MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALProcuradoria Regional Eleitoral em Goiás
Protocolo nº 133.874/2012
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO ESTADO DO GOIÁS
RECURSO ELEITORAL Nº 695-41.2012.6.09.0044Recorrente : DIRETÓRIO MUNICIPAL DO PARTIDO TRABALHISTA DO
BRASIL – PTB DE PLANALTINARecorrente : ELES REIS DE FREITASRecorrente : SILVEIRA BENTO DE GODOIRecorrente : MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORALRecorrido : JOSÉ OLINTO NETORecorrido : VILMAR CAETANO RIBEIRORelator : JUIZ ABEL CARDOSO MORAIS
Excelentíssimo Relator,
Trata-se de recursos interpostos pelo Ministério Público
Eleitoral e pelo Partido Trabalhista do Brasil, Eles Reis de Freitas e Silveira
Bento de Godoi contra sentença proferida pelo Juízo da 44ª Zona Eleitoral, que,
ao apreciar ação de investigação judicial eleitoral, julgou improcedente o pedido
(fls. 476/495, vol. 3).
O Ministério Público Eleitoral, em razões recursais de fls.
503/556, alega que o abuso de poder político restou configurado pela prática das
seguintes condutas: a) expedição de decreto, reduzindo a carga horária dos
servidores públicos municipais comissionados, para a utilização do restante da
jornada na campanha eleitoral dos recorridos e b) usar dos serviços de servidores
públicos para comitê de campanha eleitoral de candidato, durante o horário de
expediente normal, em afronta ao art. 73, III, da Lei nº 9.504/97.
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Sustenta, ainda, que configura a prática da referida conduta
vedada e, por conseguinte, abuso do poder político, a mera edição do Decreto nº
2.027/2012, de 25.09.2012, autorizando a “'adequação de horário especial para
cumprimento de carga horária de serviço dos servidores comissionados do
Município de Planaltina-GO em caráter provisório'”, da lavra do prefeito, à época,
candidato à reeleição, sob o fundamento da “'constante procura e reivindicação
de servidores comissionados junto a administração por um ajuste de horário para
que pudessem trabalhar na campanha eleitoral dos vários candidatos a Prefeito e
vereadores e para não haver prejuízo funcional das atribuições ou perseguição
política por parte de suas chefias imediatas ou colegas de serviço '” (fl. 514, vol.
3).
Arrazoa que, procurando legitimar a utilização, em sua
campanha eleitoral, de servidores públicos comissionados e contratados (e
apenas desta categoria de servidores), o primeiro recorrido, na qualidade de
prefeito, editou o mencionado decreto.
Aduz ser “ingênuo supor que um candidato à reeleição a
prefeito municipal, detentor do poder político, iria incorrer na prática ímproba de
desrespeito aos princípios da legalidade e moralidade, em total dissonância ao
que preceitua a Lei Orgânica do Município, que veda tal redução de jornada,
editando decreto readequando horário para a cessão de servidores” para atuarem
na campanha eleitoral de candidatos adversários (fl. 515, vol. 3).
Advoga que, logo após a edição do citado decreto, o recorrido
José Olinto Neto, à época candidato à reeleição, realizou uma reunião política no
Espaço Colibri, com a participação de inúmeros servidores públicos,
comissionados e contratados da Prefeitura de Planaltina/GO, inclusive com
assinatura da folha de ponto no local, eis que a reunião ocorreu em pleno horário
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de expediente, com o objetivo de pedir-lhes apoio político, sob a promessa de, se
reeleito, garantir os empregos dos servidores por mais quatro anos.
E que, durante a mencionada reunião, o recorrido
“'recomendou' que os servidores que ali se encontravam (comissionados e
contratados temporariamente) deveriam, além de votar nele, realizar campanha
política para o candidato e sua coligação, sob pena de não terem seus contratos
renovados ou seus cargos assegurados para o próximo mandato” (fl. 529, vol. 3).
Alega que o referido decreto, além de afrontar os princípios
basilares da Administração Pública, ofende também o próprio ordenamento
jurídico do município de Planaltina-GO (Lei nº 500/99 – estatuto do servidor
público municipal), o qual estabelece, em seu art. 45, a jornada de 8 horas diárias
para os servidores públicos ocupantes de cargos em comissão ou de função
gratificada por encargo de chefia, assessoramento, secretariado ou inspeção.
Sustenta que, em diligência feita na Diretoria Especial de
Ensino do município de Planaltina-GO (órgão vinculado à Secretaria de
Educação), no dia 02.10.2012, o Parquet oficiante na 44ª ZE constatou que
algumas funcionárias comissionadas não estavam cumprindo nem a carga
horária de 6 horas diárias, estipulada pelo citado decreto.
Arrazoa que, no momento em que os recorridos utilizaram dos
servidores comissionados e contratados em benefício próprio, diminuindo a
jornada de trabalho para que trabalhassem em sua campanha eleitoral, restou
configurado o abuso do poder político e, ao condicionar a permanência nos
cargos comissionados ao empenho dos referidos servidores na campanha
eleitoral, configurou-se a promessa de emprego, caracterizadora da captação
ilícita de sufrágio.
