
3ª Etapa Processo
Discursivo
Formação Ideológica
Fonte: ORLANDI(1999).
Durante todo o processo relatado acima, cabe ao analista observar o que
Orlandi chama de “efeitos metafóricos”. Sua percepção, que relaciona o discurso e a
língua, permite identificar o modo como são articulados estrutura e acontecimento.
Como este efeito é característico das línguas(naturais), por oposição aos códigos e às línguas artificiais, podemos dizer que não há língua sem esses deslizes, logo não há língua que não ofereça lugar à interpretação. Em outras palavras, a interpretação é constitutiva da própria língua. E onde está a interpretação está a relação da língua com a história para significar (ORLANDI, 1999, p. 78).
61
5 ESTILOS DE VIDA, CONSUMO, LUXO, NECESSIDADE: PRODUÇÃO DE
SENTIDOS NOS DESFILES DE MODA DO SPFW
5.1 TRAJETÓRIA DO SÃO PAULO FASHION WEEK
O São Paulo Fashion Week (SPFW) é considerado um dos principais eventos
de moda do mundo. Criado em 1996 com o nome de Morumbi Fashion Brasil, só
adquiriu a nomenclatura atual na 10ª edição, em janeiro de 2001. Embora credite-se
que a indústria do vestuário teve seu início efetivo somente após o surgimento do
evento, a indústria da moda brasileira já existia, mas não da forma com que se
estruturou após o surgimento da semana de moda paulista. De acordo com Raquel
Baldussi Alves, para o organizador do SPFW, Paulo Borges, “em 1996 a moda já era
considerada forte, porém, mal distribuída”. (ALVES, 2011, p. 1). A contribuição do
evento foi trazer ao país e aos estilistas nacionais mais visibilidade no cenário da
moda, impulsionando a chegada de marcas conceituadas, como Chanel, Versace e
Gucci e também na estrutura de todos os setores em que a moda está inserida. Ao
lado de eventos prestigiados e tradicionais, como as semanas de Paris, Londres,
Milão e Nova York, dados significativos que comprovam a evolução da semana de
moda paulista e sua importância crescente no cenário mundial. Em resumo, segundo
HINERASKY (2006), a entrada do Brasil no seleto circuito da moda foi resultado de
diversos fatores, que, juntos, tornaram o evento o que é hoje nacional e
internacionalmente.
(...) o crescimento do setor têxtil e de confecção, a valorização da moda como negócio; a qualidade da matéria-prima nacional (e o seu aprimoramento), a utilização e os investimentos em tecnologia de ponta; a criatividade dos estilistas, demonstradas em coleções contemporâneas, não limitadas a roupas artesanais ou “de folclore”; a consolidação de um calendário de moda uniformizando as iniciativas antes isoladas, aliadas à cobertura e repercussão na imprensa especializada no Brasil e exterior (HINERASKY, 2006, p. 2).
O SPFW foi responsável, de fato, por estruturar a indústria têxtil e divulgar a
moda brasileira. Desde seu início, demonstra a necessidade de sistematizar todos
os setores da moda no país. O evento difunde também não somente o produto
nacional, mas também seus estilistas e modelos. Foi criado há quinze anos, pouco
tempo, se comparado a semanas de moda como o NYFW, que existe desde 1943.
Na primeira edição do evento, em janeiro de 1996, reuniu cerca de trinta
marcas, com desfiles divididos em cinco dias. A partir daí, a moda no Brasil passa a
62
se organizar e ser vista de forma diferente pela mídia e indústria internacional.
Surgem modelos que se tornariam mundialmente famosas e que atuam até hoje,
como Gisele Bündchen, Alessandra Ambrósio, Isabeli Fontana, Ana Claudia Michels,
entre outras.
A importância do evento foi tamanha que, em 1999, o canal americano E!
Entertainment Television fez a cobertura dos desfiles, atraindo olhares de todo o
mundo para a moda nacional, reunindo jornalistas, críticos e profissionais do ramo
para dar visibilidade aos estilos de vestuário que eram produzidos aqui. Desta forma,
a comunicação de moda também deu um salto significativo: com a necessidade de
se falar sobre o assunto, de realizar a cobertura de um evento de dimensão global,
crescem as ofertas de cursos e graduações que atendam ao nicho da moda.
Após o primeiro Morumbi Fashion (...), observou-se a explosão das escolas de moda. Segundo dados do Ministério da Educação, em 2003 existiam 35 cursos de graduação em moda no país. Considerando os cursos técnicos, seqüenciais e especiais, o número ultrapassava 60 (PEROZZI, 2006, p. 1).
Em 2000, a inglesa Kate Moss, uma das principais modelos do cenário global,
se juntou à Gisele Bündchen para o desfile da temporada no Morumbi Fashion
Brasil. Presente no cenário mundial, o foco no ramo da moda no país reflete-se no
crescimento vertiginoso do setor de vestuário.
O evento se tornava cada vez mais influente na cultura de moda que o país mal começava a descobrir. Com isso, as técnicas brasileiras de produção na fiação, tecelagem e estamparia cresceram a fim de atender a demanda do mercado (ALVES, 2011, p. 1).
O evento foi responsável por revolucionar a moda no Brasil em todos os
âmbitos: em relação à produção, difusão de conteúdo, comunicação, visibilidade do
vestuário e da indústria da moda no Brasil, aumentando o número de profissionais
em diversas áreas e, principalmente, na indústria têxtil estilismo e modelos
fotográficos e de passarela.
Atualmente, o São Paulo Fashion Week acontece duas vezes ao ano,
apresentando as coleções de outono em inverno em janeiro e primavera e verão no
mês de julho, com duração de oito dias cada edição. Ao longo de quinze anos, os
investimentos saltaram de 600 mil reais na primeira edição para mais de cinco
milhões em cada edição. Aumento significativo também ocorreu nas participações
das marcas e estilistas, que hoje são sessenta e quatro e no número de visitantes:
mais de um milhão de pessoas.
63
Esta monografia pretende apontar algumas marcas de sentido que permeiam
o discurso do site “Chic” e como estão configurados os discursos da cobertura
realizada pelo site das 30ª e 31ª edições do SPFW, maior evento de moda do Brasil.
Tais marcas nos permitem observar o funcionamento do imaginário no que diz
respeito às nossas visões de mundo sobre “beleza”, estilo de vida, “bem-estar”, entre
outros.
5.2 O SITE CHIC E A COBERTURA DE MODA
Expoente na cobertura online das semanas de moda nacionais, o site Chic foi
um dos primeiros suportes especializados no segmento no Brasil. Criado por Glória
Kalil, formada em sociologia política, mas consagrada profissionalmente pela
trajetória no ramo da moda. Kalil começou sua carreira como produtora de moda,
trabalhou como redatora, na coordenação de marketing e produto da indústria têxtil
Scalad’oro e representou a marca Fiorucci no país por dezessete anos. Atualmente,
Glória comanda o site Chic, atuando como jornalista e consultora de moda.
Como seu surgimento data de um período em que a internet não estava
completamente configurada, o site passou por transformações ao longo de sua
existência no que diz respeito ao formato e à linguagem. Inspirado no livro
homônimo de Glória Kalil, em seu início, teve o formato de uma revista aos moldes
digitais e, aos poucos, adquiriu linguagem própria, mais adequada ao veículo em
que está inserida. Hoje, de acordo com o editor-executivo do site Chic, André do Val,
o site está muito voltado ao universo das redes sociais, como o facebook e o twitter,
duas redes sociais em que o Chic se faz bastante presente.
Premissa da internet, o conteúdo postado quase em tempo real é encarado,
ao mesmo tempo, como um fator positivo e negativo pelo editor-executivo do site.
Positivo pela abrangência, por poder transmitir o que acontece com uma pequena
diferença de tempo da realidade. Negativo, segundo André do Val, porque tudo deve
ser feito de forma muito rápida, o que, nem sempre, é possível: selecionar, editar e
postar as fotos, a montagem do texto. “Desde 2000 temos a obrigação de publicar
em tempo real. Se isso não acontece, os nossos leitores já reclamam que ainda não
está no ar, eles pedem essa rapidez”. 8
8 André do Val, editor-executivo do Site Chic, em entrevista por telefone em 5 de outubro de 2011
64
5.2.1 As Configurações Verbo-visuais do Site Chic
Uma vez que intencionamos empreender uma análise discursiva,
consideramos vários aspectos para a faina analítica: examinando como o site está
estruturado - layout, cores, formatos, seções e outros. É possível aprofundar a
análise em critérios que às vezes não estão na superfície do texto, mas que
complementam o discurso presente nas narrativas e imagens veiculadas no site.
Composto basicamente por elementos dispostos na vertical, o site Chic, em
sua página inicial, é formado por três colunas e uma área de destaque para as
notícias mais importantes. O uso da cor branca, que compõe todo o fundo da página
inicial e das páginas internas do site, tem seu uso justificado pela sensação de
luminosidade, pureza e ordem. Sua função também comunica harmonia quando
combinada aos outros elementos de composição da página. A preocupação com as
cores é primordial, principalmente devido às características do site Chic, com
páginas com expressiva quantidade de informação visual, com fotos, vídeos,
imagens e textos. A importância da escolha das cores deve-se por alguns fatores: “a
cor exerce três ações: a de impressionar a retina, a de provocar uma reação e a de
construir uma linguagem própria comunicando uma ideia, tendo valor de símbolo e
capacidade” (FREITAS, 2007, p. 1).
Complementando a cor base, três cores se destacam. O magenta, que está
inserido em regiões pontuais e importantes do site, como no menu principal de
categorias e em pequenos detalhes da composição do layout. Transmite
feminilidade, romantismo, beleza e sensualidade, conceitos trabalhados no site, com
relação direta à temática e ao público leitor do Chic.
A cor cinza, aplicada nas matérias e textos, busca fornecer a sobriedade dos
tons escuros de forma mais sutil, e tem sua conceituação explicitada por Israel
Pedrosa como uma “cor neutra por excelência” (2009, p. 132). Há o destaque da cor
preta, empregada no logotipo do site, nos títulos e também em alguns espaços de
destaque. Embora a cor preta agregue conceitos que envolvem a melancolia, luto e
o frio, o preto é utilizado em oposição ao branco, também inserido na constituição
das cores do site. Para Pedrosa, “figura entre as cores mais empregadas nos
diversos ramos da atividade humana em todos os tempos” (2009, p. 132).
65
Figura 2 – Página inicial do site Chic. Fonte: Site Chic, extraído em 25 de outubro de 2011.
66
A escolha da fonte não é por acaso, seu uso é evidenciado pelas
características próprias de cada fonte, que indicam seu significado. Dentre os fatores
que classificam as fontes, segundo Collaro (1987), estão, basicamente, as hastes,
responsáveis pela formação do tipo, e a serifa, as aparas que constituem o formato
da fonte.
Para composição do site houve a variação de fontes, com a escolha da fonte
Arial para os textos e subtítulos. A ausência de serifas da fonte torna o Arial, de
acordo com Collaro, “o tipo mais legível de todos para a execução de trabalhos
publicitários” (1987, p. 24). No entanto, a fonte não é recomendada para grandes
quantidades de texto, pois a falta de contraste entre as hastes das letras torna a
fonte cansativa. Como o site utiliza textos curtos, de cerca de dois mil caracteres, a
ausência de serifas não torna o texto tão cansativo neste caso.
