THELMA RENATA PARADA SIMO MARSOLA
Doao voluntria de corpos para estudo anatmico
Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Anatomia dos Animais Domsticos e Silvestres da Faculdade de Medicina Veterinria e Zootecnia da Universidade de So Paulo para obteno do ttulo de Doutora em Cincias
Departamento: Cirurgia rea de Concentrao: Anatomia dos Animais Domsticos e Silvestres
Orientador: Prof. Dr. Edson Aparecido Liberti
So Paulo
2013
Autorizo a reproduo parcial ou total desta obra, para fins acadmicos, desde que citada a fonte.
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAO-NA-PUBLICAO
(Biblioteca Virginie Buff Dpice da Faculdade de Medicina Veterinria e Zootecnia da
Universidade de So Paulo)
T.2752 Marsola, Thelma Renata Parada Simo FMVZ Doao voluntria de corpos para estudo anatmico / Thelma Renata Parada Simo
Marsola. -- 2013. 121 f. : il.
Tese (Doutorado) - Universidade de So Paulo. Faculdade de Medicina Veterinria e Zootecnia. Departamento de Cirurgia, So Paulo, 2013.
Programa de Ps-Graduao: Anatomia dos Animais Domsticos e Silvestres. rea de concentrao: Anatomia dos Animais Domsticos e Silvestres. Orientador: Prof. Dr. Edson Aparecido Liberti.
1. Doao. Cadver. Disseco. Anatomia. I. Ttulo.
FOLHA DE AVALIAO
Nome: MARSOLA, Thelma Renata Parada Simo Ttulo: Doao voluntria de corpos para estudo anatmico
Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Anatomia dos Animais Domsticos e Silvestres da Faculdade de Medicina Veterinria e Zootecnia da Universidade de So Paulo para obteno do ttulo de Doutora em Cincias
Data: ______ /______/______
Banca Examinadora
Prof. Dr. _________________________________________ ___________________
Instituio: _____________________________Julgamento: ___________________
Prof. Dr. _________________________________________ ___________________
Instituio: _____________________________Julgamento: ___________________
Prof. Dr. _________________________________________ ___________________
Instituio: _____________________________Julgamento: ___________________
Prof. Dr. _________________________________________ ___________________
Instituio: _____________________________Julgamento: ___________________
Prof. Dr. _________________________________________ ___________________
Instituio: _____________________________Julgamento: ___________________
quele que com seu precoce falecimento, me fez entender e compreender, apesar de
minha tenra idade, a morte: Meu pai, Jos Andirs de Abreu Simo.
quela que apenas aps a sua morte, fomos aproximadas e mais que isso, cedeu, atravs de sua atitude arrojada e inusitada, o tema para este trabalho, agora, causa: Minha av paterna,
Eunice Nogueira de Abreu Simo.
A este, eterno mestre, intenso nos propsitos, e eternamente, por mim, admirado, sem o qual este trabalho jamais seria aceito, executado, instalado e oficializado. E o foi de maneira magnnima e segura: Professor, Orientador, Amigo, Exemplo e Referncia: Edson Aparecido
Liberti
A todos os Doadores Voluntrios de Corpos para Estudo Anatmico.
AGRADECIMENTOS
minha filha, Guilhermina, por permear a minha vida de sentidos e de amor. Apresentar-me
o verdadeiro sentido de um lar, na nsia do breve retorno para o seu encontro o que nutre
minhas energias para um concentrado e eficiente trabalho.
minha me, Sueli, exemplo de fora, determinao, compreenso, dedicao, vitria,
alicerce e amor incondicional. Serei realizada se eu for para a minha Guilhermina, a me que
para mim! Obrigada!
Ao meu marido, verton, por ensinar diariamente, o valor do silncio adequado, da recluso,
do retiro, das palavras doces e incentivadoras.
s minhas afilhadas: Juliane e Gabriela, com vocs, aprendo e revivo as fases que a vida j me
proporcionou, mas que no passado estabeleceram-se e me permitem corrigir e elaborar. A
presena e convivncia com vocs tornam a minha vida mais leve, alegre e divertida.
Aos afilhados: Kaque e Matheus, com os quais, por este tempo, ficamos distantes, espero
poder retomar nosso convvio com a intensidade que o mesmo merece e deve ser realizado.
Aos Paradas: Henrique, Valentina, Tim, Guilherme, Gustavo, Tia Marli, Kiko, Gugu, minha
famlia estendida e essencial. Vocs so o exemplo de famlia, perseverana e perdo!
Aos queridos: Ftima, Marsolas, Vilson, Tati, Slvio, Kau, Nilton, Melissa, Pedro, Lvia, Ana,
Andr, Isabela, agradeo o alento, entusiasmo, compreenso e benevolncia por este
perodo.
s minhas amigas, assistentes, companheiras: Luzia e Lidiane, as quais cuidam de mim, de
minha filha e meu lar, com todo o carinho e respeito. Sem a colaborao delas, minha
ausncia para a elaborao deste trabalho seria impossvel.
Frente a inmeras conversas e conselhos, certamente este: Para os amigos, no precisa se
justificar; para os inimigos, no vai adiantar o que realmente norteia minhas atitudes
dirias. Obrigada, eterna: Slvia de Campos Boldrini.
Aos mestres: Luiz Ronaldo Picosse e Bertha Rosemberg pela apresentao a esta fascinante
disciplina ainda na graduao. A ele pela bondade, piedade e carinho que trata seus alunos e
ela a forma enftica, disciplinadora e normativa. Os quais norteiam minhas atividades
docentes.
A professora Maria Anglica Miglino, pelo aceite da realizao deste trabalho no programa de
Ps-Graduao que coordena.
Ao Servio Funerrio da Cidade de So Paulo, em especial a Sra. Claudete Rodrigues de Souza,
pelas preciosas informaes oferecidas, disposies em ajudar, orientar na elaborao do
fluxograma do Programa de Doao, bem como, na sua desburocratizao, apresentando-nos
as trilhas a serem desvendadas.
Ao casal Regina e Paulo Henrique, companheiros, exemplo de esforo, humildade, carinho e
docilidade. A presena de vocs torna o laboratrio um lar.
Aos amigos do LAFACC: Flvia de Oliveira, Thiago Habacuque, Bruna Caixeta, Eduardo Beber,
Ricardo Eustquio, Ricardo Bandeira, Jodonai Barbosa, Joice Naiara, Aline Rosa, Aline
Gonalves, Ricardo Fontes, Marcelo Cavalli, Josemberg Baptista, Valquria Mariotti, Karina do
Valle, Catarina Tivane, Josy Cal, Cristina Bolina, Naianne Clebis, Any Kely e Ivone Benigno. A
presena de vocs refora que o trabalho srio flui e se propaga (metstases), frente a
harmonia, paz, tranquilidade, respeito, colaborao e compreenso.
A Rosana Duarte Prisco, quem realizou a quantificao deste trabalho de modo, srio
tranquilo, com disposio e envolvimento pela causa.
Aos funcionrios do ICB: Maria do Carmo, Patrcia Rodrigues de Campos Rocha, Cristiane
Pinheiro Maciel, Luciana Monteiro Silva, Martha Righetti, Snia Yokomizo, Sebastio Boleta
pelo harmonioso convvio e gentilezas diversas.
Ao Maicon , funcionrio do Departamento de Anatomia da Faculdade de Medicina Veterinria
e Zootecnia da USP, pela amizade iniciada e estabelecida, ateno e disposio em ajudar.
A Elza Faquim, bibliotecria da FMVZ, quem orientou a formatao desta tese.
impossvel conhecer o homem sem lhe estudar a morte, porque, talvez mais do que na vida, na morte que o homem se revela. nas suas atitudes e crenas perante a morte que o homem exprime o que a vida tem de mais fundamental.
Edgar Morin
RESUMO
MARSOLA, T. R. P. S. Doao voluntria de corpos para estudo anatmico. [Voluntary Donation of bodies for anatomical study]. 2013. 121 f. Tese (Doutorado em Cincias) Faculdade de Medicina Veterinria e Zootecnia, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2013. Cadveres no reclamados constituram por muito tempo o suprimento de material para o
estudo da Anatomia Humana. No entanto, devido melhoria da qualidade de vida decorrente
das tecnologias atuais, bem como, o carter tico, vem ocorrendo um rareamento
progressivo da sua utilizao. Frente a estas circunstncias, e a impossibilidade da
substituio total deste material por outro de qualquer natureza para o estudo da Anatomia e
a prtica da disseco na formao de profissionais da rea da sade, a criao de Programas
de Doao Voluntria de Corpos para Estudo Anatmico apresentada como alternativa de
captao de cadveres. Essa ao altrusta encontra respaldo legal no artigo 14 da lei
10.406/02 do Cdigo Civil Brasileiro que esclarece a quem desejar doar o seu corpo ou parte
dele s instituies de pesquisa e estudo cientficos, sem obter qualquer ganho pecunirio,
dever faz-lo em vida, atravs de inequvoca e expressa declarao de vontade. Deste modo,
com o objetivo de desenvolver o Programa de Doao Voluntria de Corpos para Estudo
Anatmico (pdvcea) para o Departamento de Anatomia do Instituto de Cincias Biomdicas
da Universidade de So Paulo (DA-ICB/USP) realizou-se no presente trabalho questionrios
relativos obteno de informaes sobre: o conhecimento e a opinio da populao de
profissionais anatomistas e de alunos primeiranistas acerca do tema; a importncia da
disciplina de Anatomia e da disseco para a prtica profissional, bem como da populao
geral como fator de confiabilidade no profissional cirurgio mdico. Os dados demonstraram
que: a possibilidade de Doao de Corpos no desconhecida pela maioria da populao
pesquisada, o que, no implica em potenciais doadores, e a necessidade de investimento em
divulgao de mdia de massa. O pdvcea do DA-ICB/USP embora institucionalizado, ainda
depende do parecer da Corregedoria do Estado de So Paulo, para diminuio do tempo de
lavratura do assento do bito, sem prejuzos financeiros aos familiares dos doadores, e da
aquisio de jazigo pela instituio para homenagens aos doadores.
Palavras-chave: Doao. Cadver. Disseco. Anatomia.
ABSTRACT
MARSOLA, T. R. P. S. Voluntary donation of bodies for anatomical study. [Doao voluntria de corpos para estudo anatmico]. 2013. 121 f. Tese (Doutorado em Cincias) Faculdade de Medicina Veterinria e Zootecnia, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2013.