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Por sua vez, o Diretório Municipal do Partido Trabalhista do
Brasil, Eles Reis de Freitas e Silveira Bento de Godoi, na condição de terceiro
prejudicado, em suas razões de recurso às fls. 559/604 – vol. 3, reforçando as
argumentações lançadas pelo Ministério Público Eleitoral, alegam:
a) se se admitisse por verdadeira a tese da defesa, ainda assim o fato configuraria conduta vedada, por infringência ao art. 73, V e § 10, da Lei nº 9.504/97, uma vez que, neste caso, a redução da carga horária representaria um benefício concedido ao servidor para que o mesmo pudesse trabalhar para a campanha que lhe aprouvesse;
b) de outra banda, se a redução da jornada de trabalho teve por objeto permitir ao servidor comissionado e contratado auxiliar tão somente no comitê eleitoral do candidato à reeleição, configurada está a conduta vedada do art. 73, III, da Lei das Eleições;
c) a proibição descrita no inciso III do art. 73 da Lei nº 9.504/97 alcança a cessão de servidor público para qualquer comitê de campanha eleitoral de candidato; ou seja, a lei não especifica que, obrigatoriamente, o comitê de campanha deverá ser o da autoridade abusadora.
Contrarrazões ao recurso do Ministério Público Eleitoral (fls.
619/629, vol. 3), em que se alega, preliminarmente, impedimento/suspeição do
membro do Parquet oficiante na 44ª ZE, porquanto a “i. Promotora, autora do
RECURSO ora contrarrazoado, atuou em dado momento na AIJE como
testemunha do próprio Ministério Público” (fl. 622, vol. 3).
No mérito, aduzem, em síntese, que, em nenhum momento, os
funcionários públicos foram coagidos a participar da campanha eleitoral dos
recorridos e tampouco houve demissões após as eleições em razão disso. E
acrescentam: “A mera existência do decreto 2027/12, cuja finalidade foi propiciar
aos funcionários municipais a participação na campanha eleitoral, foi um ato
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baixado a pedido dos servidores municipais que pretendiam trabalhar em prol dos
seus respectivos candidatos” (fl. 627, vol. 3).
Contrarrazões ao recurso do Diretório Municipal do PTdoB,
Eles Reis de Freitas e Silveira Bento de Godoi (fls. 630/641, vol. 3), em que se
alega, preliminarmente, ausência de interesse jurídico, porquanto o primeiro
recorrente não mais se encontra coligado e, ainda, porque não atuaram no feito
em que agora recorrem. No mérito, reforçam as teses levantadas na defesa.
É o relatório.
Os recursos são próprios e tempestivos.
De início, passa-se à análise das preliminares aventadas pelos
recorridos:
I – Do impedimento/suspeição da promotora eleitoral
Sustentam os recorridos, em suas contrarrazões, o
impedimento/suspeição da promotora eleitoral subscritora do presente recurso,
ao fundamento de que a mesma foi indicada como testemunha da ação em tela
e, ainda, “fez-se presente em 'diligência' levada a efeito no colégio onde funciona
a Diretoria de Ensino Especial de Planaltina” (fl. 625, vol. 3).
A rigor, os recorridos deveriam ter ingressado com uma
exceção de suspeição ou impedimento, na medida em que, segundo o art. 138, §
1º, do Código de Processo Civil, a parte interessada deverá argüir o impedimento
ou a suspeição, em petição fundamentada e devidamente instruída, na
primeira oportunidade em que Ihe couber falar nos autos; o juiz mandará
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processar o incidente em separado e sem suspensão da causa, ouvindo o
argüido no prazo de 5 (cinco) dias, facultando a prova quando necessária e
julgando o pedido.
Ainda assim, de todo modo, como os próprios recorridos
reconhecem, “num primeiro momento a ilustre subscritora da peça recursal
chegou a ser arrolada como testemunha da acusação”, mas foi, posteriormente,
“substituída pelo funcionário do MP, Hugo Leonardo Assis de Andrade” (fl. 625,
vol. 3).
Ou seja, a promotora eleitoral, em verdade, não atuou como
testemunha na presente AIJE; o que se infere, inclusive, do rol de testemunhas
apresentado pelo Parquet Eleitoral à fl. 314, vol. 2.
E, quanto à diligência empreendida pela promotora eleitoral
subscritora do presente recurso junto à Diretoria de Ensino Especial de
Planaltina-GO, destaca-se que a atuação do Ministério Público em procedimentos
de investigação preliminar destinados à formulação de sua convicção para o
posterior ajuizamento de medidas judiciais não é capaz de atingir sua
imparcialidade e, em consequência, torná-lo impedido ou suspeito para atuar
judicialmente. Tal se infere do disposto no art. 129, III, da Constituição Federal1.
Nesse sentido, colaciona-se os seguintes precedentes:
“RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. IMPUTAÇÃO DE CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO E DE ABUSO DE PODER ECONÔMICO. INVESTIGAÇÃO PROMOVIDA PELO MINISTÉRIO
1 Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:(…)III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
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PÚBLICO ELEITORAL. NULIDADES. INOCORRÊNCIA. MÉRITO. PROCEDÊNCIA PARCIAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO CARACTERIZADA. ABUSO DO PODER ECONÔMICO NÃO CONFIGURADO.
(...)
13. O inc. III do art. 252 do CPP proíbe a participação do mesmo juiz em diferentes graus de jurisdição de um dado processo, mas não há impedimento do promotor eleitoral ou do juiz eleitoral que atuou na fase investigatória, oficiar na fase judicial. Precedentes do STF e do STJ.
(...)
21. Ação julgada procedente para cassar o diploma de suplente de vereador”.(TRE/GO, RD nº 21, rel. CARLOS HUMBERTO DE SOUSA, DJ de 15.4.2010) (g.n.)
“Exceção de Impedimento e Suspeição. Ação de Impugnação de mandato Eletivo. Eleições 2006.
Impedimento dos exceptos para participarem de oitiva de testemunhas em audiência para o fim de instrução de AIME. Não-comprovação das hipóteses de impedimento ou suspeição previstas na legislação.
A atuação do Ministério Público em procedimentos de investigação preliminar não afeta sua imparcialidade. Art. 129, III, da CR/88, Súmula n. 2324 do STJ. Exigência de inimizade qualificada e recíproca para a configuração de suspeição. Art. 135, I, CPC. Atuação isenta, independente e diligente da Promotora de Justiça.
