Punio e Estrutura Social

Cap.3 - Mercantilismo e Surgimento da Priso

I - Mercado de Trabalho e Estado

A partir do final do sculo XVI, o uso da fora de trabalho de prisioneiros disposio do Estado revelou ter um valor potencial para o desenvolvimento econmico. No contexto de ascenso de setores urbanos, o crescimento demogrfico no acompanhou a oferta de empregos. Na Alemanha, assim como na Inglaterra e Frana, havia perdido parte de sua populao devido a guerras e doenas, o que resultou em uma escassez de mo-de-obra e na elevao do salrio dos trabalhadores. Ambos os fatores propiciaram uma mudana nas classes proprietrias que passaram a arcar com os altos salrios e com a manuteno de condies de trabalho favorveis. A acumulao de capital no era possvel nesse contexto e os capitalistas recorreram ao Estado para garantir a produtividade de seus negcios.

Vrios meios foram utilizados para tentar superar essa condio da fora de trabalho. A mais importante foi uma medida de estmulo ao crescimento das taxas de natalidade. Passou-se ento a difundir a ideia de que o governante deveria garantir o aumento da populao de seu pas. Assim como o discurso religioso deveria ser atrelado a necessidade de uma alta taxa de natalidade.

O sistema militar tambm sofria com a escassez de homens, tornando o recrutamento voluntrio uma tarefa difcil diante dos salrios pagos a mercenrios. A escassez de homens tornou-se to sria que o exrcito ingls passou a recrutar criminosos. O exrcito passou a uma organizao penal.

Outra medida imposta para resolver a escassez de mo-de-obra foi a proibio pelo Estado da emigrao dos trabalhadores enquanto os imigrantes passaram a contar com condies favorveis. At mesmo os mendigos e pedintes passaram a ser vistos como fora de trabalho. Com isso passou-se a controlar as atividades do trabalhador no s em seu ambiente de trabalho como tambm fora dele. At mesmo a mo-de-obra infantil passou a ser utilizada com a criao de escolas industriais treinando crianas para as indstrias. Porm, essas medidas nem sempre foram eficientes para controlar o impacto da escassez de mo-de-obra.

II - Etapas no Tratamento da Pobreza

A fora de trabalho que o Estado podia controlar era composta por pobres, desajustados, prostitutas, loucos e rfos. Esse tratamento dado pobreza se vincula diretamente s mudanas na estrutura social em fins do sculo XVII.

A Idade Mdia ao mesmo tempo que glorificava a mendicncia tambm dava a oportunidade aos homens

ricos de se justificar perante a Deus fazendo caridade. Essa relao reforava as medidas para superar a escassez de mo-de-obra, garantindo o uso da fora de trabalho sem que se pagasse altos salrios.

A partir do sculo XVI, a pobreza e os problemas da fora de trabalho mudaram completamente. A viso burguesa da pobreza e mo-de-obra era bastante diversa da era feudal. O trabalho passa a ser visto como algo meramente necessrio e no como a essncia da vida. O caminho para a prosperidade se baseia na valorizao do mrito do trabalho individual. A prosperidade no mais algo pecaminoso que deve utilizar a caridade para a absolvio de seus pecados. Esse discurso se aliou aos argumentos de Lutero, pois qualquer um que desejasse prosperar deveria trabalhar arduamente.

Em Calvino, a burguesia encontrou fundamentao para a ideia de poupana, deveria-se trabalhar e poupar se quisesse prosperar. Essa filosofia se contrapunha mendicncia e a prtica catlica da caridade.

Porm, no apenas essa viso de mundo que contribuiu para um novo tratamento da mendicncia, a prpria situao econmica obrigou as cidades a definirem novas regras. O objetivo principal no era mais eliminar a pobreza, mas sim melhorar a economia instituindo uma nova poltica econmica

que punia os pobres que se recusassem a trabalhar.

III - O Surgimento das Casas de Correo

Foi a Inglaterra que abriu caminho para a criao das casas de correo, porm foi na Holanda que houve seu desenvolvimento mximo. Todos os esforos forma feitos para aproveitar a mo-de-obra disponvel ao mximo. Porm, medidas mais radicais e arbitrrias foram necessrias para garantir a utilizao dessa fora de trabalho: a criao das casas de correo.

