UNIVERSIDADE DE SÃO PAULODEPARTAMENTO DE MÚSICA DA FACULDADE DE FILOSOFIA,
CIÊNCIAS E LETRAS DE RIBEIRÃO PRETO
(FFCLRP)
Desdobramentos Históricos do Madrigal
Italiano entre os Séculos XIV e XVI – Do
Trecento à Seconda Pratica de Monteverdi
Ribeirão Preto – São Paulo
2015
ERRATA
CAMARGO, P. H. B. Desdobramentos Históricos do Madrigal Italiano entre
os Séculos XIV e XVI – Do Trecento à Seconda Pratica de Monteverdi. Ribeirão Preto.
2015.
Folha Linha Onde se lê Leia-Se
1 2 Feitios feitos
8 19 Petrarchiana Petrarquiana
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO.....................................................................1
2. A MÚSICA E O RENASCIMENTO....................................2
3. A TRADIÇÃO MUSICAL ITALIANA: DESDOBRAMENTO HISTÓRICO DO MADRIGAL.............4
5. CONCLUSÃO.......................................................................9
BIBLIOGRAFIA.......................................................................11
1
1. Introdução
Os séculos XVI e XVII marcaram a transição da Era Medieval e Era Moderna.
Entre os feitios ocorridos neste período de transição encontram-se: colonização
marítima, surgimento das escolas nacionais de ciências experimentais e artes,
fragmentação da religião, surgimento da imprensa e a ópera. Não é de surpreender que a
música florescesse, assim como as ciências e outras artes, durante a Renascença. Como
a ascensão da classe média, mais pessoas se mudaram para a cidade. A formação
musical tornou-se parte da educação comum, e com o surgimento da imprensa, a música
escrita tornou-se mais acessível para a população (RAZZI, 1980).
No século XVI, observa-se o surgimento dos estilos nacionais, especialmente na
música vocal profana (secular; vernacular). Diferentes regiões desenvolveram
simultaneamente seus estilos distintos baseados na poesia e práticas regionais. A música
difundida através do impresso fomentou e disseminou a música, tornando possível a
prática dessa música por amadores (GROUT & PALISCA, 1994). A ascensão da
música é refletida na reorganização e consolidação do estudo de música, assim como do
mecenato também para os compositores (LOWINSKY, 1954).
Entre os gêneros nacionais do século XVI estavam o villancico espanhol, a
frottola italiana e um novo tipo de chanson francesa, toda estrófica, homofônica,
facilmente cantável e portanto facilmente executável por amadores. O gênero que se
tornou mais importante ao longos dos anos, foi o madrigal italiano, que durante a
Renascença, foi o gênero mais apreciado por poetas e compositores (TARUSKIN,
2009). Os madrigais e canções polifônicas próximas da forma madrigalesca foram
escritas em abundância na Itália, e sua produção continuou intensa durante parte do
século XVII (GROUT & PALISCA, 1994). O gênero se tornou um veículo
experimental para caracterização, dramatização dessa maneira instigando novas
abordagens composicionais. Os compositores, frequentemente, utilizavam-se de textos
dos poetas consagrados, e os temas variavam entre temas de amor, pastoris e eróticos.
Utilizava-se de diferentes texturas e técnicas expressivas, que criavam atmosferas e
sensações utilizando-se do cromatismo para dar sentido semântico ao texto cantado
(Idem, 1994). O debate entre compositores e intelectuais da época acerca do uso da ars
perfecta, utilizado na canção litúrgica, e um estilo musical mais livre e expressivo,
seconda pratica, levou à divisão de estilos e gêneros mais definidos, de maneira que os
compositores se viam obrigados a escolher entre ambos a depender da finalidade, estilo
textura e texto de sua música (TARUSKIN, 2009).