Término do período de investidura do Juiz na Zona Eleitoral. Art. 14 do Código Eleitoral. Afastamento de um dos promotores da comarca em virtude de promoção. Exceção prejudicada em relação a dois exceptos e improcedente quanto aos demais”.(TRE/MG, EXC nº 2402007, rel. FRANCISCO DE ASSIS BETTI, DJ de 28.6.2007) (g.n.)
Portanto, o fato de o membro do Ministério Público
acompanhar diligência, no âmbito de procedimento investigatório, para apurar
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possíveis irregularidades ocorridas no pleito eleitoral, não configura impedimento
à sua atuação em processos judiciais subsequentes.
Assim, deve ser rejeitada a preliminar de
impedimento/suspeição da promotora eleitoral subscritora do presente recurso.
II – Da ausência de interesse jurídico
Fundamentam os recorridos que “não se pode consentir que o
PT do B, hoje não mais coligado, venha, sem o consentimento das demais
agremiações, recorrer em um feito no qual se quer (sic) atuou” (fl. 633).
Com efeito, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº
64/90, qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público
Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral
ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir
abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do
poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos
ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido
político.
Vale dizer, o partido político poderá, individualmente, sem a
necessidade de consentimento das demais agremiações coligadas, interpor ação
de investigação judicial para apurar abuso de poder político/econômico ou de
autoridade.
Por outro lado, contudo, verifica-se que o Diretório Municipal do
PTdoB, Eles Reis de Freitas e Silveira Bento de Godoi somente ingressaram na
presente ação com a interposição do recurso de fls. 557/604.
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A situação poderia se enquadrar na hipótese de recurso de
terceiro prejudicado (art. 499 do CPC); todavia, entende-se que não é o caso,
porquanto os citados recorrentes não irão sofrer nenhum prejuízo com a decisão.
Isso porque, se julgada improcedente a ação, permanecerão, os dois últimos
recorrentes, na mesma situação jurídica (segundos colocados no pleito de 2012).
Do contrário, terão, sim, benefício com a procedência da ação, na medida em que
serão diplomados se os recorridos tiverem sido eleitos com menos de 50% dos
votos válidos ou, se com mais de 50%, ocorrerão novas eleições.
E não há, também, como considerá-los assistentes, simples ou
litisconsorciais, embora tenham claramente interesse jurídico em que a sentença
seja favorável ao MPE. Isso porque a intervenção no processo, por meio da
assistência, ainda que possível em qualquer dos tipos de procedimento e em
todos os grau de jurisdição, deve ser requerida ao juiz da causa, abrindo-se às
partes prazo de cinco dias para impugnar tal pedido. Confira-se:
Art. 50. Pendendo uma causa entre duas ou mais pessoas, o terceiro, que tiver interesse jurídico em que a sentença seja favorável a uma delas, poderá intervir no processo para assisti-la.
Parágrafo único. A assistência tem lugar em qualquer dos tipos de procedimento e em todos os graus da jurisdição; mas o assistente recebe o processo no estado em que se encontra.
Art. 51. Não havendo impugnação dentro de 5 (cinco) dias, o pedido do assistente será deferido. Se qualquer das partes alegar, no entanto, que falece ao assistente interesse jurídico para intervir a bem do assistido, o juiz:
I - determinará, sem suspensão do processo, o desentranhamento da petição e da impugnação, a fim de serem autuadas em apenso;
II - autorizará a produção de provas;
III - decidirá, dentro de 5 (cinco) dias, o incidente.
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Assim, não poderão, o Diretório Municipal do PTdoB, Eles Reis
de Freitas e Silveira Bento de Godoi, estranhos à lide, ajuizar recurso eleitoral, na
qualidade de assistentes da parte autora, sem antes terem sido admitidos na lide
como assistentes.
Portanto, deve ser negado conhecimento ao recurso do
Diretório Municipal do PTdoB, Eles Reis de Freitas e Silveira Bento de Godoi.
III – Do mérito
Cuidam os autos de ação de investigação judicial eleitoral
fundada na captação ilícita de sufrágio, conduta vedada e no abuso de poder
político.
A ação de investigação judicial eleitoral visa a proteger a
legitimidade e a normalidade das eleições e coibir o abuso do poder econômico
ou político, a utilização indevida dos meios de comunicação, bem como as
fraudes no pleito eleitoral.
Resta caracterizado o abuso do poder político pelo uso
indevido do cargo ou da função pública com a finalidade de obter votos para
determinado candidato. É a atividade ímproba do administrador, com a finalidade
de influenciar no pleito eleitoral de modo ilícito, desequilibrando a disputa. Em
outras palavras, busca-se impedir a torpe exploração da máquina administrativa.
Essa é a orientação do Tribunal Superior Eleitoral:
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“RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. ELEIÇÕES 2010. GOVERNADOR. COLIGAÇÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. CABIMENTO. ART. 262 DO CÓDIGO ELEITORAL. ROL TAXATIVO. ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO E USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. DESPROVIMENTO. (...) 3. O abuso de poder configura-se no momento em que a normalidade e a legitimidade das eleições são comprometidas por condutas de agentes públicos que, valendo-se de sua condição funcional, beneficiam candidaturas, emmanifesto desvio de finalidade. Já o abuso de poder econômico ocorre quando determinada candidatura é impulsionada pelos meios econômicos de forma a comprometer a igualdade da disputa eleitoral e a própria legitimidade do pleito. (...)”. (grifou-se).(TSE, Recurso Contra Expedição de Diploma n° 711647, Acórdão de 27/10/2011, Relator(a) Min. FÁTIMA NANCY ANDRIGHI, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 231, Data 08/12/2011, Página 32-33).
