TIC E EXPERIÊNCIA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Felipe Gustsack - UNISC
Joice Nunes Lanzarini - UNISC
Dóris Maria Fiss Luzzardi - UFRGS
Resumo
O estudo que apresentamos decorre de esforço em constituir um conjunto de referências
teóricas em que procuramos destacar a experiência com as Tecnologias de Informação e
Comunicação – TIC na formação de professores como estratégia necessária à inserção
qualificada destas na escola. Buscamos compreender as TIC como instrumentos, mas
também como linguagem, extensão do humano que transcende a linearidade no
processo educativo. Essa compreensão permite aproximar a concepção de experiência
(LARROSA, 2002) das de aprendizagem e de educação como processos autopoiéticos
(MATURANA e VARELA, 1990). Tomamos como apoio as reflexões apresentadas nas
três últimas edições do Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino - ENDIPE
(2008, 2010 e 2012), destacando os vínculos desses estudos com a temática formação de
professores. Trata-se de estudo inicial, que não visa destacar dados quantitativos, mas
relações entre experiências com as TIC (MORAN, 2012) por professores em formação,
destacando concepções de experiência, de educação, de aprendizagem e das próprias
TIC (MORAES, 1996). A metodologia é de perfil bibliográfico com abordagem
exploratória (GIL, 2008). A primeira característica define-se pelo tratamento dos artigos
e livros que vimos estudando, mas também com os trabalhos científicos apresentados no
ENDIPE em suas três últimas edições. Já a abordagem exploratória configura-se, ainda
que de modo não exaustivo, na exploração do tema, bem como nas respectivas
concepções, na seleção e leituras dos textos dos respectivos anais deste evento
científico, mapeando possíveis tendências de estudo. Os achados apontam um amplo
leque de abordagens teóricas tanto no trabalho com as TIC, quanto nas concepções
destas e da educação em si. O debate que vincula experiências dos professores em
formação à inserção das tecnologias nas escolas tem se intensificado, ainda que o
conceito de experiência, associado ao de prática pedagógica, remeta ao caráter
instrumental das respectivas concepções.
Palavras-chave: TIC, formação de professores, experiência.
1 Apresentação
O texto que apresentamos se insere no debate em torno fato de que as tecnologias
por si só não garantem transformações significativas no sucesso das aprendizagens dos
alunos, mas sua inserção em sala de aula é uma realidade sem volta, e requer constantes
reflexões por parte dos educadores, especialmente quanto a sua formação. Neste
sentido, investigamos a produção de reflexões, apresentadas na forma de painéis, nas
três últimas edições do Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino - ENDIPE
(2008, 2010 e 2012), destacando os vínculos desses estudos especificamente com a
temática formação de professores. Trata-se de um estudo exploratório, cuja intenção não
é destacar, nessas trajetórias de pesquisas e reflexões, os dados quantitativos, mas a
busca das relações entre a formação de professores e suas experiências de apropriação
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das TIC como estratégia que lhes possibilite, na condição de futuros profissionais, a sua
inserção qualificada na escola, com vistas a uma ação pedagógica para a melhor
aprendizagem de seus alunos, apontando possíveis tendências.
O estudo que realizamos segue a metodologia de uma pesquisa bibliográfica com
abordagem exploratória (GIL, 2008). A primeira característica tem a ver com o
tratamento dispensado para os artigos e livros que vimos estudando e que constituíram a
fundamentação teórica deste artigo, mas também com os trabalhos científicos
apresentados no ENDIPE dos últimos três anos. Já a abordagem exploratória configura-
se, ainda que em sua fase inicial e não exaustiva, na exploração do tema „formação de
professores‟ em sua associação com as TIC, que procuramos realizar na seleção e
leituras dos textos encontrados nos respectivos anais deste evento científico, procurando
mapear possíveis tendências de estudo. Assim, nosso texto está dividido em três partes,
sendo esta apresentação a primeira delas, na qual problematizamos a inserção das
tecnologias na escola e suas relações com a formação de professores. Na segunda parte
tecemos esforços no sentido de aproximar os conceitos de formação de professores, TIC
e experiência. A terceira parte, seguida das considerações finais, é dedicada mais para a
discussão das possíveis tendências de estudo quanto ao tema da inserção das tecnologias
na escola e a formação de professores, considerando as experiências com TIC
vivenciadas em sua formação.