A fonte Times New Roman, por sua vez, também se consagra como um dos
tipos mais legíveis de todos. O contraste entre as hastes, que inexiste na fonte Arial,
é responsável por fornecer ao leitor descanso visual e delicadeza. Junto com a fonte
Georgia, seu uso é muito comum em websites. No site Chic, o Times New Roman
está empregado nos títulos das matérias e na barra de seções do blog, como
“Moda”, “Desfiles”, “Beleza”, “Boa Vida” e outras, dispostas na barra principal do site.
Para Dalmonte, a preocupação com a parte gráfica é essencial para fidelizar o
usuário: “Os elementos gráficos (...) representam estratégias facilitadoras do
reconhecimento por parte dos leitores” (2009, p. 182).
No layout, há a predominância de elementos não-verbais, como as imagens e
vídeos, essenciais nos portais da web. O uso de elementos pertinentes ao veículo
online em que está inserido é fundamental para atrair o leitor e prender sua atenção
ao conteúdo.
Os elementos que compõem o conteúdo on-line vão muito além dos tradicionalmente utilizados na cobertura impressa – textos, fotos e gráficos. Pode-se adicionar sequencias de vídeo, áudio e ilustrações animadas. (...). E acessar um conteúdo não é necessariamente a leitura de uma notícia, já que engloba textos que trafegam pelas salas de bate-papo, mensagens enviadas nos fóruns, resenhas de livros, discos e colunas (FERRARI, 2008, p. 39).
No site Chic estão presentes textos, vídeos e fotos para fornecer a informação
com interatividade e por meio dos recursos multimídia da web. Os textos, por sua
vez, adequam-se aos padrões da internet, curtos, escritos de forma simples e
67
concisa. “Ao escrever on-line, é essencial dizer ao leitor de forma rápida qual é a
notícia e por que ele deve continuar lendo aquele texto” (FERRARI, 2008, p. 49).
A predominância de elementos não verbais no Chic demonstra a preocupação
em fornecer um conteúdo voltado ao universo online, utilizando recursos próprios do
veículo e essenciais ao segmento da moda, que utiliza as imagens para a
complementação do texto e também o texto para descrever e analisar a moda.
Roland Barthes, em seu livro O Sistema da Moda, realiza um exame minucioso da
importante relação entre o elemento da moda, imagem e a linguagem utilizadas no
jornalismo específico. Para o autor, a imagem, exemplificada como “vestido
fotografado” e a descrição, de “vestido descrito”, são equivalentes, mas não são
idênticos, mesmo que façam referência a um mesmo objeto, o que Barthes chama
de “vestido real”.
O vestuário real forma, pois, uma terceira estrutura, diferente das duas primeiras, ainda que lhes sirva de modelo, ou, mais exatamente, ainda que o modelo que guia a informação transmitida pelos dois primeiros vestuários pertença a essa terceira estrutura (BARTHES, 1979, p. 4).
O autor compreende que, para estudar o vestuário de moda, é preciso
estudar as três estruturas separadamente. No entanto, acredita que o estudo do
vestuário representado por meio de palavras ou fotos, ofereça vantagens em relação
ao estudo do “vestuário real”. Segundo Barthes, ao estudar o vestuário nos formatos
verbais e não verbais expressos pelo jornalismo de moda, estes formatos fornecem
ao analista o que “as línguas humanas recusam ao linguista: uma sincronia pura”
(1979, p. 8). Explica que, por uma estrutura própria ao setor, a sincronia da moda
sofre mudanças anuais, mas que, neste intervalo de um ano, configura-se de forma
estável, absorvida pelas representações da moda em imagem e texto.
No site Chic é possível identificar a intenção do jornalismo de moda em firmar-
se como jornalismo de serviço, percebida também ao longo do desenvolvimento da
área e de sua inserção gradual nos veículos tradicionais. Em grande parte das
seções do site, constam informações como “onde encontrar”, o site do fabricante do
produto e até fichas técnicas em que estão inseridas a maioria destas informações,
como é possível identificar em cinco dos seis desfiles aqui analisados. (ANEXOS A,
C, D, E e F). A seção “Chic Responde”, também explora as possibilidades da web
como prestadora de serviço aos seus usuários, prestando uma consultoria de moda
e estilo online com as perguntas enviadas pelos leitores. As categorias “Moda”,
“Beleza” e “Boa Vida” abordam temas relativos ao universo fashion, lançamentos
68
nos setores especificados, curiosidades e matérias que possuem relação com os
temas, mesclando assuntos relacionados à moda nacional e internacional.
Há a presença de referências constantes da temática das novelas nacionais e
sua influência na moda do Brasil. Com foco principal nas novelas globais, o site
exprime sua tendência a um discurso mais elitizado, que busca reafirmar a posição
de influência do canal e das novelas no cotidiano das pessoas, abordando temas
que se relacionem à moda e às novelas.
Assim como todos os veículos jornalísticos, revistas, programas de rádio,
jornais e telejornais, os sites e portais da internet dependem dos fatores econômicos
para existir. Da mesma forma, ocorre com os sites na web, que utilizam, com a
venda dos espaços publicitários e outras possibilidades de anúncio, a sua principal
renda, os chamados “banners”.
O patrocínio da Web acontece da mesma forma que conhecemos em outros meios. O anunciante escolhe um espaço e um conteúdo que esteja de acordo com suas necessidades de comunicação e com seu perfil de audiência, negocia este espaço e fixa sua marca no local por um determinado período de tempo (CANESSO, 2004, p. 8).
O Chic utiliza deste formato de anúncio em suas páginas internas e na página
de abertura do site, com um total de sete anúncios apenas na página principal. Na
maior área, chamada pelo Midia Kit9 do site de “superbanner expansível”, o
anunciante é a marca de maquiagens Korres. Em seguida, há o espaço chamado de
box ou island, o segundo maior espaço de anúncio, ocupado na página de 25 de
outubro de 2011(figura 2) pelo clube de compras Coquelux, que vende peças de
grife com descontos.
São cinco as áreas para anúncios chamadas de “selo”, pequenos espaços
fixos e mensais. O primeiro espaço publicitário inserido à direita é de uma loja de
departamento brasileira, a Riachuelo, que atinge, principalmente, mulheres das
classes C e D10, cerca de 70% de seus consumidores. Embora o site Chic não tenha
classe de atuação definida em seu Midia Kit, os assuntos abordados e as coberturas
realizadas pelo site falam da moda em geral, mas são direcionadas à temas e
marcas de maior posicionamento no mercado, muitas delas com público alvo das
classes A e B. Em seguida, estão os banners de três marcas de calçados: a Arezzo,
9 Midia Kit Site Chic 2011 10 Fonte: www.riachuelo.com.br
69
a marca Melissa e a marca Ballasox. Ao centro do site, o selo da loja virtual Gold
Glam, do ramo de semijoias.
Em comum, os anunciantes do site Chic possuem o público-alvo, as
mulheres, e vendem produtos que se relacionam com os temas abordados pelo site,
como artigos de moda e beleza. Além dos formatos de mídia na página inicial, os
anúncios estão inseridos em algumas seções do site, como o que chamam de
“patrocínio de seção”, uma forma de anúncio fixa e mensal, o “publieditorial”, e a
“nota patrocinada”, composta por vídeo, galerias de fotos e texto sobre o anunciante.
5.3 OS ESTILISTAS DE MODA E A VISIBILIDADE NO SITE CHIC
5.3.1 Alexandre Herchcovitch
Desfilando desde o início do São Paulo Fashion Week, Alexandre
Herchcovitch faz parte do grupo de oito estilistas que participam desde a primeira
edição da semana de moda paulista. Tornou-se um ícone na moda brasileira não só
dentro do país, mas também internacionalmente. Além do evento paulista, Alexandre
Herchcovitch desfila desde 2004 sua coleção no New York Fashion Week,
atualmente conhecido como Mercedes-Benz Fashion Week, considerado um dos
cinco maiores eventos de moda do mundo, junto com as semanas de moda de Paris,
Londres, Milão e São Paulo. Herchcovitch também está inserido no mercado
asiático: além das quatro lojas no Brasil, o estilista tem uma loja no Japão.
O desfile feminino do estilista Alexandre Herchcovitch é parte integrante do
corpus da análise que será realizada pelo presente trabalho. A escolha dos desfiles
do estilista como ferramenta de análise da cobertura do site Chic é justificada por
sua importância e contribuição para a moda brasileira, inserção internacional e
presença desde o princípio do São Paulo Fashion Week. O recorte dado ao desfile
feminino deve-se à sua importância e ao principal foco do evento, que é a moda
feminina.
Sempre muito ousado e nada convencional em suas coleções, Alexandre
Herchcovitch é atualmente um dos nomes mais lembrados da moda. Ficou muito
conhecido pelo estilo underground e rocker, usando em diversos de suas criações
sua marca registrada: os desenhos de caveiras.
70
5.3.1.1 Análise da cobertura textual do inverno 2011 de Herchcovitch
O site Chic utiliza, basicamente, a combinação de texto e fotos para cobrir os
eventos do São Paulo Fashion Week. Na coleção de inverno 2011 de Alexandre
Herchcovitch, apresentada no dia 29 de janeiro de 2011, a análise feita por Glória
Kalil deixa clara características que permeiam tanto o jornalismo de moda quanto o
seu próprio site. O texto possui estrutura jornalística, com construção simples e
artifícios formadores da linguagem da internet, como o texto curto, sem adorno,
adepto dos hiperlinks, dos quais falaremos mais adiante. Alia duas facetas
importantes ao segmento, como o tecnicismo e a informação de moda.
Dada a importância dos desfiles de verão no país, ao começo da cobertura
do inverno, Glória Kalil realiza um breve retrospecto do que foi apresentado na
semana de moda anterior, o verão 2011, como se pode verificar nos anexos A, C e
E. Desta maneira, Kalil, ao contrário de utilizar a descrição do desfile anterior como
um comparativo à nova coleção, realiza apenas uma descrição do desfile, não
emitindo, neste momento, julgamentos a respeito da relação entre estes dois
desfiles. Vale-se, neste primeiro parágrafo, de expressões próprias do universo da
moda, como “trompe-l’oeil” (em tradução livre, “engana o olho”).
No início da análise do desfile de inverno, no segundo parágrafo, Glória Kalil
utiliza uma ferramenta muito presente no jornalismo online: os hiperlinks, com a
frase “repetindo o que eu disse no meu post”. Utiliza deste artifício da web para
deixar o texto já publicado disponível para consulta por meio de um link. Pollyana
Ferrari conceitua o hiperlink como “nós ou elos associativos” (2008, p. 42), que
permitem moldar o que chama de rede hipertextual. Definição reforçada por
Dalmonte (2009, p. 165). “O link funciona no hipertexto como a possibilidade de
passagem a um outro nível no campo da informação apresentada”. A importância de
valer-se de características fundantes da web fornecem mais dinamicidade ao
veículo, imprimem suas particularidades ao material e como estratégias de atrair o
leitor ao seu texto, um usuário já acostumado às minúcias do jornalismo online.
Ainda no segundo parágrafo, ao explicitar seu descontentamento com a presença de
uma modelo que direcionou todas as atenções do desfile para si, realiza um
julgamento, fundamentado por sua experiência e conhecimento do estilo e criações
de Herchcovitch.
71
Compartilhando com a literatura uma técnica cuja aplicação é transformar um
objeto em linguagem, tem-se a descrição. Carregada de valores que não podem ser
transmitidos apenas com a imagem, acrescentam, segundo Barthes (1979), um
saber à imagem. A descrição técnica do desfile é realizada no terceiro parágrafo,
fazendo o uso da adjetivação, muito comum no jornalismo de moda para descrever
os desfiles. Adjetivos como “sóbrio”, “lúgubre”, “escuros”, “claustrofóbico” e
“melancólico”, “severas” geram a ambientação dos leitores ao universo construído
pelo criador da coleção. A importância do recurso descritivo é explicitada por Roland
Barthes: “A descrição da Moda não tem só por função propor um modelo à cópia
real, mas também e sobretudo difundir largamente a Moda como um sentido” (1979,
p. 10).
