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Teoria e Prática da

SENTENÇATRABALHISTA

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1ª edição — 19962ª edição — 20033ª edição — 20094ª edição — 2012

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CARLOS EDUARDO OLIVEIRA DIAS

Juiz Titular da 1ª Vara do Trabalho de Campinas/SP.

Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/SP.

Doutorando em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

Membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD) e do Instituto de Pesquisas e

Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho (IPEATRA).

Teoria e Prática da

SENTENÇATRABALHISTA

4ª edição Atualizada, revista e ampliada

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Índice para catálogo sistemático:

EDITORA LTDA.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

R

Rua Jaguaribe, 571CEP 01224-001São Paulo, SP — BrasilFone (11) 2167-1101www.ltr.com.brFevereiro, 2012

Todos os direitos reservados

Dias, Carlos Eduardo OliveiraTeoria e prática da sentença trabalhista /Carlos Eduardo Oliveira Dias. — 4. ed. atual,rev. e ampl. — São Paulo : LTr, 2012.

Bibliografia.

1. Direito processual do trabalho2. Julgamentos I. Título.

11-11933 CDU-347.951.0:331

1. Sentenças : Direito processual do trabalho347.951.0:331

Versão impressa - LTr 4468.0 - ISBN 978-85-361-1992-2Versão digital - LTr 7307.9 - ISBN 978-85-361-2130-7

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Aos que me dão muitos carinhos quentes:

Ana Paula, Pedro, Isabela, Felipe e Clara.

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Sumário

Introdução à quarta edição .................................................................................. 11

Introdução à terceira edição ................................................................................ 13

Introdução à segunda edição .............................................................................. 15

Introdução .............................................................................................................. 17

I — GENERALIDADES

1. A jurisdição e o juiz ............................................................................................ 21

2. A efetividade como princípio motriz do processo .......................................... 28

3. A Reforma Processual e seus reflexos nas sentenças .................................... 32

4. Os atos processuais do juiz e o moderno conceito de sentença ................. 42

5. As sentenças trabalhistas e a Nova Competência da Justiça do Trabalho .... 48

II — FUNDAMENTOS TEÓRICOS DAS SENTENÇAS

6. Classificações das sentenças ............................................................................. 67

6.1. Classificação quanto aos efeitos ou eficácia da sentença .................................... 67

a) Sentenças declaratórias ...................................................................................... 70

b) Sentenças constitutivas ..................................................................................... 72

c) Sentenças condenatórias ................................................................................... 73

d) Sentenças mandamentais ................................................................................... 74

e) Sentenças executivas ......................................................................................... 76

6.2. Classificação quanto à abrangência ou alcance da sentença ............................... 79

a) Sentenças terminativas ....................................................................................... 79

b) Sentenças definitivas ......................................................................................... 81

7. A estrutura das sentenças ................................................................................ 83

7.1. Relatório ............................................................................................................. 86

7.2. Fundamentação .................................................................................................. 89

7.3. Dispositivo .......................................................................................................... 92

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8. Limites e nulidades da sentença ....................................................................... 94

8.1. Generalidades ..................................................................................................... 94

8.2. Petição inicial e rito sumaríssimo no processo do trabalho .................................. 101

8.3. Emendas à sentença ........................................................................................... 102

8.4. Os chamados pedidos implícitos e a cognição de ofício pelo juiz ....................... 105

9. Peculiaridades da sentença trabalhista ........................................................... 118

9.1. Forma da sentença ............................................................................................. 120

9.2. Cumulação de pedidos ....................................................................................... 120

9.3. Conteúdo obrigatório ......................................................................................... 122

9.4. A liquidação da sentença trabalhista ................................................................... 126

9.5. Sentenças trabalhistas em processos “não trabalhistas” ...................................... 130

III — PRÁTICA DA SENTENÇA TRABALHISTA

10. Metodologia de redação da sentença ........................................................... 135

10.1. Relatório ........................................................................................................... 135

a) Generalidades e técnica redacional .................................................................... 135

b) Situações de desnecessidade ............................................................................. 137

10.2. Fundamentação ................................................................................................ 138

a) Generalidades e organização ............................................................................. 138

b) Questões processuais ......................................................................................... 140

c) Preliminares ou objeções processuais ................................................................. 158

d) Prejudiciais de mérito ........................................................................................ 186

e) Mérito ............................................................................................................... 219

f) Outras ações conexas ......................................................................................... 258

10.3. Dispositivo ........................................................................................................ 263

11. Questões práticas de sentença — Exercícios para resolução ...................... 271

11.1. Problemas para solução .................................................................................... 271

11.2. Sentenças simuladas ......................................................................................... 276

Bibliografia .............................................................................................................. 293

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“O juiz é um homem que se move dentro do direito como um

prisioneiro dentro de seu cárcere. Tem liberdade para

mover-se e nisso atua a sua vontade; o direito, entretanto,

lhe fixa limites muito estreitos, que não podem ser

ultrapassados. O importante, o grave, o verdadeiramente

transcendental do direito não está no cárcere, isto é,

nos limites, mas no próprio homem.