2 Problematizando experiência, TIC e formação professores
Um dos desafios que se apresenta hoje no campo das Tecnologias na Educação
diz respeito a como modificar o processo de ensino-aprendizagem introduzindo
estratégias inovadoras com as TIC, tanto em ambientes presenciais como a distância. Os
cursos a distância, mediados pela TIC, podem reproduzir o mesmo modelo de educação
que vem sendo criticado por diversas correntes pedagógicas, apenas travestindo-se de
inovadores. São cursos que privilegiam os aspectos informativos e instrutivos, em
detrimento dos aspectos construtivos, criativos, reflexivos e cooperativos relacionados
aos processos de aprendizagem. Nas palavras de Araújo (2007, p. 517), referindo-se aos
modelos instrutivos de EAD:
Esses trabalhos vêm sendo planejados a partir de enfoque centralizado, sem
considerar o contexto, sem envolvimento por parte dos alunos, voltado para o
atendimento de uma massa amorfa, homogeneizada, desconsiderando as
diferenças. A atuação dos alunos restringe-se apenas a virar páginas
eletrônicas e a responder exercícios mecânicos, sem maior compreensão do
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que está sendo estudado. De modo geral, esses trabalhos sustentam-se em
aulas expositivas.
Embora o foco dos nossos estudos não esteja na Educação a Distância, temos
percebido, no decorrer de nossos estudos e pesquisas, que a grande problemática da
introdução das TIC, tanto na EaD como na escola, está focada, principalmente, em dois
aspectos: 1) Na forma de apropriação da tecnologia por parte dos professores que
precisa ir além da aprendizagem instrumental e compreender como esta tecnologia pode
potencializar a aprendizagem e como a sua incorporação modifica a maneira de ensinar
e aprender e 2) No modelo pedagógico que está sendo utilizado que, apesar de
incorporar características que os livros não possuem, continua perpetuando o velho
ensino, a partir de uma versão tecnológica visualmente mais agradável. Conforme
Moraes (1996, p. 58):
O fato de integrar imagens, textos, sons, animação e mesmo a interligação de
informações em sequências não-lineares, como as atualmente utilizadas na
multimídia e hipermídia, não nos dá a garantia de boa qualidade pedagógica e
de uma nova abordagem educacional. Programas visualmente agradáveis,
bonitos e até criativos, podem continuar representando o paradigma
instrucionista, ao colocar no recurso tecnológico uma série de informações a
ser repassada ao aluno. E assim, continuávamos preservando e expandindo a
velha forma com que fomos educados, sem refletir sobre o significado de
uma nova prática pedagógica utilizando esses novos instrumentos.
Para Moraes (1996), o motivo pelo qual as coisas não mudam na área educacional
pode ser explicado pelas dificuldades enfrentadas por aqueles que nela atuam, ao
tentarem se adaptar a uma nova cultura de trabalho que requer uma profunda revisão da
maneira de ensinar e aprender.
Essa nova cultura exige compreender as tecnologias com uma concepção que
transcenda a linearidade do processo educativo e que permita ver a educação como um
processo autopoiéticoi, de fluxos e interconexões, um processo de criação, colaboração
e autonomia. Afinal, durante as últimas duas décadas, temos vivenciado mudanças
significativas nas diferentes esferas da sociedade: no trabalho, nos relacionamentos, no
lazer, nas comunicações, etc. Todas estas alterações são decorrentes das inovações
tecnológicas digitais que se inserem na vida social com a mesma velocidade e
intensidade com que aparecem.
