UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO: MESTRADO
Linha de Pesquisa: Políticas Públicas e Gestão da Educação
CONTRIBUIÇÕES DO DIÁLOGO DE SABERES À EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM AGROECOLOGIA NO MST:
DESAFIOS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO NA CONSTRUÇÃO DO PROJETO POPULAR
DOMINIQUE MICHÈLE PERIOTO GUHUR
MARINGÁ 2010
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO: MESTRADO
Linha de Pesquisa: Políticas Públicas e Gestão da Educação
CONTRIBUIÇÕES DO DIÁLOGO DE SABERES À EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM AGROECOLOGIA NO MST:
DESAFIOS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO NA CONSTRUÇÃO DO PROJETO POPULAR
Dissertação apresentada por DOMINIQUE MICHÈLE PERIOTO GUHUR, ao Programa de Pós-Graduação em Educação, Linha de Pesquisa: Políticas Públicas e Gestão da Educação, da Universidade Estadual de Maringá, como um dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Profa. Dra.: IRIZELDA MARTINS DE SOUZA E SILVA
MARINGÁ 2010
DOMINIQUE MICHÈLE PERIOTO GUHUR
CONTRIBUIÇÕES DO DIÁLOGO DE SABERES À EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM AGROECOLOGIA NO MST:
DESAFIOS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO NA CONSTRUÇÃO DO PROJETO POPULAR
BANCA EXAMINADORA
Profa. Dra. Irizelda Martins de Souza e Silva (Orientadora) – UEM Prof. Dr. Bernardo Mançano Fernandes – UNESP – Presidente Prudente Profa. Dra. Maria Aparecida Cecílio – UEM Profa. Dra. Maria Antônia de Souza – UEPG – Ponta Grossa (suplente) Prof. Dr. Walter Lúcio de Alencar Praxedes – UEM (suplente)
A Sophia.
A Anne-Marie.
AGRADECIMENTOS
À professora Irizelda Martins de Souza e Silva, por orientar-me nesta
caminhada, abrindo a possibilidade de novas reflexões no campo Educação e
Políticas Públicas. Agradeço também pelo companheirismo, pelo afeto e pelo
respeito às minhas convicções políticas.
Ao professor Jean Vincent Marie Guhur, meu pai, pela disposição
permanente em dirimir dúvidas, apontar caminhos e semear questionamentos, em
todas as fases desta pesquisa (como em outros tantos momentos de minha
trajetória intelectual), respeitando meus posicionamentos e minha caminhada. Ao
seu apoio permanente e atencioso devo muito desta conquista. Agradeço também
a revisão atenta dos originais.
Às professoras da linha de pesquisa Políticas Públicas e Gestão
Educacional, Amélia Kimiko Noma, Ângela de Barros Lara e Maria Aparecida
Cecílio, por partilharem seus conhecimentos, contribuindo para a apropriação do
meu referencial teórico-metodológico. E por me mostrarem o quanto ainda me
falta aprender.
Aos companheiros e companheiras do Grupo de Estudos e Pesquisa em
Políticas Públicas e Gestão Educacional-GEPPGE, pelos momentos de troca,
debate e confraternização. Em especial, à Rebeca, minha colega de turma, e à
Jeinni, pelos serviços de tradução; agradeço a presença sempre atenciosa e
solidária de vocês.
Aos professores Maria Aparecida Cecílio e Bernardo Mançano Fernandes,
pela participação na banca de qualificação e de defesa final. Agradeço as valiosas
contribuições e espero que continuem sempre na luta, como exemplo de
militância e pesquisa.
Aos funcionários do PPE, pela ajuda e atenção.
Aos companheiros do coração, José Maria Tardin, Nilciney e Cida, do
MST/PR, pelos materiais enviados, pela leitura atenta dos capítulos e o envio de
sugestões, pelo incentivo e apoio, pelos momentos de debate e confraternização.
Aos companheiros e companheiras da Escola Milton Santos, pelos novos
aprendizados, pelo companheirismo e respeito. E aos educandos e educandas do
Curso Técnico em Agroecologia desta escola, por partilharem comigo seu
percurso educativo.
Aos companheiros e companheiras Sem Terra dos assentamentos e
acampamentos do noroeste do Paraná, em especial, das Brigadas Sebastião da
Maia e Sétimo Garibaldi, pelos autênticos “Diálogos de Saberes”, com quem
aprendi a ser povo e que me educaram para a luta permanente e cotidiana.
À minha mãe, Vera, por despertar em mim a disposição para construir um
mundo novo e apoiar-me sempre, em todos os momentos, no caminho que
escolhi.
A meu companheiro, Valdir, por dividir comigo as alegrias e os desafios
desta caminhada; e por ensinar-me, pacientemente, a cultivar a compreensão e a
amorosidade.
Do ponto de vista de uma formação econômico-social superior, a propriedade privada do planeta nas mãos de indivíduos isolados parecerá tão absurda como a propriedade privada de um homem nas mãos de outro. Nem sequer toda a sociedade, uma nação, mais ainda, todas as sociedade contemporâneas juntas são proprietárias da Terra. Somente são seus possuidores, seus usufrutuários, e devem melhorá-la, como boni patres familias, para as gerações futuras.
Karl Marx. (O Capital, Livro III).
LISTA DE FIGURAS, QUADROS E TABELAS
Figura 1: Mapa do Paraná com a localização das escolas técnicas do MST e da Via Campesina............................................................................
265
Figura 2: Fluxograma de biomassa e energia. Agroecossistema da família Dalle Molle, Arapongas/PR, 2008/2009...........................................
267
Quadro 1: Participação das 10 maiores empresas do planeta no mercado mundial, por setor de atividades, em 2007..................................................
56
Quadro 2: Precariedade na infra-estrutura das escolas do campo.............
95
Quadro 3: Turmas formadas e em andamento, e número de educandos, por escola....................................................................................................
150
Quadro 4: Descrição dos tempos educativos mais comuns na Educação Profissional..................................................................................................
157
Quadro 5: Exemplo de organização cronológica dos tempos educativos...
158
Quadro 6: Calendário Agrícola no agroecossistema da família Kochak. Nova Cantú, 2007/2008...............................................................................
266
Tabela 1: Evolução do número de famílias assentadas - 1999 a 2007.......
64
Tabela 2: Alterações na estrutura fundiária brasileira – 1992 a 2003.........
65
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ABAG-Associação Brasileira de Agribusiness
ABRA-Associação Brasileira de Reforma Agrária
ALBA- Alternativa Bolivariana dos Povos das Américas
ANA-Articulação Nacional de Agroecologia
ATEMIS-Associação de Trabalhadores na Educação e Produção em Agroecologia
Milton Santos
ATER-Programa de Assistência Técnica e Extensão Rural
CAPP-Coletivo de Acompanhamento Político Pedagógico
CCA-Cooperativa Central dos Assentados da Reforma Agrária
CEAGRO-Centro de Desenvolvimento Sustentável e Capacitação em
Agroecologia-
CEFFAs-Centros Familiares de Formação por Alternância
CEPAG-Centro de Formação e Pesquisa Ernesto Guevara
CIMA-Centro Irradiador de Manejo da Agrobiodiversidade
CIMI-Conselho Indigenista Missionário
CLOC-Coordenação Latina de Organizações Camponesas
CMP-Central de Movimentos Populares
CNA-Confederação Nacional da Agricultura
CNBB-Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CNS-Conselho Nacional dos Seringueiros
CONAMURI-Coordenação Nacional das Mulheres Indígenas
CONCRAB-Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil
CONTAG-Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
COOPERAL-Cooperativa Regional dos Agricultores Assentados
CPA-Cooperativa de Produção Agropecuária
CPS-Cooperativa de Prestação de Serviços
CPT-Comissão Pastoral da Terra
DS-Diálogo de Saberes
EBAA-Encontro Brasileiro de Agricultura Alternativa
ECA-Estatuto da Criança e do Adolescente
EFA-Escola-Família Agrícola
EJG-Escola José Gomes
ELAA-Escola Latino-Americana de Agroecologia
EMBRATER-Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural
EMS-Escola Milton Santos
ENERA-Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agrária
ENFF-Escola Nacional Florestan Fernandes
ET-UFPR-Escola Técnica da Universidade Federal do Paraná
FHC-Fernando Henrique Cardoso
FMI-Fundo Monetário Internacional
FUNDEP-Fundação de Desenvolvimento, Educação e Pesquisa da Região
Celeiro
Grupo ETC-Grupo de Ação sobre Erosão, Tecnologia e Concentração
IALA-Instituto Agroecológico Latinoamericano de Estudos Camponeses,
Indígenas e Afrodescendentes
IBGE-Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IEJC-Instituto de Educação Josué de Castro
INCRA-Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
ITEPA-Instituto Técnico de Educação e Pesquisa na Reforma Agrária
ITERRA-Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária
LDB-Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MAB-Movimento dos Atingidos por Barragens
MASTER-Movimento dos Agricultores Sem Terra
MCP-Movimento Campesino Paraguaio
MDA-Ministério do Desenvolvimento Agrário
MEC-Ministério da Educação
MIQCB-Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu
MMA-Ministério do Meio Ambiente
MMC-Movimento das Mulheres Camponesas
MMTR-Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais
MPA-Movimento dos Pequenos Agricultores
MP-Medida Provisória
MST-Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
OCB-Organização das Cooperativas do Brasil
OMC-Organização Mundial do Comércio
ONG-Organização Não-Governamental
PAC-Programa de Aceleração do Crescimento
PCB-Partido Comunista Brasileiro
PETI-Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
PJR-Pastoral da Juventude Rural
PNAD-Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PNE-Plano Nacional de Educação
PNRA-Plano Nacional de Reforma Agrária
PROCERA- Programa Especial de Crédito da Reforma Agrária
PRONAF-Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
PRONERA-Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
PRV Pastoreio Racional Voisin
SCA-Sistema Cooperativista dos Assentados
SISBRATER-Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão Rural
SPCMA-Setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente
SRB-Sociedade Rural Brasileira
TAC-Curso Técnico em Administração de Cooperativas
TCC-Trabalhos de Conclusão de Curso
UCA-Unidade Camponesa Agroecológica
UDR-União Democrática Ruralista
UEM-Universidade Estadual de Maringá
UFPR-Universidade Federal do Paraná
UFSC-Universidade Federal de Santa Catarina
ULTABs-Uniões de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil
UnB-Universidade de Brasília
UNESCO-Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura
UNICEF-Fundo das Nações Unidas para a Infância
UPA-Unidades de Produção Agroecológica
GUHUR, Dominique Michèle Perioto. CONTRIBUIÇÕES DO DIÁLOGO DE SABERES À EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM AGROECOLOGIA NO MST: DESAFIOS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO NA CONSTRUÇÃO DO PROJETO POPULAR. 267 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual de Maringá. Orientadora: Irizelda Martins de Souza e Silva. Maringá, 2010.
RESUMO Nosso objetivo nesse trabalho foi analisar o movimento de constituição do método “Diálogo de Saberes, no encontro de culturas”, nas escolas técnicas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do Paraná, no bojo da construção de um Projeto Popular de Desenvolvimento para o Campo. O Diálogo de Saberes é um método de atuação técnico-política na organização da população-base dos Movimentos Sociais Populares do Campo, em especial o MST, na perspectiva de promoção da agroecologia e de formação política, e que busca orientar as relações entre os técnicos e camponeses, e destes entre si. Como surgiu o Diálogo de Saberes? Que elementos estão na origem do movimento de sua constituição? Quais são suas principais características teórico-práticas, enquanto proposta em construção? Quais são seus fundamentos teóricos? Quais as possíveis contribuições à Educação Profissional do Campo? A que necessidades ele pretende responder? Por que, num determinado momento de sua trajetória, o MST passa a inscrever a agroecologia entre seus objetivos estratégicos? Como se articulam agroecologia e escola, Projeto Popular e Educação do Campo, movimento social e Estado? Tratamos destas questões recorrendo à análise documental, à coleta de alguns depoimentos e à pesquisa bibliográfica. Buscamos, especialmente, as articulações entre a constituição do método e as necessidades concretas e opções políticas assumidas pelo MST em sua trajetória, levando em consideração aspectos da organização da produção, do projeto político e da proposta de educação. Apontamos algumas possibilidades de contribuição do DS à construção do currículo dos cursos técnicos em agroecologia, em que se busca enfocar a práxis como princípio educativo, e levando em conta a especificidade da Agroecologia e a proposta educativa do MST. Palavras-chave: Políticas Públicas e Gestão da Educação; Educação do Campo; Educação Profissional; Diálogo de Saberes; Movimentos Sociais do Campo; MST.
GUHUR, Dominique Michèle Perioto. CONTRIBUTIONS OF THE DIALOGUE OF KNOWLEDGE IN THE PROFESSIONAL EDUCATION IN AGROECOLOGY AT MST: CHALLENGES OF FIELD EDUCATION IN THE CONSTRUCTION POPULAR PROJECT. 267 f. Dissertation (Master's degree in Education) – State University of Maringá. Supervisor: Irizelda Martins de Souza e Silva. Brazil - Maringá, 2010.
ABSTRACT Our goal in this research was to analyze the movement of method constitution, "Dialogue of Knowledge, at the meeting of cultures", in technical schools of the Movement of Landless Rural Workers of Paraná - Brazil, within of building a Popular Development Project for the Field. The Dialogue of Knowledge is a technical and political method of acting at the organization in base population of Popular Social Movements of the Field, especially the MST, with a view to promoting Agroecology and training policy, and seeks to guide relations between the technical and peasants, and each other. How did the Dialogue of Knowledge? What elements are the origins of its constitution? What are its main features theoretical and practical, as proposed in construction? What are its theoretical foundations? What are the possible contributions to the Professional Education Field? What are the needs it seeks to respond? Why, at some point in its history the MST began to enter Agroecology among its strategic goals? How come articulate Agroecology and school, Popular Project and Field Education, Social Movement and State? We treat these issues using the document analysis, collection of some testimonials and literature. We seek in particular the joints between the constitution of method and the practical needs and policy options assumed by the MST in its path, taking into account aspects of the organization of production, political project and educational proposal. We point out some possible contribution of DK (Dialogue of Knowledge) to the construction the curriculum of technical courses in Agroecology, in which we seek to focus the praxis as an educational principle, and taking into account the specificity of Agroecology and educational proposal of the MST. Keywords: Public Policy and Management Education; Field Education; Professional Education; Dialogue of Knowledge; Social Movements in the Field; MST.
SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ................................................................................................. 17 2. UM MOVIMENTO SOCIAL CAMPONÊS SE INSURGE CONTRA AS RELAÇÕES CAPITALISTAS NO CAMPO: MST, DA LUTA PELA TERRA A UM PROJETO POPULAR PARA O BRASIL .............................................................. 34 2.1. O desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro................................ 35 2.2. Gênese e trajetória inicial do MST (anos 1980) ............................................ 42 2.3. As políticas neoliberais no campo brasileiro – o MST na década de 1990.... 46 2.4. A mundialização da questão agrária – o MST nos anos 2000 ...................... 51
2.4.1. Questão Agrária e Mundialização do Capital.......................................... 51 2.4.2. As políticas do Governo Lula para o Campo .......................................... 56 2.4.3. A “Reforma Agrária paradoxal” ............................................................... 63 2.4.4. O MST nos anos 2000............................................................................ 68
2.4.4.1. A concepção de Reforma Agrária .................................................... 70 2.4.4.2. A identidade camponesa.................................................................. 72 2.4.4.3. O desafio da participação................................................................. 76 2.4.4.4. A necessidade de avançar na organização dos assentamentos...... 80
3. A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO MST E SUAS CONTRIBUIÇÕES À EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DO CAMPO: A CONTRADITÓRIA RELAÇÃO ENTRE O MOVIMENTO SOCIAL E O ESTADO NA DISPUTA PELA FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO .................... 85 3.1. A educação escolar no MST ......................................................................... 87
3.1.1. Primeiro período (1979-1991): constituição da questão escolar............. 87 3.1.2. Segundo período (1992-1995): consolidação de uma proposta de escola.......................................................................................................................... 88 3.1.3. Terceiro período (1996-2000): ampliação da escola à educação........... 89 3.1.4. Quarto período (2001-2006): massificação e crise da escola................. 91 3.1.5. Alguns elementos sobre o período atual (2006-2009) ............................ 92
3.2 Mapeando a Educação Do Campo................................................................. 93 3.2.1. O campo e seus sujeitos......................................................................... 94 3.2.2. Educação do Campo X Educação Rural................................................. 97 3.2.3. Constituição e trajetória da Educação do Campo................................. 100 3.2.4. As conquistas da Educação do Campo na “letra da Lei” ...................... 103
3.2.4.1. Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária-PRONERA 103 3.2.4.2. Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo......................................................................................................... 104 3.2.4.3. Percorrendo o itinerário do acampamento: a Escola Itinerante...... 105
3.3. Educação do Campo e Formulação de Políticas Publicas .......................... 107 3.3.1. Direitos e políticas públicas .................................................................. 108 3.3.2. O MST no contexto da “sociedade civil organizada”............................. 110 3.3.3. Educação do Campo: o desafio das políticas públicas......................... 113 3.3.4. O protagonismo dos Movimentos Sociais do Campo ........................... 116
3.4. A Educação Profissional no MST e suas Contribuições a Uma Educação Profissional do Campo ....................................................................................... 119
3.4.1. A Educação Profissional no Brasil, nas décadas de 1990-2000........... 120
15
3.4.2. Origens da Educação profissional no MST........................................... 123 3.4.3. Principais características da Educação Profissional no MST................ 124 3.4.4. Aspectos diferenciadores da Educação Profissional no MST............... 126 3.4.5. Potencialidades e desafios: as contribuições a uma Educação Profissional do Campo.................................................................................... 128
4. AS ESCOLAS TÉCNICAS DE AGROECOLOGIA DO MST NO PARANÁ, NO BOJO DA CONSTRUÇÃO DE UM PROJETO POPULAR DE CAMPO............. 131 4.1. A Produção nos Assentamentos do MST: Rumo à Agroecologia ............... 131
4.1.1. Primeiro período (1979-1989): os pequenos grupos de cooperação.... 132 4.1.2. Segundo período (1990-2000): o Sistema Cooperativista dos Assentados-SCA ................................................................................................................ 133 4.1.3. Terceiro período (2000-2009): A agroecologia e o Setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente ........................................................................ 139
4.2. A criação dos Cursos Técnicos em Agroecologia ....................................... 146 4.3. As Escolas Técnicas do MST no Paraná .................................................... 149
4.3.1. O Centro de Desenvolvimento Sustentável e Capacitação em Agroecologia - CEAGRO ................................................................................ 150 4.3.2. Escola José Gomes – EJG ................................................................... 151 4.3.3. A Escola Milton Santos – EMS ............................................................. 152 4.3.4. A Escola Latino Americana de Agroecologia – ELAA........................... 153
4.4. Organização e funcionamento dos Cursos Técnicos em Agroecologia....... 154 4.4.1. A Alternância......................................................................................... 156 4.4.2. Os Tempos Educativos......................................................................... 157 4.4.3. O Trabalho............................................................................................ 159 4.4.4. Coletividade e Estrutura orgânica......................................................... 162 4.4.5. Gestão Democrática e Auto-Organização ............................................ 163 4.4.6. Pesquisa ............................................................................................... 165
5. O DIÁLOGO DE SABERES, NO ENCONTRO DE CULTURAS, E A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DO CAMPO: LIMITES E POTENCIALIDADES . 170 5.1. Descrevendo o Diálogo de Saberes............................................................ 172 5.2. Fundamentos do Método............................................................................. 177
5.2.1. A Pedagogia Freiriana .......................................................................... 178 5.2.1.1. Diálogo ........................................................................................... 178 5.2.1.2. Invasão Cultural ............................................................................. 179 5.2.1.3. Síntese cultural............................................................................... 180 5.2.1.4. Tema gerador................................................................................. 181 5.2.1.5. Codificação e descodificação......................................................... 183
5.2.2. A Agroecologia...................................................................................... 184 5.2.3. O Materialismo Histórico-Dialético........................................................ 187
5.3. O Diálogo De Saberes Na Base Do Movimento Social Do Campo ............. 201 5.4. O Diálogo De Saberes Na Educação Profissional Do Campo..................... 210
5.4.1. A incorporação do Diálogo de Saberes às escolas de agroecologia .... 211 5.4.2. O Diálogo de Saberes como pesquisa.................................................. 215 5.4.3. O Diálogo de Saberes como Trabalho de Conclusão de Curso ........... 219 5.4.4. O Diálogo de Saberes e a construção do currículo integrado............... 227
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 233
16
REFERÊNCIAS.................................................................................................. 242 ANEXOS .............................................................................................................. 14
1. INTRODUÇÃO
A presente pesquisa aborda como objeto de estudo um trabalho inovador
que vem sendo desenvolvido em escolas técnicas do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra-MST, no Paraná1, na formação de Técnicos em
Agroecologia: o “Diálogo de Saberes no encontro de culturas”. Trata-se de um
método2 de atuação técnico-política na organização da população base dos
Movimentos Sociais Populares do Campo, em especial o MST, na perspectiva de
promoção da agroecologia e de formação política. Inicialmente concebido para
problematizar a atuação dos profissionais da assistência técnica dos
assentamentos de reforma agrária, o Diálogo de Saberes, desde 2005, vem
sendo trabalhado em uma unidade didática nos cursos Técnicos em
Agroecologia, nas escolas do MST no Paraná.
A temática de nossa investigação está enraizada, portanto, no movimento
social denominado “Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra-MST”, que
se foi constituindo a partir do final dos anos 1970, com o ressurgimento da luta
pela terra, as mobilizações operárias e o movimento de redemocratização do
país. Referência entre os movimentos sociais não apenas no Brasil3, o MST é
especialmente conhecido por sua proposta de educação.
A partir do final da década de 1990, com a constituição de um movimento
nacional “Por uma Educação do Campo”, o MST passou a disputar, em conjunto
com outros movimentos sociais, a formulação de políticas públicas para a
educação. Nos anos 2000, suas ações no campo da educação se ampliaram,
passando a incluir desde a Educação Infantil até a Educação Superior, além da
1 No estado do Paraná, são atualmente três escolas que oferecem Curso Técnico em
Agropecuária, nas modalidades pós-médio e médio integrado, com Ênfase em Agroecologia; e uma escola latino-americana (ligada mais diretamente à Via Campesina) de formação de tecnólogos em agroecologia (nível superior). No terceiro capítulo, fazemos uma apresentação de cada uma dessas escolas e dos cursos oferecidos.
2 No sentido de encaminhamento ou conjunto de procedimentos com vistas a um determinado resultado ou meta (DUROZZOI; ROUSSEL, 1993). Retomamos essa conceituação mais adiante, nesta introdução.
3 Ver, por exemplo, Petras (1997), Souza (2006), Chesnais e Serfati (2003); consideremos também o fato de um intelectual do renome de István Meszáros doar todos os direitos autorais de suas obras publicadas no Brasil ao MST (informação veiculada na pagina eletrônica da Editora Boitempo. Disponível em: <http://www.boitempo.com/livro_completo.php?isbn=978-85-7559-068-3>. Acesso em abril 2009).
18
Educação de Jovens e Adultos. Mais recentemente, o ensino médio e a educação
profissional a ele articulada tem recebido maior atenção nas reflexões do
Movimento4 sobre a Educação e a Escola.
A mundialização do capital5, a partir da década de 1980, trouxe à cena um
novo antagonista: o agronegócio, reunião dos sistemas agrícola, pecuário,
industrial, mercantil, financeiro, tecnológico, científico e ideológico, por meio de
uma concentração sem precedentes de centenas de empresas, que atuavam nos
diferentes complexos agroindustriais, em grandes corporações transnacionais.
Essas corporações se territorializaram em várias regiões do globo, aproveitando a
desregulamentação/liberalização imposta por meio dos Programas de Ajuste
Estrutural aos países periféricos6, por agências internacionais (com destaque para
o Banco Mundial), e com o apoio de instituições como a Organização Mundial do
Comércio-OMC.
É assim que podemos dizer que a questão agrária7 mundializou-se, opondo
o agronegócio mundial, representado pelas corporações transnacionais (por
exemplo, Monsanto, Bayer, Bünge, Nestlé) em aliança com as oligarquias
nacionais, sob a hegemonia do capital financeiro; e os camponeses de todo o
mundo, que buscam resistir organizando-se mundialmente, por meio da Via
Campesina8 (que o MST passa a integrar, a partir de 1996).
4 Em nossa pesquisa, utilizamos indistintamente a sigla MST ou simplesmente o termo
Movimento para nos referirmos ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (procedimento amplamente difundido entre os pesquisadores consultados).
5 Tratamos mais detidamente de todas as questões que ora rapidamente apresentamos, ao longo de nossa dissertação. Optamos por traçar nessa introdução um panorama geral do contexto em que se insere nosso objeto.
6 Dependentes dos países centrais ou do capitalismo avançado, são comumente chamados de países subdesenvolvidos. Tais países foram submetidos à exploração colonial nos primeiros séculos de desenvolvimento do capitalismo e, a partir da segunda metade do século XIX, à expansão imperialista. De acordo com Marini (1998, p. 114-115), analisando especificamente o caso da América Latina, nesses países o capital estrangeiro passa a “[...] retirar abertamente uma parte da mais-valia gerada em cada economia nacional, o que incrementa a concentração do capital nas economias centrais e alimenta o processo de expansão imperialista”. As economias dependentes se fundam na superexploração do trabalho, forma pela qual as classes dominantes locais buscam aumentar o valor absoluto da mais-valia e compensar, assim, a partilha com o capital estrangeiro. Ver também STEDILE, João Pedro; TRASPADINI, Roberta. Ruy Mauro Marini: Vida e obra. São Paulo: Expressão Popular, 2005.
7 “A questão agrária é o movimento do conjunto de problemas relativos ao desenvolvimento da agropecuária e das lutas de resistência dos trabalhadores, que são inerentes ao processo desigual e contraditório das relações capitalistas de produção” (Fernandes, 2001, p. 23). Ela é uma questão estrutural do capitalismo e está ligada às transformações nas relações de produção. Ver também Silva (1980).
8 Sobre a Via Campesina, trataremos no primeiro capítulo. Porto-Gonçalves (2005) a define sinteticamente como uma espécie de “internacional camponesa”.
19
Ampliando sua concepção de reforma agrária e procurando alianças com
outros movimentos sociais e organizações de trabalhadores do campo e da
cidade, o MST passa a assumir lutas mais amplas, como a Consulta Popular que,
a partir de 1997, discute a construção de um Projeto Popular para o Brasil.
Internamente ao Movimento, começa a ganhar força a discussão em torno de um
Projeto Popular de Desenvolvimento para o Campo, que encontra na
agroecologia uma ferramenta importante. É no bojo desse movimento de
ampliação de suas preocupações e ações, que são criadas, no início dos anos
2000, as escolas técnicas do MST no Paraná, desenvolvendo-se também, no
Setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente-SPCMA, o método do Diálogo
de Saberes.
Meu interesse pessoal pelo Diálogo de Saberes vem de minha prática no
MST, iniciada em 1999 no noroeste do Paraná. Entre 1999 e 2000, participei da
coordenação de uma curta experiência de curso técnico não-formal, o “Técnicos
de pés descalços”, no Centro de Formação e Pesquisa Ernesto Guevara-CEPAG,
em Santa Cruz de Monte Castelo, cuja formação (não apenas) técnica se
encontrava direcionada à agroecologia. Em 2001, participei da Coordenação
Político-Pedagógica do curso não-formal “Prolongado em Agroecologia”, realizado
na Escola José Gomes da Silva, em São Miguel do Iguaçu. Esses dois projetos
podem ser considerados como precursores dos cursos técnicos atualmente
existentes.
Ainda na região noroeste do Paraná, acompanhei, nos anos 1999 e 2000,
algumas atividades do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária-
PRONERA9, que era, à época, um programa de alfabetização de Jovens e
Adultos10. Nos anos seguintes, passei a integrar o Setor de Produção
(posteriormente, Setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente), trabalhando
diretamente com a produção nos assentamentos e acampamentos, mas também
em cursos de formação e na assessoria às escolas técnicas. Como agrônoma
militante do movimento social pude participar de diversos cursos de formação, os
9 Ocasião em que tive a oportunidade de conhecer algumas professoras do Departamento de
Teoria e Prática da Educação, da Universidade Estadual de Maringá, que trabalhavam com Educação do Campo e que continuam atualmente (2010) apoiando diversas atividades educativas do MST.
10 Como veremos no segundo capítulo, o PRONERA passaria, depois, a abranger a educação de jovens e adultos das áreas de reforma agrária em todos os níveis.
20
quais, apesar de não-formais, eram de elevada qualidade político-pedagógica.
Por meio deles pude aproximar-me do pensamento de intelectuais brasileiros
como Florestan Fernandes e aprofundar-me no estudo de um tema que sempre
me apaixonou: a economia política. Em 2006 cheguei a cursar uma etapa do
curso de Especialização em Economia Política, oferecido pela Universidade
Federal do Espírito Santo, em parceria com a Escola Nacional Florestan
Fernandes11.
Outro aspecto de minha formação no MST, talvez o mais importante, foram
as vivências, nas quais fui, aos poucos, educada para uma outra sociabilidade,
por um verdadeiro “educador coletivo”. Vejo minha própria formação refletida com
propriedade na seguinte afirmação de Caldart (2004, p. 162-163): A formação do sem-terra, pois, não se dá pela assimilação de discursos, mas fundamentalmente, pela vivência pessoal em ações de luta social, cuja força educativa costuma ser proporcional ao grau de ruptura que estabelece com padrões anteriores de existência social desses trabalhadores e trabalhadoras, exatamente porque isso exige a elaboração de novas sínteses culturais.
“Quando a vida está por um fio, o ser humano é mexido desde a raiz”
(CALDART, 2004, p. 332). Participar nas lutas, na resistência, nas privações,
sofrer a repressão, as violências simbólica e física, foi fundamental para temperar
meu idealismo inicial, minha “rebeldia adolescente” cultivada no movimento
estudantil. É necessário aqui um parêntese. Convém destacar que não se trata de
idealizar o Movimento Social: nele (como em toda realidade concreta) também
existem contradições as mais diversas.
Em setembro de 2006, passei a integrar o Coletivo de Acompanhamento
Político Pedagógico-CAPP12 da Escola Milton Santos, em Maringá, que é uma
das quatro escolas técnicas do MST no Paraná. Esta nova responsabilidade
colocou para mim, enquanto membro de um movimento social, o desafio da
11ENFF, entidade responsável por organizar nacionalmente a formação no MST, atualmente
sediada em Guararema, São Paulo. 12Nas escolas do MST, é o coletivo responsável pela Direção do acompanhamento político-
pedagógico. Tem a tarefa de “fazer a leitura do processo educativo (respeitando as especificidades), elaborar e propor a estratégia para o avanço da coletividade e fazer o devido acompanhamento das instâncias e das pessoas”. Tem por finalidade “[...] provocar experiências pedagógicas e criar as condições para que os envolvidos possam refletir sobre elas”. (ITERRA, 2004, p. 122).
21
reflexão e da elaboração teórica sobre as práticas coletivamente construídas
nesses espaços, que pudessem contribuir para uma nova prática coletiva,
qualitativamente superior, mais próxima às necessidades do MST. Pessoalmente,
nas discussões (e por vezes, nos embates) com as instituições parceiras, eu
sentia muita falta de um maior embasamento teórico e percebia nitidamente meus
limites de compreensão (não se pode esquecer que minha graduação havia sido
em agronomia, curso cujo currículo reflete um enfoque eminentemente técnico).
O primeiro projeto de pesquisa que elaborei, às pressas, com vistas à
seleção para o mestrado em educação da Universidade Estadual de Maringá-
UEM (e que não cheguei a apresentar, em 2006), intitulava-se “O projeto político
pedagógico da Escola Milton Santos como articulação (inter-relação) entre
aprendizagem, pesquisa, trabalho e organização (prática política)”. No pouco
tempo em que estava na escola, a necessidade de construção do projeto político-
pedagógico fazia-se sentir com muita ênfase, de maneira que essa me parecia
uma boa proposta de pesquisa. No meu imaginário, minha dissertação, construída
coletivamente com os demais membros do CAPP da escola, produziria uma
proposta de projeto político-pedagógico.
Ao longo do ano seguinte, amadurecendo a decisão de pleitear uma vaga
no mestrado em Educação, em conversas com alguns professores (destacando-
se, entre eles, meu pai13), fui percebendo, um tanto a contragosto, que seria
impossível obter um resultado “prático” tão evidente de uma dissertação de
mestrado. Permanecia, entretanto, a minha convicção de que a pós-graduação
devia produzir pesquisas socialmente relevantes e, no meu caso específico, isso
significava poder contribuir de alguma forma com os Movimentos Sociais do
Campo.
O trabalho na Escola Milton Santos foi particularmente rico em
aprendizados, reflexões e interrogações, em 2007. Eu já conhecia o Diálogo de
Saberes de minha atuação como agrônoma, embora ele estivesse então dando
seus passos iniciais. Cheguei mesmo a ter alguma contribuição pontual no
programa de formação de técnicos do Setor de Produção, Cooperação e Meio
13 Filósofo, doutor em Educação e professor aposentado da UEM, meu pai é sem dúvida o grande
“orientador honorário” de toda minha formação intelectual e sua contribuição para a realização desta pesquisa foi de inestimável valor, em todas as suas fases.
22
Ambiente-SPCMA do Paraná, no bojo do qual o Diálogo de Saberes foi concebido
neste meio social, em 2005.
Como agrônoma, pude vivenciar pessoalmente a limitação da “assistência
técnica” (insistência técnica!) e a necessidade de uma reflexão crítica sobre essa
prática de modo a reelaborá-la numa perspectiva educadora. A dificuldade do
trabalho de base14 nos assentamentos do MST, bem como a necessidade de um
método que permitisse o envolvimento efetivo dos assentados no planejamento
da produção, incluindo a perspectiva de transição à agroecologia, eram para mim
muito evidentes.
Acompanhando o desenvolvimento do Diálogo de Saberes na Escola
Milton Santos (como educação escolar e educação popular não-escolar ao
mesmo tempo, método de orientação das relações técnico-camponês e de
formação de técnicos nas escolas), particularmente na turma Vladimir Lênin
(turma II) e acompanhando de longe, nas reuniões e por meio de relatos
pessoais, o andamento do trabalho nas outras escolas, fui me encantando com as
possibilidades da proposta, tanto mais, talvez, pelas lacunas em minha própria
formação em agronomia. O Diálogo de Saberes estava sendo trabalhado em uma
unidade didática, que incluía um exercício coletivo da turma junto a um coletivo de
assentados, ao longo do curso. No Tempo-Comunidade15, cada educando deveria
desenvolver o exercício com cinco famílias, trazendo os resultados, a cada
Tempo-Escola, para discussão com a turma e o educador.
Neste período, o MST organizou, em maio de 2007, em Veranópolis-RS, o I
Seminário sobre Educação Profissional para as áreas de Reforma Agrária da
Região Sul, com o tema: “Que educação profissional, para que trabalho e para
que campo?”. No documento elaborado com a síntese das discussões, coloca-se
como desafio repensar a educação profissional como uma das dimensões da
Educação do Campo, “[...] como projeto educacional vinculado a estratégias de
14 No sentido que esse termo tem para os movimentos sociais populares. Silva (2001) escreve que
o trabalho de base tem três objetivos: 1º) Participação massiva dos trabalhadores; 2º) Democratização do poder; e 3º) Construção socialista. “Retomar o trabalho de base é resgatar uma estratégia. É um caminho de luta e de organização que envolve os próprios interessados no conhecimento e solução dos desafios individuais e coletivos” (SILVA, 2001, p.17).
15 Como veremos mais detidamente nos capítulos 2 e 3, os cursos de educação profissional do MST são organizados em regime de alternância, alternando-se períodos na escola (o Tempo Escola) e períodos na comunidade de origem dos educandos (o Tempo Comunidade).
23
desenvolvimento dos territórios camponeses” (ITERRA, 2007a, p. 12). Entre estas
estratégias, estaria a mudança da matriz tecnológica – a agroecologia.
O mesmo documento destaca também a necessidade de considerar a
demanda por uma formação técnica que atingisse o maior número possível de
camponeses, recuperando/valorizando os saberes dos trabalhadores do campo,
mas com o intuito de ir além deles. Essa não seria uma tarefa em que a escola
(ou um curso técnico) teria o papel principal, mas “[...] que bom se este diálogo
puder ser feito com profissionais formados em cursos cuja perspectiva seja a da
agricultura camponesa” (ITERRA, 2007a, p. 10). A partir do trabalho recente das
escolas técnicas do MST no Paraná, entendemos que o método do “Diálogo de
Saberes” pode ser uma das formas encontradas para a articulação proposta entre
formação de técnicos para o campo e formação técnica dos camponeses, uma
interlocução entre o saber técnico/científico e o saber camponês - imprescindível,
aliás, para a implementação da agroecologia (SEVILLA GUZMÁN, 2006).
Passei a ver o Diálogo de Saberes também como uma possibilidade de
integração entre as diversas unidades didáticas, como uma atividade que
pudesse articular as diversas áreas do conhecimento, estabelecer conexões entre
teoria e prática, estimular a pesquisa, entre outras coisas.
No diálogo com companheiros e companheiras da escola, evidenciou-se
que uma pesquisa sobre o Diálogo de Saberes traria contribuições importantes ao
MST e aos Movimentos Sociais do Campo. Pesquisas recentes indicam que a
temática da Educação Rural ainda permanece marginal no conjunto da produção
científica (BESERRA; DAMASCENO, 2004; SOUZA, 2007) E se os movimentos
sociais, em especial o MST, vêm despertando o interesse crescente dos
pesquisadores nas últimas duas décadas, particularmente na área da Educação
(DOMINGUES, 2007; SOUZA, 2007; CALDART, 2004), evidencia-se, ainda
assim, a necessidade de novos estudos, destacadamente sobre o caráter
educativo dos movimentos sociais (MARTINS, 2004; CALDART, 2004). Essa
investigação se insere dentro desta preocupação.
No projeto de pesquisa que apresentei à seleção para o mestrado em
educação, em 2007, o problema de pesquisa estava assim formulado: em que
medida o “Diálogo de Saberes” está contribuindo, na formação dos técnicos das
escolas de agroecologia do MST no Paraná, para uma nova prática na relação
24
técnico-camponês, enquanto prática educativa capaz de provocar mudanças
efetivas na consciência e na prática dos sujeitos envolvidos? Considerando ser
uma proposta ainda em fase de elaboração, a investigação pretendida era
perpassada por dois vetores de preocupação de natureza teórico-prática: a) o
aprofundamento dos pressupostos do método e sua articulação com aqueles da
Pedagogia do Movimento; e b) a avaliação do já realizado, de modo a mapear os
ajustes/modificações que precisavam ser feitos no próprio método como no
projeto político-pedagógico dos cursos, para que os objetivos propostos fossem
alcançados. Entretanto, essa investigação demandava uma pesquisa de campo,
com acompanhamento à turma e realização de entrevistas (com educandos,
educadores e assentados). Uma vez aprovada no processo de seleção,
novamente, fui alertada sobre a dificuldade em se realizar uma pesquisa de
campo no mestrado, em função do pouco tempo em que se deve concluir a
pesquisa.
Além disso, era preciso considerar minha graduação fora das Ciências
Humanas, o que aumentava consideravelmente o leque das leituras necessárias,
bem como a necessidade de apropriar-me devidamente do referencial
epistemológico16. Para vários autores (SEVERINO, 2002; ALVES-MAZZOTTI,
1998; TRIVIÑOS, 1987), essa apropriação é uma das grandes dificuldades
enfrentadas pelos pesquisadores na pós-graduação, atualmente.
Outro fator que precisava ser considerado era a linha de pesquisa à qual
eu estava ligada, “Políticas Públicas e Gestão em Educação”. A questão das
políticas públicas, portanto, precisava se fazer presente na pesquisa. Diante
desse conjunto de fatores, optamos por redimensionar a proposta inicial.
Nosso objetivo, assim, passou a ser analisar o movimento de constituição
do método “Diálogo de Saberes, no encontro de culturas”, nas escolas técnicas
do MST do Paraná, no bojo da construção de um Projeto Popular de Campo,
orientado pela agroecologia.
As questões que nos colocamos, num primeiro momento, foram: como
surgiu o Diálogo de Saberes? Quais são suas principais características teórico-
16 Convém ressaltar que as leituras realizadas, os cursos e os debates de que participei no
Movimento Social me proporcionaram a oportunidade de alargar bastante minha formação acadêmica inicial. E, mesmo se os conhecimentos assim adquiridos não obedeciam ao rigor sistemático requerido na pós-graduação, essa foi sem dúvida uma base importante.
25
práticas, enquanto proposta em construção? Quais são seus fundamentos
teóricos? Quais as possíveis contribuições à Educação Profissional do Campo?
Entretanto, buscando investigar o movimento de constituição do método
“Diálogo dos Saberes” no MST, outras questões mais amplas foram surgindo: que
elementos estão na origem da constituição do Diálogo de Saberes? A que
necessidades ele pretende responder? Por que, num determinado momento de
sua trajetória, o MST passa a inscrever a agroecologia entre seus objetivos
estratégicos? Como se articulam agroecologia e escola, Projeto Popular e
Educação do Campo, movimento social e Estado?
Poderíamos nos perguntar também se se trata efetivamente de um
“método”? De acordo com Guhur (201017), em seu significado etimológico,
método é “caminho” (odos) e o que vai “além” do caminho (meta). Trata-se, pois,
de uma orientação que se escolhe ou se toma, orientação que implica
pressupostos (concepções, idéias, noções, teorias) e finalidades/objetivos
consoantes os pressupostos. Tal entendimento do que seja “método” pode ser
usado na ciência (método científico), na educação (método de
ensino/aprendizagem) e nas diversas artes e ofícios. Nesse sentido, pensamos
que o Diálogo de Saberes possa ser entendido como um método, embora
carecendo ainda de maior sistematização e elaboração, pela sua recentidade.
Em termos de procedimentos metodológicos, para encaminharmos nosso
objeto de pesquisa, recorremos à análise documental, à coleta de depoimentos e
à pesquisa bibliográfica. Nossas fontes primárias foram:
a) legislação brasileira referente à educação e, em especial, à
educação do campo e à educação profissional, além de
estatísticas oficiais;
b) documentos diversos elaborados pelo MST, incluindo sínteses de
debates em eventos, cadernos de subsídios, boletins,
documentos programáticos, notícias veiculadas na página
eletrônica do MST e documentos de avaliação de processos
educativos, entre outros;
c) documentos publicados pela Articulação Nacional por uma
Educação do Campo, desde o texto-base de subsídios à 17 Informação pessoal.
26
realização da I Conferência Nacional, em 1998, até o último
caderno, editado em 2008;
d) documentos diversos das escolas técnicas do MST no Paraná,
como o projeto político-pedagógico dos cursos, relatos de
reuniões dos coletivos de acompanhamento político-pedagógico,
além de trabalhos de conclusão de curso;
e) documentos que tratam especificamente do Diálogo de Saberes,
descrevendo metodologicamente a proposta e orientando o
trabalho dos educandos.
Também recorremos a diversas pesquisas, relacionadas de alguma
maneira à nossa temática e que nos auxiliaram em nossa análise. Além disso, os
quase dez anos de vivência no MST também trouxeram elementos importantes.
Embora eu esteja atualmente afastada de meu trabalho cotidiano, para dedicar-
me a essa nova tarefa, penso ser importante não perder esse vínculo, apesar das
opiniões em contrário.
Tenho consciência da vigilância necessária para assegurar o rigor científico
de meu trabalho. Faço minhas as palavras de Caldart (2004, p. 29), no livro que é
fruto de sua tese de doutoramento, quando explicita como um desafio [...] não idealizar o MST, colocando tudo o que é de bom nele e tudo o que há de ruim nos que a ele se opõem. Isso não ajudaria em nada na compreensão aqui pretendida e, menos ainda, na definição concreta das grandes tarefas políticas e pedagógicas a serem assumidas pelo MST no continuar de sua história (grifo nosso).
Não teria sentido dedicar tanto esforço para ficar apenas na propaganda ou
na mistificação18, nem isso traria contribuição alguma para o MST. Em outra
direção, penso que minha militância pode contribuir para o conhecimento de meu
objeto de estudo. Num estudo intitulado “A pesquisa sobre educação e o MST nos
programas de pós-graduação em Educação”, Souza (2007, p. 444) constata que [...] existem pesquisas que revelam fragilidade no que diz respeito ao processo de construção de conhecimentos educacionais, pois se deixam levar pela admiração em relação à prática educativa do MST e passam a descrever a experiência do grupo sem tecer
18 De acordo com Le Petit Larousse (2004, p. 721), mistificação é “(1) ação de enganar alguém; 2)
o que constitui um engodo, um mito intelectual ou moral; impostura” (tradução nossa).
27
análises críticas. A experiência do pesquisador é fundante da criticidade na construção dos conhecimentos.
Assim, de acordo com a autora, a experiência do pesquisador com relação
ao Movimento Social estaria relacionada à sua capacidade de analisar
criticamente as práticas educativas estudadas. Há ainda militantes que se
tornaram referência na área da Educação pela qualidade de suas pesquisas: Especificamente sobre o MST, são três os autores citados em praticamente todas as investigações: Bernardo Mançano Fernandes, João Pedro Stédile e Roseli Salete Caldart. Como são pesquisadores e militantes do movimento social, isso demonstra o quanto a produção do conhecimento na ação coletiva tem marcado, nos dias atuais, as ciências humanas e sociais, especialmente quando se trata de discutir a realidade camponesa. (SOUZA, 2007, p. 452)
São desafios e possibilidades. Espero estar à altura da tarefa.
Passemos agora aos pressupostos usados no encaminhamento de nossa
investigação. Em nosso referencial teórico-metodológico, a produção da vida
material é determinante, porque é condição fundamental de toda a história; sem
ela, não há existência social (MARX; ENGELS, 2007). Entretanto, como adverte
Cury (1983, p. 33), “[...] a não reificação19 dessa posição exige um passo além.
[...] Exige ver todas as coisas ligadas ao sujeito da práxis, o homem como ser
ativo, mediador e mediado desse processo. Os homens, como sujeitos, fazem a
História”, embora não a façam como queiram, uma vez que se encontram no
tecido das relações sociais de sua época. Ao estudarmos os movimentos sociais
populares, é preciso não perder de vista essas orientações, para, de um lado, não
desconsiderar as determinações objetivas, correndo-se então o risco de exagerar
as possibilidades de atuação e de transformação dos sujeitos, ou seja, de
autonomia dos movimentos sociais; e, de outro lado, para não cair num puro
determinismo, não restando aos sujeitos sociais nenhuma possibilidade de
intervenção na realidade, uma vez que o futuro já estaria dado.
Partimos, assim, do princípio de que a escola, lugar da educação
profissional formal e do “Diálogo de Saberes” (cujo movimento de constituição é
19 Operação mental, atitude consistindo em transformar uma abstração (noção, representação,
conceito) em uma realidade material, em um objeto concreto da realidade externa (THINES; LEMPEREUR, 1975, p. 828).
28
nosso objeto de estudo) não pode ser entendida por si mesma, mas relativamente
à produção da existência, que se dá por meio de relações sociais: A educação e sua análise, então, devem ter como ponto de partida sua presença imanente numa totalidade histórica e social. Ela manifesta essa totalidade, ao mesmo tempo que participa na sua produção. Tal manifestação se dá na própria estruturação capitalista dessa totalidade. A educação então não reproduz as relações de classe, mas estas se fazem presentes na educação, articulando-a com a totalidade (CURY, 1983, p. 14).
A categoria da totalidade é, então, imprescindível. Isso não significa
pretender um conhecimento exaustivo ou totalizador dos fenômenos (algo em si
impossível ao conhecimento humano), mas que O conceito de totalidade implica uma complexidade em que cada fenômeno só pode vir a ser compreendido como um momento definido em relação a si e em relação aos outros fenômenos. Isso não quer dizer que se deva conhecer todos os fenômenos, igual e indistintamente. Significa que o fenômeno referido só se ilumina quando referido à essência, ou seja, àqueles elementos que definem sua própria natureza no seu processo de produção. A totalidade, então, só é apreensível através das partes e das relações entre elas (CURY, 1983, p. 36).
Significa dizer que tudo está ligado, que existe uma determinação recíproca
e que é preciso considerar essas relações, uma vez que os fenômenos não se
desenvolvem isoladamente. Reconhecemos, entretanto, que as limitações
impostas pela natureza de um trabalho monográfico como este, podem,
eventualmente, ter-nos feito incorrer em simplificações.
A categoria totalidade implica conhecer uma realidade “[...] na dimensão social e histórica, compreendendo a unidade dialética da estrutura e
superestrutura, onde o homem é reconhecido como sujeito da práxis” (CURY,
1983, p. 38, grifo nosso). Em nosso estudo, isso significa a necessidade de
compreender o movimento social MST em relação ao movimento do capital no
campo, considerando-se o capitalismo como uma totalidade histórica (superável).
Significa, também, considerar, adentrando-nos na temática da educação
profissional pública, a relação desta com as políticas neoliberais e a reforma da
educação brasileira, ocorrida na década de 1990.
Entretanto, considerar a totalidade sem contradições seria atribuir à
realidade um caráter estático, não-dialético. Em nossa perspectiva teórica, a
29
realidade está em constante movimento, e a contradição é o motor interno desse
movimento. Isso implica, primeiramente, considerar o papel da luta de classes na
transformação social. Um problema se coloca aqui em nossa investigação,
relacionado à delimitação das classes sociais existentes no campo: a pertinência
(ou não) do conceito de campesinato.
A utilização desse conceito é, atualmente, um tanto controverso. Conforme
Bottomore (1988, p. 42-43), O papel dos camponeses no desenvolvimento do capitalismo tem sido motivo de um contínuo e intensivo debate entre marxistas e não-marxistas. [...] O debate sobre a natureza do campesinato e seu papel político não perdeu sua atualidade [...].
Shanin (1980) problematiza a pertinência do conceito de “camponês”, na
perspectiva do materialismo histórico. O autor destaca que, como todo conceito,
“camponês” pode constituir-se numa mistificação, ou prestar-se a reificações, mas
que traz contribuições importantes para a compreensão das relações reais, desde
que se considere a um só tempo sua especificidade e relativa autonomia como
também seu pertencimento a um contexto social e histórico mais amplo: [...] os camponeses representam uma especificidade de características sociais e econômicas, que se refletirão em qualquer sistema societário em que operem. Quer dizer também que a história camponesa se relaciona com as histórias societárias mais amplas, não como simples reflexo, mas com medidas importantes de autonomia (SHANIN, 1980, p. 69).
Resgatando os estudos de Marx, Kautsky e Lênin, principalmente (e
situando suas formulações relativamente ao momento histórico em que foram
elaboradas), bem como as interpretações que se fizeram deles, afastando os
“modismos” em torno do uso do termo, o autor conclui que se trata de fato de uma
classe social, admitindo-se “[...] a autonomia analítica relativa da classe em
relação ao(s) modo(s) e/ou sociedade a que se vincula” (SHANIN, 1980, p. 71).
Essa classe teria existido, assim, de maneiras diferentes (é bom frisar bastante),
nos diferentes modos de produção, continuando a existir no capitalismo, mesmo
se em muitos momentos os camponeses foram relegados à invisibilidade. Um dos
argumentos reside na importância da participação na luta de classes, para a
constituição como classe social. Desse ponto de vista, os camponeses têm sido
atores políticos importantes, especialmente no século XX (Shanin destaca sua
30
participação decisiva para a vitória contra a maior potência mundial
contemporânea, na Guerra do Vietnã20).
Oliveira (2001, p. 189) parece corroborar essa tese ao afirmar que [...] a luta pela terra desenvolvida pelos camponeses no Brasil é uma luta específica, moderna, característica particular do século XX. Entendo que o século passado foi, por excelência, uma época de formação e consolidação do campesinato brasileiro enquanto classe social.
Esse autor defende que campesinato e latifúndio não são resquícios
atrasados de modos de produção anteriores, mas derivam do caráter contraditório
do modo de produção capitalista: “[...] o próprio capital cria e recria relações não-
capitalistas de produção”, que constituem “[...] uma espécie de acumulação
primitiva permanente do capital, necessária ao seu desenvolvimento” (OLIVEIRA,
1986, p. 11-12). A partir desse entendimento, Fernandes (2007) destaca a
centralidade da luta pela terra (e portanto, dos movimentos sociais populares) no
processo de criação e recriação do campesinato contemporâneo.
A definição ou caracterização do campesinato, feitas as ressalvas
precedentes (ou seja, a necessidade de articulação com o todo social mais
amplo), estaria basicamente na unidade de produção familiar camponesa,
embora uma série de características específicas possa ser elencada: a
centralidade da força de trabalho familiar; a ajuda mútua e a parceria; o trabalho
acessório eventual (transformação em trabalhador acessório, para complementar
a renda); o recurso à força de trabalho assalariada em caráter complementar, em
momentos específicos do ciclo agrícola; a propriedade familiar da terra (privada,
arrendada ou na forma de posse); a propriedade dos meios de produção; a
jornada de trabalho flexível, de acordo com o ciclo agrícola (OLIVEIRA, 1986).
Finalmente, ao contrário dos produtores capitalistas, os camponeses são
produtores simples de mercadorias: a produção camponesa não envolve
produção de mais-valia (BOTTTOMORE, 1988, p. 43), conquanto subordinada
às relações capitalistas. No primeiro capítulo, daremos continuidade a essa
discussão, problematizando a substituição do conceito de camponês pela de
agricultor familiar, que começou a ocorrer, no Brasil, na década de 1990.
20 Também nas revoluções Russa e Chinesa, os camponeses tiveram participação fundamental.
31
Retomando-se a categoria da contradição, ela expressa sempre [...] uma relação de conflito no devir do real. Essa relação se dá na definição de um elemento pelo que ele não é. [...] Mas se tudo está ligado, então tudo tem um caráter relacional e nessa relação o movimento e o devir são a dinâmica da contradição. Nesse sentido as determinações mútuas das coisas se encontram em relação interna de antagonismo (CURY, 1983, p. 30).
Captar, por meio das contradições, o movimento dinâmico do real, não é
tarefa fácil. Em muitos momentos, de fato, a atuação do movimento social
aparece em princípio como contraditória. É preciso considerar, então, que isso se
deve a essa tensão permanente entre o “já sido” e o “ainda-não” (emprestando
uma expressão utilizada por Cury, 1983), bem como à inscrição dessa atuação no
quadro mais amplo da luta de classes. No segundo capítulo, quando analisamos a
relação entre o movimento social e o Estado, é que as contradições aparecem de
forma mais evidente.
Buscar a essência do fenômeno é investigar o processo de sua produção
(CURY, 1983), é reproduzi-lo conceitualmente, reconstruí-lo no pensamento
(CORAZZA, 1996). Nesse sentido, buscamos reconstruir nosso objeto de estudo
em seu movimento, desde as necessidades que engendraram sua elaboração, no
seio de um movimento social, até a explicitação de suas características
particulares, esforçando-nos para articular sempre o particular ao mais geral.
Há que se considerar, ainda, que se trata de uma investigação sobre um
método que está ainda em construção. Mesmo assim, procuramos evitar cair no
trabalho puramente descritivo e no isolamento dos fatos sociais. Consideramos
pertinentes as reflexões de Vendramini (2007a), sobre o caráter da pesquisa
desenvolvida junto a movimentos sociais, quando ela aponta como elementos
metodológicos imprescindíveis: a dialética passado, presente e futuro, que busca romper com o imediatismo das situações e das análises teóricas; a articulação entre os enfoques mais amplos e os mais particulares do fenômeno social; a percepção das contradições e ambivalências das experiências históricas; as condições objetivas e subjetivas que determinam as ações dos movimentos sociais [...] (VENDRAMINI, 2007a, p. 1395)
32
Levando em conta todos esses elementos, de ordem teórico-metodológica,
estabelecemos, como objetivos específicos de nossa investigação:
a) analisar o contexto histórico e social em que foi concebido e ao
qual se destina o Diálogo de Saberes, como um momento na
trajetória do MST em que se ampliam as lutas em torno da
construção de um Projeto Popular e que precisa ser
compreendido em relação ao movimento do capital mundializado
no campo;
b) compreender a Educação Profissional do Campo, lugar em que
se desenvolve atualmente o Diálogo de Saberes, em relação ao
Projeto Popular, dando especial atenção à relação entre o
movimento social e o Estado;
c) analisar o movimento de criação das escolas de agroecologia
pelo MST no Paraná, relativamente à trajetória do MST e à
Educação do Campo, descrevendo as escolas, sua organização
e funcionamento;
d) explicitar o Diálogo de Saberes, sua origem, fundamentos e
propostas e apontar algumas potencialidades e limites do método
para a Educação Profissional do Campo e os movimentos sociais
populares.
Para atender a esses objetivos, esse trabalho está dividido em quatro
capítulos, além dessa introdução, e das considerações finais.
No primeiro capítulo, “Um movimento social camponês se insurge contra
as relações capitalistas no campo: MST, da luta pela terra a um Projeto Popular
Para o Brasil”, situamos nosso objeto de estudo no contexto histórico e social.
Resgatamos a gênese e a trajetória do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra, desde suas origens até o presente (2009) e o fazemos relativamente ao
desenvolvimento capitalista no campo brasileiro. Nos dedicamos particularmente
ao período mais recente (anos 2000), no intuito de contribuir para a compreensão
do MST na atualidade. Destacamos a constituição de um Projeto de
Desenvolvimento para o Campo Brasileiro, onde a agroecologia e a educação têm
papel fundamental e em que a educação profissional se apresenta como uma
potencialidade.
33
No segundo capítulo, “A educação profissional no MST e suas
contribuições à constituição de uma Educação Profissional do Campo: a
contraditória relação entre o movimento social e o Estado na disputa pela
formulação de políticas públicas para a educação”, focalizamos a constituição da
questão da educação profissional no MST e sua relação com a Educação
Profissional do Campo. Um dos aspectos destacados é a relação entre o
Movimento Social e o Estado, na disputa pela formulação de políticas públicas
para a Educação.
No terceiro capítulo, “As escolas técnicas de agroecologia do MST no
Paraná, no bojo da construção de um Projeto Popular de Campo”, apresentamos
as escolas e os Cursos Técnicos em Agroecologia no Paraná, surgidos a partir
das demandas concretas na base do movimento social. Investigamos a
constituição da agroecologia em objetivo estratégico no MST e como isso resultou
na criação das escolas de agroecologia, no Paraná.
No quarto capítulo, “O Diálogo de Saberes e a Educação Profissional do
Campo: limites e potencialidades”, apresentamos o Diálogo de Saberes, sua
origem, concepção, fundamentos e propostas, bem como a maneira como ele
vem sendo trabalhado nas escolas técnicas do MST do Paraná e também na
base do MST. Discutimos alguns elementos que consideramos como
potencializadores e outros como limitantes, do método do Diálogo de Saberes
para a Educação Profissional do Campo e os movimentos sociais populares,
levando em conta o caminho analítico percorrido.
2. UM MOVIMENTO SOCIAL CAMPONÊS SE INSURGE CONTRA AS RELAÇÕES CAPITALISTAS NO CAMPO: MST, DA LUTA PELA TERRA A UM PROJETO POPULAR PARA O BRASIL
No documento “Normas Gerais do MST” (MST, 2002, p. 54), podemos ler
que o “Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra-MST é um movimento
social, de massas, autônomo, que procura articular e organizar os trabalhadores
rurais e a sociedade para conquistar a Reforma Agrária e um Projeto Popular para
o Brasil”. E ainda: “Somos um Movimento de Massas, de caráter Sindical, Popular
e Político” (MST, 2002, p. 56). De massas, pela forma de luta e mobilização,
através da luta social, massiva (ocupações de terra, assembléias massivas,
caminhadas, marchas, audiências massivas, ocupações de prédios públicos) e
não através de negociações ou “conchavos”21. Popular, no sentido de que podem
entrar todos aqueles que queiram lutar pela Reforma Agrária: toda a família
camponesa (e não apenas o homem) e também pessoas de origem urbana,
professores, técnicos, entre outros. Sindical, no sentido corporativo, de lutar por
algumas reivindicações específicas dos camponeses (como crédito, assistência
técnica, preço e outros)22. E político, por articular esses interesses corporativos
com os interesses de classe (STÉDILE; FERNANDES, 1999).
O documento também identifica quem são os sem-terra, para o Movimento:
“os parceiros, arrendatários, meeiros, assalariados rurais, posseiros e pequenos
proprietários – até 5 ha [hectares23] de terra” (MST, 2002, p. 54).
Atualmente (2009) o MST está presente em 24 estados brasileiros24 (MST,
2008a). Possui instâncias de coordenação e direção locais, regionais, estaduais e
nacionais. Está organizado em Setores e Coletivos de atividades25, havendo nove
Setores: Formação, Comunicação, Finanças, Educação, Frente de Massas,
Direitos Humanos, Gênero, Saúde e o último, Setor de Produção, Cooperação e 21 “[Aprendemos que] A Reforma Agrária somente avançaria com luta, e sobretudo luta de massas,
em que o povo se envolvesse no maior número possível. Não há outro caminho de mudança social, sem que o povo esteja organizado e mobilizado” (MST, 1998, p. 33).
22 “O MST elaborou sua concepção de luta em que dimensionava a reciprocidade da resistência nos processos de ocupação e de produção, rompendo com a visão desagregante que separava os sem terra – os que estavam participando das ocupações – dos assentados que seriam os com terra” (FERNANDES, 1999, p. 181, grifos no original).
23 Unidade de medida agrária que corresponde a 10.000 m2. 24 Não estando ainda organizado no Amazonas, no Acre e no Amapá. 25 Os Coletivos são a forma de organização que antecede a estruturação e efetivação dos Setores.
35
Meio Ambiente-SPCMA. Os Coletivos são quatro: Cultura, Juventude, Relações
Internacionais e Projetos (MST, 2002, p. 71).
Orienta-se pelos seguintes princípios organizativos: direção coletiva;
divisão de tarefas; profissionalismo; disciplina, planejamento; estudo; vinculação
(dos dirigentes) com as massas; e crítica e auto-crítica (MST, 2002, P. 67-68).
O MST trabalha para aliar, de forma inovadora, a estruturação nacional, a
mobilização permanente, o embasamento teórico de suas ações e a articulação
internacional (na Vía Campesina), com temáticas atuais, como a questão
ecológica e a questão de gênero (VENDRAMINI, 2003, p. 3)
Neste ano de 2009, o MST comemora seus 25 anos de existência, entre
conquistas e desafios. Entretanto, ele não surgiu pronto e acabado; possui uma
história e está na história, como buscamos explicitar nesse capítulo. Partimos de
um breve estudo do desenvolvimento capitalista no campo brasileiro para, em
seguida, resgatar a gênese do MST. Apresentamos de maneira sucinta a sua
trajetória inicial, nos anos 1980. No período correspondente aos anos 1990,
abordamos a trajetória do MST no quadro das políticas neoliberais. Analisamos o
período recente (anos 2000) mais detidamente, devido à recentidade histórica, o
que constituiu para nós um grande desafio. Procuramos tratar a Questão Agrária
em relação à Mundialização do Capital, abordando a emergência do agronegócio
como novo ator econômico e político e como principal obstáculo à realização da
reforma agrária. Analisamos as políticas do governo de Luis Inácio Lula da Silva
para o campo, destacando sua política agrária como “paradoxal”. Finalmente,
apresentamos elementos de permanência e de transformação que nos permitem
compreender o MST na atualidade (2009), destacando a constituição de um
Projeto de Desenvolvimento para o Campo Brasileiro, onde a agroecologia e a
educação têm papel fundamental.
2.1. O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO NO CAMPO BRASILEIRO
Para compreender a história e a trajetória do MST, faz-se necessário
estudar o desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro. Não há consenso
36
entre os estudiosos a respeito da formação do capitalismo no Brasil. Há desde
concepções que partem da existência do feudalismo no Brasil26, até aquelas que
consideram a origem do capitalismo desde o momento da colonização
portuguesa.
Gorender (1994) desenvolve outra concepção, que nos parece
esclarecedora para o nosso estudo. O autor defende a existência de um modo de
produção escravista-colonial, dominado pelo setor mercantil, que teria permitido a
acumulação originária de capital e a formação do capitalismo no Brasil. Essa
acumulação originária teria permitido, ao final do escravismo colonial, o
surgimento, nas cidades, de um setor industrial fabril, tipicamente capitalista. No
campo, entretanto, o desenvolvimento capitalista permaneceria ainda incipiente,
mesmo após a abolição da escravidão.
A acumulação originária de capital alcançada pelos latifundiários no bojo do
modo de produção colonial tinha sido pequena, em parte pela necessidade de
grandes somas para aquisição da força de trabalho escrava, o que havia sido,
segundo o autor, um fator de “desacumulação”. Além disso, inexistia ainda um
exército industrial de reserva no campo27, fator indispensável para garantir baixos
salários. Em decorrência da impossibilidade de uma remuneração inteiramente
monetarizada da força de trabalho, na plantation28 e no latifúndio pecuário se
estabeleceram relações não-capitalistas de produção, baseadas naquilo que autor
chama de formas camponesas dependentes (GORENDER, 1994, p. 31): Morador e colono29 são formas camponesas dependentes de que se valeu a plantagem pós-abolicionista; a elas podemos acrescentar as diversas modalidades de parceria, meação e pequeno arrendamento, que se difundiram por todo o país, representando modalidades pré-capitalistas bastante acentuadas.
26 Ver, por exemplo, Formação Histórica do Brasil, de Nelson Werneck Sodré; e Quatro séculos
de latifúndio, de Alberto Passos Guimarães. 27O autor usa exatamente essa expressão, no sentido de um exército de desempregados
flutuantes. Embora ela possa parecer, à primeira vista, contraditória, é preciso considerar que, no capitalismo, a agricultura se incorpora ao sistema econômico como um dos seus ramos industriais (GORENDER, 1994).
28 Plantation ou plantagem: latifúndios monocultores de produtos de exportação (cana-de-açúcar, café, algodão, cacau, etc.), que se instalaram graças à utilização do trabalho escravo, em muitas colônias. Posteriormente utilizaram-se de formas camponesas dependentes e de trabalho assalariado.
29 Formas camponesas dependentes presentes, respectivamente, na plantation de cana-de-açúcar, no Nordeste brasileiro, e na de café, em São Paulo.
37
Esses camponeses pagavam ao latifundiário a renda da terra, em formas
pré-capitalistas: a renda-em-produto e a renda-em-trabalho. Nesse contraditório
processo, a acumulação da renda da terra e sua transformação em capital
conduziu à paulatina dissolução das formas camponesas dependentes e ao
desenvolvimento do capitalismo no campo: A gênese do capitalismo no campo reside fundamentalmente na transformação da renda da terra (pré-capitalista ou já capitalista) em capital agrário, na colocação da renda da terra a serviço da acumulação do capital agrário (ao invés de desviá-la para aplicações comerciais ou industriais). O outro lado desse processo de gênese é o de adensamento do mercado de mão-de-obra livre, inteiramente despossuída, completamente desenraizada de qualquer economia autônoma, mão-de-obra que pode ser assalariada temporariamente (os chamados volantes) (GORENDER, 1994, p. 35-36).
Além dos latifúndios (de plantation e pecuário) e das formas camponesas
dependentes, havia também a pequena unidade de produção camponesa-familiar
independente: posseiros, sitiantes, “colonos”30 (imigrantes alemães e italianos no
sul do Brasil) e também pequenos arrendatários e parceiros autônomos. Esses
camponeses caracterizavam-se inicialmente por um alto grau de economia
natural, produzindo para o próprio consumo e comercializando apenas
excedentes eventuais; a dinamização do mercado interno foi, paulatinamente,
introduzindo algum grau de mercantilização.
A subsunção real31 do trabalho ao capital, entretanto, só se completaria
com uma mudança na base técnica da agricultura, mudança que ficou conhecida
como “Revolução Verde”, chamada por Porto-Gonçalves (2005, p. 5) de uma
“revolução nas relações-sociais-e-de-poder-por-meio-da-tecnologia”, iniciada no 30 Refere-se aqui não ao regime de colonato, utilizado na plantation de café, mas às “colônias”,
parcelas de terras vendidas pelas colonizadoras aos camponeses imigrantes. 31 A subsunção (subordinação) do trabalho ao capital é resultado de um processo histórico de
alienação do trabalhador dos meios de produção e, em conseqüência, dos meios de subsistência. Sua transformação em trabalhador assalariado permite inicialmente ao proprietário dos meios de produção a extração de mais-valia absoluta, pela extensão da jornada de trabalho para além do tempo de trabalho necessário à produção de sua subsistência como trabalhador. A partir dessa subordinação formal, o capital se “apodera” do processo de trabalho, e as condições do modo de produção capitalista levam a uma busca por mudanças nos processos técnicos de trabalho. Aumentando-se a produtividade do trabalho em diversos ramos, o tempo de trabalho necessário à produção do salário diminui, aumentando assim o tempo de trabalho excedente, sem aumento na jornada de trabalho. Essa é a mais-valia relativa, a forma característica do modo de produção capitalista, e que significa a subordinação real do trabalho ao capital, a partir do controle total do processo de trabalho. Ver o cap. XIV d’O Capital (MARX, 1988b).
38
Brasil entre as décadas de 1960 e 1970. Mecanização, insumos sintéticos
(adubos, agrotóxicos e fármacos), sementes híbridas e raças animais melhoradas
foram as inovações tecnológicas empregadas para intensificar a produção e
aumentar a produtividade do trabalho, alterando a composição orgânica do
capital.
A agricultura “industrializou-se”, tornando-se compradora de produtos
industriais, numa ponta, e produzindo matéria-prima para a agroindústria
processadora, na outra, tornando-se dessa maneira “[...] parte integrante de um
conjunto maior de atividades inter-relacionadas: tornou-se parte – e um setor
dominado – dentro de um complexo agroindustrial” (GUIMARÃES, 1982, p.
150, grifos no original).
O latifúndio capitalista moderno terá como características o assalariamento,
a divisão técnica do trabalho e o emprego de tecnologias também “modernas”. É
importante lembrar que essa “modernização” não se deu sem a intervenção ativa
do Estado: Na década de 1970, os governos militares implantaram um modelo econômico de desenvolvimento agropecuário que visava acelerar a modernização da agricultura com base na grande propriedade, principalmente pela criação de um sistema de créditos e subsídios. [...] De um lado, aumentou as áreas de cultivo da monocultura da soja, da cana-de-açúcar, da laranja entre outras; intensificou a mecanização da agricultura e aumentou o número de trabalhadores assalariados. De outro lado, agravou ainda mais a situação de toda a agricultura familiar: pequenos proprietários, meeiros, rendeiros, parceiros etc., que continuaram excluídos da política agrícola. Essa política que ficou conhecida como modernização conservadora promoveu o crescimento econômico da agricultura, ao mesmo tempo que concentrou ainda mais a propriedade da terra, expropriando e expulsando mais de 30 milhões de pessoas que migraram para as cidades e para outras regiões brasileiras (FERNANDES, 1999, p. 41).