“O juiz é uma partícula de substância humana que vive e

se move dentro do processo. E se essa partícula

de substância humana tem dignidade e hierarquia

espiritual, o direito terá dignidade e hierarquia espiritual.

Mas se o juiz, como homem, cede ante suas debilidades,

o direito cederá em sua última e definitiva revelação.”

EDUARDO J. COUTURE

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Introdução à quarta edição

Com grata surpresa recebi a notícia de que a terceira edição deste livro, apenasum ano após sua publicação, já estava prestes a se esgotar. Para mim, é sinal deque a principal missão que assumi quando da sua elaboração estava cumprida: ade tentar oferecer um roteiro teórico e prático que facilitasse a compreensãodo processo elaborativo de uma sentença trabalhista, destinado aos estudiosos doDireito e àqueles que disso necessitam por razões profissionais. E, claro, aos queestão percorrendo os tortuosos caminhos dos concursos para a Magistratura doTrabalho.

Na edição anterior, esforcei-me para tentar ser o mais abrangente possível,imaginando e visualizando as diversas possibilidades a serem encontradas emprocessos trabalhistas, de modo a apresentar ao leitor ao menos um caminho aser traçado no seu enfrentamento. Por certo que isso não foi suficiente, pois váriasforam as sugestões recebidas para incorporar novas proposições ao trabalho, etantas outras surgiram a partir da observação de casos que chegaram às minhasmãos. Da mesma maneira, novos enfoques se mostraram necessários de acordocom o exame de provas aplicadas em concursos recentes, que evidenciam grandecriatividade por parte das bancas examinadoras.

Com isso, esta edição traz algumas considerações a mais do que a anterior,exatamente como resultado dessa incorporação de situações e soluções observadasapós a sua publicação. Além disso, como não poderia deixar de ser, promovi asatualizações legislativas e jurisprudenciais supervenientes à 3ª edição, tentandodeixar a obra com conteúdo coerente com as tendências que vêm sendo adotadas,especialmente pelos tribunais superiores.

Por certo que esta não será uma edição definitiva, e por isso espero dosleitores que, além de aproveitarem os modestos conhecimentos ora compartilhados,ofereçam sua colaboração para que eventuais publicações futuras possam conterainda mais elementos aos novos leitores que porventura surgirão.

Campinas, verão de 2011.

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Introdução à terceira edição

Ao me defrontar com o esgotamento da segunda edição deste livro, encareinovamente o desafio presente por ocasião de seu lançamento: como já foi dito,reeditar uma obra significa a tentação de reescrevê-la. Neste caso, não tive comofugir desse desafio, eis que muitas foram as mudanças na legislação e no perfildoutrinário trabalhista e processual comum desde a última atualização. O acréscimona competência da Justiça do Trabalho, levado a efeito pela EC n. 45/2004, exigiuum esforço especial de formulação de um trabalho teórico e prático que pudesseabarcar as diversas modalidades de ações hoje admitidas no processo do trabalho.

Com isso, o livro adquiriu uma nova estrutura, com um detalhamento maiorem alguns de seus tópicos, sobretudo no que diz respeito à prática da elaboraçãode um ato sentencial. Dessa forma, procurei elaborar um trabalho muito maiscompleto, o que acabou envolvendo até mesmo assuntos aparentemente marginaisou de menor importância, mas que invariavelmente ocasionam muitas dúvidas,especialmente para aqueles que estão enfrentando as agruras de um concursopúblico para a magistratura.

