Teorias de Desenvolvimento, Capitalismo e o Transporte Aéreo Brasileiro
Por Volney Gouveia
Introdução
O transporte aéreo brasileiro tem vivenciado importantes transformações nas últimas décadas.
Seu desempenho tem acompanhado a própria trajetória de desenvolvimento econômico do país. Em
diversos períodos históricos, o setor manteve-se como vetor estratégico de desenvolvimento a partir
da ação indutora do Estado nacional. Este artigo apresenta uma abordagem geral sobre algumas
teorias de desenvolvimento econômico e a formação do capitalismo contemporâneo a partir das
interpretações de Rostow (1969), Lewis (1969) e Oliveira (2002) e as conformações do Estado no
contexto de evolução do próprio capitalismo. Na América Latina, as interpretações estruturalistas de
desenvolvimento (CEPAL) contribuíram para conformar um Estado indutor dos padrões de
desenvolvimento dos países a partir do modelo de industrialização por substituição de importações
(Love, 2005; Cardoso e Falleto, 2004; Willianson, 1990). Na sequência apresenta uma discussão sobre
as variações de capitalismo (Liberais, Coordenados e Hierárquicos) e alguns resultados econômicos
para cada tipo (Hall e Soskice, 2001; Schneider, 2009; Thelen, 2012). No caso brasileiro, o capitalismo
de Estado teve papel importante no desenvolvimento da aviação civil. Discutem-se as principais
transformações nas últimas décadas a partir de 1910 para identificar as formas de atuação do Estado
brasileiro na conformação do setor. Por último são apresentados uma breve análise sobre
produtividade e os impactos de algumas variáveis macroeconômicas sobre o setor, procurando
registrar que, além da influência de políticas públicas, as decisões de política econômica impactam na
trajetória do setor.
1. Teorias de Desenvolvimento Econômico e Formação do Capitalismo
A concepção de desenvolvimento nos remete à ideia de melhoramento constante das ações
produtivas, da criação de oportunidade e da maior produtividade na geração de riqueza. A dinâmica
do desenvolvimento produz mudanças profundas nas formas de se produzir bens e serviços,
alterando a própria dinâmica das relações sociais e produzindo novas demandas que passam a exigir
readequação dos processos produtivos para atendê-las. São vastos os estudos que descrevem os
processos de desenvolvimento econômico de determinadas regiões e/ou países (Rostow, 1969,
Lewis, 1969, Oliveira, 2002). No entanto, o conceito de desenvolvimento ultrapassa a fronteira
estritamente econômica, espraiando-se para a dimensão social e política das sociedades. Hayek
(1974) defende o funcionamento livre dos mercados como forma de melhor alocar os recursos
econômicos e promover maior bem estar social, colocando-se contrário aos modelos de economias
centralizadas que, além de produzirem autoritarismo, produziriam ineficiência econômica. Já Polanyi
enfatiza o papel do Estado Moderno como personagem importante na consolidação de um sistema
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econômico mais orientado à satisfação das necessidades produzidas pelo mercado, registrando em
sua obra, “A Grande Transformação” (1944), que as mentalidades econômicas da humanidade foram
alteradas para uma sociedade orientada ao mercado, e não mais nas relações de reciprocidade e
redistribuição que vigoravam até então. A lógica comercial passou a moldar as relações sociais.
O desenvolvimento socioeconômico se dá por processos de transformação, e as políticas
públicas são o tecido do próprio desenvolvimento. Ele possui um caráter histórico e é marcado por
diversos estágios, conformando-se de forma muito distinta em cada uma das principais economias do
mundo. As dimensões mais importantes do aparato do desenvolvimento incorporam o capital
comercial, a divisão social do trabalho, a expansão dos mercados e as formas de organização da
produção (Oliveira, 2002). Padrões agrários de sociedade, nos quais as relações de produção são
mais simples, exigem a aplicação menor de capital, mas exigem por outro lado alta intensidade de
trabalho. Segundo Rostow apud Oliveira (2002), as sociedades tradicionais “possuem economia
essencialmente agrícola que utilizam métodos de produção mais ou menos fixos, que poupam e
investem produtivamente pouco mais do que o necessário para cobrir a depreciação"(Oliveira, 2002).
Já as sociedades industriais, à medida que o capital industrial amadurece, aumenta a renda per
capita e modifica os padrões de consumo. As inovações permanentes produzem transformações das
técnicas produtivas e eleva a produtividade, ampliando o leque e o volume de bens e serviços à
disposição da sociedade. A própria dinâmica do capital produz consecutivamente a necessidade de
novas incorporações e novas demandas, as quais são atendidas pela incorporação de mais capital.
Tem-se assim a construção de uma economia industrial baseada no alto nível de investimento,
produção e consumo.
A migração de modelos mais agrários para modelos dinâmicos industriais ocorrem dentro da
lógica de complementação: o setor agrícola deve gerar excedentes de renda para prover grandes
quantidades de alimentos às cidades e financiar embrionariamente a construção de infraestrutura
pesada (transportes, comunicação e energia) para sustentar o crescimento da renda per capital a
taxas mais elevadas. No entanto, não é possível compreender o desenvolvimento dos países sem
levar em conta seus processos de formação histórica. Por exemplo, a experiência de industrialização
dos países latino americanos do século XX não pode ser explicada a partir da experiência das
economias europeias, que presenciaram um tipo de capitalismo (o concorrencial) enquanto que os de
países latinos americano presenciaram o capitalismo monopolista. O capitalismo concorrencial
construiu um aparelho produtivo integrado, beneficiando-se de trabalhadores livres e de um sistema
de crédito relativamente eficiente. Tanto o trabalho quanto o capital mantinham certo nível de
mobilidade e o ambiente de concorrência produzia preços mais baixos, reflexo dos constantes
aumentos de produtividade do trabalho e do capital. Ele data a partir dos anos 40 do século XVIII
quando o advento das ferrovias, da indústria do aço e das máquinas à vapor iniciam um novo impulso
do padrão de desenvolvimento, notadamente da sociedade inglesa. Seu desenvolvimento é orgânico
porque sua necessidade de recursos produtivos e financeiros é relativamente simples, não exigindo
avanços tecnológicos permanentes e nem vultosos financiamentos bancários, o que permitiu o
avanço das forças produtivas e da produção. Este tipo de capitalismo garante certa isonomia no porte
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tecnológico e relativo ambiente competitivo, cujas técnicas produtivas são fáceis de ser apropriadas
pelos trabalhadores. A acumulação primitiva de capital permitiu o financiamento de projetos
ferroviários (crescimento orgânico), o surgimento da visão da ética protestante de Max Weber e o
desenvolvimento da indústria geram novas demandas e contam com reduzida presença do Estado.
A etapa seguinte do modelo de capitalismo concorrencial passa a ser a internacionalização.
