UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO - CAMPUS XIV
COLEGIADO DO CURSO DE LETRAS COM HABILITAÇÃO EM LÍNGUA
PORTUGUESA E LITERATURAS - LICENCIATURA
GRASIELE DE OLIVEIRA MOTA MAGALHÃES
TRAVESSIAS IDENTITÁRIAS E DESLOCAMENTOS DOS
SUJEITOS NA LITERATURA ROSIANA
Conceição do Coité
2012
GRASIELE DE OLIVEIRA MOTA MAGALHÃES
TRAVESSIAS IDENTITÁRIAS E DESLOCAMENTOS DOS
SUJEITOS NA LITERATURA ROSIANA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao Curso de Letras com Habilitação em
Língua Portuguesa e Literaturas - Licenciatura,
da Universidade do Estado da Bahia (UNEB –
campus XIV) para obtenção do título de
Licenciada
Orientadora: Profa. Eugênia Mateus de Souza
Conceição do Coité
2012
As viagens são sempre experiências de
estranhamento. Esse estranhamento não
ocorre apenas em relação ao outro, mas ao
próprio viajante. O que a viagem leva mais
profundamente a compreender é que “o
outro, só o alcançamos em nós mesmos.
[...] Não podemos apanhá-lo fora, só o
tocamos dentro de nós mesmos, pagando o
preço de nossa própria transformação”.
(S.CARDOSO)
Dedico esta monografia a Leonardo, meu esposo. Sujeito que nunca permanece nas
margens. Com determinação e coragem persistente, faz da sua vida uma constante
travessia de fronteiras para conquistar os objetivos. É um exemplo que teimo em seguir.
Como um dos resultados, tenho a conclusão deste trabalho e a chegada ao final do
curso; foi uma longa travessia de fronteiras, que me trouxeram a este objetivo. O que
me deixa muito feliz.
AGRADECIMENTOS
Em especial, a minha mãe, que com seu cuidado e atenção, esteve sempre disposta a me
ajudar.
Ao meu esposo, companheiro que me apoiou em todos os momentos.
Aos amigos, Efigênia, Lívia e George, que se dispuseram sempre que precisei para
oferecer livros, correções de trabalhos ou partilhas de conhecimentos.
Aos colegas, que fizeram grande diferença nas partilhas de conhecimentos de atenção e
amizade. Aos que se tornaram parte da minha história e aos que se tornaram amigos, e
permanecerão.
A professora Eugênia Mateus, pela dedicação, pelo auxílio constante e por acreditar no
meu potencial.
Enfim, a todos que direta ou indiretamente, contribuíram para que eu chegasse até aqui.
Meu muito obrigada!
RESUMO
O presente trabalho é uma releitura dos contos de Guimarães Rosa, Sôroco, sua mãe,
sua filha e A terceira margem do rio, presente na obra Primeiras histórias. Neste, faz-se
uma tentativa de verificar o processo de (des)construção dos personagens dos contos,
como representantes da sociedade contemporânea, influenciado pelas imagens do real e
seus efeitos sobre os sujeitos. A compreensão se dará, a partir de uma desconstrução do
texto, transportando o drama dos personagens para o mundo real. Para concretizar esta
releitura, parte-se das relações que a literatura estabelece com a realidade. Através dos
traços deixados pelo texto, tenta-se configurar os deslocamentos e desconstruções do eu,
que movem os sujeitos a uma travessia interior para assumir uma identidade autônoma
diante das transformações sociais. Utilizou-se na pesquisa, para fundamentar a análise
desse trabalho autores como: Bauman (2007), Tollentino (2007), Barthes (2002),
Giddens (2002), Foucault (2002), Leite (2001), Bonder (1998), Villaça (1996), Derrida
(1991), Grossmann (1982), Rosa (1988), dentre outros.
Palavras–chave: Guimarães Rosa. Literatura versus realidade. Loucura e sanidade.
(Des)construção do eu.
ABSTRACT
The present work it is a reinterpretation of the stories of Guimaraes Rosa, Soroco, her mother, her daughter and the Third Margin of the river, present Early in the work histories. In this, it is an attempt to verify the process of (de) construction of the characters of the tales, as representatives of contemporary society, influenced by the images of the real and its effects on the subjects. Understanding takes place, from a deconstruction of the text, carrying the drama of
the characters into the real world. To achieve this rereading of the relations breaks down that literature with reality. Through the traces left by the text, attempts to set the displacement and deconstruction of the self, that move the subject to take a journey inside to an autonomous identity in the face of social transformations. It was used in the study authors as Bauman (2007), Tollentino (2007), Barthes (2002), Giddens (2002), Foucault (2002), Milk (2001), Bonder (1998), Villaça (1996), Derrida (1991), Grossmann (1982), Rose (1988), among others, to support the analysis of this work.
Key - words: Guimarães Rosa. Literature versus reality. Madness and sanity. (De) construction of self.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 09
1 DIÁLOGOS LINGUISTICO-LITERÁRIOS: o fazer artístico rosiano e
expressão da loucura .............................................................................................
11
1.1 Ficção “versus” realidade ...................................................................................... 12
1.2 Limites e travessias ............................................................................................... 14
1.3 Nas malhas de loucura .......................................................................................... 16
2 AS MARGENS: os deslocamentos e a (des)construção do eu ............................. 20
2.1 Estranhamento e loucura ....................................................................................... 21
2.2 Fuga ou entrelugar ................................................................................................. 23
2.3 O sujeito e a fragmentação .................................................................................... 26
3 METÁFORAS DA REALIDADE NOS CONTOS ROSIANOS: as
dimensões existenciais dos personagens ..............................................................
29
3.1 Sorôco, sua mãe, sua filha: a herança dos sujeitos ................................................ 30
3.2 A terceira margem do pai: a ressignificação do sujeito ....................................... 33
3.3 A margem do filho: escolhas do sujeito ............................................................... 38
3.4 Travessias e deslocamentos: a busca dos sujeitos pela integração com o meio e
consigo mesmo ......................................................................................................
41
CONCLUSÃO ................................................................................................................... 45
REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 47
INTRODUÇÃO
Independente da classe, raça, posição social e geográfica ou período histórico, a
apreciação da literatura é uma atividade que enriquece o espírito. Sua linguagem universal
transcende o tempo e estabelece um elo entre os homens. Desta forma, ler e desfrutar de um
bom texto é apreender quem somos, alem de promover instantes de satisfação. O texto
literário é, por si só, um questionamento acerca do mundo em que vivemos.
Ao ler o texto, o leitor imprime nele as marcas da sua cultura e das suas preferências.
Como cada ser constitui-se de diversas realidades; ele “lê”, a partir dos instrumentos pessoais,
culturais e contemporâneos de que possui, fator que determina as (re)significações do texto.
Todos buscam a integração consigo mesmo e com o meio em que vivem, desta forma,
pretende-se mostrar nesta pesquisa, contingências culturais que estruturam a condição do
homem no mundo, bem como suas atitudes para assumir quem de fato é, levantando
questionamentos acerca da natureza humana.
Este trabalho aborda uma temática na qual todos estamos envolvidos. Somos
participantes e vítimas da estrutura social, desta forma, convêm meditar sobre as alterações e
conseqüências que (des)centram e (des)constroem as referencias identitárias de todos nós.
A estrutura metodológica aplicada a esta pesquisa, se fundamenta em leituras bibliográficas.
Apoiada em diversos autores como Bauman (2007), Tollentino (2007), Barthes (2002),
Giddens (2002), Foucault (2002), Leite (2001), Bonder (1998), Villaça (1996), Derrida
(1991), Grossmann (1982), Rosa (1988), dentre outros. Produzi esse trabalho que se firma
sobre a análise dos contos de Guimarães Rosa, Sôroco, sua mãe sua filha e A terceira margem
do rio, nos quais busquei respostas para o comportamento dos personagens a partir da
pluralidade de sentidos da linguagem literária, sob os vieses da (des)construção, e dos efeitos
da pós-modernidade na estrutura social e na vida de sujeitos.
Cabe lembrar que o tema abordado, não se referiu a uma situação generalizada dos
sujeitos, mas, de casos que podem ocorrer em meio à diversidade. Apresento aspectos da
existência/natureza humana, chamando atenção para comportamentos de sujeitos diante da
realidade social e suas transformações, inspirada na linguagem literária e nos contos de
Guimarães Rosa, que com sua linguagem, desenha personagens que representam pessoas
comuns, ao tempo que cria situações que contraiam o senso comum, deslocando e
desconstruindo a vida e o cotidiano.
Com base no exposto, deteve-se sobre os personagens do conto, por possuírem vidas
deslocadas, serem persistentes a resistirem física e psicologicamente às escolhas. Em seguida,
transportou-se tais aspectos fictícios para a realidade, comparando os comportamentos e
escolhas dos personagens com o de sujeitos reais. Como reflexão, interessou tratar das
travessias e deslocamento dos sujeitos, abordando a capacidade do homem de resistir ou se
adaptar às escolhas, e enfrentar conflitos com relação a si mesmo e ao espaço em que habita.
Nessa perspectiva, acredita-se ter alcançado o objetivo de mostrar a (des)construção e
(des)fragmentação dos sujeitos diante da travessia da vida, que deslocam as certezas
identitárias e de segurança, e insere o homem em uma interminável busca de si.
CAPÍTULO 1 DIÁLOGOS LINGUÍSTICOS-LITÉRÁRIOS: o fazer artístico
rosiano e
a expressão da loucura.
Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se
dispõe para a gente é no meio da travessia(Guimarães
Rosa).
A partir das relações históricas do homem com a realidade, que envolve todo o
processo dinâmico do mundo, em suas transformações; a literatura adentra-se nesse
processo e cria outros mundos. Realidades acrescidas de elementos singulares, capazes
de ampliar as possibilidades de pensar, do leitor.
No fazer literário encontra-se um emaranhado de elementos que envolvem fatos
históricos, cotidianos, sociais, psicológicos, transcendentes, etc. capazes de romper os
limites da ficção, aproximando-os da realidade. Nesse contexto exemplifica-se a
literatura de Guimarães Rosa, na qual encontra-se sujeitos que produzem mudanças em
suas próprias vidas, fato que favorece a uma nova consciência com relação a espaços
construídos, contextos inusitados que mexem com a estrutura social, familiar,
psicológica e cultural do ambiente e provoca o leitor a novas questões.
Neste capítulo, apresentam-se elementos da arte literária e, também, a sua
estreita relação com a história e suas transformações tanto sociais, como humanas. Faz-
se uma breve apresentação dos contos de Guimarães Rosa, Sôroco, sua mãe, sua filha e
A terceira margem do rio, objetos de análise desse trabalho, considerando os aspectos
da sua produção literária e as temáticas sobre os dramas humanos, a travessias e os
limites existenciais dos sujeitos/personagens, que apresentam comportamentos
próximos à loucura.
1.1 Ficção versus realidade
Diferente de qualquer outra linguagem, a Literatura, com sua capacidade,
desordena os padrões linguísticos e sociais do cotidiano e, como um espelho em que o
homem se vê refletido, é capaz de conduzi-lo às profundezas da existência. A literatura
estabelece um diálogo entre as relações sociais e transforma em histórias as experiências
humanas.
Entende-se, pois, Literatura, como um espaço promotor de transformação do
sujeito, capaz de capturá-lo para lugares e possíveis “verdades” sobre o eu e a realidade
circundante. Através da mimese e das metáforas, criam-se espaços e lugares físicos e
metafísicos em que indivíduos/personagens passam a habitar ao se deslocarem da
realidade. Este deslocamento ocorre porque a linguagem literária tanto regula o
pensamento em várias direções - cria realidades que potencializam ou limitam o leitor –
quanto transfigura-se polissêmicamente - modifica o real, transpõe o tempo, move os
lugares, as pessoas, o mundo. É uma linguagem que se (des)materializa.
