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TRANSFORMAÇÃO DO CAMPO, FORMAÇÃO DE ETHOS E MUDANÇA DE HABITUS?: O QUE PIERRE BOURDIEU PODE NOS DIZER SOBRE AS
POLÍTICAS DE INCLUSÃO BRASILEIRAS?
Carlos Eduardo Barros Pinto2
Jéssica do Espírito Santo3 Patrícia Viana Carapeto4
Thaís Lisboa Soares5 Andréa Lopes da Costa Vieira6
Eixo Temático: Práticas de inclusão/exclusão em educação Categoria: Pôster
INTRODUÇÃO:
Este paper reflete os trabalhos do grupo de pesquisa e extensão “Diagnóstico e Análise de
Políticas de Ação Afirmativa orientadas para a inclusão no ensino superior (público e
privado)” financiado pelo Ministério da Educação, atuante na Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro, cuja temática aborda as atuais políticas públicas para
democratização do ensino superior. A pesquisa, denominada, aponta a necessidade de
compreender os efeitos de tais medidas, assim como grande parte dos trabalhos feitos
acerca do tema e dos processo de promoção de desigualdade.
2 Discente de Serviço Social na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO. Integrante da pesquisa “Diagnóstico e Análise de Políticas de Ação Afirmativa orientadas para o Ensino Superior (Publico e Privado)”. 3 Discente de Serviço Social na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO. Integrante da pesquisa “Diagnóstico e Análise de Políticas de Ação Afirmativa orientadas para o Ensino Superior (Publico e Privado)”. 4 Discente de Serviço Social na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO. Integrante da pesquisa “Diagnóstico e Análise de Políticas de Ação Afirmativa orientadas para o Ensino Superior (Publico e Privado)”. 5 Discente de Serviço Social na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO. Integrante da pesquisa “Diagnóstico e Análise de Políticas de Ação Afirmativa orientadas para o Ensino Superior (Publico e Privado)”. 6 Doutora em Sociologia. Professora Adjunta no Departamento de Filosofia e Sociais da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO. Professora permanente no Programa de Pós-Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO. Coordenadora do Projeto: “Patrimônio, Identidade e Ações Afirmativas: Apropriação da Narrativa e Reconstrução da Memória como Estratégia Política na Contemporaneidade”, financiado pelo Conselho Nacional de Pesquisa – CNPq (Edital Universal). Coordenadora do Projeto: “Diagnóstico e Análise de Políticas de Ação Afirmativa orientadas para a inclusão no Ensino Superior (publico e privado) – Financiado pelo MEC/SESU – PET- Conexões de Saberes
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Tal proposta torna-se relevante pois, não é um fato recente que vivencia-se no Brasil um
quadro contruído, ao longo de anos, que reflete a construção de um cenário de
fragmentação social e marginalização de grupos em situação de vulnerabilidade. Uma
breve análise histórica e social apontaria, no plano do Estado, para o perfil de políticas
sociais, de escolhas políticas, para experiências de autocracia, mas igualmente, para baixa
capacidade de articulação da sociedade civil, e igualmente dos processos de legitimação de
desigualdades sociais fundamentados na crençana neutralidade da meritocracia .
Neste sentido, tomamos como ponto central o caso da educação. Assim, o ensino superior
público brasileiro pode ser percebido como um dos maiores indicadores de marginalização,
exclusão e estratificação social.. Tendo como modo de acesso um modelo que, como
mencionamos é considerado meritocrático, evidencia a diferença de qualidade de ensino do
primeiro e segundo graus público, privado e federal.
Contudo, desde a década de 1990, com a Reforma Universitária, é pautada a discussão
sobre a democratização do acesso ao ensino superior no Brasil.
Expondo as dificuldades no processo de realização educacional, nos deparamos com uma
contradição entre a precariedade do sistema e a sua extrema importância como influência
na formação social dos indivíduos.
Neste pondo, torna-se inevitável o debate sobre Ações Afirmativas, o qual entrou no foco
das opiniões públicas e foi legitimado e institucionalizado pelas políticas de inclusão que
visam democratizar o acesso a universidade pública.
Nossa proposta é analisar as políticas de inclusão tomando por base, as premissas do
teórico francês Pierre Bourdieu esmiuçamos nosso estudo sobre o conhecimento humano,
enxergando uma constante relação de dominação e reprodução de valores, presente
principalmente no sistema educacional. Para Bourdieu, a instrução acadêmica não
constituía apenas uma engrenagem de elevação cultural, mas também estava fortemente
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atrelada às tensões sociais, uma vez que a efetiva democracia precisaria, necessariamente,
passar pelo poder de interpretação crítica (Bourdieu, 2007).