Já a partir de meados do século XVIII o grande capital se expande para além das fronteiras internas
por meio do livre-cambismo, cujo marco foi a revogação das “corn-laws” legislação que garantia até
então proteção comercial aos produtores de cereais ingleses. Os ingleses passam a contar com
produtos agrícolas produzidos externamente a preços mais baixos (as colônias têm papel relevante
no fornecimento de produtos agrícolas àquele país) e, em troca, os ingleses participam da construção
de infraestrutura das colônias como forma de contribuir para o aumento das exportações destes
próprios países. O processo industrial inglês exigiu constantemente a oferta de produtos minerais
para sua indústria e de alimento para as populações urbanas, resultado do aumento da produtividade
interna e da rápida industrialização. Se esta nova etapa do capitalismo foi definida pela economia
inglesa, também é verdade que as colônias tiveram papel determinante neste processo na medida
em que garantiram matérias-primas baratas para utilização na indústria inglesa, contribuindo para a
elevação da produtividade da indústria inglesa. A relação de dominação inglesa produziu periódicos
superávits no balanço de pagamentos, garantindo o provimento de crédito e investimentos nas
colônias exportadoras, além de funcionarem como alavanca para o aumento das exportações de
bens manufaturados ingleses e dinamizando continuamente sua indústria local. Em outros termos,
como sintetiza Oliveira (2002):
“o capitalismo concorrencial compreendia um mercado mundial de mercadorias, de capitais e de força de trabalho, o que definia mundialmente certo padrão monetário, financeiro e comercial. Na verdade, se os descobrimentos e o desenvolvimento do comércio marcaram o surgimento do mercado mundial na era da acumulação primitiva, a Revolução Industrial é o ponto de partida para o mercado mundial capitalista. E o novo mercado era capitalista porque, em última instância, sua dinâ- mica era determinada pelos movimentos da acumulação capitalista na Inglaterra.” Oliveira, 2002
Apesar do pioneirismo inglês no desenvolvimento do capitalismo concorrencial, nem todos os
países que funcionaram como ofertantes de produtos primários tiveram seu processo de
desenvolvimento industrial interrompido (Estados Unidos, por exemplo,1). Mas outros países,
notadamente asiáticos e latinos americanos, mantiveram uma posição subordinada e retardaram seu
processo de desenvolvimento industrial e mantiveram sua dependência às importações de produtos
industrializados.
1 Nos Estados Unidos, a pequena produção independente, a relativa divisão social do trabalho e a acumulação
de capital comercial contribuíram para fortalecer sua manufatura e desenvolver sua indústria. Sua independência frente à Inglaterra é resultado das condições sociais e naturais no nordeste americano (clima europeu, abundância de terras, ausência de metais preciosos) que não permitiam despertar o interesse do capital comercial inglês naquele país, ao mesmo tempo em que a pequena propriedade é formada e passa a demandar maior independência frente à metrópole.
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1.1. O papel do Estado como Agente Econômico na Seara Capitalista
Não haveria desenvolvimento econômico robusto das sociedades contemporâneas sem o
papel determinante do Estado Moderno. O advento da Revolução Industrial, grosso modo financiada
pelas rendas geradas pela Era Mercantil a partir do século XV2, deve ser compreendido no âmbito
das próprias lutas sociais internas de cada país, e não exclusivamente pela competição em escala
global entre as nações. Por exemplo, Alemanha e Itália sofreram duros golpes em seu comércio
intrarregional e perderam a corrida colonial; o Leste Europeu (Rússia, Polônia, Prússia) fortaleceu sua
nobreza frente aos camponeses e burguesia e impediu o avanço da industrialização na medida em
que priorizou a produção agrícola de exportação articulada com o mercado mundial; Portugal e
Espanha utilizaram de seu poder ultramarino para espoliar suas colônias e reproduzir os padrões da
nobreza, “divorciando” sua maneira de viver da maneira de produzir. No caso inglês, houve debilidade
da nobreza e o surgimento de uma classe urbana promoveu o aumento da mercantilização: a
produção artesanal e nobre cede lugar à produção em massa de produtos mais baratos,
impulsionados pela especialização do trabalho. E outros termos, segundo Oliveira, “o
enfraquecimento das corporações, os cercamentos e a migração dos camponeses expulsos para as
cidades permitiram que a manufatura surgisse e se desenvolvesse nos cem anos que antecederam
os movimentos revolucionários do século XVIII”.
Os Estados Nacionais, constituídos à luz das novas relações econômicas mais dinâmicas,
apropriam-se de parte das rendas geradas e se constituem em importantes provedores de políticas
de fomento aos setores de bens de capital3. Mas se o capitalismo originário possui características
próprias de evolução, não se pode concluir que sua dinâmica se espraia de forma similar a outras
nações. Países como Estados Unidos, Alemanha e França avançaram tardiamente na sua
industrialização (“capitalismo atrasado”). No entanto, obtiveram sucesso na empreitada porque estes
países conseguiram incorporar as técnicas produtivas inglesas e seus operários eram imigrantes
dotados de relativa especialização, contribuindo para a difusão das tecnologias e promovendo a
ampliação da produção manufatureira interna. A impossibilidade de controle monopólico da
tecnologia pelos próprios ingleses explica permitiu a estes países – até então atrasados – criarem
estruturas produtivas tecnologicamente parecidas com às da Inglaterra. Também foram favorecidos
pela expansão do crédito, importação de capitais, formação de sociedades por ações e mesmo por
empresas familiares, que garantiam inversões de renda para a promoção da industrialização. Em
última instância, pode-se afirmar que o capitalismo atraso na verdade reproduziu a estrutura produtiva
inglesa, tornando seu capitalismo muito semelhante ao deste país. No caso americano, a ruptura com
2 De acordo com Oliveira (2002), “do ponto de vista das relações internacionais, o fundamental é a luta pelo
controle das fontes do lucro comercial, e esta é uma luta entre nações européias, pois a concorrência entre as distintas colônias é transformada em concorrência entre metró- poles, já que a produção colonial é dominada e distribuída pelo comércio europeu. Concluindo, as condições nacionais para o avanço do capitalismo dependem dessa aguda e sangrenta luta em âmbito internacional em torno das fontes do lucro comercial. 3 Segundo Bauer apud Oliveira (2002), “O Estado moderno surge como filho da produção mercantil. Quando o
produto do trabalho converte-se em mercadoria e transforma-se em dinheiro, pode uma parte do produto do trabalho da sociedade, na forma monetária do imposto, manter economicamente o Estado e possibilitar que este crie um exército de mercenários e um corpo de funcionários pagos com o dinheiro que o torne independente do vínculo feudal" (Bauer apud Oliveira, 2002).
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o pacto colonial inglês não rompeu as relações econômicas comerciais com os ingleses, e exigiu dos
Estados Unidos a prática de políticas protecionistas para o desenvolvimento de sua indústria, ao
contrário da prática mais liberalizante dos ingleses no período pós-industrialização. No caso Alemão e
Francês, o papel do Estado como financiador de projetos estruturantes por meio da utilização dos
bancos de investimento foi determinante para a construção de infraestrutura básica para sua
industrialização4.