Figuras 3 e 4 – Fotos de número 28 e 11 da cobertura do site Chic do desfile de Inverno
2011 no São Paulo Fashion Week do estilista Alexandre Herchcovitch. Fonte: Site Chic
Realizando uma construção baseada nos parâmetros visuais fornecidos pelo
estilista e nos conceitos de moda e dando ao leitor o clima, o estado de espírito e as
ambientações do desfile, muitas vezes imperceptíveis apenas por meio das fotos: é
o que Gomes define como o “valor da experiência no fenômeno da percepção”
(2009, p.25). Com a descrição, perpassa os trajetos imaginários realizados pelos
72
leitores, sempre direcionando as informações técnicas ao estilo de vida a que
remetem.
Vale-se de expressões como “formas e ângulos novos” para conceituar quais
as novidades são apresentadas nesta coleção. Expressões que, agregadas à
adjetivação e no foco à anatomia das peças, se fazem presentes nas construções:
”formas severas” e “grandes dobraduras”. As formas, muito exploradas no discurso
textual da cobertura realizada pelo Chic, também conceituam o clima da coleção e
da apresentação das peças, responsáveis por aguçar a percepção visual do leitor.
A percepção da forma é o resultado de uma interação entre o objeto físico e o meio de luz agindo como transmissor de informação, as condições e as imagens que prevalecem no sistema nervoso do observador que é, em parte, determinada pela própria experiência visual (GOMES, 2009, p. 41).
Especificamente neste desfile, por meio da descrição realizada na cobertura
do site é possível estabelecer os pontos principais da coleção fortalecidos pelo
discurso, como “clima de monastério”, “capuzes dos monges”, “rendas das mantilhas
das beatas”, “saias batinas”. O discurso da jornalista apresenta significações que
tornam perceptível o descontentamento da jornalista com a coleção, manifestada por
meio de trechos como “aqui e ali um alívio”, “não ajudavam a levantar o astral” e
também com o fechamento da matéria, que compara os trabalhos anteriores do
estilista ao desfile. Embora o estilista seja classificado pelas análises de Kalil como
“ousado” e nada convencional, vê-se a quebra de expectativa na última frase do
texto, “sem a entrada final surpreendente e arrebatadora com que ele nos habituou”.
O quarto parágrafo é a análise pessoal da jornalista Glória Kalil para o desfile
apresentado. Os sites, com sua estrutura, permitem a formação de um veiculo em
que o jornalista pode desenvolver um material de acordo com sua opinião e não se
preocupa em não fornecer um julgamento de valor sobre o que discorre. Por ser um
texto opinativo e feito por uma jornalista experiente, dispensa os entrevistados, é
pessoal e baseado no fato de Kalil ser, além de profissional da área, uma fonte no
assunto. No texto, é feito um panorama descritivo seguido de uma análise pessoal e
crítica. Ao final, informações que prestam serviços aos leitores, com informações
sobre o endereço do website da marca, pontos de venda no Brasil, suas lojas
próprias, franquias e multimarcas, bem como a atuação da marca no exterior.
Em todo o texto, a importância de elementos da descrição é evidente. Situam
o leitor ao clima fornecido pelo desfile, transmitem informações acerca dos materiais
usados e das intenções do estilista no uso de determinadas referências de moda ou
73
das inspirações temáticas extraídas de outras áreas. A análise crítica da jornalista à
frente do site Chic é realizada de forma clara e concisa. A cobertura busca
referências das tendências do momento e busca nos outros desfiles fatores que
reforcem as expectativas do desfile. Grande parte das formações discursivas do
texto remete a estilos de vida, muitas vezes impostos pela mídia tradicional, que
induzem o imaginário dos indivíduos ao consumismo.
5.3.1.2 Análise da cobertura imagética do inverno 2011 de Herchcovitch
Descrito por Glória Kalil como uma coleção “sombria e lúgubre”, as fotos do
desfile refletem os conceitos relativos à análise discursiva realizada pelo site.
Fatores enfatizam a intencionalidade de transmitir estas sensações no desfile, como
a ausência de contraste na passarela com os tons escuros da coleção de Inverno de
Alexandre Herchcovitch e da passarela, tornando a coerente a cobertura descritiva
do site e o que se viu na passarela. A predominância dos tons invernais, com o
preto, cinza e marrom sinaliza para a opção por cores já identificadas com a
estação. Combinada com as cores mais utilizadas no inverno, há a inserção de uma
cor inusitada, como o verde-limão, que traz mais luminosidade ao desfile, tão sóbrio.
A cor, que ilumina sem transmitir calor, incide luz na cor preta, dando o efeito visual
de luz (figura 6).
Como observado por Kalil, há na coleção a utilização de tecidos variados e
compatíveis à estação: cetim, o tweed, as lãs, rendas e os detalhes em couro. Em
contraposição aos tons sombrios, efeitos que fornecem luminosidade são adotados,
como a utilização das rendas, tecidos como o cetim, transparências e os materiais
envernizados (figura 4).
A principal tendência analisada por Kalil são as referências, em todo o desfile,
à temática religiosa. Como suscitou a jornalista em sua análise, o estilista buscou
suas referências nas vestes de beatas, monges e nos padres para desenvolver a
coleção, como é possível identificar na figura 3. Reatualizando o debate religioso no
mundo pós-moderno por meio de referências clássicas da religiosidade, o estilista
transporta a temática do espaço sagrado para o profano, por seu uso nas
representações artísticas, como é o caso da moda.
Em relação à beleza das modelos, verificou-se a utilização dos penteados
assimétricos, em que foram intercaladas as posições dos cabelos a cada peça
74
desfilada. Este recurso, em oposição à simetria, que pode transmitir a sensação de
algo enfadonho e estático, reflete uma preocupação que corrobora com o estilo
ousado de Alexandre Herchcovitch. A assimetria intencional promove, no dualismo
das conceituações, tanto a harmonia quanto a desarmonia do conjunto. Harmonia
por configurar-se como uma construção proposital e a desarmonia pelo desvio dos
padrões de simetria e ordem. Ao mesmo tempo, outros fatores promovem a
padronização ou tipificação do discurso imagético, como a presença de mulheres
brancas, de fisionomia séria e maquiagens semelhantes.
Figuras 5 e 6 – Fotos de número 1 e 10 da cobertura do site Chic do desfile de Inverno 2011
no São Paulo Fashion Week do estilista Alexandre Herchcovitch. Fonte: Site Chic
5.3.1.3 Análise da cobertura do verão 2012 de Herchcovitch
O verão de Alexandre Herchcovitch foi apresentado na semana de moda de
São Paulo em 14 de junho de 2011. Ao contrário do inverno deste mesmo ano, que
também faz parte do corpus desta pesquisa, o verão do estilista trouxe uma cartela
de cores muito romântica e feminina (figuras 7 e 8).
Utilizando a descrição dos materiais, formas e referências do estilista na
coleção, a cobertura do site mantém a adjetivação e descrição, identificadas na
cobertura do desfile do Inverno 2011 do mesmo estilista. Como já dito anteriormente,
75
a descrição tem papel fundamental no jornalismo de moda, como explicitado por
Barthes. “A descrição é, de uma maneira necessária e eficiente, fundada sobre a
manifestação das coerções institucionais que fazem com que este vestuário,
representado aqui, esteja na moda” (BARTHES, 1979, p. 17).
A novidade apresentada por Herchcovitch, parte desta desconstrução de da
linearidade das coleções anteriores, dá-se pelas novas propostas executadas pelo
estilista. Como percebido no trecho: “A coleção é tão bem comportada que até a
bonita lingerie era estampada de flores em tons pálidos”, demonstra o tom de
surpresa presente no discurso do site. Referências constantes à beleza dos tecidos,
“discreto brilho dos cetins” e “brocados delicados”.
Figuras 7 e 8 – Fotos de número 8 e 10 da cobertura do site Chic do desfile do Verão de
2012 no São Paulo Fashion Week do estilista Alexandre Herchcovitch. Fonte: Site Chic
A forma, cuja importância na moda assemelha-se à sua essencialidade na
arquitetura, foi assim definida por João Gomes Filho:
A forma pode ser definida como a figura ou a imagem visível do conteúdo. De um modo mais prático, ela nos informa sobre a natureza da aparência externa de alguma coisa. Tudo que se vê possui forma (GOMES, 2009, p. 39).
Presente por meio de formações discursivas com referência às formas bem
ajustadas, cinturas marcadas, saias mais retas ou com detalhes sutis, com formas
que se combinam ao estilo de vida apresentado na coleção e identificado na análise
76
crítica do Chic. Utiliza da sinestesia na expressão “cetins macios”. A figura de
linguagem, que interliga impressões sensoriais distintas, tem o objetivo de enfatizar
a percepção visual causada pelos tecidos usados.
As formações discursivas presentes no texto remetem ao imaginário
romântico feminino, relacionando o romantismo presente na coleção ao casamento
do príncipe inglês, William e a plebéia Catherine Middleton, realizado em abril com
grande repercussão mundial. Agrega em seu discurso a possibilidade de ascensão,
exemplificada pela agora duquesa de Cambridge, que, mesmo sem ter nascido na
família real, se transformou em parte integrante da nobreza. Demonstra um ideário
permeado por desejos e ideais refletidos nas tendências da alta sociedade, com um
discurso elitizado, evidenciado pelo uso de expressões como “princesas modernas”,
e “casamentos em gramados reais”. O romantismo, presente em expressões que se
ligam à temática da mulher, como “cartela de cores clarinha e feminina”, “laços na
cintura” e “ladies”. A moda, despertando no indivíduo a possibilidade de se
transformar, promove o desejo de mudança e também da aproximação ao que
idealmente deseja ser.
Mas o romantismo não é a única tendência apresentada. Peculiar a
Herchcovitch, as transgressões e surpresas, que quebram a linearidade e, por
vezes, o caráter estático dos desfiles, também mostram-se na coleção, efetivada
pelo uso de cores fortes e incomuns à cartela apresent5ada. (figura 10). No entanto,
sua característica chave, o toque punk e rocker das peças quase não foram vistos
nessa coleção, como consta na cobertura do Chic. “O Alexandre da lingerie fetiche e
hardcore, das caveiras e do preto punk está de folga” (ANEXO B).
Ao contrário do desfile de inverno de Alexandre Herchcovitch, que, de acordo
com a cobertura do Chic, apresentou a descontinuidade da ousadia, sempre
presente nas propostas do estilista, o desfile do verão 2012 mostrou, segundo o
texto, a versatilidade estilística de suas criações. Algumas passagens do texto
deixam explícita essa posição do site: “coleção é tão bem comportada”, “mais uma
vez, o estilista surpreende”, e “prisma novo das suas possibilidades de criador”.
Demonstram, também, à diferença do desfile anterior, uma satisfação com o
desempenho de Herchcovitch nesta coleção.
A cobertura realizada pelo site Chic do desfile da coleção de verão do estilista
é a única que não leva a assinatura de Glória Kalil. É também a única que deixa de
77
constar, ao final do texto, com a área destinada ao jornalismo de serviço, com
informações pertinentes à marca e ao estilista.