A ditadura civil-militar (1964-85) deu um impulso decisivo ao
desenvolvimento capitalista brasileiro, aliando repressão, políticas setoriais32
(destinadas a aliviar as tensões sociais e alcançar certa legitimidade) e instalação
de infra-estrutura (estradas, energia elétrica) e indústrias de base (como a
siderurgia e a petroquímica, por exemplo). A “modernização” do campo,
32 Vale citar a criação do Estatuto da Terra, que criou o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária-
IBRA.
39
engendrada sob os auspícios da ditadura, deu-se por meio da aliança entre o
capital agrário e o industrial (e mais tarde, também financeiro33), entre o capital
nacional e as grandes empresas multinacionais, contando com forte apoio
institucional internacional. Precisa ser compreendida, portanto, no quadro mais
geral do desenvolvimento capitalista mundial: Desde as primeiras colonizações, a história econômica e social dos países do "Sul" subordinados ao imperialismo é aquela, no que aqui nos concerne, de ondas sucessivas de expropriação dos camponeses em proveito de formas concentradas de exploração da terra (desflorestamento, plantações, pecuária extensiva, etc.) para a exportação aos países capitalistas centrais. (...) Os beneficiários sempre foram os mesmos: os grandes grupos de comércio e, depois, de produção agroalimentar aliados, em configurações múltiplas e mutáveis, às classes dominantes locais, oligarquias rentistas ou capitalistas. O ataque do capital contra a produção direta fomentou, em permanência, a luta de classes no campo, primeiro nos países capitalistas mais antigos e, no século XX, nos países do "Sul" (CHESNAIS e SERFATI, 2003, p. 15).
É na etapa monopolista do capitalismo34 que a agricultura vai industrializar-
se, suprimindo, de certa maneira, o divórcio entre cidade e campo. Delgado
(1985, p. 230) concebe a integração técnica agricultura-indústria “[...] como um
momento do processo mais geral de integração de capitais ou de fusão de
capitais múltiplos em conglomerados, operantes também no setor rural” (grifos no
original). Essa integração, inicialmente operada mediante a importação de meios
de produção, dá origem à formação de um Departamento de Meios de Produção
Industriais para a Agricultura.
A formação do Complexo Agroindustrial corresponde, portanto, ao terceiro
movimento do capital no campo: o da centralização35. O primeiro movimento fora
o da acumulação de capital; seguiu-se o da concentração de capital, com o
reinvestimento do lucro em novos meios de produção, implicando na
33 Para uma análise mais detalhada do desenvolvimento econômico da agricultura brasileira, em
especial do papel do capital financeiro e do Estado, ver Delgado (1985). 34 Fase do capitalismo iniciada no final do século XIX, também denominada de imperialismo,
caracterizada pelos monopólios, e na qual o processo de acumulação capitalista dá origem a um mercado mundial (BOTTOMORE, 1988).
35 A centralização de capital “é concentração de capitais já constituídos, supressão de sua autonomia individual, expropriação de capitalista por capitalista, transformação de muitos capitais menores em poucos capitais maiores” (MARX, 1988b, p. 187), movida tanto pela concorrência capitalista quanto pelo sistema de crédito. Suas formas tradicionais de expressão são os grandes monopólios e as sociedades por ações. Ver o cap. XXIII d”O Capital.
40
concentração de terras (através da compra, da grilagem de terras públicas ou da
simples expulsão, pela força, de famílias camponesas).
Para muitos autores, conforme relatam Oliveira (1986) e Gorender (1994),
o desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro seguiu a “via prussiana”36:
a lenta metamorfose dos latifundiários do período colonial em capitalistas e a
expropriação dos camponeses, com apoio do Estado. Oliveira (2001, p. 186),
entretanto, faz outra interpretação: Assim, a chamada modernização da agricultura não vai atuar no sentido da transformação dos latifundiários em empresários capitalistas, mas, ao contrário, transformou os capitalistas industriais e urbanos – sobretudo do Centro-Sul do país – em proprietários de terra, em latifundiários. A política de incentivos fiscais da Sudene e da Sudam foram os instrumentos de política econômica que viabilizaram esta fusão. Dessa forma, os capitalistas urbanos tornaram-se os maiores proprietários de terra no Brasil, possuindo áreas com dimensões nunca registradas na história da humanidade.
Nossos estudos sobre esta questão não são suficientes para emitir uma
conclusão definitiva a esse respeito. A partir das leituras realizadas e da
constatação empírica, nos parece que ambas as formulações possuem elementos
verdadeiros: nossa hipótese é de que tanto houve uma modernização dos
latifundiários do período anterior, quanto a sua substituição por capitalistas
industriais urbanos. Esse último movimento parece ser dominante em nossos
dias, com o agronegócio, de que trataremos no próximo item. A verificação dessa
hipótese demandaria um aprofundamento no tema que escapa aos objetivos
desse estudo.
Seguindo em nossa análise, é preciso considerar que a “modernização”
também vai atingir a pequena exploração camponesa independente. Grande parte
dos autores, conforme atestam Oliveira (1986) e Shanin (1980), consideram a
existência de um processo de diferenciação interna do campesinato, pelo
desenvolvimento das relações mercantis próprias do modo de produção
capitalista. Essa diferenciação conduziria ao fim do campesinato, resultando na
integração de alguns camponeses ricos ao mercado capitalista e na 36 Analogia feita à análise do desenvolvimento capitalista na Alemanha (e posteriormente, na
Rússia), por Lênin, onde os latifúndios feudais se transformaram lentamente em capitalistas. Ver LÊNIN, Vladimir Ilich. O desenvolvimento do capitalismo na Rússia. São Paulo: Nova Cultural, 1985.
41
proletarização dos camponeses pobres restantes. Mesmo reconhecendo a
importância desse processo, Shanin (1980) adverte, entretanto, que não se deve
tomá-lo como um padrão de desenvolvimento exclusivo e incontestavelmente
necessário. Esse autor destaca que o desenvolvimento capitalista da agricultura
aponta não apenas essa tendência, mas também para outras duas, que podem
ocorrer simultaneamente ou em regiões separadas: a pauperização e a
marginalização dos camponeses, que “[...] nem desaparecerão completamente,
nem permanecerão estruturalmente como antes, nem se tornarão proletários
rurais nos termos da teoria clássica do capitalismo” (SHANIN, 1980, p. 57).
Nessa mesma direção, Oliveira (1986; 2001) e também Fernandes (2001)
chamam a atenção para o caráter contraditório do capitalismo, em que o próprio
capital, para reproduzir-se de maneira ampliada, cria e recria relações não-
capitalistas de produção. Dentro desse entendimento, a subordinação da
produção camponesa se dá pela sujeição da renda da terra ao capital, com a
apropriação do trabalho excedente do camponês e de sua família de maneira não
especificamente capitalista. “Descamponesação” (destruição do campesinato) e
“recamponesação” (recriação do campesinato) são, portanto, processos
simultâneos, em que a luta de classes é fator importante: [...] a existência do campesinato é conseqüência de sua luta heróica contra a expropriação e a proletarização, causadas pelo desenvolvimento do capitalismo, no movimento de criação e recriação do campesinato no processo de diferenciação. [...] a formação do campesinato acontece simultaneamente pela exclusão/inclusão das condições de realização do trabalho familiar, criação/destruição/recriação das relações sociais como a propriedade camponesa, a posse, o arrendamento, a meação, a parceria. (FERNANDES, 2001, p. 30).
No Brasil, os camponeses expulsos pela “modernização” da agricultura
viram-se forçados a migrar, num primeiro momento, para regiões de colonização,
especialmente Rondônia, Pará e Mato Grosso, onde também encontravam
grandes dificuldades para se reproduzirem como camponeses, uma vez que o
desenvolvimento capitalista também avançava para a fronteira agrícola, no
extrativismo da madeira, no garimpo e no latifúndio pecuário. Outra saída era o
êxodo para as cidades: em 1970, pela primeira vez, a população urbana
42
ultrapassou a população rural37. Entretanto, após o curto período do “milagre
brasileiro”, nos anos 1967/72, a indústria brasileira passou a acompanhar a crise
na economia mundial, que se prolongou por toda a década de 1980, a qual ficou
conhecida, em termos econômicos, como a “década perdida” (STÉDILE;
FERNANDES, 1999).
Foram estas as “condições objetivas” para o surgimento do MST: Do ponto de vista socioeconômico, os camponeses expulsos pela modernização da agricultura tiveram fechadas essas duas portas de saída – o êxodo para as cidades e para as fronteiras agrícolas. Isso obrigou-os a tomar duas decisões: tentar resistir no campo e buscar outras formas de luta pela terra nas próprias regiões onde viviam. É essa a base social que gerou o MST (STÉDILE; FERNANDES, 1999, p. 17).
2.2. GÊNESE E TRAJETÓRIA INICIAL DO MST (ANOS 1980)
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra surge a partir da
retomada da luta pela terra no centro-sul do Brasil, especialmente nos estados de
Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, em
fins da década de 1970. Da articulação dessas lutas isoladas, que vinham
ocorrendo simultaneamente em diversas localidades, organiza-se o MST, em
janeiro de 1984, com a realização do Primeiro Encontro Nacional de
Trabalhadores Sem Terra, em Cascavel, Paraná.
Num estudo sobre a formação dos sem-terra, Caldart (2004), considera a
existência, na gênese do MST, de três conjuntos de fatores inter-relacionados:
a) As transformações socioeconômicas na agricultura brasileira, na
década de 1970, que geraram um grande contingente de trabalhadores
expulsos da terra, para quem outras possibilidades de integração foram
sendo fechadas. Essas transformações decorreram, conforme vimos
anteriormente, do desenvolvimento capitalista no campo.
37 Em 1960, a população urbana era de 45,1%, e a rural, de 54,9%. Em 1970, a população urbana
passa a representar 56,9%, e a rural, 44,1% (DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS, 2008).
43
b) Elementos socioculturais e políticos que foram conformando
iniciativas de reação e organização desses trabalhadores: o trabalho
pastoral das igrejas católica e luterana junto aos “desgarrados da terra”,
especialmente através da Comissão Pastoral da Terra-CPT, que atuou
como articuladora das diversas lutas; a coincidência com o processo
mais amplo de luta pela democracia no país38; e a herança de um longo
processo histórico de lutas e resistências do campesinato, em quase
cinco séculos de latifúndio (embora sejam páginas pouco conhecidas
da história brasileira, preferindo-se ressaltar a “índole pacífica” de
nosso povo)39.
c) Fatos históricos desencadeadores, nas diversas localidades,
capazes de apressar a conjugação entre as pressões objetivas e a
resistência/reação dos trabalhadores sem-terra em direção à criação do
MST. No Paraná, por exemplo, a construção da Usina Hidrelétrica de
Itaipu, expropriando milhares de camponeses, deu origem, em 1980, ao
Movimento Justiça e Terra, um dos precursores do MST no estado.
O próprio Movimento reconhece a contribuição de três vertentes sócio-
ideológicas na sua constituição como movimento social autônomo: O trabalho pastoral da Igreja Católica, através da CPT, e da Igreja Luterana (no sul do país), que vinham realizando há anos um trabalho de conscientização, animação e articulação dos camponeses. Uma segunda vertente, foram as lideranças do então nascente sindicalismo combativo, das oposições sindicais, que recuperando os sindicatos das mãos dos pelegos, perceberam que a forma de organização sindical, vertical, municipalista, extremamente formal e burocratizada, era um entrave ao desenvolvimento da luta pela terra. E a terceira vertente, eram os lutadores sociais que militavam em diferentes organismos, e que viam na luta pela reforma agrária, uma luta
38 “Se a luta contra a ditadura militar não tivesse acontecido também na cidade, o MST não teria
nascido. Não é possível isolar o surgimento do movimento, acreditando que ele é resultante apenas da vontade dos camponeses” (STÉDILE; FERNANDES, 1999, p. 23).
39 Dentre as mais conhecidas, podemos citar Sepé Tiaraju dos Povos Guaranis (séc. XVI e XVII); o Quilombo dos Palmares (séc. XVI), a Guerra de Canudos (séc. XIX), e na primeira metade do séc. XX, a Guerra do Contestado (PR), o Cangaço, as Ligas Camponesas, a Revolta dos Posseiros em Teófilo Otoni (MG), a Revolta de Trombas e Formoso (GO), a Revolta de Porecatu (PR), a Revolta de Dona Nhoca (MA), a Revolta do Sudoeste do Paraná; e ainda antes do golpe militar, as Uniões de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil-ULTABs, o Movimento dos Agricultores Sem Terra-MASTER (RS) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura-CONTAG (FERNANDES, 1999; STÉDILE, 1997).
44
também contra a ditadura militar e pela redemocratização do país (MST, 1998, p. 32).
O período de 1979 a 1984 é considerado como sendo de gestação e nascimento do MST. Naqueles anos ocorreram as primeiras ocupações de terra,
reuniões e encontros para estudo e reflexão, troca de experiências e articulação
das diversas lutas: “As formas de luta incluíam as ocupações e a resistência na
terra, os acampamentos, na sua grande maioria espontâneos, as negociações
para pressionar o INCRA [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] e
os governos estaduais” (FERNANDES, 1999, p. 73). O apoio da CPT, nesse
período foi fundamental. A idéia de um movimento nacional começou a tomar
forma em 1982, no Encontro de Goiânia. Em janeiro de 1984, finalmente, é
fundado oficialmente o MST, em seu primeiro Encontro Nacional, em Cascavel-
PR, que contou com a participação de representantes de 16 estados.
Convocando todos aqueles que faziam a luta pela terra no Brasil, aconteceu em
Curitiba-PR, em janeiro do ano seguinte (1985), o I Congresso Nacional do MST,
com a participação de cerca de 1.500 trabalhadores de 23 estados.
O segundo período vai de 1984/85 a 1989/9040, momento em que o MST
se consolidou em nível nacional e iniciou o processo de territorialização: A luta pela terra leva à territorialização porque com a conquista de um assentamento abrem-se as perspectivas para a conquista de um novo assentamento. Cada assentamento é uma fração do território conquistada e a esse conjunto de conquistas chamamos territorialização. Assim, a cada assentamento que o MST conquista, ele se territorializa (STÉDILE; FERNANDES, 1999, p. 78).
Na luta pela terra, foram conquistados, até 1989, 730 assentamentos,
totalizando 110.913 famílias, em 5.540.290 ha (FERNANDES, 1999, p. 172). O
MST chegou ao início dos anos 1990 presente em 18 estados41, territorializando-
se por todas as grandes regiões brasileiras.
40 As periodizações existentes da história do MST possuem essa flexibilidade, não havendo uma
demarcação rígida (CALDART, 2004; STÉDILE; FERNANDES, 1999; FERNANDES, 1999; STÉDILE, 2000).
41 “Em todos os estados das regiões Sul e Nordeste; na região Norte, no Estado de Rondônia; na região Centro-Oeste, nos Estados de Goiás e Mato Grosso do Sul; na região Sudeste, nos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo” (FERNANDES, 1999, p. 162).
45
Em função das pressões e lutas sociais do período da redemocratização,
foi elaborado, em 1985, no governo de José Sarney, o I Plano Nacional de
Reforma Agrária-PNRA, sob a coordenação de José Gomes da Silva. Esse plano,
entretanto, nunca foi implementado. Por seu lado, os latifundiários também se
organizaram, criando em maio de 1985 a União Democrática Ruralista, [...] a UDR, sintomaticamente nascida logo que o país tomou conhecimento, há pouco mais de um ano, dos primeiros estudos do governo para se promover uma redistribuição do solo nacional de forma a dar fatias de terra às 10 milhões de famílias de lavradores que não dispõem de um pedaço de chão do qual tirar seu sustento (O TRATOR..., 1986).
É também nesse período que o MST lançou as bases de sua forma de
organização (estruturação em setores, com elos desde a base local até as
instâncias nacionais) e começaramm a ser definidas as atividades pertinentes (o
Setor de Educação, por exemplo, é criado em 1987). Afirmando-se como um
sujeito coletivo específico na luta por Reforma Agrária, começou a constituir-se
como uma organização social dentro de um movimento de massas: Exatamente para dar conta dos seus objetivos e das diversas dimensões de sua luta, o MST acabou construindo um tipo de organização que mistura a versatilidade de um movimento social, no qual entra todo mundo o tempo todo, com um xadrez de relações sociais e organizacionais próprias quase de uma instituição social, que se pretende flexível mas duradoura. Daí a lógica de uma verdadeira empresa social, convivendo com a irreverência de um movimento permanente e imprevisível. Os estudiosos de movimentos sociais de modo geral têm dificuldade de enquadrar o MST em suas classificações mais tradicionais. O MST tem resolvido este problema criando uma denominação para si próprio: uma organização social de massas, em que a combinação de características contraditórias se coloca exatamente como um dos pilares de sua identidade (CALDART, 2001, p. 208, grifo nosso).
Muitos veriam, de fato, uma contradição entre a forma extremamente
organizada de funcionamento do MST, bem como a amplitude que sua luta vai
assumindo, e o conceito de movimento social. Para Stédile, o MST “conseguiu dar
estrutura política a uma luta popular” (STÉDILE; FERNANDES, 1999, p. 37).
46
Silva (2005) observa que a combinação entre movimento de massas e
organização política não é nova na história, tendo sido apontada por Lênin (1988)
como uma necessidade do avanço da luta: Desta forma, a estrutura organizativa surge com o objetivo de diminuir a espontaneidade do movimento social, criando condições para que as massas (o conjunto de famílias de trabalhadores rurais sem-terra) se mantenham aglutinadas mesmo após os momentos das grandes mobilizações. A organização dos trabalhadores em instâncias permite um trabalho sistemático quanto à formação, no sentido de superar a dimensão imediata da luta pela terra e de avançar para um processo de humanização e politização que permita refletir a respeito dos problemas atuais, da experiência histórica e do projeto político da organização social que estão construindo (SILVA, 2005, p. 142-143).
No período seguinte, assistimos a um grande crescimento do MST, que
passou a ser um ator político reconhecido no cenário nacional e internacional. E
também a questão agrária, da qual a luta pela terra é uma das dimensões, foi
assumindo novos contornos.
2.3. AS POLÍTICAS NEOLIBERAIS NO CAMPO BRASILEIRO – O MST NA
DÉCADA DE 1990
No terceiro período, de 1989/90 a 1999/2000, o Movimento continuou seu
processo de territorialização, avançando para 23 estados brasileiros42,
acumulando conquistas consideráveis: Desde 1979 até junho 1999, o número de assentamentos implantados era de 3.958, somando 475.801 famílias assentadas em 22.996.197 hectares. 53.28% dessa área está na região Norte (sendo que quase metade [43%] situa-se no estado do Pará) e 45.42% dos assentamentos estão na região Nordeste. Nessas duas regiões estão assentadas 72.07% das famílias (FERNANDES, 1999, p.253-254).
Pode-se dizer também que ele se institucionalizou, no sentido de fixar as
instâncias de representação e as formas de organização das atividades, que 42 Organizando-se também nos estados do Pará, Mato Grosso, Distrito Federal (e entorno),
Tocantins e Amazonas (FERNANDES, 1999).
47
foram crescendo em diversidade, qualidade, volume e importância política. Como
destaca Souza (2006), por meio da sistematização e edição de grande quantidade
de materiais pedagógicos, especialmente nas áreas da educação, produção e
cooperação, o MST demonstra sua característica propositiva (elaborando
propostas para cada uma dessas áreas). Além disso, começaram a se organizar,
na década de 1990, os Centros de Formação e os cursos formais (escolares), em
diversas áreas, promovidos pelo MST em parceria com instituições públicas de
ensino (principalmente universidades e escolas técnicas), inicialmente em nível
médio e profissionalizante e, num segundo momento, também em nível superior.
Entre 1994 e 1995 o MST elaborou também seu “Programa de Reforma
Agrária”, que representa uma ampliação da compreensão do Movimento a esse
respeito, sendo a nova proposta “[...] necessariamente mais abrangente e mais
complexa que a simples distribuição da propriedade da terra” (MST, 1997a, p. 34).
Entre outros pontos, o programa passou a incorporar a noção de desenvolvimento
rural, “[...] que garanta melhores condições de vida, educação, cultura e lazer para
todos” (MST, 1998, p. 28). De acordo com Stédile (STÉDILE; FERNANDES,
1999, p. 76), o programa “[...] representa uma proposta de como reorganizar o
meio rural no Brasil, para democratizar a terra e o conhecimento”, incorporando
pela primeira vez o acesso à educação como meta necessária de uma reforma
agrária.
O governo Collor de Mello (1990-92) foi marcado por uma intensa
repressão, caracterizando-se como um momento de estagnação da Reforma
Agrária e de resistência por parte do MST, que se voltou para questões internas,
organizando sua proposta de cooperação (com a criação do Sistema
Cooperativista dos Assentados-SCA e da Confederação das Cooperativas de
Reforma Agrária do Brasil-CONCRAB, em maio de 1992) e iniciando a elaboração
e registro de uma proposta de educação (CALDART, 1997).
Fernando Henrique Cardoso-FHC, em seu primeiro mandato (1995-98), [...] apostou que eliminaria a questão agrária com a realização de uma ampla política de assentamentos. Foi o período em que mais se assentou famílias. Todavia, a questão agrária se manteve, exatamente por causa de seu caráter estrutural [...] (FERNANDES, 2008a, p. 78-79).
48
Sua política de negar a existência de uma questão agrária e desconsiderar
os movimentos sociais teve um efeito contrário ao pretendido, levando ao
fortalecimento do MST, exatamente pela sua atuação como movimento
socioterritorial. Podemos dizer que a Marcha Nacional por Reforma Agrária,
Emprego e Justiça, em 1997, que reuniu quase 100.000 pessoas em sua chegada
a Brasília, representa o ápice deste processo, projetando o Movimento nacional e
internacionalmente. A partir de então, houve uma mudança de estratégia,
passando o governo a criminalizar o MST, política que teve continuidade ao longo
de seu segundo mandato (1999-2002), por meio da judiciarização da luta pela
terra, “[...] representada pela intensificação da criminalização das ocupações43 e
na contínua impunidade dos mandantes e assassinos dos trabalhadores”
(FERNANDES, 2001, p. 20).
O governo FHC representou o consenso das elites em torno da completa
subordinação da economia nacional aos interesses do capital financeiro
internacional e, portanto, da política econômica neoliberal. Na década de 1990,
seu governo implantou um conjunto de reformas orientadas pelas agências
internacionais (Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional-FMI) por meio de
Programas de Ajuste Estrutural, que dentre outros itens, previam a abertura
comercial e a privatização da terra (TOUSSAINT, 2002). Essa foi a orientação do
projeto “Novo Mundo Rural” de FHC, com a “reforma agrária de mercado”, em que
o Banco Mundial financiava a aquisição à vista de terras improdutivas pelo
governo brasileiro, ficando as famílias assentadas devendo o valor diretamente ao
banco. Essa política de descaracterização da reforma agrária consolidou-se em
1999, com a criação do Banco da Terra.
As políticas neoliberais aplicadas na década de 1990 tiveram grande
impacto no campo brasileiro. A abertura comercial teve início no governo Collor,
com a drástica redução das barreiras à importação de produtos agrícolas, tendo
como resultado [...] um aumento nas importações de alimentos e matérias-primas, que passaram a representar fator essencial de controle da inflação, levando à depressão dos preços agrícolas (a “âncora
43 “[...] não realizar vistorias em terras ocupadas, não assentar as famílias que participarem de
ocupações, excluir os assentados que apoiarem outros sem-terra na ocupação de terra [...]” (FERNANDES, 2001, p. 22)
49
verde” do Plano Real). Com o aumento da competição derivada das importações, dezenas de milhares de pequenos produtores se viram inviabilizados [...] (CHRISTOFFOLI, 2007a, p. 117).
Paralelamente, procedeu-se ao desmantelamento das políticas de Estado
para a agricultura, retirando-se qualquer apoio ou estímulo à agricultura
camponesa-familiar: desmonte do sistema público de assistência técnica e
extensão rural – SISBRATER/EMBRATER44; fim das políticas de garantia de
preços mínimos e de compras de produção (e adoção do alinhamento às
commodities45); direcionamento da pesquisa agropecuária (sistema Embrapa)
para os interesses da grande capital, inclusive via aproximação com empresas
privadas, como a Monsanto. Além disso, “a política fundiária promoveu uma
reforma agrária às avessas, com a apropriação de 20 milhões de hectares de
terras públicas por latifundiários nas regiões de fronteira agrícola”
(CHRISTOFFOLI, 2007a, p. 120).
Compreendendo o momento histórico (como pode ser observado em
diversos documentos do período46), a partir da segunda metade da década de
1990, o Movimento passa a identificar como inimigo principal da Reforma Agrária
o projeto neoliberal, ampliando sua participação em lutas conjuntas e em alianças
com outros movimentos sociais, nacionais e internacionais. Assim, em 1994
participa na criação da Coordenação Latina de Organizações Camponesas-
CLOC, que logo se alinha à Via Campesina (NIEMEYER, 2006). A constituição da
Via Campesina, como um movimento mundial, ocorrera em 1993, com a
realização de sua Primeira Conferência, em Mons, na Bélgica (LA VIA
CAMPESINA, 2008). Presente em 56 países da Europa, África, Ásia e América, e
44 Ressalte-se que esse sistema havia sido o grande difusor da Revolução Verde no Brasil; uma
vez concluída a “modernização da agricultura” e com a emergência de um sistema privado de assistência técnica, ele perdeu sua função para o capital (CRISTOFFOLI, 2007a).
45 “Commodities é o termo utilizado para se referir aos produtos de origem primária que são transacionados nas bolsas de mercadorias. São normalmente produtos em estado bruto ou com pequeno grau de industrialização, com qualidade quase uniforme e são produzidos e comercializados em grandes quantidades do ponto de vista global. [...] A negociação dessas mercadorias é realizada com entrega futura. [...] O que se negocia são contratos futuros, ou seja, garantias de compra e venda dos produtos em uma data no futuro” (BRANCO, 2008, p. 12), tratando-se, assim, de uma forma de especulação financeira, ficando os preços inteiramente dissociados das reais condições de produção. Exemplos de commodities agropecuárias: café, trigo, soja, milho, algodão, açúcar, álcool, boi. Para uma breve revisão do conceito, ver Pereira (2009).
46 Programa de Reforma Agrária (MST, 1998); Preparação dos Encontros Estaduais e 9°. Encontro Nacional do MST (MST, 1997a); Reforma Agrária: por um Brasil sem latifúndio! (MST, 2000a).
50
constituindo-se como um dos movimentos sociais alter-mundialistas mais
atuantes, Este movimento social despontou como ator transnacional significativo, em 1996, durante a Assembléia Global sobre Segurança Alimentar (AGFA), realizada pela FAO, em Quebec, Canadá, tendo conquistado a atenção do público em geral, durante o antológico encontro da OMC, realizado em Seattle, em 1999 (NIEMEYER, 2006, p. 73).
O fortalecimento da Via Campesina foi uma das marcas da mundialização
da questão agrária em nossos dias, como veremos mais adiante.
Em nível nacional, o MST se consolidou como referência por sua forma de
organização, por fundamentar-se no trabalho de base, pelas lutas de massa e
pela formação de novos quadros. Nos primeiros meses de 1997, foi intensa a
participação de movimentos sociais, instituições, pastorais e partidos na
construção das marchas estaduais do MST, preparatórias à Marcha Nacional por
Reforma Agrária, Emprego e Justiça. A chegada da Marcha Nacional a Brasília,
em abril de 1997, transformou-se num ato político que aglutinou diversas forças
de esquerda contra o projeto neoliberal : A cidade de Brasília pára e lá se concentram quase cem mil pessoas para receber os sem-terra. As simbologias, a mística daquele momento histórico, dão a ele um significado muito maior do que o de uma simples Marcha pela Reforma Agrária. Acalenta-se o sonho de ver este país transformado em marchas, não apenas por terra, mas por teto, trabalho, educação, saúde, soberania, dignidade (CONSULTA POPULAR, 2005).
Face à riqueza desse processo, em dezembro de 1997, por iniciativa
conjunta do MST, da Central de Movimentos Populares-CMP e da CNBB, realiza-
se a “Conferência de Itaici”, [...] com objetivo de sistematizar as idéias e propostas surgidas durante as marchas no sentido de questionar o rumo de uma esquerda institucional e propor o resgate dos valores e práticas militantes rumo à revolução brasileira, bem como constituir as bases teóricas para um Projeto Popular para o Brasil (GEBRIM, 200547, grifo nosso).
47 Documento não paginado, disponível on-line.
51
Surge, assim, a Consulta Popular48, que pretende ser o instrumento político
da construção de um Projeto Popular, a partir da constatação dos limites da forma
de luta partidário-eleitoral: O instrumento político, como organização dotada de uma estratégia de poder e de um programa nacional, é o salto de qualidade para a esquerda social. Uma organização que respeita a autonomia dos movimentos sociais e cujos militantes sejam verdadeiros pedagogos populares, centrados na construção da força social. Uma instância orientadora e articuladora dos movimentos sociais, horizontal e participativa, capaz e promover a articulação dos setores isolados em torno de uma mesma força social e programa político (MOVIMENTO CONSULTA POPULAR, 2006, p. 41).
A entrada do MST no debate em torno da Educação do Campo, a partir de
1997/98, é também expressão desta perspectiva mais ampla de luta, que é a
grande marca do terceiro período da história do MST.
O quarto período, iniciado em 2000/2001, é aquele que ora vivenciamos e
do qual trataremos mais detalhadamente a seguir.
2.4. A MUNDIALIZAÇÃO DA QUESTÃO AGRÁRIA – O MST NOS ANOS 2000
2.4.1. Questão Agrária e Mundialização do Capital
Para compreender a questão agrária no início do século XXI, é
indispensável considerar suas relações com a mundialização do capital,
compreendida aqui, como a emergência de um regime de acumulação
predominantemente financeiro, no quadro do imperialismo, como tentativa de
superação de uma crise estrutural do modo de produção capitalista, iniciada na
48 Para mais informações, consultar o sítio http://www.consultapopular.org.br, que traz os
principais documentos e a agenda de luta deste movimento, que ainda está dando passos bastante iniciais, mas que não deixa de ter sua importância, a nosso ver (uma vez que aponta para a necessidade de transcender as lutas isoladas, de construir uma “unidade” popular).
52
década de 1970 (CHESNAIS, 1996). A acumulação financeira pode ser definida
como sendo [...] a centralização em instituições especializadas49 de lucros industriais não reinvestidos e de rendas não consumidas, que têm por encargo valorizá-los sob a forma de aplicação em ativos financeiros – divisas, obrigações e ações – mantendo-os fora da produção de bens e serviços (CHESNAIS, 2005, p. 37).
Embora se possa situar suas origens nas décadas de 1950 e 1960, é a
partir dos anos 1980 que se considera a constituição de um regime de acumulação sob dominância financeira propriamente dito, quando “[...] os
dividendos se tornam um mecanismo importante de transferência e acumulação,
e os mercados de ações o pivô mais ativo” (CHESNAIS, 2005, p. 42, grifo
nosso).
Suas características fundamentais são: a centralização dos recursos
produtivos nas grandes sociedades por ações; a plena reconstituição dos
mercados financeiros, que se tornam o lugar privilegiado da acumulação de
capital; e a total subordinação do capital produtivo50 ao capital financeiro
(CHESNAIS, 2001). Vale destacar o papel central do Estado (e da dívida pública,
que tem a garantia do Estado) na solvência dos mercados financeiros, uma vez
que o capital financeiro tem por definição o atributo de “liquidez”, ou seja, a
capacidade de transformação da riqueza privada em títulos prontamente
negociáveis.
Entretanto, a esfera financeira só pode alimentar-se da riqueza criada ao
nível da produção, possuindo uma autonomia apenas relativa: [...] é preciso que haja produção de riquezas, mesmo que as finanças minem, dia após dia, os alicerces. É sobre os grupos industriais que repousa a organização das atividades de valorização do capital na indústria, os serviços, o setor energético e a grande agricultura, da qual depende, tanto a existência material das sociedades nas quais os camponeses e artesãos
49 Essas “instituições especializadas” são cada vez mais instituições financeiras não-bancárias
(fundos de pensão, fundos coletivos de aplicação, sociedades de seguros), que, ao lado dos bancos propriamente ditos, constituem o que se vem designando por “investidores institucionais”, agentes especializados na aplicação financeira (e não em investimentos produtivos, como o nome poderia levar a supor) de tipo qualitativamente novo.
50 Capital que se valoriza na esfera da produção. Para uma definição mais pormenorizada, ver TAUILE, José Ricardo; FARIA, Luiz Augusto Estrella. A acumulação produtiva no capitalismo contemporâneo. Revista de Economia Política, v. 24, n. 2, p. 280-296, abr./jun. 2004.
53
foram quase completamente destruídos, quanto a extração da mais-valia destinada a passar para as mãos dos capitais financeiros (CHESNAIS, 2001, p. 21).
Esses grupos industriais, que representam o capital produtivo, são cada
vez mais as corporações multinacionais, as quais, mesmo se não comandam o
sentido geral da acumulação capitalista em nossos dias, constituem peça
fundamental no regime de acumulação financeira: Para tudo que pertence à esfera visível das mercadorias, são os grupos industriais transnacionais (os FMN) que têm a condição de assentar a dominação política e social do capitalismo. [...] Os investidores institucionais tornaram-se, por intermédio dos mercados financeiros, os proprietários dos grupos: proprietários-acionários de um modo particular que têm estratégias desconhecidas de exigências da produção industrial e muito agressivas no plano do emprego e dos salários (CHESNAIS, 2001, p. 9).
Dados do Grupo de Ação sobre Erosão, Tecnologia e Concentração-Grupo
ETC, de 2003, estimavam que as vendas das 500 maiores transnacionais
equivaliam então a 47% do produto bruto do planeta, embora empregando
apenas 1,59% da força de trabalho mundial (RIBEIRO, 2004).
A produção no campo não ficou alheia a esse movimento mundial51.
Procurando oportunidades vantajosas para aplicar o excedente financeiro na
esfera produtiva, os investidores institucionais adquiriram ações de centenas de
empresas que atuavam nos diferentes complexos agroindustriais, assumindo seu
controle acionário e promovendo uma concentração sem precedentes da
produção e do comércio mundial de produtos agrícolas: Em poucos anos, essas empresas que tiveram seu capital injetado pelo capital financeiro passaram a controlar os mais diferentes setores relacionados com a agricultura, como: comércio, produção de insumos, máquinas agrícolas, agroindústrias, etc... É importante compreender que foi um capital acumulado fora da agricultura, mas que aplicado sobre ela, aumentou rapidamente a velocidade do processo de controle [...] (STÉDILE, 2008, p. 36).
Com a desregulamentação/liberalização imposta por meio dos Programas
de Ajuste Estrutural aos países periféricos e contando com o apoio de instituições
51 As origens desse processo na agricultura brasileira são apontadas por Delgado (1985).
54
como a Organização Mundial do Comércio-OMC, as corporações transnacionais
territorializaram-se para vários países, reunindo, “[...] de formas diferenciadas, os
sistemas agrícolas, pecuário, industrial, mercantil, financeiro, tecnológico,
científico e ideológico” num “[...] amplo conjunto de sistemas que passou a ser
denominado de agronegócio” (FERNANDES, 2008a, p. 75, grifo nosso).
A expressão “agronegócio” é atualmente apresentada como referida ao
termo agribusiness, que começou a ser utilizado nos EUA a partir da década de
1950, e que “[...] soma às operações de produção e distribuição de suprimentos
agrícolas, as atividades de produção nas unidades agrícolas, o armazenamento,
processamento e distribuição dos produtos agrícolas e itens produzidos a partir
deles” (BRASIL, 2002, p. 4). Entretanto, é preciso esclarecer que Agribusiness foi
originalmente traduzido como Complexo Agroindustrial, termo empregado pela
primeira vez no Brasil por Alberto Passos Guimarães, em 1976, “[...] para
designar a integração técnico-produtiva entre a agricultura e o setor industrial”
(FAJARDO, 2008, p. 32), conforme estudado no item 2.1 deste capítulo, sobre o
desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro.
Devido à existência de particularidades na dinâmica das diversas
atividades, passou-se a falar em Complexos Agroindustriais. Entre outras
denominações empregadas pelos estudiosos, nas décadas seguintes, “[...] com
relativamente pequenas diferenças teórico/analíticas, [...] podem-se citar:
‘complexos agroindustriais’, ‘sistema agroalimentar’, ‘sistema agroindustrial’,
‘rede’, ‘cadeia’ ou mesmo a palavra francesa filière” (RAMOS, 2007, p. 43).
Entretanto, principalmente na grande imprensa, no meio empresarial e político,
passou a dominar, a partir de meados da década de 1990, a expressão
“agronegócio”, principalmente devido à atuação no cenário político da Associação
Brasileira de Agribusiness-ABAG, criada em 1993. Foi nos anos 2000 que o
agronegócio ganhou maior visibilidade, com a nomeação em 2003 do Sr. Roberto
Rodrigues, então presidente da ABAG, para Ministro da Agricultura do governo
Lula.
O agronegócio é portanto a expressão de um movimento do capital
financeiro mundializado sobre a agricultura. É preciso destacar, ainda, que esse
conceito tem sido utilizado no sentido de mascarar a existência de classes sociais
no campo, procurando apresentar como legítimo um único interesse comum, num
55
meio isento de contradições. Nesse sentido, tanto a grande empresa capitalista
quanto a “Produção Rural de Economia Familiar” (BRASIL, 2002, p. 26)
constituiriam o agronegócio. Entretanto, os Movimentos Sociais do Campo,
especialmente aqueles ligados à Via Campesina, na medida em que identificam
como “inimigo comum” o agronegócio, têm contribuído para restabelecer
conceitualmente essa diferenciação (CAMPOS, 2006; FERNANDES 2008a). É
também nesse sentido que adotamos a conceituação proposta por Christoffoli
(2007a, p. 127), compreendendo por agronegócio o [...] agrupamento de interesses políticos e econômicos ligados aos latifundiários e ao grande capital financeiro e agroindustrial. É representado politicamente pela agricultura patronal, tendo à sua frente organizações como OCB, CNA, SRB, UDR, Bancada Ruralista no Congresso Nacional, etc.
Essa conceituação é próxima àquela presente em documentos do MST
(MARTINS, 2006, p. 106), que acrescenta o papel determinante do Estado: “[...] o
agronegócio no Brasil, representou a associação do grande capital com a grande
propriedade fundiária, sob a mediação estatal”.
É assim que podemos dizer que a questão agrária mundializou-se,
opondo de um lado o agronegócio mundial, representado pelas corporações
transnacionais em aliança com as oligarquias nacionais, sob a hegemonia do
capital financeiro e, de outro, os camponeses de todo o mundo, que resistem
organizando-se mundialmente, por meio da Via Campesina (PORTO-
GONÇALVES, 2005; FERNANDES, 2008a; CAMPOS, 2006). Trata-se de uma
disputa conflituosa e contraditória por território, uma vez que a questão agrária é
um problema estrutural do capitalismo: Por essa razão, as relações entre campesinato e capital são de conflitualidades permanentes e explicitadas, de um lado, pela subalternidade do campesinato ao capital e pelo poder que o capital tem, de acordo com os seus interesses, de destruir e recriar o campesinato e, de outro lado, pela resistência do campesinato em determinar sua própria recriação por meio das ocupações de terra. No centro dessa conflitualidade está a disputa territorial que se manifesta no controle do processo de criação e destruição do campesinato. A questão agrária é então uma questão territorial e a reforma agrária é a face dessa dimensão (FERNANDES, 2008a, p. 74).
56
O avanço do agronegócio nada mais é que o processo de territorialização
do capital no campo, na sua fase mundializada, ocasionando a concentração do
controle da produção e do comércio mundial de produtos agrícolas em níveis
nunca imaginados, bem como um processo acelerado de centralização do capital,
o que pode ser facilmente observado nos dados de 2007 apresentados pelo
Grupo ETC (MST, 2008b, p. 42), constantes no quadro 01.
Quadro 1: Participação das 10 maiores empresas do planeta no mercado mundial, por setor de atividades, em 2007.
Setor de Atividades Participação das 10 maiores empresas do planeta no mercado mundial
Farmacêutica 55 % do mercado
Sementes52 67% do mercado de marcas registradas
Agroquímicos 89% do mercado
Fabricantes de alimentos e bebidas
26% do mercado
Distribuidores de comestíveis 40% dos comestíveis vendidos pelas 100 maiores empresas
Biotecnologia 66% do mercado
Farmacêutica veterinária 63% do mercado
Fonte: Grupo ETC; adaptado por mim de MST (2008b).
No Brasil, como em vários outros países, o agronegócio é atualmente o
principal obstáculo à realização da reforma agrária53 e uma séria ameaça à
agricultura camponesa.
2.4.2. As políticas do Governo Lula para o Campo
A eleição do governo Lula, em seu primeiro mandato (2003-2006),
expressou o descontentamento popular com o projeto neoliberal que vinha sendo 52 Uma única empresa, a Monsanto, detém 23% do mercado mundial de sementes patenteadas. 53 Entendida como desconcentração da propriedade da terra, conforme veremos mais adiante.
57
implementado no Brasil. Mesmo reconhecendo-se, nas alianças que permitiram
sua eleição, um governo de composição, sua vitória não deixou de alimentar
esperanças entre a esquerda e os movimentos sociais, inclusive o MST: “Todos e
todas temos presente que estamos vivendo uma nova conjuntura em nível
nacional a partir da eleição do governo Lula, aumentando as nossas expectativas
de ver avançar a reforma agrária” (MST, 2003, p. 32). Entretanto, diferentemente
de outros movimentos e organizações (como a Central Única dos Trabalhadores-
CUT, por exemplo), o MST não abandonou suas formas de luta, seus princípios
organizativos, nem seus objetivos estratégicos: Mas sabemos que a reforma agrária só avançará se nos mantivermos organizados, em luta e com clareza de nosso programa que queremos implementar. Só nossa organização fará avançar as medidas governamentais (MST, 2003, p. 32).
Membros do MST chegaram a participar da elaboração do II PNRA, sob a
coordenação de Plínio de Arruda Sampaio, histórico defensor da Reforma Agrária
no Brasil (FERNANDES, 2008a). A exemplo do seu antecessor (de 1985), o II
PNRA também nunca foi implantado. Se naquele primeiro momento a UDR
aglutinava as forças contrárias à reforma agrária no Brasil, nos anos 2000 o
grande obstáculo é o agronegócio, como bem o percebe o próprio Movimento: O avanço do agronegócio no campo brasileiro, representado sobretudo pela expansão da soja, do eucalipto (celulose) e da cana de açúcar, se deu sobretudo sobre as terras abandonadas dos latifúndios, reservas indígenas, devastando o cerrado e a floresta amazônica. Do ponto de vista político este avanço econômico levou o agronegócio a defender o latifúndio improdutivo, posicionando-se contrário à reforma agrária. O agronegócio passou a disputar as terras ociosas dos latifúndios, que agora são vistas por ele como ‘áreas de reserva’ para sua expansão (MARTINS, 2006, p. 106).
Essas terras ociosas dos latifúndios, destinadas à especulação, constituem
o que Christoffoli (2007a) chama de uma “fronteira agrícola interna”: é através da
expansão do agronegócio que essas terras serão incorporadas de fato ao
processo produtivo. O agronegócio avança também sobre a floresta amazônica,
especialmente nos estados de fronteira agrícola, onde mais de 60 milhões de
hectares de terras públicas foram griladas pelo agronegócio desde 2003
(OLIVEIRA, 2008a; CHRISTOFFOLI, 2007a; ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE
58
REFORMA AGRÁRIA, 2009). As tentativas de regularização dessa apropriação
criminosa começaram em 2005, com a aprovação do artigo 118 da Lei nº 11.196
de 21/11/2005 (a chamada “Medida Provisória do bem”). Oliveira (2008a, p.1)
lembra ainda que “[...] a Constituição de 1988, manda compatibilizar a destinação
das terras públicas com o plano nacional de reforma agrária”, e estas deveriam,
portanto, servir à criação de assentamentos, à demarcação de terras indígenas ou
quilombolas, ou à criação de unidades de conservação ambiental. A Medida
Provisória 458, assinada pelo Presidente da República em 11 de fevereiro de
2009, é a mais nova arma na farra da grilagem legalizada. Ela amplia as
disposições da Medida Provisória 422, de 25 de março de 2008, que já
dispensava de licitação a venda de terras públicas do INCRA até 1.500 hectares.
De acordo com a Associação Brasileira de Reforma Agrária-ABRA (2009),
em seu artigo 2º, a MP 458 [...] tenta igualar o grileiro ao posseiro. O posseiro tem pela Constituição Federal de 88 o direito à legitimação da posse, como informa o artigo 191. A grilagem é considerada crime; [entretanto, a MP] admite a chamada ocupação indireta, praticada por intermediários e a exploração indireta, através de algum funcionário assalariado.
O que, evidentemente, não é o caso dos pequenos posseiros
(camponeses, ribeirinhos, caboclos, seringueiros, quilombolas e outros, que
constituiriam o público a ser oficialmente beneficiado), mas da agricultura
capitalista. O avanço do agronegócio sobre terras públicas, aliás, além de
contribuir para a aceleração do desmatamento e da destruição de ecossistemas,
tem sido responsável pelo deslocamento dessas populações tradicionais e pelo
aumento dos conflitos pela posse da terra (PORTO-GONÇALVES, 2005;
CHRISTOFFOLI, 2007a).
Por que razão o agronegócio tem sido prioridade no atual governo? O
aumento da participação brasileira no comércio mundial de commodities
corresponde a uma nova divisão internacional do trabalho no regime de
acumulação predominantemente financeiro, com o país retornando a uma posição
essencialmente primário-exportadora. Além disso, dando continuidade à política
econômica neoliberal de seus antecessores, o governo Lula defrontou-se com a
crise na sua balança de pagamentos; para assegurar o pagamento das dívidas
59
interna e externa, seria preciso gerar excedentes exportáveis. As condições
internacionais no mercado mundial de commodities favoreciam o agronegócio: no
início do governo Lula, em 2003, do total de US$ 73 bilhões exportados, 41,9%
correspondiam a produtos agrícolas (sendo US$ 8,1 bilhões apenas com produtos
do complexo soja), de maneira que o saldo comercial da balança agrícola
respondeu por um superávit de US$ 24,8 bilhões54 (CHRISTOFFOLI, 2007a).
Assim, o governo descobriu no agronegócio uma saída para equacionar sua
balança de pagamentos.
É necessário aqui fazer um parêntese para evitar possíveis confusões.
Uma vez que se utiliza o conceito de “agronegócio” buscando anular as
diferenças de classe no campo, convém destacar que toda a riqueza acima
mencionada não provém exclusivamente das empresas rurais patronais. De
acordo com dados oficiais (DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE
ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS, 2008), embora sem
beneficiar do mesmo apoio governamental, a agricultura familiar55 respondia, em
2005, por cerca de 1/3 do PIB da agropecuária e do complexo agroindustrial,
contribuindo indiretamente para alimentar a hegemonia ideológica do
agronegócio: Com isso, um segmento de trabalhadores rurais altamente produtivo e que ocupa cerca de 1/3 das terras agrícolas do país é utilizado como massa de manobra para interesses dos grandes fazendeiros e do capital agroindustrial. Esse segmento que poderia objetivamente se aliar aos pequenos agricultores e sem-terra, em vista de reformas estruturais na agricultura, fica refém de um discurso ideológico que distorce suas demandas por políticas públicas (CHRISTOFFOLI, 2007a, p. 133).
54 Dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento-MAPA (2009) revelam que no
período de abril/2008 a março/2009, as exportações agrícolas brasileiras superaram os US$ 70,5 bilhões (dos quais US$ 18,2 bilhões com produtos do complexo soja, US$ 13,9 bilhões com carnes, US$ 8,7 bilhões com produtos florestais e US$ 8, 2 bilhões com produtos do complexo sucroalcooleiro). O superávit comercial agrícola resultante no período foi de US$ 59,3 bilhões. Entretanto, considerando-se o conjunto da economia, houve um superávit comercial de US$ 24,8 bilhões em 2008 (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2009), como reflexo da crise mundial, e que deve cair ainda mais significativamente em 2009: “Analistas de mercado, no entanto, apostam em queda mais acentuada, na casa dos US$ 14,5 bilhões, devido às oscilações nos preços das commodities” (DÉFICIT..., 2009, p. 1), que representam cerca de 60% das exportações brasileiras.
55 Utilizaremos nesse item o termo “agricultura familiar” pois é a denominação que predomina nos textos das políticas e nos dados estatísticos. Considera-se, para efeitos estatísticos, que a agricultura familiar corresponde às áreas inferiores a 200 hectares, embora esse valor de referência encubra algumas unidades intensivas em capital, que poderiam ser classificadas como unidades capitalistas, do agronegócio patronal (CHRISTOFFOLI, 2007a).
60
O crédito rural oferecido ao agronegócio (patronal) saltou de R$ 22 bilhões,
no final do governo FHC (safra 2002/2003) para R$ 58 bilhões, na safra
2007/2008. De outro lado, o crédito para a agricultura familiar, via Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar-PRONAF, passou de R$ 4,4
bilhões para R$ 9,1 bilhões, no mesmo período. Entretanto, o número de
contratos de PRONAF não teve o mesmo aumento proporcional, passando de
904.214 contratos em 2002/2003 para 1.649.063 contratos em 2007/200856. Aliás,
o número de contratos não se alterou significativamente desde o ano agrícola
2004/2005 (quando o volume de recursos foi de R$ 6,1 bilhões, e o de contratos,
de 1.635.061), significando que o número de agricultores familiares beneficiados
pelo PRONAF é praticamente o mesmo desde então, embora o volume de
recursos tenha crescido (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO,
2009; MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO, 2007).
Embora o aumento de crédito para a agricultura familiar no governo Lula
tenha sido proporcionalmente maior, em valores absolutos o volume de recursos
ofertado ao agronegócio patronal é ainda quase 6 vezes maior, servindo para
alimentar a concentração de capital no campo. Além disso, é preciso considerar a
facilidade para a rolagem das dívidas do segmento patronal. Teixeira (2007, p. 5)
observa que o agronegócio patronal brasileiro só tem podido competir
internacionalmente com agriculturas altamente subvencionadas graças a um
conjunto de fatores:
a) a “cultura” da inadimplência no crédito rural
b) aviltamento da remuneração e condições do trabalho57
c) a exploração intensiva e extensiva dos recursos naturais
d) a desoneração do ICMS nas exportações das commodities (Lei Kandir)
e) os baixos preços relativos da terra (ainda).
56 Em 2003 existiam 3.971.255 imóveis rurais com área inferior a 200 hectares (GIRARDI, 2008).
Considerando-se que cada agricultor familiar tenha feito apenas um único contrato no ano, teríamos uma cobertura máxima de 41% do total (o que não corresponde à realidade, pois um número significativo acessa simultaneamente o custeio e o investimento, ou financia a safra de inverno e também a de verão).
57 Recorrendo ainda, em pleno século XXI, a formas de trabalho análogas à escravidão (com destaque para o complexo sucroalcooleiro).
61
O grande “sucesso” do agronegócio precisa ser, portanto, relativizado. Os
aumentos de produção e produtividade, que vêm gerando divisas para o país, têm
sido alcançados a um elevado custo ambiental e social e em detrimento da
agricultura camponesa. Ainda assim, o governo tem buscado o apoio do
agronegócio, evitando enfrentar a questão agrária e restringindo suas ações a
políticas de caráter compensatório.
De qualquer maneira, é preciso reconhecer um esforço do atual governo
para a recomposição de políticas sociais para o meio rural, com impacto
considerável sobre a população camponesa. Christoffoli (2007a) sistematizou as
iniciativas nesse campo em três grupos:
a) Recuperação de “políticas públicas”58 tradicionais, que haviam sido
desmanteladas pelos governos anteriores. Incluem-se nesse grupo o
Crédito Rural, com ampliação do valor destinado ao PRONAF; o
Programa de Assistência Técnica e Extensão Rural-ATER; a política de
assentamentos; e a política de armazenagem de estoques reguladores,
com base na compra de produtos da agricultura familiar.
b) Ampliação de “políticas públicas” pré-existentes, dando-lhes uma
característica diferenciada: o Programa de Aquisição de Alimentos,
inovando com a vinculação entre programas de segurança alimentar e
compra da agricultura familiar; Seguro Agrícola também para a
agricultura familiar, introduzindo mecanismos de garantia de renda;
programa Luz para Todos.
c) Políticas inovadoras de promoção da cidadania no campo: criação
do Programa Fome Zero; Programas de Educação de Jovens e
Adultos; reconhecimento de direitos e demarcação de terras indígenas
e quilombolas59; campanhas de documentação das mulheres
trabalhadoras rurais; e Programa de Erradicação do Trabalho Infantil-
PETI.
58 Optamos por manter a denominação adotada pelo autor, embora nos pareça tratar-se, na
verdade, de políticas sociais, que, de acordo com Vianna (2002, p. 2), referem-se à “[...] ação governamental com objetivos específicos relacionados com a proteção social (grifos no original)”.
59 Embora com recuos recentes em relação às terras quilombolas (em 2008-2009).
62
A análise de cada uma dessas políticas não constitui o objeto central dessa
pesquisa; entretanto, devido à sua relevância para a questão da produção nos
assentamentos, de que trataremos mais adiante, convém fazer algumas
considerações, ainda que breves, a respeito do crédito concedido à agricultura
camponesa através do PRONAF.
Os resultados do PRONAF, em termos de “fortalecimento da agricultura
familiar”, a que se propõe, tem sido bastante questionados. Num estudo recente,
Guanziroli (2007, p. 322) reconhece, um tanto a contragosto, que [...] existem evidências concretas que os recursos do PRONAF, embora tenham propiciado pequena ou nula melhora na renda monetária dos agricultores familiares (dependendo da pesquisa de que se trate), teriam contribuído na ampliação da capacidade produtiva dos agricultores familiares propiciando aumento de área com culturas de subsistência que significam menor dependência de alimentos vindos de fora da unidade produtiva (grifo nosso).
Se o PRONAF amplia a capacidade produtiva dos camponeses, que
participam na produção de 1/3 do PIB agrícola e do complexo agroindustrial, mas
sem impactar significativamente em sua renda, seríamos tentados a questionar se
esse crédito não acaba se prestando a servir, indiretamente, apenas como capital
de giro para as agroindústrias e as empresas produtoras de insumo60,
constituindo-se em mais uma fonte de financiamento (indireto) do agronegócio.
Além disso, mesmo tendo havido avanços recentes, o PRONAF continua a
beneficiar majoritariamente os agricultores mais capitalizados e fortemente
integrados às agroindústrias, concentrando-se também na região sul do país61
(CORRÊA; SILVA, 2007; CHRISTOFFOLI, 2007a). O Programa mostra-se
totalmente inadequado para atender ao conjunto da agricultura camponesa e
especialmente aos assentamentos de Reforma Agrária (onde as famílias devem
começar a produção praticamente “a partir do zero”), elevando o percentual de
endividamento e inadimplência, restringindo assim o número de famílias “aptas” a
acessar o crédito.
Avaliando o resultado das políticas do governo Lula para o campo,
Christoffoli (2007a, p. 122) conclui que,
60 Em seus estudos, Corrêa e Cabral (2001) chegaram a conclusão semelhante. 61 A região Sul recebeu 40,8% do total de recursos do PRONAF em 2006 (DEPARTAMENTO
INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS, 2008).
63
Ainda que as políticas públicas [diríamos sociais] acima analisadas contribuam para atenuar a crise social no meio rural, não trazem reversão estrutural à miséria e à fome. Elas impactam sobre a condição de vida das pessoas, de uma forma pontual e provisória. Não conseguem beneficiar em especial os segmentos mais pobres do campesinato, de forma permanente, permitindo sua ascensão a um patamar superior de reprodução das condições de vida. Isso somente seria possível mediante a implementação de medidas estruturais, como a reforma agrária.
Comparativamente à situação no governo anterior (FHC), de completa
ausência do Estado no campo (a não ser para a repressão), essas medidas têm
evidentemente um efeito positivo. Entretanto, não deixam de ser medidas
pontuais, de caráter compensatório. É nesse sentido que não se pode considerá-
las efetivamente como políticas públicas, mas apenas programas de governo, que
serão encerrados assim que outro grupamento político assuma o poder (ou
mesmo antes). Os primeiros reflexos da crise internacional sobre essas políticas
parecem confirmar essa última hipótese, uma vez que o governo anunciou, no
início de 2009, cortes substantivos de recursos para as áreas de assistência
técnica, educação de jovens e adultos e aquisição de terras para assentamentos
(MST, 2009).
Os elementos anteriormente tratados evidenciam a prioridade dada ao
agronegócio no governo Lula. E, contrariando o argumento corriqueiro na
imprensa da possível convivência harmoniosa e feliz entre o agronegócio patronal
e a agricultura camponesa, o que assistimos é uma luta entre dois modelos de
desenvolvimento, que tende a se acirrar nos próximos anos, conforme veremos a
seguir.
2.4.3. A “Reforma Agrária paradoxal”
“Reforma Agrária paradoxal” é o termo usado por Fernandes (2008a, p. 80)
para caracterizar a política agrária do governo Lula, que “[...] paradoxalmente, fez
avançar e refluir a luta pela reforma agrária”. Vejamos como isso ocorreu.
64
É preciso reconhecer que o governo Lula adotou uma posição de diálogo
com os movimentos camponeses, coisa bastante incomum na história do Brasil.
Entretanto, Ainda que o governo Lula tenha freado os ataques diretos às organizações dos trabalhadores por parte dos organismos de repressão do governo federal, isso não impediu que a ação de Estado seguisse na rota de criminalização e destruição dos movimentos sociais (CPMI da Terra62), Judiciário conivente com o latifúndio, militarização da questão agrária via as Polícias Militares estaduais, infiltração de espiões nos movimentos sociais, etc) (CHRISTOFFOLI, 2007a, p. 137).
Os dados oficiais também apontam um investimento recorde em obtenção
de terras para a Reforma Agrária, via desapropriação ou compra; bem como uma
explosão do número de famílias assentadas, em relação a períodos anteriores:
Tabela 1: Evolução do número de famílias assentadas - 1999 a 2007.
Período N. de famílias assentadas Investimento na
obtenção de terras (R$)
1999-2002 286.400 2.054.000.000,00
2003-2006 381.500 4.021.000.000,00
2007 67.500 1.310.000.000,00 Fonte: DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS (2008); elaboração minha.
Entretanto, é preciso cautela na análise desses números. Em artigos
recentes, diversos autores (FERNANDES, 2008a; OLIVEIRA, 2008b;
CHRISTOFFOLI, 2007a) vêm denunciando a manipulação das estatísticas
oficiais, a exemplo do que ocorria nos governos anteriores, que tem servido para
disfarçar a atuação prioritária na regularização fundiária e não na criação de
novos assentamentos. De acordo com estudos preliminares, Oliveira (2008b)
afirma que, de um total de 448.954 famílias oficialmente assentadas entre 2003-
2007, apenas 150.000 corresponderiam efetivamente a novos assentamentos de
reforma agrária, além de outras 2.000 famílias em reassentamentos de atingidos
por barragens, sendo o restante referente à substituição de famílias desistentes e
62 Reativada, em terceira edição, no final de 2009.
65
reconhecimento de posses. Fernandes (2006a) apresenta resultados comparáveis
(embora o período de análise não seja idêntico), denunciando que, entre 2003 e
2005, apenas 25% das famílias foram assentadas em áreas desapropriadas ou
compradas. É claro que “[...] não se pode desconhecer que, essas unidades sendo consideradas como ‘assentamento’, o conflito tende a desaparecer, os trabalhadores passam a ter direito a receber crédito, etc, produzindo-se, conseqüentemente, uma nova situação social e jurídica” (MEDEIROS, 2001, p. 113-114).
Entretanto, é preciso considerar que essas ações não têm efeito sobre a
concentração da propriedade da terra.
Analisando o período de 1992 a 2003, Fernandes (2006a) concluiu que, “de
fato, a reforma agrária na década de 1990 contribuiu para impedir a intensificação
da concentração fundiária”. Nas duas gestões FHC, a agricultura considerada
familiar (propriedades com menos de 200 ha) aumentou sua participação relativa
na estrutura fundiária brasileira, de 26% em 1992, para 29% em 2003. Isso em
grande parte graças à desapropriação de 21 milhões de hectares, nesse período.
Em termos absolutos, houve um crescimento tanto da agricultura familiar quanto
da capitalista, conforme podemos observar na tabela 3.
Tabela 2: Alterações na estrutura fundiária brasileira – 1992 a 2003.
1992 2003 Evolução 1992-2003
Imóveis
Área (em milhões de ha)
% Área (em milhões de ha)
% Área (em milhões de ha)
Com mais de 200
ha (capitalista)
245 74 297 71 52
Com menos de
200 ha (familiar)
86 26 123 29 37
TOTAL 331 100 420 100 89
Fonte: Adaptado de Fernandes (2008a).
Também é preciso considerar que a grande maioria dos assentamentos -
68% do total, segundo Oliveira (2008b) - vem sendo feita não nas áreas de maior
concentração de acampamentos, mas sim na região amazônica, numa clara
66
reedição da política de colonização vigente desde o regime militar e contrariando
uma reivindicação histórica do MST, que é o assentamento na região de origem
das famílias.
Isso ocorre porque as áreas passíveis de reforma agrária (latifúndios
improdutivos e terras públicas) vêm sendo disputadas pelo agronegócio, que quer
garantir um “estoque” de terras para sua expansão, especialmente com a onda
dos agrocombustíveis. Mais ainda: [...] boa parte dos projetos de assentamento na Amazônia caracterizam-se pela funcionalidade objetiva à expansão do agronegócio [cumprindo] [...] as funções de produção de alimentos e de oferta de mão de obra requeridos pelos movimentos expansivos da grande exploração agropecuária (TEIXEIRA, 2007, p. 1).
Oliveira (2008b) também destaca a preferência por assentamentos na
Amazônia (especialmente nas frentes de expansão territorial da pecuária de corte
e da soja) como forma de beneficiar os interesses do agronegócio, que atua
comprando ou arrendando lotes de reforma agrária (o que é ilegal), depois de
devidamente desmatados, em locais onde o próprio governo reconhece a mais
absoluta ausência de condições de produção e sobrevivência das famílias
camponesas63.
O aumento no volume de recursos para a aquisição de terras para a
reforma agrária precisa ser compreendido dentro da estratégia de não-
enfrentamento adotada pelo governo Lula. Descaracterizando totalmente a
reforma agrária, o governo tem se utilizado do decreto 433/9264 para adquirir
terras preferencialmente mediante operações de compra e venda e não mais
através de desapropriação65. O texto dessa lei é claro, aliás, quanto a seus
objetivos: Art. 4º - Definidas as regiões do País que atendem ao disposto no art. 2º, o INCRA procederá, diretamente ou por intermédio de
63 “Para o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, o maior desafio da pasta em
2008 será conceder mais crédito para o agricultor que foi assentado pelo governo nos anos anteriores. Segundo ele, há uma dívida com os assentamentos, principalmente no Norte do país, porque ‘milhares de famílias foram assentadas em lugares em que não há a menor condição de se viver’”(CAMPBELL, 2008).
64 Decreto n° 433, de 24 de janeiro de 1992, alterado pelo Decreto nº 2.680, de 17 de julho de 1998 (BRASIL, 1998a).
65 A desapropriação consiste na indenização, abaixo do valor de mercado, de terras que não cumprem sua função social.
67
terceiros, à seleção dos imóveis rurais que pretende adquirir por compra e venda, a fim de neles implantar projetos integrantes do programa de reforma agrária, destinados a reduzir demandas de acesso à terra ou aliviar tensões sociais ocorrentes na área66 (BRASIL, 1998a, grifo nosso).
Com o intuito de mitigar os conflitos sociais, a compra tem ocorrido mesmo
em áreas avaliadas como improdutivas (que corresponderiam a um volume de
terras bem maior, se os índices de produtividade fossem atualizados, uma vez
que permanecem os mesmos desde 1975), que poderiam ser desapropriadas,
contribuindo, assim, para elevar o preço das terras. Em entrevista recente, o
Ministro do Desenvolvimento Agrário explicitou a posição do governo: Hoje, a reforma agrária só é viável no país se o governo comprar terras. E o preço do lote varia de região para região. Na Amazônia, um hectare chega a custar R$ 200. Nos estados do Sul, onde a terra é bem mais cara, o hectare chega a ser adquirido por R$ 15 mil [...] (In: CAMPBELL, 2008).
Essa nova lógica, de transformar o INCRA numa grande “imobiliária”
(parafraseando Oliveira, 2008), também explica a posição de destaque da reforma
agrária de mercado, iniciada no governo FHC com o Cédula da Terra, atualmente
sob o nome de Crédito Fundiário. Dados do MDA revelam que entre 2003 e 2007,
o governo destinou R$ 1.079.770.000,00 para a aquisição de 947.907 hectares,
destinados a 57.192 famílias, que representam 12,7% do total de beneficiários
(DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS
SOCIOECONÔMICOS, 2008).
Tudo passa a ser resolvido no mercado (de terras, no caso), que é o
território do agronegócio, sem enfrentamentos, sem conflitos, sem luta. Essa
política, aliás, está em pleno acordo com a agenda agrária do Banco Mundial, que
vem buscando incentivar a livre transação mercantil da terra, negando a
modalidade de reforma agrária redistributivista, baseada em desapropriações de
terras (e que seria por isso, no entender do Banco, “coercitiva”, além de “política e
legalmente conflitiva”), em favor da “reforma agrária de mercado” (PEREIRA,
2005).
66 O que estava mais explícito na primeira redação da lei, de 1992: “Art. 4° As aquisições de
imóveis rurais previstas neste Decreto ocorrerão preferencialmente em áreas de manifesta tensão social para o assentamento de trabalhadores rurais, visando atender a função social da terra” (BRASIL, 1992, grifo nosso).
68
Face ao exposto até aqui e, fazendo coro com os movimentos sociais,
podemos afirmar que Lula abandonou qualquer programa de reforma agrária. A
ausência absoluta do tema no Programa de Aceleração do Crescimento-PAC,
considerado como a linha mestra do segundo mandato, é mais uma manifestação
desse abandono.
Finalmente, é impossível expandir simultaneamente o agronegócio e a
agricultura camponesa, uma vez que ambas dependem do acesso à terra para
expandir-se. Trata-se de uma disputa pela terra entendida como território: de um
lado, o território do mercado, a terra de negócio; de outro, o território do
campesinato, a terra de trabalho. Disputa que deve se acirrar quando se esgotar a
possibilidade de expansão da fronteira agrícola: Temos, portanto, duas relações sociais que produzem dois territórios distintos e, que para se expandirem, precisam destruir um ao outro ou se reproduzir ou se territorializar em outros territórios. Portanto, o território capitalista se territorializa destruindo os territórios camponeses, ou destruindo territórios indígenas ou se apropriando de outros territórios do Estado. Os territórios camponeses se territorializam destruindo o território do capital, ou destruindo territórios indígenas ou se apropriando de outros territórios do Estado. Enquanto a fronteira agrícola estiver aberta, esse processo continuará. Com o fechamento da fronteira agrícola, o enfrentamento entre os territórios camponeses e do capital será intensificado (FERNANDES, 2008b, p. 57).
A reprodução ampliada do capital não pode prescindir de sua
territorialização permanente. De outro lado, a própria existência do campesinato
depende também do acesso à terra. Não há, portanto, possibilidade de
coexistência pacífica.
Vejamos agora como o MST vem se posicionando neste contexto.
2.4.4. O MST nos anos 2000
Ao iniciar esse tópico, é bom esclarecer que, diferentemente dos três
períodos anteriores da história do MST, ainda não existem muitos estudos
69
publicados sobre o quarto período (atualmente vivenciado), de maneira que nossa
principal fonte serão os documentos do próprio MST.
Fernandes (2008a, 2008b) é o autor de referência para a análise desse
período. Ele identifica um enfraquecimento do MST e dos movimentos integrantes
da Via Campesina no Brasil, porque não tiveram força suficiente para conquistar
uma política agrária que trouxesse mudanças estruturais no governo Lula. O
apoio ao agronegócio e a prioridade dada às políticas compensatórias, como o
Bolsa Família, diminuíram o poder de pressão dos movimentos camponeses.
Analisando as políticas públicas do governo Lula para o campo, Christofolli
(2007a, p. 150) concluiu que elas contribuíram para “[...] frear a radicalização dos
movimentos sociais e congelar as iniciativas de reforma na estrutura agrária”.
Além disso, surgiram na última década dezenas de movimentos
camponeses de luta pela terra: em 2008, contabilizava-se nada menos que 93.
Esse crescimento “[...] intensifica a disputa territorial que tem à frente o MST, que
é responsável por 63 por cento das famílias que lutaram por terra nos últimos sete
anos” (FERNANDES, 2008a, p. 82).
Ainda assim, o autor destaca que há importantes avanços no período
recente: a expansão do território camponês e as experiências dos setores de
educação e produção. No ano de 2006, o MST territorializou-se em mais um
estado brasileiro, Roraima, estando presentemente organizado em 24 estados
(MST, 2008a). E de acordo com dados recentes do DATALUTA, os
assentamentos de reforma agrária respondem atualmente por 56% da área
ocupada pela agricultura camponesa67, somando 1.006.298 famílias em 8.136
assentamentos, em 69.015.368 hectares (FERNANDES, 2008b), o que evidencia
a importância da luta pela terra na criação e recriação do campesinato.
Entre tantos fatos importantes transcorridos nos anos 2000, não
poderíamos deixar de mencionar o episódio de ocupação do viveiro de mudas de
eucalipto da empresa Aracruz Celulose no Rio Grande do Sul, por mulheres da
Via Campesina, em março de 2006, marcando uma retomada na radicalização da
luta e uma agenda ampliada desses movimentos.
A construção da sede da Escola Nacional Florestan Fernandes-ENFF, em
Guararema, São Paulo, entre 2000 e 2004, foi uma conquista importante, por 67 Tomando-se por base a linha de corte de 200 hectares.
70
meio do trabalho voluntário de trabalhadoras e trabalhadores assentados e
acampados de todos os cantos do Brasil, além da solidariedade internacional, em
dinheiro e em brigadas de trabalho também68. Tratamos especificamente da
questão da educação no próximo capítulo. Sobre a questão da produção tratamos
no quarto capítulo, onde buscamos os condicionantes que motivaram a
emergência do debate agroecológico no MST, especialmente a partir do ano
2000.
A seguir, procuramos sintetizar os acontecimentos mais importantes do
período e identificar as permanências e transformações ocorridas. Para isso
também nos valemos de nossa experiência no próprio MST, na participação em
reuniões, encontros, mobilizações e no próprio trabalho cotidiano junto às
lideranças e aos assentados e acampados.
2.4.4.1. A concepção de Reforma Agrária
No entendimento do MST, a reforma agrária nunca se confundiu com uma
simples política de assentamentos. De acordo com Stédile, essa última é apenas [...] uma política de assistência social, apenas para se livrar do problema dos sem-terra e não para resolver o problema da concentração da propriedade da terra no Brasil. [...] Reforma agrária é sinônimo de desconcentração da propriedade da terra69 (STÉDILE; FERNANDES, 1999, p. 159).