Para Kenski (2013), a portabilidade dos equipamentos (notebooks, tablets,
celulares) e a flexibilidade de acesso (wireless e computação nas nuvens) independente
dos locais onde as pessoas estejam, sendo garantidas por tecnologias cada vez menores,
mais leves e mais rápidas. Além disso, vale lembrar que os avanços da convergência
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digital possibilitam o acesso e uso de diferentes mídias (sons, imagens, textos) no
mesmo espaço virtual e refletem na interação das pessoas, a qualquer tempo e em
qualquer lugar.
Tais mudanças alteram nossa forma de viver. Conforme nos diz Moran (2012, p.
9):
A banda larga na internet, o celular de terceira geração, a TV digital estão
revolucionando nosso cotidiano. Cada vez mais resolvemos mais problemas,
em todas as áreas da nossa vida, de formas diferentes das anteriores.
Conectados, multiplicam-se as possibilidades de pesquisa, de comunicação
on-line, aprendizagem, compras, pagamentos e outros serviços. Estamos
caminhando para interconectar nossas cidades, tornando-as cidades digitais
integradas com as cidades físicas. Nossa vida interligará cada vez mais
situações reais e digitais, os serviços físicos e os conectados, o contato físico
e o virtual, a aprendizagem presencial e virtual. O mundo físico e virtual não
se opõem, mas se complementam, integram, combinam numa interação cada
vez maior, contínua, inseparável.
A educação de hoje, que organiza ideias, que foca no conteúdo, que busca
compreender objetivamente uma “realidade”, sempre privilegiou o racional. Precisamos
caminhar para uma educação que integre melhor o conhecimento sensorial, emocional,
intelectual e ético. Em outras palavras, é necessário investir mais no caminho das
descobertas, das conexões inesperadas, das junções, das superposições, da navegação
não linear, que ultrapasse os limites do previsível, do já aceito de antemão, de pesquisas.
Afinal, nos dias atuais o aluno não precisa ir à escola para buscar informações. Se
assim fosse, o trabalho dos professores poderia ser dispensado, pois as tecnologias da
informação e da comunicação fazem isso de forma muito melhor. O aluno vai à escola
para interpretar, relacionar, hierarquizar, contextualizar esse mundo de informações que
hoje chega até ele. A função do professor, então, é ajudar a questionar, a procurar novos
ângulos, a relativizar os dados, tirar suas conclusões.
Cabe ao professor o esforço de ultrapassar a visão de que pode ensinar tudo aos
estudantes. Afinal, “O universo de informações ampliou-se de maneira assustadora
nessas últimas décadas e portanto o eixo da ação docente precisa passar do ensinar para
enfocar no aprender e, principalmente, o aprender a aprender” (MORAN, MASETTO e
BEHRENS, 2012, p. 70). Ou seja, isto nos coloca na perspectiva de sugerir aos
professores a busca por uma prática pedagógica que supere a fragmentação e a
reprodução do conhecimento, valorizando a sala de aula como lugar de encontro dele
com seu aluno como sujeitos tecnologicamente cognoscentes: valorizando o
questionamento, a reflexão, a ação, a curiosidade, o espírito crítico. Para isso, todavia,
torna-se necessário que possamos conceber o conhecimento como algo provisório e
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relativo, preocupando-nos com a dimensão histórica da sua construção. Em outras
palavras, precisamos provocar, entre nós e nossos alunos, a interpretação do
conhecimento e não apenas sua aceitação.
Nesse sentido, pois, pensamos que as TIC podem contribuir para a emergência de
processos interativos, reflexivos e colaborativos e podem ser indutoras de práticas
pedagógicas mais dinâmicas, integradoras e complexas. Cabe lembrar que se as
tecnologias tradicionais serviam como instrumentos para aumentar o alcance dos
sentidos, as novas tecnologias da informação e da comunicação ampliam o potencial
cognitivo do ser humano, conforme nos diz Assmann (2005, p. 18):
As novas tecnologias da informação e da comunicação já não são meros
instrumentos no sentido técnico tradicional, mas feixes de propriedades
ativas. São algo tecnologicamente novo e diferente. As tecnologias
tradicionais serviam como instrumentos para aumentar o alcance dos sentidos
(braço, visão, movimento etc.). As novas tecnologias ampliam o potencial
cognitivo do ser humano (seu cérebro/mente) e possibilitam mixagens
cognitivas complexas e cooperativas.