Unclaimed corpses were for many years the supply of human material for the study of human
anatomy. However, due to improved quality of life and technology as well as the ethical
character of the use, there has been the surround these. Faced with these circumstances, and
the impossibility of total replacement of this material by others in training future
professionals and the endless dissection technique, the Donation Voluntary Bodies for
Anatomical Study is presented as an alternative to capture corpses and no legal impediment
to such action, since the Civil Code provides for the donation of bodies for teaching and
research through article 14 of Law 10.406/02, or who wish to donate your body or part of it
to research institutions and scientific study, without obtaining any pecuniary gain, you should
do it in life through clear and express statement of intent. Thus, the present study aimed to
gather information about the knowledge and belief of the population of anatomists and
freshmen, on the subject; obtain information on the importance of discipline and dissection
for professional practice and reliability of the general population, and develop Donation
Program Voluntary Bodies for Anatomical Study (pdvcea) for the Department of Anatomy at
the Institute of Biomedical Sciences, University of So Paulo (DA-ICB/USP). Regarding the
importance of dissection for vocational training is considered, for the general population,
such as reliability factor in professional medical surgeon, the possibility of donation Bodies is
not unknown for the majority of the population studied, which do not necessarily set in
potential donors. The Voluntary Donation Program is created, institutionalized, but still in the
process of acquiring gravesite tributes to the institution; dependent for its dissemination,
clarification and placement in mass media, as well as the opinion of the Magistrate of the
State of So Paulo, to decrease the time of drafting the seat of death, without financial loss to
the relatives of the donors.
Keywords: Donation. Corpse. Dissection. Anatomy.
LISTA DE FIGURAS Figura 1- Processo de mumificao ...................................................................................... 26 Figura 2- Mondino de Luizzi ..................................................................................................... 27 Figura 3- Teatro Anatmico da Universidade de Pdua, construdo em 1594 pelo
anatomista Fabrizio DAcquapendente .................................................................. 28 Figura 4- Teatro anatmico de Leiden, Holanda, (1609/1610) ............................................. 29 Figura 5- A lio de Anatomia de Andreas Vesalius ................................................................ 30 Figura 6- Os Mdicos da noite ............................................................................................. 31 Figura 7- Disseco em laboratrio de anatomia da Universidade de Boston, no final
do sculo XIX ............................................................................................................ 33 Figura 8- Disseco no laboratrio de anatomia da Faculdade de Medicina e Cirurgia
de So Paulo (atual FMUSP) .................................................................................. 34
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Idade dos Anatomistas e Primeiranistas - dados obtidos durante pesquisa entre outubro de 2010 a fevereiro de 2011 ..................................... 52
Tabela 2 Sexo dos Anatomistas e Primeiranistas - dados obtidos durante pesquisa entre outubro de 2010 a fevereiro de 2011 ..................................... 52
Tabela 3 Estado Civil dos Anatomistas e Primeiranistas - dados obtidos durante
pesquisa entre outubro de 2010 a fevereiro de 2011 ..................................... 52 Tabela 4 Escolaridade dos Anatomistas e Primeiranistas - dados obtidos durante
pesquisa entre outubro de 2010 a fevereiro de 2011. ................................... 53 Tabela 5 Idade dos Anatomistas e Primeiranistas - dados obtidos durante
pesquisa entre outubro de 2010 a fevereiro de 2011. ................................... 53
Tabela 6 Conhecimento sobre doao de corpo entre os Anatomistas e Primeiranistas - dados obtidos durante pesquisa entre outubro de 2010 a fevereiro de 2011 ................................................................................... 54
Tabela 7 Opinio sobre doao do prprio corpo entre os Anatomistas e
Primeiranistas - dados obtidos durante pesquisa entre outubro de 2010 a fevereiro de 2011 ................................................................................... 54
Tabela 8 Conhecimento dos procedimentos necessrios para a doao de
corpo entre os Anatomistas e Primeiranistas - dados obtidos durante pesquisa entre outubro de 2010 a fevereiro de 2011 ....................... 54
Tabela 9 Realizao dos procedimentos necessrios para a doao de corpo
entre os Anatomistas e Primeiranistas - dados obtidos durante pesquisa entre outubro de 2010 a fevereiro de 2011. ................................... 55
Tabela 10 Dados da pesquisa sobre os motivos doao/no tenho opinio
formada entre os Anatomistas e Primeiranistas - obtidos durante pesquisa entre outubro de 2010 a fevereiro de 2011. ................................... 56
Tabela 11 Dados da pesquisa sobre os motivos no doao/no tenho opinio
formada entre os Anatomistas e Primeiranistas - obtidos durante pesquisa entre outubro de 2010 a fevereiro de 2011. ................................... 57
Tabela 12 Conhecimento Anatmico e Disseco de Cadveres entre os
Mdicos - dados obtidos durante pesquisa entre julho 2012 a outubro 2012. .................................................................................................... 58
Tabela 13 Disseco durante Graduao e Ps Graduao entre os Mdicos - dados obtidos durante pesquisa entre julho 2012 a outubro 2012. .............. 58
Tabela 14 Nmeros de cadveres e a disseco entre os Mdicos - dados
obtidos durante pesquisa entre julho 2012 a outubro 2012. ......................... 58 Tabela 15 Treino de tcnicas manuais em cadveres, materiais sintticos e
animais entre os Mdicos - dados obtidos durante pesquisa entre julho 2012 a outubro 2012 ................................................................................ 59
Tabela 16 Substituio de material cadavrico por animais e sintticos entre os
Mdicos - dados obtidos durante pesquisa entre julho 2012 a outubro 2012. .................................................................................................... 59
Tabela 17 Confiana da populao frente a formao do mdico - dados obtidos
durante pesquisa entre dezembro 2012 a janeiro 2013. ................................ 60
SUMRIO
1 INTRODUO ......................................................................................................... 18
2 REVISO DE LITERATURA ........................................................................................ 24
2.1 HISTRICO .................................................................................................................. 25
2.2 A DOAO VOLUNTRIA DE CORPOS ....................................................................... 35
3 OBJETIVOS .............................................................................................................. 41
3.1 OBJETIVOS GERAIS ..................................................................................................... 42
3.2 OBJETIVOS ESPECFICOS ............................................................................................ 42
4 CASUSTICA ............................................................................................................ 43
4.1 ELABORAO DE QUESTIONRIO PARA A AVALIAO DO CONHECIMENTO E
A OPINIO SOBRE DOAO VOLUNTRIA DE CORPOS ........................................... 44
4.1.1 Amostra ...................................................................................................................... 44
4.1.1.1 Anatomistas ............................................................................................................... 44
4.1.1.2 Alunos Primeiranistas ................................................................................................ 45
4.1.2 Procedimento ............................................................................................................. 45
4.2 ELABORAO DE QUESTIONRIO PARA A AVALIAO DO CONHECIMENTO E
A OPINIO SOBRE A IMPORTNCIA DA DISSECO PARA A PRTICA
PROFISSIONAL ............................................................................................................ 45
4.2.1 Profissionais Mdicos ................................................................................................. 46
4.2.1.1 Amostra ...................................................................................................................... 46
4.2.1.2 Procedimento ............................................................................................................ 46
4.2.2 Populao em Geral ................................................................................................... 47
4.2.2.1 Procedimento ............................................................................................................ 47
4.3 ANLISE DOS RESULTADOS ....................................................................................... 47
4.4 ELABORAO DO PROGRAMA DE DOAO VOLUNTRIA DE CORPOS PARA
ESTUDO ANATMICO: O PDVCEA DO DA-ICB/USP .................................................. 48
4.4.1 Leis que regem a destinao de corpos para estudo em Anatomia Humana .......... 48
4.4.2 Programas em execuo de doao voluntria de corpos ....................................... 48
4.4.3 Consulta s agncias funerrias do municpio de So Paulo sobre a Doao
Voluntria de Corpos para Estudo Anatmico .......................................................... 49
4.5 IMPLEMENTAO DO PDVCEA DO DA-ICB/USP ....................................................... 49
5 RESULTADOS .......................................................................................................... 51
5.1 AVALIAO DO CONHECIMENTO E A OPINIO SOBRE A DOAO
VOLUNTRIA DE CORPOS PARA ESTUDO ANATMICO .......................................... 52
5.2 AVALIAO DO CONHECIMENTO E A OPINIO SOBRE A IMPORTNCIA DA
DISSECO PARA A PRTICA PROFISSIONAL ............................................................ 57
5.3 ELABORAO DO PROGRAMA DE DOAO VOLUNTRIA DE CORPOS PARA
ESTUDO ANATMICO (pdvcea) ................................................................................. 60
6 DISCUSSO ............................................................................................................. 64
6.1 A DOAO VOLUNTRIA DE CORPOS ....................................................................... 69
6.2 O PDVCEA DO DA-ICB/USP ......................................................................................... 72
7 CONCLUSES.......................................................................................................... 75
REFERNCIAS .......................................................................................................... 78
APNDICES ............................................................................................................. 85
ANEXOS ................................................................................................................ 110
INTRODUO
Introduo 19
1 INTRODUO
A disciplina de Anatomia Humana constitui-se, h sculos, como a base para aqueles
que decidem atuar nas diferentes reas da sade, uma vez que o seu conhecimento apurado
e domnio so imprescindveis para o exerccio profissional eficaz e competente,
possibilitando diagnsticos e prognsticos corretos.
Essa importante matria oferecida aos alunos a partir do primeiro semestre dos
diversos cursos de graduao, poca em que, ao se fundamentar no contato com as
estruturas do corpo humano no cadver, o aprendizado sobre a forma, sintopia, holotopia e
estratigrafia dos diferentes rgos, sedimenta-se tambm a sua Nomenclatura, conferindo-
lhe assim, a condio de Cincia Anatmica (WIECKING, 1974).
Como caracterstica prpria dessa Cincia, a utilizao de cadveres, que remonta aos
primrdios da histria da humanidade (DE CARO; MACCHI; PORZIONATO, 2009), constitui-se
motivo de ampla discusso ainda nos tempos atuais, pois apesar de ser considerado
insubstituvel para o aprendizado, a diminuio da oferta de corpos de indigentes, e os
trmites burocrticos com alto custo de regularizao desses corpos no reclamados fazem
rarear, de maneira preocupante, um material de valor didtico inestimvel (PASQUALUCCI,
2012).
A dificuldade da obteno do material natural determinou o surgimento de correntes
que defendem mtodos alternativos, com o intuito de se tentar solucionar, pelo menos em
parte, esse problema, fazendo proliferar a utilizao de modelos elaborados com os mais
diferentes tipos de materiais sintticos. Estes, por mais que possuam semelhanas com o
correspondente natural, so incapazes de permitir a sua total substituio, demonstrada
atravs da difcil tarefa de se representar de maneira fidedigna, as estruturas internas de
alguns sistemas (CARVALHO et al., 2010).
A introduo de imagens computadorizadas e de modelos Anatmicos pode
representar um complemento valioso, mas no um substituto para a educao (onde 2/3 da
utilizao do cadver serve a esse propsito, e o 1/3 restante para fins investigativos) e onde
somente o cadver pode fornecer uma gama ampla de percepo, tanto de consistncia,
Introduo 20
tamanho e forma dos rgos, como visual, ou seja, relativa profundidade e relaes dos
mesmos (STIMEC; DRASKIC; FASEL, 2010).
