UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA – UFPB
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO - PRPG
DOUTORADO EM DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE
DA ASSOCIAÇÃO PLENA EM REDE DAS INSTITUIÇÕES
EDDLA KARINA GOMES PEREIRA
TECENDO REDES A PARTIR DA ARTICULAÇÃO ENTRE
ECONOMIA SOLIDÁRIA, FEMINISMO E AGROECOLOGIA:
novas perspectivas de desenvolvimento alternativo no semiárido
potiguar
João Pessoa – PB
2016
EDDLA KARINA GOMES PEREIRA
TECENDO REDES A PARTIR DA ARTICULAÇÃO ENTRE
ECONOMIA SOLIDÁRIA, FEMINISMO E AGROECOLOGIA:
novas perspectivas de desenvolvimento alternativo no semiárido
potiguar
Tese apresentada ao Colegiado do Doutorado em
Desenvolvimento e Meio Ambiente, da Associação em Rede
Plena (UFC, UFPI, UFRN, UFPB, UFPE, UFS, UESC) como
requisito para a obtenção do título de Doutora em
Desenvolvimento e Meio Ambiente.
Orientadora: Profa. Dra. Maristela Andrade de Oliveira
Co-orientadora: Profa. Dra. Alícia Ferreira Gonçalves
João Pessoa – PB
2016
EDDLA KARINA GOMES PEREIRA
TECENDO REDES A PARTIR DA ARTICULAÇÃO ENTRE
ECONOMIA SOLIDÁRIA, FEMINISMO E AGROECOLOGIA:
novas perspectivas de desenvolvimento alternativo no semiárido
potiguar
Tese apresentada ao Colegiado do Doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente,
da Associação em Rede Plena (UFC, UFPI, UFRN, UFPB, UFPE, UFS, UESC) como
requisito para a obtenção do título de Doutora em Desenvolvimento e Meio Ambiente
aprovada em sessão pública de defesa realizada neste dia.
João Pessoa, 17/10/2016.
________________________________________________
Profa. Dra. Maristela Andrade de Oliveira
UFPB (Orientadora)
________________________________________________
Prof. Dr. Eduardo Viana Rodrigues de Lima
UFPB
________________________________________________
Prof. Dr. Maurício Sardá de Faria
UFPB
________________________________________________
Prof. Dr. Salvador Dal Pozzo Trevisan
UESC
________________________________________________
Prof. Dr. José Nunes da Silva
UFRPE
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Edson e Edna, aos meus
irmãos, Edsthon e Elida, ao meu
sobrinho, Erick Filho, ao meu amor,
Ednaldo Júnior, melhores parceiros de
vida e incansáveis incentivadores! Sem
vocês a caminhada seria mais difícil!
AGRADECIMENTOS
A Deus, pai, professor, referência e apoio, a quem devo gratidão pela saúde e
persistência que me concedeu durante o desenvolvimento da tese;
Aos meus pais, Edson e Edna, minhas fortalezas, grandes exemplos, meus anjos da
guarda, eternos incentivadores, por tudo que renunciaram por mim e pelos meus irmãos,
a quem eu dedico não somente mais esta conquista, mas toda a minha vida;
Aos meus irmãos, Edsthon e Elida, parceiros do mais importante projeto da minha vida:
nossa família! Obrigada por existirem, compartilharem, por terem recheado a minha
vida de histórias tão boas de serem lembradas, das brigas às partilhas!
Ao meu sobrinho e afilhado, Erick Filho, que com 3 meses de vida já deixou a minha
própria vida muito melhor;
Ao meu amor, Ednaldo Júnior, meu familiar por simples opção e pelo desejo de
constituir uma família, muito obrigada por ser um grande companheiro, com quem eu
sempre contei e compartilhei as minhas vitórias e perdas, pela disposição constante em
me ajudar e apoiar nos desafios que só assumi por saber que eu não estaria sozinha;
À Tia Mima e Juju, avôs, avós, tios, tias, primos, primas, sogros, cunhado, cunhadas e
concunhados, amigos e amigas, por tudo que representam na minha vida. Obrigada por
existirem!;
À minha orientadora, Profa. Dra. Maristela, e co-orientadora, Profa. Dra. Alícia, pela
dedicação, empenho, comprometimento, responsabilidade e incentivo. Pessoas que são
e serão grandes referências na minha vida profissional. Obrigada pelas sugestões
certeiras, por expandir meus horizontes, por renunciarem momentos das suas vidas para
enriquecer a minha!;
Aos queridos e queridas companheiras da Rede Xique Xique, pela disposição em
ajudar, pela solidariedade contagiante, pela vida de lutas em favor de uma sociedade
mais justa;
Aos colegas da UFERSA e aos queridos alunos e alunas, obrigada pela compreensão,
pela parceria, pelo encorajamento!;
Aos profs. Maurício Sardá, Gesinaldo, Gustavo, Eduardo, José Nunes, Roberto Brígido,
Raynald e às parceiras da Rede, Cláudia Mota, Fatinha, Liane, pela disposição em
ajudar;
A todos as/os entrevistadas/os e demais pessoas que construíram comigo esta tese;
À Universidade Federal da Paraíba e aos coordenadores, professores, meus colegas de
doutorado e funcionários do PRODEMA, por contribuírem para a obtenção desta
conquista, meus eternos agradecimentos.
Exaltação ao Nordeste
(Luiz Gonzaga)
Eita Nordeste da peste
Mesmo com toda seca
Abandono e solidão,
Talvez pouca gente perceba
Que teu mapa aproximado
Tem forma de coração.
E se dizem que temos pobreza
E atribuem à natureza,
Contra isso, eu digo não.
Na verdade temos fartura
Do petróleo ao algodão
Isso prova que temos riqueza
Embaixo e em cima do chão
Tecendo redes a partir da articulação entre economia solidária, feminismo e
agroecologia: novas perspectivas de desenvolvimento alternativo no semiárido potiguar
RESUMO
A valorização do território, do meio ambiente e da igualdade de gênero no semiárido,
sugere padrões de desenvolvimento alternativos, o que mobilizou pequenos produtores e
organizações para a construção da Rede Xique Xique de Comercialização Solidária. A
proposta dos diversos atores sociais e políticos envolvidos foi criar uma rede que
viabilizasse a comercialização direta dos bens produzidos no semiárido potiguar, a partir
de uma experiência de desenvolvimento que aliasse à Economia Solidária (EcoSol), o
feminismo e a agroecologia, em razão dos compromissos que assumem com a justiça
social. A criação da Rede, porém, passou a articular a formação política e a qualificação
técnica das/os produtoras/es, em parceria com outras redes sociais e com o poder
público. A EcoSol propõe o fortalecimento econômico, social e ambiental das
comunidades, a partir da cooperação e da autogestão do trabalho coletivo, com base na
premissa de que a formação de relações produtivas mais justas, sustentáveis e não
hierarquizadas pode ser uma experiência viável de desenvolvimento alternativo, não
focado no crescimento econômico, mas na geração de bem-estar. Estas perspectivas
também são promovidas pela agroecologia, que defende, ademais, sistemas produtivos
que alie a agricultura à ecologia, bem como pelo feminismo, que percebeu na EcoSol e
na agroecologia estratégias empoderamento das mulheres. Nesse contexto, a indagação
central da presente tese é analisar se a agroecologia, o feminismo e a EcoSol, por meio
da Rede Xique Xique, têm contribuído para fomentar experiências alternativas de
desenvolvimento no semiárido potiguar. O objetivo geral pretendido, pois, é avaliar os
reflexos da EcoSol, aliada à agroecologia, no empoderamento das mulheres do
semiárido potiguar, por meio de experiências de desenvolvimento alternativo
promovidas pela Rede Xique Xique. Quanto à metodologia, trata-se de pesquisa-
participante, com abordagens qualitativas, do tipo descritivo-exploratório, com coleta de
dados via pesquisa de campo e realização de entrevistas semiestruturadas e abertas.
Recorreu-se, ainda, a fontes de informação documental e bibliográfica. Após interações
com organizações parceiras, profissionais da área, consumidores e grupos de mulheres
da Rede, observou-se que a organização das mulheres promovida pela Rede, voltada
para uma formação política feminista, configura uma experiência de desenvolvimento
alternativo, pois se identificaram mudanças nos padrões produtivos e relacionais
femininos, com uma maior valorização do trabalho coletivo e da segurança alimentar,
além também de se perceber a ampliação dos espaços de participação social das
mulheres, face as suas atuações em associações, fóruns, grupos informais. Os membros
da Rede, em regra, não separam a vida do trabalho; lutam por políticas que reconheçam
as potencialidades do semiárido; estão dispostos a se aperfeiçoarem, o que faz da Rede
um relevante apoio tanto na promoção e preservação dos bens ambientais do semiárido
potiguar, como na correção da histórica desigualdade de gênero, sobretudo no meio
rural. Subsistem, porém, os desafios da descontinuidade dos grupos e das políticas
públicas, além da desproporção dos investimentos públicos, fatores decisivos para o
incremento das experiências fomentadas pela Rede e para o cumprimento dos seus
princípios.
Palavras chave: Economia solidária; Semiárido; Rede Xique Xique; Feminismo;
Desenvolvimento Alternativo.
Tejiendo redes desde la relación entre economía solidaria, feminismo y agroecología:
nuevas perspectivas para el desarrollo alternativo en el semiárido potiguar
RESUMEN
La valorización del territorio, el medio ambiente y la igualdad de género en la región
semiárida, sugiere patrones de desarrollo alternativo, que movilizaron a los pequeños
productores y las organizaciones para la construcción de la Rede Xique Xique de
Comercialización Solidaria. La propuesta de los diversos actores sociales y políticos
involucrados es crear una red que haga posible la comercialización directa de los bienes
producidos en el semiárido potiguar, desde una experiencia de desarrollo que alía a la
Economía Solidaria (Ecosol), el feminismo y la agroecología, debido a los compromisos
que lleve a la justicia social. La creación de la Rede, sin embargo, comenzó a articular
la formación política y capacitación técnica de las/os productores/as, en asociación con
otras redes sociales y con el gobierno. La EcoSol propone la potenciación económica,
social y ambiental de las comunidades por la cooperación y la autogestión del trabajo
colectivo, basado en la premisa de que las relaciones de producción más justas,
sostenibles y no jerárquicas pueden ser una experiencia viable de desarrollo alternativo,
ya que no se centra en el crecimiento económico, pero en la generación de bienestar.
Estas perspectivas también son promovidas por la agroecología, que propone sistemas
de producción que combinan la ecología a la agricultura, así como por el feminismo,
que conecta la EcoSol a la agroecología como estrategias de autonomía de las mujeres.
En este contexto, la pregunta central de esta tesis es analizar cómo la agroecología, el
feminismo y la EcoSol, por medio de la Rede Xique Xique, han contribuido para
promover experiencias de desarrollo alternativo en la región semiárida potiguar. Por
tanto, el objetivo general es evaluar los efectos de la EcoSol, junto con la agroecología,
en la potenciación de la autonomía de las mujeres potiguares del semiárido a través de
experiencias de desarrollo alternativo promovidos por la red Xique Xique. Tratase de
una investigación-participante con enfoques cualitativos y descriptivos y exploratorios,
con la recogida de datos a través de la investigación de campo, con la realización de
entrevistas semiestructuradas y abiertas. Además, se utilizan fuentes de información
documental y bibliográfica. Después de interacciones con organizaciones, profesionales,
consumidores y con grupos de mujeres, se observó que la organización de las mujeres
promovidas por la Rede, basada en una formación política feminista, es una experiencia
de desarrollo alternativo, ya que fueran identificados cambios en los patrones
productivos y de relación de las mujeres, con una mayor valorización del trabajo y con
una mayor seguridad alimentaria colectiva, generando la ampliación de los espacios de
participación social de las mujeres, dada su participación en asociaciones, foros, grupos
informales. Los miembros de la Rede no hacen la vida separada de trabajo; luchan por
políticas que reconozcan el potencial de la región semiárida; están dispuestos a mejorar
sus habilidades, lo que hace la Rede un importante apoyo, tanto a la promoción y
preservación de los bienes ambientales potiguar región semiárida, como en la corrección
de la desigualdad de género histórica, sobre todo en las zonas rurales. Sin embargo,
siguen existiendo los problemas de discontinuidad de grupos y de las políticas públicas,
como también la desproporción de los ingresos públicos, factores decisivos para el
aumento de las experiencias promovidas por la Rede y el cumplimiento de sus
principios.
Palabras clave: Economía Solidaria; Semiárido; Rede Xique Xique; Feminismo;
Desarrollo Alternativo.
Weaving networks from the articulation between solidarity economy, feminism and
agroecology: new perspectives of alternative development in the semi-arid potiguar
ABSTRACT
The appreciation of the territory, the environment and gender equality in the semiarid
region suggests alternative development standards, which mobilized small producers
and organizations for the construction of Xique Xique Network for Partnership
Marketing. The proposal of the various social and political actors involved was to create
a network that could make feasible the direct marketing of goods produced in the
semiarid of Rio Grande do Norte from a development experience that would combine to
the Solidarity Economy (Ecosol), the feminism and the agroecology, due to the
commitments that those take to social justice. The creation of the Network, however,
began to articulate the political training and technical qualification of the producers, in
partnership with other social networks and with the government. The ECOSOL
proposes economic, social and environmental empowerment of communities from
cooperation and self-management of collective work, based on the premise that the
training productive relations that are fairer, sustainable and non-hierarchical can be a
viable experience of alternative development, not focused on economic growth, but on
generating well-being. These perspectives are also promoted by the agroecology, which
advocates, in addition, production systems that combine agriculture to ecology, as well
as by the feminism, which perceived the ECOSOL and the agroecology as feminist
strategies of empowerment. In this context, the central question of this thesis is to
analyze the agroecology, the feminism and the ECOSOL through the Xique Xique
Network have contributed to promote alternative development experiences in the
semiarid region of Rio Grande do Norte. The desired overall objective therefore is to
evaluate the effects of the ECOSOL, coupled with agroecology, the empowerment of
women of semiarid region of Rio Grande do Norte through alternative development
experiences promoted by Network Xique Xique. As for the methodology, it is research-
participant with qualitative approaches, descriptive and exploratory, with data collection
through field research with carrying out semi-structured and open interviews. In
addition, sources of documentary and bibliographic information were used. After
interactions with partner organizations, professionals, consumers and network of
women's groups, it was observed that women's organization promoted by the network,
focused on a feminist political formation, set up as an alternative development
experience, as changes on the productive and on the relational female patterns were
identified, with a greater appreciation of collective work and food security, and also to
realize the expansion of spaces for social participation of women, given their roles in
associations, forums, informal groups. Members of the Network, as a rule, do not
separate life from work; they fight for policies that recognize the semiarid region's
potential; They are willing to improve their skills, which make the network an important
support both the promotion and preservation of environmental goods of semiarid region
of Rio Grande do Norte, as in the correction of historical gender inequality, particularly
in rural areas. However, the challenges of discontinuity groups and public policies, and
the disproportion of public investment remain, which are decisive factors for increasing
experiences promoted by the network for complying its principles.
Keywords: Solidarity Economy; semiarid; Xique Xique network; Feminism; Alternative
Development.
Lista de Ilustrações
Figura 1: Mapa político do Estado do Rio Grande do Norte, com destaque para o
município Mossoró.
Figura 2: Projetos apoiados por ano (2003-2010)
Figura 3: Movimentos feministas no mundo apoiados pela MMM.
Figura 4: Distribuição das áreas irrigadas nos municípios brasileiros.
Figura 5: Hidrografia do Rio Grande do Norte
Figura 6: Formação sobre alimentação alternativa e boas práticas de produção de
alimentos.
Figura 7: Mapa dos núcleos da Rede Xique Xique
Figura 8: Mobilizações das mulheres em Mossoró e região
Figura 9: Plantação de hortaliças em Mulunguzinho.
Figura 10: Feira de comercialização na sede da Rede Xique Xique (2013)
Figura 11: Preços e produtos comercializados na Rede
Figura 12: Sede da Rede Xique Xique de Comercialização Solidária (Mossoró, 2014).
Figura 13: Mulheres da Rede Estadual de Mulheres Tecer para Crescer (Bahia) em
intercâmbio na sede da Rede Xique Xique
Figura 14: Organograma da Associação de Comercialização Solidária
Figura 15: Organograma da COOPERXIQUE
Figura 16: Mulheres e o CF8
Figura 17: Sistema de aproveitamento de água do CF8
Figura 18: Sistema Mandalla
Lista de Quadros
Quadro 1: Entidades, projetos e número de pessoas envolvidas na pesquisa empírica
Quadro 2: Critérios para seleção da amostra
Quadro 3: Informações a serem empreendidas na pesquisa
Quadro 4: Organograma administrativo da SENAES
Quadro 5: Distribuição de projetos por ações agregadas (2003-2010)
Quadro 6: Abrangência dos projetos apoiados (2003-2010)
Quadro 7: Sistemas Agroecológicos
Quadro 8: Distribuição de projetos de EcoSol no RN
Quadro 9: Programas desenvolvidos no Rio Grande do Norte que assumem princípios
da EcoSol
Quadro 10: Áreas de atuação dos EES conforme a região em 2010.
Quadro 11: Participação dos EES em redes de produção, comercialização, consumo ou
crédito (2010).
Quadro 12: Confronto entre agricultura ecológica e convencional.
Quadro 13: Projetos produtivos que beneficiaram a Rede Xique Xique.
Quadro 14: A Rede Xique Xique e suas redes sociais
Quadro 15: Relatos das entrevistadas demonstram assimilação de princípios da
agroecologia
Quadro 16: Relatos das entrevistadas demonstram empoderamento das mulheres
Lista de abreviaturas e siglas
AACC: Associação de Apoio às Comunidades do Campo
AACC/RN: Associação de Apoio às Comunidades do Campo/Rio Grande do Norte
ADEC: Associação de Desenvolvimento Educacional e Cultural
ADS: Agência de Desenvolvimento Solidário
APROFAM: Associação dos Produtores/as da Feira Agroecológica de Mossoró
ASA: Articulação Semiárido Brasileiro
CE: Ceará
CEF: Caixa Econômica Federal
CF8: Centro Feminista 8 de Março
CFES/RN: Centro de Formação em Economia Solidária/Rio Grande do Norte
CFES: Centro de Formação em Economia Solidária
CLT: Consolidação das Leis Trabalhistas
CONAB: Companhia Nacional de Abastecimento
COOPES: Coordenadoria de Projetos Especiais
Cooperxique: Cooperativa de Comercialização Solidária Xique Xique
CUT: Central Única de Trabalhadores
EcoSol: Economia Solidária
EEE‟s: Empreendimentos Econômicos Solidários
EES: Empreendimento de Economia Solidária
EJA: Educação de Jovens e Adultos
FBES: Fórum Brasileiro de Economia Solidária
FNDE: Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH: Índice de Desenvolvimento Humano
IDHM: Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
INCRA: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
IPEA: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
IRES: Inter-Réseaux de l’Économie Solidaire
LGBT: Lésbicas, Gays, Bissexuais e Travestis
MDA: Ministério do Desenvolvimento Agrário
MAG: Cooperativas de Mutua Auto Gestione
MEC: Ministério da Educação
MJ: Ministério da Justiça
MMA: Ministério do Meio Ambiente
MET: Ministério do Trabalho e Emprego
NEATES: Núcleos Estaduais de Assistência Técnica em Economia Solidária
ONG: Organização não governamental
ONU: Organização das Nações Unidas
PDA: Programa de Desenvolvimento de Área
PIB: Produto Interno Bruto
PIB PER CAPTA: Produto Interno Bruto por pessoa
PLANSEQ: Plano Setorial de Qualificação em Economia Solidária
PROART: Programa de Artesanato Potiguar
PROEXT: Programa de Extensão Universitária
PRONACOOP: Programa Nacional de Apoio ao Associativismo e Cooperativismo
Social
PRONASCI: Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania
PRONINC: Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas Populares
PT: Partido dos Trabalhadores
Rede: Rede Xique Xique de Comercialização Solidária
RENACI: Rede Nacional de Cooperação Industrial
RESF: Rede Nacional de Economia Feminista e Solidária
RIPESS: Rede Intercontinental de Promoção da Economia Social e Solidária
RN: Rio Grande do Norte
RS: Rio Grande do Sul
SEBRAE: Serviço Brasileiro de Apoio a Micro e Pequena Empresa
SDE: Secretaria de Desenvolvimento Econômico
SEJURN: Secretaria de Justiça do Rio Grande do Norte
SENAES: Secretaria Nacional de Economia Solidária
SPM: Secretaria Nacional de Política para as Mulheres
SETHAS: Secretaria de Turismo, Habitação e Assistência Social
SIES: Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária
UFERSA: Universidade Federal Rural do Semiárido
UNIVENS: Cooperativa Unidas Venceremos
UPV: Universidade do País Basco
Sumário
Introdução ..................................................................................................................... 17
Percurso Metodológico ................................................................................................. 25
Caracterização da área da pesquisa de campo .......................................................... 25
Procedimentos e etapas da pesquisa ........................................................................... 27
1 ECONOMIA SOLIDÁRIA (EcoSol), FEMINISMO E AGROECOLOGIA:
novas bases para um desenvolvimento alternativo .................................................... 32
1.1 Economia solidária: breve conjuntura histórica ................................................. 34
1.1.1 As raízes da EcoSol: primeiras ideias sobre cooperativismo, a ideologia
marxiana e os movimentos sociais do final século XX ........................................... 39
1.1.2 Os frutos das ideias socialistas: a projeção da EcoSol a partir da
formação de redes sociais ........................................................................................ 44
1.2 A EcoSol no Brasil e seu processo de institucionalização ................................... 49
1.2.1 A criação da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES): análise
crítica da institucionalização da EcoSol no Brasil .................................................. 51
1.2.2 O que a SENAES propôs até 2016? ...................................................................... 57
1.3 Breve percurso do movimento feminista no Brasil e no mundo e suas
inter-relações com a agroecologia e com a EcoSol ............................................. 68
1.3.1 Trajetória da institucionalização do fomento à construção de uma Economia
Feminista e Solidária no Brasil ............................................................................... 72
1.3.2 A institucionalização do fomento à construção de uma Economia Feminista
e Solidária no Brasil ................................................................................................ 79
1.3.3 Agroecologia e suas alternativas de geração de renda para o semiárido ............... 83
1.3.3.1 A agroecologia no semiárido potiguar: a incorporação das políticas
agroecológicas entre as/os produtoras/es da Rede Xique Xique ............................. 88
2 TECENDO REDES NO SEMIÁRIDO POTIGUAR: novas perspectivas
para o nordeste brasileiro ............................................................................................ 92
2.1 Novos direcionamentos para o Nordeste brasileiro: em que medida a
EcoSol vem representando uma estratégia de desenvolvimento
alternativo para o semiárido? .............................................................................. 93
2.1.1 Políticas públicas do Rio Grande do Norte e a EcoSol ......................................... 96
2.1.2 As redes como novo paradigma para compreender a dinâmica social ................104
2.1.3 A formação das redes produtivas de economia solidária no
nordeste brasileiro ................................................................................................. 106
2.2 A mudança de perspectiva das políticas públicas para o campo ..................... 111
2.2.1 A agroecologia, suas interações com os grupos de mulheres do
semiárido potiguar e a Rede Xique Xique ............................................................. 116
3 A REDE XIQUE XIQUE E SUAS REDES............................................................129
3.1 As Redes sociais do semiárido potiguar e as ações coletivas em favor
da maior igualdade de gênero no meio rural ........................................................... 132
3.1.1 “Decididas à vencer” e a transformação das mulheres: como nasceu
a ideia da Rede Xique Xique? ............................................................................... 136
3.1.2 Onde a Rede Xique Xique atua e quem viabiliza este trabalho? ......................... 149
3.2 Organograma da Rede Xique Xique ................................................................... 160
3.3 Tecendo a REDE: parcerias e articulações de apoio ......................................... 164
3.3.1 Centro Feminista 8 de Março .............................................................................. 164
3.3.2 Universidade Federal Rural do Semiárido............................................................170
3.3.3 O trabalho da Organização Não Governamental Visão Mundial ........................ 174
3.3.4 O Centro Terra Viva ............................................................................................ 177
3.4 Quais as contribuições do feminismo, da agroecologia e da EcoSol para o
semiárido potiguar? ............................................................................................ 182
Considerações Finais .................................................................................................. 191
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 194
APÊNDICES ............................................................................................................... 207
1 Aprovação do projeto de tese no Comitê de Ética ................................................ 208
2 Artigo publicado em periódico ............................................................................... 209
3 Artigo submetido a periódico –em fase de ajuste para publicação ..................... 210
4 Modelo do termo de consentimento livre e esclarecido ........................................ 211
5 Roteiro de entrevistas .............................................................................................. 213
Introdução
A dinâmica do modo de produção capitalista tem como núcleo gerar mais valia
via exploração da força de trabalho (HARVEY, 1992) e dos recursos naturais.
Historicamente, fomenta relações desiguais fundadas na dominação, na medida em que
organiza a sociedade, a produção, o consumo, a partir de valores individualistas,
patriarcais e economicistas (MARX; ENGELS, 1984), que se difundem na organização
social e refletem negativamente no âmbito da organização familiar e na divisão social e
sexual do trabalho. Os direitos básicos constitucionais inerentes à condição humana,
nesse contexto, têm usufruto reduzido pela falta de oportunidade de acesso à maioria da
população, o que é responsável por estratificar a sociedade em classes, de modo a
estabelecer conflitos sociais imanentes, endógenos ao sistema capitalista. Nessa
conjuntura, a pouca coesão social fragilizam os laços de solidariedade entre os
indivíduos, uma vez que há no coração do sistema uma relação inversamente
proporcional clara: quanto mais acumulação, menos solidariedade e reciprocidade
(GODELIER, 2001).
Esse sistema de hierarquias calcado na conversão do trabalho em instrumento de
opressão, na propriedade privada dos meios de produção, no poder aquisitivo, na
desigualdade a partir do sexo, da raça, da cor, ergueu um ambiente de exclusão social,
no qual as interações humanas estão inteiramente indexadas ao seu valor produtivo.
Para tanto, se associou e se fundiu a outros ideários de poder que lhe foram funcionais
ao longo do tempo, como é o caso das teorias de superioridade racial, o eurocentrismo,
o machismo, que, embora não tenham um fundamento econômico, funcionaram como
elementos auxiliares na montagem desse sistema de dominação. Tal conjuntura produz
reflexos nocivos em todas as sociedades instituídas sob a influência de princípios
capitalistas, já que as classes e, por conseguinte, as pessoas, são definidas pela posição
ocupada no processo de produção a partir da lógica do capital com base em duas
hipóteses: ou elas possuem bens produtivos ou são exploradas (MARX, 1984; 1985).
Essas relações sociais baseadas no individualismo (DUMONT, 1985) fazem
germinar posturas individualistas, que desconsideram a importância de regras basilares
para o convívio social harmônico, tais como, o compromisso desta geração com as
vindouras, a igualdade de acesso a direitos fundamentais, o uso equilibrado dos recursos
naturais, a responsabilidade dos fabricantes sobre resíduos industriais que produzem. A
15
questão, pois, é que as mudanças nas conjunturas sociais após a Revolução Industrial
vêm criando problemas ao convívio humano que não são facilmente resolvidos -
desastres ambientais, pobreza, fome - em nome de um desenvolvimento que, em
verdade, se baseia na exploração do ser humano e da natureza para promover o
crescimento econômico de parcela privilegiada da população mundial, que gera
privações e desigualdade em escala global.
Desde meados do século XVIII crescem progressivamente no mundo
propostas contrárias ao capitalismo industrial, as quais buscam alternativas de
organização econômica comprometida com a dignidade humana, com a qualidade de
vida dos indivíduos, com o respeito à capacidade de resiliência do meio ambiente, tais
como as ideias de novas formas de economia e de relações sociolaborais de Robert
Owen, Saint- Simon e Charles Fourier. Recentemente, novas iniciativas com estas
perspectivas vêm ganhando projeção e ampliando o reconhecimento das capacidades
e liberdades inatas aos indivíduos, sobretudo em ambientes de vulnerabilidade, tal
qual o semiárido brasileiro.
A partir da década de 1960, as crises ambientais ao redor do mundo passaram
a ser a força motriz para um conjunto de questionamentos acerca do modelo de
desenvolvimento proposto pelo modo de produção capitalista. Os movimentos
sociais, como ações das classes em busca de um projeto de mudança social
(TOURAINE, 1977), passaram a promover mobilizações em nível mundial para
questionar a capacidade da tecnologia de resolver as externalidades geradas pela
lógica produtivista, bem como para buscar estratégias de configurações sociais mais
comprometidas com a preservação dos recursos ambientais.
Assim, no Brasil, após o período da ditadura militar, iniciou-se um processo
de reorganização de forças progressistas, especialmente nas décadas de 1980 e 1990.
Buscavam-se modos alternativos de produção e de relações intersubjetivas, tal como a
economia solidária (EcoSol), o que espelha o inconformismo com as regras
econômicas tradicionalmente vigentes. A persistência da miséria e a constante
violação a direitos humanos básicos têm fortalecido a busca por estratégias de
desenvolvimento que gerem a ampliação das oportunidades sociais, políticas e
econômicas, em favor do maior quantitativo possível de indivíduos.
16
Segundo Boaventura Santos (2002), as propostas de um desenvolvimento
alternativo, qualificado pelo fomento às formas não capitalistas de produção e
consumo, se opõem à concentração de recursos e de poder, bem como resistem a
arranjos sociais empobrecidos pela alienação, pelo individualismo e por práticas
exploratórias. As discussões em torno da necessidade de criar condições objetivas
para o usufruto de garantias sociais básicas de modo a expandir a cidadania têm,
inclusive, demandado a criação de fóruns mundiais para o fomento a propostas
contra-hegemônicas de organização social, nas quais assumem destaque a economia
solidária, o feminismo e os grupos de discussão sobre os sistemas agroecológicos de
produção. Ademais, é crescente a noção de pós-desenvolvimento a partir da ideia de
que o conceito de desenvolvimento é uma ideia eurocêntrica, centralizada ainda no
processo de colonização (RADOMSKY, 2006), e que entende a história da
humanidade a partir de uma perspectiva linear, evolucionista e universalizante,
desconsiderando as variáveis conjunturais vividas nos âmbitos econômico, social,
político e cultural.
Fruto de uma conjuntura histórica de dominação, os espaços rurais brasileiros,
particularmente no semiárido da região nordeste, assimilaram valores culturalmente
construídos conforme os padrões morais predominantes, e reproduzem relações
excludentes e patriarcais. As mulheres rurais, em contrapartida, especialmente no
semiárido potiguar, vêm progressivamente demonstrando uma maior disposição em
participar de movimentos sociais que aliam à EcoSol o feminismo, a fim de
contestarem, ao mesmo tempo, as bases sob as quais se sustentam tanto o modo de
produção capitalista, como o androcentrismo.
Neste contexto, a EcoSol, como uma proposta de desenvolvimento alternativo
à lógica capitalista, individualista e hierarquizada (CAILLÉ, 2011), consiste num
movimento contra-hegemômico que propõe a atuação social dos indivíduos (como
produtores, comerciantes e consumidores) a partir de relações mutualísticas,
sobretudo através da formação de cadeias produtivas calcadas na justiça
socioambiental, na produção solidária e autogestionada, bem como na geração de
renda que promove um desenvolvimento que respeita os direitos sociais básicos dos
indivíduos.
Diante destas particularidades, Mance (1999) definiu que para um
empreendimento econômico ser considerado solidário são necessários quatros
critérios:
17
a) que nos empreendimentos não exista nenhum tipo de exploração de trabalho; b)
que se busque preservar o equilíbrio ecológico dos ecossistemas; c) que sejam
compartilhadas significativas parcelas do excedente para a expansão da própria rede;
d) a autodeterminação dos fins e autogestão dos meios, em espírito de cooperação e
colaboração.
Assim, a contradição entre as propostas da EcoSol e o modo de produção
capitalista é clara: a primeira supervaloriza as relações sociais de cooperação,
o fortalecimento do trabalho coletivo, a autogestão, o respeito à capacidade de
resiliência do meio ambiente e tem como foco o incremento da qualidade de vida
humana; o capitalismo, por sua vez, precariza o trabalho, aliena os trabalhadores/as e
gera passivos ambientais significativos para prestigiar o seu único e maior objetivo:
maximizar os lucros.
Como movimento social, a EcoSol se fortaleceu no Brasil a partir do final da
década de 1990 (TODESCHINI, 2003), em razão da mobilização de pastorais, de
trabalhadores desempregados e de sindicatos, que começaram a recuperar e autogerir
empresas falidas e organizar cooperativas de produção como alternativas ao
desemprego. Tais iniciativas vêm gradativamente alcançando adesão social,
sobremaneira por conta do diálogo que passou a manter com outros movimentos
sociais, tais como as articulações com trabalhadores rurais, com os movimentos
quilombolas, com entidades feministas, o que tem contribuído projeção e capilaridade
no seio social. Por conseguinte, a EcoSol vem acumulando cada vez mais a
capacidade de propor ações multifacetadas para enfrentar problemas socioeconômicos
de diversas naturezas, nos âmbitos urbanos e rurais, no semiárido e no litoral, no
norte e sul do país, transformando-se em uma proposta de desenvolvimento
alternativo com potencialidades transversais e polivalentes.
O feminismo, como ideologia e movimento social e político que contesta
padrões patriarcais opressores em favor da igualdade de gênero (CORNELL, 1998),
ganhou projeção a partir da década de 1960, junto com o robustecimento de ações
políticas que contestaram a marginalização e opressão das mulheres, do meio
doméstico ao laboral. As mobilizações feministas iniciadas nos Estados Unidos e
Inglaterra, com a criação do movimento sufragista (pelo direito ao voto feminino),
ressoaram nos países do hemisfério sul, e ganharam robustez após a segunda guerra
mundial, dada a exploração da forma de trabalho feminino neste período. Estas
mobilizações progressivamente fomentaram mudanças socioeconômicas que
18
resultaram num maior respeito aos direitos trabalhistas das mulheres, o que repercutiu
no avanço dos níveis de educação feminina, na diminuição da taxa de fecundidade, no
aumento da expectativa de vida das mulheres e no rearranjo das relações familiares
(SILVA; VARGAS; SPOLLE). Contudo, ainda subsistem reflexos substanciais da
desigualdade de gênero, sobretudo quando se observa que ainda prepondera a ideia de
que as mulheres são mais responsáveis pelo bem-estar da família, quando se observa
que atualmente as mulheres que trabalham na iniciativa privada ainda têm
remuneração inferior à masculina (Organização Internacional do Trabalho, 2016), e
quando se constata a sub-representação das mulheres na política brasileira (Instituto
de Estudos Socioeconômicos, 2014).
Neste contexto, a articulação entre o feminismo e a EcoSol, especialmente no
semiárido potiguar, assumiu o propósito de contribuir para a superação das
desigualdades de gênero na região, por meio da ampliação dos espaços de
participação social das mulheres, sobretudo diante do protagonismo assumido pelas
mulheres nos movimentos sociais rurais. A EcoSol, por vislumbrar as mulheres como
sujeitos econômicos, bem como por estimular relações cooperadas e autogestionadas,
demonstra uma vocação para gerar um desenvolvimento rural local que prestigia a
igualdade de gênero, que favorece uma divisão social e sexual do trabalho mais justa
e que suscita a ampliação de espaços públicos de participação social. Assim, a aliança
entre EcoSol e feminismo favorece a ocupação de lugares “naturalmente” destinados
aos homens, no intuito de maior reconhecimento público das potencialidades
femininas, o que assume repercussões positivas para toda a humanidade.
A fim de conferir apoio às comunidades rurais no semiárido potiguar, redes
sociais foram progressivamente criadas a fim de estimular o agrupamento feminino
como instrumento para o enfrentamento de demandas coletivas. Assim, o Centro
Feminista 8 de Março e o Centro Terra Viva, por exemplo, foram construídos a partir
de demandas em favor de uma maior igualdade na região a partir do enfrentamento da
violência doméstica, da difusão de técnicas que garantam uma maior soberania
alimentar, do estabelecimento de relações não-concorrenciais entre produtores locais,
gerando maior dinamismo das economias locais. Estas articulações têm gerado a
crescente criação de coletivos em diversos espaços e contextos, dos grandes centros
urbanos aos assentamentos de reforma agrária.
Fruto desta conjuntura, a Rede Xique Xique de Comercialização Solidária,
criada em 2003 para viabilizar a venda direta de produtos do campo, foi instituída no
19
semiárido potiguar, visando retirar os/as trabalhadores/as rurais da dependência de
atravessadores. Ao interagir com entidades do semiárido, acumula em sua trajetória a
luta em favor de formas não-exploratórias de produção e consumo, a defesa de
técnicas de produção que não gerem passivos ambientais, que favoreçam o
empoderamento feminino, entendido por Lisboa (2002) como: 1) Expansão da
capacidade de uma pessoa para realizar escolhas estratégicas em sua vida; 2) Atuação
em contextos onde a capacidade de ação foi anteriormente negada; 3)
Autogerenciamento; 4) Plena cidadania.
A Rede Xique Xique configura-se atualmente como uma entidade de apoio,
formação e mobilização política na defesa de uma maior igualdade de gênero, no
fomento às práticas da EcoSol no semiárido potiguar e no estímulo aos sistemas
agroecológicos de produção. Tal entidade, por esta razão, consiste no principal elo
entre o desenvolvimento desta tese e os seus campos de pesquisa, pois a Rede articula
e participa de várias redes sociais que assumem propostas alternativas de
desenvolvimento na região. As suas propostas ou contrapostas às práticas fomentadas
pelo modo de produção capitalista, porém, já adquiriram relevância em âmbito
nacional e transnacional, o que justifica tal entidade ser eleita como principal fonte de
direcionamento desta tese. O interesse pelo tema em discussão, ademais, decorre do
fato da autora da tese ser docente da Universidade Federal Rural do Semiárido, bem
como em decorrência do seu interesse sobre estudos relacionados às Teorias de
Gênero.
No nordeste brasileiro, a participação ativa da sociedade civil é responsável
pela formação de redes e arranjos sociais que, para Castells (1999, p. 497), são “um
conjunto de nós flexíveis e adaptáveis, interconectados e formados em decorrência de
uma nova morfologia social, que realizam intercâmbios de conhecimentos, causas,
valores, mercadorias”. A constante inovação das suas dimensões e seu caráter
descentralizado finda por modificar “de forma substancial a operação e os resultados
dos processos produtivos e de experiência, poder e cultura” (CASTELLS, 1999, p.
497).
A formação de redes no semiárido potiguar tem sido responsável pelo
compartilhamento de demandas decorrentes de vários contextos de vulnerabilidade
(seja por ser parte da população da periferia ou rural, por ser mulher, homossexual,
por exemplo). Esta conjuntura vem viabilizando uma maior reunião de grupos
tradicionalmente preteridos para participarem de iniciativas econômicas, políticas e
20
sociais, o que vem contribuindo para democratizar a divisão do poder, da cultura e
dos espaços sociais. O inter- relacionamento entre as redes, entidades e movimentos
sociais, ademais, provocou o poder público a uma mudança de perspectiva em relação
às políticas de geração de renda no semiárido: ao invés de investir em técnicas
emergenciais capazes de minimizar os efeitos das secas, objetivavam-se políticas de
reconhecimento das potencialidades locais, a partir das características geoclimáticas e
das vocações da região.
A região rural do oeste do Rio Grande do Norte é composta por variados
grupos de pescadoras/es, artesãs/ãos e agricultores/as - sendo as/os agricultoras/es o
grupo majoritário na Rede - que trabalham em família e/ou em coligações informais
para a subsistência, comercializando os seus excedentes em feiras e em
redes de comercialização. Conforme Cardoso (1987, p. 56), a agricultura familiar se
caracteriza por quatro critérios: a) o uso estável da terra, seja como proprietário ou
possuidor; b) que o trabalho desenvolvido seja predominantemente familiar, o que
não exclui a mão- de-obra externa, de forma adicional; c) a autossubsistência
combinada à participação em mercados, de forma eventual ou permanente; d)
razoável grau de autonomia na gestão agrícola, nas decisões sobre o que e quando
plantar, como dispor dos excedentes, entre outros.
A partir da década de 1990, diante de movimentos da sociedade civil
organizada e, sobretudo, em razão de compromissos internacionais firmados pelo
Brasil, vem sendo gradativamente estimulado a implantação de sistemas
agroecológicos no país. Tal modelo de produção consiste na aplicação de princípios e
conceitos da ecologia na produção (GLIESSMAN, 2000), visando a sustentabilidade
que provém da diversidade e equilíbrio de plantas, solo, nutrientes, luz solar, umidade
e outros organismos (ALTIERE, 1998). Ademais, os sistemas agroecológicos têm
adquirido progressivamente mais projeção na medida em que os grupos sociais vêm
se conscientizando dos riscos ambientais decorrentes do esgotamento dos processos
de acumulação e concentração de renda, terra e água, que fomentam práticas de
produção e consumo exploratórias, do ponto de vista humano, social e ambiental.
Assim, a sociedade moderna percebe progressivamente a contradição de estar
mais sujeita aos riscos sociais e ambientais decorrentes do uso abusivo dos recursos
naturais, os quais não são convertidos em bem-estar humano, já que os ganhos
econômicos estão substancialmente concentrados por ínfima parcela de países, de
empresas e da população mundial. Nesse sentido, a tese de que a tecnologia é capaz
21
de suprir o exaurimento dos recursos naturais tem, portanto, levantado
questionamentos tendo em vista que não adquiriu a capacidade de minimizar os
efeitos perversos ou as externalidades negativas, gerando diversas crises ambientais
(climáticas, energéticas, alimentares). Esta perspectiva tem chamado a atenção para a
necessidade de práticas sociais calcadas na preservação do meio ambiente, inclusive
no que se refere à salvaguarda de conhecimentos tradicionais, e tem acarretado a
reaproximação de grupos sociais com práticas esquecidas pela sociedade de consumo,
tal como o consumo direto, via feiras livres, o que contribui para a ressignificação das
identidades dos/as trabalhadores/as do campo.
As estratégias que propõem a expansão de práticas agroecológicas vêm se
constituindo, em face do seu caráter político-social e científico, em um movimento
social que paulatinamente ganha adeptos no mundo, principalmente na agricultura
familiar e camponesa na América Latina (ALTIERI, 2000). Grupos produtivos do
semiárido potiguar, ao contar com o apoio de redes sociais que encampam princípios
agroecológicos, têm participado de movimentos políticos em prol de políticas
públicas voltadas para a geração de renda de assentados da reforma agrária,
especialmente a partir das duas últimas décadas, não obstante a massiva presença do
agronegócio.
Conferindo respaldo político às iniciativas desta ordem, a Organização das
Nações Unidas (ONU), na tentativa de reverter o contexto de desigualdade de gênero
vigente em escala mundial, criou, em julho de 2010, a ONU Mulheres. Tal entidade
foi instituída sob um contexto de desigualdade de gênero em escala global, reforçado
quando a ele são agregados outros fatores de discriminação: a mulher, por si, é vítima
de preconceito, mas a negra, homossexual, deficiente, da zona rural, agrega outros
atributos marginalizantes, reforçando a precariedade de determinadas condições
ontológicas de existência (BUTLER, 2010).
Assim, diante das dificuldades das mulheres ascenderem a cargos de chefia;
em razão do desrespeito à equiparação salarial entre homens e mulheres; em face da
violência doméstica; em virtude da necessidade de correção da privação histórica que
as mulheres sofreram em relação ao acesso à educação, ao mercado de trabalho e à
participação política, a ONU Mulheres prescreveu alguns princípios de
empoderamento que devem ser fomentados em nível mundial: 1. Estabelecer
liderança corporativa sensível à igualdade de gênero; 2. Tratar todas as mulheres e
homens de forma justa no trabalho, respeitando e apoiando os direitos humanos e a
22
não-discriminação; 3. Garantir a saúde, segurança e bem-estar de todas as mulheres e
homens que trabalham; 4. Promover educação, capacitação e desenvolvimento
profissional para as mulheres; 5. Apoiar empreendedorismo de mulheres e promover
políticas de empoderamento das mulheres através das cadeias de suprimentos e
marketing; 6. Promover a igualdade de gênero através de iniciativas voltadas à
comunidade e ao ativismo social; 7. Medir, documentar e publicar os progressos das
empresas na promoção da igualdade de gênero. A partir desta proposta de
empoderamento traçada pela ONU, considera-se relevante analisar a articulação entre
a agroecologia e a EcoSol no semiárido potiguar, favorecida pelas organizações
sociais locais, como instrumento capaz de fomentar a realização de práticas
feministas mais inclusivas, especialmente a partir das redes sociais do semiárido
potiguar.
Por sua vez, a projeção de experiências de desenvolvimento calcadas em
novos parâmetros, tais como a EcoSol e a agroecologia, tem potencializado
ambivalências em face do contraponto ao modelo dominante de produção. As
propostas de desenvolvimento alternativo centradas na articulação entre feminismo,
EcoSol e agroecologia, assim, por se contraporem aos padrões capitalistas
hegemônicos vigentes, são mantidos à margem da agenda política do poder público,
que assume a condução de projetos antagônicos – agroecologia e agronegócio - ao
mesmo tempo, mas tem priorizado tradicionalmente agricultura industrial para
exportação, dada a força política e econômica que acumula, o que prejudica a
expansão e ameaça as formas alternativas de produção.
Como consequência, subsistem as tensões decorrentes da contestação à
centralidade do lucro; à relação concorrencial entre trabalhadores/as; à
impossibilidade dos trabalhadores/as participarem dos processos decisórios; à
repartição dos ganhos; às externalidades ambientais decorrentes das técnicas
produtivas; ao protagonismo da força de trabalho masculina.
O Estado, como agente que tem o dever institucional de neutralizar as tensões
oriundas das ambiguidades geradas pelas propostas contra-hegemônicas de
desenvolvimento, passou, entre 2003 e 2015, por fases de maior abertura e
investimentos em políticas públicas de fomento à EcoSol e demais estratégias de
empoderamento humano, social e feminino no semiárido. Tais iniciativas, no entanto,
não chegaram a ser centrais para o poder público, sobretudo pela relação de
dependência estabelecida com práticas capitalistas, bem como em função das
23
condutas políticas vigentes, cite-se como exemplo o financiamento privado de
campanhas eleitorais.
No semiárido potiguar, durante esta fase de maior investimento institucional
em ações políticas alternativas, foi crescente a articulação entre os diversos
movimentos sociais existentes, o que aproximou demandas sociais de diversas ordens,
tais como a EcoSol, a agroecologia e o feminismo.
Como marco empírico desta tese elegeu-se a Rede Xique Xique de
Comercialização Solidária, por assumir como princípios o feminismo, a agroecologia
e a EcoSol; o marco geográfico e territorial é o semiárido potiguar, especialmente a
partir de 2003, marco temporal da tese, ano da criação da SENAES e da Rede Xique
Xique. Nesse sentido, diante do protagonismo das redes sociais na região, a presente
tese propõe-se a analisar o seguinte problema: a agroecologia, o feminismo e a
EcoSol, por meio da Rede Xique Xique, têm contribuído para fomentar experiências
alternativas de desenvolvimento no semiárido potiguar que se traduzem em
empoderamento para as mulheres?
Para tanto, parte-se da seguinte hipótese:
1) a EcoSol, ao fomentar a construção de redes sociais mais comprometidas
com o uso racional dos recursos naturais, configura-se, ao lado do
feminismo e da agroecologia, como uma alternativa de desenvolvimento
economicamente viável, socialmente justa e ambientalmente sustentável,
para o semiárido potiguar.
O objetivo geral desta tese é analisar os efeitos da articulação entre EcoSol,
agroecologia e feminismo no semiárido potiguar, por meio de experiências de
desenvolvimento alternativo promovidas pela Rede Xique Xique. Como objetivos
específicos, pretende-se:
1) Analisar, a partir de uma pesquisa bibliográfica, a conjuntura e os ideais
que fomentaram o desenvolvimento da EcoSol no mundo, seu processo de
institucionalização no Brasil e a sua articulação com o feminismo e com a
agroecologia;
2) Analisar as novas perspectivas políticas institucionais para o semiárido
potiguar;
3) Investigar o processo de formação, estruturação e operacionalização da
Rede Xique Xique de Comercialização Solidária, com foco nas narrativas
decorrentes dos discursos das mulheres acerca do desenvolvimento
24
alternativo do semiárido potiguar observando questionamentos sobre
igualdade de gênero, sustentabilidade ambiental e técnicas produtivas não
exploratórias.
A tese se inicia com a parte introdutória ao tema, seguida do percurso
metodológico adotado para o seu desenvolvimento. Posteriormente, será realizada
uma análise da EcoSol e seu processo de transformação em política pública no Brasil,
avaliando as suas raízes, o seu processo de institucionalização, por meio da criação da
SENAES, bem como as principais políticas instituídas pela secretaria. Em seguida,
será analisada a organização dos movimentos feministas no Brasil e no mundo, bem
como a sua aliança com a EcoSol e a agroecologia, especialmente no semiárido
potiguar, com foco na identificação da importância desta aproximação para a
promoção de um desenvolvimento mais comprometido com o empoderamento das
mulheres do semiárido. Em continuação, haverá a apresentação do percurso de
construção da Rede Xique Xique, com a apresentação das redes sociais do semiárido
potiguar que fomentam a articulação entre os princípios da EcoSol, com ações
feministas e de defesa da expansão agroecológica no oeste do Estado do Rio Grande
do Norte. Por fim, será realizada uma análise crítica dos resultados da pesquisa de
campo, focada na identificação de ações políticas que respaldem a afirmação de que a
EcoSol, juntamente com o feminismo e a agroeocologia assumem princípios que
propõe um desenvolvimento alternativo, por ser mais comprometido com o bem-estar
humano.
25
Percurso Metodológico
O projeto da tese foi submetido ao crivo do Comitê de Ética da Universidade
Federal da Paraíba em 11/08/2015 (processo CAAE: 48703615.6.0000.5188), tendo
sido aprovado sem recomendações em 22/10/2015 (Parecer n.º 1.292.117). Assim, a
pesquisa que subsidia a construção desta tese está regularmente autorizada para a
realização de entrevistas e diálogos informais com indivíduos, assim como para a
divulgação dos seus conteúdos, resguardado o sigilo da fonte. Para tanto, todas as
pessoas que relataram as suas experiências com o objeto da presente pesquisa
assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, em anexo a esta tese, mas
mesmo assim tiveram seus nomes resguardados por questões éticas.
O estudo das redes sociais feministas e que propõem a aproximação entre
agroecologia e EcoSol foi eleito como referência nesta tese em razão dos estudos da
autora na área de gênero e da sua atuação como docente na Universidade Federal
Rural do Semiárido (UFERSA), localizada no oeste potiguar. A Rede Xique Xique,
entidade de apoio à identificação dos arranjos sociais da região ocupa centralidade na
tese em face do protagonismo político feminino nesta entidade, que articula
experiências alternativas de desenvolvimento para o semiárido potiguar, a partir de
diretrizes do feminismo, da agroecologia e da EcoSol, em prol de dinamizar a
economia do território semiárido potiguar via venda direta dos bens produzidos por
agricultores/as da região.
A Rede Xique Xique foi criada em 2003, a partir de mobilizações de técnicos
de entidades locais e de trabalhadoras/es rurais, com o propósito inicial de fomentar a
venda dos produtos da agricultura familiar livrando os produtores/as dos
atravessadores. Projeta-se que na atualidade haja o envolvimento de cerca de 600
produtoras(es) com a Rede, o que evidencia uma substancial contribuição para
consolidar uma proposta alternativa de desenvolvimento na região.
Caracterização da área da pesquisa de campo
O município de Mossoró, onde está sediada a Rede Xique Xique, se localiza
no alto oeste do estado do Rio Grande do Norte, que possui uma população estimada,
segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, de
26
259.815 habitantes, distribuídos numa área geográfica de 2.099,333 km², o que
resulta numa densidade demográfica de 123,76 hab/km². O Índice de
Desenvolvimento Humano do Município (IDHM), em 2010, é um dos maiores do
Estado, 0,720.
Figura 1: Mapa político do Estado do Rio Grande do Norte, com destaque
para o município Mossoró.
Fonte: http://www.prefeiturademossoro.com.br/mossoro_geografia.php
A Rede Xique Xique de Comercialização Solidária é constituída por uma
Associação de Comercialização Solidária e por uma Cooperativa, conforme doravante
será exposto. No que tange às suas diretrizes assumidas, na Carta de Princípios da
Rede Xique Xique (REDE, 2004) evidencia-se que esta entidade foi instituída com o
propósito de fomentar uma nova economia, baseada não na competição, mas na
solidariedade. Para tanto, a Rede propõe que os financiamentos, a produção, a
comercialização e o consumo da população do semiárido potiguar devam se distanciar
de todas as formas de exploração do trabalho, incluindo o trabalho infantil e a
desigualdade de gênero; a valorização do trabalho das mulheres e jovens; o manejo
sustentável do solo e da água; a valorização e resgate de culturas e sementes
tradicionais; o controle natural de pragas e doenças das plantas e animais; a
conservação e manejo dos ecossistemas aquáticos; a integração das criações de
animais no sistema de produção familiar; o consumo ético; e a certificação
participativa dos produtos.
27
Procedimentos e etapas da pesquisa
O trabalho de campo foi desenvolvido predominantemente no município de
Mossoró (RN), sobretudo na sede da Rede. Foram, porém, realizadas atividades de
coleta de dados em Recife (PE), João Pessoa (PB), Tibau (RN), Grossos (RN) e
Governador Dix-Sept Rosado (RN), em razão da atuação de profissionais na temática
em discussão, bem como em razão de encontros, fóruns e assembleias promovidas
pela Rede. Além de integrantes e consumidores da Rede, a pesquisa envolveu atores
sociais que colaboraram com a formação da entidade via suporte técnico e/ou político
(como executores e coordenadores de políticas públicas, fundadoras de entidades que
contribuíram para a formação da Rede, coordenadores de projetos e membros de
organizações do semiárido potiguar), como também abrangeu diálogos e entrevistas
com docentes do magistério federal comprometidos com temas abordados na tese.
O período de realização das pesquisas de campo se estendeu de outubro de
2015 a agosto de 2016, com a presença diária na sede da Rede, no período da tarde
(14 às 17 horas), exceto às sextas-feiras, quando a pesquisa era realizada no turno da
manhã, por conta da realização da feira. Existem/existiram vários projetos de pesquisa
e extensão de professores da UFERSA com a Rede Xique Xique, especialmente na
área de Agronomia, e, por esta razão, esta entidade já tinha entrosamento com
docentes da Universidade, o que foi um fator que facilitou o desenvolvimento desta
pesquisa de campo.
Já a pesquisa bibliográfica foi iniciada em março de 2014, estendendo-se até
setembro de 2016.
Esta tese é composta por uma pesquisa de caráter descritivo-analítico, já que
“pretende descrever os fatos e fenômenos de determinada realidade” (TRIVIÑOS,
1987), ao tempo em que discute os contextos apresentados. Assim, serão apresentadas
peculiaridades das condições de vida e de trabalho das mulheres no semiárido, bem
como as alternativas que lhe são apresentadas para que busquem uma melhor
qualidade de vida dentro das suas realidades geográfica, política, econômica e social.
Recorreu-se, ainda, às técnicas exploratórias de coletas de dados, pois esta
pesquisa visa conferir ao leitor maior familiaridade com o tema, com vistas a torná-lo
mais explícito (GIL, 2007). Para tanto, será realizada uma análise de fontes
28
secundárias (artigos, livros, revistas, site, legislações), o que resulta no
enquadramento deste estudo como uma pesquisa bibliográfica, além de que se
recorrerá à análise de documentos que estimulam a compreensão do problema, tais
como atas de reuniões, estatutos da COOPERXIQUE e da Associação da Rede, bem
como dos documentos constitutivos das entidades envolvidas.