Claro que “não podemos ser ingênuos apreciadores da tecnologia” (FREIRE,
1996, p. 97) e “pensar que a introdução das tecnologias no meio educacional é capaz,
por si mesma, de possibilitar informação, comunicação, interação, colaboração e em
consequência disso tudo, promover a aprendizagem” (MAMEDE-NEVES & DUARTE,
2008, p. 771). Mas, não podemos ignorar, segundo os autores, que:
É fato o vertiginoso aumento da velocidade na transmissão de informações; é
fato, também, a ampliação da possibilidade da comunicação entre diferentes
países e povos do planeta; e é verdade que é possível, hoje, colocar diferentes
pessoas em contato, ao mesmo tempo, rompendo barreiras geográficas e
temporais. Entretanto, os modos de interação e de colaboração que serão
estabelecidos entre essas pessoas, assim como o que elas vão fazer com essa
possibilidade de contato, não são tão óbvios e não são pré-determinados ou
mesmo controláveis; vão depender de quem está nos nós da rede que será
tecida entre elas.
Diante desse cenário, consideramos importante olhar para os cursos de formação
de professores e nos questionarmos se eles estão contribuindo para que o futuro
professor possa vivenciar situações de aprendizagem que o leve a pensar criticamente as
potencialidades e as limitações das TIC sobre os processos educacionais de forma que a
inserção destas na escola produza uma melhoria na aprendizagem dos alunos.
A formação do professor tem uma peculiaridade muito especial: ele aprende a sua
profissão em um lugar similar àquele em que vai atuar, porém numa situação invertida.
A simetria invertida, como é chamada esta situação, refere-se ao fato de que a
experiência do aluno, não apenas no curso de formação docente, mas ao longo de toda a
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sua trajetória escolar, é constitutiva, entre outras experiências, do papel que exercerá
futuramente como docente. Os professores têm crenças muito fortes sobre o que é
ensinar e aprender, muitas vezes construídas no processo de simetria invertida
vivenciado na trajetória de sua formação, não só nos cursos de licenciatura, “mas em
toda a sua história de vida escolar” (TARDIF, 2012, p. 261).
Considerando essas evidências, acreditamos que durante o processo de simetria
invertida vivenciado por futuros professores, deva existir coerência entre o que se faz na
formação e o que deles se espera como profissionais. Essa coerência, compreendida
como homologia de processos (BRASIL, 2002, p.30-31), tem como objetivo garantir o
“isomorfismo entre a formação recebida pelo professor e o tipo de educação que ele é
chamado a desenvolver” (GARCÍA, 1999, p. 29). A compreensão desse fato, nos leva
apostar na necessidade de que o futuro professor experiencie, como aluno, durante todo
o seu processo de formação, as atitudes, modelos didáticos, capacidades e modos de
organização que se pretende que venha a desempenhar nas suas práticas pedagógicas.
Aqui, não trabalhamos com a concepção de experiência posta pelo método
cartesiano (verificável, analisável, sintetizável e enumerável), mas com a experiência
que se pode entender como contextual, finita, desordenada, imprevisível, incalculável e
singular, como nos diz Larrosa (2002), em suas reflexões. A relação entre o que nos
acontece e as significações que atribuímos ao que nos afeta. Uma experiência que não é
pensada a partir da ação, mas a partir do acontecimento: não é o que passa, mas o que
nos passa, não é o que transforma, mas o que nos transforma (LARROSA, 2002).