Pelo at aqui exposto, pode-se compreender que, ao se avaliar as conseqncias
advindas dos entraves administrativos relacionados obteno de corpos no reclamados,
bem como da impossibilidade da substituio por completo do material natural por outro de
qualquer natureza (GUNDERMAN, 2008; CORNWALL; STINGER, 2009; PASQUALUCCI, 2012), a
sada encontrada pelas Universidades de diversos Pases, foi a de se estabelecer um
programa de doao voluntria de corpos, cada um deles desenvolvido respeitando-se as
leis especficas de seus respectivos territrios de origem.
De fato, as doaes voluntrias vm se constitudo como a soluo para a escassez de
material biolgico para estudo da Anatomia. Nos EUA, por exemplo, desde 1968, todos os
estados criaram o direito do cidado de doar o seu prprio corpo para a educao em cincia
mdica. A Lei norte-americana prev que qualquer pessoa em idade legal e livre de doenas
mentais pode disponibilizar seu corpo, ou qualquer rgo ou parte dele, para ser usado com o
propsito da cincia mdica ou para a reabilitao de doentes ou pessoas que estejam com
seus rgos fatigados. Tal prtica passou a surtir efeito, e os seus resultados puderam ser
comprovados em Universidades Estaduais como a de Virgnia onde, de 1969 a 1973, a
Universidade Estadual recebeu 129 corpos (WIECKING, 1974) e a de Massachussets que, em
2007, exibia uma lista de 4.500 pessoas dispostas a doarem seus corpos para Estudo
Anatmico (PRAKASH et al., 2007).
A prtica da doao voluntria de corpo dissemina-se pelos diferentes Continentes, e
tem sido apresentada como alternativa em pases como a Tailndia (WINKELMANN;
GLDNER, 2004), a Turquia (SEHIRLI; SAKA; SAIKAYA, 2004), a China (ZHANG et al., 2008), a
Nova Zelndia (BOLT et al., 2010), dentre outros.
Na Itlia onde, segundo De Caro, Macchi e Porzionato (2009), foi criada em 2004 no
departamento de Anatomia Humana e Fisiologia da Universidade de Padova, a Associao
para a doao de corpo para tcnicas morfolgicas em poucos anos pode ser retomada
plenamente a prtica da disseco nos cursos de Anatomia.
Embora possa parecer que os programas de doao voluntria de corpos para estudo
em Anatomia seja um assunto recente, o da Escola Mdica da Universidade de Otago na Nova
Zelndia foi estabelecido em 1943, permitindo que a instituio receba, em mdia, 40 corpos
anualmente (CORNWALL; STRINGER, 2009).
Introduo 21
No Brasil, aps extensa busca, do total de 2.377 instituies de Ensino Superior
verificou-se que algumas delas, na tentativa de driblar e minimizar o problema da falta de
cadveres executam um programa oficioso de doao voluntria de corpos com resultados
bons, parcos, ou no informados: Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de
Medicina do ABC, Universidade Estadual do Rio Grande do Norte, Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, Universidade Federal do Acre, Universidade Federal do Paran,
Universidade do Vale do Itaja, Universidade Federal de So Paulo, mas que apenas duas
universidades possuem um programa oficial de doao.
Assim, o Departamento de Cincias Bsicas da Sade da Universidade Federal de
Cincias da Sade de Porto Alegre (RS) possui, desde 2008, um programa de doao de
corpos que tem por objetivo conscientizar a populao sobre a ao, o qual elevou de 26
doaes no perodo de 2003-2007 para 147 registros, aps a implantao (ROCHA et al.,
2012).
Desde 1999, a Universidade Federal de Minas Gerais, possui o programa Vida aps a
vida, que visa doao voluntria de corpos. Em 10 anos, 300 pessoas se inscreveram como
Doadoras, sendo que 30 cadveres frutos desse projeto encontram-se disposio no
laboratrio de Anatomia e vm sendo utilizados para fins de ensino e pesquisa (UFMG, 2010).
Ao se abordar a problemtica no Estado de So Paulo, onde especificamente o
nmero de Escolas Mdicas (36 cursos) superior queles dos Estados em que o programa
de doao voluntria de corpos foi implantado (Minas Gerais com 28 cursos, e Rio Grande do
Sul com 11 cursos) e, ainda, quase cinco vezes o dos Estados do Nordeste com o maior
nmero de cursos (Bahia, Cear e Paraba, com 7 cursos cada), executou-se a presente
pesquisa, com o objetivo primordial de se desenvolver, legalizar e estabelecer um Programa
de Doao Voluntria de Corpos para Estudo Anatmico (pdvcea) do Departamento de
Anatomia do Instituto de Cincias Biomdicas da Universidade de So Paulo (DA-ICB/USP),
cujas regras e normas, aps implementadas, devero ser extensivas a todo o Estado de So
Paulo.
Mesmo tendo-se na USP, desde o final dos anos 1980, a conscincia de que esse seria,
num futuro prximo, o nico procedimento capaz de suprir a deficincia no ensino da
Anatomia Humana decorrente da falta de cadveres, foi a histria pessoal da autora o ponto
de partida para que esse programa se desenvolvesse.
Introduo 22
Formada em Odontologia, Mestre em Anatomia Humana, e exercendo as atividades
de professora de Anatomia em Universidades particulares da Capital de So Paulo, onde se
depara no dia a dia de suas aulas com os problemas oriundos da extrema escassez de
material humano natural a autora, convicta da atitude altrusta do ato de doao voluntria
de corpo para o estudo da Anatomia, engendrou esforos para a concretizao do desejo de
sua av paterna que, aps seu bito, queria que o seu corpo servisse aos devidos e justos
ensino das cincias anatmicas. Essa aspirao foi consumada no dia 05 de setembro de
2008, quando devidamente regularizado quanto s leis em vigncia, o cadver da Sra. Eunice
Nogueira de Abreu Simo adentrou ao laboratrio de Anatomia Humana do Instituto de
Cincias Biomdicas da Universidade de So Paulo para a sua derradeira e nobre misso.
Considerando que todo e qualquer tipo de material humano possa ser utilizado no ensino da
Anatomia, no obstante, em novembro do ano de 2010, exumou e tambm doou ao mesmo
departamento, os ossos do esqueleto de seu pai, o Sr. Jos Andirs de Abreu Simo, falecido
em 16 de fevereiro de 1983.
Essas aes, pioneiras no seio da USP, trouxeram tona um assunto importante e
complexo, tratado algumas poucas vezes e de maneira velada em nosso meio, devido em
grande parte ao tabu que a morte representa para a nossa sociedade, e abordagem quase
sempre extraordinria sobre esse tema dispensada pelas diversas mdias, o que tambm
contribui para que se desencorajem os indivduos, quando em vida, a meditar sobre a doao.
Mesmo observando-se que ao longo do tempo as diferentes crenas e religies,
cincias, artes, filosofias, tentam confortar os anseios humanos sobre o fato de a morte ser
apenas uma passagem, um caminho, ou para onde se vai aps ela acontecer, existe uma
proibio oculta quando o assunto a morte; as pessoas no podem falar, no podem desej-
la a si nem ao outro, a ponto de que aqueles sobre ela comentem, sejam tidos como seres
portadores de patologias necessitando, portanto, de tratamento.
Porm, considerando-se que o corpo humano sem vida de utilidade mpar nos
estudos necessrios formao dos profissionais das reas da sade, e que a escassez cada
vez maior de cadveres para a prtica anatmica preocupante no sentido de comprometer
seriamente a qualidade desses profissionais, alm de questionamentos prticos sobre os
procedimentos necessrios nos dias atuais, para que seja possvel a obteno de um nmero
adequado de cadveres humanos (compatvel com a boa qualidade do ensino oferecido, de
modo desburocratizado e com baixo custo), contriburam tambm para motivar a realizao
Introduo 23
da presente pesquisa, alguns de base filosfica, como por exemplo, se, alm de colaborar
com a formao dos futuros profissionais da rea da sade, as pessoas estariam dispostas a
introduzir no dia-a-dia, a reflexo e as discusses constantes sobre a doao voluntria
decidida e oficializada.
Assim, ao mesmo tempo em que a proposta do presente trabalho, foi a de se
estabelecer uma alternativa visando minimizar, ou at erradicar a falta de cadveres em
nossos laboratrios de Anatomia Humana, procurou-se tambm, esclarecer as pessoas do
elevado grau de altrusmo dessa atitude.
REVISO DA LITERATURA
Reviso da Literatura 25
2 REVISO DA LITERATURA
Sero apresentadas uma breve cronologia sobre a utilizao de cadveres no ensino
da Anatomia, e os diferentes aspectos relativos doao voluntria de material humano para
estudo.
2.1 HISTRICO
Nas diferentes civilizaes, o conhecimento do corpo nasceu da necessidade e desejo
de mant-lo ntegro, na tentativa do ser humano em superar a morte. Com esta fixao em
mente, fazia-se necessrio no somente ousar, mas tambm criar mtodos de estudos e ir
busca do desconhecido que se encontrava no prprio cadver (QUEIROZ, 2005).
De todos os povos da antiguidade eram, sem dvida, os egpcios os que mais
veneravam os seus mortos. Por acreditarem que a alma saa do cadver e ia ao encontro de
Osris, a alma da pessoa necessitava ento de um corpo para a vida aps a morte. Portanto,
devia-se preservar este corpo para que ele recebesse de forma adequada a alma,
desenvolvendo-se ento, a arte de embalsamar, transformando o corpo em mmia (Figura 1).
Reviso da Literatura 26
Figura 1 - Processo de mumificao
Fonte: library.thinkquest.org/28209/mummification.htm. Acesso em: 20 de dezembro de 2012.
Tratando-se o cadver como sagrado e sendo, portanto, um assunto religioso, a
disseco era vista como um desrespeito ao morto ou sua alma, sendo praticada em
segredo por muitos dos anatomistas da antiguidade.
Atribui-se a Mondino de Luizzi (1275-1326) cirurgio italiano da cidade de Bolonha,
cognominado o restaurador da Anatomia, a primeira demonstrao pblica de disseco
em cadver humano, realizada em 1315 (Figura 2).
Reviso da Literatura 27
Figura 2 - Mondino de Luizzi
A B
Fonte: 2.A- Revista de Medicina Francesa, L. Jacolliot, Paris, Frana, 1882; 2.B- Acervo particular do Prof. Dr. Edson Aparecido Liberti. Legenda: 2.A- Xilografia original de Mondino de Luizzi, o restaurador da Anatomia; 2.B- Clssica cena de uma disseco por volta do sculo XV, onde se observa o demonstrator e o sector, na concepo da escola de Mondino de Luizzi.