Apesar disso, o trabalho continua fiel aos seus propósitos iniciais: o de conferirum roteiro prático e estruturado para auxiliar aqueles que se aventuram nessecomplexo mister, que é o da elaboração de uma sentença trabalhista. Destina-senão só aos já citados candidatos em concursos públicos, mas também aos estudantesque querem compreender melhor o ato sentencial; aos auxiliares da Justiça, quepodem dele utilizar-se em seu labor; aos advogados e estagiários, que podemmuniciar-se de informações para melhor desenvolver sua atividade profissional; e atodos os que se interessem pelo assunto. Por isso, acurei-me em usar uma linguagemque, sem perder o senso técnico, procura ser acessível e compreensível, dentro dopropósito contemporâneo de se buscar a redução das barreiras de comunicaçãonos atos processuais, sobre o que também tratamos no livro.

Finalizo, agradecendo a todos os que, direta ou indiretamente, auxiliaram aelaboração deste trabalho, cujo resultado deriva de inúmeras conversas realizadasdurante aulas de Direito e Processo do Trabalho — e fora delas —, além das incon-táveis aulas ministradas em cursos de sentença.

Campinas, outono de 2009.

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Introdução à segunda edição

Dizia-se que Otto Lara Resende jamais permitia que seus livros fossem

reeditados. Para ele, uma nova edição de um livro seu representava um processo tão

amplo de revisão que ele praticamente reescrevia a obra, pois tinha o olhar muito

crítico em relação ao que havia escrito. Por isso, considerava cada edição um

novo texto. Ao propor o desafio de atualizar e reeditar meu primeiro livro, Teoria

e prática da sentença trabalhista, compreendi totalmente o sentimento do saudoso

cronista, cuja literatura aprendi a admirar desde meus passos juvenis na leitura de

escritores brasileiros. Afinal, nesses sete anos foram tantas as mudanças em minha

vida e no direito processual, que exigiram quase uma refeitura do texto integral.

Por certo, o espírito do livro continua o mesmo: destina-se a subsidiar aqueles

que se envolvem nessa complexa tarefa que é a elaboração de uma sentença

trabalhista, seja com o fim de complementar seus estudos para provas de con-

curso, seja para aperfeiçoamento profissional dos que atuam em atividades de

apoio a magistrados. No entanto, tive de rever alguns tópicos em face de mudanças

legislativas — como a extinção dos juízes classistas na Justiça do Trabalho, que

representou a modificação da denominação do órgão jurisdicional de primeiro

grau e a própria procedimentalização da sentença — e outros tantos em razão da

mudança de postura que adotei nesse período, inclusive com modificação de alguns

entendimentos.

Por outro lado, sem perder a concepção prática do texto, procurei aprimorá-

-lo teoricamente, ressaltando fatores que considero relevantes no mister jurisdicional,

como, por exemplo, um pequeno tópico sobre a efetividade processual, como

princípio fundamental. Acresci, ainda, ao final da obra, algumas questões relevantes

que costumam permear o labor sentencial na Justiça do Trabalho, propondo aos

leitores a discussão e solução delas, como meio de exercitar a aplicação dos con-

ceitos que propomos no decorrer do trabalho. Resisti a uma tendência que considero

infeliz: a de colocar no livro “questões resolvidas”, como se os interessados em

uma obra dessa natureza fossem pessoas que precisam que lhe digam como resolver

problemas. Com efeito, acredito no processo de aquisição de conhecimento como

algo a ser amadurecido em cada um, consoante suas capacidades e mediante

diretrizes científicas conferidas pela literatura e outros meios de apreensão cognitiva.

Por isso, lancei apenas problematizações a serem resolvidas pelos leitores, como

mecanismo de aprimoramento intelectual, sem impingir-lhes nenhum dogma.

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Não posso deixar de registrar a inestimável colaboração da dra. Ana PaulaAlvarenga Martins, Juíza do Trabalho, que se abstraiu da condição de minha esposae adotou um papel crítico na revisão do texto original. Agradeço-lhe, juntamentecom nosso amigo, dr. Marcus Menezes Barberino Mendes, também Juiz do Trabalho,por terem auxiliado no aprimoramento do conteúdo do livro, a partir de cursospráticos de Sentença Trabalhista que juntos gestamos e desenvolvemos nos doisúltimos anos.

Campinas, outono de 2003.

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Introdução

Não se pode negar que a sentença é o ponto culminante do processo,

materializando a resposta do Judiciário àquilo que a sociedade veio buscar às suas

portas: uma prestação, a jurisdicional, que visa a resolver um conflito de interesses.

De outro lado, para o magistrado a sentença representa a expressão objetiva de

sua concepção sobre o direito, pois sua realização encerra não só o estudo dos

preceitos básicos que estão em discussão, mas também as regras de conduta

existentes na ordem jurídica abstrata e hipotética, que são concretizadas no caso

que lhe foi submetido à análise.