5.3.1.4 Análise da cobertura imagética do verão 2012 de Herchcovitch
A construção do discurso do site Chic, realizada por meio da experiência
visual dos desfiles da semana de moda paulista, efetiva o julgamento do site em
relação à quebra de paradigma do estilista em relação ao desfile anterior. Se, no
primeiro, o uso do preto aparece, sem exceções, em todas as peças da coleção, no
verão de 2012 há apenas uma peça que utiliza o tom, na peça que fecha o desfile de
Herchcovitch. No entanto, ainda podem ser notadas as variações do estilista, que
ora se apropria de elementos extremamente românticos, ora insere suas
proposições mais corajosas, como nas variações nas formas e na cartela de cores
(figura 10). Utilizando o vermelho vivo, que situa-se excluído dos tons predominantes
do desfile, que variam entre os pastéis acetinados e delicados, com rosês, azuis,
amarelos e a cor creme, não deixa de lado sua marca própria que, apesar da
ausência de preto, pode ser encontrada no vermelho, seu toque de ousadia. No
entanto, mesmo com sinais sutis das particularidades do estilista, ele as insere em
propostas ainda muito comportadas e de acordo com a temática da estação e do
tema.
Em conformidade com as afirmações do texto do Chic, a coleção mostra-se
bem comportada e versátil no que concerne as possibilidades criativas do estilista.
No desfile, são utilizados elementos que se associam ao universo descrito pela
cobertura do site, muito romântico, como tecidos fluidos, a predominância do
romantismo das estampas florais e cores mais leves se comparadas aos padrões de
Alexandre Herchcovitch.
Existem, ao mesmo tempo, referências ao padrão aristocrático, com
comprimentos nos joelhos, decotes sérios e modelagens clássicas. Os sapatos,
elementos que chamam a atenção no conjunto apresentado pelo estilista, nesta
coleção estão em conformidade com as referências principais do que foi mostrado
na passarela: a presença do scarpin de bico redondo, uma tendência da moda atual,
mas que reflete o estilo clássico e mais comportado da coleção. Estas modelagens e
novos formatos explorados pelo estilista também se alinham à referência explicitada
no texto do Chic do universo aristocrático e baseado na realeza, com estilo ladylike,
78
os chapéus (figura 9), marca registrada dos membros da família real em eventos
oficiais e os corpetes (figura 8).
Figuras 9 e 10 – Fotos de número 31 e 17 da cobertura do site Chic do desfile do Verão de
2012 no São Paulo Fashion Week do estilista Alexandre Herchcovitch. Fonte: Site Chic
Novamente, a falta de contraste entre a passarela e os tons utilizados na
coleção está evidente, como se pode perceber nas figuras 5 e 6. Como no desfile
anterior, os cetins ocupam um lugar de destaque na iluminação do desfile. (figuras 7,
8 e 9).
O emprego de modelagens mais frescas, mangas curtas e tecidos fluidos
salienta a conformidade da coleção com o verão brasileiro, em que mesmo as calças
(figura 8) aparecem com tecidos, caimento e comprimento adequados para a
estação mais quente do ano.
5.3.2 GLÓRIA COELHO
Há 30 anos como um dos principais nomes do prêt-à-porter brasileiro com a
marca que leva o seu nome, Glória Coelho é uma renomada estilista brasileira. Está
presente desde o início do São Paulo Fashion Week, desfilando com a sua coleção
“Noivas” e faz parte do calendário oficial do evento, juntamente com os dois estilistas
79
que complementam esta análise, Alexandre Herchcovitch e Reinaldo Lourenço. Com
lojas no Brasil, Glória Coelho exporta para países da Europa, América do Norte e
Ásia.
5.3.2.1 Análise da cobertura do inverno 2011 de Glória Coelho
Como observado na análise do desfile de inverno de Alexandre Herchcovitch,
as coberturas do site Chic nos desfiles de inverno principia por um retrospecto do
que foi apresentado na coleção anterior. Nesta descrição, não constam
comparativos entre a coleção passada e a atual, é feito apenas um resumo das
referências e novidades propostas pela estilista.
No retrospecto feito por Glória Kalil, ela fala não somente da última coleção,
mas refere-se aos três últimos desfiles de Glória Coelho, em que a estilista
empregou as mesmas referências arquitetônicas. Há a presença de termos técnicos
da área da arquitetura, como “platibanda”, que designa uma faixa horizontal, de
muro ou grade, que contorna a parte superior de um edifício e serve para esconder o
telhado. Retrata as repetições da estilista no tema, mas evidencia as tentativas
constantes de agregar novos conceitos e estilos às referências das coleções
passadas: “sempre tentando dar a elas novas torcidas e funções”.
No segundo parágrafo, com o início da análise do site do inverno de Glória
Coelho, Kalil apoia-se em outra figura de linguagem, a metáfora, para justificar as
repetições na temática da arquitetura, um investimento da estilista nas últimas
coleções. Em sua crítica, compara, ora negativa, ora positivamente, a ousadia de
Glória ao investir repetidamente em um mesmo estilo. Por meio de expressões como
“ousadia”, “tempo que for necessário”, há no discurso uma análise positiva e, com
expressões como “obsessão”, “até vencer a banca” e “exaurir o assunto”, demonstra
de forma parcialmente negativa sua opinião sobre as escolhas da estilista. No
entanto, Glória Kalil divide-se entre o reconhecimento da coragem de Glória Coelho
e a insatisfação ao ver o tema ser explorado de forma extenuante até a última
coleção. Metaforicamente, compara Glória Coelho aos grandes jogadores dos
cassinos, que não tem medo de apostar tudo em apenas uma jogada.
Até o terceiro parágrafo, a jornalista continua desconstruindo as variações do
mesmo tema feitas nas coleções passadas. Apenas no quarto parágrafo há a
análise crítica efetiva apresentada por Kalil da presente coleção. Finalizadas as
80
referências da arquitetura modernista, Glória Coelho passa a explorar as figuras
robóticas e dos games em suas peças, mas ainda acompanhadas de outros artifícios
referenciais variados, como ideias do MotoCross, dos anos 1960 e os figurinos
geométricos e algumas alusões às suas criações preferidas. (figuras 11 e 12).
Glória Kalil realiza, como visto nas outras coberturas, a descrição das
modelagens, tecidos e formas empregadas na construção da coleção. Com a
descrição dos materiais usados pela estilista, é possível identificar o público-alvo de
sua marca. Tecidos muito sofisticados e caros, como o astracan, veludo, tafetá e o
couro refletem, de antemão, o posicionamento da marca no mercado. Além dos
tecidos, outros elementos que imprimem às peças ainda mais sofisticação, como as
pedras de cristal Swarovski, podem ser vistos nas peças finais do desfile (figura 12).
Figuras 11 e 12 – Fotos de número 4 e 34 da cobertura do site Chic do desfile do Inverno
2011 no São Paulo Fashion Week da estilista Glória Coelho. Fonte: Site Chic
Quanto à linguagem, há a utilização de termos em inglês, como “jumpers” (ou
macacão), que poderia facilmente ser substituído por seu correlato na língua
portuguesa. O uso de estrangeirismos no jornalismo de moda é recorrente por
existirem diversos termos em que a tradução não reflete realmente a definição da
peça, o que não ocorre neste caso. Pode-se ver também a presença de termos
técnicos da moda, usados com sutileza, como é o caso do último parágrafo, em que
81
se identifica a presença da palavra “debruns”, um tipo de acabamento das peças. As
informações técnicas sobre as lojas do estilista no país, website e outros ainda se
fazem presentes ao final do texto, agregando o jornalismo de serviço a mais uma
função do jornalismo especializado em moda.
Por meio de expressões como “bela coleção” e “inverno ainda mais brilhante”,
Gloria Kalil deixa clara a sua opinião sobre o desfile, opinião esta que pode ser
notada nos textos da cobertura do site Chic pela estrutura conferida ao site, que tem
em sua equipe profissionais com propriedade para opinar sobre o assunto.
5.3.2.2 Análise da cobertura imagética do inverno 2011 de Glória Coelho
Mais do que nunca, as formas geométricas e as referências da arte habitam o
cenário temático criado por Glória Coelho. Esta temática encontra-se nas peças de
modelagens e formas retas, explorando o conceito robótico da coleção. Nas golas
altas, nos debruns analisados por Glória Kalil, em que a estilista explora a relação,
em um tema cada vez mais atual, entre os homens e as máquinas. (figura 13).
Figuras 13 e 14 – Fotos de número 2 e 15 da cobertura do site Chic do desfile do Inverno
2011 no São Paulo Fashion Week da estilista Glória Coelho. Fonte: Site Chic.
82
As conceituações dos anos 1960, com suas linhas e formas geométricas, são
exploradas nas formas, detalhes e modelagens, podendo ser identificadas nos
recortes, debruns, detalhes, nas saias evasês, barras das calças e nas peças
estruturadas (figuras 13 e 14). As linhas, de acordo com Gomes (2009), podem
qualificar partidos construtivos arquitetônicos, uma referência reiterada no site Chic e
também percebida no desfile de Glória Coelho.
Reforçando a estética robótica tão visível, os cabelos das modelos, com
penteados iguais, presos de forma simétrica, dão mais significado ao referencial
temático, refletindo a ordem e a pasteurização dos corpos com a simetria. A
expressão fixa das modelos também reflete esta padronização, apesar de, no geral,
apresentarem-se modelos morenas, negras e loiras. Na maquiagem dos olhos
também intensifica a identidade robótica que permeia os referenciais teóricos da
coleção.
Com uma coleção com uma cartela de cores em que predominam os tons em
preto e nude, o cenário atua de forma distinta a cada peça que entra na passarela.
Com peças na cor preta, há a presença do contraste entre o fundo e a roupa, como
é possível identificar na figura 11. Sua importância dá-se pela técnica do contraste
ser considerada, segundo Gomes, o artifício mais importante para o controle visual
de uma mensagem bi ou tridimensional. “É o que torna visível as estratégias da
composição visual” (GOMES, 2009, p. 62).
Em outros momentos do desfile, como na figura 14, a composição realizada
pela peça e o cenário da passarela refletem o contrário: a ausência do contraste. No
entanto, a ausência de disparidades de cores entre a passarela e a peça dá a
impressão visual de continuidade, não havendo quebras nem interrupções em sua
fluidez visual.
Significa também a tendência dos elementos de acompanharem uns aos outros, de maneira tal que permitam a continuidade de um movimento para uma direção já estabelecida por meio de unidades formais como pontos, linhas, planos, volumes, cores, texturas, brilhos, degradês e outros (GOMES, 2009, p. 33).
5.3.2.3 Análise da cobertura do verão 2012 de Glória Coelho
Nas análises dos desfiles de Verão do site Chic não consta a característica
encontrada nas análises do inverno: o retrospecto da coleção passada. No entanto,
é possível identificar uma referência ao passado artístico da estilista com o trecho
83
“acabou a fase da arquitetura”. Nesta primeira construção do texto, percebe-se uma
reiteração da exaustão ao tema da arquitetura, abordado por Glória Coelho nas
últimas três coleções.
A análise do verão 2012 da estilista é conceituada já no início da cobertura,
em que é identificada a temática principal da estilista: o uso do couro, explicitada na
expressão “começa um mergulho no couro”. Em seguida, Glória Kalil inicia uma série
de questionamentos que justifica sendo as prováveis perguntas realizadas pela
estilista Glória Coelho ao pensar na coleção de verão. Questões que se relacionam
com o material escolhido pela estilista, como realizar as variações e como explorá-lo
de forma inusitada e ao estilo de Coelho. Ao final do primeiro parágrafo, Glória Kalil
diz ser o resultado destas perguntas o que foi visto na passarela, sem realizar, ao
menos neste momento, juízos de valor acerca do que foi visto da coleção.