Considerado como o primeiro a incorporar o estudo sistemtico da Anatomia e
disseco em um currculo mdico, Mondino foi o instaurador da Ctedra, uma cadeira
colocada num plano elevado, de onde lia (lector) e comentava sobre um texto anatmico,
para um professor (demonstrator) que tinha a incumbncia de indicar a regio para o
encarregado de realizar a disseco (sector), em geral, um simples barbeiro ignorante do
latim, idioma em que se efetuava a rcita do lector (CHIARELLO, 2011).
Nessa fase, a Anatomia era essencialmente italiana, sobretudo porque o Papa Sixto IV,
que havia estudado em Bolonha e Pdua, autorizou no sculo XV, a disseco de cadveres
humanos, condicionada permisso das autoridades eclesiticas, posteriormente confirmado
por Clemente VII no sculo XVII. Na Universidade de Bolonha, as disseces foram
reconhecidas oficialmente em 1405 e, em 1429, em Pdua (REVISTAMEDICA, 2012).
Regulamentada por lei, essas demonstraes realizadas em corpos de executados,
eram pblicas, fazendo disseminar por toda a Europa, os teatros anatmicos (ABRAHO,
2012), como o da Universidade de Pdua (Figura 3).
Reviso da Literatura 28
Figura 3 - Teatro Anatmico da Universidade de Pdua, construdo em 1594 pelo anatomista Fabrizio DAcquapendente
Fonte: http://educacao.uol.com.br/biografias/girolamo-fabrizio-acquapendente.jhtm. Acesso em: 20 de dezembro de 2012.
Esses Teatros, que paulatinamente vo incorporando os avanos das tcnicas de
preparao e conservao e apresentando modificaes em sua arquitetura (KLESTINEC,
2007; SCHUMACHER, 2007; TAVANO, 2009), passam a ser considerados espaos no apenas
para a aprendizagem da Anatomia, mas tambm para que os anatomistas pudessem
disciplinar os espritos do pblico, induzindo a diferentes emoes (CHERVEL, 1990;
TAVANO, 2009; GUERRINI, 2004) (Figura 4).
Reviso da Literatura 29
Figura 4 - Teatro Anatmico de Leiden, Holanda (1609/1610)
Fonte: http://laiguanailustrada.blogspot.com.br/2009/05/illus-el-teatro-de-operaciones.html. Acesso em: 20 de dezembro de 2012.
Como no pertence ao escopo do presente trabalho, um detalhamento ao longo da
histria sobre a evoluo e os percalos inerentes prtica da disseco em corpos humanos,
pode-se considerar que com Andreas Vesalius (1510-1564) essas demonstraes atingiram o
seu mais alto grau e, a partir de ento, como enfatizado por Chagas (2001) o cadver passou
a compartilhar com o professor, a primazia de ser a figura mais importante no ensino da
Anatomia (Figura 5).
Reviso da Literatura 30
Figura 5 - A lio de Anatomia de Andreas Vesalius
Fonte: Reproduo de ilustrao original do acervo particular do Prof. Dr. Edson Ap. Liberti.
Rompendo com a tradio, Vesalius desce da ctedra e dispensa o demonstrator e, em
atitude inusitada, realizava ele prprio a disseco e demonstrao das estruturas. Com aulas
dadas a grandes pblicos, utilizava, tambm de forma inovadora, desenhos e esquemas de
estruturas anatmicas (SINGER, 1996). Assim, at o sculo XIX, a prtica da disseco tornou-
se um evento pblico normal e tambm uma atividade de ensino praticada preferencialmente
no inverno, a fim de retardar a decomposio do corpo. Na Itlia, as disseces eram algumas
vezes praticadas poca do carnaval para servirem, no somente aos interesses mdicos,
mas tambm como uma lio de moral e religiosa (SCIENCEMUSEUM, 2012).
Mesmo tendo sido o cadver revestido de to elevado valor na formao daqueles
que se dedicavam prtica da Medicina, restringir o estudo da Anatomia somente em corpos
de executados, muito embora tenha significado um avano enorme sobre os dogmas que
dominavam o cenrio anatmico da poca, como as teorias de Galeno, a Anatomia passa a
defrontar-se com um problema crnico, o da quantidade insuficiente de cadveres para
estudo.
Na Inglaterra, em 1751, o Parlamento Britnico instituiu o Murder Act, estipulando
que para prevenir o horrvel crime de assassinato, deve ser adicionado como marca peculiar
Reviso da Literatura 31
da infmia, pendurar o cadver em correntes, ou envia-lo disseco. Como, quase 200 anos
depois de Vesalius, ainda determinava-se que em disseces era permitido apenas o uso de
cadveres de criminosos, o problema crnico do nmero insuficiente de cadveres persistia
(para se ter uma ideia, de 200 escolas mdicas em 1793, esse nmero passou a mais de mil
em 1823 e, como fator complicador, o nmero de condenaes forca caiu de 500\ano no
sculo 18, para o 50\ano no sculo 19). Essa questo era resolvida parcialmente pela ao
dos chamados ressuscitadores, ressurreicionistas, ensacadores ou mdicos da noite,
invasores de cemitrios que exumavam cadveres e os encaminhavam para mdicos e
escolas anatmicas (MELO, 1989; CHAGAS, 2001; MAGEE, 2001; QUEIROZ, 2005; ABRAHO,
2012) (Figura 6).
Figura 6 - Os Mdicos da noite
Fonte: http://www.artfund.org/what-to-see/exhibitions/2012/10/19/doctors-dissection-and-resurrection-men. Acesso em: 20 de dezembro de 2012.
Como previamente citado, no incio do sculo XIX o problema agrava-se, pois com a
ascenso da cincia mdica concomitantemente com o declnio das execues, a demanda de
Reviso da Literatura 32
cadveres tornou-se muito maior do que a sua oferta. Na tentativa de solucion-lo e,
tambm, com o intuito de se extinguir na Gr Bretanha o mercado negro de cadveres e a
prtica de roubo de corpos nos cemitrios pelos mdicos da noite, o Parlamento Britnico
promulgou, em 1832, o Anatomy Act, que permitia aos mdicos, cirurgies e estudantes, o
acesso legal aos corpos no reclamados, em particular aqueles mortos em prises e hospcios,
bem como aos corpos doados por parentes, que assim evitavam o pagamento das despesas
relativas ao sepultamento.
O Ato discorria que:
o conhecimento das causas e a natureza das diversas doenas que afetam o corpo e o tratamento e cura dessas doenas, bem como o reparo e a cura de leses e ferimentos a que o ser humano esteja sujeito, no pode ser adquirido sem um exame anatmico.
Ainda segundo o Ato, todo aquele que pretendia praticar a Anatomia deveria obter
licena oficial, que era concedida a apenas um ou dois professores de cada Instituio de
Ensino, que assumiam a responsabilidade quanto ao tratamento adequado aos corpos
existentes nas dependncias da Instituio onde lecionavam.
Nos Estados Unidos em 1831, portanto um ano antes do Anatomic Act, membros da
Sociedade Mdica de Massachussets trabalharam para que o estudo da Anatomia Humana
fosse legalizado.
Assim, institui-se o Massachussets Anatomic Act, uma lei tambm conhecida como
instrumento beneficente de humanizao na manuteno da sade, que permitia s escolas
mdicas receberem e destinarem aos laboratrios de Anatomia, corpos no reclamados
(DYER; THORNDIKE, 2000). Seguida pela lei de Connecticut em 1833, e subsequentemente
pelas leis de outros Estados americanos, as mesmas no resolveram os problemas da escassez
de material anatmico, nem tampouco os conflitos sociais decorrentes da prtica disseces.
Todavia, se por um lado, a questo da falta de material para estudo no foi solucionada, essas
leis representaram o incio de uma mudana nas atitudes sociais de ento, o que permitiu aos
alunos estudarem abertamente a Anatomia em cadveres humanos, mesmo que muito
tempo depois, ou seja, cerca de 60 anos (Figura7).
Reviso da Literatura 33
Figura 7 - Disseco em laboratrio de Anatomia da Universidade de Boston, no final do sculo XIX
Fonte: https://www.countway.harvard.edu/chm/archives/iotm/iotm_2003-05.html. Acesso em 20 de dezembro de 2012.
No Brasil, apesar do desenvolvimento considervel da Anatomia na Europa desde o
sculo XVI (onde em Portugal, com a reforma administrativa da Universidade de Coimbra em
1772 visando atualizao da Faculdade de Medicina, a Anatomia era praticada por
intermdio da disseco de cadveres), o estudo dessa cincia quase que no existiu at o
final do sculo XIX. Isso porque o uso de cadveres humanos, contrariamente ao que
acontecia na Europa moderna (FOUCAULT, 1972), era proibido entre ns pelo Santo Ofcio
(PIRES, 1989).
Criada em 18 de fevereiro de 1808, a Escola Mdica da Bahia foi a primeira escola de
medicina do Brasil, e teve como professor de Anatomia, o Doutor Jos Soares de Castro.
Durante os seus primeiros anos (de 1808 a 1815), o ensino da Anatomia limitava-se a lies
tericas.
Na Escola Anatmica, Cirrgica e Mdica do Rio de Janeiro, criada em 02 de abril de
1808, foi nomeado para essa funo, o cirurgio Joaquim da Rocha Mazarm (SANTOS FILHO,
1991). Como na Bahia, o ensino da Anatomia era essencialmente terico; porm, algumas
vezes eram praticadas disseces em carneiros. A partir de 1813, ao ensino da Anatomia
Reviso da Literatura 34
embasado em textos franceses, incorpora-se a disseco de cadveres, sob a orientao do
professor Joaquim Jos Marques (TAVANO, 2009).
Em So Paulo, convidado pelo Doutor Arnaldo Augusto Vieira de Carvalho (1867-
1920), fundador em 1912 da ento Faculdade de Medicina e Cirurgia de So Paulo, o
Professor italiano Alfonso Bovero (1871-1937) foi contratado em 1914 para assumir a Ctedra
de Anatomia (LIBERTI, 2010). Discpulo de Carlo Giacomini (1840-1898) na Universidade de
Turim, Bovero teve uma formao acadmica que aliou a docncia e a pesquisa, uma sntese
da proposta descritiva italiana com o experimentalismo, o comparativismo e o incentivo
pesquisa, sugeridos pelos alemes. Com essa formao, rejeita o modo de ensino de
Anatomia at ento praticado no pas e, ao promover o acesso direto ao cadver, incentiva
tambm a pesquisa, necessrios para a formao e a prtica mdica (TALAMONI, 2012).