“RECURSO ESPECIAL. PLEITO MUNICIPAL. CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS A SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS. PROXIMIDADE DA ELEIÇÃO. FAVORECIMENTO A CANDIDATO A PREFEITO. ABUSO DO PODER POLÍTICO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ART. 22 DA LC N° 64/90. PROCEDÊNCIA. INELEGIBILIDADE. CONDUTA VEDADA. ART. 73 DA LEI N° 9.504/97. MULTA. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO E DE NULIDADE DOS ACÓRDÃOS DO TRE. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE PROVA. APLICAÇÃO DE MULTA EM INVESTIGAÇÃO JUDICIAL. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. CANDIDATO NÃO ELEITO. ABUSO DO PODER. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E IMPROVIDO.I - Não há o que se falar em afronta aos arts. 275, II, do CE e 535, II, do CPC, quando a decisão regional enfrenta todas as matérias pontuadas no recurso.
II - Se as instâncias ordinárias assentaram estar configurado abuso de poder político, por serem os fatos incontroversos e potencialmente capazes de influir no pleito, não se pode rever esta conclusão sem o reexame do quadro fático. Incidência das Súmulas nos 7/STJ e 279,'STF.
III - A concessão de benefícios a servidores públicos estaduais nas proximidades das eleições municipais podem caracterizar abuso do poder político, desde que evidenciada, como na
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hipótese, a possibilidade de haver reflexos na circunscrição do pleito municipal, diante da coincidência de eleitores.
IV - Inexistência de nulidade da decisão proferida em investigação judicial que apure, em eleições municipais, abuso do poder e contrariedade a dispositivos da Lei Eleitoral, por ser o juiz eleitoral competente para ambas as ações e por ser o rito do art. 22 da LC n° 64/90 mais benéfico para as partes que o procedimento previsto no art. 96 da Lei n°9.504/97.
V - Não é fator suficiente para desconfigurar o abuso do poder político de que cuida o art. 22 da LC n° 64/90, o fato de o candidato por ele beneficiado não ter sido eleito, pois o que se leva em consideração na caracterização do abuso do poder são suas características e as circunstâncias em que ocorrido.
VI - Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, improvido”. (grifou-se)(TSE, RECURSO ESPECIAL ELEITORAL n° 26054, Acórdão de 08/08/2006, Relator(a) Min. FRANCISCO CESAR ASFOR ROCHA, Publicação: DJ - Diário de justiça, Data 25/8/2006, Página 169)
Quanto à prática de conduta vedada, os incisos III e V da Lei nº
9.504/97 são claros:
Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:(...)III - ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado;
(...)
V - nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados:(...)
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§ 4° O descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis a multa no valor de cinco a cem mil UFlR.
§ 5º Nos casos de descumprimento do disposto nos incisos do caput e no § 10, sem prejuízo do disposto no § 4º, o candidato beneficiado, agente público ou não, ficará sujeito à cassação do registro ou do diploma.
E, já no tocante à captação ilícita de sufrágio, o art. 41-A da Lei
das Eleições não deixa dúvidas ao dispor que:
Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990.
Desse modo, é defeso aos agentes públicos das esferas
administrativas cujos cargos estejam em disputa na eleição, nos três meses
anteriores ao pleito eleitoral, readaptar vantagens e ceder servidores públicos
para comitês de campanha eleitoral de candidato.
Compulsando os autos, verifica-se que o primeiro recorrido,
José Olinto Neto, então prefeito, candidato à reeleição, expediu o Decreto nº
2.027/2012, aos 25.09.2012, autorizando o cumprimento de uma carga horária
diária de seis horas ininterruptas aos servidores comissionados do Município de
Planaltina-GO em caráter provisório, sob o fundamento da “constante procura e
reivindicação de servidores comissionados junto a administração por um ajuste
de horário para que pudessem trabalhar na campanha eleitoral dos vários
candidatos a Prefeito e a vereadores” (documento de fls. 40/41).
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Apura-se, ainda, que o recorrido José Olinto Neto, logo após a
edição do citado decreto, organizou uma reunião política no Espaço Colibri, com
a participação de inúmeros servidores públicos, comissionados e contratados da
Prefeitura de Planaltina-GO, com o objetivo de pedir-lhes apoio político, sob a
promessa de, se reeleito, lhes garantiria os empregos por mais quatro anos.
Com efeito, extrai-se dos depoimentos colhidos às fls. 323/343
– vol. 2 e das provas coligidas que o recorrido José Olinto Neto, valendo-se da
condição de chefe do Executivo municipal, prometeu aos servidores públicos
comissionados e contratados a garantia de seus empregos, caso trabalhassem
na sua campanha eleitoral. Além disso, por meio da edição do Decreto nº
2.027/2012, reduziu a jornada de trabalho desta mesma categoria de servidores
(comissionados e contratados), para que estes pudessem se dedicar, com mais
tempo, à campanha eleitoral do recorrido. Confira-se:
“Que é servidora municipal e exerce a função de vice-diretora na Escola Municipal Professora Zaida Boaventura; [...] Que a comunicação foi de que a jornada passaria a 6 horas diárias e que teria recebido a orientação de que deveria trabalhar as outras 2 horas na campanha eleitoral; […] Que tomou conhecimento, através de terceiros, que o prefeito representado solicitou que os servidores ali presentes trabalhassem na campanha e que na oportunidade foi passada uma lista para fins de anotação do nome e telefone dos servidores”. (testemunha Vania Aparecida Xavier, fls. 326/328)
“Que é servidora contratada pelo Município, lotada na Escola Municipal Zaida Boaventura, desde o mês de março de 2011; Que recebeu um telefonema da diretora da escola onde encontra-se lotada, informando acerca de uma convocação para comparecimento em uma reunião no Colibri, a ser realizada pelo representado José Neto; […] Que ao chegar, a reunião ainda estava acontecendo e o tema era político; Que ouviu uma senhora, que não se recorda o nome, deixando subentendido que quem não trabalhasse para os representados 'poderia estar fora'; Que referida senhora não chegou a determinar expressamente
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que todos trabalhassem na campanha, mas em seu discurso deu a entender que aqueles que não prestassem seu apoio poderiam não ter seus contratos renovados; […] Que após o representado José Olinto pediu o apoio na campanha, solicitando que todos trabalhassem no horário disponibilizado; […] Que na escola onde trabalha existem 2 servidores comissionados e outros 4 servidores contratados, sendo que destes apenas 1 trabalhou na campanha”. (testemunha Karina Rocha da Silva de Oliveira, fls. 329/331) (g.n.)