Conforme analisamos anteriormente, a proposta de Reforma Agrária do
MST vai se ampliando ao longo de sua trajetória. Se inicialmente “[...] achava-se
68 Sobre a ENFF, ver Silva (2005) e Princeswal (2007). 69 De acordo com Stédile (1997), a referência à necessidade de uma Reforma Agrária, no Brasil
(entendida como desconcentração da propriedade da terra), aparece pela primeira vez no contexto da Assembléia Constituinte de 1946, nas propostas do senador Luiz Carlos Prestes. O debate intensificou-se na década de 1960, entre quatro grandes correntes de pensamento, com concepções e propostas diferenciadas: a) uma reforma agrária antifeudal (intelectuais do PCB); b) uma reforma agrária para desenvolver o mercado interno e uma economia nacional (economistas ligados à Comissão Econômica para a América Latina-CEPAL, da ONU); c) uma reforma agrária como viabilização do ideal cristão de justiça social e da pequena propriedade (setores da Igreja e do PSB da época); e d) uma reforma agrária anticapitalista (a partir de teses defendidas por Caio Prado Jr.). Pode-se dizer que a concepção de reforma agrária do MST aproxima-se mais dessa última posição.
71
que a reforma agrária era unicamente a distribuição de terras e a destruição dos
latifúndios” (MST, 1997a, p. 34), nos anos 1990, por meio do enfrentamento ao
modelo neoliberal e da articulação com outros movimentos camponeses,
nacionais e de outros países, essa visão vai-se alargando. O Programa Agrário de
1995 já apresenta os contornos de um projeto de desenvolvimento para o campo,
articulado a transformações mais amplas na estrutura da sociedade brasileira. De
acordo com Fernandes (2008a, p. 76), o MST compreende que Lutar pela reforma agrária significa lutar por todas as dimensões do território, entre elas a tecnologia, o mercado, a educação, a saúde e, principalmente, contra o capital que procura tomar o controle dos territórios do campesinato.
Nos anos 2000, essa concepção se amplia e se consolida, inserindo-se na
construção de “[...] um projeto popular para a sociedade e o campo brasileiro”
(MST, 2003, p. 9). Em 2003, com a vitória do governo Lula e o movimento de
elaboração do II PNRA, o MST realiza um amplo debate, em suas instâncias e
junto às famílias (em caráter de mutirão), sobre o modelo agrícola, a questão
agrária e a reforma agrária. Na cartilha destinada a fomentar os debates,
podemos ler que [...] a reforma agrária é um meio, é um instrumento para a construção de uma sociedade diferente, com igualdade, dignidade humana e justiça social para todos. Para isso, a reforma agrária precisa fazer parte de um novo modelo de desenvolvimento econômico, político e cultural da sociedade brasileira [...] (MST, 2003, p. 14).
Ao longo dos anos 2000, o MST dedicou atenção ainda maior a duas
dimensões do território, em sua concepção de reforma agrária: a educação e a
tecnologia. A partir do debate em torno de tecnologias apropriadas, uma terceira
dimensão, antes um tanto negligenciada, começará a ganhar destaque: a questão
ambiental. Comparando-se os documentos finais (que sintetizam as linhas
políticas para o período seguinte) do IV e do V Congresso Nacional do MST
(MST, 2000b; 2007), realizados respectivamente em 2000 e em 2007, podemos
constatar como efetivamente a educação e a questão ambiental assumem maior
importância.
72
Além disso, comparando esses dois documentos, observamos que no
primeiro, de 2000, a Reforma Agrária ainda é o tema central e, a partir dele, se
estabelecem ações que vão ampliando a luta: contra o imperialismo e a política
das agências internacionais (FMI, OMC, BIRD), contra a Área de Livre Comércio
das Américas-ALCA e o pagamento da dívida externa; e de articulação com
outros setores da sociedade para a construção de um projeto popular para o
Brasil.
No segundo documento, de 2007, os temas referentes à Reforma Agrária
aparecem efetivamente inseridos numa luta mais ampla e complexa, como se
pode ver pelo ordenamento dos compromissos assumidos: 1. Articular com todos os setores sociais e suas formas de organização para construir um projeto popular que enfrente o neoliberalismo, o imperialismo e as causas estruturais dos problemas que afetam o povo brasileiro. 2. Defender os nossos direitos contra qualquer política que tente retirar direitos já conquistados. 3. Lutar contra a privatização do patrimônio público, a transposição do Rio São Francisco e pela reestatização das empresas públicas que foram privatizadas (MST, 2007, grifo nosso).
Também se exige o fim do trabalho escravo e a demarcação das terras
indígenas e quilombolas. E ganha destaque a articulação internacional, por meio
da Via Campesina e da Alternativa Bolivariana dos Povos das Américas-ALBA,
bem como a solidariedade aos povos oprimidos e sob ocupação estrangeira.
Observamos como, de fato, a questão agrária mundializou-se, também por meio
da ação de movimentos sociais como o MST.
2.4.4.2. A identidade camponesa
O MST foi oficialmente fundado em 1984, com a denominação de Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Stédile (STÉDILE;
FERNANDES, 1999) explica que o MST se constituiu como um movimento
camponês, mas que o debate em torno da escolha do nome do movimento
apontou no sentido de resgatar o caráter de classe, de pertencimento à classe
73
trabalhadora. Campos (2006, p. 156) acrescenta que, à época de constituição do
MST, “[...] tanto no campo quanto nas cidades, havia uma intensa luta pela
conquista de direitos políticos e sociais. Mas quem estava na vanguarda dessas
lutas no país era o operariado [...]”, imprimindo uma leitura a partir do mundo
urbano. Além disso, historicamente, a palavra “camponês” esteve mais restrita, no
Brasil, ao debate acadêmico, não sendo utilizada popularmente nem pelos
próprios camponeses.
No entanto, em meados da década de 1990, surgiu uma articulação
internacional de movimentos camponeses: a Via Campesina, que tem como uma
de suas preocupações afirmar a identidade e o papel social do campesinato
(CAMPOS, 2006). A definição de “camponês” proposta pela Via engloba um
conjunto bastante amplo de sujeitos sociais: Una persona campesina es un hombre o una mujer de la tierra que tiene una relación directa y especial con la tierra y la naturaleza a través de la producción de alimentos y/o otros productos agrícolas. Las campesinas y campesinos trabajan la tierra por sí mismos; dependen sobre todo del trabajo en familia y otras formas a pequeña escala de organización del trabajo. Las campesinas y campesinos están tradicionalmente integrados en sus comunidades locales y cuidan el entorno natural local y los sistemas agro-ecológicos. El término de campesino o campesina puede aplicarse a cualquier persona que se ocupa de la agricultura, ganadería, la transhumancia, las artesanías relacionadas con la agricultura u otras ocupaciones similares. Esto incluye a las personas indígenas que trabajan la tierra. El término campesino tambien se aplica a las personas sin tierra70 (LA VÍA CAMPESINA, 2009, p. 7-8).
Todos esses sujeitos têm em comum a produção simples de mercadorias,
para atender às necessidades de produção e reprodução de sua existência. Estão
submetidos ao processo de subordinação ao capital, de exploração e
70 Um camponês é um homem ou uma mulher da terra que tem uma relação direta e especial com
a terra e a natureza, por meio da produção de alimentos e/ou outros produtos agrícolas. As camponesas e os camponeses trabalham a terra eles mesmos, dependem sobretudo do trabalho em família e outras formas de organização do trabalho em pequena escala. As camponesas e os camponeses estão tradicionalmente integrados às suas comunidades locais e cuidam do entorno natural local e dos sistemas agroecológicos. O termo camponês ou camponesa pode aplicar-se a qualquer pessoa que se ocupa da agricultura, pecuária, transumância, artesanato relacionado com a agricultura ou outras ocupações similares. Isto inclui as pessoas indígenas que trabalham a terra. O termo camponês também se aplica às pessoas sem terra (tradução nossa).
74
expropriação, mas escolheram lutar contra esse “destino”, resistindo na terra ou
lutando para dela apropriar-se.
Além de manter elementos clássicos da caracterização camponesa, os
movimentos sociais do campo ligados à Via Campesina incorporam
características novas que indicam a emergência de um “novo campesinato”
(CAMPOS, 2006): a preocupação em construir alianças com outras organizações,
no campo como na cidade; a defesa da soberania alimentar71, que coloca o
camponês como sujeito responsável pela produção de alimentos para a
humanidade; a disposição para debater questões de gênero, num meio
tradicionalmente patriarcal; e a preocupação com o conjunto dos recursos
naturais.
Além de ampliado, o conceito de camponês vem sendo também
ressignificado por esses movimentos, passando a representar um sujeito
possuidor de um projeto político de resistência: camponês é Aquele que defende o direito à manutenção de um padrão de vida tradicional (mas não atrasado) baseado em valores diferentes dos neoliberais, questionando a primazia do lucro, da tecnologia e da individualidade, em relação ao bem estar social, ao conhecimento tradicional e à comunidade (NIEMEYER, 2006, p. 91-92).
Ao tomar parte na Via Campesina, a partir da segunda metade da década
de 1990, o MST passou a fortalecer sua identidade camponesa, o que aparece
com muito mais intensidade nos anos 2000, E esse fortalecimento acentuou a questão territorial da luta. Um movimento camponês não existe sem os territórios do campesinato. [...] Se a expressão camponês era estranha na época de sua fundação, hoje é comum em acampamentos e assentamentos, em reuniões e outros espaços e territórios onde o Movimento se manifesta (FERNANDES, 2008a, p. 75-76).
A retomada da identidade camponesa pelo MST também está relacionada,
a nosso ver, ao debate em torno dos paradigmas do campesinato que teve lugar
na década de 1990. Além do paradigma clássico (da desintegração do
campesinato), segundo o qual a diferenciação conduziria ao fim do campesinato,
nesse período desenvolveu-se o paradigma da agricultura familiar, ou de
71 Que é mais amplo que o conceito de segurança alimentar, incluindo o direito de decidir o que e
como deve ser produzido.
75
metamorfose do campesinato. Representado principalmente por autores como
José Eli da Veiga e Ricardo Abramovay, essa concepção parte da estratificação
do campesinato brasileiro constatada por um estudo da FAO, de 1994. De acordo
com esse estudo, existia no campo, de um lado, agricultores “consolidados”,
muito tecnificados e bem integrados aos mercados capitalistas; e de outro, um
campesinato “periférico”, produzindo principalmente para subsistência, com
tecnologias “atrasadas”, existindo também um grupo intermediário. A partir de
então, agricultor familiar passou a ser identificado com moderno, rico, enquanto
camponês passou a ser identificado com atrasado, pobre.
O terceiro paradigma, que Fernandes (2004, 2005) chama de fim do fim do campesinato, ou de paradigma da produção capitalista das relações não capitalistas de produção, é aquele que considera o campesinato (e o latifúndio)
como expressões do desenvolvimento contraditório do capitalismo, que também
se reproduz através de relações não propriamente capitalistas. Embora
considerando as transformações recentes, principalmente no âmbito da
tecnologia, esse paradigma afirma a persistência do campesinato e a luta social
como fundamental na sua recriação permanente. Numa perspectiva mais ampla,
fora do cenário brasileiro, Shanin (1980) também têm defendido a permanência
do conceito de campesinato72. Poderíamos também citar, como evidência da
validade desse paradigma, que “[...] a recampesinização na América Latina, na
Europa e em diversas regiões da Ásia está em pleno ascenso” (CARVALHO,
2004, p. 19).
É bom frisar que o paradigma da metamorfose do campesinato tem
fundamentado a elaboração de políticas setoriais e sociais brasileiras desde o
governo FHC, permanecendo inclusive no governo Lula (CAMPOS, 2006). Assim,
o debate teórico-conceitual, embora rico e saudável, não pode ser visto como
desprovido de intencionalidade política: Essas possibilidades de definir conceitualmente são próprias da diversidade e da diferenciação do campesinato. Mas também há intencionalidades diferentes em cada um dos paradigmas com relação às perspectivas desse sujeito político (FERNANDES, 2008b, p. 46, grifo nosso).
72 É neste paradigma que fundamentamos nossa pesquisa. Para mais elementos, sugerimos
retornar à introdução.
76
Não podemos esquecer que o paradigma da metamorfose do campesinato
(ou da agricultura familiar) parte da estratificação da campesinato em função de
sua viabilidade econômica no capitalismo. A perspectiva aqui é de integração
ao desenvolvimento capitalista, desconsiderando, obviamente, que este se faz
mediante a exploração, a expropriação e a subordinação da produção
camponesa.
Em cada um desses paradigmas, a reforma agrária é entendida de maneira
diferente: no paradigma clássico, trata-se apenas de uma política
compensatória, com acento na pluriatividade (atividades não-agrícolas); no
paradigma da agricultura familiar, a reforma agrária inclui todas as políticas de
acesso à terra, inclusive por compra e venda, privilegiando a integração ao
mercado e a capitalização por meio da especialização; no paradigma da
produção capitalista das relações não capitalista de produção, a reforma
agrária é compreendida
[...] como uma política importante de distribuição da terra, como forma de recriação do campesinato ou para impedir a sua destruição. O mercado e a capitalização são processos que devem ser pensados no campo da luta e da resistência. Ao contrário dos outros paradigmas, neste, a luta pela terra é considerada como uma forma essencial para a formação do campesinato (FERNANDES, 2004, p. 33).
Foi no contexto desse debate teórico, que é também, um debate político,
que o MST e demais movimentos da Via Campesina reafirmaram sua identidade
camponesa. Diferentemente da maioria das organizações rurais sindicais, que
aderiram ao paradigma da agricultura familiar, o MST e a Via, ao afirmarem a
permanência do campesinato, recusam os limites da integração ao capitalismo e
trabalham na construção de uma outra ordem social.
2.4.4.3. O desafio da participação
Fernandes (2008a) destaca que um dos principais desafios do MST, nesse
início de século, é conseguir aumentar a participação dos camponeses no próprio
77
Movimento. A partir dessa mesma constatação, o MST deu início a um movimento
de construção de uma nova organicidade. Conforme observa Silva (2005, p. 285),
“[...] a própria estrutura organizativa está em constante processo de formação,
sendo flexível diante das transformações da própria realidade do movimento
social de massas”.
Na cartilha de preparação ao IV Congresso Nacional (MST, 2000a, p. 41),
o tema da organicidade é destaque entre os “Desafios permanentes do MST”,
referindo-se então à “[...] relação que deve ter uma parte de nossa organização
com as demais partes”, que seriam os núcleos de base, os setores e as direções.
Uma formulação mais completa aparece num dos cadernos do ITERRA (ITERRA,
2004, p. 33): Organicidade quer dizer coletividade em movimento, relação entre as diversas partes do todo, entre as tarefas e seus objetivos, entre as pessoas que participam do processo de construção da coletividade. Implica fluxo permanente de informações e ações. É a dinâmica cotidiana que garante a continuidade de uma organização coletiva.
Com o crescimento do MST, em número de famílias, abrangência
geográfica e atividades realizadas, garantir a participação dos seus membros
tornou-se problemático. O princípio da direção coletiva esbarrava em
dificuldades para ser implementado. Estava em jogo não apenas a democracia
interna. Havia uma percepção de que garantir a participação era essencial para
manter a unidade e a combatividade necessárias ao acirramento da luta política.
Para substituir a forma um tanto “vertical” que a estrutura do MST vinha
assumindo, propôs-se a adoção de uma estrutura “horizontal”, em que todas as
formas de organização de base tornam-se instâncias de decisão; “logo, a
democracia deixa de ser representativa e passa a ser participativa, onde cada
família ao participar do núcleo de base, representa a si própria” (MST, 2004a, p.
4).
A organização das famílias em núcleos de dez a doze participantes,
aproximadamente, existia desde o início do MST. Entretanto, o papel do núcleo
nunca esteve muito claro (CONCRAB, 1999). Na nova proposta orgânica, o
núcleo de famílias passa a assumir importância fundamental: “O núcleo funciona
como a raiz da organização” (MST, 2004a, p. 8). Além disso, a estrutura de
78
direção passa a estar vinculada diretamente a um conjunto de núcleos,
reforçando-se assim o princípio de vinculação com as massas73: os núcleos são
agrupados primeiro em 5, formando as brigadas de 50 famílias; em seguida, a
cada 10 brigadas de 50 famílias, temos as grandes brigadas de 500 famílias, que
vem substituir a antiga organização por regionais. Os setores de atividades
devem seguir a mesma estruturação.
Outra inovação merece destaque: a paridade de gênero. Para cada
instância (núcleos de base, brigadas de 50, brigadas de 500, setores), deve haver
um homem e uma mulher como coordenadores, substituindo a antiga organização
por coordenador e vice-coordenador. Também se reforça a necessidade do
planejamento (um dos princípios organizativos do MST) e se destaca a
necessidade de organizar a auto-sustentação material: “Auto-sustentação
significa: caminhar com as próprias pernas [...] Devemos criar a perspectiva de
que todas as nossas atividades e ações devem ser auto-sustentadas” (MST,
2004a, p. 12).
Percebe-se logo que o número de pessoas envolvidas se multiplica
enormemente, não como um fim em si mesmo, mas entendendo que “[...] a
prática da participação é a melhor maneira de elevar o nível de consciência, de
formar lideranças e exercitar a verdadeira democracia” (MST, 2004a, p. 4).
Desenvolvendo um estudo acerca da prática educativa do MST em dois
acampamentos no Rio Grande do Sul, Luciano (2007) observa que a nova
organicidade aumentou a participação de jovens e mulheres nas instâncias. A
partir da realidade vivenciada nesses acampamentos, o autor descreve sua
percepção das mudanças pretendidas: Como percebemos, a “nova organicidade” transforma-se, dentro do processo, numa prática educativa que visa a flexibilização das tomadas de decisão, manifestando-se dentro de uma estrutura horizontal de relações, onde comandados e líderes definem suas demandas coletivamente. [...] A condição de direção e coordenação passou a ser mais controlada pelos acampados. [...]
73 Ver os princípios organizativos do MST, no início deste capítulo. A partir da vinculação mais
permanente dos indivíduos nos núcleos e da dinamização de seu funcionamento, como instância de decisão, é que se pretende alcançar um novo patamar de organização no Movimento, convertendo-se efetivamente o conjunto das famílias Sem Terra, base social do MST, em base político-organizativa.
79
As reuniões diárias de setores, núcleos, coordenação e direção são formas de relacionamento democrático entre os sem-terra que possibilitam uma maior apreensão coletiva da realidade social. Nelas são contextualizadas e avaliadas as ações já executadas, observando os erros e acertos. Essas práticas cotidianas de elaboração de decisões permitem que os sem-terra vivam sua situação de classe na mesma medida em que elevam sua consciência de classe (LUCIANO, 2007, p. 103-106).
Não identificamos, até o momento, outros estudos que tratem da nova
organicidade. Em que pese não se tratar aqui de nosso objeto de estudo
específico, esboçamos algumas considerações preliminares sobre esse
processo74. Inicialmente, é necessário considerar a sua recentidade, não se
tratando de um processo já concluído, mas em andamento.
Em algumas brigadas, a nova forma de organização foi concluída; em
outras, encontra-se ainda em implementação. Outras ainda resistem à mudança,
preferindo a forma anterior. Essa resistência pode estar relacionada, em alguns
casos, à percepção de que é preciso pensar o desenvolvimento regional ou
territorial, o que é facilitado quando se trabalha por regiões, podendo a
organização por brigadas favorecer o isolamento (o que não ocorre
necessariamente, a nosso ver).
A participação de um número cada vez mais expressivo de jovens e de
mulheres nos eventos é um dado bastante positivo75. Entretanto, nas brigadas, se
se ampliou a participação nos fóruns de discussão/reflexão, democratizando o
acesso às informações, na tomada de decisões, parece-nos haver ainda um longo
caminho a percorrer. Também a ênfase na necessidade da auto-sustentação tem
levado muitas lideranças a envidarem todos os seus esforços na busca de
alternativas de desenvolvimento econômico nas brigadas (como a construção de
agroindústrias, por exemplo), que, embora sendo necessárias, não esgotam as
necessidades organizativas da base social.
Silva (2005), revisando a contribuição de diversos autores à práxis
organizativa dos movimentos e organizações socialistas, sublinha a necessidade
74 Em nossa vivência em Querência do Norte-PR, acompanhamos a transição da forma anterior de
organização, por regionais, para a “nova organicidade”. Na participação em eventos diversos e depois, na Escola Milton Santos, foi possível ter algumas informações (de maneira não sistematizada, evidentemente) a respeito do mesmo processo em outras brigadas, no Paraná especialmente, mas também em outros estados.
75 A “Agenda 2008 do MST” traz a informação de que, no V Congresso Nacional, em torno de 40% dos participantes eram mulheres.
80
(e a dificuldade) de se estabelecer um equilíbrio saudável entre centralismo e
democracia, de modo que não se reproduzam relações de poder, permitindo-se a
constituição dos militantes e da base social como sujeitos históricos, críticos e
conscientes. A nova organicidade corre o risco de tornar-se mera formalidade, se
não for acompanhada de mudanças reais no método de direção, que busquem
reafirmar princípios organizativos como a direção coletiva e a divisão de tarefas.
2.4.4.4. A necessidade de avançar na organização dos assentamentos
A política de assentamentos implementada pelos sucessivos governos,
como resposta à pressão social derivada da luta pela terra, foi sempre uma
política pontual, compensatória, de mitigação das tensões sociais, não
caracterizando, como vimos, uma Reforma Agrária de fato. Além disso, aos
poucos, um conjunto de medidas foi sendo articulado com o objetivo de
enfraquecer o poder de pressão dos movimentos sociais do campo, em especial o
MST. Na análise do MST, Os assentamentos que surgiram dessa política pontual, representam esse impasse político: não fomos derrotados e nem derrotamos o latifúndio. Como a correlação de forças foi muito desfavorável aos trabalhadores, se desenvolveu no Brasil uma Reforma Agrária muito desqualificada. [...] Ao dizer que os assentamentos são a expressão de um impasse da luta social no campo, implica reconhecer que a burguesia e o Estado burguês, impuseram uma condição estrutural para o desenvolvimento da reforma agrária (MARTINS, 2006, p. 106).
Essa condição estrutural seria a limitada possibilidade de desenvolvimento
material dos assentamentos. A conquista da terra não encerra a luta contra o
capital; ao contrário. Uma vez conquistado o assentamento, os camponeses
voltam a inserir-se, contraditoriamente, no desenvolvimento capitalista do campo.
Na busca de alternativas de organização da produção e do trabalho, no
desenvolvimento de uma nova sociabilidade e, mantendo-se mobilizados
politicamente num movimento social, os assentados têm a possibilidade de
81
enfrentar a lógica do capital. Mas inserindo-se de alguma forma na economia,
acabam subordinando-se à exploração capitalista: Assim, por meio da ocupação da terra, os trabalhadores sem-terra do campo e da cidade se ressocializam, resistindo e se subordinando ao capital, porque ao conquistarem a terra, se (re)inserem no processo de diferenciação e podem ser novamente expropriados e outra vez se ressocializarem (FERNANDES, 2001, p. 32).
Mesmo considerando o impacto positivo que os assentamentos de reforma
agrária têm na melhoria da qualidade de vida das populações assentadas e
mesmo na dinamização econômica e política dos pequenos municípios do
interior76, há uma percepção crítica de que é preciso avançar mais, em direção
Projeto de Campo que vem sendo discutido.
Há uma preocupação especial com o crescimento do assalariamento como
principal fonte de renda: “Para muitos assentados a sua renda vem sobretudo de
‘diárias’ obtidas no trabalho fora do lote familiar” (MARTINS, 2006, p 107).
Heredia et al (2006) apontam, num estudo que pode ser tomado como referência
para um panorama nacional da realidade dos assentamentos (ressalvando-se a
existência de variações regionais e locais), que 12% da população assentada
acima dos 14 anos realiza algum trabalho fora do lote, sendo que desse total,
31% o fazem de modo permanente (sendo o restante em caráter eventual ou
temporário e, portanto, complementar). Esse trabalho externo representa 14% do
76 Ver, por exemplo, o amplo estudo encabeçado por Heredia (HEREDIA et al, 2006), que aponta,
entre outros, como os assentamentos representam uma importante alternativa de trabalho e inserção social, com geração inclusive de postos de trabalho não-agrícolas; a melhoria dos rendimentos e das condições de vida dos camponeses assentados; a diversificação da oferta de produtos nos mercados locais; e o efeito de dinamização do comércio local. Mesmo um ferrenho crítico do MST como Navarro (2002, p. 204) reconhece que “são vários os casos, por exemplo, de regiões antes relativamente ‘adormecidas’, do ponto de vista econômico, mantendo raríssimas atividades produtivas e que se tornaram relativamente dinâmicas, impulsionadas pela presença de assentamentos que foram formados na área e, igualmente, com a chegada da organização dos sem-terra e seus líderes, ou seja, por um novo conjunto de ‘agricultores-tornados-dirigentes-municipais’, que passaram a pressionar mais intensamente as instituições locais, interferindo mais incisivamente na implantação das políticas governamentais e, em especial, passando a exercer maior vigilância sobre as práticas políticas. Essas pequenas regiões sub-nacionais revitalizadas são inúmeras, espalhadas em quase todo o Brasil, e respondendo pelo nascimento de um conjunto de famílias rurais mais participativas e, em conseqüência, contribuindo para a democratização de seus respectivos municípios. Como resultado, a multiplicação dos assentamentos em praticamente todos os estados tem produzido, especialmente, a renovação política desses rincões rurais, democratizando-os lentamente e produzindo novas práticas sociais, antes comandadas especialmente pelos grandes proprietários de terras”. Ver também o estudo de Sparovek (2005).
82
rendimento familiar, enquanto os recursos oriundos da produção nos lotes
representam 69% (advindo o restante de benefícios previdenciários).
A inviabilização econômica das unidades de produção pode ainda levar os
camponeses assentados ao abandono dos lotes. Nesse sentido, Fernandes
(2006a, p. 2) alerta que A precarização da política de reforma agrária e das políticas públicas, que é marca de todos os governos, está expulsando famílias assentadas. No lugar das famílias assentadas excluídas, são assentadas outras famílias. O problema não se resolve em si, se reproduz em si.
Além disso, há a preocupação em “[...] se constituir uma função social para
essas terras libertadas do latifúndio” (MARTINS, 2006, p. 112), identificando como
primeira responsabilidade dos assentados produzir alimentos para a sociedade,
em quantidade e qualidade77. É a terra de trabalho, oposta à terra de negócio ou
de especulação da agricultura capitalista.
A partir dessas evidências e reflexões e, sem desconsiderar os
determinantes exteriores ao MST e à luta pela terra, duas preocupações são
apontadas com relação à organização dos assentamentos (MARTINS, 2006):
a) melhorar o desenvolvimento material dos assentamentos, aumentando
a produtividade do trabalho e promovendo o desenvolvimento
sociocultural;
b) avançar no desenvolvimento da consciência de classe da base social
assentada.
A principal forma apontada para alcançar um maior desenvolvimento
material é (ainda) a cooperação78, embora também se aponte para a necessidade
de constituição de uma outra matriz tecnológica e produtiva (a agroecologia): “[...]
a cooperação agrícola é estratégica para melhor utilizar os recursos hoje
existentes, sejam eles a terra, os demais recursos naturais, as máquinas,
equipamentos e o trabalho” (MARTINS, 2006, p. 107).
A partir das formas espontâneas de cooperação historicamente
construídas pelos camponeses, sugere-se estimular o desenvolvimento de formas
77 É interessante perceber aqui a identidade camponesa defendida pela Via Campesina, do
camponês como responsável pela produção de alimentos, de que falamos no item anterior. 78 Abordaremos a proposta de cooperação do MST no quarto capítulo.
83
cada vez mais complexas, que envolvam algum grau de planejamento coletivo,
tanto da produção quanto da circulação. Entende-se que, quanto mais complexa a
cooperação, maiores “[...] serão as condições de resistência econômica, num
ambiente econômico capitalista” (MARTINS, 2006, p. 111).
Do ponto de vista do desenvolvimento sociocultural, o entendimento é de
que todas as famílias assentadas devem ter acesso garantido à moradia, energia
elétrica, água potável, saneamento básico e estradas, bem como à educação e à
saúde, “[...] condições básicas de um padrão civilizatório digno de uma sociedade
que se pretende desenvolvida” (MARTINS, 2006, p. 114). Padrão esse que,
entretanto, está ainda longe dos assentamentos, havendo uma precariedade
generalizada de infra-estrutura, conforme atesta o citado estudo de Heredia et al
(2006, p. 48), que indica, por um lado, “[..] uma insuficiente intervenção do Estado
no processo de transformação fundiária e, por outro, forte continuidade em
relação à precariedade material que marca o meio rural brasileiro”. Esses autores
apontam, entretanto, para o potencial organizativo das demandas e reivindicações
necessárias à superação dessa situação de precariedade.
Além disso, o MST vai propor novas formas de organização dos
assentamentos que favoreçam uma melhora na infra-estrutura, como por
exemplo, a aproximação das moradias e a criação de áreas sociais comunitárias.
Popõe-se que “[...] as novas experiências de organização dos assentamentos
deverão considerar os elementos da participação social e da convivência, como
elementos estratégicos no desenvolvimento do ser social” (MARTINS, 2006, p.
115), na perspectiva de contribuir para o desenvolvimento da consciência de
classe da base social assentada. A compreensão é de que, para alcançar
mudanças duradouras na consciência das famílias assentadas, é preciso construir
objetivamente uma nova existência social. Sem desconsiderar a necessidade de
outros elementos (como o estudo científico), planejar a estrutura física de modo a
favorecer a convivência comunitária, rompendo o isolamento, pode ser um “bom
ponto de partida”.
Como observa Vendramini (2008, p. 121),
84
A experiência do MST é contraditória, assim como o é a realidade. É um movimento social que precisa responder as questões imediatas de sua base, de um conjunto de trabalhadores sem-terra, desempregados e,inclusive, marginalizados que já não têm como continuar se reproduzindo. O movimento trava uma luta que depende da intervenção do Estado para a desapropriação de terras, para o financiamento da produção, para políticas públicas de saúde, de educação, de estradas e transporte. Ao mesmo tempo, suas lideranças percebem que a luta pela socialização da terra e dos meios de produção não é algo possível no interior das relações capitalistas de produção.
Há uma tensão evidente entre a necessidade de dar conta das demandas
imediatas de sua base social, expressa no caráter corporativo que
deliberadamente assumiu, e a necessidade de uma luta mais ampla, que se some
à de outros movimentos e organizações na construção de uma nova ordem
societária. Essas tensões e contradições carregam limites mas também
potencialidades.
No próximo capítulo, trataremos do surgimento de uma questão da
educação profissional no MST, como um dos efeitos dessas potencialidades.
3. A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO MST E SUAS CONTRIBUIÇÕES À EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DO CAMPO: A CONTRADITÓRIA RELAÇÃO ENTRE O MOVIMENTO SOCIAL E O ESTADO NA DISPUTA PELA FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO
Após analisar o contexto em que se organizou o MST e a sua trajetória,
passamos a focalizar uma das dimensões presentes em seu desenvolvimento, a
saber, a constituição da questão da educação profissional no MST e, mais
precisamente, sua relação com a Educação Profissional do Campo.
Para tanto, iniciamos apresentando o quadro geral da questão da
educação no MST, na perspectiva de seus momentos ou períodos e, em seguida,
o surgimento, trajetória e proposições do movimento da Educação do Campo, a
partir do final da década de 1990, que se constitui pela articulação de diferentes
organizações e movimentos sociais do campo – destacando-se, entre eles, o
MST, numa relação em que se busca construir uma unidade em meio à
diversidade, o que nem sempre se dá de maneira tranqüila.
Aqui necessitamos esclarecer o leitor. As diversas práticas e propostas dos
movimentos sociais convergem na construção do conceito79 de Educação do
Campo, em oposição ao conceito de Educação Rural e na luta por políticas
públicas específicas. Contudo, cada movimento social continua desenvolvendo
sua própria proposta, mesmo que buscando aprender com as propostas e
experiências uns dos outros e, muitas vezes, construindo experiências conjuntas
(o que vem ocorrendo especialmente no âmbito dos movimentos que compõem a
Via Campesina80). Alguns autores têm criticado isso que consideram como um
“resquício corporativista” (MUNARIM, 2006, p. 17); entretanto, é preciso ter
presente que a Educação do Campo não se reduz às políticas públicas (ou por
enquanto, setoriais), mas articula-se necessariamente a um projeto político,
originando as divergências que, ao que nos parece, são legítimas. A Educação do
79 Caldart (2007, p. 69) afirma que “[...] há um acúmulo de práticas, relações e
embates que permitem uma abstração que passa a servir de categoria teórica para a análise de cada prática particular, de cada posicionamento diante da realidade a que a Educação do Campo se refere. Trata-se de um conceito novo e em construção na última década”.
80 Lembremos que outro espaço importante de articulação dos movimentos populares é a Consulta Popular, que envolve também movimentos e organizações do espaço urbano.
86
Campo se constitui de três momentos (distintos, simultâneos e complementares):
primeiro, de denúncia, resistência, lutas; segundo, de práticas e propostas
concretas; e terceiro, de projeto, superação, transformação social. Como
expressa Caldart (2007, p. 76), [...] nem sempre são os mesmos sujeitos que se juntam, se articulam, se identificam nos três momentos. E a própria compreensão de cada um pode ser diferente: a denúncia é contra quem? O projeto quer mudar até onde? E às vezes, nas ações concretas é difícil distinguir o que efetivamente projeta futuro e o que são concessões que podem matá-lo.
Por isso examinamos, em nossa pesquisa, a proposta de educação do
MST e a Educação do Campo de maneira paralela, embora articulada, buscando,
na primeira, elementos que nos pareçam importantes à constituição desta última.
A proposta de Educação do MST contribuiu (e contribui) significativamente na
proposta da Educação do Campo (embora não se restrinja a ela), mas a
Educação do Campo incorpora, em diferentes medidas, outras experiências e
propostas diversas, além daquelas do MST.
Dito isso e continuando em nossa investigação, abordamos a questão da
relação, a partir da constituição da Educação do Campo no final da década de
1990, entre o Movimento Social – incluído o MST – e o Estado, na luta pela
formulação de políticas públicas para a Educação, focalizando-a especialmente
no âmbito do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária-PRONERA.
Uma vez delineados esses diversos aspectos da temática da Educação do
Campo, examinamos a proposta do MST quanto à Educação Profissional,
destacando os elementos que podem contribuir, em nosso entendimento, à
configuração da Educação Profissional do Campo (onde se desenvolve,
atualmente, o Diálogo de Saberes), no contexto da constituição de um Projeto
Popular de Desenvolvimento para o Campo.
87
3.1. A EDUCAÇÃO ESCOLAR NO MST
Neste item, faremos um breve resgate histórico da educação no MST81, em
especial da educação escolar ou formal. Dalmagro (In: MST, 2008c) sistematizou
a história da escola no MST, dividindo-a em quatro períodos (sem perder de vista
sua relação com a história mais ampla do MST e do desenvolvimento do campo
brasileiro), além do que identifica como sendo o “momento atual”.
3.1.1. Primeiro período (1979-1991): constituição da questão escolar
Como vimos no primeiro capítulo, esse foi o período de constituição do
MST, como um movimento nacional de luta pela terra. A organização das
primeiras ocupações e acampamentos trouxe uma necessidade objetiva que
precisava ser enfrentada: a presença de crianças, cujo acesso à escola era
sistematicamente dificultado ou mesmo negado. Caldart (2004, p. 238) destaca
que a ênfase, nesse período, “[...] esteve na formação do sujeito de direitos e na
consolidação de uma coletividade para conquistá-los”. A luta por escola (que
nesse início era a de 1ª. a 4ª. série) assumiu a mesma forma da luta pela terra: a
ocupação. “Ocupar” a escola [...] significava primeiro organizá-la por conta própria, começar o trabalho e os registros formais já sabidos como obrigatórios, mesmo que em condições materiais precárias, e então iniciar as negociações com os órgãos públicos para a sua legalização82 (CALDART, 2004, p. 240).
81 Destacamos a existência de uma considerável produção científica a esse respeito. Souza (2007)
por exemplo, identificou mais de uma centena de pesquisas sobre a educação no MST, em programas de pós-graduação, no Brasil.
82 Num momento posterior, “ocupar a escola” passa a ter um sentido mais amplo, significando “[...] a necessidade da escola ser ocupada (ou deixar-se ocupar) pelos seus próprios sujeitos (educandos, educadores, comunidade), na sua identidade coletiva de Sem Terra, de camponês, de trabalhador do campo, de classe trabalhadora. Ou seja, a ocupação da escola pelo MST precisa ser entendida/trabalhada no sentido ampliado de apropriação da escola pela classe trabalhadora [...]” (MST, 2008a, p. 11).
88
Essa maneira de organizar a luta por educação se mantém até o momento
em que escrevemos (2010), estando presente na história dos acampamentos,
assentamentos e centros de formação de todo o país. Uma marca importante foi a
constituição de coletivos de educação, a partir dos quais foram-se organizando
coletivos estaduais de educação, culminando com a criação do Setor Nacional de
Educação, em 1987. O Setor Nacional tem a função de ser um articulador e
potencializador das lutas e experiências educacionais existentes e um
desencadeador onde o trabalho em educação não tenha surgido
espontaneamente (CALDART, 2004).
Também nesse início estava presente a preocupação com a construção de
uma “escola diferente”, começando a desenhar-se uma proposta de escola, que
viria a consolidar-se no período seguinte.
3.1.2. Segundo período (1992-1995): consolidação de uma proposta de escola
Este foi o período de consolidação e territorialização do MST, que foi se
constituindo como uma organização social dentro de um movimento de massas e
adquirindo seu atual contorno organizativo. No campo da educação, a produção
teórica florescia, constituindo-se [...] uma proposta de escola, articulada, fundamentada, de construção sistemática. A base de nossa proposta até hoje foi formulada neste período. A grande questão para a escola é como contribuir com o desenvolvimento dos assentamentos para garantir o avanço da Reforma Agrária, por isso a ênfase no trabalho. Aparecem formulados os três objetivos/pilares da escola para o MST: preparação para o trabalho do meio rural, conhecimento científico da realidade e formação de militantes (MST, 2008c, p. 3).
Caldart (2004, p. 249 observa que a formulação dessa proposta adveio de
uma ampliação da noção de direito: “não apenas ter acesso à escola, mas
também ter o direito de constituí-la como parte da sua identidade: fazer de cada
escola conquistada uma escola do MST”(grifos no original). A autora observa
89
que, no processo de elaboração dessa proposta, três foram as fontes principais:
a) as experiências que vinham sendo construídas nos diversos estados, bem
como as dúvidas trazidas pelos educadores/as; b) o próprio MST, por meio dos
objetivos e princípios firmados nos documentos e também dos aprendizados
coletivos acumulados em sua trajetória; e c) elementos de teoria pedagógica, a
partir do estudo de educadores como Paulo Freire, Krupskaya, Pistrak,
Makarenko e José Martí e da contribuição de pedagogos e intelectuais que se
participaram nesse processo.
A partir de 1994, a proposta passou a contemplar a educação fundamental
como um todo (passando a incluir a educação de 5ª. a 8ª. série), mas, em
consonância com o momento vivido pelo conjunto do MST, passou-se a dar mais
ênfase à escola do assentamento.
3.1.3. Terceiro período (1996-2000): ampliação da escola à educação
Esse período correspondeu ao ingresso do MST em lutas mais amplas e
em aliança com outros movimentos sociais e organizações, inserindo-se no
debate de um Projeto Popular para o Brasil: “O MST entra nos debates do
conjunto da sociedade e esta passa a debater as questões do Movimento” (MST,
2008c, p. 3). Destacaram-se a formulação dos princípios filosóficos e
pedagógicos83, em 1996, e a construção da Educação do Campo (desenvolvida
no item 3.2), a partir de 1997/1998. O campo de trabalho do Setor de Educação
se ampliou, passando a envolver desde a educação infantil até o ensino superior,
83 Princípios filosóficos: 1) educação para a transformação social; 2) educação para o trabalho e a
cooperação; 3) educação voltada para as várias dimensões da pessoa humana; 4) educação com/para valores humanistas e socialistas; e 5) educação como um processo permanente de formação/transformação humana. Princípios pedagógicos: 1) relação entre prática e teoria; 2) combinação metodológica entre processos de ensino e de capacitação; 3) a realidade como base da produção do conhecimento; 4) conteúdos formativos socialmente úteis; 5) educação para o trabalho e pelo trabalho; 6) vínculo orgânico entre processos educativos e processos políticos; 7) vínculo orgânico entre processos educativos e processos econômicos; 8) vínculo orgânico entre educação e cultura; 9) gestão democrática; 10) auto-organização dos/das educandos; 11) criação de coletivos pedagógicos e formação permanente dos educadores/das educadoras; 12) atitude e habilidades de pesquisa; e 13) combinação entre processos pedagógicos coletivos e individuais (MST, 1997b).
90
além da educação de jovens e adultos, em cursos formais e informais. Este foi um
processo contraditório: Os principais ganhos deste terceiro momento são o de perceber que educação é mais que escola e ao mesmo tempo a escola é um dos espaços educativos que se inserem na perspectiva do Movimento, o de lançar o debate da educação para além do setor de educação. Mas aqui começa a haver uma perda no pensar e acompanhar o trabalho específico da escola. O número de escolas em assentamento fica maior, já não acontece mais um acompanhamento permanente e direto, com correspondente formação de professores, uma das marcas do período anterior (MST, 2008c, p. 3).
Essa ampliação do conceito de educação levou à elaboração da
“Pedagogia do Movimento”. Caldart (2004, 2006), buscando interpretar a
experiência educacional do MST há vários anos, vem elaborando como possível
categoria da teoria pedagógica e social a Pedagogia do Movimento, que tem
como origem e referência o Movimento Social84 (ao mesmo tempo como lugar e
como sujeito coletivo de formação humana), “[...] onde se constroem
circunstâncias sociais privilegiadas de humanização” (CALDART, 2006, p. 138).
A Pedagogia do Movimento “[...] se constitui na historicidade das ações (o
jeito que o Movimento vai construindo para formar um sujeito coletivo e educar as
pessoas que dele participam) e das reflexões pedagógicas dos Movimentos
Sociais” (CALDART, 2006, p. 141). Sua validade pretende extrapolar a reflexão
sobre o MST em particular (embora ele tenha sido seu ponto de partida),
afirmando o movimento social como sujeito pedagógico85, por meio dos processos
políticos, econômicos e socioculturais que compõem sua dinâmica. O Movimento
Social constitui-se em sujeito pedagógico na medida em que a coletividade em
movimento é educativa e atua intencionalmente no processo de formação das
pessoas que a compõem:
84 É importante considerar que nem todos os chamados “movimentos sociais” têm as
características constitutivas da Pedagogia do Movimento, que são a luta social e organização coletiva combinadas (CALDART, 2006).
85 Nas formulações iniciais da Pedagogia do Movimento, Caldart (2001, 2004) afirmava também o “movimento social como princípio educativo”. Em reflexão posterior, ela apresenta uma “[...] nova síntese, que traz a luta social, combinada com a organização coletiva, como matriz formadora constituinte do Movimento Social como sujeito pedagógico e que integra, com outras matrizes, a práxis (social) como princípio educativo” (CALDART, 2006, p.141). Além da luta social, são também expressões históricas da práxis o trabalho e a cultura.
91
Sujeitos que enraizados em uma coletividade portadora de futuro, vão transformando e se transformando à medida que constroem aprendizados humanos importantes como o de tomar posição, fazer escolhas coletivas, enfrentar conflitos, lidar com o inusitado, provocar o inusitado; aprendem a ter projeto, a pensar e a agir através de estratégias e táticas, a exercitar permanentemente a relação entre teoria e prática (CALDART, 2006, p. 140).
A Pedagogia do Movimento afirma que o ser humano se forma na tensão
entre conformação social/transformação social. A participação em processos de
transformação social (que envolvem contradições e conflitos) é particularmente
educativa, conformando uma verdadeira “pedagogia da luta”, que ajuda a
construir uma visão de mundo em que nada é impossível de mudar e ensina que
a história é obra de sujeitos coletivos e não de indivíduos.
Para os movimentos sociais, a escola é uma mediação importante na
construção de seu projeto político e educativo, mas é preciso ter presente que [...] esta mediação implica em incluir a escola naquele exercício pedagógico de compreender os aprendizados humanos produzidos na vivência da luta social e da organização coletiva e incorporá-los na reflexão pedagógica específica da educação escolar (CALDART, 2006, p. 146).
Não se deixa de reconhecer a especificidade da tarefa formadora da
escola. Entretanto, a escola passa a integrar um processo de educação mais
amplo, entendido como formação humana, em que o Movimento Social precisa
reconhecer-se como pedagogo coletivo.
3.1.4. Quarto período (2001-2006): massificação e crise da escola
Como procuramos evidenciar no capítulo anterior, nesse período
evidenciou-se a mundialização da questão agrária, opondo o grande capital
internacionalizado, em aliança com outros setores (sob a denominação de
agronegócio), aos camponeses (em sentido amplo) e suas organizações
nacionais e internacionais (como a Via Campesina), num enfrentamento mais
acirrado. Os efeitos de mais de uma década de políticas neoliberais foram
tornando-se cada vez mais evidentes, não sendo revertidos com a eleição do
92
governo Lula. O MST ampliou ainda mais suas lutas e sua concepção de Reforma
Agrária.
Especificamente no campo da educação, [...] é o período do lema “Todas e todos Sem Terra estudando!”, com fortalecimento da dimensão do estudo no conjunto do Movimento. Estudo em sentido amplo, que está para além da escolarização, mas se liga a ela na busca do estudo sistemático, da leitura e escrita, organização do pensamento... [...] A discussão feita pela Coordenação Nacional em 2005 sinaliza uma disposição de que a educação seja assumida pelo conjunto (MST, 2008c, p. 4).
Ampliou-se, ainda mais, o número e a variedade de cursos oferecidos, em
parceria com instituições públicas diversas e com o apoio de convênios
governamentais. As Escolas Itinerantes foram reconhecidas em diversos
estados86.
Entretanto, o rápido crescimento implicou num certo distanciamento,
identificado como uma crise do setor de educação: “[...] percebemos que o setor
já não conhece a realidade das escolas, especialmente as dos assentamentos”
(MST, 2008c, p. 4). Nos documentos, a crise da escola no MST é também
relacionada à crise da escola em geral (ou desta forma histórica de escola), em
função do acirramento das contradições do sistema capital e, em específico, às
dificuldades enfrentadas na organização (e na produção) dos assentamentos.
3.1.5. Alguns elementos sobre o período atual (2006-2009)
A crise identificada no período anterior tem conduzido à busca por um
retorno à escola de assentamento e, também, à retomada do debate acerca do
papel da escola para o MST. Nesse movimento, a educação de nível médio tem
recebido maior atenção (e também sua articulação com a educação profissional).
Mesmo reconhecendo-se as muitas dificuldades e os limites existentes, há
iniciativas importantes que procuram aproximar as escolas dos propósitos do MST
(MST, 2008c). 86 Trataremos em específico das Escolas Itinerantes mais adiante.
93
Após essa breve retomada histórica, nossa investigação se amplia para
além do MST. Como vimos, em meados da década de 1990, o MST havia
construído os principais fundamentos de sua proposta de educação (os Princípios
da Educação do MST, que datam de 1996) e o Setor de Educação havia
consolidado sua organicidade. As frentes de atuação se haviam ampliado
bastante, envolvendo diversos níveis e modalidades de ensino. Foi nesse
contexto que, em 1997, o MST organizou o I Encontro Nacional de Educadores e
Educadoras da Reforma Agrária-ENERA, em Brasília, reunindo cerca de 700
participantes. Esse evento deu maior visibilidade à proposta de educação do MST
no conjunto da sociedade e, a partir dele, o Movimento começou a ser desafiado
a pensar sobre a educação no meio rural como um todo. Lembremos que isso se
deu no contexto da ampliação das propostas políticas do MST, que foram
amadurecendo, no mesmo período, em direção à construção de um Projeto
Popular para o Brasil, de que a Reforma Agrária fosse um dos aspectos. Foi
assim que o MST articulou parceiros importantes, para dar início a um movimento
nacional por uma Educação do Campo, de que tratamos a seguir.
3.2 MAPEANDO A EDUCAÇÃO DO CAMPO
Nesse item, buscamos oferecer, de maneira sucinta, um panorama geral
da Educação do Campo, sem a pretensão de realizar uma revisão exaustiva
sobre o assunto, visto existir considerável literatura a respeito. Dessa maneira,
investigamos inicialmente quem são os sujeitos do campo, bem como os sujeitos
coletivos que os representam, para compreender a especificidade da Educação
do Campo e reconstruir, de forma breve, sua trajetória. Finalmente, procurando
trazer um pouco da legislação pertinente, elencamos três grandes conquistas da
Educação do Campo que se encontram “na letra da lei”.
94
3.2.1. O campo e seus sujeitos
A materialidade de origem da Educação do Campo está ancorada no
desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro, conforme estudamos no
primeiro capítulo. Além disso, ela é produto também da luta de classes no campo,
que possibilita a recriação do campesinato.
No documento “Por uma Educação do Campo: Declaração 2002”
(produzido durante o Seminário Nacional por uma Educação do Campo87), consta
que
No campo existem milhões de brasileiras e brasileiros [...] que vivem e trabalham no campo, como: pequenos agricultores, quilombolas, povos indígenas, pescadores, camponeses, assentados, reassentados, ribeirinhos, povos da floresta, caipiras, lavradores, roceiros, sem-terra, agregados, caboclos, meeiros, bóias-frias, entre outros88. (In: KOLLING;CERIOLI; CALDART, 2002, p. 11).
Esses povos do campo possuem uma identidade cultural própria, que tem
raízes na sua maneira de viver e trabalhar, enfim, uma “[...] cultura que se produz
através de relações sociais mediadas pelo trabalho na terra” (FERNANDES;
CERIOLI; CALDART, 1998, p. 17). Mas não é só. A própria dicotomia campo-
cidade vem sendo posta em questão. A interiorização da agroindústria, o
crescimento no campo do trabalho em ocupações não-rurais, contingentes
importantes de pessoas que trabalham no campo mas vivem na cidade (e vice-
versa), por exemplo, expressam a complexa relação entre o rural e o urbano.
Além disso, há que se reconhecer que “a maioria das sedes dos pequenos
87 Evento promovido pela Articulação Nacional Por uma Educação do Campo, integrada então,
além do MST, por representantes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB, Universidade de Braília-UnB, Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura-UNESCO e Fundo das Nações Unidas para a Infância-UNICEF. O seminário foi realizado em novembro de 2002, em Brasília, contando com a participação de mais de uma dezena de movimentos e organizações sociais. Ver Kolling, Cerioli e Caldart (2002).
88 Essas denominações podem parecer confundir-se umas com as outras, mas a intenção dos participantes do seminário era justamente chamar a atenção para a diversidade de sujeitos sociais existentes no campo, para além das estatísticas com que habitualmente o tema é retratado.
95
municípios é rural, pois sua população vive direta e indiretamente da produção do
campo”89 (KOLLING;CERIOLI; CALDART, 2002, p. 11).
Esses sujeitos têm sido sistematicamente privados de direitos, ao longo de
toda a história de nosso país. Dados oficiais90 dão conta de que, na área rural,
existe oferta apenas para o atendimento de 24,9% das crianças de 4 a 6 anos, e
de 4,5% dos jovens de 15 a 17 anos. Em decorrência dessa dificuldade, apenas
66% dos jovens do campo, nessa idade, freqüentam a escola, sendo que desse
total, apenas 12,9% estão no ensino médio, nível adequado à faixa etária. De
modo geral, enquanto na área urbana 50% das crianças que freqüentam a escola
estão com atraso escolar, na área rural esse contingente é ainda maior: 72% dos
alunos (RAMOS; MOREIRA; SANTOS, 2004, p. 15).
Quanto aos professores, eles são, em sua grande maioria, os menos
qualificados e os que recebem os menores salários, comparativamente aos
professores que trabalham na zona urbana. Há ainda a precariedade da infra-
estrutura, retratada no quadro 2.
Quadro 2: Precariedade na infra-estrutura das escolas do campo. Nível Item ausente Percentual de alunos
energia elétrica 27,7% Ensino fundamental de 1ª a 4ª série biblioteca 90,1%
biblioteca 65,7% Ensino fundamental de 5ª a 8ª série laboratório de ciências 95,5%
biblioteca 35,4% Ensino médio laboratório de ciências 75,3%
Fonte: MEC/INEP; In: RAMOS; MOREIRA; SANTOS (2004, p. 25). Dados organizados por mim. 89 É preciso fazer uma pequena ressalva a respeito das estatísticas oficiais sobre a distribuição da
população em rural e urbana no Brasil. De acordo com Veiga (2004), a adoção de um único critério, meramente administrativo - toda sede de município é cidade - distorce a realidade, apresentando falsamente o país como recordista mundial em número de cidades: 5.507, de acordo com o Censo Demográfico de 2000, embora 90 dessas “cidades” tenham menos de 500 habitantes e, a menor delas, apenas 18 (isso mesmo, dezoito)! Esse critério extremamente simplificador permanece o mesmo desde 1938 (ditadura Vargas), não encontrando paralelo em outros países. Para Veiga (2004, p. 28), “é impróprio chamar de cidades as sedes dos mais de 4,5 mil municípios rurais. Ou, no limite, dos 4,3 mil municípios rurais cujas sedes têm menos de 20 mil habitantes”. É preciso considerar essa constatação com cuidado, para não alimentar ainda mais a (falsa) dicotomia entre rural e urbano, em que o primeiro seja sinônimo de atraso e precariedade, em oposição ao segundo. Entretanto, tal discussão pode chamar a atenção para a necessidade de mais investimento em políticas públicas adequadas ao campo.
90 As autoras do estudo citado cruzam dados do Censo Demográfico 2000 e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios-PNAD de 2001 (IBGE), com dados do MEC/INEP.
96
Edla Soares, no parecer 36/2001, sobre as Diretrizes Operacionais para a
Educação Básica nas Escolas do Campo, registra o tratamento periférico dado
pela maioria dos textos constitucionais à educação escolar do campo91 (BRASIL,
2004a). Ora, se o mote da universalização da educação básica está relacionado
às demandas da produção capitalista por uma qualificação mínima, “não sendo
um requisito para o trabalho rural e, nesse caso, indispensável para a reprodução
do capital, a educação rural é negligenciada” (BESERRA, DAMASCENO, 2004).
Não se necessita de escola para o “manejo da enxada”.
Com a emergência dos movimentos sociais populares do campo e de suas
lutas, a questão do desenvolvimento do campo e da educação rural será
recolocada em outras bases. Os Movimentos Sociais Populares do Campo se
organizam, no Brasil, a partir da década de 1940, com o processo de
redemocratização. São desse período as diversas lutas dos posseiros, as greves
dos assalariados, as Ligas Camponesas, as Uniões de Lavradores e
Trabalhadores Agrícolas do Brasil-ULTABs, o Movimento dos Agricultores Sem
Terra-MASTER e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura-
CONTAG92. Muitas organizações e movimentos contavam com o apoio do Partido
Comunista Brasileiro-PCB (STÉDILE; FERNANDES, 1999). O golpe militar, em
março de 1964, vem interromper esse movimento de generalização de lutas no
campo. As organizações são desmanteladas e seus dirigentes perseguidos,
embora a tensão continuasse.
Entre o final da década de 1970 e início da década de 1980 , com o lento
processo de abertura política, vamos assistir à retomada das lutas da classe
trabalhadora. A criação, em 1975, da Comissão Pastoral da Terra-CPT93, ligada à
Igreja Católica (bem como a Teologia da Libertação, as Comunidades Eclesiais
de Base e também a Igreja Luterana) contribuiu de maneira decisiva para o
renascimento do movimento no campo. É nesse período que surge o MST, criado
formalmente em 1984.
91 A educação do campo não foi sequer mencionada nos textos constitucionais até 1891. 92 Os anos 1960 foram ricos em experiências de educação popular: o Movimento de Cultura
Popular, vinculado à prefeitura do Recife; os Centro Populares de Cultura, da União Nacional dos Estudantes; e o Movimento de Educação de Base, dentre outros (este último mais voltado à população camponesa), além de movimentos ligados à Igreja Católica. Ver Silva (2006).
93 Ver o sítio //www.cpt.org.br/, para esclarecimentos.
97
A partir de 1985 até o final dos anos 1990, assistiu-se a um crescimento
generalizado dos Movimentos organizados no campo: surgiram o Conselho
Nacional dos Seringueiros-CNS (1985), o Movimento dos Atingidos por
Barragens-MAB (1991), o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco
Babaçu-MIQCB (1991), o Movimento dos Pequenos Agricultores-MPA (1996), o
Movimento das Mulheres Camponesas-MMC94 e a Via Campesina (1993), entre
muitos outros (destacando-se os Movimentos Indígenas). Todos esses
movimentos não surgiram ao acaso, mas a partir de pressões objetivas da
situação sócio-econômica dos trabalhadores no campo, como resultado da
“modernização conservadora”:
A quase totalidade dos movimentos populares rurais atuais no Brasil surgiu como resistência a um processo econômico e político que provocou a rápida modernização da agricultura. Os problemas vividos pela maioria da população rural, em particular os trabalhadores assalariados, os camponeses e suas famílias, [...] não são devidos à ‘falta’ de desenvolvimento, mas, pelo contrário, ao ‘sucesso’ do modelo modernizador (GRZYBOWSKI, 1994, 290).
Destacamos o papel organizativo da Via Campesina, também surgida
nesse período (bem como da mundialização da questão agrária), na revalorização
do camponês e de sua cultura, bem como na ampliação do conceito de
campesinato, que passa a abarcar diferentes trabalhadores e povos do campo
(conforme vimos no capítulo anterior).
É nesse contexto que se constituiu, em fins da década de 1990, um
movimento nacional de Educação do Campo no Brasil, tendo por sujeitos as
organizações e movimentos sociais populares do campo e caracterizando-se ”[...]
como um movimento de cunho sócio-político e, ao mesmo tempo, de certa
renovação pedagógica” (MUNARIM, 2008, p. 2).
3.2.2. Educação do Campo X Educação Rural
Desde o início, o movimento nacional de Educação do Campo decidiu 94 Composto pela CPT, MST, MAB, MPA e Pastoral da Juventude Rural-PJR.
98
[...] utilizar a expressão campo, e não a mais usual meio rural, com o objetivo de incluir [...] uma reflexão sobre o sentido atual do trabalho camponês e das lutas sociais e culturais dos grupos que vivem hoje e tentam garantir a sobrevivência desse trabalho. Mas quando discutimos a educação do campo estamos tratando da educação que se volta ao conjunto dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo, sejam os camponeses, incluindo os quilombolas, sejam as nações indígenas, sejam os diversos tipos de assalariados vinculados à vida e ao trabalho no meio rural (FERNANDES; CERIOLI; CALDART, 1998, p. 9).
Essa mudança de nomenclatura, para “Educação do Campo” ao invés de
“Educação Rural”, é cheia de significados. A Educação Rural identifica-se
historicamente com as iniciativas do Estado em organizar a educação para os
trabalhadores do campo de acordo com os interesses do capital, caracterizando-
se pela marginalização dessa população e pelo caráter de política compensatória,
de abafar os conflitos resultantes da contradição de classe no meio rural.
A Educação do Campo se organiza então como denúncia dessa situação, a
partir de um processo de luta social, de reflexão coletiva e de práticas educativas
coladas às lutas dos Movimentos Sociais do campo, onde a educação é parte de
um projeto político e social maior: “Antes (ou junto) de uma concepção de
educação, ela é uma concepção de campo” (CALDART, 2005, p. 25), que não
pode ser aquela da agricultura capitalista expressa hoje no agronegócio (que
nada mais é senão o domínio da agricultura pelas empresas transnacionais e pelo
capital financeiro). “Não há escolas do campo num campo sem perspectivas, com
o povo sem horizontes e buscando sair dele” (CALDART, 2003, p. 64).
Por isso, a Educação do Campo, em todos os seus níveis e modalidades,
se vincula diretamente ao desenvolvimento do território camponês, pensado a
partir dos seus próprios sujeitos, encarados como protagonistas: é por isso do
campo e não para o povo do campo. “No: o povo tem direito a ser educado no
lugar onde vive. Do: o povo tem direito a uma educação pensada desde o seu
lugar e com a sua participação, vinculada à sua cultura e às suas necessidades
humanas e sociais” (CALDART, 2005, p. 27, grifos no original). Isso contrasta
frontalmente com a concepção tradicional que enxerga o campo como lugar do
atraso, e seus sujeitos como inferiores, incapazes ou “coitadinhos”. Esse
protagonismo caracterizou toda a trajetória do movimento nacional por uma
Educação do Campo, desde seu nascimento.
99
E é também uma proposta de educação no Campo, no sentido de que os
sujeitos do campo são sujeitos de direitos e têm direito a serem educados no
lugar onde vivem. Não é mais possível aceitar que se obriguem esses sujeitos a
saírem do campo para estudar95. Num outro sentido, historicamente se estuda
para sair do campo, porque o campo é identificado como local de poucas
oportunidades e de privação de direitos. Entretanto, é preciso reconhecer que o
campo não é “naturalmente” assim, mas que isso decorre de condicionantes
econômicos e políticos – de ações humanas, em última instância, e que, portanto,
podem ser modificadas. Não há nenhuma “inexorabilidade”.
Entretanto, a Educação do Campo não pode restringir as possibilidades de
seus sujeitos, destinando-os a permanecerem obrigatoriamente onde estão,
independentemente de sua vontade. É preciso superar
[...] a falsa antinomia entre preparar, principalmente a juventude, para ficar ou para sair do campo. A educação não deve ser pensada como definidora dessa questão, porque de fato não é. Ficar ou sair não é algo a ser julgado como bom ou ruim em si mesmo. É preciso que se eduque os trabalhadores do campo para que tenham condições de escolha; e para que ficando ou saindo possam ajudar na construção de um projeto social com mais dignidade e justiça para todos (ITERRA, 2007a, p. 13).
Não se trata de uma afirmação de localismos, mas da luta por uma
educação que respeite a identidade e a história de seus sujeitos, que considere a
existência, no campo, de uma realidade social, política, econômica, cultural e
organizativa complexa, onde a
[...] diversidade de coletivos humanos apresenta formas específicas de produção de saberes, conhecimentos, ciência, tecnologias, valores, culturas... A educação desses diferentes grupos tem especificidades que devem ser respeitadas e incorporadas nas políticas públicas e no projeto político-pedagógico da Educação do Campo, como por exemplo, a pedagogia da alternância (II CONFERÊNCIA NACIONAL POR UMA EDUCAÇÃO DO CAMPO, 2004, p.5-6, grifo nosso).
95 Do total de alunos residentes no campo e atendidos pelo transporte escolar público, apenas
33% são transportados para escolas rurais, sendo o restante transportado para as escolas urbanas (RAMOS; MOREIRA; SANTOS, 2004). Especificamente nos assentamentos de reforma agrária, de um total de 1.500 escolas existentes, em torno de 200 oferecem ensino fundamental completo, e pouco mais de 20 oferecem o ensino médio (MST, 2004b).
100
O regime de alternância é uma pré-condição da educação profissional do
campo, uma vez que esses cursos, por serem ainda em número bastante
reduzido, proporcionalmente à demanda, costumam reunir estudantes de
localidades, regiões e até mesmo estados diferentes. Para que essas pessoas
não sejam obrigadas a abandonar suas comunidades de origem, os cursos
precisam alternar períodos na escola - o Tempo-Escola, e períodos com
atividades orientadas96 nas comunidades – o Tempo-Comunidade. A alternância é
também fundamental para que os educandos não percam suas “raízes”, sua
inserção na vida e nos problemas das comunidades, bem como no movimento
social ao qual pertencem.
3.2.3. Constituição e trajetória da Educação do Campo
Lembremos, inicialmente, que a luta por uma Educação do Campo não se
deu isolada de outras lutas, ocorridas em nosso país na década de 1990.
Munarim (2008) contextualiza o nascimento da Educação do Campo também no
cenário das amplas lutas do “Movimento Docente” por educação pública, gratuita,
de qualidade e para todos, que culminou (para o bem e para o mal) em 1996 com
a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional-LDB (Lei
9.394/96). Estas lutas ajudaram a criar condições favoráveis para a renovação da
Educação Rural, que foi protagonizada, entretanto, pelos seus próprios sujeitos.
Como observamos anteriormente, a Educação do Campo foi gestada nas
lutas e nos trabalhos dos movimentos sociais populares do campo, em meados
da década de 1990. Pode-se considerar, como um marco histórico de sua
constituição, o I Encontro Nacional de Educadoras e Educadores da Reforma Agrária-ENERA, ocorrido em Brasília, em julho de 1997, com apoio do Fundo das
Nações Unidas para a Infância-UNICEF e da Universidade de Brasília-UnB. Em
seu documento final – o “Manifesto das Educadoras e Educadores da Reforma
96 Como pesquisas (de campo e bibliográficas), leituras, diagnósticos, relatórios, experimentações,
estágios, entre outros. Poderíamos, talvez, dizer que se trata de um tempo “semi-presencial”, em que as atividades do curso continuam sendo desenvolvidas pelos educandos, a partir de um plano organizado pelos educadores. Retornamos a esse assunto no próximo capítulo.
101
Agrária ao Povo Brasileiro”, encontramos os elementos centrais do que viria a ser
a Educação do Campo: Trabalhamos por uma identidade própria das escolas do meio rural, com um projeto político-pedagógico que fortaleça novas formas de desenvolvimento no campo, baseadas na justiça social, na cooperação agrícola, no respeito ao meio ambiente e na valorização da cultura camponesa (In: CALDART, 2003, p. 81).
Foi também no I ENERA que surgiu a idéia de uma conferência nacional:
de fato, a I Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo foi
realizada no ano seguinte, em julho de 1998, em Luziânia-GO, promovida pelo
MST em parceria com a UnB, o UNICEF, a Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil-CNBB e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura-UNESCO. A Conferência não foi um evento isolado, mas “[...] um
‘momento’ processual amplo de articulação política e elaboração de idéias”
(MUNARIM, 2008, p. 3), tendo sido precedida de intensos debates preparatórios,
nos seminários estaduais, resultando em diversos desdobramentos. Convém
lembrar que 1997 havia sido também o ano da Marcha Nacional do MST a
Brasília e da Conferência de Itaici, que deram origem ao Movimento Consulta
Popular e aos debates e articulações em torno de um Projeto Popular para o
Brasil.
Percebendo a necessidade de dar continuidade ao processo, as
organizações envolvidas constituíram a Articulação Nacional por uma Educação Básica do Campo, com sede em Brasília, que desenvolveu diversas
iniciativas: a publicação de uma coleção de cadernos sobre a Educação do
Campo, o acompanhamento no Congresso Nacional à tramitação do Plano
Nacional de Educação-PNE, o estímulo à realização de seminários estaduais e
regionais e a realização de seminários nacionais (MUNARIM, 2008).
Se as reivindicações inicialmente se restringiam à Educação Básica, aos
poucos, “[...] com a ação da Articulação Nacional, essa perspectiva vai mudar,
ampliando o horizonte para todos os níveis e modalidades de educação, escolar e
não-escolar” (MUNARIM, 2008, p. 4). Esta mudança se explicita mais claramente
a partir do Seminário Nacional por uma Educação do Campo, realizado em
Brasília, em novembro de 2002. Neste evento se ampliaramm também os
movimentos sociais participantes: MST, MAB, MPA, CPT, Movimento das
102
Mulheres Trabalhadoras Rurais-MMTR, Movimentos Indígenas, Conselho
Indigenista Missionário-CIMI, Comunidades Quilombolas, Pastoral da Juventude
Rural-PJR, Escolas-Família Agrícolas-EFAs, Movimento de Organização
Comunitária, Confederação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura-
CONTAG, entre outros, além de representantes de universidades e diversos
órgãos públicos (KOLLING; CERIOLI; CALDART, 2002).
Nesse período se constituíram Articulações Estaduais, que também
realizaram conferências e seminários (como por exemplo, a Articulação
Paranaense por uma Educação do Campo).
Em agosto de 2004, realizou-se a II Conferência Nacional por uma Educação do Campo, em Luziânia-GO, com o significativo lema “Por uma
Política Pública de Educação do Campo”. O texto-base que subsidiou as
discussões apresenta de forma clara os objetivos da Conferência:
O que esta Conferência pretende significar nessa história tensa e fecunda de construção da Educação do Campo? Esta Conferência pretende que todo esse processo seja reconhecido politicamente pelo Estado e pelos Governos. Que a Educação do Campo seja assumida como Política Pública de maneira mais explícita. Que as Secretarias que têm escolas no campo sejam apoiadas em seus esforços. Que os órgãos públicos responsáveis pela educação em nosso país se façam mais presentes reconhecendo a dívida social, cultural e educativa que tem para com os diversos sujeitos que trabalham e vivem no campo e na floresta (II CONFERÊNCIA NACIONAL POR UMA EDUCAÇÃO DO CAMPO, 2004, p. 4)
Nascida de práticas locais, comunitárias, a Educação do Campo foi se
conformando cada vez mais como uma luta por políticas públicas, como única
maneira de garantir a universalização da educação no campo: “[...] agimos para
provocar o Estado a agir; construímos e pressionamos políticas públicas para a
população do campo” (MST, 2004, p. 12).
Na tensa e complexa relação com o Estado, o movimento nacional da
Educação do Campo logrou, por meio de uma mobilização permanente,
importantes conquistas.
103
3.2.4. As conquistas da Educação do Campo na “letra da Lei”
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96), em seu
artigo 28, estabelece que: Na oferta da educação básica para a população rural, os sistemas de ensino proverão as adaptações necessárias à sua adequação, às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente: I - conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II - organização escolar própria, incluindo a adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; III - adequação à natureza do trabalho na zona rural (BRASIL, 1996).
É preciso considerar que esses incisos carregam uma ambigüidade que
reflete os interesses contraditórios existentes no campo. De um lado, essa
possibilidade de adaptação vem atender, com eficiência, à demanda das
empresas capitalistas agrícolas na exploração do trabalho infantil97. Entretanto,
mediante a luta dos movimentos sociais, esse reconhecimento da especificidade
da educação do campo na LDB abriu também a possibilidade de adequar a
legislação educacional para que as diversas experiências construídas fossem
reconhecidas e legalmente respaldadas.
Destacamos a seguir, a título ilustrativo, três importantes conquistas do
movimento nacional Por uma Educação do Campo, que se transformaram em
legislação específica.
3.2.4.1. Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária-PRONERA
O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária foi criado a partir
das discussões, havidas durante o I ENERA, em 1997, entre os movimentos
sociais e as universidades, tendo sido criado oficialmente em abril de 1998 pela
Portaria 10/98 do então existente Ministério Extraordinário de Política Fundiária.
“O PRONERA é o executor das práticas e das reflexões teóricas da Educação do 97 Ver, por exemplo, CECILIO, Maria Aparecida. Lavrar e brincar: o trabalho precoce e as
conseqüências para o desenvolvimento. Maringá: Massoni, 2004.
104
Campo (no âmbito do INCRA)” (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO
AGRÁRIO, 2004, p. 13), embora disponha de recursos limitados e tenha sido
ameaçado de extinção por diversas vezes.
Seu público-alvo são jovens e adultos das áreas de reforma agrária, da
alfabetização ao ensino superior. Para se ter uma idéia de sua abrangência, de
1998 a 2007, o PRONERA atingiu cerca de 500 mil trabalhadores e trabalhadoras
rurais assentados e acampados, seja em cursos de alfabetização, escolarização,
capacitação ou graduação, em parceria com instituições públicas de ensino,
federais e estaduais (SANTOS, 2008 , p. 97).