Com o seu discpulo Renato Locchi (1876-1982) assumindo a ctedra de Anatomia
aps a sua morte em 1937, manteve-se a tradio da prtica da disseco como parte crucial
do processo de ensino e aprendizagem (TALAMONI, 2012). Nessa fase, Departamento de
Anatomia da FMUSP recebia de 200 a 250 cadveres por ano, tornando o ensino prtico
muito eficiente (LOCCHI, 1942) (Figura 8).
Figura 8 - Disseco no laboratrio de Anatomia da Faculdade de Medicina e
Cirurgia de So Paulo (atual FMUSP)
Fonte: Guimares, A. P. Arnaldo Vieira de Carvalho, Biografia e Crtica, 1967. Legenda: Destacam-se o jovem professor Benedito Montenegro (segundo, da esquerda para a direita) que, embora tendo se firmado como eminente cirurgio, atuou durante muitos anos como assistente do professor Bovero.
Reviso da Literatura 35
2.2 A DOAO VOLUNTRIA DE CORPOS
A abordagem do tema pelos diversos autores citados a seguir, visa no somente a
descrio das caractersticas, desenvolvimento e procedimentos dos programas de Doao
Voluntria do Corpos para Estudo Anatmico, mas tambm exp-los avaliao em vrios
aspectos, quer sejam eles legais, ticos, morais, religiosos, ou propriamente de ensino e
pesquisa.
Nos primrdios da dcada de 1970, Wiecking (1974) comenta sobre o interesse da
populao do Estado da Virgnia (EUA) em doar o corpo ou partes dele, e que com o
esclarecimento sobre os procedimentos necessrios para essa atitude contidos no Uniform
Anatomical Gift Act, vem ocorrendo um aumento da relao nmero de corpos
doados/corpos no reclamados, passando de 10/209 em 1969-1970, para 33/124 em 1972-
1973. Salienta que os jornais e outras mdias tm sido uma poderosa fonte capaz de moldar e
influenciar favoravelmente a atitude da populao a respeito do uso cientfico do corpo e
suas partes.
Na Escola Mdica da Universidade de Otago, Fennel e Jones (1992) formularam um
questionrio enviado para pessoas que tinham manifestado a inteno de doar seus corpos
para a faculdade. O questionrio solicitava, entre outras, informaes sobre o sexo, estado
civil, idade, ocupao, fonte de informao sobre o programa de doao, razes que levaram
a doar e a expectativa sobre o uso do cadver. Verificaram que as razes mais comuns para
esse ato eram a de ajudar a cincia e gratido profisso mdica, e que os indivduos no
souberam distinguir entre a utilizao do cadver para o ensino mdico, ou para a pesquisa.
Lagwinski et al. (1998) analisaram os aspectos como idade, sexo, raa, estado civil,
grau de educao, ocupao, em 1.267 potenciais doadores inscritos no programa da Escola e
Medicina de Ohio, no perodo de 1978 a 1993. Observaram que o perfil do doador so
mulheres brancas com mais de 70 anos que exercem atividades domsticas e com terceiro
grau completo, e que homens com essas caractersticas (exceto a ocupao) tambm so
doadores, mas em menor quantidade. Casais manifestaram-se como doadores conjuntos, em
32,1% dos casos.
Reviso da Literatura 36
Para Watkins et al. (1998), quando da doao, geralmente o histrico mdico do
doador aceito como suficiente para se confirmar a presena ou no de uma doena
infecciosa. Sabendo que os programas de doao voluntria de corpo so atualmente
conduzidos por regras bem estabelecidas, e como o programa do Medical College of
Wisconsin onde atuam, fornece cadveres para outras instituies, e desconhecendo algum
protocolo oficial que obrigue a realizao de testes para doenas infecciosas nos corpos
doados para uso em ensino e pesquisa, os autores apresentaram um estudo em 785
cadveres recebidos de 1992 a 1997 por aquela instituio, onde analisaram em amostras
sanguneas, a presena de vrus para a Imunodeficincia adquirida (HIV), hepatite B (HBV) e
hepatite C (HCV). Detectaram que 2,3% da amostra (18 indivduos) estava infectada (2
positivos para HIV, 6 para HBV e 10 para HBC), e concluram que, para que se evite a
contaminao, a realizao desses testes deve ser condio prvia ao uso de cadveres dos
doadores.
Boulware et al. (2004) realizaram uma pesquisa no Estado de Maryland (EUA) sobre
doao de corpos, onde incluram questes como idade, raa/etnia, nvel educacional e
financeiro, estado civil, religio/espiritualidade, confiana em hospitais. De 285 participantes,
49% consideraram a doao, sendo os itens raa/etnia e nvel educacional, os que mais
influenciaram a voluntariedade dos participantes.
Na Tailndia, Winkelmann e Gldner (2004) relatam que os cadveres para estudo so
obtidos atravs de doao voluntria no remunerada, e que ultimamente tem ocorrido um
declnio no nmero de doaes, uma vez que a maioria dos tailandeses budista e relutam
em doar, por acreditarem no seu renascimento. Todavia, os autores identificaram dois fatores
que podem auxiliar o povo tailands a superar essa limitao, com o consequente aumento
no nmero de doaes: a aprovao da doao oficializada pelo Rei Bhumibol (o que
consideram um poderoso incentivo), e que os doadores adquirem o status elevado de
notvel professor (ajarn yai).
Considerando que, na Turquia, existe um nmero insuficiente de cadveres para o
estudo da Anatomia devido ao declnio do nmero de corpos no reclamados, e de poucos
obtidos por doao, Sehirli, Saka e Saikaya (2004) avaliaram a atitude dos anatomistas (83
profissionais) frente ao assunto sobre a doao de corpos. Dentre as respostas, ressalta-se
que 51% consideram a doao a soluo a longo prazo; 83,1 % acreditam que uma
campanha sobre o assunto pode ajudar no aumento da captao de corpos; 47% estariam
Reviso da Literatura 37
dispostos a participar da campanha e 15,7% estariam dispostos a doar os seus corpos. Dentre
as razes pelas quais 63,3% no doariam, esto ser dissecado por colegas (15,7%); a no
aceitao da famlia em doar (26,5%); razes psicolgicas (43,4%); desrespeito ao cadver
(26,5%) e crenas religiosas (3,6%).
Na Irlanda do Norte, Taylor e Wilson (2007) fazem uma extensa avaliao das normas
do Human Tissue Act de 2004, e a importncia da doao de corpos para estudos. Relatam
uma ampla flutuao no recebimento de cadveres legados em testamento (55 entre 1957 e
1962, e 196 no perodo de 1977 a 1985), com um declnio evidente a partir de 2005/2006.
Concluem sobre a necessidade de se conscientizar a opinio pblica, informando que o
sucesso do treinamento de mdicos e dentistas depende da doao de corpos.
Sato (2007) descreve que no Japo, com o aumento das escolas mdicas a partir da
dcada de 1970 e a necessidade de se incrementar o material para estudo anatmico no
somente com cadveres no reclamados, mas tambm oriundos de doaes; professores de
Anatomia e lderes de organizaes de doadores voluntrios compreenderam a necessidade
de se formular um procedimento para beneficiar o desenvolvimento de uma lei de doao de
corpos, que foi proposto para o Ministrio da Educao. Como resultado foi institudo, em
1982, o Certificado Oficial de Reconhecimento do Ministrio da Educao (com o nome do
doador e fornecido aos familares), e criada em 1983, a Lei de Doao de Corpos, o que para
sociedade assegurou a aceitao cultural do conceito da doao de corpos (uma vez que foi
certificado pelo Governo), e auxilia a reforar o desejo verdadeiro do falecido, e no dos
membros da famlia. Com isso, o nmero de cadveres tem sido suficiente para suprir as
necessidades dos trabalhos de disseco nas escolas mdicas do Japo.
Dado o papel importante que a disseco desempenha no carter das atitudes dos
estudantes de medicina frente vida e morte, e que as mesmas no foram avaliadas no
contexto da doao de corpos para estudo, Cahill e Ettarh (2008) realizaram, atravs de
questionrios, uma pesquisa sobre o assunto com os estudantes do primeiro ano de uma
escola de medicina da Irlanda, antes e depois de iniciados os trabalhos de disseco, e
novamente depois de 9 semanas. A idia de doar o corpo diminuiu significativamente entre
os estudantes aps a exposio disseco, passando de 31,5% antes dos procedimentos,
para 19,6% aps 9 semanas. Concluram que, como uma populao de doadores em
potencial, os estudantes so relutantes em se tornar emocionalmente envolvidos no processo
de doao.
Reviso da Literatura 38
Em uma abordagem tica sobre a doao, Gunderman (2008) interagiu com os
aspectos egosta e liberal, o porqu de as pessoas escolherem doar seus corpos para a
educao e a cincia, e que tipo de apelo devem ter em mente os anatomistas e mdicos
para que os pacientes e familiares procedam doao? A anlise sob o ponto de vista do
egosmo demonstrou que, entre outras constataes, as pessoas querem desfrutar dos
benefcios da doao, sem doar o prprio corpo, ou podem simplesmente mentir sobre as
suas intenes, e assim aproveitar dos benefcios da doao durante a vida. Sob o aspecto
liberal, associou a generosidade que harmoniza as pessoas com a necessidade de outras,
sendo que o ato generoso completa um indivduo que naturalmente quer compartilhar com
outros e, por isso, quando se oferecem atravs da doao do corpo, se entregam por inteiro.
Zhang et al. (2008) avaliaram os principais obstculos da cultura chinesa para a
doao de corpos para o estudo da Anatomia, uma vez que as escolas mdicas vm se
deparando com a diminuio de cadveres para ensino e pesquisa, e propuseram uma
soluo tica com o intuito de mudar naquela cultura, o estudo da Anatomia com disseco.
Descreveram que aspectos supersticiosos tradicionais sobre o corpo, a falta de legislao que
regula as doaes e a deficincia de canais efetivos que promovam a doao so os principais
obstculos. Concluram ser necessrio a remoo das barreiras culturais e a mudana da viso
dos chineses sobre o ato de doao, e estabeleceram no Departamento de Anatomia da
Universidade de Nanjing, um Centro Educacional para tica Mdica, a fim de promoverem
o respeito aos cadveres, cuidar para que as pessoas nutram carinho especial pelo que o
cadver representa, e ganhar a confiana dos potenciais doadores.
A Faculdade de Medicina e Cirurgia da Universidade de Pdua criou, no ano de 2004, a
Associao para a doao de corpos para estudo morfolgico para ser utilizado em ensino e
pesquisa. Para analisar os princpios e procedimentos a serem seguidos nos processos de
doao, tambm foi instituda uma Comisso sobre Doao para a Educao Mdica,
formada por professores de Anatomia, Medicina, Medicina Legal, membros do Comit de
tica em experimentao do hospital de Pdua, bem como representantes do Colgio de
Cirurgies daquela cidade. Com isso, o departamento de Anatomia da Faculdade recebeu
diversas declaraes de pessoas desejando doar o corpo para estudo, bem como cadveres
que vm sendo utilizados em prticas de disseco. O programa amplamente divulgado
atravs da mdia de massas, bem como em reunies e congressos cientficos (DE CARO;
MACCHI; PORZIONATO, 2009).