“Que é servidora municipal efetiva desde 2001; Que encontra-se lotada na Diretoria de Ensino Especial, recebendo uma função gratificada desde o ano de 2011; Que tomou conhecimento, através de colegas de trabalho contratadas, acerca de uma reunião ocorrida no Colibri, em sede da qual os servidores contratados foram informados que a jornada normal de 8 horas diárias seria reduzida para 6 horas diárias, e que nas horas não trabalhadas nas repartições os servidores deveriam promover a campanha em favor dos representados; […] Que em relação aos servidores efetivos com funções comissionadas, como é o caso da depoente, ocorreu uma outra reunião, esta realizada pela Sra. Ioni, Diretora da Diretoria de Ensino Especial, oportunidade em que referida Diretora determinou que os servidores trabalhassem na campanha política dos representados aos finais de semana, e que deveriam manter a jornada de trabalho normal; […] Que a Sra. Ioni ameaçou os servidores, no sentido de que caso não trabalhassem na campanha, perderiam a gratificação; […] Que os servidores efetivamente se dirigiam ao comitê de campanha e participavam de passeatas, as quais se perduravam até as 18:00/18:30 horas; […] Que em referidas reuniões, a candidata ao cargo de vereador, Stela, e o candidato a prefeito, José Neto, diziam que os servidores comissionados e contratados deveriam apoiar a campanha sob pena de perderem os cargos; Que em relação aos servidores efetivos, as ameças eram no sentido de perda das funções gratificadas; […] Que a Sra. Mônica, Secretária de Educação, na ocasião em que chamou a depoente para uma conversa em seu gabinete, informou que a gratificação recebida vinculava a depoente a trabalhar na campanha, utilizando-se do termo de que 'a gratificação era pra isso'”. (Informante Edilene Eloi da Conceição dos Santos, fls. 332/335) (g.n.)
“Que é servidora contratada pelo Município, lotada na Escola Municipal Zaida Boaventura, desde o ano de 2011; Que foi recebido um telefonema na escola onde trabalha, informando acerca da convocação dos servidores comissionados e contratados para
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comparecerem em uma reunião no Colibri; […] Que uma senhora que não conhece e não sabe identificar convidou os servidores a trabalharem na campanha dos representados; Que referida senhora mencionou que em caso de eleição favorável aos representados, aqueles que trabalhassem e prestassem apoio à campanha teriam seus contratos renovados, enquanto os omissos perderiam seus cargos; Que a senhora foi expressa no sentido de que apenas os que se dedicassem à campanha seriam privilegiados e os demais não seriam recontratados; […] Que o representado apenas discursou e pediu apoio de todos, reforçando o pedido da senhora; […] Que passaram 2 listas durante a reunião, sendo que 1 era de presença, a qual fora assinada pela depoente, e a outra para consignação de dados para trabalho em campanha, esta não assinada pela depoente”. (testemunha Cleuza Martins de Souza, fls. 338/340) (g.n.)
“Que é servidora municipal, pelo vínculo contratual, exercendo a função de assistente social, desde o mês de outubro de 2010; […] Que a Sra. Bruna, coordenadora do CREAS, órgão onde a requerente trabalha, inicialmente orientou que a equipe deveria trabalhar na campanha eleitoral, apoiando o candidato José Olinto; Que posteriormente, foi editado um decreto, que reduzia jornada de trabalho de todos os servidores contratados para apenas 6 horas diárias; […] Que a Sra. Bruna também alegou que aquela seria uma forma de a depoente assegurar seu emprego para o próximo ano; […] Que a depoente acabou cedendo às determinações e trabalhou durante 3 dias no período matutino; […] Que outros colegas de trabalho, lotados em outro órgão que não o CREAS, também reclamaram da determinação de trabalharem na campanha mas preferiram não se manifestar; […] Que todas essas pessoas efetivamente trabalharam na campanha, pedindo votos, bandeirando, participando de comícios. […] Que do CREAS, os outros 6 servidores contratados trabalharam durante a campanha; […] Que ouviu do representado José Neto e de uma Sra. Lúcia o pedido para que os servidores pedissem votos a parentes e amigos e que realizassem o 'corpo a corpo' na campanha; Que o representado José Neto expressamente pediu o apoio para que continuasse no cargo”. (testemunha Kênia Regina de Faria, fls. 341/343) (g.n.)
De se ressaltar que a redução da jornada de trabalho e a
coação/ameaça para que se trabalhasse em prol da campanha dos recorridos se
deu única e especialmente em relação aos servidores públicos comissionados e
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contratados. Certamente, esta categoria não foi escolhida por acaso, mas, com
certeza, em função da precariedade de seu vínculo funcional, que, por ser de livre
nomeação e exoneração, torna esses servidores mais vulneráveis e susceptíveis
a esse tipo de pressão.