Na avaliação de Andrade e Di Pierro (2004, p. 80), “a expansão do
atendimento [...] tem sido limitada pela escassez e descontinuidade dos recursos
financeiros atribuídos pelo Governo Federal ao Programa, que não conquistou
ainda o status de política prioritária, permanente e continuada”. Essa tem sido
também a avaliação dos movimentos sociais, que participaram do III Seminário
Nacional do PRONERA, realizado em 2007 pelo Ministério do Desenvolvimento
Agrário-MDA. Mesmo reconhecendo inúmeros avanços proporcionados pelo
programa, uma das conclusões dos participantes do evento foi que ainda
permanece como desafio “Lutar pelo reconhecimento da Educação do Campo
como uma política de Estado permanente e não uma política de governo”.
(SANTOS, 2008, p. 104).
No item 3.3, nos dedicamos mais atentamente ao estudo da relação entre
a Educação do Campo e o Estado, retomando e ampliando a análise do
Programa.
3.2.4.2. Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo
Criadas por Resolução do Conselho Nacional de Educação, Câmara de
Educação Básica (Resolução CNE/CEB n°.01/2002), a partir do Parecer
CNE/CEB n°. 36/2001, as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas
Escolas do Campo destinam-se a adequar o projeto institucional das escolas do
campo às Diretrizes Curriculares Nacionais, nas diversas modalidades existentes
105
(Educação Básica e Profissional de Nível Técnico). Sua elaboração deu-se com a
efetiva participação das organizações e movimentos sociais que compunham
então a “Articulação Nacional”.
As Diretrizes estabelecem, por exemplo, que “as demandas dos
movimentos sociais poderão subsidiar os componentes estruturantes das políticas
educacionais” (Art. 9°, In: KOLLING; CERIOLI; CALDART, 2002, p. 58),
reconhecendo assim o protagonismo dos sujeitos do campo; o que também é
reforçado nos artigos seguintes, que incluem a comunidade local e os
movimentos sociais como partícipes da gestão democrática da escola (Art. 10° e
11°).
A efetiva implementação das Diretrizes Operacionais para a Educação
Básica nas Escolas do Campo está na dependência da luta organizada dos
movimentos, em cada estado. No Paraná, por exemplo, as Diretrizes Curriculares
da Educação do Campo foram lançadas em 2006, como parte integrante das
Diretrizes Curriculares da rede pública de Educação Básica do Estado do Paraná
(PARANÁ, 2006).
3.2.4.3. Percorrendo o itinerário do acampamento: a Escola Itinerante
Escola “Itinerante” é aquela que “[...] acompanha o itinerário do
acampamento98 até o momento em que as famílias acampadas chegam à
conquista da terra, ao assentamento” (MST, 2004b, p. 43). Ela foi criada a partir
da necessidade de garantir para as crianças dos acampamentos o direito à
escolarização.
A primeira experiência ocorreu no Rio Grande do Sul, onde a proposta
surgiu durante o II Congresso Infanto-Juvenil do MST, em 1995, “[...] que entre
98 Enquanto o assentamento é a terra legalmente destinada à Reforma Agrária,
através da desapropriação ou compra pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária-INCRA, o acampamento é ainda o processo de luta, de enfrentamento, em que os sem-terra ocupam, de maneira organizada, um latifúndio ou a beira de uma estrada, para chamar a atenção da sociedade e pressionar as autoridades a realizarem a Reforma Agrária.
106
outros temas estudou o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente. Este estudo
fomentou o debate que resultou na proposta de lutar para a legalização das
escolas dos acampamentos” (MST, 2004b, p. 41). Em 1996, o Conselho Estadual
de Educação do Rio Grande do Sul aprovou o Parecer n. 1313/96, com o nome
“Experiência Pedagógica – Escola Itinerante”, inicialmente por um período de dois
anos. O êxito dessa experiência possibilitou a aprovação da Escola Itinerante
também nos estados de Santa Catarina, Goiás, Alagoas, Piauí, Pernambuco, e
Paraná (MST REALIZA..., 2008).
Trata-se de uma escola pública, que pode oferecer desde a educação
infantil até o ensino médio e profissionalizante, incluindo também a Educação de
Jovens e Adultos. A Escola Itinerante funciona no acampamento, muitas vezes
com uma estrutura improvisada. É apoiada por uma Escola-Base (normalmente a
escola de um assentamento), que é responsável por acompanhar e dar suporte
legal à vida escolar dos alunos; incluir os professores no seu corpo administrativo-
financeiro; e administrar a verba em benefício da Escola Itinerante. Uma Escola-
Base pode apoiar diversas Escolas Itinerantes geograficamente próximas.
Cabe ressaltar ainda que as Escolas Itinerantes têm um projeto político-
pedagógico diferenciado, baseado nos “Princípios da Educação no MST” (MST,
2008a), dentre os quais destacamos: educação para a transformação social;
conteúdos formativos socialmente úteis; educação para o trabalho e pelo trabalho;
educação para o trabalho e a cooperação; vínculo orgânico entre processos
educativos e processos políticos, econômicos e culturais; gestão democrática;
auto-organização dos educandos; formação permanente dos educadores/as.
Como se pode depreender do acima exposto, trata-se de uma escola
bastante particular. Mas, como bem disse Miguel Arroyo (In: MST, 2008a, p. 71):
“O que nos deve preocupar, e o que nos deve espantar não é a Escola Itinerante.
O que nos deve espantar, é que haja coletivos, imensos coletivos, que tenham
que ser itinerantes porque lhes negaram o direito à terra”. É talvez na Escola
Itinerante que a radicalidade da Educação do Campo se materializa com mais
força, pela estreita vinculação ao movimento social.
Essas foram as conquistas da Educação do Campo na legislação brasileira
que consideramos mais importantes. Seu estudo suscita a seguinte questão:
107
como se dá a relação entre o Movimento Social e o Estado, na disputa pela
formulação de políticas públicas para a educação? É o que buscamos investigar
no próximo item.
3.3. EDUCAÇÃO DO CAMPO E FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PUBLICAS99
Como vimos no item anterior, no final da década de 1990, com a
constituição de um movimento nacional por uma Educação do Campo, assistimos
no Brasil à emergência de novos sujeitos sociais na disputa pela formulação de
políticas públicas: os Movimentos Sociais Populares do Campo, destacando-se
entre eles o MST. Houve avanços e desafios da relação entre Movimento Social e
Estado100, na luta pela formulação de políticas públicas para a educação,
especialmente no âmbito do Programa Nacional de Educação na Reforma
Agrária-PRONERA. Isso ocorreu no contexto da reforma da educação,
implementada no Brasil como parte da reforma do aparelho do Estado, durante a
década de 1990. A partir dessa abordagem, que não tem sido a mais usual,
intencionamos delimitar conceitos que se prestam a interpretações ambíguas.
Nossas fontes são as publicações recentes da Articulação Nacional Por uma
Educação do Campo (2007), documentos oficiais e pesquisas recentes sobre a
realidade da educação no campo e nos assentamentos de reforma agrária101.
99 A existência ou não de políticas públicas para a educação brasileira é um tema controverso. No
Grupo de Estudos e Pesquisa em Políticas Públicas e Gestão Educacional-GEPPGE, da UEM, a compreensão é de que as políticas existentes para a educação, no Brasil, não passam de políticas sociais (ver também Saviani, 2007). Feita essa consideração, optamos por manter a denominação de políticas públicas, uma vez que essa é a denominação encontrada em todos os documentos da Educação do Campo consultados. Procuramos explicitar a Educação do Campo como um processo envolvendo a luta e a disputa permanentes pela formulação e implementação de políticas públicas para a educação, o que, em nossa maneira de pensar, envolve a compreensão de que ainda não são, efetivamente, políticas públicas.
100É bom ter presente que o Estado em questão é o Estado burguês, o que não quer dizer tratá-lo como um simples reflexo da dominância de relações de produção capitalistas. Na conceituação elaborada por Saes (1998, p. 22), o Estado burguês é um tipo particular de Estado, que ”[...] corresponde a um tipo particular de relações de produção – capitalistas – na medida em que só uma estrutura jurídico-política específica torna possível a reprodução das relações de produção capitalistas” (grifos no original).
101 Sobre a concepção de Reforma Agrária do MST, tratamos no primeiro capítulo, no item 2.4.4.1.
108
Inicialmente, tratamos da relação entre direitos, políticas públicas e uma
determinada concepção de democracia, explicitando as contradições dessa
relação no campo brasileiro, especialmente com a constituição da Educação do
Campo. Num segundo momento, abordamos a ressignificação do conceito de
sociedade civil organizada no contexto das transformações recentes ocorridas no
modo de produção capitalista, buscando situar o MST e o movimento de
Educação do Campo em relação às formas de participação política estimuladas
pelo projeto neoliberal. Em seguida, buscamos situar o trabalho educativo do MST
no controvertido debate acerca da educação pública não-estatal. Finalmente,
discutimos o protagonismo dos sujeitos do campo na Educação do Campo,
apontando limites e contradições, especialmente no âmbito do PRONERA.
3.3.1. Direitos e políticas públicas
Fazendo uma retrospectiva histórica da tradição democrática como
instituição de direitos fundamentais, Chauí (2006) explica que a mera declaração
de um direito não o institui concretamente, mas abre campo à criação desse
direito pela práxis humana. Ser cidadão é ser sujeito de direitos, inclusive de lutar
para exigir direitos. A noção de direitos está, portanto, intimamente ligada às lutas
sociais; não havendo condições materiais para sua efetivação, “direitos” não
passam de mera formalidade jurídica e, nesse caso, a democracia é apenas
formal.
Coutinho (2002, p. 17), partindo de Lukács, chama a atenção para o
entendimento da democracia como um processo, e não como um estado.
Processo “[...] que se expressa, essencialmente, numa crescente socialização da
participação política”. A concentração de um grande número de trabalhadores nas
fábricas, sob as mesmas condições de trabalho, desde a revolução industrial até
o fordismo, contraditoriamente favoreceu a organização da classe trabalhadora,
permitindo a tomada de consciência dos interesses de classe, mesmo que restrita
a níveis econômicos-corporativos. A organização e a luta dos trabalhadores
progressivamente impôs, aos regimes liberais (originariamente anti-
109
democráticos), a incorporação de determinados direitos políticos e sociais, num
processo tenso e contraditório: “Mas esse processo de crescente democratização,
de socialização da política, choca-se com a apropriação privada dos mecanismos
de poder” (COUTINHO, 2002, p. 17).
A efetivação dos direitos, nos regimes liberal-democráticos, dá-se por meio
das políticas públicas. As políticas públicas representam a materialidade da
intervenção do Estado, ou o “Estado em ação”102. Gostaríamos de chamar a
atenção de que a relação entre políticas públicas e direitos é também
contraditória. As políticas de crédito e de assistência técnica para o campo, por
exemplo, constituíram-se historicamente como mecanismos que levaram (e ainda
levam) os camponeses à perda do direito à terra. De outro lado, os direitos de
populações marginalizadas são reconhecidos apenas de maneira limitada (ainda
que subliminarmente), levando à injustificada ausência de políticas públicas.
Nesse sentido, Arroyo (2006) destaca que a infância no campo é efetivamente
reconhecida como tempo de direitos apenas entre os sete e dez anos,
aproximadamente. Por isso não há esforços para a implementação da educação
infantil no campo, e a educação é extremamente precária além da 4ª. série do
ensino fundamental, devido à inserção precoce das crianças e adolescentes do
campo no mundo do trabalho. Andrade e Di Pierro (2004, p. 21) sintetizam a base
material dessa limitação: As múltiplas barreiras de acesso da população do campo à educação escolar de qualidade só podem ser interpretadas como parte do quadro mais amplo de exclusão social associado à extrema concentração da propriedade fundiária, legadas por uma história de séculos de escravidão, ocupação de territórios indígenas e predomínio de uma economia agrícola comandada pela monocultura de exportação organizada no latifúndio. A persistência dessa situação ao longo do tempo e a naturalidade com que a sociedade e as instituições públicas encaram-na sustentam-se no imaginário coletivo que concebe o campo como espaço prosaico do atraso, desprovido de perspectivas de futuro, cujo destino inexorável é ceder lugar à modernidade associada à vida urbana. Essa concepção estigmatiza os habitantes das zonas rurais como matutos, cujo destino miserável prescindiria de uma formação de qualidade, legitimando a violação dos direitos de
102Utiliza-se aqui a conceituação proposta pela profa. Dra. Amélia Kimiko Noma, na disciplina
“Políticas Educacionais Públicas no Brasil”, do Programa de pós-graduação em Educação da UEM, no segundo semestre de 2008.
110
cidadania materializada na ausência de políticas e serviços públicos ou em sua oferta insuficiente e inadequada.
Os atuais movimentos sociais do campo, surgidos a partir do final da
década de 1970103, insurgem-se contra esta situação de privação de direitos no
campo e constituem-se, no final dos anos 1990, em renovados espaços de
construção da consciência do direito a ter direitos, passando a disputar na
sociedade a elaboração de políticas públicas, especialmente para a educação.
Entretanto, como esclarece Chauí (2006, p. 404), “um direito, ao contrário de
necessidades, carências ou interesses, não é particular e específico, mas geral e
universal, válido para todos os indivíduos, grupos e classes sociais”. A Educação
do Campo é então um processo complexo e contraditório em que especificidade
(o Campo) e universalidade (direitos e políticas públicas) se enfrentam e se
articulam.
Na visão de Munarim (2006, p. 17), os movimentos sociais do campo [...] vivem uma espécie de dilema. Isto é, buscar o patamar da política pública, que quer dizer universal, é definido como estratégia básica, maior e mais nobre de suas ações. De outro lado, porém, isso implica para cada um desses sujeitos sociais, renunciar, pelo menos em parte, as condições de formação de sua identidade na medida que transfere ao Estado a tarefa de formação. É compreensível, pois, que nas lutas de hegemonia entre os próprios sujeitos sociais e nas relações com o Estado, eles reivindiquem a ação do Estado educador, mas procurem, ao mesmo tempo e a partir de suas próprias experiências pedagógicas, informar e mesmo influir diretamente nessas ações que se dão dentro do sistema público (grifo nosso).
Em nosso entendimento, é preciso, entretanto, tratar essas contradições
em outros termos, conforme pretendemos demonstrar, na seqüência.
3.3.2. O MST no contexto da “sociedade civil organizada”
103Com exceção da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura-CONTAG, fundada
em 1963, um ano antes do golpe militar, portanto.
111
A crise estrutural de acumulação capitalista e a mundialização do capital,
com a emergência de um modo de acumulação predominantemente financeiro,
nas décadas finais do século XX, passam a requerer a elaboração [...] de um novo homem coletivo, conforme aos novos requerimentos da reprodução das relações socais vigentes. Por outro lado, o desemprego estrutural, a precarização das relações de trabalho e das condições de vida de um contingente cada vez maior de trabalhadores levam o capital a redefinir suas estratégias de busca do consenso da maioria das populações no limiar do século XXI (NEVES, 2005, p. 32).
Com a ascensão dos governos neoliberais, a partir da década de 1980, o
Estado de bem-estar social (ainda que incompleto ou restrito na maioria dos
países periféricos) passa por um processo de reestruturação para implementar o
que a autora chama de a “nova pedagogia da hegemonia”104. Buscando obter
consenso em torno do atual projeto societário, por meio de mecanismos de
conciliação entre as classes, o Estado neoliberal torna-se o coordenador das
iniciativas privadas da sociedade civil, reduzindo sua atuação nas políticas
públicas. A sociedade civil é apresentada como um “[...] espaço sem
antagonismos, ‘despolitizado’ [...], abstraído das lutas entre projetos de sociedade
distintos” (MELO; FALEIROS; 2005, p. 183), uma terceira esfera virtuosa, entre o
Estado e o mercado: o “Terceiro Setor”105. A partir dessa ressignificação do termo
“sociedade civil”, opera-se uma “repolitização da política” (NEVES, 2005): ao
mesmo tempo em que se estimula a participação em movimentos caracterizados
pela busca de soluções individuais, promove-se a desmobilização dos sujeitos
políticos coletivos representantes da classe trabalhadora. A base material que
sustentou essas transformações foi e é a reestruturação produtiva, com as
transformações introduzidas no mundo do trabalho, pulverizando-o, fragmentando
e dispersando os trabalhadores, tornando “[...] bem mais plural e complexo o
modo de ser do trabalho assalariado” (COUTINHO, 2002, p. 37). 104Conceito inspirado no pensador italiano Antônio Gramsci. O Estado moderno “[...] redefine suas
práticas, tornando-se educador. Ao Estado capitalista impõe-se a complexa tarefa de formar um certo ‘homem coletivo’, ou seja, conformar técnica e eticamente as massas populares à sociabilidade burguesa. [...] Na condição de educador, o Estado capitalista desenvolveu e desenvolve uma pedagogia da hegemonia, com ações concretas na aparelhagem estatal e na sociedade civil” (NEVES, 2005, p. 26-27, grifo da autora).
105Trata-se de uma denominação vaga e mesmo confusa, não havendo consenso entre os autores sobre as entidades que o constituem e que pode variar inclusive de acordo com a história e o contexto político de cada país (ROMERO, 2006).
112
Nesse contexto de fragmentação das lutas da classe trabalhadora, a
Educação do Campo enfrenta um desafio permanente. Ela afirma uma
especificidade, que não pode resvalar para um reducionismo: a necessidade de
apropriação da escola pela classe trabalhadora do campo, cuja existência foi
desconsiderada tanto na definição das políticas públicas quanto no debate de
educação e de nação que historicamente vem sendo travado. Trata-se de uma
luta coletiva para superar a histórica marginalização e precarização das escolas
rurais106, por uma educação que respeite a identidade e a história de seus
sujeitos, que considere a existência, no campo, de uma realidade social, política,
econômica, cultural e organizativa complexa. Além disso, como destaca Caldart
(2008, p. 74-75), o campo não é qualquer particularidade, nem uma particularidade menor. Ela diz respeito a uma boa parte da população do país107; se refere a processos produtivos que são a base de sustentação da vida humana, em qualquer país. Não é possível pensar um projeto de país, de nação, sem pensar um projeto de campo, um lugar social para seus sujeitos concretos, para seus processos produtivos, de trabalho, de cultura, de educação. [...] a antinomia estabelecida, a visão hierárquica entre campo e cidade foi produzida historicamente e sua superação faz parte de uma nova ordem social (grifo nosso).
Enquanto se mantiver vinculada a um projeto de campo – uma dimensão
específica do Projeto Popular, a Educação do Campo pode ser, em nosso
entendimento, um elemento aglutinador para os diversos movimentos em que os
trabalhadores do campo estão atualmente organizados, além de contribuir para
recolocar na agenda desses sujeitos a construção de outro projeto societário.
Para o MST, por exemplo, a centralidade do Projeto Popular de Desenvolvimento do Campo “[...] está no trabalho (todos devem trabalhar), na
106Em 2007, a escolaridade média da população do campo com 15 anos ou mais era pouco
superior à metade da estimada para a população urbana – 4,5 anos, contra 7,3 anos, respectivamente (SILVA; ALCÂNTARA, 2009). E, enquanto 29,8% da população adulta (acima de 15 anos) da zona rural é analfabeta, na zona urbana essa taxa é de 10,3%, sem levar em conta o analfabetismo funcional (RAMOS; MOREIRA; SANTOS, 2004).
107Atualmente, 16,7% dos brasileiros vivem no campo (DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS, 2008), porcentagem que pode ser muito maior, considerando o questionável critério, oficialmente adotado, de que qualquer sede de município, independentemente de número de habitantes e das condições de infra-estrutura e serviços ofertados, é uma cidade e sua população, portanto, urbana (VEIGA, 2004).
113
apropriação dos meios de produção pelos próprios trabalhadores e na terra como
meio de produzir vida e identidade (e não como negócio)” (ITERRA, 2007a, p. 12).
Neves (2005, p. 92) identifica como “novos movimentos sociais” “[...]
aqueles que se articulam em torno de interesses não diretamente relacionados às
relações de trabalho”. Para Vendramini (2003), o MST não pode ser considerado
como um “novo movimento social”, uma vez que, mesmo incorporando temáticas
atuais (a questão ecológica e a questão de gênero, entre outros), caracteriza-se
pela estruturação nacional, a mobilização permanente, o embasamento teórico de
suas ações e a articulação internacional (na Via Campesina). Pensamos, como a
autora, que esse movimento pode ser considerado como uma ação de classe.
Seria difícil, aliás, separar a luta pela terra, por meio das ocupações, das relações
de trabalho e de propriedade.
Como vimos, a nova pedagogia da hegemonia vem buscando explorar o
“respeito à diversidade” no sentido da dispersão social, da fragmentação das lutas
da classe trabalhadora, valorizando demandas e espaços comunitários. O desafio
é construir um pluralismo desde outras bases políticas e teóricas (CALDART,
2008), ou como sugere Coutinho (2002, p. 38), “[...] talvez não se trate mais de
construir ‘o’ sujeito revolucionário, mas de construir uma intersubjetividade
revolucionária, ou seja, um conjunto de sujeitos que são plurais e diferentes, mas
que convergem e se unificam na luta contra o capital”.
3.3.3. Educação do Campo: o desafio das políticas públicas
A Educação do Campo, de modo geral, ainda enfrenta o desafio de
tornar-se política pública: “Lutar pelo reconhecimento da Educação do Campo
como uma política de Estado permanente e não uma política de governo”.
(SANTOS, 2008, p. 104), foi uma necessidade apontada no III Seminário Nacional
do PRONERA, realizado em 2007 pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário,
com a participação dos Movimentos Sociais.
O trabalho de educação escolar/formal desenvolvido pelo MST pode ser dividido, para os fins deste estudo, em dois grupos: (a) as escolas dos
114
assentamentos que integram a rede pública de ensino108, e sobre as quais a
proposta de educação do MST tem uma influência relativa, que está na
dependência da capacidade de organização da comunidade local; (b) as Escolas Itinerantes e os cursos de educação profissional, que são espaços de maior
autonomia pedagógica (MST, 2008c), onde se implementam os princípios da
educação do MST109. A Escola Itinerante é uma forma específica de escola
pública existente nos acampamentos, em alguns estados. Os cursos de educação
profissional (níveis técnico, graduação e especialização) são realizados em
parceria com instituições públicas de ensino, às vezes em espaços do próprio
Movimento (escolas ou centros de formação), apoiados (ainda que de forma
insuficiente) por programas governamentais, como o PRONERA, e por iniciativas
comunitárias, não sendo objeto de nenhuma política pública.
Essa ação educativa do MST, como muitas ações da Educação do
Campo, pode ser caracterizada como sendo pública não-estatal, conceito
bastante controverso no contexto atual. Conforme explica Sanfelice (2005, p. 91),
é preciso considerar que “o Estado ou o que é estatal não é público ou do
interesse público, mas tende ao favorecimento do interesse privado ou aos
interesses do próprio Estado, com a sua autonomia relativa”. O autor indica que
há avanços mas também limites na educação estatal em uma sociedade de
classes, não se devendo confundir a defesa do papel do Estado capitalista no
provimento à educação com a educação pública, como adverte Marx, na “Crítica
do Programa de Gotha”: Uma coisa é determinar, por meio de uma lei geral, os recursos para as escolas públicas, as condições de capacitação do pessoal docente, as matérias de ensino, etc. e velar pelo cumprimento destas prescrições legais mediante inspetores de Estado, [...] e outra coisa completamente diferente é designar o Estado como educador do povo! [...] pelo contrário, é o Estado que necessita de receber do povo uma educação muito severa (MARX; ENGELS, 1983, p. 91-92).
108Como apontamos anteriormente, existem atualmente cerca de 1.500 escolas nos
assentamentos de reforma agrária, 200 das quais oferecem ensino fundamental completo, e pouco mais de 20 oferecem o ensino médio (MST, 2004b).
109Os princípios da educação no MST englobam um conjunto de princípios filosóficos e outro de princípios pedagógicos. Ver nota no item 3.1.3; ver também MST (1997b).
115
Público precisa ser entendido como aquilo que é de interesse público,
comum, que pertence a todos, e que é limitado na sociedade de classes, uma vez
que assegurar uma igualdade de fato (para estabelecer o “bem comum”)
implicaria na apropriação coletiva daquilo que é produzido socialmente. Uma
educação realmente pública, em sentido pleno, só pode ser alcançada numa
sociedade futura, que supere o capitalismo.
Contudo, não se pode confundir o trabalho educativo do MST com o
processo de publicização presente na reforma do Estado brasileiro, em que se
cria nas Organizações Sociais a figura jurídica “público de direito privado”,
onde “privado” remete justamente a “propriedade privada”, tratando-se de uma
forma disfarçada de privatização dos serviços públicos. A política neoliberal
operou um redesenho entre o público e o privado, impondo a lógica de mercado
na gestão pública, buscando transformar os direitos sociais (entre eles a
educação) em mercadorias e desresponsabilizando o Estado de seu provimento.
De acordo com Neves (2005, p. 97), a “nova” sociedade civil organizada,
no discurso neoliberal, “[...] é concebida como uma esfera pública não-estatal de
cidadania, como espaço de interação social que, também homogeneamente,
aglutina esforços na direção do bem comum, do interesse público”. Ainda que o
discurso acerca do “bem comum” não passe de homenagem do vício à virtude,
emprestando uma expressão de La Rochefoucauld (COUTINHO, 2002). Para
Romero (2006), [...] há que se considerar que o exercício da ‘compensação’ das políticas sociais pelas organizações da sociedade civil significa o ponto crucial de descaracterização dessas políticas enquanto direito universal, colocando em seu lugar a setorialização do seu provimento. Assim, num contexto em que a universalização cede lugar à focalização e à descentralização, o que ocorre é a multifragmentação desses serviços.
Apesar da justeza dessas afirmações, é preciso considerar, entretanto,
que o trabalho educativo do MST não é direcionado pelo Estado, não por apelar
ao jogo do mercado, nem por configurar-se em assistencialismo, mas ao
contrário, por reivindicar o controle direto dos trabalhadores sobre a educação a
que têm direito e que lhes interessa e que o Estado tem obrigação de prover. É
preciso compreender a proposta de educação do MST como parte integrante de
116
uma luta anti-capitalista mais ampla; trata-se de uma luta pela ampliação dos
direitos econômicos, sociais, políticos e culturais.
Além disso, se se coloca a necessidade de buscar todas as alternativas
possíveis para garantir o acesso das populações do campo a todos os níveis de
educação, incluindo-se os programas governamentais e as iniciativas
comunitárias, há também a compreensão de que essas demandas só serão
plenamente atendidas por meio de um sistema público de escolas do campo:
“Estas iniciativas têm permitido um avanço de práticas e de elaboração
pedagógica, mas não garantem o atendimento massivo das demandas existentes
e dos desafios de implementação de um novo projeto de campo” (ITERRA,
2007a, p. 8). Nos vários eventos organizados e documentos publicados pelo MST
sobre a educação, tem sido reafirmado o compromisso com a luta por uma escola
pública, gratuita e de qualidade para os trabalhadores. Nesse sentido, a partir da
década de 1990, o MST tem intensificado sua participação nos principais fóruns,
redes e campanhas em defesa do direito à educação, como o Fórum Mundial de
Educação, o Fórum em Defesa da Escola Pública e a Campanha Nacional pelo
Direito à Educação (STUBRIN, 2008).
A partir dessas considerações, parece-nos importante a conclusão de
Stubrin (2008, p. 40), num estudo sobre o trabalho educativo do MST, ao apontar
que “esta experiencia de educación alternativa impulsada por un movimiento
proveniente del campo popular se articula al interior del sistema de educación
estatal, reivindicando y consolidando el carácter público de la escuela”110. As
ações do MST contribuem para fortalecer o caráter público da escola, no sentido
de sintonizá-la com as necessidades dos trabalhadores e com seu projeto
histórico: a superação da sociedade de classes.
3.3.4. O protagonismo dos Movimentos Sociais do Campo
110“Essa experiência de educação alternativa impulsionada por um movimento proveniente do
campo popular se articula no interior do sistema de educação estatal, reivindicando e consolidando o caráter público da escola” (tradução livre).
117
A Educação do Campo significou, pela primeira vez na história do Brasil, a
mobilização dos camponeses na disputa pelo protagonismo na construção de
políticas públicas. Historicamente, a educação rural consistiu nas iniciativas do
Estado em organizar a educação para os trabalhadores do campo, de acordo
com os interesses do capital, caracterizando-se pela marginalização dessa
população e pelo caráter de política compensatória, de abafar os conflitos
resultantes da contradição de classe no meio rural.
Para o MST, o protagonismo dos sujeitos do campo na educação vai muito
além. Entre os seus princípios pedagógicos, aparece, com destaque, a gestão
democrática. Democracia entendida no sentido proposto por Coutinho (2002), de
crescente socialização da participação política: Considerar a democracia um princípio pedagógico significa dizer que, segundo nossa proposta de educação, não basta os educandos discutirem ou estudarem sobre ela; precisam também, e principalmente, vivenciar um espaço de participação democrática, educando-se pela e para a democracia social (MST, 1997b, p. 20).
Educandos, educadores e comunidade são convocados a participar, de
forma devidamente organizada, da gestão de todo o processo educativo. Isso não
pode ser confundido com a reconfiguração da gestão educacional advinda da
reforma do Estado, ocorrida na década de 1990. Krawczyk e Vieira (2008)
explicam que a descentralização da gestão do sistema educacional foi uma das
diretrizes da reforma na América Latina. Com base em estratégias de participação
e de co-responsabilização derivadas do modelo de Gestão e Qualidade Total, a
descentralização da gestão significou um aumento das responsabilidades das
instituições escolares e das famílias no provimento de recursos financeiros,
materiais e humanos, bem como na resolução de problemas, minimizando a
responsabilidade do Estado sem, entretanto, configurar uma transferência efetiva
de poder. Inversamente, o processo de descentralização da gestão deu-se “[...]
paralelamente a um processo de centralização do poder de decisão e de controle
nos governos nacionais” (KRAWCZYK; VIEIRA, p. 131, 2008).
O trabalho educativo do MST desenvolve-se em sentido oposto, propondo
uma educação sob controle dos trabalhadores, com financiamento do Estado, que
evidentemente também esbarra em limites e contradições, evidenciados em dois
118
casos emblemáticos: o PRONERA e a Escola Itinerante, cuja continuidade se
encontra atualmente ameaçada – justamente as ações de maior autonomia
pedagógica do MST, onde mais se expressa sua concepção de escola. Os limites
dessa investigação não nos permitem tratar do cerceamento que vem sofrendo a
Escola Itinerante.
Um olhar atento para as ações educativas do MST leva a perceber que os
cursos de educação profissional multiplicaram-se rapidamente depois que o
PRONERA, que começou na alfabetização de jovens e adultos, passou a incluir a
formação profissional de nível médio e superior entre as suas ações. Esse fato
permitiu o acesso à formação profissional escolar para um número significativo de
jovens que fazem parte de uma população historicamente excluída. Mesmo
assim, a insuficiência de recursos é evidente: “Embora o MST tenha conseguido
em alguns momentos convocar o Estado no cumprimento de seu papel, no que se
refere à oferta de oportunidades educacionais [na verdade, ao atendimento de
direitos], muitas vezes isso se dá de forma parcial” (VENDRAMINI; MOHR, 2008,
p. 118). No caso do PRONERA, o programa se destina a atender demandas
pontuais e temporárias, desconsiderando a precariedade material das escolas
rurais e forçando à busca de recursos complementares na parceria com
Organizações Não-Governamentais, bem como no envolvimento da comunidade,
numa clara demonstração da força do projeto hegemônico.
Além disso, vem se multiplicando as ações civis e públicas contra o
PRONERA, (MOLINA, 2008). Questiona-se sua constitucionalidade, em nome de
uma suposta “criação de privilégios” (sic). Finalmente, uma clara operação de
desmonte do PRONERA começou a ser implementada no final de 2008, visando,
evidentemente, retirar o programa de toda e qualquer influência da proposta
pedagógica dos movimentos sociais, em especial do MST111, pretendendo
redirecionar a educação à esfera do mercado. A fala de Cordeiro (2009) é
emblemática, porque utiliza termos da agenda neoliberal: Este fato descaracteriza profundamente o Programa, naquilo que ele tem de específico e único, a parceria, que envolve o trabalho
111A Folha de São Paulo de 04/05/2009 assim se manifestou, em seu editorial, sobre o PRONERA:
“[...] peca pelo enviesamento ideológico. Entre outros absurdos, ele prevê que técnicos do Incra e representantes de movimentos sociais possam interferir na supervisão pedagógica dos cursos ‘especiais’ ou ‘exclusivos’”.
119
conjunto e a construção coletiva entre governo e sociedade civil. Executar cursos via licitação e contrato é negar toda a proposta pedagógica que vem sendo desenvolvida pelas instituições de ensino (grifo nosso).
Nessa ação, ficam evidentes os limites do discurso “democrático” e
“participativo” do Estado neoliberal: de fato, “[...] o tipo de participação
empreendido orienta-se pelos critérios da negociação e da parceria, e o propalado
‘protagonismo’ social definitivamente não deve exceder os limites determinados
por um modelo de democracia associado à lógica do mercado” (ROMERO, 2006,
p. 135). Se, na busca da legitimação e da obtenção do consenso ao projeto de
sociabilidade neoliberal, não é possível abrir mão da idéia de participação política,
como afirma Neves (2005), esta deve ser mantida nos estritos limites de um pacto
social, com caráter mais consultivo do que efetivamente deliberativo. Limites que
os movimentos sociais se recusam a aceitar112.
3.4. A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO MST E SUAS CONTRIBUIÇÕES A UMA
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DO CAMPO
Ao investigarmos a relação entre o Movimento Social e o Estado, na
disputa pela formulação de políticas públicas para a Educação, no item anterior,
(questão fundamental dentro da temática da Educação do Campo), principiamos a
abordar, ainda que indiretamente, a Educação Profissional do Campo, quando
lançamos mão de exemplos de ações desenvolvidas pelo MST. Cabe, agora, uma
investigação mais detalhada dessa temática, por meio da qual nos acercamos
mais de nosso objeto de estudo, qual seja, o movimento de constituição do
método Diálogo de Saberes, que se desenvolve justamente em cursos de
educação profissional do MST (e da Via Campesina) do Paraná.
Buscamos inicialmente compreender como surgiu a educação profissional
no MST: Quais suas principais características? Em que aspectos principais ela se
diferencia da educação profissional implementada pelos governos brasileiros? A
112Veja-se, por exemplo, a Jornada Nacional de Lutas “Em defesa da educação pública e do
PRONERA”, promovida pelo MST, com protestos em 16 estados, no início de junho de 2009.
120
partir daí, buscamos identificar, ainda que inicialmente, as potencialidades e
desafios à constituição de uma educação profissional do campo.
Nossas fontes foram documentos recentes do próprio MST, em especial
o documento com a sistematização das discussões havidas no “Seminário sobre
Educação Profissional para as áreas de Reforma Agrária da Região Sul”, que
ocorreu em maio de 2007, promovido pelo Instituto Técnico de Capacitação e
Pesquisa da Reforma Agrária-ITERRA; e também o caderno mais recente da
Articulação Nacional por uma Educação do Campo (2008), dentre outros.
O termo Educação Profissional foi introduzido pela Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (Lei n° 9394/96), em seu capítulo III, artigo 39
(BRASIL, 1996, p. 14). O termo passou a substituir as expressões anteriormente
usadas: ensino profissional, formação profissional ou técnico-profissional,
educação industrial ou técnico-industrial, qualificação, requalificação e
capacitação (BRASIL, 2004b). Sua oferta tem “[...] como referência a educação
regular - ensino fundamental, médio e superior - ou, de forma mais livre e
circunstancialmente necessária, sem qualquer condicionamento em relação à
escolaridade” (BRASIL, 1998b, p. 2), estando estruturada da seguinte forma: a)
formação inicial e continuada de trabalhadores; b) educação profissional técnica
de nível médio; e c) educação profissional tecnológica de graduação e de pós-
graduação.
3.4.1. A Educação Profissional no Brasil, nas décadas de 1990-2000
De acordo com Neves (2000), “ensino técnico” é como se convencionou
denominar no Brasil, de maneira simplificada, a educação tecnológica,
empreendida majoritariamente na rede pública de ensino, em nível médio e
superior, até 1997. O Decreto n. 2.208/97, que veio regulamentar a educação
profissional, como exigia a LDB aprovada em 1996, extinguiu o ensino técnico de
nível médio, mas estabeleceu uma nova dualidade: um tipo de ensino médio e de
preparação para o trabalho (contando com uma parte diversificada no currículo,
de natureza profissionalizante), e outro tipo de ensino médio, em preparação ao
121
ingresso no ensino superior (cuja parte diversificada consistia em disciplinas de
aprofundamento, de caráter geral). Assim, embora formalmente, o acesso ao
ensino superior fosse garantido a todos, na prática, se estabelecia uma
terminalidade precoce do percurso educacional para os trabalhadores. Face à
pressão pela ampliação do ensino superior, o Ministério da Educação-MEC
estabeleceu a quebra na equivalência entre a educação profissional e o ensino
médio, que havia sido alcançada com a LDB de 1961 (OLIVEIRA, 2007).
O Decreto n. 2.208/97 atendia a um acordo realizado entre o MEC e o
Banco Mundial, que recomendava que a educação profissional fosse ministrada
após o término do ensino secundário, fora do sistema formal de educação, por
necessitar de um “modelo mais flexível”, que só poderia ser oferecido por
instituições com maior “autonomia”. Além disso, o Banco Mundial se opunha à
formação massiva de trabalhadores, bem como a cursos de longa duração (a não
ser para atividades que exigissem maior grau de cientificidade, ou em áreas
geográficas muito específicas). Todas as recomendações visavam retirar essa
modalidade de educação do raio de ação dos ministérios da educação, para um
atrelamento mais direto às necessidades do mercado/das empresas, bem como
criar as condições para sua privatização113 (OLIVEIRA, 2001; KUENZER, 2006)
O governo Lula revogou esse decreto em 2004, por meio do Decreto n.
5.154/04, restabelecendo a possibilidade de integração curricular dos ensinos
médio e técnico, prevista no artigo 36 da LDB-EN (Lei n. 9394/96). Entretanto, o
Parecer n. 39/2004, do Conselho Nacional de Educação, que deveria atualizar as
Diretrizes Curriculares Nacionais às disposições do novo decreto, fê-lo, “[...]
contraditoriamente, nos termos adequados à manutenção das concepções que
orientaram a reforma realizada no governo anterior, por meio do Decreto n.
2.208/97” (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005a, p. 1093), ratificando a
vigência das diretrizes anteriores. Dessa maneira, Apesar de reconhecer a forma integrada como um curso único, com matrícula e conclusão únicas, o parecer considera que os conteúdos do ensino médio e os da educação profissional de nível
113Como esclarecem Frigotto e Ciavatta (2003, p. 106), “o ponto crucial da privatização não é a
venda de algumas empresas apenas, mas o processo do Estado de desfazer-se do patrimônio público, privatizar serviços que são direitos (saúde, educação, aposentadoria, lazer, transporte etc.) e, sobretudo, diluir, esterilizar a possibilidade de o Estado fazer política econômica e social. O mercado passa a ser o regulador, inclusive, dos direitos”.
122
técnico são de “naturezas diversas”. Re-estabelece-se, assim, internamente ao currículo, uma dicotomia entre as concepções educacionais de uma formação para a cidadania e outra para o mundo do trabalho, ou de um tipo de formação para o trabalho intelectual e de outro tipo para o trabalho técnico e profissional (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005a, p. 1095).
Na concepção dos setores progressistas (comprometidos com a
emancipação da classe trabalhadora), a formação integrada tem o trabalho como
princípio educativo, colocando-se na perspectiva da escola unitária/politécnica, da
formação omnilateral114, plena do ser humano. Nessa concepção, a formação
integrada vai muito além da mera simultaneidade, que não supera a
independência e a fragmentação entre formação geral e formação específica.
Entretanto, na prática, houve uma continuidade da reforma implementada
pelo Decreto n. 2.208/97: privatização crescente da oferta dessa modalidade de
ensino; integração meramente formal ao ensino médio; e fragmentação/
desarticulação das ações, com duplicação de recursos, num viés marcadamente
populista, entre outros, quando seria necessário a constituição de uma política
pública de educação profissional, integrada à educação básica e ao sistema
público de emprego. Numa perspectiva mais ampla, Kuenzer (2006, p. 906-907)
aponta que, Como resultado, é possível indicar a continuidade de propostas precárias de Educação Profissional para legitimar a inclusão em trabalhos precarizados, de modo que se alimente o consumo predatório da força de trabalho, para o que a redução epistemológica por meio da formação de subjetividades flexíveis115, polivalentes e empreendedoras se realiza por intermédio das dimensões pedagógicas dos processos sociais aos quais se articulam políticas e práticas educativas de caráter privado, populistas e fragmentadas, que expressam as estratégias de disciplinamento necessárias ao novo regime de acumulação [...].
114Que busca integrar as dimensões espiritual, material, artística, estética, política, científica e
tecnológica, no desenvolvimento pleno do ser humano. Ver Machado (2006), Ciavatta (2005) e Frigotto (2009), dentre outros.
115De acordo com a autora, a flexibilização do trabalho e de suas relações “[...] demanda uma subjetividade que se ajuste à sazonalidade, à intensificação, à variabilidade de ocupações, à necessidade de adaptar-se a novas tarefas, enfim, uma força de trabalho com mobilidade e plasticidade para ajustar-se permanentemente ao novo, que no caso corresponde ao trabalho precário, que demanda pouca qualificação, predominantemente de natureza psicofísica e tácita, para o que a escolarização pouco contribui” (KUENZER, 2006, p. 886-887).
123
A política de Educação Profissional dos governos anteriores e atual
estaria, assim, conforme os autores estudados, em plena conformidade com a
pedagogia do trabalho na acumulação flexível.
3.4.2. Origens da Educação profissional no MST
O envolvimento do MST com a educação está intimamente relacionado
às condições objetivas que lhe deram origem: os camponeses sem-terra,
expropriados pela “modernização conservadora”, foram também historicamente
excluídos de outros direitos, entre os quais, o direito à escola. A mobilização das
famílias pelo direito das crianças dos acampamentos e assentamentos à
educação deu origem ao Setor de Educação no Movimento, em 1987. Entretanto,
desde os primeiros acampamentos, a necessidade de escolarização das crianças
se colocava como um problema que demandava solução urgente. A saída
encontrada, em muitos locais, foi utilizar educadoras das próprias comunidades,
que, por serem leigas, em sua maioria, demandavam uma formação adequada.
Desse modo, “[...] o MST ao fazer a luta por escola no e do campo, ampliando o
direito à educação e à educação escolar cria a demanda pela formação
profissional” (ALMEIDA; CAMINI; DALMAGRO, 2007, p. 65).
A formação de educadoras/es para as áreas de reforma agrária foi,
portanto, a primeira atividade de educação profissional (escolar) do MST. Ela teve
início em 1990, com o Curso Normal, por meio da Fundação de Desenvolvimento,
Educação e Pesquisa da Região Celeiro-FUNDEP, em Braga/RS, que era
composta por movimentos sociais e sindicais do campo, entre eles, à época, o
MST. Também na escola “Uma Terra de Educar”, da FUNDEP, tem início a
experiência seguinte: o Curso Técnico em Administração de Cooperativas-TAC,
criado em 1993, em função da demanda por trabalhadores com formação
específica na gestão das organizações associativas que vinham sendo
constituídas nos assentamentos, e que se multiplicaram a partir da constituição do
Sistema Cooperativista dos Assentados, entre 1990 e 1992.
124
Em 1995 foi criado o Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da
Reforma Agrária-ITERRA e, dentro dele, o Instituto de Educação Josué de
Castro-IEJC, em Veranópolis/RS, por iniciativa do MST. A partir de 1997, com o
reconhecimento legal da escola, ambos os cursos passaram a ser realizados ali.
Essas primeiras ações foram decisivas para a conformação do desenho de escola
e do método pedagógico próprio das escolas do MST, permanecendo o ITERRA e
o IEJC como referências fundamentais para todos os cursos desenvolvidos no
Movimento.
3.4.3. Principais características da Educação Profissional no MST
Após o IEJC, outras escolas e centros de formação foram surgindo, em
vários estados. Nestes espaços, os cursos de educação profissional são
realizados em parceria com instituições públicas de ensino (universidades,
escolas técnicas, institutos, secretarias estaduais e municipais de educação, etc.),
apoiados (ainda que de forma insuficiente) por programas governamentais, como
o PRONERA, e por iniciativas comunitárias, não sendo objeto de política pública.
Como vimos, foram as demandas concretas na base do movimento social
que levaram ao surgimento da educação profissional no MST. Tendo origem nos
projetos coletivos de seus próprios sujeitos, essa educação profissional precisa
articular necessidades concretas imediatas com uma visão de longo prazo. Ao
mesmo tempo em que não pode desconsiderar as necessidades mais prementes
de sobrevivência das famílias camponesas, sua produção e reprodução como
camponeses depende da luta por um outro projeto de campo e de sociedade.
Desse modo, a educação profissional do MST está intimamente vinculada a um
Projeto Popular de Desenvolvimento do Campo, que pretende ser uma
contribuição à construção de um Projeto Popular para o Brasil116. Campo (ou
rural), aqui, não é compreendido apenas como um setor da economia, mas como
um território, espaço de vida com todas as dimensões próprias da existência
116 Para mais esclarecimentos, retornar ao capítulo 1, onde tratamos da Consulta Popular.
125
humana: produção, trabalho, mercado, tecnologia, mas também educação, saúde,
lazer, cultura, organização política (FERNANDES, 2006b).
Essa educação profissional não pode ser confundida com “escola agrícola”.
Na base da produção/reprodução da existência social camponesa está o trabalho
na terra e, portanto, este é uma referência primordial. Entretanto, a vida no campo
não se restringe ao trabalho na terra, embora de fato, historicamente, a educação
profissional rural tenha ficado restrita, no Brasil, quase que exclusivamente ao
ensino agrícola (SOBRAL, 2004). Ao contrário, busca-se uma educação
profissional que “permita participar dos processos produtivos do campo”; campo
entendido como território camponês, como espaço de vida em suas múltiplas
dimensões. Além disso, há também uma vinculação à demanda dos setores de
atividades117 em que o MST está organizado.
Um olhar atento ao caminho percorrido pelo MST em seus 25 anos de
história nos permitem uma melhor compreensão da questão. Após os dois
primeiros cursos citados, o Normal Médio e o TAC, criados na década de 1990,
ampliou-se, consideravelmente, o leque de cursos118. No início dos anos 2000,
foram criados os cursos técnicos na área da saúde (Técnico em Enfermagem e
Técnico em Saúde Comunitária), para dar conta da demanda por agentes de
saúde nas áreas da reforma agrária. Foi também nessa época que forma
organizados os cursos Técnicos em Agropecuária e em Agroecologia (e o curso
de graduação Tecnologia em Agroecologia), no momento em que o debate em
torno de uma nova matriz tecnológica para os assentamentos passava a ter maior
destaque. Mais recentemente foram criados ainda o Tecnólogo em Gestão de
Cooperativas e o Técnico em Contabilidade, ambos em função das demandas
específicas das cooperativas e associações.
O MST propõe o alargamento do conceito de educação profissional, na
medida em que recusa a terminalidade dos cursos de nível médio e reivindica
também o direito de acesso ao ensino superior, pois “o direito é ilimitado. E as
demandas de formação vão ficando cada vez mais complexas” (ITERRA, 2007a,
117Como vimos no primeiro capítulo, são atualmente nove setores: Formação, Comunicação,
Finanças, Educação, Frente de Massas, Direitos Humanos, Gênero, Saúde, e Produção, Cooperação e Meio Ambiente-SPCMA.
118Dados oficiais dão conta da existência de 65 projetos ou convênios com o PRONERA para o oferecimento de cursos técnicos de nível médio, atendendo 2.874 trabalhadores/as do campo (SANTOS, 2008).
126
p. 10). O que se propõe, portanto, não é uma alternativa à impossibilidade de
acesso ao ensino superior, nem uma política compensatória à baixa qualidade da
educação básica – que é como a educação profissional vem sendo
hegemonicamente concebida (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005). Na
perspectiva do projeto histórico da classe trabalhadora, essa dualidade
estrutural119 deve ser superada.
Nesse sentido, o MST vem organizando, em conjunto com outros
movimentos sociais e, por meio de parcerias com instituições públicas de ensino
superior, cursos de graduação em diversas áreas (pedagogia, licenciatura em
educação do campo, direito, agronomia, ciências agrárias, sociologia, história,
geografia, gestão de cooperativas, entre outros), e de pós-graduação lato-sensu
(especialização em Educação do Campo e especialização em Agroecologia)120.
Entre as linhas de ação propostas no III Seminário Nacional do PRONERA
(realizado em 2007 pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, com a
participação dos Movimentos Sociais), a formação profissional, nos níveis técnico
e superior, aparece como prioridade. Vale lembrar que, dentro da concepção da
Educação do Campo, no Campo, o MST propõe a interiorização da oferta desses
níveis de ensino, tradicionalmente concentrados nas (grandes) cidades.
3.4.4. Aspectos diferenciadores da Educação Profissional no MST
Para o MST (MST, 2008c), os cursos escolares de educação profissional
são os espaços educativos que mais expressam sua concepção de escola, nas
suas tensões, contradições e reafirmação de princípios, em função da maior
autonomia pedagógica alcançada nesses espaços (em comparação com as
escolas da rede pública que existem nos assentamentos, por exemplo).
119A escola, espaço institucionalizado da educação, constituiu-se historicamente como uma das
formas de materialização da divisão entre proprietários e não-proprietários, dirigentes e dirigidos, concepção e execução, configurando-se em um sistema escolar dual, com escolas profissionais para os trabalhadores, destinados ao trabalho essencialmente operacional, de execução; e “escolas de ciências e humanidades”, para formar os membros da classe dirigente e seus representantes nas profissões intelectuais (MANACORDA, 2006).
120Princeswal (2007) relata a existência de mais de 50 parcerias com instituições de ensino em diversas regiões do país, na oferta de cursos de graduação, pós-graduação e extensão.
127
Coloca-se como objetivo fundamental desses cursos formar sujeitos
capazes de ler criticamente a sua realidade e nela intervir; para tanto, é preciso ir
além da formação para/pelo trabalho, levando em conta outras dimensões na
formação do trabalhador/trabalhadora: a luta social, a organização coletiva, a
ciência, a cultura121. Isso não significa negar a necessidade de uma formação
específica, até porque existem demandas concretas na base dos movimentos
sociais; entretanto, trata-se de “[...] formar profissionalmente trabalhadores que
produzem (ou que estão lutando e se desafiando a produzir) sua existência desde
seu próprio território” (ITERRA, 2007a, p. 12), e não de colocar-se a reboque do
mercado de (exploração) do trabalho. Até porque formação profissional não é
garantia de trabalho e, portanto, não pode substituir a luta pelo direito ao trabalho
(que, neste caso, passa também – mas não só – pelo direito à terra).
Em acordo com seu projeto de sociedade, o MST pretende formar para a
cooperação, para o trabalho cooperado e, nesse sentido, algumas concepções
pedagógicas e características metodológicas são fundamentais:
a) a coletividade como principal foco de intencionalidade formadora da
escola, concebendo-se o processo educativo como sendo “[...] de pessoas em
relações sociais” (CALDART; CERIOLLI, 2007, p. 38, grifo no original);
b) a gestão democrática, que envolve a participação de educandos e
educadores, de forma organizada, em todo o processo, que “deve incluir os
momentos de análise, de planejamento (tomada de decisões), de organização do
trabalho, de execução, controle/acompanhamento do que está sendo executado e
de avaliação (do processo e dos resultados)” (CALDART; CERIOLLI, 2007, p. 29);
c) a concepção de educação como formação humana, como um processo
permanente que não se restringe ao ensino, à sala de aula (mesmo
reconhecendo o papel fundamental da escola na socialização do conhecimento
historicamente produzido), incluindo, por exemplo, o trabalho produtivo e o
Movimento Social como elementos potencialmente formadores.
Como esclarecem Caldart e Ceriolli (2007, p. 37), “[...] compreender o
conceito de cooperação não é a mesma coisa que implementar uma ação
cooperativa; embora um aprendizado possa ajudar o outro, não são a mesma
coisa”. As concepções e características citadas permitem também experienciar 121 Sobre a luta social e a organização coletiva como dimensões educativas, ver Caldart (2004).
128
ações cooperativas, para refletir sobre elas à luz das teorias, conformando então
novas ações cooperativas... Daí a riqueza do processo formativo (que
abordaremos mais detalhadamente no terceiro capítulo, ao descrevermos as
escolas técnicas do MST no Paraná).
3.4.5. Potencialidades e desafios: as contribuições a uma Educação Profissional do Campo
Não é difícil constatar a inexistência, no Brasil, de uma política de
educação profissional do Campo, na perspectiva do Projeto de Campo antes
aludido. Como vimos no item anterior, a Educação do Campo, de modo geral,
ainda enfrenta o desafio de tornar-se política pública.
A educação profissional desenvolvida pelo MST, embora apoiada (ainda
que de forma insuficiente) por programas governamentais, como o PRONERA,
não integra uma política específica de educação profissional. Mesmo se essas
ações representaram um avanço nas práticas e na elaboração pedagógica, elas
não garantem o atendimento integral das demandas existentes e dos desafios de
implementação de um novo projeto de campo (ITERRA, 2007a). Os cursos
multiplicaram-se rapidamente depois que o PRONERA passou a incluir a
formação profissional de nível médio e superior entre as suas ações (que
iniciaram com a alfabetização de jovens e adultos). Esse fato permitiu o acesso à
formação profissional escolar para um número significativo de jovens que fazem
parte de uma população historicamente excluída.
O relatório “Situação da Infância e da Adolescência Brasileira 2009”, do
Fundo das Nações Unidas para a Infância-UNICEF, mostra que a taxa de
analfabetismo na população com 15 anos ou mais chega a 25,8% no campo, ao
passo que é de apenas 8,7% no meio urbano. No campo, pouco mais de 1/5 dos
adolescentes está no ensino médio; a defasagem idade-série atinge, neste nível,
59,1% dos estudantes. A escolaridade média da população do campo com 15
anos ou mais era, em 2007, de 4,5 anos de estudo, enquanto para a população
urbana este índice era de 7,3 anos. O relatório destaca a análise do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira-INEP, segundo a
129
qual, “[...] se esse ritmo for mantido, a população rural levará mais de 30 anos
para atingir a taxa atual de escolaridade da população urbana” (SILVA;
ALCÂNTARA, 2009, p 25). Certamente, a Educação do Campo vem contribuindo
para reverter esse quadro mais rapidamente.
Mesmo assim, a insuficiência de recursos é evidente. No caso do
PRONERA, o programa se destina a atender demandas pontuais e temporárias,
desconsiderando a precariedade material das escolas rurais e forçando à busca
de recursos complementares na parceria com Organizações Não-
Governamentais, bem como no envolvimento da comunidade. A rotatividade dos
educadores, por exemplo, em sua maioria voluntários, tem sido apontada como
um limite importante para alcançar a formação pretendida (CHRISTOFOLLI;
2007b; ALMEIDA; CAMINI; DALMAGRO, 2007).
Todo projeto de educação traz implícito uma determinada maneira de
pensar a relação entre educação e trabalho – e de forma acentuada um projeto de
educação profissional. Na implementação da educação profissional do campo, há
um embate permanente entre o projeto emancipatório, de formação omnilateral122,
integral do ser humano, e o projeto liberal, instrumentalizador, que acaba
subordinando a educação às exigências de uma forma histórica do trabalho.
Assim,
Os próprios movimentos sociais, responsáveis na história recente por tensionar e exigir uma visão alargada de educação, tendem às vezes, nas suas práticas educacionais concretas, a pensar a educação no viés de instrumentalização (seja política ou técnica), movidos talvez pelas circunstâncias objetivas ou pela necessidade de garantir conquistas imediatas, de sobreviver, afinal... (CALDART, 2007, p. 79).
Pensar a educação do campo vinculada a um projeto de desenvolvimento
do campo é um processo contraditório, de tensão permanente entre realidade e
projeto; entre o campo real, existente, e aquele que se deseja construir,
122“[...] seu objetivo principal é que os trabalhadores compreendam os fundamentos científicos que
estão na base das diferentes tecnologias que caracterizam as relações de produção e os processos produtivos, bem como as tecnologias ou os conhecimentos tecnológicos que estão na base das diferentes técnicas de produção, seja de bens materiais ou de bens simbólicos. Interessa-nos especialmente compreender os processos produtivos mais complexos e os que são próprios dos assentamentos, do campo, incorporando a cultura própria deste trabalho e buscando desta forma superar a oposição entre trabalho manual e intelectual” (MST, 2006, p. 7).
130
especialmente nesse momento histórico. Entre os argumentos enumerados por
Michelotti (2008, p. 89) para justificar a necessidade de expansão da educação
profissional do campo, destaca-se “[...] a forte ofensiva do agronegócio, que
coloca em risco diversas conquistas históricas da reforma agrária e exige uma
resposta dos sujeitos do campo em várias dimensões, inclusive na da produção”.
É nessa trajetória histórica que compreendemos a multiplicação de escolas
técnicas e centros de formação do MST nos anos 2000, destacando-se a oferta
de cursos técnicos relacionados à agroecologia, como nova matriz produtiva que
se projeta para as áreas reformadas.
A potencialidade formadora da relação entre escola e Movimento Social
fica evidenciada na educação profissional empreendida pelo MST. “São lógicas
diferentes que se ‘oxigenam’ porque se tensionam reciprocamente” (CALDART;
CERIOLLI, 2007, p. 40). Nessa relação, os cursos de educação profissional
podem também desempenhar um papel importante, de reflexão crítica sobre a
função educativa do Movimento Social. Os cursos técnicos em agroecologia, de
que tratamos no próximo capítulo, são, como veremos, um exemplo interessante
dessa possibilidade, em especial com a contribuição do “Diálogo de Saberes”.
4. AS ESCOLAS TÉCNICAS DE AGROECOLOGIA DO MST NO PARANÁ, NO
BOJO DA CONSTRUÇÃO DE UM PROJETO POPULAR DE CAMPO
Neste capítulo, dirigimos nosso olhar à criação das escolas técnicas do
MST no Paraná. Inicialmente consideramos sucintamente o movimento, na
história do MST, das ações e propostas no campo da produção e,
especificamente, no campo da agroecologia, para compreendermos a criação das
escolas de agroecologia como uma ação integrada à estratégia de construção de
um Projeto Popular de Campo, preparando-se as condições para as mudanças
propostas. Historicizamos, em seguida, a criação dos Cursos Técnicos em
Agroecologia no Paraná, a partir das demandas concretas na base do movimento
social. Descrevemos brevemente cada uma das quatro escolas e abordamos,
finalmente, aspectos fundamentais de sua organização e funcionamento.
4.1. A PRODUÇÃO NOS ASSENTAMENTOS DO MST: RUMO À
AGROECOLOGIA
Retomamos brevemente, a seguir, a trajetória de construção de uma
proposta para a produção no MST, no qual a cooperação tem um papel
fundamental123, para que se compreenda as críticas (e a autocrítica) a essa
proposta e a emergência do debate agroecológico, em cujo contexto é gestado o
Diálogo de Saberes. A partir das leituras realizadas, organizamos a exposição em
três períodos, havendo em cada um deles o predomínio de uma determinada
concepção e uma estrutura organizativa para implementá-la.
123Um estudo bastante detalhado da proposta de cooperação do MST pode ser encontrada em
Ribas (2002); um estudo da relação entre essa proposta e a proposta de educação do MST foi desenvolvido por Souza (2006).
132
4.1.1. Primeiro período (1979-1989): os pequenos grupos de cooperação
Nos primeiros anos de organização do MST (1979-1985), predominava,
de acordo com Stédile (STÉDILE; FERNANDES, 1999, p. 95), uma visão
romântica da produção: “[...] a memória histórica dos camponeses que
conquistavam a terra estava ainda na etapa anterior à modernização da
agricultura”; uma vez conquistada a terra, tudo poderia voltar a ser “como antes”.
Além disso, o MST precisava consolidar-se como movimento social, de modo que
a questão da produção não era ainda central.
Com o aumento do número de assentamentos, os problemas enfrentados
pelos assentados na produção124 passaram a demandar a construção de uma
proposta nessa área. Inicialmente cogitou-se a idéia de criar um movimento
separado para os agricultores já assentados; afinal, tinham-se tornado “com-terra”
e deviam assumir sua identidade de pequenos agricultores (essa interpretação
permanece atual na mídia...). Entretanto, compreendendo que uma separação
significaria apenas enfraquecimento e, em função dos objetivos mais amplos que
o Movimento ia assumindo, no I Encontro dos Assentados, realizado em 1986,
tomou-se a decisão de que os assentados também integrariam a base
organizativa do MST, criando-se, no ano seguinte, o Setor de Assentamentos
(CALDART, 2004).
Assim, ainda em 1986, teve início um processo de amadurecimento de
uma proposta de cooperação, envolvendo o estudo do pensamento clássico do
associativismo, da legislação cooperativista, e também a visita a experiências em
diversos países (Nicarágua, Honduras, Cuba, Peru, Chile, México). Entretanto, na
prática, até 1989 ainda prevaleceu [...] a constituição espontânea/induzida de pequenos grupos de cooperação entre os assentados, paradigma esse resultante da ação histórica de diversas forças sociais: comunidades eclesiais de base, associativismo espontâneo entre vizinhos e parentes, bases de organização social dos sindicatos de trabalhadores
124Destacamos, em 1985/86, o fim do crédito subsidiado, que havia sido uma das bases de
sustentação da ditadura militar no campo. Em 1986, o MST travou sua primeira luta na produção, por um crédito especial para a reforma agrária: o Programa de Crédito Especial da Reforma Agrária-PROCERA, criado no mesmo ano.
133
rurais, identidades sociais a partir de referenciais não econômicos, etc. [...] as afinidades que os aproximavam nessas atividades eram de origens e motivações diversas, raramente políticas (CARVALHO, 1999, p. 28).
A adoção da palavra de ordem “Ocupar, Resistir e Produzir”, no encontro
nacional do MST, em 1989, denota a centralidade que passa ocupar a
organização da produção a partir de então.
4.1.2. Segundo período (1990-2000): o Sistema Cooperativista dos Assentados-SCA
Os primeiros efeitos da política neoliberal, bem como a intensa repressão
orquestrada pelo governo Collor, levaram o Movimento a procurar fortalecer-se
internamente. Num seminário sobre cooperação agrícola, realizado em 1990,
definiu-se um plano para a implantação de um sistema capaz de aglutinar e
articular as diversas formas de cooperação agrícola, com as seguintes
orientações: Ter um sistema articulado em três níveis: de base, ao nível dos assentamentos, através das Cooperativas de Produção Agropecuária (CPA), plenamente coletivas que também teriam como tarefa ajudar o planejamento da produção dos assentados individuais; no nível intermediário teria a Cooperativa Central dos Assentados da Reforma Agrária (CCA), buscando envolver todas as formas de cooperação, tendo também uma função econômica, de coordenação de negócios a nível estadual; no terceiro nível teríamos a Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil (CONCRAB). O SCA deveria representar e organizar todos os assentados, tendo a nível estadual uma única estrutura organizativa de segundo grau (as CCA). O SCA deveria incentivar todas as formas de cooperação e não apenas as cooperativas, ainda que seu eixo estruturante fosse a CPA (CHRISTOFFOLI, 2007b, p. 72-73).
Em 1992 foi fundada a CONCRAB, a partir de quatro centrais estaduais
(CCA): do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, do Paraná e do Espírito Santo.
Nos anos seguintes, as CCA foram difundidas para outros estados.
Nessa concepção, a cooperação agrícola deveria contribuir “[...] para a
resistência e o avanço econômico, político, técnico e ideológico”, e especialmente
134
as CPA “[...] tinham a função nesse período de ser a retaguarda de organização
política, resistindo política e economicamente” (CONCRAB, 1999, p. 7). Além
disso, colocava-se como meta passar da produção de subsistência para a
produção de mercadorias, aparecendo também a idéia de que o trabalho
cooperativo seria capaz de transformar a “consciência camponesa” em uma
“consciência operária”125 (CONCRAB, 1999, p. 11).
A cooperação agrícola é definida, na primeira cartilha que trata do tema,
como sendo [...] a introdução na agricultura dessa divisão social do trabalho, de forma cooperada, que já acontece na indústria e no comércio. [...] Então, a cooperação agrícola é o jeito de juntar ou somar os esforços de cada agricultor individual, para fazer coisas em conjunto (MST, 1993, p. 8).
Essa concepção inicial foi objeto de uma severa autocrítica: “Aqui se nota
a forte crença na divisão social do trabalho, desconsiderando a alienação do
trabalho que o modelo taylorista acentuou, como mostra também a ingenuidade
de como encarar o desenvolvimento econômico e suas leis” (CONCRAB, 1999, p.
17).
Embora inicialmente se afirmasse a necessidade de incentivar e
desenvolver todas as formas de cooperação possível, a ação cooperativa acabou
sendo reduzida, na prática (e também em alguns documentos), à forma
cooperativa, sendo a CPA a mais desejável, por ser uma forma “superior”. Essa
confusão levou, desde o início do SCA, a uma contradição: ampliar ao máximo a
cooperação entre os assentados (o que implicaria a pluralidade de formas de
cooperação) ou priorizar a constituição de CPAs. Após um breve período de
125Destaca-se a contribuição de Clodomir Santos de Morais, com a elaboração da “Teoria da
Organização no Campo” (MORAIS, 1986), para a disseminação dessa concepção. Apoiando-se em Kautsky, concebia-se que “[...] somente a superação das bases tradicionais de organização, através do trabalho coletivo (operariado agrícola), poderiam aproximar o campesinato das condições concretas de mudança, da envergadura das iniciativas proletárias. A superação da sociedade capitalista se realizaria através das organizações coletivas do proletariado, consideradas formas superiores no interior do capitalismo. [...] a organização tradicional da produção não permitiria a formação de uma ‘consciência coletiva’, pois o processo de trabalho era simplificado e individualista” (BORGES, 2007, p. 90). Clodomir de Morais contribuiu também nos “Laboratórios Organizacionais de Campo”, metodologia destinada a formar CPAs nos assentamentos, de 1988 a meados da década de 1990, e abandonada em seguida, em função de suas limitações, em especial a pouca flexibilidade. A esse respeito, ver Christoffoli (2007b); Stédile e Fernandes (1999) e o estudo desenvolvido por Souza (2006).
135
disseminação acelerada126, identifica-se, a partir de 1994, uma “crise” das CPAs,
com forte desistência dos associados e baixa adesão à proposta127. Naquele
mesmo ano, a concepção de cooperação foi reelaborada em outro nível,
propondo-se Buscar uma cooperação que traga: Desenvolvimento econômico e social, desenvolvendo valores humanistas e socialistas. A cooperação que buscamos deve estar vinculada a um projeto estratégico, que vise a mudança da sociedade. Para isto deve organizar os trabalhadores, preparar e liberar quadros, ser massiva, de luta e resistir ao capitalismo (CONCRAB, 1999, p. 20).
E, face aos limites enfrentados para a disseminação das CPAs, optou-se
por ampliar a cooperação por meio das Cooperativas de Prestação de Serviços-
CPS. Estas assumiram, muitas vezes, um alcance regional, envolvendo um
conjunto de atividades de serviços (máquinas agrícolas, transporte,
armazenamento e beneficiamento da produção) e de comercialização (de
insumos diversos e da produção dos assentamentos). A criação de uma nova
linha de crédito especialmente destinado a cooperativas, o PROCERA Teto Dois,
em meados dos anos 1990, foi a base de sustentação desse processo.
Alguns importantes avanços foram alcançados nesse período. Várias
agroindústrias puderam consolidar-se, nos assentamentos; as CPS tornaram-se
referências locais e regionais, nos aspecto econômico (movimentando a
economia dos pequenos municípios) e também político (desbancando as
oligarquias locais e democratizando as relações de poder). Num levantamento
realizado em 2001, Ribas (2002) registrou os seguintes números referentes ao
sistema SCA/CONCRAB:
a) 86 cooperativas filiadas à CONCRAB (sendo 53,3% na região Sul,
24,4 % no Nordeste e 18,6% no Sudeste; no Norte, apenas uma, e
no centro-oeste, duas), entre CPAs, CPS e Cooperativas de Crédito;
b) 9 Cooperativas Centrais (CCA): Rio Grande do Sul, Santa Catarina,
São Paulo, Espírito Santo, Bahia, Ceará, Pernambuco e Maranhão;
126 De acordo com um levantamento realizado por Borges (2007), foram implantadas, até 1992, 27
CPAs em diferentes regiões do país. 127O I Censo da Reforma Agrária, de 1997, mostrou que 94% dos assentados adotava uma
organização individual da produção.
136
c) 400 associações de produção, comercialização e serviços nos
assentamentos;
d) 96 pequenas e médias agroindústrais (com beneficiamento de
frutas, hortaliças, raízes, leite e derivados, grãos, café, carnes,
doces e mel);
e) cerca de 700 pequenos municípios envolvidos;
f) 19.986 famílias envolvidas, o que significava à época que 19,4% do
total de famílias assentadas estava ligado a alguma atividade
cooperativa.
Diversos estudos foram desenvolvidos no sentido de compreender quais
seriam as linhas de produção mais apropriadas às diversas realidades,
consolidando-se a definição geral por uma produção para o mercado de massas,
ao invés de uma busca por nichos de mercado (STÉDILE; FERNANDES, 1999). A
existência do SCA e da CONCRAB tornou possível a publicação de diversos
materiais e ampliou as possibilidades de formação dos assentados. A criação do
Curso Técnico em Administração de Cooperativas-TAC também se deu nesse
processo, como vimos no capítulo anterior.
Entretanto, consolidou-se o viés institucional de identificar a cooperação
com a cooperativa, perdurando, por toda a década de 1990, um “[...] sistema
institucional técnico-burocrático de cooperativas generalizado para todo o país
[...]” (CARVALHO, 1999, p. 30), desconsiderando-se a experiência histórica
popular no campo. Esse autor ainda alertava para o viés economicista e
corporativo que o SCA adquirira, reforçado pela crise econômica e social da
década de 1990, mais intensa ainda na agricultura, e que afetou muito
drasticamente o poder aquisitivo e a qualidade de vida das famílias assentadas.
As tecnologias da Revolução Verde haviam sido largamente adotadas nos
assentamentos, embora a questão das tecnologias “alternativas” (alternativas ao
modelo da Revolução Verde) estivesse presente em diversos materiais do
Movimento, desde os primeiros anos128. Como ocorrera em todo o processo
128No Caderno de Formação n. 10 (MST, 1986, p. 25-28), por exemplo, há um capítulo intitulado
“O uso de tecnologias alternativas”, abordando: o papel das empresas multinacionais e dos órgãos de assistência técnica na implementação da Revolução Verde; o processo de desmoralização imposto ao saber camponês; os problemas de saúde e ambientais, entre outros.
137
anterior da Revolução Verde, o crédito agrícola disponível aos assentados
(PROCERA) incentivava a “integração” ao mercado das commodities, com acesso
condicionado à compra de todo o “pacote tecnológico” correspondente: O PROCERA possuía uma feição eminentemente econômica, sendo grande parte dos recursos destinados para o custeio da produção. Assim, era incentivado o plantio de lavouras temporárias, geralmente, de produtos industrializáveis ou passíveis de compra pelas empresas agroexportadoras (BORGES, 2007, p. 71).