Reviso da Literatura 39
A fim de saber se a idade influencia no ato de doao pelos estudantes de medicina,
Perry e Ettarh (2009) elaboraram um questionrio aplicado aos alunos do primeiro ano do
curso mdico, iniciantes na prtica da disseco no curso de Anatomia. Os resultados
demonstraram que o processo aceito para corpos de desconhecido (83,8%), membros da
famlia (43,2%) ou responsvel (40,5%), e que a idade modula as influncias sobre as atitudes
prvias relativas doao de corpo que a exposio disseco causa nos estudantes de
medicina mais jovens.
Numa retrospectiva realizada de 1876 a 2009 no Departamento de Anatomia e
Biologia Estrutural da Escola de Cincias Mdicas da Universidade de Otago (Nova Zelndia),
sobre a doao de corpos e uso de cadveres para o ensino e a pesquisa naquela instituio,
Cornwall e Stringer (2009) relataram que o programa oficial de doao estabelecido em 1943,
permite o recebimento de mais de 40 cadveres por ano. Alm do curso mdico, esses corpos
vm sendo utilizados em outros nove cursos oferecidos pela universidade, muitos deles em
especialidades da medicina, promovendo uma melhor abordagem sobre a Anatomia clnica,
baseada em evidncias. Concluram que essa avaliao de mais de um sculo na educao
anatmica daquela Universidade, reala utilidade de um programa de doao vigoroso, e a
abrangncia alcanada de estudantes e profissionais de sade que interagem com essa fonte
preciosa de material humano para seus estudos.
Admitindo que a Anatomia constitui-se em um dos alicerces do currculo mdico, e
que no pode ser praticada sem a obteno adequada de cadveres, o que se constitui em
um desafio para as escolas mdicas com um nmero elevado de estudantes, Stimec, Draskic e
Fasel (2010) descrevem a situao dos programas de doao na Srvia, um pas que fornece
pouca informao aos indivduos sobre o assunto, e que no possui uma legislao adequada.
Em vista dessa situao, os autores elaboraram procedimento na lei de sade, cujos principais
objetivos foram: a identificao das opes para a obteno de cadveres (programas de
doao, corpos no reclamados, e corpos com a permisso de parentes); definio da
responsabilidade das instituies em informarem as escolas mdicas sobre a possvel
candidatura aquisio; procedimentos de armazenamento dos corpos; confidncia sobre a
identificao, e sepultamento do falecido aps a utilizao nos estudos anatmicos.
Concluram estarem convencidos que o programa de doao de corpos com o
estabelecimento de legislao prpria a soluo definitiva, e que a utilizao de corpos no
Reviso da Literatura 40
reclamados deve ser mantida como uma soluo provisria, at que seja atingido um nvel
satisfatrio de conscientizao pblica sobre o problema.
Ao analisar os 2.357 doadores potenciais e as 1.363 pessoas falecidas registradas na
Universidade de Groningen (Holanda), Wijbenga et al. (2010) verificaram que 29% das
pessoas cadastradas entre 2003 e 2008 (sendo 155 homens e 85 mulheres) faleceram em at
1 ano aps oficializarem a doao, como que tomando uma deciso de ltima hora.
Consideraram, com a metodologia empregada, ser possvel de se estabelecer um prognstico
estatstico que permita monitorar e antever a chegada dos corpos para estudo.
Na mesma Universidade de Groningen, Bolt et al. (2010) enviaram questionrios a 996
pessoas envolvidas no programa de doao, com perguntas focando os motivos da doao, e
as caractersticas sociais dos doadores. Responderam ao questionrio 76% dos entrevistados,
sendo 98% holandeses (com 79% no afiliados a igrejas), 25% profissionais da rea de sade e
11% envolvidos em educao. Descreveram 3 fatores que motivaram a doao: o desejo de
ser til aps a morte; a atitude negativa frente aos funerais, e a expresso de gratido. Apesar
da recesso econmica naquele Pas, somente 8% alegaram motivos financeiros para
realizarem a doao.
Com o objetivo de determinar se ocorreram mudanas no perfil dos indivduos que
legaram seus corpos para a Otago Medical School (OTM), McClea e Stringer (2010)
selecionaram, de forma aleatria, 200 doadores que registraram sua inteno de doao,
entre os anos de 2000 e 2009 e enviaram um questionrio solicitando, entre outras,
informaes sobre idade, sexo, estado civil, profisso, motivo para a doao e deciso para a
escolha do doar o corpo inteiro. Responderam 140 indivduos (70% da amostra), com a
maioria apresentando idade acima de 50 anos, poucos profissionais da rea de sade
(nenhum mdico), aproximadamente 40% oriundos de famlias de doadores, e 90%
afirmando que a principal razo para a doao do corpo era a de auxiliar ao ensino e
pesquisa. Concluram que a OTM ainda depende da doao altrusta de corpos para ensino e
pesquisa, e que os doadores esto mais bem informados sobre a utilizao de seus corpos
pela Faculdade.
OBJETIVOS
Objetivos 42
3 OBJETIVOS
3.1 OBJETIVO GERAL
Estabelecer procedimentos que permitam desenvolver, oficializar e
institucionalizar o programa de doao voluntria de corpos para
Estudo Anatmico (pdvcea), do Departamento de Anatomia do Instituto de Cincias
Biomdicas da Universidade de So Paulo (DA-ICB/USP).
3.2 OBJETIVOS ESPECFICOS
a) Colher asinformaes sobre o conhecimento e a opinio de anatomistas e leigos,
quanto doao voluntria de corpos para Estudo Anatmico;
b) Obter dados de leigos e de profissionais mdicos que atestem a importncia da
disciplina e da disseco de cadveres em suas respectivas especialidades;
c) Legalizar, em mbito Estadual, os trmites para a emisso da Certido de bito
relativos aos corpos destinados pdvcea;
d) Elaborar o fluxograma do pdvcea;
e) Divulgar, no mbito da universidade e da sociedade em geral, atravs de diferentes
canais de veiculao, o pdvcea do DA-ICB/USP;
f) Adquirir jazigo prprio do DA-ICB/USP para servir de local prtica de reverncias por
familiares e amigos em memria dos doadores.
CASUSTICA
Casustica 44
4 CASUSTICA
4.1 ELABORAO DE QUESTIONRIO PARA A AVALIAO DO CONHECIMENTO E A OPINIO
SOBRE A DOAO VOLUNTRIA DE CORPOS
O presente questionrio foi formulado com o objetivo de levantar e identificar,
atravs de um plano exploratrio, o conhecimento do tema doao voluntria de corpos,
bem como as razes que levariam os participantes a serem Doadores ou no Doadores. A
inteno foi a de estabelecer um primeiro contato, restringindo interpretaes com a
problemtica da doao de corpos. O questionrio foi criado a partir da coleta de dvidas e
explanaes comuns quando se aborda o assunto em questo, em conversas informais da
autora com pblicos diferentes. Formado por doze itens interrogativos, o mesmo contemplou
informaes scio-demogrficas (idade, sexo, profisso, religio e grau de escolaridade); o
conhecimento e a atitude frente ao tema, e os motivos que podem levar o indivduo a doar
ou no o prprio corpo para Estudo Anatmico (Apndice A).
4.1.1 Amostra
Foram constitudos dois grupos, sendo um de profissionais Anatomistas e outro, de
alunos Primeiranistas.
4.1.1.1. Anatomistas
Esse grupo foi formado por 424 indivduos participantes do XXIV Congresso Brasileiro
de Anatomia (CBA), realizado no perodo de 09 a 13 de outubro de 2010, na Cidade de
Ribeiro Preto, SP.
Casustica 45
4.1.1.2 Alunos Primeiranistas
O grupo de alunos foi formado por 630 calouros dos cursos de Medicina, Terapia
Ocupacional, Educao Fsica, Fisioterapia, Odontologia, Nutrio, Farmcia e Bioqumica,
Fonoaudiologia da USP, e do curso de Educao Fsica da Universidade Paulista (UNIP).
4.1.2 Procedimento
O questionrio foi respondido individualmente com tempo mdio de 5 minutos, sem
identificao pessoal. No XXIV-CBA, com a autorizao cedida pelo presidente do congresso.
Assim que o congressista adentrava ao anfiteatro de convenes, foi entregue uma folha
impressa, sem qualquer explicao oral, que era recolhida ao final do expediente do
Congresso.
Para os calouros, mediante autorizao do professor responsvel pelo curso, o
questionrio foi entregue na primeira aula de Anatomia do primeiro ano do curso, antes
mesmo que houvesse apresentao do docente e da disciplina. O tempo mdio para resposta
foi de 5 minutos, sendo o questionrio recolhido aps esse perodo sem qualquer explicao
sobre o assunto, justamente para no haver induo na resposta.
Para os dois grupos, considerou-se vlido o questionrio respondido por completo.
4.2 ELABORAO DE QUESTIONRIOS PARA A AVALIAO DO CONHECIMENTO E A
OPINIO SOBRE A IMPORTNCIA DA DISSECO PARA A PRTICA PROFISSIONAL
Com o intuito de coletar e analisar, atravs de um plano exploratrio, a
importncia da disciplina Anatomia, bem como da prtica da disseco na atuao
profissional mdica, elaborou-se dois questionrios, sendo o primeiro especfico para
profissionais mdicos, e o segundo, aberto populao em geral.
Casustica 46
4.2.1 Profissionais Mdicos
O questionrio foi criado a partir de informaes colhidas junto ao laboratrio do DA-
ICB/USP, sobre a falta de cadveres para o ensino da Anatomia Humana, e a importncia da
disseco para a formao mdica. Com catorze itens interrogativos, o mesmo contemplou,
alm dos itens anteriormente descritos, informaes scio-demogrficas (idade, sexo,
profisso, religio e grau de escolaridade), e a crescente substituio do material cadavrico
por animais e materiais sintticos e tecnolgicos nas diferentes Universidades (Apndice B).
4.2.1.1 Amostra
O questionrio foi enviado, via correios, para mil profissionais Mdicos
cirurgies com dados pessoais includos no site do Conselho Regional de Medicina
(www.cremesp.org.br).
4.2.1.2 Procedimento
Atravs dos dados pessoais e de endereo dos mdicos cirurgies, agrupados por
especialidades mdicas, os mesmos foram contatados por telefonemas em seus respectivos
consultrios, com prvia apresentao, para a confirmao do endereo completo e
consequente envio da correspondncia em envelope padronizado, com o timbre oficial do
ICB/USP.