Percebe-se aqui que o mencionado decreto, ao estabelecer
que apenas os servidores comissionados e contratados poderiam se valer da
“benesse” de participarem da campanha eleitoral com a carga horária reduzida,
criou uma desigualdade sem qualquer amparo jurídico-legal.
Ora, considerando-se as razões que levaram à expedição do
decreto, os servidores efetivos também poderiam exigir o direito de realizar
campanha eleitoral para os candidatos de suas preferências. Porém, não foi o
que ocorreu; os servidores efetivos continuaram cumprindo sua jornada de oito
horas diárias. Qual a razão do discrímen?!
Destaca-se, outrossim, que não pode ser dado crédito aos
depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pelos recorridos, porquanto,
além de grande parte possuir uma relação de confiança com o recorrido José
Olinto Neto (José Carlos Sousa, Miria Maira Carvalho e Sousa, e Luciana
Fernandes Pereira – fls. 361/372), em todos os depoimentos afirmou-se que a
redução da jornada de trabalho alcançava todos os servidores, indistintamente.
O Decreto nº 2.027/2012 é claro ao dispor que fica autorizada
a “adequação de horário especial para cumprimento da carga horária de serviço
dos servidores comissionados do Município de Planaltina-GO em caráter
provisório” (fl. 40) (g.n.)
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Ora, quiseram induzir a erro a magistrada, mas a prova é clara
e contundente!
Ademais, causa bastante estranheza o fato de que os
servidores que teriam reduzido a jornada de trabalho para seis horas diárias, o
teriam feito em dias alternados e que, coincidentemente, exatamente no dia da
diligência feita pelo MPE junto à Diretoria de Ensino Especial, a jornada teria sido
de 8 horas e, por isso, no momento da diligência, realizada por volta das 12:30
horas, tais servidores estariam em seu horário de almoço. Muito conveniente!
Confira-se:
“(...) Que esclarece que no dia da diligência do promotor de justiça na Diretoria de Ensino Especial, os servidores estavam cumprindo horário integral de 08 (oito) horas, tendo 02 (duas) horas para almoço; Que reitera que os servidores comissionados ora cumpriam o horário estipulado pelo decreto, ora cumpriam as respectivas jornadas de 08 (oito) horas diárias; […] Que a Sra. Patrícia, após a edição do decreto, passou a exercer jornada de trabalho reduzida; Que não sabe informar se a redução de jornada pela Sra. Patrícia ocorreu em dias alternados ou em todos os dias; Que no dia da diligência a Sra. Patrícia cumpria jornada de 08 (oito) horas diárias, com 02 (duas) horas de almoço; […] Que em relação à servidora Graciela, esclarece que a servidora reduziu a jornada de trabalho desde a edição do decreto atá a data da diligência do Ministério Público; Que no dia da diligência, a servidora cumpriu a jornada de 08 (oito) horas para fechamento de relatórios necessários do departamento”. (testemunha Ione Dantas Baliza Vilarins, fls. 355/358)
Restou claro, portanto, que existiram servidores trabalhando no
comitê de campanha dos recorridos, inclusive durante o horário de trabalho
reduzido, segundo se apura da diligência realizada pelo MPE, para averiguar as
denúncias neste processo relatadas, a qual ocorrera por volta das 12:30 horas e
a jornada ininterrupta deveria ser cumprida até às 14:00 horas.
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Destaca-se, ainda, que, contrariamente ao que querem fazer
crer os recorridos, segundo documento acostado às fls. 226/228, a solicitação
dos servidores comissionados junto à Administração por uma jornada de trabalho
reduzida, teve como fator motivador o interesse em colaborar com a campanha
eleitoral dos recorridos e não, como estes afirmaram, em auxiliar na campanha
política de outros candidatos a prefeito e vereador, conforme a preferência de
cada servidor. Senão, vejamos:
“(...) Sugerimos, ainda que seja feito horário corrido de seis horas diárias (horário legalmente instituído), sendo assim restaria um tempo livre para estarmos colaborando de forma direta para sua campanha de reeleição na certeza de mais quatro anos de melhorias para o nosso município” (fl. 226). (g.n.)
Até porque de outro modo não poderia ser, vez que, como bem
aponta a promotora eleitoral, seria “ingênuo supor que um candidato à reeleição
a prefeito municipal, detentor do poder político, iria incorrer na prática ímproba de
desrespeito aos princípios da legalidade e moralidade, em total dissonância ao
que preceitua a Lei Orgânica do Município, que veda tal redução de jornada,
editando decreto readequando horário para a cessão de servidores” para atuarem
na campanha eleitoral de candidatos adversários (fl. 515, vol. 3).
Nesse ponto, cumpre esclarecer que, nos termos do que
dispõe o art. 45 do Estatuto do Servidor Público do Município de Planaltina-GO
(Lei nº 500/99), “os ocupantes de cargos em comissão ou de função gratificada
por encargo de chefia, assessoramento, secretariado ou inspeção estão sujeitos
qualquer que seja seu cargo ou emprego de origem, a jornada de 8 (oito) horas
diárias de trabalho” (fls. 43/45).
De outra banda, mesmo que se admitisse a tese dos
recorridos, ainda assim o fato configuraria conduta vedada, por infringência ao
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art. 73, V, da Lei nº 9.504/97, uma vez que, neste caso, a redução da carga
horária representaria um benefício concedido ao servidor para que o mesmo
pudesse trabalhar para a campanha que melhor lhe aprouvesse. Ou seja, estaria
o recorrido José Olinto Neto readaptando vantagens, o que é vedado pelo
dispositivo retro.