Paulilo (1994129, apud LUZZI, 2007, p. 116) aponta que tanto as lideranças
quanto as famílias assentadas buscavam esse modelo tecnificado e produtivista.
Como a grande maioria dos sem-terra havia sido expulsa do campo pelo processo
de modernização, havia uma compreensão mais ou menos generalizada de que
os assentados deveriam integrar-se a esse modelo, para não serem novamente
excluídos. A noção kautskiana130 de superioridade técnica do grande
empreendimento agropecuário, que fundamentava a proposta cooperativista do
MST, também incitava à produção em grande escala, à especialização e à
mecanização (BORGES, 2007).
O investimento em grandes estruturas centralizadas acarretou diversos
problemas, levando à desmobilização de diversas cooperativas: (a) distanciamento dos assentados em relação a suas organizações – sentimento de alienação; (b) incapacidade de gestão devido ao tamanho, ao volume de capital necessário, à exigência de quadros gerenciais e sistemas de planejamento-controle; (c) concentração de poder nas mãos de alguns dirigentes; (d) elevado endividamento; (e) políticas paternalistas de subsídio irreal e insustentável aos assentados à custa do crédito; (f) construção de estruturas produtivas sem ter clara a estratégia econômica a ser desenvolvida (CHRISTOFFOLI, 2007b, p. 78).
Enumera também algumas tecnologias alternativas, passíveis de serem adotadas nos assentamentos, e menciona a existência de um programa de formação, intercâmbio e troca de experiências, vinculado ao projeto Tecnologias Alternativas da FASE (ver nota 103).
129PAULILO, Maria Ignez. O assentamento de reforma agrária como objeto de estudo. In: ROMEIRO, Adhemar et al. Reforma agrária: produção, emprego e renda o relatório da FAO em debate. Rio de Janeiro: Vozes/IBASE/FAO, 1994, p.192-215.
130 Baseada no pensamento de Karl Kautsky, autor do clássico “A Questão Agrária”. Ver nota 125.
138
Entretanto, é preciso considerar também os condicionantes externos ao
MST. Como vimos no primeiro capítulo, o enfrentamento da questão agrária pelos
governos neoliberais fez com que se desenvolvesse uma
[...] “reforma agrária possível”, desqualificada e atrasada [...]. Nossa base social, exaurida por décadas de exclusão social, não consegue fazer frente aos desafios de organização da produção, de enfrentamento de um mercado monopolista e internacionalizado (CHRISTOFFOLI, 2007b, p. 79).
Também Vendramini (2008), analisando teses e dissertações que avaliam
a experiência cooperativa no interior do MST, alerta para o reducionismo que
consiste em não se levar em conta os condicionantes externos. A autora lembra
que é próprio da concepção liberal atribuir ao indivíduo a responsabilidade pelo
sucesso ou fracasso social; e cita a conclusão da pesquisa de Sizannoski(1998131,
p. 128, apud VENDRAMINI, 2008, p. 127), sobre uma CPA do Estado do Paraná:
[...] a saída para esse problema das CPAs não está nela, mas fora. O problema não é de administração, de falta de força de trabalho ou abandono. Se inscreve num modelo econômico, ao qual o projeto de coletivização é completamente conflitivo.
Diante desses impasses, começa a se discutir, em vários espaços e
instâncias, os limites da proposta de organização da produção. Abre-se uma crise
no SCA. Frente à dificuldade em se obter avanços econômicos, a reflexão sobre a
organização dos assentamentos volta-se para o fortalecimento da base em
“comunidades de resistência”, onde a questão das tecnologias terá lugar
privilegiado. Também as discussões e articulações em torno de um Projeto
Popular para o Brasil, a partir de 1997, passam a demandar mudanças na
proposta de organização da produção. A necessidade de elaboração de um
Projeto Popular de Desenvolvimento para o Campo começa a ganhar força nos
debates.
131SIZANOSKI, Raquel. O novo dentro do velho: cooperativas de produção agropecuária do MST
(possibilidades e limites na construção de outro coletivo social). 1998. Dissertação (Mestrado em Sociologia política) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1998.
139
4.1.3. Terceiro período (2000-2009): A agroecologia e o Setor de Produção,
Cooperação e Meio Ambiente
Nos últimos anos, a questão ambiental e a agroecologia no MST vem
despertando a atenção dos pesquisadores, embora a produção acadêmica sobre
o tema seja ainda em número muito restrito132. Buscamos elaborar uma síntese
inicial, bastante sucinta, dos principais elementos envolvidos na emergência da
questão ambiental/agroecológica e sua consolidação no MST.
Nos parece importante compreender a questão ambiental e a agroecologia
no MST no âmbito da mundialização da questão agrária. Considerando o caminho
percorrido em nossa pesquisa, nos parece correto afirmar que elas emergem,
principalmente, do enfrentamento com o agronegócio e as políticas neoliberais,
enfrentamento que transcende o território nacional com a entrada do MST na Via
Campesina, em meados da década de 1990. Para além de situações meramente
conjunturais, fica cada vez mais evidente que a permanência dos camponeses na
terra se encontra ameaçada pelo modelo tecnológico que é, em nível mundial, a
base de sustentação do agronegócio, e que expulsa os camponeses mais
rapidamente do que a luta pela terra é capaz de assentar. Como explicitam
Chesnais e Serfati (2006, p. 15), Marx colocou o processo de expropriação do campesinato no cerne dos mecanismos da acumulação primitiva. Mas, esse processo nunca deixou de existir e prossegue até nossos dias. Ele não é atribuível somente às políticas do FMI [Fundo Monetário Internacional], por mais que seja necessário incriminá-las. É no núcleo das relações de produção e de dominação que ele se situa. [...] Hoje, a novidade consiste numa tomada de consciência da interconexão entre as destruições ecológicas e as agressões contra as condições de existência dos produtores, que é um dos traços – na América Latina como na Ásia – dos movimentos camponeses contemporâneos (por exemplo, o movimento dos “sem terra” do Brasil) (grifo nosso).
132Identificamos as seguintes teses/dissertações (sem pretender fazer uma revisão completa):
Veras (2005), Negri (2005), Mello (2006), Borges (2007), Gonçalves (2008), Schalachta (2008) e Luzzi (2007) – esta última, abordando um universo mais amplo; além de vários artigos publicados. As pesquisas trazem informações e interpretações muitas vezes conflitantes, mostrando a necessidade de que se prossigam os estudos nesse campo.
140
Os autores prosseguem, explicitando que vivenciamos uma nova fase de
expropriação dos agricultores produtores diretos, sustentada pelo patenteamento
dos organismos vivos e pela tecnologia dos organismos geneticamente
modificados, com a produção de sementes que geram plantas estéreis133: Seu objetivo é a instalação de um imenso dispositivo tecnológico e institucional destinado a por fim ao que sempre tinha parecido um processo imutável, isto é, a manutenção do controle dos agricultores sobre suas reservas de sementes. [...] A menos que haja uma resistência social e política de grande força, o capitalismo terá conseguido alcançar o término de seu processo de expropriação dos produtores e de dominação do vivente. Terá passado da expropriação dos camponeses à expropriação do direito geral dos seres humanos de produzir, em breve, de se reproduzir, sem empregar técnicas patenteadas, sem pagar um pesado tributo ao industrial e, por detrás desse, a seus acionistas e aos mercados bursáteis134 (CHESNAIS; SERFATI, 2006, p. 15, grifo dos autores).
Além de acelerar o processo clássico de diferenciação do campesinato,
“espremendo” os camponeses entre as indústrias produtoras de insumos e as
agroindústrias que se utilizam de suas matérias-primas, o modelo de produção e
tecnológico dominante oferece um horizonte que pode enfim por em questão a
permanência do camponês, concluindo assim o processo de separação dos produtores diretos de suas condições de produção. É dessa maneira que a
luta na terra não pode mais passar ao largo do debate sobre o modelo
tecnológico. A reprodução social dos camponeses passa a exigir uma mudança
na maneira de produzir.
Podemos identificar ainda outros elementos que contribuíram na
emergência do debate ambiental e agroecológico no MST, a partir da segunda
metade da década de 1990. O primeiro deles, intimamente relacionado ao que
acabamos de expor, foi a iniciativa dos próprios assentados em buscar
alternativas. Veras (2005) registra que entre os próprios assentados foram
surgindo experiências de produção alternativas ao modelo da Revolução Verde,
133Mais preocupante ainda é a nanotecnologia, que consiste na manipulação de átomos e
moléculas em nanoescala (um bilionésimo de metro). Trabalhos recentes nesse campo podem tornar possível aos cientistas criar novos aminoácidos e proteínas, por meio da manipulação átomo a átomo, o que pode revolucionar completamente a produção de matérias-primas, incluindo os alimentos, com conseqüências ainda imprevisíveis para a saúde humana e o ambiente (CARVALHO, 2003).
134 Referente às Bolsas de Valores.
141
até em função da impossibilidade de acesso, para muitos, às tecnologias
“modernas” e como tentativa de superar a marginalização econômica e a
crescente perda de autonomia. É preciso também considerar a territorialização do
Movimento para as regiões Nordeste (ainda nos anos 1980) e depois Norte (na
década de 1990), uma vez que Essas regiões apresentavam contextos e realidades bastante diversificadas das experiências desenvolvidas nos assentamentos do sul do Brasil. A modernização da agricultura não tinha chegado com tanta força nestas regiões e, em conseqüência, muitas práticas tradicionais ainda eram mantidas pelos agricultores (LUZZI, 2007, p. 125).
Lembremos que, em 1999, 72% das famílias assentadas estavam no Norte
e Nordeste (FERNANDES, 1999), proporção que se manteria elevada na década
seguinte.
Outro elemento importante, que não se pode desconsiderar, diz respeito à
trajetória do debate ambiental. Esse debate tem início, no Brasil, no final da
década de 1970, sob influencia das discussões e movimentos de contestação que
vinham ocorrendo em outras partes do mundo, desde a década de 1960, mas
permanece inicialmente restrito a um pequeno grupo de intelectuais, em sua
maioria profissionais das ciências agrárias, até meados da década de 1980,
aproximadamente (LUZZI, 2007). Essa autora ressalta que o tema das
tecnologias alternativas era visto com reserva pela maioria dos intelectuais
orgânicos aos movimentos sociais. De fato, as primeiras experiências
(numericamente restritas) não se colocavam na perspectiva do enfrentamento ao
modelo de desenvolvimento que acarretava a expropriação dos camponeses.
A questão social aparece apenas no final da década de 1980: somente no
III Encontro Brasileiro de Agricultura Alternativa-EBAA, em 1987 (o I EBAA
ocorrera em 1981), que contou com a participação do MST, da CUT e da
CONTAG, é que os debates ultrapassaram as questões meramente técnicas e
contemplaram também uma crítica ao modelo capitalista. Ainda assim, a
diversidade de concepções e as divergências eram tantas, que o V EBAA, em
1989, foi o último135. Entretanto, foi na década de 1990 que o debate ambiental se
135Em 2002 se retoma uma tentativa de articulação nacional com o Encontro Nacional de
Agroecologia; a partir de 2003, anualmente, ocorre o Congresso Brasileiro de Agroecologia.
142
ampliou progressivamente, por intermédio, especialmente, das Organizações
Não-Governamentais e suas redes136.
E foi apenas na década de 1990, igualmente, que a esquerda marxista
começou a recuperar seu “imenso atraso teórico e político” no campo ambiental e
ecológico, nas palavras de Chesnais e Serfati (2003, p. 7). Esse “vácuo” se deu,
segundo os autores, por diversos motivos: pela prevalência de uma leitura
unilateralmente produtivista (e equivocada) das obras de Marx e Engels; pelo
contexto histórico em que se deu a Revolução Russa, cujo atraso econômico,
científico e tecnológico acentuou “[...] a abordagem fundada na ‘dominação das
leis naturais’ e na dominação ‘da natureza’” (CHESNAIS; SERFATI, 2003, p. 9-
10); e também pelas investidas da política neoliberal contra as conquistas dos
trabalhadores, de maneira que os movimentos operários refugiaram-se atrás
unicamente da defesa do emprego, colocando-se muitas vezes ao lado dos
interesses das grandes indústrias.
A partir desse quadro mais geral, o MST, ao que nos parece, é um
movimento “de seu tempo”; é também em meados da década de 1990 que a
temática ambiental começa a ganhar força em seu interior, no bojo das
discussões em torno do Projeto Popular, considerando-se o V Congresso
Nacional, realizado em 2000, como um “marco” nesse sentido. Nas suas
deliberações, a temática ambiental (meio ambiente, diversidade, água doce,
Amazônia) é transformada em bandeira de luta; o modelo das elites, que deve ser
combatido, é identificado com “[...] os produtos transgênicos, as importações de
alimentos, os monopólios e as multinacionais” (MST, 2000b). Nesse Congresso
também se lança o manifesto “Nossos compromissos com a terra e com a vida”,
com dez pontos, entre os quais destacamos, dentre outros, “evitar a monocultura
e o uso de agrotóxicos” (MORISAWA, 2001, p. 238).
Tal posicionamento exigia uma reformulação nas propostas para a
produção, e repercutiu em mudanças na própria organização do movimento. Após
um período de crise, entre 1998 e 2001, o SCA acabou sendo extinto, criando-se,
em seu lugar, o Setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente-SPCMA. A
136Cabe destacar a rede Assessoria e Serviços em Projetos e Tecnologias Alternativas – AS-PTA,
fundada em 1990, anteriormente ligada à Federação de Organizações para a Assistência Social e Educacional-PTA/FASE (a FASE é a ONG brasileira mais antiga, datando de 1961; o Projeto TA foi criado em 1983). Ver Luzzi (2007).
143
agroecologia e o meio ambiente passaram a ser questões estratégicas, e o
debate acerca da cooperação foi perdendo espaço, sendo retomado apenas em
2006, mas ainda sem uma proposta muito articulada (CHRISTOFFOLI, 2007b).
Em 2003, no III Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, a Via Campesina
lançou a campanha “As sementes são patrimônio da humanidade”137, assumida
com protagonismo pelo MST (LUZZI, 2007). O Movimento também passou a fazer
parte da organização de vários eventos importantes: o Encontro Nacional de
Agroecologia (realizado em 2002 e 2006), a Festa Nacional das Sementes
Crioulas, em Anchieta-SC, realizada anualmente; a Jornada Paranaense de
Agroecologia, realizada anualmente desde 2002138, primeiro em Ponta Grossa-
PR, e depois em Cascavel; o Congresso Brasileiro de Agroecologia (realizado
anualmente, desde 2003), e o Congresso Latinoamericano de Agroecologia (com
a primeira edição realizada na Colômbia, em 2007, e a segunda em Curitiba, em
2009139). E passou a integrar a Articulação Nacional de Agroecologia-ANA, criada
em 2002.
Uma experiência que vale mencionar é a BIONATUR. Criada em 1997, sob
coordenação da Cooperativa Regional dos Agricultores Assentados-COOPERAL,
reunia inicialmente 12 famílias assentadas dos municípios de Hulha Negra e
137Essa campanha visava, além de incentivar a conservação e o plantio de sementes tradicionais
(ou crioulas) pelos camponeses, combater a disseminação das sementes transgênicas e questionar os princípios de proteção intelectual (patentes) que tornam possível sua existência; impedir o monopólio das sementes pelas empresas multinacionais e combater a ingerência de organizações como a OMC no comércio de sementes e de alimentos. A campanha vinculava o direito dos camponeses à produção de sementes ao seu papel histórico, de desenvolvimento da própria agricultura, e ao conceito de soberania alimentar: “Quem não tiver o direito de produzir e multiplicar sementes jamais poderá produzir os alimentos de que sua comunidade, seu povo necessitam” (VIA CAMPESINA, 2003, p. 56).
138“A Jornada de Agroecologia é uma coalizão política constituída em 2001, que resultou de amplo processo dialógico entre os Movimentos Sociais do Campo e Organizações Não-Governamentais atuantes no estado do Paraná, que desde os anos 80 promovem a Luta pela Terra e pela Reforma Agrária e a Agroecologia. Seu Manifesto Político apresenta os objetivos estratégicos e o lema original: Jornada de Agroecologia – Terra Livre de Transgênicos e Sem Agrotóxicos. Atua em rede de cooperação potencializando os processos político-organizativos, econômicos e culturais locais e regionais num movimento camponês agroecológico com maior densidade e expressividade política e social. Desde 2002 realiza o Encontro Estadual com média de quatro mil participantes” (TARDIN, 2009, p. 213-214). Ver também Gonçalves (2008).
139 O VI Congresso Brasileiro de Agroecologia e o II Congresso Latinoamericano de Agroecologia foram realizados conjuntamente em Curitiba-PR, em novembro de 2009, contando com uma atividade específica do MST e da Via Campesina: o seminário “Cuidando da Terra, Cultivando a Biodiversidade e Colhendo Soberania Alimentar”, realizado na Escola Latino-Americana de Agroecologia-ELAA, no assentamento Contestado, e que teve a participação de palestrantes de renome internacional no campo da agroecologia, como Peter Rosset, Miguel Altieri e Clara Nichols, além de representantes da ELAA.
144
Candiota-RS, para a produção de sementes de hortaliças sem insumos químicos,
e buscando preservar variedades locais em risco de desaparecimento. Após um
período difícil, que quase forçou seu desaparecimento, a BIONATUR transformou-
se, em 2003, numa rede nacional de produção e comercialização de sementes
agroecológicas, reunindo 230 famílias assentadas, em 20 municípios do Sul e de
Minas Gerais, que produzem sementes de 50 variedades de hortaliças. Em 2005,
registrou-se uma produção de 22 toneladas de sementes, certificadas pelo
Ministério da Agricultura e Pecuária (LUZZI, 2007) – num momento em que a luta
pelo controle das sementes assume uma importância crucial.
Os documentos mencionam a existência, nos assentamentos, de
experiências de produção agroecológica em áreas diversas: arroz irrigado,
produção de leite a base de pasto, produção de hortaliças, produção de sementes
de olerícolas, além de algumas outras culturas (MST, 2005). Destaca-se ainda a
existência de diversos pequenos centros de pesquisa e difusão de técnicas
agroecológicas140, além das escolas de agroecologia, como as existentes no
Paraná, que estudamos a seguir.
Embora a relação com as ONGs tenha ficado mais próxima do que era
anteriormente, também nesse campo o MST faz questão de reafirmar sua
independência: [..] a construção da agroecologia no MST, implica em uma outra concepção distinta de todas as outras correntes (pela primeira vez um movimento de massas assume a agroecologia e faz dela um componente de uma plataforma política de mudança de sociedade e de modelo agrícola) (MST, 2005, p. 2).
Como nas suas ações políticas de modo geral, a ocupação, a luta e o
enfrentamento são também uma marca distintiva. Em julho de 2003, por exemplo,
no ato de encerramento da II Jornada Paranaense de Agroecologia, promoveu-se
um protesto junto a um centro de pesquisa e produção de sementes de soja e
milho transgênicos da transnacional Monsanto, em área rural do município de
Ponta Grossa, com destruição dos cultivos transgênicos. A área foi então
ocupada por famílias Sem Terra de acampamentos da região, e convertida no
Centro Chico Mendes de Agroecologia, pelo período de 18 meses (prazo ao final
140 Ver Luzzi (2007, p. 127).
145
do qual as famílias foram despejadas), com diversas atividades de
experimentação, produção de semente e formação em agroecologia. De acordo
com Gonçalves (2008), esse fato abalou as relações entre as entidades
promotoras das Jornadas, causando a retirada de algumas delas, por não
apoiarem o caráter de luta contra o capital que o evento havia assumido, e
também por se sentirem desprestigiadas na organização. Tratava-se de um
momento político importante, uma vez que, embora os cultivos transgênicos
estivessem se expandindo no país, de maneira clandestina, não havia ainda uma
decisão definitiva do Governo Federal a respeito. A ocupação da multinacional
Syngenta Seeds, também no Paraná, e do viveiro de mudas da Aracruz Celulose,
no Rio Grande do Sul, em 2006, seguiram nessa mesma linha.
O MST ainda está construindo sua concepção de agroecologia, e precisa
amadurecer em sua proposta o lugar da cooperação, que continua fundamental,
em função de seu projeto político: [...] a organização cooperativa no âmbito do MST deve ser compreendida a partir dos contornos de seu projeto político de gestão territorial dos assentamentos. Isso significa que a cooperação agrícola revela-se como um desdobramento do processo de redimensionamento da luta política engendrada pelo MST, sendo que seu significado político evidencia-se na possibilidade concreta do Movimento em articular a gestão dos assentamentos conquistados e os seus apontamentos político-organizativos (RIBAS, 2002, p. 247).
Agroecologia e cooperação não são excludentes (como muitas vezes se
tem apresentado nos estudos que encontramos), nem o MST as concebe assim,
embora ambas tenham potencialidades e limitações, sob a ordem capitalista.
É preciso considerar também que, embora se afirme um discurso cada vez
mais coerente a respeito da questão ambiental e da agroecologia (especialmente
em nível nacional), não há ainda um consenso interno. Também o número de
famílias envolvidas vem aumentando, mas trata-se de um processo lento (LUZZI,
2007), e que também encontra resistências entre os camponeses. Gonçalves
(2008), numa pesquisa sobre a transição agroecológica nos assentamentos do
Paraná, levantou que apenas 1.647 de um total de 19.210 famílias assentadas
(além de uma centena de famílias em dois acampamentos), adota a agroecologia,
não chegando a 10%, portanto. Entretanto, o autor também indica que muitas
146
famílias assentadas acabam adotando uma “mistura” de técnicas, e que podem,
com o tempo (e o diálogo), aproximar-se mais da proposta agroecológica.
Num seminário sobre concepção e ações em agroecologia no MST,
realizado em Guararema-SP, em agosto de 2005141, um levantamento constatava,
nos assentamentos: Cultura alimentar destruída (matriz de consumo do tipo
urbano); Perca das habilidades quanto ao processamento dos
produtos agrícolas; Cultura do veneno e da “hora-máquina” enraizada
sobretudo no centro sul do país (matriz tecnológica e de produção) (MST, 2005, p. 1).
Tais constatações levam à necessidade de resgatar o “saber
camponês”142, como condição não apenas de implementação da agroecologia,
mas da própria reprodução social dos camponeses. Essa é uma das intenções do
Diálogo de Saberes, como veremos no próximo capítulo.
4.2. A CRIAÇÃO DOS CURSOS TÉCNICOS EM AGROECOLOGIA
Conforme a discussão em torno de outro projeto de campo vai ganhando
corpo no MST, a agroecologia também vai ganhando espaço nas discussões; de
acordo com Toná (2008, p. 4), Por entender, ao mesmo tempo, que o modelo convencional de agropecuária implementado a partir da modernização conservadora do campo no Brasil, e adotado na maioria dos assentamentos de reforma agrária, traz consigo uma série de conseqüências negativas e inclusive contraditórias com seu projeto político, o MST define por construir as condições para
141O debate acerca da agroecologia, no MST, teve seqüência no âmbito da Via Campesina, em
2009, no Instituto Agroecológico Latinoamericano de Estudios Campesinos, Indígenas y Afrodescendientes-IALA Paulo Freire, em Barinas, Venezuela. (ver o sítio: http://ialapaulofreire.blogspot.com/).
142Conforme Cury (1983, p. 95-96), “as condições materiais de existência e de trabalho educam. Desse viver colado à vida nasce um tipo de saber espontâneo. Neste caso, espontâneo quer dizer nascido da experiência e ainda não teorizado, não elaborado e nem sempre expresso” (grifo no original). Retomamos esse tema no próximo capítulo.
147
desenvolver um novo projeto para o campo, baseado noutra matriz tecnológica – a Agroecologia. Esta definição política terá desdobramentos concretos para a massificação e consolidação dessa nova matriz.
Entre esses desdobramentos estavam a questão da assistência técnica e
da formação técnica dos agricultores. Historicamente, as instituições oficiais de
assistência técnica estiveram comprometidas com a modernização conservadora.
Havia também um posicionamento crítico frente [...] aquela relação vertical e dominadora de assistência técnica143 (insistência técnica), onde alguém, o técnico, sendo um estranho, assiste, como um ator que apenas olha e nada vê do mundo camponês, e prescreve sobre o objeto específico um receituário comercial determinado pelos agentes do capital, alimentando um ciclo vinculante subordinador que ora coopta, ora exclui ao camponês tanto quanto em nada leva em conta a natureza em seus processos ecológicos (TARDIN, 2006, p. 2).
Além disso, face ao desmonte das políticas públicas levado a cabo pelas
políticas neoliberais, os assentamentos (e que dirá os acampamentos!) estavam à
margem dos programas oficiais de assistência técnica, e não se podia continuar
dependendo da existência de convênios esporádicos. Haveria, então, que se
formar técnicos entre os próprios Sem Terra.
Essas reflexões, que culminaram na criação dos cursos técnicos em
agroecologia, a partir das demandas concretas na base do Movimento Social,
foram amadurecendo a partir dos anos finais da década de 1990 e início dos anos
2000. Nesse período ocorreram, no estado do Paraná, algumas iniciativas que
constituem-se nos antecedentes dos atuais cursos técnicos em agroecologia, e
que sinalizam a existência de uma “vontade coletiva”. A experiência mais
significativa foi, sem dúvida, o curso não-formal “Prolongado em Agroecologia”,
realizado na Escola José Gomes da Silva, em 2001, com duração de 60 dias, e
que contou com a participação de educandos de todo o estado (TONÁ, 2007).
A Escola José Gomes da Silva, em São Miguel do Iguaçu, fora fundada em
2000, e diversos centros de formação estavam sendo criados em assentamentos
por todo o estado. No mais antigo deles, o CEAGRO, em Cantagalo, a discussão 143 Numa palestra aos técnicos e dirigentes camponeses do SPCMA, Tardin questionava o uso do
conceito: “a ‘assistência técnica’ conserta coisas que estão com defeito!” (caderno de anotações da autora, abril 2005)
148
acerca da agroecologia tem início em 1998 (TONÁ, 2007). No Centro de
Formação e Pesquisa Ernesto Guevara-CEPAG, em Santa Cruz de Monte
Castelo, noroeste do Paraná, houve uma curta experiência de curso técnico não-
formal, o “Técnicos de pés descalços”, entre 1999144 e 2000, e cuja formação (não
apenas) técnica se encontrava direcionada à agroecologia.
No final de 2001, quando o Partido dos Trabalhadores foi eleito à
Prefeitura Municipal de Maringá, a direção da regional145 noroeste (conjuntamente
com a Direção Estadual) viu a oportunidade de criar uma escola do MST no
município. A localização da escola em Maringá permitia uma articulação do MST
da região com outras organizações de trabalhadores, especialmente urbanas.
Além disso, a experiência do CEPAG tinha mostrado a dificuldade de se
conseguir bons assessores em áreas distantes dos centros urbanos. A
perspectiva de que se pudesse construir canais de comercialização para os
produtos da reforma agrária também foi um ponto a favor. Assim, em 2002, foi
fundada a Escola Milton Santos (no próximo item nos dedicamos a apresentar
cada uma das escolas).
Os coletivos que então discutiam a criação dos cursos técnicos nas
escolas consideraram que seria importante a formalização dos cursos, com o
reconhecimento pelo MEC e a certificação, para o reconhecimento do percurso
formativo dos educandos, e também em função da possibilidade de convênios de
assistência técnica para os assentamentos, que eventualmente existem.
Procurou-se, então, a Escola Técnica da Universidade Federal do Paraná-ET-
UFPR146, para o estabelecimento de uma parceria, no âmbito do PRONERA.
Assim, em 2003, foi criado o Curso Técnico em Agropecuária com Ênfase em
Agroecologia, em nível pós-médio, com duas turmas, uma na Escola Milton
Santos e outra no CEAGRO.
Como muitos dos educandos que se apresentaram às duas turmas não
tinham concluído o ensino médio, abriu-se a possibilidade de que este fosse
realizado concomitantemente, como Educação de Jovens e Adultos (em regime
144 Tempo e espaço de meu início no MST, como explicitei na introdução desse estudo. 145Anteriormente à organização por brigadas, de que tratamos na primeira seção, o MST
organizava-se por regiões ou “regionais” (o que ainda permanece em diversos estados). 146A Universidade Estadual de Maringá-UEM havia sido procurada para a criação do curso
superior “Pedagogia da Terra”, mas como a administração havia-se mostrado refratária a esse primeiro contato, essa opção foi desconsiderada naquele momento.
149
supletivo). Em função dessa dificuldade, criou-se em 2004, na Escola José
Gomes, em São Miguel do Iguaçu, o Curso Técnico em Agroecologia, integrado
ao ensino médio. As escolas passaram a poder oferecer o curso nessas duas
modalidades, em função das demandas: pós-médio (com duração aproximada de
dois anos) e integrado ao ensino médio (com aproximadamente três anos e meio
de duração).
Nesses primeiros cursos, os integrantes do MST eram ainda a maioria
absoluta. Objetivando-se construir uma maior integração entre os movimentos da
Via Campesina, e buscando ampliar a formação em agroecologia para a
graduação, foi criada, em 2005, a Escola Latinoamericana de Agroecologia, na
Lapa.
No próximo item, apresentamos, de forma breve, as escolas técnicas do
MST (e da Via Campesina) no Paraná.
4.3. AS ESCOLAS TÉCNICAS DO MST NO PARANÁ
Mello (2006) apresenta um panorama nacional dos cursos de educação
profissional, na área da produção, no MST. À época do estudo realizado pelo
autor, existiam 10 cursos de nível médio ou pós-médio, em Agroecologia (nos três
estados do sul e na Paraíba). Em nível superior: 1 curso Tecnólogo em
Agroecologia (no Paraná, na ELAA); 3 cursos de Agronomia (Sergipe, Pará e
Mato Grosso); 2 em Ciências Agrárias (Paraíba); 1 em Gestão em Organização
Social e Cooperativas (São Paulo) e 1 em Desenvolvimento Rural (Rio Grande do
Sul). Na pós-graduação: uma Especialização em Agroecologia (em Santa
Catarina) e 5 especializações na modalidade “Residência Agrária” (Ceará,
Paraíba, Goiás, São Paulo e Paraná).
São atualmente (2010) quatro as escolas técnicas no Paraná: o Centro de
Desenvolvimento Sustentável e Capacitação em Agroecologia-CEAGRO, com
duas unidades, uma em Cantagalo e outra em Rio Bonito do Iguaçu; a Escola
José Gomes/Instituto Técnico de Educação e Pesquisa na Reforma Agrária-
ITEPA, em São Miguel do Iguaçu; a Escola Milton Santos-EMS, em Maringá; e a
150
Escola Latinoamericana de Agroecologia-ELAA, na Lapa (próximo a Curitiba). Um
mapa com a localização das escolas pode ser encontrado no anexo 1. No quadro
3, sistematizamos os dados referentes ao número de turmas e de educandos, já
formados e em andamento, por escola.
Quadro 3: Turmas formadas e em andamento, e número de educandos, por
escola.
Escolas Turmas formadas
N° de educandos
Turmas em andamento
N° de educandos
EMS 3 70 1 40
CEAGRO 4 145 2 49
ELAA 1 22 2 107(1)
ITEPA 1(2) 24 1 40
TOTAL 9 261 6 236 Fonte: SPCMA/PR, fev. 2010. Organizado por mim. Notas: (1) Incluindo 7 educandos da turma 1 que não haviam alcançado o aproveitamento
mínimo na avaliação final. (2) No ITEPA formou-se também uma turma de Técnicos em Saúde Comunitária, com cerca de 22 educandos.
A seguir, fazemos uma breve apresentação de cada escola e dos cursos
oferecidos por cada uma delas.
4.3.1. O Centro de Desenvolvimento Sustentável e Capacitação em Agroecologia - CEAGRO
O Centro de Desenvolvimento Sustentável e Capacitação em
Agroecologia – CEAGRO foi o primeiro Centro de formação constituído pelos
assentados de Reforma Agrária no estado do Paraná, tendo sido criado em 1989.
Essa primeira unidade está localizada no assentamento Jarau, município de
Cantagalo, região centro-sul do Estado, a qual apresenta grande número de
151
famílias assentadas e acampadas147. Uma segunda unidade (denominada de
unidade Vila Velha) foi fundada em Rio Bonito do Iguaçu, no assentamento Ireno
Alves (parte da antiga fazenda Giacometti, o maior latifúndio do Paraná).
Desde 2003, vem oferecendo os seguintes cursos: Curso Técnico em
Agropecuária com Ênfase em Agroecologia (nível pós-médio); Curso Técnico em
Agroecologia (integrado ao ensino médio). Desde 2009, oferece também o Curso
Técnico em Gestão de Cooperativas, em parceria com a Universidade de
Mondragón, Espanha (que não é analisado nesta pesquisa).
É considerado um Centro de referência no Estado do Paraná, pela prática
acumulada em Agroecologia, destacando-se pela prática do Pastoreio Racional
Voisin-PRV sob orientação da Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC,
adubação verde, produção de sementes crioulas de milho e feijão, criação de
suínos ao ar livre, reflorestamento com espécies nativas e sistemas agroflorestais.
4.3.2. Escola José Gomes – EJG
A Escola José Gomes foi fundada em 2000. Está localizada na sede do
ITEPA - Instituto Técnico de Educação e Pesquisa da Reforma Agrária (ITEPA),
assentamento Antônio Companheiro Tavares, município de São Miguel do Iguaçú,
região oeste do Estado.
Desde 2004 oferece os seguinte cursos formais: Curso Técnico em
Agroecologia (integrado ao ensino médio); Curso Técnico em Saúde Comunitária
(nível médio). É importante destacar que, devido à localização da escola,
freqüentam os cursos também estudantes dos movimentos sociais camponeses
do Paraguai.
Desde 2004, o ITEPA é também considerado um Centro Irradiador de
Manejo da Agrobiodiversidade-CIMA, numa parceria com o Ministério do Meio
Ambiente-MMA e o INCRA. Os principais objetivos dos CIMAS são preservar as
variedades de sementes crioulas e as raças crioulas de animais domésticos,
147 São 4.850 famílias assentadas e 774 famílias acampadas, de acordo com dados levantados
pelo próprio CEAGRO (CEAGRO, 2009).
152
incentivar o cultivo de plantas medicinais e a prática sustentável do agro-
extrativismo; ou seja, incentivar ações que além de preservar a biodiversidade,
garantam a autonomia dos agricultores em relação às multinacionais,
principalmente de sementes e medicamentos.
4.3.3. A Escola Milton Santos – EMS
A Escola Milton Santos localiza-se na zona urbana do município de
Maringá, onde funciona desde junho de 2002, em área abandonada, concedida
pela Prefeitura Municipal de Maringá148.
Inicialmente vinculada ao Instituto Técnico de Educação e Pesquisa da
Reforma Agrária-ITEPA, a EMS é hoje legalmente representada pela Associação
de Trabalhadores na Educação e Produção em Agroecologia Milton Santos-
ATEMIS, composta por pequenos agricultores, camponeses, educadores e
educandos do campo do Estado do Paraná, e tem por objetivo geral estimular o
desenvolvimento comunitário e cultural, o desenvolvimento agrícola, a
agroecologia e o desenvolvimento sustentável, desenvolvendo atividades de
educação, capacitação e pesquisa.
Desde 2003, oferece os seguintes cursos: Curso Técnico em
Agropecuária com Ênfase em Agroecologia (nível pós-médio); Curso Técnico em
Agroecologia (integrado ao ensino médio). A Escola também estabeleceu uma
parceria com a Universidade Estadual de Maringá-UEM para a criação do curso
superior “Pedagogia do Campo”, atualmente em tramitação na UEM e no INCRA.
Os Cursos Técnicos em Agroecologia visam atender, prioritariamente, às
regiões Norte, Centro-Oeste e Noroeste do Estado do Paraná (embora em suas
turmas estivessem educandos de quase todas as regiões do estado).
A produção, na escola (para consumo, experimentação e comercialização
do excedente), envolve: fruticultura, olericultura, adubação verde, bovinocultura
de leite e criação de pequenos animais, todos de forma agroecológica. A maior
148A concessão foi obtida na gestão municipal do Partido dos Trabalhadores e vem sendo
duramente contestada pela gestão atual, inclusive com ameaça de despejo.
153
parte da área concedida caracteriza-se por apresentar-se em estágio de
degradação bastante avançado, devido a anos de exploração de basalto e
retirada de terra, havendo uma parte significativa apta apenas ao reflorestamento.
A Escola Milton Santos vem desenvolvendo experiências expressivas na
área das energias renováveis, em parceria com o Grupo de Cooperação Campus
de Terrassa-CGCT, da Catalúnia, Espanha.
4.3.4. A Escola Latino Americana de Agroecologia – ELAA
A Escola Latino Americana de Agroecologia foi criada em 2005, a partir de
um protocolo de intenções, firmado durante o Fórum Social Mundial149, entre a
Vía Campesina, o governo do Paraná, na pessoa do governador Sr. Roberto
Requião, e o governo da Venezuela, na pessoa do Presidente Sr. Hugo Chávez.
Nesse protocolo firmou-se a intenção e a necessidade de constituir um curso de
nível superior em Agroecologia que possibilitasse o ingresso da juventude
camponesa na universidade, por meio de uma proposta pedagógica condizente
com a realidade do campo.
A ELAA é pioneira em propor e oferecer, juntamente com a Universidade
Federal do Paraná-UFPR, um curso de nível superior em Agroecologia: o
“Tecnologia em Agroecologia”, com duração de três anos e meio. Nomes
importantes da agroecologia brasileira têm ministrado aulas e acompanhado a
formação dos estudantes (como Ana Primavesi, Luiz Carlos Pinheiro Machado e
Carlos A. Khatounian, por exemplo).
A Escola está localizada na área rural do município da Lapa (região
metropolitana de Curitiba), no Assentamento Contestado. Desenvolve na área
diversos experimentos para fins de validação das práticas agroecológicas e para
a produção de auto-sustento, destacando-se: olericultura agroecológica; produção
agroecológica de sementes crioulas (milho, arroz, feijão, adubação verde, etc);
bovinocultura de leite em Pastoreio Racional Voisin-PRV; avicultura caipira;
149 O Fórum Social Mundial realizou-se em Porto Alegre-RS, mas uma de suas atividades foi uma
visita a um assentamento no município de Tapes, onde foi firmado o referido protocolo.
154
suínos ao ar livre, ovinocultura, apicultura; viveiro florestal para florestamento
local e venda das mudas excedentes. Em novembro de 2009, a ELAA sediou
algumas atividades do V Congresso Brasileiro de Agroecologia, realizado em
Curitiba.
A coordenação e direção política da escola é formada por representantes
dos movimentos sociais da Via Campesina Brasil: além do MST, o Movimento dos
Pequenos Agricultores-MPA, Movimento dos Atingidos por Barragens-MAB,
Movimento de Mulheres Camponesas-MMC, Comissão Pastoral da Terra-CPT e
Pastoral da Juventude Rural-PJR. Os educandos das duas primeiras turmas eram
oriundos de 18 estados brasileiros, dos diversos movimentos, além do Paraguai
(estes ligados à Coordenação Nacional das Mulheres Indígenas-CONAMURI e ao
Movimento Campesino Paraguaio-MCP).
4.4. ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS CURSOS TÉCNICOS EM
AGROECOLOGIA
Podemos dizer que existe uma certa uniformidade na forma de organização
e funcionamento dos cursos formais promovidos pelo MST150, os quais, como
ressaltamos em outro momento, gozam de relativa autonomia pedagógica, o que
está inclusive respaldado na LDB. O objetivo é construir a “escola diferente”, a
proposta pedagógica que vem sendo elaborada a partir das diversas práticas
educativas e das reflexões coletivas desde os primórdios do Movimento. A
experiência de referência é sem dúvida aquela acumulada pela Escola Josué de
Castro, do Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária-
ITERRA, em Veranópolis-RS, primeira escola formal do MST. Assim, a
elaboração de qualquer Projeto Político e Pedagógico das escolas do MST se
baseia nos documentos do ITERRA, em especial o caderno n. 2, intitulado
“Projeto Pedagógico”, e o caderno n. 6, intitulado “Método Pedagógico” (ITERRA,
150Na educação profissional no campo da produção, existe também, atualmente, uma base
curricular de referência, sistematizada pelo SPCMA em nível nacional, a partir das experiências de diversos cursos, sem que exista, contudo, uma uniformização (MELLO, 2006).
155
2001, 2004), que procuram traduzir os princípios filosóficos e pedagógicos da
educação no MST151.
A partir desses documentos e dos projetos político-pedagógicos das
escolas técnicas do Paraná, procuramos, a seguir, sintetizar os elementos
fundamentais da organização e funcionamento dos cursos técnicos em
agroecologia (ressaltando que nosso objetivo não é tecer comparações ou
avaliações de cada proposta, mas oferecer elementos para a compreensão da
realidade onde se desenvolve o Diálogo de Saberes).
O Método Pedagógico construído pelo MST envolve intencionalidade
(não se dá espontaneamente), diretividade (não é um processo caótico) e
estratégias pedagógicas (conjunto de processos)152. Nas palavras de Caldart
(2007, p. 26),
considerar que a educação das pessoas é um processo quer dizer que ela acontece em um movimento dialético que envolve tempos, transformações, contradições; que é historicidade a ser compreendida e trabalhada. Considerar que é um processo intencional quer dizer que há um trabalho pedagógico planejado que pode ser feito no propósito das transformações e dos traços humanos que elas vão desenhando [...].
Há que se considerar também a tensão envolvida nos processos
educativos, em especial aqueles que se pretendem emancipatórios:
Queremos formar sujeitos criadores do novo, construtores do futuro, mas fazemos isso pela interiorização da cultura, dos valores, da história já construídos, “conformando” as novas gerações aos parâmetros sociais e humanos (contraditórios) já existentes. Ou seja, o ser humano produtor do novo se forma na própria tensão entre conformação e inconformação social; entre estabilidade e instabilidade; entre inserir-se no mundo que aí está e participar de sua transformação (CALDART, 2007, p. 27).
151Descritos sumariamente no capítulo anterior, item 3.3.3. 152Conforme fala de Paulo Ceriolli (do ITERRA), durante o III Seminário das Escolas Técnicas do
MST/PR, ocorrido no CEAGRO, em Cantagalo-PR, entre 24 e 27 de março de 2007.
156
Para aquilo que nos interessa, destacamos como elementos básicos desse
método: a alternância; os tempos educativos; o trabalho; a coletividade e a
estrutura orgânica; a gestão democrática e a auto-organização; e a pesquisa.
4.4.1. A Alternância
Os cursos formais do MST são organizados no regime ou sistema de
alternância153, combinando períodos de atividades na escola (e também
atividades de campo promovidas pela escola), o Tempo Escola (TE), que é um
tempo/espaço presencial; e períodos nas comunidades de origem dos(as)
educandos(as), o Tempo Comunidade (TC), que pode ser entendido como um
tempo/espaço semi-presencial. Importante salientar que “comunidade de origem”
está aqui diretamente vinculada ao movimento social ao qual o educando
pertence; é no TC que a Pedagogia do Movimento, de que tratamos na seção
anterior, atua com mais força. Assim, “para os Sem Terra, o MST é o pedagogo
do TC” (ITERRA, 2004, p. 21).
No TC, os(as) educandos(as) desenvolvem trabalhos dirigidos pela escola,
tais como leituras, registros, pesquisas de campo, estágios, experimentações e
cursos complementares. Além disso, devem participar ativamente na organicidade
e nas lutas do Movimento Social de que fazem parte, e manter o enraizamento na
comunidade ou coletivo de origem, participando de suas atividades (às vezes, o
Movimento Social responsável pode enviar os educandos a outra comunidade em
determinados TC, ou os educandos podem permanecer na escola, contribuindo
para sua construção ou manutenção).
Em função da alternância, os cursos são divididos em etapas, cujo número
e duração variam de acordo com o curso e mesmo com o andamento das turmas.
153Não confundir com a Pedagogia da Alternância, utilizada no Brasil pelos Centros Familiares de
Formação por Alternância – CEFFAs. Nas Casas Familiares Rurais, por exemplo, o educando passa uma semana na escola e duas e meia semanas no ambiente familiar. “O pressuposto da pedagogia da alternância é a formação do jovem a partir de sua experiência vivida” (ANDRADE; DI PIERRO, 2004, p. 70). Ver Teixeira, Bernartt e Trindade (2008).
157
Em média, o TE tem variado de 45 a 70 dias, e o TC de 60 a 90 dias. Questões
diversas como períodos de safra nas regiões dos educandos, o calendário de
lutas dos Movimentos Sociais, ou ainda o atraso na liberação dos recursos do
PRONERA, podem alterar a duração das etapas.
4.4.2. Os Tempos Educativos
As atividades desenvolvidas no tempo/espaço escola estão organizadas
em Tempos Educativos, organizando-se cronologicamente o dia dos educandos e
educadores. Os tempos educativos tem como intencionalidade:
a) Incorporar outras atividades educativas, além das aulas, trabalhando
pedagogicamente as várias dimensões da formação humana.
b) contribuir no processo de organização e auto-organização dos
educandos/as, exercitando o aprendizado de organizar o tempo
pessoal e o tempo coletivo em relação às tarefas necessárias, levando
os educandos a “[...] gerir interesses, estabelecer prioridades, assumir
compromissos com responsabilidade” (ITERRA, 2004, p. 23).
Apresentamos, no quadro 4, os tempos educativos “comuns” à maioria dos
cursos:
Quadro 4: Descrição dos tempos educativos mais comuns na Educação
Profissional.
a) Tempo Formatura: tempo diário do conjunto da Escola destinado à motivação das atividades do dia, conferência das presenças por Núcleo de Base, informes gerais, cultivo da mística da coletividade da Turma, da Escola e de toda classe trabalhadora; cultivando a identidade latino-americana e o internacionalismo.
b) Tempo Aula: tempo diário, sob a orientação de um/a educador/a, destinado ao estudo dos componentes curriculares previstos no projeto do curso, conforme cronograma das aulas e incluindo momento de intervalo.
158
c) Tempo Trabalho: espaço de tempo diário para realizar as tarefas necessárias ao bom funcionamento da Escola e garantia de continuidade da existência, visando alcançar as metas estabelecidas e executar o Plano de Atividades da escola.
d) Tempo Oficina: tem por finalidade o aprendizado e o desenvolvimento de habilidades (aprender a saber fazer), visando alcançar as metas de aprendizagem previstas, sob orientação de um monitor.
e) Tempo Cultura: destinado ao cultivo e, a socialização, à reflexão sobre expressões culturais diversas e à complementação da formação política e ideológica do conjunto da coletividade da turma.
Quadro 4: Continuação...
f) Tempo Reflexão Escrita: tempo pessoal, destinado ao registro das reflexões, em caderno pessoal e específico, das vivências, da percepção dos aprendizados sobre o dia a dia.
g) Tempo Esporte e Lazer: tempo destinado a educação corporal através de exercícios físicos diversificados. Sempre que possível, exercícios que visam ação conjunta/coordenada.
h) Tempo Núcleo de Base: tempo destinado ao processo organizativo da coletividade, envolvendo tarefas de gestão do curso, mística, estudos, trabalho e outras tarefas delegadas pelo Centro e o Curso.
i) Tempo Estudo: tempo destinado a estudos de recuperação, reforço de aprendizado ou leituras indicadas pelos educadores/as.
j) Tempo Leitura: tempo destinado à leitura dirigida individual. k) Tempo Seminário: tempo destinado ao aprofundamento de um determinado
assunto; análise de conjuntura; momento de socialização e avaliação de experiências.
Fonte: Adaptado de ELAA (2005).
Ressaltamos que a caminhada de cada curso e de cada turma pode levar à
mudança ou extinção de um determinado tempo, ou à criação de outros, de
acordo com as necessidades. Além disso, os tempos não são necessariamente
os mesmos todos os dias. Um exemplo da organização cronológica dos tempos
educativos pode ser visto no quadro 5.
Quadro 5: Exemplo de organização cronológica dos tempos educativos. HORÁRIO TEMPO EDUCATIVO PERIODICIDADE
7:15 – 8:00 h Tempo Leitura Quatro vezes por semana
159
Tempo Notícias Duas vezes por semana
8:00 – 8:20 h Tempo Formatura Diariamente
8:20 – 12:00 h Tempo Aula De segunda a sábado
Tempo Trabalho Duas vezes por semana 14:00 – 17:00 h
Tempo Aula Três vezes por semana
17:00 – 18:00 h Tempo Educação Física Duas vezes por semana
Tempo Oficina Três vezes por semana 20: 00 – 21:40 h
Tempo Núcleo de Base Uma vez por semana
21:40 – 22:00 h Tempo Reflexão Escrita De segunda a sábado Fonte: Anotações da autora (Escola Milton Santos, Turma III, etapa 3, janeiro a março 2007). 4.4.3. O Trabalho
A relação entre educação e trabalho está presente nos princípios da
educação no MST: educação para o trabalho e a cooperação; educação para o
trabalho e pelo trabalho; vínculo orgânico entre processos educativos e processos
econômicos. De modo geral, o MST apóia-se na concepção socialista do trabalho
como princípio educativo154 e também como princípio pedagógico (às vezes sem
fazer essa distinção), a partir de Gramsci e dos educadores soviéticos da
chamada escola do trabalho, especialmente Pistrak e Makarenko (ITERRA,
2004). Tratar dessa questão em profundidade não é nosso objetivo, mas apenas
oferecer alguns elementos para melhor compreender o funcionamento das
escolas e o próprio Diálogo de Saberes.
Parte-se da compreensão de trabalho como esforço físico e mental em
vista da transformação e do cuidado do meio em que se vive, processo em que o
ser humano também se transforma – se humaniza. O trabalho, nas escolas do
MST, tem também o sentido de cultivo da própria raiz (pertencimento à classe
trabalhadora) e de identidade com um projeto de transformação social (ITERRA,
2004). Essa compreensão coincide, em linhas gerais, com aquela de Frigotto
(2009), acerca do trabalho como princípio educativo.
Afirma-se que o trabalho educativo é aquele socialmente útil; que “[...]
exige reflexão, sobre o que se faz, o como se faz, o porquê se faz assim ou
porque se organiza o trabalho deste e não de outro modo” (ITERRA, 2004, p. 18), 154Ver a esse respeito Ciavatta (2005) e Frigotto (2009).
160
e que idealmente é desenvolvido de forma complexa ou criativa, embora isso nem
sempre seja alcançado (CHRISTOFOLLI, 2007). Também há uma dificuldade em
se estabelecer uma relação direta, na prática, entre trabalho manual e intelectual
(MACHADO155, 2003, apud VENDRAMINI, 2009).
Entretanto, de acordo com Dalmagro (2002156, apud VENDRAMINI, 2009,
p. 4), “[...] a concepção predominante nos documentos é a idéia do trabalho como
uma necessidade. Segundo a autora, antes de ser educativo ou não, o trabalho é
necessário para o conjunto das pessoas que integram o MST”. Toná (2005, p.
48), analisando a experiência do CEAGRO, também associa o trabalho na escola
às necessidades de sobrevivência, mas destaca a existência de uma “[...] inter-
relação com as intencionalidades pedagógicas do próprio Centro e dos cursos
que ali se realizam”.
Nos cursos técnicos estudados, os educandos envolvem-se em trabalhos
diversos na escola: limpeza dos espaços coletivos, preparo das refeições,
manutenção e reparo das estruturas e equipamentos, tarefas administrativas
(como secretaria, organização de materiais, biblioteca...), cuidado com as
crianças (na chamada ciranda infantil), construção ou reforma de instalações,
além do trabalho economicamente produtivo, que no caso em estudo, é o trabalho
agrícola. O trabalho é normalmente organizado em Setores, cuja
denominação/organização varia de escola para escola.
O trabalho produtivo no campo da agroecologia também pode ocorrer nas
Unidades de Produção Agroecológica-UPA, que existiram em algum momento em
todas as quatro escolas do MST no Paraná, permanecendo atualmente apenas
no CEAGRO e na ELAA (nesta última, com a denominação de Unidades
Camponesas Agroecológicas-UCAs). As UPAs (ou UCAs) são atividades práticas
em agroecologia, com finalidade de produção, demonstração ou experimentação,
desenvolvidas por grupos de educandos, na área da escola, envolvendo
planejamento e avaliação do processo. Normalmente são desenvolvidas num
155MACHADO, I. F. A organização do trabalho pedagógico em uma escola do MST e a
perspectiva de formação omnilateral. 2003. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2003.
156DALMAGRO, Sandra Luciana. Trabalho, coletividade, conflitos e sonhos: a formação humana no Assentamento Conquista na Fronteira. 2002. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2002.
161
tempo educativo específico e podem estar ou não integradas às atividades dos
setores (ELAA, 2005; TONÁ, 2005, 2007; LIMA, 2008).
Toná (2005) identifica que a intencionalidade específica da organização do
trabalho nas escolas/centros de agroecologia está em criar situações objetivas
desafiadoras, que produzam a necessidade de aprender. Isso, entretanto, não
deve ser confundido com um desprezo pela apropriação de conteúdos teóricos,
nem com artifícios didáticos das “pedagogias ativas”. Significa considerar o
trabalho em seu sentido mais amplo, como atividade humana em que o ser
humano também se produz: Sob esta concepção ontocriativa, o trabalho é entendido como um processo que permeia todas as esferas da vida humana e constitui a sua especificidade. Por isso mesmo, não se reduz à atividade laborativa ou emprego. Na sua dimensão mais crucial, ele aparece como atividade que responde à produção dos elementos necessários à vida biológica dos seres humanos. Concomitantemente, porém, responde às necessidades de sua vida cultural, social, estética, simbólica, lúdica e afetiva (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2005b)157.
Em “A dialética do trabalho no MST”, Silva (2005), investigando o trabalho
desempenhado por trabalhadores sem-terra voluntários, na construção da sede
da Escola Nacional Florestan Fernandes, em Guararema-SP, afirma: Daí a importância de perceber as potencialidades e limites deste trabalho a partir de sua dimensão educativa: da formação de sujeitos sociais capazes de fazerem escolhas, de ampliarem suas alternativas de futuro através de sua história, da sua práxis social e da produção subjetiva e material de uma cultura do coletivo, de uma cultura da organização (SILVA, 2005, p. 222).
Os limites referem-se à alienação do trabalho (ou, mais corretamente, a
uma forma histórica do trabalho), na sociedade de classes (negatividade do
trabalho alienado), onde a realização do trabalho totalmente criativo,
autogestionado e emancipador é limitada. As potencialidades desse trabalho
aparecem diretamente vinculadas à luta social e à organização coletiva, à busca
da subversão do atual estado de coisas, fortalecendo o pertencimento a um
projeto político que vai além da luta pela terra.
157 Documento disponível on-line, não paginado.
162
4.4.4. Coletividade e Estrutura orgânica
Em sua proposta, o MST concebe a educação como um processo coletivo
e individual, combinada e simultaneamente, onde o parâmetro não é o
indivíduo isolado; entretanto, “não se trata de desconsiderar as pessoas e nem a
sua ‘individualidade’, mas de trabalhar a educação de cada um desde seus
vínculos sociais e pela sua inserção em uma coletividade” (CALDART; CERIOLI,
2007, p. 31). Coletividade tal como definida por Makarenko: A coletividade é um organismo social vivo e, por isso mesmo, possui órgãos, (sistema de) atribuições, (sistema de) responsabilidades, correlações e interdependência entre as partes. Se tudo isso não existe, não há um coletivo, há uma simples multidão, uma concentração de indivíduos (CAPRILES, 1989, p. 153-154).
Uma coletividade está em construção permanente, não existe pronta. Seus
princípios de funcionamento são (ITERRA, 2004, p. 49):
a) subordinação entre iguais: todos vivenciam um momento de
comandar e um momento de ser comandado;
b) estabelecer claramente as responsabilidades e atribuições de cada
órgão da coletividade (ou instância), buscando-se evitar o
burocratismo, o autoritarismo e o demagogismo
c) respeito pelas instâncias: respeito à organização pactuada
(respeitando o que cabe a cada nível),
d) cumprimento dos acordos firmados.
A coletividade escolar constitui-se do coletivo de educadores e do coletivo
de educandos, diferentes em função dos papéis específicos no processo
educativo, mas inter-relacionados158. Ela está inserida numa coletividade maior,
que corresponde ao Movimento Social (MST, Via Campesina).
158A falta de educadores permanentes e a rotatividade dos educadores das disciplinas acaba
prejudicando a ampliação/consolidação do coletivo de educadores, ficando este, no mais das vezes, restrito ao Coletivo de Acompanhamento Político-Pedagógico e a alguns educadores mais próximos.
163
A organização da coletividade escolar toma por base a estrutura orgânica
dos movimentos sociais, adaptando-a à especificidade da escola. De maneira
geral, há uma organização horizontal, em escalas: na base (núcleos de base159),
na(s) turma(s) (coordenação dos núcleos de base, coordenação dos setores de
trabalho, coordenação da turma), na escola como um todo (Coletivo de
Educadores, Coordenação de Acompanhamento Político-Pedagógico,
Coordenação Político-Pedagógica).
Numa proposta de educação entendida como formação humana em todas
as dimensões, considera-se que a coletividade seja a educadora da
personalidade coletiva, “[...] uns se tornando educadores dos outros, sempre se
ajudando numa perspectiva de projeto e de construção do companheirismo
(camaradagem)” (ITERRA, 2004). Essa forma de organização pressupõe/exige a
gestão democrática e auto-organização dos estudantes.
4.4.5. Gestão Democrática e Auto-Organização
Como havíamos adiantado brevemente no segundo capítulo, educandos,
educadores e comunidade160 são convocados a participar, de forma devidamente
organizada, da gestão de todo o processo educativo (sem que isso se confunda
com as estratégias de descentralização da gestão preconizadas pela Reforma do
Aparelho do Estado, como vimos no capítulo 2). Essa participação ocorre em
instâncias apropriadas: os núcleos de base, as coordenações, as assembléias. O
que à primeira vista pode parecer uma opção pela democracia representativa é
justamente o oposto: busca-se na verdade uma democracia direta (que não pode 159Os trabalhadores permanentes (incluindo-se aí os educadores permanentes que residem na
escola) também fazem parte de um núcleo de base. 160A participação da comunidade se dá de diversas maneiras. Nas escolas que se localizam em
assentamentos (CEAGRO, ITEPA, ELAA), a comunidade tem representantes na coordenação da escola, mas tem também participação direta em algumas atividades específicas (encontros, atividades culturais, mutirões, etc.). Nos encontros e reuniões das instâncias dos movimentos, as escolas/cursos entram como ponto de pauta, para avaliação, discussão e encaminhamentos. Finalmente, a relação mais próxima acontece em função do Tempo-Comunidade, durante o qual o educando participa ativamente na comunidade de origem e é avaliado pelo coordenador responsável, que deve encaminhar um parecer à escola. No Tempo-Escola subseqüente, organiza-se um Seminário do Tempo-Comunidade, em que se debate questões surgidas durante aquela vivência.
164
ser confundida com “assembleísmo”). As questões mais importantes devem ser
discutidas nos núcleos de base (espaço que favorece a participação e o debate) e
os coordenadores não são independentes, mas sujeitos ao controle dos coletivos
que os escolheram. Os assuntos mais polêmicos são decididos em assembléia,
normalmente após uma discussão prévia nos núcleos. Entretanto, a via
privilegiada de decisão não é a votação (embora ela efetivamente possa ocorrer,
em questões mais polêmicas), mas a construção de consensos (acordos), uma
vez que as discussões devem pautar-se pelo interesse coletivo, partindo-se do
entendimento de que É falsa a visão de oposição entre indivíduos e sociedade; entre indivíduo e coletivo; nenhuma pessoa existe fora das relações sociais; ela é portadora e produto destas relações; do mesmo modo que coletivos se constituem de pessoas e das subjetividades (que na verdade são sempre intersubjetividades) que constroem em suas relações (CALDART; CERIOLI, 2007, p. 38).
Isso não quer dizer que se busque evitar, abafar ou mesmo negar os
conflitos. Os conflitos, as contradições, fazem parte da realidade, estão na base
do “movimento do real” e, mais ainda, dos processos educativos, que implicam
um “desconforto pessoal”, relacionado à dialética formação-deformação,
humanização-desumanização. Evitar o conflito ou resolvê-lo pela coletividade
impede o crescimento de seus membros e acumula tensões que acabam
aflorando de outra maneira. O que se propõe, então, é buscar “politizar” ou
“pedagogizar” os conflitos; considerá-los em nossa intencionalidade pedagógica,
de maneira a favorecer sua emergência161, buscar suas raízes, buscar
compreendê-los com relação aos princípios adotados para tentar superá-los
coletivamente, “[...] influindo para uma síntese possível que nos ajude a ir
avançando no processo” (ITERRA, 2004, p. 88), síntese sempre provisória, em
que novas contradições voltam a aparecer. Evidentemente que não se trata de
um processo tranqüilo, que requer grande habilidade do Coletivo de
Acompanhamento Político-Pedagógico, o que nem sempre é o caso.
161Tenhamos presente, contudo, que “não se trata também de criar artificialmente as contradições;
não é a contradição em si o que educa, mas o enfrentamento (humano/humanizado) das situações reais, sem medo dos conflitos que às vezes elas provocam” (CALDART; CERIOLI, 2007, p. 39). Também não se trata, de maneira nenhuma, de abdicar do controle do processo educativo.
165
A gestão democrática implica na auto-organização dos educandos. Auto-
organização significa que o educando Compreende a capacidade de agir por iniciativa própria; respeita as decisões tomadas pelo seu coletivo ou pelo coletivo que esteja subordinado; busca a solução de problemas; exercita a crítica e a autocrítica; tem compromisso pessoal com as ações coletivas e o compromisso coletivo com as ações individuais. (ELAA, 2005, p. 12).
Machado (2003, apud VENDRAMINI, 2009), analisando o processo de
organização do trabalho pedagógico nas escolas do MST, identifica a auto-gestão
como uma das categorias fundamentais de sustentação da proposta educativa do
MST.
Pelo exposto, pode-se compreender que tanto a coletividade quanto a
gestão democrática e a auto-organização dos educandos não se encontram
dadas no início dos cursos, mas vão sendo construídos ao longo das etapas,
graças à estrutura organizativa e aos princípios educativos adotados.
Evidentemente que essa forma de organização só é possível pela estreita
vinculação das escolas em questão ao Movimento Social; de outra forma, seria
artificial, falso.
4.4.6. Pesquisa
Um dos princípios pedagógicos da Educação no MST refere-se a “atitude e
habilidades de pesquisa”, que está relacionado à necessidade de compreender
para intervir de maneira qualificada, transformar a realidade. De acordo com o
documento-síntese do Seminário Nacional “O MST e a pesquisa”, realizado na
Escola Nacional Florestan Fernandes, em março de 2007, O Movimento compreende e assume a pesquisa enquanto produção e socialização de conhecimento novo em pelo menos duas dimensões: (i) como uma necessidade essencial, vital e orgânica para a Organização, pois sem pesquisa não há conhecimento científico para fazer a transformação, ou seja, a pesquisa é também “ferramenta” da luta política; (ii) como princípio educativo que deve perpassar o trabalho das escolas e cursos,
166
portanto como uma “estratégia de formação” de quadros no Movimento (ITERRA, 2007b, p. 112).
Propõe-se que “o estranhamento da realidade (que rompe com a
naturalização do olhar), o inquirir/pesquisar deve ser uma postura de vida”
(ITERRA, 2004, p. 32, grifo dos autores).
A especificidade dos cursos de Agroecologia destaca ainda mais essa
postura/habilidade: A concepção que embasa os trabalhos em agroecologia pressupõe uma constante busca pelo aperfeiçoamento e adaptação dos profissionais e dos processos utilizados às características locais de clima, solos, culturas, etc162. Isso poderá ser alcançado pelo desenvolvimento da capacidade dos profissionais em observar a natureza, habilidades e abertura de pensamento em buscar alternativas produtivas e tecnológicas e, principalmente, pela capacidade de desenvolver atividades de pesquisa em parceria com os agricultores com quem trabalha, tendo em vista à criação conjunta de alternativas para solucionar problemas e gargalos, produtivos, tecnológicos, organizativos, etc. Para tanto, os profissionais formados pela Escola deverão dominar as técnicas de experimentação agrícola, os métodos e delineamentos mais adequados a serem empregados conforme os tipos de problemas analisados e dominar o paradigma científico da agroecologia (ESCOLA MILTON SANTOS, 2009163, p. 15)
No Tempo-Escola, o lugar privilegiado da pesquisa tem sido as Unidades
de Produção Agroecológica-UPA (nas escolas onde existe) ou os próprios
Setores de Trabalho. Entretanto, as condições para a realização de pesquisas
nem sempre são adequadas (ou minimamente suficientes), de maneira que a
necessidade imediata de produzir alimentos para o consumo interno ou a
comercialização às vezes acaba limitando as possibilidades reais.
Toná (2007), sistematizando a experiência das quatro escolas do Paraná
no campo da pesquisa, destaca que houve avanços significativos onde a escola
amadureceu um projeto estratégico, consolidando sua organicidade interna, com
setores e tarefas bem definidos (o autor destaca a experiência do CEAGRO). A
contribuição de assessores com grande experiência em agroecologia, bem como
162A “adaptação” de que fala o documento refere-se à necessidade, no âmbito da agroecologia, de
considerar sempre as características ecológicas e sócio-econômicas locais, em sua especificidade, para propor estratégias adequadas de trabalho.
163 Projeto Político-Pedagógico do Curso Técnico em Agroecologia, turma IV.
167
o maior envolvimento dos educandos nos setores (como responsáveis diretos
pelas atividades) também foi fundamental para o avanço da atividade de
pesquisa. Ainda assim, permanece o desfio de não deixar que as atividades de
investigação voltem à estaca zero a cada vez que os educandos deixam a escola,
para o Tempo-Comunidade.
Um instrumento importante de estímulo à pesquisa, desta vez
perpassando Tempo-Escola e Tempo-Comunidade, é o Trabalho de Conclusão
de Curso-TCC, exigido em todas as escolas de agroecologia do Paraná, na forma
de uma monografia, e com defesa perante uma banca examinadora164. De acordo
com Toná (2007), trata-se de um desafio de pesquisa na/com a base do movimento social, desafio de caráter teórico-prático e processual, uma vez que
se espera que a elaboração vá sendo realizada ao longo do curso, e não apenas
ao final (embora as condições existentes nem sempre favoreçam essa diretriz). A
seguinte formulação oferece uma síntese que pode nos ajudar a compreender: Na escola a pesquisa é estratégia pedagógica (princípio) por ser forma ou jeito de organização do estudo (exercícios diferentes em tempos diferentes) e deve haver um processo específico (TCC) o mais real possível (vivência orientada do método entendido como série de passos em vista de uma obra) (ITERRA, 2007b, p. 71).
Vendramini (2007b), analisando experiências de pesquisa em alguns
cursos formais do MST, apontou a necessidade de uma distinção importante: a
pesquisa como estratégia pedagógica e como pesquisa científica. Como
estratégia pedagógica, é um questionamento à concepção de educação como
mera transmissão de conhecimentos. Entretanto, a autora alerta para o fato de
que esta estratégia está entre as atualmente recomendadas pelos organismos
internacionais para a formação de professores, a partir de uma ressignificação
simplificadora dos pressupostos da Escola Nova165, centrado na auto-
aprendizagem e no auto-didatismo. Considerando a proposta de educação do
MST em seu conjunto, pode-se afirmar que não é esse o entendimento (embora
possam existir pressões nesse sentido, conscientes ou não, vindas dos próprios
164Araújo (2007) destaca que atualmente, o TCC integra a proposta pedagógica de todos os
cursos formais do MST, nos níveis médio e superior, independente de existir exigência legal para tanto.
165Reflexão a partir de anotações feitas durante a palestra de Dermeval Saviani, “História das Idéias Pedagógicas no Brasil”, proferida em Maringá, em 27 de março de 2008.
168
educadores). Contudo, como afirma Guhur (2009)166, “não se forma
pesquisadores sem pesquisa”: é somente na ação de pesquisar que se pode
adquirir as habilidades de pesquisa e, no caso dos jovens sem-terra, não lhes é
possível esperar até o mestrado (onde poucos, de fato, terão oportunidade de
chegar).
A pesquisa científica, conforme Vendramini (2007b, p. 98), [...] requer método, metodologia, rigor de análise, pressupõe a relação entre a realidade e o pensamento, a teoria. É uma forma elaborada e sistematizada de compreensão e análise da realidade social, que deve estar presente nos processos formativos. Por meio da pesquisa, cria-se a possibilidade de uma formação mais rigorosa, crítica e questionadora. Para isso, requer tempo, disposição dos envolvidos, intencionalidade pedagógica e condições materiais para o seu desenvolvimento.
Aqui, sem dúvida, as dificuldades são grandes; basta considerar a
afirmação de Araújo (2007, p. 80) de que, “apesar do esforço, a pesquisa pode ter
sido incorporada ao Movimento sem o rigor necessário [...]”. Não se pode
desconsiderar a separação entre trabalho manual e trabalho intelectual, que se
aprofundou enormemente na sociedade capitalista, confinando-se a pesquisa
científica às universidades e centros de pesquisa. Entretanto, as várias
discussões havidas no II Seminário Nacional “O MST e a Pesquisa” apontam para
uma importância crescente do tema dentro da Organização, e a pretensão de
qualificar as pesquisas desenvolvidas. Nesse sentido, Stédile (2007) coloca como
desafio “[...] a contribuição dos intelectuais e das universidades para transformar
os Movimentos em intelectuais coletivos da classe”167, a partir da concepção
gramsciana de que, [...] no auge da luta de classe, os Movimentos através de suas instâncias, têm que se transformar em intelectuais. Não só orgânicos – que vem de fora da classe e se tornam orgânicos, como era a tese do Lênin – mas como intelectuais coletivos da classe (STÉDILE, 2007, p. 24).
A par dessas considerações mais gerais, que localizam nossa discussão
num contexto mais amplo, é preciso considerar a especificidade dos cursos de
166Informação pessoal, novembro 2009. 167Afirmação relacionada ao Projeto Popular e às concepções da Consulta Popular. Consultar
especialmente a Cartilha n. 18 (CONSULTA POPULAR, 2006).
169
nível médio e pós-médio, em maior número nas escolas de agroecologia em
questão (lembremos que apenas a ELAA oferece o curso Tecnólogo em
Ageoecologia). Neste nível de ensino, a pesquisa seria mais no sentido de uma
iniciação à ciência e à complexa ciência da (agro)ecologia. Justamente em função
das especificidades da pesquisa em agroecologia, as escola passaram a vincular
o TCC e a pesquisa a ele relacionada ao Diálogo de Saberes, como veremos no
próximo capítulo.
5. O “DIÁLOGO DE SABERES NO ENCONTRO DE CULTURAS” E A
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DO CAMPO: LIMITES E POTENCIALIDADES
O “Diálogo de Saberes, no encontro de culturas”, ou simplesmente Diálogo
de Saberes, é um método que pretende orientar as relações entre técnicos e
camponeses, e destes entre si, que vem sendo formulado e organizado a partir da
demanda dos movimentos sociais do campo, em particular o MST, por organizar a
produção da existência camponesa em bases agroecológicas, como parte de um
outro projeto de campo.