De acordo com Judite Grossmann (1982, p.23) o discurso literário é sutil, ao
ponto de imbricar as relações entre a realidade e a ficção, englobando, representando e
deslocando as origens desses discursos ora em um, ora noutro. Segundo ela, a literatura
se vale da realidade para existir, e, por conter a linguagem universal, transcende o
tempo e estabelece um elo entre os homens e a história.
O texto literário provoca, apresenta inconformismos, problematiza a realidade,
transpira valores, modelos e padrões morais e éticos e acompanha estas transformações.
Ele reflete as interrelações humanas e do homem com o mundo; (re)cria a vida e a
realidade, ao tempo que conduz o leitor à dimensão existencial, histórica, sociocultural e
política da humanidade através da palavra. Os caminhos traçados pela obra literária são
descontínuos, a linguagem consegue particularizar o universal, o coletivo e o individual.
Segundo Foucault (2002, p. 239), o jogo das palavras e a exploração fonética,
semântica e sintática tornam o texto capaz de absorver a realidade. Estes recursos
acrescem a multiplicidade semântica, e ao leitor cabe a função de (re)ordenar a sua
percepção. Através das emoções o texto ficcional envolve os mundos real e imaginário
e, assim, ultrapassa os limites da significação e promove outras formas de perceber esta
realidade.
Nesse aspecto, o texto se desconstrói, pois o leitor, ao contactá-lo, interpreta-o,
apreende-lhe os sentidos, manifesta o seu ponto de vista. Esta desconstrução do texto,
portanto, não garante certezas na sua infinitude de sentidos, mas conduz o leitor a
desvendar suas artimanhas, porque discurso literário, não só imita como acentua as
situações universais do homem. Derrida (1972, p.12) cita que o texto “provoca a
dúvida, inquieta, mente, simula, engana, teatraliza a verdade, joga com o leitor”. Para
Grossmann (1982, p.35), a singularidade dos elementos que se apresentam na obra
literária representa uma continuidade universal das questões humanas. Entretanto, quase
sempre eles estão impronunciados, pois foram invertidos, reelaborados e apresentados
em forma de paródias e metáforas.
A literatura rosiana envereda pelos caminhos da desconstrução tão comuns à sua
escrita. Na sua obra, o autor trata de questões universais, metaforiza a vida, o destino, as
travessias. Sua linguagem desenha personagens que representam pessoas comuns, cria
situações que contrariam o senso comum, transforma, desloca, (des)constrói a vida, o
cotidiano. As personagens enfrentam perturbações com seus “eus” e com o mundo
exterior, por isso, exige mudanças de vidas, que fazem com que estes personagens
passem a viver de modo ainda não experimentado.
Constata-se nos contos rosianos, uma descentração dos sujeitos e uma
(des)construção dos modelos de identidade que se formaram ao longo do tempo.
Direcionam-se, portanto, possíveis olhares para a metáfora da “loucura”. A loucura da
incompreensão social que leva o homem à experiência de confrontar-se consigo mesmo
e com a sua verdade.
Nos contos Sôroco, sua mãe, sua filha e A terceira margem do rio (objetos de
análise deste trabalho), depara-se com a representação da transcendência, sob uma
multiplicidade de sentidos e significações. Realidades que ocasionam complexas
relações entre verdade e ilusão, loucura e sanidade. Os personagens dos contos são
pessoas comuns, mas diferem do senso comum, porque transformam o cotidiano e são
impelidos a transformações.
Em Sorôco, sua mãe, sua filha, o leitor depara-se com um sujeito, excluído da
sociedade (Sorôco) que ao passar sua vida cuidando de duas loucas, carece entrar em
comunhão com os mundos interno e externo, deixar vir à tona seu verdadeiro eu. Ele
decide conduzir sua mãe e sua filha, loucas, para serem internadas; Episódio que leva-o
a viver e a assumir a sua própria “loucura”.
Em A terceira margem do rio, encontra-se um sujeito, o pai, que ao passar a
viver dentro do rio, sobre as águas, dentro de uma canoa, cria e se estabelece em outra
margem – “terceira margem” – recusa-se a usar a palavra, desapega-se das coisas e das
pessoas e se distancia da vida social e cultural. Decisão que aparenta ser
desestruturadora, mas, para ele, talvez necessária, enquanto o filho, narrador da história,
que se enquadra no senso comum, passa a viver à “margem”, observando e narrando a
vida do pai. E, sem coragem de assumir quem é, e em que acredita, teme ser excluído
socialmente e acaba por viver na mediocridade.
Assim, a arte literária constrói percepções acerca da (des)construção da
identidade, como aquela que envolve a sociedade moderna, na qual se instaura um
modelo social que provoca dissolução de valores, de referências e significados dos
ambientes/espaços habitados. Interferências na idéia que o sujeito possui de si mesmo,
que pode conduzi-lo a comportamentos que fogem dos padrões sociais e, quiçá
provoquem espanto e exclusão. Atitudes que estão representadas nos limites e travessias
dos eus, expressos ficcionalmente como representações alegóricas influentes na obra
apresentada.
1.1 Limites e travessias
Como fenômeno que se concretiza a partir das relações sócio-históricas e das
interferências na interpretação do leitor, pode-se dizer que a literatura é uma constante
travessia para a construção de novos sentidos, novos valores e significados. Semelhante
a uma instituição social, ela está em contínua mudança e adaptação. Tece as buscas,
orienta-se pelo pensamento, pelos processos políticos e históricos, pelas vivências
culturais e sociais, pelos conflitos e ações do homem. Promove um mergulho na
história, na cultura e na própria identidade do indivíduo, é apresentada, pois, como o
denominador comum das experiências humanas.
À medida que alcança as experiências do homem, a realidade literária sofre o
processo de reelaboração, em que o real é modificado e surgem as paródias, a mimese e
a metáfora. Para Vargas Llosa (2004, p. 16), isso se faz necessário, pois a Literatura
expressa um tipo de verdade muito sensível, que só pode ser expressa de forma
disfarçada, o motivo segundo ele, é que quase todos os homens são insatisfeitos com a
vida que levam e gostariam de viver de modo diferente. Para moderar esse desejo, surge
a ficção, que se caracteriza por uma travessia de fronteiras entre dois mundos. Uma
interação entre o fictício e o imaginário que se inserem, um no contexto do outro.
De acordo com Lígia Leite (2001, p.6) quem narra as histórias, fá-lo a partir do
que viu, do que viveu ou testemunhou, e também do que imaginou, sonhou ou desejou.
Assim, o discurso literário fragmenta a realidade, possível através da linguagem, que
(des)organiza, (des)constrói o que se vive, sente e ouve. A linguagem literária encena a
vida, como um mecanismo que resgata, analisa e representa as forças que alimentam a
sociedade e a existência humana. Desse modo, quando o leitor experimenta os múltiplos
signos do texto, ele transpõe limites, e (des)faz travessias. Como já foi citado, o texto
provoca dúvida, inquieta, joga com o leitor, portanto, exige envolvimento e atenção para
compreender as outras existências encontradas no texto.
A experiência da literatura conduz o leitor ao rompimento de fronteiras, fazer
uma partilha, independentemente da posição social, período histórico ou situação
financeira, com a humanidade. A literatura imita, inventa, revela e/ou representa o
mundo e as atividades humanas, cria oportunidades para o leitor se colocar como
participante na produção de sentidos do universo representado. Segundo Terry Eagleton
(1997, p.5) essa propriedade do texto, aliena a fala comum, provoca estranhamento e
conduz o leitor a vivenciar uma experiência subjetiva, intensa, capaz de provocar
comoção, perturbações, e chegar à catarse que, para Rogel Samuel (2002, p.11) é “[...] a
consequência da tensão provocada pelos elementos do texto”, uma experiência que
transforma esse leitor participante da história ou uma extensão dela.
O mundo representado no texto, com as múltiplas possibilidades de
compreensão, é possível através da mimese - definida como fenômeno que envolve o
processo artístico do homem. O meio de representar a realidade a partir do imaginário.
Cenário ideal em que o vivenciado no mundo real, passa para outro plano, o plano do
simulacro, da ambiguidade, das verdades subjetivas que modificam desfocam ou
apagam as cenas reais e as transformam nas imagens do texto. Conforme escreveu
Vargas Llosa (2004, p. 23), a obra fictícia consegue ao mesmo tempo, apaziguar e atiçar
as insatisfações do homem. É um conjunto de sentidos capazes de unir em um único
espaço várias linguagens e pontos de vista, que em outros tipos de discursos se
tornariam contraditórios. O discurso literário revela coisas que nenhum outro é capaz de
dizer.
Apesar de manter relações com a realidade, os espaços, o tempo, e os
personagens da obra literária, constituem um mundo que só passa a existir quando
inventado, e como uma invenção humana, a criação literária está submetida ao
imaginário do autor e entrelaçada a ele.
Buscou-se nesse trabalho, analisar o conto de Guimarães Rosa, Sôroco, sua mãe,
sua filha e A terceira margem do rio, por serem textos que possuem um discurso
intenso, narrativas baseadas em um processo de (des)construção de vidas e vozes,
metáforas de destinos, de margens e travessias, que conduzem personagens a algum
lugar. Características peculiares do estilo desse autor que, com sua linguagem, consegue
unir as inquietações humanas presentes em todos os tempos e lugares e conduzir o leitor
ao mistério da existência humana, da essência da vida, e o faz sob uma perspectiva
enigmática.
Observa-se, que esse processo na obra de Guimarães Rosa, supõe transgressão,
estranheza, estremece a consciência, ativa o imaginário, invade o tempo e o espaço da
realidade e desperta o leitor a fazer experiências que não são alcançáveis no cotidiano,
além da sensação de prazer, que Barthes (2002, p.12) define como um instante
insustentável e puramente maravilhoso. Uma experiência possível, pois o discurso
literário e o jogo da ficção possibilitam ao sujeito real mergulhar nas cenas imaginárias,
fazem com que o leitor transite entre o real e o imaginário, tornando-se, portanto, capaz
de alterar o seu cotidiano.
As narrativas, pois, apresentam um processo de construção e desconstrução,
travessias e limites, que envolvem passado, presente e exige do leitor atenção para unir
os elementos que constituem a (in)existência percebida na história dos personagens.
Tratam da mutabilidade do cotidiano e das experiências humanas e apontam para a
estreita relação entre o real e o fictício. O discurso é intenso, envolve a subjetividade do
leitor e ao entrelaçar as linguagens dos dois mundos (real e ficção) é possível perceber
motivos que podem conduzir muitos sujeitos às malhas da loucura.
1.3 Nas malhas da Loucura
Enquadrar-se como membro pertencente a um grupo qualquer, é referencial de
segurança e identidade para qualquer sujeito, entretanto, o momento atual da história
sugere, constantemente, a construção de novos modelos de comportamentos. O
rompimento das fronteiras globais e o poder do mercado quebraram também as
distâncias identitárias, o que provoca constantes transformações nas certezas do homem
com relação a vários aspectos da sua vida.
O bombardeio de informações que transitam a sociedade atual de forma
globalizada, contrariam a realidade econômica, psicológica e cultural de grande parte da
população. E, à medida que as distâncias se encurtam e a sociedade torna-se massifica,
determinam-se os tipos de consumo, padrões para hábitos e modelos de conduta.
Cobranças quase impossíveis de se acompanhar. Assim, muitos sujeitos entram em
crises existenciais ou quebram “algumas regras” para satisfazer, ou não a apelos do
mercado e da mídia.