O segundo parágrafo é a complementação dos apontamentos feitos no início
do texto, em que analisa como Glória Coelho realizou a coleção a partir dos
parâmetros pontuados pelo site em sua crítica. Realiza, como percebido até o
momento em todas as análises do site, uma descrição do que foi apresentado na
coleção, com materiais, modelagens e formas explorados, como nos trechos
“recortes figurativos”, “tops e túnicas”, “calças justíssimas e abertas em pequeno
flare”. Quanto aos materiais, o uso do couro, já utilizado no inverno, misturado a
outros tecidos, aparece agora como protagonista (figura 13). Há, no entanto, uma
nova proposta quanto à mescla de materiais: se no inverno, a sofisticação era aporte
principal de Glória, no verão esta preocupação não está tão latente. A estilista usa
materiais nobres, como o couro, a seda e os cristais com tecidos pouco nobres,
como a malha e os materiais envernizados.
A adjetivação, uma característica preponderante no site, também está
presente no texto, por meio de expressões que configuram as formas e as cores:
“justíssimas”, “abertas”, “estampado”, “largas”, “coloridas”, e outros, com o objetivo
de situar o leitor ao desfile mesmo sem as imagens. Como visto no desfile anterior,
há o uso do estrangeirismo, com as palavras “top” e “flare”. De acordo com Gois
(2008), a presença de estrangeirismos constantes na língua portuguesa revela uma
absorção da cultura de outros países, principalmente a norte-americana, que está
em consórcio com o desejo de estruturação de um padrão de vida metafórico,
baseado nestas outras culturas.
84
Considerando que a escolha do vocabulário na construção de um discurso depende de fatores subjetivos, ressalta-se a importância que o emissor atribui ao emprego de vocábulos de outra língua. Distinguem-se claramente a necessidade de emprego de estrangeirismos e a opção pelo uso como forma intencional de estruturar um discurso (GOIS, 2008, p. 2)
O que se pode perceber no discurso do site Chic é a adoção do que Gois
(2008) chama de “mutações e hibridismos” (p. 7), quando as expressões em língua
estrangeira aparecem agregadas a palavras na língua portuguesa.
É perceptível que o emprego dos estrangeirismos não tenha ocorrido por
necessidade, na maioria dos casos em que foi utilizado no site Chic, e sim por
escolhas do redator. Para Gois (2008), o emprego de expressões em língua
estrangeira é usado para transmitir mais sofisticação no discurso. Segundo ele, é
importante ressaltar a presença de estrangeirismos em todas as camadas sociais e
veículos de comunicação, não sendo seu uso exclusivo de determinados
segmentos. “Esse processo natural, intrinsecamente aliado ao processo de
globalização, permite maior aproximação entre as culturas, numa total hegemonia da
língua inglesa” (GOIS, 2008, p. 9).
Figuras 15 e 16 – Fotos de número 9 e 27 da cobertura do site Chic do desfile do Verão de
2012 no São Paulo Fashion Week da estilista Glória Coelho. Fonte: Site Chic
À semelhança do que foi utilizado na análise do verão de Herchcovitch, há a
presença da sinestesia na adjetivação dos materiais envernizados como “tão lisos e
85
geladinhos”. Tais artifícios da linguagem aguçam o imaginário dos leitores, tornando
a descrição leal ao que foi visto durante o desfile (figura 16).
Ao final do texto, como identificado nas análises posteriores, há, com exceção
do verão de Alexandre Herchcovitch, uma seção destinada a informações ao leitor,
com um pequeno espaço para o jornalismo de serviço atrelado à moda.
É somente na última linha que se verifica um julgamento critico e pessoal da
jornalista. “Uma nova fase para a marca, com algumas ótimas ideias e pistas a
serem retomadas”, que demonstra ter apreciado a coleção e o modo como a
temática foi explorada.
Como questionamento final, desta vez realizado pela análise que aqui está
construída, será feita a verificação se Glória Coelho realmente conseguiu trabalhar
com o couro de maneira propícia ao verão brasileiro, como destacado pela jornalista
Glória Kalil.
5.3.2.4 Análise da cobertura imagética do verão 2012 de Glória Coelho
O couro, temática principal da coleção verão 2012 da estilista Glória Coelho, é
identificado como um material invernal, devido às suas utilizações em casacos,
jaquetas e outras peças da estação. Conforme análise da jornalista Glória Kalil, um
dos desafios da estilista era adaptar o material ao verão brasileiro.
Embora a coleção conte com muito da cor preta, é mesclando-a com outros
tons coloridos ou mais sutis (figura 17), como o nude, que Glória Coelho consegue
destoar da referência invernal, em que a mistura de couro com a cor preta torna-se
uma dupla muito vista na estação.
Para fornecer frescor e mais leveza aos materiais e cores, a coleção conta
com muitos recortes, detalhes de pele à mostra (figura 18) e comprimentos acima
dos joelhos. Quando acompanhadas de calças, partes superiores aparecem com
mangas cavadas (figura 15). Em alguns momentos, os vestidos curtos são
acompanhados de mangas três quartos, embora as mangas cavadas apareçam em
cerca de oitenta por cento da coleção.
Resgata, em pequenos detalhes, as formas geométricas (figuras 17 e 18), por
meio de modelagens retas, os triângulos e minúcias da temática dos anos 1960,
bem como o classicismo das modelagens, tão presentes nesta temática. A simetria
86
dos penteados, vista no desfile de inverno de Glória Coelho, aparece também no
verão com cabelos soltos e muito lisos.
Figuras 17 e 18 – Fotos de número 2 e 34 da cobertura do site Chic do desfile do Verão de
2012 no São Paulo Fashion Week da estilista Glória Coelho. Fonte: Site Chic
5.3.3 REINALDO LOURENÇO
O estilista Reinaldo Lourenço também faz parte do grupo de estilistas que
está desde o início do São Paulo Fashion Week, em 1996. Com peças de estilo
delicado, repleto de referências à arte, às viagens e aos movimentos sociais, é
conhecido como o “poeta” da moda brasileira. O estilista, que lançou sua marca
própria em 1984, em São Paulo, também vende suas roupas para lojas dos Estados
Unidos, Japão, França e outros.
Sua presença na presente análise é justificada por Reinaldo Lourenço ser um
dos grandes nomes da moda nacional, ser destaque internacionalmente e, como já
assinalamos, por sua marca desfilar no SPFW desde a primeira edição do evento.
5.3.3.1 Análise da cobertura do inverno 2011 de Reinaldo Lourenço
87
Sem fugir do padrão das coberturas de inverno, a análise de Glória Kalil sobre
o desfile de Reinaldo Lourenço começa com o retrospecto da coleção passada e das
abordagens à temática. O verão de 2011 do estilista buscou referências em outros
locais, uma prática muito comum na moda e retirou suas inspirações no universo
automobilístico dos anos 1960. Para tal, Glória faz um paralelo das criações do
estilista com a temática, utilizando termos como “radiadores” e “chassis”.
Descreve como o estilista inseriu tais referências temática nas peças, além de
abordar a cartela de cores, com tons próprios do verão, como as cores o branco, o
coral, o laranja, o rosa claro com uma cor unânime nos desfiles vistos até agora: o
preto.
Figuras 19 e 20 – Fotos de número 2 e 10 da cobertura do site Chic do desfile do Inverno
2011 no São Paulo Fashion Week do estilista Reinaldo Lourenço. Fonte: Site Chic
Já no início da análise do inverno 2011, Glória Kalil emite suas impressões
críticas e pessoais acerca do desfile, como no trecho: “Reinaldo Lourenço que
merece também uma homenagem pela maestria, rigor e beleza de seu trabalho”. A
opinião positiva da jornalista é enfática com diversas expressões, percebidas ao
longo do texto, como “formas sóbrias, mas muito sensuais e sofisticadas”, “quanto
bastou para abrir o apetite”, “transparências bem colocadas e elegantes”, “entrada
de alto nível”, “banquete de moda”. Descritivo e adjetivado, o texto busca refletir na
88
linguagem as impressões sensoriais que causou. Discorre sobre a temática
escolhida pelo estilista, que homenageou a alta-costura, com referências ao uso das
estampas e à predominância do preto e branco (figuras 17 e 18).
Muito presente nas coleções analisadas, as releituras das modelagens e
peças vistas em décadas anteriores, como as estolas (figura 19), que foram
atualizadas por Reinaldo Lourenço nesta coleção.
No penúltimo parágrafo, Glória Kalil continua tecendo elogios à coleção. Por
meio de uma metáfora, classifica uma parte do desfile como a “cereja do bolo deste
banquete de moda”. Definindo as criações de Reinaldo Lourenço com as peças
bordadas em pérolas, negras ou brancas (figura 22), que dá a impressão de um
tecido poá, Glória Kalil vale-se de mais uma figura de palavras, a antítese. Na
expressão “simples e suntuoso”, mostra as possibilidades das peças do estilista em
variar seu estilo, com peças que refletem diferentes estilos.
Finaliza a narrativa emitindo sua opinião sobre o desfile, que, embora já tenha
sido colocada ao longo de todo o texto, agora é reforçada pelos pontos de vista dos
espectadores do desfile. “Uma coleção primorosa que, pelos comentários ouvidos na
saída, foi unanimidade de crítica”, pontuou a jornalista ao final de sua análise. Há,
como nos cinco dos seis textos analisados pelo presente trabalho, a presença da
área destinada ao jornalismo de serviço.
5.3.3.2 Análise da cobertura imagética do inverno 2011 de Reinaldo Lourenço
Em sua coleção, fazendo uma homenagem à alta-costura, Reinaldo Lourenço
utiliza tecidos, modelagens e formas sofisticadas e referências ao tema desenvolvido
na coleção.
Traz, em sua inspiração, os trajes mais nobres, como os smokings, os
vestidos sociais, conhecidos como “cocktail dresses”(ou, como citado por Glória
Kalil, os vestidos de coquetel), as estolas e os comprimentos mais sofisticados, na
altura da canela. Ainda da alta-costura, cores clássicas, como o predominante preto
e o branco. A estampa de bocas, que aparece em quatro peças, no início do desfile,
são os toques de cor presentes nesta coleção, que vale-se da temática sofisticada e
abusa do preto e branco, uma das combinações mais clássicas da moda.
89
No inverno 2011 de Reinaldo Lourenço, alguns fatores observados nos
desfiles analisados por este trabalho não foram encontrados na passarela. Assim
como nos desfiles de Glória Coelho, há a simetria dos penteados utilizados pelas
modelos, mas a maquiagem não segue um padrão igual para todas. Como é
possível enxergar nas figuras 21 e 22, os batons utilizados não seguem um padrão
de coerência, que, de acordo com Gomes (2009), confere equilíbrio e harmonia ao
que foi exibido. A maquiagem usada pela modelo da figura 19 não é encontrado na
modelo da figura 20. Existem ainda no desfile, modelos com maquiagens mais
pesadas, vide figura 21, e muito sutis, como na figura 22.
Figuras 21 e 22 – Fotos de número 22 e 18 da cobertura do site Chic do desfile do Inverno
2011 no São Paulo Fashion Week do estilista Reinaldo Lourenço. Fonte: Site Chic
5.3.3.3 Análise da cobertura do verão 2012 de Reinaldo Lourenço
Assim como o desfile de inverno de Reinaldo Lourenço foi muito elogiado por
Glória Kalil, como foi constatado na análise realizada no último tópico deste trabalho,
o desfile de verão, segundo a jornalista, não deixou nada a desejar E isto pode ser
percebido logo nas primeiras palavras de sua cobertura. “Mais do que uma
revolução, o desfile de verão de Reinaldo Lourenço foi uma evolução” é o trecho que
abre a análise crítica da jornalista no site Chic. Nesta primeira linha do texto, utiliza
90
também a figura estilística paranomásia, também conhecida como trocadilho, em
que brinca com as expressões revolução/evolução. Cria um efeito inesperado, muito
utilizado no humor e na publicidade.