Ressalta-se, outrossim, que as testemunhas arroladas pelo
MPE (Cleuza Martins de Souza, Karina Rocha da Silva de Oliveira e Kênia
Regina de Faria), servidoras públicas municipais contratadas foram coagidas a se
retratar das declarações prestadas junto ao Parquet na fase extrajudicial,
segundo documentos de fls. 222/224. Confira-se:
“(...) Que a reunião no Colibri ocorreu no horário de trabalho e a escola ficou praticamente sem servidor; Que em razão desse fato e com conversa com as colegas, resolveu denunciar o fato no Ministério Público; Que após referidas denúncias, foi informada pela Sra. Cleusa, que uma determinada pessoa teria ligado na escola e repassado à Sra. Márcia que a depoente e a Sra. Cleusa deveriam se dirigir até um local informado para se retratarem acerca das informações prestadas ao Promotor de Justiça; Que em conversa com a Sra. Márcia, esta mencionou que se estivesse no lugar da depoente efetivaria uma retratação, haja vista que a denúncia poderia gerar demissão por justa causa; […] Que se sentiu coagida com a ligação que determinava que se retratasse das denúncias efetivadas perante o Ministério Público”. (testemunha Karina Rocha da Silva de Oliveira, fl. 330) (g.n.)
“(...) Que realizou a denúncia dos fatos acima mencionados no Ministério Público. Que em conversa com outras colegas lotadas na escola, concluiu que tal atitude poderia levar à demissão por justa causa, razão pela qual decidiu se retratar; […] Que comunicaram a decisão à Sra. Márcia e esta providenciou que uma pessoa buscasse a depoente e a testemunha Karine para se dirigirem a um escritório, local onde foi atendida por uma advogada, que não se recorda o nome; Que a retratação já estava redigida e a advogada somente alterou alguns trechos a pedido da depoente; […] Que retifica a informação anteriormente prestada e esclarece que a Sra. Márcia informou acerca da existência de uma segunda ligação à
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escola, orientando a depoente e a Sra. Karine a se retratarem da denúncia promovida no Ministério Público; Que omitiu a informação com receio de comprometer a Secretária Márcia; […] Que a retratação foi realizada em razão da ligação e também por convicção da própria depoente, que entendeu que aquela era a melhor conduta a ser tomada”. (testemunha Cleuza Martins de Souza, fls. 339/340)
“(...) Que reconhece a informação prestada à 224 [termo de retratação] e esclarece que prestou tais declarações em razão da correspondência recebida em sua residência contendo ameaças”2. (testemunha Kênia Regina de Faria, fl. 343)
Ora, tais testemunhas, detentoras de vínculo precário com a
Administração municipal, foram claramente coagidas a se retratarem das
denúncias feitas ao MPE, sob a ameaça direta ou mesmo velada de não terem
seus contratos com a prefeitura renovados. Foi, inclusive, disponibilizado veículo
da prefeitura para levá-las ao escritório de advocacia da Drª Ana Flávia, para
assinarem a retratação, que já estava praticamente pronta, faltando apenas
algumas informações prestadas na ocasião pelas testemunhas.
Conclui-se, pois, que, ao se utilizar dos servidores
comissionados e contratados em benefício próprio, reduzindo a jornada de
trabalho para que dispusessem de tempo livre para trabalhar em sua campanha
eleitoral, restou configurado o abuso de poder político e, ao garantir a
permanência nos cargos comissionados sob a condição dos citados servidores se
empenharem na campanha política, caracterizou-se a promessa de emprego,
configuradora da captação ilícita de sufrágio.
Aqui, oportuno rememorar os contornos legais e
jurisprudenciais da captação ilícita de sufrágio.
2 Ameaça dirigida à testemunha Kênia Regina de Faria anexada à fl. 345.
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Com efeito, a captação ilegal de sufrágio consiste na conduta
do candidato doar, oferecer, prometer, entregar ao eleitor com o fim de obter-lhe
o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive, emprego ou
função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição. Aliás, o
próprio Tribunal Superior Eleitoral pontua que a captação de sufrágio é o
oferecimento ou promessa de vantagem ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto,
sendo incontroversa a desnecessidade de se pedir expressamente o voto.
Confira-se:
“Representação. Captação ilícita de sufrágio.
1. A atual jurisprudência deste Tribunal não exige, para a configuração da captação ilícita de sufrágio, o pedido expresso de votos, bastando a evidência, o fim especial de agir, quando as circunstâncias do caso concreto indicam a prática de compra de votos.
2. O pagamento de inscrição em concurso público e de contas de água e luz em troca de votos, com o envolvimento direto do próprio candidato, em face das provas constantes dos autos, caracteriza a captação ilícita de sufrágio prevista no art. 41-A da Lei nº 9.504/97.
Recurso ordinário provido”.(RO nº 151012/AP, rel. Ministro GILSON DIPP, DJE de 23.8.2012) (g.n.)
“ELEIÇÕES 2012. RECURSO ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. GRAVAÇÃO AMBIENTAL REALIZADA POR UM DOS INTERLOCUTORES EM LOCAL PÚBLICO. PROVA LÍCITA. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. INOCORRÊNCIA. ABUSO DO PODER ECONÔMICO NÃO CONFIGURADO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
1. A gravação ambiental de diálogos e conversas entre pessoas, sendo do conhecimento apenas de uma ou algumas delas, não constitui prova ilícita, pois não há como se esperar privacidade em local público (calçada), que pode ser livremente acessado por qualquer transeunte.
2. A caracterização da captação ilícita de sufrágio exige a prova de que a conduta fora condicionada ao voto do eleitor, participação direta ou indireta do candidato no fato tido por ilegal, sendo, contudo, prescindível o pedido expresso de voto.
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3. Ausência de provas que confirmam a intenção de fornecer benefício a eleitores em troca de voto.
4. A comprovação do abuso de poder econômico deve demonstrar a potencialidade do ato para desequilibrar a disputa eleitoral e influir no tratamento isonômico entre os candidatos.