O contedo da mesma era composto pelo questionrio; pelo Termo De
Consentimento Livre e Esclarecido elaborado a partir das regras do Comit de tica em
Humanos do ICB (Apndice C), e um envelope pr-pago, com o endereo do destinatrio
Casustica 47
colado em etiqueta, para a devoluo sem identificao - do questionrio respondido, sem
custos ao voluntrio.
Considerou-se vlido o questionrio respondido por completo.
4.2.2 Populao em Geral
Neste questionrio, foram elaboradas trs perguntas a fim de se obter a opinio
quanto confiana da populao frente formao acadmica do profissional mdico
cirurgio (Apndice D).
4.2.2.1 Procedimento
Utilizou-se o site www.surveymonkey.com , especfico para a criao de pesquisas, as
perguntas foram enviadas aos destinatrios da lista de contato da autora, solicitou-se,
tambm, aos entrevistados que o encaminhasse para seus contatos. As questes ficaram
disponveis para respostas por um perodo de trinta dias.
4.3 ANLISE DOS RESULTADOS
Os resultados obtidos nos itens 3.1 e 3.2 foram tabulados e, quando necessrio,
cruzados com a aplicao do teste Qui-quadrado (ZAR, 1984).
Casustica 48
4.4 ELABORAO DO PROGRAMA DE DOAO VOLUNTRIA DE CORPOS PARA ESTUDO
ANATMICO: O PDVCEA DO DA-ICB/USP
Com o objetivo de desenvolver, instaurar e divulgar Programa de Doao
Voluntria de Corpos para Estudo Anatmico que pudesse atender s necessidades do DA-
ICB/USP, foram coletados e avaliados diferentes aspectos, descritos nos itens a seguir.
4.4.1 Leis que regem a destinao de corpos para estudo em anatomia humana
No caso especfico dos corpos utilizados para o estudo da Anatomia Humana no
ICB/USP, at os dias atuais, os mesmos so de indivduos no reclamados (indigentes), e
provenientes do Servio de Verificao de bitos da Capital (SVOC). A fim de receber esse
material, o DA-ICB/USP cumpre as determinaes descritas na Lei Federal n. 8501/92 e no
Provimento n. 16/97, da Corregedoria Geral da Justia do Estado de So Paulo (Anexos A e B).
As 10 etapas correspondentes a esse processo, aprovada pelo Conselho de
Departamento em 23/02/2012, e que envolvem desde a obteno de Boletim de Ocorrncia
at a Lavratura do Atestado de bito, esto expressas no anexo C.
4.4.2 Programas em execuo de doao voluntria de corpos.
Durante o I e o II Encontro Internacional de Ensino em Anatomia realizados pelo DA-
ICB/USP, respectivamente entre os dias 08 a 13/03/2010 e 25 a 27/07/2011 na Cidade
Universitria Armando de Salles Oliveira da USP, e durante o XXIV Congresso Brasileiro de
Anatomia, realizado pela Sociedade Brasileira de Anatomia (SBA), no perodo de 09 a
13/10/2010, no centro de convenes de Ribeiro Preto, foram discutidos os programas e/ou
procedimentos para a Doao Voluntria de Corpos para Estudo Anatmico. Dentre eles, os
existentes nos Departamentos de Anatomia das Universidades Federais de Minas Gerais,
Casustica 49
Pernambuco, So Paulo e de Cincias e Sade de Porto Alegre; Vanderbilt University Medical
Center (Tennessee- EUA); Mont Sinai School of Medicine (Nova Iorque- EUA); Mayo Clinic
(Minnesota- EUA) e University of Toledo (Toledo- Ohio- EUA).
4.4.3 Consulta s agncias funerrias do Municpio de So Paulo, sobre a Doao Voluntria de
Corpos para Estudo Anatmico.
Durante todo o ms de fevereiro de 2010, a fim de obter informaes relativas ao
tema, foram contatadas via telefone, todas as agncias funerrias da cidade de So Paulo,
sendo que das treze existentes, apenas nove atenderam. Na oportunidade, informava-se
inicialmente ao atendente o falecimento de um familiar que, em vida, havia disponibilizado o
seu corpo para estudo em universidade, e questionava-se qual(is) procedimento(s)
deveria(m) ser tomado(s), uma vez que a seguinte documentao pertinente j se encontrava
em seu poder: atestado de bito, documento da inteno de doao (devidamente escrito,
assinado e com firma reconhecida em cartrio perante trs testemunhas), e o termo da
universidade assinado por representante legal, afirmando estar a mesma habilitada a receber
o corpo. Em seguida, procedia-se aos seguintes questionamentos: onde deveria ser registrado
o bito; se o velrio poderia ser suprimido; como o corpo seria transportado e, finalmente,
quais os custos envolvidos.
4.5 IMPLEMENTAO DO PDVCEA DO DA-ICB/USP
O pdvcea do DA-ICB/USP foi ento elaborado a partir das informaes obtidas nos
itens 3.4.1; 3.4.2 e 3.4.3, acrescidas pela colaborao inestimvel da Sra. Claudete Rodrigues
de Souza, representante da Associao Registral das Pessoas Naturais (ARPREN) no Servio
Funerrio do Municpio de So Paulo, com experincia de 20 anos na elaborao de
documentao relacionada aos trmites legais que regem a destinao de corpos de
indivduos indigentes, para o estudo da Anatomia.
Casustica 50
Desta forma, foram preparados os seguintes documentos:
a) Cartilha de esclarecimentos sobre o pdvcea do ICB/USP (Apndice E);
b) Termo de Declarao de Vontade e Testemunho de Doao Voluntria de Corpos para
Estudo Anatmico (Apndice F);
c) Formulrio de Registro do Doador Voluntrio de Corpos para Estudo Anatmico
(Apndice G);
d) Termo de Aptido (Apndice H);
e) Termo de Recebimento (Apndice I);
f) Fluxograma do pdvcea (Apndice J);
g) Procedimentos do DA-ICB/USP, para a Doao Voluntria de Corpos para Estudo
Anatmico (Apndice L).
RESULTADOS
Resultados 52
5 RESULTADOS
5.1 AVALIAO DO CONHECIMENTO E A OPINIO SOBRE A DOAO VOLUNTRIA DE
CORPOS PARA ESTUDO ANATMICO
Os dados scio-demogrficos referentes s avaliaes realizadas com os Anatomistas
e Primeiranistas esto expressos, em porcentagens, nas tabelas de 1 a 5 a seguir.
Tabela 1 Idade dos Anatomistas e Primeiranistas - dados obtidos durante pesquisa entre outubro de 2010 a fevereiro de 2011
Idade Anatomistas (%) Primeiranistas (%)
17-21 anos: 20,8 80
22-30 anos: 42 17
Acima 31 anos 37,2 3
Total 100 100
Tabela 2 Sexo dos Anatomistas e Primeiranistas - dados obtidos durante pesquisa entre outubro de 2010 a
fevereiro de 2011
Sexo Anatomistas (%) Primeiranistas (%)
Feminino 49,3 57
Masculino 50,7 43
Total 100 100
Tabela 3 Estado Civil dos Anatomistas e Primeiranistas - dados obtidos durante pesquisa entre outubro de
2010 a fevereiro de 2011
Estado Civil Anatomistas (%) Primeiranistas (%)
Casado 26,7 2
Solteiro 67,1 97
Outros 6,2 1
Total 100 100
Resultados 53
Tabela 4 Escolaridade dos Anatomistas e Primeiranistas - dados obtidos durante pesquisa entre outubro de
2010 a fevereiro de 2011
Escolaridade Anatomistas (%) Primeiranistas (%)
Ensino Mdio 17,7 85,5
Superior 35,1 13,8
Ps-graduao 47,2 0,7
Total 100 100
Tabela 5 Idade dos Anatomistas e Primeiranistas - dados obtidos durante pesquisa entre outubro de 2010 a
fevereiro de 2011
Religio Anatomistas (%) Primeiranistas (%)
Catlico 68,4 66,2
Esprita 14,6 8,1
Evanglico/Protestante 10,1 11,5
Agnstico/Ateu 3,7 9,8
Outros 3,2 4,5
Total 100 100
De maneira geral, em ambos os grupos, houve um predomnio de indivduos jovens
com menos de 30 anos (62,8% Anatomistas; 97% Primeiranistas). Relativamente ao estado
civil, a predominncia foi de indivduos solteiros (67,1% Anatomistas; 97% Primeiranistas),
enquanto que o grau de escolaridade dos entrevistados demonstrou uma predominncia de
formao em curso superior e de psgraduao para os Anatomistas (82,3%), enquanto que
nos Primeiranistas, o predominou o curso mdio (85,5). A maioria dos entrevistados era de
religio catlica, sendo 68,4% dos Anatomistas, e 66,2% dos Primeiranistas. Quanto ao sexo
no foram detectadas diferenas nos grupos avaliados.
Nas tabelas 6 a 9 esto inseridos, em porcentagem, os dados relativos doao de
corpos para o estudo da Anatomia.
Resultados 54
Tabela 6 Conhecimento sobre doao de corpo entre os Anatomistas e Primeiranistas - dados obtidos durante pesquisa entre outubro de 2010 a fevereiro de 2011
Voc j ouviu falar sobre doao de corpo para o estudo da Anatomia?
Anatomistas (%) Primeiranistas (%)
Sim 95,7 77
No 4,3 23
Total 100 100
Tabela 7 Opinio sobre doao do prprio corpo entre os Anatomistas e Primeiranistas - dados obtidos
durante pesquisa entre outubro de 2010 a fevereiro de 2011
Voc doaria seu corpo para o estudo da Anatomia?
Anatomistas (%) Primeiranistas (%)
Sim 34,2 24,9
No 30,7 28,4
No tenho opinio formada 35,1 46,7
Total 100 100
Tabela 8 Conhecimento dos procedimentos necessrios para a doao de corpo entre os Anatomistas e
Primeiranistas - dados obtidos durante pesquisa entre outubro de 2010 a fevereiro de 2011
Voc conhece quais os procedimentos e documentos necessrios para a doao voluntria de corpo para o Estudo Anatmico?
Anatomistas (%) Primeiranistas (%)
Sim 31,4 1,3
No 68,6 98,7
Total 100 100
Resultados 55
Tabela 9 Realizao dos procedimentos necessrios para a doao de corpo entre os Anatomistas e Primeiranistas - dados obtidos durante pesquisa entre outubro de 2010 a fevereiro de 2011
Voc j realizou os procedimentos (documentos preenchidos, com testemunha, assinados em cartrio e entregues universidade), para que o seu corpo, aps seu falecimento, seja conduzido aos estudos?
