UMA ANÁLISE EXPLORATÓRIA DA CAPACIDADE DE SUPORTE
AMBIENTAL EM ÁREAS URBANIZADAS
S. V. de Mello; I. M. Kaiser; A. S. P. Peixoto; G. G. Manzato
RESUMO
Recentes acontecimentos sobre escassez de recursos naturais, como a água, geraram grandes
prejuízos ao Brasil e à sua população. Assim, o objetivo desse trabalho é a elaboração de
uma ferramenta que auxilie a administração sustentável desses recursos, baseada em uma
aplicação das análises estocásticas de fronteira. Os elementos de análise foram os municípios
e as Unidades Hidrográficas de Gerenciamento de Recursos Hídricos (UGRHI) do estado de
São Paulo. A aplicação do modelo proposto identificou regiões em potencial déficit hídrico,
ou seja, regiões onde a natureza não está conseguindo suprir, de forma sustentável, a
demanda de água das populações ali residentes. O estudo revelou também uma
aplicabilidade diferente para as análises estocásticas de fronteira com foco na esfera
ambiental.
1 INTRODUÇÃO
Promover o desenvolvimento da humanidade aliado à preservação do meio ambiente é um
dos principais desafios do século XXI. Estudos recentes das Nações Unidas (UN, 2015)
demonstram que 54 % da população mundial vive em áreas urbanas e projetam que a
população mundial urbana alcançará a marca de 66 % até 2050. Diante desses números,
estão previstas mudanças significativas para a população global, tanto em termos da
quantidade de pessoas no mundo, como em termos de sua distribuição espacial.
Em princípio, por encontrarem melhores condições, as pessoas migram para as cidades
esperando aprimorar a sua qualidade de vida (Rodríguez-Pose e Ketterer, 2012), uma vez
que estes locais concentram a maioria das atividades econômicas e possuem as melhores
redes de infraestrutura (transportes, telecomunicações, energia elétrica, saúde, educação,
lazer, etc.). Por outro lado, esses centros compreendem atividades humanas com diversas
interações sociais e ambientais (Kourtit e Nijkamp, 2013) promovendo uma enorme pressão
nessas áreas. Conforme Rodrigues da Silva et al. (2008), essas interações são consequências
das relações espaciais, econômicas, políticas, sociais e demográficas existentes nas áreas
urbanizadas. Com isso, observam-se inúmeros esforços em elaborar modelos capazes de
representar as inter-relações presentes nessas estruturas multidimensionais e complexas.
Esta não é uma preocupação recente. Já na década de 1980 foi publicado o relatório
Brundtland, intitulado de “Our commom future” (WECD, 1987), introduzindo o conceito de
Desenvolvimento Sustentável. Este conceito é definido como uma política de acolhimento
das necessidades das populações atuais sem afetar a expectativa das gerações futuras em
atenderem as suas devidas necessidades. A ideologia do Desenvolvimento Sustentável foi
concretizada na conferência “Rio-92” e incorporada em várias agendas mundiais, como a
agenda das Nações Unidas de desenvolvimento e de direitos humanos. Desde então esse
conceito vem sendo discutido em todos os encontros internacionais que tratam do clima e do
futuro do planeta, gerando diversos estudos, tecnologias e metodologias que buscam
minimizar o impacto da atividade humana sobre a natureza.
Neste sentido, diversas ferramentas de análise de impactos ambientais têm sido
desenvolvidas para os mais variados fins e continuam sendo aprimoradas até hoje. Algumas
se assemelham com as características do estudo aqui desenvolvido, nas quais as análises de
Capacidade de Suporte, de Pegada Ecológica e as análises Emergy merecem destaque. Uma
breve introdução desses conceitos será elaborada a seguir.