Em linhas gerais, seu objetivo é “a busca de um sistema de compreensão
e planejamento dos agroecossistemas familiares ou coletivos, partindo-se da
história dos indivíduos-sujeitos envolvidos e o ambiente que gestionam, de modo
a valorizar seus processos históricos”; mas que, diante e além disso, busca [...] correlacioná-los e problematizá-los à luz da história da agricultura e dos movimentos sociais a que pertençam e das potencialidades e limitações ecológicas e agrícolas do ambiente local, de modo a alcançar o desencadeamento da experimentação em agroecologia (TARDIN, 2006, p. 1).
Ele começa a ser gestado no bojo de um programa de formação que
estava sendo debatido e construído no Setor de Produção, Cooperação e Meio
Ambiente-SPCMA do MST/PR, em função da contratação de técnicos168
proporcionada por um novo convênio, firmado entre o INCRA e a Cooperativa de
Trabalhadores em Reforma Agrária-COTRARA, do Paraná, no final de 2004.
Além de técnicos com experiência dentro do MST, foi designado, para compor a
equipe do programa de formação, um técnico em agropecuária com ampla
experiência em agroecologia (o que não era o caso dos técnicos do MST), José
Maria Tardin169, que havia acabado de deixar a Assessoria e Serviços a Projetos
168 Engenheiros agrônomos, técnicos agrícolas, zootecnistas, engenheiros florestais e veterinários,
predominantemente. Neste convênio também participaram um geógrafo, um administrador de empresas e algumas biólogas.
169José Maria Tardin é o caçula de 13 irmãos. A família de camponeses migrou da região serrana do estado do Rio de Janeiro para a cidade de Martinópolis, no oeste paulista, onde José Maria nasceu, em 1962. Seu pai recebeu vários prêmios da Casa da Lavoura como "agricultor modelo", na produção de algodão e amendoim, por incorporar muito rapidamente todo o pacote técnico da Revolução Verde da época. A família migrou do campo para a cidade em 1964 e José Maria ingressou no colégio agrícola em Penápolis (SP), formando-se em 1979. Na década
171
em Agricultura Alternativa-AS-PTA. O coletivo responsável pelo programa de
formação avaliou, naquele momento, [...] que os técnicos precisavam conhecer a agroecologia, mas também pensar a sua própria prática, era preciso problematizar a ação militante desse técnico (e não apenas a tecnológica); havia então uma necessidade de pensar em termos metodológicos, em bases freirianas, da Educação Popular (J. M. T. Depoimento em 09/07/2008).
Em 2005 e 2006, foram organizados diversos encontros ampliados do
Coletivo Estadual do SPCMA, dos quais participavam os técnicos contratados,
militantes e dirigentes camponeses do setor. Esses encontros tinham caráter
formativo (abordando-se temas diversos, relacionados à agroecologia e à
educação popular) e buscavam também construir um planejamento estadual que
permitisse avanços em direção à construção do projeto de campo. De acordo com
Tardin, “conforme o trabalho de formação foi evoluindo, fomos redimensionando a
proposta e dando origem ao ‘Diálogo de Saberes’” (Depoimento em 09/07/2009).
Logo o método começou a ser trabalhado também nas escolas técnicas de
agroecologia (ainda em 2005), primeiro na ELAA e depois nas demais, dentro de
uma unidade didática específica, “Manejo e Desenho de Agroecossistemas”. Para
Tardin, “a ida para as escolas resguardou a continuidade do Diálogo de Saberes,
pois no SPCMA estávamos na dependência do convênio; sem as escolas
teríamos regredido” (Depoimento em 09/07/2008). O convênio técnico, no Paraná,
não chegou a durar 2 anos, tendo sido encerrado pelo INCRA em meados de
2006, como parte da judiciarização da luta pela terra170. Em 2008, houve nova
de 1980, foi extensionista da EMATER/PR, na região sul do Paraná (sendo demitido por razões políticas). Foi prefeito municipal de União da Vitória(PR), pelo Partido dos Trabalhadores, entre 1989 e 1992. Em 1993 ingressou na AS-PTA, desenvolvendo trabalhos de promoção da agroecologia entre os camponeses da região. Desde 2005 é militante do MST. No Setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente-SPCMA, trabalhou em um programa de formação em agroecologia para dirigentes e técnicos. Faz parte da coordenação da Escola Latino-Americana de Agroecologia- ELAA, e atua como educador nas escolas técnicas de agroecologia do MST no Paraná, no Instituto de Agroecologia Latino Americano Paulo Freire-IALA (Barinas, Venezuela), e na Escola Nacional de Agroecologia do Equador. Adaptado de: TARDIN, José Maria. Re: Diálogo de Saberes [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <[email protected]> em 19 out. 2009.
170Como vimos na primeira seção, várias ações judiciais vem sendo movidas, com maior intensidade nos anos 2000, com o objetivo de criminalizar o MST. Um exemplo é a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito-CPMI da Terra, em que as entidades com alguma ligação com o Movimento ou suas atividades vem sofrendo acusações de desvios de verbas públicas. Embora a situação seja diferente em cada estado, a fragilidade e efemeridade dos convênios de assistência técnica é uma realidade nacional.
172
contratação de técnicos, mas desta vez no âmbito da Empresa de Assistência
Técnica e Extensão Rural-EMATER/PR (o que, a nosso ver, acentuou a
desmobilização do Setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente).
Após essa breve introdução, detalhamos em que consiste o método do
Diálogo de Saberes, para em seguida evidenciar seus fundamentos teóricos e,
finalmente, investigar como ele vem sendo desenvolvido nas escolas técnicas do
MST no Paraná, buscando identificar alguns elementos potencializadores e outros
limitantes, para a Educação Profissional do Campo e os movimentos sociais
populares.
5.1. DESCREVENDO O DIÁLOGO DE SABERES
Como principiamos a definir, o Diálogo de Saberes é [...] um método capaz de orientar relações horizontais entre técnicos e camponeses e camponesas e entre estes e destes com a sociedade em geral, em bases filosófica, política, técnica e metodológica associada à sua marcha emancipatória e de libertação (TARDIN, 2006, p. 1-2). É um ordenamento de distintos saberes que tratam do problema da relação educativa/pedagógica do profissional agrário com a família camponesa e também do camponês com o camponês. O ponto de chegada de sua intencionalidade seria a sua assimilação na dinâmica organizativa do MST, a nível do núcleo de base, das famílias camponesas (J. M. T., depoimento em 09/07/2009).
A iniciativa pode ser desenvolvida junto a uma família, em grupos ou
coletivos, necessitando de vários encontros, e exige do técnico ou animador uma
preparação teórico-metodológica, envolvendo o conhecimento das categorias do
pensamento freiriano (explicitadas mais adiante), conhecimentos específicos da
agroecologia, da história da agricultura e do mundo camponês, além de “[...]
estudo e reflexões sobre este campo de conhecimentos e acúmulos alcançados
na sua organização e movimento social: objetivos estratégicos, princípios, valores
e estrutura orgânica e contexto sócio-cultural local” (TARDIN, 2006, p. 3).
173
O método é composto de alguns passos fundamentais (embora seja
flexível e aberto a novas contribuições), descritos por Tardin (2006, 2008) e
também Toná (2008) e que reproduzimos a seguir.
O primeiro momento de encontro com a intenção do diálogo tem como
ponto de partida a história de vida dos membros da família camponesa, a partir
da questão: “o que você lembra desde que se conhece por gente?”. No diálogo,
busca-se correlacionar a história de vida individual/da família à história da
agricultura, dos camponeses e da luta pela terra, do movimento social a que
pertencem os sujeitos e da classe trabalhadora, buscando-se politizar sua
existência: Parte-se das histórias dos indivíduos e da família, como o patrimônio mais significativo do movimento camponês a que pertençam, a ser rememorada como problematizadora da vivência dos indivíduos-sujeitos e da realidade local, ao mesmo tempo em que oportuniza ao coletivo participante do nível mais próximo de convivência, um conhecimento mais aprofundado entre os mesmos, fortalecendo suas identidades e sua consciência de classe (TARDIN, 2006, p. 3).
O diálogo deve avançar com a ampliação das perguntas, em busca dos
“conteúdos significativos”, que permitirão compreender a visão de mundo dos
sujeito, e como explicam e interpretam suas experiências de vida. Nesse sentido,
alguns temas devem ser destacados: relações de poder e de trabalho; relações externas: com vizinhos, com instituições presentes na comunidade e assentamento e no meio urbano, no movimento ao qual pertença, etc; expressão de ideais, princípios e valores; os momentos que mais enfatizam em sua trajetória de vida: relações na infância ou juventude com o pai ou com a mãe e irmãos ou pessoa externa a família, acidente ou outro momento triste ou de frustração, momento de imensa alegria, lutas, superação de dificuldades, conquistas, etc; o que sentem falta e pretendem conseguir e conquistar; quais os significados que destacam em relação ao movimento camponês a que pertence; o que esperam ou aspiram em relação a filhos; como atribuem sua qualidade cultural e material de vida; como percebem a natureza e a sua ação na produção e em outros aspectos da vida; contradições, divergências e antagonismos (TARDIN, 2006, p. 3-4).
174
O segundo passo é o reconhecimento conjunto do ambiente/espaço
manejado pela família ou coletivo, ou de seu agroecossistema, como chamamos
na agroecologia. Para levantar dados de infra-estrutura, paisagem,
biodiversidade, produção, organização e trabalho, dentre outros, lança-se mão de
alguns instrumentos:
a) mapa da biodiversidade: solicita-se aos camponeses anfitriões que
façam um croqui de seu “lote”, registrando os limites, os componentes
(estradas, instalações, fontes de água, matas), as divisões internas e
seu respectivo uso (áreas de lavoura, criações animais, pomar,
horta...). É importante que se levante de forma detalhada as espécies
vegetais e animais presentes, com as respectivas variedades e raças.
b) calendário agrícola: registra-se, num quadro, as atividades realizadas
pela família camponesa (ou coletivo) e sua distribuição ao longo do
ano, identificando, por gênero e geração, as pessoas que as executam.
O trabalho doméstico deve ser incluído. Essas informações permitem
identificar “[...] a melhor época para iniciar com atividades em direção à
agroecologia que alterem positivamente o sistema de trabalho da
família ou coletivo considerando seus impactos sobre as relações de
gênero e geracional no trabalho” (TARDIN, 2007, p. 3). Um exemplo de
como essas informações são trabalhadas pode ser visto no anexo 2.
c) itinerário técnico: através de observação a campo e de depoimento
semi-estruturado, faz-se o levantamento agronômico e econômico
detalhado de cada subsistema. Outros dados importantes devem ser
aqui registrados: produção mensal destinada ao sustento familiar;
produtos e serviços adquiridos no mercado; inventário patrimonial
(ferramentas, máquinas, instalações e outos); situação atual da tomada
de créditos financeiros; processos inovadores de qualquer natureza (na
produção, construções, beneficiamento e transformação de alimentos,
artesanato, arte, dentre outros).
O terceiro passo é a sistematização e análise dos dados levantados. Na
organização dos depoimentos colhidos na história de vida, deve-se fazer “[...] uma
transcrição da fala dos camponeses e camponesas nos termos vocabulares que
175
utilizam, destacando inclusive frases ou momentos significativos, não incorrendo
assim no equívoco de produzir um relatório, mas sim um registro vivo do falado”
(TARDIN, 2006, p. 4). Em outro texto, Tardin (2008) esclarece que são essas
falas, que expressam as visões de mundo dos camponeses e camponesas, em
relação com suas práticas no mundo, que serão objeto de problematização. Para
evitar juízos de valor, de ordem pessoal e moral, é preciso ter claro que “[...] os
critérios de análise são os objetivos estratégicos, os princípios e valores do
movimento social camponês a que pertençam e os conceitos aplicados da
agroecologia [...]” (TARDIN, 2006, p. 4).
Nesta etapa, é desejável levantar informações secundárias sobre a
localidade e região, tais como: o bioma e o ecossistema regional, a estrutura
fundiária, os indicadores sócio-econômicos, dentre outros, de modo a
contextualizar os dados coletados empiricamente e ampliar as possibilidades de
análise.
Na análise geral do agroecossistema, deve-se partir de um enfoque
sistêmico171, “[...] tendo em vista explicitar o que se passa em cada subsistema e
em suas relações e interações de conjunto, ou seja, o agroecossistema,
abstraindo a qualidade da sustentabilidade presente em cada parte – os
subsistemas, e o todo – o agroecossistema” (TARDIN, 2008, p. 5-6). É preciso
identificar as perdas (de solo, biomassa, biodiversidade, conhecimentos) e
contradições, e destacar as potencialidades e limitações ecológicas. Sugere-se a
elaboração de uma série de fluxos para facilitar a análise: relações sociais e
políticas da família; trabalho e cooperação; biomassa e energia; renda agrícola
monetária e não monetária e renda não-agrícola. Um exemplo desses fluxos
encontra-se no anexo 3.
O quarto passo é a intervenção qualificada no agroecossistema, a
partir de uma “síntese cultural” (TARDIN, s/d) entre os participantes. De acordo
com Toná (2008, p. 8), nesse processo, O Diálogo pode questionar as próprias relações na família, desta com a comunidade e/ou movimento social e a perspectiva de suas práticas em relação aos interesses de sua classe. Tanto no aspecto de promoção da Agroecologia quanto nas relações e
171Trataremos desse enfoque no próximo item, ao analisar a contribuição da agroecologia à
fundamentação científica do Diálogo de Saberes.
176
práticas sociais, o método pode (e deve, de acordo com seus objetivos) apontar os limites e possibilidades de superação.
Partindo da análise, deve-se identificar os temas geradores (na acepção
freiriana), apontados como sendo “os principais pontos de mudança”; para dar
seqüência ao Diálogo, o técnico/animador deve, então, elaborar uma “[...]
proposta de Codificação e a metodologia de Descodificação [...]” (Tardin, 2008,
p. 6). As mudanças em questão podem envolver “[...] a introdução de novas
práticas, arranjos no sistema e/ou, reorganização do trabalho” (TONÁ, 2008, p. 7).
Pode-se sugerir a adoção imediata de algumas inovações mais simples (aquelas
que não envolvam riscos), lançando-se mão, em outros casos, da experimentação
agroecológica. As inovações podem estar diretamente relacionadas à produção,
como também envolver atividades domésticas, construções e outros. Também
sugere-se definir conjuntamente o processo de monitoramento e avaliação da
sustentabilidade do agroecossistema.
Não há um momento de conclusão ou encerramento, uma vez que se
espera que o processo tenha continuidade, com a ampliação crescente das
análises da realidade da família camponesa (ou coletivo), a formulação de novas
propostas e sua implementação; e por meio da apropriação do método pela
família ou coletivos, que passam então a buscar [...] o envolvimento das pessoas e famílias circunvizinhas ou grupos de interesses, de modo a ir replicando-se no plano da organicidade política e da prática agroecológica, de modo a favorecer e facilitar que os camponeses e as camponesas sejam efetivos protagonistas no processo de transformação social que inclua a promoção da agroecologia (TARDIN, 2006, p. 5).
Destaca-se que essa continuidade demandará um programa de formação,
“[...] que deverá orientar-se pela prática-teoria-prática (faço estudando-estudo
fazendo)” (TARDIN, 2006, p. 5).
177
5.2. FUNDAMENTOS DO MÉTODO
O Diálogo de Saberes é uma busca pela interlocução entre o saber popular
e os conhecimentos científicos; assim, de um lado, “[...] inspira-se na experiência
histórica das comunidades camponesas em seus caminhos de elaboração e
aplicação dos conhecimentos” (TARDIN, 2006, p. 2), e também nas diversas
práticas de educação popular, desenvolvidas especialmente na América Latina.
Dentre essas experiências, destacamos o método Campesino a
Campesino, bastante difundido na América Central. Esse método se funda na
experiência da Unión Nacional de Agricultores y Ganaderos-UNAG, da Nicarágua,
criada em 1981, aglutinando camponeses e produtores de médio porte que
colaboravam com as guerrilhas sandinistas. De acordo com Kandel e Cuéllar
(2007), o Programa Campesino a Campesino-PCaC corresponde a um momento
de transição e reflexão política do movimento camponês na Nicarágua, marcado
pela adesão expressiva de camponeses do norte do país à “Contra”172. Em
meados da década de 1980, algumas reflexões apontavam a necessidade de
desenvolver uma estratégia organizativa para reconquistar esses territórios. Essa
é a origem do PCaC, que surgiu em 1987, destinado a pequenos camponeses
individuais, que não eram contemplados pelas políticas sandinistas, as quais
privilegiavam as cooperativas. O PCaC sobreviveu ao fim da revolução sandinista
e o “método” espalhou-se para diversos países; mesmo em Cuba se registra a
existência do “Movimento Agroecológico Campesino a Campesino”, promovido
pela Associación Nacional de Agricultores Pequeños-ANAP (ANAP, 2003).
De outro lado, o Diálogo de Saberes fundamenta-se, de acordo com seu
principal idealizador173, na produção científica em basicamente três campos:
a) a pedagogia freiriana
b) a agroecologia
c) o materialismo histórico-dialético
172 A Revolução Sandinista, encabeçada pela Frente Sandinista de Libertação Nacional-FSLN, foi
vitoriosa em 1979. Logo teve início uma guerra civil, com a contra-revolução organizada a partir do território de Honduras, com financiamento dos Estados Unidos, e que perdurou até 1990, quando os sandinistas perderam as eleições. Em 2006, Daniel Ortega, da FSLN, foi eleito presidente da Nicarágua.
173 Depoimento de José Maria Tardin, em 09/07/2008.
178
A seguir, buscamos identificar como cada uma dessas formulações
teóricas contribui para conformar o Diálogo de Saberes.
5.2.1. A Pedagogia Freiriana
Em que pese a existência de interpretações diversas e mesmo conflitantes
da obra de Paulo Freire (TORRES, 2001)174, nos limitaremos aqui a buscar
identificar os conceitos freirianos que se encontram presentes no Diálogo de
Saberes, a partir de sua obra mais conhecida, “A Pedagogia do Oprimido”, de
1969 (FREIRE, 2003), e também de outra, que trata especificamente da relação
entre técnicos e camponeses, “Extensão ou comunicação?”, escrita no mesmo
ano (FREIRE, 2002).
5.2.1.1. Diálogo
Na acepção freiriana, “o diálogo é esse encontro dos homens,
mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na
relação eu-tu” (FREIRE, 2003, p. 78). Para Freire, pronunciar o mundo quer
dizer transformá-lo; e transformar o mundo é a forma de existência própria ao ser
humano, envolvendo ação e reflexão. O Diálogo não é, portanto, mero
verbalismo, mas também não é puro ativismo, aproxima-se, assim, do conceito de
práxis. Nesse sentido, “[...] o diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar idéias de um sujeito no outro, nem tampouco tornar-se simples troca de idéias a serem consumidas pelos participantes” (FREIRE, 2003, p. 79).
174Os artigos que integram uma coletânea organizada por Ana Maria Araújo Freire dão uma mostra
dessa multiplicidade de interpretações. Ver FREIRE, Ana Maria Araújo (org.). A Pedagogia da Libertação em Paulo Freire. São Paulo: UNESP, 2001.
179
São requisitos ao diálogo: profundo amor ao mundo e aos homens;
humildade, uma vez que, “neste lugar de encontro, não há ignorantes absolutos,
nem sábios absolutos: há homens que, em comunhão, buscam saber mais”
(FREIRE, 2003, p. 81), intensa fé nos homens, na sua “vocação de ser mais”,
sem o que transforma-se em manipulação paternalista; esperança (mas na luta),
uma vez que é o encontro dos homens para ser mais; e pensar verdadeiro ou
crítico, em oposição ao pensar ingênuo, percebendo-se a realidade como
processo.
5.2.1.2. Invasão Cultural
A ação antidialógica é definida como uma modalidade de ação cultural de
caráter dominador. É característica do opressor, embora nem sempre seja
exercida deliberadamente. Profissionais diversos que lidam com o povo (entre
eles, os profissionais da assistência técnica rural) e mesmo lideranças populares
podem valer-se da ação antidialógica. Isso se dá porque “hospedam o opressor”,
identificando-se com ele.
A ação antidialógica implica, de modo geral, na mitificação do mundo, que
não é apresentado como problema, mas como dado, ao qual os homens devem
se ajustar, passivamente. A invasão cultural é uma característica fundamental da
ação antidialógica; é “[...] a penetração que fazem os invasores no contexto
cultural dos invadidos, impondo a estes sua visão do mundo, enquanto lhes
freiam a criatividade, ao inibirem sua expansão” (FREIRE, 2003, p. 149),
retirando-lhes todo poder de decisão. A invasão cultural supõe que os invadidos
se reconheçam como “inferiores” e, ao mesmo tempo, vejam os invasores como
“superiores”; pressupõe também a conquista, a manipulação e o messianismo de
que invade.
A “extensão rural”, como é conhecida a atividade de agrônomos, técnicos
agrícolas e outros profissionais das ciências agrárias, junto aos camponeses, é
para Freire (2002) sempre um ato de invasão cultural: significa “estender”
conhecimentos da “sede do saber” à “sede da ignorância”. A própria noção de
180
“extensão rural” encerra um equívoco gnosiológico, na medida em que conhecer
seja tarefa de sujeitos, e não de objetos; e que o conhecimento não possa ser
meramente “transferido”: ao contrário, “[...] a educação, como situação
gnosiológica, significa a problematização do conteúdo sobre o qual se co-
intencionam educador e educando, como sujeitos cognoscentes” (FREIRE, 2002,
p. 85).
Para superar a invasão cultural, é preciso “[...] existenciar uma ação
dialógica. Significa, por isso mesmo, deixar de estar sobre ou ‘dentro’, como
‘estrangeiros’, para estar com, como companheiros” (FREIRE, 2003, p. 154,
grifos no original).
5.2.1.3. Síntese cultural
A necessidade de uma síntese cultural parte do reconhecimento de que,
nos movimentos populares, nos movimentos de libertação, nos movimentos
revolucionários, a visão de mundo das massas e a visão de mundo das lideranças
(ou a visão de mundo dos educandos e a dos educadores) são, no mais das
vezes, contraditórias: [...] na síntese cultural se resolve – e somente nela – a contradição entre a visão de mundo da liderança e a do povo, com o enriquecimento de ambos. A síntese cultural não nega as diferenças entre uma visão de mundo e outra, pelo contrário, se funda nela. O que ela nega é a invasão de uma pela outra. O que ela afirma é o indiscutível subsídio que uma dá à outra (FREIRE, 2003, p. 181).
Essas visões de mundo diferentes envolvem saberes diferentes, que
podem enriquecer-se mutuamente. Entretanto, isso não significa uma negação do
saber científico (metodicamente rigoroso) e a absolutização do saber popular
(saber de pura experiência feito175), nem que a ação das lideranças seja
desprovida de intencionalidade. A síntese cultural,
175 Ver Freire (1998).
181
[...] na teoria dialógica da ação, por isso mesmo que é síntese, não implica que devem ficar os objetivos da ação revolucionária amarrados às aspirações contidas na visão de mundo do povo. Ao ser assim, em nome do respeito à visão popular do mundo, respeito que realmente deve haver, terminaria a liderança revolucionária apassivada àquela visão. Nem invasão da liderança na visão popular do mundo, nem adaptação da liderança às aspirações, muitas vezes ingênuas, do povo (FREIRE, 2003, p. 182, grifo do autor).
Como caminho de superação, o autor sugere que a liderança deve
incorporar-se ao povo em sua visão de mundo, mas para problematizá-la,
buscando levar as pessoas a compreender os nexos entre sua situação
existencial e a situação histórica.
Recurso pedagógico fundamental à ação dialógica, “[...] a problematização é a reflexão que alguém exerce sobre um conteúdo, fruto de um conteúdo, fruto de um ato, ou sobre o próprio ato, para agir melhor, com os demais, na realidade. [...] implica num retorno crítico à ação. Parte dela e à ela volta” (FREIRE, 2002, p. 82-83).
É somente através da problematização, “pensando o seu pensar”, que a
superação do pensamento ingênuo ou mágico será possível, e não por meio do
discurso, do “ato de consumir idéias”. Mas essa problematização se dá como
práxis, pois envolve também a ação.
Finalmente, a síntese cultural deve contribuir para a organização popular,
no processo de transformação social.
5.2.1.4. Tema gerador
O tema gerador é um caminho metodológico que permite organizar o
conteúdo programático da educação (ou da ação política, ou da formação
“técnica”, como no nosso caso) como ação dialógica, e não como invasão cultural,
partindo da situação real, existencial, em que se encontra o povo. Parte-se do
pressuposto de que
182
O que temos de fazer, na verdade, é propor ao povo, através de certas contradições básicas, sua situação existencial, concreta, presente, como problema que, por sua vez, o desafia e, assim, lhe exige resposta, não só no nível intelectual, mas no nível da ação (FREIRE, 2003, p. 86).
É preciso conhecer a realidade estrutural em que o pensar e a linguagem
do povo se constituem, dialeticamente; e é na consciência que educadores e povo
tenham dessa realidade que se buscará o conteúdo programático da educação: O que se pretende investigar, realmente, não são os homens, como se fossem peças anatômicas, mas o seu pensamento-linguagem referido à realidade, os níveis de percepção desta realidade, a sua visão de mundo, em que se encontram envolvidos seus “temas geradores” (FREIRE, 2003, p. 88).
No “universo temático do povo” encontra-se a “temática significativa”, que
seria o conjunto dos seus temas geradores. O autor enfatiza que o tema gerador
não pode ser compreendido isoladamente, mas apenas na relação homem-
mundo: “Investigar o tema gerador é investigar, repitamos, o pensar dos homens
referido à realidade, é investigar seu atuar sobre a realidade, que é sua práxis”
(FREIRE, 2003, p. 98).
Esses temas são “geradores” porque podem desdobrar-se em outros
temas. É sobre os temas geradores que educador e educando exercerão sua
cognoscibilidade (FREIRE, 2002). Além disso, “os temas se encontram, em última
análise, de um lado, envolvidos, de outro, envolvendo as ‘situações-limites’”, as
quais, segundo Freire, são as que “[...] se apresentam aos homens como se
fossem determinantes históricas, esmagadoras, em face das quais não lhes cabe
outra alternativa senão adaptar-se” (FREIRE, 2003, p. 93-94). Os temas
geradores devem também expressar as contradições presentes na área
estudada.
Uma vez que a realidade é captada “em pedaços”, sem que seja possível
reconhecer as interações entre as partes, “[...] ao nível da ‘consciência real’, os
homens se encontram limitados na possibilidade de perceber mais além das
‘situações-limites’, o que chamamos de ‘inédito-viável’” (FREIRE, 2003, p. 107), -
que seriam as “soluções praticáveis despercebidas”.
O processo educativo problematizador deverá permitir aos educandos, por
meio de uma visão de totalidade, alcançar a “consciência máxima possível” e
183
engajar-se na transformação da realidade opressora. Deverá, para tanto, “[...]
propor aos indivíduos dimensões significativas de sua realidade [os temas
geradores], cuja análise crítica lhes possibilite reconhecer a interação de suas
partes” (FREIRE, 2003, p. 96). Nesse esforço, a codificação pode ser um recurso
metodológico valioso.
5.2.1.5. Codificação e descodificação
Freire (2003) entende que a compreensão da realidade como totalidade
exige um movimento do pensamento, do abstrato ao concreto e do concreto ao
abstrato. Ele explica que a codificação de uma situação existencial, como
representação dessa situação (por meio de fotos, desenhos, textos, falas e
outros) e, em seguida, a descodificação (análise crítica da situação codificada),
têm a capacidade de provocar esse movimento do pensar: A descodificação da situação existencial provoca essa postura normal, que implica um partir abstratamente até o concreto; que implica uma ida das partes ao todo e uma volta deste às partes, que implica um reconhecimento do sujeito no objeto (a situação existencial concreta) e do objeto como situação em que está o sujeito. Esse movimento de ida e volta, do abstrato ao concreto, que se dá na análise de uma situação codificada, se bem-feita a descodificação, conduz à superação da abstração com a percepção crítica do concreto, já agora não mais realidade espessa e pouco vislumbrada (FREIRE, 2003, p. 97).
As codificações devem necessariamente: representar situações
conhecidas pelos indivíduos; oferecer possibilidades plurais de análise; ser
simples na sua complexidade (nem enigmáticas nem evidentes demais);
apresentar elementos em interação, constituindo uma totalidade.
Ao educador não cabe, no processo de descodificação, narrar aos
educandos (no caso, os camponeses) seu saber sobre a realidade, mas desafiá-
los “[...] cada vez mais, no sentido de que penetrem na significação do conteúdo
temático diante do qual se acham” (FREIRE, 2002, p. 90). O objetivo é fazer com
184
que os camponeses se reconheçam como seres transformadores do mundo,
inserindo-se criticamente na realidade.
5.2.2. A Agroecologia
A agroecologia pode ser apresentada como uma ciência, uma disciplina
científica, uma paradigma ou um enfoque científico, que dedica-se ao estudo dos
sistemas agrícolas desde uma perspectiva ecológica (ALTIERI, 1989; ALTIERI;
NICHOLS, 2000; GLIESSMAN, 2001; CAPORAL; COSTABEBER, 2004; SEVILLA
GUZMÁN, 2001). Numa perspectiva mais ampla, destina-se a “[...] apoiar a
transição dos atuais modelos de desenvolvimento rural e de agricultura
convencionais para estilos de desenvolvimento rural e de agriculturas
sustentáveis176” (CAPORAL; COSTABEBER, 2004, p. 11). Diferentemente da
agricultura “convencional”, na agroecologia não se busca a maximização da
produção de uma atividade particular, mas a otimização do agroecossistema
como um todo.
Hecht (1989) identifica as raízes da agroecologia em campos tão distintos
quanto as ciências agrícolas, o movimento ambientalista, a ecologia, o estudo de
sistemas tradicionais de produção (especialmente indígenas e camponeses) e o
desenvolvimento rural, sendo que o uso contemporâneo do termo data da década
de 1970.
O pensamento agroecológico não se nutre exclusivamente da ciência
acadêmica, mas referencia-se, também, nos conhecimentos e práticas culturais
das comunidades camponesas, emergidos em co-evolução com seu ambiente
local, por meio de um processo de “ensaio-e-erro”, aprendizado seletivo e cultural.
Sevilla Guzmán (2006, p. 1) atesta que
176É importante ter presente que, como em toda discussão envolvendo a questão ambiental,
existem diversas abordagens da agroecologia, e que há uma disputa entre uma visão centrada na técnica (corrente ecotecnocrata) e outra que leva em conta os processos econômicos, sociais e culturais, associando agroecologia e desenvolvimento sustentável a mudanças mais profundas na sociedade (corrente ecossocial ou ecossocialistas). Ver Caporal e Costabeber (2004) e também Folladori (2001).
185
La evidencia empírica obtenida durante las cuatro últimas décadas desde la Agroecología ha demostrado que el conocimiento acumulado sobre los agroecosistemas en el pasado puede aportar soluciones específicas de cada lugar para resolver los problemas sociales y medioambientales. [...] Existen múltiples formas de conocimiento en los grupos históricamente subordinados susceptibles de ser recuperadas para su incorporación al diseño de estrategias agroecológicas177.
A investigação agroecológica tem sido, em geral, mais restrita à busca de
técnicas que permitam a redução ou substituição de insumos externos ou
danosos ao ambiente e aos seres humanos. Há entretanto, um nível de transição
mais complexo, que, de acordo com Gliessman (2001), tem sido até o momento
pouco estudado: o redesenho dos agroecossistemas, para que estes funcionem
em base a um novo conjunto de processos ecológicos, buscando-se eliminar as
causas dos problemas, que a simples substituição de insumos não consegue
resolver efetivamente. O objetivo do redesenho (ou desenho) de
agroecossistemas é [...] integrar os componentes de cada sistema de maneira que se possa aumentar a eficiência biológica, preservar a biodiversidade e manter a capacidade produtiva e de auto-regulação do agroecossistema. O que deve ser buscado é o desenho de agroecossistemas que imitem e se aproximem da estrutura e função dos ecossistemas naturais de cada zona, isto é, um sistema com alta diversidade de espécies e um solo biologicamente ativo; um sistema que promova o controle natural de insetos e enfermidades; um sistema onde se tenha alta reciclagem de nutrientes e uma alta cobertura do solo que previna a perda de recursos edáficos178 (CAPORAL; COSTABEBER, 2004).
Alcançar esse nível de transição, essencial para a construção de um outro
projeto de campo, permanece um desafio, demandando uma ampliação dos
conhecimentos e métodos de abordagem atuais.
Na agroecologia, os agroecossistemas ou ecossistemas agrícolas são as
unidades fundamentais de análise, nos quais os ciclos minerais, as
177“A evidência empírica obtida durante as quatro últimas décadas, desde a Agroecologia,
demonstrou que o conhecimento acumulado sobre os agroecossistemas no passado pode trazer soluções específicas de cada lugar para resolver os problemas sociais e ambientais. [...] Existem múltiplas formas de conhecimento nos grupos historicamente subordinados, susceptíveis de serem recuperadas para sua incorporação ao desenho de estratégias agroecológicas” (tradução livre).
178Referente aos solos.
186
transformações da energia, os processos biológicos e a relações
socioeconômicas são investigadas e analisadas como um todo. O
agroecossistema, com todos seus componentes, é uma unidade de estudo que
permite estabelecer um enfoque comum às várias disciplinas científicas.
Buscando superar o reducionismo que, via de regra, impera nas ciências agrárias,
enfatiza-se as interrelações entre os componentes do agroecossistema e a
dinâmica complexa dos processos ecológicos, sociais, econômicos e culturais
(ALTIERI; NICHOLLS, 2000). Essa abordagem tem sido chamada de enfoque
sistêmico ou holístico179.
A abordagem sistêmica, Teoria Geral dos Sistemas ou sistemismo, de
acordo com Demo (1981, p. 231), [...] acredita na máxima: o todo é maior que a soma das partes. [...] chama a atenção para o fato de que o todo ‘organiza’ as partes e que é o tipo de organização que especifica o todo. Assim sendo, as partes, fora do contexto do todo, seriam apenas átomos isolados [...].
O sistemismo destaca o aspecto relacional, a síntese e o fenômeno da
organização. Demo (1981) considera-o aparentado ao funcionalismo180 e ao
estruturalismo181, embora mais dinâmico, e aponta que [...] a acentuação específica do sistemismo ainda é a capacidade de explicar como os sistemas se mantêm, como resistem à mudança. [...] parece ainda correto afirmar que a superação de um sistema é um fenômeno não captável pela metodologia sistêmica, porque isso lhe escapa como objeto. Essa problemática fundamenta normalmente a idéia já difundida, segundo a qual o sistemismo seria a metodologia de instauração do poder, pois ele seria muito mais sistêmico que dialético. [...] O
179Trata-se de um termo utilizado em diversas ciências. Na biologia, o holismo concebe o
organismo como uma totalidade, ou seja, como uma estrutura unificada e irredutível à soma de seus constituintes anatomo-fisiológicos. Na antropologia, o termo é utilizado para qualificar a aproximação da realidade sociocultural como totalidade, assim como os métodos de análise próprios a essa perspectiva funcionalista, em oposição às concepções e métodos “atomistas”. (THINES; LEMPEREUR, 1975, p. 457).
180“Teoria que acentua as características funcionais, o uso efetivo dos seus objetos mais do que a sua estrutura ou as suas propriedades estáticas” (LALANDE, 1996, p. 1268). Parsons é seu principal expoente.
181“Método de análise e de estudo que privilegia a pesquisa das estruturas organizando um domínio. [...] Uma estrutura constitui um conjunto de elementos em que cada elemento só tem sentido pelas relações que mantém com os outros e em que a modificação de um único elemento acarreta uma modificação do conjunto” (DUROZOI; ROUSSEL, 1993, p. 169-170). Seus intelectuais mais conhecidos são Lévi-Strauss, Piaget, Althusser e Foucault.
187
sistemismo é, pois, uma metodologia particularmente adequada à legitimação de sistemas de poder, porque esconde, sob sua dinâmica, a circularidade do sistema: apenas se repete e se confirma (DEMO, 1981, p. 241).
Embora um aprofundamento dessa discussão escape ao objeto dessa
pesquisa, pensamos ser importante fazer algumas considerações. Em primeiro
lugar, enquanto nas Ciências Sociais, onde esse enfoque tem sido bastante
utilizado, se considera que um sistema seja, em princípio, fechado, utilizando-se o
esquema entrada-saída-feedback, na agroecologia os agroecossistemas são
sistemas abertos, e se utiliza o esquema entradas-saídas-perdas. E, embora se
busque efetivamente uma forma de organização do agroecossistema que tenha a
capacidade de resistir às mudanças ao longo do tempo, parte-se do princípio que
ele pode ser redesenhado e, portanto, radicalmente alterado. Além disso, seu
objeto de estudo não é a sociedade como um todo, mas, como explicitamos, os
agroecossitemas, embora se pretenda captar as interações sociais, políticas,
econômicas e culturais também.
Levantamos a hipótese de que o uso desse enfoque advenha de uma
limitação teórica e metodológica nas ciências da natureza, das quais, em
princípio, o próprio ser humano está excluído, e em que o reducionismo, a
fragmentação e o mecanicismo são dominantes. Buscando superar essa
fragilidade, muitos pesquisadores recorrem também ao paradigma da
complexidade182. Consideramos que a busca de um referencial teórico-
metodológico plenamente adequado à agroecologia ainda continua em aberto.
5.2.3. O Materialismo Histórico-Dialético
De acordo com Tardin (depoimento em 09/07/2009), o Diálogo de Saberes
se fundamenta também no materialismo histórico-dialético. A aproximação entre
marxismo e ecologia, entretanto, é bastante recente, remontando, como
mencionamos no início desse capítulo, ao início da década de 1990.
182Surgido na década de 1960, cujo fundador e maior expoente é Edgar Morin. Ver MORIN, Edgar.
Introdução ao pensamento complexo. Col. Epistemologia e Sociedade. Lisboa: Astória, 1995.
188
A crítica ecológica ao capitalismo vem se dando, majoritariamente, ao largo
do marxismo, criticado pelos ecologistas por supostamente basear-se numa
concepção produtivista e cientificista. Entretanto, se é preciso reconhecer a
existência de textos contraditórios na obra de Marx e Engels (em que muitas
vezes transparece uma certa apologia à ciência e à obra realizada pelo
capitalismo), também é necessário compreendê-los em seu contexto histórico,
“[...] aquele das primeiras grandes exposições universais que marcaram todos
que as viram” (CHESNAIS; SERFATI, 2003, p. 10).
Nesse item, procuramos esboçar algumas contribuições importantes do
pensamento marxista ao entendimento da questão ecológica. Pensamos que
alguns desses elementos se encontram presentes, ainda que de maneira
embrionária, no Diálogo de Saberes, necessitando de um maior desenvolvimento.
Observamos que boa parte do debate ambiental contemporâneo acaba por
se perder na perspectiva dualista de oposição entre humanidade e natureza183,
que restringe o problema a uma questão de valores184. É preciso superar o
idealismo subjacente a grande parte do pensamento “verde”, cuja crítica
desconsidera as bases materiais do desenvolvimento humano (AUGUSTÍN;
ALMEIDA, 2006), para buscar, ao contrário, a origem da exploração do homem e
da natureza até o esgotamento, nos fundamentos do modo de produção
capitalista.
Isso não quer dizer que não tenha existido depredação da natureza nas
sociedades existentes anteriormente ao capitalismo; os estudos atualmente
existentes permitem considerar a importância do fator ecológico para o colapso de
civilizações inteiras, em vários lugares e épocas (assírios, fenícios, do vale do
Indo, maias, entre outras). Até mesmo na América pré-hispânica, a extinção de
mamíferos gigantes foi, muito provavelmente, obra de sociedades de caçadores e
coletores. Entretanto, é preciso considerar algumas diferenças importantes. Nas 183Para Marx, ao contrário, “a natureza é o corpo inorgânico do homem; quer isso dizer a
natureza excluindo o próprio corpo humano. Dizer que o homem vive da natureza significa que a natureza é o corpo dele, com o qual deve se manter em contínuo intercâmbio a fim de não morrer. A afirmação de que a vida física e mental do homem e a natureza são interdependentes, simplesmente significa ser a natureza interdependente consigo mesma, pois o homem é parte dela” (MARX, 1932, sem paginação, grifos no original).
184 Essa despolitização da ecologia se reflete em “‘[...] um discurso pomposo e vazio, com o qual se constrói o mito reacionário de que, diante da degradação ecológica, toda a humanidade é igual em responsabilidade (sem distinção de classes ou países) e estaria unida pelos laços indissolúveis de interesses comuns de sobrevivência” (COGGIOLA, 2006, p. 15).
189
sociedade anteriores ao capitalismo, o escasso desenvolvimento das forças
produtivas é que estava na origem da depredação, a qual era de amplitude local
ou regional. Ao contrário, na sociedade capitalista, é o tremendo desenvolvimento
das forças produtivas que tem permitido uma pilhagem da natureza em grande
escala, a um ritmo muito maior do que em qualquer período anterior, e numa
amplitude planetária (FOLADORI, 2001).
E isso devido a uma diferença fundamental. Os modos de produção
existentes anteriormente ao capitalismo caracterizavam-se pela produção de
valores de uso, destinados à satisfação imediata das necessidades humanas185.
De modo diverso, o modo de produção capitalista se caracteriza pela produção de
mercadorias, que, contraditoriamente, são valores de uso não para seus
proprietários, mas para seus não-proprietários, de modo que o valor de uso nunca deve ser tratado, portanto, como meta imediata do capitalismo. [...] A circulação do dinheiro como capital é, ao contrário, uma finalidade em si mesma, pois a valorização do valor só existe dentro desse movimento sempre renovado. Por isso o movimento do capital é insaciável” (MARX, 1988a, p. 125186).
O modo de produção capitalista se orienta pelo movimento de busca
permanente e ilimitada do lucro e, assim, inversamente, as necessidades
humanas acabam submetidas às necessidades de acumulação do capital: [...] o desenvolvimento da produção capitalista faz do contínuo aumento do capital investido numa empresa industrial uma necessidade e a concorrência impõe a todo capitalista individual as leis imanentes do modo de produção capitalista como leis coercitivas externas. Obriga-o a ampliar seu capital continuamente para conservá-lo, e ampliá-lo ele só o pode mediante acumulação progressiva (MARX, 1988b, p. 163187).
Não é o objeto de nossa pesquisa, uma análise pormenorizada do
funcionamento do modo de produção capitalista. Por isso focalizamos apenas
alguns efeitos da concorrência capitalista sobre o ambiente, de modo a evidenciar
a complexidade do desafio que representa a construção de um outro projeto de
185 A circulação mercantil pré-capitalista era localizada, restrita. 186 Livro I, cap. IV. 187 Livro I, cap. XXII.
190
campo, como pretendido pelos movimentos da Via Campesina, e em que se
insere a agroecologia188. Então, vejamos.
No interior de cada ramo de produção, a concorrência capitalista fixa os
preços de mercado para as mercadorias similares, independentemente da
existência de condições e custos de produção diferenciados. A redução dos
custos de produção se torna então um imperativo, com efeitos muito evidentes no
ambiente: Desde que certas empresas ou países possam incorporar matéria-prima de origem natural sem preço, competirão vantajosamente com aqueles que devem pagar pelas matéria-primas naturais e obterão lucro extraordinário. O resultado é uma tendência à pilhagem dos recursos naturais sem preço. Quando os objetos de trabalho ou matéria-prima já têm preço, procura-se aumentar a velocidade de rotação do capital, utilizando-se, dessa forma, mais intensivamente a infra-estrutura e o capital fixo; em conseqüência, uma parte de menor valor desses últimos se converte em custos de produção, surgindo um lucro extraordinário da diferença com os parâmetros de velocidade de rotação prevalecentes. O resultado é uma sobreexploração da terra e dos recursos monopolizados (FOLADORI, 2001, p. 173, grifos nossos).
Como exemplo, podemos citar a caça até o extermínio (ou quase) de
animais de pele preciosa e de baleias (cuja gordura era utilizada como
combustível), bem como a pesca predatória, em várias partes do mundo; o
esgotamento de reservas minerais de todo tipo (destacando-se o ouro e a prata,
na América); a drástica redução da cobertura florestal em todos os países; o
avanço das fronteiras agrícolas sobre solos “virgens”189, com a apropriação de
terras pertencentes ao Estado ou a comunidades tradicionais, paralelamente ao
esgotamento do solo, incluindo processos de desertificação; o monopólio da água
potável e, mais recentemente, o patenteamento de organismos vivos190.
188 Para um aprofundamento no tema, consultar Foladori (2001), especialmente os capítulos 7 e 8. 189 Há uma relação evidente entre esses dois problemas: ao avançar sobre terras “virgens”, “sem
dono”, “[...] as empresas madeireiras se apropriam da fertilidade histórica do planeta, uma renda diferencial de ‘fundação’” (FOLADORI, 2001, p. 188), acumulada nas toras de madeira de lei, que demoraram décadas para crescer, e que não lhes custa nada. Além disso, durante os primeiros anos de exploração agrícola, as terras desmatadas apresentam uma produtividade excepcional, em função dessa fertilidade acumulada. Assim, o desmatamento, sob as relações capitalistas, rende um lucro extraordinário (acima do lucro médio).
190Essa possibilidade tem conduzido grandes empresas à biopirataria nos países periféricos. Por exemplo, “O registro do nome ‘cupuaçu’ como marca pela multinacional japonesa Asahi Foods foi realizado de 1998 a 2001 na Comunidade Européia, Estados Unidos e Japão. Tal fato
191
Entre ramos de produção diferentes, a concorrência capitalista conduz à
migração dos capitais para o ramo de produção em que (temporariamente) seja
possível obter maiores taxas de lucro, independentemente da demanda por
aquele produto (não se confunda com necessidade – trata-se de capacidade de
compra, no mercado), gerando assim episódios freqüentes de sobreprodução. A
super-oferta de uma determinada mercadoria faz com que seu preço de mercado
caia a um nível que não permite a realização da taxa média de lucro; as
conseqüências são a destruição de mercadorias, o abandono de estruturas
produtivas e a subutilização de terras agrícolas.
Entretanto, a destruição ou o desperdício não são problemas do ponto de
vista do capital: O desperdício sempre crescente – e catastrófico, em suas implicações finais – é inseparável, no sistema do capital, da forma irresponsável em que bens e serviços são utilizados, a favor da expansão lucrativa do capital. Perversamente, quanto mais baixa a sua taxa de utilização, maior é o alcance da substituição lucrativa – absurdo que decorre da alienada perspectiva do capital que é incapaz de uma distinção significativa entre consumo e destruição. Pois a destruição totalmente perdulária, da mesma forma que o consumo genuíno correspondente à utilização, podem ambos deflagrar e atender, da mesma maneira, à demanda exigida pela auto-expansão do capital para um novo ciclo lucrativo de produção (MÉZSÁROS, 2007, p. 19, grifos no original).
A obsolescência programada, especialmente de eletrodomésticos e
equipamentos eletroeletrônicos, é o exemplo mais próximo dessa identidade entre
consumo e desperdício, abrindo novas oportunidades de acumulação, mesmo
que isto signifique geração de detritos e poluição e acelere ainda mais o
esgotamento de recursos naturais. Somente quando a depredação dos recursos
ou a poluição alcançam magnitude tal, que repercutem numa elevação
significativa dos preços das matérias-primas, é que ocorre uma substituição por
outros materiais mais baratos, ou a adoção de processos produtivos mais
eficientes, ou ainda o aproveitamento dos detritos (a reciclagem, tão na moda
tornou-se público e amplamente divulgado pela rede Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), desde o início de 2003, quando produtores rurais do nosso estado do Acre foram impedidos de exportar subprodutos do cupuaçu, como bombons, a não ser com o pagamento de royalties de US$ 10 mil à empresa” (AFONSO, 2003, p. 2). O autor registra também o patenteamento de derivados da andiroba, a copaíba, a ayahuasca e o “quebra-pedra” (este último, patenteado por uma multinacional norte-americana, tem atuação comprovada contra a hepatite B).
192
atualmente). Todavia, essas medidas não são capazes de frear a tendência à
produção ilimitada; apenas reduzem o ritmo da depredação/poluição191
(FOLADORI, 2001).
É preciso reconhecer que o consumo predatório dos recursos naturais (e
da força de trabalho também, diga-se de passagem) é um corolário da
acumulação capitalista. Despertando capacidades até então inimagináveis de
expansão, o capital transforma o incremento da produção num fim em si mesmo, sendo portanto o produtivismo uma característica que lhe é intrínseca e
que escapa a toda tentativa de um maior controle racional (MÉSZÁROS, 2007). O
consumismo, freqüentemente apresentado como um “desvio de comportamento”
que se generaliza cada vez mais, é a outra face da moeda, um correspondente
necessário a esse produtivismo192. Assim, apelar a argumentos moralistas contra
o consumismo (atribuindo toda a responsabilidade aos indivíduos isoladamente,
na melhor tradição liberal) e pretender um capitalismo “não-produtivista”, como
propõem algumas correntes “eco-reformistas”, é uma contradição nos termos.
De outro lado, o problema ambiental traz para o debate algumas questões
importantes, às quais não se vinha dando a devida atenção. Revisitando uma
passagem bastante conhecida de Engels (que reproduzimos, malgrado sua
extensão), nos deparamos com uma percepção aguda da questão ecológica:
Contudo, não nos deixemos dominar pelo entusiasmo em face de nossas vitórias sobre a natureza. Após cada uma dessas vitórias a natureza adota sua vingança. É verdade que as primeiras conseqüências dessas vitórias são as previstas por nós, mas em segundo e em terceiro lugar aparecem conseqüências muito diversas, totalmente imprevistas e que, com freqüência, anulam as primeiras. Os homens que na Mesopotâmia, na Grécia, na Ásia Menor e outras regiões devastavam os bosques para obter terra de cultivo nem sequer podiam imaginar que, eliminando com os bosques os centros de acumulação e reserva de umidade,
191Nas palavras de Coggiola (2006, p. 13), “[...] a ‘ecologia’ tem que ser rentável (desde o ponto de
vista capitalista) para que possa ser realizável. Os limites do capitalismo e portanto sua irracionalidade intrínseca, não são outros que a necessidade do capital de sobreviver e reproduzir-se”.
192Na relação dialética produtivismo-consumismo, “vai se modificando o que é definido como o indispensável para a sobrevivência, que é um dado cultural e histórico. [...] No caso dos EUA, por exemplo, pesquisas sobre o gasto familiar demonstram que a renda necessária para satisfazer as aspirações de consumo dobraram em apenas oito anos, de 1986 a 1994” (SADER, 2000, p. 85). O autor comparou também o montante necessário para garantir então o ensino básico para todos no planeta, 6 bilhões de dólares anuais, com o que os norteamericanos gastavam anualmente em cosméticos – 8 bilhões de dólares.
193
estavam assentando as bases da atual aridez dessas terras. [...] Os que difundiram o cultivo da batata na Europa não sabiam que com esse tubérculo farináceo difundiam por sua vez a escrofulose. Assim, a cada passo, os fatos recordam que nosso domínio sobre a natureza não se parece em nada com o domínio de um conquistador sobre o povo conquistado, que não é o domínio de alguém situado fora da natureza, mas que nós, por nossa carne, nosso sangue e nosso cérebro, pertencemos à natureza, encontramo-nos em seu seio, e todo o nosso domínio sobre ela consiste em que, diferentemente dos demais seres, somos capazes de conhecer suas leis e aplicá-las de maneira adequada (ENGELS, 2006, p. 7).
Mais adiante, entretanto, o autor adverte que, para alcançar esse controle,
o simples conhecimento não basta: é preciso revolucionar completamente toda
a ordem social até então existente. Também no pensamento marxiano, a idéia de
progresso está subordinada à de revolução, à libertação do ser humano de suas
amarras sociais, o que Marx pensava poder realizar-se num horizonte histórico
bastante próximo (CHESNAIS; SERFATI, 2003). Assim, Marx (e também Engels)
não considera o desenvolvimento das forças produtivas como positivo em si
mesmo193; ele compreende o progresso técnico material conectado à forma social
que assume (FOLADORI, 2001).
Essa linha de reflexão nos conduz a uma temática ainda pouco discutida: a
necessidade de uma análise crítica dos rumos tomados pela evolução da
ciência e da tecnologia sob o capitalismo, ou, na expressão de Chesnais e
Serfati (2003), é impossível continuar ignorando as “formas materiais concretas”
do desenvolvimento, ou dar-lhes importância secundária, como vinha fazendo o
movimento socialista até então194.
Numa passagem da Ideologia Alemã, Marx observa que No desenvolvimento das forças produtivas advém uma fase em que surgem forças produtivas e meios de intercâmbio que, no marco das relações existentes, causam somente malefícios e não são mais forças de produção, mas forças de destruição (maquinaria e dinheiro) [...] (MARX; ENGELS, 2007, p. 41, grifo nosso).
193Ver também Coggiola (2006). 194Veja-se a gravidade dos problemas ambientais nos países em que se alcançou uma revolução
proletária, especialmente na ex-União Soviética e na China.
194
Nessa passagem (como no conjunto de sua obra), Marx não estava
tratando diretamente dos problemas ambientais, que são problemas de nosso
tempo histórico. Entretanto, ele nos chama a atenção para a existência de uma
tendência à conversão, no quadro das relações capitalistas, das forças
potencialmente produtivas em forças destrutivas195, às quais inicialmente se
prestou pouca atenção, em função de seu tempo relativamente longo de gestação
(CHESNAIS; SERFATI, 2003). E é talvez no âmbito da agricultura que esta
tendência se mostre hoje mais evidente196.
Consideremos, por exemplo, as pesquisas recentes na área da ciência do
solo, que revelaram tratar-se de um organismo vivo, em complexa interação com
as plantas, o ar e a água; a partir delas, técnicas de manejo do solo foram
desenvolvidas, destinadas a preservar a sua fertilidade (como o plantio direto, a
conservação de microbacias, as curvas de nível, dentre outros). Entretanto, esses
avanços correram paralelamente ao desenvolvimento de outras tantas técnicas de
efeito reconhecidamente degradante: a homogeinização genética dos cultivos
alimentares, o padrão de monocultivo em grandes extensões, o uso de uma
quantidade cada vez maior de fertilizantes sintéticos e de pesticidas, a
compactação do solo, em função do seu revolvimento (inadequado ao solo
tropical) e do trânsito intensivo de máquinas, são em conjunto responsáveis pelo
avanço da degradação ambiental, levando imensas porções de terra à
depauperação e, em muitos casos, à desertificação197, à poluição (e
assoreamento) dos cursos d’água e lençóis freáticos, à perda da biodiversidade...
(sem contar os prejuízos para as comunidades tradicionais, camponesas e
indígenas). De fato, como observa Foladori (2001, p. 182), O problema não é técnico, ou de desconhecimento. É social, derivado da vigência da aplicação do capital na terra. A seleção de modalidades agronômicas, de tecnologias de produção, de cultivos para cada parcela não é um resultado exclusivamente agronômico, nem sequer é prioritariamente agronômico. É, primeiramente, econômico.
195Mészáros (2007) fala em produção destrutiva; Foster (2007), em criatividade destrutiva. 196Embora também seja possível pensar a questão mais ampla da alimentação (de qualidade cada
vez mais duvidosa) e da saúde humanas (medicalização do corpo), campos em que as formulações da ciência, por vezes contraditórias, parecem bastante relacionadas às possibilidades de acumulação do capital.
197 De acordo com Coggiola (2006), em nível mundial, estima-se que anualmente, os desertos avancem uma extensão equivalente à metade da superfície da França.
195
A sobreexploração do solo (ou seja, sua utilização a um ritmo e intensidade
maiores que as possibilidades naturais de reposição), que nos parece
emblemática do problema ambiental, deve-se à possibilidade de que, sob as
relações capitalistas de produção, o produtor rural se aproprie de uma parte do
excedente econômico, se produzir a um ritmo ou intensidade superiores àqueles
vigentes no momento, o que ele faz mediante o emprego das tecnologias
altamente intensivas (como aquelas anteriormente descritas)198. Como explica
Foladori (2001, p. 185), o resultado é uma tendência a aplicações sempre crescentes de capital no solo [na forma de máquinas e insumos industriais], ainda que com rendimentos físicos decrescentes [reveladores de uma diminuição da capacidade produtiva do solo, de sua fertilidade], até que em um determinado momento acontece uma crise ecológica.
As técnicas agrícolas tidas como as mais “modernas” e “avançadas” são,
portanto, aquelas que permitem um aumento nos lucros, mesmo que os danos
ambientais (e humanos) sejam imensos, quiçá irreversíveis. Caso mais grave
ainda é o dos Organismos Geneticamente Modificados-OGM, que são objeto de
grande controvérsia no meio científico. Embora ainda não exista um consenso
quanto a uma margem segura de utilização, tanto para o ser humano como para a
natureza, os OGM são plantados em escala cada vez maior, num contexto de
concentração sem precedentes da indústria de sementes199.
198A teoria marxiana da Renda da Terra é fundamental para uma compreensão adequada do
problema; consultar o Livro III d’O Capital, cap. XXXVIII a XLV. Para uma aplicação direta à questão ambiental, ver Foladori (2001).
199Um estudo envolvendo o monitoramento do fluxo gênico do milho transgênico, feito pelo Departamento de Fiscalização e Defesa Agropecuária do Estado do Paraná, revelou a ineficiência das medidas de segurança atualmente adotadas para impedir a contaminação de lavouras não-transgênicas. O representante do Ministério da Ciência e Tecnologia, Luiz Antônio Barreto de Castro, reconheceu a contaminação, mas ponderou que “as regras [de segurança da CTNBio] foram estabelecidas levando em conta que nem sempre a contaminação resulta em prejuízo para os agricultores que cultivam variedades ditas crioulas”; ignorando assim os prejuízos econômicos, que dirá ambientais (GLASS, 2009, p. 14). Até mesmo a EMBRAPA, parceira de várias multinacionais no desenvolvimento de variedades transgênicas, vem se posicionando contra a liberação de uma variedade transgênica de arroz (desta vez, da Bayer), ao lado das federações patronais do Rio Grande do Sul, temendo que a tolerância ao herbicida do arroz transgênico seja transferida ao arroz vermelho, principal planta espontânea das lavouras brasileiras, cujo controle vem se tornando cada vez mais difícil. Isso sem mencionar as irregularidades nos processos de liberação das variedades, feitos muitas vezes sem estudos sobre o potencial alergênico das plantas no organismo humano, nem de impacto ambiental nas condições brasileiras. Outro resultado nada inesperado de tanto “progresso” é que o Brasil
196
Aliás, embora ainda se insista na pretensa neutralidade da ciência,
especialmente em ramos como a biologia ou a física, também estamos longe de
um consenso a respeito das teorias fundamentais. Por exemplo, embora a teoria
do Big-Bang, que procura explicar a origem do universo, seja apresentada como
uma “verdade científica” nos meios de divulgação da ciência atuais, ela não passa
de uma hipótese, aliás muito contestada (embora as contestações não gozem do
mesmo espaço de divulgação). Neves (1999, p. 198) mostra detalhadamente
suas incongruências e “nós epistemológicos”, e conclui que “[...] esta teoria, com
muito de ficção científica, está atolada num mar de argumentações ad hoc’s”.
Foladori (2001), além de abordar as controvérsias em torno da origem (ou não) do
universo, trata também daquelas existentes em torno da evolução dos seres
vivos, em que se defrontam basicamente duas tendências opostas: o
neodarwinismo (que considera a genética como o único tipo de herança para os
fins evolutivos, e a seleção natural – por competição – no único mecanismo de
variação) e a fenogenética (que sustenta ao contrário, uma co-evolução entre os
organismos e o nicho ecológico, com a herança genética funcionando simultânea
e complementarmente à modificação do meio pelos organismos). Investigando
como cada teoria explica o comportamento humano, o autor aponta como certas
elaborações científicas, apresentadas como se fossem consensuais (ou até
únicas), se prestam a legitimar determinadas posições político-ideológicas, por
exemplo, inscrevendo o egoísmo, a competição, e outros valores liberais na
herança genética humana, ou ocultando o papel da economia sob o da
reprodução biológica200.
Não se quer afirmar, com isso, que se deva atribuir a causa da crise
ecológica às tecnologias em si, como aliás tem sido bastante difundido (o que
equivaleria mais ou menos, resguardadas as diferenças históricas, à destruição
das máquinas pelos trabalhadores, em revoltas ocorridas desde os princípios da
Revolução Industrial, e até o início do século XIX, com o movimento luddita).
É preciso também cuidado para não cair no “canto da sereia” da crítica
pós-moderna à ciência, que descamba para o anti-racionalismo e para o
tornou-se o maior consumidor mundial de agrotóxicos (aos quais as variedades transgênicas são resistentes). Ver também Coggiola (2006); Altieri e Nicholls (2000); Carvalho (2003).
200 “Por exemplo, se os homens enganam a mulher com outras, isso se deve ao impulso para transmitir os próprios genes o mais possível. [...] A maior inteligência faz com que uns sejam ricos, outros pobres e assim por diante” (FOLADORI, 2001, p. 54).
197
relativismo absoluto201. Augustin e Almeida (2006) alertam para a tendência, no
“pensamento verde”, em se atribuir toda a responsabilidade pela degradação
ambiental contemporânea à emergência da revolução científica do século XVII,
desconsiderando-se o momento histórico em que as teorias clássicas (como o
pensamento de Francis Bacon, que é emblemático) foram produzidas, de
transição do feudalismo (e do escolasticismo aristotélico) para o capitalismo. Em
sentido contrário, os autores procuram mostrar que as formulações do
materialismo (que tem sua origem na antiguidade clássica) e da ciência moderna
também lançaram as bases que proporcionam, na contemporaneidade, os modos
ecológicos de pensar (ainda que com sérios limites, acrescentamos). Também
Oliveira (2007) destaca o limite das críticas pós-moderna à ciência, por seu
caráter abstrato e puramente negativo, que nas palavras do autor, “parecem
satisfazer-se consigo próprias”, sem apontar qualquer alternativa. Sem a intenção
de aprofundar esse debate, vale ressaltar a observação de Freitas (2007, p. 49),
acerca da afirmação pós-moderna da impossibilidade do conhecimento
verdadeiro, num mundo sem intencionalidade, inteiramente caótico: “Isso convém
à ideologia pós-moderna porque tira o lugar do sujeito como construtor da história,
porque se tudo é acaso não há sentido em pensar um processo intencional de
transformação da realidade”202.
Entretanto, se a produção material não pode ser concebida separadamente
das relações sociais em que ocorre, então não se pode ignorar que a técnica
predominante no mundo contemporâneo se originou sob relações de produção
capitalistas. Como destaca ANDRIOLI (2009, p. 27-28), o conhecimento não está livre da ideologia, e seu desenvolvimento, sua seleção, e aplicação são definidos politicamente pelas relações de poder hegemônicas, na sociedade. [...] Na medida em que o capitalismo foi se desenvolvendo, historicamente, e a produção de mercadorias se generalizou, este subjugou o conteúdo e a finalidade da produção científica e seu
201Consideremos, por exemplo, a afirmação de Feyerabend, de que “[...] a ciência não é superior –
nem em relação ao método nem em relação a resultados – a outras formas de conhecimento e que não deve ter qualquer privilégio: se as pessoas que pagam impostos acreditam em coisas como atrologia, bruxaria, criacionismo, parapsicologia, etc., então essas teorias deveriam ser ensinadas em escolas públicas” (GEWANDSZNAJDER, 1998, p. 40).
202 Alves-Mazzotti (1998), problematizando a questão da objetividade da pesquisa científica em ciências sociais, também associa a adesão ou não ao relativismo com a postura do pesquisador em relação à transformação da sociedade.
198
emprego a seus interesses. Em decorrência, a eficiência se constitui especificamente como regra básica: maximizar o lucro particular do proprietário dos meios de produção. (grifo nosso).
Chesnais e Serfati (2003) também chamam a atenção para a necessidade
de considerar até que ponto a ciência e a tecnologia foram moldadas pelos
objetivos da dominação social e do lucro, resgatando no pensamento marxiano
dois fios condutores de análise: primeiro, a reversão da relação entre o operário e
o instrumental de trabalho que ocorre na maquinofatura, em que os trabalhadores
deixam de se servir das ferramentas, como ocorria até então, para, ao contrário,
servir à máquina: “na fábrica, há um mecanismo morto, independente deles, ao
qual são incorporados como um apêndice vivo” (MARX, 1988b, p. 41).203
Continuando no mesmo texto, tem-se o segundo fio condutor,
[...] a idéia da integração ou da absorção da ciência pelo capital como instrumento de dominação, a cada vez ou a partir do momento em que suas aplicações práticas tornam-se conhecidas: “as potências intelectuais são transformadas em poder do capital sobre o trabalho”, elas são apropriadas pelo capital a ponto de parecer um de seus atributos. Aí está a chave da distinção feita por Marcuse entre, de um lado, a técnica (enquanto aparelho técnico, industrial, de transportes e de comunicações) e, de outro lado, a tecnologia (da qual a técnica é só uma parte) e que constitui um modo de produção e de dominação. Sob um ângulo diferente, Jacques Ellul falará do “movimento de autonomização da técnica” ou ainda da constituição de uma “tecnoestrutura”204 colocada acima da sociedade (CHESNAIS; SERFATI, 2003, p. 23).
O que se quer destacar aqui é que na agroecologia não se trata, como
observamos em muitos debates, de se contrapor “à evolução das forças
produtivas”, substituindo técnicas das mais “modernas e avançadas” por práticas
arcaicas e supersticiosas205. Trata-se de escolher as tecnologias apropriadas, de
acordo com parâmetros que não são redutíveis à “eficiência” fetichista da
acumulação capitalista, num momento em que o capitalismo financeiro pressiona
203Livro I, vol. II, cap. XIII. 204Oliveira (2007) destaca o uso do neologismo “tecnociência”, pra referir-se à imbricação entre
ciência e tecnologia, no processo de mercantilização de ambas, que se acelerou com o advento da mundialização do capital e as políticas neoliberais correspondentes.
205Coggiola (2006) vai ainda mais longe nesse caminho, afirmando que, apesar das aparências em contrário, vivemos em nossa época um imenso atraso científico, em função da subordinação da ciência à tecnologia, e desta aos interesses imediatos da acumulação capitalista.
199
por apostas tecnológicas cegas, de uma irresponsabilidade social total, como no
caso dos OGM, ou da decodificação do genoma.
Lembremos uma vez mais que, muito embora destacando os avanços da
técnica sob o capitalismo de sua época, mesmo Marx, no século XIX, apontava
para sua potencial transformação em “forças destrutivas”. Analisando a breve mas
fecunda experiência da Comuna de Paris, ele sentenciou: “A ciência só pode
jogar seu verdadeiro papel na República do Trabalho”[...], para tornar-se enfim
“[...] um instrumento não de dominação de classe, mas sim uma força popular”
(MARX; ENGELS, 1983, p. 93).
Uma passagem d’O Capital, em especial, tem sido bastante referida como
uma intuição genial da questão ambiental que já se desenhava. Marx observou
que a concentração da população em grandes centros urbanos perturbava [...] o metabolismo entre homem e terra, isto é, o retorno dos componentes da terra consumidos pelo homem, sob forma de alimentos e vestuário [...]. E cada progresso da agricultura capitalista não é só um progresso na arte de saquear o trabalhador, mas ao mesmo tempo na arte de saquear o solo, pois cada progresso no aumento da fertilidade por certo período é simultaneamente um progresso na ruína das fontes permanentes dessa fertilidade. [...] Por isso, a produção capitalista só desenvolve a técnica e a combinação do processo de produção social ao minar simultaneamente as fontes de toda a riqueza: a terra e o trabalhador (MARX, 1988b, p. 100, grifo nosso206).
Essa progressiva depauperação do solo, só em parte contornada pelo uso
de fertilizantes sintéticos (que se tornaram, por sua vez, importantes fontes de
contaminação), encontrava (e encontra) sua contrapartida na poluição das
cidades, especialmente nos “modernos” sistemas de esgoto207 e nos aterros
sanitários (lixões), revelando a complexidade do problema e a insuficiência de
medidas de correção parciais. Entretanto, Marx avançou além da simples
constatação, apontando para a necessidade de uma restauração metabólica:
206Livro I, Vol II, cap. XIII. 207Marx apontava a poluição do rio Tâmisa, em Londres, como contrapartida necessária da
depauperação do solo inglês, em função da exploração intensiva, já naquela época. Numa viagem de trabalho à Inglaterra (como representante do MST), no início de 2006, tive a oportunidade de visitar um produtor de morangos, nas imediações de Londres, que plantava seus morangueiros em um tipo de “almofada” plástica contendo um substrato especialmente preparado, não o fazendo diretamente no solo, uma vez que este não apresentava mais condições de cultivo.
200
Mas, ao destruir as condições desse metabolismo, desenvolvidas espontaneamente, obriga-o, simultaneamente, a restaurá-lo de maneira sistemática, como lei reguladora da produção social e numa forma adequada ao pleno desenvolvimento humano (MARX, 1988b, p. 100).
Pensamos que é esta a contribuição específica da (agro)ecologia:
contribuir para a restauração da fratura metabólica, numa forma adequada ao
pleno desenvolvimento humano, algo que entretanto só pode ser plenamente
alcançado numa ordem social que supere as relações capitalistas. Para nós, [...] o único meio viável de enfrentar os problemas crescentemente graves de nossa ecologia global - se quisermos enfrentar de modo responsável o agravamento dos problemas e contradições de nosso lar planetário, desde o impacto direto sobre questões vitais como o aquecimento global até demandas elementares por fontes de água limpa e ar respirável – é mudar da ordem existente da quantificação fetichista da administração perdulária para uma genuína ordem qualitativamente orientada. A ecologia, quanto a isto, é um aspecto importante, mas subordinado, da necessária redefinição qualitativa da utilização dos bens e serviços produzidos, sem a qual a defesa de uma ecologia permanentemente sustentável para a humanidade – um dever absoluto – não pode ser mais que uma vã esperança (MÉSZÁROS, 2007, p. 21, grifos no original).
Essa ordem qualitativamente orientada, só pode ser alcançada na
sociedade dos indivíduos livremente associados, que, como sujeitos históricos
autônomos, estejam no pleno controle do processo produtivo, este
conscientemente subordinado à satisfação das necessidades humanas, e não a
uma riqueza fetichizada. Evidentemente que Um tal corte revolucionário com o actual estado de “negócios como de costume” oferece-nos, é claro, não a garantia, mas a mera possibilidade de uma profunda transformação social e ecológica, através da criação de uma sociedade sustentável, igualitária (ou socialista). [...] uma tal ruptura constitui o necessário primeiro passo em qualquer tentativa racional para salvar e fazer avançar a civilização humana. [...] Mas nós agora sabemos – o que raramente foi compreendido antes – que uma transformação revolucionária da sociedade deve também ser uma restauração revolucionária da nossa relação metabólica com a natureza (FOSTER, 2007)208.
208 Texto não paginado, disponível on-line em versão portuguesa.
201
Apesar da aparente despolitização do discurso ambiental hegemônico, é
importante ter presente que a questão ecológica envolve, na atualidade, “[...] a
perenidade das condições de reprodução social de certas classes, de certos
povos, e até mesmo, de certos países” (CHESNAIS; SERFATI, 2003, p. 1),
destacando-se os camponeses dos países da periferia do capitalismo. Os
movimentos indígenas e camponeses compreenderam essa importância; foi por
essa razão que a agroecologia se tornou uma questão estratégica no MST, que
se criaram as escolas de agroecologia, e que as reflexões conduziram à
elaboração do Diálogo de Saberes.