De acordo com Hall (2006, p.9), as transformações que ocorrem, alteram a
identidade e a concepção que o indivíduo possui como “sujeito integrado”. É um
momento crítico, no qual muitos homens se afastam da democracia, da cidadania, da
ética, do respeito ao ser humano, à ordem social e à vida. As relações tornam-se
superficiais. Deixar-se conhecer pelo próximo pode comprometer a segurança. O outro,
portanto, torna-se uma ameaça e, consequentemente, a reciprocidade já não denota uma
extensão da natureza humana.
De acordo com Enriquez (apud TOLENTINO 2007, p. 21), o sentido existencial
do homem resulta da sua ocupação em alguma instituição social que lhe forneça
segurança e designe um status quer seja ele formalizado ou não. Contudo, a sociedade
contemporânea dificulta a convivência entre os homens. Os grupos de amigos, a família,
a escola, empresas etc., tornam-se desafios para exercitar e/ou manter a segurança e a
partilha. Em razão da predominância do materialismo, do consumismo e do
imediatismo, o homem passa a se apoiar em referências que descentralizam seu eu.
Viver requer suportar implicações. E, na atualidade, toma-se como exemplo o
autoritarismo, o desemprego, a miséria, degeneração da vida urbana (violência, pobreza,
drogas), que para Tolentino (2007, p.16), são problematizações do tempo e dos espaços
da globalização. À proporção que a estrutura social sofre alterações, o individuo
necessita lidar com tal realidade, com as interrelações que mudam consequente e
continuamente, bem como consigo mesmo.
Depara-se com mais um ciclo da história, período no qual, o ponto de vista
social, político e econômico altera as definições do que é normal e anormal nos padrões
de vida, de consumo, de escolha e de comportamento dos sujeitos. Criam-se categorias -
cidadão ou estrangeiro. Qualificam-se, seleciona ou perseguem os indivíduos. São
estabelecidos padrões de aceitabilidade do outro como participante ou não do meio
social.
De acordo com Bauman (2007, p.17) “em vez de grandes expectativas e sonhos
agradáveis, o “progresso” evoca insônia cheia de pesadelos de “ser” deixado para trás”.
Diferente de pregar a segurança existencial, a coletividade e a solidariedade, prega-se o
que diz o ditado popular, “cada um por si Deus por todos”. Situação angustiante que em
alguns sujeitos provoca tensões, inseguranças e incertezas, e os levam a lutar contra o
“meio”, tomando distância ou enfrentando-o. O “ser” fragmenta-se e desloca-se.
Giddens (2002, p. 40) comenta que, por se sentir ameaçado, o indivíduo teme perder-se
a si mesmo e depara-se com uma grande tarefa: estar atento para refazer suas ações e ter
coragem para enfrentar o cotidiano. Ele ainda escreve que a atitude natural desses
sujeitos deve ser levantar perguntas sobre mundo, sobre os outros e sobre si mesmo, e
estas perguntas devem ser respondidas para que possam enfrentar com naturalidade suas
questões existenciais. Quem não responde às suas questões necessárias não viverá
normalmente e poderá entrar em desequilíbrio.
Os homens, ao longo de toda vida, buscam segurança e conforto existencial, e
quando não a encontram na sua forma concreta buscam ao menos, a sensação de sentir-
se seguro. Não obstante, caminham em uma via inconstante e imprevisível, pois sofrem
ameaças de verem diminuídas as capacidades de ação. Enfrentam o que Hanciau (apud
VILLAÇA, 1996 p. 136) define como um cruzamento, de diferentes e complexas
referências identitárias.
Para Giddens (2002, p.138), a transição constante do ambiente tende a provocar
nos indivíduos crises de identidade, destarte, cada um deve assumir o compromisso com
a sua existência, criar pontos estratégicos que o fortaleçam, para que, em determinados
momentos aja de forma a construir sentidos úteis à vida. É no ambiente social que o
individuo manifesta potencialidade, vontade, inteligência, sensibilidade, interage
consigo e com o mundo. Mas, quando habita um espaço que sofre transformações
rápidas e constantes, é provável que entre em conflito.
Sempre, e em qualquer lugar, existirão indivíduos com comportamentos que
diferem dos outros, dos padrões e das regras definidas socialmente. Tais atitudes podem
representar (re)ações e rupturas com regras e padrões da sociedade. Dado o exposto, o
modelo de sociedade atual, em alguns momentos, exige que sujeitos visualizem novos
destinos e estejam preparados para romperem com certos padrões que podem contrariar
o senso comum.
Para Foucault (2002, p. 214), não existe cultura no mundo em que se permita
fazer tudo. Sabe-se que o homem não cresce governado pela liberdade, mas pelo limite.
Portanto, o sujeito que não obedece às regras nem se integra a essas atividades será
considerado marginal ou louco. Ainda, segundo o autor (2002, p. 163), a loucura faz
parte de um dos níveis estruturais da segregação social: para ele, a loucura não é
encontrada no estado selvagem, só existe na sociedade, dentro das normas que isolam,
reprimem e excluem.
Cabe enfatizar que este trabalho trata de analisar deslocamentos e travessias de
sujeitos, que não sabem dizer o que querem, ou não são compreendidos no que dizem
ou como dizem, bem como em seus silêncios. Consequentemente são julgados por suas
atitudes, considerados ou tratados como loucos, fator que permite colocar entre
parênteses, inúmeras perguntas sobre as complexas convenções sociais que
comprometem a linguagem e os atos dos sujeitos.
Como fruto do imaginário, o texto fictício apresenta inúmeras configurações e
impõe que seja interpretado, portanto, o leitor deverá fazer uma travessia de fronteiras
para encontrar os possíveis recortes da realidade. Como produto de um autor, cada texto
possui uma temática do mundo e Guimarães Rosa através da sua linguagem, provoca
reflexões sobre a essência e o aprendizado da vida, a incompletude humana e os
comportamentos incomuns dos sujeitos (personagens).
Em vista disso, o drama dos sujeitos do conto, pode ser comparado ao dos
sujeitos modernos, que vivenciam concretamente os desdobramentos das organizações e
estruturas sociais, que assim como podem solidificar sua condição no mundo, podem
também causar estranhamento, fragmentação e deslocamentos do eu.
CAPÍTULO 2 AS MARGENS: Deslocamentos e (des)construção do eu.
O mais importante e bonito do mundo é isto:
que as
pessoas não estão sempre iguais, mas que elas
vão sempre mudando (Guimarães Rosa).
Ainda que seja muito arriscado fazer uma travessia literária, percorrer os
caminhos oferecidos pelo texto é um aprendizado complexo, exige antes, aprender a
olhar e a sentir a força das palavras.
É também prazeroso, pois na obra rosiana parte-se com personagens em suas
experiências, viaja-se nas histórias através das imagens, para só assim, perceber os
elementos que brotam do texto.
Além dos espaços físicos, o autor cria também espaços metafísicos, mundos que
atraem o leitor, pois estabelece relações com o interior subjetivo de cada sujeito,
recheado de emoções e imaginação.
Os contos de Guimarães Rosa provocam reflexões, levantam questões sobre as
verdades existenciais dos personagens e consequentemente do leitor. Ao proporcionar
aos personagens vidas singulares o autor contraria regras e padrões sociais.
Tais personagens não se submetem à lógica da razão, porém, habitam lugares
sem regras. Abrem caminhos para que se possa dialogar com outros modos de ser ou de
comportar-se no mundo, sem, contudo deixar de fazer diferença na vida de alguns
outros sujeitos. Por esse motivo, apenas se levantam possíveis hipóteses acerca dos
motivos de seus comportamentos.
Este capítulo apresenta personagens diferentes, que rompem com a rotina;
deparam-se com desafios, bem como os conflitos, que envolvem o ser na continuidade
da vida.
Através dos traços deixados pela linguagem literária e pelo estilo rosiano, tenta-
se captar elementos capazes de melhor configurar a travessia, os deslocamentos e a
desconstrução do eu, posicionando-se sobre o comportamento estranho dos personagens
que podem ser motivados por alguma fuga, ou negação, resultado ou não da
fragmentação interior.
2.1 Estranhamento e loucura
Uma das principais características do texto literário é o trabalho estético da
linguagem, entretanto, os aspectos formais não são tão importantes quanto os
semânticos, pois são estes que criam o sentido existencial da literatura. Como o
anteriormente citado, os deslocamentos de sentidos possibilitados pela obra literária
criam rompimentos, margens, e uma consequente admiração que transforma o texto em
um espaço de múltiplas significações. Desta forma, o fazer artístico literário tem o
potencial de intensificar a experiência de descoberta, encanto e contemplação das
coisas. Desautomatizar as experiências cotidianas e como resultado, provocar
estranhamento.
Segundo Barthes (2002, p.9), “O texto pode criar caminhos que conduzam o
leitor ao desfrute oferecido pelo autor”. Artifícios dos quais a literatura se apropria para
provocar no leitor uma admiração, capaz de instigar e dificultar a percepção e a leitura.
O texto comumente apresenta-se de forma inusitada, pois rompe com a razão, foge do
convencional e desfamiliariza o cotidiano. Desafia os conceitos preconcebidos sobre o
mundo, favorece à estranha sensação de novidade e provoca um choque entre as coisas
pré estabelecidas. A visão apreendida das coisas, do espaço e do tempo se alarga e se
estreita. Surge um universo de significações que introduzem o leitor em uma dimensão
que só através da arte é possível experimentar.
O texto explora múltiplos sentidos, e estabelece novas e diferentes significações,
como nos contos de Guimarães Rosa, Sôroco, sua mãe, sua filha e A terceira margem
do rio. O autor lança um olhar sobre a vida cotidiana do homem, com seus medos e
dramas. O leitor retira reflexões sobre o mistério da existência e transcende no processo
de fruição. Ao internalizar a experiência dos personagens, pode despertar em si o desejo
de também transpor limites e desafios existenciais, bem como superar os
condicionamentos que interferem na vida cotidiana.
O autor subverte o lugar comum, cria mundos singulares, deslocados, insere o
inusitado em histórias com personagens que, em seu modus vivendi difere do comum;
são estranhos, marginais, estáveis, fronteiriços. Apresenta elementos de onde se pode
refletir sobre a jornada individual, em direção à auto reflexão e ao autoconhecimento.
Nos textos rosianos, percebem-se ainda ausências de sentidos na lógica de vida
dos personagens, um tipo de loucura, sem começo ou fim, sem preocupação com tempo
cronológico, com vida social. Vidas com abismos e vazios. Personagens com uma
lógica de vida, difícil de compreender. “[...] ele começou a cantar, [...] mas sozinho,
para si” (ROSA, 1988, p.22), “Nosso pai passava ao largo [...] sem deixar ninguém se
chegar à pega ou à fala” (p. 34). “Tiro por mim, no que queria, e no que não queria, só
com nosso pai me achava: assunto que jogava para trás meus pensamentos(p. 34)”.
Despertam questionamentos sobre o não estar vivo, o não existir. Em suma,
experiências que revelam o interior do ser em seu constante trilhar existencial. Levanta
reflexões sobre os complexos mecanismos que movem o ser humano, e conduzem o
leitor à busca por desvendar além dos elementos do texto, seus próprios enigmas e
fronteiras.
É possível aplicar as palavras de Barthes (2002, p. 20) ao texto de Guimarães
Rosa, “[...] não devorar, não engolir, mas pastar com minúcias, redescobrir [...]”. Os
desvios da linguagem rosiana criam espaços que provocam a investigação.
Proporcionam travessias, encontram-se reveladas partes do real com o fictício que
deslizam para imagens fantásticas e oportunizam o deleite e também a autoconsciência
do leitor e permitem estabelecer uma inter-relação com aspectos psicológicos e sociais.