Essas casas de correo representavam ao mesmo tempo casas de assistncia aos pobres, oficinas de trabalho e instituies penais e tinham com objetivo principal tornar a fora de trabalho dos indesejveis como socialmente til. Internavam-se desde mendigos, vagabundos, desempregados, ladres e prostitutas at crianas rebeldes e dependentes dispendiosos. Essa fora de trabalho era utilizada ou pelas prprias autoridades que administravam as casas ou eram entregues a um empregador privado.

A fim de instituir a disciplina e a disposio ao trabalho pesado, o uso da religio foi essencial para reforar o trabalho dessas instituies, ao mesmo tempo que esta passou a se curvar frente a necessidade de uma alta produtividade.

Essas casas de correo no eram homogneas do ponto de vista financeiro. necessrio

levar em conta o tipo de interno, o tempo e lugar e a mentalidade administrativa. Porm, a possibilidade de lucro era fator decisivo para todas as instituies, ou seja, essas casas de correo eram muito valiosas para as economias nacionais.

As influncias catlica ou protestante conviveram juntas enquanto doutrinas religiosas, pois ambas colaboraram para o surgimento dessas instituies se colocando em posio secundria, do ponto de vista ideolgico, em relao ao desenvolvimento econmico.

Cap.4 - Mudanas na Forma de Pena

I - As Gals

Mesmo aps o fim do sistema econmico que se baseava na escravido, o trabalho compulsrio nas gals permaneceu, devido as condies arriscadas do trabalho o que tornava o recrutamento de homens livres uma tarefa difcil. A base central do uso das gals foi a utilizao da punio com um carter meramente econmico, sem um vis penal. A introduo e regulamentao desse tipo de trabalho se baseou na obteno da forca de trabalho mais barata possvel. Entretanto, no sculo XVII, a opinio geral era de que essas gals eram mais humanas que a prtica criminal anterior, de modo que a punio servia os interesses dos condenados e do Estado.

A punio dos trabalhadores para servir nas gales tinha como objetivo central

garantir mo-de-obra barata para um servio que um trabalhador livre no iria exercer. Portanto, essa servido nas gals no tinha qualquer papel humanitrio, to somente econmico.

II - Origens Histricas da Deportao de Criminosos

Um outra forma de utilizao da mo-de-obra dos condenados era envi-los para colnias ou destacamentos militares distantes. Da mesma forma como ocorreu com as gals, o objetivo principal da punio era meramente econmico e visava suprir a necessidade de mo-de-obra.

Havia uma carncia de forca de trabalho nas colnias, pois os nativos ou escapavam ou foram dizimados por doenas e pelas guerras. Porm, o envio de trabalhadores prejudicava os interesses metropolitanos, pois havia uma escassez da forca de trabalho. A soluo encontrada para suprir esse necessidade das colnias foi o envio de condenados que normalmente seriam executados.

A nica diferena os escravos e os condenados deportados que esses ltimos seriam detidos por um perodo de tempo limitado, ou seja, eles no eram vendidos e sim arrendados pelo tempo de durao de suas sentenas.

A introduo da escravido negra levou a uma deteriorao das condies dos servos coloniais brancos, pois a escravido era mais lucrativa que a deportao de condenados.

III - A Evoluo do Sistema Carcerrio

Durante toda a Idade Mdia e incio da Idade Moderna, as prises serviam apenas para prender e no para punir.

A ideia de explorao de mo-de-obra dos prisioneiros j existia na Antiguidade Clssica. Porm, o sistema de priso moderno de explorao de trabalho, to importante no perodo mercantilista, foi uma conseqncia necessria das casas de correo.

Apesar de haver uma distino terica entre uma casa de correo, uma priso para ladres sentenciados e uma casa de trabalho, na pratica essa diferena era pouco vista. Em fins do sculo XVIII era comum encontrar diferentes propsitos em uma mesma instituio. A forma de recrutamento dos internos nao era a questo principal para a administrao, uma vez que o problema central era a explorao da forca de trabalho. O resultado foi a substituio da punio corporal pelo trabalho forcado, visando o lucro da prpria instituio e tornando o sistema penal parte do programa mercantilista do Estado.

nesse contexto de um sistema parcialmente auto-sustentado do ponto de vista financeiro que permitiu a introduo do encarceramento como forma regular de punio.