Segundo Larrosa (2002), o termo experiência, deriva do latim experientia e
remete à prova, ensaio ou tentativa. O autor lembra a associação entre experiência e
perigo tomando por base a raiz das palavras provar (expereri) e perigo (periculum) no
idioma de origem. Porém, é a partir dos termos Erlebnis e Erfahrung, equivalentes de
experiência em alemão, que é possível compreender a ressignificação dessa palavra e
que nos ajuda a perceber sua importância na formação de professores.
Passegui (2011), ao escrever acerca da experiência em formação, explica que
“erlebnis, geralmente, é traduzida por experiência vivida ou vivência, entendida como
experiência mais imediata, pré-reflexiva e pessoal” e que erfahrung pode ser associada
“a impressões sensoriais e ao entendimento cognitivo, que integra a experiência num
todo narrativo e num processo de aprendizagem”. Na sequência, completa dizendo que a
palavra erfahrung compõe-se de farht (viagem) e pode ser associada a gefahr (perigo)
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rementendo a uma temporalidade longa e sugerindo a ideia de aventura. Com base
nessas duas noções, a autora diz que:
[...] experiência significa ter vivido os riscos do perigo, ter a eles sobrevivido
e aprendido algo no encontro com o perigo: ex, em experientia, significa
“saída de”. A associação entre viagem e perigo, como afirma Jay (2009, p.
27), ativa o vínculo entre memória e experiência e induz a crença de que “a
experiência acumulada é capaz de produzir um tipo de saber, que somente se
alcança no final da viagem” (PASSEGUI, 2011, p. 148).
Assim, compreendemos que a escola, bem como as demais instituições
educativas, é um lugar onde há muitas possibilidades de experiência, especialmente para
professores em formação. No entanto, só há acontecimento como experiência se o
professor se deixar afetar, correndo todos os riscos, encarando os perigos que isso
implica.
Pensando a experiência sob essa ótica, alunos que têm a oportunidade de
experimentar, durante seu processo de formação acadêmica, momentos em que podem
trabalhar pedagogicamente com as tecnologias, possuem maiores chances de
compreender e trabalhar futuramente com tais tecnologias, sentindo-se mais seguros em
relação à sua aplicação (GARCIA et al, 2011).
Mas, vale lembrar que não estamos falando aqui do uso de recursos audiovisuais
em sala de aula como suporte a aulas expositivas. Não falamos de vivenciar situações
onde o “quadro e o giz são substituídos por algumas transparências por vezes
tecnicamente mal elaboradas ou até maravilhosamente construídas em um Power Point
e projetadas em um Data Show” (MORAN, MASETTO e BEHRENS, 2012, p. 143).
Falamos sim de trabalhos com a tecnologia que enfatizem o processo de aprendizagem,
que se constituam de técnicas que incentivem a interação, a pesquisa, o debate, o
diálogo, que promovam a produção do conhecimento, a criticidade, que desenvolvam
saberes necessários à sua prática profissional.
Marcelo (2013) nos diz que, ainda que possamos encontrar nas escolas,
experiências inovadoras de integração das tecnologias ao conteúdo e à pedagogia, de
forma geral, o uso que se faz da tecnologia é tangencial e não integrado na prática
cotidiana dos professores. Para o autor, baseando-se em Koehler e Michra (2009), isso
acontece porque a maioria dos cursos de formação de professores não articula em seu
currículo as três dimensões necessárias para uma integração efetiva da tecnologia no
processo de ensino-aprendizagem: Tecnologia, Pedagogia e Conteúdo. Os cursos de
Licenciatura, segundo Marcelo (2013), contemplam em seus currículos os
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conhecimentos relacionados à Pedagogia (como ensinar) e ao Conteúdo (o que ensinar).