Outrossim, por ser o retorno imediato outorgado pelo Estado ao cidadão, o

acuramento na sua elaboração passa a ser fundamental tanto para as partes que

aguardam aquele provimento quanto ao seu próprio redator, que vê ali consolidado

o fruto do seu trabalho.

No entanto, por ser uma atividade eminentemente prática, existe uma infeliz

tendência a que seja priorizada a técnica, deixando de lado a inequívoca consta-

tação de que o aprimoramento teórico do labor sentencial é fundamental para

sua correção e clareza, evitando aquilo que de pior pode haver para um prolator:

a decretação de nulidade de seu ato por vício de formalidade ou de conteúdo.

Isso sem contar que alguns fatores externos, como o excesso de trabalho e o uso

inadequado ou improdutivo da informática, acabam por criar um processo de indus-

trialização das sentenças, de modo que nem mesmo seus aspectos técnicos são

sempre observados.

Pensando nisso, e sentindo as dificuldades que muitos têm nessa fundamental

atividade jurisdicional, compilamos aqui alguns tópicos doutrinários sobre a

sentença, visando, eminentemente, a informar sobre elementos técnicos para os

que atuam ou que pretendam atuar como magistrados trabalhistas, e ainda àqueles

que lhes servem como seus assessores. Não desconsideramos, outrossim, os candi-

datos à magistratura do trabalho que, em uma das fases do laborioso concurso a

que se submetem, precisam demonstrar seus conhecimentos em matéria sentencial,

em prova essencialmente prática. E mesmo os estudantes de direito, na sua imanente

ânsia de saber, não fugiram às nossas perspectivas na elaboração deste trabalho,

pois acreditamos ser um valioso instrumento em seus estudos e mesmo no início

de sua preparação para eventuais concursos públicos.

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Nesses escritos não pretendemos, como dito, estabelecer parâmetros teóricossobre o tema, o que deixamos a cargo dos eminentes professores e juristas quecitamos na bibliografia deste trabalho, por certo muito mais apreciáveis do quepoderíamos modestamente oferecer. Buscamos, antes de tudo, trazer algumasnoções básicas a respeito, destinando-se, exclusivamente, a oferecer um roteirodidático de estudos, permitindo que seja investido um maior tempo em elabora-ções práticas.

Assim, na primeira parte, realizamos uma singela avaliação doutrinária damatéria, fundamental para que se restaure a concepção processual da sentença,seu significado, suas espécies e, fundamentalmente, a metodologia de sua pro-dução. Além disso, destacaremos algumas peculiaridades da sentença trabalhistaque, pela sua natureza, cada vez mais se distancia das decisões proferidas emoutros Juízos. Na segunda parte, apresentaremos questões práticas envolvendodiversas matérias que podem ser objeto de apreciação na sentença trabalhista,como, por exemplo, questões processuais, preliminares, prejudiciais e questões demérito.

Não nos esquecemos, outrossim, de que um trabalho dessa naturezasomente se desenvolve e se aprimora quando aqueles que desejam nele sucesso sedebruçam sobre a mesa de trabalho e se colocam totalmente envolvidos com seuintento. O nosso objetivo, pois, é apenas com estes colaborar.

Campinas, outono de 1996.

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I

Generalidades

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1. A jurisdição e o juiz

É certo que a principal função do direito é a de ordenar a convivência social ecompor os eventuais conflitos entre os seres sociais, o que faz, primordialmente,pela edição de normas de conduta. Mas isso quase nunca é suficiente para que oEstado alcance os seus objetivos, surgindo regularmente a necessidade de seindividualizar, declarar e fazer com que essas regras sejam observadas. Isso é feitopelo exercício da jurisdição, cuja função é a de garantir eficácia prática aoordenamento jurídico, tanto na aplicação como na criação do direito, nos paísesem que vigoram sistemas como os de commom law. Assim, ao lado das demaisesferas do poder estatal, o poder jurisdicional é um atributo fundamental do Estado,usado mediante a imposição da sua vontade sobre a vontade das pessoas. Em sualiteralidade, está relacionado ao atributo de se “dizer o direito”, revelando aconcepção daqueles a quem caberia solucionar os conflitos entre os cidadãos,expressando como a ordem jurídica deve impor-se nas relações interpessoais, deforma a assegurar sua convivência e sobrevivência.