A tabela 1 apresenta um breve resumo das características mais marcantes das economias
inglesa e a de países de capitalismo tardio. Observam-se características bem distintas nas formas de
avanço do capitalismo neste grupo de países. Enquanto a Inglaterra presenciou um processo mais
orgânico e autêntico de desenvolvimento do capitalismo, EUA, Alemanha e França operaram sob
condições diferentes, pois mantinham apenas relações mercantis exportadoras e somente mais tarde
acabam por se apropriarem de técnicas de produção mais modernas, facilitadas pelos fluxos
migratórios de trabalhadores especializados e pela ação do Estado por meio da utilização de bancos
de investimentos. Estes países também vão contar com empréstimos externos ingleses, que serão
alocados na ampliação da capacidade industrial instalada, e também com a apropriação de rendas
geradas pelo comércio externo cujos lucros serão retidos para autofinanciamento. Assim, o
capitalismo tardio se desenvolveu de forma mais difusa, ainda que tenha proporcionado sua
independência frente ao poderio inglês.
Tabela 1 - Características do Desenvolvimento Capitalista da Inglaterra e de Países de Capitalismo Tardio
Século Inglaterra EUA, Alemanha e França
XVIIIIndústria textil e acumulação primitiva de
capitalAgriculturas exportadoras
Advento da máquina à vapor;
Monocultura do sul e relativo dinamismo econômico do nordeste,
recepção de imigrantes europeus detentores de técnicas produtivas
modernas, (EUA)
Investimentos em ferrovias;Importação de bens e produção fabril incapaz de promover a
industrialização
Construção do sistema ferroviário interno
pela ação de capitais privados
Construção de canais, rodovias e obras de infraestrutura e
transformação de recursos monetários em capital para a estrada de
ferro dependeu da ação do Estado.
Concessão de empréstimos externos para
financiar infraestrutura das colônias e
países exportadores
Importaçao de capital estrangeiro; papel importante dos bancos de
investimento; Papel relevante dos bancos de investimento; lucros
retidos para autofinanciamento (Schumpeter); Reduzida participaçao
no comérico internacional (dominado pelos ingleses); Frágil
processo de mercantilização das economias.
XIX
Fonte: Oliveira, 2002 – Elaboração própria.
4 A atuação de bancos públicos como indutores de desenvolvimento não é recente. O exemplo mais marcante
foi o papel desempenhado pela Companhia de Comércio Ultramarino (Seehandlung), que operava como banco oficial de investimentos diretos nos diversos segmentos da indústria têxtil alemão (Prússia) no século XVIII (Oliveria, 2002). No caso brasileiro, a criação do BNDES surgiu na esteira da necessidade de se criar mecanismos de financiamento à indústria nascente no Brasil e seu papel indutor foi e tem sido determinante para ampliar as atividades industriais e promover a geração de investimento, emprego e renda.
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1.2. A Interpretação Estruturalista de Desenvolvimento para a América Latina
Os países latinos americanos, historicamente, constituíram em importantes fontes de
matérias-primas para as economias centrais, notadamente Inglaterra e países Ibéricos. Desde o
século XVI predominou uma cultura de exploração de recursos para abastecer as metrópoles
dominantes. As transformações econômicas e políticas ocorridas ao final do século XVIII e início do
século XIX vão promover novas interpretações acerca das limitações ao desenvolvimento de uma
economia menos dependente e mais autônoma. O principal ponto de partida deste novo ciclo estaria
na pressão dos ingleses para a abolição da escravatura e da introdução de trabalhadores livres na
América latina, o que abriria espaço para a constituição de uma economia mais livre e ampliaria o
mercado interno para aquisição de bens industrializados ingleses. Já no século XX, um novo ator – o
Estado – passa a coordenar um processo mais vigoroso de industrialização a partir da concepção de
substituição de importações. O surgimento das interpretações estruturalistas (cepalismo) na América
Latina ganham projeção a partir do diagnóstico de Raúl Presbisch, para o qual o desemprego
estrutural da região devia-se em grande parte à incapacidade da indústria exportadora crescer e
absorver a população rural, conjugado com o desequilíbrio externo produzido pela alta propensão a
importar frente às exportações de commodities (bens agrícolas e minério), produzindo permanentes
deteriorações dos termos de troca (Love, 2005).
A superação do atraso histórico, segundo a visão cepalina, dar-se-ia a partir de um vigoroso
processo de industrialização por substituição de importação (ISI) e operaria em três fases: (1)
substituir bens de consumo doméstico, (2) substituir bens intermediários e (3) produzir bens de capital
e seus inputs. O modelo produziu uma forte transferência do homem do campo para as cidades e
garantiu mão de obra abundante e barata para a indústria nascente, repercutindo muito positivamente
no crescimento da taxa de produtividade e na expansão do mercado interno. Este, por outro lado,
exigia a criação de uma indústria de base capaz de atender às necessidades de consumo. No
período 1940-1980, a América Latina apresentou os melhores indicadores de renda per capita,
expectativa de vida e alfabetização.
Para Love (2005), no entanto, as características monopolíticas deste modelo produziram
fenômenos monetários graves como a inflação e geraram benefícios às empresas multinacionais,
produzindo crises do balanço de pagamentos (transferências de renda, dificuldades de exportação e
proteção excessiva ao mercado interno). Também a forte desigualdade na distribuição da renda e a
forte participação de capitais estrangeiros alteraram as condições para um desenvolvimento
autônomo e sustentado. Em “Desenvolvimento e Dependência na América Latina”, Cardoso e Faletto
(2004) argumentam que o atraso das economias em desenvolvimento ocorria em razão do reduzido
nível de internacionalização, e que a nova dependência estaria na globalização. Não haveria
alternativa senão integrar-se ao circuito do comércio internacional por meio da associação com
grupos econômicos internacionais (“Desenvolvimento Dependente-Associado”). Na visão destes
autores, “começa a haver uma espécie de integração planetária que junta as ilhas de prosperidade
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dos diversos países, homogeneizando-as e as tornando distantes do restante de cada país” (Cardoso
e Faletto, 2004).
A partir dos anos 70 surgem críticas à atuação do Estado na economia, associando-a aos
graves problemas de instabilidades monetárias e de ineficiência produtiva, e que ganham força no
início dos anos 90 com a publicação do “Consenso de Washington” (Williamson, 1990), trabalho que
lista um conjunto de dez proposições de política econômica que deveriam ser seguido pelos países
latino-americanos. As proposições consistiam, basicamente, em: 1) manter o déficit público próximo
dos 2% do PIB; 2) revisar os gastos públicos, alocando-os de forma mais focalizada; 3) reforma
tributária focada na ampliação da base de arrecadação e redução das taxas; 4) manutenção de taxas
de juros positivas e moderadas para promover o investimento e não ampliar a dívida pública; 5)
praticar uma taxa de câmbio que não ameace a inflação e ao mesmo tempo promova as exportações;
6) ampliar importações e bens de capital para melhorar as exportações; 7) liberalizar o ingresso de
capitais externos para ampliação de habilidades e conhecimentos tecnológicos; 8) ampliar
privatizações, garantindo renda ao governo e ampliando arrecadação; 9) desregulamentar as
economias tornando-as mais livres para competirem entre si e 10) criar mecanismos para resguardar
os direitos de propriedade. As proposições do “Consenso de Washington” estão objetivamente
alinhadas com a perspectiva ortodoxa de economia, enfatizando o mercado – e não o Estado – como
melhor alocador de recursos produtivos. Nesta visão, as instituições de mercado fornecem meios
mais eficazes para coordenar os esforços dos atores econômicos (HALL e SOSKICE, 2001).