Na literatura rosiana, os personagens fazem travessias existenciais complexas;
fazem experiências que qualquer sujeito real pode fazer. Acontecimentos cotidianos,
mas que se tornam extraordinários, e por isso, estranhos. Enfrentam a tentativa de
ressignificar a vida através de jornadas que fogem da lógica comum estabelecida do
mundo. Problematizam o existir e, segundo Barthes (2002) provocam o estranhamento a
ponto de despertar no leitor o desejo de participar do texto como continuidade de si.
Quando um sujeito depara-se com situações estranhas, ou seja, com o novo, ele
costuma enfrentar ou fugir. Na mesma medida, o texto provoca essas possibilidades no
leitor. Ou ele se deixa absorver pela leitura ou a abandona. Segundo Roland Barthes
(2002, p. 11) “o prazer da leitura vem evidentemente de certas rupturas [...]”. Na obra
de Rosa, o leitor sente-se obrigado a romper com alguns valores e convicções, para
participar do jogo dialógico e extrair seus significados. Se deixar envolver por lacunas
estranhas que o texto oferece, e quiçá descobrir ou ocupar seus vazios existenciais.
ainda conforme o autor citado ( p.39) o prazer oferecido pelo texto “[...] não é um
resíduo ingênuo; não depende de uma lógica de entendimento e da sensação; é uma
deriva, algo ao mesmo tempo revolucionário e associal e não pode ser assumido por
nenhuma coletividade [...]”.
A arte literária, capaz de promover tal experiência, ultrapassa limites, move o
pensamento, transcende o sujeito e as coisas, o eu e o mundo e o próprio discurso. Na
prática, ela supera o cotidiano. E como representação pode produzir no sujeito leitor
mudanças de conduta, de valores e novas concepções de mundo.
Desta forma, o texto em seu estranhamento, aproxima-se do mistério existencial
e da busca essencial dos sujeitos, que recorrem à experiências capazes de conduzi-lo ao
seu verdadeiro eu, ou não. Para tanto, livram-se dos (pré)conceitos que os outros
atribuem a si, perdem ou assumem máscaras e (des)fazem alguns papéis representados
convenientemente, segundo o modelo de sociedade no qual estão inserido. Não
obstante, assumir a verdadeira essência exige o preço de manifestar particularidades que
se diferenciam do dito “normal”. A diferenciação que origina estranhamento ocasiona a
marginalização, exclusão e transforma em louco aquele que não aceita seguir os padrões
de conduta de determinado grupo social. E muito sujeitos, por não suportarem tal
realidade, poderão, ou não, fugir para outros lugares em busca de um novo existir.
2.2 Fuga ou Entre lugar
À medida que estuda Guimarães Rosa, o leitor sente-se cada vez mais motivado
a prosseguir e perseguir os mistérios que se escondem por trás dos personagens, com
suas vidas e histórias inquietantes, comportamentos fora dos padrões, que confrontam a
razão e a concepção de mundo que está instaurada em cada sujeito real.
Rosa, com sua linguagem, que por si só é questionadora, direciona os olhares
para a profundeza do ser através de personagens que propiciam essa experiência. Eles
incomodam o leitor com suas reações, comportamentos incomuns e silêncio. Os
personagens possuem características peculiares, e por esse motivo, são capazes de “ver”
além do cotidiano, vivem e assumem realidades inatingíveis pelo senso comum e desta
forma ressignificam suas vidas e de quem os rodeiam. Segundo Santos (1999, p. 58) a
definição do sujeito se dá, a partir do seu comprometimento com questões existenciais,
que implicam nos gestos, no falar e no agir a partir da interioridade. Contudo, não se
deve isolar o exterior, pois ambos são os responsáveis por constituírem os sentidos da
existência.
Os sujeitos observados na obra de Rosa ocupam espaços inusitados, apresentam
atos e comportamentos que fazem com que o leitor adentre esses “lugares” - físicos ou
psicológicos - instigados a “olharem” a sua maneira o mistério que habita as vidas, e, no
invisível, encontrar os possíveis significados. Segundo Oliveira (Ano I, p.18) Rosa
“tenta captar o infinito [...] traduzi-lo em palavras, em signos e em símbolos”.
Nos contos rosianos, o leitor mergulha em um tipo de mistério quase
indecifrável, porque as histórias e seus personagens consistem em um perder-se no
tempo e no espaço, um perder-se de si, dos outros e dos referenciais. A experiência dos
personagens sugere dúvida, isolamento, solidão, que se sujeitam como a um rito de
passagem, quiçá necessário, e que poderá conduzi-los a outro mundo. Ao encontro do
“eu” ou com um novo “eu”.
Livres, ou não, das amarras convencionais fogem das regras, portam-se como
estranhos no mundo ou em um mundo estranho. Por esta razão, considera-se que estão
em conflito existencial ou surtaram em alguma loucura. Segundo Foucault (2002, p.
216), “A loucura abre uma reserva lacunar [...] que faz ver esse oco no qual língua e fala
implicam-se.”
Ao criarem sua própria linguagem para nela se sustentarem, antes necessitam
criar um lugar, para que possam se estabelecer, lugares imaginários, lugares não
especificados. Lugares distantes da comunicação. Em Sôroco, sua mãe, sua filha e A
terceira margem do rio, existem uma deficiência na comunicação entre os sujeitos,
ficam silenciosos, incompreendidos. Em consequência, criam ilhas, ficam presos, cada
um em seu mundo. “Sôroco[...] no sofrer assim das coisas, ele, no oco sem beiras,
debaixo do peso” (ROSA, p.21). O pai de A terceira margem, “[...] só executava a
invenção de permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio.” (p.33). Quanto ao
filho; “Eu fiquei aqui, de resto. Eu permaneci com as bagagens da vida” (p.34).
De certa forma, esses lugares em que se colocam os personagens rosianos,
Sôroco, em Sôroco, sua mãe, sua filha e o pai e o filho em A terceira margem do rio
fazem pensar sobre os sujeitos modernos que enfrentam certo esvaziamento das
experiências sociais e (des)construção das relações intercomunicativas. Segundo
Bauman (2007, p.8), “A comunidade [...] parece cada vez mais destituída de
substância”. De acordo com Giddens (2002, p. 137) “O lugar torna-se [...] menos
significativo do que costumava ser como referente externo da vida do indivíduo.” Em
decorrência, instalam-se sentimentos de insegurança ou medo, que não são apenas
externos, mas vem também de dentro dos indivíduos, que se isolam, distanciam-se e
separam-se do convívio social.
Estabelecem-se no entrelugar que, de acordo com o conceito de Silviano
Santiago (2000), é um atravessamento, entrelaçamento e confronto de línguas, dos
espaços, de culturas, enfim, que acabam por instituir outro lugar, no qual os sujeitos
necessitam assumir outros comportamentos. Nesse entrelugar “Surgem novos discursos,
diferentes sujeitos, dinâmicas de fronteiras” (HANCIAU apud Villaça, 1996, p. 12). E
na (re)construção individual resta a cada um constituir a sua verdade interior.
O deslocamento e a desterritorialização dos sujeitos apontam para um espaço
capaz de promover uma redefinição identitária, o que experimentam pode ser um
“lugar” de (re)descobertas, de auto-afirmação ou ainda um lugar de perder-se para não
mais encontrar-se. Para Foucault (2002, p. 216), “A loucura apareceu [...] como uma
prodigiosa reserva de sentidos.” Os personagens do conto estão na margem, e entre
margens. Talvez seja por esse motivo que os “lugares” dos personagens são flutuantes e
quase incompreensíveis, entrelugares. Segundo Fonseca e Alves (2000, p.113),
Guimarães Rosa:
Constrói personagens em trânsito, ou loucos desajustados,
habitantes de um mundo imediatista e pragmático, que por isso
mesmo, parecem capazes de fazer mergulhar o ser humano mais
fundo em sua problemática.
Ao se perceberem nas margens do cotidiano, partem em busca de um espaço, ou
refúgio que não lhe ofereça risco. Necessitados de mudança desestruturam os padrões
ou rompem com eles. Estes fatos lhes fazem criar mundos e transformá-los em espaços
ricos de significações. Segundo Caldas (Ano I, p. 33), a obra de Guimarães Rosa, “[...]
condensa as inquietações humanas que estão presentes em todos os lugares e tempos”.
Através dos seus artifícios lingüísticos e estéticos, ele consegue transmitir ao leitor, que
a linguagem literária subordinada à realidade, propicia a compreensão da condição do
sujeito que perde seu contato, sua conexão, seja com o mundo interior e com a própria
vida, seja com as transformações sociais ou cotidianas.
O entrelugar habitado pelos personagens pode representar possibilidade de
reflexão do sujeito para se encontra consigo mesmo, entender suas relações consigo e
com o espaço, ou uma problematização que o autor propõe para refletir sobre o
estranhamento provocado ao ambiente social quando um sujeito se retira ou reage de
modo incomum como fuga ou busca de soluções para algum conflito interior.
2.3 O sujeito e a fragmentação
Como manifestação das experiências humanas transformadas em histórias, o
texto literário consegue penetrar no íntimo de indivíduos e apresentar a mobilidade
interior no processo de (des)construção do eu. As narrativas oferecem ao leitor
possibilidades de perceber o real, como se não existissem os recursos da mimese ou das
metáforas.
Aspectos encontrados nos contos de Guimarães Rosa, os quais abrem
perspectivas sobre a natureza humana e fazem pensar sobre diferentes modos e
possibilidades de se viver. Portanto, “[...] o mundo representado há de se tornar como se
fosse um mundo” (ISER, 2002, p. 403). A semelhança do texto com o real permite que
através dele sejam encontrados elementos empíricos do mundo.
Para Iser (2002, p. 409) “A diversidade de compreensões do texto literário
mostra o limite da semântica”. Daí torna-se compreensível o potencial que tem o texto
de representar a condição humana no mundo, bem como as relações intercomunicativas
em diversos tempos e lugares. Ao despertar para questões sobre as transformações
históricas e socioculturais que interferem a integração do sujeito no mundo e no meio
em que vive, estabelece uma realidade na qual o “eu” se (des)fragmenta, e o indivíduo
reage através de alterações no comportamento, na linguagem ou na vida. Nos contos,
Sôroco, sua mãe, sua filha e A terceira margem do rio os personagens enfrentam o
isolamento e a solidão, sujeitam-se a uma (des)integração e (des)construção de si
mesmo, ao tempo que, parecem procurar espaços que lhes ofereçam alguma segurança
ou equilíbrio interior.
Aguiar e Silva (1979) enfatizam que a literatura é um trabalho artístico à
sombra de inúmeras facetas que expressam inconfundivelmente as emoções e os
mistérios do homem. De acordo com Aleilton Fonseca (2000), os personagens rosianos,
ao habitarem em um mundo que imita o real, promovem o mergulho do leitor na
problemática humana para perceber que a vida, cercada pela fugacidade das alegrias e
da insatisfação dos desejos, está marcada pelo estigma da morte.
Por meio das relações com o outro, o homem se constrói como sujeito. Mas, é
através das escolhas, dos atos, dos gestos, do silêncio e mesmo da fala, que manifesta
quem ele é. Quando se está em equilíbrio consigo mesmo e com o ambiente no qual
vive, o sujeito consegue se relacionar com as diversas realidades do cotidiano e
apreende-as, à medida que administra os desafios que carecem de respostas. Ao
contrário, o sujeito em possível conflito interior, assume posturas incoerentes com os
padrões do meio social e cultural em que vive.
Ao se deparar com algum embate interior versus exterior, o individuo não
questiona apenas a sim mesmo, mas também os outros, à medida que busca possíveis
respostas que solucionem os desafios à sua frente, e ressignifique sua vida.