Da relação entre essas duas dimensões, surge o conhecimento didático do conteúdo, ou
seja, a forma de apresentar e formular o mesmo para fazê-lo compreensível aos alunos;
além da forma de organizar os conteúdos, os problemas que emergem e a adaptação aos
estudantes com diferentes interesses e habilidades. A dimensão tecnológica, no entanto,
por não estar contemplada nessa estrutura, é experimentada pelos futuros professores
em contextos externos à educação e isso os leva a trabalhar com as tecnologias de forma
tangencial e não integradas no cotidiano de sua formação docente.
Segundo Ramal (2002), a forma como as novas tecnologias têm sido introduzidas
na formação de professores, na maioria das vezes, não tem a preocupação de construir
um habitusii em relação à máquina e aos processos educacionais que são realizados em
articulação com ela. Simplesmente aprender a utilizar o computador não é a solução
para a incorporação adequada das TIC no espaço escolar. Essa desarticulação entre a
tecnologia, o conteúdo e a pedagogia, desencadeia falhas de três ordens no uso da
informática educativa: falha de propósito, falha de método e falha de significação.
Falha de propósito ocorre quando a tecnologia é apresentada como algo que os
professores devem simplesmente aprender. Nessa situação os professores simplesmente
aprendem a utilizar determinados programas e não são levados a descobrir o porquê de
trabalhar com determinada tecnologia e o que essa prática pode trazer de relevante para
o ensino. Dessa forma, os futuros professores aprendem a utilizar o computador como
máquina de escrever, passatempo ou pior, para (re)produzir velhos paradigmas
educacionais.
Falha de método ocorre ao introduzir as tecnologias na educação sem um estudo
acerca das capacidades cognitivas envolvidas na aprendizagem com o auxílio das novas
tecnologias e sem deixar clara a importância de se ter objetivos bem definidos para a
realização de determinadas atividades envolvendo as tecnologias. Neste sentido vale
dizer que a inclusão das TIC na escola envolve também os planos de aula, que são de
responsabilidade do educador em suas relações com colegas e alunos.
A falha de significação ocorre ao se aproximar as tecnologias dos professores pela
capacitação para o uso, quando deveria privilegiar a construção de sentidos sobre o
trabalho com a tecnologia e suas implicações no processo educativo, conferindo
experiência cultural e não só instrumental. Ao invés de simplesmente capacitá-lo para o
uso, os cursos de formação deveriam leva-los a refletir acerca do que a tecnologia pode
fazer pelas suas aulas e como o aluno aprende com determinada tecnologia.
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Essas falhas se tornam um grande problema à medida que resultam em um
trabalho desqualificado, fortalecendo os argumentos por parte de alguns profissionais da
educação como suporte ao seu ideário de resistências no processo de adesão das novas
tecnologias como recurso pedagógico essencial no ensino e na aprendizagem.
3 Possíveis tendências de estudo nos painéis do ENDIPE
Como pesquisadores das Tecnologias em suas relações com a Educação,
acreditamos que a incorporação das TIC nas escolas, associada às concepções dos
processos de ensinar e aprender podem potencializar algumas aprendizagens e
possibilitar muitas outras. Contudo, defendemos que a sua inclusão significará apenas
um novo evento na agenda da educação se essa não vier acompanhada da necessária
ressignificação dos sentidos, dos conceitos que temos das TIC, da educação e da
aprendizagem por parte de gestores e docentes, especialmente daqueles que atuam na
formação de professores e destes no seu cotidiano escolar.
A pesquisa exploratória que estamos realizando nos painéis, e respectivos textos,
apresentados nos três últimos ENDIPE (XIV, XV e XVI), em sua fase inicial, aponta
alguns aspectos a destacar no sentido de visualizar tendências e desafios da e para a
pesquisa em torno da formação de professores associada às TIC e sua inserção na
escola. No evento de 2008 encontramos vinte artigos que trataram do tema. Outros
cinco textos, que compunham os painéis, foram descartados, considerando que não são
propriamente resultados de pesquisa e tratam apenas parcialmente da formação de
professores, atendo-se mais à revisão teórica que sustenta, ou que deveria sustentar a
respectiva formação. Na edição de 2010, encontramos trinta e dois artigos que deram
ênfase ao tema, configurando o critério de ser fruto de pesquisa e vincular a formação
de professores às experiências com TIC na perspectiva de sua inserção na escola. Com
relação ao de 2012, ainda não alcançamos um percentual significativo de leitura dos
textos que permita afirmações mais conclusivas: os primeiros resultados de nossa ação
apontam quatro artigos e um pôster tratando do tema, segundo o critério acima descrito.