Para o alcance dos resultados, também se fará uma aproximação etnográfica,
que SPRADLEY (1979) entende como uma "descrição de um sistema de significados
culturais de um determinado grupo", com o fito de entender as especificidades do
modo de vida dos grupos produtivos do semiárido potiguar, analisando como as
pessoas vivem, falam, pensam e interagem no âmbito da Rede Xique Xique e em
outras redes sociais da região. A ênfase, pois, são os processos e as interações
vivenciados pelo(s) grupo(s) pesquisado(s), a partir da visão dos próprios sujeitos
pesquisados sobre a sua experiência, perquirindo-se os reflexos da participação das
mulheres nos movimentos sociais, em grupos de geração de renda, na participação em
políticas públicas, fatores que incrementam o grau de empoderamento feminino.
Nesse sentido, é imprescindível avaliar a leitura que as participantes têm sobre a sua
função na Rede, sobre a atuação da Rede na região e sobre a estrutura política que lhe
dá suporte, especialmente para se aferir o grau de autonomia que a própria Rede
promove.
Quanto à técnica de coleta de dados feita, esta tese foi construída a partir de
uma pesquisa de campo que se utilizou da realização de entrevistas semiestruturadas,
com base em um roteiro previamente estabelecido (anexo 3), bem como por meio de
perguntas abertas, quando se permite que o entrevistado fale à vontade (CAMPOLIN;
FEIDEN, 2011).
Os pesquisados participantes das entrevistas e conversas informais foram
selecionados a partir da sua atuação em entidades parceiras, participantes de
organizações e/ou movimentos agroecológicos, de EcoSol e/ou feministas,
especialmente no semiárido. A amostra foi composta por 30 pessoas, sendo 11 do
sexo masculino e 19 do sexo feminino.
Os indivíduos entrevistados na pesquisa estão vinculados às seguintes
entidades/políticas:
29
Entidade/Projeto Quantidade Função
“Projeto de Promoção
Desenvolvimento Local
Economia Solidária”
do
e
1 Agente de desenvolvimento
solidário
Universidade Federal
Paraíba
Da 1 Docente
Universidade Federal Rural do
Semiárido
2 Docente
Universidade Federal Rural de
Pernambuco
1 Docente
Centro Terra Viva 1 Sócia-fundadora
Centro Feminista 8 de Março 5 Coordenadora de Projetos e
técnicas
Perito em certificação orgânica 1 Autônomo
Associação de Apoio
Comunidades do Campo
()
Às 2 Sócia-fundadora
Rede Xique Xique 19 Gestoras, técnicas,
colaboradoras, cooperadas,
consumidores/as, produtores
TOTAL 30 Quadro 1 Entidades, projetos e número de pessoas envolvidas na pesquisa empírica
Fonte: Elaboração da autora, 2016
Quanto aos critérios de definição da amostra, a escolha se deu a partir das
atuações, direitas ou indiretas, em redes sociais da região e/ou em razão da atuação
profissional dos entrevistados na área de EcoSol, feminismo e/ou agroecologia. As
entidades contatadas foram: Centro Feminista 8 de Março; Universidade Federal
Rural do Semiárido; Organização não governamental Visão Mundial, através do
trabalho de um antigo técnico (R. M.) e o Centro Terra Viva. Em relação aos critérios
de seleção da amostra, destacam-se os seguintes fatores:
Critérios Quantidade da amostra
Membro executor de política pública 1
Docentes com experiência em EcoSol da
área de gestão pública ou agroecologia
4
Técnicos de entidades ligadas à EcoSol,
agroecologia ou feminismo
7
Membros da Rede Xique Xique (gestores
ou cooperados)
15
30
Fundadoras de coletivos no semiárido 3 Quadro 2 Critérios para seleção da amostra
Fonte: Elaboração da autora, 2016
Considerando que os eixos fundamentais da pesquisa giram em torno da
relação dos movimentos sociais, especificamente da Rede Xique Xique, com as
experiências de EcoSol, agroecologia e feminismo no semiárido potiguar, as
dimensões investigadas visam a apreender:
Informações a serem apreendidas com as entrevistas/conversas informais
Articulação com movimentos ou políticas de economia solidária
Expectativa em torno da relação entre EcoSol, feminismo e agroecologia
Perspectiva das
desenvolvimento
Políticas institucionais Voltadas para Formas alternativas de
Grau de participação nas ações em torno da EcoSol, feminismo e agroecologia no oeste
potiguar
Propostas que entende relevante para o desenvolvimento do semiárido potiguar
Avaliação do trabalho da Rede Xique Xique para o reconhecimento das mulheres
Posição acerca da formação, desenvolvimento e atuação da Rede Xique Xique
Quadro 3 Informações a serem apreendidas na entrevista
Fonte: Elaboração da autora, 2016
As arguições ocorreram em datas com antecedência, como também durante
contatos cotidianos ou em reuniões e fóruns de discussão das entidades que
fomentam a temática do trabalho.
Outra técnica de análise de comportamento utilizada será a observação
direta intensiva, que “utiliza os sentidos na obtenção de determinados aspectos da
realidade. Não consiste apenas em ver e ouvir, mas também examinar fatos ou
fenômenos que se deseja estudar” (LAKATOS; MARCONI, 1992). Tal observação
será, ainda, não estruturada, pois a pesquisadora atuará sem a utilização de meios
técnicos de compilação de dados previamente definidos junto aos grupos produtivos
de mulheres atuantes em redes sociais da região, a fim de recolher e registrar fatos e
comportamentos ocorridos em encontros, reuniões, formações e feiras.
Por fim, o presente estudo consiste numa pesquisa-participante. Segundo
HAGUETTE (1999), um estudo com tal classificação se baseia nos seguintes
31
princípios fundamentais: a) há possibilidade lógica e política de sujeitos e grupos
populares produzirem de forma direta ou associada o próprio saber, que mesmo
popular não deixa de ser científico; b) há poder de determinação de uso e do destino
político do saber produzido pela pesquisa; c) o lugar e as formas de participação do
conhecimento científico e de seu agente no „trabalho com o povo‟ gera a necessidade
da pesquisa, e a própria pesquisa que gera a necessidade da sua participação.
Nesse sentido, há uma relação simbiótica entre as intervenções da
pesquisadora no contexto das redes sociais e as contribuições das entidades
envolvidas para a elaboração da presente tese: trata-se de uma pesquisa com o
envolvimento e a identificação da pesquisadora com o objeto ou as investigadas; há
trocas mútuas de conhecimentos e experiências; há colaborações recíprocas com
vistas a provocar reflexões capazes de fortalecer os envolvidos.
Por conseguinte, o relacionamento entre a autora da tese e os participantes da
pesquisa se dá de maneira horizontal, de modo que as trocas mútuas que ocorrem
entre a pesquisadora e a Rede respeitam a autonomia dos envolvidos, até porque os
membros da entidade pesquisada deixam claro que as suas decisões políticas
competem aos seus integrantes. Há uma constante troca de conhecimentos e
experiências, de modo que todos os sujeitos que participam da pesquisa são também
redatores, ao tempo em que a pesquisadora também é ouvida em decisões da entidade
pesquisada, embora não tenham sido estabelecidas parcerias institucionalizadas,
situação que tende a ser concretizada em momento posterior. No curso da sua
pesquisa de campo houve auxílio da pesquisadora em rotinas administrativas,
orientações jurídicas e relacionais da Rede.
De modo tangencial, foi feita uma análise da formação de redes sociais do
semiárido potiguar, com o escopo de perceber a contribuição dos agrupamentos nas
práticas dos grupos locais. Há, assim, o objetivo de fortalecer os movimentos sociais
de gênero e as políticas públicas voltadas para o desenvolvimento do semiárido, com
a pretensão de que os resultados desta investigação sejam fonte de consulta
acadêmica e de uso da administração pública quando do planejamento de políticas
públicas elaboradas para os territórios rurais semiáridos, especialmente aquelas que
assumam como objetivo promover uma maior equidade de gênero.
32
1 ECONOMIA SOLIDÁRIA (EcoSol), FEMINISMO E AGROECOLOGIA:
novas bases para um desenvolvimento alternativo
O século XXI foi fortemente marcado pela consolidação dos mercados globais
voltados para a financeirização e mundialização do capital (CHESNAIS, 1996), os quais
são alimentados por empresas transnacionais1 (Ruben, 1995) que, com o apoio do
Estado (muitas vezes com incentivo fiscal), deslocam os seus parques de produção para
países cujos direitos sociais são precários e/ou o judiciário é pouco eficiente, tais como
Índia, Brasil e China, a fim de diminuírem os custos de produção e maximizarem os
lucros. Não bastasse isso, tais empresas decidem estrategicamente se estabelecer em
zonas rurais, em face da maior vulnerabilidade ambiental e social dos indivíduos. Via de
regra, estes empregados exercem um trabalho que desconsidera a capacidade criativa e
crítica dos trabalhadores, os submetendo a um salário menor do que o praticado no
restante do mundo, nutrindo a lógica exploratória dos grandes grupos empresariais
internacionais, em articulação com as políticas macroeconômicas dos Estados nacionais
(Ruben, 1995).
A economia solidária (EcoSol), ao defender alternativas de geração de renda
pelo trabalho cooperativo, associativo e autogestionado (SINGER, 1997), propõe a
mobilização de trabalhadores urbanos, desempregados, comunidades quilombolas e das
comunidades situadas em territórios rurais no intuito de superar modos exploratórios de
produção (ABRAMOVAY, 1992). Reconhece, assim, a importância dos saberes
tradicionais para a construção de fontes de geração de renda em rede, como é o caso da
Rede Xique Xique de Comercialização Solidária, fomentando relações sociais
inclusivas e a ampliação de espaços públicos e privados democráticos no que se refere à
participação e intervenção dos indivíduos na sociedade. Durkheim (2010, p. 14), em
“Da Divisão Social do Trabalho”, já reconhecia a importância do trabalho de grupos
associativos que, segundo ele, exerciam “um poder moral capaz de conter no coração
dos trabalhadores um sentimento mais vivo de sua solidariedade comum, de impedir
que a lei do mais forte se aplicasse de maneira tão brutal nas relações industriais e
comerciais.”.
1 Justamente a noção de transnacionalidade (RUBEN, 1995) pressupõe que a empresa atue fora de suas
fronteiras nacionais sem romper o vínculo com a nação. Na área da agricultura, em grande escala,
podemos citar o exemplo da Monsanto.
33
Ao impulsionar a difusão de valores como justiça social, respeito ao meio
ambiente e a agroecologia2, a EcoSol propõe a inversão da perspectiva exploratória
predominante no mercado hegemônico, a partir de um modelo de desenvolvimento
desvinculado da ideia de crescimento econômico, posto que o seu foco é o bem-estar
humano. O seu compromisso, portanto, é com o incremento da qualidade de vida, com o
respeito à dignidade inata dos indivíduos, o que, para Paul Singer (1997; 2000), seria
possível ser alcançado via geração de trabalho e renda.
Além das iniciativas no âmbito do econômico, como dito, impulsionada pela
articulação com diversos movimentos sociais no Brasil e no mundo, a EcoSol cada vez
mais se traduz como um instrumento em favor da igualdade de gênero. Isto porque, ao
ampliar os espaços de participação social das mulheres, via fomento à organização
coletiva, viabiliza a participação política feminina, por exemplo, em feiras, formações,
políticas, contribuindo para ressignificar o papel das mulheres na sociedade.
A partir deste ponto de vista, observa-se a importância de se analisar
criticamente o histórico do que se denomina atualmente de economia solidária,
destacando a sua potencial força social para impulsionar arranjos sociais produtivos,
inclusive no âmbito rural. Nesse sentido, será analisado o surgimento histórico dos
princípios que fomentaram a economia solidária, sobretudo a partir de práticas
econômicas de cooperação. Ademais, será analisada a assimilação da EcoSol como
política pública pelo Estado brasileiro, por meio da criação da Secretaria Nacional de
Economia Solidária (SENAES). Para tanto, serão discutidas as primeiras iniciativas em
torno do que se denomina de economia solidária, com foco nos efeitos irradiantes que
os princípios da EcoSol possuem em outras conjunturas e movimento sociais, tais como
no feminismo e na agroecologia. Com isto, objetiva-se perceber, do ponto de vista
teórico, as intercessões entre a EcoSol, o feminismo e a agroecologia, com o objetivo de
analisar perceber se a articulação entre estas propostas fomentam um desenvolvimento
alternativo, ou seja, comprometido com o bem-estar humano.
Em decorrência das discussões apresentadas no capítulo, percebe-se,
preliminarmente, que a EcoSol, aliada ao feminismo e à agroecologia, pode representar
uma alternativa importante de desenvolvimento alternativo aos modos exploratórios de
2 Sob o ponto de vista deste estudo, consiste em “uma nova abordagem que integra os conhecimentos
científicos (agronômicos, veterinários, zootécnicos, ecológicos, sociais, econômicos e antropológicos) aos
conhecimentos populares, para a compreensão, avaliação e implementação de sistemas agrícolas, com
vistas à sustentabilidade. Não se trata de uma prática agrícola específica ou um sistema de produção.”.
(ALMEIDA, J.A.F. de, et al. Agroecologia. Ilhéus: Ceplac/Cenex, 2012, 44p.)
34
produção, pois estimula meios produtivos que, ao mesmo tempo, salvaguardam o meio
ambiente e fomentam uma maior coesão social. Do ponto de vista institucional, o
Estado brasileiro ainda subdimensiona as potencialidades da EcoSol, de modo que as
experiências de políticas públicas que assumem os seus princípios ainda carecem de
maior avaliação e investimento, em nível federal e, sobremaneira, estadual e municipal.
1.1 Economia solidária: breve conjuntura histórica
A EcoSol é uma proposta contra-hegemônica de desenvolvimento que busca a
reordenação solidária das relações socioeconômicas no que diz respeito à produção,
comercialização e consumo de bens. Propõe, nesse sentido, a negação e a superação da
lógica produtivista que fundamenta o capitalismo, calcado em métodos hierarquizados
de gestão, nos quais a venda da força de trabalho não é um valor em si, mas uma etapa
potencialmente substituível da cadeia produtiva, cuja função é gerar a maior obtenção
de lucro possível, a partir do estabelecimento de uma postura acrítica de alienação do
trabalhador.
Singer (1997) entende o associativismo e a autogestão como instrumentos
capazes de disseminar iniciativas que promovam uma distribuição mais justa dos
espaços sociais, ao tempo em que gera renda. Isto porque, tais estratégias fomentam o
trabalho coletivo, a deliberação colegiada e o compartilhamento de decisões e
responsabilidades no âmbito do desenvolvimento de uma atividade econômica,
desvinculando-a da ideia de centralidade do lucro por meio da exploração humana.
Os movimentos anarquistas da segunda metade do século XIX até o início do
século XX, fomentados em razão das violações de direitos decorrentes da Revolução
Industrial, lançaram as bases para o que se entende na atualidade por EcoSol, que tem
por base as ideologias políticas socialistas e revolucionárias críticas à cultura de
dominação vigente à época. Estes movimentos entendiam a autogestão como uma
estratégia de transformação social que geraria a substituição de um sistema de
dominação estatista e capitalista por um sistema socialista e autogestionário (CORRÊA,
2012). A autogestão, assim, baseada em princípios anarquistas, constitui um pilar
essencial da EcoSol. Nesse sentido, para um empreendimento ser considerado praticante
da EcoSol, deve ser gerido pelos seus trabalhadores – embora possam existir atividades
econômicas que assumam os princípios da EcoSol, mas que não haja o
compartilhamento da gestão da atividade.
35
Desse modo, a conjuntura sob a qual a noção de autogestão se desenvolveu era a
da submissão da terra, do trabalho e dos indivíduos aos domínios econômicos, contexto
presente de modo hegemônico contemporaneamente. A ideia, portanto, era fomentar
reações às práticas decorrentes do processo de industrialização mundial, responsável
pela conversão da dignidade humana em mercadoria. Segundo Polanyi, a Revolução
Industrial
foi apenas o começo de uma revolução tão extrema e radical quanto as
que sempre inflamavam as mentes dos sectários, porém o novo credo
era totalmente materialista, e acreditava que todos os problemas
humanos poderiam ser resolvidos com o dado de uma quantidade
ilimitada de bens materiais. (1980, p. 58).
Karl Polanyi (1980, p.52) até reconhece o progresso trazido pela Revolução
Industrial do século XVIII no tocante ao incremento dos instrumentos de produção, mas
o que marcou tal período histórico, segundo ele, foi um crescimento econômico que
desarticulou a vida dos indivíduos em sociedade, subvalorizando relações mutualísticas
e de cooperação. Nesse contexto, os movimentos anarquistas foram grandes
responsáveis por reconhecer a importância de uma reestruturação do referencial
econômico, a partir da modificação das motivações humanas, na qual a ganância seja
substituída pela convivialidade.
A partir dessa perspectiva, Singer (1997; 2000) defende uma EcoSol baseada na
repartição proporcional dos bens e serviços produzidos economicamente, ao propor a
diminuição das desigualdades no mundo do trabalho e do consumo, pela via da
promoção de relações humanas solidárias, recíprocas, mais dialógicas, de cooperação,
coordenação. Progressivamente, pois, as ideias orientadoras de formas de produção
menos competitivas vêm sendo fomentadas em nível global e nacional, seja em resposta
às pressões dos movimentos sociais ou pela assimilação pública da necessidade de
investimentos em iniciativas institucionais menos marginalizantes.
Embora a partir de uma visão processual e dialética da história não se deva
perceber o surgimento de uma nova realidade com início datado e registrado, pois os
fenômenos sociais são processos demorados, muitas perspectivas da EcoSol, inclusive,
podem inicialmente ser entendidas como inovadoras, mas são, em verdade, no dizer de
LECHANT (2002, p. 4), releituras de fatos “antigos reinterpretados, modificados pelas
novas condições sócio-históricas e que, em determinado momento, começam a tornar-se
significativos para um grande número de pessoas”. A reavaliação das práticas
36
produtivas sociais mais remotas, partir da projeção das propostas autogestionárias,
passaram a atrair pesquisas, financiamentos, e gerar significativas mobilizações sociais,
o que tem resultado em propostas de regulamentações jurídicas e em propostas políticas
e econômicas que espelham o reconhecimento público da EcoSol como uma estratégia
alternativa de desenvolvimento importante para a sociedade.
Na literatura brasileira o conceito de economia de solidariedade foi apresentado
com tal terminologia pela primeira vez no Brasil em 1993, no livro Economia de
solidariedade e organização popular, organizado por Gadotti, onde o autor chileno Luis
Razeto a entende como
uma formulação teórica de nível científico, elaborada a partir e para
dar conta de conjuntos significativos de experiências econômicas -...-,
que compartilham alguns traços constitutivos e essenciais de
solidariedade, mutualismo, cooperação e autogestão comunitária, que
definem uma racionalidade especial, diferente de outras racionalidades
econômicas. (Razeto, 1993, p. 40).
Nesse sentido, mais do que proposta de contraposição à crescente lógica de
exploração humana perpetrada pelo capitalismo, a EcoSol é um movimento político que
suscita uma nova racionalidade, a partir de relações intersubjetivas de solidariedade e do
estabelecimento de relações econômicas que gerem o empoderamento coletivo
comunitário que guarda íntima conexão com o respeito aos direitos inerentes à condição
humana, inclusive os vinculados ao respeito ao meio ambiente.
Em 1995 foi realizado o 7º Congresso Nacional da Sociedade Brasileira de
Sociologia e, a partir dele, Gaiger publicou uma coletânea de artigos. Na apresentação
da obra, este autor definiu a economia solidária como um tipo viável e promissor de
economia popular. Segundo ele, os empreendimentos solidários reúnem, de forma
inovadora, características do espírito empresarial moderno3 e princípios do solidarismo
e da cooperação econômica, apoiados em um senso de coletividade presente nas
vivências comunitárias (Gaiger, 1996, p. 11).
A partir dos debates apresentados no evento, aperfeiçoaram-se as discussões
acerca da necessidade de construção de relações de trabalho capazes de empoderar os
trabalhadores/as, de modo que a geração de renda estivesse vinculada à ampliação do
usufruto de direitos humanos básicos. Para Gaiger, este anseio deveria ser
3 “Necessidade de qualificar tecnicamente para tocar empreendimentos numa economia centrada na
produtividade e na concorrência.” (Gaiger, 1996, p. 109).
37
compatibilizado com a adoção de regras produtivas empresariais capazes de garantir
impactos proveitosos na qualidade de vida, pessoal e profissional, dos trabalhadores.
Assim, no seu entender, as pessoas trabalharão mais motivadas, pois haveria um maior
interesse em garantir o sucesso do empreendimento, posto que se estimularia, segundo o
autor, um maior empenho no aprimoramento do processo produtivo e na qualidade do
produto ou dos serviços, bem como a eliminação de desperdícios e de tempos ociosos,
além de inibir o absenteísmo e a negligência (GAIGER, 2003, p. 135-146). Para Gaiger,
portanto, a economia solidária poderia incorporar lógicas produtivas capitalistas, sem
que sejam preteridos direitos sociais básicos dos trabalhadores, os quais teriam de ter
como foco não só os modos de produção, mas também os resultados alcançados.
Singer (1997), por sua vez, entende a EcoSol como uma proposta de mudança da
posição ocupada pelos trabalhadores no ambiente produtivo. Sugere a criação de formas
de obtenção de renda em que os produtores tenham mais poder para participar dos
processos decisórios, a partir de ambientes profissionais menos hierarquizados, mais
autogeridos. Para ele a economia solidária se funda em novas formas de organização
produtiva, a partir do compromisso com uma lógica que empodera e liberta os
indivíduos, oposta àquela que orienta o mercado capitalista, vez que não se funda em
práticas exploratória, mas no compartilhamento da gestão e dos processos decisórios.
Entende, a partir desta premissa, que a economia solidária consiste numa forma de
organizar o trabalho que permitirá, ao cabo de alguns anos, dar a muitos que esperam
um emprego a oportunidade de se reintegrar à produção por conta própria, individual ou
coletivamente (1997, p. 138), o que viabilizaria o usufruto de bens de consumos gerados
pela cadeia produtiva da qual participa, ao contrário do que ocorre no modo de
produção capitalista para a maioria dos trabalhadores, em face de sua baixa renda.
Já de acordo com Mance (1999), a EcoSol assume uma função mais abrangente,
uma vez que ele a entende não apenas como um meio de geração de renda e trabalho,
mas como uma proposta de fortalecimento coletivo que objetiva a formação de
sociedades pós-capitalistas, nas quais se resguardaria condições razoáveis de
convivência intersubjetiva e interações com os recursos naturais. Segundo ele, devemos
ampliar ao máximo possível o exercício concreto da liberdade pessoal e pública, com a
colaboração solidária na produção – tanto no trabalho, como no consumo - via preço
justo. Entende que, a partir de vínculos de reciprocidade, há de se propagar um sentido
moral de corresponsabilidade pelo bem-viver de todos e de cada um em particular.
38
Dessa forma, Mance (1999) entende a EcoSol como um mecanismo que estimula o
exercício humano da liberdade.
Embora convivam perspectivas mais ou menos abrangentes em torno do que é a
EcoSol, o que há de consenso na atualidade em torno deste conceito é que no âmbito
dos sistemas econômicos solidários deve haver uma participação mais paritária na
produção e nos destinos das riquezas socialmente produzidas. Este pressuposto, por sua
vez, impõe uma redefinição da função social do trabalho e das relações e práticas que
lhe permeiam modernamente, dada a sua importância para as relações humanas e para o
próprio reconhecimento da centralidade dos indivíduos no processo produtivo.
A economia solidária, assim, propõe alternativas ao modo hegemônico de
produção contemporâneo, o que envolve um redimensionamento social, econômico,
político, ambiental e cultural dos indivíduos e das instituições públicas e privadas. A sua
proposta implica que o agir coletivo se coloca como uma alternativa importante para as
estratégias produtivas da sociedade, sobretudo pela sua tendência de fomentar o
desenvolvimento territorial regional, a valorização dos saberes locais e das populações
tradicionais. Este contexto tende a gerar menos exclusão, especialmente dos
marginalizados do mercado de trabalho formal e do consumo, pela via do trabalho
coletivo e do reconhecimento de um ponto em comum: a busca de trabalho e renda
(CULTI, 2004, p.2).
Isto que dizer, pois, que é preciso ampliar o reconhecimento e a realização de
princípios redistributivos, o que envolve mudanças de perspectivas individuais, culturais
e institucionais, já que para propagar o princípio da reciprocidade é imprescindível o
fortalecimento do ato cooperativo (SCHIOCHET, 2012, p. 18). A economia solidária,
porém, exige um amplo esforço político e social para superar os substanciais desafios da
sua transformação em políticas públicas, especialmente porque se trata de uma proposta
contra-hegemônica que conflita com interesses econômicos e políticos prevalecentes na
história moderna.
Não obstante as dificuldades comuns às propostas contramajoritárias, é crescente
o investimento na ideia da EcoSol como uma proposta alternativa de desenvolvimento
viável, tanto que a Organização da Nações Unidas, em 2013, criou um Grupo de
Trabalho Interinstitucional sobre Economia Social e Solidária, a fim de impulsionar a
EcoSol nas políticas internacionais e nacionais. O grupo é resultado da Conferência
“Potencialidades e limites da economia social e solidária” (PORTAL DA ECONOMIA
SOLIDÁRIA, 2016).
39
1.1.1 As raízes da EcoSol: primeiras ideias sobre cooperativismo, a ideologia marxiana
e os movimentos sociais do final século XX
Historicamente, práticas econômicas cooperadas e autogestionadas, segundo
Motchane (2003), têm raízes na idade média, quando eram percebidas práticas que
correspondem ao que hoje denominamos de EcoSol. Por volta do século XIII, as
guildas, confrarias e corporações de ofícios constituíram formas remotas de autoajuda,
de organização do trabalho solidário. Tais práticas passaram a ser mais fervorosamente
discutidas como uma alternativa social à exploração dos trabalhadores no mundo a
partir da ascensão de uma nova classe burguesa, em face da expansão econômica e das
mudanças no mundo do trabalho.
Conforme Santos (2002), a intenção de construir alternativas, em razão das
consequências excludentes do capitalismo, com base em teorias e experiências de
associação com fins econômicos entre iguais e em produção solidária, não é um anseio
novo. As ideias e a prática cooperativista moderna são contemporâneas ao próprio
capitalismo industrial. As primeiras cooperativas foram criadas aproximadamente em
1826, na Inglaterra, como reação à difusão da pauperização decorrente da conversão em
massa de camponeses e pequenos produtores em empregados das primeiras fábricas do
capitalismo industrial. Ainda em 1844 foram fundadas cooperativas de consumidores
em Rochdale, na Inglaterra, onde outras foram instituídas e serviram de modelo para o
cooperativismo contemporâneo. O objetivo, na época, foi resistir à miséria derivada dos
baixos salários, bem como contestar as condições de trabalho insalubres e perigosas às
quais os indivíduos eram expostos. Buscou-se, assim, por meio do agrupamento para a
produção coletiva disponibilizar bens de consumo baratos e de boa qualidade aos
trabalhadores.
O surgimento de uma classe proletária, produto da Revolução Industrial,
ocorrida entre o fim do século XVIII e início do XIX impôs transformações nas relações
sociais: as décadas de 30 e 40 do século XIX, particularmente, foram marcadas por uma
profunda crise decorrente da transformação do trabalho corporativo em concorrencial
(SINGER, 2000). Em paralelo e de forma reativa, foram criadas sociedades de socorro
mútuo, balcões alimentícios e cooperativas de produção, por iniciativa dos operários e
artesãos, em virtude das poucas possibilidades de ascensão profissional face à
dificuldade de mobilidade entre classes sociais impostas pelos burgueses, interessados
40
em manter uma hierarquia rígida na distribuição do capital e das funções na sociedade.
Portanto, as iniciativas de agrupamento de trabalhadores assumiram o propósito,
inicialmente, de amenizar os sofrimentos trazidos pelos acidentes, pelas doenças e pelas
mortes que assolavam os trabalhadores, submetidos a ambientes insalubres e a jornadas
exaustivas, mas também tinham o condão de criar resistências às imposições às quais
eram submetidos.
O autoritarismo dos detentores dos meios de produção, por sua vez, reprimiam
as organizações obreiras, criminalizavam reuniões de trabalhadores, a fim de
gradativamente dissolvê-las (LECHANT, 2002, p. 5), para enfraquecer a coalizão entre
os operários. Este contexto de ações e reações semeou o surgimento das ideias acerca do
que hoje se denomina de economia solidária.
Robert Owen, Saint-Simon e Charles Fourier (SOUSA, 2015), contemporâneos,
foram responsáveis por lançarem as bases das ideias de cooperativismo e autogestão,
que se propagaram ao longo da história, sobretudo por terem sido referências para as
propostas de Karl Max e Friedrich Engels.
O primeiro, Owen, era um industriário britânico, filho de artesãos, que começou
a trabalhar aos dez anos de idade, como alfaiate. Entendia que o caráter humano era
decorrência não só dos vínculos biológicos ou hereditários, mas do meio, ou seja, das
condições locais do ambiente em que o indivíduo teve acesso no seu processo de
formação. A partir dessa premissa, defendeu a adoção de práticas sociais que
prestigiassem a qualidade de vida humana, o investimento na saúde dos trabalhadores e
vínculos de cooperação social. Segundo ele, tais valores viabilizariam a superação dos
desarranjos humanos e sociais implantados pela economia capitalista, na medida em que
seriam estratégias de superação da desigualdade social decorrente da difusão do
capitalismo, que se propagou com base na ideologia de que todos teriam liberdade para
ascender socialmente, embora a história tenha demonstrado que um percentual irrisório
da sociedade mundial tenha confirmado esta hipótese (LESSA, 2013).
Após uma bem sucedida trajetória profissional, Owen passou a ser detentor de
meios de produção e tentou praticar as propostas sociais que defendeu durante a sua
vida. Reduziu a jornada de trabalho dos seus empregados, além de ter construído
moradia para as famílias dos seus operários e escolas para seus dependentes, vez que
entendia a educação como uma prioridade. Foi o criador da primeira cooperativa de que
se tem notícia no mundo, onde eram vendidos produtos de boa qualidade a preços
módicos, o que fez com que fosse alcunhado como “o pai do cooperativismo”. Defensor
41
de uma ampla reforma pública na produção britânica, migrou para os Estados Unidos da
América e fundou uma colônia socialista que terminou não subsistindo como uma
experiência exitosa (SINGER, 2002).
Na mesma perspectiva, Charles Fourier teceu duras críticas às práticas
empresariais burguesas e defendeu uma sociedade sustentada por ações cooperadas, na
qual o talento e o prazer individual permitissem a construção de uma comunidade bem-
sucedida. A sociedade burguesa, tipicamente caracterizada pela produção em massa,
com linhas de produção que exigiam trabalhos repetitivos e padronizados, era o oposto
das propostas de Fourier. Além do mais, ele defendia ideias inovadoras no mundo do
trabalho, como, por exemplo, ao assumir publicamente a perspectiva de que não deveria
haver distinções que diferenciassem os papéis assumidos entre homens e mulheres
(UFCG, 2015).
Entendia que o cooperativismo, aliado à vocação e à liberdade de escolha seriam
requisitos indispensáveis para a sociedade criar condições para o alcance do socialismo,
quando, segundo Fourier, haveria uma comunhão entre os indivíduos de maneira plena.
Sem almejar desigualdades ou disputa, idealizou a construção de grandes moradias
comunitárias autossuficientes, onde as famílias de trabalhadores contribuiriam
mutuamente para a convivência coletiva, a partir do desempenho cooperado de tarefas,
conforme as suas vocações. Tal imóvel foi denominado por ele de “falanstério”. Estas
construções comunais, conforme Fourier, deveriam ser reproduzidas, pois seria a base
de uma transformação social capaz de gerar um novo mundo (UFCG, 2015).
Saint-Simon, por sua vez, acreditava que uma sociedade dividia-se entre
produtores e ociosos. Defendeu, assim, um trabalho no qual a oposição entre operários e
industriais deveria ser reconfigurada. Pregava a manutenção dos privilégios e do lucro
dos industriais, desde que assumissem os impactos sociais causados pela prosperidade
que usufruíam, inaugurando o que hoje se denomina de “responsabilidade social”.
Nesse sentido, acreditava que o industriário poderia contribuir para o equilíbrio dos
interesses sociais por meio do cumprimento de ações de responsabilidade social
(SOUZA; OLIVEIRA, 2005).
As pressões decorrentes do protagonismo assumido pela burguesia na revolução
industrial fizeram com que as monarquias absolutistas dos países europeus, nas quais
igreja e estado concentravam poder, se transformassem em repúblicas liberais ou
democracias liberais, a partir de quando a burguesia acumulou poder político (MUSTO,
2011). Por conseguinte, foram feitas reformas sociais e estruturais no Estado,
42
desvinculando-o do pensamento extremamente religioso e do autoritarismo monárquico.
Mas a ascensão da burguesia foi acompanhada da organização do operariado - uma
"nova" classe social, objetificada pela classe burguesa em nome do crescimento
econômico (MUSTO, 2011) - que criou inclusive a Associação Internacional de
Trabalhadores, em 1864, liderada por Marx. O operariado, então, amparado pelas teses
socialistas marxianas, se articula para desmobilizar o estado burguês, e implementar a
ascensão do proletariado, a fim de constituir uma sociedade mais justa e mais solidária.
A Revolução Soviética de 1917, com liderança de Lênin, tenta colocar em
prática as teses marxistas, o que dá novo entusiasmo ao movimento proletário
internacional. Busca-se expandir o socialismo no mundo, unir a classe operária e os
partidos comunistas em nível internacional.
A primeira guerra mundial, eclodida em razão da luta pela conquista de
territórios e domínio de mares, fomentou o desenvolvimento dos Estados Unidos,
grande exportador para os países europeus. Uma vez reconstruídos das sequelas da
primeira guerra, reduziram-se significativamente as exportações de produtos
industrializados e agrícolas, o que resultou na desvalorização de ações de grandes
empresas e na “quebra” da bolsa de valores em 1929 (BRENER, 2015). A crise
econômica dos EUA se converteu em uma crise do capitalismo liberal, pois todas as
nações capitalistas que tinham trocas com este país foram afetadas, inclusive o Brasil. A
União Soviética, porém, por sua economia fechada e por não participar de trocas
capitalistas, não foi atingida por este contexto econômico negativo.
Diante do cenário mundial desfavorável, França e Espanha elegem governos
esquerdistas. Em resposta à expansão socialista ao longo do mundo, porém, foram
instituídos os regimes totalitários fascista e nazista, que irrompe a 2ª Guerra Mundial,
maior conflito bélico da história da humanidade (BERTONHA, 2016).
Observa-se, diante do breve esboço histórico apresentado, que as ideias de
Robert Owen, Saint-Simon e Charles Fourier representaram, ao longo da história da
humanidade, um contraponto importante à disseminação hegemônica da lógica
capitalista de maximização dos lucros, que alcançou o seu auge após a II Guerra
Mundial. Assim, a partir do pressuposto de que deve haver limites éticos para o
crescimento econômico, tal como o respeito aos direitos humanos, Fourier, Saint-Simon
e Owen assumiram importância significativa para o lançamento das bases do que hoje
se denomina de “economia solidária". Cobravam dos detentores dos meios de produção
43
uma maior responsabilidade com o bem-estar dos seus trabalhadores e com as
repercussões sociais decorrentes de suas cadeias produtivas.
Igualmente, reconheceram a importância de um crescimento econômico que
fosse compatível com ideias como cooperativismo, solidariedade, responsabilidade
social, proteção à saúde do trabalhador. A própria proposta de Fourier de convivência
coletiva dos trabalhadores e suas famílias nos falanstérios estimulou a preocupação
mútua entre os que compartilham uma vida social. O objetivo era alimentar o senso de
coletividade, a preocupação com o bem-estar alheio, o sentimento de pertencimento
grupal, uma ética do cuidado que, segundo as perspectivas socialistas, deveria ser
assumida também pelos burgueses.
Num momento seguinte, estas ideias embasaram o denominado “socialismo
científico” ou “marxiano”, desenvolvido precipuamente por Karl Max e Friedrich
Engels, que se inspiraram nos mesmos objetivos de Owen, Saint-Simon e Fourier, uma
vez que criticavam as perspectivas de transformações sociais com vistas à gradual e
lenta implantação do socialismo. Mais críticos, entendiam que não seria possível
conceber a formação de uma sociedade ideal por meios pacíficos, a partir de uma
postura passiva do proletariado. Suscitavam o desenvolvimento de uma nova
consciência e postura social da burguesia; uma evolução do ponto de vista humano, a
qual seria convertida em favor dos trabalhadores no ambiente profissional.
Com essa expectativa, reconheciam a necessidade real de mudança dos próprios
princípios que orientaram o desenvolvimento do liberalismo e do capitalismo
implementados a partir da Revolução Industrial, calcados na autorregulamentação do
mercado, em decorrência da abstenção do Estado nas relações privadas, inclusive diante
da exploração dos trabalhadores, mal remunerados, sujeitos a exaustivas jornadas de
trabalho e expostos a ambientes de trabalho insalubres e perigosos.
A ideologia marxiana propõe uma grande reforma social baseada na luta de
classes e na extinção do proletariado, através de uma reação revolucionária das camadas
populares, que promova o fim da propriedade privada e das classes sociais. O
socialismo científico identifica a centralidade do trabalho ao longo da história da
humanidade, entendendo a dinâmica produtiva como elemento constitutivo da base da
vida social e, por isso, propõe a socialização dos meios de produção, a qual deveria ser
comandada por acordos com os interesses dos próprios produtores.
A partir destas premissas, a ideologia marxiana influenciou os mais variados
setores da atividade humana ao longo do século XX e continua a servir de fundamento
44
para propostas que visam criar alternativas à lógica hegemônica capitalista, a exemplo
da economia solidária, além de contribuir na teoria e prática política, especialmente no
âmbito sindical e para os movimentos revolucionários.
O pensamento marxiano, no sentido prático, foi o principal combustível para a
consolidação do sistema sindical brasileiro e para as principais experiências
revolucionárias da história da humanidade. Como teoria, contribui para a
fundamentação de políticas sociais importantes, especialmente as redistributivas4,
suscitando discussões relevantes em torno da (des)igualdade, um desafio transversal e
universal. A sua importância, contudo, consiste especialmente no fato de que tal
proposta revelou-se capaz de, ao mesmo tempo, funcionar como teoria científica e como
prática política a fundamentar a criação e atuação de movimentos sociais de variadas
vertentes.
Assim, Owen, Saint-Simon e Fourier lançaram as bases do que hoje se
compreende por economia solidária, e se destacaram, dentre outras coisas, por não
delegarem ao poder público o dever exclusivo de promover relações sociais mais
equânimes, do ponto de vista trabalhista, econômico ou ambiental. Talvez por isso, o
que se concebe por EcoSol, em tese, seja materialmente a realização de princípios
plantados por aqueles socialistas em detrimento dos marxianos, que entendiam o
controle e participação do Estado como uma estratégia de estabilização do socialismo.
Se a EcoSol entende importante a autogestão, ou seja, a autonomia das organizações
sociais, a fim de transformar os empregados em empreendedores, seria uma
incongruência delegar para o Estado o papel de gerir os meios de produção, embora não
se deva minimizar a importância do poder público para regular e fomentar cadeias
produtivas mais justas e modos produtivos não-exploratórios.
1.1.2 Os frutos das ideias socialistas: a projeção da EcoSol a partir da formação de redes
sociais
A partir da premissa de que a análise econômica das relações produtivas não é
suficiente para explicar fenômenos sociais complexos, ganhou projeção o Movimento
Antiutilitarista nas Ciências Sociais, cuja sigla é MAUSS, em homenagem a sua
4 Políticas redistributivas têm por escopo a realocação de bens, direitos ou serviços entre grupos sociais,
por diversos meios, tais como transferências, isenções etc., por intermédio de recursos oriundos de outros
grupos específicos (LOWI, 1972).
45
principal referência teórica, o antropólogo Marcel Mauss. Este teórico deixou como
legado central para a sociologia a ideia de que “o valor das coisas não pode ser superior
ao valor das relações” (MARTINS, 2005, p. 45). Tal movimento foi iniciado na década
de 1980, durante um colóquio no Centro Thomas-More, em Arbresle, na França, fruto
da expansão moderna do capitalismo e suas imposições normativas às relações
intersubjetivas. Neste encontro, Alain Caillé questionou a recorrência de um discurso
utilitarista dominante em torno do “interesse” - consciente e racional para uns,
subconsciente para outros - que imperava nas disciplinas das ciências sociais, de modo a
reduzir invariavelmente as interações humanas a uma lógica econômica e quantitativa.
Ele reconhece que o interesse é um dos motivos para a ação social, mas critica que ele
deva ser uma referência constante para explicar todos os fenômenos sociais
(BATALHA, 2015), porque os fenômenos sociais não se explicam a partir da mesma
perspectiva que é aplicada aos mercados.
Segundo Caillé (2011),
o principal problema que se abate sobre nossas sociedades não é
apenas a privatização generalizada, a submissão de todas as esferas de
atividade a uma norma mercadológica e financeira hegemônica, mas,
no turbilhão desta omnimercantilização e omnifinanceirização, a
subordinação de todos os nossos atos a uma lógica da avaliação
quantificada.
O Movimento Antiutilitarista nas Ciências Sociais assumiu, assim, o objetivo de
difundir ideias contrárias ao pressuposto de que “o Homo economicus é um modelo
explicativo de toda ação humana”. O intuito era estimular e valorizar análises
combinadas de perspectivas sociológicas, históricas, antropológicas, filosóficas e
econômicas, para a interpretação conjuntural das ações sociais. Buscou-se, assim,
instigar um pensamento "antiutilitarista", a partir da hipótese de que o ser humano não
foi sempre um animal econômico. O Homo economicus seria, portanto, um produto da
modernidade capitalista, que estabeleceu a monetarização como um padrão dominante
de avaliação dos mais variados acontecimentos. Este movimento, inclusive, vem
adquirindo projeção na América Latina, sobremaneira ao servir como fundamento
teórico para estudos sobre a prática de formas alternativas de economia (Caillé, 2011).
Ao assimilar esta perspectiva, a França incorporou a ideia de que era importante
o desenvolvimento de uma economia baseada também em parâmetros sociais e
humanos. A economia solidária agrupa-se em torno da rede Inter-Réseaux de
46
l’Économie Solidaire (IRES), movimento que conquistou, entre os anos de 2000 e 2002,
uma secretaria de Estado ligada ao Ministério do Trabalho, no governo de Lionel
Jospin. Na Itália, a discussão sobre a economia solidária aparece “[...] muito ligada aos
setores médios da sociedade e aos movimentos ecologistas” (NUNES, 2009, p. 97).
Neste país, destacam-se as Cooperativas de Mutua Auto Gestione (MAG), que surgem
nos anos 1980 promovendo a realização de feiras de EcoSol, com o apoio das
prefeituras locais, além dos movimentos sociais e da sociedade civil organizada. Em
Milão, sabe-se que é mantida uma feira permanente (La Cosa Giusta), assim como
acontece em Roma e Trentino. Na Alemanha, diferentemente do que acontece em outros
países europeus, trabalha-se com um conceito de economia social que engloba, além da
economia popular, a economia comunitária e iniciativas ligadas ao terceiro setor.
Em 2006, foi realizado o Congresso Alemão de Economia Solidária (NUNES,
2009), como expressão dessas várias iniciativas. Os formuladores alemães da EcoSol,
assumiram a designação geral de economia social. Na Espanha, em 2006, cria-se uma
rede que comporta um grande número de entidades organizadas em várias pequenas
redes, mas que abrangem várias regiões do país, formando uma “rede de redes”.
Essa rede espanhola, na tentativa de ser eficiente e ter popularidade na
sociedade, firmou convênios e parcerias com instituições de ensino superior, sendo que,
na Universidade do País Basco (UPV), situada na cidade de Bilbao, é realizado
anualmente o Seminário “Transformando a Sociedade a partir da Economia Solidária”.
Em Portugal, criou-se a Rede de Economia Solidária e Sustentável. A rede portuguesa
fornece apoio aos que comungam dos princípios da economia solidária, até as redes de
cooperativismo tradicional, além de milhares de militantes ecologistas que se unem em
torno da causa da EcoSol.
As experiências encontradas no continente europeu sugerem, mesmo diante de
divergências políticas e de variações conceituais e terminológicas em relação ao tema,
que o trabalho em rede na Europa está evoluindo e afirmando-se como uma maneira de
evitar o isolamento dos empreendimentos econômicos solidários (EEEs), bem como a
concorrência entre eles. A integração dos empreendedores vem sendo entendida como
uma alternativa viável de organização social, o que progressivamente contribui para
fortalecer o ideal de construção de uma economia baseada em vínculos de solidariedade,
embora se reconheçam os desproporcionais e vultosos investimentos públicos e
privados em empreendimentos que assumem a lógica capitalista, concorrencial.
47
Manuel Castells (2000), ao se dedicar ao estudo das redes sociais disseminadas a
partir do colapso do estatismo soviético e da reestruturação do capitalismo, percebe que
a revolução tecnológica trás em seu bojo um novo paradigma para as relações sociais.
As tecnologias da informação e da comunicação transformariam a economia e as
relações em nível global, instituindo o que ele denomina de “sociedade da informação”
– na qual a geração, processamento e transmissão das informações são fontes
fundamentais de produtividade e poder. Segundo ele, “pela primeira vez na história, a
mente humana é uma força direta de produção, não apenas um elemento decisivo no
sistema produtivo” (CASTELLS, 2000, p.51).
O desenvolvimento de novas tecnologias, segundo Castells (2000, p. 69), aliada
à tentativa da sociedade de reaparelhar-se com o uso do poder da tecnologia aumentou a
complexidade das interações sociais e fez surgir uma sociedade em rede. Esta
organização humana disposta em arranjos sociais particulariza-se por sua plasticidade,
decorrente de sua dimensão virtual, que transcende à noção de tempo e espaço.
Instituiu-se, assim, uma nova configuração da divisão social das relações sociais,
inclusive uma nova configuração para as relações laborais, pois é cada vez mais
temerário agir isoladamente, ainda que as interações não sejam físicas. Os indivíduos,
nessa situação, tendem a se reunir em grupos que são, ao mesmo tempo, coexistentes,
sobrepostos e interconectados, compondo redes dinâmicas de variadas complexidades,
formando o que Marshall Macluhna denominou de uma “aldeia à escala global”.
Nesse sentido, com base no pressuposto de que “as redes possibilitam pensar a
reciprocidade numa perspectiva sociológica de mais longo alcance” (RADOMSKY,
2006, p. 85), difundiu-se, tal como ocorrera na Europa, a ideia de construção de um
desenvolvimento econômico baseado em alianças. Tal recurso seria uma estratégia de
fortalecimento para enfrentar as crises econômicas, que também passaram a assumir
proporções globais. Fusões, incorporações e demais formas de agrupamentos passaram
a ser táticas comuns mesmo entre aquelas empresas que assumem uma lógica
capitalista, via formação de megablocos transnacionais.
Vários fóruns internacionais passaram a discutir a importância para a EcoSol do
trabalho em rede, tal como os Fóruns Internacionais – Globalização da Solidariedade,
ocorridos desde 2005, organizados pela Rede Intercontinental de Promoção da
Economia Social e Solidária (RIPESS). Tanto entre os ditos “países desenvolvidos”,
como também entre os denominados de “economia periférica” ou “emergentes”
recorreu-se à formação de blocos produtivos. Há, entretanto, configurações
48
diametralmente opostas nesses agrupamentos: de um lado, grandes empresas
transnacionais (capitalistas), que se unem para diminuir custos da produção por meio da
terceirização precária e da subcontratação extorsiva de empresas localizadas em países
periféricos; de outro, estruturação de redes solidárias de articulações produtivas,
calcadas nos princípios da cooperação, equidade, reciprocidade e no respeito ambiental.
Com a organização destas redes de solidariedade produtiva, vários países da América
Latina têm avançado nas discussões teóricas, políticas e nas práticas de EcoSol.
A formação de redes de economia solidária se centra basicamente em dois
pressupostos: o primeiro, de que a marginalização derivada da propagação das ideais
capitalistas de acumulação e exclusão atrofia a capacidade de realização (SEN, 2009)
inata aos indivíduos; o segundo, de que o agrupamento produtivo baseado em lógicas de
cooperação pode gerar um modo de produção que reconfigure a vida social a partir de
parâmetros socioambientais mais justos, evitando o fomento a relações concorrenciais e
o isolamento econômico decorrente da concentração de renda. A Ecosol, portanto,
objetiva viabilizar um desenvolvimento alternativo, baseado na expansão das liberdades
reais imanentes à condição humana (SEN, 2009).
Esta perspectiva vem começando a servir de referência para a elaboração de
ações, políticas e demais iniciativas, públicas ou privadas, para a promoção e fruição de
garantias básicas em favor, pelo menos, da maioria da população mundial, embora os
Estados nacionais ainda não encarem a EcoSol como uma estratégia prioritária de
desenvolvimento alternativo.
Ao contrário do que se espera, porém, a insuficiência do Estado liberal, o
inchaço da estrutura pública do Estado de bem-estar social e a abertura desregrada do
Brasil mediante incentivos fiscais ao mercado externo proposta pelo Estado neoliberal,
em meio a retrocessos e avanços, não promoveram justiça social de modo sustentado,
especialmente em relação ao combate à degradação dos recursos naturais e à
desigualdade de gênero. É forçoso reconhecer, porém, que as experiências sociais
redistributivas, inclusive em favor das mulheres, ao menos no Brasil, têm prosperado
mais em governos que ampliaram os espaços de participação institucional dos
movimentos sociais, assimilando as suas respectivas demandas e intervindo mais
diretamente na economia e na vida social, conferindo maior legitimidade e espaço de
participação a grupos sociais tradicionalmente vulnerabilizados.
Santos (2011, p. 79) chama a atenção para a necessidade de construção de um
Estado-articulador que, ao contrário do Estado moderno - que assegurou interesses de
49
grupos específicos em nome do interesse geral, seja capaz de coordenar, de forma
transparente, interesses distintos, locais, regionais, nacionais, globais. Desse modo,
seria perceptível “a qualidade do compromisso do Estado com os objetivos de justiça
social, ou seja, com os critérios de redistribuição (contra a desigualdade) e de
reconhecimento (contra a discriminação)” (SANTOS, 2011, p. 79).
Para tanto, há de se recorrer à alternativas de desenvolvimento que contem com
uma disposição pública de expansão das liberdades substantivas que cada indivíduo
desfruta na sociedade (SEN, 2000, p. 32); de uma estrutura institucional capaz de
auxiliar na estabilização do usufruto de direitos básicos, transformando os indivíduos
em cidadãos. Dando os primeiros passos para assimilar estas perspectivas, diante das
pressões dos movimentos sindicais, pastorais e sociais, o Estado brasileiro,
especialmente entre os anos de 2003 e 2016, instituiu na sua estrutura órgãos voltados
para organização de políticas de EcoSol, na intenção de prestigiar a busca por
alternativas que gerem empoderamento à população via geração de renda, o que
contribuiu significativamente para a criação e organização de grupos e redes de
economia solidária no Brasil.
1.2 A EcoSol no Brasil e seu processo de institucionalização
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 inaugurou uma nova ordem social,
instituída a partir de um processo de redemocratização que está, em meio a avanços e
retrocessos, em processo de consolidação. O anseio de que os direitos formalmente
reconhecidos se transformem em garantias substancialmente realizadas fortaleceram as
mobilizações da sociedade civil, as quais ganharam projeção no Estado brasileiro a
partir do fim da década de 1970. Segundo Nunes (1989), citado por SCHIOCHET
(2012, p. 19), “os movimentos sociais possibilitaram que diversas situações de carência
passassem a ser reconhecidas como situações e questões de direitos”. Este
fortalecimento da sociedade civil traduz e implica na “própria democratização do
Estado, sendo nesta rearticulação das relações Estado-sociedade civil que passa a residir
a possibilidade de emergência das condições de recriação da cidadania política e a
expansão da cidadania social” (COHN, 2011, p. 11).
O empoderamento de diversos grupos sociais teve como uma das principais
consequências o processo político que culminou com a elaboração de uma nova Carta
50
Magna, sobremaneira porque os avanços democráticos ocorridos eram, em verdade,
produto da reação à difícil conjuntura social brasileira. Tal instabilidade do país foi
fruto, sobretudo, da crise do modelo fordista, que se baseava na produção em larga
escala e na baixa qualificação dos trabalhadores, limitados a repetir acriticamente
movimentos mecânicos em prol da maximização da produção.
Com o progressivo crescimento do sistema toyota de produção ou toyotismo, a
partir da década de 1990, a produção em massa foi substituída gradativamente pela
fabricação automatizada, pela produção enxuta, o que gerou como consequência
a queda do emprego formal, a contração dos salários, a precarização das relações de
trabalho5. Assim, o despertar da EcoSol decorreu da necessidade de uma alternativa à
crise crescente do desemprego e, por consequência, da exclusão social. Apesar de suas
raízes históricas encontradas ainda na Idade Média, foi o aumento da pobreza e do
desemprego na Europa, na década de 1980, que acarretou o surgimento de novas
empresas sociais (MOTCHANE, 2003), inciativa replicada como uma estratégia de
superação da marginalidade gerada pelo capitalismo.
Assim, a reestruturação do capitalismo contemporâneo, como outrora dito,
baseou-se na inserção de novas tecnologias na produção e gestão, o que diminuiu o
quantitativo de empregados amparados pela legislação laboral e aumentou a
informalidade, o subemprego, a terceirização ilegal de serviços, ocasionando uma
estagnação econômica, além da fragilização do usufruto de direito sociais elementares.
Nessa conjuntura, a economia solidária em suas diversas perspectivas
(LECHAT, 2002) trás o consenso de se assumir como uma alternativa de
desenvolvimento que propõe a reordenação das relações socioeconômicas no que diz
respeito à produção, distribuição e consumo. Demanda, para tanto, a formação de uma
nova ordem econômica, social e ambiental, baseada no associativismo e na autogestão
(SINGER, 1997), como instrumentos de promoção da justa distribuição dos espaços
sociais. Ademais, fomenta a repartição equitativa dos bens e serviços economicamente
produzidos, a diminuição das desigualdades no mundo do trabalho e do consumo pela
via da promoção de relações sociais mais solidárias, inclusive do ponto de vista de
5A denominação precarização do trabalho tem sido aplicada a um processo relativamente recente,
ocorrido nas últimas quatro décadas, provocado pelo desenvolvimento do capitalismo moderno
globalizado. Embora se expresse pelos efeitos de uma grande transformação que vem afetando o mundo
do trabalho, assenta-se na condição de subordinação do trabalhador assalariado e na sua situação de
vulnerabilidade em face do capital. Traduz-se, basicamente, na perda de direitos sociais, não raras vezes
com respaldo em alterações legislativas, que acarreta instabilidade social para o trabalhador no mercado
de trabalho e nas suas demais relações na sociedade.
51
gênero. Propõe, nesse sentido, a superação da lógica hegemônica de produção calcada
em métodos hierarquizados, nos quais a venda da força de trabalho não é um valor em
si, mas uma etapa potencialmente substituível da cadeia produtiva, cuja função é gerar a
maior obtenção de lucro possível.
Nesse sentido, a institucionalização da EcoSol no Brasil, em 2003, assumiu um
significado simbólico importante para a criação e consolidação das organizações da
sociedade civil que se baseiam nos seus princípios: a partir de então o Estado brasileiro
sinalizou que entendia a EcoSol como uma estratégia de desenvolvimento alternativo
viável, o que fomentou o agrupamento e a mobilização de grupos em todo o país.
1.2.1 A criação da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES):
análise crítica da institucionalização da EcoSol no Brasil
A institucionalização da economia solidária no Estado brasileiro via criação da
SENAES, vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego, é fruto de um conjunto de
ações e lutas coletivas de movimentos sociais, rurais e urbanos, juntamente com as
comunidades eclesiais de base, Pastoral da Terra e Cáritas, que começaram a se
organizar em busca da promoção de uma maior justiça social, a partir do processo de
redemocratização da sociedade brasileira.
A cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, assumiu protagonismo na
promoção de encontros sobre EcoSol, o que, aliado a outras iniciativas, resultou na
realização do I Fórum Social Mundial (MTE, 2015), em janeiro de 2001. Nesse
encontro houve uma oficina intitulada “Economia Popular Solidária e Autogestão”, que
objetivou discutir experiências produtivas de EcoSol no mundo, bem como estratégias
de expansão da EcoSol em nível global.