Neste trabalho, objetivamos utilizar a teoria de Pierre Bourdieu, no que tange suas
reflexões sobre os conceitos de Educação e de Sociedade, e suas inter-relações, para, a
partir dos dados produzidos na pesquisa supracitada, analisarmos os efeitos positivos e
negativos da inclusão em questão. O principal axioma a ser considerada é o ideário de que
entrada ao ensino superior transformaria os sujeitos.
“A divisão em classes, operada pela ciência, conduz à raiz comum das práticas classificáveis produzidas pelos agentes, e dos julgamentos c1assificatórios emitidos por eles sobre as práticas dos outros ou suas próprias praticas: o habitus é, com efeito, principio gerador de práticas objetivamente classificáveis e, ao mesmo tempo, sistema de classificação (principium divisionis) de tais práticas. Na relação entre as duas capacidades que definem o habitus, ou seja, capacidade de produzir práticas e obras c1assificáveis, além da capacidade de diferenciar e de apreciar essas práticas e esses produtos (gosto}, é que se constitui o mundo social representado, ou seja, o espaço dos estilos de vida.” (BOURDEU,2007: 162)
Bourdieu será utilizado, neste trabalho, sob duas perspectivas: a primeira, que refere-se à
elaboração de seus conceitos (campus, habitus, capital e ethos); e a segunda, relativa à sua
análise social, especialmente sua teoria da reprodução.
De acordo com o discurso do autor, o hábitus, conceito criado pelo próprio, condiciona a
relação dos indivíduos com o campo social, campo este que não existe fisicamente, mas
sim nas relações sociais e é permeado por lutas simbólicas que visam a obtenção e a
legitimação de poder, e o acúmulo de capital econômico, capital cultural, capital social e
capital simbólico, que podem ser de origem ou adquiridos que justificam a posição do
indivíduo no campo social e sua visão do mundo social, interiorizando o exterior e
exteriorizando o interior.
Se, em Bourdieu, habitus refletiria disposições internalizadas dos atores; entendemos que a
inserção no ensino superior modificaria os capitais dos ingressantes, alterando,
consequentemente, a percepção de realidade desses indivíduos.
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A educação, assim, seria uma forma de produção e reprodução das relações sociais,
potencializando as disparidades e a descriminação entre os indivíduos. Essa desigualdade,
travestida de potencial e naturalizada na prática educacional, denomina-se violência
simbólica ao impor, institucionalmente, conceitos arbitrários através de um modelo teórico
e supostamente democrático.
Segundo o sociólogo francês, ethos é a síntese da cultura de um povo ou grupo, o que o
diferencia socialmente (Bourdieu, 2007). Levando em consideração tal conceito, as
aplicações teórico-empíricas presentes nesse artigo, onde se considerou diferentes
tipologias de instituições e de estudantes, constatou-se que tais processos de inclusão
proporcionam a produção de novos ethos, entretanto, nem sempre coerentes com o ethos
acadêmico esperado. Esses produtos se apresentam como mecanismos de ascensão social
dos indivíduos, entretanto, o percurso de construção de ethos através do ensino superior é
uma atividade ainda precária e penosa. Por conseguinte, é possível concluir que as medidas
de inclusão em questão são fundamentalmente necessárias para a modificação do cenário
social em questão, reduzindo as disparidades presentes na sociedade vigente.
Neste ponto, é fundamental voltarmos a observar os mecanismos oficiais de promoção de
inclusão no ensino superior brasileiro. Este procedimento é especialmente relevante, uma
vez que as duas princiapsi medidas construídas direcionam-se para públicos distintos: o
PROUNI para universidades privadas, e as Cotas Raciais para universidades públicas.
Nossa pesquisa verificou que a não obstante o aumento no quantitativo de estudantes
oriundo de grupos vulnerabilizados no terceiro setor de ensino, as estruturas institucionais
apresentam-se de forma fundamentalmente diversas.
Apesar da existência de uma política única de ensino superior, as lógicas institucional,
organizacional e pedagógica observadas levam à percepção da existência de diferentes
formações universitárias.
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Assim, conclui-se que a inserção no ensino superior não comporta garantias suficientes
para que seja alcançada, exclusivamente por meio dela, a democratização de qualidade do
ensino e a oportunidade igualitária de construção de ethos acadêmico. A permanência do
alunado em situação de vulnerabilidade social nas instituições de ensino superior é de
extrema importância, pois somente através de uma formação sólida e integral – alicerçada
no tripé universitário de ensino, pesquisa e extensão – é possível a formação com
qualidade de um indivíduo capaz de mudar o ethos e o habitus do meio que está inserido.
BIBLIOGRAFIA:
BOURDIEU, Pierre; A Distinção: crítica social do julgamento, 2007. BOURDIEU, Pierre; O poder simbólico, 2003.
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