1.3. As Variações de Capitalismo: Economia Liberal de Mercado e Economia Coordenada de
Mercado
HALL e SOSKICE, 2001, em seu trabalho “Varieties of capitalism: The institutional
foundations of comparative advantage”, investiga as diferenças e semelhanças institucionais e
econômicas de alguns países selecionados. O trabalho procura superar a sabedoria convencional de
que as forças de mercado por si só seriam capazes de promover o desenvolvimento, apresentando
novas perspectivas de análise para salientar a importância de um conjunto de temas (p.e. inovação,
formação profissional e de empresas, sistemas legais, desenvolvimento de políticas sociais e
negociações bilaterais entre países) na constituição do capitalismo de países selecionados5. Os
autores registram três fases importantes do capitalismo (modernização, neo-corporativismo e sistema
social de produção) e centram sua análise na dinâmica das empresas em um contexto de múltiplas
relações estabelecidas por estas (papel das associações e sindicatos de trabalhadores) com as
instituições da economia política.
A premissa dos autores é a de que a presença de regimes regulatórios preservados pelos
Estados-Nação (mercado de trabalho, educação e treinamento corporativo) constitui-se em poderosa
estrutura institucional que permite a integração de elementos micro e macroeconômicas da economia,
estando as empresas em papel determinante e subordinado às instituições . Existem cinco esferas
5 Austrália, Canadá, Irlanda, Nova Zelândia, Reino Unido e Estados Unidos (LME) e Áustria, Bélgica, Dinamarca,
Finlândia, Islândia, Alemanha, Japão, Noruega, Suécia e Suíça (CME).
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por meio das quais as empresas se inter-relacionam e estabelecem laços para coordenarem suas
ações: 1) relações industriais (negociações com trabalhadores e sindicatos), 2) governança
corporativa (preocupação com a rentabilidade das empresas e o retorno financeiro aos acionistas), 3)
relações inter-firmas (operações conjuntos de compra/venda de insumos e produtos), 4) Joint
Ventures (participação conjunta em atividades produtivas e divisão de propriedade) e 5)
trabalhadores (estabelecimento de competências e cooperações necessárias para avançar nos
objetivos corporativos). Nas economias de mercado coordenadas (CME), as empresas não
dependem de relações estritamente econômicas, mas buscam coordenar seus esforços para
alcançar competências que lhes permitirão ser competitivas. Já nas economias de mercado liberal
(LME), as empresas dependem da dinâmica entre oferta e demanda (desequilíbrios) e da qual seus
resultados estão subordinados. Nas CMEs, os equilíbrios econômicos são mais recorrentes porque
as empresas coordenam suas estratégias e ações entre si e com outros atores. Como aponta os
autores, “em qualquer economia nacional, as empresas irão gravitar o modo de coordenação para o
qual há apoio institucional”. Ou seja, não seria a livre interação entre oferta e demanda que
determinaria relativa estabilidade dos resultados econômicos de cada empresa, mas o conjunto de
instituições e sua coordenação com o aparato produtivo empresarial6. Esse conjunto de instituições
seria uma condição prévia necessária para o alcance de equilíbrios de longo prazo em contextos de
coordenação. As estratégias corporativas são sistematicamente diferentes tanto entre empresas
quanto entre nações, que são paralelas às estruturas institucionais globais. Em outros termos, “as
instituições relevantes dependem fortemente de estatutos ou regulamentos promulgados pelos
estados nacionais, assim como muitas instituições na arena financeira e no mercado de trabalho,
para não mencionar a esfera do direito dos contratos”. HALL e SOSKICE (2001)
Já as Economias de Mercado Liberais (LME) apresentam mercados competitivos mais
robustos e a presença de apoio institucional é reduzida. O ambiente regulatório (sistemas financeiros
e governança corporativa) encoraja as empresas a se procurarem com o desempenho de seu lucro e
do valor de suas ações no mercado acionário. As operações de fusões e aquisições são muito mais
toleradas – e até estimuladas – e o compartilhamento de preço, rentabilidade e estratégias é
minimizado. A fragilidade dos sindicatos nestas economias torna mais fácil para as empresas
liberarem ou contratarem trabalhadores, sendo a rotatividade frequente e sem garantias de
estabilidade em longo prazo. Os trabalhadores são encorajados a buscar qualificações mais
generalistas ao invés de específicas, o que promove frequente movimentação de trabalhadores entre
empresas. As transferências de tecnologias são limitadas e as Leis Anti-trust desencorajam as
empresas de se unirem com outras empresas, contrariamente às CMEs, cujos acordos entre
empresas são até encorajados. Nas palavras de Hall e Soskice (2001), “em termos gerais, as
economias de mercado liberais são distinguíveis das economias de mercado coordenadas pela
medida em que as empresas dependem de mecanismos de mercado para coordenar seus esforços
6 Os autores definem instituições como “um conjunto de regras, formais ou informais, que os atores
geralmente seguem, seja por razões normativas, cognitivas ou materiais, e organizações como entidades duráveis com membros formalmente reconhecidos, cujas regras também contribuem para as instituições da economia política”. HALL e SOSKICE, 2001
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em oposição às formas de interação estratégica apoiadas por instituições não-mercado”. Para
Thelen, 2012, “considerando que os sistemas de relações industriais nas LMEs são caracterizados
por negociação coletiva descentralizada, descoordenada e relações contraditórias entre sindicatos e
empregadores, as CMEs apresentam negociação altamente coordenada e parceria social entre
sindicatos e associações patronais fortes e centralizadas”
Uma conclusão geral dos autores é que “as economias de mercado liberais e coordenadas
parecem capazes de fornecer níveis satisfatórios de desempenho econômico de longo prazo, como
os principais indicadores de bem-estar nacional” (Tabela 2). Avaliando a experiência do grupo de
países com economias liberais e coordenadas, identificou-se que no período de quase 40 anos as
taxas de desempregos nas economias coordenadas (CME) mantiveram-se 1/3 menores do que
aquelas identificadas em LMEs. Tal desempenho é resultado da baixa rotatividade percebida nas
CMEs porque as empresas oferecem contratos de trabalho de longo prazo e treinamento contínuo
para garantir trabalhadores qualificados que atuam em rede. Estas relações estimulam a difusão da
tecnologia por toda a economia7. As diferenças de renda per capita também podem ser percebidas
principalmente em períodos mais recentes (6% das CMEs em relação às das LMEs). No entanto, o
ritmo de expansão econômica (variação do produto) mantém em patamares maiores nas LMEs,
exceto para o período 61-73.
As principais instituições que operam o capitalismo e gerenciam a política em distintos países
são a causa de seus níveis relativamente diferentes de desigualdades socioeconômicas. Níveis de
consenso, sistemas políticos e as CMEs tendem a ser mais igualitários e com estados de bem estar
mais fortes, ao contrário dos países com sistemas políticos competitivos, majoritários e de economias
mais liberais (LME). SCHNEIDER e SOSKICE, 2009.