Já no II Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre, em janeiro de 2002,
um grupo de trabalho brasileiro sobre economia solidária foi criado, a fim de reunir
várias iniciativas de entidades nacionais e de organizações e redes internacionais ligadas
ao tema. Este grupo de trabalho se tornou uma diretriz nacional e internacional para as
atividades ligadas ao Fórum Social Mundial, bem como para ações e discussões
relacionadas a esta temática.
A partir desses encontros, o grupo de trabalho sobre economia solidária
programou a realização de uma assembleia nacional ampla e aberta, a fim de discutir a
função que a EcoSol deveria assumir no cenário institucional brasileiro, sobretudo
52
diante da eleição de um governo do Partido dos Trabalhadores, organizado
historicamente a partir de articulações e mobilizações dos movimentos sociais, em
especial os de natureza sindical. Tal encontro ocorreu em dezembro de 2002, quando se
decidiu que haveria a elaboração de uma carta, a qual foi intitulada de “Economia
Solidária como Estratégia Política de Desenvolvimento” (FBES, 2015), que seria
encaminhada ao Presidente da república eleito, Luís Inácio Lula da Silva, sugerindo a
criação de uma política de apoio à economia solidária, com a institucionalização de uma
Secretaria Nacional de Economia Solidária. Segundo o registro histórico do Fórum
Brasileiro de Economia Solidária (FBES, 2015), essa plenária iniciou o debate sobre
uma plataforma de lutas, uma carta de princípios e a criação de um fórum nacional da
EcoSol.
No III Fórum Social Mundial realizado em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, em
2003, foi realizada a II Plenária Nacional da Economia Solidária. Nesse momento, o
governo Lula anunciou o compromisso de criar a Secretaria Nacional da Economia
Solidária, sob a direção do professor Paul Singer6. Tal órgão foi efetivamente instituído
pelo Decreto n. 4764, de 24 de junho de 2003, no âmbito do Ministério do Trabalho e
Emprego.
Singer, indicado como secretário após demanda dos próprios movimentos
sociais que fomentaram a criação da SENAES, permaneceu como secretário até o ano
de 2016, quando o processo de impedimento afastou a presidente Dilma Rousseff. A
indicação de Singer como secretário foi uma demanda da própria sociedade civil, em
razão da sua notória fluência e militância em torno da EcoSol, aliado ao fato de Singer
6 Paul Singer, filho de pequenos comerciantes judeus que emigraram para o Brasil em razão das
perseguições alemãs aos judeus, fez curso técnico em eletrotécnica, em São Paulo, onde exerceu a
profissão entre 1952 e 1956. Nesse período, filiou-se ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo,
militando no movimento sindical, liderando movimentos grevistas, tal como o ocorrido em 1953, que
envolveu cerca de 300 mil trabalhadores. Obteve a cidadania brasileira em 1954. Posteriormente,
estudou economia na Universidade de São Paulo (USP), ao mesmo tempo em que desenvolvia atividade
político-partidária, no PSB. Em 1960, iniciou sua atividade docente na USP. Em 1966, obteve o grau de
doutor em Sociologia com um estudo sobre desenvolvimento econômico e seus desdobramentos
territoriais, orientado por Florestan Fernandes. Entre 1966 e 1967 estudou dinâmica populacional na
Livre-docência demografia na Universidade Princeton, nos Estados Unidos. Em 1968 retomou a docência
na USP até ter seus direitos políticos cassados pelo AI-5, quando foi aposentado compulsoriamente, em
razão de suas atividades políticas, em 1969. A partir de 1979 voltou à atividade docente, como professor
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), onde permaneceu por quatro anos. Em 1980
ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores, ao lado de outros intelectuais historicamente ligados
à esquerda, em 1984 voltou a ensinar na USP e em 1989 assumiu a Secretaria de Planejamento do
município de São Paulo, ocupando o posto até 1992. Trabalhando desde então com o tema da economia
solidária, o professor Singer ajudou a criar a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da
USP, em 1998.
53
ter sido um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, convergindo os interesses
entre o Chefe do Executivo e a sociedade civil nesta indicação.
Havia, na ocasião, muitas expectativas em relação aos direcionamentos que as
políticas públicas brasileiras assumiriam a partir de então: esperava-se uma mudança de
perspectiva das ações políticas empreendidas pelo Estado. Acreditava-se em um maior
estímulo a novas propostas de desenvolvimento sustentável, por exemplo, por meio da
aproximação das políticas públicas de geração de renda com a defesa de interesses
ambientais. Havia a expectativa de incorporação pública da lógica da economia
solidária e, por conseguinte, o início de um novo ciclo de iniciativas: políticas
ambientais mais incisivas; o estímulo de ações econômicas autogestionárias e menos
exploratórias; programas educacionais mais transversais e interdisciplinares; a
priorização de iniciativas sociais mais includentes; e a valorização dos pequenos
agricultores em detrimento dos agronegócios monocultores do país. A instituição da
SENAES assumiu, portanto, um poder simbólico significativo, já que o seu
compromisso de estímulo e fortalecimento de estratégias de cooperação social gerou
para uma parcela da sociedade e para diversos movimentos sociais o anseio de mudança
de orientação das decisões públicas do Estado brasileiro.
A 3ª Plenária Brasileira de Economia Solidária ocorreu pouco após a criação da
SENAES, e teve a incumbência de articular e mobilizar as bases da EcoSol pelo país
para se criar um ambiente de maior convergência, a partir das diretrizes aprovadas numa
carta de princípios elaborada naquele encontro. Ademais, definiu-se a estrutura,
composição e sistemática de funcionamento do Fórum Brasileiro de Economia
Solidária, instrumento essencial de articulação entre os participantes locais e regionais e
a SENAES. O Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES) assumiu o compromisso
de promover maior interação entre o poder público e os anseios econômicos, sociais e
políticos dos trabalhadores que assumem a lógica da economia solidária, na expectativa
de superar posturas tradicionais que alimentam um modo de produção e de relações
sociais subordinante e exploratório.
A institucionalização da EcoSol, todavia, suscitou o receio de,
contraditoriamente, haver uma diminuição da autonomia dos trabalhadores por meio do
aumento da intervenção do Estado ou da dependência de políticas públicas específicas.
Assim, ao mesmo tempo que houve a criação de um órgão público especificamente
designado para fomentar e incluir a EcoSol na agenda das políticas públicas do país,
correu-se o risco do surgimento de práticas assistencialistas e clientelistas, com as quais
54
produtores acabem por reforçar a noção de “Estado provedor”, em absoluta contradição
com as propostas da EcoSol, que entende o trabalho como estratégia de fomento à
autonomia e liberdade. A intenção da integração da SENAES na estrutura do Estado
brasileiro intencionou, pois, contribuir para superar práticas tradicionais de dependência
que têm comprometido a autonomia necessária para o desenvolvimento das
organizações sociais, dos grupos informais e dos agricultores/as do país.
Outra ponderação que merece ser apontada diz respeito ao fato de que a
institucionalização da EcoSol pode fazer com que as decisões dos produtores/as não
sejam executáveis pelos Estados por conflitos de interesses, além de correrem o risco de
serem atravancadas pelos formalismos e procedimentos que orientam as ações de
Estado. A preocupação, portanto, era que a burocracia - típica do poder público em face
da legalidade que orienta um Estado de Direito - poderia se reverter, no fim das contas,
no emperramento de ações que antes da SENAES eram menos complexas, mais rápidas,
mais independentes, embora não tivesse o apoio público.
A partir do funcionamento dos Fóruns Brasileiros de Economia Solidária
(FBES) foram organizados eventos estaduais e regionais que deveriam discutir e
compilar as demandas locais e reuni-las para levá-las aos eventos nacionais. A
descentralização das discussões sobre os rumos da EcoSol no Brasil foi
progressivamente adquirindo projeção: em 2002 existiam encontros em apenas cinco
Estados da federação; já em 2003 foram registradas plenárias em 17 Estados. A partir de
2006 realizaram-se fóruns estaduais em todos os Estados brasileiros (FBES, 2015).
O FBES atua com três frentes de discussões, quais sejam: os empreendimentos
econômicos solidários; as entidades de assessoria e fomento; e os gestores públicos,
promovendo articulações para além das fronteiras nacionais. São crescentes as
discussões sobre as experiências e estratégias em favor da economia solidária no âmbito
de toda a América Latina, onde foi criada a Rede Intercontinental para a Promoção da
Economia Solidária (RIPESS).
Vê-se, então, que a EcoSol ganha progressiva projeção na pauta das agendas
institucionais e dos movimentos sociais no Brasil, uma vez que o trabalho
autogestionado passou a ser percebido como uma alternativa economicamente viável e
socialmente justa para a geração de renda. Nesse sentido, sobretudo a partir da década
de 1990 do século passado, a ideia de obtenção de trabalho e renda via economia
solidária adquiriu proeminência, ampliando-se o número de experimentos associativos
55
que passaram a ser organizados pelos trabalhadores, no meio urbano e rural
(GONÇALVES, 2009).
No âmbito rural, especificamente, variadas atividades alternativas que assumem
princípios da economia solidária e que são capazes de conviver com as especificidades
do semiárido vêm sendo introduzidas ou fomentadas, tais como artesanato (inclusive
com aproveitamento de resíduos industriais), fabricação de doces, apicultura, produção
de hortaliças, caprinovinocultura, legumes, verduras e frutas e, a depender dos aspectos
climáticos, queijo e leite. Como consequência, percebe-se a organização e valorização
do trabalho de pequenos grupos produtivos, o que reflete o reconhecimento da
possibilidade de geração de renda mesmo em mínimos espaços rurais, além de favorecer
o trabalho desempenhado por agrupamentos de base familiar - o que beneficia a
participação feminina, já que viabiliza a cumulação de trabalho doméstico e de cuidado,
com a geração de renda.
No Estado do Rio Grande do Norte, a Rede Xique Xique de Comercialização
Solidária destaca-se no apoio à comercialização dos bens produzidos por pequenos
agricultores, grupos informais, associações e cooperativas do semiárido
norteriograndense, além de atuar na mobilização política das/os produtoras/es da região.
Ademais, tal entidade realiza encontros periódicos de formação e troca de experiências
entre os coletivos integrantes da Rede, além de organizar feiras e participar de eventos
sobre EcoSol, feminismo e agroecologia, tripé que orienta as suas ações e decisões.
As experiências de EcoSol no Brasil, entretanto, são comuns a distintos
contextos econômicos e sociais: empresas falidas ou em crise, recuperadas pelos
trabalhadores; grupos e associações comunitárias, de caráter formal ou informal;
associações e cooperativas constituídas por agricultores/as familiares e assentados da
reforma agrária; cooperativas urbanas; grupos de finanças solidárias, dentre outros.
Significativas pressões dos movimentos sociais cobram ações públicas na área
da EcoSol, a fim de que, em longo prazo e na melhor das hipóteses, haja não somente
uma mudança nos rumos das ações e das políticas encabeçadas pelo Estado brasileiro,
mas a ampliação do exercício dos direitos sociais e, por conseguinte, da cidadania, pela
via do trabalho, resultando em um processo de alargamento e consolidação da
democracia brasileira. Tal postura parte do pressuposto exposto por Cohn (2011, p. 10),
de que a ampliação da democracia política e social é um instrumento civil que tem
como resultado o fortalecimento da dimensão pública da vida social no processo de
rearticulação da relação Estado-sociedade civil, o que é também afirmado por Amartya
56
Sen (2000), quando defende que o desenvolvimento numa perspectiva humana é
pressuposto para um processo de expansão das capacidades dos indivíduos, como as
liberdades públicas, que asseguram a participação nas ações do Estado, por meio de
processos democráticos.
A sociedade civil organizada, em conjunção com as pastorais sociais, articulada
com as universidades e organizações não-governamentais, vem contribuindo
significativamente para a conquista e implementação de direitos, inclusive em se
tratando da inserção da EcoSol como uma estratégia política nacional a orientar os
investimentos públicos. Todavia, ao tempo em que é perceptível o incremento de
políticas públicas que assumem propostas da EcoSol, ainda há uma substancial
fragilidade institucional da SENAES que, além de figurar como estratégia periférica de
desenvolvimento para o Estado brasileiro, ainda está suscetível a sucumbir diante das
vicissitudes ou instabilidades políticas que imperam no Brasil hodiernamente.
Na conjuntura atual, o Brasil passa por dificuldades orçamentárias que impõem
corte nos gastos públicos e/ou uma política de incremento de receitas. Em decorrência
deste cenário, o governo federal negociou com os partidos que compõem a base do
governo uma reforma ministerial para o ano de 2015, a fim de diminuir a estrutura do
governo, com o propósito de atender às políticas de contensão de gastos.
Especificamente em relação à SENAES, Paul Singer chegou a informar à Revista Carta
Capital (REPORTER BRASIL, 2015) que recebeu um aviso de que seria exonerado, e
em seu posto iria haver a indicação de um político ligado ao Partido Democrático
Trabalhista (PDT), vez que o governo estava com dificuldades de aprovação de ações
do seu interesse no Congresso Nacional, e tal indicação seria uma estratégia para
obtenção de apoio para aprovar projetos do governo.
Paul Singer, anteriormente, já havia exposto à imprensa que o governo teria de optar
entre as vantagens do poder ou seu projeto para o país, alertando que o Partido dos
Trabalhadores (PT) poderia perder a base social que balizou a sua institucionalização como
partido político se seguisse adotando medidas de austeridade. Houve uma redução
orçamentária que gira em torno de 60% do que seria o orçamento de 2015. Nos termos do
exposto no Portal da Transparência Brasil, que divulga gastos públicos, o orçamento direto
da SENAES em 2015 foi cerca de R$ 151 milhões, até 31 de agosto. Em 2014, foi cerca
de R$ 227 milhões, e em 2013 cerca de R$ 194 milhões.
Afirma, ademais, Singer, que os mais de vinte mil grupos brasileiros que praticam
EcoSol fizeram um protesto, em 2015, em um encontro que realizaram em Santa Maria
57
(RS), em razão dos cortes orçamentários. Membros da SENAES informavam que se Paul
Singer fosse substituído iriam pedir demissão, dada a sua especialidade e experiência na
área, o que significaria a perda das ações empreendidas ao longo de 12 anos de existência
da secretaria.
Diante da abertura do processo de impedimento que culminou no afastamento da
Presidente Dilma Rousseff do governo, um dos primeiros atos do novo presidente, Michel
Temer, ainda em seu mandato interino, foi nomear para coordenar a SENAES Natalino
Oldakoski, escrivão de polícia Classe C 1, aposentado pelo Estado do Paraná. Tal
iniciativa foi bastante contestada pelos grupos, fóruns e redes de EcoSol do Brasil,
sobretudo pela descontinuidade das políticas públicas já implementadas e pela
desorganização de informações e dados relativos à EcoSol no Brasil.
1.2.2 O que a SENAES propôs até 2016?
Após o início do processo de redemocratização que culminou com a
promulgação da Constituição Federal de 1988, buscou-se a efetivação de políticas
neoliberais no Brasil, precisamente nos governos Collor e Fernando Henrique Cardoso.
Essas iniciativas, ao fomentarem a ideia de Estado mínimo e fortalecerem a iniciativa
privada, repercutiu no crescimento das organizações não governamentais (ONGs).
Com o robustecimento dos movimentos sociais no Brasil, que culminou com a
eleição do presidente Luis Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores, houve
reflexos importantes na área da EcoSol, tanto que, em 2003, em resposta às pressões
sociais (seminários, plenárias, fóruns, cartas, passeatas, dentre outras) das articulações
da sociedade civil organizada, dentre as quais se destacaria a Central Única dos
Trabalhadores (CUT), no campo da economia solidária, instituiu-se, no âmbito do
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a Secretaria Nacional de Economia Solidária
– SENAES.
Tal iniciativa representou uma importante mudança de perspectiva no que se
refere às atribuições do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), significativamente
ampliadas. Tal ministério trataria, a partir de então, não somente de relações regidas
pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), mas também do estímulo e
fortalecimento do trabalho autogestionado, associado e cooperado, diretrizes que
competem à SENAES fomentar, nos termos do Decreto n. 5063, de 08 de maio de 2004.
Assim, houve um ganho social relevante com a criação desta secretaria, sobretudo com
58
a ampliação dos horizontes do MTE que, ademais de velar pela proteção dos
trabalhadores assalariados, expandiu os seus desafios e passou a tratar de ações políticas
relativas ao trabalho autônomo e às organizações coletivas de trabalho, atribuição
inédita7.
Assim, além de fiscalizar e gerir relações laborais regidas pela CLT, políticas
salariais e proteção do meio ambiente do trabalho, o MTE passou a tratar de
cooperativas, associações, grupos informais de trabalhadores autônomos, tais como
pescadores, catadores de material reciclado. A SENAES, pois, qualificou a atuação do
MTE no que diz respeito ao seu dever legal de proporcionar o usufruto de direitos
sociais também a trabalhadores não assalariados, inclusive com o estímulo à criação,
manutenção e ampliação de oportunidades de trabalho e acesso à renda, por meio de
empreendimentos autogestionados, organizados de forma coletiva e participativa.
Segundo o Decreto n. 5063/2004, a SENAES possui legalmente a atribuição de
subsidiar a definição e coordenar as políticas de economia solidária no âmbito do MTE
que contribuam para a determinação de diretrizes e prioridades da política de economia
solidária, a partir da articulação com representações da sociedade civil. Tem o objetivo,
portanto, de estimular as relações sociais de produção e consumo baseadas na
cooperação, na solidariedade e na satisfação e valorização dos seres humanos e do meio
ambiente, visando a geração de trabalho e renda, a inclusão social e a promoção do
desenvolvimento justo e solidário8.
Instituída para colaborar com a missão do Ministério do Trabalho e Emprego de
promover os direitos humanos dos trabalhadores brasileiros, a SENAES colocou a
EcoSol como um referencial a ser fomentado pelo Estado brasileiro, via criação e
fortalecimento dos empreendimentos econômicos solidários, por meio de ações diretas
ou por meio de cooperação e convênios com outros órgãos governamentais (federais,
estaduais e municipais) e com organizações da sociedade civil vinculadas à temática da
economia solidária (MTE, 2015).
7 Relação de trabalho é o gênero do qual faz parte da relação de emprego. Esta se caracteriza por ser
onerosa, prestado de forma pessoal e habitualmente, por pessoa física, mediante subordinação jurídica a
um empregador, que assume os riscos da atividade econômica desenvolvida. Existem relações de trabalho
que não possuem tais características, tais como o trabalho avulso, eventual, voluntário, por exemplo. 8O inciso XIII do art. 30 da Lei n
o 10.683, de 28 de maio de 2003, instituiu o Conselho Nacional de
Economia Solidária, que é órgão colegiado integrante da estrutura do Ministério do Trabalho e Emprego,
composto por entes da chefia do executivo, variados ministérios, entes da sociedade civil e órgãos
públicos de fomento, que tem natureza consultiva e propositiva, e assumiu a finalidade, em suma, de
avaliar o cumprimento de programas, propor aperfeiçoamento da legislação e examinar propostas de
políticas públicas na área de economia solidária.
59
Seria de sua competência, ainda, planejar, controlar e avaliar os programas
relacionados à economia solidária, bem como colaborar com outros órgãos de governo
em programas multidisciplinares de desenvolvimento e combate ao desemprego e à
pobreza, de modo a promover uma transversalização da EcoSol na estrutura e ações do
Estado. Para cumprir o seu mister, a SENAES, em 2003, contava com 19 funcionários
e, em 2010, este número aumentou para 44 funcionários, entre estagiários, terceirizados,
servidores públicos e comissionados (SENAES/MTE, 2015). Em relação aos órgãos
internos, a secretaria foi instituída com a seguinte estrutura:
Quadro 4 Organograma administrativo da SENAES
Fonte: Avanços e desafios para as políticas públicas no governo federal 2003/2010
A fim de efetivar as determinações que lhe foram designadas por lei, a SENAES
passou, entre os anos de 2004 e 2007, a realizar a estruturação das ações de formação
em “Economia Solidária, Políticas Públicas e Desenvolvimento Solidário” para os
servidores do MTE que trabalham nas Secretarias Regionais do Trabalho e Emprego
(SRTE‟s) e atuam em programas de apoio à EcoSol, uma vez que estes órgãos têm a
atribuição de fiscalizar o cumprimento de normas de saúde, higiene e segurança do
60
trabalho e os seus servidores precisariam de noções básicas sobre o tema para as
conjunturas existentes no Brasil.
As políticas públicas afetas à SENAES assumiram, entre 2003 e 2016, o papel
pedagógico de estimular o questionamento crítico dos valores e práticas predominantes
atualmente na sociedade, especialmente tendo em vista as propostas de
desenvolvimento do Estado brasileiro. Para tanto, estimulou, via políticas públicas,
relações humanas de produção e consumo mais equilibradas ambientalmente, ao tempo
em que buscou investir em meios viáveis de valorização dos direitos humanos do
trabalhador, tal como, por exemplo, instigando a responsabilidade social com a cadeia
produtiva dos produtos comercializados/adquiridos, concedendo apoio técnico aos
grupos autogestionários.
A EcoSol, como projeto político que visa buscar o empoderamento e a
autonomia dos indivíduos, procura estimular meios produtivos que tenham uma maior
interação e compatibilidade entre o desenvolvimento humano e ambiental. A SENAES,
nesse sentido, assumiu a proposta de contribuir para o alcance deste objetivo, por meio
do incentivo à construção de uma nova “racionalidade ambiental”, com a edição de
políticas públicas capazes de recuperar o sentido do pensamento e da ação humana e
institucional na ordem social e nos modos de vida das pessoas, integrando a razão e os
valores, à natureza e à cultura (LEFF, 2009). Esta mudança de perspectiva, porém, tem
demandado a discussão e avaliação dos padrões morais sobre os quais os indivíduos e,
por conseguinte, a sociedade e as instituições estão calcadas. Segundo Leff (2009, p.
49),
Diante da racionalidade instrumental de um mundo objetivado pela
metafísica e pela ciência, a racionalidade ambiental coloca em jogo o
valor da teoria, da ética, das significações culturais e dos movimentos
sociais na invenção de uma nova racionalidade social, na qual
prevalecem os valores da sustentabilidade, da diversidade e da
diferença frente à homogeneização do mundo, ao ganho econômico,
ao interesse prático e à submissão dos meios aos fins traçados de
antemão pela visão utilitarista do mundo. O saber ambiental orienta
uma nova racionalidade para os “fins” (grifos do autor) da
sustentabilidade, da equidade, da democracia.
Nesse sentido, a inclusão do trabalho autogestionado e cooperativo como uma
estratégia em favor da disseminação de uma racionalidade mais próxima da justiça
social se demonstra, tal como asseverado por Leff (2009), como um passo importante
61
para estimular novas práticas produtivas. Porém, o que conferiu mais legitimidade à
criação da SENAES e sinalizou uma disposição social mais comprometida com novas
formas de relações intersubjetivas, foi o fato de que a sua inserção na estrutura do
Estado foi uma demanda dos movimentos sociais. Isto indica que a SENAES figura
como um instrumento público e popular de promoção de uma racionalidade ambiental,
cultural, política e econômica, capaz de fomentar padrões produtivos menos
exploratórios, relações sociais mais iguais, convívio ambiental mais equilibrado.
Mary Douglas (1998), ao investigar o relacionamento entre mentes e instituições
em várias comunidades, entende que mesmo os indivíduos compartilhando pensamentos
e harmonizando as suas preferências na sociedade, as principais decisões sociais são
determinadas pelas instituições. Por esta razão, há descontinuidade entre as demandas
apresentadas pelos indivíduos e as ações políticas institucionais respectivas. É como se
houvesse uma perda de força no caminho entre a demanda da sociedade e as ações
públicas, pois as decisões decorrentes da apropriação das necessidades da população
pelo Estado se submetem não só às formalidades e burocracias próprias da
administração pública - ainda mais rígidas num Estado de Direito - mas também aos
interesses políticos e econômicos em disputa.
A própria garantia da governança9, portanto, ocasiona uma posição ambígua
para o Estado em determinados contextos, já que, por um lado, ele precisa de tributos
para se autossustentar – o que exige negociação com interesses econômicos dominantes
- e, por outro, precisa atender às demandas multifacetárias da sociedade, a fim de
alcançar o mínimo de legitimidade e estabilidade social. O dever institucional de
regular a vida social, de neutralizar as tensões geradas pela contradição entre os
investimentos econômicos e atender aos anseios sociais, exige do Estado a capacidade
de compatibilizar minimamente interesses que são cada vez mais antagônicos, sob pena
do próprio Poder Público sofrer consequências estruturais complexas, tal como a falta
de credibilidade das suas instituições.
No Brasil, particularmente, há dificuldades, inclusive, de compatibilizar as
tensões entre a esfera pública e a política, que se configuram como se fossem vontades
incomunicadas, em razão da crise de representatividade pela qual o país passa. Pode-se,
citar, por exemplo, a autorização para a modificação genética de alimentos, que, em
9 Segundo o Banco Mundial (Governance and Development, 1992), “governança é a maneira pela qual
o poder é exercido na administração dos recursos sociais e econômicos de um país visando o
desenvolvimento, e a capacidade dos governos de planejar, formular e programar políticas e cumprir
funções”.
62
absoluta contradição, foi concedida pelo mesmo governo que criou a SENAES. Tal
contexto é agravado substancialmente pelas práticas políticas espúrias que dificultam o
cumprimento das agendas políticas apresentadas em campanhas eleitorais, que, por sua
vez, sequer têm seus resultados respeitados.
Boaventura de Sousa Santos (2011), nesse sentido, chama a atenção para a
necessidade, mesmo diante das contradições que existem os Estados modernos, de
manter padrões mínimos de igualdade de oportunidades às diversas propostas sociais de
convivialidade, ao tempo em que defende que sejam resguardados meios de intervenção
dos indivíduos nas decisões públicas. Para este autor, para compatibilizar as pressões do
capitalismo transnacionalizado e as demandas por reconhecimento e redistribuição
sociais, é necessário que o Estado se assente em dois princípios:
O primeiro é a garantia de que as diferentes soluções institucionais
multiculturais desfrutaram de iguais condições para se desenvolverem
segundo a sua lógica própria. Ou seja, garantia de igualdade de
oportunidades às diferentes propostas de institucionalidade
democrática, mas também – e é este o segundo princípio de
experimentação política – garantir padrões mínimos de inclusão que
torne possível a cidadania ativa necessária a monitorar, acompanhar e
avaliar os projetos alternativos. Estes padrões mínimos de inclusão são
indispensáveis para transformar a instabilidade institucional em
campo de deliberação democrática (2011, p. 79).
A SENAES, como produto direto dos movimentos sociais, figurou como um
instrumento de conversão de demandas de grupos sociais tradicionalmente
marginalizados em política institucional. Por conseguinte, ao tempo em que deve
cumprir as exigências normativas e as rotinas administrativas do Estado de Direito
brasileiro, apresenta ressalvas à lógica de que as decisões públicas são alimentadas pela
crítica dos movimentos sociais, já que ela representa a decisão de um governo de
assimilar o pleito da própria sociedade civil de inserir a EcoSol na estrutura do Estado.
Para a sua própria legitimação e adesão social às suas iniciativas, precisa se
compatibilizar com as decisões sociais e políticas do organismo estatal, o que muitas
vezes gera conflitos e contradições, sobretudo diante do pouco poder de negociação que
os cidadãos possuem. Assim, o poder da crítica dos movimentos sociais, ao invés de
enfraquecer, justifica a existência da SENAES, ao tempo em que direcionou as suas
ações. Por isso, esta secretaria assume um papel político importante frente às demais
decisões públicas do Estado brasileiro, figurando como contraponto para o poder
público, assim como são os movimentos sociais.
63
A SENAES tem como principal público-alvo cidadãs e cidadãos organizados ou
que queiram se organizar nas formas da economia popular solidária. A prioridade de
assessoramento é para aqueles que vivem em situação de maior vulnerabilidade social,
particularmente aqueles beneficiados por programas de transferência de renda e de
geração de trabalho e renda. Diante da diversidade de conjunturas dos sujeitos deste
setor e da dimensão continental do país, a SENAES tem o desafio de manter,
efetivamente, um diálogo permanente com os beneficiários das suas políticas, via
articulação com a sociedade civil, universidades, pastorais e com os entes federados,
com o fito de garantir às ações implementadas respaldo e eficácia.
Em relação à distribuição de ações da SENAES ao longo dos anos, observa-se
instabilidade das políticas empreendidas, sobretudo diante do crescimento irregular das
ações desenvolvidas. Tal condição decorre, dentre outras razões, porque o primeiro
governo do Presidente Luís Inácio Lula da Silva viveu uma conjuntura externa
favorável, dada a confiabilidade internacional na capacidade do governo brasileiro
harmonizar interesses do grande capital e das demandas sociais. Como reflexo deste
contexto, houve um pico de crescimento de projetos apoiados no ano 2005. À medida
que esse ciclo externo favorável se esgota em face das instabilidades econômicas e
políticas do país, há uma tendência de maior pressão das elites políticas e econômicas
na busca pela manutenção dos seus privilégios. Tal conjuntura favorece a
descontinuidade de muitas políticas sociais, de modo a se reduzir o atendimento às
demandas populares, favorecendo crises institucionais.
A figura 2 mostra a inconstância do número de projetos de EcoSol apoiados pela
SENAES, no período de 2003 e 2010:
Figura 2 Projetos apoiados por ano (2003-2010)
Fonte: Pesquisa SENAES – SOLTEC/UFRJ, 2011
64
Quanto às áreas de alocação ou distribuição dos recursos financeiros destinados
à SENAES, eles abrigam diversos eixos de atuação, variando da finalidade de promoção
do desenvolvimento local, via apoio de catadores de materiais recicláveis, até a
assessoria técnica para a comercialização solidária.
Entre os anos de 2003 e 2010, houve investimentos em projetos de várias
vertentes. Vejamos:
Quadro 5 Distribuição de projetos por ações agregadas (2003-2010).
Fonte: Pesquisa SENAES – SOLTEC/UFRJ, 2011.
No Estado do Rio Grande do Norte, por exemplo, a SENAES desenvolve alguns
projetos em parceira com a Secretaria de Estado do Trabalho, da Habitação e da
Assistência Social – SETHAS. Esta secretaria recebeu frequentemente inspeções do
governo federal, entre 2004 e 2016, com o escopo de prestar assessoria, bem como de
verificar o andamento dos projetos empreendidos. Uma área de constante interlocução
do Rio Grande do Norte com a SENAES diz respeito à inclusão produtiva,
especialmente em face dos obstáculos ao potencial produtivo da região, principalmente
no semiárido nordestino. Dos 167 municípios do Estado, 86 já contam com ações
integradas de EcoSol, o que coloca o Rio Grande do Norte como uma referência
nacional em políticas desta área, segundo o secretário adjunto da Secretaria Nacional de
Economia Solidária (SENAES), Roberto Marinho (REDE, 2015).
65
No que se refere à distribuição dos investimentos promovidos pela SENAES,
entre 2003 e 2010 houve subsídio a 435 projetos, desenvolvidos em sua maioria nas
regiões nordeste e sudeste. A título de exemplo, a Rede Xique Xique foi beneficiária de
várias ações da SENAES, por meio do apoio de outras entidades executoras, como a
Associação de Apoio às Comunidades do Campo (AACC) e a Articulação Semiárido
Brasileiro (ASA). O primeiro projeto para o qual a Rede Xique Xique foi selecionada
como entidade executora foi o denominado “Apoio ao Sistema Nacional de Comércio
Justo e Solidário no Brasil: fortalecendo identidade, processos e práticas de base justa e
solidária”10
.
Segundo as informações do Mapeamento da Economia Solidária (2007), 4% da
população total potiguar está envolvida com ações de EcoSol, com a predominância da
participação masculina. O levantamento aponta também que a tendência das atividades
associativas no Estado são as parcerias para a utilização dos espaços (infraestrutura) e
equipamentos, seguidas das ações produtivas.
A SENAES financia tanto projetos regionais, em articulação com entes
federativos, como também iniciativas de abrangência nacional. Segundo o entrevistado
3, ainda se observa uma substancial centralização no governo federal das iniciativas de
projetos e investimentos em EcoSol. Segundo ele, tal situação indica a necessidade de
uma maior coordenação e entrosamento das políticas públicas de EcoSol, de modo a
favorecer a sua replicação pelos Estados e Municípios, considerando as peculiaridades
de cada região. A expectativa, segundo o entrevistado, é contar com a adesão dos entes
federados em relação à assimilação da lógica da EcoSol às políticas públicas locais, de
modo que a função da SENAES seja articular ou gerenciar em nível nacional as diversas
ações empreendidas em âmbito local ou regional, cabendo à cada ente federado o seu
planejamento, execução e avaliação.
No que se refere aos projetos apoiados pela SENAES por região, observa-se que
o nordeste é quem conta com o maior quantitativo:
10
O mencionado projeto tem como metas: Meta 1. Mobilização de 1680 empreendimentos para a adesão
ao SCJS; Meta 2. Desenvolvimento de metodologia participativa para credenciamento dos
empreendimentos; Meta 3. Desenvolvimento de um processo de planejamento, Monitoramento,
Avaliação e Sistematização do Projeto; Meta 4. Mobilização e Apoio as Comissões estaduais de
credenciamento dos empreendimentos; Meta 5: Articulação dos estados de Alagoas, Pernambuco, Mato
Grosso e Espírito Santo para adesão ao CADSOL e ao SCJS; Meta 6: Constituição de quatro comissões
gestoras estaduais de cadastro, informação e comércio justo e qualificação das lideranças sobre a
metodologia do CADSOL; Meta 7: Realização de um Seminário Nacional com representantes das 20
Comissões Gestoras Estaduais de Cadastro, Informação e Comércio Justo. (Disponível em:<
http://cirandas.net/redexiquexique/noticias?npage=2 >. Acesso em 10 abr 2016.).
66
Quadro 6 Abrangência dos projetos apoiados (2003-2010)
Fonte: Pesquisa SENAES – SOLTEC/UFRJ, 2011
Dentre as principais políticas desenvolvidas com o escopo de difundir práticas
de EcoSol, tal secretaria ainda assessorou Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas
Populares, em parceria com diversas entidades (sobretudo universidades públicas), a fim
de fomentar a criação de empreendimentos solidários em áreas carentes, especialmente
entre os anos de 2003 e 2008 (MTE, 2015). A SENAES também propôs uma
capacitação para a formação de agentes e lideranças locais, com a implantação do Plano
Setorial de Qualificação em Economia Solidária (PLANSEQ Ecosol), com o objetivo de
promover a qualificação social e profissional de trabalhadores/as de empreendimentos
econômicos solidários organizados em redes ou em cadeias de produção e
comercialização.
As políticas da SENAES contam com parcerias de organizações que atuam com
apoio, assessoria e formação de empreendimentos solidários organizados em rede,
dentre os quais podemos citar o Instituto Paulo Freire, o Instituto Florestan Fernandes,
ONG‟s, dentre outros. Tais alianças objetivam ampliar o potencial de inclusão social e
de sustentabilidade econômica, além de conferir uma dimensão emancipatória mais
plena via redes sociais, tal como promovem a Rede Nacional de Cooperação Industrial
(Renaci), a Rede de Economia Solidária e Feminista (RESF) e a Rede Justa Trama.
No período de 2008 a 2010, também se pode destacar o projeto do governo
federal de Organização Nacional da Comercialização dos Produtos e Serviços da
Economia Solidária, que visou dar suporte à implantação do Sistema Nacional de
Comércio Justo e Solidário (SNCJS), instituído pelo Decreto 7358/2010. Tal iniciativa
67
beneficiou diretamente 5,5 mil empreendimentos econômicos solidários, dentre os quais
se destaca, no Rio Grande do Norte, a Rede Xique Xique que, no ano de 2013, recebeu
1,5 milhão de reais da SENAES para criar processos de organização de sistemas
econômicos solidários e justos no âmbito dos diversos núcleos que compõem a REDE.
Observa-se, portanto, que embora a SENAES faça parte da recente estrutura
institucional do Estado brasileiro, entre 2003 e 2016, buscou construir articulações
importantes com vistas a atender demandas apresentadas pela sociedade ao poder
público. Para tanto, imprimiu nas políticas públicas das quais participa um viés
transversal e interdisciplinar, envolvendo outros ministérios e órgãos públicos
(estaduais e municipais) e privados, além de entidades da sociedade civil de variados
movimentos: juvenis, feministas, urbanos, rurais. Além de outras ações desenvolvidas
em parcerias, destaca-se, por exemplo, a articulação da SENAES com o Ministério da
Justiça (MJ), na execução do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania
(PRONASCI)11
, e com o Ministério da Educação (MEC), com o Programa de Extensão
Universitária (PROEXT)12
, além de programas de Educação de Jovens e Adultos (EJA).
A EcoSol também tem agregado valor às suas políticas por se articular com
outros movimentos sociais, tal como o feminista. A título de exemplo, podemos citar
dois projetos da SENAES desenvolvidos em conjunto com a Secretaria de Políticas para
as Mulheres (SPM): o projeto Brasil Local – Economia solidária e Economia Feminista
(2010-2012), voltado para o mapeamento de parceiros e identificação de propostas de
políticas públicas para o fortalecimento produtivo das mulheres; bem como o projeto
que instituiu o prêmio “Mulheres Rurais que Produzem o Brasil Sustentável”, que
premia experiências inovadoras e sustentáveis de grupos do campo e da floresta, que já
foi conquistado pelo Centro Feminista 8 de Março13
, em razão do desenvolvimento de
11
Programa de segurança pública destinado a jovens de 15 a 24 anos em situação de vulnerabilidade
social disciplinado pela LEI Nº 11.530, de 24 de outubro de 2007. 12
O Programa de Extensão Universitária (ProExt) tem o objetivo de apoiar as instituições públicas de
ensino superior no desenvolvimento de programas ou projetos de extensão que contribuam para a
implementação de políticas públicas. Tal programa passou a contar com um eixo temático voltado para
financiamentos de ações ou programas de extensão com linha de pesquisa em economia solidária. 13
O Centro Feminista 8 de Março (CF8) é uma Organização Não-Governamental que surgiu em março de
1993 a partir de ações voltadas à reivindicação da instalação da Delegacia Especializada em Defesa da
Mulher (DEAM), em Mossoró/RN. A partir da demanda de grupos locais, o objetivo de defesa da
integridade física das mulheres foi ampliado, e o grupo passou a atuar em várias frentes para a igualdade
de gênero: fortalecimento das organizações de mulheres nos espaços sociais, em especial as trabalhadoras
rurais, oferecendo apoio, assessoria e formação em gênero aos grupos de mulheres, comissões de
mulheres dos sindicatos rurais, entidades de assessoria técnica, gerencial e organizativa que atuam no
meio rural e urbano de Mossoró e região (Disponível em: <https://centrofeminista.com/a-instituicao/ >.
Acesso em 16 abr 16.).
68
um projeto de reutilização da água doméstica para o cultivo de hortaliças manejadas em
cultivos e base ecológica.
A institucionalização da SENAES na estrutura do Estado brasileiro trouxe,
portanto, repercussões significativas para os grupos produtivos do país, o que tem
contribuído para a democratização do conhecimento técnico e, por conseguinte, para a
qualidade dos bens produzidos pelos beneficiários das políticas públicas para o campo.
A adesão das políticas de EcoSol no Brasil por entes públicos, privados, além da
sociedade civil organizada, é fundamental para a progressiva aceitação e internalização
dos princípios da EcoSol, o que tende a gerar repercussões positivas na qualidade de
vida da população, especialmente a rural, a partir de estratégias não exploratórias do
ponto de vista ambiental e humano.
1.3 Breve percurso do movimento feminista no Brasil e no mundo e suas inter-
relações com a agroecologia e com a EcoSol
A divisão sexual do trabalho é uma expressão de origem francesa criada sob
impulso do movimento feminista já no século XVIII para denominar a desigualdade
sistemática a que as mulheres são historicamente expostas no âmbito laboral – do
contexto familiar ao mercado de trabalho. Tal discriminação é produto de uma cultura
de dominação que, além de converter os corpos femininos em objeto, hipervalorizou
uma suposta aptidão masculina para o trabalho produtivo, em detrimento do trabalho
reprodutivo, destinado exclusivamente às mulheres. Este sistema de relações baseado na
sujeição a partir do gênero foi legitimado pelo modo de produção capitalista e pela
religião, e se caracterizou por subvalorizar a força de trabalho feminina,
desconsiderando as potencialidades econômicas de grande parcela da população
mundial, o que implicou em reflexos políticos, ambientais, científicos.
Embora absolutamente necessário, o trabalho dispendido com as atividades
domésticas, com o cuidado dos filhos, maridos e parentes idosos, com o preparo da
alimentação e com as pequenas produções no âmbito doméstico – sem os quais a renda
e a alimentação não contariam com a galinha, os ovos, as frutas, os legumes e hortaliças
- é tradicionalmente encarado como “ajuda” e desconsiderado para o pensamento
desenvolvido pelas ciências econômicas clássica e neoclássica (QUINTELA, 2006).
Esta conjuntura denuncia a invisibilidade da mulher nos modelos macroeconômicos, e
69
desperta questionamentos sobre a necessidade de se quantificar o trabalho feminino não
remunerado no âmbito familiar e comunitário para fins de inclusão nas contas nacionais,
como nos cálculos do orçamento e do Produto Interno Bruno (PIB) ou para a assistência
previdenciária, em caso de acidente ou doença, por exemplo.
A partir das últimas décadas do século passado, o aumento da participação
feminina em diversos âmbitos sociais suscitou discussões em torno da histórica
conversão cultural das diferenças biológicas/anatômicas, especificamente sexuais, dos
corpos humanos em desigualdade social. Tal perspectiva questiona as posturas que
desfavorecem e negam a contribuição das mulheres para a humanidade. Nesse sentido,
passou-se a contestar o ofuscamento de várias mulheres cientistas, tal como Olympe de
Gouges14
, a violência de gênero, a inexistência de políticas públicas de geração de renda
para as mulheres, as condições de produção, o acesso à terra, à linhas de créditos
específicas para as mulheres. Essa conjuntura foi mitigada pelo Brasil entre 2003 e
2016, com a criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres, que instituiu o I e o II
Plano Nacional de Política para as Mulheres, e que dialogou com vários outros
ministérios e secretarias em prol da correção de desigualdades históricas de gênero,
inclusive com a SENAES.
Ao analisar este contexto tradicional de marginalização, os movimentos
feministas de base socialista entendem que o funcionamento do sistema de capital é o
principal gerador de desigualdade entre homens e mulheres. Isto porque é base de
sustentação do capitalismo o pagamento de salários menores às mulheres, o
estabelecimento de entraves à ascensão feminina a cargos de chefia (denominado “teto
de vidro”), bem como a destinação de atividades precárias às mulheres, tais como os
postos de trabalho terceirizados (atividades-meio), contexto ainda mais precarizado nos
contextos em que não há suporte social às famílias (serviços de educação,
profissionalização, saúde, creches), submetendo-as a trabalhos informais e por tempo
parcial, a fim de compatibilizar o trabalho assalariado com os cuidados domésticos.
Tal segmentação por gênero, conforme Pinheiro et al (2006), está vinculada às
construções culturais e sociais em desfavor das mulheres, a atribuindo espaços e valores
14
Feminista revolucionária, historiadora e jornalista, autora de peças de teatro francesas, cujo
pseudônimo era Marie Gouze, Olympe nasceu em Montauban (França), em 1748 e morreu em 1793,
em Paris (França). Os seus escritos, invariavelmente feministas, alcançaram enorme popularidade na
Europa. Defendeu a democracia e o reconhecimento dos direitos das mulheres. Em contraposição à
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, durante a Revolução Francesa, lançou a
obra “Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã”, em setembro de 1791, desafiando a conduta
sexista e a relação homem-mulher vigente naquele contexto. Devido aos escritos e atitudes pioneiras, foi
executada (Disponível em: <http://www.olympedegouges.eu/>. Acesso em 24 jul. 2016).
70
hierarquicamente diferenciados a mulheres e homens. Não se trata, portanto, de
questões relativas a atributos técnicos ou à escolarização, sobretudo porque as mulheres
apresentam melhores indicadores educacionais, mas de uma divisão sexista das
oportunidades laborais, ainda agravadas pelas políticas de desregulamentação dos
direitos trabalhistas, promovidas em nome de uma reestruturação produtiva que
equivale à renúncia de garantias sociais, situação ainda mais contundente em zonas
rurais, dadas as condições de pobreza e vulnerabilidade desses contextos, o que faz com
que as desigualdades sejam ainda mais gritantes.
Diante deste cenário, o movimento feminista passou a encampar iniciativas para
discutir mecanismos de contestação e transformação da sociedade, a partir da hipótese
de que a organização da estrutura social não é sexualmente neutra. Afirmam, pois, que a
construção cultural de uma identidade autêntica masculina conduziu a sectarismos e a
formas de dominação (FRASER, 2003), dualizando os comportamentos sociais: de um
lado os fortes, racionais, equilibrados, desbravadores, independentes e decididos, de
outro, as frágeis, histéricas, dependentes, comedidas, o que instituiu um sistema de
hierarquia entre homens e mulheres, invariavelmente mais prejudicial a estas.
Para propor a revisão dos papeis e estigmas sociais que giram em torno de “ser
mulher”, o movimento feminista buscou se aliar a outras iniciativas que lutam contra
relações históricas de desigualdade, inclusive buscando o estabelecimento de diálogos
mais horizontais e transdisciplinares do ponto de vista econômico. O objetivo, pois,
seria favorecer a ampliação da igualdade de oportunidades, a partir do reconhecimento
da autonomia e da capacidade de gerenciar as vocações e necessidades a grupos
humanos vulnerabilizados tradicionalmente, como os desempregados, campesinos/as,
negros/as, indígenas, quilombolas, também impedidos de exercerem a liberdade que
caracteriza a condição humana.
Os fomentadores da economia solidária perceberam as mulheres como agentes
produtivas importantes no processo de reconfiguração das relações econômicas,
humanas e ambientais vigentes, tendo em vista a maior disposição para a cooperação,
decorrentes das características ou estigmas históricos que elas tiverem de suportar. A
EcoSol, portanto, compreendeu as potencialidades do trabalho feminino em diversas
conjunturas, sobretudo porque as qualidades tradicionalmente atribuídas às mulheres
favorecem à autogestão, à relações de coordenação, bases para a EcoSol. Ademais, a
abertura que a EcoSol vem conferindo às mulheres, sobretudo via formação de redes
sociais, tem representado um importante recurso para o empoderamento político,
71
familiar, comunitário e social, pois tem provocado uma reestruturação do papel das
mulheres em diversas conjunturas das quais não participavam, o que é decisivo para a
desconcentração ou redistribuição de poder social.
A convergência entre EcoSol e feminismo deriva, portanto, do propósito comum
de fomentar relações intersubjetivas mais iguais, o que pressupõe o acesso paritário aos
espaços de participação comunitário, econômico e político por parte dos indivíduos. Tal
objetivo é comum a diversos grupos e movimentos sociais, que aliam princípios da
EcoSol às lutas feministas, tais como a Rede Latino-americana Mulheres
Transformando a Economia (REMTE)15
e a Rede de Economia Solidária e Feminista
(RESF), esta última criada em 2012, como resultado do Projeto Brasil Local Economia
Solidária Economia Feminista, proposto pela SENAES em parceria com outras
entidades.
No semiárido potiguar, a articulação entre a economia feminista e solidária vem
sendo qualificada pela agroecologia, que, conforme Gliessmann (2000), consiste na
aplicação dos princípios e conceitos da ecologia ao desenho e manejo de
agroecossistemas sustentáveis. Várias entidades do oeste do Rio Grande do Norte
realizam intercâmbios em torno da defesa de princípio da EcoSol, aliados ao feminismo
e à agroecologia, tal como o Centro Feminista 8 de Março, a Articulação Semiárido
Brasileiro (ASA) e a Rede Xique Xique de Comercialização Solidária. A agroecologia,
ao integrar conhecimentos de agronomia, ecologia, economia e sociologia (ALTIERI,
1989), vem contribuindo para a validação científica de saberes tradicionais e,
reflexamente, reafirma valores comuns aos propagados pela EcoSol e pelo feminismo,
tal como o respeito à capacidade de suporte dos recursos naturais, à formação de cadeias
produtivas não-exploratórias e à ideia de simbiose entre os indivíduos e o meio
ambiente.
15
A Rede Latino-americana Mulheres Transformando a Economia (REMTE) constituiu-se em 1997, com
o objetivo de contribuir para a apropriação crítica da economia por parte das mulheres, através de geração
de ideias, debates, ações e iniciativas políticas. Fazem parte da REMTE grupos de 10 países: Bolívia,
Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, México, Peru, Venezuela; os quais reúnem
mulheres urbanas e rurais, organizações de base, ONGs e academias envolvidas na construção do
movimento feminista. A rede partilha amplas iniciativas de luta contra o neoliberalismo e o “livre
comércio”, a dívida e a militarização, naquilo que se refere à sua visão feminista. Possui articulações com
a Marcha Mundial das Mulheres, o Fórum Social Mundial – faz parte de seu Conselho Internacional –, a
Assembleia de Movimentos Sociais, a Aliança Social Continental, a Minga Informativa dos Movimentos
Sociais e outros (Disponível em:<
http://www.servicioskoinonia.org/agenda/archivo/portugues/obra.php?ncodigo=30>. Acesso em 15 ago.
2016).
72
Esta comunhão de perspectivas gerou movimentos e organizações que fomentam
a reconfiguração das cadeias de produção convencionais da agricultura - baseadas em
insumos agroquímicos - utilizados exponencialmente após a segunda guerra mundial
(GLIESSMAN, 2000). Ademais, a produção no campo em larga escala se caracteriza
por desconsiderar prerrogativas sociais básicas, como os direitos trabalhistas dos
trabalhadores/as rurais, além de impor uma lógica produtivista predatória, do ponto de
vista ambiental. Tal perspectiva vem fomentando o progressivo reconhecimento da
necessidade de investir em meios interdisciplinares de produção, baseados na gestão
colaborativa, não-hierárquica e comprometida com a capacidade de resiliência dos
recursos naturais, que entende a agroecologia como um mecanismo em favor da
afirmação dos direitos humanos.
Nesse sentido, o movimento feminista de base marxista entendeu que era
importante a reestruturação do modo de produção hegemônico como basilar na busca
por maior igualdade de gênero (FERGUSON; HENNESSY, 2010). – que, ao se
articular com movimentos sociais que questionam os paradigmas exploratórios,
suscitam novas propostas de orientação da ordem econômica contemporânea. Para
tanto, o feminismo se aproximou dos princípios da economia solidária e da agroecologia
como meios de construção de novas bases para as relações intersubjetivas e ambientais
contemporâneas.
1.3.1 Trajetória da institucionalização do fomento à construção de uma
Economia Feminista e Solidária no Brasil
De 1827, quando as mulheres passaram a ter direito de frequentar a escola no
Brasil, a 1940, quando os movimentos e organizações feministas começaram a ser
duramente repreendidos em face do início de um período autoritário, avanços e
retrocessos caracterizaram a história das lutas feministas no Brasil. Entre a fase
autoritária de 1940 e 1970 houve uma estagnação nos avanços pelo reconhecimento
público de direitos das mulheres, o que acarretou na ascensão de agrupamentos e da
participação feminina em diversos movimentos políticos brasileiros (BANDEIRA;
MELO, 2010).
A partir da década de 1970 do século passado uma nova onda feminista cresceu
em nível mundial. Como resultado da difusão do pensamento feminista, baseado na
repercussão dos livros de Simone de Beauvoir (1910-1986) – O Segundo Sexo (1949) –
73
e de Betty Friedman (1921-2006) – A Mística Feminina (1963), as mulheres ganharam
as ruas para criticar as dificuldades que giram em torno da condição feminina. Em 1975,
a Organização das Nações Unidas (ONU) organizou a Conferência Internacional sobre a
Mulher, no México, motivo pelo qual esse ano foi declarado, pela primeira vez na
história, como Ano Internacional da Mulher. No mesmo ano foi instituído no Brasil o
Movimento Feminino pela Anistia, em São Paulo, que se alastrou por diversos Estados
do país. Dado o alto índice de violência contra a mulher no Brasil – número não
quantificado em face da ausência de controle público – se multiplicaram as
organizações acerca do tema (BANDEIRA; MELO, 2010).
Em 1979, a primeira mulher ocupa o posto de senadora no Brasil, Eunice
Michillis, em virtude da morte de João Bosco de Lima (Amazonas), fato que
subliminarmente denunciou a necessidade de incremento da participação política
feminina. Há, entretanto, até então uma lacuna entre os interesses das mulheres e os
interesses que elas representam na política brasileira, ou seja, a baixa representatividade
da mulher no parlamento brasileiro16
ainda é desqualificada pela ausência de
compromisso com as demandas femininas – evidenciando o que Nancy Fraser (2003)
conclui: representatividade não necessariamente se converte em redistribuição.
Em 1983 houve o Assassinato de Margarida Maria Alves (1943-1983), primeira
mulher presidente do Sindicato Rural de Alagoa Grande na Paraíba (BANDEIRA;
MELO, 2010). Tal data configura-se em um marco histórico para o movimento das
trabalhadoras rurais no Brasil.
Em 1991 foi criada a primeira Rede Feminista no Brasil de que se tem notícia, a
Rede Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Reprodutivos, sendo que já no ano
seguinte foi instituída a Rede Feminista Norte e Nordeste de Estudos sobre a Mulher e
Relações de Gênero (REDOR), composta de núcleos de pesquisa sobre esta temática
das universidades e instituições dessas regiões. No ano de 2000 foi organizada a
primeira Marcha das Margaridas, em Brasília, pela Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) e pela CUT, em parceria com várias
associações sindicais e feministas (BANDEIRA; MELO, 2010). Esta marcha é
composta por grupos de trabalhadoras rurais, extrativistas, indígenas e quilombolas, que
16
Apesar de representarem a maior parte da população (52%), as mulheres são minoria na política.
Atualmente menos de 10% das vagas da Câmara dos Deputados e pouco mais de 15% das do Senado são
ocupadas por essa parcela. Disponível em: <
http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/05/21/bancada-feminina-exige-cota-para-mulheres-
na-politica>. Acesso em 01 ago. 2016.
74
ocupam as ruas anualmente na capital federal para reivindicar por maior sensibilidade às
suas demandas.
Diante desse cenário social de crescente organização e inter-relacionamento de
grupos feministas, o Estado brasileiro, atendendo às demandas postas, criou, pela Lei nº
10.683/2003, a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), vinculada
diretamente à Presidência da República e dotada de status ministerial e de orçamento
próprio. A partir de então, várias conferências nacionais foram organizadas para
sistematizar as demandas femininas das variadas regiões do país, o que teve resultados
significativos, especialmente porque houve a elaboração do I Plano de Políticas para as
Mulheres (2005), bem como a edição da Lei 11340/2006 (Lei Maria da Penha).
Observando a vulnerabilidade ainda maior das mulheres rurais, em 2008 foi lançada a
Campanha Nacional pelo Enfrentamento da Violência contra as Mulheres do Campo e
da Floresta.
Em nível mundial, a Marcha Mundial de Mulheres (MMM), movimento
internacional em favor da igualdade de reconhecimento e de oportunidade para as
mulheres, foi responsável por interpenetrar as demandas femininas em outros
movimentos sociais. Buscou interlocuções até então não existentes, a exemplo do que se
observa nos movimentos sociais do semiárido potiguar, onde a Marcha possui
importante articulação com o Centro Feminista 8 de Março, com redes de trabalhadoras
rurais e com entidades de apoio ao semiárido.
A Marcha foi criada em Quebec (Canadá), no ano de 2000, inspirada em um
manifesto ocorrido no ano de 1995, quando 850 mulheres marcharam 200 quilômetros
para suscitar o reconhecimento de direitos sociais. Ao final da ação, conquistas
importantes foram implantadas pelo governo canadense, como o aumento do salário
mínimo, mais direitos para as mulheres imigrantes e apoio à economia solidária
(MARCHA, 2015).