2
2. A Música e o Renascimento
Cronologicamente, historiadores e musicólogos definem como Renascença o período que engloba o início do Séc. XV até o começo do Séc. XVII. Embora esta delimitação de tempo ajude a compreender movimentos estéticos, filosóficos, científicos e políticos de época, se torna problemático, como observa Lowinsky (1954, p. 510):
A “Ars Nova” do Trecento tem elementos em comum tanto com o período medieval quanto com a Renascença de maneira que a interpretação dela (Ars Nova) como final do Período Medieval ou Renascença Inicial podem ser defendidas. Para estabelecer um critério, nos concentraremos no período que vai entre 1450 até 1600. Com as ferramentas analíticas então poderemos voltar a examinar os elementos do renascentismo na música do Trecento (tradução minha).1
Através desta citação, é plausível defender que o Renascimento se utiliza de
técnicas e elementos composicionais do período anterior, tais como os elementos
rítmicos e o cromatismo – agora como recurso expressivo – bem como se desdobra
historicamente em desenvolvimentos ulteriores relacionados à prática composicional do
século XVII. É importante ressaltar que o período que antecede o Renascimento é
marcado pela crescente diversidade e liberdade no tratamento da questão rítmica, bem
como no tratamento cromático dado em pontos cadenciais (GROUT & PALISCA,
1994).
Historicamente, a Itália e França, especialmente são as nações que lideram os
movimentos nacionais, no período renascentista. Alemanha, Espanha e Inglaterra estão
em segundo plano, influenciados pelas práticas francesa e italiana. Países como
Hungria, Polônia, Portugal e outros países possuem também seus movimentos
nacionais, porém em desenvolvimento periférico. A música profana (secular) floresceu
em inúmeras cortes pela Europa, em especial na Itália, onde são relatadas a importância
do fazer musical no cotidiano da corte tanto nos tratados quanto em cartas de nobres e
burgueses (LOWINSKY, 1954).
A ascensão das práticas musicais profanas no século XV é refletida na
reorganização e consolidação dos grandes centros artísticos-musicais, e também no
aumento cada vez mais gradual do prestígio dos músicos contratados pelas cortes.
(TARUSKIN, 2009).
1 Tradução aproximada. No texto original em inglês: “The ‘ars nova’ of the Trecento hás enough elements in common with both medieval and Renaissance concepts that its interpretation either as late Middle Ages or as early Renaissance can be defended on good grounds. In order to establish clear criteria we will concentrate on more mature period between 1450 and 1600. With the analytical tools thus prepared we may then return to a brief examination of the Renaissance elements in the music of the Trecento.”
3
O humanismo afetou a música em período relativamente mais tarde em relação
aos outros domínios, como a poesia e a literatura. A redescoberta dos tratados gregos,
levou a uma busca pelo ideal grego, como forma a transformar a prática (GROUT &
PALISCA, 1994). Importantes teóricos da música no período foram influenciado pelos
tratados gregos. Embora essa influencia seja nítida, a visão moderna da época fez com
que os princípios adotados não invalidassem práticas anteriores que foram
transformadas sob a luz desse conhecimento até então não difundido livremente para
aqueles não ligados à igreja (TARUSKIN, 2009).
Resgata-se a crença da escolha do modo para despertar emoções, e Glareano no
seu famoso tratado Dodekachordon, descreve quatro novos modos aos oito tradicionais,
afirmando ter resgatado (erroneamente) o sistema de Aristóxeno (GROUT &
PALISCA, 1994). O uso cada vez maior de cromatismos estimula a busca por novos
sistemas de afinação que comportassem consonâncias mais suaves bem como expansão
dos recursos diatônicos e cromáticos da escrita musical predominante no período. O
ritmo se associa cada vez mais ao ritmo das palavras faladas, sejam em latim ou língua
vernácula (Idem, 1994). Todas estas mudanças tornavam mais acessível, expressiva e
cativante a música da época para o ouvinte.