Nesse sentido, os dados parciais apontam uma tendência de ampliação dos tipos e
vinculações das diferentes tecnologias e ferramentas das quais vem se apropriando os
professores, bem como um alargamento nas abordagens teóricas tanto no trabalho com
as TIC, quanto nas concepções destas e da educação em si, com as quais os estudos do
tema trabalham. Ou seja, também o debate que vincula experiências dos professores em
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formação à inserção das tecnologias nas escolas tem se intensificado desde o evento de
2008, com um maior direcionamento nesse sentido nos textos de 2010 e 2012iii
.
Os textos de 2008, em sua maioria, trabalham com as concepções de práticas
pedagógicas e práticas de ensino ao aproximar as tecnologias da formação de
professores e problematizando suas repercussões e inserções na sala de aula onde os
professores atuam, ou irão atuar. Em 2010 há indícios de uma ampliação, uma evolução,
desses conceitos aproximando-os mais do que entendemos como experiência e portanto
como aprendizagem, quebrando parcialmente o caráter instrumental das respectivas
concepções. Resta observarmos se a mesma irá se manter quanto aos textos
apresentados em 2012.
A título de considerações finais, acreditamos que o investimento na inserção de
tecnologias digitais em cursos de formação de professores, nas suas modalidades
presenciais e a distância, não deva se limitar a experimentar recursos outros para que a
educação se desenvolva. Como Reigeluth, Moran, Kenski e tantos outros, inclusive
aqueles que fazem do ENDIPE um espaço para fazer avançar os debates em torno desse
tema, acreditamos que é necessário, nas ações de pesquisa, bem como nas de ensino e
aprendizagem em todos os níveis, apoiar o fortalecimento desse paradigma que desafia
a repensar as concepções desses fazeres junto com alunos que se preparam para ocupar
um lugar de produção de docência, tendo consciência de que isso requer que se
considere o papel de todos os participantes na construção dos saberes/fazeres docentes a
partir de práticas as quais implicam “ajudar os alunos a construir seu próprio
conhecimento, em oposição (ou em adição) a simplesmente transmitir informação ao
aluno, facilitando a aprendizagem significativa” (REIGELUTH, 2004, p. 46). Ou seja,
julgamos oportuno enfatizar que se faz necessário que os cursos de formação de
professores possam continuar investindo esforços em inovações pedagógicas no sentido
de que os mesmos participem e realizem experiências – aprendizagens, transformações
e autotransformações – que envolvam as tecnologias na perspectiva de compreendê-las
também como linguagem, como maneiras de se (re)inventarem como humanos e como
profissionais da educação junto às escolas.
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TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 13. ed. Petrópolis:
Vozes, 2012.
i Autopoiesis vem de auto – por si mesmo e poiesis- criação e é compreendida pela capacidade humana de
autoprodução e significa dizer que todo ser humano se constrói de maneira independente em seu processo
de autocriação. A Autopoiesis é a concepção central da Biologia da Cognição, na qual conhecer e viver
acontecem de forma inseparável e que nos permite pensar a vida como um processo de aprendizagem
(MATURANA e VARELA, 1990). ii Segundo Bourdieu (1983, apud Setton, 2002), habitus é entendido como “sistema de disposições
duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como
uma matriz de percepções, de apreciações e de ações – e torna possível a realização de tarefas
infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas [...]”. iii Optamos por não apresentar tabelas em anexo, neste estudo, considerando que os dados ainda não são
conclusivos do âmbito da pesquisa exploratória dos textos.
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 104592
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