Provavelmente, esta fase de transição provocará algum tipo de resistência por parte dos
outros com quem ele convive. Ao passo que alguém experimenta o novo, perde medos,
liberta-se de leis e quebra padrões, passa a ser tratado ou recebido como estrangeiro, ou
louco. Para Foucault (2002, p. 26) “Quando acredito ter um corpo, estou seguro de ter
uma verdade mais firme que aquele que imagina ter um corpo de vidro”. De acordo com
Santos (1999, p.57)
Definir-se será comprometer-se com a existência de
materialidades corporais [...] Não que a exteriorização ponha
sobre a existência certezas, mas possibilidades de ação, por atos
que, num certo momento formam sentidos úteis à vida.
Mudança de comportamento torna-se inevitável, pois o indivíduo encontra-se em
possível fase de reformulação das suas verdades. Toma-se como exemplo as atitudes de
Sôroco, em Sôroco, sua mãe, sua filha e do pai e do filho em A terceira margem do rio.
O homem anseia por transcendência, e transcender supõe transgressão. Abandonar
alguns valores socioculturais preestabelecidos pode ajudar o sujeito a alcançar a
essência da sua alma. Segundo Bonder (1998, p.13) “O ser humano é talvez a maior
metáfora da própria evolução, cuja tarefa é transgredir algo estabelecido”. Romper
fronteiras, para alguns sujeitos é um grande desafio, destarte, esta não violação, pode
levar a crises identitárias como ocorre com Sôroco, em Sôroco, sua mãe,sua filha, após
o embarque da mãe e da filha: “[...] estava voltando para casa, como se estivesse indo
para longe, fora de conta.” (ROSA, 1988, p.21) e com o filho em A terceira margem do
rio, “Sofri o grave frio dos medos, adoeci [...] Sou homem depois desse falimento? Sou
o que não foi, o que vai ficar calado (ROSA, p.37)”. Ainda segundo Bonder (1999), a
maior traição que o homem pode cometer é contra si mesmo, quando se acomoda e não
caminha em direção ao que acredita ser melhor para si.
O modelo social contemporâneo, preza que os indivíduos aprendam a ser
flexíveis; os padrões de comportamento que foram instituídos com o tempo não servem
mais. Os processos de contínuas e rápidas mudanças deslocam as estruturas internas do
homem, pois abalam as referências que lhes dão suporte e servem de ancoragem para
que o sujeito estabilize sua existência no mundo. Mudança que para Bauman (2007,
p.18) faz “o mundo parecer mais traiçoeiro e assustador.” Portanto, deve-se adaptar ao
momento para agir adequadamente e não ser deixado para trás. Bauman (2007, p.8)
acrescenta que “os laços [...] que antes teciam uma rede de segurança [...] tornam-se
cada vez mais frágeis e reconhecidamente temporários”.
Paralisar-se em decorrência dos conflitos existenciais, é aumentar as
possibilidades de uma existência sem sentido. Desta forma a fragmentação interior do
sujeito se faz necessária, e é positiva quando este caminha em busca de soluções e
respostas para suas questões. Para Bonder (1999, p. 51), “Passar por um processo de
mutação de maneira bem-sucedida é irromper em outro corpo que não se sabia que
poderia conter nosso “eu”. Todo homem necessita do processo de mutação, pois através
da (des)fragmentação, ele torna-se conhecedor de si mesmo e dos outros.
Todo sujeito, de alguma maneira, procura respostas que satisfaçam suas
necessidades. “Viajam” física ou metafisicamente pelo mundo e vão se (re)construindo
à medida que transitam pelas diversas realidades encontradas. Travessias são
necessárias, para que aconteçam mudanças físicas, psicológicas e no meio em que se
vive. Transitar por lugares ora limitrófes e estreitos, que provocam desconforto e
angustias, ora lugares que outrora se tornaram amplos e libertadores, apontam para essas
necessidades existenciais, de (des)construção e (des)fragmentação do eu para tornar-se
um sujeito melhor.
Ao tentar traduzir o infinito em palavras, como escreveu Oliveira (Ano I, p.18),
Guimarães Rosa surpreende o leitor ao ilustrar a travessia e os deslocamentos dos
sujeitos em sua constante viagem pela vida, à medida que alcança aspectos existenciais
do homem real.
CAPÍTULO 3 METÁFORAS DA REALIDADE NOS CONTOS ROSIANOS: as
dimensões existenciais dos personagens.
O correr da vida embrulha tudo. A vida
é assim: esquenta e esfria, aperta e daí
afrouxa, sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é
coragem
(Guimarães Rosa).
Em sua literatura, Guimarães Rosa singulariza a linguagem, os personagens,
inverte o discurso e propõe travessias. Ao (des)construir os padrões linguísticos,
desencadeia a (des)construção do olhar do leitor. Nesse sentido, ao criar histórias e
personagens que fogem da lógica do mundo, propicia uma compreensão do leitor que
transcende à própria narrativa.
Como a literatura incorpora o movimento histórico, social e cultural da
humanidade, modificando as experiências do homem, ela altera o lugar comum e abre
espaço para que se dialogue com outras formas de estar, viver e ser no mundo. Nessa
condição, e sem isolar o foco narrativo, estabelece-se um diálogo com as inquietações,
os medos, a insegurança e a vida do sujeito no mundo real, bem como seus
comportamentos diante de tais situações.
Neste capítulo, aproxima-se ficção e realidade propondo-se tecer as buscas
existenciais do homem, a partir da necessidade que tem o sujeito de encontrar-se com
seu eu para assumir uma identidade e autonomia diante dos padrões sociais, que
impõem um modelo de comportamento a seguir.
Com relação aos personagens dos contos Sôroco, sua mãe, sua filha e A terceira
margem do rio, não há justifica racional para o(s) comportamento(s) do(s) sujeito(s) -
Sôroco- apesar de estranho comportar-se sobriamente durante longos anos da vida a
cuidar de duas loucas e após enviá-las ao hospício, assumir um comportamento
semelhante ao delas, ou o fato que ocorre com as pessoas que assistem ao
acontecimento, romperem coletivamente, com os limites da sanidade ao acompanharem
Sôroco. Há também a estranheza do comportamento do pai, que abandona família e o
ambiente social para viver só, em silêncio, sobre águas de um rio. E ainda, a anulação
social e pessoal do filho, para estabelecer-se em um lugar sem perspectivas, parado, à
margem do rio, a alimentar-se de esperanças quase nulas durante toda vida.
Obviamente, estes sujeitos serão classificados como loucos, ou desequilibrados.
Porém, como na literatura tudo pode, e, na interpretação, o leitor (re)constrói a história.
Cabe aqui, analisar apenas a travessia pessoal dos sujeitos, na (in)superação dos
desafios que a vida impõe, bem como os resultado da experiência.
3.2 Sôroco, sua mãe e sua filha: a herança dos sujeitos.
O conto Sôroco, sua mãe, sua filha, compõe a obra Primeiras histórias, de
Guimarães Rosa, que foi publicada em 1962 e aborda uma temática que permite
observar aspectos da loucura nos personagem que compõem a história.
Inicialmente, o narrador do conto relata a reunião das pessoas da cidade, que se
põem à espera de Sôroco “[...] de ajuntamento, em beira do carro” (ROSA, 1988, p.18).
Sujeito estranho, que chega à estação a conduzir duas loucas, que serão embarcadas no
trem que as levarão para hospício: “A mãe [...] de idade, com para mais de uns setenta.
A filha [...] só tinha aquela (p. 19). “[...] Afora essas, não se conhecia dele parente”
(p.19).
A moça punha os olhos no alto, que nem os santos e os
espantados, vinha enfeitada de disparates, num aspecto de
admiração. Assim com panos e papéis, de diversas cores, uma
carapuça em cima dos espalhados cabelos, e enfunada em tantas
roupas ainda de misturas, tiras e faixas, dependuradas [...] A
velha só estava de preto, com fichu preto, ela batia com a
cabeça, nos docementes. Sem tanto que diferentes, elas se
assemelhavam. (ROSA, p. 19).
Como escreveu Perrone – Moisés (2002, p.213) a “„loucura‟ assusta e fascina”.
Segundo ela, as pessoas da comunidade ao se reunirem para assistir ao fato, portam-se
como curiosas, mas também temerosas, não das loucas, mas da loucura. Por esse
motivo, tomam distância, “cada um porfiando no falar com sensatez, como sabendo
mais do que os outros o acontecer das coisas” (ROSA, p.18), talvez uma maneira de
manterem suas máscaras, se defenderem da própria “loucura”. Pois, de acordo com
Perrone-Moisés, é impossível estabelecer limites entre esta e a sanidade mental.
No texto, Sôroco porta-se como um ser desterrado, parece um ser alheio ao
mundo à sua volta. Aparenta assumir em sua vida, sentidos que não são parecidos com
os do senso comum. “[...] homenzarrão, brutalhudo de corpo, com a cara grande, uma
barba, fiosa, encardida em amarelo, e uns pés, com alpercatas: as crianças tomavam
medo dele; mais, da voz, que era quase pouca, grossa, que em seguida se afinava”
(Rosa, 1988, p.18).
Diante da loucura da sua mãe e sua filha, e dos cuidados que a elas dedicou por
longos anos, Sôroco pode ter se transformado em um sujeito associal; seja por sentir-se
excluído pela função que assumia; de cuidador de loucas, ou por parte da população.
[...] De antes Sorôco agüentara de repassar tantas desgraças, de
morar com as duas, pelejava. Daí, com os anos, elas pioraram,
ele não dava mais conta, teve de chamar ajuda, que foi
preciso.Tiveram que olhar em socorro dele, determinar de dar as
providências de mercê. (ROSA, p.19-20).
Pode ter sido este motivo, que o levou a separar-se das duas. Quiçá, ele seria o
que de fato se apresentava, alguém que vivia com uma ausência, o oco da solidão de ser
sozinho mesmo acompanhado. Diante da sua condição, as pessoas o enxergavam em
uma transcendência marginal, do estranhamento. A auto anulação para cuidar da sua
mãe e sua filha, levou Sôroco à necessidade de assumir seu verdadeiro eu. Decisão que
lhe provocará efeitos. Ao embarcar no trem sua mãe e sua filha, ele irá deparar-se com
um novo destino, que poderá mudar sua vida definitivamente. Circunstância que o
insere em uma possível crise existencial. Ser, ou não ser?
Sôroco não esperou tudo se sumir. Nem olhou. Só ficou de
chapéu na mão, mais de barba quadrada, surdo - o que nele mais
espantava. O triste do homem, lá, decretado, embargando-se de
poder falar algumas palavras. Ao sofrer a assim das coisas, ele,
no oco sem beiras, debaixo do peso, sem queixas, exemploso. E
lhe falaram: „o mundo está dessa forma...‟ (ROSA, 1988, p.21).
Nesse momento, abre-se um abismo em sua vida, limites que marcarão a divisão
entre o ter uma família, uma referência e o passar a viver sem ela. Já foi citado nesse
trabalho, que todo sujeito carece de integração com o meio, no qual pode manifestar
seus pensamentos, suas emoções e criar laços fraternos, os quais resultam da aceitação
do sujeito em um determinado grupo, no qual ele forma uma idéia de si, e pode se
manifestar no meio social. No entanto, depara-se com retratos da exclusão; a separação
entre o lugar em que mora Sôroco “[...] Apontavam, da Rua de baixo” (ROSA, 1988,
p.19), e a estação, onde as pessoas estão reunidas, remetendo à distância entre a
normalidade e a loucura.