Tabela 2 – Indicadores Econômicos por Tipo de Capitalismo (Liberal e Coordenado)
Economias de
MercadoPeríodo
Liberal
(LME)
Coordenada
(CME)
Var. % e p.p.
CME/LME
61-73 4,3 5,1 1,19 p.p
74-84 2,5 2,4 0,96 p.p
85-98 3,2 2,3 0,72 p.p
74-84 7.939 8.174 2,96
85-97 16.890 17.902 5,99
60-73 3,2 1,3 -1,9 p.p
74-84 6,7 3,6 -3,1 p.p
85-98 8,9 6,1 -2,8 p.p
Taxa de Crescimento
do Produto (var. p.p)
Renda Per Capita
(Var. %)
Taxa de Desemprego
(var. p.p)
Fonte: HALL e SOSKICE, 2001 – Elaboração própria.
7 Na Alemanha, por exemplo, as relações entre empresas são estimuladas pelas instituições. Associações
empresariais promovem a difusão tecnológica desenvolvendo trabalhos conjuntos com servidores públicos para determinar os tipos de competências que devem ser melhoradas e/ou objeto de políticas de subsídios.
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2. Evolução do Transporte Aéreo Civil Brasileiro
O desenvolvimento do setor aéreo brasileiro confunde-se com o desenvolvimento do setor
aéreo mundial. Desde os anos 10, com a criação da Inspetoria Geral de Navegação, a indústria aérea
vem ocupando espaço econômico relevante na economia brasileira pelo seu caráter promotor do
desenvolvimento regional e integrador do territorial nacional. De 1927 a 1940 transformações
importantes ocorrem na aviação brasileira, marcada pela exploração das primeiras linhas aéreas
regulares em um contexto de forte preocupação com a soberania e o mercado brasileiros8. Nos anos
30 predominava a doutrina do poder aéreo unificado e a necessidade da criação de uma força aérea
independente, criando-se pela primeira vez um órgão (Departamento de Aviação Civil, 1932) voltado
exclusivamente para as questões do transporte aéreo. Nos anos 40 é criado o Ministério da
Aeronáutica, que acumula as funções exercidas pelo Departamento de Aviação Civil e pela Inspetoria
Federal de Viação Marítima e Fluvial. O Estado brasileiro atua fortemente para ampliar os serviços
aéreos em um contexto de transformações econômicas e sociais (a fase de industrialização da Era
Vargas).
O período posterior, 1940-50, é marcado pela ampliação do número de empresas (surgem 12
novas empresas9) e o consequente excesso de oferta de voos, o que provocou inúmeras falências
potencializadas pelas crises no transporte aéreo. É neste período que o número de cidades servidas
atinge seu ápice (algo em torno de 335 cidades em 1958), operados por empresas de maior
expressão à época, como Real, Transportes Aéreo Nacional (TAN) e Lóide Aéreo Nacional, faliram
(TAN), as quais foram adquiridas por Varig (Real) e Vasp (Lóide) no mesmo período.
O período pós-1960 é marcado pela redução do número de cidades atendidas pelo interior do
Brasil, o que leva o Estado a ampliar sua presença como regulador. Este cenário leva a uma nova
fase, chamada “competição controlada”, com a criação do CONAC (Conferência Nacional de Aviação
Civil) no início dos anos 60, cujo objetivo foi reorganizar a oferta de voos e garantir melhores
condições econômicas às empresas operadoras. Nos anos 60 foram realizadas três conferencias
(1961, 1963 e 1968) e todas elas buscaram estimular a fusão entre empresas, com forte regulação
sobre os preços e rotas. Para tal o governo brasileiro restringiu as operações aéreas a duas
empresas nas operações internacionais e três empresas nas operações domésticas como tentativa
de equilibrar a oferta, principalmente em um contexto no qual as aeronaves em operação
apresentavam custos excessivos e as políticas econômicas em vigor haviam retirado benefícios
cambiais às empresas para importação de peças e sobressalentes. Em 1965 o Ministério da
Aeronáutica, por questões ainda hoje pouco esclarecidas, interveio na Panair do Brasil e transferiu
suas linhas domésticas e internacionais para a então Varig.
8 Neste período surgem as primeiras companhias aéreas (a alemã Condor Syndicat, a francesa Aéropostale, as
brasileiras Varig, Panair do Brasil e Vasp, esta fundada por 70 empresários paulistas). 9 Navegação Aérea Brasileira - NAB - (1939); Aerovias Brasil (1943); Linhas Aéreas Paulistas (LAP), 1944; Viação
Aérea Santos Dumont (VASD), 1945; Linhas Aéreas Brasileiras (LAB), 1946; Viação Aérea Gaúcha, 1947; Real (Redes Estaduais Aéreas Ltda), 1947; Transportes Aéreos Bandeirantes, 1952; Transportes Aéreos Nacional, 1952; Lóide Aéreo Nacional, 1952; Paraense Transportes Aéreos, 1954; Sadia, 1954.
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A política de forte monitoramento se estende até os anos 80, passando pelo IV CONAC (que
não deliberou sobre mudanças mais profundas no setor), e pela criação, em 1975, do SITAR
(Sistema Integrado de Transporte Aéreo Regional), cujo propósito era retomar a ampliação do
número de operações aéreas nas cidades do interior. Para tal propósito, cinco empresas (Nordeste,
Rio-Sul, Taba, Votec e Tam) foram designadas a operar, cada qual, regiões específicas do país10
.
Outro propósito do SITAR foi o de utilizar o avião pioneiramente desenvolvido pela Embraer
(Empresa Brasileira de Aeronáutica), cujo lançamento ocorrera em 1971, e que havia sido muito bem
recebido pelas empresas que operavam mercados regionais no exterior.