É mais adequado afirmar que o Renascimento foi mais um movimento cultural-
estético, do que necessariamente o desenvolvimento de um conjunto de técnicas
específicas. Durante o período renascentista ocorre um grande processo de
“emancipação” (emancipação no sentido de não ser estrito) como escreve Lowinksky
(1954, p. 541):[...]emancipação do Canto Gregoriano, do Cantus Firmus, da técnica
de composição sucessiva, dos padrões preexistentes de forma e ritmo. Similarmente, pode-se interpretar o desenrolar da música instrumental na Renascença como um processo de emancipação lenta, ainda dominado pela música vocal, mesmo quando estes instrumentos eram usados para reforçar o cantar alguma das vozes faltantes [...] A música para dança, embora em até certo grau independente, tomou para si emprestada melodias da música profana e da música folclórica. Mas foram as peças vocais o carro-chefe do repertório renascentista de ensembles instrumentais e do próprio teclado. (tradução minha).2
2 Tradução aproximada. No artigo original (p. 541): “One can view the evolution of vocal music in the Renaissance as one great process of emancipation: emancipation from the Gregorian Chant, from the cantus firmus, from technique of successive composition, from preexistent patterns of form and rhythm. Similarly, one can interpret the evolution of instrmental music in the Renaissance as a slow process of emancipation from the domination of vocal music. Throughout the Renaissance, instruments were called upon to reinforce the parts sung by the choir; they substituted for missing voices; they accompanied the solo voice [...] Dance music, thought enjoying a certain measure of independence, borrowed not infrequently from secular art melodies or from folk-song. But vocal pieces constituted the chief repertory of purely instrumental ensembles and of the keyboard player.
4
3. A Tradição Musical Italiana: Desdobramento Histórico do Madrigal
Muito embora houvesse uma influência franco-flamenca na composição litúrgica
de toda a Europa no séc. XV e XVI, observa-se a valorização, desenvolvimento e
afirmação dos estilos nacionais (GROUT & PALISCA, 1994). Dentre os tipos de
canção do estilo nacional italiano do século XV, encontram-se a frottola, a lauda, a
ballada e o madrigal. Cabe ressaltar que o madrigal do trecento era uma canção
estrófica ligada as formas fixas, enquanto o madrigal do século XVI não tem nenhuma
relação com a forma fixa (GROUT & PALISCA).
De acordo com o que se produziu acerca do trecento italiano, a maior parte das
composições italianas até o final da primeira metade do século XIV eram a duas vozes.
Canções em três vozes não apareceram até pouco antes de 1340 na caccia e no
madrigal, enquanto a ballata na sua forma polifônica surge por volta de 1360
(FISCHER, 1961). Este fato indica que a monofonia teve papel central até metade do
século XIV, já que elementos da monofonia podem ser achados mesmo na música
polifônica do trecento (Idem, 1961). Cada um destas formas se relaciona com a
estrutura textual de uma poesia. Sobre as relações do texto e música, Harran (1969, p.
27):A poesia madrigalesca do século XVI inclui uma grande variedade
de tipos de versos. Sonetos, ballate, canzoni, ottava rima, madrigale, e ocasionalmente extratos de prosa – todas denominadas madrigal. Uma distinção precisa ser feita entre o madrigal como um termo de referencia e madrigale, uma forma poética específica. Tal distinção não é nova na língua italiana. O termo frotolla apresenta o mesmo problema: pode designar genericamente um numvero variado de diferentes tipos de verso – oda, strambotto, capitol, soneto e frottola – ou, mais especificamente, a canção conhecida como barzelleta. (tradução minha)3.
Sobre os primórdios do madrigal renascentista, acredita-se que a prática musical
popular do século anterior, bem como as canções oriundas das formas fixas possam ter
sido as bases originárias do madrigal. Acerca disso, Fischer e Newman (1961, p. 47):A teoria que vê o começo da arte italiana em formas simples, quase
indígena (ingênua) de fazer musica, crescendo a partir da monodia
3 Tradução aproximada. No artigo original em inglês: “The poetry of the early 16th-century madrigal includes a wiede variety of verses types. Sonnets, ballate, canzoni, the ottava rima, the madrigale, occasional prose extracts – all are know by the name “madrigal”. A distinction ought to be drawn then between “madrigal” as a general term of ference and “madrigal”, or madrigale, as a specific poetic form. Such a distinction is not new to Italian music. The term “frottola” presents an analogous case: it can be taken as generic designation for number of differente verse types – oda, strambotto capitolo, sonnet and frottola – or, more specifically, as a reference to the last, the frottola proper, otherwise known as barzelletta.