Segundo Perrone-moisés ( 2002, p. 213), as loucas, retratam “um constado de
enormes diversidades desta vida”. Diante disso, encontra-se nos comportamentos das
“loucas” sinais de humanidade; diferentes das pessoas que se reuniram à parte para
assistir ao embarque das mulheres - porfiando, cada um em sua “sensatez”. Estas,
apesar da condição, demonstram compreensão e afeto.
A moça, aí, tornou a cantar, virada para o povo, o ao ar, a cara
dela era um repouso estatelado, não queria dar-se em espetáculo,
mas representava de outras grandezas, impossíveis. Mas a gente
viu a velha olhar para ela, com um encanto de pressentimento
muito antigo – um amor extremoso (ROSA, p. 20)
Deste comentário e da situação a qual enfrenta o personagem Sôroco, visualiza-
se uma cena possível de ser encontrada nas sociedades reais. O preconceito, e o
distanciamento social provocado pela marginalização. As pessoas costumam se apoiar
em suas máscaras, (des)constroem o outro, para esconder suas verdades. Contata-se,
pois, a existência das margens; duas margens: a dos “loucos”, e a dos que acreditam
serem normais, que se põem a assistir o acontecido, ao longe.
A decisão de Sôroco foi muito difícil para sua vida, ou existência. Deixar partir
as únicas pessoas com quem ele estabelece relações sociais, o que poderá aumentar
ainda mais o seu viver solitário. Estranho e silencioso possuía interrelações quase nulas
- que giravam em torno da mãe e da filha, loucas, das quais ele cuidava. Encontra-se
(des)construído, enfrenta uma divisão existencial.
[...] se sacudiu, de um jeito arrebentado, desacontecido, e virou,
para ir‟s embora. Estava voltando para casa, como se estivesse
indo para longe, fora de conta. Mas, parou. Em tanto que se
esquisitou, parecia que is perder-se de si, parar de ser. Assim,
num excesso de espírito, fora de sentido. E foi o que não se
podia prevenir [...] num rompido -ele começou a cantar, alteado,
forte, mas sozinho para si – e para a cantiga, mesma, de
desatino, que as duas tinham cantado (ROSA, 1988, p. 21).
Inicia-se um confronto por parte do personagem com o seu eu, assume um
comportamento semelhante ao das loucas. A partir desse momento; no conto, percebe-
se que Guimarães Rosa tematiza, não só a loucura e o comportamento das pessoas em
relação a ela, mas, também a vida humana como uma loucura. Esta que era observada à
distância pelo povo, apossa-se de todos:
A gente se esfriou, se afundou – um instanteo [...] e foi sem
combinação, nem ninguém entendia o que se fizesse: todos, de
uma só vez [...] principiaram também a acompanhar aquele
canto sem razão. E com as vozes tão latas! Todos caminhando,
com ele, Sôroco, e cantando que cantando, atrás dele, os mais
detrás quase que corriam, ninguém deixasse de cantar. Foi o de
não sair mais da memória. Foi um caso sem comparação.
(ROSA, 1988, p.21)
Em uma atitude, aparentemente irracional, forma-se uma procissão atrás de
Sôroco, e, conforme escreve Cezar & Santos (2003, p.27) é da “ Rua de Baixo” que
aponta a família. E, na “Rua de Baixo” que o conto termina, colocando fraternalmente
toda comunidade, inclusive Sorôco [...] “a assumirem agora a loucura da qual tanto
tinham querido proteger-se”. Como se nesse momento, em uma “atitude solidária” todos
ousassem assumir também sua própria loucura, mas ao retornar para suas casas,
retomariam seus comportamentos convenientes aos padrões sociais; nos quais a loucura
é proibida.
Confunde-se loucura e sanidade, confirmando que não há limites entre uma e
outra, tanto Sôroco, como a população daquela comunidade, por um momento,
atravessam as margens que cotidianamente são intransponíveis. Alienam o tempo,
rompem as fronteiras sociais, os limites entre as ruas de baixo e de cima, quiçá o que
controlava a passagem da loucura e da sanidade. Confirmando o que citou Perrone-
moisés (2002), é a constatação da enorme diversidade que a vida apresenta.
O personagem pode ter assumido a “loucura” que ele guardou por muito tempo,
manteve-se “são”, para cuidar de seres que dependiam dele – sua mãe e sua filha.
Contudo, a cantiga destoante que iniciou com as duas loucas, foi assumida por Sôroco, e
logo por toda a gente, revelam como o homem, em situações diversas pode contrariar
valores, ou princípios, e exteriorizar, o que lhe foge do controle.
3.1 A terceira margem do pai: a (re)ssignificação do sujeito.
O conto A terceira margem do rio, que compõe a obra Primeiras historias, de
Guimarães Rosa, publicado em 1962, narra a história de um homem comum, “[...]
cumpridor, hordeiro, positivo; e sido assim desde mocinho [...]” (ROSA, 1988, p. 32),
que manda construir uma canoa, e, num certo dia, sem apresentar razões, abandona
esposa, filhos e a vida social para viver sobre as águas do rio, dentro da canoa.
Este sujeito abre mão das relações sociais, das amizades, do cotidiano e
principalmente da sua família, para isolar-se dentro dessa canoa até o fim. Um
rompimento que inquieta o leitor. Como um homem cumpridor, ordeiro, positivo desde
menino, pode trocar uma existência aparentemente significativa, por outra,
aparentemente sem coerência?
Parece que Guimarães Rosa quer representar a complexidade da existência
humana. Nesta condição, visualiza-se na aventura do personagem, uma travessia quase
inexplicável, repleta de significações, que reclamam por tradução. Ao despertar para
isso, o leitor surpreende-se envolvido com a trama. Segundo Cortazar (1993, p. 126)
“No decorrer da leitura, não podemos evitar uma profunda experiência emocional”.
Faz-se necessário, questionar a margem onde o pai passa a habitar. Logicamente
só existem duas margens no rio, esquerda e direita. No entanto, ele cria uma margem
entre as margens; a terceira margem. Nesta, sobre o movimento das águas, estabelece-
se sem nunca determinar um destino. “Só executava a invenção de se manter naqueles
espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar nunca
(ROSA, 1988, p.33)”.
Ao se manter até o fim da vida naquele lugar o personagem estabelece um
entrelugar, que é o entrelaçamento, confronto, mesclagem, (SANTIAGO, 2000) de
inúmeros elementos e aspectos individuais e coletivos da estrutura social e da natureza
humana. Entende-se que, ao constituir ou instituir outro lugar ele assume também novos
comportamentos, e altera os de quem vive ao seu redor bem como o ambiente que
abandona. Esse contexto pode ser transportado para margens do mundo real, nas quais
vivem ou são obrigados a viver, alguns indivíduos. A vida atual impõe às pessoas uma
contínua mudança de costumes e situações no ambiente social.
Segundo Bauman (2007, p. 8) “A „comunidade‟ [...] parece cada vez mais
destituída de substância [...] os laços inter-humanos [...] se tornam cada vez mais frágeis
e reconhecidamente temporais”. O homem, ao viver em insegurança constante, precisa
mudar de atitudes, parar, refletir e compreender o que acontece no mundo. Carece de
pontos de referências que lhe garantam sossego interior.
Dessa forma, o personagem pai de A terceira margem do rio, parece que deseja
partir desse mundo inseguro “líquido” (BAUMAN 2007). E, em uma atitude
aparentemente insana, opta por viver na solidão e no silêncio. Desliga-se da estrutura
social, das pessoas e da família para atingir seu objetivo indecifrável. Como a literatura
estabelece um diálogo com as relações sociais e transforma em histórias as experiências
humanas, traduz-se pelo viés da metáfora, que a experiência do personagem, pode se
tratar dos conflitos existenciais do homem com o meio e com ele mesmo.
De acordo com Judite Grossmann (1982, p.67) “Essa situação do discurso
literário, imita e acentua a situação universal do homem, que tem a realidade
fragmentariamente, através da linguagem”. O personagem – o pai, homem cumpridor,
hordeiro, positivo, parece também em sua mudança de vida, querer transmitir alguma
mensagem ao seu filho e àqueles que ficam.
O contínuo processo de mudança em que o homem está sujeito, o coloca na
condição de viajante em direção a novas experiências e passagens. Para Oliveira (2010,
p. 54), “Antes de ser uma partida em busca de conhecer ou reencontrar lugares ou
pessoas, a viagem é primordialmente um encontro do viajante com ele mesmo”. Sperber
(apud, Oliveira, 2010, p. 54) escreve que nestas “viagens”, o espaço se abre, amplia-se e
se renova, e, à proporção que o espaço se desenvolve, desenvolve-se também o
psicológico do sujeito.
Conforme escreve Ettore (2001, p. 45):
O eu da terceira margem do rio, é de fato aquele que com mais
clareza entrevê a resposta, e chega a isso justamente
“instalando-se” [...] na própria pergunta; colocando-se para
sempre naquela dobra infinita, enrugando o tecido da existência
[...] distinguindo na sua contiguidade o aquém do além.
O pai pode desejar instituir o novo, despertar os que ficaram nas outras margens
para a condição existencial, e para a necessidade de o sujeito assumir a sua
individualidade diante dos desafios da vida e dos conflitos interiores. Segundo, Bonder
(1999, p. 46), “surpreender é [...] a maior prova de poder do ser humano”. Surpreender
os outros, mas também a si mesmo. Fazer o que ainda não foi feito. Transgredir, para
transformar.
Para esse autor, a consciência humana sabe que deve transcender à moral,
romper com a tradição. Esta é a lei da vida para que seja constituído o novo e a espécie
tenha sua continuidade. Ser em certa medida, “imoral”. Desconstruir padrões. Ainda
segundo Bonder (1999), esta é uma atitude louvável, à medida que a transgressão
promove transformações, mudanças de comportamento, de linguagem, pensamento e
atitudes positivas nas outras pessoas e nos valores preestabelecidos.
O universo que o pai passa a habitar além de exigir coragem e desbravamento.
Reclama por tradução.
De dia e de noite, com sol ou aguaceiros, calor, sereno, e nas
friagens terríveis de meio-do-ano, sem arrumo, só com o chapéu
velho na cabeça, por todas as semanas, e meses, e os anos – sem
fazer conta do se-ir do viver. Não pojava em nenhuma das duas
beiras, nem ilhas e coroas do rio, não pisou mais em chão nem
capim (ROSA, 1988, p. 34).
Nesse contexto, chama-se atenção para o que ocorre no espaço que o pai
abandona. Sua partida causou certa desordem no cotidiano da família, dos vizinhos e da
região. Incitou mudanças de comportamento, pensamentos e atitudes em quem ficou nas
margens do rio.
As vozes das noticias se dando pelas certas pessoas –
passadores, moradores das beiras, até do afastado da outra banda
– descrevendo que nosso pai nunca se surgia a tomar terra, em
ponto nem canto, de dia nem de noite, da forma como cursava o
rio, solto, solitariamente (ROSA, p. 33).
Tiveram aqueles que se comoveram: “os parentes, vizinhos e conhecidos [...] se
reuniram, tomaram juntamente conselho (ROSA, p.34)”. Quem veio ajudar a família:
“[...] o tio [...] para auxiliar na fazenda e nos negócios (p.34)”. Quem tentou promover a
situação: “[...] homens do jornal, que trouxeram a lancha e tencionavam tirar retrato
dele (p.34)”. Quem se mudou: “minha irmã [...] com o marido para longe daqui. Meu
irmão resolveu e se foi, para uma cidade [...] minha mãe terminou indo também (p.
35)”. E, como ocorre no mundo real, houve quem julgou; “[...] todos pensaram de nosso
pai a razão em que não queriam falar: doideira (p. 34)”.