A Capacidade de Suporte é definida como a máxima população de uma dada espécie que
pode ser suportada em um dado habitat sem que haja prejuízos na produtividade deste habitat
(Rees, 1996). Esse conceito evidenciou a dependência das atividades humanas com os
processos ecológicos, desmistificando a ideia de que os recursos naturais são bens gratuitos
da natureza. Com o desenvolvimento desses conceitos, foi estabelecida a Ecologia
Econômica, que se concretizou com a teoria do “Capital Natural” e da “Receita Natural”
(Pearce et al., 1989; Victor, 1991; Wackernagel e Rees 1997; Wackernagel et al. 1999).
A teoria do Capital Natural propicia um entendimento do significado de sustentabilidade, ou
seja, nenhum projeto para o desenvolvimento é sustentável se depender continuamente da
redução do capital produtivo da Ecosfera. A partir dessa perspectiva, uma sociedade pode
ser considerada economicamente sustentável se ela conseguir passar adiante um depósito
suficiente de capital natural para as próximas gerações (Solow, 1986; Pearce, 1994).
Neste contexto, uma questão fundamental para a sustentabilidade ecológica é a investigação
sobre os depósitos remanescentes de Capital Natural visando verificar se estes são adequados
para providenciar os recursos consumidos, assimilar os resíduos produzidos pelas gerações
presentes e futuras e, simultaneamente, garantir as funções gerais para a manutenção da vida
na Ecosfera (Rees, 1996). A percepção de que as análises de capacidade de suporte na
natureza não são fixas e estáticas tornou-se presente. As relações são complexas e envolvem
o nível tecnológico da população, a cultura e a estrutura de produção e consumo (Arrow et
al., 1995).
A partir dos conceitos de Capital Natural, foi estabelecida uma abordagem diferente da
capacidade de suporte, intitulada de Pegada Ecológica (Rees, 1992; Wackernagel e Rees,
1997; Wackernagel et al., 1999). Ao invés de perguntar o tamanho da população que uma
certa região pode suportar, o problema foi invertido calculando-se qual a área produtiva total
que é necessária para manter constantemente uma determinada população.
A Pegada Ecológica de uma população pode ser representada pela área continuadamente
requerida para gerar a quantidade de energia de biomassa e de recursos naturais necessários
para o consumo desta população. Em outras palavras, a Pegada Ecológica foi criada para
representar o atual estado de consumo dos recursos naturais e a carga de resíduos gerada
pelo homem, definindo uma área de ecossistema necessária para suprir as necessidades
humanas em um determinado local e comparando com o total de área disponível (Kitzes et
al., 2009). Galli (2012) analisou a pegada ecológica em escala mundial e verificou que em
países economicamente desenvolvidos a pegada ecológica vem aumentando
consideravelmente, enquanto em países menos desenvolvidos, a pegada ecológica
permaneceu estável ou diminuiu historicamente.
Paralelamente aos conceitos de Capacidade de Suporte e Pegada Ecológica, foram
desenvolvidos os conceitos de análise de Energia ou Emergy envolvendo um determinado
ecossistema (Odum, 1969; Odum, 1973, 1988, 1996). A análise de Energia é o processo para
se determinar o quanto de energia é requerida, direta e indiretamente, para permitir que um
sistema (geralmente um sistema econômico) produza um bem ou um serviço. A motivação
básica das análises de Energia é quantificar a relação entre as atividades humanas e sua
demanda por energia, evidenciando que essas análises são tão úteis, do ponto de vista
ecológico, quanto as análises econômicas convencionais (Odum, 2002). A partir da década
de 1990, com a preocupação ambiental ganhando força, as análises de energia começaram a
ser usadas como indicadores ambientais (Brown e Herendeen, 1996).
De forma semelhante à Pegada Ecológica, o objetivo das análises Emergy (como são
geralmente chamadas) é avaliar se determinada região consegue suprir a demanda de sua
população por bens e serviços sem que ocorra o estresse do meio ambiente e a degradação
ambiental. Hossaini e Hewage (2013) aplicaram as análises Emergy em províncias do
Canadá gerando mapas a partir de seus resultados para entender como o turismo pode afetar
ecologicamente essas regiões. Outro exemplo da aplicação foi a caracterização da evolução
e do desenvolvimento do ambiente urbano na cidade de Macao na China através das análises
Emergy realizado por Lei et al. (2008). Foi concluído que a região de Macao absorve mais
quantidade de Emergy do que o seu meio ambiente pode fornecer.