Dada a representatividade desta inciativa, as mulheres de Quebec iniciaram
contatos com organizações de diversos países, a fim de compartilharem essa
experiência. Apresentaram, então, propostas de criação de uma campanha universal em
favor das mulheres. O contato inicial no Brasil foi com a CUT, que marcou reuniões
para analisar propostas e definir representantes do país para participar do primeiro
encontro internacional da MMM, ocorrido em 1998, em Quebec, que contou com a
participação de 65 países. Como fruto do encontro foi elaborada uma plataforma de
75
reivindicações para a supressão da pobreza e da violência contra as mulheres
(MARCHA, 2015).
A projeção da MMM, porém, além de derivar da progressiva organização de
movimentos sociais feministas, decorre das suas alianças com outros movimentos,
estimuladas pelo compartilhamento de discussões em eventos, tal como nos Fóruns
Sociais Mundiais, ambiente central para a construção de diversas articulações entre
coletivos das mais variadas temáticas. Desde a sua primeira edição, em 2001, já houve
várias discussões em torno da ideia de que “Outro mundo possível”, de onde surgiu o
slogan da EcoSol, “Uma outra economia é possível”.
As crescentes articulações da MMM, especialmente fortalecidas nos Fóruns
Sociais Mundiais, nas Marchas das Margaridas e nos Fóruns Brasileiros de Economia
Solidária, convergiam com outras demandas sociais, o que lhe fez aproximar, por
exemplo, da Rede Latino-americana Mulheres Transformando a Economia, da Via
Campesina17
e da Amigos da Terra Internacional18
. Destas uniões abriram-se espaços
para a crítica à exploração do trabalho feminino e às práticas econômicas e políticas que
sustentam a desigualdade: a concentração de terras, águas e renda.
17
Via Campesina é uma organização, de caráter internacional, composta por camponeses organizados em
movimentos sociais e organizações. Tal entidade foi constituída com o fito de articular os processos de
mobilização social dos povos do campo em nível internacional (Disponível em:
<https://www.viacampesina.org/en/>. Acesso em setembro 2016). 18
Amigos da Terra Internacional é uma Organização da Sociedade Civil com sede em Porto Alegre, no
Rio Grande do Sul, que atua há mais de 40 anos na defesa do meio ambiente (Disponível em:
<http://amigosdaterrabrasil.org.br/>. Acesso em setembro 2016).
76
Figura 3 Movimentos feministas no mundo apoiados pela MMM.
Fonte: http://www.marchamundialdasmulheres.org.br/a-marcha/nossa-historia/.
Um momento importante para a incorporação das relações de gênero na
compreensão do pensamento econômico para o movimento social foi a mobilização
política das mulheres, segundo a MMM (MARCHA, 2015), na luta contra a Área de
Livre Comércio das Américas (ALCA). Na oportunidade, elas tiveram espaço para
discutir criticamente a economia, desvinculando-a da ideia de mercado, bem como para
observar como as relações econômicas se convertem em relações de poder, nas quais as
mulheres não são consideradas como sujeitos econômicos. Com o escopo de fortalecer a
sua atuação, a MMM se aliou a movimentos coerentes com as suas propostas, visando
não fragmentar as demandas sociais. Articularam-se, então, discussões de gênero, raça e
classe, tendo em vista a construção de paradigmas mais inclusivos para a vida humana
em sociedade.
Segundo Cristina Carrasco (2003), no contexto de feminilização da pobreza e de
concentração de renda e de poder, restariam três caminhos para a ordenação das
relações socioeconômicas: a consolidação do modelo atual, com a conformação da ideia
de que uns indivíduos serão hierarquicamente superiores a outros; a implementação de
políticas públicas focadas na estabilização dos conflitos de gênero, mas não
comprometidas com a revisão dos parâmetros postos socialmente; a mudança de
paradigma, com o redimensionamento do centro dos objetivos sociais.
Tanto a EcoSol como a economia feminista entendem que é necessário “mudar o
eixo de discussão do modelo atual no qual os mercados são o centro, para um que tenha
como protagonistas a sustentabilidade da vida” (Cabrera, 2014, p. 154). Defendem, em
comunhão, o investimento em propostas contra-hegemônicas de reordenação das
relações individuais, ambientais e econômicas, a partir da análise crítica das interações
estabelecidas modernamente, com o fito de ampliar o usufruto de direitos essenciais aos
77
indivíduos. Assim, esta aproximação se deve ao fato de que a EcoSol, nas suas
múltiplas dimensões, propõe uma rediscussão sobre o dever de cuidado no âmbito
familiar (despatriarcalização19
), suscita a necessidade de reestruturação dos vínculos
socioeconômicos (desegmentação ocupacional20
) e uma maior participação humana em
espaços coletivos (redistribuição), críticas fundamentais para afirmação das propostas
do feminismo.
Para implementar as práticas que tanto a EcoSol como o feminismo propõem é
preciso o engajamento político da população via movimentos sociais que, por sua vez,
provocam o poder público a instituir políticas alternativas de desenvolvimento capazes
de neutralizar as desigualdades que caracterizam as relações modernas, e ampliar o
exercício da cidadania. Por esta razão, “o acesso à cidadania como indicador de
combate à injustiça e à exclusão sociais tem sido defendido pelos movimentos sociais,
com destaque para o feminista” (OLIVEIRA, 2005, p. 4).
A aproximação da EcoSol com o feminismo também é fortalecida porque ambos
buscam o alargamento da cidadania por meio da promoção da igualdade. Para tanto,
propõem o rompimento da divisão público-privado, associada à economia tradicional,
bem como fomentam uma maior articulação entre economia, sociedade civil e Estado
(CABRERA, 2014, p. 156), estimulando-os a reconhecer e cooperar em torno de seus
interesses comuns, e não a partir das suas contradições e divergências.
A ideia do feminismo, pois, ao se aproximar da EcoSol, não é que as mulheres
ocupem espaços no mercado anteriormente exercido por homens21
; objetiva-se, em
verdade, uma discussão mais crítica e profunda acerca das relações produtivas que
19
Despatriarcalização, segundo , é “conduzir e produzir orquestradamente estratégias e mecanismos de
descolonização patriarcal e racial do Estado brasileiro e da sua forma de gestão pública, com vistas a
reforçar uma nova etapa que tenha foco na conquista de resultados cívicos de políticas públicas. Trata-se
de pensar um formato de Estado, finalmente, voltado para a promoção da justiça social e da cidadania
inclusiva de todas e todos em nosso país.” (MATOS; PARADIS, 2014). 20
Desegmentação ocupacional seria a reversão “da segmentação ocupacional do mercado de trabalho
brasileiro, que consiste num processo cujos determinantes vão muito além dos limites ditados pela oferta
de trabalhadores dispostos a se empregarem e pelo perfil de qualificação. As condição de raça e gênero
exercem um papel significativo na distribuição de trabalho, desde que estas características conferem, de
uma maneira global, situações (des)vantajosas, em relação a qualificação, remuneração e outras condições
sociais vigentes. Estas desvantagens são históricas e se intensificam em momentos de crise econômica e
de maior competição por postos de trabalho” (KON, 2016). 21
Tal perspectiva, porém, não é universal, vez que há posturas que entendem a EcoSol como uma
alternativa ao sistema capitalista, e outras no sentido de que a EcoSol deve conviver com a economia de
mercado, considerando a possibilidade de convivência de uma economia plural (Bélanger; Fournier,
1997; Gaiger, 2008; Guerin, 2003). Contrariamente, Dominique Foufelle e Joelle Palmieri (2006), por
exemplo, contestam a perspectiva de economias plurais e propõem uma mudança profunda em favor da
construção de um modelo civilizatório alternativo e substitutivo ao capitalismo (CABRERA, 2014).
78
sustentam o sistema econômico vigente, e dos papéis que homens e mulheres devem
assumir neste contexto para não serem marginalizados.
Assim, segundo Cabrera (2014), o que a maior parte das/dos pesquisadoras/es
feministas discutem sobre a EcoSol supera os interesses que giram em torno do gênero e
sugere uma nova postura humana, individual e coletiva, a ponto de provocar processos
de transformação social. O feminismo, portanto, se alia à EcoSol porque a entende
como um instrumento que permite o questionamento sobre as bases de sustentação do
machismo, tal como o próprio sistema capitalista. Tal aliança amplia as potencialidades
de alternativas de desenvolvimento que busquem redefinir relações, práticas e
instituições, a partir de uma racionalidade comprometida com o bem-estar humano,
social e ambiental.
Segundo Leon (2008), para a construção de agendas coletivas em busca de um
processo político de mudança é imprescindível que se conteste a concentração de poder
em todas as suas formas e contextos. Para tanto, seria elementar reorientar os objetivos
assumidos pela economia hegemônica moderna, especialmente no que diz respeito aos
processos que se sustentam na mercantilização da vida humana e do meio ambiente.
Especialmente em relação às demandas feministas, é imperioso que elas deixem de ser
problemas das mulheres e se convertam numa demanda de todos os indivíduos
comprometidos com a formação de uma sociedade mais inclusiva e justa, pois os
estigmas de gênero instituídos culturalmente são opressores para toda a humanidade.
A comunhão entre EcoSol e feminismo, portanto, parte da perspectiva que as
relações hierarquizadas favorecem às competições intersubjetivas, responsáveis por
sustentar crises econômicas que marginalizam a maioria da população mundial,
especialmente as mulheres, dada a tradicional invisibilidade da mulher como sujeito
econômico.
Os empreendimentos econômicos solidários, assim, têm figurado como uma
alternativa à marginalização ou precarização da atuação da mulher, inclusive no
mercado de trabalho, especialmente, no Brasil, a partir da década de 1990, dada a
organização dos movimentos sociais, pastorais e sindicais em torno destas iniciativas,
que gradativamente receberam apoio de governos municipais, estaduais e,
especialmente entre 2003 (ano da criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres e
da SENAES) e 2016, da esfera federal.
79
1.3.2 A institucionalização do fomento à construção de uma Economia
Feminista e Solidária no Brasil
O processo global de crise econômica dos últimos 20 anos exigiu o
desenvolvimento de alternativas de geração de renda não vinculadas essencialmente à
abertura de novos postos formais de trabalho. Este contexto demandou a necessidade de
elaboração de políticas públicas diferenciadas do ponto de vista produtivo, dada a
escassez de postos de emprego. Aliado a este contexto, foram crescentes as discussões
teóricas, desde a década de 1990, sobre a importância do cooperativismo para a
dinamização das economias locais, na perspectiva de que o trabalho associado
acarretaria impactos significativos na desconcentração de renda, na regionalização do
desenvolvimento e no incremento difuso da qualidade de vida da população. Dadas as
práticas produtivas das mulheres rurais, no mais das vezes baseadas em trocas e na
produção compartilhada, a força de trabalho feminina é uma grande aliada no fomento
ao trabalho coletivo, associado e cooperado, embora existam desafios que ainda
mereçam ser superados, tais com a concessão de licença-maternidadade às cooperadas e
a formalização das organizações coletivas, sobretudo para fins previdenciários.
Segundo Cunha (2007, p. 11), as políticas no âmbito econômico de apoio e
fomento ao associativismo podem ser importantes para a criação de marcos legais para
entidades produtivas até então não encaradas como empreendimentos econômicos
formais, bem como para a inserção destes empreendimentos no fortalecimento das
economias locais, a partir da organização de centros públicos de consumo de EcoSol, ou
da organização de feiras locais, a exemplo do que ocorre nos municípios do semiárido
potiguar.
Pensando a economia além do mercado, o movimento feminista, no âmbito das
organizações sociais que integram o campo da economia solidária, reivindica que a
questão de gênero constitua um dos seus eixos estruturantes, tanto pelo quantitativo de
mulheres que assumem protagonismo nos empreendimentos de EcoSol no Brasil,
especialmente na região nordeste, como também por entender que esta interação entre
EcoSol e feminismo figura como um condicionante para a estruturação de uma proposta
de sociedade mais equânime e democrática, tal como reivindicado por ambos os
movimentos sociais (OLIVEIRA, 2005).
A fim de identificar o perfil dos brasileiros que produzem a partir dos princípios
da EcoSol, bem como visando confirmar o protagonismo das mulheres na EcoSol, a
80
Secretaria Nacional de Economia Solidária, em parceria com as Secretarias Regionais
do Trabalho e Emprego (SRTE), realizou, em 2005, um mapeamento de todos os
empreendimentos de Economia Solidária no país. Eram aproximadamente 700
pesquisadores/as identificando cerca de 20 mil empreendimentos solidários em todo o
Brasil. Os técnicos que atuam nas assessorias confirmam a presença significativa de
mulheres nos empreendimentos. Conforme o Atlas Nacional da Economia Solidária,
expedido pela SENAES no ano de 2007, dos 14.954 EES‟s mapeados, 64% são
representados por homens e 36% por mulheres. Deste total de grupos, 16% são
formados somente por mulheres, enquanto 11% dos empreendimentos são constituídos
somente por homens, sendo que os 73% restantes são mistos, ou seja, constituídos por
homens e mulheres. A participação feminina nesses empreendimentos é inversamente
proporcional à grandiosidade da sua estrutura, de modo que as mulheres integram, em
regra, empreendimentos com menos de 10 sócios (63%), enquanto os homens são 60%
nos empreendimentos com mais de 20 sócios e 66% naqueles onde há mais de 50
sócios.
A participação expressiva das mulheres em grupos de EcoSol decorre, segundo
Guérin (2005), da maior facilidade de conciliação entre a vida familiar e a vida
profissional, vez que não há horários rígidos a serem cumpridos. Entretanto, o que se
observa é que não há respaldo público a este protagonismo das mulheres na EcoSol,
sobretudo pelas dificuldades de acesso a linhas de crédito específicas, bem como pela
ausência de políticas acessórias de assistência social, como, por exemplo, a ausência de
creches no território rural, de escolas em tempo integral, de serviços básicos regulares
de assistência à saúde das mulheres e crianças.
Nos relatos de lideranças femininas realizados na IV Plenária Nacional de
Economia Solidária, percebe-se a motivação das mulheres na participação dos
empreendimentos de economia solidária, dado o discurso uníssono no sentido de que o
trabalho coletivo, em cooperativas, associações ou grupos informais, têm contribuído
para a elevação da qualidade de vida das envolvidas. As falas das mulheres nos
encontros dos grupos produtivos feitos por entidades de apoio à EcoSol demonstram
estarem comprometidas com perspectivas políticas feministas e da agroecologia, pois
estão abertas às discussões sobre a necessidade de formação de ambientes sociais mais
justos, do ponto de vista laboral, de gênero e ambiental. Nestas ocasiões, inclusive, há
debates políticos em torno das políticas públicas, das posturas do governo frente às
demandas rurais e das instabilidades políticas vividas no Brasil.
81
Diante deste contexto, tendo em vista o potencial de democratização da EcoSol,
os movimentos sociais têm sido importantes aliados na sensibilização do poder público
no que tange à assimilação da ideia de que a EcoSol consiste em um importante
mecanismo em favor da correção das desigualdades históricas de gênero, postura
ratificada em diversos documentos e políticas internacionais das quais o Brasil é
signatário, tal como a Declaração e a Plataforma de Ação de Beijing, editado na Quarta
Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em 1995, que orienta que o poder
público deve (1995, p. 227)
[...] revisar periodicamente as políticas, os programas e os projetos
nacionais, assim como sua implementação, avaliando a repercussão
das políticas de emprego e de renda, a fim de garantir que as mulheres
sejam as beneficiárias diretas do desenvolvimento e que toda a sua
contribuição ao desenvolvimento, tanto remunerada como não
remunerada, seja levada em conta na política e planejamento
econômicos.
Nesse sentido, uma importante política de aproximação entre a EcoSol e o
feminismo foi desenvolvida numa parceria entre Ministério do Desenvolvimento
Agrário (MDA), SENAES e a Secretaria de Políticas para as Mulheres com a Rede
Guayi22
, no Projeto Brasil Local – Economia Solidária e Economia feminista. O
objetivo da política foi o fortalecimento do vínculo entre EcoSol e Feminismo, entre os
anos 2010 e 2012, a partir da capacitação e do fomento à autonomia econômica das
mulheres.
Assim, a SENAES, a partir do pressuposto de que a EcoSol é um “terreno
privilegiado para exercitar novas práticas e proporcionar vivências de igualdade e de
autonomia para as mulheres” (NOBRE, 2003, p. 211), mapeou, ao executar este projeto,
mais de 300 empreendimentos de economia solidária (EES) compostos por mulheres,
em nove estados nas cinco regiões do país (RS, PR, SP, RJ, DF, PA, CE, RN, PE),
conforme afirma o coletivo Guayí, entidade executora do projeto.
22
“Fundada em 2001 e legalmente constituída como uma Organização da Sociedade Civil de Interesse
Público (OSCIP), a Guayí – Democracia, Participação e Solidariedade tem origem em duas experiências
históricas importantes na política gaúcha. A primeira delas é o GEA (Grupo de Estudos Agrários), criado
em 1979 que posteriormente se transformou em GEA – Formação e Assessoria Sindical com atuação
junto ao movimento social (urbano e rural), movimento sindical e na luta pelos direitos da mulher. A
segunda base para a formação da entidade foram as experiências das gestões da Administração Popular na
Prefeitura de Porto Alegre no período de 1988 a 2004 que constituíram um forte referencial no campo da
gestão participativa, da luta pelos direitos humanos, da participação e controle social das políticas
públicas e do protagonismo popular na decisão do orçamento do município. Tal entidade executa projetos
em coletivos formados por movimentos e grupos sociais, especialmente centrados nas demandas do
campo. (Disponível em: <http://guayi.org.br/?page_id=1973>. Acesso em 10 setembro 2016).
82
A construção de um diagnóstico da realidade dos empreendimentos de EcoSol, a
partir de uma perspectiva de gênero, demonstrou que as mulheres nos processos de
produção, comercialização e consumo estão comprometidas com o desenvolvimento e a
autogestão de ações cooperadas e feministas. Para potencializar este compromisso, o
Projeto Brasil Local – Economia Solidária e Economia feminista realizou encontros de
formação, articulação e organização das mulheres engajadas em empreendimentos
solidários, o que foi responsável pela formação de uma articulação nacional entre os
grupos de mulheres do país, a denominada Rede de Economia Solidária e Feminista
(RESF), instituída em julho de 2012, com o escopo de viabilizar o intercâmbio de
experiências e discussões feministas entre os EES‟s, da qual faz parte a Rede Xique
Xique de Comercialização Solidária.
Segundo a Guayí, atualmente a RESF conta com a participação de 210
Empreendimentos de Economia Solidária (rurais e urbanos), localizados em 9 estados,
representando mais de 4 mil trabalhadoras.
A constituição da RESF tem um significado importante no campo da
mobilização política das produtoras, já que desde a sua instituição vários fóruns foram
realizados visando discutir questões que merecem ser debatidas de forma mais
participativa entre as mulheres que trabalham à luz dos princípios da EcoSol, tal como a
seguridade social das/os trabalhadoras/es, meios de viabilizar a licença-maternidade
para estas trabalhadoras, além da conjuntura política e institucional. A RESF, pois,
passou a articular um conjunto de empreendimentos visando tanto a troca de
experiências e conhecimentos, como também questionamentos políticos importantes
para a formulação de estratégias de fortalecimento mútuo, visando a sua
autossustentação e dos grupos de mulheres que a compõe. Esta iniciativa, pois, contribui
para o empoderamento das mulheres integrantes, pois ajuda na consolidação dos
arranjos sociais por meio de interconexões que não geram dependência- sobretudo em
decorrência do amadurecimento político - mas que fomenta a propagação e a replicação
de iniciativas capazes de consolidar experiências alternativas de desenvolvimento.
Porém, a integração e o desenvolvimento das comunidades e sociedades, como
também a resistência feminina aos processos de exclusão, exigem, pois, o iniciativas
que considerem as potencialidades e carências regionais; que capacitem, treinem e
assessorem as envolvidas; bem como a disponibilização de serviços sociais básicos, tais
como creches, escolas integrais e serviços de saúde, às envolvidas e seus familiares.
Tais ações devem estar focadas em contestar a desigual estrutura produtiva brasileira,
83
sobretudo suscitando discussões acerca dos papeis limitantes à atuação feminina, que
têm impacto significativo inclusive do ponto de vista econômico, dado o
subaproveitamento da força de trabalho feminina em múltiplos contextos. Não basta,
pois, medidas paliativas de redistribuição de renda, que não tenham força para edificar
as bases de uma sociedade mais igual; os estereótipos sexistas culturalmente impostos
devem ser, portanto, revistos, dadas as contradições e instabilidades que têm gerado
para a sociedade em diversas conjunturas, da familiar à ambiental. Nesse sentido, há
duas importantes perspectivas que vêm sendo encabeçadas entre as mulheres da zona
rural do semiárido potiguar, em parceria com entidades públicas e privadas: políticas de
auto-organização produtiva de grupos de mulheres em prol do reconhecimento e
consolidação de direitos; o trabalho coletivo feminino, comprometido com a
preservação do meio ambiente e dos conhecimentos e práticas tradicionais acumulados.
Diante dessas perspectivas assumidas, a auto-organização produtiva das
mulheres produtoras do semiárido, além de encampar, promover e suscitar respaldo
político-institucional para a consolidação de uma economia solidária e feminista, tem se
aproximado dos sistemas produtivos agroecológicos, diante da percepção de que, para a
construção de um ambiente social mais justo e igual, é, também, primordial outras
práticas produtivas.
1.3.3 Agroecologia e suas alternativas de geração de renda para o semiárido
A agroecologia, diante da necessidade de alternativas que reavaliem o modo de
produção de alimentos no mundo, vem sendo progressivamente entendida como a
ciência, o movimento social e a prática agrícola que propõe alternativas de
desenvolvimento sustentável, por meio da conjugação de conhecimentos científicos
com o resgate de saberes tradicionais. Objetiva, nesse sentido, uma disposição
demográfica mais justa, a dinamização das economias rurais locais e a descentralização
econômica baseada em um trabalho rural ambiental e socialmente mais justo.
No entender de Sevilla-Guzmán (2001, p. 11), consiste na promoção do “manejo
ecológico dos recursos naturais, através de formas de ação social coletiva que
apresentam alternativas à atual crise de modernidade, mediante propostas de
desenvolvimento participativo”, o que lhe vem conferindo progressiva capilaridade,
notadamente na última década no Brasil (WEID, 2006). Ao propor a reaproximação da
agricultura com a natureza, a agroecologia parte do pressuposto de que a construção de
84
um novo sistema de produção deve se basear num princípio geral: “quanto mais um
agroecossistema se parecer com o ecossistema da região biogeográfica em que se
encontra, em relação à sua estrutura e função, maior será a probabilidade desse
agroecossistema ser sustentável” (FEIDEN, 2005, p. 66).
Altieri (2002, p. 88), por sua vez, entende que o diferencial da agroecologia é
encarar “os ciclos minerais, as transformações energéticas, os processos biológicos e as
relações socioeconômicas” como um conjunto que para funcionar tem de dividir os
mesmos propósitos, práticas que se harmonizem e compartilhem decisões tomadas de
modo participativo, voltadas para o objetivo maior de criar alternativas às relações
capitalistas, exploratórias e degradantes à natureza e ao ser humano.
Os sistemas de produção de base ecológica nasceram na década de 1970 por
iniciativa de diversos movimentos contrários à devastação dos recursos naturais causada
pelo modelo hegemônico de produção agroquímica empresarial surgido no final do
século XIX, que artificializou e simplificou a complexidade de vários ecossistemas
(LOPES; LOPES, 2011), muito embora tenha favorecido o desenvolvimento de
tecnologias – acessíveis somente à elite da agricultura industrial privilegiada e que gera
externalidades negativas significativas ao meio ambiente.
Assim, diante do contexto de perda em ritmo acelerado da agrobiodiversidade
dos solos e dos recursos hídricos em função do emprego de métodos predatórios de
produção agrícola - que ainda são favorecidos por substanciais políticas públicas e
subsídios governamentais - preocupações com a segurança alimentar e com problemas
socioambientais dos processos de produção agrícola estão sendo gradativamente mais
discutidos e contestados. A transformação da agricultura em agronegócio, pois, tem
deixado um passivo social e ambiental significativo, já que transformou o campo em
canteiro de produção em larga escala, ao substituir a produção à base da tração animal,
da enxada e de adubos naturais, por tecnologias alimentadas por tratores, fertilizantes
químicos, variedades vegetais geneticamente modificadas e pesticidas químicos
(BORGES, 2000).
As crises socioambientais geradas a partir do modelo produtivista de
desenvolvimento rural e tecnológico pautado em cadeias produtivas “sujas”, vinculadas
85
aos paradigmas difundidos pela Revolução Verde23
, gerou o recurso a formas
alternativas de manejo do meio ambiente e de organização econômica e social, capazes
de prestigiar os desafios da implantação de uma produção agrícola mais sustentável,
comprometida com a preservação da biodiversidade sociocultural e com a inclusão
social (MOREIRA, 2003). A agroecologia, portanto, caracteriza-se por se utilizar de
processos agrícolas comprometidos com a otimização total do agroecossistema,
incluindo as dimensões sociocultural, econômica, técnica e ecológica (ALTIERI, 2000).
Dentre as propostas alternativas de produção agrícola sustentável, destaca-se a
agricultura biodinâmica, a orgânica, a biológica, a natural, a permacultura e mais
recentemente a organomineral ou SAT (produção sem utilização de agrotóxicos).
Vejamos as especificidades de cada proposta:
Agricultura biodinâmica Borges (2000) a conceitua como a técnica de
revitalização que equilibra e harmoniza entre
cinco domínios: terras, plantas, animais,
influências cósmicas e o homem. Para a
agricultura biodinâmica os preparados
biodinâmicos são muito importantes para o
cultivo das plantas, as quais também são
influenciadas pelas fases da lua e outros
elementos esotéricos. Os agricultores
biodinâmicos valorizam em suas lavouras a
rotação de cultura, a adubação verde, a
diversificação dos cultivos e nutrição baseada
nos compostos orgânicos. Segue um
calendário astronômico próprio para realizar
práticas agrícolas. Produzem preparados
biodinâmicos homeopáticos desenvolvidos
especificamente para potencializar o solo
(LOPES; LOPES, 2011).
Orgânica Tem como sustentáculo a aplicação no solo de
resíduos orgânicos vegetais e animais, com o
objetivo de manter o equilíbrio biológico e a
ciclagem de nutrientes (SANTOS;
MENDONÇA, 2001). Para estabelecer o
equilíbrio entre os animais e vegetais, tenta
23
Amplo programa de modernização produtiva da agricultura incidente após a segunda guerra mundial,
sob o argumento de que a fome no mundo decorria da falta de alimentos. Tal revolução estava ancorada
na aplicação de pacotes tecnológicos constituídos por variedades geneticamente modificadas, pela
ampla utilização de insumos químicos, pelo uso de máquinas de grande porte dependentes de recursos
energéticos não renováveis, pela mecanização e redução do custo de manejo que gerou impactos
significativos no trabalho rural. O pacote da revolução verde é parte de um modelo de desenvolvimento
que os especialistas como Graziano da Silva (1980) e Andrade (2011) chamaram de modernização
conservadora, uma vez que, realizava mudanças técnicas, mas não sociais. Embora tenha ocorrido um
aumento da produção, esse não foi suficiente para solucionar o problema, pois com o passar do tempo
observou-se que a fome além de ser mantida foi agravada, assim como provocou a degradação dos bens
naturais (DOURADO, 2011).
86
reproduzir uma vegetação natural, com
variedade de vida e equilíbrio das populações.
Biológica Consiste no repúdio aos insumos químicos, na
maximização dos processos naturais e no
enriquecimento do solo através de várias
fontes de matéria orgânica (LOPES; LOPES,
2011). Busca reintegrar as atividades humanas
com a capacidade de suporte do meio
ambiente.
Natural Procura imitar os processos biológicos
estabelecidos na natureza, evita as
intervenções drásticas nos sistemas produtivos
e prioriza a ciclagem energética. Suas práticas
agrícolas principais concentram-se na rotação
de culturas, cobertura vegetal e na fertilização
baseada em compostos orgânicos cujas fontes
sejam exclusivamente de origem vegetal. O
esterco bovino e demais materiais de origem
animal são considerados impuros, portanto
deve-se abster deles nos sistemas agrícolas
baseados na agricultura natural (LOPES;
LOPES, 2011). Segundo Borges (2000), na
agricultura natural o esterco, além de deixar
os alimentos impuros, é visto como um
contaminante dos recursos naturais. O
controle de pragas e doenças é baseado
somente no manejo conservativo e
aumentativo da agrobiodiversidade e
biodiversidade. Propõe que o agricultor
interfira o mínimo possível.
Permacultura A proposta é a criação de agroecossistemas
sustentáveis através da simulação dos
ecossistemas, priorizando as culturais perenes
como elementos centrais. O movimento
também se ocupa com assuntos urbanos, tais
como a construção de cidades ecologicamente
adaptadas (LOPES; LOPES, 2011). Tem foco
no aproveitamento de condições e recursos
locais naturais, e objetiva que os sistemas
agrícolas se perpetuem, por serem
ecologicamente estáveis.
Organomineral ou SAT Trata-se de um manejo no qual o
agricultor elimina da propriedade toda
forma de aplicação de agrotóxicos, mas
continua utilizando, por um período
determinado, fertilizantes sintetizados
quimicamente (LOPES; LOPES, 2011)
que combina o uso de resíduos orgânicos
tratados com nutrientes minerais. Existem
no Brasil empresas nacionais que
transformam resíduos em fertilizantes.
Reduz a exploração em larga escala de
minerais usados na fabricação de
87
fertilizantes, como também aumenta a
vida útil dos depósitos de resíduos
tóxicos. Quadro 7 Sistemas agroecológicos
Fonte: Conceitos dos autores indicados no quadro – compilação das informações pela autora
Do ponto de vista científico, embora existam várias correntes de agricultura de
base ecológica, há consenso de que para um sistema de produção rural ser considerado
sustentável deve compreender holisticamente os agroecossistemas, integrando: a) uma
mais completa incorporação de processos naturais, como são a reciclagem de nutrientes,
a fixação do nitrogênio atmosférico e as relações predador-presa nos processos de
produção agrária; b) um acesso mais equitativo aos recursos produtivos e
oportunidades, e a evolução em direção a formas socialmente mais justas de agricultura;
c) um uso mais produtivo do potencial biológico das espécies animal e vegetal; d) um
uso mais produtivo das práticas e conhecimentos locais, incluindo enfoques inovadores
ainda não completamente entendidos pelos cientistas ou largamente adotados pelos
agricultores; e) um incremento da confiança e interdependência entre agricultores e
população rural; f) uma melhoria no equilíbrio entre estilos de agricultura, potencial
produtivo e restrições ambientais de clima e solo, de maneira a assegurar a
sustentabilidade dos níveis de produção a longo prazo; e g) uma produção eficiente e
rentável, com ênfase na gestão agrária integrada e na conservação do solo, da água, da
energia e dos recursos biológicos (PRETTY, 1996).
A agroecologia, portanto, defende a reconstrução e preservação dos ecossistemas
naturais como referências para o desenvolvimento rural local e, para tanto, conforme
Hecht24
(1989), geralmente incorpora ideias ambientais e de sentimento social a respeito
da agricultura. Propõe, ademais, como estratégia de enriquecimento da produção o
compartilhamento entre o conhecimento tradicional e o científico acerca de princípios
ecológicos, agronômicos e socioeconômicos, sobretudo a partir da valorização e da
análise crítica das práticas tradicionais, baseados numa perspectiva dialógica freireana,
sem hierarquias ou competitividade.
Novos sistemas são desenhados a fim de aperfeiçoar os processos e as interações
ecológicas a fim de melhorar a produção de bens seguros e úteis à sociedade (FEIDEN,
2005), mas esta proposta vai além dos cultivos, e tende a reproduzir rearranjos
24
Conforme Hecht (1989), o uso contemporâneo do termo Agroecologia data dos anos setenta. Suas
raízes estão nas ciências agrícolas, no movimento ambiental, na ecologia, nas análises de
agroecossistemas indígenas e em estudos de desenvolvimento rural.
88
importantes nas relações sociais. Isto porque, a partir de uma visão transversal, respeita
a “cultura e o conhecimento local, busca preservar a identidade, os costumes e as
tradições de cada povo, propiciando a conquista de direitos sociais e a melhoria da
qualidade de vida dessas populações, ao invés de enfocar apenas a produção pela
produção” (FEIDEN, 2005, p. 67), o que tem reflexos multifacetários importantes,
inclusive do ponto de vista de gênero.
Assim, como uma proposta alternativa de relacionamento entre ser humano e
natureza, a agroecologia sugere a substituição do modelo hegemônico produtivista
centrado na monocultura, no uso de insumos químicos e comprometida com índices
quantitativos de captação de bens. A transição de modos de produção focados na
produção em larga escala com o uso de insumos para sistemas agroecológicos de
produção representa o prestígio à segurança alimentar (dos produtores e da
comunidade), bem como um incentivo ao fortalecimento de relações econômicas locais
no âmbito rural. No entender de Costabeber e Caporal (2003), a oferta permanente de
alimentos em quantidade satisfatória para a humanidade exige uma agricultura
ambientalmente sustentável e capaz de produzir alimentos com elevada qualidade, pois
somente com alimentos de qualidade biológica superior ao que se produz hoje é
possível garantir alimentação saudável.
O investimento em políticas de subsídio aos sistemas agroecológicos de
produção, portanto, acarreta reflexos positivos multifacetados que variam desde o
desestímulo à urbanização em condições precárias em virtude do incremento da
qualidade de vida no campo; ao estímulo à qualificação profissional dos/as pequenos/as
produtores/as e à utilização menos frequente dos sistemas públicos de saúde, da
previdência social, em face da melhor qualidade dos alimentos ingeridos. Entretanto, as
políticas que assumem a perspectiva agroecológica no Brasil ainda têm pouca
representatividade, embora tenham conquistado espaço na agenda política do Estado,
sobretudo desde 2003.
1.3.3.1 A agroecologia no semiárido potiguar: a incorporação das políticas
agroecológicas entre as/os produtoras/es da Rede Xique Xique
As políticas públicas para o semiárido nordestino tradicionalmente se baseavam
em duas perspectivas: focavam no contingenciamento pontual e emergencial da seca, ou
subsidiavam grandes polos fruticultores empresariais, na maioria das vezes voltados
89
para a exportação. Os pequenos e médios produtores/as não eram atendidos pelo Estado,
e ficavam vulneráveis do ponto de vista social, geográfico e econômico.
Na atualidade, de fato, não seria mais apropriado mencionar que o Estado não
contempla o/a agricultor/a do semiárido, uma vez que, especialmente a partir de 2003,
com uma maior integração dos movimentos sociais ao governo, houve a assimilação de
perspectivas importantes às políticas rurais, inclusive em face dos compromissos
internacionais assumidos pelo país – tais como a Convenção da Diversidade Biológica
(CDB), em 1992, ao Tratado Internacional dos Recursos Fitogenéticos para a
Alimentação e Agricultura/FAO (TIRFAA), em 2001. Desde então, programas públicos
para o semiárido passaram, por pressão internacional e dos movimentos sociais, a
compreender a importância das consequências negativas da perspectiva de
modernização da agricultura (baseada na dependência de insumos e em pacotes
tecnológicos) para o meio ambiente – embora não tenha deixado de subsidiá-la
substancialmente.
Acerca dos incentivos públicos para sistemas convencionais de agricultura em
larga escala, podemos citar o exemplo do nordeste da Bahia e do sul do Estado de
Pernambuco, às margens do Rio São Francisco. Nesses locais, há grandes cultivos de
fruticultura para exportação, via de regra, com subsídio do Banco do Nordeste e apoio
técnico da EMBRAPA, em razão da política de perímetros irrigados gerida pela
CODEVASF, que depende do uso intensivo de água para irrigação.
Nessas áreas, embora haja características geoclimáticas do semiárido, há um
importante perímetro irrigado, que, como tal, demanda o uso intensivo de água. Os
incentivos públicos para este tipo de agricultura são bem seletivos, tendo em vista que o
acesso ao crédito exige garantias que o pequeno produtor não consegue dar. Tal como
ocorre em outros contextos no Brasil, as culturas irrigadas na mencionada região
ocupam áreas privilegiadas ao longo dos rios, privando ou dificultando o acesso de
pequenos produtores a este recurso. Esta má distribuição de incentivos públicos, aliada
à concentração de terras e água, evidencia que a problemática distributiva no âmbito
rural brasileiro envolve aspectos políticos que estão relacionados com poderosos
interesses econômicos, o que resulta na manutenção de práticas públicas desiguais.
90
Figura 4 Distribuição das áreas irrigadas nos municípios brasileiros.
Fonte: http://www.desenvolvimento.ifal.edu.br/observatorio/informacoes-
socioeconomicas1/agricultura-conab/mapairrig/view.
Ao contrário do que parece, porém, o conhecimento e o trabalho dos pequenos
grupos de produtores rurais, dos agricultores/as familiares, de organizações de
pescadores/as, também ganham significância nesta conjuntura, não com a perspectiva de
serem integrados às cadeias mercantis do setor primário, mas porque estes produtores
têm assumido o compromisso de produzirem tipos de produtos que não assumam um
compromisso mercadológico e quantitativo, mas se oriente por diretrizes qualitativas.
A partir desta perspectiva, o poder público, ao tentar neutralizar as tensões entre
agronegócio e pequenos produtores rurais, vem implementando políticas
compensatórias focadas na transferência de renda, no empoderamento da população
rural, na redistribuição dos espaços de participação social, no respeito aos biomas e
ecossistemas locais, no desenvolvimento de metodologias coletivas e participativas de
geração de renda. Iniciativas com estes objetivos, por si só, evidenciam a aproximação
das políticas institucionais aos princípios que orientam a EcoSol e as lutas feministas e
agroecológicas, o que tem repercussões importantes no semiárido brasileiro,
91
especialmente por contribuir para o fortalecimento das economias regionais, a
dinamização do comércio local e a geração de um desenvolvimento alternativo
endógeno.
Ao se confrontar as diretrizes que orientam os sistemas agroecológicos de
produção, o feminismo e a EcoSol, observa-se que tais propostas estão,
invariavelmente, comprometidas com a formação de uma sociedade que possa ser
igualmente usufruída pelos indivíduos: homens e mulheres, do campo ou da cidade,
pequeno ou grande produtor, na caatinga nordestina ou nos pampas gaúchos. Desse
modo, as discussões apresentadas evidenciam que, embora o Brasil não tenha assumido
as políticas de EcoSol como um eixo central a conduzir as propostas de
desenvolvimento do país, importantes ações políticas já foram encabeçadas no sentido
de fomentar e difundir os princípios da EcoSol e da agroecologia, inclusive a partir de
uma perspectiva feminista. Desse modo, embora o Estado brasileiro ainda
subdimensione a capacidade de transformação da EcoSol, sobretudo em articulação com
a agroecologia e com o feminismo, há experiências políticas importantes no país sendo
desenvolvidas, especialmente em nível federal, estabelecidas especialmente em razão
das mobilizações da sociedade civil organizada, o que vem sendo replicado por Estados
e municípios da federação.
92
2 TECENDO REDES NO SEMIÁRIDO POTIGUAR: novas perspectivas para o
nordeste brasileiro
A incorporação de princípios da EcoSol no território rural tem gradativamente
resultado na ressignificação de práticas produtivas, o que evidencia o início de um
processo de transição da agricultura convencional para uma agricultura alternativa. Tal
redimensionamento se caracteriza pela retomada de métodos ancestrais, com a
reassunção do compromisso com a conservação dos recursos naturais nativos, com a
valorização da cultura e tradições locais, com o fortalecimento das potencialidades
produtivas da comunidade, com a autonomia humana, política, econômica e social.
O fomento aos sistemas de produção agroecológicos no semiárido à luz de
princípios da EcoSol, tal como a auto-organização e o trabalho coletivo e cooperado,
tem provocado uma gradual reestruturação nas práticas produtivas da região, inclusive
no favorecimento da construção de uma agricultura mais ecológica.
Porém, diante da complexidade que assume, tal processo suscita não só que as
políticas públicas institucionais sejam reordenadas, mas também que as práticas
produtivas do campo sejam reconfiguradas. Ademais, é elementar também que as
estruturas e relações sociais e humanas, individuais e coletivas, no âmbito privado e
público sejam rediscutidas. Os movimentos sociais do semiárido potiguar, nesse
sentido, tem assumido papel decisivo na formação e consolidação de grupos e coletivos
de produtoras/es, o que tem fomentado a interconexão dos grupos e a formação de redes
sociais na região.
No Rio Grande do Norte, a Secretaria de Turismo, Habitação e Assistência
Social (SETHAS) tem encampado políticas que assumem princípios comuns à EcoSol e
à agroecologia, sobretudo diante das pressões dos movimentos sociais em torno do
fomento a um desenvolvimento que priorize o bem-estar da população e a preservação
dos recursos naturais do semiárido.
Diante desse contexto, será analisado o processo de institucionalização da
EcoSol no Brasil e, por conseguinte, a reconfiguração das políticas públicas para o
semiárido a partir das novas perspectivas trazidas pela EcoSol. Adicionalmente, serão
discutidos os reflexos da articulação entre a EcoSol, o feminismo e a agroecologia no
semiárido potiguar, sobretudo diante do protagonismo dos movimentos sociais da
região, que se articulam com outros do Brasil e do mundo, constituindo uma rede de
promoção de um desenvolvimento comprometido com o bem-estar humano e com a
93
sustentabilidade ambiental. As convergências dos movimentos feministas e
agroecológicos no semiárido do Rio Grande do Norte resultaram na construção da Rede
Xique Xique de Comercialização Solidária, marco empírico desta pesquisa. Assim, por
meio da técnica de pesquisa documental e da análise de dados provenientes da pesquisa
de campo com realização de entrevistas abertas, serão avaliadas quais as novas
perspectivas políticas fomentadas para o âmbito rural, e como a comunidade e,
especialmente, as mulheres do semiárido têm interagido com as novas propostas de
desenvolvimento provenientes desta aliança. Para tanto, foram analisados dados
publicados pelo INCRA/RN, ASA e demais entidades, bem como se procedeu a
realização de entrevistas com agentes públicos, gestores de políticas públicas,
produtores/as rurais e pesquisadores universitários sobre extensão rural e políticas
públicas de assessoria a produtores/as rurais.
Objetiva-se, assim, se observar em que medida as organizações produtivas que
se aproximam de princípios da EcoSol e da agroecologia têm contribuído para o
enfrentamento das dificuldades produtivas tradicionalmente existentes no semiárido
brasileiro, especialmente a partir de experiências de produtoras da Rede Xique Xique.
2.1 Novos direcionamentos para o Nordeste brasileiro: em que medida a EcoSol
vem representando uma estratégia de desenvolvimento alternativo para o
semiárido?
A região nordeste do país ocupa 18,2% (982.566 Km²) do território nacional,
abrange mais de 20% dos municípios brasileiros (1.135) e abriga 11,84% da população
do país. Mais de 46 milhões de brasileiros/as vivem nessa região, sendo 65,2% na área
urbana, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010).
Trata-se da região do Brasil com a costa mais extensa, possui climas que variam
do equatorial úmido ao tropical semiárido, sendo este o predominante. Encontra-se com
72,24% de seu território dentro do polígono das secas, segundo dados da Organização
das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Dos seus nove estados,
metade tem mais de 85% de sua área caracterizada como semiárida, sendo que o Rio
Grande do Norte lidera a lista com 93,4% do seu território no semiárido. Um dado
interessante com relação à população do semiárido é que se encontram nela 81% das
comunidades quilombolas de todo o Brasil (ASA, 2015).
94
Ao reproduzir a lógica de desigualdade social que caracteriza o Brasil, esta
região possui no seu território variada realidade socioeconômica. Embora o Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) seja um indicador limitado, por medir apenas níveis
de educação (alfabetização e taxa de matrícula), longevidade (esperança de vida ao
nascer) e renda (PIB per capita), a análise do Índice de Desenvolvimento Humano
Municipal (IDHM) demonstra um nordeste de várias realidades, a depender da
localização geográfica. Em 60,09% dos municípios do semiárido o Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) varia de muito baixo a baixo (realidade de 25% dos
municípios brasileiros), sendo que todos os municípios do semiárido apresentaram
IDHM inferior ao do Brasil (0,727). O nordeste tem números melhores apenas que a
região norte, não obstante na primeira década deste século as regiões norte e nordeste
tenham crescido acima da economia brasileira (CRUZ, 2015).
Especificamente em relação ao semiárido, os longos períodos de estiagem
decorrentes da irregularidade da pluviosidade (200 a 800 mm anuais25
) foram
politicamente tratados no curso da história como um fator justificante para a falta de
investimentos no desenvolvimento local e regional do nordeste. Na verdade, mais do
que aspectos climáticos, um dado que justifica a desigualdade social da região é a
grande concentração de terra e água, embora haja uma razoável distribuição hídrica na
região, conforme mapa a seguir:
25
Comparado com outras regiões semiáridas do mundo, onde chove entre 80 e 250mm por ano, o
Semiárido brasileiro é o mais chuvoso do planeta. Nele, cai do céu, em média, de 200 a 800mm anuais.
Uma precipitação pluviométrica concentrada em poucos meses do ano e distribuída de forma irregular em
todo semiárido. (É no semiárido que a vida pulsa! Disponível em:
<http://www.asabrasil.org.br/semiarido>. Acesso em 27 ago 2015.).
95
Figura 5: Hidrografia do Rio Grande do Norte.
Fonte: http://tudodorn.blogspot.com.br/2014/11/hidrografia-do-rn.html
O índice de Gini, que mede o nível de concentração de renda, está acima de 0,60
para mais de 32% dos municípios do semiárido, o que demonstra uma elevada
concentração da renda na região, sobretudo em razão das terras agricultáveis serem
ocupadas pelo agronegócio voltado para a exportação. Segundo a Articulação Semiárido
Brasileiro (ASA), cerca de 1,5 milhão de famílias agricultoras (28,82% de toda a
agricultura familiar brasileira) ocupam apenas 4,2% das terras agricultáveis do
semiárido, ao passo que 1,3% dos estabelecimentos rurais com mais de 1 mil hectares,
conhecidos como latifúndios, detêm 38% destas terras. Esta conjuntura gera níveis
altíssimos de exclusão social e de degradação ambiental, fatores determinantes para a
crise socioambiental e econômica vivida na região.
Ademais, esta desigualdade acarretou reflexos negativos em nível nacional, pois
o êxodo rural ocasionou uma apropriação ambiental desregrada em face do crescimento
urbano desordenado das metrópoles, além de precarização do trabalho em subempregos,
do subaproveitamento dos potenciais produtivos do semiárido, da falta de investimentos
públicos capazes de amenizar os entraves ao desenvolvimento do semiárido (GROSSI,
2016).
Na década de 1990, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA), houve uma diminuição do êxodo rural e até um pequeno crescimento da
96
população rural em várias regiões do país, resultado do aumento de empregos rurais
não-agrícolas, de desemprego nos grandes centros urbanos, como também do
envelhecimento da população migrante , que geralmente se aposentam e regressam ao
lugar de origem. Portanto, especialmente a segunda metade dos anos 1990 constituiu-se
um cenário completamente diferente da década anterior: o êxodo rural perdeu força e a
população rural brasileira voltou a crescer, o que não ocorria desde 197026
. Segundo
dados do IBGE (2010), o nordeste foi a única região do país que apresentou saldo
migratório negativo (de 701 mil pessoas), e proporcionalmente, saíram mais homens
que mulheres desta região (IBGE, 2010).
Neste contexto, impulsionados pelo apoio do movimento sindical e das
comissões pastorais da Igreja Católica, houve o crescimento e organização dos
movimentos sociais rurais populares, com a difusão da ideia da autogestão e a
consequente formação dos primeiros empreendimentos econômicos solidários. Tal
contexto resultou progressivamente no reconhecimento da importância e
potencialidades do nordeste, o que gerou uma revalorização dos saberes tradicionais e o
fomento ao sentimento de pertencimento da comunidade.
Diversas entidades começaram a se organizar em redes, especialmente no
interior do nordeste brasileiro, visando agregar as vulnerabilidades e aliar as iniciativas
sociais em torno da promoção de novas propostas de desenvolvimento para o semiárido.
A Rede Xique Xique de Comercialização Solidária, da Articulação Semiárido Brasileiro
(ASA) e da Rede de Economia Solidária e Feminista (RESF), por exemplo, são
entidades organizadas a partir destas perspectivas.
2.1.1 Políticas públicas do Rio Grande do Norte e a EcoSol
A instituição da SENAES no âmbito do Ministério do Trabalho subliminarmente
evidencia novas perspectivas que o Estado brasileiro passou a assumir no que se refere à
26
O Censo demográfico de 1970 registrou uma população rural de 40 milhões de pessoas contra 38,8
milhões de 1960. Já em 1980 foram contadas 38,6 milhões e 35,8 milhões em 1991 residentes no campo
no Brasil, incluindo as áreas rurais da região Norte não cobertas pelas PNADs. O fato da população rural
decrescer entre um censo e outro dá uma ideia apenas aproximada do êxodo rural porque a cada censo há
uma “expansão” dos perímetros urbanos dos municípios, o que por si reduz a população residente
naquelas áreas urbanas periféricas que haviam sido consideradas rurais no censo anterior e que passaram
a ser classificadas como urbanas no novo censo. Isso não ocorre com as PNADs que mantêm fixas as
áreas tal como definidas no censo utilizado para definir a amostra. Por exemplo, a PNAD de 1990
registrou 37,5 milhões, ou seja, mais de 5 milhões de pessoas a mais residindo nas áreas redefinidas como
rurais no censo de 1991 para o Brasil que somaram 32,1 milhões, excluídas as áreas rurais da região
Norte. Ver a respeito, Graziano da Silva (1999).
97
geração de renda, especialmente no âmbito do trabalho autônomo e rural. Nesse sentido,
a SENAES encabeçou vários projetos e planos de capacitação e assessoria, voltados
para a inclusão produtiva no âmbito rural. No Rio Grande do Norte, em convênio com
outras entidades, destacam-se, dentre outras, as seguintes ações:
Projeto dos Catadores de Materiais
Recicláveis (2014: Governo Federal,
BNDES, SETHAS)
visa a inclusão socioprodutiva de 2.600
catadores de materiais reutilizáveis e
recicláveis e seus familiares atuantes,
prioritariamente, nas ruas e nos lixões de
32 municípios do RN.
Plano Juventude Viva (2016: Governo
Federal, SEJURN, SENAES)
visa a inclusão produtiva de grupos de
jovens do Rio Grande do Norte
Plano de capacitação, fomento e
organização social, formação de redes de
produção e comercialização, geração de
finanças solidária, incubação de
empreendimentos e assessoria técnica e
gerencial (2014: Governo Federal,
SENAES)
objetiva a capacitação de 50
empreendimentos do Estado, inclusive a
Rede Xique Xique de Comercialização
Solidária
Programa Nacional Fomento à Feiras de
Economia Solidária
fomenta a dinamização da economia local
através de feiras. Beneficia membros da
Rede.
Projeto Brasil Local – Desenvolvimento
Local (2010-2012)
fomenta a organização de
empreendimentos de economia solidária
nos estados do Rio Grande do Norte,
Ceará, Piauí e Maranhão, por meio de 163
agentes de desenvolvimento solidário.
Programa de Desenvolvimento Solidário –
Projeto de Redução e Combate à Pobreza
Rural (2009)
visa a redução da pobreza e a promoção
do desenvolvimento local sustentável,
com a participação das comunidades
locais, mediante a provisão de bens e
serviços sociais básicos de infraestrutura.
Mobiliza e sensibiliza dos atores locais e
organizações comunitárias para
participação no projeto; realização de
diagnósticos e/ou pesquisas de campo
com recorte de gênero, geração e etnia
junto às organizações comunitárias;
formação e qualificação dos atores locais
e organizações comunitárias.
Programa 1 Milhão de Cisternas (2008-
2012)
formação e Mobilização Social para a
Convivência com o Semiárido: Um
Milhão de Cisternas Rurais, por meio de
capacitação técnica e construção de
cisternas para captação e armazenamento
de água de chuva, visando a preservação,
o gerenciamento e ampliação do acesso à
98
água e aos demais meios de produção e
direitos básicos no semiárido, executado
no estado do RN, nos municípios João
Câmara, São Bento do Norte, Taipu,
Touros, São Miguel do Gostoso, Macaíba.
Assessoria Técnica, Social e Ambiental -
ATES (2007-2008) e ATES (2005-2007)
consiste no apoio técnico-metodológico às
entidades de Assessoria Técnica Social e
Ambiental à reforma agrária, visando a
garantia da qualidade desses serviços para
a promoção da sustentabilidade social,
econômica e ambiental dos projetos de
assentamento no RN. A ação foi
desenvolvida em parceria com o
Incra/RN. Quadro 8 Distribuição de projetos de EcoSol no RN
Fonte: Elaborado pela autora, segundo dados da SETHAS e da AACC
O Rio Grande do Norte tem território equivale a 3,42% da área do nordeste e a
0,62% da superfície do Brasil, possui 167 municípios, dos quais 147 estão no
semiárido27
. É o décimo sexto Estado mais populoso do Brasil, e tem como
característica o clima semiárido em parte do litoral norte, e é responsável pela produção
de mais 95% do sal brasileiro.
Sua economia se diversifica entre os vultosos negócios com turismo, produção
de frutas via agronegócio, exploração de petróleo, camarão e sal marinho, de um lado, e
as pequenas produções rurais, geralmente derivadas de assentamentos da reforma
agrária.
O município com melhor IDHM no Estado é Parnamirim (0,766), seguido de
Natal (0,763), ambos no litoral do Estado. Já os piores IDHMs são dos municípios de
João Dias (0,530), Parazinho (0,549), Ielmo Marinho (0,550) e Lagoa de Pedras (0,553),
todos localizados no semiárido.
Do ponto de vista da institucionalização da economia solidária no Rio Grande do
Norte, atualmente ela está a cargo da Secretaria de Estado do Trabalho, da Habitação e
da Assistência Social (SETHAS), que desenvolve alguns programas a partir da
perspectiva da área da economia solidária, com apoio da SENAES.
Algumas ações de inciativa do Rio Grande do Norte encampam princípios da
EcoSol, na medida em que têm o propósito de viabilizar o trabalho de agricultores/as,
27
Disponível em: <http://datasus.saude.gov.br/nucleos-regionais/rio-grande-do-norte>. Acesso em 8 mai
2016.
99
de catadores de material reciclado e de artesãos em geral (SETHAS, 2015) que
trabalham a partir dessa racionalidade, são eles:
Programa Objetivo
Programa Café do Trabalhador Trata-se de política da Sethas voltada para o
trabalhador de menor renda no Estado. O
programa beneficia diariamente cerca de 900
trabalhadores com o café da manhã ao preço
de R$ 0,50 (cinquenta centavos). O cardápio
varia entre café, pão, leite, bolacha, frutas e
produtos da terra. O café é servido nas
seguintes Centrais do Trabalhador: Natal
(Cidade da Esperança), João Câmara,
Mossoró, Ceará-Mirim, Angicos e Assú.
Programa de artesanato potiguar Atua como uma ferramenta de valorização,
divulgação e comercialização dos trabalhos
realizados por artesãos independentes,
associações, cooperativas e grupos de
produções dos 167 municípios do Rio Grande
do Norte. Já são mais de seis mil artesãos
cadastrados em todo o Rio Grande do Norte.
O Governo do Estado, através da Sethas, tem
como objetivo, contribuir com a tarefa de
resgatar a dignidade do artesão, através de um
conjunto de ações para reduzir as
desigualdades territoriais e sociais e incentivar
o empreendedorismo local. Dentre os tipos de
artesanatos produzidos, destaca-se: cerâmica
utilitária e decorativa, fibra vegetal, palha,
renda, bordado e trabalhos manuais
(esculturas em papel, madeira e arame,
crochê, trabalhos com tecido ou materiais
recicláveis, entre outros). O artesão que deseja
obter sua carteira deve procurar a sede do
Programa de Artesanato Potiguar (Proart), na
Sethas, apresentar a documentação e, munido
com seu material de trabalho, deverá
desenvolver uma peça na presença dos
técnicos do Proart, que atestarão a habilidade
do artesão.