O comportamento transgressor daquele pai, ao diferir dos padrões comuns,
entrou para a categoria de loucura. Foucault (2002, p.170) escreve que em estado de
loucura “o sujeito cobre uma superfície de linguagens que jamais é fechada, e onde os
outros vão poder intervir por sua [...] decisão obstinada de tudo alterar”. Segundo esse
autor, o sujeito “normal” integra-se naturalmente com as atividades da linguagem, do
trabalho, da fala, da reprodução social, do lúdico, etc. Aquele em desequilíbrio
transgride tais padrões e regras definidas socialmente. Por essa razão, o personagem de
A terceira margem do rio pode entrar nessa categoria, embora ele transcenda estas
possibilidades.
Para mim, não é doideira, nem transcendência, nem outra vida
na dimensão metafórica destes últimos termos. Acho que a fuga
se deve a uma insatisfação com o mundo, não no sentido moral
dessa colocação, mas com o mundo que o homem constrói
enquanto possibilidade de construção social, de troca de valores.
(GOULART, apud PARREIRA, 2001, p.8)
Para Bonder (1999, p.82) “aquele que não faz uso de todo o potencial de sua
vida, diminui de alguma maneira o potencial de todos os demais”. Conforme escreveu
Ettore (2001), o comportamento do pai aparenta existir um excesso de lucidez que
desvia pra a loucura. Seu comportamento incompreensível ultrapassa a capacidade do
outro de entender e poder tomar alguma atitude para ajudá-lo, ou ter uma idéia clara da
situação. “[...] o personagem é apenas a função que ele preenche: a de verificar, no seu
ficar teimoso e instável [...] no seu precário ancorar-se numa realidade virtual, numa
verdade “terceira” [...]” (ETTORE, 2001, p. 46).
Segundo Caldas (Ano I, p. 33-37) ninguém é terminado, e, é exatamente no fato
de nenhum ser estar terminado, que se encontra o belo da vida. O homem, seja em
qualquer momento histórico, ou sociocultural, está sempre a despertar atenção, provocar
encanto ou indignação. Atitudes que provocam transformações no ambiente social e nas
outras pessoas em algum aspecto.
Em A terceira margem do rio, depara-se com um contraste entre as
características pessoais de cada indivíduo; enquanto o pai ousa atravessar as margens, à
vida e a si mesmo, o filho – o narrador da história - teme e estaciona em uma margem, a
observar a passagem do tempo na (in)ação, sem ressignificar seu existir.
Caldas (Ano I p. 33-37) escreve que um dos grandes norteadores da produção
rosiana, é transmitir pela linguagem o aprendizado da vida. Apreende-se, entre as
diversas possibilidades de interpretações do conto, que a travessia desse personagem - o
pai, com o estranhamento provocado, anuncia a necessidade de cada sujeito encontrar-
se consigo mesmo. Silenciar e retirar-se em certa medida para evitar insensatez.
Conclui-se que o rio e as margens podem representar a vida. O homem é
responsável por significá-los. Existem diversos rios para se atravessar e inúmeras
margens a serem ocupadas. Há quem permanece na margem da rotina, que é levado por
outros a alguma margem. Há quem fica ao sabor das águas, quem enlouquece por não
saber, ou temer navegar, e quem se posiciona com indiferença. Mas, há também
aqueles que se colocam sobre a sua margem, tomam sua canoa, assumem a direção e,
em seu silêncio, cumprem a missão, ou a escolha. Aventuram-se na travessia,
desbravam novas possibilidades e (re)significam a vida o rio e as margens. Encontram-
se com seu verdadeiro eu.
A opção feita pelo pai instituiu o diferente, pois ele quebrou regras, instaurou o
novo e transformou o ambiente à sua volta, ainda que ninguém tenha obtido explicações
a respeito da decisão de (re)significar a sua vida, seja por loucura ou por sanidade. Ao
estar no meio do rio, introspectivo, o pai poderia desfrutar da visão ampla dos dois
lados, acompanhar a mudança das pessoas e do ambiente com o passar do tempo.
Poderia ou não, optar pelo retorno a uma das margens. Mas, não o fez
Assim, ainda que não tenha deixado herdeiro da sua missão, já que seu filho não
ousou assumir seu lugar. Surpreendeu certamente a si mesmo, pela resistência, pela
coragem e determinação em superar os limites. E muito mais aos outros, pois
estabeleceu um novo lugar, do ainda não experimentado. Recusou a viver na margem.
Assumiu a sua verdade, envolvido em sua solidão. Ao “sentir- se”, (des)fragmentou-se e
(re)significou-se.
3.2 A margem do filho: escolhas do sujeito.
Em A terceira margem do rio, depara-se com um contraste. A resistência às
margens a que pai e filho optaram viver. Ao pai, coube a escolha de viver entre
margens, numa teima persistente. Ao filho a escolha de se por à margem na condição de
um ser deslocado, apesar de permanecer na margem do rio a relatar o que ocorre com
ele mesmo, com seus familiares, com os que o rodeiam, bem como sua experiência com
seu pai, que se dá pelo silêncio.
O pai a quem o filho devota seu tempo e sua vida permanece inacessível. “Nosso
pai, passava ao largo, avistado ou diluso, cruzando na canoa, sem deixar ninguém
chegar à pega ou à fala (ROSA, 1988, p. 34)”. Este, a quem cabe, segundo o modelo
culturalmente estabelecido, transmitir e ensinar aos filhos conhecimentos sobre a moral
e os valores sociais, recusa-se a fazê-lo. Ele se importava apenas com sua travessia
pessoal, quem quisesse fazer tal experiência que seguisse seu exemplo.
O pai ao negar tal partilha com o filho, talvez desejasse que este o seguisse,
construísse sua canoa para acompanhá-lo na travessia da terceira margem. Ou pode tê-lo
deixado livre para fazer a escolha de sua viagem, de sua travessia pela vida. O filho,
porém, optou por se estabelecer na margem a uma espera sem fim, alimentando-se de
um passado, “[...] no que queria, e no que não queria, só com nosso pai me achava:
assunto que jogava para trás meus pensamentos” (ROSA, p.34). Nesta condição não se
dava conta do passar dos anos. “Eu fiquei aqui, de resto [...]” (p.35). Isto é, ele
permaneceu como narrador da travessia do pai, e não da sua. Segundo Oliveira (2010, p.
54)
Antes de ser uma partida em busca de conhecer ou reencontrar
lugares ou pessoas, a viagem é primordialmente um encontro do
viajante com ele mesmo, com identidades e diferenças, nas
relações que estabelece ao longo do caminho.
Ao estabelecer-se em uma das margens, com pouca integração e interação, este
filho, narrador, anulou-se para os padrões de convivência sociocultural, posicionou-se
como um tradutor de silêncios e dos mistérios da vida do seu pai, que não volta, não se
comunica, não altera o comportamento. “Só executava a invenção de permanecer
naqueles espaços do rio, de meio a meio sempre dentro da canoa, para dela não saltar
nunca (ROSA, 1988, p. 33)”.
Este filho se debruça sob a perda e a longa e diária jornada de voltar à margem
do rio, para colocar alimento “Eu mesmo cumpria de trazer para ele, cada dia, um tanto
de comida [...]” (p.33). Acompanhar os movimentos do pai, “[...] o severo que era, de
não se entender, de maneira nenhuma, como ele agüentava [...]” (p.34). Tentar encontrá -
lo, “[...] a gente chamou, esperou. Nosso pai não apareceu” (p. 35). Aprisiona-se nas
tentativas de compreender a decisão do pai. Parece não importar-se com a mudança de
condição e lugar das pessoas. “Os tempos mudavam, no devagar depressa dos tempos
[...] Eu fiquei aqui, de resto. [...] Eu permaneci com as bagagens da vida” (p.35). Seu
comportamento é tão estranho quanto o do seu pai. Contata-se que em algum momento
o filho declara uma verdade, sobre seu pai, “Nem queria saber de nós” (p.35).
Não existe lógica em uma pessoa permanecer por muitos anos dentro de uma
canoa pequena, sem descer a terra. “[...] na vagação, no rio, no ermo – sem dar razão de
seu feito” (p.36). Ainda assim, em uma decisão que parece insana este permanece na
espera do pai. Nessa condição, narra o seu drama, a trama do pai, e a própria condição
medíocre da qual lamenta, depois que lhes apontam “uns primeiros cabelos brancos [...]
Sou homem de tristes palavras” (p.36). Pode-se inferir que o personagem, demonstra
certa incapacidade ou impossibilidade de assumir sua individualidade para enfrentar
desafios e novas possibilidades; experimentar a novidade criada pelo pai, que é viver
entre margens, sobre as águas do rio. Nesse contexto, percebe-se a diversidade dos
temperamentos humanos. Como cada pessoa reage em determinadas situações da vida.
Possui limitações e (in)capacidades de construir ou não uma canoa para assumir a sua
terceira margem.
Para Bonder, (1998, p. 47- 48):
Todos nós deparamos com lugares estreitos em determinado
momento. Estes lugares, que outrora serviram para nosso
desenvolvimento e crescimento, se tornam apertados e
limitadores. [...] O corpo não gosta de sair, de mudar. São a
estreiteza e o desconforto que o convencem de que não existe
saída.
O espaço vazio, causado pelos silêncios, cria margens que apontam para a
necessidade de sempre haver entre os homens algum tipo de linguagem que promova a
comunicação. “Sou o culpado do que nem sei, de dor em aberto, no meu foro. Soubesse
as coisas fossem outras” (ROSA, p. 36). O filho, à mercê do pai, paralisou sua vida,
vive sem sonhos, e com muitas ilusões, não foi capaz de vê a si próprio, anulou-se.
Fixou-se na margem. “E fui tomando idéia. [...] Sou doido?” (p. 36).
O filho deveria ter aprendido que certas experienciais, quando não
compartilhadas, não podem ser contadas. “Mas por afeto mesmo, de respeito, sempre
que às vezes me louvavam, por causa de algum meu bom procedimento, eu falava: “-
Foi meu pai que um dia me ensinou a fazer assim...”; o que não era o certo, exato; mas,
que era mentira por verdade” (ROSA p. 35).
O homem precisa pensar e refletir sobre as mudanças que ocorrem no mundo e
no ambiente social. Atitude que o ajudará a compreender os acontecimentos que alteram
valores costume e estilos de vida. Encontrará, portanto, respostas que o ajudem a
interpretar a complexidade do mundo, da vida, e sinta-se seguro de si e no espaço em
que habita. Do contrário, terá “uma vida precária, vivida em condições de incerteza
constante. (BAUMAN 2007, p. 8). Terá uma vida líquida. “Sou homem de tristes
palavras. De que era que eu tinha, tanta culpa?”(ROSA, p. 36). Sua libertação interior
poderia ter ocorrido ao cumprir sua promessa: “Agora o senhor vem, não carece mais...
[...] eu tomo o seu lugar, do senhor, na canoa!...”(p. 36). Contudo, sofre as culpas de não
ser capaz de trocar de lugar com o pai. “Sofri o grave frio dos medos [...]” (p.37). Após
a longa espera pelo aparecimento do pai, a imagem que surge o amedronta. “[...] depois
de tamanhos anos decorridos! [...] ele me pareceu vir: da parte do além. E estou
pedindo, pedindo, pedindo um perdão” (,p.37).
Destaca-se o contraste do conto; um pai que ousou e um filho que temeu. O
filho teve oportunidades, de experimentar o lugar do pai, e talvez viver a sua travessia.
Mas, quando prestes a fazer a troca para decifrar tal experiência, ou encontrar o sentido
do seu existir, vira as costas.