Comum na moda, o resgate de outras tendências abordadas na coleção
anterior também é analisado por Glória, em “alguma ideias começadas no inverno”,
como as linhas paralelas, já utilizadas nos detalhes das mangas na coleção de
inverno 2011 do estilista (figuras 20 e 24). As formas ganham destaque especial na
cobertura do site Chic: referências constantes aos mosaicos, losangos, listras,
linhas, recortes (figura 23). As modelagens também não foram esquecidas já que,
juntamente com toda a sofisticação das formas, cores e tecidos explorados por
Reinaldo Lourenço, fizeram parte deste todo tão “perfeito”, segundo Glória Kalil. Os
vestidos ajustados, corsets, corpetes e o que a jornalista chama de “estrutura do
corpo”, um conceito muito trabalhado pelo estilista.
Pela primeira vez, a visão de Glória Kalil volta-se aos acessórios:
complementando a suntuosidade do desfile, lembra das bolsas, também um dos
únicos desfiles em que os acessórios aparecem, além dos sapatos. Bolsas que
interligam-se com o conceito da coleção e possuem o formato de gemas de
diamantes (figura 23).
Figuras 23 e 24 – Fotos de número 25 e 26 da cobertura do site Chic do desfile do Verão de
2012 no São Paulo Fashion Week do estilista Reinaldo Lourenço. Fonte: Site Chic
91
Com uma análise inicialmente pessoal e, posteriormente descritiva, no
primeiro parágrafo a adjetivação, muito utilizada por Glória Kalil e também no
jornalismo de moda como um todo, reforça a tendência elogiosa da jornalista, que
começou nas primeiras linhas do texto. Adjetivos como “lindos”, “perfeitos”, “rico”,
“brilhantes”, “luxuoso” e outros, reforçam, além do julgamento pessoal da jornalista
Glória Kalil, a demarcação de público que a coleção pretende atingir. Outro recurso
estilístico que é responsável, com seu emprego, em distinguir seu público são os
materiais utilizados: na coleção, de acordo com Kalil, foram utilizados na coleção o
couro, gaze e tule, alguns deles que enobrecem a coleção e, por consequência,
encarecem-na.
O parecer da jornalista aponta para uma coleção voltada à elite. Referências
constantes a roupas de festa, diamantes, brilhos e suntuosidade, o a cobertura de
Kalil mostra que não foi concebido para um público com baixo poder aquisitivo. Além
disso, expressões, marcadas no fim do texto, como “exclusividade” e “que cobram
mais caro por isso”, não deixam dúvidas de uma coleção sofisticada e destinadas a
uma minoria. No primeiro capítulo deste trabalho, foi abordado o caráter distintivo,
além de outros fatores, que marcou o surgimento e efetivação da moda como
sistema. Se para Lipovetsky (1989), a principal função da moda não foi marcar
diferenças entre classes sociais e sim promover a individualização das pessoas,
Bourdieu (2007), acredita no caráter da moda em, além identificar posições sociais,
também consolidar as posições já exercidas e ocupadas pelos indivíduos.
5.3.3.4 Análise das cobertura imagética do verão 2012 de Reinaldo Lourenço
Se na coleção de inverno 2011 de Reinaldo Lourenço predominava o preto e
branco, no verão, o preto divide as atenções com a cor rosa, de acordo com a
análise de Glória Kalil e as fotografias do desfile, que fazem parte da cobertura do
site Chic. Percebe-se também a presença do branco acetinado, do azul Klein (figura
26) e de quatro peças com estampas florais, que fogem do contexto desfilado, mas
que enquadram-se na estação.
Destoando das peculiaridades do verão brasileiro, que é muito quente, o
desfile apresentou muitas calças e algumas propostas mais outonais ou invernais,
como o perfecto. O que confere o frescor aos modelos são os tecidos mais leves e,
pontuais, cores também com esta característica visual. Porém, a mistura do couro,
92
do brilho dos tecidos, da cor preta e das modelagens para o frio, que aparecem com
frequência, o desfile não parece destinado especificamente para a estação
brasileira. Apenas os vestidos longos, que aparecem com alças mais suaves e
transparências.
No desfile, o couro também aparece em uma modelagem muito comum no
inverno: a modelagem perfecto, muito utilizada nas jaquetas de couro dos
motoqueiros. À diferença do modelo utilizado no inverno, o perfecto está presente no
verão de Reinaldo Lourenço com as mangas curtas e, quando aparece com mangas
compridas, associa-se ao nude ou rosê, duas cores muito utilizadas na coleção.
Figuras 25 e 26 – Fotos de número 21 e 22 da cobertura do site Chic do desfile do Verão de
2012 no São Paulo Fashion Week do estilista Reinaldo Lourenço. Fonte: Site Chic
A simetria dos cabelos, todos presos e muito arrumados, assim como no
inverno de Reinaldo Lourenço, transmitem a ordem, uma qualidade também muito
ligada ao luxo e sofisticação, que colaboram com todo o clima do desfile. Percebe-
se, além disso, a intenção de alternar o preto com as cores mais claras ou
estampas, para tornar o desfile mais dinâmico e menos estático. Se, em todos os
desfiles analisados, os cenários variavam entre o claro e o escuro, mas sempre lisos
e sem detalhes, no verão de Reinaldo Lourenço o tom de rosa muito iluminado se
destaca, sem ocultar as peças.
93
5.4 ANÁLISE COMPARATIVA DAS COBERTURAS ANALISADAS
Com a análise individual dos seis desfiles que compõem o corpus deste
trabalho, foram identificadas semelhanças e diferenças entre os desfiles de verão e
inverno de Alexandre Herchcovitch, Glória Coelho e Reinaldo Lourenço.
Como fator quase indissociável da moda, tem-se em todos os desfiles as
referências ao passado. Às coleções anteriores, a décadas marcantes no vestuário,
às temáticas da arquitetura, design e às formas, que podem ser exploradas de
diferentes maneiras. Foi o que se constatou nos seis desfiles analisados pelo
trabalho: ao modo de cada estilista, foram apresentadas releituras de tendências já
apresentadas em algum momento. No inverno de Herchcovitch, a temática da
religiosidade e suas referências de moda serviram de inspiração para as peças do
estilista.
No verão, o estilista valeu-se de alusões ao universo monárquico inglês atual,
mas retirando influências do que Glória Kalil conceitua como “ladies dos anos 40, 50
e 60”. Já Glória Coelho resgata referências de diferentes épocas em sua coleção de
inverno: das figuras robóticas, que insinuam uma referência dualista: ao futuro e ao
passado, dos games dos anos 1990 e também da década de 1960. No verão,
recorre a uma temática inspirada em um material que já brilhou nas passarelas em
diversas épocas, o couro. Reinaldo Lourenço aplica em sua coleção de inverno a
metalinguagem, criando peças inspiradas na alta-costura e, no verão, recorre ao
luxo e suntuosidade de trajes de gala.
As semanas de moda desfilam em seus eventos coleções de estilistas
renomados, com marcas destinadas a uma elite. E o apelo sofisticado das
modelagens e, principalmente, dos materiais utilizados, refletem esse desejo de
distinguir as criações e segregar o público que veste as marcas. É o que se pode
encontrar nas rendas, pérolas, tweed, cetins e sedas das coleções analisadas de
Herchcovitch. Identificada nos luxuosos tecidos empregados por Glória Coelho,
como os tafetás, o astracan e o veludo no inverno e, no verão, com o couro e a
seda. Nos desfiles de Reinaldo Lourenço, por sua vez, as referências à sofisticação
são ainda mais claras: os bordados de pérolas, as transparências, o tule e também o
couro.
Em todos os desfiles, percebeu-se o tom sóbrio das coleções, com estampas
localizadas, quase inexistentes, e a predominância do preto, que aparece,
94
invariavelmente, nas seis coleções analisadas. Padronização dos cabelos, que
apareceram iguais nas modelos de cada desfile, à exceção do inverno de
Herchcovitch, que traz os penteados assimétricos. Em todos os desfiles, puderam
ser vistas modelos brancas, de cabelos loiros ou negros. No entanto, apenas no
desfile de inverno do estilista Reinaldo Lourenço, desfilam modelos negras.
Nos seis textos que fazem parte da cobertura de cada desfile das edições 30
e 31 do São Paulo Fashion Week, a jornalista Glória Kalil, à frente do site Chic,
utiliza efeitos próprios do jornalismo de moda para sua análise crítica e pessoal.
Técnicas como a adjetivação, que fornece ao leitor o clima e ambientação do desfile,
e da descrição, que possuem a mesma função da adjetivação, mas que fornecem
ainda mais informação de moda e referenciais no segmento ao leitor.
À exceção do verão de Herchcovitch, todos os textos são assinados por
Glória Kalil e constam com uma área com informações importantes do estilista, como
os pontos de venda no Brasil e no exterior, as lojas próprias e o site.
Por meio da análise do discurso das coberturas analisadas, foram percebidas
formações ideológicas que convergem a um discurso dominante e elitista, presente
em todos os textos. Desta forma, é retomado um questionamento realizado no
primeiro capítulo deste trabalho: se o conceito de moda é ditado por um estilo de
vida próprio dos indivíduos ou, por meio da comunicação, torna-se parte dos
artifícios da indústria do vestuário para tornar o efêmero uma necessidade aos
sujeitos?
Atentando às perguntas suscitadas pelo trabalho aqui presente, torna-se
necessário retomar também aspectos já abordados no primeiro capítulo. O sistema
da moda, que surgiu no início do século XV, foi responsável por organizar a moda a
partir de suas particularidades, entre elas, a constante evocação do novo e a
ausência de um caráter estático para a moda e seus desdobramentos. No entanto,
dois teóricos discordam em relação aos efeitos principais causados pelo efêmero na
vida em sociedade: de um lado, Lipovetsky e, de outro, Bourdieu. Enquanto Gilles
Lipovetsky entende a moda, acima de qualquer outra função, como a possibilidade
de individualização dos sujeitos, como “o agente supremo da dinâmica individualista
em suas diversas manifestações” (1989, p. 16), Pierre Bourdieu considera a moda
como um dos principais meios de distinção dos indivíduos. “A exemplo de todas as
propriedades de distinção, só existem na e pela relação, na e pela diferença”
(BOURDIEU, 2007, p. 212).
95
Duas funções que, em maior ou menor atuação, mostram-se presentes na
sistemática da moda. Os tecidos sofisticados, adornos e extravagâncias, foram muito
utilizados pela nobreza para promover a diferenciação dos demais indivíduos. Além
disso, mesmo que as outras classes sociais da época conseguissem reproduzir o
vestuário aristocrático, o uso de ornamentos e artifícios sofisticados era uma forma
de exprimir as diferenças sociais entre as classes. É o que Lipovetsky considera
como o paradoxo da moda: responsável por, de certa forma, transformar o vestuário,
de modo a torna-lo mais acessível aos sujeitos mas, também, deixando ainda mais
evidentes as diferenciações entre eles.
“De um lado, embaralhou as distinções estabelecidas e permitiu a aproximação e a confusão das qualidades. Mas do outro renovou, ainda que de uma outra maneira, a imemorial lógica da exibição ostentatória dos signos do poder, o esplendor dos símbolos da dominação e da alteridade social” (LIPOVETSKY, 1989, p. 42).