5. Inocorrência de abuso do poder econômico, uma vez que não houve prova da influência no resultado do pleito.
6. Recurso conhecido e desprovido”.(TRE-GO, RE nº 38990, rel. LEONARDO BUISSA FREITAS, DJ de 17.12.2012) (g.n.)
Do mesmo modo, restou configurada a prática de conduta
vedada, nas modalidades “cessão de servidor público/uso de seus serviços para
comitês de campanha, durante o horário de expediente” e “readaptação de
vantagens” (art. 73, incisos III e V), quando o recorrido José Olinto Neto reduziu a
carga horária de trabalho dos servidores comissionados e contratados, sem
qualquer alteração salarial, para auxiliarem na sua campanha política.
A respeito do tema, colaciona-se os seguintes precedentes:
“INVESTIGAÇÃO JUDICIAL. PRELIMINARES AFASTADAS. CONDUTA VEDADA. EDIÇÃO DE PORTARIA PELA PREFEITA, REDUZINDO PARA MENOS DA METADE, A JORNADA DE TRABALHO DE SERVIDOR COMISSIONADO, EM PERÍODO ELEITORAL. UTILIZAÇÃO DO SERVIDOR EM SUA CAMPANHA ELEITORAL PARA REELEIÇÃO. APLICAÇÃO DE MULTA. AUSÊNCIA DE PROPORCIONALIDADE ENTRE A PRETENDIDA SANÇÃO DE CASSAÇÃO DO DIPLOMA E A CONDUTA VEDADA PRATICADA. ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. AUSÊNCIA DE POTENCIALIDADE. SENTENÇA CONFIRMADA. DESPROVIMENTO DE AMBOS OS RECURSOS.
É manifestamente ilegal e inconstitucional a redução da jornada de trabalho de servidor público comissionado, de oito horas para três horas e meia, por quinze dias, em período eleitoral, para tratamento de assuntos particulares do servidor.
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A concessão de referida licença para o servidor, o qual passou a dirigir o carro de som da campanha eleitoral para reeleição, apesar de ilícita, não apresenta potencialidade para desequilibrar a isonomia entre os candidatos e alterar o resultado do pleito.
Embora a conduta praticada seja de natureza grave, ainda assim, em vista das peculiaridades do caso, se mostra desproporcional a aplicação da severa sanção de cassação do diploma, da candidata eleita com 73,15% dos votos válidos”.(TRE-PR, RE nº 7730, relª. REGINA HELENA AFONSO DE OLIVEIRA PORTES, DJ de 3.2.2010) (g.n.)
“RECURSO ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. PRELIMINARES. AUSÊNCIA DE INSTRUMENTO DE PROCURAÇÃO, ENDEREÇAMENTO ERRADO DO RECURSO, INTEMPESTIVIDADE DA MANIFESTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, NULIDADE DA CONVERSÃO EX OFFICIO DE REPRESENTAÇÃO EM AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL, DECRETAÇÃO DE REVELIA DA PARTE AUTORA E IMPUGNAÇÃO DE DOCUMENTOS. REJEIÇÃO. ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. CONDUTAS VEDADAS AOS AGENTES PÚBLICOS. CESSÃO DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO PARA TRABALHAR EM CAMPANHA ELEITORAL. CONDUTA ILÍCITA CARACTERIZADA. MULTA. INEXISTÊNCIA DE ABUSO DE PODER. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
(...)
7. Quando a candidata à reeleição emite portaria fixando jornada de trabalho reduzida para funcionários públicos, caracterizando cessão de servidor público municipal para trabalhar em campanha eleitoral, há inegável infração ao artigo 73, inciso III da Lei nº 9.504/97, com a consequente aplicação de multa”.(TRE-PR, RE nº 7731, rel. MUNIR ABAGGE, DJ de 5.6.2009)
Por último, destaca-se que as condutas ilícitas praticadas pelos
recorridos macularam a normalidade e legitimidade das eleições, violando a
isonomia, o equilíbrio na disputa entre os candidatos, a igualdade de
oportunidades e desrespeitando a vontade popular.
Como bem mencionado pelo Parquet em primeiro grau à fl.
550, "nos termos do art. 22, XVI da LC nº 64/90, tem-se por relevante a gravidade
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do ato de redução da jornada de expediente dos servidores comissionados na
iminência da deflagração do pleito eleitoral, tendo em vista o beneficiamento
direto de quantia considerável dos servidores municipais e seu efeito
multiplicador atingindo inúmeros familiares os quais restam beneficiados
indiretamente”.
E continua: “São circunstâncias graves que merecem ser
sopesadas na análise da presente representação, capazes de malferir os bens
jurídicos tutelados pelo art. 19, parágrafo único da LC nº 64/90”.
E arremata: “Não se põe dúvida, portanto, que, em uma
eleição de cidade que conta com aproximadamente oitenta mil habitantes, as
condutas ilícitas perpetradas pelos recorridos – o abuso de poder político,
notadamente pela captação ilícita de sufrágio – causaram desequilíbrio no pleito
eleitoral de 2012, a ponto de influenciar, de modo decisivo, no resultado das
eleições, o qual anota como candidatos eleitos os ora recorridos”.
Ante o exposto, a Procuradoria Regional Eleitoral manifesta-se
pelo não conhecimento do recurso aviado pelo Diretório Municipal do PTdoB,
Eles Reis de Freitas e Silveira Bento de Godoi e, quanto ao recurso do MPE, pelo
seu conhecimento e provimento.
Goiânia, 2 de maio de 2013.
RAPHAEL PERISSÉ RODRIGUES BARBOSAPROCURADOR REGIONAL ELEITORAL SUBSTITUTO
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