Projeto de Inclusão Socioprodutiva de
Catadores(as) de Materiais Reutilizáveis e
Recicláveis do Rio Grande do Norte
Objetiva promover a inclusão socioprodutiva
de 2.600 catadores(as) de materiais
reutilizáveis e recicláveis e seus familiares
atuantes, assim como fomentar
empreendimentos econômicos solidários,
novos e existentes, nos 32 municípios
selecionados, mediante um conjunto de ações
focadas na disponibilização de acesso a
políticas públicas, máquinas e equipamentos,
assessoramento técnico e qualificação
profissional. Consta na execução de suas
metas e atividades a prestação de assessoria
100
técnica a grupos e empreendimentos formados
por catadores(as) na perspectiva dos
princípios da economia solidária e na
implantação da Política Nacional de Resíduos
Sólidos, através da construção de parcerias
entre os entes públicos, privados e a sociedade
civil organizada.
Projeto Economia Solidária Através de parceria firmada, desde 2011, entre
o Governo do Estado e a Secretaria Nacional
de Economia Solidária (SENAES), o projeto
tem como finalidade promover ações
integradas e articuladas que possibilite a
construção de alternativas de geração de
emprego e renda para 1 mil famílias que se
encontram em situação de extrema pobreza,
através de ações de capacitação, fomento e
organização social, formação de redes de
produção e comercialização, geração de
finanças solidária, incubação de
empreendimentos e assessoria técnica e
gerencial para 50 empreendimentos.
Quadro 9: Programas desenvolvidos no Rio Grande do Norte que assumem princípios da EcoSol
Fonte: http://www.sethas.rn.gov.br/#
No Rio Grande do Norte foram realizadas formações acerca da aplicação dos
princípios da EcoSol para a geração de renda na região em vários municípios, tais como
Macaíba, São Paulo do Potengi e João Câmara. Dentre as áreas de qualificação, destaca-
se a produção, o beneficiamento, a comercialização e a certificação de frutas nativas,
com enfoque em agroecologia no semiárido; apicultura; gestão da produção artesanal
com enfoque em gênero, cidadania e economia solidária; qualificação da produção e da
comercialização de artesanato em rede, com enfoque no desenvolvimento local (FBES,
2015), dentre outras.
No Rio Grande do Norte não existe um Centro Público criado especificamente
para a comercialização de produtos da EcoSol, tal como existe em outros estados da
federação. Não há, inclusive, consenso entre os envolvidos nas redes sociais de EcoSol
e agroecologia sobre os reflexos positivos de criação de um centro específico de
comercialização, já que para uns, criar um centro significa dizer que é preciso uma
pessoa específica exclusivamente para realizar as vendas, e para outros, o que deve
ocorrer é a ocupação das praças e demais espaços públicos para comercializar produtos
da EcoSol e da agroecologia. As feiras livres, porém, ocupam espaços de uso comum
nos municípios, favorecendo as trocas sociais de modo mais abrangente, ao passo em
que um centro de comercialização tem como foco específico a compra e venda de
produtos.
101
Em 11 municípios do Estado foram criados pontos fixos de comercialização
solidária, além de lojas de comercialização de excedentes da produção - criadas em 6
municípios, em decorrência da implantação do Programa Nacional de Feiras de
Economia Solidária, instituído para apoiar a comercialização via feiras estaduais,
nacionais e internacionais.
Outra iniciativa do Rio Grande do Norte com a perspectiva da EcoSol foi a
instituição de políticas de apoio técnico ao comércio justo e solidário conferido pelo
Programa de Promoção do Desenvolvimento Local e Economia Solidária
(PPDLES/Brasil Local). Tal programa visou disseminar a EcoSol e acompanhar
empreendimentos econômicos solidários por meio da atuação de agentes de
desenvolvimento local, responsáveis por visitar empreendedores com vistas a dar
suporte técnico.
Houve, ainda, a implantação dos Núcleos Estaduais de Assistência Técnica em
Economia Solidária (NEATES). O núcleo do Rio Grande do Norte foi implementado
em parceria com a Associação de Apoio as Comunidades do Campo do Rio Grande do
Norte (AACC/RN) e com a Rede de Comercialização Solidária Xique Xique, onde
funcionou um escritório do NEATES. Sua meta consistiu em selecionar, via edital, 30
empreendimentos econômicos solidários do Estado para suporte na elaboração de
planos de ação, planos de negócio, estudos de viabilidade econômica e consultorias.
Uma das políticas do projeto, por exemplo, foi a elaboração, apresentação e distribuição
de cartilhas sobre culinária alternativa e boas práticas de produção de alimentos,
desenvolvidas por consultoras.
102
Figura 6: Formação sobre alimentação alternativa e boas práticas de produção de alimentos.
Fonte: Arquivo disponibilizado pela Rede Xique Xique.
Em decorrência da necessidade de formação continuada dos grupos que
trabalham sob a perspectiva da EcoSol, a SENAES propôs a criação de Centros de
Formação em Economia Solidária (CFES) – Nacional e Regionais, visando a formação
de educadores e agentes que atuam na área. Nessa perspectiva, foi instituído o Centro de
Formação em Economia Solidária do Rio Grande do Norte (CFESRN) que oferece
periodicamente oficinas e cursos para cidadãos interessados, além de lançar cartilhas
educativas sobre temáticas correlacionadas com a área, tais como, “Um novo olhar
sobre a prática”, “Consumo responsável e compras públicas”, “Comercialização e
certificação participativa” e “Produção agroecológica e cadeia solidária”. Tal contexto
evidencia que o Rio Grande do Norte e as organizações localizadas neste Estado
participaram de políticas públicas de EcoSol, algumas inclusive instituídas e articuladas
pelo próprio governo estadual.
Outra política fomentada pela SENAES foi o incentivo aos Bancos
Comunitários de Desenvolvimento, responsáveis por levar financiamento solidário a
milhares de pessoas na promoção do desenvolvimento comunitário. A partir de 2010,
foram disseminados e multiplicados em várias regiões do país, em parceria com o
Ministério da Justiça, bancos comunitários, que, segundo dados deste ano, totalizavam
150 no país. No município de São Miguel do Gostoso (RN), a Rede Xique Xique
acompanhou a instituição do Banco Solidário do Gostoso, no ano de 2012, tendo sido
criada uma filial no ano de 2015. O objetivo da iniciativa é desenvolver as atividades
econômicas de produção, comercialização, prestação de serviços, troca de produtos,
crédito, finanças solidárias, o uso de infraestrutura e obtenção de clientes e serviços,
como também conceder crédito e finanças para os empreendedores solidários.
Em 2008, houve a criação no Rio Grande do Norte do Conselho Estadual de
Economia Solidária, que em 2015 teve novos conselheiros eleitos. Tal órgão organiza
Fóruns Regionais de Economia Solidária com o objetivo de discutir a EcoSol no Estado
103
e levar demandas, experiências e propostas para o Fórum Brasileiro de Economia
Solidária28
, além de fazer articulação com demais organizações e o poder público. O
Conselho está ligado à SETHAS, baseado na Lei Estadual nº. 8.79829
de 22 de fevereiro
de 2006, que criou um programa de política de fomento à EcoSol no Estado e previu a
instituição de um Fundo Estadual de Fomento ao Desenvolvimento da Economia
Popular Solidária, até então ainda não instituído, mesmo diante de pressões dos
movimento sociais.
O nordeste brasileiro foi contemplado com políticas do governo federal de
formação, fomento e valorização das práticas locais que se baseiam na lógica da
EcoSol. A Rede Xique Xique, por exemplo, é entidade executora de uma política de
catalogação dos Empreendimentos Econômicos Solidários brasileiros (CADSOL), que
visa criar um selo que será utilizado nos produtos oriundos de empreendimentos
solidários com certificação. O protagonismo da região no fomento aos princípios e
práticas da EcoSol, contudo, não tem sido suficiente, segundo a entrevista 18, para
garantir a efetividade de algumas políticas: “O Fundo Estadual da Economia Solidária
até agora não saiu do papel e, pelo que estou vendo, a batalha ainda vai ser grande pra
gente conseguir algo”.
Ademais, a lógica produtiva baseada na autogestão e em práticas cooperadas e
solidárias de gestão está sendo assimilada pelo Estado do Rio Grande do Norte, mas as
ações do Estado não são suficientes, segundo a entrevistada 5: “São necessárias mais
políticas de formação técnica, de assessoria produtiva e de geração de renda,
considerando o que a gente pode produzir bem na nossa realidade”. O Rio Grande do
Norte, pois, ao aderir às políticas da SENAES, instituiu programas locais, o que tem
surtido efeitos positivos em nível nacional, sobretudo em razão dos intercâmbios que
entidades do Estado desenvolvem com outras redes do país. Há, todavia,
questionamentos sobre a eficiência do Estado em relação às políticas de fortalecimento
e dinamização das feiras e espaços de comercialização potiguar, a fim de estabilizar os
28
O Fórum Brasileiro de Economia Solidária está organizado em todo o país em mais de 160 fóruns
municipais, microrregionais e estaduais, envolvendo diretamente mais de 3.000 empreendimentos de
economia solidária, 500 entidades de assessoria, 12 governos estaduais e 200 municípios pela Rede de
Gestores em Economia Solidária.
(Disponível em:
<http://www.fbes.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=61&Itemid=57>. Acesso em 14
fev 16). 29
Institui a Política Estadual de fomento à Economia Popular Solidária no Estado do Rio Grande do
Norte e estabelece outras disposições.
104
espaços de fomento a uma economia que convive, de modo sustentável, com as
limitações e as particularidades do semiárido.
A EcoSol, portanto, tem o objetivo de fomentar relações produtivas mais iguais
em diversos contextos, do rural ao urbano, do litoral ao semiárido, e de produzir
mudanças sociais importantes, inclusive do ponto de vista de gênero, uma vez que as
redes sociais formadas a partir da lógica da EcoSol, vêm assumindo demandas
feministas, especialmente pela participação expressiva das mulheres nos
empreendimentos econômicos solidários. Dessa forma, além de uma estratégia de
empoderamento social a partir do trabalho, via geração de renda, a EcoSol vem
demonstrando um potencial instrumento de empoderamento feminino, especialmente
das mulheres rurais do oeste potiguar, o que produz reflexos significativos para a
construção de uma sociedade mais igual, já que tem contribuído para viabilizar a
atuação de mulheres em contextos nos quais a sua participação era reiteradamente
negada ou invisibilizada.
2.1.2 As redes como novo paradigma para compreender a dinâmica social
A palavra “rede”, de modo corriqueiramente utilizado, remete a uma tessitura de
fios emaranhados que resultam em uma colcha. A formação de redes na sociedade surge
da necessidade das instituições e/ou seus sujeitos de constituírem um ente coletivo, a
partir de um sentimento de pertencimento a um grupo com intenções e objetivos
semelhantes. Ou seja, as redes não devem surgir como uma proposição externa, pois é
importante para a sua formação política que a sua construção derive de uma necessidade
sentida pelos envolvidos de espontaneamente aderirem a uma formação com princípios
comuns. A constituição e sustentabilidade de uma rede, pois, tem como pressuposto o
anseio ou necessidade compartilhada de constituir um grupo (BRASIL, 2012), o que é
comum na sociedade atual, tendo em vista a crescente interdependência em nível global
entre os indivíduos, o que criou a necessidade de buscar meios de driblar a concorrência
e evitar o isolamento.
Esta visão das relações humanas a partir de um prisma holístico foi construída
por Capra (1996), ao entender que todos os fenômenos sociais estão inter-relacionados,
de modo que indivíduos e sociedades estão envolvidos em processos cíclicos da
natureza. Há, contudo, segundo o mencionado autor, uma crise de percepção, vez que
não há, em geral, a consciência de que a vida é um sistema interativo. Nesse sentido, as
105
relações humanas devem ser entendidas como “redes dentro de redes”, cujas linhas são
flexíveis e variáveis em face da dinâmica dos valores e das opções políticas dos
membros que compõem este sistema.
Durkheim (2007), por sua vez, antes mesmo de Capra, entendia que o diferencial
dos seres humanos seria a sua capacidade de socialização, ou seja, de aprender hábitos e
costumes preexistentes, responsáveis por inseri-los no convívio de determinada
sociedade. Os seres humanos, segundo o autor, são sociáveis e, portanto,
potencialmente capazes de construir solidariamente a sociedade, de modo que ela
funcione como um organismo humano: cada indivíduo com a sua função, a qual seria
dependente de todas as demais. A partir deste ponto de vista, a sociedade atuaria
mutualisticamente, com base na ideia de construção social coletiva, o que resultaria
numa coesão social mais ampla, além de uma maior dedicação às funções assumidas por
cada indivíduo.
Nesta perspectiva, quanto maior o envolvimento dos indivíduos nos processos
decisórios, em igualdade de condições de influenciar nos resultados obtidos, maiores
seriam as probabilidades de criação de espaços de participação popular na gestão
pública. Ademais, o envolvimento dos indivíduos nos processos decisórios tende a gerar
uma maior conformação e respeito às regras instituídas, posto que as orientações que
guiam o agrupamento humano seriam construídas coletivamente pelos próprios
envolvidos, que só se comprometeriam na medida das suas possibilidades. Isto
significa, dentre outras coisas, que a complexidade do sistema no qual estamos inseridos
requer, além da criação e ampliação dos espaços públicos de discussão, o igual
reconhecimento e a justa repartição das decisões sociais.
Castells (2000), ao perceber certos desfazimentos da estratificação vertical que
caracterizaria o estado das coisas no mundo, acredita no direcionamento social rumo à
horizontalidade das relações humanas, inclusive econômicas e culturais. Para o autor, há
uma nova lógica organizacional a partir da qual os fluxos são mais diversos, as redes
são mais flexíveis, os Estados são menos nacionais, volatilidade do dinheiro não garante
que a produção geográfica no país aumente a riqueza local (Castells, 2000, p. 120). As
novas configurações das relações sociais, pois, se baseiam na “desterritorialidade”, na
autoridade institucional compartilhada, em relações “internodais", na descentralização
articulada de gestão, na assimetria reconhecida, na flexibilidade, no gerenciamento,
subsidiariedade e horizontalidade (Castells, 2000).
106
Essa dinâmica é identificada em várias organizações em rede, que foram se
estruturando e gradativamente se relacionando com outros grupos e entidades do
nordeste, visando ampliar o reconhecimento dos seus trabalhos e dinamizar as trocas, a
partir de práticas produtivas compatíveis com as diversas realidades, potencialidades e
recursos locais existentes. Entre as redes, pois, é comum o intercâmbio de informações,
o escambo de mercadorias, a ajuda mútua para a participação de editais, e geralmente
existem membros que são comuns, tal como ocorre, por exemplo, entre a Rede Xique
Xique e o Centro Feminista 8 de março em Mossoró (RN). Essas interações
mutualísticas são ferramentas que vêm contribuindo para o fortalecimento e
consolidação de muitas organizações, bem como para a construção de valores e lutas
comuns. Para Bourdieu, Coleman e Putnam (Valdivieso, 2003) tais formações seriam
retroalimentadas pelas suas próprias composições e relações sociais, o que, por si só, já
teria um valor intrínseco. Isto se denominaria de “capital social”, compreendido
como sendo o conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão
ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos
institucionalizadas de interconhecimento e de interreconhecimento.
Identifica que um grupo ou, em outros termos, a vinculação a um
grupo, como conjunto de agentes que não somente são dotados de
propriedades comuns passíveis de serem percebidas pelo observador,
pelos outros ou por eles mesmos, mas também são unidos por ligações
permanentes e úteis. Para esse autor, essas ligações são irredutíveis às
relações objetivas de proximidade no espaço físico (geográfico) ou no
espaço econômico e social porque são fundadas em trocas
inseparavelmente materiais e simbólicas cuja instauração e
perpetuação supõem o reconhecimento dessa proximidade (JESUS
JÚNIOR, 2014).
A reunião de indivíduos em grupos produtivos a partir de princípios e práticas
comuns, por si mesmas, já possui um valor inerente, que pode englobar desde a
preservação de práticas ancestrais e de sementes crioulas, à construção de técnicas de
convivência com a escassez de água ou o uso de defensivos naturais, tais como a água
de mandioca ou urina de vaca, por exemplo. O agrupamento humano com propósitos
comuns, nesse sentido, cria em si um conteúdo econômico, pois é responsável pela
produção e reprodução de práticas sociais que contribuem para o aperfeiçoamento de
técnicas de convivência intersubjetivas e dos indivíduos com o meio ambiente.
2.1.3 A formação das redes produtivas de economia solidária no nordeste
brasileiro
107
Ao identificar o valor nato dos arranjos sociais produtivos, o Ceará,
pioneiramente na região nordeste, junto a Pernambuco e Bahia, percebeu a economia
solidária como uma estratégia viável de desenvolvimento do ponto de vista político,
econômico e social, além de um importante instrumento de preservação de valores
culturais. Naquele Estado foi criada uma Agência de Desenvolvimento Solidário
(ADS), vinculada à Central Única dos Trabalhadores (CUT), em 1999, que, segundo
Gonçalves (2009, p. 23), buscou articular a teoria da economia solidária, baseada na
construção de uma racionalidade solidária na economia, com a transformação da
sociedade por via da formulação de políticas públicas de desenvolvimento dos
empreendimentos econômicos solidários para a geração de emprego e renda, com a
consequente redução da pobreza.
Segundo o Estatuto da ADS, a finalidade da agência seria
implementar uma política voltada para a economia solidária, viabilizar
o surgimento de alternativas de trabalho e renda, incentivando a
criação de empreendimentos de caráter solidário, e contribuir para o
funcionamento dos mesmos na forma de redes, na perspectiva da
sustentabilidade socioeconômica e da melhoria da qualidade de vida
dos grupos envolvidos.
Outra experiência interessante da qual o sertão cearense faz parte é a REDE
JUSTA TRAMA, constituída em 2005. Trata-se de uma organização produtiva de
vestuário criada a partir da lógica da economia solidária. Sua concepção foi idealizada
por uma cooperativa de costureiras criada no Rio Grande do Sul chamada “Unidas
Venceremos” (UNIVENS). A UNIVENS foi fundada em maio de 1996, por 35
mulheres com idades entre 18 e 70 anos, desempregadas, algumas sem saber costurar,
que buscavam trabalho e renda, e que tinham a ideia de formar uma cadeia produtiva do
ramo do vestuário completamente sustentável. Somente começaram a ter apoio após
dois anos da sua existência, mas alegam que sempre quiseram ter autonomia, por isso
dispensaram muitas ajudas oferecidas.
No desígnio de firmar parceiras para a formação de uma cadeia de economia
solidária ecológica de algodão, coordenadores da UNIVENS procuraram convênios com
entidades do semiárido do Ceará, inicialmente, para a produção de algodão, cultivado
sem agrotóxico e com a preservação dos nutrientes do solo. Os agricultores de Tauá
(CE), no contexto de crise de produção por conta da praga do bicudo, passaram por um
108
processo de formação promovido pela Associação de Desenvolvimento Educacional e
Cultural (ADEC), responsável por introduzir os princípios e formar uma racionalidade
da economia solidária, incialmente para 150 agricultores e agricultoras.
Gradativamente, introduziram-se ideias sobre a importância do uso de
defensivos naturais, sobre a relevância do consórcio de cultivos - pois em área com
variação de culturas é mais difícil o aparecimento de pragas, a ponto dos envolvidos
internalizarem tais conhecimentos e verem os seus resultados positivos na produção. O
algodão orgânico é vendido atualmente com um valor 100% maior que o algodão
produzido com agrotóxico, o que equivale ao preço do melhor algodão do mundo, o
egípcio.
Com o auxílio de técnicos da ADEC, a iniciativa ganhou projeção, despertando
o interesse de franceses e norte-americanos. Posteriormente, a JUSTA TRAMA recebeu
apoio da UNISOL BRASIL, uma associação civil com fins não econômicos, de âmbito
nacional, que é uma central de cooperativas e empreendimentos solidários. A UNISOL
foi responsável pela articulação de cooperativas de 5 regiões do país para fortalecer esta
REDE, que conta atualmente com mais de 2000 produtores e produtoras, localizadas
desde o Ceará e Mato Grosso do Sul (produção do algodão), a Roraima, onde os
ribeirinhos colhem sementes e fazem botões e bijuterias, Minas Gerais e São Paulo,
onde há a fiação e tecelagem, até Santa Catarina e Rio Grande do Sul, onde há a
confecção e comercialização, inclusive para o exterior.
A partir de iniciativas dessa natureza, a crença da construção de uma ordem
social mais justa e igualitária propaga-se no país e, especialmente, no nordeste, uma vez
que a população tem percebido as várias iniciativas que a EcoSol estimula no escopo de
fomentar estratégias de desenvolvimento via empoderamento dos indivíduos.
Assumindo os princípios da EcoSol, observam-se, no nordeste, experiências de crédito
solidário, de educação em economia solidária via universidades, incubadoras de
cooperativas, recuperação de empresas em falência, dentre outras.
Atualmente, dados do Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária
(SIES) levantados a partir de um mapeamento de abrangência nacional, registrou EEEs
em 2.804 municípios do Brasil. Dentre os Estados com o maior número de municípios
com empreendimentos dessa natureza, destacam-se: Rio Grande do Sul (281), Bahia
(222), São Paulo (201), Santa Catarina (191), Minas Gerais (188), Ceará e Pernambuco
(ambos com 162 municípios). Em se tratando do quantitativo de EEEs por Estado, o Rio
Grande do Sul é o que mais possui EEEs (1696), seguido por Pernambuco (1503),
109
Bahia (1452), Ceará (1449), Pará (1358), Minas Gerais (1188), São Paulo (1167) e Rio
Grande do Norte (1158). Do total de EEEs existentes atualmente no país, 41% estão
localizados na região nordeste, onde ocupam majoritariamente a zona rural (72%), nos
moldes do gráfico a seguir:
Quadro 10: Áreas de atuação dos EES conforme a região em 2010.
FONTE: Economia solidária no Brasil uma análise de dados nacionais (p. 37).
No nordeste, a grande parte dos EEEs é composta por associações (71%), sendo
o maior percentual do Brasil, e em menor escala por grupos informais (21%). De tal
constatação subentende-se que os movimentos sociais de articulação rural nesta região
são importantes instrumentos de fomento e disseminação dos princípios da economia
solidária, que muitas vezes já estavam inseridos nas práticas produtivas de produtores
da região. A partir de variadas organizações sociais, como sindicatos e pastorais
católicas, se formaram associações para organizar as atividades produtivas, as quais
gradativamente se ligam a redes sociais com atuação e finalidade afins.
O diálogo com membros da Rede revela que o/a trabalhador/a rural, via de regra,
tem a disposição para manter vínculos de solidariedade com a comunidade do seu
entorno, além de querer buscar no local onde vive a sua fonte de renda, uma vez que há,
geralmente, um liame afetivo com o território ao qual pertence, pois “resguardam a terra
como patrimônio da família e da comunidade” (Zhouri; Oliveira, 2007, p. 120). A
economia solidária, nesse contexto, tem o objetivo de trazer respostas às expectativas de
alguns produtores rurais, sobretudo moldando os valores e práticas tradicionais à
abertura de novas estratégias de produção/comercialização, a partir da reordenação de
lógicas equitativas e coletivas, muitas vezes já perpetradas, que resultam na revaloração
110
do trabalho rural e no incremento de estratégias de convivência com as dificuldades
existentes.
Como as relações de reciprocidade e de confiança facilitam as ações
coordenadas e tendem a aumentar a eficiência da sociedade (Putman, 2007), a
construção de uma racionalidade a partir da economia solidária no âmbito rural gera a
expectativa de repercutir positivamente na construção de ações políticas mais
participativas, na igualdade de gênero, na construção de cadeias produtivas mais
sustentáveis e justas, ou seja, no desenvolvimento local.
Na região nordeste, 18% das associações e grupos informais de EcoSol
participam de redes econômicas, seja de comercialização (52%) ou de produção (28%),
a fim de possuírem uma assistência técnica mais substancial, além de se articular com
outras cooperativas, agências de financiamento e com demais redes de produção e de
comercialização. O papel das redes de EcoSol, assim, é articular os órgãos públicos,
agências de fomento e os produtores, além de identificar/reconfigurar as vocações
regionais existentes e criar, a partir daí, caminhos para fortalecer os produtores e
potencializar os ganhos produtivos, gerando o mínimo possível de passivos ambientais.
Essas redes, pois, emergem como fatores de construção coletiva de um “novo
contrato social”, que exige a justa distribuição da riqueza produzida coletivamente, o
respeito ao equilíbrio dos ecossistemas e à diversidade de culturas (SILVA; SILVA,
2014). Possuem, portanto, a importância de reduzirem incertezas e riscos, criando
estratégias coletivas para os produtores/produtoras se manterem competitivas
economicamente, por exemplo, via comercialização em lojas da rede dos excedentes da
produção, além de representarem um meio de segurança alimentar30
dos/as
produtores/as, bem como de transformação das condições de trabalho e vida dos
indivíduos envolvidos em projetos autogestionários (SILVA; SILVA, 2014).
O agrupamento em redes, pois, fomenta a noção de responsabilidade
compartilhada, a formação de vínculos de coordenação e a disposição para
autossustentação do empreendimento. Confrontando-se tal lógica com as propostas
hegemônicas de produção, observa-se a inexistência da perspectiva concorrencial e de
eliminação recíproca via competição, o que tende a repercutir numa configuração
30
Segunda a FAO - Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, segurança
alimentar consiste no estado em que os indivíduos têm acesso físico e econômico a uma alimentação que
seja suficiente, segura, nutritiva e que atenda às necessidades nutricionais e preferências alimentares, de
modo a propiciar vida ativa e saudável (Disponível em: < http://www.fao.org/brasil/pt/>. Acesso em
setembro 2016).
111
comunitária mais solidária e horizontal. Inúmeras são as finalidades específicas das
redes, variando entre organizações de apoio à comercialização solidária e redes de
crédito e produção:
Quadro 11: Participação dos EES em redes de produção, comercialização, consumo ou crédito (2010).
FONTE: Economia solidária no Brasil uma análise de dados nacionais (p. 44/45).
Do gráfico apresentado percebe-se que predominam no Brasil redes de
comercialização, que assumem a função de negociar os excedentes produzidos pelos
seus integrantes, tal como a Rede Xique Xique de Comercialização Solidária, que
comercializa produtos de agricultores/as de cerca de 19 municípios do Estado do Rio
Grande do Norte e que tem articulação com outras redes do Brasil, a exemplo da RESF
– Rede de Economia Solidária e Feminista.
2.2 A mudança de perspectiva das políticas públicas para o campo
O movimento agroecológico no Brasil, encabeçado por organizações de
produtores/as familiares, assessorados/as por ONGs e outras instituições de apoio,
durante cerca de trinta anos procurou conscientizar agricultores e consumidores abertos
ao diálogo acerca da importância do investimento em sistemas de produção que
convivam e respeitem a diversidade dos ecossistemas presentes nos diversos biomas do
112
país. À época, as políticas públicas destinadas ao meio agrícola estavam baseadas em
modelos que recorriam à transferência de técnicas de uso intensivo de insumos
químicos, muitas vezes subsidiados pelo poder público, por meio do financiamento de
pacotes técnicos às famílias produtoras. Neste contexto, os incentivos públicos, quando
existentes, eram pontuais, irregulares e marginais (WEID, 2006).
Na atualidade, o agronegócio, substancial sustentáculo do PIB brasileiro, aliado
ao capital financeiro, continuam figurando como beneficiários predominantes das
diretrizes políticas governamentais para o âmbito rural brasileiro – tanto que na última
década houve a liberação do cultivo de transgênicos no Brasil, o que tem gerado tensões
que o próprio Estado tem o dever político de neutralizar. Esta conjuntura tem sido
responsável por crescentes demandas dos movimentos sociais e organizações não-
governamentais nacionais e transnacionais, em relação à imprescindíveis ações públicas
que aliem o fomento à pesquisa, capacitação, crédito, assistência técnica e extensão
rural (WEID, 2006), voltados à valorização dos grupos produtivos rurais e à defesa do
meio ambiente. Essas demandas envolvem mudanças de perspectivas nas políticas
voltadas para o âmbito rural no Brasil, o que foi iniciado com a edição de dois marcos
legais importantes para o Brasil: a lei que regulamenta a agricultura orgânica (Lei n.
10.831/2003), bem como o Decreto n. 7794/2012, que instituiu a Política Nacional de
Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO).
Essas iniciativas, porém, tão somente ganham vida com o planejamento e
execução de políticas públicas, as quais precisam focar em vários aspectos, desde a
organização e formalização dos grupos produtivos rurais, até políticas de planejamento
familiar. Tais iniciativas são imprescindíveis para a consolidação da agroecologia no
país, pois embora se almeje a autonomia dos agricultores e dos grupos sociais rurais,
não se pode vislumbrar nos produtores rurais do semiárido do nordeste uma
independência econômica e política que lhes faça prescindir do apoio público - ainda
que esta situação, em ambientes nos quais as pessoas não tenham formação política,
possa se converter em perda de autonomia. As políticas de assistência técnica, por
exemplo, são grandes aliadas das/os pequenas/os produtoras/es, pois lhes transmitem
conhecimentos e técnicas até então não acessíveis.
Alguns assentamentos do Rio Grande do Norte, como por exemplo, Bonsucesso,
Antônio Conselheiro e Mato Grande, todos localizados na região oeste do Estado,
receberam assessoria técnica, sobretudo a partir de 2004, com vistas a fomentar a
implementação de sistemas agroecológicos na região. Tais iniciativas, porém,
113
experimentadas desde a década de 1990 no país, convivem com um projeto político com
princípios, propostas e impactos antagônicos, ainda majoritariamente predominantes no
país: o agronegócio.
As iniciativas públicas que fomentam e prestam assessoria técnica aos sistemas
agroecológicos no semiárido potiguar demonstram a assimilação de demandas dos
movimentos sociais rurais pelo poder público, o que tem repercutido na contribuição
para a inclusão produtiva e social das mulheres da região. O fortalecimento do trabalho
da mulher no campo, por sua vez, tem expandido a sua participação em associações,
sindicatos e redes sociais, suscitando ressignificações do papel das mulheres na
sociedade em diversas perspectivas: do meio familiar ao econômico.
A esse respeito, podemos mencionar o caso da assistência técnica desenvolvida
no Rio Grande do Norte, no Assentamento Antônio Conselheiro, criado em 1998
(INCRA/RN, 2009) após pressões de várias famílias que integram o Movimento dos
Sem Terra (MST), via ocupações e acampamentos. Está localizado no município de São
Miguel do Gostoso, que possui população estimada, em 2016, de 9.518 habitantes
(IBGE, 2010), e encontra-se no litoral do nordeste, numa região semiárida. O
assentamento dista da capital do Estado cerca de 110 Km, encontra-se há 23 Km da sede
do município e é composto por cerca de 157 famílias (ARAÚJO, 2009).
O trabalho da assessoria técnica no município envolveu um grupo de jovens,
incentivado a desenvolver atividades produtivas coletivamente na região. Criou-se uma
horta coletiva para consumo das famílias envolvidas e para comercialização na feira
agroecológica de São Miguel do Gostoso. A horta depois se converteu em quatro
quintais agroecológicos produtivos, com pequenas criações de animais, hortaliças,
fruteiras e mudas, a partir de investimentos do próprio grupo e de recursos da Rede
Pardal, através do projeto Semeando Agroecologia, desenvolvimento em parceria com a
organização francesa Agrônomos e Veterinários Sem Fronteiras (AVSF). Ademais, o
grupo de jovens criou um jornal de circulação local na comunidade que discute, além de
educação ambiental, agroecologia e reforma agrária, questões do próprio assentamento.
Assim, embora os grupos produtivos devam se organizar de modo autônomo e
não esperar do Estado o provimento das suas necessidades, a atuação do poder público
confere à comunidade um grau de profissionalização e organização que seria
improvável que os/as produtores/as conseguissem sozinhos. Há, todavia, que se
conscientizar o grupo envolvido no sentido de evitar expectativas paternalistas ou
clientelistas, que entendam o Estado como o provedor e o mantenedor de suas vidas.
114
A demanda, portanto, é que o Poder Público, além da preocupação com a
redistribuição de direitos e garantias aos/as grupos produtivos rurais, deve focar na
promoção de alternativas de desenvolvimento que, ao mesmo tempo, potencialize o uso
dos recursos naturais disponíveis em cada região, e eduque a comunidade para uma
convivência que preserve os recursos ambientais, tal como a partir do recurso a sistemas
de produção que se utilize de práticas agroecológicas, sobretudo aproximando os
conhecimentos técnicos e científicos.
Várias discussões entre representantes do governo e entidades de promoção da
agroecologia no Brasil, como o Grupo de Trabalho de Financiamento da Produção (GT-
Financiamento), da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA)31
e da Associação
Brasileira de Agroecologia (ABA)32
, e o Programa Nacional da Agricultura Familiar
(Pronaf) buscaram conjuntamente a criação de instrumentos que direcionassem práticas
produtivas mais limpas e sustentáveis para a agricultura. Dessa proposta resultou a
criação de mecanismos inovadores de crédito orientados para a transição agroecológica
(Pronaf Agroecologia, Pronaf Semiárido, Pronaf Florestal) (WEID, 2006). Como não
houve, porém, o planejamento e a implementação de políticas educativas de
conscientização e sensibilização dos grupos produtivos, os créditos direcionados para
fomento dos sistemas agroecológicos foram pouco acessados, aliado à crescente
instalação do agronegócio na região, que atraiu muitos jovens agricultores a se
transformarem em empregados rurais.
Percebeu-se, então, a necessidade de investir no estímulo e financiamento de
processos de ampliação de sistemas agroecológicos, o que, dadas as necessidades de
formação dos produtores e de reestruturação e limpeza dos solos, exige um longo prazo.
Diante do anseio subliminar de mudança cultural proposta pela agroecologia, as
políticas públicas acerca da questão passaram a assumir, a partir de 2003, discussões
inéditas, como a igualdade de gênero no âmbito rural, a inclusão da mulher no mercado
de trabalho rural, a importância de estímulo do trabalho coletivo e cooperado no meio
rural, a necessidade de investimento e aperfeiçoamento das práticas produtivas dos
agricultores/as, a partir de suas demandas específicas.
31
Entidade que agrega os movimentos, redes e organizações da sociedade civil comprometidas com a
promoção da agroecologia e do desenvolvimento rural sustentável no Brasil (www.agroecologia.org.br). 32
Associação que objetiva apoiar e organizar eventos de socialização de conhecimentos acerca da
agroecologia; estimular a participação de profissionais que se dedicam a este enfoque; manter publicações
para a divulgação científica e técnica; dialogar com a sociedade para despertar interesse por questões
socioambientais; analisar e propor políticas públicas coerentes com os desafios contemporâneos; e
defender a proteção da biodiversidade como condição para o alcance de agroecossistemas sustentáveis.
(www.aba-agroecologia.org.bre/wordpress/?page_id=40).
115
Uma importante política implementada no semiárido potiguar que assumiu uma
perspectiva diferenciada do ponto de vista ecológico foi a Assessoria Técnica, Social e
Ambiental à Reforma Agrária – ATES, desdobramento do Plano Nacional de Reforma
Agrária (2003-2006).
Implementado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário via Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), tal projeto assumiu o
compromisso de assessorar os assentados pelo INCRA na intenção de criar unidades de
produção estruturadas, inseridas na dinâmica produtiva, mas focadas no
desenvolvimento territorial e municipal, de forma ambientalmente sustentável
(ARAÚJO, 2009). O diferencial desta iniciativa, pois, foi tentar aliar a estabilização
econômica do assentado ao tempo em que propõe a convivência simbiótica e o respeito
aos recursos naturais, recorrendo, para tanto, à valorização da agricultura familiar, à
agroecologia e ao reconhecimento da significância da cultura tradicional (INCRA,
2006).
Desta iniciativa, foi instituído em nível nacional, via atuação do Grupo de
Trabalho sobre Assistência Técnica e Extensão Rural (GT-Ater), integrante do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável da Agricultura Familiar
(Condraf)33
, o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER),
gerenciado pela Secretaria de Agricultura Familiar (SAF), do Ministério de
Desenvolvimento Agrário. Por meio desta política, entidades ligadas à ANA atuaram na
implementação de projetos para grupos produtivos que queriam se aperfeiçoar ou aderir
aos sistemas agroecológicos de produção (WEID, 2006).
A PNATER é entendida como uma importante política pelos cientistas da área,
não só por ter sido a primeira política pública a incluir em seu conteúdo o termo
“agroecologia”, mas por ter potencializado a atuação das entidades de Assistência
Técnica e Extensão Rural – ATER das esferas pública federal e estaduais na promoção e
na implementação de seus programas institucionais, inclusive voltadas para
organizações civis interessadas em receber recursos públicos. Por meio deste programa
houve uma ampla formação de Agentes de ATER (Assistência Técnica e Extensão
Rural), em âmbito nacional, de modo que entre 2004 e 2010, foram capacitados no
Brasil cerca de 16 mil extensionistas, o que demandou do poder público, só entre 2007 e
33
Trata-se de órgão de articulação entre os governos Federal, Estaduais e Municipais, e as organizações
da sociedade civil para discussão de políticas voltadas para a formulação e a implementação de políticas
públicas relacionadas ao desenvolvimento rural sustentável, à reforma agrária e à agricultura familiar (ver
www.condraf.org.br).
116
2008, o investimento de quase dois milhões de reais (BRASIL/DATER, 2009) para
custear eventos de média e curta duração, todos invariavelmente assumindo o objetivo
de propagar a perspectiva agroecológica. O fruto mais importante desta política foi a
orientação para a agroecologia nos Termos de Referência que regiam os convênios entre
as entidades estaduais e o governo federal (CAPORAL; PETERSEN, 2012).
Diante da crescente instituição de políticas públicas voltadas para o fomento à
ampliação de práticas agroecológicas, foram criadas redes sociais de assessoria técnica,
atores importantes no intercâmbio de informações e na interlocução entre agricultores/as
do país. Dentre as diversas redes formadas, destaca-se a Articulação Semiárido
Brasileiro (ASA BRASIL), com atuação em todo semiárido brasileiro, formadora de
interlocuções importantes no oeste potiguar, e responsável pela implementação de
políticas relacionadas à democratização do acesso à água (Programa 1 Milhão de
Cisternas – P1MC e o programa 1 Terra 2 Águas – que busca garantir água não só para
o consumo humano, mas também para a produção).
No que diz respeito à atuação do Ministério da Educação no tema, a partir de
2003 foram criados mais de 100 cursos de Agroecologia ou com enfoque em
agroecologia no Brasil, entre cursos de nível médio e superior, consagrando a
estruturação de uma nova área de conhecimento dentro das ciências exatas e da terra.
Ademais, ampliaram-se os cursos de Especialização, Mestrado e linhas de pesquisa de
programas de Doutorado dentro deste campo. Desde 2010, núcleos de extensão e
pesquisa estão sendo criados nos Institutos Federais e nas Universidades Públicas
(CAPORAL; PETERSEN, 2012), o que tem demonstrado o interesse na formação de
profissionais qualificados na área. Estas iniciativas podem, portanto, conduzir, mediante
a continuidade dessas políticas, a uma difusão qualificada de informações em torno da
agroecologia no país, como também no desenvolvimento de tecnologia e
aperfeiçoamento de políticas na área.
2.2.1 A agroecologia, suas interações com os grupos de mulheres do semiárido
potiguar e a Rede Xique Xique
Ao final da 2ª Guerra Mundial, diante dos avanços tecnológicos alcançados, um
amplo programa transnacional de modernização produtiva da agricultura foi
desenvolvido, inicialmente nos Estados Unidos e Europa (década de 1950), sob o
argumento de que a falta de alimento mundo era responsável pela fome no mundo
117
(MATOS; PESSOA, 2011). Esta expansão agrícola estava baseada no uso massivo de
insumos industriais, na mecanização da produção pelo uso de máquinas de grande porte
dependentes de recursos energéticos não renováveis e na redução do custo de manejo
que gerou impactos significativos no trabalho rural. Para tanto, investiu-se na
modificação genética das sementes, no estudo e desenvolvimento de fertilizantes e
agrotóxicos, na monocultura e na produção em larga escala.
Como resultado, houve a exploração intensiva dos bens ambientais,
especialmente da água, a quase extinção de biomas, a contaminação de solos e dos
indivíduos, além da concentração fundiária – que teve impacto significativo na cultura
dos pequenos agricultores e nas populações tradicionais.
O Brasil, neste contexto, já trazia os grandes latifúndios monocultores como um
produto da história de exploração que viveu ao ser colônia, que, aliado ao trabalho
compulsório e à produção para exportação, constituíam o sistema agrícola predominante
na América dos séculos XV a XIX, denominado plantation. Ainda subsistente em
determinados contextos na América Latina (PINTO, 2016), tal como no nordeste
brasileiro, inclusive em terras privilegiadas das regiões semiáridas, o plantation foi
responsável por desestruturar a agricultura familiar, por implementar hábitos de
consumo ambientalmente reprováveis e socialmente injustos, sobretudo porque, ao
assumir diretrizes capitalistas, baseia-se em relações intersubjetivas exploratórias e
verticalizadas.
Assim, a concentração fundiária no Brasil, subsidiada por investimentos,
públicos e privados (que visam a entrada de capital via exportação de bens primários),
em tecnologia, sobretudo a partir da década de 1990, viabilizou o crescimento
exponencial agrícola, com a expansão das fronteiras de produção e a implantação de
culturas como soja, milho e algodão.
Esta disposição de estrutura social implementada a partir da revolução verde é
parte de um modelo de desenvolvimento que é denominado de “modernização
conservadora” (Graziano da Silva (1980); Andrade (2011); dentre outros), uma vez que
concretizava mudanças técnicas e produtivas que não se convertiam no incremento do
bem-estar social. Observou-se, nesse sentido, que embora tenha ocorrido um aumento
da produção, ele não foi suficiente para solucionar problemas sociais relevantes, pois
com o passar do tempo observou-se que a fome, além de ser mantida, foi agravada, e
que outros problemas sociais foram ocasionados, tal como a degradação dos recursos
naturais (DOURADO, 2011).
118
Como alternativa a este modelo produtivo, organizações e movimentos sociais
começaram a discutir, em nível internacional, a necessidade de uma maior associação
entre a agronomia e a ecologia, entre os seres humanos e a natureza, entre a natureza e a
cultura. Na década de 1980, a agroecologia começa a se popularizar, sobretudo em
virtude de trabalhos dos acadêmicos Miguel Altieri e Stephen Gliessman, os quais
analisaram cientificamente comunidades tradicionais campesinas, principalmente na
América Latina, e passaram a buscar fundamentos e metodologias para transformar a
agroecologia em uma ciência, que também deveria ser concebida como uma prática
política e como um movimento social (WEZEL, et al, 2009).
A participação política das mulheres em defesa de investimento em políticas de
EcoSol e agroecologia no município de Mossoró (RN) decorreu, sobretudo, dos
movimentos de sindicatos de trabalhadores rurais, de organizações não-governamentais
e da Universidade Federal Rural do Semiárido. Em meio a avances e retrocessos, as
articulações de produtores em prol da agroecologia tem gerado tensões entre
profissionais atuantes nas capacitações produtivas e os grupos de mulheres: de um lado
os técnicos questionam o envolvimento político como um elemento que retira ou
diminui a participação das mulheres na produção; de outro, os movimentos sociais,
especialmente o feminista, suscitam o engajamento feminino na luta pelo
reconhecimento de direitos.
De fato, algumas mulheres que trabalham na gestão da Rede Xique Xique, por
exemplo, diminuíram ou se afastaram da atividade rural produtiva. Segundo elas, tal
contexto decorre das atividades da Rede, pois “em Mulunguzinho não tem internet e
nem pega celular. Como eu vou articular as atividades da Rede?”.
Assessoras do Centro Feminista entendem, porém, que “o afastamento de
algumas produtoras do campo é necessário, pois a atuação política das mulheres da
região foi responsável por grandes conquistas”. E tal conjuntura, segundo membros do
CF, justifica que a atuação política das mulheres tem gerado um maior respaldo
institucional, inclusive via políticas públicas, o que tem replicado positivamente no
trabalho feminino no campo. De todo modo, a renovação da atuação das mulheres nos
grupos produtivos deve ser estimulada, inclusive com políticas públicas voltadas para a
juventude rural feminina.
Com a mesma percepção do Centro Feminista, um antigo técnico da Associação
Terra Viva, atualmente docente do magistério federal, que atuou na elaboração e
execução inicial do projeto da Rede Xique Xique, entrevistado 18, entende que “a
119
atuação política de parte das mulheres é tão importante quanto o trabalho produtivo, já
que o primeiro viabiliza e angaria investimentos para o segundo”.
Assim, existem agricultoras que não participam dos movimentos políticos da
Rede diretamente, bem como existem pessoas que atualmente só trabalham na parte
administrativa da rede, não vivendo mais, portanto, da agricultura. Esta situação, porém,
cria um contexto preocupante do ponto de vista previdenciário, já que as pessoas que
não contribuem para o INSS - por serem trabalhadores rurais em regime familiar1 -
devem comprovar a condição de agricultor/a rural na ocasião da requisição de qualquer
benefício previdenciário, devendo existir provas cabais desta condição, a exemplo da
nota fiscal em nome do segurado relativa à aquisição de sementes, instrumentos de
trabalho, dentre outras. Perguntada sobre a questão, uma das pessoas da organização da
Rede, entrevistada 3, respondeu que “por ser assentada da reforma agrária tem direito à
aposentadoria como trabalhadora rural, que não exige contribuição”, sem maiores
preocupações em relação à problemática levantada. Esta mesma resposta foi dada por
sua filha, que atualmente também trabalha exclusivamente na Rede, e mesmo quando
morava no assentamento, não auxiliava a genitora na produção, pois, segundo a
entrevistada 6, “eu nunca gostei do trabalho no campo. Eu gosto de trabalhar aqui na
Rede”.
O ideal, entretanto, é que haja um número maior de pessoas envolvidas com o
trabalho da Rede, de modo que nenhuma produtora tenha que deixar de produzir para
acompanhar as atividades políticas do coletivo. Como tanto as atividades produtivas,
como a organização da Rede são imprescindíveis, o objetivo é que ambas subsistam, se
complementem e não se excluam. Tal necessidade é importante para o fortalecimento da
Rede, o que assume premente importância no contexto atual, diante das vicissitudes
políticas pelas quais o país perpassa.
As instabilidades políticas atuais do Brasil decorrentes do processo que gerou o
afastamento da presidente Dilma Rousseff da chefia do executivo já começaram a
evidenciar o enfraquecimento das políticas de EcoSol no Brasil, especialmente com a
saída de Paul Singer da SENAES, com a desestruturação dos dados do Sistema de
Informação sobre Economia Solidária (SIES) e com a descontinuidade de várias
políticas públicas voltadas para o meio rural.
Assim, embora decisões políticas do Partido dos Trabalhadores não tenham
promovido uma reconfiguração da política econômica institucional do Estado brasileiro,
em se tratando do respaldo institucional às ações de EcoSol, observa-se que os governos
120
do Partido dos Trabalhadores, especialmente por terem origem no movimento sindical,
mantiveram tradicionalmente uma constante interlocução com os movimentos sociais e
assumiram compromissos de promover uma maior justiça social e retribuição de renda.
Mesmo não encarando a EcoSol como uma agenda central para o desenvolvimento do
país, dadas as forças econômicas hegemônicas que viabilizaram a própria ascensão do
PT ao governo, foi nestes governos que a EcoSol e as políticas de correção das
distorções históricas de gênero ganharam espaços na estrutura do Estado, de forma
inédita, especialmente com a criação da SENAES e da SPM, aquela dentro do MTE e
esta com status de ministério, vinculada diretamente à presidência da república.
Portanto, longe de tais iniciativas significarem uma mudança estrutural das
relações produtivas no Brasil, do ponto de vista da horizontalização das relações
laborais e de despatriarcalização das relações sociais, estas políticas em favor das
mulheres rurais têm um importante poder simbólico. Isto porque figuraram como
importantes estratégias em favor do reconhecimento das experiências feministas de
EcoSol existentes no país, como experiências reais de desenvolvimento alternativo.
O mencionado contexto de instabilidade política, ademais, tende a produzir
reflexos negativos na subsistência e continuidade dos grupos
produtivos/associações/cooperativas, pois, embora eles devam guardar uma postura de
independência em face do Estado, existem políticas essenciais que viabilizam e
qualificam o seu trabalho, tal como as de assistência técnica. Num primeiro momento,
porém, observa-se que os grupos têm se mobilizado para manter os níveis de produção e
articular consumidores. Isto tem resultado, inclusive, numa maior organização da Rede
e dos seus respectivos grupos fornecedores, o que demonstra que, em momentos de
crises institucionais e econômicas, a atuação organizada das mulheres direcionou-se
para buscar estratégias de continuidade mais autônomas em relação ao Poder Público.
Um efeito benéfico para esta fase de insegurança da Rede, portanto, foi um
maior fortalecimento das relações horizontais com os produtores, pois se percebe o
aumento das articulações e mobilizações com produtores rurais da região para
fornecerem mais produtos para os consumidores das cestas de alimentos encomendadas
via whatssap e entregues aos consumidores na sede da Rede. Assim, aparentemente a
sociedade vem aderindo de forma mais constante à compra de produtos via Rede, bem
como é perceptível um maior engajamento das organizadoras em aumentar a oferta de
alimentos. Instituiu-se, ainda, uma feira toda última sexta-feira do mês na rua onde a
Rede está sediada, embora em agosto de 2016 uma das produtoras comentou que a
121
Prefeitura de Mossoró não está querendo mais autorizar o fechamento da rua –
provavelmente por questões políticas, visto que a rua não possui muito trânsito.
O fato é que a participação das produtoras na organização da Rede tem
contribuído não só para a valorização dos espaços de atuação produtiva e política das
mulheres, mas também para ressignificar a sua própria relação com o meio ambiente,
embora a produção agroecológica exija formação continuada e uma sólida política de
assessoria técnica.
Observa-se, contudo, que as mulheres do semiárido apresentam mudanças de
visão sobre a função social da alimentação, o que evidencia os reflexos positivos
decorrentes do processo de conscientização dos produtores/as sobre a importância da
agroecologia, já que é perceptível, entre os produtores/as rurais que trabalham com
produção agroecológica, o orgulho, não só por comerem, mas também por
comercializarem produtores sem veneno. Segundo a entrevistada 15, “é muito bom
produzir sem veneno porque a gente também come do que a gente produz. Sem veneno,
a gente não faz mal nem aos outros, nem a gente mesmo”. No mesmo sentido, a
entrevista 20 relata: “antes eu plantava hortaliça com veneno, eu vivia com problema na
respiração. Hoje, graças a Deus, eu sou outra pessoa”.
Para entender holisticamente as propostas da transição para uma produção
agroecológica, é importante promover mudanças culturais, no âmbito tecnológico,
ecológico e socioeconômico.
Vejamos:
122
Quadro 12 Confronto entre agricultura ecológica e convencional.
Fonte: ARAÚJO, 2009.
Assim, ao tempo em que se deve ter a compreensão de que se trata de um
processo de médio e longo prazo, a adoção de técnicas e princípios da agroecologia, por
não assumir compromissos produtivistas, traz consigo mais segurança alimentar aos
produtores e às comunidades do entorno, prestigia as interações biológicas naturais e
estimula a atividade biológica do solo, ao tempo em que preserva os ecossistemas; a
flora e a fauna do bioma. Esta complexidade de mudanças faz com que ainda tenhamos
de conviver com “dois modelos de desenvolvimento rural e de agricultura: um velho,
não sustentável, mas ainda hegemônico; e outro, em construção, que busca a
sustentabilidade” (CAPORAL, 2006, p. 24).
Ainda que com estrutura social precária (saúde, educação, saneamento) e a
privação de muitos serviços públicos essenciais, os grupos sociais rurais do semiárido
potiguar encontraram na produção agroecológica um meio de incrementar a sua
123
qualidade de vida, em variadas conjunturas. Tal contexto tem produzido reflexos
positivos, especialmente no fortalecimento da relação específica que o campesino
possui com a terra, bem como com a reestruturação da organização familiar e
comunitária, envolvidos coletivamente na geração de renda via trabalho coletivo, e
aliados na luta pela terra e autonomia campesina.
A partir da ótica das agricultoras entrevistadas, a aproximação com
metodologias agroecológicas traz implícito em seu bojo a difusão de uma racionalidade
não-mercantilista, o compromisso com a policultura, o incentivo ao trabalho coletivo e
as organizações sociais em torno da comunidade rural (embora hajam processos de
descontinuidade dos grupos) e uma economia voltada para a circulação de renda na
comunidade ou com a dinamização da economia local, com o desenvolvimento
endógeno. Ao mesmo tempo, há ações políticas de resistência ao domínio do
agronegócio, embora muitos produtores – especialmente os mais jovens, terminem se
rendendo a ele. Para os trabalhadores do campo, pois, a produção agroecológica
restabeleceu a ideia de que os produtos rurais são bens com valor de uso com
centralidade no seu valor ecológico. Assim sendo, a agroecologia tem um papel
importante em reavivar a base da forma de vida campesina nas relações de
reciprocidade da organização comunitária, o que auxilia na resolução de desafios diários
por meio do trabalho coletivo (GUERREIRO, 2012).
O cultivo a partir de sistemas de produção agroecológica, tanto incentivado por
organizações não governamentais, como, a posteriori, por parte de políticas públicas,
tem favorecido não só a ressignificação do trabalho comunitário, mas também a
ampliação da diversidade de culturas na região, embora ainda subsista a inviabilidade
do cultivo agroecológico de determinadas espécies que não convivem bem com o
semiárido, como abacaxi, melancia e melão, pela quantidade de água que demandam
(produzidos na região por meio do agronegócio para exportação).
As políticas públicas que instituíram projetos de extensão rural e assessoria
técnica estimularam a produção de hortaliças orgânicas, a produção de mel, o
beneficiamento de polpa de fruta, por meio da formação, treinamento e monitoramento
de grupos produtivos, os quais também foram incentivados e formados para
organizarem associações e cooperativas, a fim de escoarem a produção via
comercialização direta, evitando a concorrência entre os grupos e o recurso a
atravessadores.
124
Em paralelo às formações das quais participavam, alguns grupos de produtores
começaram a integrar movimentos sociais que, para além de fomentar a produção rural
via participação de políticas públicas, promoviam a formação política das/os
envolvidas/os, tal como se pode destacar a ligação entre a Rede Xique Xique de
Comercialização Solidária e o Centro Feminista 8 de Março. Como produto desta
articulação, observa-se um substancial empoderamento político das mulheres, já
existindo agricultoras eleitas conselheiras tutelares e candidata a vereadora nas eleições
municipais de 2016, além de outras situações em que se observa este empoderamento
nos próprios discursos das produtoras, conforme exposto a seguir.
Segundo a entrevistada 5, ela começou a fazer beneficiamento34
de frutas, “mas
ia aparecendo uns cursos por aqui e por ali e eu também ia participando.” Ela diz que
gosta muito quando é chamada para dar cursos nas comunidades do semiárido. “Quando
eu chego lá tem de 12, 15 pessoas. O pessoal dá muita atenção e eu fico muito feliz.” Já
a entrevistada 4 diz que “foi muito importante a gente fazer curso sobre beneficiamento,
pois tinha muita coisa que a gente tinha em casa e se perdia.” Além do mais, diz Dona
A., “ficou entre os produtores aquela preocupação de quando um aprender uma coisa
nova passar para os outros. Quando eu vou para alguma comunidade que as pessoas têm
as coisas e não sabem aproveitar, eu digo tudo o que eu sei”. Este discurso, por
exemplo, evidencia o prestígio de alguns princípios da EcoSol, tendo em vista a
demonstração do entendimento de que o conhecimento deve ser compartilhado entre os
membros dos grupos para a expansão do próprio coletivo, o que demonstra o espírito de
cooperação e colaboração entre os envolvidos.
