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Torção Primária de Grande Epíploo como Causa de Abdome Agudo

O R L A N D O J O R G E M A R T I N S T O R R E S

Médico do Serviço de Clínica Cirúrgica e Cirurgia de Urgência do Hospital Municipal Djalma Marques.

A Í L T O N J O S É R O D R I G U E S S I L V A

R O S E M A R I E M O R A E S S A L A Z A R

Internos de Cirurgia do Hospital Municipal Djalma Marques.

Resumo

Os autores apresentam um caso de tor­ção primária de grande epíploo. O quadro clínico-laboratorial sugeriu apendicite agu­da em todos os aspectos. Eles comentam sua incidência e a dificuldade diagnostica no pré-operatório.

0 grande epíploo pode sofrer rotação parcial ou total sobre seu próprio eixo em determinadas situações, levando ao com­prometimento de sua vascularização, com isquemia e necrose. Pode ser classificada como torção secundária, se houver outra patologia abdominal associada que funcio­ne como fator desencadeante; as princi­pais causas são as aderências intra-abdo-minais, hérnias inguinais e outros focos in­flamatórios localizados ou generalizados (3, 6, 19).

A torção primária do epíploo aconte­ce sem causas associadas que nos levem à suspeita; sua etiologia é obscura, devi­do ao conhecimento ainda precário da pa­tologia cirúrgica, e tem como fatores pre­disponentes as diversas alterações anatô­micas do pedículo omental (8, 9, 16).

Trabalho realizado no Serviço de Clínica Cirúrgica do Hospital Municipal Djalma Marques.

Diferentes autores relatam como fator desencadeante o excesso de alimentação, exercício físico, mudanças súbitas da po­sição do corpo, trauma, tosse e presença de processo inflamatório.

A primeira torção primária de epíploo foi descrita por Eitel, em 1889, e até hoje já foram registrados mais de 300 casos ( 1 , 2).

Apresentamos neste trabalho um ca­so de torção primária de grande epíploo em adulto do sexo masculino, que apresentou todo o quadro clínico-laboratorial de apen­dicite aguda. O diagnóstico diferencial foi feito durante a laparotomia.

Relato do caso

J.C.P., 39 anos, sexo masculino, bran­co, deu entrada no Serviço de Cirurgia de Urgência do Hospital Municipal Djalma Marques queixando-se de dor abdominal localizada na fossa ilíaca direita, vômitos e febre há 6 horas.

Ao exame físico apresentava-se com estado geral e de nutrição regular, muco­sas hipocoradas + / 4 , orientado, deambu­lando com dificuldade, sudoréico, PA 120 x 80mmHg, temperatura axilar de 37,8ÍC. Ao exame do aparelho respiratório, encon­trava-se com ligeira dispnéia e ausculta pulmonar normal; aparelho circulatório cli­nicamente normal.

A inspeção do abdome evidenciava for­ma e volume normais, cicatriz umbilical normal, ausência de abaulamentos ou re­trações; não havia cicatriz cirúrgica ante­rior.

À palpação o abdome era flácido, do­loroso superficialmente, Blumberg positi­vo; percussão com espaço de Traube li­vre e doloroso na fossa ilíaca direita; aus­culta com peristalse diminuída.

Nos exames complementares realiza­dos, evidenciamos um Rx simples de ab­dome com apagamento da sombra do psoas na base direita e nível líquido localizado. Rx de tórax normal. Leucograma com 12.700 leucócitos, 69 segmentados, dois bastões; no exame de urina havia quatro a seis pió-citos por campo.

0 diagnóstico pré-operatório de apen­dicite aguda foi confirmado e o paciente levado ao preparo cirúrgico com hidrata­ção venosa e sonda vesical.

A laparotomia exploradora foi realiza­da com incisão pararretal interna infra-umbilical. Os achados operatórios foram presença de secreção serossanguinolen-ta na cavidade abdominal e necrose total do grande epíploo. A incisão foi ampliada cranialmente, onde foi evidenciada torção

do grande epíploo na sua base, com ne­crose total do epíploo abaixo da torção (Fig. 1).

Segmento normaí

Torção do epíploo

Área de necrose

Figura 1

A conduta operatória foi a exérèse do epíploo necrosado e ligadura do seu pedí­culo, aspiração e lavagem da cavidade ab­dominal, ráfia por planos sem drenagem, antibioticoterapia (cloranfenicol + genta-micina). 0 paciente evoluiu sem anorma­lidades, tendo alta hospitalar no quarto dia de pós-operatório (Fig. 2).

Segmento .

Local da ressecção

Figura 2

3 0

Discussão

A torção do grande epíploo significa uma rotação parcial ou total do epíploo so­bre seu próprio eixo, sendo chamado de primário ou secundário, dependendo da presença ou não de patologia abdominal associada (4, 5, 7, 8, 9).

Em revisão da literatura observamos que a patologia é muito mais freqüente do que se tem relatado. Sua incidência é maior no sexo masculino (3:2); acontecen­do em qualquer faixa etária, com predo­mínio na terceira e quarta décadas, não tendo relação com condições geográficas. A clínica apresentada por estes pacientes na maioria das vezes (76%) se confundia com apendicite aguda com dor inicial ou posteriormente localizada no quadrante in­ferior direito, náuseas e vômitos com fe­bre baixa; outras patologias que apresen­tavam suspeita diagnostica foram úlcera perfurada, infarto enteromesentérico, co-lecistite, pancreatite e gravidez ectópica ro­ta. Apenas um caso tem o diagnóstico pré-operatório de torção de grande epíploo fir­mado por clínica, ultra-sonografia e tomo­grafia computadorizada (11). Os exames laboratoriais apresentaram leucocitose aci­ma de 12.000 em 56% dos'casos, com desvio para a esquerda e aneosinofilia. Há apenas um caso registrado na literatura na­cional cujo diagnóstico foi feito durante a laparotomia para tratamento de apendici­te aguda (12, 13).

O tratamento realizado foi a simples ressecção em 98% dos casos, sendo o restante tratado com a redução da rota­ção do epíploo torcido; o pós-operatório

foi sem complicações na maioria das ve­zes, infecção da ferida operatória registra­da em 4% dos casos e alta hospitalar no quarto ou quinto dia (14, 15).

Concluímos que o caso aqui apresen­tado se enquadra no que Navarro Sanches chama de infarto segmentar primário do epíploo maior (ISPEM), devendo ser incluí­do no diagnóstico diferencial das entida­des que produzem abdome agudo cirúrgi­co, levando em consideração a pouca in­formação que existe sobre o mesmo, cu­jo desconhecimento tem influído decisiva­mente em sua baixa freqüência.

Summary

The, authors present a case of primary idiopathic omenta/ torsion; the presenting symptoms are similar to those of an acute appendicits. Diagnosis is rare/y considered before laparotomy.

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Endereço para correspondência D R . O R L A N D O J O R G E M A R T I N S T O R R E S R u a 0 3 , 6 5 2 - S ã o F r a n c i s c o 6 5 0 7 6 - 3 6 0 - S ã o L u í s - M A