Por outro lado, combinando os cálculos de Pegada Ecológica com as análises Emergy, Zhao
et al. (2005) criaram um método alternativo, analisando-o sobre a província de Gansu e
compararam com a Pegada Ecológica obtendo resultados parecidos. Nakajima e Ortega
(2016) simplificaram a metodologia que une Capacidade de Suporte e Pegada Ecológica
com as análises Emergy, de modo semelhante ao feito por Zhao et al. (2005). Os autores
analisaram o munícipio de Ibiúna-SP e compararam com os métodos anteriores (Pegada
Ecológica e Emergy), focando na questão dos combustíveis fósseis. As análises levaram à
conclusão de que mais da metade de todo o impacto sobre a natureza é proveniente da queima
dos combustíveis.
Conforme o entendimento e aprimoramento das metodologias que tratam de impactos
ambientais avançam, surgem novas ideias para contribuir na abordagem e modelagem dos
problemas enunciados. Dessa forma, o método aqui proposto tem por objetivo auxiliar nessa
questão. Para este estudo preliminar, o foco é a oferta de água, um dos bens mais preciosos
da Terra. Um dos cenários futuros frequentemente investigado é a escassez de água, situação
que afetou seriamente a região sudeste do Brasil nos anos de 2014 e 2015. Cortes e
racionamento foram impostos à população devido à forte estiagem, gerando prejuízos. O que
era um cenário remoto em um país com grande disponibilidade hídrica, tornou-se uma
realidade. Nesse contexto, o desenvolvimento de ferramentas que auxiliem o gerenciamento
dos recursos naturais, principalmente a água, é bastante relevante. Este estudo espera
colaborar na solução desse problema, propondo uma metodologia de análise da capacidade
de suporte ambiental. Neste estudo exploratório de viabilidade da metodologia, o foco foi o
cálculo da capacidade de suporte hídrica do Estado de São Paulo. Em outras palavras, foi
verificar as regiões do estado onde a demanda por água é maior do que a natureza pode
fornecer de maneira sustentável.
Este artigo é estruturado da seguinte maneira: na seção 2 são apresentados a metodologia e
modelo de cálculo propostos. Na seção 3 são apresentados os resultados do modelo a partir
dos cálculos obtidos e de mapas gerados com um sistema de informações geográficas (SIG).
Na seção 4 é apresentada a conclusão dos resultados e a verificação da aplicabilidade da
metodologia proposta. Ao final do artigo estão os agradecimentos seguidos pela lista das
referências bibliográficas citadas neste trabalho.
2 METODOLOGIA
A metodologia proposta se baseia na utilização do modelo estocástico de fronteira de
produção desenvolvido por Aigner et al. (1977); Meeusen e van den Broeck (1977) para o
cálculo da capacidade de suporte hídrica. Com raízes na econometria, o modelo estocástico
de fronteira foi desenvolvido para calcular a eficiência de uma cadeia de produção ou de um
sistema de produção e, posteriormente, foi aprimorado para o cálculo, também, de
ineficiências dentro dessas cadeias (Schmidt e Lovell, 1979; Jondrow et al., 1982; Battese e
Coelli, 1995) O modelo calcula a máxima produção possível (output) de um determinado
bem, em função de suas variáveis de entrada (input) (Kumbhakar e Lovell, 2000). Ao
determinar a máxima produção possível, o modelo encontra a fronteira de produção. Em
casos específicos, como em Manzato et al. (2011), quando a fronteira é atingida, obtém-se a
capacidade de suporte do sistema. Em geral, o modelo estocástico de fronteira é aplicado
utilizando-se a forma de Cobb-Douglas na base log (Meeusen e van den Broeck, 1977; Coelli
et al., 1999; Manzato et al., 2011), expresso na equação (1).