Ainda que fundado em diretrizes presentes desde o Direito Romano, somenteno decorrer do Iluminismo, com a vertente criação da doutrina da tripartição dospoderes estatais, é que essa ideia foi aprimorada, voltando-se tal atributo exclusi-vamente — ou, nem sempre — a uma ramificação específica do Estado. A esseramo chamou-se Poder Judiciário que, desde então, por intermédio dos seus agentes,passou a se qualificar como sendo o prolator nato de qualquer manifestação sobreos conflitos específicos, verificados entre os membros da sociedade. Como observaDinamarco, a jurisdição se revela pela chamada função social do processo “quedepende, sem dúvida, da efetividade deste. Já que o Estado, além de criar a ordemjurídica, assumiu também a sua manutenção, tem ele interesse em tornar realidadea disciplina das relações intersubjetivas previstas nas normas por ele mesmoeditadas”.(1) Dentro dessa sua lógica funcional, o Judiciário é o braço estatal que,por meio da jurisdição, interfere na vida da sociedade e nas relações entre seusmembros, em nome da chamada paz social.

Contemporaneamente, os estudos sistêmicos do direito processual nos revelamque o poder jurisdicional não comporta apenas um determinado objetivo, mas simuma conjugação de propósitos, tanto de ordem política, como social e também

(1) DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova era do processo civil. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 12.

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jurídica. De forma bastante sintética, podemos dizer que, sob o enfoque jurídico,o escopo da jurisdição é o de manter intacta e íntegra a ordem jurídica, tendo comoobjetivo fundamental o de assegurar a vontade daquilo que estipula o direito material.Já no sentido político, a atuação da jurisdição está relacionada com a prevalência da

autoridade do Estado (poder), com a liberdade dos cidadãos, que têm no Judiciárioa salvaguarda de seus direitos mais fundamentais e ainda com a possibilidade departicipação do cidadão nos destinos da sociedade política. Sob o ponto de vistasocial, a função jurisdicional serve para que o Estado possa alcançar aquele que éseu principal objetivo, ou seja, a promoção do bem comum, além de contribuir noprocesso educativo dos cidadãos, a partir da função pedagógica das decisões.(2)

A partir dessa dinâmica dos escopos da jurisdição, vemos que o processo temuma importante função pacificadora. Partindo do pressuposto de que a vida socialé própria para os conflitos de interesses, cabe ao Estado, legislando e exercendo ajurisdição, eliminar as insatisfações decorrentes dos conflitos sociais. Assim, éimprescindível que o conflito seja efetivamente resolvido por meios idôneos — aindaque remanesça a insatisfação da parte perdedora. Toda a lógica do sistema permite,além da esperança de reversão da decisão pelos graus recursais apropriados, ainexorabilidade das decisões já consumadas, cuja destruição é inconveniente paraa sociedade. Mas essa missão pacificadora do processo somente vai ser alcançadase os conflitos forem eliminados mediante critérios justos e eficientes, pois este éo mais elevado escopo social do Estado. Daí por que a busca incessante por diretrizesnormativas que possam assegurar a concessão desses meios de solução eficientedos conflitos é a tônica contemporânea da ciência processual.

Daí se nota a relevância do papel do juiz na organização democrática dasociedade: a ele cabe cumprir a missão fundamental para convivência pacífica dossujeitos sociais, impedindo que se processem iniciativas de uso arbitrário dos própriosdireitos ou usurpação indevida de garantias legais ou contratuais. Modernamente,especialmente na sociedade brasileira, que vem amadurecendo sua perspectiva deconsolidação do regime democrático, após longo período de repressão, a figurado magistrado passou a fazer parte do cotidiano das pessoas, desde o mais simplestrabalhador até o mais rico empresário. Na mesma proporção em que aumentousua importância para a sociedade, pode-se dizer que foi estendida também a suaresponsabilidade. Afinal, a sociedade finalmente reconheceu que o juiz presta, emverdade, um serviço público, o que faz com que o “consumidor” desse serviço —o cidadão — passe a ter, naturalmente, uma postura de maior exigência.

(2) Essa classificação é de Dinamarco, que pontua: “Por isso é que, hoje, todo estudo teleológico dajurisdição e do sistema processual há de extrapolar os lindes do direito e da sua vida, projetando-se parafora. É preciso, além do objetivo puramente jurídico da jurisdição, encarar também as tarefas que lhecabem perante a sociedade e perante o Estado como tal. O processualista contemporâneo tem aresponsabilidade de conscientizar esses três planos, recusando-se a permanecer num só, sob pena deesterilidade nas suas construções, timidez ou endereçamento destoante das diretrizes do próprioEstado social” (A instrumentalidade do processo. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 153).