A mídia, responsável por difundir as informações interessantes ao segmento,
aliada ao suporte tecnológico recente da internet, acaba por produzir uma tendência
à pasteurização de gostos e opiniões, reforçada pelo caráter opinativo dos veículos
e, particularmente, ao site Chic, instrumento comunicacional aqui analisado. Recebe
como influência a produção industrial, que se relaciona com os gostos pessoais e
com as tendências de mercado, explicitadas por Bourdieu.
“Assim, os gostos efetivamente realizados dependem do estado do sistema dos bens oferecidos, de modo que toda mudança do sistema de bens acarreta uma mudança dos gostos; inversamente, qualquer mudança dos gostos resultante de uma transformação das condições de existência e das disposições correlatas é de natureza a determinar, quase diretamente, uma transformação do campo da produção (...)“ (BOURDIEU, 2007, p. 216).
Para o teórico, existe uma relação de dependência mútua entre o que é
produzido e a “necessidade” dos consumidores, impossibilitando o que chama de
“gosto soberano” controlar unicamente os consumidores e a indústria.
96
CONCLUSÃO
Este estudo teórico buscou identificar, por meio do aporte metodológico da
AD, como está estruturado o discurso e quais são as ideologias presentes no site
Chic. Para tanto, tais proposições foram desenvolvidas por meio da análise do site
como um todo e das coberturas das duas últimas edições do maior evento de moda
do Brasil, o São Paulo Fashion Week. Foram escolhidos, para compor esta análise,
os desfiles das edições de número 30 e 31, realizadas em janeiro e julho de 2011,
de três estilistas de grande importância nacional e de atuação internacional:
Alexandre Herchcovitch, Glória Coelho e Reinaldo Lourenço, que estiveram
presentes desde a primeira edição do evento, quando ainda era chamado Morumbi
Fashion Brasil.
Na primeira parte do trabalho, buscou-se fazer um retrospecto que abordou o
surgimento da moda como sistema na Europa, datado do século XV. As fases pelas
quais a indústria do vestuário atravessou nos cinco séculos em que se configurou
como uma indústria em crescimento constante até firmar-se no Brasil. Foi realizado,
ao longo do primeiro capítulo, um retrospecto histórico para entender qual a
importância do vestuário do longo dos séculos, em que adquiriu diversas
configurações, perpassando a necessidade de distinção até o caráter
individualizador que a moda carrega em sua estrutura até hoje.
Em um segundo momento, é apresentada a história da imprensa no país,
estruturando qual foi o cenário em que o jornalismo segmentado e, principalmente, o
jornalismo de moda, puderam se estabelecer. Destacou-se, em seguida, a
metodologia utilizada e de qual forma a metodologia atuaria para identificar como
está estruturado o discurso do site Chic. Por fim, no quarto e último capítulo deste
trabalho, foram analisadas as coberturas textuais e fotográficas realizadas pelo site
nos desfiles inseridos no corpus do trabalho.
Ao longo desta análise, dados provam a inserção da moda como uma
temática já consolidada do jornalismo segmentado, como destacado por Aline
Hinerasky: “Evidencia-se, portanto, a relevância do jornalismo de moda e do
mercado editorial da área como um todo para o entendimento do(s) significado(s) da
moda na sociedade”. (HINERASKY, 2006, p.8). Este fato pode ser comprovado pela
trajetória de revistas como a Cláudia, veiculada desde 1961. O crescimento em
todos os setores do vestuário, da indústria às escolas de moda, é responsável por
97
ampliar o interesse do público pelo assunto, tornaram-se ainda mais evidentes com
a popularização da internet. Responsável por uma transformação comunicacional
global, a web afetou diretamente o conteúdo de moda veiculado também no Brasil.
Preceitos, definidos por Palacios (et all 2002), como a multimidialidade,
interatividade e hipertextualidade, atualização contínua, memória e personalização
passam a configurar este novo veículo, de bases muito distintas dos veículos
tradicionais.
Foi a chegada da internet comercial que levou ao boom da divulgação dos eventos, desfiles de moda e coleções via web e possibilitou a verdadeira democratização do setor, já que iniciou a divulgação acelerada dos desfiles nas plataformas multimídia e exigiu adaptações das tradicionais (HINERASKY, 2010, p. 2).
A partir de tais características, um jornalismo de moda com fundamentações
próprias ao novo veículo, que tem a internet como base estrutura-se, levando
consigo um discurso específico da moda, com termos, ideologias e diferenciações
específicos.
Ao analisar o discurso presente na cobertura dos desfiles de verão e inverno
dos estilistas Alexandre Herchcovitch, Glória Coelho e Reinaldo Lourenço, foram
traçadas semelhanças e diferenças entre as estruturações e formações ideológicas
presentes nos textos e imagens das seis coberturas. Identificando uma tendência
própria das coberturas de moda, o site vale-se da descrição e adjetivação em seus
textos. Descreve os tecidos, materiais, tendências, formas e modelagens, em um
primeiro momento, de forma expositiva, para situar o leitor à ambientação
apresentada no desfile. A descrição, uma técnica que Barthes (1979) conceitua
como a transformação do objeto em linguagem, é também especificada pelo autor.
“A importância do vestuário escrito confirma bem que existem funções específicas
da linguagem de que a imagem não poderia encarregar-se, qualquer que seja o seu
desenvolvimento na sociedade contemporânea” (BARTHES, 1979, p. 12).
Vale-se também da adjetivação em seu discurso, que tem como objetivo
atribuir qualidades ao elemento citado, transmitir as particularidades do que foi
apresentado, buscando qualificá-las e classificá-las, baseado no critério pessoal do
jornalista. Critério este que se justifica dada a experiência da jornalista, o que
confere a ela propriedade ao fornecer opiniões e basear sua análise crítica. Há, em
um segundo momento, a análise crítica realizada pela jornalista Glória Kalil, que
assina cinco dos seis textos analisados (Anexos A, C, D, E e F). Caminhando entre o
98
gênero informativo e opinativo, a cobertura realizada pelo site Chic possui
características que permite aos leitores encontrarem as opiniões do jornalista ao
lado dos fatos narrados.
A partir da análise realizada, puderam-se constatar formações discursivas na
cobertura, permeadas por um discurso dominante e que distingue o público alvo de
interesse das coleções. Identificadas por meio de construções lingüísticas que
caracterizam os desfiles como “sofisticados” (Anexo E), através de referências à
temáticas elitizadas, como a alta-costura (Anexo E) e aos casamentos reais(Anexo
B). Há o destaque, como forma de reiterar a presença das formações discursivas
dominantes, a utilização de materiais refinados, exemplificados pelos tecidos
astracan, couro, tafetá e seda, presentes nos seis desfiles analisados (Anexos A, B,
C, D, E e F).
Formações discursivas que remetem a um padrão de vida dominante também
estão inseridos no site, por meio das seções intituladas “Boa Vida” e “Acho Chic”.
Em ambas as seções tem-se alusões constantes a um padrão elitizado, em um
universo permeado por grifes e influências de consumo, com referências a um estilo
de vida replicado por uma minoria. Apenas na seção “Acho Chic”, encontram-se
algumas referências de consumo atreladas aos patrocinadores do site que fazem
parte de um universo mais acessível, como as marcas de calçados Ballasox, Arezzo,
Riachuelo e outras. Na categoria “Boa Vida”, como seu próprio nome já configura,
estão intercaladas notícias que variam entre os padrões elitizados e mais acessíveis.
Puderam-se encontrar, em suas páginas, referências a joalherias e renomadas grifes
internacionais interpostas à cursos de moda, lançamentos de livros que
compartilham com a temática da moda, ensaios fotográficos realizados e novidades
do ramo.
Ao final da análise do site Chic e do seu conteúdo veiculado nas coberturas
dos desfiles de três importantes estilistas brasileiros, identifica-se uma dualidade de
ideologias presentes em seu discurso. Nas coberturas dos desfiles, referências ao
luxo e prestígio, características indissociáveis das apresentações das semanas de
moda. Embora não existam dados concretos, sabe-se que estilistas pagam altas
quantias para desfilar suas coleções nas semanas de moda. Por este motivo,
promove-se uma seleção em diversos setores: em relação aos estilistas
participantes, ao público-alvo tanto dos desfiles quanto de interesse de compra das
99
peças, refletidos também naquelas que desejam consumir o que é veiculado pelo
site Chic.
No entanto, embora as referências ao luxo estejam presentes na maioria dos
desfiles, nacionais ou internacionais, um enfoque ao padrão de vida menos faustoso
e limitado é encontrado em algumas publicações do Chic. Mais especificamente,
estas referências a uma moda mais acessível é identificada nas postagens
patrocinadas, que tem como anunciantes lojas de departamento e marcas de
calçados, cujo público-alvo não é o mesmo dos desfiles e estilistas. Além das
publicações dos anunciantes, a variação ideológica nos discursos do site é
encontrada, em grande parte, nas postagens sobre novidades, lançamentos e
curiosidades do mundo da moda. Ali, não estão selecionados os temas de acordo
com a classe de interesse, e sim, que se enquadrem na temática principal do site, a
moda.
Constatou-se, por meio da análise realizada neste trabalho, que a função da
moda ultrapassa o papel do utilitarismo. A reorganização do vestuário, em que pode
adquirir o valor da necessidade, das possibilidades de transformação,
individualização ou distinção começou a ocorrer desde sua sistematização,
responsável por organizar suas especificidades, que configurou “(...) a ordem própria
da moda, a moda como sistema, com suas metamorfoses incessantes, seus
movimentos bruscos, suas extravagâncias” (LIPOVETSKY, 1989, p. 23). Entretanto,
embora Lipovetsky ressalte como objetivo principal da efemeridade da moda seu
caráter individualização, Bourdieu considera a moda uma poderosa estratégia de
distinção entre classes. Mesmo que não se possa comprovar o grau de atuação
destes dois fatores do vestuário na vida dos indivíduos, é possível identificar estas
duas funções atuando na moda.
Os estilistas brasileiros que desfilam no SPFW, dão nome a conceituadas
grifes que concebem em sua estrutura o viés de distinção, já que suas marcas são
acessíveis somente à elite. O consumo atua agregando valores que variam entre o
preço, o prestígio, a afirmação da posição social já conquistada, exclusividade,
sofisticação e tantos outros. Atuam, em menor grau, como formas de individualizar
os sujeitos, já que uma minoria terá acesso aos modelos, geralmente produzidos em
menor escala. Conceituando a moda de cem anos, fase em que a produção do
vestuário é instituída, a análise de Lipovetsky ainda cabe à estrutura atual do ramo.
“A moda que ganha corpo se apresenta sob o signo de uma diferenciação marcada
100
em matéria de técnicas, de preços, de renomes, de objetivos, de acordo com uma
sociedade ela própria dividida em classes, com modos de vida e aspirações
nitidamente contrastados” (LIPOVETSKY, 1989, p. 70).
A mídia, definindo e consolidando parâmetros para a vida em sociedade,
possui importante relação no que diz respeito às escolhas do indivíduo, contribuindo
na identificação dos espaços pertencentes a determinadas classes sociais e,
portanto, aos gostos dos sujeitos nela inseridos, o que Bourdieu conceitua como
“homologia entre bens e grupos” (2007, p. 217), organização da produção e do
consumo de campos especializados de acordo com a mesma lógica – ou o volume
de capital que possuem. Para o teórico, os gostos são definidos em razão de uma
identificação de bens adequados à sua posição realizada pelos indivíduos,
identificação esta também realizada por meio dos veículos de comunicação.