Anatomistas (%) Primeiranistas (%)
Sim 2,4 0,3
No 97,6 99,7
Total 100 100
Pela anlise da tabela 6, verificou-se que a quase totalidade dos Anatomistas e 3/4 dos
Primeiranistas j ouviram falar sobre doao de corpos. Quando questionados se doariam
seus corpos para estudo, o que se observou em ambos os grupos foi um equilbrio entre as
possveis alternativas, ou seja, cerca de 1/3 para cada uma delas. A grande maioria dos
participantes, de ambos os grupos, demonstrou no conhecer os procedimentos, nem
tampouco realizou os procedimentos necessrios para a efetivao da doao.
Sobre a questo Voc doaria seu corpo para o estudo da Anatomia?, nas tabelas 10 e
11 encontram-se expressos em porcentagem, os resultados relativos aos motivos pelos quais,
respectivamente, doariam/ no tenho opinio formada ou no doariam/ no tenho opinio
formada.
Resultados 56
Tabela 10 Dados da pesquisa sobre os motivos doao/no tenho opinio formada entre os Anatomistas e Primeiranistas - obtidos durante pesquisa entre outubro de 2010 a fevereiro de 2011
Anatomistas Primeiranistas
Para contribuir para o avano da educao na rea da sade
47,2 55,9
Para ajudar o prximo a ser um profissional melhor qualificado
31,8 28,1
Conheo a necessidade deste material nos laboratrios de Anatomia
46,9 24,1
Sou contra enterro/cremao ou outros
1,4 1,4
Serei til mesmo aps o meu falecimento
22,9 23,5
Sou sozinho (a)/ no tenho parentes
0,7 0
Em agradecimento cincia
13 11
Outros 2 2,2
Entre os Anatomistas, avaliando-se os resultados do primeiro quesito (47,2%),
possvel inferir que o altrusmo ocupa posio de destaque, reiterado pelo segundo (31,8%) e
terceiro (46,9%) quesitos, reforado, ainda, pelo resultado do quarto quesito (1,4%), uma vez
que ser contra enterro/ cremao, no configura motivo para a doao.
Mesmo tendo sido verificada uma menor porcentagem relativa aos quesitos 2 (28,1%)
e 3 (24,1%), nota-se que entre os Primeiranistas uma tendncia ao altrusmo, apontada pelo
quesito 1 (55,9%).
Resultados 57
Tabela 11 Dados da pesquisa sobre os motivos no doao/no tenho opinio formada entre os Anatomistas e Primeiranistas - obtidos durante pesquisa entre outubro de 2010 a fevereiro de 2011
Anatomistas Primeiranistas
Familiares no aceitariam
22,4 23,8
Despreparo da academia em receber o cadver
13,7 3,2
Vergonha em ser reconhecido
5,9 7,5
Quero ser enterrado/cremado ou outros
21,9 33,5
Motivos religiosos
5,7 5,9
Desconhecimento das tcnicas anatmicas de estudo
1,4 11,3
Outros 10,4 7,6
Ao se avaliar os dados da tabela 11, verifica-se que, tanto para os Anatomistas, como
para os Primeiranistas, os quesitos 1 (22,4%; 23,8%) e 4 (21,9%; 33,5%) so os principais
fatores que justificam a no doao. Cumpre ressaltar, a baixa porcentagem por motivos
religiosos.
5.2 AVALIAO DO CONHECIMENTO E A OPINIO SOBRE A IMPORTNCIA DA DISSECO
PARA A PRTICA PROFISSIONAL
Das 1000 correspondncias enviadas, somente 163 retornaram, ou seja, 16,3%.
Relativamente idade, os mdicos exibiram uma mdia de 51,1 10,7 (variando de 30 a 85
anos). Destas, 81,6% eram de profissionais do sexo masculino, e 18,4%, do sexo feminino,
com diferentes especialidades cirrgicas (65,6%) e clnicas (34,4% ).
Nas tabelas 12 a 14, so considerados aspectos pertinentes Anatomia e disseco.
Resultados 58
Tabela 12 Conhecimento Anatmico e Disseco de Cadveres entre os Mdicos - dados obtidos durante pesquisa entre julho 2012 a outubro 2012
Voc considera o conhecimento
Anatmico o alicerce para a sua atuao
profissional?
Voc considera importante a disseco em cadveres e/ou peas cadavricas para a
aquisio do conhecimento Anatmico/Cirrgico?
Sim 97,5 100
No 2,5 0
Total 100 100
Tabela 13 Disseco durante Graduao e Ps Graduao entre os Mdicos - dados obtidos durante pesquisa
entre julho 2012 a outubro 2012
A disseco de cadveres e/ou peas
cadavricas constou do currculo da
disciplina de Anatomia Humana durante
o seu curso de graduao?
A prtica da disseco fez parte da sua Ps-graduao (Especializao, Residncia,
Mestrado, Doutorado...)?
Sim 96,9 58
No 3,1 42
Total 100 100
Tabela 14 Nmeros de cadveres e a disseco entre os Mdicos - dados obtidos durante pesquisa entre julho
2012 a outubro 2012
O nmero de cadveres e/ou peas cadavricas que voc dissecou, foi
suficiente para a sua formao profissional?
A disseco anatmica em cursos preparatrios foi fundamental para a sua formao enquanto
cirurgio?
Sim 82,8 87,3
No 17,8 12,7
Total 100 100
Na tabela 12, nota-se que a grande maioria considera o conhecimento Anatmico
como alicerce para a atuao profissional, bem como a importncia da disseco para a
aquisio do conhecimento Anatmico.
Em quase 100% da populao analisada, a disseco caracterizou-se como prtica
comum nos laboratrios de Anatomia durante a graduao, fato no observado durante os
cursos de Ps-Graduao (Tabela 13). Quando argidos se o nmero de cadveres dissecados
foi suficiente, e se a disseco foi fundamental para a formao enquanto cirurgies, a grande
maioria confirmou positivamente a questo (Tabela 14).
Resultados 59
As respostas sobre a utilizao de material sinttico e de animais para treinamento e
substituio do material humano, so observadas nas tabelas 15 e 16.
Tabela 15 Treino de tcnicas manuais em cadveres, materiais sintticos e animais entre os Mdicos - dados obtidos durante pesquisa entre julho 2012 a outubro 2012
Voc treinou suas habilidades manuais de tcnicas cirrgicas
(novas ou consagradas) previamente em cadveres,
antes de execut-las em seus pacientes?
Voc faz uso de materiais sintticos e de tecnologias de
imagem para obter conhecimento Anatmico e cirrgico, bem como treinar suas habilidades manuais?
Voc faz uso de animais para obter conhecimento
Anatmico e cirrgico, bem como treinar suas habilidades
manuais?
Sim 60,4 56,2 64,8
No 39,6 43,8 35,2
Total 100 100 100
Tabela 16 Substituio de material cadavrico por animais e sintticos entre os Mdicos - dados obtidos
durante pesquisa entre julho 2012 a outubro 2012
Voc acredita que a prtica em animais (como ces, porcos, etc.), retrata bem os aspectos relativos Anatomia/|Cirurgia, podendo
estes substituir os cadveres humanos?
Voc acredita que o corpo humano ou partes dele reproduzidos em materiais sintticos
(bonecos, membros, vsceras, etc.) e tecnologias de imagem (ultrassom, ressonncia magntica, tomografia computadorizada, etc.), retratam bem a Anatomia Humana, podendo
substituir os cadveres humanos?
Sim 12,4 8,6
No 82,1 78,5
No tenho opinio formada
5,6 12,9
Total 100 100
Em linhas gerais, quando se analisa os dados da tabela 15, cerca de 2/3 da populao
analisada treinaram as habilidades manuais em cadveres humanos e animais, enquanto
56,2% se utilizaram de materiais sintticos.
Como demonstrado na tabela 16, a maior parte dos entrevistados afirmou que no
possvel a substituio do material humano por animais, tampouco por materiais sintticos.
Os dados referentes ao questionrio disponibilizado via online por um perodo de 30
dias e respondido por 845 indivduos, contendo trs perguntas sobre a opinio da populao
Resultados 60
geral frente confiana no profissional cirurgio, esto expressos em porcentagem na tabela
17.
Tabela 17 Confiana da populao frente a formao do mdico - dados obtidos durante pesquisa entre dezembro 2012 a janeiro 2013
Supondo que voc ou um ente querido necessite realizar uma
cirurgia, voc confiaria no mdico cirurgio se o mesmo
afirmasse que no estudou atravs de cadveres, mas
apenas em bonecos plsticos?
Supondo que voc ou um ente querido necessite realizar uma
cirurgia, voc confiaria no mdico cirurgio se o mesmo
afirmasse que no estudou atravs de cadveres, mas
apenas em animais?
Supondo que voc ou um ente querido necessite realizar uma
cirurgia, voc confiaria no mdico cirurgio se o mesmo
afirmasse que no estudou atravs de cadveres
humanos?
Sim 8,5 8,9 96,1
No 91,5 91,1 3,9
Total 100 100 100
Os resultados no deixam dvidas que, para a grande maioria da sociedade (96,1%), a
confiana no mdico cirurgio est intimamente associada ao estudo do profissional em
cadveres humanos.
5.3 ELABORAO DO PROGRAMA DE DOAO VOLUNTRIA DE CORPOS PARA ESTUDO
ANATMICO (pdvcea)
Sobre as leis que regem a destinao de corpos para estudo em Anatomia Humana,
encontra-se em vigor desde 1992 a lei 8501/92, que prev a destinao de cadveres de
indigentes. Em 2002 foi aprovado o artigo 14 da lei 10406/2002 (Anexo D) do Cdigo Civil
Brasileiro, que afirma ser vlida, com objetivo cientfico ou altrustico, a disposio gratuita
do prprio corpo, no todo ou em parte para depois da morte. O ato de disposio pode ser
livremente revogado a qualquer tempo. Com a criao da mesma, tornou-se vivel a doao
voluntria de corpo para estudos no Brasil, ato sacramentado desde 1968 em diversos
centros de ensino dos Estados Unidos.
Como consequncia da melhoria da qualidade de vida de nossa populao e,
principalmente, da evoluo dos meios de comunicao atravs de telefones mveis,
internet, sites de relacionamento, o fluxo de cadveres advindos do SVOC/SP tem diminudo
Resultados 61
substancialmente a cada ano, o que compromete diretamente a qualidade do ensino da
Anatomia Humana. Tal fato, detectado h tempos, j havia sido observada anteriormente nos
EUA, que procuraram sanar o problema poca, com a criao de campanhas de doao
voluntria.
Atreladas lei 10406/2002, as Universidades Federais de Minas Gerais (UFMG) e de
Cincias e Sade de Porto Alegre (UFCSPA), criaram oficialmente um Programa Voluntria de
Doao de Corpos para Estudo Anatmico, adaptando-o s normas vigentes em seus
respectivos municpios.
A criao do pdvcea- do DA- ICB/US
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