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Com isso, o bom desempenho do magistrado não pode mais ser visto — se éque chegou a ser, exclusivamente — como simples fator de sua satisfação pessoal,ou mesmo como critério de promoção funcional: há de ser tomado, sobretudo,como uma resposta eficaz àqueles que lhe vieram pedir guarida a um interesseofendido, e que, em última análise, são os que pagam seus vencimentos. Por essesfatores, o juiz nunca pode deixar de lado seu aprimoramento intelectual, buscandosempre a renovação dos seus pensamentos jurídicos e também relativos a outrasáreas do conhecimento, sempre fundamentais para a resolução dos problemasconcretos que enfrenta.

Esses comentários se mostram oportunos porque é justamente na sentençaque se costuma identificar o juiz efetivamente preocupado com as repercussõesde seu trabalho, pois ali, mais que em qualquer outro ato que pratique, é que ficaefetivada a aplicação das regras jurídicas ao caso enfocado. No entanto, o processode elaboração de uma sentença, para quem a examina extrinsecamente, não revelaexatamente o labor a que se submeteu seu redator. Com efeito, antes da transcriçãopara o papel da sua perspectiva sobre o problema, é fundamental que ele tenhapleno conhecimento do caso e das repercussões que pode causar. Tornou-setristemente comum um tipo de produção massificada na elaboração de sentenças,explicável, é bem verdade, pela também massificação dos litígios e sua repetiçãoinacabável. Porém, há que diferenciar a simples repetição de argumentos expressosem outro caso similar com o julgamento padronizado, sem atentar para certaspeculiaridades de cada problema.

Nessa linha de conduta, e principalmente pela edição intensa de súmulaspelos tribunais superiores, tem havido uma prática de se julgar, apenas, com baseem tais decisões. Por evidente, a manifestação consolidada dos tribunais, que têma missão precípua de uniformizar a jurisprudência, é uma fundamental fontesubsidiária do direito, podendo-se até reconhecer como salutar que sejam seguidosos posicionamentos já assumidos pelos graus majoritários de jurisdição, em benefíciodo próprio jurisdicionado. No entanto, a conduta criticável é a redução da aplicaçãoefetiva dos preceitos jurídicos a uma remissão infindável a súmulas e julgados, sema devida conexão narrativa, e sem ofertar a justificativa que fundamenta sua adoçãopelo magistrado, da tese ali esposada, em franco prejuízo da liberdade de convicçãodo magistrado, que representa uma importante garantia da sociedade.

O juiz português Oliveira Guimarães afirmava, ao publicar uma coletânea dassuas sentenças no início do século passado:

Acresce que para aplicar o direito ao facto, o meu principal trabalhoconsiste em interpretar, à custa exclusiva do meu exforço, a disposiçãolegal que julgo adequada.

Para esse fim, leio-a reflectidamente, comparo-a com outras disposiçõeslegais que com ela tem pontos de contacto, e vejo se consigo conhecera vontade do legislador.

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Se não consigo ou se me embaraçam dúvidas, vou ver se nos estudos

que precederam a confecção da lei, na legislação anterior ou na legislação

estranha, encontro elementos para formar minha convicção jurídica.

Só depois, quando me julgo suficientemente conhecedor da matéria, e,

assim, liberto da sugestão de personalidades, é que leio os arestos dos

tribunais e as opiniões dos jurisconsultos.

Então sei bem que são as razões as únicas causas que podem sugestionar,

ou confirmando o meu modo de ver, ou fazendo-me adoptar outro, e

que os nomes que subscreveram esses arestos ou opiniões em nada

influiram no meu espírito, por maior que seja a reputação de valor

scientífico que a eles ande ligada.

O julgador só cumpre o seu dever e só fica satisfeito com a sua consciência

quando profére a sua decisão, convencido de que atingiu a verdade, e

para chegar a esse convencimento não pode substituir o exforço próprio

pelo exforço alheio.