log 𝑦𝑖 = 𝛽0 + ∑(𝛽𝑛 + 𝑙𝑜𝑔𝑋𝑛𝑖)
𝑛
𝑖=1
+ 𝑣𝑖 − 𝑢𝑖 (1)
Onde:
𝑦𝑖 = Fronteira de produção (output), neste caso a densidade populacional (Hab/Km²)
𝑥𝑖 = Variáveis de entrada (input), neste caso a densidade de drenagem (Km/Km²)
𝛽0 𝑒 𝛽𝑛 = Parâmetros estimados pelo modelo
𝑣𝑖= termo de erro randômico
𝑢𝑖 = ineficiência técnica
Para estimar o modelo, foram utilizados base de dados hídricos, territoriais e censitários de
domínio público, obtidos através dos seguintes órgãos: Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), Comitê de Bacias Hidrográficas (CBH) e Infraestrutura de Dados
Espaciais e Ambientais do Estado de São Paulo (IDEA-SP). A Tabela 1 apresenta um resumo
dos dados obtidos e suas respectivas fontes.
Tabela 1 Resumo dos dados obtidos e suas respectivas fontes
Fonte IBGE CBH IDEA-SP
Dados População por
município
Delimitação
administrativa
dos municípios
População por
UGRHI
Delimitação
administrativa
das UGRHIS
Rede hídrica
Esses dados foram incorporados em uma ferramenta de sistemas de informações geográficas
(SIG) para a obtenção de duas variáveis. A primeira é a densidade populacional, expressa
em Hab/Km² e a segunda é a densidade de drenagem superficial, expressa em Km/Km²,
sendo obtida através da divisão da extensão hídrica superficial pela área do objeto em
análise. Neste trabalho, entende-se por “objeto de análise” a unidade de observação utilizada,
que aqui se referiu à subdivisão do estado de São Paulo em municípios e em Unidades de
Gerenciamento de Recursos Hídricos (UGRHI). A variável de fronteira de produção (output)
foi a densidade populacional e a variável de entrada (input) foi a densidade de drenagem. É
importante destacar que esta análise de viabilidade do modelo utilizou apenas uma variável,
a disponibilidade hídrica superficial, e que os núcleos urbanos paulistas são abastecidos por
mananciais superficiais, e subterrâneos, nas mais diversas combinações de uso entre eles.
O resultado esperado é o cálculo da máxima densidade populacional suportada para um dado
objeto de análise em função da oferta hídrica superficial representada pela densidade de
drenagem. Em outras palavras, a capacidade de suporte hídrica dos objetos em análise. A
determinação do déficit ou excedente se dá pela comparação entre a densidade populacional
real com a capacidade de suporte calculada pelo modelo (ou seja, a densidade populacional
estimada). Se o objeto de análise possuir sua densidade populacional maior do que a
capacidade de suporte hídrica, ele estará em potencial déficit hídrico. Caso contrário, estará
em excedente hídrico.
Foram realizadas duas análises distintas. Primeiramente, o modelo foi explorado sobre as
Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos (UGRHI) do Estado de São Paulo com
dados populacionais de 2015. Posteriormente, a análise foi feita nos municípios do estado,
utilizando uma base de dados populacionais referente ao Censo de 2010. Os dados foram
escolhidos através de sua disponibilidade mais recente. Nesse sentido, assumiu-se que não
haveria diferenças significativas ao considerar os dados de 2015 para as UGRHIs e de 2010
para os municípios. A Figura 1 representa as referidas áreas de estudo.
Fig. 1 Áreas de Estudo – UGRHIs e Municípios do Estado de São Paulo
3 RESULTADOS
A seguir são apresentados os resultados obtidos, subdivididos em duas partes: primeiramente
são discutidos os resultados para as UGRHIs e, posteriormente, para os municípios.