5
instrumentalmente acompanhada, me parece mais adequado do que as tentativas anteriores de determinarem a evolução do estilo trecentista ligando-o às grandes formas da Ars Antiqua, quais evoluíram por e para uma classe social completamente diferente (parênteses meu: talvez para os nobres e eclesiásticos).Decameron de Boccaccio descreve performances relacionadas com a ballata, qual não estava escrita polifonicamente na época de escrita do livro, logo após 1350. Significantemente, o Decameron quase nunca menciona performance com mais de um cantor (parênteses meu: ligados à prática polifônica na música folclórica/popular). [tradução minha].4
Os textos utilizados nos madrigais eram de tema sentimental ou erótico, com
cenas e alusões inspiradas na poesia bucólica (GROUT & PALISCA, 1994). A técnica
do word-painting (pinturas com palavras, também conhecida como text-painting ou
tone painting – pintura do texto e pintura tonal respectivamente) era utilizada nos
madrigais. No Movimento Petrarquiano, qual as características da poesia de Petrarca
foram resgastadas, observava-se a busca pela suavidade para representar a piacevolezza
(caráter aprazível) e a gravidade para representar gravitá (gravidade). O Movimento
Petrarquiano levou a explorações e desenvolvimento da métrica, rima, número de
silabas por verso, acentuação, duração, sonoridade das vogais na criação de
semanticidade para o texto, que era exprimido por recursos musicais que buscavam
ambientar e exprimir os afetos e sentimentos do texto (TARUSKIN, 2009). Utilizando-
se dos recursos musicais juntos dos recursos semânticos-textuais, o madrigal tornava-se
mais expressivo, e mais confluente no que tangia à designação de afetos e sentimentos.
A técnica consistia de ressaltar e/ou ilustrar o texto com os recursos musicais e
semânticos – alterações rítmicas e cromáticas – para ilustrar e destacar parte do texto
que se faz importante (GROUT & PALISCA, 1994). O uso de tais recursos é descrito
por Zarlino em seu tratado Le Institutioni Harmoniche (apud GROUT & PALISCA,
1994):Quando um compositor pretender exprimir a aspereza, a amargura e
coisas semelhantes o melhor será dispor as vozes da composição por forma que evoluam em movimentos que não comportem o meio-tom, como o tom inteiro e o dítono. Deve permitir que a sexta maior e a décima terceira maior, que são por natureza, algo ásperas, se façam ouvir acima da nota mais grave do concentus, bem como recorrer ao retardo [sincopa] da quarta ou da décima primeira acima da voz mais grave, a par de movimentos relativamente lentos, entre os quais pode também utilizar-se o retardo da sétima. Todavia, quando pretender exprimir efeitos de tristeza e desgosto deverá (observando as regras indicadas) recorrer a movimentos que evoluam por meio de meio-tom do
,
4 Tradução aproximada. No texto original em inglês: “A theory that sees the Italian art’s beginnings in simple, indigenous type of music-makng, arising from an originally instrumentally accompanied monody, seems to me more cogent than the previous attemps to determine the evolution of trecento style by linking it to the Ars Antiqua’s larger forms, which were evolved by and for an entirely different social class.
6Boccaccio’s Decameron describes such performances in connection with the balata, which was not yet written down as polyphonic art-form at the time the book was written (shortly after 1350). Signifcantly, the Decameron almost never mentions a performance by more than one singer.