Limitar-se a adoptar a doutrina dua acordão ou duma duzia deles, a

seguir a opinião de um ou de muitos jurisconsultos, sem ter formado

primeiro a sua convicção jurídica, é falsa a sua missão.(3)

As ásperas palavras por ele utilizadas não podem, é claro, ser tomadas como

uma injunção absoluta. Mas sua citação ensina, fundamentalmente, que é primordial

na elaboração de uma sentença a visão própria que o juiz tem da matéria. Evidente

a crítica do ilustre magistrado à postura mecânica de certos juízes que, à guisa de

facilitar seu trabalho, se limitam a citar decisões já proferidas em situações similares,

ou mesmo já sumuladas. Deixa de considerar, quem assim age, a própria criação da

ciência jurídica, nativamente polêmica e ensejadora das mais célebres divergências

da humanidade. E, para sua própria tristeza, perde a parte mais romântica do direito:

a possibilidade de se polemizar.

Por isso, na esteira da citação anteriormente feita, a primeira recomendação

que nos permitimos é no sentido de que o processo elaborativo de uma sentença

compreende, antes de tudo, um suficiente conhecimento jurídico, sobre o total

alcance da matéria a ser decidida. Como a ninguém é possível sobre tudo conhecer,

o procedimento mais adequado, quando se depara com uma questão nova ou que

tenha desdobramentos desconhecidos até então, é estudá-la, pesquisando — na

(3) Na introdução da sua curiosa obra Sentenças e crítica jurídica (Coimbra: F. França Amado, Editor,1914), sem numeração dessas páginas, em que narra o autor diversas decisões que proferiu enquantomagistrado de primeira instância, comentando-as, inclusive, e referindo-se à existência ou não derecurso, e, eventualmente, reforma. A versão aqui reproduzida respeitou a grafia da época, em Portugal,daí por que com diversas variantes hoje incomuns.

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jurisprudência, na doutrina ou em qualquer outra fonte subsidiária — exaustivamenteo tema, a fim de permitir que o redator do julgado possa livremente transitarsobre todas as arguições a que será submetido na sua decisão.

Demais disso, é imprescindível que o juiz contemporâneo esteja efetivamenteconectado com o momento processual em que vive, de franca revisitação dos insti-tutos clássicos e de intensa deformalização do processo. Na fase que se encontra empleno desenvolvimento, o processo não mais é marcado pela ampla autonomiaem face do direito material — como revela o escopo jurídico que antes descrevemos.Do contrário, cada vez mais ele se mostra dependente e subordinado aos interessespreservados pela legislação material, sem a qual o processo não teria qualquersentido ou utilidade. Não por outro motivo, nossa era tem permitido a ocorrênciade diversas reformas na legislação processual, descaracterizando aquele modeloeminentemente autonomista trazido pelo Código Processual de 1973, não somentecom a reestruturação de diretrizes tradicionais como pela inserção de novasdisposições, mais consonantes com as necessidades de nossa época.

No entanto, a simples modificação legislativa cumpre apenas parte dessemister, no sentido de oferecer instrumentos mais eficientes para consecução dosatos processuais. Mas de nada adianta termos uma legislação que dote o juiz devários instrumentos voltados à consagração da efetividade processual, como medidade satisfação dos fins do processo, se o operador desses instrumentos não tiverum compromisso ético com as funções institucionais que exerce. Esse compromissoexige, além de outros atributos, que o magistrado moderno redimensione e revejaa atuação processual tradicionalmente consagrada pela formação histórica conferidapelas faculdades de direito e pela dinâmica de subsistência das estruturas do PoderJudiciário, que seleciona magistrados a partir de critérios fundamentalmentedogmáticos, sem atentar para sua formação humanista ou para a sua capacitaçãodeontológica. É fundamental que o juiz que maneja o processo em sua dimensãocontemporânea decrete o rompimento com essa vertente tradicional, e enxerguenas regras processuais um infinito caminho para produzir resultados úteis para asociedade, como medida de revalorização de sua atividade.(4)

Faz parte dessa postura, compreender que o processo não representa apenasum conflito abstrato, movido por entidades despersonalizadas e destituídas desentimentos. “Todo processo guarda uma carga de emoções e de angústias queapenas os seus partícipes conseguem avaliar. O processo não é um caderno buro-crático, senão repositório de sofrimentos.”(5) Cabe ao juiz, atento a essa necessidade

(4) Como explica José Renato Nalini, “imbuindo-se da condição de agente capaz de realizar a justiça ede realizá-la em sua plenitude, o juiz revalorizará a sua função. [...] Trabalhar com as normas processuaispostas, extraindo delas tudo o que puderem assegurar em termos de concretização do juiz, é tarefaque só depende da postura interior de cada magistrado”. (O juiz e o acesso à justiça. 2. ed. rev., atual.e ampl. São Paulo: RT, 2000. p. 119).(5) Idem.