Os anos 80 vão presenciar mudanças importantes na aviação brasileira. Em 1986 é aprovado
o Código Brasileiro de Aeronáutica, que institui um amplo aparato legal, orientando as ações dos
atores envolvidos diretamente com a aviação em diversos temas, tais como: direito aeronáutico,
direito privado, espaço aéreo, tráfego aéreo, infraestrutura aeronáutica, zonas de proteção ao voo e
ao meio ambiente, segurança de voo, certificação e homologação de profissionais e equipamentos,
concessão de serviços aéreos, regulação econômica e operações aéreas por empresas. Ao final da
década, com o advento da queda do muro de Berlin, uma onda liberalizante da economia passou a
ganhar relevância nas agendas governamentais. Predominava um pensamento liberal que
questionava e subjulgava as ações do Estado, associando-o às crises recorrentes da economia
brasileira e, mais especificamente, à baixa eficiência do transporte aéreo nacional, que apresentava
altos custos operacionais e elevados preços ao consumidor final. Ao final dos anos 80 (1989) o então
Departamento de Aviação Civil (DAC) conduz preliminarmente uma política de “Flexibilização
Tarifária”, que consistia em liberalizar os preços das passagens aéreas para estimular a competição
e, posteriormente, remover as restrições de rotas a ser operadas pelas empresas11
. O V CONAC,
realizado em 1991, definiu uma política de desregulamentação gradativa, cuja liberalização de tarifas
seria monitorada. A Conferência, orientada a políticas de desregulamentação, teve como
consequências, conforme apontado por Filho e França (2007):
a) Criação de novas empresas de transporte regular
b) Expansão da operação das empresas aéreas na Amazônia e regionais
c) Incremento das operações internacionais
d) Surgimento de novas empresas para atender ao mercado de voos não
regulares de passageiros (charter) e de carga, utilizando aeronaves de grande porte
e) Aumento no número de oferta de tarifas
10
Nordeste (Estados do NE, parte do MA, ES e grande parte de MG), Rio-Sul (Estados do Sul e RJ, parte do ES, faixa litorânea de SP), Taba (Estados da Amazônia e partes Oeste do Pará e norte do MT), TAM (MS, parte do MT e SP), Votec (Estados do Tocantins e Goiás, DF, partes do PA, MG e MT). Malagutti, 2001. 11
O início do processo de desregulamentação ocorre mais especificamente com o Programa Federal de Desregulamentação no Governo Collor. A partir de 1998 foram suprimidas as áreas de atuação de empresas regionais e as regras de concessão de linhas foram flexibilizadas, além da designação de novas empresas para exploração de rotas internacionais. Também foi autorizada que empresas regulares criassem voos não-regulares (charters) para atender a mercados específicos em determinados períodos do ano.
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A liberalização significou a abertura do mercado para a entrada de empresas operarem o
transporte regular e não-regular (regional e cargueiro). O resultado desta política foi que, em 1990,
das seis empresas em operação, onze novas surgiram até o final de 1991 e mais seis até 1995,
totalizando já em 2001 41 empresas. Mas a partir de 2001, somente 20 delas continuavam
registradas e autorizadas a operar normalmente, e apenas oito continuavam ativas no mercado. A
expansão da oferta de voos regionais multiplicou-se por sete entre 1991 a 1999 e a frota de
aeronaves evolui de 80 para mais de 200 aeronaves, muitas delas com motores a jato já
incorporados, além das próprias operações internacionais, que também dobraram.
Em 1992 é lançado o Programa Federal de Auxílio a Aeroportos (PROFAA), que visava
garantir recursos para a recuperação e operacionalização dos aeroportos regionais. Sua principal
fonte de recursos é originada do Fundo Nacional de Aviação Civil (FNAC) e de investimentos
realizados pelos estados da federação interessados12
. Em 1998 ocorre uma Segunda Onda de
Liberalização, com a total remoção das bandas tarifárias e a exclusividade do direito de as regionais
operarem as Linhas Aéreas Especiais.
E a Terceira Onda de Liberalização (“QuaseDesregulação”), aprovada em 2001, determinou o
fim de toda e qualquer regulação sobre os preços. Esta fase deu mais liberdade às companhias
aéreas, o que promoveu uma forte “guerra de preços” no mercado doméstico, com praticamente
todas as empresas adotando políticas de aumento da oferta e redução de preços. O resultado foi o
aumento dos prejuízos e taxas de ocupação muito baixas, potencializados pela disparada do dólar
por ocasião das instabilidades políticas em 2002.
Em 2003, em razão das fortes instabilidades econômicas e da gravidade financeira das
empresas, notadamente Varig e TAM, o então novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003), de
interpretação mais orientada ao reconhecimento de que o Estado deve ser um indutor, estabelece
novas regras - que viriam ser chamadas de “Re-regulação” – que consistiram em reorganizar a oferta
de voos no mercado doméstico, permitindo fusões entre as empresas. Houve então uma deterioração
da cobertura dos serviços aéreos ao longo do território nacional e a consequente concentração em
poucos aeroportos. A retomada da estabilidade econômica, com a ampliação do tráfego de negócios
e variações mais estáveis do câmbio, permitiu ao setor recuperar-se financeiramente a partir de 2005.
Os anos 2000 são marcados por importantes transformações no setor da aviação civil:
criação do Conselho de Aviação Civil (CONAC) em 2000; da Agência Nacional de Aviação Civil
(ANAC) em 2005 e da Política Nacional de Aviação Civil (PNAC), em 2009. Nos anos 10, destacam-
se a criação da Secretaria de Aviação Civil (SAC) e do Fundo Nacional de Aviação Civil (FNAC),
ambos em 2011; os programas de Concessão Aeroportuária e o lançamento do Programa de Aviação
Regional (PDAR), ambos lançados em 2012 e; mais recentemente, da Agenda Regulatória, de 2016,
que busca atuar em 35 grandes temas do setor aéreo, a maioria deles atualizando os regulamentos
existentes (RBACs). Neste mesmo ano, a ANAC passa a se subordinar ao Ministério dos Transportes
numa tentativa de integrar os outros modais de transportes e pensá-los de forma integrada.
12
Até o início de 2017, outra fonte de recursos era o ATAERO (Adicional de Tarifa Aeroportuária), que foi extinto nesta data.
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No decorrer das últimas décadas, percebe-se que o Estado brasileiro manteve atuação
marcante no desenvolvimento do setor aéreo nacional por meio de órgãos governamentais e de
políticas regulatórias, sempre estabelecendo os marcos de orientação do setor. A figura 1 abaixo
apresenta um quadro geral evolutivo dos principais eventos ocorridos no setor desde os anos 1910.
As transformações expostas na cor azul relacionam-se às atuações do entre estatal e na cor cinza as
do ente privado. O protagonismo estatal por meio de políticas de fomento ou de desregulamentação
no decorrer dos anos não é menos relevante. Muito pelo contrário. Em várias etapas da aviação
brasileira, nas quais as perturbações econômicas impuseram desafios ao setor, a atuação estatal foi
recorrente, fosse na forma de políticas de controle estrito das relações entre os entes, fosse na
atuação mais liberalizante pró-mercado. Mas as experiências liberalizantes, se não bem
coordenadas, acabam por estimular a competição ruinosamente até o ponto em que os atores
privados começam a apresentar perdas econômicas e uma nova rodada de atuação do ente estatal
se torna necessária.
Figura 1 – Principais Transformações no Transporte Aéreo Brasileiro no Período 1910-2010
Fonte: Elaboração própria.
Um novo marco do desenvolvimento do setor aéreo brasileiro se deu em 2009 quando da
criação da Política Nacional de Aviação Civil. Este dispositivo legal estabelece os “objetivos e ações
estratégicas para o desenvolvimento do setor de aviação civil” (Brasil, 2009). No que tange o
desenvolvimento do transporte aéreo regional, vale destacar os seguintes aspectos da Política:
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1. O Estado brasileiro deve ser capaz, portanto, de prever adequadamente a demanda por
bens e serviços aeronáuticos e propiciar as condições para que o desenvolvimento da
aviação civil se faça de maneira harmônica, equilibrada e adequada.
2. O provimento de infraestrutura, seja pelo Poder Público ou por agentes privados por meio
de delegação, conforme disposto na Constituição, deve proporcionar o desenvolvimento
das atividades de transporte aéreo.