3.1 Capacidade de Suporte Hídrico das UGRHIs do Estado de São Paulo
A Figura 2 apresenta a Disponibilidade Hídrica calculada a partir do modelo proposto
evidenciando as UGRHIs em déficit (indicado na cor vermelha) e em excedente hídrico
(indicado na cor verde). Essa primeira análise, qualitativa, indica que as UGRHIs Tietê-
Jacaré, Piracicaba-Jundiaí, Alto-Tietê, Baixada Santista e Litoral Norte estão operando em
déficit hídrico. Somente essas cinco unidades concentram juntas aproximadamente 50% da
população do Estado. Consequentemente são nessas UGRHIs que estão localizadas a
maioria das cidades mais populosas do estado.
Não é incomum a transposição de águas entre bacias para atender o abastecimento das
populações urbanas. Estas transposições podem estar contidas em uma mesma UGRHI,
como podem extrapolar os seus limites. O sistema de transposição mais conhecido no estado
de São Paulo, pelo volume de água envolvido, é o sistema Cantareira que capta águas
superficiais da UGRHI Piracicaba/Capivari/Jundiaí e abastece a Região Metropolitana de
São Paulo, pertencente a UGRHI Alto Tietê. Ou seja, sistemas em déficit tendem a receber
contribuições de seus vizinhos para fornecerem a quantidade requerida de água.
Fig. 2 Disponibilidade Hídrica das UGRHIs de São Paulo
A Figura 3 apresenta a análise quantitativa dos resultados para a capacidade de suporte
hídrica segundo o modelo proposto. Esta análise indica o nível de estresse que cada UGRHI
está submetida. Em primeiro lugar, observa-se que a unidade do Alto-Tietê (indicada na cor
vermelha) está sobre o maior estresse hídrico. Sua capacidade de suporte está sobrecarregada
(déficit) em 3121 Hab/Km². Em segundo lugar, a unidade da Baixada Santista (indicada na
cor marrom) opera sobrecarregada em 386 Hab/Km². As unidades Piracicaba-Capivari-
Jundiaí, Litoral Norte e Tietê-Jacaré estão sobrecarregadas, respectivamente, em 190, 20 e 6
Hab/Km² (indicada na cor amarela). Em contraste, sete unidades estão operando com
excedente de até 50 Hab/Km² (indicada na cor azul). São elas: Mogi-Guaçu, Pardo, Tietê-
Sorocaba, Peixe, Pontal do Paranapanema, Turvo-Grande e Mantiqueira. O grupo restante
se dá pelas dez unidades que estão em maior excedente hídrico, podendo suportar uma
população adicional acima de 50 Hab/Km² (indicada na cor verde). Estas compreendem as
seguintes unidades: Litoral Sul, Alto Paranapanema, Paraíba do Sul, Médio Paranapanema,
Tietê-Batalha, Aguapeí, Baixo Tietê, São José dos Dourados, Baixo Pardo e Sapucaí.
Fig. 3 Capacidade de Suporte Hídrica das UGRHIs de São Paulo
3.2 Capacidade de Suporte Hídrico dos Municípios do Estado de São Paulo
A Figura 4 apresenta a disponibilidade hídrica calculada a partir do modelo proposto,
indicando os municípios em déficit hídrico (indicada na cor vermelha) e em excedente
hídrico (indicada na cor verde). Foram detectadas áreas em déficit hídrico que não estavam
sendo evidenciadas na análise anterior, como as regiões centro-norte, centro-oeste e extremo
leste do estado. No extremo leste, especificamente na UGRHI de Paraíba do Sul, esse
fenômeno é observado claramente, uma vez que praticamente metade de seus municípios
está em déficit. Entretanto, a análise anterior considerou toda a região em excedente.
Também é possível observar o número considerável de 196 municípios (ou seja, 30%) do
estado em déficit hídrico, podendo ser apontados como os mais vulneráveis aos períodos de
seca.
O uso desses resultados pode colaborar com possíveis ações futuras do poder público na
questão do gerenciamento dos recursos hídricos com enfoque regional e local, adotando, por
exemplo, políticas públicas de descentralização da população em regiões com déficit e
realocando habitantes e indústrias para áreas com excedente hídrico. Pode também
estabelecer prioridades para áreas deficitárias, que necessitam maior aprimoramento do
gerenciamento da operação e da distribuição de água, a fim de reduzir desperdícios.