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de revalorização de sua função, enxergar o cidadão por detrás daquele alfarrábio dedocumentos. E nesse sentido, vemos que a Justiça do Trabalho se situa entre osórgãos do Poder Judiciário em que essa humanização do processo não só é possível,mas decorre de seu próprio procedimento — a necessária realização de audiênciaem todos os processos faz com que o juiz tenha uma imprescindível aproximaçãodos litigantes, que é um passo fundamental para que possa compreender asdimensões humanas do conflito.

Não por outros motivos que essa visão “humanizada” do conflito é que devemotivar o magistrado a fazer do processo a instrumentalização do que é justo.Afinal, “o ser humano que optou por julgar precisa imbuir-se de que isso é vocação,é missão, pois Magistratura — como emprego — é tarefa das mais sofríveis”. (6) E “oprocesso é a ferramenta de solução dos problemas, de harmonização da sociedade,de pacificação comunitária”.(7) Sendo assim, o juiz atual não pode abster-se totalmentede envolvimento no litígio, sob o falso argumento da necessária imparcialidadeque, na realidade, se traveste de indiferença, fundada em uma pretensa neutralidade.Todavia, não existe neutralidade em nenhuma atividade humana, sobretudo as quederivam da atitude intelectual, e por isso também não poderia haver na tarefa juris-dicional, que tem caráter fundamentalmente axiológico. Já nos ensinava o insuspeitoMiguel Reale, em sua Teoria tridimensional do direito, que a Ciência Jurídica éresultado de três elementos: o Fato, o Valor e a Norma, sendo esta última resultanteda simbiose dos anteriores. E a operacionalização da norma positivada exige docientista jurídico a sua avaliação segundo os ditames valorativos vigentes nomomento de sua aplicação — logo, impossível ao magistrado assumir uma posturade neutralidade, se seu próprio mister lhe exige tomar uma atitude propositiva,em direção aos valores que resguarda em seu âmago subjetivo.

Não há por que prevalecer um pensamento diferente deste, quando tratamosdo manejo dos institutos processuais, pois, como dissemos, a atual fase do processoo considera um instrumento para satisfação do direito material, e não mais comoinstituto absolutamente autônomo e independente daquele. Por conseguinte,admitir-se que um juiz pretende ser neutro na administração de um processosignifica apenas que ele é um juiz conformado em realizar um papel burocrático,de administrador de conflitos privados, e não um agente estatal responsável pelapacificação desses mesmos conflitos, como medida de regulação da vida emsociedade. Em que pese esse perfil tenha predominado no Poder Judiciário brasileiropraticamente desde a criação do Estado nacional, é hoje uma modalidade abso-lutamente descompassada com as exigências sociais vigentes.

Como tivemos oportunidade de destacar, a sociedade tem no magistradoaquele membro encarregado de fazer com que atuem nos processos os resultados

(6) Ibidem, p. 139.(7) Idem.

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da vivência entre seus integrantes. “O erro consiste em esquecer que o juiz émembro da sociedade em que vive e participa do seu acervo cultural e dos problemasque a envolvem, advindo daí as escolhas que, através dele, a própria sociedadevem fazer no processo.”(8) Com esse pensamento, não nos eximimos de concluirque a vontade do juiz, no processo, é a vontade da sociedade da qual ele participa.Compete-lhe ter a dignidade de exercer esse mister dentro dessas expectativas,sem o que não pode ser magistrado.

Imbuído dessa consciência é o que o magistrado passa a ter o compromisso,em sua atuação, com a busca de uma solução eficaz e eficiente, e que possa alcançaros já reiteradamente lembrados fins sociais da jurisdição. Para fazê-lo, cumpre-lheutilizar no processo todos os meios que a ciência processual disponibiliza, sem sepreocupar excessivamente com filigranas processuais. Ou seja, como assinalaBarbosa Moreira, “quando porventura nos pareça que a solução técnica de umproblema elimina ou reduz a efetividade do processo, desconfiemos, primeiramente,de nós mesmos. É bem possível que estejamos confundindo com os limites datécnica os da nossa própria incapacidade de dominá-la e de explorar-lhe a fundo asvirtualidades”.(9)

(8) DINAMARCO, A instrumentalidade do processo..., cit., p. 36.(9) Efetividade do processo e técnica processual, in: RePro, 77/175, apud MAIOR, Jorge Luiz Souto.Temas de processo do trabalho. São Paulo: LTr, 2000. p. 12.