Em paralelo à organização produtiva dos grupos sociais do semiárido, houve a
criação de hortas comunitárias, as quais são cuidadas pelos coletivos de produtores/as
do entorno conjuntamente, bem como o incentivo à formação e/ou o incremento da
organização de espaços de comercialização, de modo que na atualidade existem feiras
agroecológicas em vários municípios do Rio Grande do Norte. Há também outros
espaços de comercialização, tal como a Rede Xique Xique, que possui uma loja
permanente de venda de polpas de fruta, queijos, doces, marisco, castanha, frutas,
legumes, carne de caprino, galinha de capoeira, ovos, mel e artesanato de produtores de
vários municípios do Estado, além de uma feira de produtos agroecológicos todas as
34
“Ato de melhoramento, ato ou efeito de beneficiar; preparo industrial de produtos para consumo; o ato
de transformar um produto primário em um produto industrializado de maior valor”. Disponível em: <
https://pt.wiktionary.org/wiki/beneficiamento>. Acesso em 04 set. 2016.
125
sextas-feiras, na sede da Rede. Há, ainda a venda de cestas de hortaliças e produtos
produzidos por produtores rurais da região, como feijão verde, batata doce, óleo de
coco.
Diante desse contexto, observa-se que embora as grandes monoculturas
produtivas existentes no semiárido potiguar disseminem a informação inversa, a
agricultura camponesa do semiárido tem capacidade para adotar princípios
agroecológicos para orientar as suas produções, não obstante se reconheça que esta
transição exige médio ou longo prazo para atingir resultados satisfatórios, o que muitas
vezes é um desestímulo aos produtores, especialmente os mais jovens.
O semiárido, assim, tem pleno potencial produtivo para a adoção destes
sistemas, de modo que vários produtores deixam claro que conseguem viver do que
produzem, mesmo sem recorrer ao uso de veneno. A aproximação com a agroecologia,
além de incrementar a relação dos produtores/as com a terra e o meio ambiente em
geral, fomentou entre os/as produtores/as a ideia de que a alimentação é um ato político,
o que lhes amplia o senso de responsabilidade em relação ao que produzem, tornando-os
não só indivíduos mais conscientes, mas produtores mais engajados em produzir e
comercializar produtos que sejam fonte de nutrição e riqueza, não de doenças.
Por sua vez, propor aos próprios agricultores uma mudança de perspectiva
produtiva, relacional e sociocultural é, no dizer de Wanderley (2009, p. 9), “dar um voto
de confiança aos produtores do campo, e acreditar na sua capacidade de assumir,
efetivamente, um papel de agente de transformação social, de protagonista na
construção de outra agricultura e de um outro meio rural no nosso país.”.
Assumindo que os pequenos produtores/as rurais têm a força para mover esse
processo de transição em favor da agroecologia, o pequeno agricultor e presidente de
uma Associação de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, entrevistado 16, afirma que
“o cultivo que era feito desde nossos antepassados, devido a esse mundo moderno que
se diz...., deixou de ser realizado, mas, por conta de capacitações, das atividades e
também dos intercâmbios que fizemos, sabemos que temos que voltar àquela forma de
produzir, se a gente quiser deixar uma herança pros nossos filhos”.
O agente de desenvolvimento local no semiárido potiguar, entrevistado 1, disse
que encontra dificuldades na execução do PPDLES/Brasil Local, programa voltado para
o acompanhamento de empreendimentos econômicos solidários da região. Relatou que
o Estado do Rio Grande do Norte é dividido, para o programa, em cinco territórios,
chamados “territórios da cidadania”, cada qual com 2 agentes. A sua função seria
126
realizar o acompanhamento sistemático de 50 grupos produtivos por território, a fim de
prestar assessoria administrativa e técnica aos produtores/as.
Segundo o entrevistado 1, vários resultados positivos foram alcançados com a
política: “muitos coletivos tinham necessidade de se regularizarem junto à Receita
Federal e ao governo. Nós, como membros da política, procuramos saber como resolver
as pendências dos produtores/as, e ajudamos a regularização fiscal de muitas
cooperativas e associações”.
Relatou, ainda, o entrevistado 1 que “os agentes do PPDLES também auxiliaram
os grupos por meio do ensinamento de rotinas de prestação de contas; no ajuste de
gastos com material de expediente, como com a redução no uso de papel, em razão de
maior utilização de documentos eletrônicos; diminuição de produção de lixo”. O
programa financiou, ademais, conforme o entrevistas 1 a “criação de um escritório
regional coletivo para os produtores, além de ter financiado formações para os
produtores/as para o estímulo à produção para comercialização local, com o fim de uma
maior dinamização da economia local”.
Por outro lado, o entrevistado 1 aponta que “a burocracia do governo do Estado
dificulta muito a execução da política, pois impõe empecilhos à liberação de diárias, à
autorização de uso de combustível e à liberação de motorista, o que atrasa as visitas”.
Ademais, relatou que “cada grupo tinha um pequeno financiamento, de 6 mil e 500
reais, para a compra de equipamentos que ajudassem na produção. Foram feitos
diagnósticos e os produtores já apontavam os equipamentos necessários. Mas até a
presente data não foram adquiridos os equipamentos, por questões burocráticas”.
Afirma o entrevistado 1 que o dinheiro destinado pelo programa atualmente está em
uma conta vinculada ao projeto e, como o recurso ainda estava disponível para uso, foi
realizado um termo aditivo ao Programa, que deveria durar 2 anos, mas passou a ter 3
anos de duração, para que a execução das ações previstas inicialmente fosse finalizada.
A partir dessa experiência, pois, observa-se a necessidade de uma melhor
articulação entre governos (federal, estadual e municipal), a fim de que as ações, as
políticas e os projetos empreendidos ganhem eficiência e consigam trazer para a
sociedade um retorno mais eficiente e satisfatório.
No que tange ao respaldo público conferido ao movimento agroecológico no
semiárido potiguar, embora a sociedade tenha se aproximado das feiras agroecológicas
(a Rede Xique Xique possui, somente via encomendas no whatssap, 256 consumidores
fixos semanais), ainda existem vários entraves. A descontinuidade dos programas
127
políticos, os entraves burocráticos à formalização de grupos e as relações de
dependência que muitas vezes se estabelecem entre produtores/as e agências de
execução das políticas públicas dificultam a obtenção de melhores resultados nesse
processo de implantação ou aperfeiçoamento de sistemas agroecológicos.
Por outro lado, se observa o empenho incansável de organizações não
governamentais para angariar recursos públicos nacionais e internacionais para auxiliar
na consolidação dos grupos produtivos e das práticas agroecológicas no semiárido. Há,
pois, uma disposição importante, tanto das/os agricultores/as, quanto dos executores de
ações políticas nos assentamentos e grupos da região. No semiárido potiguar, é
impressionante o nível de organização atingido por determinados grupos produtivos,
sobretudo em face da atuação de entidades do movimento social, especialmente o
vinculado à causa feminista (Centro Feminista 8 de Março) e à luta por políticas de
convivência do semiárido (Terra Viva, AACC e ASA). As parcerias entre estas e outras
entidades no semiárido vêm alcançando resultados importantes para o incremento da
qualidade de vida da população da região, especialmente das mulheres, tradicionalmente
alijadas da participação no mercado produtivo, sobretudo no contexto rural do nordeste
brasileiro, sobretudo porque tais entidades atraem financiamentos e desenvolvem
políticas e projetos que viabilizam a formação e o fortalecimento de coletivos no
semiárido.
Perguntadas sobre a importância das organizações de apoio à auto-organização
dos grupos da região, a entrevistada 17 afirmou que “o trabalho dos coletivos da região
melhorou muito depois que passaram ter a ajuda de outros grupos mais fortes e
articulados com entidades do país todo e até de fora”. Segundo ela, “o apoio das
organizações da região foi importante, porque se via experiência que as companheiras
de mais tempo nos movimentos sociais tinham”. Algumas mulheres também relataram
que cada conquista política, institucional e pessoal delas é um incentivo, e que a
formação de redes de grupos feministas e agroecológicos tem contribuído para a
continuidade no envolvimento e participação nos movimentos promovidos.
Por outro lado, as mulheres que trabalham em grupos produtivos também
relatam o problema da descontinuidade da participação feminina: “Tem muita mulher
que só vem pra cooperativa quando não tem emprego na época de veraneio. Às vezes
tem mulher que prefere trabalhar de doméstica pra ganhar menos de que um salário do
que pescar”. Segundo informações da pesquisa de campo, as mulheres também
encontram dificuldade de comparecer com assiduidade às
128
cooperativas/associações/grupos informais dos quais fazem parte em virtude do
acúmulo de responsabilidades no âmbito familiar, que variam dos afazeres domésticos
ao cuidado de membro/s da família, ou somente em razão da exigência de maior
permanência no âmbito doméstico por parte dos maridos, muitas vezes convertidas em
violência física ou emocional, geralmente quando associada à ingestão de álcool por
parte dos companheiros. A entrevistada 18 relata: “Muitas vezes não vou pra associação
porque quando meu marido chega em casa e eu não estou ele não gosta. Fica
perguntando por mim. E quando ele bebe fica violento”. Tal situação, ademais, tem um
efeito cascata, já que a ausência de assiduidade de uma ou outra participante
desestimula a própria existência do grupo. Também dados da pesquisa de campo
evidenciam dificuldade de algumas cooperativas, especialmente de pescadoras e
marisqueiras, que têm a participação das mulheres integrantes dependente da existência
de outras oportunidades de emprego no litoral, sobretudo no verão.
Desse modo, embora seja perceptível a importância social, política e ambiental
de conferir uma aproximação as práticas agrícolas e os princípios ecológicos, observa-se
que existem entraves significativos a serem transpostos, inclusive de cunho cultural. A
importância dessa transição, porém, possui reflexos multidimensionais, vez que o
produtor de subsistência que utiliza técnicas agroecológicas de produção, além de se
beneficiar com a qualidade do bem produzido, contribui para a segurança alimentar da
sociedade, o que ressignificar a função social das/os produtores pequenos rurais.
A construção de um desenvolvimento a partir de outras bases no semiárido
potiguar, nesse sentido, tem recorrido à autoorganização das mulheres como estratégia
de maior participação das decisões sociais, o que tem gerado importantes conquistas
feministas na região, que também se traduzem, minimamente, em medidas importantes
para a humanidade, na medida em que se coaduna com o respeito à capacidade de
suporte do meio ambiente.
129
3 A REDE XIQUE XIQUE E SUAS REDES
A Rede Xique Xique de Comercialização Solidária é uma entidade que agrega
uma associação e uma cooperativa que constituídas para a mobilização, o fortalecimento
produtivo e a articulação de produtores e produtoras do semiárido para a
comercialização solidária, via Rede. A sua instituição visou, pois, dinamizar a economia
local e desenvolver entre os produtores relações de cooperação, longe da lógica
exploratória, fomentando o compartilhamento de conhecimento e de espaços de
produção.
Por meio da articulação com outras entidades, a Rede tem fomentado a formação
política dos seus membros, promovendo discussões políticas sobre novas propostas de
desenvolvimento para o semiárido, especialmente a partir de princípios da EcoSol, do
feminismo e da agroecologia.
A Rede foi constituída por meio da articulação de movimentos de
trabalhadores/as rurais do semiárido potiguar, especialmente via mobilização produtiva
de um grupo de mulheres do assentamento Mulugunzinho, localizado no oeste potiguar,
perto do município de Mossoró. Estas mulheres, ao criarem o grupo “Decididas a
Vencer”, marco histórico para a formação da Rede, plantaram as sementes para a
produção coletiva e solidária no semiárido, para o empoderamento feminino e para a
difusão de técnicas produtivas ecológicas na região, iniciativas ampliadas e fortalecidas
com apoio de entidades públicas e privadas, nacionais e internacionais.
Para resgatar a memória da Rede Xique Xique, foram realizadas entrevistas
abertas, tanto com mulheres do grupo “Decididas a Vencer”, como também com agentes
de instituições que contribuíram para a construção e consolidação da Rede – UFERSA,
CF8, Visão Mundial, Terra Viva.
Assim, este capítulo inicia com uma delimitação da atual estrutura da Rede
conforme previsto no seu estatuto, busca resgatar a memória da sua constituição pelo
relato de fundadoras do grupo “Decididas a Vencer” e recorre à visão das entidades se
articulam com a Rede para se entender os objetivos, as potencialidades e a sua
importância para o semiárido potiguar.
130
3.1 Estrutura e composição da Rede Xique Xique
A Rede Xique Xique se subdivide formalmente em duas estruturas: a
Associação de Comercialização Solidária Xique Xique e a Cooperativa de
Comercialização Solidária Xique Xique (COOPERXIQUE). Ambas funcionam na
sede da REDE XIQUE XIQUE, no centro da cidade de Mossoró.
A Associação de Comercialização Solidária Xique Xique, criada juntamente
com a instituição da Rede, em 2003, nos termos dos seus atos constitutivos
registrados em cartório, consiste em uma entidade sem fins lucrativos, criada por
tempo ilimitado e que tem o objetivo de constituir e fortalecer a comercialização dos
grupos de produtores, através do comércio ético e solidário, com o escopo de afastar
os produtores/as da dependência do comércio via atravessadores. Conforme relatam
as conselheiras, quando a associação foi criada, em 2004, se vislumbrava criar
estratégias de comercialização a partir desta organização. A impossibilidade de gerar
receitas para os produtores por meio da associação fez surgir a necessidade de criar
uma cooperativa, e deixar a associação com a finalidade de organizar as atividades
culturais e políticas da Rede.
A priori, pois, não se idealizava a criação de uma cooperativa específica da
Rede, posto que já existiam cooperativas ligadas a ela e a intenção era fortalecê-las,
não criar uma nova. Posteriormente, porém, foi imprescindível a criação da
COOPERXIQUE, uma vez que nenhuma associação pode, por força de lei, obter
ganhos, enquanto as cooperativas podem gerar rendas a partir dos produtos que
comercializam. Desse modo, embora formalmente a função da associação seja
viabilizar a comercialização dos produtos dos parceiros/as, atualmente os associados
asseveram que a atuação da associação, como dito, é mais política e cultural, quer
com a organização de eventos, quer com a submissão de projetos a políticas públicas
de fomento a organizações do semiárido.
No que se refere à COOPERXIQUE, trata-se de uma pessoa jurídica criada com
o objetivo de auxiliar as/os produtores/as familiares econômica, social e culturalmente,
por meio da ajuda mútua, libertando-os do comércio dos atravessadores. Conforme os
seus atos constitutivos, a COOPERXIQUE é constituída por 31 sócios, dos quais apenas
5 são homens, e todos os membros são agricultoras/es rurais. Ao todo, se articulam na
composição da Rede cerca de 60 famílias de agricultoras/es familiares, apicultores/as,
artesãs/ãos e pescadores.
131
Na busca por tentar organizar os grupos produtivos, a Rede criou 19 núcleos
no Estado do Rio Grande do Norte, cada qual vinculado a produtoras/es da sua região.
A partir dessa descentralização, passaram a organizar feiras locais de agricultura
familiar, além de comercializar produtos diretamente nas lojas (hoje existem duas: em
Mossoró e em São Miguel do Gostoso).
Dos 19 núcleos existentes na REDE, 12 núcleos existem desde a sua
formação. Os núcleos estão localizados nos municípios de Apodi, Baraúna, Grossos,
Janduís, Governador Dix-sept Rosado, Messias Targino, Mossoró, Tibau, São Miguel
do Gostoso, Serra do Mel, Felipe Guerra e Upanema.
Embora a Rede ainda não tenha um censo acerca da sua área de abrangência
e dos grupos envolvidos especificamente criados a partir da sua atuação, os
organizadores estimam que a Rede se articule, diretamente ou não, com grupos do
Estado do Rio Grande do Norte, mencionados no mapa a seguir:
Figura 7: Mapa dos núcleos da Rede Xique Xique.
Fonte: Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte
(adaptado pela autora)
A coordenação da Rede tem realizado articulações também com produtores
de mais sete municípios: Pureza, João Câmara, Jandaíra, Parnamirim, Natal,
132
Pendências e São Rafael, todos localizados no Estado do Rio Grande do Norte. Cada
Núcleo possui um conselho diretor, composto geralmente por 2 pessoas, eleitas por
meio de indicação dos grupos de cada região, geralmente dentre as pessoas que têm
mais contato e mais facilidade de acesso à Rede. A sua função é articular o grupo
produtivo do núcleo com a Rede, a fim de mobilizar os/as produtores/as com a
cooperativa de comercialização criada dentro da rede: a Cooperxique.
3.1 As Redes sociais do semiárido potiguar e as ações coletivas em favor da maior
igualdade de gênero no meio rural
As ações em desfavor dos bens ambientais decorrentes da relação de domínio
sobre a natureza evidenciam uma apropriação desregrada e irresponsável de diversos
ambientes e territórios. Por conseguinte, também justificam as relações de poder que se
estabelecem entre homens e mulheres, entre o meio urbano e rural, entre os detentores
dos meios de produção e os explorados. Esta configuração das relações sociais atribui à
sociedade constituída após a Revolução Industrial, segundo LEFF (2009), duas
características: ser produtivista e antiecológica.
A situação é agravada pelo fato dos desequilíbrios criados pelas ações e relações
humanas não gerarem, na mesma proporção e com eficiência, soluções que supram as
externalidades decorrentes. Boaventura de Sousa Santos (2005, p. 14) assevera que os
problemas criados pela modernidade ainda não geraram uma solução moderna e isto
induz à necessidade de “reinvenção da emancipação social”, a partir de novos
pressupostos humanos, sociais, culturais, ambientais, políticos e econômicos. Tal
reposicionamento social pressupõe uma globalização “alternativa, contra-hegemônica,
constituída pelo conjunto de iniciativas, movimentos e organizações que, através de
vínculos, redes e alianças locais/globais lutam contra a globalização neoliberal,
mobilizados pela aspiração de um mundo melhor” (SANTOS, 2002, p. 72).
Com a perspectiva de resistir à lógica concorrencial estimulada por um
desenvolvimento à custa da precarização humana, é crescente o fomento ao
agrupamento de pessoas com o objetivo de criar redes, movimentos, entidades e
articulações que assumam o desígnio de promover, via reflexões teóricas e ações
políticas, práticas que contestem a lógica mercadológica com que são tratados
reincidentemente os indivíduos e os recursos ambientais. Essa luta pela propagação de
relações sociais mais justas e equilibradas tem como pressuposto a construção de uma
133
nova racionalidade ambiental (LEFF, 2009) - por conseguinte, social e econômica,
baseada em estratégias alternativas de desenvolvimento, capazes de integrar a natureza a
uma lógica produtiva que conviva com a capacidade de resiliência ou de reestruturação
dos bens naturais, na medida do seu ritmo e ciclos naturais.
As mulheres, assim como o meio ambiente, também foram reduzidas a objeto de
apropriação ao longo da história da humanidade. Elas seriam: instrumentos de
perpetuação da espécie, prostitutas ou mão de obra gratuita no âmbito doméstico e, após
a revolução industrial, mão de obra barata, tal qual a infantil. Foram - e em muitas
ocorrências ainda são - objetificadas: vendidas, violadas e usadas, tal como a natureza
tem sido ao longo da história da humanidade, sobremaneira modernamente. Este padrão
desigual de relações de gênero nutre uma cultura violenta e subordinante, calcada em
um pressuposto: há uma identidade específica dos homens - supervalorizada
historicamente, e outra das mulheres - frágeis, fúteis, tímidas, histéricas e dependentes.
Aliadas às iniciativas internacionais, várias ações sociais, desde meados do
século XIX, com os movimentos sufragistas nascidos na Inglaterra e Estados Unidos,
até os dias atuais, reivindicam a igualdade de gênero, a partir de múltiplas perspectivas.
Especialmente a partir da década de 1990, iniciou-se um processo de
mobilização e fortalecimento da sociedade civil, influenciado, inclusive, pela atuação de
organizações não governamentais internacionais no Brasil. Esta conjuntura instigou a
formação de grupos informais no semiárido potiguar, especialmente em razão de
mobilizações por parte dos sindicatos de trabalhadoras/es rurais e do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Dessas articulações houve, dentre outros
episódios marcantes, a ocupação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
(Sudene), em 1993, com o objetivo de criar uma agenda de políticas de convivência
com o semiárido em contraposição à política governamental de combate à seca vigente
na época (ASA, 2016).
Já em 1999, paralelamente à 3º Conferência das Partes da Convenção de
Combate à Desertificação e à Seca (COP3) da Organização das Nações Unidas (ONU),
realizada em Recife-PE, as organizações lançaram a Declaração do Semiárido
Brasileiro. Buscou-se, com este documento, romper a filosofia e as ações do combate à
seca vigentes, ao tempo em que se propôs, a partir das demandas da população do
semiárido, medidas estruturantes para o desenvolvimento sustentável a partir das
potencialidades da região. Assim, expôs-se a necessidade de um conjunto de ações
políticas e práticas de convivência com o semiárido e, nesse contexto, propôs-se a
134
formulação de um programa para construir um milhão de cisternas no semiárido
brasileiro (ASA, 2016).
Os grupos, então, começaram a se institucionalizar, tanto para acompanhar a
execução deste programa, como também para participar de editais públicos e de projetos
com financiamento, pois começaram a surgir investimentos como contrapartida às
mobilizações organizadas.
O semiárido potiguar, nesta conjuntura, especificamente na região oeste, passou
a se destacar pelo quantitativo de coletivos com foco no desenvolvimento sustentável da
região. Além da Rede Xique Xique, destacamos: a Articulação Semiárido Brasileiro
(ASA), formada por mais de três mil organizações da sociedade civil de distintas
naturezas – sindicatos rurais, associações de agricultores e agricultoras, cooperativas,
ONG´s, Oscip; a Associação de Apoio às Comunidades do Campo do Rio Grande do
Norte (AACC/RN), organização social de interesse público (Oscip), fundada em 1985
com o objetivo de contribuir para a autodeterminação das mulheres, homens, jovens e
organizações do campo (ASA, 2016); o Centro Feminista 8 de Março
(CF8), organização não-governamental criada em março de 1993, com o objetivo
desenvolver políticas de igualdade de gênero na região.
O CF8 é responsável pelo intercâmbio de ideias, formações políticas e apoio
institucional, diretamente ou por meio de parceiros, e mobiliza o semiárido potiguar
para o fortalecimento de uma economia solidária e feminista, comprometida com a
neutralização das vulnerabilidades sociais, a partir de uma perspectiva feminista. Esta
orientação política do CF8 criou uma ligação visceral com a Rede Xique Xique,
especialmente diante do protagonismo das mulheres nos grupos produtivos que
comercializam via Rede. Assim, o CF8 possui decisiva contribuição na formação
política, técnica e social das mulheres da região, especialmente por meio do fomento a
meios sustentáveis de geração de renda. Novas tecnologias de produção são
desenvolvidas e propagadas pela sua atuação, além de realizarem discussões políticas
coletivas em torno da noção da igualdade de direitos e de oportunidade que as mulheres
fazem jus. Esta simbiose entre a luta feminista e movimentos de mulheres pela geração
de renda a partir de iniciativas não-exploratórias fez surgir na região oeste potiguar
vários coletivos que aliam anseios feministas e agroecológicos, tais como a Rede de
Economia Solidária e Feminista (RESF) e a Coordenação Oeste de Mulheres, sendo que
a Rede Xique Xique assume protagonismo, pois é a única entidade da região cujo
135
escopo é dinamizar a economia a partir de princípios agroecológicos e da EcoSol,
prestigiando grupos produtivos majoritariamente compostos por mulheres.
Além de propagar a comercialização e o consumo solidário na região via Rede
Xique Xique, o CF8 executou e executa projetos que beneficiam ou já beneficiaram a
Rede e/ou os seus cooperados. Dentre outros, destacam-se os projetos:
“Fortalecer a Organização Produtiva de
grupos de mulheres rurais, através do
melhoramento e escalonamento da
produção para o acesso ao Programa
Nacional de Alimentação Escolar, nos
Territórios da Cidadania Açu-Mossoró e
Sertão do Apodi” (Convênio nº
750044/2010) – ano: 2011;
Projeto de Assessoria Técnica e
Extensão Rural, ATER Mulheres– ano:
início em 2000 e ainda em execução;
“Assistência técnica para o fortalecimento
da auto-organização, diversificação e
ampliação da produção e alternativas de
comercialização dos grupos de mulheres
trabalhadoras rurais e pescadoras do
Território Açu-Mossoró” (Convênio nº
0000139/10) – ano 2011;
Projeto Água Viva – objetivou
desenvolver técnicas de reuso da água
da lavagem de roupa, da casa, da
louça, para melhor convivência com o
semiárido e, assim, potencializar a
produção dos quintais das mulheres em
busca de melhorias de vida para estas e
suas famílias” – ano 2015
Mulheres e autonomia: Fortalecendo o
acesso das trabalhadoras rurais as políticas
públicas nos territórios da cidadania do
NE brasileiro” (Convênio nº 701362/08) –
ano: 2011;
Projeto Mulheres do Quintal ao Mar –
dentre outras ações, objetiva melhorar
a renda das mulheres pescadoras a
partir da diversificação das suas
atividades produtivas– ano: 2015 Quadro 13 Projetos produtivos que beneficiaram a Rede Xique Xique.
Fonte: Elaboração da autora, 2016.
Das diversas articulações existentes entre os grupos e movimentos sociais foram
criadas parcerias importantes, geralmente a partir de congregações dos assentamentos
da reforma agrária no Estado: sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais, Centro
Feminista 8 de março, Terra Viva, Visão Mundial, dentre outros. O intercâmbio de
informações e o compartilhamento de experiências objetivou o fortalecimento das
comunidades, preteridas tradicionalmente pelas políticas públicas nacionais.
Os diálogos políticos multifacetados dos coletivos os qualificaram e os tornaram
mais transversais e interdisciplinares, fazendo-os acumularem demandas de um
quantitativo substancial de agricultoras/es, apicultoras/es, pescadoras/es, criadoras/es de
animais, artesãs/os, homens, mulheres, jovens, idoso, negros, população LGBT
(Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros). Esta reunião de
136
demandas incrementa as ações empreendidas pelos diversos movimentos, que passaram
a assimilar propósitos coletivos comuns, tal como, os movimentos ecofeministas
encabeçados, por exemplo, pela Rede Xique Xique, que alia o feminismo, à
agroecologia e à EcoSol como estratégia de melhoria da qualidade de vida dos seus
membros e da comunidade do seu entorno.
Neste contexto, serão analisados os diálogos decorrentes da pesquisa empírica
desenvolvida com a participação de cooperados, gestores e participantes de redes sociais
do semiárido potiguar, especialmente na Rede Xique Xique. Ademais, foram ouvidos
professores universitários e coordenadores de entidades do semiárido do Rio Grande do
Norte, conforme detalhado no percurso metodológico, a fim de se observar as propostas
de desenvolvimento que orientam a atuação das entidades do oeste potiguar.
3.1.1 “Decididas à vencer” e a transformação das mulheres: como nasceu a ideia
da Rede Xique Xique?
Diante da crescente organização da sociedade civil no semiárido potiguar, várias
organizações adotaram o objetivo comum de fomentar a criação de contextos sociais,
políticos, culturais, econômicos e ambientais de maior igualdade. As pautas giravam em
torno da necessidade de criar estratégias de condições de acesso e uso da água; do
fomento ao desenvolvimento comunitário; do incentivo aos meios de produção que
respeitem as vocações individuais e as possibilidades geoclimáticas; do reconhecimento
da importância da mão de obra feminina no âmbito rural.
Siliprandi e Cintrão (2011, p. 200) identificaram, entre os anos de 2005 e 2009,
920 grupos produtivos de mulheres rurais, em praticamente todos os estados do país.
Especificamente no ano 2008 criou-se, em nível federal, o Programa de Organização
Produtiva de Mulheres Rurais, integrado por órgãos de seis diferentes ministérios.
Nesse contexto, pessoas de Sindicatos de Trabalhadores Rurais do entorno de
Mossoró (RN) e, posteriormente, grupos de mulheres de outras entidades, criaram o
grupo de mulheres “Decididas a Vencer”, no assentamento da reforma agrária
Mulunguzinho35
que, juntamente com o apoio de várias entidades, ajudaram a construir
35
Assentamento criado oficialmente em 14 de maio de 1992, por meio do Instituto Nacional de Reforma
Agrária (INCRA) mantendo a sua denominação original - Fazenda Mulunguzinho. Sua área total é de
7.944,30 ha. Tratava-se de uma propriedade de Sr. Narciso Ferreira Souto, desapropriada após um amplo
processo de reivindicação do Movimento de Trabalhadoras/es Sem Terra (MST) no oeste potiguar,
137
uma Associação de Parceiros da Terra, de onde brotou a Rede Xique Xique de
Comercialização Solidária. Segunda entrevistada 4, “a APT foi criada para ajudar a
gente na comercialização. Graças a Deus foi um projeto que deu certo... aí nós
conversamos com um e com outro e caminhamos para construir a rede.”.
A formação da Rede ocorreu a partir da mobilização de produtoras locais que
trabalhavam com hortaliças, auxiliadas por técnicos da região, em meados da década de
1990. Na oportunidade, foi formado um grupo fixo de consumidores de cestas de
produtos, que gradativamente passou a demandar mais produtos, o que fazia com que os
grupos produtivos necessitassem manter uma maior interlocução entre si. Conforme o
entrevistado 13, estudante da UFERSA e atuante em uma ONG na região, “entramos em
contato com funcionário da UFERSA, do Banco do Brasil e de várias entidades para
criar um mercado consumidor para as mulheres que começaram a produzir com base na
agroecologia”.
Na região semiárida potiguar havia a atuação de uma organização não-
governamental (ONG) internacional denominada Visão Mundial (VISÃO MUNDIAL,
2015), atualmente sediada em Recife-PE, que desenvolvia atividades com crianças e
adolescentes carentes nas zonas periféricas no Rio Grande do Norte, desde a década de
1990 e no Brasil desde 1975, por meio da implantação dos chamados Programas de
Desenvolvimento de Área (PDA‟s), que propõe o incremento da qualidade de vida das
comunidades pelo apoio profissional dos adultos e atividades esportivas e educacionais
às crianças.
A ONG, a fim melhorar a renda per capita das famílias da região, contratou
entidades da região, tais como o Centro Terra Viva, para fazer formações sobre auto-
organização de grupos produtivos, que também prestou assessoria técnica aos grupos,
associações e cooperativas da região, apoiando a organização de feiras locais para
comercialização de excedente. Em horário alternativo à escola, a ONG disponibilizava
esportes para crianças. Os PDA‟s tinham um coordenador, os quais se organizaram com
grupos produtivos de mulheres da região que trabalhavam com hortaliças para
elaborarem um projeto de criação de uma sede de venda de produtos de grupos
produtivos da região. Conforme a entrevistada 30, assistente social da Terra Viva, “a
Visão Mundial foi um suporte inicial decisivo para a construção da Rede, pois financiou
1 ano de aluguel da sede da loja que comercializava os produtos da região”.
iniciado em meados da década de 80 (Disponível em: <http://jotaemeshon-
assentamentos.blogspot.com.br/>. Acesso em 10 abr 2016.).
138
A Visão Mundial, ademais, entre 2003 e 2004, a ONG disponibilizou automóvel
e combustível para fazer o transporte dos produtos do entorno de Mossoró para ser
comercializado na sede da Rede, o que contribuiu para estreitar os vínculos e as relações
econômicas entre diversos grupos da região. Os grupos produtivos passaram a integrar
redes sociais locais, tais como do Centro Feminista 8 de Março, o que viabilizou a
difusão e o incremento de políticas públicas36
de fomento ao desenvolvimento do
semiárido.
Integram a Rede Xique Xique grupos informais, famílias de agricultores/as,
pescadoras/es, apicultores/as, cooperativas e associações do oeste potiguar, em sua
maioria, que assumem práticas agroecológicas e que orientam-se por princípios da
EcoSol e mantém proximidades com discussões em torno do feminismo.
A Rede Xique Xique está com cerca de 10 anos de existência e foi inicialmente
criada com o objetivo de escoar a produção dos grupos informais das comunidades de
agricultores familiares do oeste potiguar, de modo a promover a geração de renda para
agricultores/as familiares das cidades de Governador Dix-Sept Rosado, Apodi, Mossoró
e Baraúna.
Atualmente, porém, a Rede se articulada com grupos das mais diversas
vertentes, promovendo e participando de formações políticas, e, por isso, acumula a
função de encabeçar ações políticas e sociais importantes na região, com o apoio do
movimento rural do oeste potiguar e de profissionais comprometidos com formas de
produção alternativas.
Tal entidade qualifica-se, porém, porque além de estar engajada com o
desenvolvimento regional, visa criar meios de fomentar uma maior igualdade de gênero
no semiárido, através da difusão dos sistemas agroecológicos de produção e do
desenvolvimento de práticas comerciais não-exploratórias, do ponto de vista da
produção e do consumo.
Os sistemas agroecológicos de produção são entendidos como estratégia de
igualdade de gênero pelo CF8, uma vez que estimula a auto-organização produtiva das
mulheres, a formação de lideranças, a integração com outros movimentos sociais, o que
projeta os grupos de mulheres e o inseri em circuitos produtivos dos quais apenas
participava de forma coadjuvante.
36
Cristóvam (2005) entende que “As políticas públicas podem ser entendidas como o conjunto de planos
e programas de ação governamental voltados à intervenção no domínio social, por meio dos quais são
traçadas as diretrizes e metas a serem fomentadas pelo Estado, sobretudo na implementação dos objetivos
e direitos fundamentais dispostos na Constituição.
139
As práticas comerciais não-exploratórias, tal como o comércio justos e a
produção cooperada, no mesmo sentido, ao afastarem as mulheres da condição de
concorrência, fortalece o grupo como um todo, evitando posturas individualistas e
autodestrutivas.
Nesse sentido, o CF8 e as práticas que fomenta assume o propósito mais amplo
de promover novas perspectivas de desenvolvimento, baseadas em relações
comunitárias mais equilibradas, tanto do ponto de vista socioambiental, como a partir de
uma perspectiva feminista.
A partir do pressuposto de que a equidade social é um princípio fundamental
para o desenvolvimento sustentável (SACHS, 2009), entidades feministas aliaram às
suas lutas políticas à agroecologia e à EcoSol, com o objetivo de criar meios para um
ambiente social em que haja maior igualdade. A Rede Xique Xique, como espaço de
mobilização das mulheres para o desenvolvimento do semiárido potiguar, reconhece,
igualmente, as potencialidades da aliança entre economia solidária, agroecologia e
feminismo como alternativas à subvaloração da atuação feminina nos espaços sociais,
ao subaproveitamento das potencialidades do semiárido e às práticas concorrenciais que
orientam o agronegócio monocultor dominante na região.
3.1.1.1 O grupo produtivo “Decididas a Vencer”
O Projeto de Assentamento de Reforma Agrária Mulunguzinho é um dos locais
onde foi gerada a Rede Xique Xique. O assentamento está localizado na zona rural de
Mossoró e dista do centro da cidade cerca de 25 quilômetros, com ligação por estrada
estreita, de barro bem vermelho, cheia de curvas e totalmente tomada por pedras.
Mulunguzinho possui 112 famílias assentadas (além de outros grupos que se
estabeleceram no local), mas, em razão da atuação política do grupo de mulheres da
localidade, algumas conquistas substanciais foram alcançadas: lá funciona uma escola
municipal - onde algumas mulheres trabalham; mensalmente há uma visita de um
médico que atende os moradores no galpão da associação (muito embora os moradores
também recorram a Mossoró por conta da precariedade do atendimento), e houve
também a construção de uma cisterna (com 16 mil litros) por casa de assentado/a
exclusivamente para o consumo humano. Algumas casas têm uma segunda cisterna
(com 52 mil litros), cuja finalidade é exclusivamente armazenar água para produção.
“Após a organização do grupo Decididas a Vencer, nós entramos na associação dos
140
moradores e moradoras de Mulunguzinho e conquistamos muitas coisas. Hoje existe
atendimento médico aqui por conta de nossas batalhas”, relata a entrevistada 20.
Uma das coordenadoras da Rede Xique Xique relata que o assentamento, como a
própria Rede, recebe visitas de pesquisadores, assistentes sociais e equipes de avaliação
do governo. “Quando chega alguém de fora no assentamento a comunidade encaminha
logo o povo para falar com as mulheres que construíram o grupo dizendo: „Vão até as
mulheres, elas é quem são responsáveis pela organização aqui‟”, diz a entrevistada 2.
Ao chegar certo dia à sede da Rede, numa sexta-feira, às 8 horas, uma das
coordenadoras avisou que iria a Mulunguzinho com uma pessoa da ASA, para marcar
um encontro entre o grupo de mulheres de lá e um grupo que viria do semiárido de
Minas Gerais conhecer as práticas produtivas daquele assentamento. Logo fui
convidada e aceitei o convite de conhecer Mulunguzinho. Peguei o meu caderno de
campo e fui de carro, juntamente com a comunicadora da ASA e um de seus
coordenadores. Fomos conversando ao longo do caminho, quando eu contei como foi a
minha trajetória até chegar a ser professora da UFERSA, em 2013, oportunidade em que
comecei a me interessar pelas atividades da Rede Xique Xique. Eles, por sua vez,
relataram a criação da ASA e as suas ações com as entidades da região.
Para seguir o menor caminho entre o centro de Mossoró e Mulunguzinho,
atravessamos um rio profundo e sem uma gota de água, que quando está cheio não
permite a passagem de qualquer veículo. O sol é escaldante, a água limitada, o lugar
desestruturado, as mulheres fascinantes. Já trazem consigo discursos e palavras que
foram nitidamente incorporadas dos movimentos sociais, mas mantêm certa pureza
típica de quem nunca trabalhou em uma empresa privada ou teve a sua carteira de
trabalho assinada.
Chegando ao assentamento, logo foram aparecendo as mulheres que compõem o
grupo de mulheres “Decididas a vencer”37
. Ao perguntar a uma das fundadoras do grupo
de mulheres, entrevistada 21, o que teria sido responsável pela formação do coletivo, a
resposta foi enfática: “a necessidade, minha filha!”. Ela é natural de Angicos (RN), e lá
já tinha experiência com horta, com coentro e cebola: “antes de vir pra Mulunguzinho
37
O grupo de mulheres do assentamento de Mulunguzinho formou-se em meados 1995, a partir de uma
reunião do sindicato de trabalhadores rurais da região, na qual houve uma formação sobre auto-
organização. Na oportunidade houve contato com outros grupos de mulheres, o que instigou as
participantes do assentamento de Mulunguzinho de formar um grupo do assentamento. Buscaram
formação e contato com o CF8, que articulou a UFERSA e outras entidades para apoiar o grupo. Hoje o
grupo produz conjuntamente apenas mel de abelha, visto que muitas já são aposentadas. Cada qual,
porém, tem criações e plantações em seus quintais, e ainda fornecem ovos, galinha, bolo, polpa de fruta e
outros produtos para a Rede.
141
eu já plantava coentro, cebola, lá em Apodi, mas era tudo com veneno”. Segundo ela,
tudo começou em 1995, quando o Sindicato de Trabalhadores Rurais do Oeste Potiguar
solicitou a participação de uma mulher residente no assentamento de Mulunguzinho em
um encontro de trabalhadores rurais da região: “As meninas que sabiam ler não
quiseram ir para o encontro do Sindicato, porque tinham vergonha. Aí eu fui, mesmo
sem saber ler”.
Lá no sindicato, a entrevistada 21 observou que outros assentamentos possuíam
grupos de mulheres: “Quando eu cheguei ao sindicato eu vi que nos outros
assentamentos da região existiam grupos de mulheres”. No encontro promovido pelo
Sindicato de Trabalhadores Rurais do Oeste Potiguar, as mulheres debatiam sobre os
direitos das agricultoras, sobre a necessidade de reconhecimento do trabalho que
desempenhavam, participavam de formações e eventos promovidos por várias
organizações, na busca de crescer, alcançar mais apoio e projetos de geração de renda.
Segundo a entrevistada 21, ao voltar a Mulunguzinho já veio determinada a constituir
um grupo de mulheres. E, ao final do relato disse: “depois desse dia a nossa vida nunca
mais foi a mesma”.
A própria Rede Xique Xique, então, é produto de uma rede formada a partir da
interação de trabalhadores rurais (via sindical), na qual aos poucos as mulheres foram se
inserindo, ganhando protagonismo, adquirindo reconhecimento e, a partir daí, passaram
a lutar por representatividade. A sua integração a um grupo, porém, não era suficiente;
elas queriam mais, lutavam pelo seu empoderamento, pela capacidade de autogestão das
suas vidas e pelo exercício das suas potencialidades, tradicionalmente reprimidas.
Queriam ocupar espaços nunca ocupados; mudar a configuração das suas famílias;
assumir responsabilidades diante da sua comunidade.
Tão logo chegou à sua casa, se juntou às vizinhas, expôs a organização das
mulheres de assentamentos vizinhos e começaram a pensar na estruturação de uma
associação de mulheres. Ao encontrar o seu marido lhe disse que iria batalhar para
formar um grupo de mulheres, com o intuito de buscar algum meio de geração de renda,
pois o que o marido ganhava na fábrica de carvão somente era suficiente para a
alimentação, “as outras coisas ficavam a desejar”. “Ele nunca me impediu de ir à
associação, mas antes eu tinha que sair da roça para ir fazer o almoço dele. Depois, ele
que vem deixar o meu.”.
Algumas mulheres de Mulunguzinho solicitaram que o Centro Feminista 8 de
Março assessorasse a organização de um grupo de mulheres no assentamento. Nos
142
primeiros contatos, todas as reivindicações e angústias foram expostas, as dificuldades,
as necessidades, os temores. No início o medo de sapo tirou muitas mulheres da
lavoura. As mais corajosas foram à plantação de beterraba e cenoura, tiraram todos os
sapos do local para encorajar outras mulheres. Poucos dias depois toda a produção só
tinha “os talinhos”, pois tinha sido comida pelos grilos e gafanhotos. Tiverem que se
reunir para comprar sapos para soltar na plantação para evitar que o episódio se
repetisse. Segundo N., “aos poucos a gente foi aprendendo que não adianta ter medo e
querer tirar todos os sapos da roça, pois eles comem os grilos. Se a gente tirasse os
sapos de lá, os grilos comeriam tudo que plantamos”.
Em um segundo momento, além de terem assessoria das universidades da região,
o CF8 começou a realizar oficinas, com o objetivo de iniciar a auto-organização do
grupo, inserir o grupo em debates feministas, além de investir na formação política das
envolvidas. As mulheres de Mulunguzinho começaram a se mobilizar e buscaram
espaços de atuação no âmbito da comunidade. Na associação de moradores até então
não havia a participação de nenhuma mulher. Buscaram inicialmente o reconhecimento
do grupo pleiteando espaço na associação do assentamento: queriam o direito de votar e
de serem votadas. Dizem que nunca tomaram a iniciativa de participar da associação
porque os homens eram os “posseiros das terras do assentamento” e, por isso, pensavam
que o estatuto proibia. Ao analisá-lo, porém, perceberam que, na verdade, o estatuto
nem proibia e também não autorizava a entrada das mulheres. Elas, simplesmente, eram
ignoradas.
Iniciou-se, assim, um difícil percurso para romper as barreiras impostas pela
divisão sexual do trabalho, pelo machismo e, especialmente, pela culpa internalizada
pelas mulheres (igualmente machistas) em relação à delegação do trabalho doméstico e
aos cuidados com os filhos. Inicialmente, os companheiros não entendiam a importância
das reuniões dos grupos; se recusavam a apoiar a participação das suas esposas, mesmo
sabendo que com a renda exclusiva do homem a qualidade de vida da família não era
boa. Aos poucos, afirma N., “conscientizávamos nossos maridos das vantagens que a
associação das mulheres traria para toda a família. Como associadas, somaríamos os
nossos benefícios e direitos aos deles. Mas só conseguiríamos isso através da
organização”. Ainda há relatos, porém, de mulheres que dizem ter vontade de participar
mais ativamente dos grupos e associações de mulheres e não vão por oposição dos seus
maridos, que muitas vezes são agressivos e não admitem chegar em casa e não
encontrarem as esposas.
143
O grupo do assentamento de Mulunguzinho era composto por mulheres que
tinham entre 31 e 55 anos (CF8/2015), as quais, antes de entrar no grupo, reproduziam
acriticamente os estereótipos em relação ao papel da mulher na sociedade, tal como
ensinado pelos seus pais e avós. Dedicavam-se exclusivamente à dura jornada do
trabalho doméstico e à criação dos filhos, atividades que, por não fazerem parte do fluxo
circular do valor de troca e do capital, são consideradas improdutivas. Neste cenário, as
mulheres são invisibilizadas e desvalorizadas, especialmente no que diz respeito à sua
capacidade produtiva. Conforme afirma Faria (2009, p. 2)
As relações patriarcais no campo fazem com que a família seja
compreendida como um todo homogêneo em que o homem representa
os interesses do conjunto e detém o poder de decisão. Dessa forma, a
partir da família se organiza uma hierarquia de gênero e geração
centrada no poder dos homens sobre as mulheres e filhos(as).
Algumas das mulheres de Mulunguzinho cuidavam de pequenas produções de
milho e feijão para subsistência, além de pequenas criações nos seus quintais, com o
objetivo de complementar a renda obtida pelo marido, o que subvalorizava a sua
potencialidade para o trabalho. A economia predominante na região, na década de 1990,
era a produção de carvão e sal, empregos que apenas absorviam a mão de obra
masculina.
A partir do momento em que passaram realmente a contribuir com as decisões
da comunidade, pelo exercício do direito de votarem e serem votadas na associação, as
mulheres progressivamente ampliavam a fruição da sua cidadania e, por conseguinte, as
suas visões sobre as funções que poderiam assumir na comunidade. Dona N, mãe de
uma das atuais coordenadoras da REDE, foi presidente da Associação de Moradores de
Mulunguzinho por vários anos, protagonismo reproduzido pela sua filha na gestão da
Rede Xique Xique. Segundo expõe a coordenadora de projetos do Centro Feminista 8
de Março, a partir da atuação mais expressiva das mulheres na associação de moradores,
de fato, “todas as mulheres do grupo se tornaram sócias do assentamento”38
.
À medida que avançavam na organização do grupo ficava mais nítido o
empoderamento feminino, especialmente via inclusão política na comunidade.
38
Organização Não-Governamental que surgiu em março de 1993 a partir de ações voltadas à
reivindicação da instalação da Delegacia Especializada em Defesa da Mulher (DEAM), em Mossoró/RN.
Essa interseção visava sensibilizar a sociedade ante a problemática da violência contra a mulher,
principalmente, no sentido de garantir às mulheres a incorporação, no seu cotidiano, de elementos de
identificação, denúncia e combate à violência sexista. (Disponível em: < http://centrofeminista.com/a-
instituicao/>. Acesso em 04 mar 2016.).
144
Participavam de forma ativa na região de diversas mobilizações (protestos, encontros),
tais como a Marcha das Margaridas, Batucada Feminista, a fim de reivindicarem mais
políticas públicas em favor das mulheres do semiárido.
Figura 8: Mobilizações das mulheres em Mossoró e região.
Fonte: Centro Feminista 8 de março
Em Mulunguzinho inicialmente não havia qualquer suporte técnico ou recurso
tecnológico que representassem alternativas de convivência com os longos períodos de
estiagem. A priori, as limitações climáticas e o isolamento geográfico eram fatores que
dificultavam substancialmente a produção de lavouras, suprimindo a disposição para o
trabalho das mulheres. Nesse sentido, o grupo de mulheres “Decididas a vencer” foi de
substancial importância no assentamento, pois entendeu a relevância de recorrer ao
apoio técnico disponível para a criação de projetos locais de geração de renda, a fim de
que houvesse uma maior autonomia econômica do coletivo, o que traria reflexos
positivos também no contexto privado das famílias.
O Centro Feminista 8 de Março, com o objetivo de diminuir episódios de
violência doméstica na região a partir do empoderamento feminino, se articulou com
organizações, agências e entidades de incentivo a pequenos produtores e produtoras
para a realização de formações voltadas para a autogestão, planejamento, sistematização
e execução de projetos de geração de renda no campo.
O grupo Decididas a Vencer, porém, diante da instalação de grandes empresas
nas cidades-polo, passou por processos conflituosos e períodos de enfraquecimento,
145
tanto pelo incentivo à urbanização decorrente da precariedade dos serviços públicos da
zona rural, como pela relativa estabilidade do emprego com carteira assinada oferecido
nas cidades. As descontinuidades as quais estava sujeito o grupo, exigiram a luta contra
o que Castells (2000, p. 120) nomeia um “processo de desterritorialização”. Tal
processo seria o abandono das raízes e das práticas cotidianas que marcaram a história
de um indivíduo, e a assimilação de outros valores à sua vida, não necessariamente
comprometidos com os parâmetros anteriormente existentes, a partir das novas
configurações das relações sociais conformadas.
Buscando alternativas às dificuldades encontradas, o Centro Feminista tentou
articular alternativas de renda na região, a partir da identificação das potencialidades
locais. Uma das propostas foi a criação de uma fábrica de doces pelo grupo. Para tanto,
conseguiram a doação de sementes, estacas, arame e adubo. O grupo de mulheres
conseguiu a doação pela associação de moradores de uma área de 1,5 hectare. Os
homens iniciaram o desmatamento da área para plantar as “fruteiras”, mas logo
abandonaram o serviço. Das 30 mulheres que se comprometeram a ir terminar de
desmatar a área, apenas 9 apareceram, disse uma das gestoras da Rede. O grupo desistiu
da criação da fábrica de doces, e passou a produzir hortaliças orgânicas, a partir da
orientação de técnicos da região.
146
Figura 9: Plantação de hortaliças em Mulunguzinho.
Fonte: Arquivo disponibilizado pela Rede Xique Xique.
Em 1999, o grupo foi apresentado aos princípios da agroecologia e da economia
solidária, por meio de contatos com técnicos e professores universitários da região, que
trabalhavam com sistemas agroecológicos de produção. O grupo Decididas a Vencer foi
informado acerca da demanda da região pela produção de hortaliças orgânicas. Muitas
integrantes do coletivo tinham familiaridade com a terra e vivências na agricultura,
embora não tivessem o domínio sobre técnicas sustentáveis de produção. Não bastassem
as dificuldades climáticas, políticas e culturais existentes, a adesão ao grupo ainda era
bem reduzida. O desafio era colocar em prática, a partir das ideias do CF8 e de outras
entidades locais, um projeto inovador no Rio Grande do Norte: um trabalho coletivo e
consciente que não recorresse às técnicas nocivas ao ambiente e aos indivíduos. Queria-
se, ao mesmo tempo, empoderar as mulheres locais, dinamizar a economia das
comunidades locais, incrementar a qualidade de vida das famílias, manejar técnicas de
produção sustentáveis e comercializar seus produtos sem a lógica de mercado e da
competição, para distanciar o grupo de relações competitivas.
Assim, o grupo decidiu, juntamente com assessores técnicos da Terra Viva e do
CF8, guardar coerência com as propostas apresentadas, realizando o cultivo de
hortaliças sem recorrer ao uso de defensivos agrícolas ou qualquer outro recurso
químico. Quanto ao escoamento da produção, definiu-se a adoção de princípios da
EcoSol, em virtude da orientação de técnicos de entidades da região, da Associação de
Parceiros e Parceiras da Terra (APT) e de alunos e professores da UFERSA que tinham
contato com outras Redes de EcoSol, tal como a Rede Bodegas, no Ceará, bem como
diante da compatibilidade da EcoSol com a lógica da agroecologia.
Destacam, porém, que passaram por muitos problemas, não só relativos à falta
de justa distribuição de água, mas também, com o furto das bombas que puxavam a
147
água da adutora que abastecia a produção. Numa única semana, furtaram 2 bombas do
grupo, interessados nos fios de cobre existentes no seu interior. Tais episódios
enfraqueceram a organização do grupo, embora, mesmo diante de várias adversidades,
as mulheres se envaidecem de nunca terem deixado de pagar em dia as suas contas de
água e energia.
O quantitativo de consumidores/as foi gradativamente crescendo, a ponto de se
sentir a necessidade de formação de uma organização para articular com outros grupos e
aumentar a comercialização. Criou-se, assim, em 1999, com apoio das universidades da
região, também baseado nos princípios da economia solidária, uma associação informal
denominada Associação de Parceiros e Parceiras da Terra – APT. Consistia num grupo
de produtoras e consumidores/as locais agrupados com o fito de comercializar/consumir
hortaliças orgânicas dos produtores rurais do entorno de Mossoró. Tal organização
perdurou até 2003, quando, diante de demandas de outros grupos de produtores e
produtoras e da experiência positiva da APT, iniciou-se a formação da Rede Xique
Xique de Comercialização Solidária, à qual está vinculado até então o Grupo de
Mulheres Decididas a Vencer.
Em dezembro de 2003, com apoio da organização não governamental Visão
Mundial foi criada uma sede do grupo, localizada em um imóvel alugado no centro de
Mossoró (RN). Tal ONG custeou, por um ano, o pagamento do aluguel do Espaço de
Comercialização Solidária Xique Xique, que consistia em uma lojinha criada com o
escopo de vender produtos agroecológicos diversificados e, assim, atrair e fortalecer o
consumo solidário. Eliminou-se, assim, o acúmulo exploratório de lucro pelos
intermediadores, o que fez a Rede tornar-se referência para o recebimento e o
escoamento da produção advinda da agricultura familiar da região oeste do RN (CF8,
2016). O terreno destinado à fábrica de doces, a partir de 1999 até meados de 2010
(quando a segunda bomba foi furtada), se transformou em um canteiro de cultivo de
quiabo, rúcula, beterraba, coentro, alface, espinafre, tomate-cereja, cenoura, pimentão,
abobrinha, cebola, cebolinha, e algumas fruteiras, bem como de outras espécies
inseridas conforme a estação do ano e a pedido dos consumidores e consumidoras.
A apicultura também passou a ser desenvolvida na região porque a companhia
de água do Estado começou a restringir o uso da água potável ao consumo humano, o
que ocasionou diversos conflitos nos assentamentos da região. Diante deste contexto,
outras práticas produtivas sustentáveis foram buscadas pelo grupo. Para tanto, em 2005
solicitaram apoio do Centro Feminista, que à época somente contava com assistentes
148
sociais na sua estrutura, e recorreu ao apoio técnico da Associação de Apoio às
Comunidades do Campo do Rio Grande do Norte (AACC/RN), entidade realizou várias
formações e integrou a apicultura, o beneficiamento de polpa de fruta e a caprinocultura
às suas atividades. Foi promovida uma formação em beneficiamento de fruta para
fabricação de polpa e de doce por outra parceira da Rede Xique Xique, o Serviço
Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR).
Assim, diante das articulações realizadas pela REDE, agricultores/as,
pescadores/as, apicultores/as e artesão/ãs de vários municípios do Estado passaram a
comercializar via REDE. Todos os bens destinados à negociação, para dar suporte
financeiro à Rede Xique Xique, têm o seu valor acrescido em um percentual de 15%
sobre o preço do produtor/a. Os produtores locais recebem o pagamento do produto que
comercializam via Rede até o dia 10 do mês subsequente ao da entrega, quando ocorre a
prestação de contas do que foi vendido e o que ainda tem no estoque. Tal situação,
muitas vezes, porém, favorece a venda por meio de atravessadores, pois embora eles
paguem pouco, pagam à vista.
Segundo a coordenadora de projetos do Centro Feminista 8 de Março (2016),
boa parte da produção local é destinada ao consumo das famílias da comunidade ou são
permutados no próprio assentamento com vizinhos por outros bens ou são destinados a
pequenas feiras locais, o que tem contribuído para melhorar significativamente os
hábitos alimentares da comunidade, além de conferir mais segurança alimentar à
população do entorno.