5.3. O DIÁLOGO DE SABERES NA BASE DO MOVIMENTO SOCIAL DO
CAMPO
Embora nosso estudo esteja direcionado aos processos educativos
formais, que ocorrem nas escolas técnicas de agroecologia do MST no Paraná,
no desenrolar da pesquisa sentimos a necessidade de uma breve análise do seu
desenvolvimento na base do movimento social do campo, em especial o MST. E
isso devido a uma característica muito particular da Educação do Campo, que é
importante retomar e destacar: a vinculação orgânica entre a escola e o
movimento social, mediatizada pela Pedagogia do Movimento. As escolas de
formação profissional do MST que, como vimos no segundo capítulo, são
experiências de maior autonomia pedagógica, organizam seu projeto pedagógico
em torno da concepção da práxis social como princípio educativo, com destaque
para a luta social e a organização coletiva (além do trabalho e da cultura), em que
o Movimento Social é sujeito pedagógico209, havendo uma relação escola/base
social muito mais próxima do que normalmente acontece na escola oficial.
Senão, vejamos. As escolas de agroecologia surgem no esforço de criação
das condições materiais de viabilização da construção do novo projeto de campo,
orientado pela agroecologia. Elas nascem, portanto, intimamente ligadas a esse
projeto. Nesse processo, as escolas passam a concentrar, com o tempo, as 209 Tratamos desse tema no capítulo 2 dessa dissertação. Ver também Caldart (2004, 2006).
202
discussões e experiências mais avançadas em agroecologia. Há, então, uma
relação em duplo sentido, em que o movimento social organiza as escolas para
atender a uma demanda específica dentro do seu projeto de sociedade (através
de uma atuação permanente) e, ao mesmo tempo, a escola, por meio da atuação
dos educandos (nos tempos-comunidade e depois, como egressos), coloca novos
desafios, tensionando as contradições existentes no real, no sentido do projeto
formulado, e defrontando-se também, assim, com novos desafios: Os cursos de Agroecologia foram concebidos e continuam sendo realizados na perspectiva de, dentre outras coisas, exercerem papel importante da promoção da Agroecologia na base dos movimentos sociais, isto é, nas comunidades camponesas, assentamentos e mesmo em acampamentos. Incorporar o Diálogo de Saberes nestes cursos foi (e tem sido) uma tentativa de construir métodos novos para novos desafios que os movimentos têm enfrentado. Neste caso, é possível que um desdobramento positivo quanto a resultados do Diálogo na base dos movimentos indique a necessidade de repensar os próprios cursos para que sejam instrumentos efetivos para responder a tais desafios (TONÁ, 2008, p. 12).
Além disso, o Diálogo de Saberes-DS é, ao mesmo tempo, educação formal (pois acontece como uma disciplina, no currículo dos cursos técnicos, no
ambiente escolar) e educação popular não-formal, trabalho de base (uma vez
que seu objetivo – exercitado pelos estudantes ao longo de todos os tempos-
comunidade – é a atuação dos estudantes/técnicos junto aos camponeses). Para
compreender o DS, então, é preciso ir além das escolas e dos cursos de
agroecologia, considerando-os em perspectiva (daí a trajetória percorrida nessa
dissertação).
É a partir dessa constatação que apresentamos, a seguir, algumas
reflexões sobre o desenvolvimento do Diálogo de Saberes na base dos
movimentos sociais da Via Campesina. Antes de tudo, devemos sempre recordar
que se trata de uma experiência recente e ainda em construção. O estudo de
Toná (2008) é pioneiro nesse campo, apontando alguns fios condutores que, ao
longo desse estudo, fomos desfiando, mas que demandam ainda um
aprofundamento maior, o qual remetemos a estudos futuros.
Em primeiro lugar, Toná (2008) aborda o DS como método de promoção
da agroecologia, na base dos movimentos sociais, destacando que ele pode
203
contribuir para desvelar a necessidade da agroecologia (no contexto do projeto
popular de campo), estimulando sua adoção. Ao problematizar a ação dos
sujeitos, valorizando suas práticas e ações que sejam coerentes com a
perspectiva histórica do movimento social e da classe de que fazem parte, o
Diálogo de Saberes pode contribuir para a compreensão da necessidade da
agroecologia como resistência dos camponeses, sem desvinculá-la,
entretanto, da necessidade da luta política para superação de sua condição de
exploração (daí sua diferença fundamental das metodologias participativas
adotadas por grande parte das ONGs que atuam no campo).
Outro elemento importante é que o DS Aponta para uma particular validade no diálogo dos diferentes saberes, principalmente daqueles relativos ao manejo dos agroecossistemas, colocando frente a frente o conhecimento científico e o popular/tradicional, que camponeses e camponesas constroem, cuja validade (correspondência com o real) tem sido demonstrada, em que pese que não consigam explicar o que percebem, mas o senso comum, neste caso, demonstra ter um “núcleo” de bom senso210 (TONÁ, 2008 p. 20).
Consideramos haver dois aspectos nessa questão, que abordaremos em
separado, apesar de se acharem interligados. De início, é preciso considerar a
existência de especificidades na produção agrícola, em relação à produção
industrial, e isso porque Os processos biológicos impedem um alto desenvolvimento da divisão do trabalho na agricultura. Mesmo em monoculturas, somente uma cooperação simples dos trabalhadores é possível para intensificar o trabalho e diminuir prejuízos e perdas, como por exemplo, a colheita de forma coletiva. Uma complexa e integrada
210Na acepção gramsciana, bom senso é o “[...] núcleo sadio do senso comum. Esse bom
senso se baseia em uma certa dose de experiência vivida e de observação direta da realidade. [...] Afirmar o bom senso é afirmar um mínimo de reflexão própria das massas, a partir do qual se torna possível uma elaboração mais coerente e homogênea desse núcleo” (CURY, 1983, p. 80, grifos no original). Negá-lo seria negar a existência da contradição na sociedade capitalista. A abordagem proposta por Chassot (2000) sugere uma diferenciação entre o senso comum, que se espalha pelo conjunto da sociedade (e que está impregnado da ideologia dominante) e o saber popular, produzido no cotidiano das classes subalternas, e que é “[...] resultado de uma experimentação baseada na observação, na formulação de hipóteses e na generalização. O caboclo que sabe explicar melhor do que o acadêmico porque uma desfilada de correição [espécie de formiga que realiza grandes migrações] é sinal de chuva tem um conhecimento científico resultante de observações e transmissões construídas solidariamente, às vezes, por gerações” (CHASSOT, 2000, p. 206).
204
divisão do trabalho, como ocorre na indústria moderna, não pode funcionar na agricultura [...] (ANDRIOLLI, 2009, p. 30).
As tentativas de se diminuir a influência dos processo biológicos na
produção agrícola, por meio das “técnicas modernas” de produção da Revolução
Verde, são limitadas pela complexidade dos processos e relações ecológicas
envolvidas, produzindo efeitos secundários imprevistos (como o aumento do
número de espécies de insetos, ácaros e microrganismos que trazem prejuízos às
culturas, ou a vulnerabilidade das variedades agronômicas “melhoradas” ao
ataque de “pragas” e doenças e às adversidades climáticas). A generalização do
modelo da Revolução Verde implicou num avanço na divisão do trabalho
exatamente entre a indústria e a agricultura. A produção de insumos pela
indústria, como os adubos sintéticos, os agrotóxicos, as sementes, os
medicamentos veterinários, as variedades e raças melhoradas e também as
ferramentas e máquinas são um bom exemplo. Na outra ponta do processo de
produção, o beneficiamento e a transformação dos produtos agrícolas passou a
ser realizada pela agroindústria. À agricultura resta apenas a tarefa de produzir
matéria-prima para a agroindústria, a partir de insumos fornecidos pela indústria.
Aprofundou-se especialmente a separação entre concepção/planejamento
e execução: o agricultor tornou-se apenas um consumidor de técnicas e sistemas
de produção desenvolvidas em centros de pesquisa, empresas, universidades.
Em sentido inverso, a agroecologia exige que o agricultor deixe de ser um mero consumidor de tecnologias prontas para assumir uma posição ativa, de
pesquisador das especificidades de seu agroecossistema, para desenvolver
tecnologias adaptadas às condições locais de solo, relevo, clima, vegetação,
interações ecológicas e também sociais, econômicas e culturais. Na perspectiva
da agroecologia, essa não pode ser uma tarefa de especialistas isolados. Para
tanto, o camponês precisa, de um lado, ter acesso aos conhecimentos ecológicos
fundamentais (por exemplo, sucessão ecológica, ciclo de nutrientes, relações
predador-presa) e, de outro, precisa resgatar, recuperar e revalorizar técnicas
tradicionais de produção. Como bem destaca Gliessman (2001, p. 610), “[...] os
sistemas agrícolas são resultado da co-evolução que ocorre entre cultura e
205
ambiente” e os sistemas tradicionais de produção (indígenas e camponeses211)
são uma materialização dessa co-evolução, processada ao longo de centenas e
até milhares de anos, adaptados às condições naturais e aos recursos locais,
envolvendo uma elevada diversidade de recursos genéticos212 (ALTIERI, 1989).
Não podemos esquecer que a esmagadora maioria das espécies agrícolas
atualmente existentes, bem como os animais domésticos que fornecem matéria-
prima a todos os produtos agroindustriais que consumimos, são obra do trabalho
coletivo e milenar dos povos camponeses e não de institutos de pesquisa,
universidades ou empresas (que, a partir desse saber anteriormente existente,
desenvolveram as chamadas variedades “melhoradas”). Boa parte das plantas
que hoje constituem a base da alimentação da humanidade foram domesticadas
pelos ameríndios: a batatinha (originária do Peru, onde se conhece mais de 7.000
cultivares); a mandioca e a macaxeira (ou mandioca de mesa); o milho; a batata-
doce; o tomate; o amendoim; frutas como cacau, abacaxi, caju e mamão, dentre
outras; estimulantes como o guaraná, a erva-mate e o fumo; plantas medicinais,
como a ipecacuanha, a copaíba e a quinina (esta última fornecia, até 1930, o
único antimalárico conhecido); plantas de emprego industrial, como a seringueira,
a palmeira carnaúba e o algodão, entre outras tantas que deixaram de ser
cultivadas com a Revolução Verde e a uniformização dos hábitos de consumo
(PORTO-GONÇALVES, 2002).
Entretanto, há um segundo aspecto dessa questão. Não se trata apenas
de reconhecer que os camponeses são também portadores e produtores de
saber. Eles são também depositários de um saber fundamental para o
211Consideramos aqui, em conjunto, a diversidade do sujeito camponês (ver cap. 1). Tenhamos
presente, contudo, que as condições subhumanas a que foram submetidos os africanos escravizados, e o próprio sistema de plantation em que eram empregados, limitaram, em grande medida, a expressão e incorporação de seus saberes tradicionais.
212Porto-Gonçalves (2002) elenca várias pesquisas que apontam a complexidade dos sistemas de produção ameríndios, surgidos num processo de co-evolução com a formação dos ecossistemas naturais, destacando assim que, se não existe homem sem natureza, também é difícil falar em natureza sem homem: há evidências, por exemplo, de que a atual distribuição de muitas espécies amazônicas, como a castanheira, o babaçu, o ingá ou o cupuaçu, seja resultado da atividade dos povos indígenas. A agricultura praticada por estes povos pode não se reduzir a práticas primitivas, em que a terra é abandonada após 2 ou 3 anos de produção, como se costuma pensar. As capoeiras que se formam nesses locais seriam intencionalmente manejadas, para cumprir funções importantes, como armazenamento de tubérculos (como batatas-doce e cará), bancos de germoplasma (reserva de mudas e sementes), pomares diversificados (mamão, banana, urucum, pupunha, ingá, entre outros) e “fazendas de caça”, fornecendo alimento para a fauna (brotos e folhagens viçosas).
206
desenvolvimento da agroecologia e para a construção de um outro projeto de
campo, saber que está sendo perdido – e não se trata aqui apenas de técnicas
enquanto conjunto de procedimentos, mas também de espécies, variedades e
raças, de biodiversidade213.
Podemos aqui tecer uma comparação com o processo de constituição da
grande indústria moderna, baseada na maquinaria. Marx, especialmente no Cap.
XIII d’O Capital, mostra-nos como a virtuosidade semi-artística dos artesãos do
período manufatureiro vai sendo gradativamente substituída pela máquina, como
sua habilidade vai sendo incorporada à máquina214.
Esse processo se completou na fase monopolista do capitalismo, com o
advento do Fordismo, nas primeiras décadas do séc. XX, usualmente considerado
como “[...] um modelo/tipo de produção, baseado em inovações técnicas e
organizacionais que se articulam tendo em vista a produção e o consumo em
massa”, e no qual “o trabalhador perde suas qualificações, as quais são
incorporadas à máquina” (CATTANI, 1999, p. 89-90). Destaca-se também a
contribuição da “Gerência Científica” de Taylor, cuja principal função era “[...] dar à direção capitalista do processo de trabalho os meios de se apropriar de
todos os conhecimentos práticos, até então, monopolizados, de fato, pelos operários” (LINHART, 1983, p. 79, grifos do autor), saber sistematizado e
reordenado em função das necessidades de acumulação de capital, mas que se
mostrava, “ [...] na maior parte dos casos, perfeitamente adequado”, ainda
conforme o mesmo autor. Bravermann (1974) afirma ainda que, antes disso, [...] o ofício proporcionava um vínculo diário entre a ciência e o trabalho, visto que o profissional estava constantemente obrigado ao emprego de conhecimento rudimentar científico, de Matemática, Desenho etc. na sua prática [...]. O profissional estava
213Com o advento da biotecnologia e a posição estratégica que assumiu a defesa da
biodiversidade (com a natureza tornando-se fonte de informação), os detentores do capital têm atuado de diversas maneiras na tentativa de criar novas possibilidades de acumulação. O saber tradicional das populações indígenas e camponesas em geral vem sendo apropriado por pesquisadores, especialmente das ciências naturais, algumas vezes dando origem a novas técnicas ou produtos, que são então patenteados. Além disso, a partir da antiga lógica das unidades de conservação, expulsam as populações tradicionais de seus territórios, investindo na formação de verdadeiros “latifúndios genéticos”, na expressão de Porto-Gonçalves (2002).
214Interessante notar que as primeiras máquinas da Revolução Industrial foram produzidas por esses artesãos habilidosos. Só mais tarde, como assinala Marx (1988b), as máquinas passaram a ser produzidas por outras máquinas, libertando-se enfim a produção da sua base manufatureira.
207
vinculado ao conhecimento técnico e científico de seu tempo na prática diária de seu ofício” (BRAVERMANN, 1974, p. 119).
Nesse processo, produziu-se ao mesmo tempo uma degradação,
esvaziamento e desqualificação do trabalho, num pólo, e um aumento da
qualificação no pólo oposto, concentrado em especialistas, trabalhadores
altamente especializados.
No campo, especialmente nos países da periferia do capitalismo, o saber
dos camponeses-artesãos não foi incorporado às novas técnicas industriais
(basta observar que o modelo da Revolução Verde foi todo importado/copiado a
partir dos sistemas de produção desenvolvidos nos países do centro capitalista);
de modo que ele simplesmente está sendo sistematicamente perdido, o que traz
grandes prejuízos à construção de um outro projeto de campo. O Diálogo de
Saberes vem de encontro, então, a essas duas necessidades trazidas pela
agroecologia: recuperar o saber camponês e convocá-lo a uma postura ativa, de
busca da ciência ecológica, preparando os técnicos que serão os mediadores
deste processo. É nesse sentido que compreendemos a observação de Toná
(2008, p. 18), de que É nesse contexto de construção de conhecimento, por sujeitos, que os saberes diferentes dialogam. O Diálogo de Saberes reconhece o conhecimento dos sujeitos do campo (saber popular), testado pela observação durante longos períodos, articulando-o/questionando-o com conhecimento mais sistematizado, dito científico, produzindo novas sínteses. Se pudermos considerar o Diálogo de Saberes como uma contribuição à práxis dos sujeitos dos movimentos sociais, e ao mesmo tempo uma forma de pesquisa militante, os educandos e famílias tornam-se pesquisadores (pois se não forem não compreenderão o real para além das aparências). A apropriação e possível produção de novo conhecimento (das particularidades) farão parte do Diálogo.
O autor analisa outro aspecto em que o DS pretende contribuir215, a
formação política na base dos movimentos sociais do campo, destacando
limitações importantes do método nesse sentido, uma vez que é preciso levar em
conta que
215Em função da recentidade do método e da inexistência de estudos sobre seu impacto real nas
comunidades camponesas, não ousamos ainda, como também o autor do estudo citado, afirmar categoricamente que ele de fato contribui para tanto.
208
[...] os “saberes” sobre o mundo, o funcionamento desta sociedade, encontra-se na maioria das vezes ao nível do senso comum, repleto de ideologia da sociedade capitalista, e precisa ser verificado e criticado por teorias coerentes com a realidade, capazes de percebê-la para além das suas aparências, o que parece que o Diálogo de Saberes não dá conta de fazer por si só (TONÁ, 2008, p. 18).
O DS não tem a força material para, por si mesmo, fazer a formação política
dos camponeses, no sentido de ajudá-los a transcender os interesses
corporativos imediatos, em direção a uma convicção política sobre a necessidade
de mudanças mais amplas, de um outro projeto de campo e de sociedade (o
Projeto Popular). É a participação na Organização, nas lutas, nas atividades mais
específicas de formação que poderá alcançar esse novo patamar. Entretanto,
parece-nos que o DS pode contribuir (juntamente com os outros métodos de
trabalho de base praticados nos movimentos sociais) no sentido de mobilizar as pessoas para essa participação. Nos assentamentos não é tão fácil manter os
camponeses envolvidos na Organização, mobilizados, participantes, atuantes,
como num acampamento, pois
Quando o sem-terra de origem camponesa entra na terra que agora sabe ser sua, entra junto toda a tradição ou herança cultural que carrega de muitas gerações de vida e trabalho no campo. Voltam com a força desse seu reencontro (agora com chance de ser definitivo) com a vida na terra, os costumes, a visão de mundo, os valores em que foi baseada sua formação humana até então. Entram também, mas de modo mais frágil e tímido, esses outros aprendizados que começou a desenvolver desde o processo de preparação da sua decisão de participar da ocupação da terra, e então lutar pela salvação de seu próprio destino enquanto trabalhador do campo. São mais frágeis porque recentes e culturalmente pouco consolidados, tendo sido provocados por um tempo de muita tensão social e pessoal, em que o conflito entre a bagagem que trazia e a novidade do que estava sendo desafiado a fazer, até pôde ser relativizado em função de algo bem mais importante naquele momento, que era a própria preservação da vida, da sua e de sua família. Mas, quando chega no assentamento, sua expectativa maior é voltar à vida normal, certamente bem diferente daquela experimentada debaixo das lonas pretas, e talvez muito próxima ao tipo de experiência que já teve em algum momento anterior de sua trajetória de trabalhador do campo (CALDART, 2004, p 193-194, grifos no original).
209
No assentamento há um “desejo de estabilidade”, que vem das vivências
anteriores das pessoas e que entra em conflito com a “necessidade de movimento
permanente”, as novas formas de organização da vida e de relações sociais que
são vivenciadas no movimento social. O DS pode contribuir para um
tensionamento no sentido de um “costume de movimento” (para utilizar, ainda,
expressões de Caldart), se for capaz de articular, de modo mais incisivo, a esfera
da produção com as demais, mostrando que ela não está isolada. Esse aspecto,
ao que nos parece, poderia ser aprimorado no método, no sentido de
potencializar o envolvimento dos camponeses nas instâncias de base do SPCMA
e nos planejamentos mais coletivos da produção, dando ao Setor uma
funcionalidade e uma dinamicidade que atualmente lhe fazem falta.
Uma última observação se faz necessária, quanto à difusão do DS no
interior dos movimentos sociais, em especial o MST (não dispomos, no momento,
de informações suficientes sobre essa questão no interior dos demais
movimentos da Via Campesina). As informações que temos recolhido (de modo
ainda assistemático, é bem verdade) dão conta da pouca penetração do DS no
cotidiano das brigadas do MST. A ausência de uma política pública de
“assistência técnica” para os assentamentos (utilizamos essa desgastada palavra
com todas as restrições anteriormente expostas, à falta de outra melhor) e a
agricultura camponesa, em geral, contribuiu, sem dúvida, para interromper o
trabalho que vinha sendo feito no interior do Programa de Formação do
SPCMA216. Nesse processo, as escolas acabaram concentrando, como
mencionamos, as discussões mais avançadas acerca da agroecologia e do novo
projeto de campo. Entretanto, isso acaba também resultando num acirramento da
contradição entre aquilo que é discutido e proposto nas escolas, e o que é
definido como atuação prioritária para educandos e técnicos, no momento de sua
inserção nas brigadas.
216No início desse capítulo tratamos dessa questão. Relembramos o encerramento do convênio
que mobilizou a criação do DS, em 2006, e a celebração de novo convênio em 2008, mas desta vez, dentro do sistema EMATER, diminuindo relativamente, ao que nos parece, a autonomia dos técnicos e a influência do MST.
210
5.4. O DIÁLOGO DE SABERES NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DO CAMPO
Fazendo uma recapitulação breve, podemos nos dar conta da recentidade
e da rapidez do processo por nós estudado: a partir do ano 2000, o MST passa a
incluir a agroecologia entre seus objetivos estratégicos, passando-se a trabalhar
na criação das condições materiais para sua adoção; nesse processo se dá a
criação das escolas de agroecologia (a partir de 2001), que a partir de 2003
passam a oferecer os cursos técnicos (formais) em agroeocologia, em parceria
com o Instituto Técnico Federal (na época, Escola Técnica da UFPR); no final de
2004, têm início as reflexões em torno de um programa de formação para os
técnicos, no interior do SPCMA, que daria origem ao Diálogo de Saberes, que é
introduzido nas escolas técnicas do MST do Paraná em 2005.
A necessidade de um método de trabalho de base que englobasse a
agroecologia fez com que o interesse pelo Diálogo de Saberes se ampliasse
desde então; além das quatro escolas técnicas do MST no Paraná, ele foi
trabalhado na Casa Familiar Rural Padre Sasaki, em Sapopema/PR (curso de
educação de jovens e adultos, nível fundamental; em parceria com o MST
local217); no curso de Especialização em Agroecologia, atualmente no CEAGRO
(parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina e a Universidade Federal
do Paraná); no curso de Agronomia para os movimentos populares da Venezuela
(parceria com a Via Campesina); e mais recentemente, na Escola Nacional de
Agroecologia do Equador.
Nesse item tratamos da introdução do Diálogo de Saberes nas escolas
técnicas do MST e da Via Campesina no Paraná, nos cursos de nível médio, pós-
médio e tecnológico, trazendo elementos gerais de sua adoção dentro da
organização de cursos formais, a partir da consulta a vários documentos das
escolas e de anotações feitas durante as reuniões de avaliação, na Escola Milton
Santos, que acompanhamos de perto.
217A partir de 2009, a Casa Familiar Rural Padre Sasaki oferece também o curso técnico em
agroecologia no nível médio.
211
5.4.1. A incorporação do Diálogo de Saberes às escolas de agroecologia
O Diálogo de Saberes começa a ser trabalhado nas escolas técnicas do
MST, no Paraná, como uma unidade didática, que apesar dos diversos nomes
assumidos (Desenho e Manejo da Paisagem, Diagnóstico e Desenho de
Agroecossistemas, Manejo e Desenho de Agroecossistemas), manteve
características mais ou menos uniformes nas diversas escolas, sendo conduzida
essencialmente por seu principal idealizador, José Maria Tardin – à exceção do
CEAGRO, onde ele é, desde o início, trabalhado em conjunto com educadores do
Coletivo de Acompanhamento Político-Pedagógico-CAPP e, onde integra, a partir
da turma VI, a unidade didática “Planejamento e gestão dos sistemas agrários”.
Nessa unidade didática, costumam se alternar, em cada etapa do Tempo-
Escola, momentos de exposição e reflexão teórica, na escola, com momentos de
exercício prático a campo, com toda a turma de educandos, numa família ou
grupo coletivo de um assentamento próximo, previamente definidos para esse fim;
essas atividades também têm desdobramentos no Tempo-Comunidade. Muito
embora tenhamos explicitado anteriormente em que consiste o Tempo-
Comunidade (cap. 3), uma retomada nos parece apropriada nesse momento: O Tempo Comunidade é um tempo onde se trabalha com os educandos na perspectiva de serem sujeitos investigadores, pesquisadores, desenvolverem a auto-formação. Este trabalho deve ser planejado pelo conjunto dos educadores, um trabalho interdisciplinar, que tenha como princípios: a pesquisa, a organização pessoal, a auto-formação. A cada etapa esse trabalho é avaliado e reencaminhado. Este tempo é acompanhado pelo Coletivo Pedagógico do Curso, e pelas entidades/movimentos sociais que para ele enviarem educandos(as) (TONÁ, 2005, p. 39).
De maneira resumida, podemos identificar alguns momentos específicos
(que não são estanques) no Desenvolvimento do Diálogo de Saberes como
unidade didática, nas escolas de agroecologia, no intuito de permitir uma melhor
apreensão do método:
a) exposição sobre temáticas não abordadas diretamente nas outras
disciplinas, como alguns temas de ecologia, a análise sistêmica, a
avaliação da sustentabilidade a partir de determinados indicadores,
212
a pedagogia freiriana, dentre outros, bem como a retomada dos
conhecimentos trabalhados em outras unidades didáticas, buscando
relacioná-los;
b) problematização da atuação militante dos educandos-técnicos, e
também do saber/agir camponês; “por isso é um ‘encontro de
culturas’ que inter-atuam. Saberes se complementando e
dialogando suas divergências e contradições” (J. M. T., depoimento
em 09/07/2008);
c) preparação das atividades a serem trabalhadas com os
camponeses no exercício de campo. Essa atividade normalmente
envolve um trabalho de pesquisa dos estudantes, em grupos, de
alguns temas que serão abordados, e a elaboração dos materiais a
serem utilizados (pode ser apenas um roteiro de questões, envolver
a preparação de cartazes ou a utilização de outros recursos
audiovisuais), além da divisão das tarefas entre os integrantes da
turma;
d) exercício coletivo do Diálogo de Saberes num assentamento de
reforma agrária, envolvendo toda a turma e sob orientação do
educador, com uma família ou um coletivo (a escolha é feita
conjuntamente entre a CPP da escola e a direção da brigada à qual
pertence o assentamento). Esse trabalho de campo é normalmente
feito em um ou dois dias, e a família ou coletivo escolhido
permanece a/o mesma/o ao longo de todo o curso, dando-se
seqüência aos passos a cada nova etapa do Tempo-Escola.
e) avaliação da atividade realizada conjuntamente e encaminhamento
das tarefas a serem realizadas pelos educandos, individualmente,
durante o próximo Tempo-Comunidade.
f) desdobramentos no Tempo-Comunidade: cada educando é
desafiado a realizar o Diálogo de Saberes em sua base de origem,
com 3 a 5 famílias, de acordo com as orientações recebidas no
Tempo-Escola anterior. Para cada família, deve-se produzir um
relatório das atividades desenvolvidas, de acordo com um roteiro
pré-estabelecido, entregue ao educador.
213
g) continuidade no Tempo-Escola: o educador avalia cada relatório
individualmente e indica os pontos em que é necessário avançar
mais. A partir de uma análise do conjunto de relatórios de uma
turma, ele prepara as aulas seguintes (de acordo com a
necessidade, ou não, de retomar algum conceito, abordar um novo
conteúdo, esclarecer dúvidas, sugerir leituras e assim por diante).
Há então uma articulação entre as atividades individuais e o exercício
coletivo, de maneira que os educandos são desfiados a [...] ter procedimentos mais claros de percepção e análise da realidade e proposições, de modo dialógico. [Desse modo] se constrói um referencial de manejo do conjunto das atividades do agroecossistema, que educandos devem construir junto com as famílias (TONÁ, 2008, p. 9).
Essa seqüência pode permitir uma maior articulação entre Tempo-Escola e
Tempo-Comunidade, articulação que é sempre um desafio em cursos
organizados no regime de alternância218.
Tardin aponta que, “de modo geral, foi uma evolução bastante significativa
o Diálogo de Saberes ser a base de uma disciplina” (J. M. T., depoimento em
09/07/2008), pois isso impôs a busca por um crescente rigor teórico-metodológico
na formulação do método (lembremos que foi depois de ingressar nas escolas
que ele alcançou sua conformação atual). Também colocou novos desafios,
relacionados às necessidades próprias da prática pedagógica (ministrar aulas,
estruturá-lo como disciplina), além da necessidade de “[...] não perder a
criatividade (em acordo com a pedagogia freiriana), não se aprisionar num único
jeito de fazer, não se amedrontar...”.
Essas e outras questões ganharam nova dimensão quando o Diálogo de
Saberes tornou-se a base dos TCCs. Como expusemos no capítulo anterior,
todos os cursos de agroecologia das escolas do MST no Paraná exigem a
218Christofoli, (2007b), analisando o curso Técnico em Administração de Cooperativas-TAC
(também em nível médio, embora numa área diferente), aponta a dificuldade em organizar e aproveitar adequadamente a potencialidade político-pedagógica do TC, registrando que, na prática, a alternância TE e TC acaba promovendo uma interrupção ou desaceleração na capacitação organizativa das turmas, em função da inserção dos educandos nas dinâmicas reais, mais lentas e complexas, dos acampamentos e assentamentos durante o TC, visto muitas vezes como período de desmobilização.
214
elaboração de um Trabalho de Conclusão de Curso, a ser apresentado em forma
de monografia e defendido perante uma banca. Inicialmente, o TCC consistia na
elaboração, ao longo do curso, de um projeto técnico, em que o educando deveria
propor, para uma determinada situação real, uma estratégia de implantação de
um sistema agroecológico de produção. Esse formato era claramente inspirado
nos cursos tradicionais de agronomia219. Havia ainda a intenção de que este
projeto (chamado Projeto de Inserção) pudesse “inserir” o educando-técnico no
Setor de Produção (SPCMA) de sua brigada, articulando-se assim a formação na
escola ao mundo do trabalho, nos assentamentos/acampamentos. Entretanto,
esse instrumento metodológico, adaptado de outros cursos formais promovidos
pelos Movimentos Sociais do Campo, [...] não conseguiu estabelecer vínculos reais, esteve focado em temas pontuais (determinada linha de produção ou prática agropecuária), muitos deles não prioritários às organizações sociais, e não abordou a complexidade que exige a práxis agroecológica. Soma-se a isto que o embasamento teórico e ações práticas de agroecologia durante o curso foram insuficientes, frente ao desafio que educandos(as) enfrentaram. E vale ressaltar que o vínculo orgânico de um indivíduo com uma organização (e sua prática social nesta) não pode ser construída somente com a ação de um Curso, muito menos com um instrumento metodológico deste, ainda que reconheçamos que contribua para isto, ou não teria razão de ser na proposta pedagógica (TONÁ, 2005, p. 62-63).
Face a essa avaliação, a partir de 2007, os CAPP das escolas decidiram
experimentar articular o TCC ao Diálogo de Saberes. Na ELAA e na Escola Milton
Santos, os processos pedagógicos foram reorientados (dentro das possibilidades)
para que, dentre os exercícios desenvolvidos pelos educandos com o Diálogo de
Saberes durante o Tempo-Comunidade220, um pudesse ser convertido no TCC. O
TCC passou a consistir, então, numa sistematização desse processo teórico-
prático, conduzido de maneira cientificamente mais rigorosa. O objetivo é chegar
a uma proposta de desenho e manejo dos agroecossistemas, ainda que não se
219Posso citar minha experiência formativa, no curso de graduação em agronomia, na UEM,
concluído em 1998. 220As escolas de agroecologia em análise estabelecem que os educandos devem desenvolver,
individualmente, o Diálogo de Saberes com um número variável de 3 a 5 famílias, durante o Tempo-Comunidade.
215
exija um detalhamento exaustivo das técnicas produtivas de cada sub-sistema
específico (TONÁ, 2007).
No ITEPA, devido a dificuldades específicas vivenciadas pela escola e pela
turma, essa possibilidade foi oferecida como mais uma entre as outras
anteriormente existentes. No CEAGRO, essa integração do Diálogo de Saberes
ao TCC envolveu algumas particularidades, próprias da adaptação do método que
a escola vem promovendo: O primeiro momento busca definir o local da leitura da realidade (micro e relação com o macro); a partir do segundo momento com as famílias a postura é mais propositiva e o desafio já é de iniciar atividades práticas tendo em vista a agroecologia; é importante construir o “desenho do agroecossistema, preocupando-se com a totalidade e tendo cuidado com as atividades produtivas definidas como estratégicas regionalmente; o desfio é construir com as cinco famílias um grupo de pesquisa, onde atuem juntos educandos e camponeses; os educandos trazem a problemática para o Tempo-Escola e criam grupos de discussão (TONÁ, 2007, p. 95).
Não nos atemos aqui às diferentes estratégias adotadas pelas escolas
para incorporar o Diálogo de Saberes ao TCC – muitas vezes associadas a
particularidades locais. Tratamos apenas das questões que nos parecem comuns
nesse processo. Tomamos como referência algumas avaliações realizadas após
as bancas de defesa dos TCCs, na Escola Milton Santos, da turma II e da turma
III221, para discutir as possibilidades e limites do Diálogo de Saberes sob três
aspectos, que não são estanques, mas inter-relcionados: o DS como pesquisa; o
DS como TCC; o DS e o currículo integrado.
5.4.2. O Diálogo de Saberes como pesquisa
É preciso dizer que houve, desde o início, uma resistência da instituição
parceira, a Escola Técnica da UFPR (atualmente Instituto Técnico Federal-ITF),
ao Diálogo de Saberes de forma geral, e mais ainda a que os TCC o tomassem
221Utilizarei como fonte as anotações feitas durante essas reuniões de avaliação, em que estive
presente, em outubro de 2008 e em agosto de 2009, respectivamente.
216
como base. Na avaliação de um educador do Núcleo de Agroecologia do ITF,
“fazer um trabalho de base virar um trabalho acadêmico não foi bem sucedido,
pois são de essência conflituosa” (V. S., 10/10/2008). Mesmo reconhecendo
nesse questionamento uma dose de legitimidade e pertinência, Toná (2008) o
relaciona às diferenças existentes entre o movimento social e a academia, na
maneira de conceber a produção do conhecimento. Mesmo que
inconscientemente, essa posição pode estar relacionada à questão de quem tem
o direito à produção de conhecimento. Nas palavras de Arroyo (2007, p. 42), [...] a vinculação entre movimentos sociais, suas lutas emancipatórias, sua solidariedade e seus conhecimentos-emancipação se debatem com a hegemonia dos processos de regulação. O conhecimento será reconhecido como tal se na ordem e para a ordem, para o progresso e para o futuro. O conhecimento que os coletivos em movimento trazem de suas vivências do passado e de suas lutas solidárias, emancipadoras do presente, será condenado como inspirador do caos, da desordem e do regresso. Não será reconhecido como conhecimento, mas como ignorância. Os movimentos sociais têm experiência de como suas lutas e ideais transformadores reforçam a visão hegemônica de serem coletivos sumidos na ignorância, atrelados a tradições do passado, exatamente por fomentarem com suas lutas a desordem, por lutarem por formas de produção ultrapassadas no parâmetro do progresso. O conhecimento hegemônico se auto-protegendo, condenando e regulando o conhecimento-emancipação e os coletivos que o produzem e as lutas que o produzem.
Outras avaliações foram, nas reuniões de avaliação, em sentido inverso,
destacando-se a possibilidade de que um aspecto (a característica de trabalho de
base) tensione e potencialize o outro (o de pesquisa acadêmica), e vice-versa.
Nessa direção, Toná (2008) aponta que o Diálogo de Saberes pode ser
considerado uma forma de pesquisa-ação.
Segundo Thiollent222 (1984), a pesquisa-ação caracteriza-se como uma
forma de pesquisa-participante, centrada na questão do agir, supondo uma
participação dos interessados na pesquisa, que é organizada em torno de uma
ação planejada, de uma intervenção que provoque mudanças na situação
investigada. De modo geral, a pesquisa-ação:
222A multiplicidade de autores e concepções epistemológicas subjacentes nos levou à opção de
explicitar características mais gerais, a partir desse autor. Outros estudos, cotejando autores diferentes, poderiam contribuir para uma avaliação mais pormenorizada do método.
217
a) faz parte de projetos de ação social ou da resolução de problemas
coletivos, estando sobretudo ligada às posturas de emancipação do
ser humano, especialmente quando centrada num movimento
popular autônomo;
b) é particularmente adequada para a especificidade dos campos
social, organizacional e comunicacional, pois “trata-se de insistir na
elucidação de processos complexos e não-seqüenciais nos quais
está contida uma capacidade de inovação ou de criatividade”
(THIOLLENT, 1984, p. 92);
c) aparece, muitas vezes, relacionada à questão das tecnologias
“alternativas” ou “apropriadas”, em que se busca maior autonomia
ou independência;
d) reconhece que há uma capacidade de aprendizagem associada ao
processo investigativo (normalmente bloqueada nos procedimentos
usuais de pesquisa), e que deve ser aproveitada e enriquecida, em
vista da ação pretendida.
O mesmo autor esclarece que a pesquisa-ação não é nenhum tipo de
“panacéia”, não oferecendo, necessariamente, uma ruptura com o positivismo ou
o instrumentalismo. Alerta para o fato de que pode ser absorvida por propostas
ideológicas ou mistificadoras (da mesma maneira como as demais modalidades
de pesquisa) e para o cuidado que se deve ter com as chamadas “ideologias da
participação”223. Afirma tratar-se, contudo, de uma modalidade de pesquisa em
que é possível tanto rigor científico como em qualquer outra. Para esse autor, o
diálogo com o saber popular não significa o abandono das preocupações teóricas,
ou uma “diluição no senso comum”, mas sim é condição de uma teorização
mais adequada, em função da especificidade do objeto. É claro que isso
exige grande disciplina intelectual, dedicação e domínio das questões teóricas e
práticas da investigação. Finalmente, a pesquisa-ação não pretende excluir outros
métodos e pode fazer uso de diversas técnicas. 223“Desde os anos 60, em vários países, as ideologias da participação se espalham nos discursos
do poder como forte argumento de manipulação e de escamoteamento das relações sociais e especialmente das relações de poder” (THIOLLENT, 1984, p. 89). Essa ideologia parece ter recebido novo impulso sob o Estado neoliberal, como vimos no cap. 2 dessa dissertação, em que o propalado ‘protagonismo’ se restringe à negociação e à parceria, legitimadoras da ordem.
218
Parece-nos que todas essas características apresentam algumas
afinidades com o Diálogo de Saberes. Por isso, gostaríamos de nos permitir ir
além, sugerindo uma possível aproximação entre o Diálogo de Saberes e um tipo
particular de pesquisa-ação, a Enquête Operária. Estamos nos referindo aqui ao
“Questionário de 1880” (MARX, 1987), elaborado por Marx para uma revista
socialista francesa. O movimento operário francês pretendia, naquele momento,
levantar as condições reais de exploração da classe naquele país, bem como seu
grau de organização; entretanto, de acordo com Lanzardo (1987, p. 244), Marx
tinha objetivos mais amplos: ele Pretendia, por um lado fornecer à classe operária futuros instrumentos teóricos e fazê-la tomar consciência da verdadeira natureza do capitalismo e de sua condição de classe explorada; e, por outro lado, desejava, a partir de um exemplo concreto, propor “aos grupos socialistas das diferentes escolas” um método de trabalho fundado no socialismo científico, capaz de criar as condições para uma luta eficaz contra o capitalismo francês: desejava, assim, dar um sentido real à ação realizada em comum pelos diversos grupos e as associações operárias.
Evidentemente, é necessário considerar que se tratava de outra situação
histórica – em termos de desenvolvimento do capitalismo e da luta de classes,
bem como de um sujeito específico, a classe operária dos países do capitalismo
central. Entretanto, pensamos ser pertinente destacar algumas questões
metodológicas, no sentido de contribuir com possíveis avanços no DS224. Assim,
de acordo com Thiollent (1987, p. 105), Em vez de alinhar-se sobre as representações do senso comum, a problemática do questionário levanta uma série de indicações que se opõem à passividade ou à tendência à aquiescência dos respondentes. As perguntas contidas no questionário estimulam os respondentes a explorarem o universo das condições de trabalho e de remuneração ligadas às relações de produção capitalista. Em vez de ser incitado a manifestar apenas sentimentos, afetos ou opiniões, o respondente é convidado a descrever o que ele conhece a partir de sua própria experiência na vida material.
As questões são cuidadosamente ordenadas e articuladas de modo a “[...]
produzir um efeito de conhecimento dentro da atividade mental dos respondentes 224Para um exemplo de pesquisa organizada a partir da Enquête Operária, consultar PUCCI,
Bruno; OLIVEIRA, Newton R.; SGUISSARDI, Valdemar. O ensino noturno e os trabalhadores. São Carlos: UFSCar, 1995.
219
e possibilitar uma avaliação crítica” (THIOLLENT, 1987, p. 107), para além das
aparências imediatas. Cada questão ou grupo de questões deve conter também
elementos explicativos, não com o objetivo de induzir as respostas no sentido
desejado, mas para um deslocamento de perspectiva, em que o entrevistado é
convidado a colocar-se em situação de observador, pretendendo-se evitar, assim,
as respostas fáceis ou vazias de conteúdo.
Quanto às respostas recolhidas, elas tanto podem fornecer informações
relevantes em si mesmas, quanto se pode estudar as várias estruturas de
explicação presentes, tratando-se então de “[...] um dispositivo de questionamento
revelando as representações e disposições ideológicas e culturais da classe
operária e também adaptável a outras classes” (THIOLLENT, 1987, p. 111, grifo
nosso).
Essas considerações, em conjunto, reforçam a possibilidade de se
conceber o Diálogo de Saberes também como pesquisa científica, adaptada a uma situação particular, qual seja, a comunicação rural e a educação popular,
no âmbito de um movimento social autônomo, centrada num processo de
mudanças e inovações ao nível da produção e reprodução da existência e
resistência camponesa, vinculada a um projeto de campo (e de sociedade) mais
amplo. A possível aproximação com a Enquête Operária pode trazer mais
elementos para a organização das questões e análise das respostas.
5.4.3. O Diálogo de Saberes como Trabalho de Conclusão de Curso
As anotações recolhidas durante as reuniões de avaliação final dos
TCC225, após o encerramento das bancas, na Escola Milton Santos, em 2008 e
2009, apontaram alguns limites importantes que elencamos abaixo.
225Participaram dessas reuniões membros do CAPP da Escola Milton Santos, o responsável do
SPCMA pelo acompanhamento às escolas do Paraná, alguns orientadores e membros de algumas bancas, entre os quais educadores e técnicos atuantes no MST. A primeira reunião contou com a presença de um educador do núcleo de agroecologia do IFP.
220
a) os trabalhos permanecem, em sua grande maioria, na mera
descrição da realidade (relatórios); há uma grande quantidade de
dados coletados, mas isso não se traduz em análises;
b) a fundamentação teórica é insuficiente, fragmentada, descolada,
não avançando para um diálogo com os autores, em articulação
com o objeto estudado;
c) os estudantes, em sua grande maioria, não deram conta de
aplicar todas as etapas propostas pelo Diálogo de Saberes:
poucos TCCs chegam aos Temas Geradores e à elaboração de
proposições no sentido da transição ecológica.
Procuramos identificar, a seguir, em que medida esses limites se
relacionam ao Diálogo de Saberes.
Realizando uma comparação com documentos que avaliam a experiência
de outros cursos de nível médio ou pós-médio, os dois primeiros problemas apontados não parecem decorrer da adoção do DS. Podemos citar, por exemplo
a avaliação feita por Araújo (2007) dos TCCs produzidos no curso Normal Médio,
desenvolvido pelo MST em parceria com a Universidade do Estado da Bahia-
UNEB. A autora aponta fragilidades semelhantes, dentre as quais destacamos a
superficialidade, a predominância da mera descrição da realidade observada, sem
que haja uma problematização ou a busca de relações que liguem o observado a
outras determinações. Dados preliminares de outro estudo, sobre o processo de
pesquisa relacionado aos TCCs, nos cursos de nível médio do ITERRA226,
apontam conclusões parecidas. Reproduzimos algumas delas:
b. Apresentam uma riqueza empírica, no sentido de informações
da realidade, seja pela experiência dos educandos, seja pelos procedimentos utilizados;
c. Há uma separação da construção teórica com os dados empíricos. Não dialogam entre si.
d. A conceituação é frágil, insuficiente para compreender/interpretar o objeto da pesquisa.
[...]
226Foram analisados 10% de um total de 553 TCCs. O ITERRA oferece os seguintes cursos de
nível médio: Magistério ou Normal Médio; Técnico em Administração de Cooperativas; Técnico em Saúde Comunitária.
221
h. As conclusões são frágeis, não indo além do “bom senso” e não contendo as aprendizagens tiradas no desenvolvimento do trabalho.
[...] k. Os trabalhos apresentam problemas que evidenciam
fragilidade no processo de orientação (ITERRA, 2007b, p. 69)
Na avaliação de Vendramini (2007b, p. 100), “o MST ousa ao incluir os
TCC nos cursos de nível médio. E faz muito bem. Não considero que esta seja
uma exigência incompatível com os jovens que estudam neste nível de ensino”.
Entretanto, a autora prossegue alertando que o exercício da pesquisa exige que
se criem condições materiais (como livros, equipamentos, laboratórios), de
orientação teórica e metodológica (educadores preparados) e tempo disponível.
Numa primeira aproximação, podemos relacionar alguns dos problemas
apontados à precariedade dessas condições, nas escolas do MST. Dentre elas, a
questão dos educadores (que explicitaremos, mais adiante) nos parece ser de
maior relevância, com limites mais difíceis de contornar.
Também não podemos desconsiderar as deficiências e lacunas na
formação anterior dos educandos, uma marca que acompanha a educação do
campo, nos seus diversos níveis. A situação de marginalização da população do
campo, no tocante ao direito à educação, coloca uma série de desafios para a
continuação do percurso educativo. São dificuldades na leitura e escrita (marcada
pela oralidade), em matemática básica, bem como em outras áreas do
conhecimento, que precisam ser superadas, ao mesmo tempo em que se
pretende avançar em outros campos (ITERRA, 2007a).
Outras leituras nos levam a considerar que os problemas em questão
(investigação restrita à mera descrição e insuficiência na apropriação teórica) não
estão restritos às escolas do MST. Gohn (2005, p. 269), por exemplo, aponta que,
“nas pesquisas acadêmicas sobre o cotidiano da escola, é raro encontrarmos
exemplos que superem a descrição de sua aparência, que expliquem, de forma
crítica e abrangente, o pesquisado”. Em outro estudo, sobre os problemas
apresentados pela pesquisa educacional no Brasil, Alves-Mazzotti (1998, p. 145)
conclui que “[...] todas as deficiências mencionadas são, ao mesmo tempo,
decorrentes e realimentadoras da pobreza teórico-metodológica apontada”. O que
pode situar os limites apontados num quadro maior, das propaladas “crise da
222
escola” e “crise da ciência” (diríamos, talvez, crise desta forma histórica de escola
e de ciência, possível expressão da crise do modo de produção capitalista e do
acirramento de suas contradições).
Uma vez que estamos tratando da qualidade da educação oferecida nas
escolas do MST, pensamos ser conveniente mencionar um estudo comparativo
(dissertação de mestrado), realizado em 2006, no Rio Grande do Sul, entre uma
escola técnica da rede pública federal e um centro de formação orientado pela
proposta pedagógica do MST, voltado à Agroecologia, a partir da aplicação de um
questionário a uma amostra de estudantes. Analisando as respostas obtidas,
Mello (2006, p. 98) conclui que [...] os estudantes vinculados ao MST, possuem uma perspectiva bem mais crítica em relação a processos produtivos, em relação à degradação planetária e em relação a necessidade urgente de fazer transformações produtivas na direção da agroecologia (MELLO, 2006, p. 98)227.
Embora ainda se careça de avaliações mais amplas, é um indício de que,
malgrado as dificuldades e limitações que certamente existem, a proposta de
educação do MST é capaz de produzir um posicionamento crítico (e para
posicionar-se criticamente é preciso conhecer).
A pesquisa conduzida pelo ITERRA (2007b) constatou que, nos cursos de
educação profissional estudados, o TCC vem conduzindo a uma valorização da
“Educação em Ciências”, mas que tem ficado basicamente restrita a uma
disciplina, a “Metodologia da Pesquisa” ou “Metodologia do Trabalho Científico”,
sem perpassar todo o currículo e muito em função dos educadores responsáveis,
individualmente. O estudo apontou também uma carência de educadores
preparados, e a necessidade de que essa “Educação em Ciências” extrapole os
limites de uma única disciplina para perpassar todo o curso. Pensamos que essa
avaliação pode ser extrapolada para as escolas de agroecologia que estudamos.
No caso específico do DS, essa dificuldade limita os “instrumentos” teórico-
metodológicos que os educandos podem utilizar para ler e interpretar a realidade,
227O autor também considera significativo o fato de que os estudantes da escola federal optaram
quase 37% das vezes pela opção “indiferente”, em relação à questão proposta, enquanto os estudantes da escola do MST o fizeram em 10, 4% das vezes.
223
na perspectiva agroecológica, contribuindo para a pouca consistência e a
superficialidade das análises nos TCC.
Dando seqüência a nossa análise, o terceiro limite apontado nos TCC
elaborados a partir do Diálogo de Saberes, nas duas últimas turmas da Escola
Milton Santos, é que parece de fato referir-se a fragilidades do próprio método.
Avaliou-se que, em geral, os estudantes não dão conta de aplicar todas as etapas
propostas pelo Diálogo de Saberes, e que poucos TCC chegam aos Temas
Geradores e à elaboração de proposições, no sentido da transição ecológica.
Analisamos, a seguir, as várias questões envolvidas.
Em primeiro lugar, é preciso considerar as dificuldades da própria ciência
da agroecologia, que, Apesar de seu vínculo mais estreito com aspectos técnicoagronômicos (tem sua origem na agricultura, enquanto atividade produtiva), [...] se nutre de diversas disciplinas e avança para esferas mais amplas de análise, justamente por possuir uma base epistemológica que reconhece a existência de uma relação estrutural de interdependência entre o sistema social e o sistema ecológico (a cultura dos homens em coevolução com o meio ambiente) (CAPORAL; COSTABEBER, 2004, p. 16).
A agroecologia é, por definição, uma ciência de síntese, o que coloca
algumas dificuldades, numa época em que se amplia a fragmentação dos
conhecimentos, como conseqüência do aprofundamento da divisão do trabalho na
sociedade capitalista (a isso retornaremos mais detidamente no próximo item).
Além disso, De todos os domínios da pesquisa biológica, o mais atrasado atualmente é a ecologia, que consiste justamente no estudo daquelas relações [entre os seres vivos e o meio-ambiente (no sentido amplo) onde eles vivem.]. Esta disciplina sofre conjuntamente de vários dos problemas enumerados: ela é a herdeira daquela "historia natural", considerada por boa parte dos responsáveis atuais da pesquisa biológica como “ultrapassada”; é uma disciplina sintética por natureza, ciência das relações entre fenômenos extremamente diversos e diferentes, e, portanto, vincula-se com outras numerosas disciplinas, exigindo do pesquisador, não ser apenas "especialista", mas ter também uma "cultura cientifica" ao mesmo tempo extensa e aprofundada (COGGIOLA, 2006, p 26-27, grifo nosso).
224
Tudo isso se reflete inegavelmente na agroecologia. Como apontamos
anteriormente, o Diálogo de Saberes se propõe alcançar o redesenho dos
agroecossistemas, para que estes funcionem com base em novos conjuntos de
processos ecológicos, nível de transição mais avançado que é ainda pouco
estudado e praticado (GLIESSMAN, 2001; CAPORAL; COSTABEBER, 2004).
Essa questão não escapou aos educadores presentes na avaliação das bancas,
na Escola Milton Santos:
“O Diálogo de Saberes exige o conhecimento de várias áreas” (S. L., 10/10/2008).
“O exercício de análise de agroecossistemas é mais complexo. Fica fragmentado
entre as disciplinas” (N. T., 06/08/2009).
“Tem a dificuldade dos próprios orientadores, pela amplitude de conhecimentos
(totalidade)” (E., 06/08/2009).
Assim, ainda é reduzido o número de pesquisadores, técnicos e
educadores com experiência e domínio científico nesse campo228, o que coloca
uma dificuldade real para as escolas de agroecologia – concentrando-se a tarefa
educativa do DS na pessoa do educador José Maria Tardin. Nas escolas do MST,
há ainda o problema da elevada rotatividade de educadores (quase todos
voluntários), os quais acabam não se envolvendo mais efetivamente com os
processos educativos das escolas, acentuando a fragmentação das disciplinas
(ou unidades didáticas). Nosso trabalho na Escola Milton Santos nos autoriza a
falar da dificuldade em se desenvolver um trabalho de caráter coletivo e
permanente com os educadores. A síntese de conhecimentos, o olhar para a
totalidade necessários à agroecologia não são exercitados em outros tempos
educativos, além da unidade didática do Diálogo de Saberes.
Outra questão diz respeito à apropriação dos principais conceitos feirianos,
que tem sido insuficiente, como evidenciam os trabalhos lidos229 e as avaliações
228Podemos apontar também o papel do atual modelo de “assistência técnica”, estritamente a
serviço do sistema de crédito rural, em que o técnico acaba refém da tarefa de elaborar e fiscalizar a execução de projetos de financiamento.
229Entre TCCs orientados e lidos para avaliação em banca, foram 6 na turma II e 4 na turma III. Dois outros educandos da turma II enviaram seus TCC expressamente para nossa pesquisa. Também tivemos acesso aos relatórios do exercício coletivo desenvolvido pelas duas turmas. Nossa participação em 4 bancas de defesa da turma I (com um educando orientado), em 2005
225
gerais das bancas. Trata-se de um conteúdo complexo (apesar da aparente
simplicidade) que, sem sombra de dúvida, precisa ser mais bem trabalhado com
os educandos e não somente na unidade didática do “Diálogo de Saberes”. Aqui
aparece um importante limite, que pode apontar para a necessidade de uma
maior elaboração dentro do DS. Tema Gerador, codificação e descodificação, que
são essenciais no método para a construção de uma transição dialogada à
agroecologia, não aparecem de maneira minimamente consistente nos TCC.
Esse conjunto de problemas, mais especificamente relacionados à
apropriação dos conhecimentos agroecológicos e freirianos, faz com que todo o
esforço em construir uma relação dialógica camponês-técnico não seja concluído
a contento. Se o técnico não aporta os seus conhecimentos científicos, também
não há diálogo verdadeiro, apenas uma contemplação passiva e acrítica do saber
camponês, o que não tem muito sentido. Por outro lado, se o educando-técnico
chega a formular propostas para o manejo agrocológico, mas não detalha como
dialogar as mudanças, em acordo com o método proposto, como essas questões
serão trabalhadas?
Parece que o resultado final ou é o imobilismo do educando-técnico (não
posso propor por que vou impor, invadir culturalmente), ou então, as “receitinhas
culinárias”, que podem ser indistintamente aplicadas a qualquer situação (por
exemplo, aplicar biofertilizante nas culturas, realizar a divisão da pastagem em
piquetes, fazer adubação verde e assim por diante).
“Pelo fato de não terem experiência anterior, os educandos se agarram a alguns
procedimentos” (N. T., 10/10/2008).
Alguns estudantes afirmaram ter realizado algum tipo de experimentação
com os camponeses (no sentido de testar determinadas técnicas ou insumos nas
condições de seu ecossistema), mas essas práticas não foram documentadas e
analisadas nos TCC.
(antes, portanto, da adoção do DS como base para a elaboração dos TCCs), nos proporcionou, além disso, alguma base de comparação.
226
Outra questão diz respeito ao saber camponês que se propõe resgatar.
Christofoli (2007c, p. 110) aponta dificuldades teórico-metodológicas na
abordagem do resgate do saber popular, no campo da agroecologia. Ele coloca o desafio de combinar a metodologia que busque o reconhecimento do saber gerado pela produção das condições de vida dos agricultores e comunidades tradicionais, mas que não fique apenas numa afirmação do popular contraposto ao científico. Há que se desafiar de modo a combinar com a robustez da validação científica a complexificação da análise ambiental (CHRISTOFOLI, 2007c, p. 110).
Nesse sentido, as informações recolhidas sobre as diversas práticas
camponesas, por vezes riquíssimas, necessitam ser problematizadas, estudadas,
comparadas a outros estudos existentes, o que se fez muito pouco nos trabalhos
analisados.
Para finalizar esse item, é preciso registrar também as avaliações positivas
em relação ao Diálogo de Saberes como base para os TCC:
“Houve trabalhos muito bons, com muitos detalhes.[...] A técnica, a política e a
economia estão juntos e os educandos fizeram esse esforço de junção” (A. R. M.,
10/10/2008).
É de se notar, nos TCC, a existência de um esforço efetivo, por parte dos
educandos, em olhar para o conjunto das relações, em buscar as conexões, em
trazer os diversos conhecimentos, mesmo com todos os limites apontados. Trata-
se de instrumento que instiga a olhar para os agroecossistemas camponeses
como uma totalidade, considerando as várias dimensões (produção, consumo,
relações sociais, participação política, recursos naturais, etc.), e como parte de
totalidades maiores (a economia local/regional, o modo de produção capitalista na
agricultura, o bioma regional, o movimento social a que pertencem as famílias),
malgrado as dificuldades apontadas.
Também não se pode menosprezar a busca pela superação do processo
anti-dialógico, muito presente nos TCC, mesmo com a mencionada insuficiência
teórico-conceitual. A relação anti-dialógica evidenciou-se como um problema a ser
enfrentado, não apenas nas relações técnico-camponês, mas também no interior
das instâncias orgânicas do MST, como em outros processos sociais.
227
Enfim, o DS permitiu aos estudantes um ponto de partida para “olhar” a
realidade, um instrumental básico (ainda que restrito), que lhes indicou, ao
menos, por onde começar.
5.4.4. O Diálogo de Saberes e a construção do currículo integrado
O foco aqui são as possíveis contribuições do DS à construção do
currículo integrado, nos cursos de agroecologia da Educação Profissional do
Campo. Em nosso trabalho no CAPP da Escola Milton Santos e na interação com
os coletivos das outras escolas, pudemos constatar a dificuldade em se organizar
um currículo integrado, que dê conta da especificidade da Agroecologia, dentro da
proposta da pedagogia do MST. Pensamos que o Diálogo de Saberes pode ser
um eixo organizador do currículo dos cursos de agroecologia, possibilidade
apontada por Tardin: O Diálogo de Saberes se apresenta com o potencial de materializar uma reflexão mais profunda, mais dedicada do currículo das nossas escolas de agroecologia, pois ele exige a articulação dos diversos saberes. O que estamos organizando é um método de leitura crítica da realidade. [...] esse método tem a potencialidade de nos fazer reavaliar o currículo e o próprio método de avaliação dos educandos. Não ficamos mais idealizando o currículo, o Diálogo de Saberes pode ser um eixo organizador (depoimento em 09/07/2008).
Não se trata de correr atrás de “novidades”230, mas de explorar as
possibilidades que o DS oferece:
a) de articulação das diversas áreas de conhecimento, essencial
na perspectiva ecológica e ainda mais na agroecológica; 230Ou como afirma Caldart (2001, p. 219), não se trata de “[...] eleger uma determinada prática
social como sendo a prática educativa por excelência; menos ainda de ir alterando esta escolha ao sabor de modismos teóricos da conjuntura. Não é assim que os seres humanos se educam. Não há uma prática capaz de concentrar em si mesma, e de uma vez para sempre, todas as virtualidades pedagógicas necessárias à formação humana. É o movimento das práticas, diversas, por vezes mesmo contraditórias entre si, o que educa sujeitos, humaniza. Ativar este movimento, desencadear processos que combinem diferentes práticas pedagógicas, e refletir para que constituam um movimento educativo coerente, no sentido de que desenvolvido em torno de valores e de princípios comuns, eis a grande tarefa dos educadores e das educadoras”.
228
b) de articulação prática-teoria-prática (em diversos níveis e
tempos/espaços), que é um dos princípios da pedagogia do
MST;
c) de relacionar o processo formativo ao processo de trabalho, ou
de articular trabalho e educação.
Até o momento, as escolas de agroecologia do MST ainda não
encontraram um método de trabalho didático-pedagógico que, articulado à
proposta de educação do MST, desse conta das especificidades da agroecologia.
Por isso, nos parece pertinente considerar essa possibilidade231, apresentando
algumas reflexões para o debate.
De início, é preciso esclarecer de que integração estamos falando:
formação integrada ou politécnica é aquela em que se busca enfocar a práxis232
como princípio educativo; que [...] sugere tornar íntegro, inteiro, o ser humano dividido pela divisão social do trabalho entre a ação de executar e a ação de pensar, dirigir ou planejar. Trata-se de superar a redução da preparação para o trabalho ao seu aspecto operacional, simplificado, escoimado dos conhecimentos que estão na sua gênese científico-tecnológica e na sua apropriação histórico-social. Como formação humana, o que se busca é garantir ao adolescente, ao jovem e ao adulto trabalhador o direito a uma formação completa para a leitura do mundo, [...] formação que, neste sentido, supõe a compreensão das relações sociais subjacentes a todos os fenômenos (CIAVATTA, 2005233).
231Na ELAA, em um seminário interno realizado em janeiro de 2009, discutiu-se esta temática,
vislumbrado-se “[...] como caminho a percorrer, o exercício do que Pistrak propõe – ‘os complexos’ – como método de uma maior integração das unidades didáticas (o que implica em avançar no diálogo com o Coletivo de Educadores, que serão demandados/orientados por um sistema de planejamento prévio das aulas), associado ao DS com maior ‘peso’ como estruturador do Currículo e da práxis educando/educandas-camponeses/camponesas”. Este processo será posto em ação com a turma 3 da ELAA, cuja etapa preparatória ocorreu recentemente, em outubro e novembro de 2009. TARDIN, José Maria. Comentários entrevista ao Eric [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <[email protected]> em 23 dez. 2009.
232Ciavatta (2005) fala no trabalho como princípio educativo, por compreender o trabalho em sua dimensão ontocriativa e, portanto, não reduzido à atividade laborativa, mas como processo que permeia todas as esferas da vida humana e constitui sua especifidade (práxis), envolvendo a produção dos elementos necessários à vida biológica da espécie, mas também à vida cultural, social, estética, lúdica e afetiva (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2005b). Ver também Frigotto (2009).
233 Texto não paginado, de revista eletrônica.
229
Ela está relacionada, portanto, à educação omnilateral, que compreende o
ser humano na sua integralidade espiritual, material, artística, estética, científica e
tecnológica; e é condição para essa formação plena, no sentido da autonomia, da
criatividade, da capacidade de julgamento crítico. Evidentemente que a realização
plena de tal educação só será possível numa sociedade que supere a sociedade
capitalista e a forma histórica do trabalho alienado em que ela se funda
(MACHADO, 2007). Entretanto, uma escola que se coloca a serviço desse projeto
de superação, como a escola do MST, precisa avançar, a partir das contradições
existentes, no sentido da superação do paradigma educacional dual (ver cap. 2).
Nos cursos de agroecologia aqui abordados, essa formação integrada se
defronta com alguns desafios específicos, pois, como principiamos a discutir no
item anterior, Juntamente com a putrefação crescente do imperialismo mundial, a divisão do trabalho e a fragmentação dos conhecimentos, já caracterizadas por Marx e Engels como conseqüências inevitáveis do capitalismo, capazes de impulsionar o conhecimento durante um certo período histórico, foram se acentuando. Vivemos agora uma época em que a multiplicação dos "especialistas" atingiu níveis inéditos. E eles empregam um jargão cada vez mais incompreensível até pelos especialistas das disciplinas vizinhas. Isso fragmenta o conhecimento em diversas disciplinas estanques, e exclui a massa da humanidade dos conhecimentos científicos [...]. É fato que diversas disciplinas cientificas conheceram, nas últimas décadas, um desenvolvimento sem precedentes, mas não aconteceu o mesmo com a ciência, enquanto saber organizado e global, para o homem e pelo homem, das leis que regem o universo. [...] a acirrada ofensiva “quantitativista”, está mascarando a degradação da ciência, o bloqueio crescente, e até a destruição, das forças produtivas sociais (COGGIOLA, 2006, p. 25).
A fragmentação do conhecimento científico e não a sua quantidade
gigantesca, em nossa época, é que tornam as sínteses extremamente difíceis.
Essa fragmentação é reforçada, nas escolas de agroecologia do MST, pela
ausência de um coletivo de educadores mais permanente, que participe
efetivamente da condução dos processos educativos em seu conjunto.
Em termos pedagógicos, a perspectiva unitária, integradora, de
organização do currículo, “[...] implica identificar núcleos de conteúdos temáticos e da prática social que se articulam e possibilitam relacionar teoria e
prática” (MACHADO, 2006, p. 42, grifos nossos). Como destacou Toná (2008), a
230
unidade de análise e intervenção do Diálogo de Saberes é a mesma da
agroecologia: o agroecossistema, o que parece contribuir para essa articulação.
Em um artigo abordando as dificuldades da relação entre teoria e prática
na educação profissional dos trabalhadores (embora tratando da educação não-
escolar), Kuenzer (2003) indica que o processo de trabalho deve ser o eixo
sobre o qual se deve construir a proposta político-pedagógica do curso, de
modo a integrar trabalho, ciência e cultura, por meio de uma criteriosa seleção de
conteúdos e de seu tratamento metodológico.
Supondo que essas considerações possam ser válidas para os cursos de
formação profissional em agroecologia dos movimentos sociais, qual seria o
processo de trabalho em questão? Em nosso entendimento, seria o trabalho técnico junto aos camponeses, trabalho de base na organização da produção nos assentamentos e unidades camponesas, em bases
agroecológicas, e vinculada à organização política e à luta do movimento social popular. A aproximação com a proposta do DS é evidente.
Integração não é o mesmo que sobreposição, ao longo de um curso, de
disciplinas consideradas de formação geral e de formação específica
(FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005a). Uma vez que a simples juntada de
conteúdos não é suficiente, Kuenzer (2003) aponta que, somente no processo produtivo, é possível a integração entre conhecimento básico e conhecimento aplicado.
Contudo, como aponta Toná (2005, p. 76), [...] a escola não pode reproduzir realmente a lógica do processo de trabalho em Agroecologia em toda sua complexidade, que se dá nos diferentes contextos. Inevitavelmente haverá certa artificialização nessa “reprodução”. Na escola as condições objetivas são outras (disponibilidade de recursos financeiros e tecnológicos, acesso ao conhecimento, escola se insere em agroecossistema diferente das unidades produtivas, o período de permanência na escola é parcial, etc.).
Embora constituindo um tempo/espaço importante, a escola só pode dar
conta de parte do processo educativo centrado no trabalho, o qual precisa estar
enraizado na dinâmica produtiva das comunidades camponesas (amplo senso) e
movimentos sociais populares de origem dos educandos.
231
Entendemos que é também em sentido semelhante que Kuenzer (2003)
sugere a alternância de tempos e espaços educativos (embora numa realidade
bastante diferente234), entre a aprendizagem teórico-prática formalizada e a
aprendizagem assistida a campo, como uma forma metodologicamente adequada
para enfrentar o desafio da articulação entre teoria e prática. Poderíamos,
novamente, fazer uma aproximação com a alternância entre atividades na escola
e atividades coletivas a campo, sob orientação do educador, presentes no método
do DS, e que os educandos tem o desafio de desenvolver também no Tempo-
Comunidade.
Essa discussão não deve ser tomada como uma adesão ao praticismo
(prática sem teoria) ou ao pragmatismo (o verdadeiro se reduz ao útil), o que seria
considerar de modo equivocado a relação entre prática e teoria. Se é preciso
evitar a concepção idealista que autonomiza o pensamento em relação à
atividade prática, desvinculando-se do movimento do real, deve-se todavia ter em
conta que [...] as relações parte/totalidade e teoria/prática só podem ser apropriadas através do movimento do pensamento, ou seja, da atividade teórica. É através dela que o pensamento transita continuamente entre o abstrato e o concreto, entre a forma e o conteúdo, entre o imediato e o mediato, entre o simples e o complexo, entre o que está dado e o que se anuncia (KUENZER, 2003235).
O domínio da ciência da agroecologia e a compreensão das relações
sociais que têm lugar no campo e na sociedade capitalista, em geral, demandam
um conhecimento teórico aprofundado, referenciado na prática. Pensamos que o
Diálogo de Saberes pode contribuir para essa articulação.
Enfim, compreendemos que a incorporação do DS aos cursos de
agroecologia contribuiu, em maior ou menor medida, para explicitar, ou até
exacerbar, as contradições existentes nas escolas:
234A autora desenvolveu sua pesquisa em uma refinaria ligada à Petrobrás, no Paraná. 235 Texto disponível on-line, não paginado.
232
a) entre as condições necessárias para a formação desejada em
agroecologia e aquelas realmente presentes nas escolas - em
termos materiais (biblioteca, laboratórios, equipamentos de
informática e outros), mas principalmente de educadores
qualificados, tanto nas disciplinas quanto nos CAPP;
b) entre a fragmentação presente no currículo dos cursos,
potencializada pela ausência de um Coletivo de Educadores, com
atuação mais permanente; e as conexões, inter-relações e sínteses,
exigidas pela ecologia e em especial a agroecologia, mas também
pelo materialismo histórico-dialético.
Como vimos, as escolas de formação profissional do MST organizam seu
projeto pedagógico em torno da concepção da práxis social como princípio
educativo. São expressões históricas da práxis a luta social, a organização
coletiva (que constituem em conjunto o Movimento Social como princípio
educativo) e também o trabalho, a cultura e a ciência. Pensamos que o DS pode
contribuir para integrar o trabalho e a ciência da agroecologia no projeto
pedagógico das escolas, sem perder de vista a necessária articulação com a luta
social e a organização coletiva.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Essa pesquisa abordou como objeto de estudo o “Diálogo de Saberes, no
encontro de culturas”. Nosso objetivo foi analisar o movimento de constituição do
método “Diálogo de Saberes” nas escolas técnicas do MST do Paraná, no bojo da
construção de um Projeto Popular de Campo, orientado pela agroecologia. Nosso
esforço foi no sentido de buscar as articulações entre a constituição do método e
as necessidades concretas e opções políticas assumidas pelo MST em sua
trajetória, levando em consideração aspectos da organização da produção, do
projeto político e da proposta de educação. Essa opção nos fez abarcar uma
diversidade de aspectos, alguns dos quais necessitam ser retomados em novos
estudos.
Principiamos resgatando a gênese e a trajetória do MST, desde suas
origens até o presente (2009), relativamente ao movimento do capital no campo.