7
semiditono e de intervalos semelhantes, utilizando com frequência sextas ou décimas terceiras menores acima da nota mais grave da composição, sendo estas, por natureza, suaves e brandas, especialmente quando combinadas de maneira justa e com discrição e critério [...]. Os movimentos naturais são os que se fazem entre as notas naturais de uma composição onde não intervem nenhum sinal ou nota acidental. Os movimentos acidentais são os efetuados por meio das notas acidentais que são indicadas pelos sinais # e b. Os movimentos naturais tem mais virilidade do que os movimentos acidentais que são um tanto lânguidos [...] Por este motivo os primeiros movimentos podem servir para exprimir efeitos de aspereza e amargura e os últimos para efeitos de dor e tristeza.
O Madrigal do século XVI apresenta, em contraste do madrigal ligado às formas
fixas, um tipo de poesia livre dentro das convenções do verso italiano. Harran (1969)
afirma que os madrigais estão dentro dos estilo de “rima livre” e que se relacionam com
a estrutura poética da maneira que o compositor achar mais adequado. Claramente esta
liberdade tem limites, já que o madrigal é confinado, sem alguma exceção, a manter as
relações métricas dos versos, que podem ter entre sete e onze sílabas (HARRAN, 1969).
Os madrigais foram compostos cada vez mais para o prazer musical de uma sociedade
que cultivava a literatura. A expressão literal, que era uma característica dominante do
madrigal e de outras canções ligadas à poesia, se desdobra em maior ligação com a
expressão textual em Marenzio, até que em Monteverdi esta expressividade leva ao
surgimento da Ópera (DENT, 1930).
A inclinação para a música ligada à poesia foi vista inicialmente como um
desdobramento histórico da Frottola. Porém, já foi proposto que o desdobramento do
madrigal foi produto da confluência de duas correntes musicais que interagiram entre si
na região de Florença. E estas duas correntes foram o “Movimento Petrarca” e o uso de
textos italianos em estilos de polifonia associadas com a escola Franco-Flamenca, tanto
sacra – motetos em latim – quanto profanas – chansons (TARUSKIN, 2009). O próprio
uso do termo madrigal para identificar o novo estilo italiano já demonstra uma certa
influencia Petrarchiana, visto que não há nenhuma conexão com o madrigal do século
XVI com o do trecento italiano (século XIV). O ultimo, foi esquecido como gênero
musical e foi trazido para a consciência do século XVI como gênero literário, em
espécie de versos pastoris (Idem, 2009). Parte disso se confirma e justifica exatamente
no intercambio cultural que havia entre os compositores, que muitas vezes deixavam
sua região natal para estudar em centros como Florença e Paris.
8
4. “Seconda Pratica” e o Madrigal de Monteverdi Ópera
No século XVI, a disputa entre os proponentes das ars perfecta – representado
pelo estilo de Zarlino, valorizado pelo seu pragmatismo, o que significava a sua
indiferença em relação às palavras – e os defensores da liberdade estilística em nome de
expressividade poética-textual, levou à discussão sobre as práticas composicionais entre
compositores, artistas e intelectuais (TARUSKIN, 2009). A tendência para a música
literária, e sua influência Petrachiana foram essenciais para o desenvolvimento de uma
prática dissociada da composição litúrgica – a ars perfecta (GROUT & PALISCA,
1994). Os “diálogos” entre Artusi, proponente da ars perfecta, e Monteverdi levantaram
questionamentos sobre uma prática não associada aos gêneros e estilos sacros (Idem,
1994). A Seconda Pratica se diferiu da Prima Pratica de Zarlino pelo esforço em
exprimir os sentimentos, sensações, afetos e criar ambientações através de meios
musicais que transcenderam as regras tradicionais, assim torrnando-as menos rijas
quando não quebrando-as (PALISCA, 2006). Embora Zarlino já enuncia em seu tratado
Le Institutioni Harmoniche sobre o cromatismo para expressar a aspereza, estes estavam
regidos por regras do contraponto, diferente do feito pelos contemporâneos de