3. O Sistema de Aviação Civil deverá ser capaz de acompanhar o desempenho dos seus
elementos constitutivos e de equipar-se de maneira compatível com os avanços e
inovações introduzidas no sistema.
4. O marco regulatório da aviação civil, em todos os seus segmentos, deve ser desenhado
de maneira a buscar maior eficiência econômica, novamente sem prejuízo da segurança
e observados os interesses estratégicos do País.
5. Estimular o uso de novas tecnologias para assegurar a regularidade e a pontualidade ao
transporte de passageiros, carga e mala postal. Aperfeiçoar, continuamente, os
parâmetros para a adequada prestação dos serviços de transporte aéreo.
6. Incentivar o desenvolvimento de tecnologias no âmbito da aviação civil, com destaque
para indústria aeronáutica, respeitando o meio ambiente.
7. Estimular o desenvolvimento das ligações de baixa e média densidade de tráfego.
8. Promover a adequada provisão, ampliação e otimização da infra-estrutura aeroportuária
civil, por meio do direcionamento estratégico de investimentos, visando ao
desenvolvimento econômico, à integração nacional e ao atendimento de regiões de difícil
acesso.
9. Incentivar a participação da indústria nacional em programas internacionais de
desenvolvimento e produção de serviços, sistemas e componentes. Promover o
adensamento da cadeia produtiva por meio do incentivo e apoio às indústrias conexas.
10. Monitorar a relação entre a demanda de serviços aéreos e a capacidade instalada,
visando planejar a ampliação ou adequação da infraestrutura e minimizar possíveis
desequilíbrios.
11. Estimular o desenvolvimento de serviços aéreos em todo o território brasileiro. Incentivar
o desenvolvimento e a expansão dos serviços aéreos prestados em ligações de baixa e
média densidade de tráfego, a fim de aumentar o número de cidades e municípios
atendidos pelo transporte aéreo.
12. Estimular o desenvolvimento da aviação geral. Estimular o uso do modal aéreo para
transporte de passageiros, carga e mala postal.
13. Promover o crescimento do setor por meio da regulação eficiente do mercado, de
estímulos a investimentos privados e do incentivo à concorrência, visando coibir práticas
anticoncorrenciais e assegurar a prestação adequada de serviços, a modicidade dos
preços e a garantia dos direitos dos usuários.
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14. A implantação da PNAC deverá ser acompanhada continuamente pelo Ministério da
Defesa, por intermédio da Secretaria de Aviação Civil, auxiliado pelos demais órgãos e
entidades que integram o Conselho de Aviação Civil (CONAC).
A figura dois abaixo mostra os termos mais utilizados na PNAC, chamando-nos a atenção os
termos “transporte aéreo”, “estimular” e “aeronáuticas” como os mais recorrentes.
Figura 2 – Palavras mais referenciadas no Decreto de Criação da PNAC
(Política Nacional de Aviação Civil)
Fonte: Wordclouds (2017) – Elaboração própria.
2.1. Desafios de Expansão do Transporte Aéreo no Brasil
O setor aéreo brasileiro apresenta falhas congênitas de mercado que o impede de atender a
um maior número de passageiros transportados. Apesar da forte expansão do setor na última
década13
, o número de cidades e de brasileiros não atendidos por voos regulares ainda é
representativo. Dos 5.565 municípios brasileiros, apenas 120 recebem operações aéreas regulares,
responsáveis por transportar 50 milhões de brasileiros (25% da população); ao mesmo tempo em que
o fôlego econômico das principais empresas operadoras para ampliar os serviços é limitado, seja
porque as margens de lucro são reduzidas, seja porque os custos estruturais de operação são
elevados (ANAC, 2016). Soma-se a isto o fato da renda média da população ser baixa (60% da
população economicamente ativa ganha até dois salários mínimos, segundo o IBGE) e as limitações
de crédito ao consumidor acabarem por impor preços menos competitivos ao setor em um contexto
de existência de bens substitutos que concorrem com a própria aviação (viagem de automóvel ou
ônibus etc), tornando o custo de oportunidade de voar mais elevado.
13
No período 2003-2015, a demanda por transporte aéreo, medida em termos de passageiro quilometro voado praticamente triplicou, passando de 46,7 bilhões em 2003 para 127,5 bilhões em 2015 (evolução de 173% no período e média anual de crescimento de 8,7%). (ANAC, 2016)
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Por outro lado, as características intrínsecas de segurança e rapidez proporcionadas pelo
transporte aéreo coloca o setor aéreo em posição de destaque. Seu desenvolvimento (abrangência
de cobertura no território nacional por uma extensa malha aérea) depende essencialmente de dois
grandes eixos de atuação do Estado brasileiro: políticas públicas de fomento e ambiente econômico
favorável. As políticas públicas de fomento visam garantir condições materiais, humanas e financeiras
para a ampliação dos serviços ao modal aéreo. A criação, em 2009, do Plano Nacional de Aviação
Civil, vai ao encontro da necessidade de ampliação destes serviços. Ao mesmo tempo, as condições
macroeconômicas também exercem papel crucial no desempenho do setor. A ampliação dos serviços
aéreos depende da solidez financeira das empresas, da garantia de um ambiente econômico estável
proporcionado pelo crescimento econômico, pelas taxas de inflação sob controle e por uma taxa de
câmbio competitiva. Estas duas dimensões dependem exclusivamente da forma de atuação do
Estado sobre a economia e sobre o próprio setor de transporte aéreo. Neste sentido, apresentaremos
na sequência uma discussão acerca do desenvolvimento da aviação brasileira, ressaltando o papel
central do Estado brasileiro nas suas diversas etapas, além de apresentar algumas experiências de
mudanças de paradigmas tecnológicos que modificaram a dinâmica do setor. Por último, procurar-se-
á associar algumas variáveis macroeconômicas com o desempenho do setor procurando identificar o
grau de exposição às flutuações das variáveis macroeconômicas sobre o setor.
O capitalismo está no meio de um ciclo de “destruição criativa" (Schumpeter, 1950). As
atividades produtivas têm migrado do setor industrial para o setor de serviços e uma onda de
inovações gerenciais têm levado empresas de vários setores a adotar novas formas de relações entre
fornecedor e cliente, sistemas de inventário just-in-time, controle de qualidade e produção em equipe.
as economias desenvolvidas experimentam mudanças profundas. Uma revolução tecnológica está
criando setores inteiramente novos, baseados em biotecnologia, microprocessadores e
telecomunicações, cujos produtos estão transformando as práticas comerciais em toda a economia.
Gráfico 1 – Evolução da Produtividade na Indústria Aérea – em %
Fonte: IATA, 2010.
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A indústria aérea é intensiva em tecnologia e seu progresso tem dependido continuamente da
melhora dos processos de produção (aeronave, operações aeroportuárias, software de gestão, etc) e
da incorporação de inovação. Mais do que una exigência operacional (melhoria da produtividade das
operações aéreas e garantia de seus níveis de segurança), a tecnologia tem permitido a obtenção de
ganhos de escala de produção e, por conseguinte, a redução de custos, impactando na eficiência
econômica e, em última instância, na melhora dos resultados financeiros e na ampliação dos níveis
de segurança.