101
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105
ANEXOS
106
ANEXO A
Cobertura – Site Chic – Inverno 2011 – Alexandre Herchcovitch
Alexandre Herchcovitch (feminino) . inverno 2011
Gloria Kalil | 29.01.2011 em SPFW
.Como foi o verão 2011: não faltaram cores na apresentação da marca. Vieram puras e sozinhas ou em quadradinhos costurados ou em manchas estampadas ou em degradês de aerosol. Dos tons mais fortes como o turquesa, o pink, o tangerina e o verde, aos macios como o pêssego, o verde água e o lilás. Foram mostrados vários vestidos curtos, algumas saias e umas poucas calças bem justinhas e curtas. O foco ficou nas mangas que tinham formas e ângulos novos, com volumes arquitetônicos, tridimensionalidade e até mesmo efeitos trompe-l´oeil. . O inverno 2011: repetindo o que eu disse no meu post, Alexandre Herchcovitch, ao convidar Lea T para desfilar, fez com que sua coleção perdesse o papel principal e se tornasse figurante para a celebridade. Uma pena; ele não precisa disso nem nunca precisou. O inverno de Herchcovitch vai ser sóbrio e um pouco lúgubre. Um clima de monastério dominou os looks com seus tons escuros, os capuzes dos monges, as rendas das mantilhas das beatas, as capas, as saias batinas. Aqui e ali um alívio trazido pela presença de um verde limão, de algumas transparências nas rendas, de alguns tricôs enfeitado por pérolas. Meias de borracha preta e sapatos pesados não ajudavam a levantar o astral um pouco claustrofóbico e melancólico do conjunto. Formas severas, roupas longe do corpo, grandes paletós e saias com grandes dobraduras davam o shape das silhuetas distribuídas em tecidos variados como o cetim opaco, o falso astracã, lãs, rendas e um tweed miúdo em tons de cinza e marrom. Foi neste último tecido que Alexandre conseguiu seu momento mais inventivo e leve misturando a lã com abas de rendas e modelando calças e vestidos menores, mais justos e femininos. Uma coleção bem invernal e sóbria, sem a entrada final surpreendente e arrebatadora com que ele nos habituou.
Pontos de venda no Brasil: 73 Lojas Próprias: 2 Franquias: não tem Multimarcas: 71 No exterior: exporta para Japão, Estados Unidos, Europa e Oriente Médio Site: www.herchcovitch.com.br Fonte: assessoria de imprensa da marca
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ANEXO B Cobertura – Site Chic – Verão 2012 – Alexandre Herchcovitch
Alexandre Herchcovitch (feminino) . verão 2012
Redação | 14.06.2011 em SPFW
Com uma cartela de cores clarinha e feminina, cetins macios e laços na cintura, Alexandre Herchcovitch parece homenagear as princesas modernas que tem em Kate Middleton sua musa inspiradora. Garden parties, jantares à beira do lago e casamentos em gramados reais ficarão ainda mais cinematográficos e idealizados se tiverem como figurino os vestidos que vimos na passarela.
As formas eram ajustadas com a cintura marcada e saias mais secas ou com pequenos franzidos; os decotes eram discretos, com alças largas ou fechados em decote careca, bem rente ao pescoço. Vimos muitas manguinhas curtas, blusinhas e saias debruadas de brocado e algumas calças também curtas, às vezes, acompanhadas de um top lingerie.
A coleção é tão bem comportada que até a bonita lingerie era estampada de flores em tons pálidos. O Alexandre da lingerie fetiche e hardcore, das caveiras e do preto punk está de folga - o estilista agora jogou seu olhar para as ladies dos anos 40, 50 e 60 e recuperou o gosto delas pelas peças bordadas, os brocados delicados, as sedas e o discreto brilho dos cetins numa concepção quase que de modelos únicos e exclusivos como se usava naquelas décadas. Mais uma vez, o estilista surpreende e mostra um prisma novo das suas possibilidades de criador.
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ANEXO C Cobertura – Site Chic – Inverno 2011 – Glória Coelho
Gloria Coelho . inverno 2011
Gloria Kalil | 02.02.2011 em SPFW
.Como foi o verão 2011: o tema das últimas três coleções foram a arquitetura modernista de Frank Lloyd Wright, Frank Gehry e Oscar Niemeyer, de quem a estilista retirou as platibandas em fitas que tem usado repetidamente, sempre tentando dar a elas novas torcidas e funções. . O inverno 2011: em todo grande cassino do mundo há uma sala separada para os jogadores peso pesado. Os que não têm medo de apostar tudo – casa, fortuna pessoal, joias da família - numa só noite ou numa só jogada. Na moda, temos alguns criadores com essa mesma obsessão e ousadia; Gloria Coelho faz parte dessa confraria. Ela joga todas as suas fichas numa ou duas ideias e lá fica pelo tempo que for necessário até vencer a banca e exaurir o assunto. Foi o que ela fez com o tema da arquitetura – depois de ter feito várias coleções em seguida sobre a matéria, ela encerra o ciclo e passa agora para outro. É muito possível que tenhamos Pokémon pela frente por várias estações! As figuras robóticas, os recortes, as linhas retas que vimos lembra a turma daquele famoso game do final dos anos 1990. Para acompanhar esse pessoal, Gloria trouxe também algumas ideias do MotoCross, das linhas dos anos 1960 e muitos dos modelos favoritos de seu acervo. Calças e túnicas retas, casaquinhos curtos e saias arredondadas, jumpers sobre blusas de gola alta além de muitos vestidos curtos de veludo enfeitados por debruns de couro constituíam essa bela coleção. Astracan, verniz , lâminas de gaze coloridas, além de lãs, tafetás, couros e muitos babados fecham esse inverno ainda mais brilhante por conta das enormes pedras de cristal Swarovski que enfeitavam as peças finais. Pontos de venda no Brasil: 110 Lojas Próprias: 4 Franquias: não tem Multimarcas: 106 No exterior: exporta para Bélgica, Marrocos, Japão, Itália, Emirados Árabes, Portugal, Dubai, Madrid e Colômbia Site: www.gloriacoelho.com.br Fonte: assessoria de imprensa da marca
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ANEXO D Cobertura – Site Chic – Verão 2012 – Glória Coelho
Gloria Coelho . verão 2012
Gloria Kalil | 15.06.2011 em SPFW
Acabou a fase arquitetura, Niemeyer, edifício Copan, roupas de fitas, e agora, Gloria Coelho começa um mergulho no couro. Com quantos tecidos diferentes posso misturar o couro? Que recortes posso fazer com ele? Como posso trabalhar esse material tão fechado de um modo leve e arejado, de um modo que possa ser usado no calor? Estas devem ter sido as perguntas que Gloria Coelho se fez ao começar a pensar na sua coleção de verão. E o resultado foi o que vimos na passarela. Depois de uma primeira e única entrada de tecido estampado, velado por partes negras, o couro fez sua primeira aparição em recortes figurativos formando desenhos, paisagens e animais em forma de tops e túnicas usadas com calças justíssimas e abertas em pequeno flare. Voltou, logo em seguida, cortado em tiras largas formando saias e vestidos que encobriam malhas justas e coloridas, dando um duplo efeito de cor, para depois aparecer entrelaçado como uma gaiola, fazendo o paletó de um terninho com bermuda usado, desta vez, com uma finíssima malha bordada de cristais. O couro também apareceu bordado com um rico e pesado conjunto de arruelas e tachas de metal. Tiras de couro ainda foram costuradas em uma leve gaze de seda colorida, criando o efeito de camadas e babado. Para terminar o desfile com brilho, vestidos e tops feitos de um material envernizado, como se fossem feitos de azulejos, tão lisos e geladinhos pareciam. Uma nova fase para a marca, com algumas ótimas idéias e pistas a serem retomadas.
Pontos de venda no Brasil: 110 Lojas Próprias: 3 Franquias: não tem Multimarcas: 107 No exterior: Bélgica, China, Espanha, França, Grécia, Inglaterra, Itália, Alemanha, Japão, Marrocos , Portugal. E-commerce: não tem Site: www.gloriacoelho.com.br *Fonte: assessoria de imprensa da marca.
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ANEXO E Cobertura – Site Chic – Inverno 2011 – Reinaldo Lourenço
Reinaldo Lourenço . inverno 2011 Gloria Kalil | 29.01.2011 em SPFW
.Como foi o verão 2011: o estilista misturou as linhas aerodinâmicas dos carros de corrida dos anos 1960 com a moda de hoje. Vestidos leves de seda ganharam grades de radiadores fazendo pala nos ombros, linhas curvas de chassis foram parar em aventais. A paleta de cores ficou em off white com coral e rosa cor de pele, laranja, preto, branco e riscos de rosa fluo. . O inverno 2011: A alta-costura foi homenageada por esta coleção de Reinaldo Lourenço que merece também uma homenagem pela mestria, rigor e beleza do seu trabalho. Reinaldo apresentou suas formas sóbrias, mas muito sensuais e sofisticadas, em apenas duas cores: o branco e o preto com apenas um toque de vermelho nas bocas estampadas dos vestidos pela canela da primeira entrada. Foi o quanto bastou para abrir o apetite para as muitas peças montadas em tule e feitas de centenas tirinhas de couro num jogo de esconde/ mostra de transparências bem colocadas e elegantes. Não contente com essa entrada de alto nível, Reinaldo ofereceu uma riquíssima releitura da antiga estola, aquela faixa de tecido que as mulheres dos anos 1930 e 40 usavam nos ombros para entrar e sair das festas. Para seu uso nos anos 2011, Reinaldo conseguiu atualizá-la e transformá-la em coletes de smoking ou frentes de belos vestidos de coquetel. A cereja do bolo deste banquete de moda foram os modelos inteiramente bordados de pérolas negras ou brancas num relevo de poá ao mesmo tempo simples e suntuoso. Uma coleção primorosa que, pelos comentários ouvidos na saída, foi unanimidade de crítica. Pontos de venda no Brasil: 80 Lojas Próprias: 2 Franquias: não tem Multimarcas: 78 No exterior: Exporta para Dubai, Angola, Londres e Paris Site: www.reinaldolourenco.com Fonte: assessoria de imprensa da marca
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ANEXO F Cobertura – Site Chic – Verão 2012 – Reinaldo Lourenço
Reinaldo Lourenço . verão 2012 Gloria Kalil | 14.06.2011 em SPFW
Mais do que uma revolução, o desfile de verão de Reinaldo Lourenço foi uma evolução. Em todos os sentidos: no corte, na modelagem e em algumas das ideias começadas no inverno, como o pessoalíssimo trabalho em couro montado em gaze e tule que hoje virou um rico painel de mosaicos, losangos e listras mais largas. As cores do couro do verão são o preto e o rosa e o resultado são lindos vestidos ajustados, calças, saias e corsets.
Reinaldo trabalhou muito a estrutura do corpo, do bojo dos corpetes, esculpindo perfeitos tops para roupas esportivas e de festa. E, como um dos temas de sua inspiração eram os diamantes, as roupas de noite tinham brilhantes enfeitando suas listras, acabamentos e o recorte de suas linhas. Um charme as bolsas em forma de grandes gemas lapidadas em cetim colorido.
O estilista mostrou uma coleção luxuosa com foco maior nas roupas de festa. É com certeza uma direção acertada para as marcas que trabalham com mais exclusividade e que cobram mais caro por isso. Os diamantes da coleção têm tudo para serem os Girl's Best Friends.
Pontos de venda no Brasil: 70 Lojas Próprias: 2 Franquias: não Multimarcas: 68 No exterior: França, Inglaterra, EUA, Angola, Dubai. E-commerce: algumas peças podem ser encontradas na loja virtual Farfetch Site: www.reinaldolourenco.com
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