Monteverdi, que irritado com o criticismo, responde em um curto prefácio no Quinto
Livro de Madrigais (apud PALISCA, 2006):Não se surpreendam que eu estou dando a esses madrigais a
imprensa sem antes responder as objeções que Artusi fez contra algumas porções deles (...) No entanto, eu escrevo esta resposta para deixar esclarecido que eu não faço as coisas por acaso, e assim que reescrito será visto sobre o título de Seconda pratica ouero perfettione della moderna musica. Alguns questionarão sobre, não acreditando que existam outras práticas além daquelas ensinadas por Zerlino [sic]. Mas os asseguro quanto a consonância e dissonância que existe outra maneira de considerá-las diferentes do antes determinado, uma forma qual a maneira moderna de composição defende com a razão e sentido. Eu gostaria de dizer que a expressão Seconda Pratica não será apropriada por outros e que homens de intelecto podem, por enquanto, considerarem segundos pensamentos com relação à harmonia. E tenha fé que o compositor moderno se baseia nos fundamentos da verdade. (Tradução minha).5
5 Do original: “Be not surprised that I am giving these madrigals to the press without first replying to the objections that
Artusi made against some very minute portions of them. Being in the service of his Serene Highness of Mantua, I am not
master of the time I would require. Nevertheless, I wrote a reply to let it be known that I do not do things by chance, and as
soon as it is rewritten it will see the light under the title, Seconda pratica overo peifettione della moderna musica. Some will
wonder at this, not believing that there is any other practice than that taught by Zerlino [sic]. But let them be assured
concerning consonances and dissonances that there is another way of considering them different from the determined one, a
way that defends the modern manner of composition with the assent of the reason and the senses. I wanted to say this both
so that the expression seconda pratica would not be appropriated by others and so that men of intellect might meanwhile
consider other second thoughts concerning harmony. And have faith that the modern composer builds on foundations of
truth.”
9
Nem os interlocutores de Artusi, ou o compositor disseram uma palavra sobre o
verdadeiro intuito das técnicas de expressão textual (TARUSKIN, 2009). O
reconhecimento mais tarde por Artusi em resposta as considerações de L’Ottuso’s
Academico, demonstra o reconhecimento pelo mesmo das propriedades expressivas da
Seconda Pratica (PALISCA, 2006). Novos afetos representados no texto requereram
novos recursos melódicos e harmonicos, ambos consonantes e dissonantes (GROUT &
PALISCA, 1994). L’Ottuso demonstra uma compreensão da verdadeira importância da
quebra com as práticas de Zarlino. As dissonâncias não eram apenas ornamentos mas
eram escolhidas pela sua aspereza que enfatizava o texto (PALISCA, 2006). Sobre os
madrigais de Monteverdi, GROUT & PALISCA elucidam:Os primeiros cinco livros de madrigais de Monteverdi, publicados,
respectivamente, tem 1587, 1590, 1592, 1603 e 1605, consistem um marco na historia do madrigal polifônico. Nesses madrigais Monteverdi, (...) demonstrou um perfeito domínio da técnica do madrigal de finais do século XVI, com a sua combinação harmoniosa da escrita homofônica e contrapontística nas diversas vozes, a sua fidelidade ao texto e a sua liberdade no recurso às harmonias e dissonâncias expressivas. Mas determinadas características – não inteiramente ausentes da música compostas pelos seus contemporâneos – indicam que Monterverdi evoluía rapidamente e com notável segurança para o novo estilo do século XVII. Por exemplo muito dos seus motivos musicais não são melódicos, mas sim declamatórios, à maneira do recitativo, a textura afasta-se amiúde do modelo tradicional, em que vozes têm igual importância, e converte-se num dueto sobre um baixo de suporte harmônico; os ornamentos dissonantes, já anteriormente admitidos na improvisação, são incorporados na partitura escrita.