Sei que agora é tarde, e temo abreviar com a vida, nos rasos do
mundo. Mas, então, ao menos, que no artigo da morte, peguem
em mim, e me depositem também numa canoinha de nada, nessa
água que não pára, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio a fora,
rio a dentro – o rio (ROSA 1988, p. 37).
Na sua longa espera, deixou de viver a sua vida, não se reconhece mais, ficou
perdido nas margens do seu próprio existir. Diz o bom senso: “quem toma distância
para olhar, consegue ver melhor”. Aquele filho não foi capaz de assumir o seu processo,
apesar de ficar na posição de observador e narrador, distante de tudo. Excedeu-se em
apenas observar, perdeu-se na (in)ação, perdeu-se a si mesmo, perdeu também a chance
de mudar de lugar.
O pai volta, apenas quando o filho decide tomar seu lugar.
Ao por fim, ele apareceu, aí e lá, o vulto. Estava ali, sentado à
popa. Estava ali, de grito. Chamei, umas quantas vezes. E falei o
que me urgia, jurado e declarado. [...] Ele me escutou. Ficou em
pé. Manejou remo n‟água, proava para cá, concordado. [...] ele
tinha levantado o braço e feito um saudar de gesto – o primeiro,
depois de tamanhos anos decorridos! (ROSA 1988, p. 37).
O silêncio mantido por tantos anos pode ter sido de espera persistente, para que
alguém se oferecesse a experimentar tal travessia. Quiçá, seja também essa terceira
margem, um lugar de silêncio, de meditação, de encontro com o verdadeiro eu. Faltou
ao filho problematizar sua vida, sua rotina, seu cotidiano. Ele perdeu-se na espera e não
se deu conta da possível intenção do pai. Viveu uma vida sem sentidos, enquanto o pai
na ausência foi capaz de „dizer‟ tanto. Não assumiu o compromisso com a sua
existência, nem a (res)significou. Permaneceu estagnado diante da mobilidade social.
Não compreendeu nem assumiu a missão.
3.3 Travessias e deslocamentos: a integração dos sujeitos com o meio e consigo
mesmo
O conto reproduz instantes da condição humana, e, em vista das situações
significativas que apresenta em seus textos, desperta no leitor, inúmeras sensações.
Segundo Cortázar (1993, p. 151-2) no conto, é possível fazer um recorte como faz um
fotógrafo, numa obra de qualidade; estabelece e fixa um limite para um determinado
momento ou acontecimento, que sejam capazes de envolver a razão e a emoção do
leitor.
Em Sôroco, sua mãe, sua filha e A terceira margem do rio, Guimarães Rosa ao
apresentar aspectos que retratam a essência humana e o mistério do existir no mundo,
aponta para a necessidade que tem o sujeito de se posicionar diante dos outros e no
ambiente social com autonomia e equilíbrio interior.
Em cada época da história a vida é percebida e vivida por vieses que
correspondem à realidade contemporânea. Ao longo do tempo as sociedades
problematizam a existência humana, as relações sociais e a realidade, de formas
peculiares. Na literatura rosiana encontra-se essa possibilidade. As alterações sociais,
podem (des)fragmentar e por em jogo o modelo de identidade constituído e modelado
com a extensão do tempo, e podem ocasionar crises identitárias no sujeitos.
Segundo Giddens (2002, p. 50):
A “luta do ser contra o não ser” é a tarefa perpétua do indivíduo,
não apenas “aceitar” a realidade, mas criar pontos ontológicos
de referência como parte integrante do “seguir em frente” no
contexto da vida cotidiana.
Portanto, conforme Bauman (2007, p. 20) este sujeito deve.
[...] procurar, encontrar e praticar soluções individuais para
problemas socialmente produzidos [...] tentar tudo isso por meio
de ações individuais, solitárias, estando munido de ferramentas e
recursos flagrantemente inadequado para essa tarefa.
A identidade de um sujeito se constitui a partir da capacidade de inserir-se e
comportar-se no ambiente, à medida que vai elegendo um estilo de vida, de valores e
escolhas. A nova rotina estabelecida na sociedade moderna pode causar uma ruptura
com o passado, um rompimento com as tradições. Por essa razão, o personagem
rosiano, o pai, pode ter se inquietado, e se retirou para responder às perguntas - quem
sou, e o que quero para mim - diferente do filho, que não se inquietou. Tardou-se em
refletir sua condição, em fazer e responder suas perguntas. Não seguiu o exemplo do
pai. Deixou de ser ele mesmo, tornou-se “mais um” no mundo. Sem referências, não
dimensionou a sua identidade, nem (re)construiu seu eu.
As organizações sociais direcionam ou classificam as escolhas individuais e os
padrões de comportamento dos sujeitos como aceitáveis ou não. Contudo, no momento
atual, elas se tornam cada vez mais inconsistentes. Ao passo que os espaços se ampliam
e as informações se disseminam rapidamente pelo mundo, cria-se uma
intercomunicação em todos os ambientes e classes sociais. Diante desse sistema social,
com amplas opções de escolhas, cada vez mais o homem vê diminuída sua capacidade
de ação. “[...] experimenta sentimentos de impotência em relação a um universo social
cada vez mais amplo e alheio” (GIDDENS, 2002, p. 178).
Segundo Bauman (2007), o momento histórico no qual se vive, gera muita
insegurança existencial. O bombardeio de informações, o sensacionalismo da mídia com
o foco em tragédias, violências e miséria, a cobrança do mercado pelo corpo perfeito,
pela alimentação saudável e vida longa, desencadeiam medo e pânico, porque não pode
acompanhar tal excesso de cobranças.
Os sujeitos, independentemente da situação cultural ou posição econômica,
sentem-se obrigados a atenderem às demandas universalizadas que lhes chegam. De
acordo com Bauman (2007, p. 18) isso faz “[...] o mundo parecer mais traiçoeiro e
assustador, e estimulam [...] ações defensivas – que vão, infelizmente, acrescentar vigor
à capacidade do medo de se autopropagar [...]”. Situação angustiante para alguns
indivíduos. Provoca tensões que fazem com que reajam e lutem contra essa realidade.
Enquanto outros poderão surtar, entrando em crise existencial.
Mergulhado nessa “liquidez” (BAUMAN, 2007), o sujeito entra em choque com
o que deseja e pode fazer e o que consegue e deve fazer. Apesar de mais autônomos,
livres para fazer escolhas e assumi-las, depara-se com uma liberdade deslocada, rompe-
se com modelos e valores constituídos ao longo do tempo. “As velhas identidades, que
por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas
identidades, fragmentando o indivíduo moderno. (HALL, 2006, p. 7)”.
O caminho do autoconhecimento é sempre longo e difícil, é necessário possuir
ou conquistar autoconfiança e vencer os próprios medos. É sabido que todo sujeito
teme. Mas, enquanto alguns possuem coragem para assumir os desafios da jornada
pessoal, outros necessitam de força, são reféns do medo e da insegurança.
De acordo com Bauman (2007), o modelo social moderno, preza que os
indivíduos aprendam a ser flexíveis, pois os padrões de comportamento fixados com
tempo já não servem mais. Deve-se preocupar com ações adequadas para o momento de
agora. Para Giddens (2000, p.40), nessa condição, “A atitude natural põe entre
parênteses perguntas sobre nós mesmos, sobre os outros e sobre o mundo dos objetos,
que devem ser dadas como respondidas para que se possa enfrentar o cotidiano”. Esse
autor ainda trata que, se o sujeito não resolver suas questões existenciais, não manterá o
controle psíquico nem conseguirá viver normalmente.
Giddens (2000, p. 72) ainda escreve que o individuo deve enfrentar os riscos
que surgem com as rupturas aos padrões de comportamento estabelecidos. Assumir a
própria vida, que envolve correr riscos, implica enfrentar a diversidade, as travessias.
Que podem resultar em perdas e ganhos. Para esse autor (2000, p. 72) “É a coragem de
enfrentar os riscos que levam à autorealização”.
O homem, inserido no ambiente social e real, em constante transformação,
depara-se com o processo contínuo de (res)significar a sua existência. Diante das
mudanças que podem ameaçar a sua identidade e interferir na sua travessia pela vida,
precisa ficar atento, envolver-se, questionar-se, tomar distância, e medir as
consequências. Assumir novas atitudes, ou com medo de si e dos outros ficar estagnado
enquanto o tempo e a vida passam.
Nesse contexto, o texto de Guimarães Rosa, com seus múltiplos sentidos,
permite que se transporte a experiência dos personagens para a do sujeito real. O
encantamento provocado pela obra transcende as significações, move o leitor a fazer
suas travessias e sondar as margens onde habita. Contudo a vida é uma constante, as
margens se transformam com o tempo e demandam novas travessias. Cabe a cada
sujeito, preparar-se física e psicologicamente para fazer sua própria viagem. Que é uma
descoberta de “mundos”, em que o sujeito depara-se com as próprias mudanças.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Certa da quantidade de trabalhos existentes sobre o conto Sôroco, sua mãe,
sua filha e A terceira margem do rio, de Guimarães Rosa, empenhei-me na tentativa de
produzir um trabalho autêntico. Claro, foi necessário buscar embasamentos no que já foi
produzido sobre esta obra e, em diversos autores, necessários para a articulação do meu
texto e justificar meus pensamentos.
Contei com a ajuda da minha orientadora, que acreditou e me permitiu transitar
entre as linguagens das quais me identifico. E, também, a ajuda de amigos, que se
tornaram um grande auxílio para transformar este texto numa escritura melhor e mais
original, segundo os princípios estilísticos.
Assumi os riscos de fazer uma travessia literária, e passei a percorrer os
caminhos oferecidos pelo texto rosiano, o que se transformou em um grande
aprendizado, exigiu-me sentir a força das palavras. Foi necessário partir com os
personagens, viajar na história, para assim, perceber os elementos que brotavam do
texto de narração singular e de extrema solidez nos entrelaces linguísticos, com nuances
indefinidamente sagazes para o processo de fruição de leitura.
Foi a partir desse encantamento que me identifiquei com o conto. Inicialmente,
me chamou atenção pela sua carga semântica. Em seguida contagiou-me, do modo
como Cortazar postula-os (1993, p. 126), “Se cada conto começa por interessar a
inteligência termina apoderando-se da alma”.
Guimarães Rosa, ao permitir que seus personagens procedam de uma forma
singular, liberta-os ou aprisiona-os nos limites da razão. A partir dos personagens
aparentemente não analisáveis, bem como o espaço que habitam. Assumi a
responsabilidade de desconstruir o texto, sem, contudo, anular a sua essência. A
travessia dos personagens despertou-me para situações em que se deparam os sujeitos –
reais no processo de aprendizado existencial e, foi sobre estas situações e verdades que
passei a me debruçar.
Durante o processo de construção do trabalho, mostrei que apesar de
polissêmico e descontínuo, o texto literário é capaz de conduzir o leitor às dimensões
históricas, socioculturais e existências do homem. Ao desconstruir o texto - apoiada nos
autores pesquisados, fui descobrindo os impasses que permitiram novas hipóteses para o
mesmo.
Mostrei como as transformações sociais interferem na idéia que o sujeito
possui de si. (Des) constroem referências que podem fazê-los tomarem decisões que
fogem dos padrões sociais e provoquem exclusão. Atos que entram na categoria de
loucura, e no texto configuraram-se como uma metáfora da busca existencial do sujeito,
que para assumir seu verdadeiro eu, age de forma diferenciada, transgredindo os
padrões de normalidade.
Portanto, o presente trabalho teve por objetivo, apresentar a relação da obra
literária com a história, com as relações sociais e as experiências humanas. Tomando-se
como base nos contos rosianos para tratar das possíveis razões que levam o sujeito à
fragmentação interior, bem como sua jornada ao encontro de si mesmo.
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