Com o seu trabalho cada vez mais reconhecido pela comunidade do oeste
potiguar, as mulheres também contribuíram com a formação de coletivos de jovens em
várias comunidades que têm produtores/as vinculados à REDE e, além de participarem
de eventos externos, recebem muitos pesquisadores e apoiam a Coordenação Oeste de
Mulheres Trabalhadoras Rurais. O trabalho do grupo com a produção agroecológica no
semiárido já foi objeto de estudos, documentários, reportagens em mídia impressa e
televisiva, que sempre destacam o potencial desbravador e a importância da Rede Xique
Xique, em nível local, regional, nacional e transnacional. Tal experiência representa,
ademais, segundo o Centro Feminista 8 de Março (2016), “uma das principais
iniciativas em organização feminista e agroecologia no Rio Grande do Norte, inspirando
outras agricultoras e agricultores a terem um olhar voltado para os resultados atingidos,
para a mobilização social e para a agroecologia.”, o que evidencia o caráter pedagógico
das práticas que a Rede se utiliza para diversos territórios.
149
Sempre reunidas para conversas na casa de uma das fundadoras do grupo, que é
a mãe de uma das coordenadoras da REDE, as senhoras do grupo Decididas a Vencer
chegam para contar as suas histórias. Enquanto algumas relatavam a formação do grupo
e a ideia de criar um centro de comercialização, outra conversava com uma das
mulheres do grupo sobre a barra de sua calça, que estava muito comprida, além de
afirmar com empolgação que este ano (2016) passaria o carnaval plantando feijão! A
multiplicidade de habilidades daquelas mulheres era nítida, como também o
subaproveitamento das suas capacidades de criação, de geração de renda, de autonomia.
Assim foram os primeiros passos do que hoje consiste numa história de referência para
o movimento agroecológico, para a economia solidária e para o feminismo no oeste
potiguar.
3.1.2 Onde a Rede Xique Xique atua e quem viabiliza este trabalho?
A caatinga, bioma exclusivamente presente no nordeste brasileiro, é comumente
simbolizada pelo xique-xique, planta típica desta vegetação, resistente à seca, que
prospera mesmo nos contextos mais adversos do solo e do clima. Pode atingir até 4
metros de altura e possui ramos espinhosos, flores brancas e produzem frutos ricos em
sais minerais. Em períodos de estiagem é muito utilizada como alimento para os
animais e ainda está bem presente da região do semiárido, não obstante hajam
consideráveis impactos decorrentes da devastação da caatinga diante da urbanização
acelerada e de outras atividades humanas na região.
Foi a resistência desta planta que deu nome à Rede Xique Xique de
Comercialização Solidária, pois, segundo uma das coordenadoras da REDE, “a gente
escolheu esse nome por entender que a Rede é isso: resistente. Resistente à falta de
dinheiro, à falta de produto, a tudo que possa vir pela frente.”. A Rede representa uma
importante articulação social na região, pois viabiliza a assessoria técnica aos
produtores/as, atuando como um instrumento de mobilização dos produtores rurais e
urbanos, bem como das entidades que atuam com esta temática no Estado do Rio
Grande do Norte. Propõe a produção agroecológica de produtos rurais ou a produção
sustentável de outros bens, tais como artesanato, polpa de fruta, geleia e mel, além da
busca pela geração de renda de modo não concorrencial. Está, portanto, comprometida
com o respeito aos bens ambientais, à igualdade de gênero, à segurança alimentar dos
150
produtores e consumidores, e com a autonomia de seus membros, tanto que estimula a
autogestão e não lida com intermediadores.
Como dito, após os resultados positivos, a Associação de Parceiros e Parceiras
da Terra foi transformada, em dezembro de 2003, no Espaço de Comercialização
Solidária Xique Xique, hoje denominada Rede Xique Xique de Comercialização
Solidária. Além da formação política e qualificação técnica dos produtores/as, para
promover uma oferta diversificada de produtos, o objetivo da criação da Rede foi
constituir um ponto fixo de comercialização de bens produzidos no oeste potiguar, a fim
de contribuir para o escoamento dos produtos excedentes da agricultura familiar.
Para tanto, além de promover feiras todas às sextas-feiras, a Rede possui na sua
sede uma loja, aberta diariamente em horário comercial, para comercialização de polpa
de fruta, mel, galinha, codorna, artesanato, queijos, pão, doces, castanha, frutas,
verduras e hortaliças.
Figura 10: Feira de comercialização na sede da Rede Xique Xique (2013).
Fonte: Arquivo fornecido pela Rede Xique Xique.
Os produtos vendidos são:
151
Figura 11: Preços e produtos comercializados na Rede.
Fonte: Arquivo próprio da autora.
Discutiu-se a criação de um centro de convergência de comercialização, para
atrair e consolidar o consumo direto e consciente na região, além de dinamizar a
economia local e regional. A oferta dos produtos é, porém, limitada e irregular, já que se
resguarda o tempo natural de maturação dos bens, o que pode gerar o progressivo
esvaziamento deste centro, como também se alega a dificuldade de manter um
empregado exclusivamente para trabalhar com a venda neste centro de comercialização,
de modo que os cooperados da Rede entendem que não seria um ponto positivo.
A Rede lida com quatro tipos distintos de organização: unidades familiares,
grupos informais, associações e cooperativas. Diante da limitação de pessoal na
estrutura da organização, que é essencialmente formada por agricultoras/es,
pescadoras/es, artesãos/ãs e apicultores, não há um censo que precise a quantidade de
pessoas que compõem a Rede.
152
Figura 12: Sede da Rede Xique Xique de Comercialização Solidária (Mossoró, 2014).
Fonte: Arquivo próprio da autora.
Em 2004, diante do crescimento de políticas públicas na área de economia
solidária decorrente, sobretudo, da criação da Secretaria Nacional de Economia
Solidária (SENAES), sentiu-se necessidade da formalização da Rede. Instituiu-se,
então, a Associação de Comercialização Solidária Xique Xique, fruto de um processo de
construção coletiva que contou com a parceria de um conjunto de organizações da
sociedade civil extremamente comprometido com o desenvolvimento local no semiárido
e com a implantação de tecnologias de convivência com a escassez de água. A Rede,
então, passou a atuar em diferentes frentes em busca da autonomia e melhoria da
qualidade de vida dos trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade, a partir do
objetivo de, via projetos e políticas públicas, qualificar, fortalecer e transacionar com os
produtores/as familiares, associações de produtores, grupos informais e cooperativas.
A organização destaca-se, pois, por estimular os produtores que lhe fornecem
produtos a replicarem essa lógica na sua produção, de modo a se formar uma cadeia
produtiva ética, das sementes crioulas ao comércio justo.
Quando perguntada sobre como fazem para certificar que os seus produtos são
orgânicos, uma das coordenadoras da REDE expõe que “a Rede não tem estrutura ou
condições para analisar cada produto que comercializa. Qualquer pessoa que quiser
pode pegar os produtos e levar para fazer análise e avaliar se tem veneno ou não. A
única garantia que temos com os produtores é a confiança! Se acharem veneno em algo
que a gente venda, o que a gente vai fazer é não vender mais produto daquele parceiro.”.
A Rede Xique Xique, embora só tenha representação em núcleos no Rio Grande
do Norte, está presente em todo o país, de forma indireta, pois é comum o intercâmbio
153
de saberes em eventos nacionais, bem como em visitas que são realizadas na sede da
organização. Recentemente (dias 11, 12 e 13 de maio de 2016), inclusive, a Rede
recebeu a visita de agricultoras familiares que integram a Rede Estadual de Mulheres
Tecer para Crescer, da Bahia, que vieram com o objetivo de conhecer experiências
relacionadas à produção, comercialização, consumo solidário, organização e autogestão
na Rede Xique Xique.
Figura 13: Mulheres da Rede Estadual de Mulheres Tecer para Crescer (Bahia) em intercâmbio na Rede.
Fonte:http://redexiquexique.blogspot.com.br/2016/05/rede-xique-xique-recebe-intercambio-de.html.
Instituída em 2011, formalizada em 2012, a Cooperxique foi criada para
possibilitar que a Rede pudesse ampliar a renda dos produtores/as da região via
comercialização dos produtos, posto que as associações legalmente não podem ter fins
lucrativos. A princípio, uma das coordenadoras da REDE revela que era contra a criação
de uma cooperativa específica para a comercialização da Rede, pois já existiam várias
cooperativas vinculadas a ela, tal como a Coopermups (Cooperativas de Mulheres
Prestadoras de Serviços), Cootipesca (Cooperativa Tibauense de Pescado), dentre
outras. Todavia, um estudo das opções de cooperativas existentes evidenciou que a
melhor alternativa seria criar uma cooperativa com a finalidade e característica da Rede,
pois as existentes não se vinculavam ao trabalho rural e, para que as cooperadas não
perdessem a condição de trabalhadoras rurais para fins previdenciários, a cooperativa só
poderia ter cooperada/o que seja trabalhador/a rural da agricultura familiar.
154
A Cooperxique, regularmente formalizada, passou a fazer vendas diretas com a
emissão de nota fiscal, começou a vender para eventos, restaurantes, bem como a
fornecer produtos para políticas como o Programa de Aquisição de Alimentos39
(PAA),
Programa Nacional de Abastecimento Escolar40
(PNAE – que exige a formalização do
grupo), podendo vender atualmente para quaisquer outras entidades que exijam
Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), como a Feira Nacional da Agricultura
Familiar41
(Fenafra).
Alguns/mas produtores/as da cooperativa vendem a sua produção
individualmente para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA): hortaliças, galinha
caipira e mel. Já a cooperativa vende produtos para o Programa Nacional de
Alimentação Escolar (Pnae). A comercialização para o programa começou no segundo
semestre de 2013, quando foram feitos dois contratos, de peixes e frutas, no valor de R$
7 mil, e que deve ser o primeiro de muitos, segundo expectativa de uma das cooperadas
(MDA, 2016). Ela chama atenção, porém, que o PAA e o PNAE não são focos da Rede,
39
PAA - Programa de Aquisição de Alimentos, regulado pela Lei 10696/2003, tem a finalidade de
incentivar a agricultura familiar, por meio da aquisição de produtos agropecuários de produtores,
cooperativas ou associações, sem processo licitatório, para a distribuição à pessoas em situação de
insegurança alimentar e formação de estoques estratégicos. (Disponível em:<
http://www.agricultura.gov.br/arq_editor/file/camaras_tematicas/Cooperativismo/3RO/App_Conab_Coop
erativismo.pdf>. Acesso 16 abr 2016.). 40
PNAE - Programa Nacional de Alimentação Escolar, implantado em 1955, visa contribuir para o
desenvolvimento e a aprendizagem dos estudantes e a formação de hábitos alimentares saudáveis, por
meio da oferta da alimentação escolar a toda a educação básica (infantil, ensino fundamental, ensino
médio e educação de jovens e adultos) matriculados em escolas públicas, filantrópicas e em entidades
comunitárias (conveniadas com o poder público), bem como para a educação alimentar e nutricional dos
seus beneficiários. Os recursos financeiros provêm do Tesouro Nacional e estão assegurados no
Orçamento da União. O FNDE realiza transferência financeira às entidades executoras (estados, Distrito
Federal e municípios) em contas correntes específicas abertas pelo próprio Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE), sem necessidade de celebração de convênio ou qualquer outro
instrumento. As entidades executoras são responsáveis pela execução do programa, inclusive pela
utilização dos recursos financeiros transferidos pelo FNDE, que são complementares. É de
responsabilidade das entidades executoras garantir a oferta da alimentação escolar aos alunos
matriculados. A transferência é feita em dez parcelas mensais, a partir do mês de fevereiro, para a
cobertura de 200 dias letivos. Cada parcela corresponde a vinte dias de aula. O valor a ser repassado é
calculado da seguinte forma: TR = Número de alunos x Número de dias x Valor per capita, onde TR é o
total de recursos a serem recebidos. Dos recursos financeiros repassados pelo FNDE às entidades
executoras, no mínimo, 30% (trinta por cento) devem ser utilizados na aquisição de gêneros alimentícios
produzidos pelo agricultor familiar e pelo empreendedor familiar rural. O controle social do programa é
exercido por meio do Conselho de Alimentação Escolar, cuja constituição é condição para o recebimento
dos recursos. (Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/programas/alimentacao-escolar/alimentacao-
escolar-funcionamento/execu%C3%A7%C3%A3o-alimentacao>. Acesso 16 abr 2016.). 41
FENAFRA – a Feira Nacional da Agricultura Familiar e da Reforma Agrária é realizada desde 2004
com o objetivo da Feira foi de promoção, divulgação e comercialização via venda direta dos produtos da
agricultura familiar e reforma agrária, público beneficiário do MDA. Consiste em um momento de
intercâmbio de informações entre os agricultores e de ampliação das redes, associações e cooperativas,
por meio de articulações produtivas. (Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/programas/alimentacao-
escolar/alimentacao-escolar-funcionamento/execu%C3%A7%C3%A3o-alimentacao>. Acesso 16 abr
2016.).
155
criada para a comercialização das/os produtoras/es do entorno. Participar destas
políticas, segundo uma das cooperadas, foi uma consequência positiva da dedicação dos
grupos às suas produções. Segundo ela, 90% dos recursos captados pela Rede hoje
provém da venda direta.
A loja da Rede está localizada em uma casa alugada localizada no centro de
Mossoró, e no mesmo espaço físico funciona a Cooperxique, “porque a gente não tem
condições de pagar aluguel para associação e para a rede em locais separados, nem tem
necessidade”, disse a entrevista 2. Recentemente criou-se um grupo no aplicativo de
mensagens instantâneas whatssap, já com mais de cem membros, visando o
agendamento de encomendas. A equipe da loja, porém, relata que muitos consumidores
do grupo ainda não estão entendendo a lógica da Rede. Solicitam produtos como se eles
não fossem perecíveis; esquecem que a disponibilidade do produto não é como a dos
produtos dos supermercados; fazem pedidos em quantidades mínimas, desconsiderando
as limitações de logística e o custo da entrega – embora as entregas estejam suspensas
por questões orçamentárias atualmente.
Comumente frequentam a sede da Rede: Neneide e Tatiana (coordenadoras),
Adriano (Assessor técnico de serviços territoriais), Cleidinha e Nara (trabalham na loja),
Zânia e Fátima (trabalham exclusivamente nos projetos da Rede, diariamente), Eliane
(captação de projetos e recursos), sua irmã, Kika (serviços gerais), e Tarso (estudante de
administração, residente em Mossoró, que se aproximou da Rede pelo movimento
juvenil de que participa e ajuda na comercialização).
Uma das coordenadoras da REDE, a entrevistada 2, viveu desde meados do ano
2000 na zona rural de Mossoró, no assentamento Mulunguzinho, mas há 3 anos reside
na cidade de Mossoró. Com três filhos, de 21, 24 e 27 anos, N. foi mãe pela primeira
vez aos 15 anos e, aos 43 anos, tem quatro netos. É filha de uma das fundadoras do
Grupo de Mulheres Decididas a Vencer, que foi presidente da Associação de Moradores
de Mulunguzinho por muitos anos. Segundo a entrevistada 2, sua mãe foi uma das
maiores lideranças de Mulunguzinho e é “daquelas que cai em campo!”.
Dona N., mãe da entrevistada 2, é casada com o mesmo senhor desde que a
entrevistada 2 tem 5 anos, ou seja, há 38 anos. Num dos encontros dos quais participei
na casa de Dona N., ele ficou calado, observando todas as histórias contadas pelo grupo.
Vendo tal comportamento, comentei certo dia na Rede: “O marido de Dona N. parece
ser bem calmo!”. Imediatamente veio a resposta: “Aquilo é tão bruto no mundo!”. Na
hora veio à tona a definição de “poder simbólico” de Bourdieu, como o poder invisível
156
exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que estão sujeitos a ele ou
mesmo que o exercem” (1989, p. 7). Aposentada, Dona N. tem dores nas articulações
dos braços e ombros, mas continua com as suas plantações no quintal, pois segundo ela,
“a terra existe para ser plantada”, embora seus filhos reclamem, pois dizem que sua
genitora não precisa mais trabalhar, porque juntamente com o marido, única pessoa com
quem mora, são aposentados. Dona N. sempre que vai ao centro de Mossoró, passa nos
Correios e leva todas as correspondências do assentamento. Ela costuma doar as frutas
que as suas árvores dão para as mulheres fazerem o beneficiamento da polpa, o que é
criticado por seu marido e filhos, que entendem que ela deve vender as frutas ou trocar
por comida para as galinhas.
Dona N. criou o filho mais velho da entrevistada 2, que trabalha há quase 10
anos em uma loja de vendas em atacado em Mossoró. Dizem que ele gosta muito do
campo, cria passarinho, mas não quer viver de agricultura. A filha do meio de N.,
segundo ela, é “patricinha”, e Na. é a única que trabalha na Rede, na parte
administrativa da loja. Nenhum de seus filhos atualmente reside em Mulunguzinho. Na.
se divide entre os seus trabalhos na Rede, o estudo para terminar o supletivo do ensino
médio e a sua filha, Cla., com 2 anos de idade.
A entrevistada 2 é da segunda geração do grupo Decididas a Vencer, atualmente
é casada com uma pessoa que trabalha na construção civil em Mossoró. Vai para
Mulunguzinho apenas nos finais de semana, pois no horário comercial contribui para o
andamento dos projetos coletivamente construídos com as articulações da região. É uma
das coordenadoras da Rede Xique Xique e da Cooperxique, o que lhe demanda muito
tempo. Porém, ao ser abordada por uma vendedora de roupas na sede da Rede, disse que
não estava podendo comprar nada, já que está desempregada, pois todo o seu trabalho
na Rede é voluntário. Trabalhadora do campo, nas folgas da Rede aproveita para
trabalhar com as abelhas e plantar em Mulunguzinho, onde possui um lote do
assentamento. Ela tem uma disposição impressionante, enfrenta os desafios diários com
muita simpatia e objetividade, lidera os encontros dos conselhos da Rede e está sempre
disposta a assimilar conhecimento e aberta a sugestões. Divulga, para quem puder, os
benefícios das práticas agroecológicas, reproduz com firmeza discursos feministas e
participa de todos os eventos e movimentos sociais que tenham causas análogas às da
Rede. Sem dúvida, é uma grande força para a REDE.
A entrevistada 6, também coordenadora da Rede, é natural de Guamaré (RN) e
passou a infância em Macau (RN), mas há 26 anos reside em Tibau (RN). É filha de
157
pescadores e desde a infância ia para cima da embarcação no rio remar e ajudar os pais
“a despescar a rede”.
Eu vim para Tibau porque na época eu fugi. Tibau foi o meu ponto de
partida quando eu me separei. Eu não tinha outra opção, ou fugia ou
morria. Eu cheguei aqui em época de desespero. Eu peguei minhas 3
filhas e saí sem eira nem beira. Ao Deus dará. Onde eu pousava era
pouso. Eu tinha muito medo do meu ex-marido vir atrás de mim. Dizia
a todo mundo que meu nome era Geralda, porque o nome do meu pai
era Geraldo.
Ao refazer a vida em Tibau, começou a conviver com o segundo companheiro,
também pescador. Para se capacitar, fez um curso no Serviço Nacional de
Aprendizagem Rural (SENAR) de beneficiamento de peixe, juntamente com outras
mulheres. Segundo ela, a população que reside em Tibau exerce a função de pescador,
no inverno, e agricultor, no verão. Além de pescadora, ajuda o marido - que cria gado,
vende leite e cria galinha. “Eram anos de invernos bons, sobrava peixe.”, disse a
entrevistada 6. Com a criação da cooperativa, a partir de orientação de entidades da
região, a venda do pescado ficou mais organizada. “A cooperativa melhorou muito a
combater com essa história de explorar o trabalho das mulheres e das crianças aqui em
Tibau. Tanto que as mulheres passaram a participar mais das reuniões, embora o
número de participantes seja muito variável, hoje só tendo seis mulheres. Eu, como
mulher, fico muito feliz quando vem alguma querendo participar da produção.”
Muitas mulheres que participam da Rede dizem que, antes de começar a
trabalhar nas associações eram domésticas. Trabalhavam o mês todo para ganhar
duzentos reais, além de só ter emprego no verão e em feriados. Sendo assim, prefeririam
começar a pescar, a plantar, a trabalhar com apicultura.
O entrevistado 7, assessor técnico de serviços territoriais da Rede, é nascido em
Mossoró e trabalha na parte de comercialização solidária42
. Foi aprovado mediante
seleção simplificada e faz parte da Rede Xique Xique desde setembro de 2014. Não
tinha vivência no campo até ser apresentado à Rede por meio da sua articulação com os
movimentos da Igreja católica do Alto da Conceição (Bairro de Mossoró), e exerce
funções fundamentais na Rede, tanto no que diz respeito à parte burocrática,
mobilizando os produtores, como também ajuda na organização e participa de eventos e
42
CONVENIO MTE nº 774491/2012, projeto: “Apoio ao Sistema Nacional de Comércio Justo e
Solidário no Brasil: fortalecendo identidade, processos e práticas de base justa e solidária” através do
convênio firmado entre o MTE/SENAES/REDE XIQUE XIQUE de nº 774491/2012.
158
fóruns no país todo. Por ser do sexo masculino, diante de todo o protagonismo que as
mulheres exercem, sempre é coadjuvante nos documentários e entrevistas da Rede, mas
é muito importante para o seu funcionamento.
As entrevistadas 8 e 9 são de Mulunguzinho, e já da terceira geração do
“Decididas a Vencer”. A primeira tem 21 anos, é mãe de uma menina de 2, para quem
busca uma vaga em uma creche em Mossoró atualmente. Casada, chegou a ser retirada
do grupo da igreja de Mulunguzinho, quando adolescente, por questões atinentes a sua
intimidade. Diz que o seu marido nunca a impediu de estudar; ela que não quis mesmo!
Mas agora, após perder muitas chances de ingressar em projetos da Rede em razão da
ausência da escolaridade mínima exigida, tenta terminar o ensino médio fazendo provas
do supletivo e diz que sonha seguir o curso de Educação no campo, disponibilizado pela
Universidade Federal Rural de Semiárido (Ufersa). Frequenta de forma mais assídua a
Rede há 4 anos; inicialmente só ia quando a responsável pela loja não podia ir. Depois
começou a ajudar a fazer as entregas de verdura. Gradativamente foi frequentando mais
o espaço: iniciou limpando a sede, depois começou a ajudar com a mobilização dos
produtores e vender hortaliças. Quando o entrevistado 10, o antigo responsável pelas
vendas da Rede, saiu da loja (passou no concurso de Agente de combate de endemias do
município de Aracati-CE), ela (a entrevistada 8) aprendeu a controlar estoque, emitir
nota fiscal e passar o cartão de crédito, e até então está na Rede, pelo menos 3 dias por
semana.
A entrevistada 9, grávida do seu primeiro filho, e filha de uma das fundadoras do
grupo Decididas a Vencer, também é responsável pela organização da loja, mobiliza os
produtores para as entregas de produtos em dia de feira, atende aos consumidores,
confecciona a cesta de verduras para entrega, ensaca os produtos e pesa. Embora seja
perceptível a ausência de técnicas mais apuradas do ponto de vista de controle de
estoque, de setorialização dos produtos, tem sempre boa vontade e paciência para
resolver as diversas demandas que enfrenta, e desde às 7 horas da manhã, quando abre a
loja, até a hora que for necessário, carrega um lindo sorriso nos lábios e um olhar doce e
delicado.
A entrevistada 11, técnica de nível superior, trabalha exclusivamente na parte
contábil da Rede, diariamente, pois foi selecionada via processo simplificado para
trabalhar no acompanhamento, organização e atuação das atividades físico-financeiras
da Rede Xique Xique. Tal edital foi elaborado mediante um Convênio entre a Rede, a
SENAES e o Ministério do Trabalho e Emprego, a fim de viabilizar o projeto: “Apoio
159
ao Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário no Brasil: fortalecendo identidade,
processos e práticas de base justa e solidária”.
Por fim, entrevistada 12, com graduação e mestrado em Ciências Sociais, pela
Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN), tem uma trajetória profissional
toda voltada na participação de ações e projetos que envolvem tecnologias sociais de
convivência com o semiárido. Iniciou a sua vida profissional na Comissão Pastoral da
Terra - CPT/RN e desde então atua na formação direta de homens, mulheres e jovens no
processo de organização e constituição de associações e cooperativas, tendo coordenado
um Programa de Desenvolvimento de Área da Visão Mundial, em associação com a
Terra Viva. Tem experiência na formação de mercados para agricultores
familiares. Segundo ela, “estamos testemunhando a quebra de paradigmas sociais (entre
eles, nas relações de gênero) e produtivos” (ABA, 2016) com a auto-organização e a
autogestão de grupos do semiárido potiguar e das zonas rurais brasileiras, pois “os
movimentos organizados de mulheres têm demonstrado capacidade em reunir, organizar
e qualificar os grupos de mulheres na perspectiva de combater as desigualdades nas
relações sociais de gênero” (ABA, 2016).
Como as mulheres que compõem a REDE passaram por um processo de
formação política, tanto em face dos movimentos sindicais da região, como em razão da
atuação do Centro Feminista 8 de Março, nos encontros e discussões da REDE é nítida
a força das opiniões e posturas dos seus membros. Poucos têm receio de verbalizar o
que pensam, de debater, de rebater e criticar. Tal contexto revela que, mesmo sendo
assessorado por profissionais com um maior nível de escolaridade do que os membros
da REDE, eles preservam as suas opiniões e posturas, não obstante, na maioria das
vezes, estejam abertas ao diálogo.
Por outro lado, é latente a falta de estabilidade dos envolvidos na Rede no que
diz respeito à estabilidade profissional, já que muitas vezes ficam à mercê da renovação
de projetos ou do lançamento de editais. Muitos se confiam na aposentadoria como
trabalhador rural, tendo em vista que são assentados e vinculados ao sindicato de
trabalhadores rurais. Todavia, é primordial que a REDE não fique à mercê de
financiamentos públicos, de modo que tanto os participantes respeitem a autonomia que
fundamenta os movimentos sociais, buscando meios de continuamente se autogerirem e
se autossustentarem, como também é necessário um redirecionamento das políticas de
base do Estado no que diz respeito à reestruturação produtiva do país, com vistas a
auxiliar na promoção de um desenvolvimento territorial mais emancipatório.
160
Tais pretensões seriam satisfeitas a partir, no primeiro caso, da compatibilização
das atividades políticas das integrantes da Rede com atividades produtivas, já que
ambas são igualmente importantes; e, no segundo caso, a promoção de uma
reestruturação produtiva do país deveria ocorrer a partir da continuidade de políticas de
concessão de microcrédito, da qualificação profissional das comunidades do campo a
partir de suas vocações; da criação de um suporte social digno para as comunidades
rurais, de modo desestimular a urbanização em condições precárias; com a aproximação
das compras públicas dos pequenos e médios produtores, desburocratizando os
procedimentos, conferindo suporte técnico e criando marcos regulatórios que fomentem
a formalização dos grupos para, por exemplo, estimular a sua contribuição
previdenciária.
Indo de encontro a estas perspectivas, o modelo de modernização agrícola
adotado pelo país assimilou padrões exógenos de crescimento econômico (GONDIM, et
all, 2013), o que tem repercussões etnoculturais irreparáveis do ponto de vista
econômico, ecológico e histórico para a nação. Nesse sentido, Escobar (2005, p. 69) ao
afirmar que “o enfraquecimento do lugar tem consequências profundas em nossa
compreensão de cultura, do conhecimento, da natureza, e da economia”, chama a
atenção para a necessidade de que as experiências de desenvolvimento pelas quais a
sociedade passa não devem romper com “os modelos de cultura e conhecimento que se
baseiam em processos históricos, linguísticos e culturais” (ESCOBAR, 2005, p. 74).
Tal perspectiva, porém, somente em meados da década de 1990 vem sendo
paulatinamente assimilada pelas políticas públicas brasileiras, a partir de quando foram
acolhidas algumas demandas dos movimentos sociais e se começou a construir ações
voltadas para o fortalecimento da agricultura familiar, para a reestruturação dos
mercados regionais e para a preservação do etnoconhecimento das populações
tradicionais, agricultores/as, pescadores/as, artesãos/ãs. Tais iniciativas, entretanto,
ainda são insipientes e ainda muito vulneráveis diante das instabilidades políticas do
país, sobretudo em razão da tensão entre uma perspectiva capitalista e propostas
alternativas de desenvolvimento que o Estado brasileiro busca enfrentar.
3.2 Organograma da Rede Xique Xique
Muitas dúvidas cercam as explicações dos integrantes da Rede na ocasião de
explicarem a sua estruturação. Quais os órgãos que a compõe? Quantos são? Qual a
161
função que cada órgão assume? Como eles se subdividem? Assim, foi necessária a
realização de uma pesquisa documental, baseada na análise de atas das assembleias e
encontros promovidos pela REDE, como também a busca em cartórios dos documentos
registrados em seu nome para aclarar como formalmente a Rede foi instituída.
Ao construir um organograma da entidade, chegamos à seguinte estrutura:
CO
Figura 14: Organograma da Associação de Comercialização Solidária.
Fonte: Arquivo próprio da autora.
A associação é composta por 2 tipos de membros: os produtores/as, que têm
direito a voto nas deliberações da assembleia geral; os consumidores, apenas com
direito a voz nas discussões do grupo. O conselho de ética da associação deve ser
composto por 15 membros, todos indicados pela Assembleia Geral, dos quais 10 serão
produtores, 3 técnicos e 2 consumidores.
Há também, como visto, um conselho de certificação, que tem a atribuição
estatutária de deliberar sobre o Sistema Participativo de Garantia (SPG). Tal sistema
consiste em validar e certificar que os produtos produzidos e comercializados são
Conselho de
certificação
Coordenação Conselho Fiscal
Produtor
es
Técnico
Consumidor
2ª Coord
Financeir
a
2ª Coord
de
secretaria
1ª Coord
de
secretaria
Associação de
Comercialização Solidária
Xique Xique
Assembleia Geral
Conselho
Diretor
Conselho de
ética
(mandato
162
efetivamente orgânicos. A partir de inspeções regulares do conselho nas produções, a
organização adquire um selo emitido pelo Sistema Brasileiro de Avaliação da
Conformidade Orgânica (SisOrg), criado pelo Art. 29 do Decreto Nº 6.323/07. Este
conselho deve ser composto por 3 produtores, 1 assessor técnico e 1 consumidor, os
quais devem ser indicados pelos núcleos que compõem a associação.
Na prática, verifico que a Associação Xique Xique não obteve até então este
selo, de modo que legalmente não há o reconhecimento de que os produtos que ela
comercializa são orgânicos. Como dito anteriormente, a REDE supõe que os produtores
praticam os princípios sob os quais ela se sedimenta, mas a partir puramente de relações
de confiança, de modo que ao participar das políticas públicas na região, o seu produto
não pode ser encarado como orgânico, já que lhe falta o selo do SisOrg. Tal situação,
porém, não impede a venda direta dos bens como produtos agroecológicos, mas a
legislação sobre produção orgânica somente possibilita este tipo de comercialização
(venda direta) como produto orgânico, por ausência do selo.
Quando a REDE foi criada, se vincularam a ela várias cooperativas, tais como a
COAFAPI43
e a COOPERCAJU44
. Nenhuma delas, porém, discute o feminismo desde a
sua instituição, tanto que eram lideradas por homens, em sua maioria. Ademais, para
não perderem o direito de se aposentarem como trabalhadoras rurais tinham que criar
uma cooperativa composta tão somente por agricultores familiares que trabalhem
exclusivamente no âmbito rural. Diante desse contexto, criaram, em 2012, a
COOPERXIQUE, responsável pela manutenção financeira da REDE, já que a
cooperativa tem direito a 15% sobre o preço dos produtos que comercializa, percentual
bem menor do que os cobrados pelos atravessadores.
Segundo o Estatuto da associação, para integrar os seus quadros é necessário ser
indicado por um sócio, ser aprovado pela assembleia, pagar a anuidade e ser membro de
um dos núcleos da REDE. Os seus recursos, conforme o estatuto, advém de auxílios
43
COAFAPI – A Cooperativa da Agricultura Familiar de Apodi foi fundada em 4 de janeiro de 2001, por
20 sócios, todos/as agricultores/as familiares de comunidades e assentamentos do município de Apodi.
Atualmente é formada por 252 pequenos/as agricultores/as de 30 comunidades rurais e por assentados/as
de 16 assentamentos da reforma agrária de Apodi () (RN) (Disponível em:
<http://www.caatingacerrado.com.br/cooafap/>. Acesso em 1 abr 2016). 44
COOPERCAJU – A Cooperativa dos Beneficiários Artesanais de Castanha de Caju está situada no
município Serra do Mel (RN), e foi fundada em junho de 1991. Sua atividade principal é a coleta, o
beneficiamento e a comercialização de amêndoas de castanha de caju. A cooperativa possui 170
associados e 450 famílias envolvidas. Sua produção mensal chega à 15 toneladas de castanha de caju. O
destino dessa produção vai além das fronteiras brasileiras e estão sendo exportadas para Suíça, Áustria e
Itália; Ao longo desses anos a cooperativa vem conquistando as bases do comércio justo e solidária, e já
possui certificação orgânica.
163
financeiros, políticas públicas, convênios, subvenções e contribuições. Na prática, como
a sede da Associação da Rede funciona no mesmo local da COOPERXIQUE, as receitas
da cooperativa representam o principal aporte financeiro da associação.
Quanto à estrutura da cooperativa, ela se organiza do seguinte modo:
Figura 15: Organograma da COOPERXIQUE.
Fonte: Arquivo próprio da autora.
Na prática, observa-se que a REDE tem um grupo específico e restrito de
produtores que se dedica mais de perto à sua estrutura, de modo que muitos membros da
COOPEPRXIQUE não entendem a lógica cooperativa do funcionamento da
comercialização via Rede, o que é essencial para que a sua estrutura seja fortalecida. Por
outro lado, os produtores/as já tinham a dinâmica de participar de feiras locais, e a Rede
não pode ser um mecanismo de enfraquecimento do comércio local; ao revés, deve
estimular a dinamização da economia das diversas localidades do Estado onde seus
produtores/as estão domiciliados. Tal contexto, porém, gera vez por outra impasses
entre organizadores da Cooperxique e seus cooperados, que são os proprietários do
empreendimento, pois as pessoas que atuam mais ativamente na Cooperxique defendem
COOPERXIQUE
Coordenação Assembleia Geral Cooperados
Secretaria
Fundo de Assistência Técnica,
educacional e social (FATES)
Conselho
Fiscal
Conselho de
Administração
Coord. Geral
Coord. Financeira
Coord. Administrativa
Coord.
Comercial
Vogal
164
que toda a comercialização dos produtos produzidos pelos cooperados seja feita via
Rede, o que, para os cooperados, muitas vezes, se torna inviável, sobretudo porque a
participação em feiras envolve menos custo de logística e o pagamento é à vista.
3.3 Tecendo a REDE: parcerias e articulações de apoio
Num momento seguinte da busca sobre a formação da Rede, recorreu-se ao
relato de membros de organizações parceiras que participaram da história da
constituição de grupos de produtores/as ou de apoio a eles/as no semiárido potiguar.
Foram vários encontros, viagens, eventos e reuniões até ficar clara a identificação de
quais entidades ajudaram a conceber a formação e apoio para consolidação da Rede
Xique Xique. Ao conversar com as mulheres de Mulunguzinho, não ficou claro qual o
suporte técnico que elas receberam para a criação do grupo e para o trabalho a partir de
sistemas de produção agroecológicos. Nas conversas ocorridas na Rede, uma vez ou
outra, pessoas e entidades eram mencionadas, assim como nos documentários sobre a
Rede disponíveis na internet identificou-se a presença de parceiros importantes.
Percebeu-se um importante apoio de um agrônomo, o entrevistado 13, além de ser
visível a inter-relação da Rede com o CF8. Houve, ademais, importantes contribuições
da associação civil Terra Viva e da Universidade Federal Rural do Semiárido, à época
denominada E scola Superior de Agricultura de Mossoró (ESAM).
3.3.1 Centro Feminista 8 de Março
O Centro Feminista 8 de Março (CF8) é uma organização não-governamental
que surgiu em março de 1993 criada em razão das crescentes reivindicações acerca da
instalação da Delegacia Especializada em Defesa da Mulher (DEAM) no município de
Mossoró/RN. O objetivo do CF8, assim, era sensibilizar a sociedade da problemática da
violência contra a mulher, sobretudo com vistas a garantir às mulheres a incorporação,
no seu cotidiano, de elementos de identificação, denúncia e combate à violência sexista.
Ao longo de seus 17 anos de existência, o CF8 tem se constituído como uma entidade
de referência na formação em gênero no Rio Grande do Norte, prestando assessoria à
outras instituições em alguns estados vizinhos (CF8/2016).
Atualmente, segundo a entrevista 29, assistente social do CF8, a entidade
desenvolve iniciativas alicerçadas em três elementos: feminismo, organização e
165
formação. A comunicadora social do CF8, a entrevistada 31, relatou que o propósito
inicial do CF8 estava mais ligado especificamente às ações de instituição da Delegacia
da Mulher em Mossoró, seu corpo técnico, a princípio, era bem limitado, formado
basicamente por assistentes sociais. A partir das demandas dos grupos atendidos, o CF8
foi especializando as suas atividades e passou a contar com agrônoma e comunicadora.
As suas ações têm o escopo de auxiliar no fortalecimento das organizações de mulheres
nos espaços sociais, especialmente das trabalhadoras rurais, por atuar num Estado onde
o clima predominante é o semiárido. Para tanto, oferece apoio, assessoria e formação
em gênero aos coletivos de mulheres, comissões femininas dos sindicatos de
trabalhadores/as rurais, entidades de assessoria técnica, gerencial e organizativa que
atuam no meio rural e urbano de Mossoró e região (CF8, 2016).
O CF8, segundo a coordenadora do centro, a entrevistada 32, assume uma visão
crítica das relações de dominação: “é preciso contestar as situações recorrentes de
violência em desfavor das mulheres do semiárido, que se estendem do contexto
estrutural das relações econômicas aos contextos de violência no meio familiar”. Por
isso, entende que o CF8 deve procurar pautar as suas ações articulando as questões de
classe, gênero e raça/etnia, de modo a priorizar a construção de políticas feministas que
integrem as demandas que são correlatas a essas perspectivas. Nesse sentido, estimula a
formação de coletivos de mulheres na região, ajudando na sua formatação, pois entende
que somente a partir da auto-organização as mulheres poderão conquistar a sua
autonomia.
O CF8 está articulado em parcerias com várias entidades públicas e privadas do
país, mas também possui intercâmbios com entidades internacionais (Genéve Tiers
Monde - Suíça, Manos Unidas - Espanha e Actionaid - Grécia/Brasil).
Uma parceria do CF8 com o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA)
expandiu a área de atuação da entidade, de forma que lhe conferiu a oportunidade de
mostrar e desenvolver trabalhos no nordeste brasileiro, potencializando discussões nos
grupos de mulheres e contribuindo no debate da produção da agricultura familiar. Suas
atividades em nível local estão integradas à inserção das mulheres em discussões
feministas no âmbito nacional, o que tem favorecido uma formação política forte das
mulheres que se relacionam com o CF8. Desse modo, consolida-se cada vez mais a
construção de uma atuação forte e sólida, principalmente no debate sobre as relações de
gênero, ajudando a transformar padrões culturais vigentes, em prol de uma organização
da sociedade mais igualitária e justa para todas as pessoas (CF8, 2016).
166
Figura 16: As mulheres e o CF8.
Fonte: Centro Feminista 8 de Março.
Um dos convênios importantes entre o CF8 e o MDA, por meio da diretoria de
políticas para as mulheres rurais, é a Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) -
Mulheres, que tem por objetivo garantir a assistência técnica à 240 mulheres rurais em
Sertão do Apodi, Mato Grande e Seridó.
Recentemente, inclusive, o CF8 recebeu o prêmio “Fundação Banco do Brasil de
Tecnologia Social”, na categoria “mulheres”, pelo projeto “Água Viva: Mulheres e o
redesenho da vida no semiárido do Rio Grande Norte”. A tecnologia social
desenvolvida foi o uso racional do recurso hídrico por meio do reaproveitamento de
toda água utilizada nas atividades domésticas, como lavagem de pratos e de roupas, que
passou a ser purificada e reutilizada na irrigação de árvores frutíferas e hortaliças
agroecológicas. Antes de chegar ao seu destino final, a água que seria descartada passa
por um processo de purificação por meio de filtros orgânicos, caixas e tubos instalados
nas propriedades. A filtragem é feita com a utilização de produtos extraídos na região,
como a palha de carnaúba e a fibra do coco triturada. Depois disso, o sistema de
irrigação das hortaliças ocorre por meio de gotejamento. O projeto é basicamente assim:
167
Figura 17: Sistema de aproveitamento de água do CF8.
Fonte: Centro Feminista 8 de Março.
O objetivo da iniciativa foi criar alternativas de convivência com a estiagem no
semiárido. Tal projeto foi cofinanciado pela União Europeia (através do projeto
“Mulheres: do Quintal ao Mar”), e é resultado do processo de auto-organização das
mulheres do Assentamento Monte Alegre I, de Upanema (RN) e de professores e
estudantes da Universidade Rural do Semiárido (UFERSA), responsáveis pelo
acompanhamento e análises laboratoriais que comprovam a qualidade da água.
A história do CF8 com a Rede Xique Xique é antiga, antes mesmo de existir a
Rede, o CF8 já atuava em Mulunguzinho. Inicialmente, o CF8 não realizava assessoria
direta, pois a sua pretensão era debater sobre a saúde das mulheres e violência
doméstica. A partir da fixação de parcerias com entidades do semiárido, bem como da
expansão da atuação do CF8 em bairros periféricos (onde residem as pessoas que vêm
da zona rural, geralmente), esta entidade resolveu se aproximar do Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (INCRA), que realizava assistência técnica na região
para o plantio de melancia com o uso de agrotóxico.
A postura primária do CF8 era que o apoio produtivo por assistência técnica
deveria ser encabeçado por outras entidades, já que o funcionamento do CF8, na sua
fundação, contava com o trabalho de voluntárias, e sua equipe técnica era limitada. Dois
ou três anos após a sua criação foram surgindo os primeiros apoios financeiros, como
também demandas sociais por ações políticas focadas na geração de renda.
168
Ao estudarem o mercado regional, identificaram uma demanda por hortaliças.
Pretendiam estimular sistemas alternativos de produção. Após fazer visitas a entidades
do Estado do Ceará e consultarem entidades que compõem as várias redes e arranjos
sociais que participam, decidiram por buscar meios de propor uma mudança dos modos
de produção tradicional para sistemas agroecológicos, o que impõe
a substituição de insumos. Nesse sentido, é necessário demarcar a
diferença entre agricultura alternativa, compreendida como um
conjunto de práticas e tecnologias que permitem a utilização de certos
insumos e não de outros, e a agroecologia, considerada como uma
ciência que apresenta uma série de princípios e metodologias para
estudar, analisar e desenhar agroecossistemas (ARAÚJO, 2009, p. 85).
O maior ganho do redimensionamento das técnicas de produção na região não
seria, portanto, exclusivamente ambiental, já que as comunidades do entorno e os
produtores tenderiam a ter uma maior segurança alimentar, a recorrer menos ao sistema
único de saúde, provocando efeitos positivos em cascata. Assim, a efetiva aliança entre
a ideia de ecologia aplicada às atividades agrícolas precisa assumir uma dimensão
política e cultural (ARAÚJO, 2009, p. 85), valorizando, ao mesmo tempo, o ser
humano, o meio ambiente e a relação de interdependência entre eles (GLIESSMAN,
2000, p. 590).
Como na época o CF8 não tinha agrônomo/a, recorreu-se ao apoio do
entrevistado 13, especialista em sistemas de produção agroecológicos, que trabalhava na
ONG Visão Mundial. Pretendiam propor o estabelecimento de outras bases para a
comercialização, recorrendo a leis de mercado alternativas, baseadas na solidariedade,
não na maximização de lucros ou na exploração da mão de obra da mulher ou infantil.
Tal conjuntura levou à ampliação da atuação do CF8, que incorporou à sua
atuação a lógica da economia feminista e solidária. Foram, então, organizadas
formações, encontros e discussões sobre auto-organização, autogestão, cooperativismo,
divisão sexual do trabalho, inclusive o doméstico. As reuniões, formações e o
intercâmbio entre os diversos grupos da região gerou a criação de uma Associação de
Parceiros da Terra (APT), que consistia numa associação de produtores/as e
consumidores econômicos solidários, atualmente, em sua maioria, consumidores da
Rede Xique Xique.
Muitas vezes, segundo a assessora técnica do CF8, entrevistada 14, dada a
melhoria da qualidade de vida das mulheres e da população em geral na região, muitas
169
pessoas passaram a se engajar ativamente nas ações políticas das quais o CF8
participava ou promovia. Este contexto gerou conflitos com o agrônomo, pois eles
entendiam que a produtividade dos grupos estava tendo impactos negativos por conta da
assídua participação das mulheres no movimento social. As próprias mulheres,
entretanto, afirmavam que não eram só um grupo produtivo, e que a participação
política nas ações do CF8 fortalecia os grupos.
As participantes do CF8 relatam que se observam outras relações dos indivíduos
ligados, direta ou indiretamente, a algum grupo produtivo com os recursos naturais. A
região, entretanto, está passando por dificuldades na produção de hortaliças por conta da
estiagem que já dura mais de 4 anos, e investe mais, atualmente, no incentivo ao plantio
de árvores frutíferas que tenham uma boa adaptação ao semiárido.
Os grupos de mulheres, segundo uma das assessoras técnicas do CF8, já foram
bem maiores, mas foram reduzindo, não por falta de interesse, mas em razão dos
conflitos domésticos que a participação feminina em grupo gera. Assim, algumas
mulheres vão pegar marisco, mas vendem para atravessadores, pois não podem perder
mais tempo com o beneficiamento do produto, já que não podem se ausentar da sua
residência por muito tempo.
Essas situações evidenciam, como afirma uma técnica do CF8, que ao mesmo
tempo em que são conseguidas conquistas importantes, há muito conservadorismo na
sociedade, como reação à organização dos movimentos sociais. Ainda assim, nos
últimos anos muitas políticas públicas de referência foram construídas, tal como a
criação, no mesmo ano da instituição da SENAES, em 2003, da Secretaria de Políticas
para as Mulheres, sobretudo em decorrência do processo de luta organizado pelas
mulheres. Os direitos conquistados em decorrência dessas iniciativas, porém, são
constantemente ameaçados, especialmente pela ausência de um sólido sistema público
de formação política, educacional e cultural focado na valorização e reconhecimento
dos direitos humanos.
Nesse sentido, o trabalho do CF8 é admirável e fundamental na região. Auxilia
na manutenção e fortalecimento dos grupos de mulheres do semiárido, pois as ajuda a se
mobilizarem e a atuarem politicamente, além de inseri-las em debates importantes sobre
as experiências que enfrentam, como produtoras ou como mães, esposas/companheiras,
filhas, ou seja, como mulheres. Desse modo, o CF8 é uma força integradora das
mulheres, o que vem adquirindo reconhecimento não só das mulheres da região, mas de
entidades públicas e privadas, nacionais e internacionais.
170
3.3.2 Universidade Federal Rural do Semiárido
A Escola Superior de Agricultura de Mossoró (ESAM) transformou-se em
Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) por meio da Lei nº 11.155, de 29
de julho de 2005, publicada no Diário Oficial da União no dia 01 de agosto de 2005. É
uma universidade de tradição na área de agronomia, tendo o primeiro Curso de Pós-
Graduação stricto sensu na área de Ciências Agrárias, em Fitotecnia, em nível de
Mestrado, desde junho de 1988, bem como possui curso de Doutorado também em
Fitotecnia desde junho de 2003.
O entrevistado 15 é formado em agronomia pela Escola Superior de Agricultura
de Mossoró (1973) e tem mestrado em Fitotecnia (Produção Vegetal) pela Universidade
Federal de Viçosa (1981). Atualmente é professor aposentado da UFERSA e Presidente
no nordeste da Associação Brasileira de Biodinâmica (ABD). Atuou em Mulunguzinho
algumas vezes, ministrando cursos de formação em hortaliças orgânicas, juntamente
com discentes da UFERSA, tendo, inclusive, aprovado um projeto com financiamento
do Banco do Nordeste para desempenhar este projeto. Também ajudou a elaborar o
estatuto do grupo Decididas a Vencer. Observando a dificuldade de comercialização dos
produtos produzidos pelo grupo, foi ao Ceará observar práticas de comercialização
solidária (Rede Bodega), juntamente com discentes da UFERSA, com vistas a observar
a viabilidade de trazê-las para a região.
Em virtude do furto das bombas de água do grupo de mulheres de
Mulunguzinho, houve a construção de cisternas de 50 mil litros para armazenamento de
água para o plantio em alguns lotes do assentamento, o que enfraqueceu o trabalho
coletivo na região. Para tentar não enfraquecer o vínculo do grupo de mulheres locais,
uma parcela das envolvidas buscou o CF8 para a criação de estratégias de
fortalecimento coletivo.
Segundo o entrevistado 15, após o Centro Feminista começar a atuar na
comunidade, houve o engajamento em atividades políticas que tiravam muito as
mulheres do campo, o que teve reflexos na produtividade do grupo. A participação
política das mulheres produtoras em movimentos sociais, assim, foi um ponto de tensão
entre as expectativas dos agrônomos que apresentaram as mulheres aos sistemas
agroecológicos, uma vez que eles tinham em mente a formação de redes de
consumidores cada vez maiores, chegando a relatar, inclusive, que dialogaram com
empresas dos Estados Unidos interessadas em comprar mel, mas tais transações foram
171
inviabilizadas porque os grupos produtivos que fariam parte deste negócio venderam o
mel para a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), pois à época pagavam
cinquenta centavos a mais do que o mercado americano. Os agrônomos entenderam que
esta conduta dos produtores fragilizou a entrada nos mercados externos, e passaram a
investir os seus esforços na formação e fortalecimento das feiras locais.
Identifica-se, mais uma vez, uma tensão em torno das pretensões que os grupos
produtivos do oeste potiguar deveriam assumir: a produção orgânica teria como
finalidade crescer progressivamente com vistas a alcançar mercados internacionais ou o
objetivo era a consolidação dos grupos, a autonomia e segurança alimentar dos
produtores, gerando trabalho e renda para a população rural em contextos de
adversidade?
Da convivência com as mulheres da REDE, da participação em encontros no
CF8 e a partir dos relatos das mulheres, observa-se que a participação das mulheres em
espaços de discussão política é muito importante não somente para a reafirmação da
identidade de cada uma, mas também para a continuidade da participação de muitas nos
grupos de produção coletiva, que sofrem ciclos de muita/pouca integração das mulheres.
As marisqueiras do distrito de Pernambuquinho, em Tibau, Mossoró (RN), por
exemplo, relatam que ir pescar marisco em grupo é importante para elas, porque uma dá
força à outra, além de que os maridos quando sabem que elas vão em grupo ficam mais
tranquilos (embora este excesso de cuidado possa ser, em verdade, uma forma de
controle).
Outro episódio interessante diz respeito a uma equipe técnica que veio prestar
assessoria a um grupo produtivo da região e um dos técnicos foi substituído pela
entidade executora por provocação das mulheres, em virtude de comportamento sexistas
e desrespeitosos.
Assim sendo, o envolvimento das mulheres em alguns espaços de participação
política, além de ser o exercício de uma liberdade que gera desenvolvimento (pessoal,
profissional, comunitário), as envolve em discussões que giram em torno de questões
que lhes são caras, tais como sobre o uso racional dos recursos naturais, o resgate das
sementes crioulas, a violência doméstica, o planejamento familiar, dentre outros. Este
contexto provocou o CF8 a incluir no seu quadro de empregados uma profissional na
área de agronomia, uma vez que a partir do envolvimento desta profissional nas
atividades do centro, haveria mais coerência com as decisões políticas desta entidade,
172
fazendo com que o público-alvo passasse a ser atendido de forma mais congruente com
os interesses do CF8.
Por outro lado, houve um distanciamento dos agrônomos que participavam da
formação dos grupos produtivos em sistemas agroecológicos, os quais passaram a se
dedicar na criação de feiras orgânicas locais. Segundo R.B, essa iniciativa tem
repercussões positivas na dinâmica das economias locais dos municípios, e não impede
que aqueles produtores que quiserem trabalhar com outros parceiros realizem este
diálogo. Por isso, foi um dos fundadores da Feira da Agricultura Orgânica de Mossoró,
existente há cerca de dez anos, uma proposta fomentada pelo Serviço Brasileiro de
Apoio à Micro e Pequena Empresa (SEBRAE). Essa feira rcorre todos os sábados, das 5
às 9 horas da manhã, na praça do museu, no centro da cidade. Os frequentadores da
feira elogiam muito a qualidade dos produtos e a organização, mas afirmam que seria
melhor se a feira pudesse ser em um horário um pouco mais tarde, entretanto isso
dificultaria a logística dos produtores/as.
Quando o SEBRAE procurou o entrevistado 15 para a organização da feira, ele
encaminhou os técnicos para a Rede Xique Xique, uma vez que tal entidade já estava há
mais tempo neste processo. Contudo, a Rede não demonstrou interesse, pois alega que a
comercialização que estimulava deveria ser coletiva, via Rede, não individualmente em
feiras. Desse modo, o entrevistado 15, vendo, segundo ele, que os produtores/as tinham
vontade, mas não tinham técnica, reuniu alguns produtores/as, muitos também
fornecedores da Rede, e começou a orientá-las quanto ao código de condutas técnicas, e
a partir daí a feira começou a funcionar.
O SEBRAE forneceu vários instrumentos de irrigação para hortaliças e frutíferas
e passou 2 anos fazendo assistência técnica à Associação dos Produtores/as da Feira
Agroecológica de Mossoró (APROFAM). O Banco do Brasil e a Petrobrás também
participaram do financiamento para o custeio da implantação do Sistema de Produção
Agroecológica Integrada e Sustentável (PAIS), nacionalizando o sistema mandalla de
produção, de origem africana45
.
45
Segundo o idealizador do Sistema Integrado de Produção Mandalla ou Projeto Mandalla, o
administrador Willy Pessoa, ele desenvolveu esta proposta há cerca de trinta anos e não tem nenhum
vínculo com a esfera política, nem é partidário de nenhuma ideologia econômica, social ou política em
particular. O projeto é voltado para os indivíduos e a coletividade dentro de uma perspectiva altruísta,
benevolente e comunitária: “A nossa missão como uma organização da sociedade pública sem fins
lucrativos é justamente ajudar aos governos – seja que governo for, seja que partido for -, e
principalmente ao partido que nos interessa, esse partido chamado Brasil. A partir daí, começar a criar
uma semente de que nós somos responsáveis por nós mesmos e pelos outros.”. (Disponível em: <
173
Mandala, palavra de origem sânscrita que significa círculo, universalmente
representa a harmonia e a integração. O sistema mandalla de produção estabelece
estrutura circular de plantio, e propõe a diversidade da atividade agrícola. São, em
média, nove círculos interdependentes, além do lago no meio, que serve para o cultivo
de peixes (MARIUZZO, 2007).
Além de produzir alimentos voltados à subsistência das famílias, esse sistema
auxilia na geração de renda aos moradores de áreas rurais de pequeno porte e estimula a
produtividade em grupo entre os agricultores. Funciona da seguinte maneira
(PENSAMENTO VERDE, 2014):
• No centro do sistema agrícola mandalla é construído um reservatório
de água com formato circular, com capacidade média de 30 mil litros.
Ele serve para irrigar a plantação e também é destinado para a criação
de peixes e aves, cujo esterco serve de adubo e a água é distribuída
com a ajuda de uma bomba elétrica.
• Em seguida, vêm os três primeiros anéis, os chamados Círculos de
Melhoria da Qualidade de Vida Ambiental. Eles são destinados para o
cultivo de hortaliças e plantas medicinais.
• Os círculos seguintes, chamados de Círculos da Produtividade
Econômica, são reservados para o plantio de milho, feijão, abóbora e
frutíferas, por exemplo.
• O Círculo do Equilíbrio Ambiental, o último da mandalla agrícola,
serve para construir cercas vivas e quebra-ventos. Assim, ajudará a
melhorar a produtividade e também servirá de alimento para os
animais.
Figura 18 Sistema Mandalla.
Fonte:https://www.epochtimes.com.br/sistema-mandalla-projeto-auto-sustentavel-promissor-para-
brasil/#.WBk4iy0rKM8.
https://www.epochtimes.com.br/sistema-mandalla-projeto-auto-sustentavel-promissor-para-
brasil/#.VwnszvkrKM8>. Acesso em 10 abr 2016).