O estabelecimento de duas práticas por Monteverdi, demonstra na verdade uma
distinção entre processos composicionais seguidos na época, determinados pela
finalidade da obra. A distinção era baseada no fato da primeira prática dominar o texto,
enquanto a segunda o texto dominava a música (GROUT & PALISCA, 1994). A
designação de estilo antigo – para a primeira prática, associada às regras rígidas do
contraponto de Zarlino e Palestrina que não poderiam ser modificadas – e de estilo
moderno – para a Seconda Pratica de Monteverdi nas quais as regras do contraponto
poderiam ser modificadas e o controle das dissonâncias poderiam ser utilizadas
livremente para dar expressividade ao texto (Idem, 1994). Na música madrigalesca,
surgem sinais de texturas homofônicas, usadas em forma recitativa, já em voga em
torno de 1560, de maneira a deixar claro a declamação do texto (ARNOLD, 1957). O
madrigal passa ser utilizado para fins dramáticos, em ciclos, nos quais uma série de
cenas ou estados eram apresentados em forma de diálogo musicado (GROUT &
PALISCA, 1994). Outros desdobramentos históricos levarão ao surgimento e
10
desenvolvimento da Ópera. Dentre algumas características da Ópera, se faz importante
mencionar a título deste trabalho, a melodia acompanhada em contrapartida do
contraponto vocal do madrigalismo.
5. Conclusão
O Renascimento, período que compreende os séculos XVI e XVII marcou a
transição da Era Medieval e Era Moderna. Neste período, dentre os acontecimentos
mais importantes estão a colonização marítima, surgimento das escolas nacionais de
ciências experimentais e artes, fragmentação da religião, surgimento da imprensa.
Assim como nas ciências e as outras artes, a música floresceu buscando novos ideais e
meios de expressão artística. A formação musical tornou-se parte da educação comum
daqueles que possuíam capital, e com o surgimento da imprensa bem como
desenvolvimento da notação musical, a música escrita tornou-se mais acessível. O
surgimento dos estilos nacionais, especialmente na música vocal profana, é de fato
talvez a mais importante contribuição do período renascentista. Diferentes regiões
desenvolveram simultaneamente seus estilos distintos baseados na poesia de língua
materna e práticas regionais. O crescimento das práticas musicais é refletida na
reorganização e consolidação do estudo de música, assim como também do mecenato
para os compositores.
O Madrigal foi importante por representar a prática vocal do Renascimento
Italiano, e em seu desenvolvimento ulterior no final do século XV e início XVI
contribuirá para o surgimento e posterior desenvolvimento da Ópera no século XVII. De
forte caráter contrapontístico no Século XVI, se diferencia do Madrigal do Trecento
Italiano por não ter ligação com as formas fixas, e de estrutura estrófica mais livre em
relação ao homônimo do século XIV – trecento. Os textos utilizados eram poemas de
temas bucólicos, com denotações sentimentais ou eróticas. Ressalta-se que o
movimento Petrarquiano, resgate das características poéticas da obra de Petrarca – poeta
italiano do século XIV, que influenciou fortemente a estrutura dos versos, rimas e
organização do texto para criação de atmosferas através da sonoridade das palavras
(GROUT & PALISCA, 1994). A busca pela suavidade e gravidade levou a explorações
ulteriores da métrica, rima, numero de sílabas por verso, acentuação, duração,
sonoridade das vogais na criação de semanticidade tanto para piacevolezza (caráter
aprazível) quanto para gravitá (gravidade). Utilizando-se dos recursos musicais juntos
dos recursos semânticos-textuais, o madrigal tornava-se mais expressivo, e mais
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confluente no que tangia a designação de afetos e sentimentos. A partir disso, existe um
esforço de se compreender os estilos musicais, bem sistematiza-los para descrever suas
funções sociais e artísticas, bem como as características específicas de cada estilo.
Com a desiginação de uma segunda prática (Seconda Pratica), Monteverdi
distingue dois estilos composicionais o litúrgico/sério/antigo –tradicional, chamado
também de Prima Pratica, também designado Stile Antiquo ligado às práticas
contrapontísticas de Zarlino e outro considerado na época mais expressiva, semântico e
textual chamada de Seconda Pratica ou também Stylus Luxurians – ligada a quebra
das regras tradicionais da composição litúrgica na qual as dissonâncias poderiam ser
utilizadas com maior liberdade, assim como o trato da polifonia de maneira que o texto
dominará a composição.
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