Compreendemos o campesinato e o latifúndio, no Brasil contemporâneo, como
expressões do desenvolvimento contraditório do capitalismo, que também se
reproduz por meio de relações não propriamente capitalistas. A luta social torna-
se, portanto, um elemento fundamental na persistência e recriação permanente
do campesinato. Este pareceu-nos um tema instigante para pesquisas futuras,
bem como a relação entre classe, ideologia e consciência de classe, na análise
do campesinato contemporâneo.
Organizado inicialmente em torno da luta pela terra e pela Reforma Agrária,
o MST vai ampliando suas lutas e seu projeto político, especialmente a partir da
segunda metade da década de 1990 e mais intensamente nos anos 2000. Em
nível nacional, defrontando-se com as políticas neoliberais (projeto político do
regime de acumulação sob dominância financeira), o MST envolve-se no debate
em torno de um Projeto Popular e na construção de um instrumento político
capaz de aglutinar as forças populares, do campo e da cidade: a Consulta Popular. Paralelamente, ocorre também a mundialização da questão agrária.
Para enfrentar a ofensiva do agronegócio (movimento do capital mundializado
sobre a agricultura), os movimentos camponeses de todo o mundo articulam-se na criação de um movimento internacional, a Via Campesina, em 1996. Tomando
234
parte ativa neste movimento, o MST fortalece sua identidade camponesa, mais
intensamente na década de 2000, assumindo a tarefa de debater um Projeto Popular de Desenvolvimento para o Campo (onde campo é entendido como
território), como contribuição específica ao Projeto Popular. Ao afirmarem a
permanência do campesinato, o MST e a Via recusam o projeto de integração ao
capitalismo e trabalham na construção de uma outra ordem social que o supere.
Contudo, uma vez conquistada a terra, os camponeses voltam a inserir-se,
contraditoriamente, no desenvolvimento capitalista do campo. É preciso avançar
mais em direção ao Projeto de Campo que vem sendo discutido, o que envolve
alguns desafios fundamentais e interligados: a) avançar no desenvolvimento material dos assentamentos (limitado pelas condições estruturais que o Estado
burguês impõe à política de assentamentos, como política compensatória),
atuando na organização da produção e no desenvolvimento sociocultural; e b)
avançar no desenvolvimento da consciência de classe da base social assentada.
O primeiro desafio coloca em destaque, a nosso ver, duas questões
fundamentais (entre outras igualmente importantes): a organização do processo
de trabalho no campo, envolvendo a cooperação (elevação da produtividade
social do trabalho e melhor aproveitamento dos meios de produção) e a adoção
de sistemas de produção baseados em tecnologias apropriadas (o que evidencia
a potencial contribuição da agroecologia); e o acesso à educação formal, nos
seus vários níveis e modalidades. O segundo desafio passa por aumentar e
qualificar a participação dos camponeses nas instâncias do próprio Movimento, o que motiva a construção de uma nova organicidade, baseada na
democracia participativa, a partir das organizações de base (os núcleos de
famílias).
É também desse modo que o Movimento busca enfrentar, de maneira
articulada, as contradições entre a necessidade de dar conta das demandas
imediatas de sua base social e a necessidade de uma luta mais ampla, que se
some à de outros movimentos e organizações na construção de uma nova ordem
(em nível nacional e global). Evidenciamos que a permanência e a reprodução do
campesinato estão, efetivamente, na dependência de um enfrentamento ao
sistema capital.
235
A luta pelo acesso à educação formal ganha novo impulso a partir da
constituição de um movimento nacional Por uma Educação do Campo, em fins
da década de 1990, que tem no MST um de seus protagonistas mais destacados.
A Educação do Campo não pode ser definida em poucas palavras. É um
movimento e está em movimento, em construção, até pela sua recentidade
histórica. A Educação do Campo nasceu das lutas dos trabalhadores do campo
pelo direito à educação, e a uma educação de qualidade, pensada com a sua
participação e desde a sua especificidade; tomou forma a partir das experiências
das comunidades do campo e ampliou-se numa luta por políticas públicas. A
Educação do Campo se define, portanto, pela relação indissociável Campo – Educação – Políticas Públicas, onde o campo é ao mesmo tempo o campo
existente, o da luta de classes, da resistência, dos movimentos sociais que a
engendraram; e um projeto de campo, de uma nova relação campo-cidade. Nesse
sentido, a Educação do Campo se insere também na discussão por um outro
projeto de sociedade, de superação das relações sociais capitalistas, o que não
pode ocorrer apenas no campo, de maneira isolada.
Dentro da diversidade que constitui a Educação do Campo, a proposta
educativa do MST configura-se como importante contribuição para uma
população historicamente marginalizada, cujas necessidades, interesses e
protagonismo foram sistematicamente desconsiderados, nos projetos societários
tanto de manutenção da ordem vigente, quanto de sua superação. Em sua
análise, é preciso resgatar o conceito gramsciano de sociedade civil como um
momento do Estado, como cenário em que também se desenrola a luta de
classes, contrariando o falso antagonismo entre Estado e sociedade civil,
estimulado pela nova pedagogia da hegemonia, e recolocando o antagonismo
fundamental, que continua a ser aquele existente entre capital e trabalho.
Evidentemente que a materialização dessa proposta de educação não está
isenta de limites e contradições. O MST, em seu projeto de educação, aponta a
existência de “[...] forças antagônicas entre o necessário, o ideal e o
transformador” (VENDRAMINI; MOHR, 2008, p. 122). A luta por políticas públicas
para a Educação do Campo, entendendo o público como espaço de direitos, se
dá num momento em que a própria noção de direitos vem sendo negada pelo
capital mundializado, contribuindo para questionar o consenso.
236
Uma análise das experiências concretas que vem sendo desenvolvidas
aponta para as dificuldades, tensões e contradições, como por exemplo, a disputa
pelo controle das políticas para a Educação do Campo, como se pode perceber
na questão recente do desmonte das Escolas Itinerantes e do PRONERA.
Identificamos, além do mais, a utilização, nos textos recentes236 da Articulação
Nacional (ainda que de forma pontual), de termos usualmente utilizados em
documentos que informaram a reforma do Estado, havida na década de 1990, no
âmbito da “nova pedagogia da hegemonia”, o que coloca a necessidade de outras
pesquisas.
A Educação do Campo não é uma afirmação de localismos ou
conservadorismos provincianos; não pretende fechar seus sujeitos a limites
estreitos, impedindo o contato com outras culturas ou a possibilidade de pleno
desenvolvimento do ser humano, em suas múltiplas dimensões. Além disso, a
Educação Profissional do Campo que se propõe não tem um caráter meramente
instrumental, do ponto de vista técnico, nem visa formar trabalhadores submissos,
do ponto de vista ético-político, características presentes na proposta hegemônica
de Educação Profissional.
Entretanto, como apontam os documentos estudados, o “formato” ou a
“lógica” dos cursos técnicos não permite a formação ampliada que seria
necessária para dar conta desses desafios. A amplitude de demandas (formação
técnico-científica, político-organizativa, ética, cultural...) e dificuldades (como por
exemplo, a necessidade de recuperar uma escolarização básica deficiente) não é
resolvida simplesmente aumentando-se a carga horária ou “engordando” o
currículo dos cursos, havendo o risco de se comprometer justamente a formação
específica pretendida.
A experiência de educação profissional estudada tem uma vinculação
orgânica com um movimento social popular, abrindo a escola à Pedagogia do
Movimento, à potencialidade formadora da relação com um movimento social. A
constituição de uma Educação Profissional do Campo é um desafio para os
movimentos sociais do campo, cujas experiências criativas e inovadoras precisam
ser mais estudadas. As políticas públicas (ou sociais) para a Educação do
236 Veja-se, no último caderno da Articulação Nacional por Uma Educação do Campo (SANTOS, 2008), os termos “equidade” (p. 26 e 92), “vulnerabilidade” (p. 28) e “grupos vulneráveis” (p. 36).
237
Campo, em qualquer nível, não podem se fazer à revelia dos seus sujeitos, muito
menos ignorar essas contribuições.
Vimos que a criação das escolas técnicas de agroecologia do MST no Paraná encontra-se no bojo desses dois movimentos: de luta pelo direito à educação, potencializada pelo movimento Por uma Educação do Campo, e de
construção de um Projeto Popular de Desenvolvimento para o Campo, que
reafirma (e recoloca em outro nível) a identidade camponesa no enfrentamento ao
agronegócio, cujo modelo de produção e tecnológico oferece um horizonte que
pode enfim por em questão a permanência do camponês (OGMs e
nanotecnologia), concluindo, assim, o processo de separação dos produtores
diretos de suas condições de produção. A reprodução social dos camponeses
passa a exigir um repensar sobre os sistemas de produção e as tecnologias até
então adotadas. As iniciativas dos próprios assentados em buscar alternativas e a
trajetória do debate ambiental no Brasil também contribuem para essa mudança.
O MST é um movimento “de seu tempo”; a temática ambiental começa a
ganhar força em seu interior em meados da década de 1990, no bojo das
discussões em torno do Projeto Popular. O seu V Congresso Nacional, realizado
em 2000, é um “marco” nesse sentido e a partir de então a agroecologia se
converte em objetivo estratégico no MST.
O MST ainda está construindo sua concepção de agroecologia,
concebendo-a, entretanto, como parte de um projeto político de transformação da
sociedade. Em suma, trata-se de escolher as tecnologias apropriadas, de acordo
com parâmetros que não são redutíveis à “eficiência” fetichista da acumulação
capitalista. A contribuição específica da (agro)ecologia, em nosso entendimento,
está na restauração da fratura metabólica entre o homem e a natureza, numa
forma adequada ao pleno desenvolvimento humano, algo que entretanto só pode
ser plenamente alcançado numa ordem social que supere as relações
capitalistas. A necessidade de uma aproximação maior entre (agro)ecologia e
materialismo histórico coloca-se como necessidade urgente, havendo ainda
pouca produção teórica a respeito. Como escreveram Chesnais e Serfati (2003),
essa lacuna é muito mais de responsabilidade dos marxistas.
As escolas técnicas do MST no Paraná surgiram, portanto, a partir das
demandas concretas na base do movimento social e da direção assumida nas
238
opções políticas. Existe uma relativa unidade na forma de organização e
funcionamento dos cursos formais organizados nessas escolas, objetivando-se
construir a “escola diferente”. Destacamos como elementos básicos desse
método: a alternância; os tempos educativos; o trabalho; a coletividade e a
estrutura orgânica; a gestão democrática e a auto-organização; e a pesquisa.
É, portanto, nesse movimento mais amplo, analisado nos três primeiros
capítulos, que se inscreve a constituição do Diálogo de Saberes-DS, a partir da
demanda dos movimentos sociais do campo, em particular o MST, por organizar a
produção da existência camponesa em bases agroecológicas, como parte de um
Projeto Popular de Campo.
Vimos que o DS inspira-se, de um lado, na experiência histórica das
comunidades camponesas e na educação popular e, de outro lado, fundamenta-
se na produção científica em três campos: a pedagogia freiriana; a agroecologia;
e o materialismo histórico-dialético. Trata-se de um campo de referências amplo,
colocando-se a necessidade de pesquisas que busquem investigar detidamente
as conexões, mediações e contradições entre os diversos campos.
Sendo ao mesmo tempo educação formal e educação popular (não-
formal), trabalho de base, para compreender o DS foi preciso ir além das escolas
e dos cursos de agroecologia, considerando-os em perspectiva. Avaliamos que,
na base dos movimentos sociais, o DS pode contribuir para a compreensão da
necessidade da agroecologia como resistência dos camponeses, associada à luta
política pela superação de sua condição de exploração. O DS vem também ao
encontro a duas necessidades trazidas pela agroecologia: recuperar o saber
camponês e convocar o sujeito camponês a uma postura ativa, de busca da
ciência ecológica, preparando os técnicos que serão os mediadores deste
processo. Além disso, o DS pode contribuir, em conjunto com outras práticas de
trabalho de base, no sentido de mobilizar as pessoas para a participação, para
um tensionamento no sentido de um “costume de movimento”. Investigar o ponto
de vista dos camponeses a respeito do Diálogo de Saberes constitui, a nosso ver,
um tema relevante para outros estudos.
Vimos também que o movimento social organiza as escolas para atender a
uma demanda específica dentro do seu projeto de sociedade e, ao mesmo tempo,
a escola, por meio da atuação dos educandos, coloca novos desafios ao
239
movimento social, tensionando as contradições existentes no real, no sentido do
projeto formulado, e defrontando-se também com novos desafios.
O Diálogo de Saberes começa a ser trabalhado nas escolas técnicas do
MST, no Paraná, como uma unidade didática (2005) e, a partir de 2007, também
como base para a elaboração dos Trabalhos de Conclusão de Curso, que passou
a consistir numa sistematização desse processo teórico-prático, conduzido de
maneira cientificamente mais rigorosa, objetivando-se chegar a uma proposta de
desenho e manejo dos agroecossistemas.
Analisamos que o DS também pode ser considerado como pesquisa científica, como uma modalidade de pesquisa-ação, adaptada a uma situação particular, qual seja, a comunicação rural e a educação popular, no
âmbito de um movimento social autônomo, centrada num processo de mudanças
e inovações ao nível da produção e reprodução da existência e resistência
camponesa, vinculada a um projeto de campo (e de sociedade) mais amplo.
Apontamos que uma aproximação com a Enquête Operária pode trazer
contribuições ao método.
Como Trabalho de Conclusão de Curso, nos atuais cursos de
agroecologia do Paraná, o DS precisa enfrentar um rol de dificuldades:
a) dificuldades relacionadas às condições históricas em que se
constituiu a Educação do Campo: deficiências e lacunas na
formação anterior dos educandos; precariedade de condições para o
exercício da pesquisa (condições materiais, de orientação teórica e
metodológica e de tempo disponível), destacando-se a ausência de
um Coletivo de Educadores de caráter permanente.
b) dificuldades relacionadas ao momento histórico atual: de crise desta
forma histórica de escola e de ciência (possível expressão da crise
do modo de produção capitalista e do aprofundamento de suas
contradições).
c) dificuldades da própria ciência da agroecologia: esta, por definição,
uma ciência de síntese, numa época em que se amplia a
fragmentação dos conhecimentos, como conseqüência do
aprofundamento da divisão do trabalho na sociedade capitalista;
além do estágio ainda bastante inicial em que se encontram os
240
estudos e práticas de redesenho de agroecossistemas, nível de
transição mais avançado almejado pelo DS.
Nesse quadro mais amplo, a insuficiente apropriação dos conhecimentos
agroecológicos e freirianos, em especial, vem colocando obstáculos a que o
esforço em se construir uma relação dialógica camponês-técnico, por meio do DS,
seja concluído a contento. Apontamos ainda dois aspectos que precisam ser mais
bem trabalhados nos TCC e que parecem mais diretamente relacionados ao DS:
a) a documentação e avaliação das atividades de experimentação técnica
desenvolvidas conjuntamente pelos estudantes e camponeses (na adoção de
novos insumos ou técnicas de produção, conservação, processamento,
armazenamento, edificação, entre outros); b) a problematização do saber
camponês recolhido, de modo que a riqueza de informações seja adequadamente
estudada, comparada a outros estudos existentes, criticada à luz do
conhecimento agroecológico atual, no sentido de qualificar o diálogo entre os
diferentes saberes. Esta última questão parece assentar em dificuldades teórico-
metodológicas mais difíceis de enfrentar.
Analisamos, por último, a possível contribuição do DS à construção do
currículo integrado, em que se busca enfocar a práxis como princípio educativo,
e que dê conta da especificidade da Agroecologia, levando em conta o acúmulo
pedagógico do MST - desafio que vem sendo enfrentado pelas escolas de
agroecologia estudadas. Em nossa análise, apontamos que o DS oferece
algumas possibilidades interessantes: de articulação das diversas áreas de
conhecimento; de articulação prática-teoria-prática; de relacionar o processo
formativo ao processo de trabalho, ou de articular, de uma maneira específica,
trabalho e educação. O eixo sobre o qual se poderia construir a proposta político-
pedagógica dos cursos seria o trabalho técnico junto aos camponeses, trabalho
de base na organização da produção nos assentamentos e unidades
camponesas, em bases agroecológicas, e vinculada à organização política e à
luta do movimento social popular.
Gostaríamos de registrar, por fim, algumas reflexões ocorridas a longo
desse difícil, mas instigante, percurso educativo. Impressionou-nos fortemente o
lugar marginal destinado ao tema das transformações sociais na academia. Trata-
se, evidentemente, de um tema de difícil abordagem, seja em função da
241
disseminação, por vezes camuflada (outras, nem tanto!), da tese do fim da
história, seja pelas dificuldades concretas enfrentadas pelas revoluções proletário-
camponesas ocorridas no século passado. De qualquer forma, parece haver,
mesmo entre os pesquisadores que se colocam numa posição de crítica ao
sistema capitalista, uma relutância em tratar deste tema, por excesso de cuidado
contra uma análise idealista, talvez. O fato é que se acaba remetendo a
perspectiva da transformação a um futuro tão longínquo, que qualquer análise fica
condenada aos limites da crítica (indispensável, é verdade). Entretanto, o passo
seguinte nos parece também necessário. Que ações, que forças no movimento do
real, que continua incessantemente, se revelam portadoras de germes de
transformação? Afirmar a inexistência dessas forças, mesmo que em estado
embrionário, mesmo que confusas, seria negar a existência da contradição.
Parece-nos que a academia tem, nesse aspecto, uma contribuição importante a
dar para o acúmulo de forças no campo popular e a necessária superação do
sistema capital.
REFERÊNCIAS
AFONSO, Henrique. Do Cupuaçu a Cancún – quais os direitos? Jornal da Câmara, ano 5, n. 1058, Brasília, 28 ago. 2003, p. 2.
ALMEIDA, Antônio Escobar; CAMINI, Isabela; DALMAGRO, Sandra Luciana. A formação profissional no curso Normal de Nível Médio do IEJC. In: ITERRA. O Instituto de Educação Josué de Castro e a Educação Profissional. Cadernos ITERRA, ano 7, n. 13, dez. 2007, p. 43-70.
ALTIERI, Miguel A. As bases científicas da Agricultura Alternativa. 2ª. ed. Rio de Janeiro: PTA/FASE, 1989.
ALTIERI, Miguel; NICHOLLS, Clara I. Agroecología: Teoría y práctica para uma agricultura sustentable. México: PNUMA, 2000.
ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith. O Método nas Ciências Sociais. In: ______; GEWANDSZNAJDER, Fernando. O Método nas Ciências Naturais e Sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. São Paulo: Pioneira, 1998, p. 107-188.
ANAP. Associación Nacional de Agricultores Pequeños. Metodología para la promoción de la agricultura ecológica. La Habana: ANAP, 2003.
ANDRADE, Márcia Regina. DI PIERRO, Maria Clara. A construção de uma política de educação na reforma agrária. In: ANDRADE, Márcia Regina et al (orgs.). A educação na reforma agrária em perspectiva: uma avaliação do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária. Brasília; São Paulo: Ação Educativa, Nead, Pronera/Incra/MDA, 2004, p. 19- 35.
ANDRIOLLI, Antônio Inácio. O movimento agroecológico como espaço de educação. Revista Espaço Acadêmico [on-line], Maringá, ano IX, n. 100, p. 27-38, set. 2009.
ARAÚJO, Maria Nalva R. A pesquisa nos cursos Normal Médio e Pedagogia da Terra: uma parceria entre o MST/BA e a UNEB. In: ITERRA. II Seminário Nacional “O MST e a Pesquisa”. Veranópolis: cadernos do ITERRA, ano VII, n. 14, nov. 2007, p. 79-86.
ARROYO, Miguel G. Os Movimentos Sociais e o Conhecimento: uma relação tensa. In: ITERRA. II Seminário Nacional “O MST e a Pesquisa”. Veranópolis: cadernos do ITERRA, ano VII, n. 14, nov. 2007, p. 35-44.
ARROYO, Miguel Gonzáles. A escola do campo e a pesquisa do campo. In: MOLINA, Mônica Castagna (Org.). Educação do Campo e Pesquisa: questões para reflexão. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2006, p. 27-39.
243
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE REFORMA AGRÁRIA. Manifesto da ABRA sobre a Medida Provisória 458 /2009. Página da Associação Brasileira de Reforma Agrária, artigo de 23/03/2009. Disponível em: < http://www.reformaagraria.org/node/705>. Acesso em abril 2009.
AUGUSTIN, Sérgio; ALMEIDA, Ângela. Da compreensão materialista e dialética das relações ecológicas ao conceito de desenvolvimento sustentável. Desenvolvimento em Questão, Ijuí, Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, ano 4, n. 7, p. 73-94, jan.-jun. 2006.
BARON, Karine Rosmary. Diálogo de Saberes com a família de Olga e Demétrio Kochak. Maringá, 2008. Monografia (Técnico em Agropecuária com ênfase em Agroecologia) – Escola Milton Santos e Escola Técnica da Universidade Federal do Paraná, 57 fls.
BESERRA, Bernardete; DAMASCENO, Maria Nobre. Estudos sobre educação rural no Brasil: estado da arte e perspectivas. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 30, n. 1, p. 73-89, jan./abr. 2004.
BORGES, Juliano Luis. A transição do MST para a agroecologia. 2007. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2007, 183fls.
BOTTOMORE, Tom. Dicionário do Pensamento Marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988.
BRANCO, André Luis de Oliveira Castello. A produção de soja no Brasil: uma análise econométrica no período de 1994-2008. Campinas, 2008. Monografia (Bacharelado em Ciências Econômicas). Faculdade de Ciências Econômicas do Centro de Economia e Administração da PUC Campinas, 2008, 54 fls.
BRASIL. Ministério da Ciência e Tecnologia. Diretrizes Estratégicas do Fundo Setorial de Agronegócio. Secretaria Técnica do Fundo Setorial de Agronegócios. Brasil: dez. 2002. Disponível em: <http:www.finep.gov.br/fundos_setoriais/ct_agro/documentos/ct-agro00diretrizes.pdf> Acesso em abril 2009.
BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo. Resolução CNE/CEB: 1/2002, Brasília: MEC, 2004a.
BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n. 9.394/96 de 20 de dezembro de 1996. Brasília: 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>. Acesso em julho 2008.
BRASIL. Ministério da Educação. Políticas públicas para a educação profissional e tecnológica. Brasília: MEC, 2004b.
244
BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto nº No 433, de 24 de janeiro de 1992. Dispõe sobre a aquisição de imóveis rurais, para fins de reforma agrária, por meio de compra e venda. Brasília: 1992. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0433.htm>. Acesso em abril 2009.
BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 2.680, de 17 de julho de 1998. Altera a redação e acresce dispositivo ao Decreto nº 433, de 24 de janeiro de 1992, que dispõe sobre a aquisição de imóveis rurais, para fins de reforma agrária, por meio de compra e venda. Brasília: 1998a. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D2680.htm>. Acesso em abril 2009.
BRASIL. Ministério da Educação. Parecer CNE/CEB:17/97. Estabelece as diretrizes operacionais para a educação profissional em nível nacional. Brasília: MEC, 1998b. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf_legislacao/tecnico/legisla_tecnico_parecer1797.pdf>. Acesso em julho 2008.
BRAVERMAN, Harry. Principais efeitos da gerência científica. In: ______. Trabalho e capital monopolista: a degradação do Trabalho no século XX. Rio de janeiro: Guanabara, 1974, p. 112-123.
CALDART, Roseli S. Teses sobre a Pedagogia do Movimento. In: MST. Educação Básica de Nível Médio nas áreas de Reforma Agrária: Textos de Estudo. Boletim da Educação, São Paulo, n. 11, p. 137-149, set. 2006.
CALDART, Roseli Salete. A escola do campo em movimento. Currículo sem Fronteiras, [n. l.], v.3, n.1, p.60-81, Jan./jun. 2003. Disponível em: <http://www.curriculosemfronteiras.org/vol3iss1articles/roseli2.pdf>. Acesso em setembro 2008.
CALDART, Roseli Salete. Educação em movimento: formação de educadoras e educadores no MST. Petrópolis: Vozes, 1997.
CALDART, Roseli Salete. Elementos para a construção do Projeto Político e Pedagógico da Educação do Campo. In: PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Cadernos temáticos: educação do campo. Curitiba: SEED-PR, 2005. p. 23-34.
CALDART, Roseli Salete. O MST e a formação dos sem terra: o movimento social como princípio educativo. Estudos avançados USP, vol.15, n.43. São Paulo: Instituto de Estudos Avançados, set./dez. 2001, p. 207-224. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142001000300016&lng=en&nrm=iso>. Acesso em junho 2008.
CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento Sem Terra. São Paulo: Expressão Popular, 2004.
245
CALDART, Roseli Salete. Sobre educação do campo. In: SANTOS, Clarice Aparecida (org.) Por uma Educação do Campo: Campo – Políticas Públicas – Educação. Coleção por uma Educação do Campo, vol. 7. Brasília: Incra; Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2008, p. 67-86.
CALDART, Roseli Salete; CERIOLI, Paulo Ricardo. Instituto de Educação Josué de Castro: características gerais da organização escolar e do método pedagógico. In: ITERRA. O Instituto de Educação Josué de Castro e a Educação Profissional. Cadernos ITERRA, ano 7, n. 13, dez. 2007, p. 11-42
CAMPBELL, Ullisses. Desapropriação de terras desaba e número de famílias assentadas cai pela metade em 2007. Correio Brasiliense, notícia em 11 jan. 2008. Disponível em: <http://www.cptpe.org.br/modules.php?name=News&file=article&sid=889>. Acesso em abril 2009.
CAMPOS, Christiane Senhorinha Soares. Campesinato autônomo – uma nova tendência gestada pelos movimentos sociais do campo. Lutas & Resistências, Londrina, v.1, set. 2006, p.146-162.
CAPRILES, R. Makarenko: O nascimento da pedagogia socialista. São Paulo: Scipione, 1989.
CAPORAL, Francisco Roberto; COSTABEBER, José Antônio. Agroecologia: alguns conceitos e princípios. Brasília: MDA, SAF, DATER-IICA, 2004.
CARVALHO, Horacio Martins de (Org.). Sementes: Patrimônio do povo a serviço da humanidade. São Paulo: Expressão popular, 2003.
CARVALHO, Horácio Martins. As contradições internas no esforço de cooperação nos assentamentos de reforma agrária do MST (período 1989-1999). In: CONCRAB. A evolução da concepção de cooperação agrícola do MST (1989-1999). Caderno de Cooperação Agrícola n 08. São Paulo: CONCRAB, ago. 1999, p. 27-39.
CARVALHO, Horácio Martins. O oligopólio na produção de sementes e a tendência à padronização da dieta alimentar mundial. In: STÉDILE, João Pedro et al. A situação internacional da agricultura (cartilha). Brasília: Via Campesina Brasil, 2004, p. 25-46.
CATTANI, Antônio David (org). Trabalho e tecnologia: dicionário crítico. Petrópolis, Vozes, 1997.
CEAGRO. Centro de Desenvolvimento Sustentável e Capacitação em Agroecologia. Projeto do Curso Técnico em Agroecologia: Ensino Médio Integrado ao Ensino Técnico Profissionalizante. Turma VI. Rio Bonito do Iguaçu: abr. 2009, 41 fls. (mimeo).
246
CHASSOT, Attico. Alfabetização científica: questões e desafios para a educação. 2ª. Ed. Ijuí: UNIJUÍ, 2001.
CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2006, 13ª. Ed.
CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996.
CHESNAIS, François. Mundialização: o capital financeiro no comando. Outubro, São Paulo, n. 5, p. 7-28, 2001.
CHESNAIS, François. O capital portador de juros: acumulação, internacionalização efeitos econômicos e políticos. In: ______ (Org.). A finança mundializada: raízes sociais e políticas, configuração, conseqüências. São Paulo: Boitempo, 2005, p. 35-67.
CHESNAIS, François; SERFATI, Claude. “Ecologia” e condições físicas de reprodução social: alguns fios condutores marxistas. Crítica Marxista. São Paulo, Boitempo, v. 1, n.16, 2003. Disponível em: <http://www.unicamp.br/cemarx/criticamarxista/16chesnais.pdf>. Acesso em novembro 2008.
CHRISTOFFOLI, Pedro Ivan. A evolução recente da questão agrária e os limites das políticas públicas do governo Lula para o meio rural. In: GEDIEL, José Antônio Peres (org.) Estudos de Direito Cooperativo e Cidadania. Curitiba, Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPR, n. 1, p. 113-153, 2007a.
CHRISTOFFOLI, Pedro Ivan. Elementos para um balanço do curso Técnico em Administração de Cooperativas. In: ITERRA. O Instituto de Educação Josué de Castro e a Educação Profissional. Cadernos ITERRA, ano 7, n. 13, dez. 2007b, p. 71-128.
CHRISTOFFOLI, Pedro Ivan. Elementos para a construção de um programa de pesquisa dos Movimentos Sociais do Campo. In: ITERRA. II Seminário Nacional “O MST e a Pesquisa”. Veranópolis: Cadernos do ITERRA, ano VII, n. 14, nov. 2007c, p. 103-110.
CIAVATTA, Maria. A formação integrada: a escola e o trabalho como lugares de memória e de identidade. Trabalho necessário [on-line], ano 3, n. 3, 2005. Texto não paginado. Disponível em: <http://www.uff.br/trabalhonecessario>. Acesso em: ago. 2009.
COGGIOLA, Osvaldo. Crise Ecológica, Biotecnologia e Imperialismo. [n. l.]: Instituto Rosa Luxemburgo, 2006. Disponível em: < http://insrolux.org >. Acesso em nov. 2009.
CONSULTA POPULAR. A Consulta Popular: breve histórico. Out. 2005. Disponível em: < http://www.consultapopular.org.br/sobre/quem-somos-1/quem-somos/>. Acesso em abr. 2009.
247
CORAZZA, Gentil. O todo e as partes: uma introdução ao método da Economia Política. Estado e Economia, São Paulo, v. 26, n. especial, p. 25-50, 1996.
CORDEIRO, Georgina. O Pronera no contexto atual. Página do MST. Artigo de 08/06/2009, sem paginação. Disponível em: <http://www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=6908>. Acesso em junho 2009.
CORRÊA, Vanessa Petrelli; CABRAL, Mayra dos Santos. Pronaf Crédito: Programa de Crédito Compensatório para a Agricultura Familiar? – Algumas Indicações de Distorções. Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v. 32, n. Especial p. 898-920, novembro 2001.
CORRÊA, Vanessa Petrelli; SILVA, Fernanda Faria. Análise das Liberações Recentes de Recursos do Pronaf: Uma Mudança na Lógica de Distribuição? Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v. 38, nº 1, p. 48-66, jan/mar. 2007.
COUTINHO, Carlos Nelson. A democracia na batalha das idéias e na lutas políticas do Brasil de hoje. In: FÁVERO, Osmar; SEMERARO, Giovanni. Democracia e construção do público no Pensamento Educacional Brasileiro. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 11-40.
CURY, Carlos R. Jamil. Educação e Contradição. 4ª. Ed. São Paulo: Cortez; Autores Associados, 1983.
DÉFICIT de US$ 12 milhões. Correio Braziliense, notícia em 13/01/2009. Disponível em: <http://www.fazenda.gov.br/resenhaeletronica/>. Acesso em abril 2009.
DELGADO, Guilherme da Costa. Capital Financeiro e Agricultura no Brasil. São Paulo: Ícone, 1985.
DEMO, Pedro. Metodologia Científica em Ciências Sociais. São Paulo: Atlas, 1981.
DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS; Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural. Estatísticas do meio rural 2008. Brasília: MDA: DIEESE, 2008.
DOMINGUES, Eliane. Vinte anos do MST: a psicologia nesta história. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 12, n. 3, p. 573-582, set./dez. 2007.
DUROZZOI, Gerard; ROUSSEL, André. Dicionário de Filosofia. Campinas: Papirus, 1993.
ELAA. Escola Latinoamericana de Agroecologia. Tecnólogo em Agroecologia: Projeto Pedagógico. Lapa: out. 2005, 26 fls. (mimeo).
248
ENGELS, Friederich. O papel do trabalho na transformação do macaco em homem (1876). Trabalho Necessário, ano 4, n. 4, 2006. Disponível em: http://www.uff.br/trabalhonecessario/TN4%20ENGELS,%20F..pdf.
ESCOLA MILTON SANTOS. Projeto do Curso Técnico em Agroecologia. Maringá: 2009, 68 fls. (mimeo).
FAJARDO, Sérgio. Complexo agroindustrial, modernização da agricultura e participação das cooperativas agropecuárias no estado do Paraná. Caminhos de Geografia [on-line]. Uberlândia, v. 9, n. 27, p. 31-44, set. 2008,. Disponível em: <http://www.ig.ufu.br/revista/caminhos.html>. Acesso em fevereiro 2009.
FERNANDES, Bernardo Mançano. A questão agrária no Brasil hoje: subsídios para pensar a educação do campo. In: PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Cadernos temáticos: educação do campo. Curitiba: SEED-PR, 2005, p. 15-22.
FERNANDES, Bernardo Mançano. A questão agrária no limiar do século XXI. In: ______. Questão agrária, pesquisa e MST. São Paulo: Cortez, 2001, p. 19-48.
FERNANDES, Bernardo Mançano. CERIOLLI, Paulo Ricardo; CALDART, Roseli Salete (org). Por uma educação básica do Campo. Texto-Base da Conferência Nacional. Brasília: UnB, 1998.
FERNANDES, Bernardo Mançano. Contribuição ao estudo do campesinato brasileiro: formação e territorialização do MST no Brasil. São Paulo, 1999. Tese (Doutorado em Geografia) – Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 318 fls.
FERNANDES, Bernardo Mançano. Da “clonagem” à “autofagia”: o dilema da reforma agrária no Brasil. Página do MST. Artigo de 03 mar. 2006 [2006a]. Disponível em: <http://www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=531>. Acesso em abril 2009.
FERNANDES, Bernardo Mançano. Os campos da pesquisa em Educação do Campo: espaço e território como categorias essenciais. In: MOLINA, Mônica Castagna (org.). Educação do Campo e Pesquisa: questões para reflexão. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2006b, p. 27-39.
FERNANDES, Bernardo Mançano. Espaços agrários de inclusão e exclusão social: novas configurações do campo brasileiro. Agrária, [s. l.], n. 1, p. 16-36, 2004. Disponível em: <www.geografia.fflch.usp.br/revistaagraria/revistas/1/fernandes.pdf>. Acesso em março 2009.
FERNANDES, Bernardo Mançano. O MST e as Reformas Agrárias do Brasil. OSAL, Observatório Social de América Latina, Buenos Aires, CLACSO, ano IX, n. 24, 2008a. Disponível em:
249
<http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/osal/osal24/04mancano.pdf>. Acesso em fevereiro 2009.
FERNANDES, BERNARDO MANÇANO. Educação do campo e território camponês no Brasil. In: SANTOS, Clarice Aparecida (org.) Por uma Educação do Campo: Campo – Políticas Públicas – Educação. Coleção por uma Educação do Campo, vol. 7. Brasília: Incra; Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2008b , p. 39-66.
FOLADORI, Guillermo. Limites do desenvolvimento sustentável. Campinas: Unicamp, São Paulo: Imprensa Oficial, 2001.
FOSTER, John Bellamy. A ecologia da destruição. O comuneiro: Revista Electrónica. Lisboa, n. 4, mar. 2007. Disponível em: <http://www.ocomuneiro.com>. Acesso em jan. 2009 (não paginado).
FREIRE, Paulo. Extensão ou Comunicação? 12ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 7ª. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 37ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003.
FREITAS, Luiz Carlos de. Materialismo Histórico-Dialético: pontos e contrapontos. In: ITERRA. Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária. II Seminário Nacional “O MST e a Pesquisa”. Veranópolis: Cadernos do ITERRA, ano VII, n. 14, nov. 2007, p. 45-60.
FRIGOTTO, Gaudêncio. A polissemia da categoria trabalho e a batalha das idéias nas sociedades de classe. Revista Brasileira de Educação, v. 14 n. 40, p. 168-194, jan./abr. 2009.
FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria. Educação básica no Brasil na década de 1990: subordinação ativa e consentida à lógica do mercado. Educação e Sociedade, Campinas, vol. 24, n. 82, p. 93-130, abr. 2003.
FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria; RAMOS, Marise. A política de Educação profissional no governo Lula: um percurso histórico controvertido. Educação e Sociedade, Campinas, vol. 26, n. 92, p. 1087-1113, Especial, out. 2005a.
FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria; RAMOS, Marise N. O trabalho como princípio educativo no projeto de educação integral de trabalhadores. In: COSTA, Hélio da e CONCEIÇÃO, Martinho. Educação Integral e Sistema de Reconhecimento e certificação educacional e profissional. São Paulo: Secretaria Nacional de Formação/CUT, 2005b. p. 63-71 (não paginado na versão on-line). Disponível em:
250
<http://www.escolanet.com.br/teleduc/arquivos/9/apoio/14/Trabalho_principio_educ.doc>. Acesso em fev. 2009.
GEBRIM, Ricardo. A Organização Consulta Popular. Consulta Popular, nov. 2005. Disponível em: <http://www.consultapopular.org.br/sobre/o-movimento-consulta-popular/>. Acesso em abr. 2009.
GEWANDSZNAJDER, Fernando. O Método nas Ciências Naturais. In: ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith; GEWANDSZNAJDER, Fernando. O Método nas Ciências Naturais e Sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. São Paulo: Pioneira, 1998, p. 3-108.
GHON, Maria da Glória Marcondes. A pesquisa na produção do conhecimento: questões metodológicas. EccoS – Revista Científica, São Paulo, v. 7, n. 2, p. 253-274, jul./dez. 2005.
GIRARDI, Eduardo Paulon. Atlas da Questão Agrária Brasileira. Estrutura Fundiária. Presidente Prudente: ago. 2008. Meio digital. Disponível em: <http://www4.fct.unesp.br/nera/atlas/estrutura_fundiaria.htm#utilizacao_terra>. Acesso em jan. 2009.
GLASS, Verena. A ciência segundo a CTNBio. Revista Sem Terra, n. 53, p. 9-14, nov./dez. 2009.
GLIESSMAN, Stephen R. Agroecologia: processos ecológicos em agricultura sustentável. 2ª. ed. Porto Alegre: Universidade/UFRGS, 2001.
GONÇALVES, Sérgio. Campesinato, Resistência e Emancipação: o modelo agroecológico adotado pelo MST no estado do Paraná. 2008. Tese (Doutorado em Geografia) - Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Presidente Prudente, 2008, 311 fls.
GORENDER, Jacob. Gênese e desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro. In: STÉDILE, João Pedro (org.). A questão agrária hoje. 2ª. ed., Porto Alegre: UFRGS, 1994, p. 15-44.
GRZYBOWSKI, Cândido. Movimentos populares rurais no Brasil: desafios e perspectivas. In: STÉDILE, João Pedro (org.) A questão agrária hoje. 2ª. ed., Porto Alegre: UFRGS, 1994, p. 285-297.
GUANZIROLI, Carlos E. PRONAF dez anos depois: resultados e perspectivas para o desenvolvimento rural. Revista de Economia e Sociologia Rural [online]., vol.45, n.2, p. 301-328, 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/resr/v45n2/04.pdf>. Acesso em março 2009.
GUIMARÃES, Alberto Passos. O complexo agroindustrial como etapa e via de desenvolvimento da agricultura. Revista de Economia Política, Vol. 2, n. 3, p. 147-151, jul./set. 1982.
251
HECHT, Susanna B. A evolução do pensamento agroecológico. In: ALTIERI, Miguel A. As bases científicas da Agricultura Alternativa. 2ª. ed. Rio de Janeiro: PTA/FASE, 1989, p. 25-41.
HEREDIA, Beatriz et al. Assentamentos rurais e perspectivas da reforma agrária no Brasil. In: MOLINA, Mônica Castagna (org.). Educação do Campo e Pesquisa: questões para reflexão. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2006, p. 40-49.
II CONFERÊNCIA NACIONAL POR UMA EDUCAÇÃO DO CAMPO. Texto-base. Luziânia-GO: [s. n.], 2004 (mimeo.).
ITERRA. Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária. Que Educação Profissional, para que Trabalho e para que Campo? Seminário sobre Educação Profissional nas/para as áreas de Reforma Agrária da Região Sul. Síntese das discussões. Veranópolis: [s. n.], mai. 2007a (mimeo.).
ITERRA. Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária. II Seminário Nacional “O MST e a Pesquisa”. Veranópolis: Cadernos do ITERRA, ano VII, n. 14, nov. 2007b.
ITERRA. Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária. Instituto de Educação Josué de Castro: Método Pedagógico. Cadernos do ITERRA, n. 9, Veranópolis, 2004.
ITERRA. Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária. Instituto de Educação Josué de Castro: Projeto Pedagógico. Cadernos do ITERRA, n. 2, Veranópolis, 2001.
KANDEL, Susan; CUÉLLAR, Nelson. Programa Campesino a Campesino de Siuna, Nicarágua: contextos, logros y desafíos. 2ª. ed. [s. l.]: Centro para la Investigación Florestal Internacional, 2007.
KOLLING, Edgar Jorge; CERIOLI, Paulo Ricardo; CALDART, Roseli Salete (orgs.). Educação do Campo: identidade e políticas públicas. Coleção por uma Educação do Campo, vol. 4. Brasília: Articulação Nacional por uma Educação do Campo, 2002.
KRAWCZYK, Nora Rut; VIEIRA, Vera Lucia. A reforma educacional na América Latina nos anos 1990: uma perspectiva histórico-sociológica. São Paulo: Xamã, 2008.
KUENZER, Acácia Zeneida. A Educação profissional nos anos 2000: a dimensão subordinada das políticas de inclusão. Educação e Sociedade, vol. 27, n. 96, Especial, p. 877-910, out. 2006.
KUENZER, Acácia Zeneida. Competência como Práxis: os Dilemas da Relação entre Teoria e Prática na Educação dos Trabalhadores. Boletim Técnico do SENAC, vol 29, n.1, jan./abr. 2003 [versão on-line]. Texto não paginado.
252
Disponível em: <http://www.senac.br/conhecimento/bts-tudo.html>. Acesso em out. 2009.
LA VÍA CAMPESINA. Declaración de los Derechos de las Campesinas y Campesinos. Seul: mar. 2009. Disponível em: <http://viacampesina.net/downloads/PDF/SP-3.pdf>. Acesso em abril 2009.
LA VÍA CAMPESINA. Página eletrônica. Organización. Disponível em: <http://www.viacampesina.org/main_sp/index.php?option=com_content&task=blogcategory&id=27&Itemid=44> Acesso em outubro 2008.
LALANDE, André. Vocabulário Técnico e Crítico de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
LANZARDO, Dario. Marx e a enquête operária. In: THIOLLENT, Michel J. M. Crítica Metodológica, investigação social e Enquête Operária. 5ª. Ed. São Paulo: Polis, 1987, p. 233-246.
LÊNIN, Vladimir Illich. Que fazer? São Paulo: Hucitec, 1988.
LIMA, Aparecida do Carmo. Relação escola e comunidade: estratégia metodologica na formação da turma Karl Marx da Escola Milton Santos do MST/PR. 2008. 99 fls. Monografia (Licenciatura em Pedagogia para Educadores do Campo) - Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Francisco Beltrão, 2008.
LINHART, Robert. Lênin, os camponeses, Taylor. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983.
LE PETIT Larousse Illustré. 100a. Ed. Paris: Larousse, 2004.
LUCIANO, Charles Luiz Policena. A luta do MST no capitalismo como uma prática educativa com perspectiva de desenvolvimento: A institucionalização da Escola Itinerante e a provisoriedade do acampamento. Santa Cruz do Sul, 2007. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Regional) - Universidade de Santa Cruz do Sul, 163 fls.
LUZZI, Nilsa. O debate agroecológico no Brasil: uma construção a partir da diferentes atores sociais. Rio de janeiro, 2007. Tese (Doutorado em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade). – Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2007, 182 fls.
MACHADO, Lucília. Concepção de escola, de escola unitária e de politecnia. In: MST. Educação Básica de nível médio nas áreas de Reforma Agrária. Boletim da Educação n. 11 (ed. Especial). ITERRA: [s. l.], set. 2006, p. 41-50.
MANACORDA, Mario Alighiero. História da educação: da Antigüidade aos nossos dias. 12ª. ed., São Paulo: Cortez, 2006.
253
MARINI, Ruy Mauro. Subdesenvolvimento e Revolução. In: Paulo Barsotti; Luiz Bernardo Pericás. (Org.). América Latina: história, idéias e revolução. 1ª. ed. São Paulo: Xamã, 1998, p. 113-129.
MARTINS, Adalberto. Um novo impulso para a organização dos assentamentos e da cooperação. In: MST. Educação Básica de nível médio nas áreas de Reforma Agrária. Boletim da Educação n. 11 (ed. Especial). ITERRA: [s. l.], set. 2006, p. 105-115.
MARTINS, Fernando José. Gestão democrática e ocupação da escola: o MST e a educação. Porto Alegre: EST, 2004.
MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos: Primeiro Manuscrito. 1932. Arquivo Marxista na Internet-MIA. Sem paginação. Disponível em: <http://www.marxists.org/portugues/marx/1844/manuscritos/cap01.htm>. Acesso em set. 2008.
MARX, Karl. O Capital: Livro I, vol. 1. 3ª. Ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988a.
MARX, Karl. O Capital: Livro I, vol. 2. 3ª. Ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988b.
MARX, Karl. O questionário de 1880. In: THIOLLENT, Michel J. M. Crítica Metodológica, investigação social e Enquête Operária. 5ª. Ed. São Paulo: Polis, 1987, p. 249-256.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia Alemã. São Paulo: Boitempo, 2007.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Textos sobre educação e ensino (antologia). São Paulo: Moraes, 1983.
MEDEIROS, Leonilde Sérvolo de. Sem Terra, "Assentados", "Agricultores familiares": considerações sobre os conflitos sociais e as formas de organização dos trabalhadores rurais brasileiros. In: GIARRACCA, Norma. Una nueva ruralidad en América Latina?. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, 2001. Disponível em: <http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/rural/medeiros.pdf>. Acesso em março 2009.
MELLO, Dario Fernando Milanez de. Agroecologia e educação: ações pedagógicas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST. 2006. Dissertação (Mestrado em Agroecossistemas) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2006, 116 f.
MELO, Marcelo Paula; FALLEIROS, Ialê. Reforma da aparelhagem estatal: novas estratégias de legitimação social. In: NEVES, Lúcia Maria Wanderley (org.). A nova pedagogia da hegemonia: estratégias do capital para educar o consenso. São Paulo: Xamã, 2005, p. 175-192.
254
MÉSZÁROS, István. A única economia viável. O comuneiro: Revista Electrónica. Lisboa, n. 5, set. 2007. Disponível em: <http://www.ocomuneiro.com>. Acesso em jan. 2009 (não paginado).
MICHELOTTI, Fernando. Educação do campo: reflexões a partir da tríade produção-cidadania-pesquisa. In: SANTOS, Clarice Aparecida (org.) Por uma Educação do Campo: Campo – Políticas Públicas – Educação. Coleção por uma Educação do Campo, vol. 7. Brasília: Incra; Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2008, p. 87-96.
MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO. Secretaria de Relações Internacionais do Agronegócio. Balança Comercial do Agronegócio: Março de 2009. Nota à imprensa em 15/04/2009. Disponível em: < http://www.agricultura.gov.br/>. Acesso em abril 2009.
MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO. Secretaria de Política Agrícola. Plano Agrícola e Pecuário 2007/2008. Brasília: 2007. Disponível em: <http://www.agricultura.gov.br/portal/page?_pageid=33,6654580&_dad=portal&_schema=PORTAL>. Acesso em abril 2009.
MINISTÉRIO DA FAZENDA. Banco Central do Brasil. Indicadores Econômicos: Balanço de Pagamentos. 15 abr. 2009. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/pec/indeco/Port/ie5-01.xls>. Acesso em abril 2009.
MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária: Manual de Operações. Brasília: 2004. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/arquivos/0127102302.pdf >. Acesso em 20/08/2008.
MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO. Secretaria da Agricultura Familiar. Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. Crédito Rural do PRONAF - Contratos e Montante por Ano Agrícola. Arquivo gerado em 14 mai. 2009. Disponível em: <http://www.mda.gov.br/saf/index.php?sccid=812>. Acesso: abril 2009.
MOLINA, Mônica Castagna. A Constitucionalidade e a Justiciabilidade do Direito à Educação dos Povos do Campo. In: SANTOS, Clarice Aparecida (org.) Por uma Educação do Campo: Campo – Políticas Públicas – Educação. Coleção por uma Educação do Campo, vol. 7. Brasília: Incra; MDA, 2008, p. 19-32.
MORAIS, Clodomir Santos de. Elementos sobre a Teoria da Organização no Campo. Caderno de Formação n. 11. São Paulo: MST, 1986.
MORISSAWA, Mitsue. A História da luta pela terra e o MST. São Paulo: Expressão Popular, 2001.
MOVIMENTO CONSULTA POPULAR. Programa estratégico: roteiro para debate. Cartilha n. 18. São Paulo: nov. 2006.
255
MST REALIZA Seminário Nacional das Escolas Itinerantes. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Pagina eletrônica. [São Paulo]: 05 mai. 2008. Disponível em: <http://www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=5333>. Acesso em agosto 2008.
MST. A cooperação agrícola nos assentamentos. Caderno de Formação n. 20. São Paulo: MST, 1993.
MST. A luta continua: como se organizam os assentados. Caderno de Formação n. 10. São Paulo: MST, 1986.
MST. A Reforma Agrária que precisamos. São Paulo: Ed. Peres, junho 2003.
MST. A organicidade e o planejamento. Cartilha para estudo n. 04. Curitiba: MST, 2004a.
MST. Educação no MST: Balanço 20 anos. São Paulo: MST, Boletim da Educação, n. 09, dez. 2004b.
MST. Caminhos da Educação Básica de Nível Médio para a Juventude das Áreas de Reforma Agrária. Documento Final do 1º Seminário Nacional sobre Educação Básica de Nível Médio nas Áreas de Reforma Agrária. 15 fls. Luziânia: set. 2006 (mimeo.).
MST. Escola Itinerante do MST: história, projeto e experiências. São Paulo: MST, Cadernos da Escola Itinerante do MST, n. 01, abr. 2008a.
MST. Cadernos de Subsídios do 13 Encontro Nacional do MST. São Paulo: MST, dez. 2008b.
MST. O MST e a Escola: Seminário do Coletivo Nacional de Educação. Brasília: [ s. n.], jun. 2008c (mimeo.).
MST. Reforma Agrária: por um Brasil sem Latifúndio! Textos para debate do 4°. Congresso Nacional do MST. São Paulo: MST, 2000.
MST. Linhas políticas reafirmadas no IV Congresso Nacional do MST. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Pagina eletrônica. [São Paulo]: 2000b. Disponível em: <http://www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=4179>. Acesso em fevereiro 2009.
MST. Linhas políticas reafirmadas no V Congresso Nacional do MST. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Pagina eletrônica. [São Paulo]: 2007. Disponível em: <http://www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=4178>. Acesso em fevereiro 2009.
MST. Balanço da política agrária do governo federal. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Pagina eletrônica. [São Paulo]: 17 abr. 2009.
256
Disponível em: <http://www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=6654>. Acesso em abril 2009.
MST. Normas Gerais do MST. [s. l.]: 2002. Cópia xerográfica.
MST. Preparação dos Encontros Estaduais e 9° Encontro Nacional do MST: Textos de Estudo. Caderno de Formação n. 25. São Paulo: Ed. Peres, 1997a.
MST. Princípios da Educação no MST. São Paulo, MST, Caderno de Educação, n. 8, 1997b.
MST. Programa de Reforma Agrária. Caderno de Formação n. 23. CONCRAB: São Paulo, 1998.
MST. Seminário sobre concepção e ações em agroecologia no MST. 9 fls. Guararema: ago. 2005 (mimeo.).
MUNARIM, Antônio. Elementos para uma Política Pública de Educação do Campo. In: MOLINA, Mônica Castagna (org.). Educação do Campo e Pesquisa: questões para reflexão. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2006, p. 15-26.
MUNARIM, Antônio. Trajetória do movimento nacional de educação do campo no Brasil. Educação, Santa Maria, vol. 33, n. 01, jan./abr. 2008, sem paginação. Disponível em: <http://coralx.ufsm.br/revce/revce/2008/01/a4.htm>. Acesso em: setembro 2008.
NAVARRO, Zander. Mobilização sem emancipação: as lutas sociais dos sem-terra no Brasil. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (org). Produzir para viver. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 189-232.
NEGRI, Paulo Sérgio. A identidade ecológica do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST: o caso do Assentamento Dorcelina Folador – Arapongas – Paraná. 2005. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2005, 125 fls.
NEVES, Lúcia Maria Wanderley (org.). A nova pedagogia da hegemonia: estratégias do capital para educar o consenso. São Paulo: Xamã, 2005.
NEVES, Lúcia Maria Wanderley. Ensino médio, ensino técnico e educação profissional: delimitando campos. In: ______ (org.) Educação e política no limiar do século XXI. Campinas: Autores Associados, 2000, p. 183-200.
NEVES, Marcos César Danhoni. Memórias do Invisível: uma reflexão sobre a História no ensino de Física e a ética na Ciência. Maringá: LCV; Livraria Bom Livro Megastore, 1999.
NIEMEYER, Carolina Burle. Contestando a governança global: a Rede Transnacional de Movimentos Sociais Via Campesina e suas relações com a FAO
257
e OMC. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) - Rio de Janeiro: PUC-Rio, Instituto de Relações Internacionais, 2006, 190 fls.
O TRATOR da direita. Veja [on-line]. Reforma Agrária (Arquivo Veja). São Paulo: abr./ jun. 1986. Não paginado. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/reforma_agraria/arquivo/180686.html>. Acesso em abril 2009.
OLEIAS, Marcia Freddo. Dialogo de Saberes no Agroecossistema da Família Dalle Molle: Assentamento Dorcelina Follador, Arapongas, PR. Maringá, 2009. Monografia (Técnico em Agroecologia) – Escola Milton Santos e Escola Técnica da Universidade Federal do Paraná, 68 fls.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino. A farra da legalização da grilagem. MST. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Pagina eletrônica. [São Paulo]: artigo em 03 abr. 2008 [2008a]. Disponível em: <http://www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=5162>. Acesso em março 2009.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino. A Amazônia e a reforma agrária de novo no banco dos réus. Associação Brasileira de Reforma Agrária. Página eletrônica. Artigo em 10 nov. 2008 [2008b]. Disponível em: < http://www.reformaagraria.org/node/534>. Acesso em março 2009.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino. A longa marcha do campesinato brasileiro: movimentos sociais, conflitos e Reforma Agrária. Estudos avançados USP [online], v. 15, n. 43. São Paulo: Instituto de Estudos Avançados, p. 185-206, 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142001000300015&script=sci_arttext&tlng=en>. Acesso em fevereiro 2009.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino. Modo capitalista de produção na agricultura. São Paulo: Ática, 1986.
OLIVEIRA, Marcos Barbosa. Tecnociência, ecologia e capitalismo. O comuneiro, Revista Electrónica. Lisboa, n. 5, set. 2007. Disponível em: <http://www.ocomuneiro.com>. Acesso em out. 2009.
OLIVEIRA, Ramon de. O Banco Mundial e a Educação Profissional. Boletim Técnico do SENAC, vol 27, n. 2, p 25-33, maio/ago 2001.
OLIVEIRA, Ramon de. O Ensino Médio em Questão: A Análise de uma História Recente. Boletim Técnico do SENAC, vol 34, n. 1, p 43-49, jan./abr. 2007.
PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares da Educação do Campo. Curitiba: SEED, 2006.
PEREIRA, Leonel Moreira. Modelo de formação de preços de commodities agrícolas apliado ao mercado de açúcar e álcool. 2009. Tese (Doutorado em Administração). Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2009, 209 fls.
258
PEREIRA, João Márcio Mendes. A disputa político-ideológica entre a reforma agrária redistributiva e o modelo de reforma agrária de mercado do Banco Mundial (1994-2005). Sociedade e Estado [online], [s. l.], 2005, vol. 20, n. 3, p. 611-646. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-69922005000300006&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em jun. 2009.
PETRAS, James. As esquerdas e as novas lutas sociais na América Latina. Lutas Sociais, 2, p. 5-18, 1997.
PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. A nova questão agrária e a reinvenção do campesinato: o caso do MST. OSAL, Observatorio Social de America Latina. Buenos Aires, CLACSO, ano VI, n. 16, 2005. Disponível em: <http://osal.clacso.org/dev/article.php3?id_article=109> Acesso em: janeiro/2009.
PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. O latifúndio genético e a r-existência indígeno-campesina. Geographia, Rio de Janeiro, ano IV, n.8, p.39-60, 2002.
PRINCESWAL, Marcelo. O MST e a proposta de formação humana da Escola Nacional Florestan Fernandes para a classe trabalhadora: uma síntese histórica. 2007. Dissertação (Mestrado em Educação). Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007, 198 fls.
RAMOS, Marise Nogueira; MOREIRA, Telma Maria; SANTOS, Clarice Aparecida dos (coord.). Referências para uma política nacional de educação do campo: caderno de subsídios. Brasília: Secretaria de Educação Média e Tecnológica, Grupo Permanente de Trabalho de Educação do Campo, 2004.
RAMOS, Pedro, et al. Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas. Nead Estudos, n. 15. Brasília: MDA, 2007.
RIBAS, Alexandre Domingues. Gestão Político-Territorial dos assentamentos no Pontal do Paranapanema (SP): uma “leitura” a partir da COCAMP (Cooperativa de Comercialização e Prestação de Serviços dos Assentados da Reforma Agrária do Pontal). 2002. Dissertação (Mestrado em Geografia). Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista. Presidente Prudente, 2002.
RIBEIRO, Sílvia. Quem come e quem nos come. In: STÉDILE, João Pedro et al. A situação internacional da agricultura (cartilha). Brasília: Via Campesina Brasil, 2004, p. 87-90.
ROMERO, Ana Paula Hamerski. Análise da política pública brasileira para a educação especial na década de 1990: configuração do atendimento e atuação do terceiro setor. Maringá, 2006. Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá, 220 fls.
SADER, Emir. O século XX: uma biografia não-autorizada. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000.
259
SAES, Décio. O conceito de Estado Burguês. In: ______. Estado e democracia: ensaios teóricos. 2ª. ed. Campinas: UNICAMP, 1998, p. 15-50.
SANFELICE, José Luis. Da escola estatal burguesa à escola democrática e popular: considerações historiográficas. In: LOMBARDI, José Claudinei; SAVIANI, Dermeval; NASCIMENTO, Maria Izabel Moura (org.). A escola pública no Brasil: história e historiografia. Campinas: Autores Associados; HISTEDBR, 2005, p. 89-105.
SANTOS, Clarice Aparecida (org.) Por uma Educação do Campo: Campo – Políticas Públicas – Educação. Coleção por uma Educação do Campo, vol. 7. Brasília: Incra; Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2008.
SAVIANI, Dermeval. Por uma outra política educacional. In: ______. Da nova LDB ao FUNDEB. Campinas: Autores Associados, 2007, p. 203-218.
SCHALACHTA, Marcelo Hansen. O MST e a questão ambiental: uma cultura política em movimento. 2008. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Marechal Cândido Rondon, 2008, 177 fls.
SEVERINO, Antônio Joaquim. Pós-graduação e pesquisa: o processo de produção e de sistematização do conhecimento no campo educacional. In: BIANCHETTI, Lucídio; MACHADO, Ana Maria Netto (Org.). A bússola do escrever: desafios e estratégias na orientação de teses e dissertações. Florianópolis: Ed. da UFSC; São Paulo: Cortez, 2002, p. 67-87.
SEVILLA GUZMÁN, Eduardo. La agroecología como estrategia metodológica de transformación social. 2006. Disponível em: <http://www.agroeco.org/brasil/books_port.html>. Acesso em outubro 2007.
SEVILLA GUZMÁN, Eduardo. Uma estratégia de sustentabilidade a partir da Agroecologia. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustententável, Porto Alegre, v.2, n.1, p. 35-45, jan./mar. 2001.
SHANIN, Teodor. A definição de camponês: conceituações e desconceituações. O velho e o novo em uma discussão marxista. Petrópolis: Estudos CEBRAP, n. 26, p. 42-80, 1980.
SILVA, José Graziano. O que é Questão Agrária. 16ª. Ed. Brasiliense, 1980.
SILVA, Maria de Salete; ALCÂNTARA, Pedro Ivo (Coord.). O Direito de Aprender: Potencializar avanços e reduzir desigualdades. Situação da Infância e da Adolescência Brasileira 2009. Brasília, DF: UNICEF, 2009.
SILVA, Maria do Socorro. Da raiz à flor: produção pedagógica dos movimentos sociais e a escola do campo. In: MOLINA, Mônica Castagna (org.). Educação do Campo e Pesquisa: questões para reflexão. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2006, p. 60-93.
260
SILVA, Ranulfo Peloso da. A Retomada do Trabalho de Base. In: Consulta Popular. Trabalho de base. Cartilha nº 4. 6ª Ed., São Paulo: [s. n.], out. 2001, p. 17-36.
SILVA, Roberta Maria Lobo da. A Dialética do Trabalho no MST: A Construção da Escola Nacional Florestan Fernandes. Niterói, 2005. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, 320 fls.
SOBRAL, Francisco. A formação do técnico em agropecuária no contexto da agricultura familiar do oeste catarinense. Campinas, 2004. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, 211 fls.
SOUZA, Maria Antônia de Souza. Educação e Cooperação nos assentamentos do MST. Ponta Grossa: UEPG, 2006.
SOUZA, Maria Antônia de. A pesquisa sobre educação e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) nos Programas de Pós-Graduação em Educação. Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, vol. 12, n. 36, p. 443-461, set./dez. 2007.
SPAROVEK, Gerd (org.). Análise territorial da produção nos assentamentos. Brasília : Ministério do Desenvolvimento Agrário: NEAD, 2005.
STÉDILE, João Pedro, e FERNANDES, Bernardo Mançano. Brava gente: a trajetória do MST e a luta pela terra no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1999.
STÉDILE, João Pedro. A luta pela Reforma Agrária e a produção do conhecimento. In: ITERRA. II Seminário Nacional “O MST e a Pesquisa”. Veranópolis: cadernos do ITERRA, ano VII, n. 14, nov. 2007, p. 17-34.
STÉDILE, João Pedro. A ofensiva das empresas transnacionais sobre a agricultura. In: MST. Caderno de subsídios - 13° Encontro Nacional do MST. São Paulo: MST, dez. 2008, p. 36-41.
STÉDILE, João Pedro. Os avanços históricos do MST na luta pela Reforma Agrária. In: MST. Reforma Agrária: por um Brasil sem latifúndio! São Paulo: MST, 2000, p. 22-26.
STÉDILE, João Pedro. Questão Agrária no Brasil. 5ª. ed. São Paulo, Atual, 1997.
STUBRIN, Florencia. Movimiento de los Trabajadores Rurales Sin Tierra. Una experiencia alternativa de educación pública. Ensayos & Investigaciones del Laboratorio de Políticas Públicas. Buenos Aires, nº 28, mai. 2008.
261
TARDIN, José Maria. Considerações ao Diálogo de Saberes no Encontro de Culturas: versão atualizada. [Lapa]: abr. 2008 (mimeo.).
TARDIN, José Maria. Diálogo de Saberes no Encontro de Culturas. 98 slides. [Lapa]: s/d [2006-2008]. Apresentação em Power-Point.
TARDIN, José Maria. Diálogo de Saberes no Encontro de Culturas: Sistematização nº 02. Lapa: nov. 2006 (mimeo.).
TARDIN, José Maria. Jornada de Agroecologia: Camponesas e Camponeses em Movimento Construindo o Sustento da Vida e a Transformação da Sociedade. Anais do VI Congresso Brasileiro de Agroecologia e II Congresso Latinoamericano de Agroecologia. Agricultura familiar e camponesa: experiências passadas e presentes construindo um futuro sustentável. Curitiba: ABA, SOCLA, Governo do Paraná, 2009, p. 213-217 (1 CD-ROM).
TARDIN, José Maria. Novas orientações para o Diálogo de Saberes. [Lapa]: 2007 (mimeo).
TEIXEIRA, Edival Sebastião; BERNARTT, Maria de Lourdes; TRINDADE, Glademir Alves. Estudos sobre Pedagogia da Alternância no Brasil: revisão de literatura e perspectivas para a pesquisa. Educação e Pesquisa. São Paulo, v.34, n.2, p. 227-242, maio/ago. 2008.
TEIXEIRA, Gerson. O Futuro da Agricultura: As Vulnerabilidades do Agronegócio e a Agenda Comum Reforma Agrária, Agricultura Familiar e Meio Ambiente. Associação Brasileira de Reforma Agrária. Brasília: dez. 2007. Disponível em: <http://www.reformaagraria.org>. Acesso em abril 2009.
THINES, Georges; LEMPEREUR, Agnes. Disctionnaire Général des Sciences Humaines. Paris: Universitaires, 1975.
THIOLLENT, Michel J. M. Crítica metodológica, investigação social e Enquête Operária. 5ª. Ed. São Paulo: Polis, 1987.
THIOLLENT, Michel. Notas para o debate sobre pesquisa-ação. In: BRANDÃO, Carlos Rodrigues (org.). Repensando a pesquisa participante. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 82-103.
TONÁ, Nilciney. A Pesquisa nos Cursos de Agroecologia e nas Escolas e Centros de Formação dos Movimentos Sociais do Campo no Paraná. In ITERRA. II Seminário Nacional O MST e a Pesquisa. Cadernos do Iterra, ano VII, n. 14, nov. 2007.
TONÁ, Nilciney. Elementos de Reflexão sobre o “Diálogo de Saberes” nas experiências formativas dos movimentos sociais no Paraná. 2008. Monografia (Extensão em Teorias Pedagógicas e Produção do Conhecimento) - Escola Nacional Florestan Fernandes e Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 21 fls. . Guararema, 2008.
262
TONÁ, Nilciney. O trabalho como elemento formador nos cursos formais de Agroecologia do MST no Paraná. 2005. Monografia (Especialização em Educação do Campo e Desenvolvimento) – Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária e Universidade de Brasília, 81 fls. [s. l.], 2005.
TORRES, Rosa María. Os múltiplos Paulo Feire. In: FREIRE, Ana Maria Araújo (org.). A Pedagogia da Libertação em Paulo Freire. São Paulo: UNESP, 2001, p. 231-242.
TOUSSAINT, Eric. Os programas de ajuste estrutural definidos pelo FMI e o Banco Mundial. In: ______. A Bolsa ou a vida. A dívida externa do Terceiro Mundo: a finança contra os povos. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2002, p. 197-202.
VEIGA, José Eli. Nem tudo é urbano. Ciência e Cultura,vol.5 6, n.2, São Paulo, p. 26-29, abr./jun. 2004.
TRIVIÑOS, Augusto N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.
VENDRAMINI, Célia Regina. A Educação, o Trabalho e a Emancipação Humana: uma análise dos trabalhos sobre o MST. 32ª. Reunião Anual da ANPED, GT n. 09. Caxambu: out. 2009. Disponível em: <http://www. anped.org.br/reunioes/32ra>. Acesso em nov. 2009.
VENDRAMINI, Célia Regina. A relação entre trabalho, cooperação e educação nas pesquisas sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Perspectiva, Florianópolis, v. 26, n. 1, 119-147, jan./jun. 2008
VENDRAMINI, Célia Regina. Os desafios do MST na atualidade. In: Anais do II Seminário Internacional de Educação Intercultural, Gênero e Movimentos Sociais. Florianópolis, 2003, 10 p. Disponível em: <www.rizoma.ufsc.br/pdfs/488-of6-st3.pdf>. Acesso em maio 2009.
VENDRAMINI, Célia Regina. Pesquisa e Movimentos Sociais. Educação e Sociedade, Campinas, vol. 28, n. 101, p. 1395-1409, set./dez. 2007 [2007a].
VENDRAMINI, Célia Regina. O sentido da pesquisa no MST. In: ITERRA. II Seminário Nacional “O MST e a Pesquisa”. Veranópolis: cadernos do ITERRA, ano VII, n. 14, nov. 2007 [2007b], p. 97-102.
VENDRAMINI, Célia Regina; MOHR, Naira Estela Roesler. A formação técnico-profissional no contexto do MST. Educação. Santa Maria, v. 33, n. 1, p 107-126, jan./abr. 2008. Disponível em: <http://www.ufsm.br/ce/revista>. Acesso em maio 2009.
VERAS, Melissa Michelotti. Agroecologia em assentamentos do MST no Rio Grande do Sul: entre as virtudes do discurso e os desafios da prática. 2005.
263
Dissertação (Mestrado em Agroecossistemas) – Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Santa Catarina,Florianópolis, 2005, 114fls.
VIA CAMPESINA. Subsídios para implementar a Campanha das Sementes. São Paulo: abr. 2003.
VIANNA, Maria Lúcia Werneck. Em torno do conceito de política social: notas introdutórias. Rio de janeiro: [s. n.], 2002. Disponível em: http:<www.unerj.br/ead/ead/20052/curso_sequencial/up_cidadania/arquivos/Em_torno_do_conceito_de_politica_social.pdf>. Acesso em nov. 2008.
ANEXOS
265
ANEXO 1 –LOCALIZAÇÃO DAS ESCOLAS TÉCNICAS DO MST E DA VIA CAMPESINA NO PARANÁ
Figura 1: Localização das escolas técnicas do MST e da Via Campesina.
Legenda: CEAGRO, Cantagalo EJS, São Miguel do Iguaçu
ELAA, Lapa Curitiba
EMS, Maringá
ANEXO 2 – EXEMPLOS DE DADOS COLETADOS E SISTEMATIZADOS DE ACORDO COM O DO DIÁLOGO DE SABERES
QUADRO 6: Calendário Agrícola no agroecossistema da família Kochak. Nova Cantú, 2007/2008.
Fonte: Adaptado de BARON (2008) Legenda: D-Demétrio; O-Olga; H-Hélio; M-Marlice.
ATIVIDADES EXECUTAM JUL AGO SET OUT NOV DEZ JAN FEV MAR ABR MAI JUN
Preparo do solo D X
Plantio D, O e H X X
Capina D, e H X X X
Man
dioc
a
Colheita D, H e O X X X X X X X X X X X X
Preparo do solo Serviço pago X
Plantio Serviço pago X
Pulv. herbicida Serviço pago X
Pulv. inseticida Serviço pago X X
Milh
o
Colheita Serviço pago X
Horta: Cuidados gerais O X X X X X X X X
Bovinos: Manejo D e O X X X X X X X X X X X X
Suínos: Manejo D e O X X X X X X X X X X X X
Limpeza dos espaços O e M X X X X X X X X X X X X
Preparação dos alimentos O e D X X X X X X X X X X X X
Trab
alho
dom
ést.
Limpeza da roupa O e M X X X X X X X X X X X X
267
FIGURA 2: Fluxograma de biomassa e energia.
Agroecossistema da família Dalle Molle, Arapongas/PR, 2008/2009. Fonte: Oleias (2009).
Horta
Família
Aves e Suínos
Bovinocultura
Pomar
Napiê e cana
Feijão da seca
Café
PERDAS: Nutrientes (biomassa), minerais, por lixiviação e eólicas.
SAIDAS: Comercialização de leite, café e doação de alimentos.
ENTRADA: Energia solar, insumos (milho, sal, vacina, arame), energia elétrica, alimentos industrializados, vestuário, remédios.
Top Related