174
Nesse sistema de produção, o controle de pragas do plantio é realizado com o
auxílio de galinhas, soltas no meio do canteiro, que consomem os insetos existentes. O
custo médio de implantação do sistema de mandalla agrícola é de aproximadamente R$
4 mil e pode ser construído em espaços reduzidos. Entretanto, antes de iniciar o
processo, é importante avaliar as condições do solo para identificar quais são as
necessidades de correção e quais plantas e hortaliças são melhores para cultivar na área
(PENSAMENTO VERDE, 2014).
Acerca da atuação da Rede, o Professor R.B. afirma que legalmente os alimentos
comercializados por ela não podem ser considerados orgânicos, pois a legislação
vigente exige que haja certificação, o que não ocorre com os produtos comercializados
via Rede. Reconhece, porém, que a Rede é pioneira, pois as mulheres têm uma
capacidade para o trabalho muito grande e romperam várias barreiras, inclusive de
gênero. Enfatiza, porém, o entrevistado 15: “sou um grande defensor das da
comercialização livre, em feiras. Elas promovem a ocupação de praças e espaços
públicos, contribuem para uma maior dinamização da economia local e não exigem
burocracias para o seu funcionamento.”.
3.3.3 O trabalho da Organização Não Governamental Visão Mundial
A Visão Mundial fez interlocução com Mulunguzinho por meio de um técnico, o
entrevistado 13, que possui graduação em Agronomia pela ESAM (1995) e
especialização em Agricultura Biodinâmica, Agroecologia e Economia Ecológica, pelo
Instituto ELO de Economia Associativa e Universidade de Buenos Aires, UBA,
Argentina. Atualmente trabalha como auditor de agricultura orgânica, com a
certificação de produtos.
Também contribuiu com o grupo Decididas a Vencer, de Mulunguzinho,
mobilizando o coletivo para trabalhar com agricultura orgânica. Trabalhou também para
mobilizar um grupo de 40 pessoas, dentre elas funcionários das Universidades da
região, da Caixa Econômica Federal, do Banco do Brasil, para criar um mercado
consumidor para o grupo Decididas a Vencer. Montou enquete para entender o consumo
das famílias e organizou encontros de produtoras e consumidores para apresentar as
demandas recíprocas. Segundo relata, para financiar o trabalho do grupo Decididas a
Vencer, ficou acordado que haveriam 3 meses de investimento dos consumidores para a
175
aquisição de insumos pelo grupo e, à medida que a produção fosse ocorrendo haveria o
pagamento retroativo em produtos.
As primeiras colheitas começaram a ser entregues via cestas de hortaliças e o
entrevistado 13 passou a buscar meios de financiamento para criar um sistema de
comercialização, de modo a fazer com que o grupo não recorresse a atravessadores.
Nesse contexto, a organização não-governamental Visão Mundial, que já fazia um
trabalho com crianças na periferia de Mossoró e de outros município do Estado,
demonstrou interesse em ajudar na formação de uma loja de produtos da agricultura
família, já que muitas mães dos adolescentes e crianças atendidos pela ONG ficavam
obsoletas, enquanto os seus filhos realizavam as atividades promovidas pela entidade,
sendo grande parte dessas mulheres da zona rural, que habitam na periferia de Mossoró
em busca de melhor qualidade de vida.
O entrevistado 13 afirma que a Lei 10831/2003, que regulamenta a certificação
de produtos orgânicos, passou a exigir a certificação dos produtos agroecológicos, o que
gerou muito conflito, pois exige que todo produto orgânico use um selo – o SisOrg.
Segundo a legislação, quem não tem o selo de produção orgânica somente pode
comercializar via venda direta, e não pode vender os seus produtos como orgânico em
políticas públicas ou vender para pessoa jurídica. O entrevistado 13, tal como o seu
professor (entrevistado 15), acredita que a Rede não soube dosar bem a sua participação
política e as suas atividades produtivas, e, conforme o seu ponto de vista, muitos
filhos/as de produtores tem saído da zona rural porque entendem que o trabalho com
orgânico não é lucrativo. Entende, ainda, que a Rede ainda sobrevive por conta de
financiamentos externos e de políticas públicas, não a entendendo como um ente
autossustentável, de modo que a mudança de governo ou a descontinuidade de políticas
pode ter impacto significativo na existência da entidade.
Com relação à participação política dos grupos produtivos, é importante afirmar,
ainda, que, de fato, as pessoas envolvidas atualmente na gestão da Rede Xique Xique
não produzem e nem sequer residem mais em Mulunguzinho. Costumam ir para o
assentamento aos finais de semana, sobretudo porque ainda possuem lote no
assentamento. Dessa forma, identifica-se que a Rede e as atividades políticas correlatas,
em alguns casos, retiraram a autossustentação de determinadas mulheres, que antes
tinham na terra ou nas abelhas as suas fontes de renda, e atualmente dependem dos
projetos, financiamentos e comercialização da cooperxique, não obstante a atuação
política das mulheres da Rede visar os investimentos públicos na área que atuam, de
176
modo que esta atividade também deve ser vista como importante para o semiárido e
para as mulheres da zona rural.
No que diz respeito à dificuldade de autossustentação da REDE, observa-se que
há sinais de que a sua arrecadação não é suficiente para arcar com as despesas fixas,
tanto de manutenção, como de pessoal. Tal questão, inclusive, já foi objeto de
provocação em algumas intervenções da pesquisadora na REDE, sobretudo no que diz
respeito à uma maior eficiência no controle das receitas e despesas da entidade.
Recentemente, inclusive, em razão das instabilidades políticas e econômicas do país,
alguns projetos dos quais a REDE participava foram encerrados, o que gerou a decisão
da entidade de não mais fazer entregas das cestas de produtos em domicílio, de modo
que as pessoas que encomendam produtos devem ir buscá-los na sede da entidade.
Outra preocupação suscitada é a falta de envolvimento dos filhos dos produtores
da Rede na atividade rural, já que se observa que muitos dos adolescentes da zona rural
têm o discurso de ir estudar e trabalhar em Mossoró. As pessoas que participam mais de
perto das atividades da REDE, como a entrevistada 2, uma das coordenadoras e L.,
responsável pela parte administrativa, moram em Mossoró juntamente com os seus
filhos. As mulheres do assentamento relatam que seus filhos pretendem sair do
assentamento, e nos encontros do conselho gestor há pouca participação de jovens. Em
um determinado encontro, todavia, conversei com um jovem produtor que é estudante
do curso técnico em agroecologia, no Instituto Federal do Rio Grande do Norte, em
Ipanguaçu (autorizado pela Resolução Nº 38/2012-CONSUP/IFRN, de 26/03/2012), o
que evidencia o entendimento do poder público da necessidade de interiorizar cursos
técnicos e superiores, a partir das potencialidades de cada território.
O entrevistado 16, filho de um carpinteiro e de uma professora primária do
semiárido do Rio Grande do Norte, é formado em Agronomia pela UFERSA e
atualmente docente na UFRPE. Destaca a importância de políticas públicas para a
juventude rural, especialmente a partir da reelaboração de um currículo escolar
regionalizado, que valorize as características e potencialidades locais. Defende a
importância, igualmente, da disponibilização de alternativas de meios de vida não
necessariamente agrícolas para os jovens do campo, de modo que se faculte aos filhos
de agricultores que não queiram exercer atividade rural ou que tenha outros tipos de
habilidades, a ter outras alternativas profissionais.
No município de Mossoró, como em vários outros do país, há uma proposta
pública de criar um centro de comercialização da agricultura familiar, mas R.M. entende
177
que o melhor seria fortalecer as feiras nas diversas localidades do Estado, pois a criação
de um centro pode misturar agricultores que trabalham com princípios diferentes, e tirar
a credibilidade daqueles que trabalham de forma orgânica.
Entende, ainda, que a seca é um fenômeno natural, mas que existem técnicas de
convivência com o semiárido. Só que, mais que isso, é preciso difundir técnicas de
convivência com a chuva também, com o estoque de sementes, alimentos, água e feno46
;
silagem47
e forragem48
.
3.3.4 O Centro Terra Viva
O Centro Terra Viva é uma associação civil de direito privado, que não possui
fins lucrativos e atua em assessorias técnica e gerencial de entidades do semiárido
norteriograndense. Assume o objetivo de ajudar no desenvolvimento sustentável local,
utilizando-se de tecnologias alternativas para incentivar práticas agroecológicas e
solidárias. Constituída em 03 de outubro de 1997, por proposição de um grupo de
profissionais de formação multidisciplinar, a Terra Viva buscou ao longo dos seus quase
20 anos de existência fomentar ações calcadas em metodologias sintonizadas com as
demandadas dos assentamentos de reforma agrária e comunidades rurais, a partir de
diversos programas e projetos de assessoria técnica e capacitação direcionados para
esses atores. As ações desta organização, porém, vêm priorizando os municípios do
oeste potiguar, como Apodi, Upanema, Janduís, Governador Dix-Sept Rosado e
46
O feno é obtido mediante a exposição ao sol e ao ar da planta cortada, que sofre dessecação lenta e
parcial, de modo que a sua taxa de umidade, originalmente de 60 a 85%, seja reduzida para teores entre
10 e 20%, com perda mínima de nutrientes, maciez, cor e sabor. O bom feno é palatável, nutritivo e ótima
fonte de vitaminas A e D. Em virtude da sua concentração, um quilo de feno pode substituir três quilos de
silagem de milho ou sorgo ou de forragem verde (Disponível em:
<http://fenosantahelena.com.br/plus/modulos/conteudo/?tac=feno-e-fenacao>. Acesso em 03 abr 2016). 47
Silagem é o produto oriundo da conservação de forragens úmidas (planta inteira) ou de grãos de cereais
com alta umidade (grão úmido) através da fermentação em meio anaeróbico, ambiente isento de oxigênio,
em locais denominados silos. A silagem de planta inteira (volumoso energético) é um alimento distinto da
silagem de grão úmido (concentrado energético). Portanto, são alimentos complementares e não
substitutivos. Na alimentação de ruminantes (bovinos de leite e de corte, bubalinos e ovinos), a silagem
de grãos úmidos, por ser uma alternativa de um alimento com concentrado energético, complementando a
silagem de planta inteira, que é o volumoso, resulta em uma dieta eficiente e de menor custo. Na
alimentação de monogástricos (suínos, aves e equinos) a silagem de grão úmido substitui total ou
parcialmente os grãos de cereais, que tradicionalmente são conservados na forma de grãos secos
(Disponível em: <http://www.sementesagroceres.com.br/pages/Silagem.aspx>. Acesso em 03 abr 2016). 48
Cultivo de espécies de vegetação, natural ou plantada, que cobre uma área e é utilizada para
alimentação de animais, seja ela formada por espécies de gramíneas, leguminosas ou plantas produtoras
de grãos (Disponível em: <
http://www.mma.gov.br/estruturas/sqa_pnla/_arquivos/glossrio_bndes_textodoc_46.pdf>. Acesso em 14
nov. 2016)
178
Mossoró. Contudo, alguns projetos da entidade se expandiram para municípios
vizinhos, tais como Carnaubais, Porto do Mangue, Grossos, Upanema e Baraúna
(TERRA VIVA, 2016). Em ambos os casos, a organização produtiva das comunidades é
fruto da organização dos movimentos sindicais da região, bem como da Comissão
Pastoral da Terra do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem Terra (MST),
que resultou no assentamento de várias famílias, e chegou inclusive a criar um curso de
pedagogia para assentados na região, com apoio do poder público.
Sob uma perspectiva política, ideológica e gerencial, houve uma reestruturação
do quadro de cooperados(as) da entidade, visando uma maior atuação junto a entidades
do terceiro setor, bem como a formalização dos vínculos empregatícios dos
trabalhadores da entidade. A Terra Viva, a partir da necessidade de rediscutir a sua
personalidade jurídica, influenciada pelas suas parcerias, alavancou um processo de
discussão interna que culminou na transformação da sua estrutura jurídica de
cooperativa para a criação do Centro de Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura
Familiar – TERRA VIVA, uma associação civil de direito privado, sem fins lucrativos,
atuando em áreas temáticas vinculadas ao desenvolvimento sustentável do semiárido,
especialmente nos municípios de Apodi e Mossoró, embora a sua ação se estenda aos
demais municípios do médio-oeste do Rio Grande do Norte (TERRA VIVA, 2016). O
escopo é, além de viabilizar convênios, de respeitar legalmente as garantias sociais dos
seus empregados.
As áreas de atuação da Terra Viva têm sido o apoio ao desenvolvimento local
via capacitação em temas como gênero e de renda; o incentivo à prática agroecológica;
o uso de tecnologias alternativas e a comercialização dos produtos da agricultura
familiar (TERRA VIVA, 2016).
O Terra Viva iniciou as suas atividades na região prestando assessoria rural em
assentamentos a partir do projeto LUMIAR49
. Destacou-se na região, ademais, pelo
Programa de Desenvolvimento de Área (PDA), da ONG Visão Mundial, cujas ações
têm o compromisso de gerar condições econômicas e sociais para a
autossustentabilidade e para o desenvolvimento integral da comunidade. O programa
tem vida útil média de 10 a 15 anos. Ele pode abranger áreas urbanas e rurais e envolver
várias comunidades de uma mesma região, urbanas ou rurais. O programa iniciou no
semiárido com um diagnóstico, feito pela equipe da Visão Mundial, que identifica e
49
Projeto de assistência técnica aos assentamentos, desenvolvido pelo INCRA em parcerias com
organizações e associações do país desde a década de 90.
179
avalia as necessidades das famílias para, juntamente com a comunidade, definir os
projetos que serão implementados. O PDA dá apoio aos grupos que estão mais
vulneráveis nos âmbitos social e econômico, sempre com foco nas crianças e
adolescentes. São aplicadas iniciativas que buscam reduzir as desigualdades, promover
a inclusão social, desenvolver o protagonismo comunitário e estimular a vida
associativa, com objetivo de contribuir e alcançar o bem-estar das crianças e
adolescentes (TERRA VIVA, 2016).
Na execução deste programa, a Terra Viva prestava assessoria em produção,
com o apoio de agrônomos, veterinários e assistentes sociais, bem como realizava
capacitações, a partir das potencialidades identificadas em cada território, além de
fomentar a formação de grupos produtivos. Segundo a assistente social da Terra Viva, a
entrevistada 30, os veículos dos PDA‟s durante muito tempo ajudaram no transporte de
produtos dos/as agricultores/as regionais para serem comercializados nas feiras locais e
em Mossoró. A entidade trabalhou, ainda, na elaboração de estatutos, no seu registro em
cartório, na eleição da primeira diretoria e, à medida que os grupos iam se tornando
autossuficientes, deixava os coletivos assumirem autonomamente as suas necessidades e
desafios.
Logo os grupos começaram a se reunir para a produção de hortas orgânicas, mas
tinham dificuldade na comercialização. A partir de então, a Terra Viva, em parceria com
outras pessoas e entidades, pensou num projeto para comercialização, envolvendo
produtores da região. Fez-se um projeto de criação de uma loja de comercialização, o
qual foi apresentado à Visão Mundial, que decidiu financiar a implantação da loja da
Rede, com base na previsão orçamentária do projeto, pelo período de um ano. Ao final
deste prazo, a ONG Visão Mundial deixou de financiar o projeto e a Rede Xique Xique
que passou a arcar com custos que até então não tinha. Aos poucos a Rede vem
conseguindo financiamentos de entidades parceiras e políticas públicas que auxiliam a
sua manutenção.
A assistente social e fundadora do Centro Terra Viva, C.M., a esse respeito,
entende que é importante a Rede lutar pela sua autossuficiência, a fim de que tenha uma
maior autonomia, além de conferir mais segurança aos seus membros.
Atualmente, segundo dados da Terra Viva, a Rede possui em média 60 grupos
associados, beneficiando diretamente cerca de 600 produtoras/es e indiretamente mais
de 2.000 pessoas. Dentre as entidades que se articulam com a Rede, destacam-se:
180
Rede de Economia Solidária e Feminista
(RESF)
SENAES – Secretaria Nacional de
Economia Solidária
Centro Feminista 8 de Março UFERSA – Universidade Federal Rural
do Semiárido
AACC – Associação de Apoio às
Comunidades do Campo
ASA – Articulação Semiárido Brasileiro
SETHAS – Secretaria de Turismo,
Habitação e Assistência Social
SDE – Secretaria de Desenvolvimento
Econômico
Fórum Potiguar
Sindicato dos Trabalhadores e
Trabalhadoras Rurais do Oeste Potiguar
Organização Não Governamental Instituto
Florestan Fernandes de Formação da
Cidadania e do Desenvolvimento Humano
Secretaria Municipal de Agricultura e
Abastecimento de Mossoró
Coordenação Oeste de Mulheres
Trabalhadoras Rurais Quadro 14 A Rede Xique Xique e suas redes sociais.
Fonte: Elaboração da Autora, 2016.
Observa-se que a Rede Xique Xique foi criada com o objetivo de facilitar e
formalizar a comercialização dos produtos das/os agricultoras/es do oeste potiguar. Ao
mesmo tempo, uma das coordenadoras da REDE afirma que os grupos de produtores/as
de Mossoró, Apodi, Governador Dix-sept Rosado e Baraúnas, que participaram da
idealização e formação da rede não queriam só um espaço para vender a produção. “A
gente queria algo que tivesse um elo; que se preocupasse desde à produção, à formação
e à comercialização”.
Tal entidade se originou do trabalho de um grupo de mulheres que se articulou
com outros movimentos sociais, tais como, sindicatos de trabalhadores locais e
entidades de apoio aos produtores/as, e se constituiu a partir da identificação, por
entidades de apoio, com experiências de outros coletivos, cooperativas e grupos de
comercialização do Brasil, tal como a Rede Bodega de Economia Popular Solidária50
do
Ceará. É nítido, inclusive no próprio discurso das mulheres da Rede, que foi decisivo o
suporte e incentivo do Centro Feminista 8 de Março de Mossoró, que atualmente tem
sua sede próxima à atual sede da Rede Xique Xique. Embora não exista um censo que
precise quantas pessoas comercializam por meio da Rede, ela não se restringe apenas às
50
Rede Bodega de Economia Popular Solidária - A Rede Bodega iniciou a sua estruturação em 2004,
reunindo empreendimentos nos territórios e entornos de Fortaleza, Aracati, Tianguá e Limoeiro do Norte,
nas cooperativas Bodega Nordeste Vivo e Solidário, Budega do Povo, Budegama e Arcos. Com
assistência técnica da Cáritas Brasileira Regional Ceará, hoje há em torno de 50 grupos produtivos
produzindo horta orgânica, quintal produtivo, pequenos animais, mel, artesanato, mudas nativas e
frutíferas, beneficiamento de frutas, entre outras atividades. (Disponível em: <
http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/3907/1/bmt50_econ03_aexperiencia.pdf>. Acesso em 1
abr. 2016).
181
produtoras rurais (cerca de 50% do total), mas quem se relaciona com a rede percebe
que as discussões feministas são referência para a entidade. Há, sem dúvida, relações
patriarcais entre as participantes e suas respectivas famílias, afinal, são produtos de uma
cultura histórica. Mas há, igualmente, consciência dos participantes da Rede de que os
papéis sociais assumidos pelas mulheres precisam ser cada vez mais ampliados.
Em relação à atual participação do grupo Decididas a Vencer na REDE, observa-
se um processo de desarticulação (embora isto não seja afirmado ou sequer confirmado
pela REDE), pois as suas idealizadoras, em sua maioria, estão aposentadas como
trabalhadoras rurais, e os seus descendentes têm preferido residir em áreas urbanas,
terem empregos com carteira assinada, sobretudo em virtude do padrão educacional
vigente no Brasil, voltado para a valorização do meio urbano. Tal constatação foi feita a
partir da limitação dos produtos provenientes de Mulunguzinho para serem
comercializados pela REDE. Fica claro que se a REDE fosse comercializar
exclusivamente produtos deste assentamento ela não conseguiria custear as suas
despesas. Embora a intenção da criação da REDE não tinha o objetivo de comercializar
produtos exclusivos de qualquer assentamento, a pretensão era que o grupo Decididas a
Vencer fosse fortalecido com a sua criação, o que não ocorreu. O mel é o único bem
ainda produzido coletivamente em Mulunguzinho, sobretudo por não exigir uma
dedicação diária das produtoras. A maioria das mulheres que vive no assentamento
ainda produz, a partir de princípios agroecológicos, de forma individual, nos quintais.
As mulheres que assumiram a liderança da rede, porém, enfatizam a importância
do envolvimento dos cooperados e da necessidade do compartilhamento das
responsabilidades da Rede. A entrevista 2, afirmou, a esse respeito, que “seria bom se as
cooperadas e os cooperados se envolvessem mais nas atividades da Rede, pois tem
produtor e produtora que manda os produtos por carro alternativo, para não ter o
trabalho de sair da sua casa e vir deixar o que produziu aqui.”.
Embora se observe que não há uma perspectiva concorrencial entre os membros
da Rede, o que a qualifica e aproxima da lógica da EcoSol, ainda há necessidade de
fortalecimento da perspectiva de que cada cooperado é sócio da Rede, o que induz a
necessidade de participação direita e ativa nas decisões e rotinas administrativas.
Observa-se, nesse sentido, a necessidade de desenvolvimento de um maior senso de
coletividade entre os indivíduos eu a compõe. Ademais, há o crescente anseio por
independência em relação aos projetos e financiamentos públicos, o que reafirmam a
182
importância da consolidação da Rede, uma vez que representa um espaço autônomo de
fortalecimento do feminismo, da EcoSol e da agroecologia.
Vê, pois, que ao encampar as propostas da EcoSol, observa-se que a Rede busca
uma maior auto-organização das mulheres, sobretudo com o apoio de outras redes, o
que favorece ao intercâmbio de demandas, propostas e ações políticas. A agroecologia,
nesse contexto, além de garantir renda com pouco impacto ambiental, vem subsidiando
discussões em torno da necessidade de maior segurança alimentar para as/os
produtoras/es e às comunidades do entorno; o feminismo, em meio a avances e
retrocessos, tem levado as mulheres a terem mais autonomia, participando de forma
mais ativa de espaços tradicionalmente restritos à atuação feminina.
3.4 Quais as contribuições do feminismo, da agroecologia e da EcoSol para o
semiárido potiguar?
O predomínio desses padrões androcêntricos fomentaram valores baseados em
interações sociais invariavelmente desvantajosas para as mulheres, que vêm sendo
contestadas e desconstruídas de modo progressivo – em meio a períodos de avanços e
outros de retrocesso. Várias iniciativas têm favorecido para um maior reconhecimento e
uma maior representatividades das mulheres, a exemplo da agroecologia e da EcoSol: a
agroecologia por sugerir a reconfiguração de interações humanas tradicionalmente
exploratórias, na medida em que “oferece bases para a modificação dos sistemas de
produção que causam degradação social e ecológica, por meio do desenho ou redesenho
de sistema, dentro do conceito de sustentabilidade (EMBRAPA, 2006, p. 26)”; a
EcoSol, por provocar uma reconfiguração das relações humanas, reconhecendo todas as
potencialidades produtivas das mulheres, bem como por se fundar em propostas de
caráter pedagógico que abarcam desde a reavaliação da postura das mulheres no âmbito
familiar à inserção das mulheres nos debates e espaços políticos.
A compatibilidade das experiências da Rede com as propostas do Feminismo, da
EcoSol e da Agroeocologia, pode ser analisada a partir dos critérios definidos,
respectivamente, por Mance (1999), Lisboa (2000) a Altieri (2000). Adicionalmente,
para o reconhecimento de experiências compatíveis (ou não) com a indagação central
desta tese, serão retomadas as ideias de desenvolvimento de Sen (2009), entendidas
como diretrizes fundamentais para orientar experiências alternativas de
desenvolvimento.
183
Quanto ao cumprimento dos pressupostos que orientam os princípios da EcoSol,
Mance (1999) identifica os seguintes: que não haja exploração do trabalho; que exista o
compromisso com o equilíbrio dos ecossistemas; que seja realizada a comercialização
dos excedentes produzidos para a expansão da própria rede; que haja espírito de
cooperação e colaboração para a autogestão dos meios e a autodeterminação dos fins.
Em contextos de vulnerabilidade, tal como no semiárido, as práticas capitalistas –
excludentes e exploratórias por serem baseadas num eixo estruturador concorrencial de
relações sociais, embora hegemônica - não vem consistindo na única alternativa
econômica de produção. Isto porque foram identificadas experiências produtivas
baseadas no trabalho coletivo, a exemplo do trabalho das mulheres da associação de
marisqueiras de Grossos (RN), onde a coleta, o processamento e o beneficiamento é
feito por um grupo de seis mulheres (em média), as quais compartilham os ganhos
obtidos. Esta constatação evidencia que os grupos produtivos da região semiárida,
especificamente os que compõem a Rede Xique Xique, praticam um trabalho que não
recorre a formas exploratórias de relações, sobretudo porque não existe a figura do
patrão/empregador, já que as relações que têm sido formadas são de coordenação, não
hierárquicas. Cumpre destacar, ainda, que também não foram identificadas relações
exploratórias da comercialização dos produtos vendidos na rede, já que os preços
praticados são compatíveis com os de mercado e as/os produtores da Rede evitam
recorrer à figura do atravessador.
Vários relatos obtidos na pesquisa de campo evidenciam a disposição das
mulheres para o trabalho coletivo a partir da lógica da EcoSol:
Entrevistada Relatos das entrevistadas demonstram a
assimilação de princípios da EcoSol
Entrevistada 2 “A gente não queria só um espaço para
comercializar o excedente. A gente queria
algo que tivesse um elo; que se preocupasse
desde à produção, à formação e à
comercialização”.
Entrevistada 20 “Se Deus quiser a Rede vai crescer muito
ainda. Não cresceu mais porque ainda tem
gente que na hora da necessidade negocia com
atravessador, mesmo sabendo que vão ser
explorado”.
Entrevistada 19 “Em tempo de verão, quando as casas estão
cheias, muitas mulheres se afastam do
beneficiamento do pescado, e isso enfraquece
184
a cooperativa. Às vezes, trabalham o mês todo
pra ganhar 200 reais”.
Quadro 15 Relato das entrevistadas demonstram a assimilação de princípios da EcoSol
Fonte: Elaborado pela autora
Observa-se, ainda sobre a adesão à lógica da EcoSol, que as agricultoras
familiares, os grupos informais e as cooperativas da região também demonstram
sensibilidade para a preservação dos ecossistemas e dos recursos ambientais. É
recorrente no discurso das entrevistadas o orgulho de não utilizarem “veneno”, tanto
porque consomem os produtos que cultivam, como em razão da qualidade dos produtos
comercializados e da preservação da terra para o futuro uso pelos herdeiros, o que
reflete um processo de conscientização, decorrente de políticas educativas realizadas em
formações promovidas por entidades públicas e privadas.
A adesão à proposta da Rede por parte das produtoras/es rurais evidencia a
intenção de vender excedentes por meio desta entidade. É comum, porém, muitas
produtoras mandarem produtos a mais do que a rede mobiliza, a fim de que, caso o
produto seja vendido, aquele valor seja revertido para a Rede. Quando da realização de
diálogos informais com as cooperadas da cooperxique, todas manifestaram a
concordância da Rede acrescer 15% ao preço recebido pelo produtor para se
autossustentar. Essas posturas revelam a preocupação e a contribuição dos membros da
Rede com a sua própria expansão.
Quanto à autodeterminação dos fins da Rede, bem como à gestão cooperada dos
meios, embora existam cooperadas/os diretamente envolvidas/os no trabalho, identifica-
se a necessidade de maior participação e envolvimento dos seus participantes em
espaços de articulação e deliberação coletiva. A entrevistada 18, por exemplo, é
cooperada da COOPERXIQUE e residente em um assentamento localizado no
município de Upanema (RN), além de produzir leite, queijo e hortaliças na sua
comunidade, às sextas-feiras pega um transporte alternativo para deixar os bens
produzidos na região, e fica até o final da feira da Rede, a fim de ajudar no atendimento
dos consumidores e no recebimento de produtos levados pelos produtores/as. Há
produtores, entretanto, que se limitam apenas a mandar o que produzem, mas não têm
contato cotidiano com a Rede. Aquela postura demonstra o espírito de cooperação e
colaboração que a Rede precisa para funcionar plenamente, mas ainda é perceptível a
necessidade de um maior investimento na formação dos produtores em relação à
necessidade de maior participação da gestão da Rede. Isto viabilizaria, inclusive, que as
185
coordenadoras da Rede produzissem com maior constância, não as distanciando das
atividades do campo, da condição de agricultoras.
Diante deste contexto, observa-se que as/os produtoras/es do semiárido potiguar
vinculados à Rede Xique Xique têm recorrido a práticas fomentadas pela EcoSol, que
vem se traduzindo numa lógica alternativa à hegemônica potencialmente executável e
que tem contribuído para uma proposta de desenvolvimento alternativo do semiárido.
Em determinadas situações, porém, ainda se identificam posturas de dependência entre
produtores e Estado que as lideranças da Rede não têm contribuído para minimizar, o
que desvirtua as práticas e os rumos que se buscou tradicionalmente alcançar.
Todavia, mesmo com a ausência de centralidade das políticas de EcoSol e das
dificuldades de sua consolidação em face das burocracias e da dimensão continental do
país, diante das potencialidades de geração de bem-estar em contextos de
vulnerabilidade, é imprescindível que Estados e municípios da Federação internalizem
políticas de estímulo à EcoSol. O Brasil ainda não usufrui plenamente do potencial
revolucionário de empoderamento que a EcoSol nutre, da capacidade emancipatória das
iniciativas autogestionadas, cooperadas, associadas, essenciais para a promoção de uma
cidadania mais ativa. Tal contexto termina por atrasar o processo de fortalecimento e de
consolidação das instituições e organizações do país que se destinam a esta alternativa
de produção, primeiras ameaçadas em momentos de crise. É, portanto, essencial
reconhecer a EcoSol como estratégia de fortalecimento comunitário, de dinamização
das economias locais, de crescimento socioeconômico em que o social predomine.
Trata-se, assim, de uma proposta de desenvolvimento endógeno, solidário, sustentável e
justo, capaz de viabilizar a capacidade de cada indivíduo exercer livremente todas as
prerrogativas que lhes são inerentes.
No que se refere ao empoderamento das mulheres, segundo Lisboa (2000), para
ele se realizar é preciso a expansão da capacidade de escolha das decisões que
permeiam a vida de cada mulher; o autogerenciamento; a atuação em contexto onde a
capacidade de atuação das mulheres era negada; a plena cidadania. A ONU Mulheres,
ratificando esta perspectiva, estabeleceu como princípios de empoderamento, dentre
outros, o tratamento de todas as mulheres e homens de forma justa no trabalho; a
promoção de educação, capacitação e desenvolvimento profissional para as mulheres; o
apoio ao empreendedorismo das mulheres.
As mulheres do semiárido potiguar, após contato com sindicatos rurais, ao
decidirem se auto-organizarem para produzir e comercializar os bens cultivados,
186
demonstram uma disposição para autogerenciarem as suas vidas, a princípio por meio
do grupo “Decididas a Vencer”, depois com a criação da Rede Xique Xique de
Comercialização Solidária. Essas iniciativas demonstram um protagonismo das
mulheres na região, o qual foi potencializado em face dos relevantes movimentos
sociais, especialmente o feminista, que se estabeleceram no oeste potiguar, que
contribuíram para a expansão da capacidade de decisão das mulheres. Embora muitos
problemas sociais ainda subsistam, tais como a má-gestão da água, a precariedade de
serviços públicos de assistência social (sobretudo no meio rural), a falta de políticas
específicas para as mulheres e a descontinuidade de políticas de geração de renda no
semiárido, aliados ao machismo cultural mais incidente no campo, identifica-se o
progressivo incremento das capacidades de realização das mulheres com a criação da
Rede Xique Xique, mormente em face das redes sociais (feministas, produtivas,
ambientais) das quais elas fazem parte. Por um lado, tal contexto indica a ampliação da
consciência das mulheres acerca das suas potencialidades, por outro dificulta a
formação de consensos, sobretudo diante de mulheres de gerações diferentes. Isto pode
ter sido um dos fatores que contribuiu para a fragilização do grupo Decididas a Vencer.
Neste contexto, o Centro Feminista 8 de Março passou a acompanhar todo o
processo de auto-organização feminina no oeste potiguar, o que culminou com a
formação da Rede Xique Xique. Por esta razão, além de outras, o CF8 figura como um
essencial articulador para sustentar a luta cotidiana que as mulheres travam para que a
sua capacidade produtiva, política e social seja reconhecida. A atuação consciente em
contextos sociais onde as mulheres não participavam tem como pressuposto uma
formação política sólida, o que possibilita o reconhecimento das mulheres enquanto
cidadãs. A Rede Xique Xique, aliada às redes sociais que compõem, tem sido um
instrumento importante de fomento à expansão das fronteiras de circulação de pessoas,
produtos e serviços. A ampliação dos espaços de atuação da Rede significa, por sua vez,
a expansão dos espaços de participação das mulheres. Isto demonstra que a Rede tem
contribuído para transformar demandas femininas em propostas políticas feministas.
Observou-se, assim, um amplo protagonismo político das mulheres no semiárido
potiguar, também em razão das atividades promovidas pela Rede Xique Xique. As
articulações e formações políticas da Rede, aliadas às parcerias com diversos
movimentos sociais, vêm contribuindo para a formação de lideranças femininas na
região. Participantes da Rede são presidentes de associações de moradores em
assentamentos e demais comunidades rurais do entorno, há uma mulher eleita
187
conselheira tutelar, e outra que concorre ao cargo de vereadora no município de Grossos
(RN) nas eleições de 2016. Do relato das participantes há consenso em relação à
melhoria da qualidade de vida das envolvidas após a criação, estruturação e atuação da
Rede. Observa-se, também, o envolvimento de alguns filhos/as das participantes com
movimentos juvenis relacionados à EcoSol, entretanto ainda não se vislumbra um apoio
institucional específico para os jovens da zona rural, que, por conseguinte, não
alimentam o anseio de dar continuidade às práticas produtivas dos seus ascendentes.
No desenvolvimento da pesquisa de campo, alguns relatos evidenciam um maior
empoderamento feminino:
Entrevistada Relatos das entrevistadas demonstram
empoderamento das mulheres
Entrevistada 21 “As meninas que sabiam ler não quiseram ir
para o encontro do Sindicato, porque tinham
vergonha. Aí eu fui, mesmo sem saber ler.”.
Entrevistada 2 “O Centro Feminista é muito importante pra
nós, porque quando as mulheres estão se
afastando ele faz uma reunião, uma marcha, e
a gente se junta de novo.”.
Entrevistada 24 “Eu já nasci feminista, eu só não sabia que
era! Não gosto de depender de ninguém. Vou
plantar, colher, cuido das galinhas, faço meu
artesanato.”.
Quadro 16 Relatos das entrevistadas demonstram empoderamento das mulheres
Fonte: Elaborado pela autora
Em relação ao empoderamento feminino, portanto, observa-se que a Rede tem
contribuído para que as mulheres do semiárido potiguar tenham maior autonomia e
gerencie de modo mais independente as decisões em suas vidas. Tal constatação não
permite, porém, o reconhecimento de uma cidadania plena por parte das mulheres, dado
que ainda existem mulheres que convivem em contextos violentos, ainda se observa a
ausência de atuação do poder público em diversos contextos, o que evidencia que ainda
existem substanciais ambientes de desigualdade no campo, sobretudo em desfavor das
mulheres.
Acerca da agroecologia, como a teoria, a prática agrícola e o movimento social
(WEZEL, et all, 2009) que, a partir da ressignificação dos saberes tradicionais, otimiza
os agroecossistemas do ponto de vista sociocultural, econômico, técnico e ecológico,
188
Altieri (2000) observou uma significativa adesão e promoção dos seus princípios nas
práticas produtivas da região.
No semiárido potiguar, em face da ocupação exploratória para produção em
larga escala que tradicionalmente marca a região, a concentração de terras propicia a
manutenção e regalias das oligarquias agrárias, a partir da exploração da mão de obra
daqueles que compunham os agricultores rurais, mas que eram desprovidos de terras
férteis ou perderam suas terras por causa dos endividamentos contraídos no período da
modernização agrícola. A partir deste cenário é possível compreender a premente
necessidade de redimensionamento ou redistribuição das terras agricultáveis do país.
Os assentamentos do oeste do Rio Grande do Norte têm contado com o apoio de
organizações não governamentais e com políticas públicas para iniciar um processo de
mudança de perspectiva produtiva, para ampliação dos sistemas agroecológicos de
produção. Centrado na qualidade da produção, e na preservação dos recursos naturais, a
agroecologia tem sido progressivamente entendida pelos produtores/as da região como
um aliado no incremento da qualidade de vida, sobretudo diante da possibilidade de
concorrência em condições de igualdade com as agroindústrias que, em verdade, têm
como foco a produção em larga escala voltada para o mercado externo.
No transcurso da pesquisa de campo, as/os produtoras/produtores demonstram
reconhecer a importância de não se recorrer a instrumentos produtivos nocivos ao meio
ambiente:
Entrevistada Relatos das entrevistadas demonstram
assimilação de princípios da agroecologia
Entrevistada 2 “aos poucos a gente foi aprendendo que não
adianta ter medo e querer tirar todos os sapos
da roça, pois eles comem os grilos. Se a gente
tirasse os sapos de lá, os grilos comeriam tudo
que plantamos.”.
Entrevistada 20 “antes eu plantava hortaliça com veneno, eu
vivia com problema na respeiração. Hoje,
graças a Deus, eu sou outra pessoa.”.
Entrevistada 25 “Hoje a caatinga é para nós uma região boa.”.
Quadro 17 Relatos das entrevistadas demonstram assimilação de princípios da agroecologia.
Fonte: Elaborado pela autora
Todavia, mesmo diante da disposição dos produtores e produtoras da região,
observa-se a necessidade de maior apoio institucional das/os produtoras/es que
189
compõem a Rede, especialmente em relação à certificação dos produtos
comercializados como orgânicos, sobretudo a fim de que os agricultores e a própria
Rede possa participar de políticas públicas de aquisição de alimentos orgânicos.
Atualmente a Rede não possui certificados exigidos pela legislação que atestam o
caráter orgânico dos seus produtos, somente podendo fazer a venda direta dos produtos
que comercializa para consumidores, em face das relações de confiança estabelecidas.
O grande progresso, nessa seara, foi a assimilação e difusão da importância dos
sistemas agroecológicos de produção, discurso recorrente entre os produtores/as que
comercializam via Rede Xique Xique, sobretudo diante de atividades de extensão
promovidas pela UFERSA e organizações da região, como a ASA e a AACC. Essas
instituições realizaram formações e desenvolveram, em conjunto com as comunidades,
experiências que visam potencializar a reutilização dos recursos naturais, que têm
demonstrado ser proveitosa, a exemplo do prêmio recebido pelo Centro Feminista 8 de
Março em face do desenvolvimento de uma tecnologia social de reaproveitamento da
água doméstica na produção.
Assim, a Rede Xique Xique e suas redes sociais têm contribuído para ampliar as
posturas socioculturais e práticas econômicas das/os produtoras/es, sobretudo por meio
da difusão de técnicas ecológicas novas e do resgate de práticas das comunidades
tradicionais.
Conforme Sen (2009), o desenvolvimento está intrinsecamente ligado à
expansão das liberdades reais imanentes à condição humana. Nesse sentido, ele gera o
aumento da capacidade de realização dos indivíduos, pois o seu principal produto é o
bem-estar dos indivíduos. Igualmente, Boaventura Santos (2002) entende que uma
proposta de desenvolvimento alternativo se embasa no fomento às formas não
capitalistas de produção e consumo, e contesta a concentração de recursos e de poder.
Afasta-se, pois, de arranjos sociais empobrecidos pela alienação, pelo individualismo e
por práticas exploratórias.
A experiência política da Rede Xique Xique de buscar compatibilizar os
princípios feministas, a EcoSol e a agroecologia traduz-se numa proposta de
desenvolvimento alternativo, pois tem como principal objetivo promover o
reconhecimento social, político e econômico das mulheres enquanto sujeitos essenciais
para a construção de uma sociedade mais igual e justa, inclusive sob uma perspectiva
ambiental. A Rede Xique Xique, portanto, ao agregar iniciativas que prestigiem a
agroecologia, o feminismo e a EcoSol, tem contribuído para fomentar a expansão dos
190
espaços de participação das mulheres, consistindo numa experiência alternativa de
desenvolvimento no semiárido potiguar, na medida em que vem contribuindo para a
expansão das liberdades reais das mulheres.
Nesse sentido, observou-se que a busca feminina por maior autonomia política,
econômica, social, familiar, pode se aliar à promoção de outros valores, como o uso
racional dos recursos naturais e a construção de relações produtivas não exploratórias. A
EcoSol, ao propor a geração de renda por meio da autogestão e da preservação dos
ecossistemas, pode figurar, ao lado do feminismo e da agroecologia, como uma
alternativa de desenvolvimento economicamente viável, socialmente justa e
ambientalmente sustentável. A partir da experiência da Rede Xique Xique, pois, a
agroecologia, a EcoSol e o feminismo tem se demonstrado como importantes recursos
para o empoderamento feminino no semiárido potiguar.
191
Considerações Finais
O fomento desenfreado à lógica do produtivismo, em nome de uma perspectiva
linear e evolucionista de desenvolvimento tem como produto o reincidente desrespeito
aos direitos sociais básicos dos trabalhadores/as, além da produção de um progresso
científico e tecnológico incapaz de absorver as externalidades a que da causa.
Observou-se que a formação de redes sociais no semiárido potiguar a partir da
auto-organização de grupos produtivos tem figurado um importante mecanismo de
fomento a princípios e práticas que propõem um desenvolvimento alternativo. Isto
porque recorrem a práticas mais justas do ponto de vista ambiental, social e econômico,
tais com a agroecologia, o feminismo e a EcoSol. A agroecologia tem se destacado por
conscientizar os/as produtores sobre a relevância da qualidade dos alimentos e da
importância do uso de práticas produtivas sustentáveis; o feminismo destaca-se por
desnaturalizar as relações de gênero por meio de críticas aos papeis ocupados pelas
mulheres historicamente, sobretudo no meio rural, o que tem contribuído para o
empoderamento feminino na região; a EcoSol, por propor uma economia que provoca
inclusão social via geração de renda e fortalecimento comunitário, à luz dos princípios
da cooperação e da autogestão, fomenta relações intersubjetivas mais iguais.
A experiência política da Rede Xique Xique, ao agregar os princípios feministas,
da EcoSol e da agroecologia, tem atendido ao objetivo de gerar o empoderamento das
mulheres do semiárido, ao tempo em que tem colaborado para ampliar relações
produtivas mais sustentáveis. Por isso, a Rede se configura como um importante apoio
na ampliação da cidadania, por meio da politização dos seus integrantes e pelo resgate
de valores e relações que contestam as propostas de disposição humana e social do
capitalismo.
Há, entretanto, fragilidades das políticas públicas que fomentam iniciativas
contra-hegemônicas no Brasil, tanto por limitações orçamentárias, como pelas crises
institucionais que recorrem ao enxugamento destas iniciativas, o que denuncia as suas
fragilidades e evidencia que há potencialidades viáveis de propostas de
desenvolvimento no Brasil que ainda são subdimensionadas, tal como a EcoSol. A
descontinuidade das políticas públicas, ainda, representa outra problemática que precisa
ser superada, a fim de que os resultados alcançados sejam mais eficientes. Cumpre
destacar, ainda, que quando do planejamento e da implementação das políticas públicas,
em nível macroinstitucional, é relevante a institucionalização de iniciativas que gerem
192
empoderamento e respeitem a autonomia que deve orientar os movimentos sociais.
Observa-se, em alguma medida, no âmbito rural, sobretudo, uma expectativa de que o
poder público conceba políticas a partir de uma concepção paternalista, dada a postura
tradicional do Estado em relação à população do campo. As políticas que têm como
base a EcoSol, ao revés, têm a perspectiva de que ações públicas contemplem e
fortaleçam a autonomia dos grupos sociais, sobretudo porque entendem que as decisões
cooperadas pressupõem a ausência de dependência ou de subordinação em qualquer
nível.
A organização dos/as produtores/as e dos movimentos sociais para a
mobilização pública e institucional visando o investimento em estratégias que
convertam os indivíduos em cidadãos é elementar, sobretudo em meios adversos do
ponto de vista geográfico e, sobretudo, político. A formação de redes sociais de
colaboração mútua, igualmente, pressupõe a autonomia de cada grupo social, na medida
em que as relações intergrupais devem ser também de coordenação, de cooperação.
No caso da Rede Xique Xique, sobretudo em razão dos projetos que envolvem
financiamentos externos, há certa relação de dependência com organizações não
governamentais da região. Igualmente se observa certo nível de dependência com o
poder público, tanto que a saída do Partido dos Trabalhadores do governo exigiu maior
esforço das organizadoras da Rede na captação de consumidores, em razão do fim de
algumas políticas institucionais.
Embora tal contexto seja compreensível, dado que se trata de organizações
relativamente recentes, há de se reconhecer que é necessário o maior envolvimento dos
produtores/as na organização e decisões da Rede para o seu fortalecimento, já que é
princípio elementar da EcoSol que os membros do coletivo trabalhem para o seu
fortalecimento. Esta problemática é preocupante na Rede Xique Xique, em razão da
baixa participação dos cooperados nas suas atividades, especialmente de jovens,
especialmente face a pouca existência de jovens produtores. Observou-se que há pouca
mobilização entre os jovens rurais no sentido de dar continuidade às atividades dos seus
ascendentes, como também há baixo envolvimento nas atividades administrativas da
própria Rede, o que, a médio e longo prazo, pode fragilizá-la.
Este contexto, como mencionado, demonstra a necessidade de atuação do poder
público também na ampliação das possibilidades de geração de renda para a juventude
rural, que deve recorrer a iniciativas multidimensionais que variam da reelaboração do
193
currículo das escolas do campo à abertura de linhas de crédito específicas para jovens
do campo, com assessoramento técnico.
O fortalecimento das feiras locais é, também, uma problemática a ser discutida,
já que é importante que elas existam, uma vez que as/os produtoras/es comercializam os
seus produtos, recebem o dinheiro à vista e contribuem para a dinamização da economia
local, mas, por outro norte, ao se comercializar por meio de feiras, as/os produtores/as
têm menos produtos para comercializar via Rede. Observa-se, até então, que o público
das feiras livres não é o mesmo da Rede, posto que os consumidores da Rede alegam
que não frequentam a feira orgânica por conta do seu horário de funcionamento (de 5 às
7 horas, em Mossoró), enquanto que eles (os consumidores da Rede) podem fazer as
suas encomendas à Rede via whatssap e pegar o produto em qualquer horário durante a
sexta-feira ou no sábado – embora a quantidade de produtos comercializados seja
limitada, de modo que sempre tem pedidos que não são plenamente atendidos.
Em relação à certificação dos produtos negociados pela Rede como orgânicos,
entende-se que é relevante que ela ocorra, porque amplia as possibilidades de
comercialização da Rede e de participação de políticas públicas que visam contratar
produtos com esta qualidade. Para tanto, é basilar, tanto investimentos da própria Rede -
por exemplo, via formação de um fundo específico para esta finalidade a partir dos
ganhos obtidos – como também a elaboração de políticas públicas de apoio aos
coletivos de trabalhadoras/es rurais, já que a certificação envolve conhecimentos e
procedimentos técnicos e jurídicos que elas/es não dominam.
A autonomia dos grupos de trabalhadoras/es no semiárido potiguar é, portanto,
decisiva para a redistribuição dos espaços e das riquezas socialmente produzidas. As
experiências alternativas de desenvolvimento via organização coletiva e por meio de
construção de redes sociais é elementar neste processo, ainda mais quando se trata de
experiências políticas contra-hegemônicas. A Rede Xique Xique de Comercialização
Solidária, nesse sentido, representa uma experiência de desenvolvimento alternativo
pioneira e relevante para o semiárido potiguar, na medida em que visa incrementar o
bem-estar da população a partir da promoção de princípios do feminismo, da
agroecologia e da EcoSol. O potencial produtivo da EcoSol, sobretudo quando
articulada ao feminino e à agroecologia ainda é subdimensionado no Brasil, não
obstante se observe a capacidade de promoção de valores essenciais para o bem-estar
humano, tais como a segurança alimentar e a igualdade de gênero.
194
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211
4 Modelo do termo de consentimento livre e esclarecido
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Prezado (a) Senhor (a)
Esta pesquisa é sobre Economia solidária, feminismo e agroecologia no
semiárido e está sendo desenvolvida pela pesquisadora Eddla Karina Gomes Pereira,
aluna do Curso de Doutorado da Universidade Federal da Paraíba, sob a orientação
do(a) Prof(a) Maristela Oliveira de Andrade e sob a co-orientação da Profa. Alícia
Ferreira Gonçalves.
Os objetivos do estudo são analisar a estruturação e o trabalho da Rede Xique
Xique de Comercialização Solidária (RN), considerando os reflexos da atuação desta
entidade no semiárido em relação ao trabalho feminino no Rio Grande do Norte, bem
como os valores socioambientais fomentados por tal entidade. Pretende-se, ainda,
realizar uma pesquisa bibliográfica sobre a institucionalização da economia solidária no
Brasil, analisando-se em que medida a economia solidária pode se figurar numa
alternativa de desenvolvimento viável do ponto de vista dos direitos humanos,
especialmente a partir da formação de redes e arranjos sociais.
A finalidade deste trabalho é demonstrar que a organização feminina em redes
pode contribuir para o empoderamento das mulheres, ampliando seus espaços de
participação social, especialmente no contexto rural. Ademais, pretende-se perceber em
que medida a economia solidária pode ser uma alternativa para a igualdade de gênero,
ao tempo em que contribui para o estabelecimento de relações econômicas e ambientais
mais justas para a sociedade.
Solicitamos a sua colaboração para realização de uma entrevista, com registro de
imagens, como também a sua autorização para divulgar os resultados do encontro em
eventos ou em publicações. Por ocasião da publicação dos resultados, seu nome será
mantido em sigilo. Informamos que essa pesquisa não oferece riscos, previsíveis, para a
sua saúde.
Esclarecemos que sua participação no estudo é voluntária e, portanto, o(a)
senhor(a) não é obrigado(a) a fornecer as informações e/ou colaborar com as atividades
solicitadas pelo Pesquisador(a). Caso decida não participar do estudo, ou resolver a
qualquer momento desistir do mesmo, não sofrerá nenhum dano, nem haverá
modificação na assistência que vem recebendo na Instituição (se for o caso).
212
Os pesquisadores estarão a sua disposição para qualquer esclarecimento que
considere necessário em qualquer etapa da pesquisa.
Diante do exposto, declaro que fui devidamente esclarecido(a) e dou o meu
consentimento para participar da pesquisa e para publicação dos resultados. Estou ciente
que receberei uma cópia desse documento.
______________________________________
Assinatura do Participante da Pesquisa
ou Responsável Legal
_____________________________________
Assinatura da Testemunha
Contato do Pesquisador (a) Responsável:
Caso necessite de maiores informações sobre o presente estudo, favor ligar para o (a)
pesquisador (a) --------------------------------------------------------------------------------------
----------------------------------------------------------------------------------------------------------
--------------------------------------
Endereço (Setor de Trabalho):---------------------------------------------------------------------
----
Telefone: ----------------------------------------------------------
Ou
Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal
da Paraíba Campus I - Cidade Universitária - 1º Andar – CEP 58051-900 – João
Pessoa/PB
(83) 3216-7791 – E-mail: [email protected]
Atenciosamente,
___________________________________________
Assinatura do Pesquisador Responsável
___________________________________________
Assinatura do Pesquisador Participante
213
5 Roteiro de entrevistas
ROTEIROS DE ENTREVISTAS SEMIESTRUTURADAS
- Executor de Política Pública e Docente
1- Como começou a direcionar os estudos/participação em temas como trabalhos
autogestionados, cooperativismo?
2- A partir de quando o Sr passou a trabalhar com a economia solidária? Em qual
contexto político-institucional?
3- Quais os principais avances que o Sr percebe hoje, em relação ao início do
movimento?
4- Em que condições, na opinião do sr, estão os trabalhadores rurais têm acesso às
políticas públicas de economia solidária no Brasil?
5- O Sr acredita que a economia solidária pode, de fato, ser uma alternativa viável ao
modo de produção capitalista?
6- Como entende a importância das interlocuções da economia solidária com os demais
movimentos sociais?
7- Quais as principais políticas públicas existentes no Brasil que assumem a lógica da
economia solidária? Como o Sr entende a eficácia desta política, ela alcançou os seus
propósitos?
8- Especificamente quanto à participação feminina na economia solidária, o Sr entende
que as mulheres contribuíram /contribuem para a projeção da economia solidária no
Brasil?
9- Quais o rumos que o Sr entende que a economia solidária terá? Quais são os
principais desafios?
10- Como percebe a aliança entre EcoSol, agroecologia e feminismo?
- Colaborador/EX- Colaborador externo da REDE
1- Como iniciou a sua colaboração com a REDE XIQUE XIQUE? Quanto tempo
durou?
2- Quais os principais avances que percebeu ao longo da sua participação?
3- Quais as atividades que desenvolvia na REDE?
4- Quais os resultados pretendidos e alcançados ao participar da REDE?
5- Você acredita que a REDE assume posturas coerentes com os seus princípios?
6- Qual seria a importância das mulheres dentro da REDE?
7- A REDE contribui, sob o seu ponto de vista, para difundir estratégias de convivência
com o semiárido, bem como para viabilizar o acesso a políticas públicas?
8- Dentre as dificuldades da REDE, quais seriam as que você destacaria?
9- Como sugestão, quais as estratégias que a REDE poderia adotar para se consolidar no
cenário nacional?
10- Como percebe a aliança entre EcoSol, agroecologia e feminismo?
- Gestora/EX- Gestora da Rede
1- Porque e como foi escolhido o nome da REDE? O que fez com que se tratasse de
uma rede de comercialização solidária?
2- Como nasceu a ideia de se organizar em REDE?
3- Quem originariamente integra a REDE? Hoje, quantas pessoas do início ainda
permanecem?
4- Porque a REDE decidiu assumir como pilares a economia solidária, a agroecologia e
o feminismo?
5- Quantas entidades compõem a estrutura da REDE? Quais as entidades que se
articulam com a REDE?
214
6-Quais seriam as principais conquistas da REDE?
7- Quais são os maiores desafios?
8- Como se arrecadam recursos financeiros para manter a estrutura da REDE? Recebem
algum incentivo recebem do governo estadual e federal?
9- Como são tomadas as principais decisões da REDE?
10- Qual a participação das mulheres na consolidação da REDE?
11- Quais seriam os principais objetivos da REDE hoje? Como a REDE quer estar
daqui a 10 anos?
12- Quais as entidades que servem de referência para a REDE?
13- Como percebe a aliança entre EcoSol, agroecologia e feminismo?
-Membro/EX-Membro/Consumidor da Rede
1- Como houve a aproximação com a REDE?
2- Qual o apoio que a REDE efetivamente concede ao trabalho que você desenvolve?
3- O que mudou após a aproximação com a REDE?
4- A REDE teve influência na forma com que você se relaciona com o trabalho? E
dentro da sua família? Na comunidade?
5- Como poderia haver um maior apoio da REDE?
6- Como você espera que esteja a REDE daqui a 10 anos?
-Parceiros/EX-Parceiros
1- Como houve a sua aproximação com o trabalho da REDE? Você tem formação na
área? Tem contato pessoal com o meio rural?
2- Quais interações existem entre a sua entidade e a Rede?
3- Quais os principais obstáculos para fortalecer este vínculo?
4- Sob o seu ponto de vista, a existência da Rede é significante para a comunidade?
5- Quais seriam as suas sugestões para que a Rede gere mais desenvolvimento para o
semiárido?
6- Quais os maiores aprendizados adquiridos da sua vivência com a Rede?
7-Como percebe a aliança entre EcoSol, agroecologia e feminismo?
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