2.2. Elementos Macroeconômicos e o Transporte Aéreo
A aviação comercial regular movimenta quase 10% do PIB (IATA, ANAC, 2015). Essa
presença é resultado do aumento do número de empresas aéreas, do aumento do número de
passageiros e da ampliação da infraestrutura aeroportuária assistidos nas últimas décadas. O
desenvolvimento econômico, que gerou necessidades de transporte de passageiro e carga, permitiu
o surgimento de empresas que passaram a ampliar gradativamente a oferta de assentos/voos nas
principais ligações aéreas, notadamente as capitais dos estados brasileiros, e os investimentos em
novas tecnologias para fazer frente aos desafios econômicos e operacionais.
No entanto, o setor aéreo, importante meio de transporte, convive com uma árdua escalada
econômica. Flutuações econômicas (PIB, variação cambial, sazonalidade da demanda etc.) e
alterações bruscas nos custos de produção (preço do combustível, leasing de aeronaves e softwares
etc.) interferem diretamente no resultado financeiro das empresas aéreas. Esta instabilidade leva as
empresas a buscarem continuamente ganhos de eficiência, gerenciando capacidade produtiva
(insumos e recursos humanos) para sobreviverem em um mercado cuja competição é um ingrediente
adicional pressionando as margens de rentabilidade.
Gráfico 2 - Relação entre PIB e Demanda Transporte Aéreo (1960=100)
1960
1965
1970
1975
1980
1985
1990
1995
2000
2005
2010
2011
2012
2013
2014
2015
RPK (DOM) PIB % real
Fonte: ANAC, 2016 – Elaboração própria.
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Uma primeira aproximação nos permite associar a evolução do tráfego de passageiros ao
desempenho da economia. O gráfico 2 acima evidencia a relação direta entre evolução do PIB e
demanda por transporte aéreo. A partir de 1994, quando o país inicia uma trajetória de estabilidade
monetária e cambial, a curva de demanda se desloca mais fortemente da curva do PIB. Já nos anos
de 2014 e 2015, observa-se que a redução do nível de atividade econômica (PIB) impactou nas taxas
de expansão da demanda, que se acomodaram no período. Atualmente, aproximadamente 67
aeroportos do país movimentam quase 100 milhões de viagens, o que representa praticamente 98%
de todo o tráfego de viagens aéreas no país (gráfico 3).
Gráfico 3 - Evolução da Oferta (ASK) e Demanda (RPK) no Transporte Aéreo Doméstico no Brasil – em bi
5,0 4,7 4,9
9,0
11,0
17,0 22,5 23,0
42,0
50,2
102,0
116,1 119,3
115,9 116,1 117,7
2,5 2,4 2,6 4,9 8,0
10,0 16,0 12,5
22,5
35,4
70,4
81,5
87,0 88,2
93,3 94,4
1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 2011 2012 2013 2014 2015
ASK RPK (DOM)
Fonte: ANAC, 2016 – elaboração própria.
No Brasil, realiza-se a média de 0,5 viagens per capita (ou quase uma viagem para cada dois
habitantes). Há dez anos este número era de uma viagem para cada 4 habitantes. Ou seja, na última
década aumentamos 100% a densidade de tráfego. Estimativa da IATA indica que poderemos chegar
a uma viagem per capita até 2030 (estatisticamente, cada brasileiro voaria pelo menos uma vez por
ano), dobrando o número de pessoas que voa atualmente. Em compasso com estas mudanças
positivas, em 2012 o governo lançou, no âmbito do PNAC (Plano Nacional de Aviação Civil),
programa que contempla investimentos em 270 aeroportos espalhados pelo país, cujas distâncias
estejam a um raio de 100 km um do outro. Esse critério permite que mais de 90% dos municípios
brasileiros estejam cobertos por malha aérea, constituindo em oportunidade para que milhões de
brasileiros passem a ter acesso ao modal aéreo. A incorporação de novos aeroportos ao sistema
permitirá ampliar tanto o número de aeroportos servidos como o número de passageiros atendidos,
ampliando assim a densidade de tráfego. Mas alcançar a meta depende da definição clara de
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políticas de investimentos e de programas de estímulos governamentais, a exemplo do PROFAA,
FNAC, PDAR e PNAC14
.
O nível de concentração de voos nas “linhas troncais” acompanha o nível de concentração
populacional nas grandes capitais. Milhões de brasileiros destas regiões, e das regiões mais remotas,
ainda não utilizam o modal aéreo. Da mesma forma que o forte crescimento da aviação na década de
2000 fortaleceu a presença do ente estatal no setor e justificou, em parte, a criação de novos órgãos
(SAC, CONAC) e programas (FNAC, PDAR, PNAC), o grande número de brasileiros não usuários do
sistema e o grande número de municípios sem serviços aéreos justifica a adoção de políticas
públicas capazes de reduzir estas disparidades. O debate acerca do tema “Estado versus Mercado”
não parece apropriado quando se confronta o modelo indutor com o modelo liberal. No caso da
aviação, o problema não está na discussão em torno da forte ou fraca atuação estatal, mas no
contexto econômico que atua diretamente nos fluxos de demanda e nas condições de crescimento do
setor, o que exige dos governos políticas públicas focadas na sua organização e/ou desenvolvimento
de tempos em tempo.
Algumas Considerações
O Estado brasileiro tem tido papel central no desenvolvimento do transporte aéreo. As
interpretações acerca de sua atuação (indutor ou regulador) alternaram de tempos em tempos,
dependendo do contexto histórico em questão. A questão da soberania no início do século XX era
mais proeminente, e o Estado brasileiro coordenou mais diretamente ações para a conformação do
transporte aéreo. Ao final do século, predominaram visões econômicas pró-mercado, atuando o
Estado como coordenador de ações de desregulamentação. No início do século XXI, as agencias
governamentais (SAC, ANAC, Ministérios) e suas políticas públicas (PROFAA, FNAC, Concessões,
PNAC) constituem em instrumentos indutores do setor. Adicionalmente, a própria condução das
políticas econômicas exerce papel mais proeminente no setor, suplantando inclusive políticas de
incentivo econômico direto, como subvenções, subsídio ou que tais. Ainda assim, as potencialidades
de desenvolvimento estão longe de ser completamente exploradas, haja vista a quantidade de
brasileiros que ainda não utiliza o transporte aéreo. Neste aspecto, as políticas públicas devem ser
aplicadas, ampliadas e avaliadas continuamente. Uma sugestão é aprofundar estudos sobre a
efetividade da Política Nacional de Aviação Civil e compreender melhor os efeitos das políticas
macroeconômicas sobre o setor.
14
A partir de 2016 o programa foi enfraquecido por meio de cortes orçamentários e aplicações do FNAC (Fundo Nacional de Aviação Civil) em outras rubricas que não a aviação civil, reduzindo-se o número de 270 para 57 cidades contempladas com recursos do FNAC.
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