Fig. 4 Disponibilidade Hídrica dos Municípios de São Paulo
A Figura 5 apresenta os resultados para a capacidade de suporte hídrica segundo o modelo
proposto para os municípios. Esta análise indica o nível de estresse hídrico que cada
município está submetido.
Fig. 5 Capacidade de Suporte Hídrico para os Municípios de São Paulo
Conforme ilustrado na Figura 5, o modelo indica que 53 municípios estão sobrecarregados
acima de 500 Hab/Km² (indicada na cor vermelha). São destaques, por exemplo, os
municípios de São Paulo e Campinas, juntamente com a maioria dos municípios adjacentes.
No interior do estado, em razão do déficit semelhante, se destacam os municípios de Ribeirão
Preto, São José do Rio Preto e Sorocaba. Considerando a classificação entre 250 até 500
Hab/Km² (indicada na cor marrom), 16 municípios estão sobrecarregados com intermediária
intensidade. Com déficit de menor intensidade, abaixo de 250 Hab/Km² (indicada na cor
amarelo), existem 127 municípios. O restante dos municípios opera em excedente hídrico,
sendo 192 operando com excedente de até 50 Hab/Km² (indicada na cor azul) e 257 operando
acima dos 50 Hab/Km² (indicada na cor verde).
4 CONCLUSÃO
O objetivo principal deste trabalho foi realizar uma análise exploratória do emprego da
modelagem estocástica de fronteira de produção na determinação da capacidade de suporte
ambiental. Para tanto, o estudo foi conduzido utilizando dois objetos de análise com escalas
distintas, a saber: a subdivisão do estado de São Paulo em UGRHIs e em municípios. Em
ambos os casos, a ideia foi modelar a densidade populacional em função da densidade de
drenagem. Com isso, foi possível identificar regiões (UGRHIs e municípios) que estão ou
em déficit ou em excedente hídrico.
Uma análise complementar também foi realizada identificando-se de maneira quantitativa a
situação dessas regiões. Ou seja, foi possível observar a capacidade de suporte hídrica tanto
nas UGRHIs como nos municípios. As análises realizadas nos municípios complementaram
e até contrapuseram os resultados obtidos para as UGRHIs, evidenciando e revelando regiões
deficitárias (na escala municipal), antes apresentadas em excedente hídrico (considerando-
se a escala das UGRHIs). Isso indica que a escala adotada na análise é relevante.
A transposição de água de bacias hidrográficas é prática comum para o abastecimento das
populações urbanas, que pode estar contida em uma mesma UGRHI, como extrapolar seus
limites. A Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) é a maior importadora de água no
estado de São Paulo. Pertence a UGRHI Alto Tietê e é abastecida pelos sistemas Alto Tietê;
Alto Cotia; Guarapiranga, Rio Grande e Rio Claro todos pertencentes a mesma UGRHI;
importa água da UGRHI Piracicaba-Capivari-Jundiaí, através do sistema Cantareira e, mais
recentemente, da UGRHI Tietê-Sorocaba através do Sistema São Lourenço. A UGRHI
Piracicaba-Capivari-Jundiaí, fornecedora de água, também se encontra em situação de
déficit hídrico, já a UGRHI Tietê-Sorocaba encontra-se em situação de excedente hídrico.
Uma observação que, entretanto, merece destaque é o fato de que apenas a disponibilidade
hídrica superficial foi utilizada como dado de entrada. Sabe-se que o estado de São Paulo
utiliza também água subterrânea para o abastecimento humano e que as proporções de uso
de água superficial e subterrânea variam para cada município. Além disso, outra restrição
presente neste estudo em função da variável de entrada (ou seja, a densidade de drenagem)
refere-se ao fato dessa variável considerar apenas a extensão dos cursos d’água e não suas
vazões. Essas informações estão dispersas em várias entidades e demandam tempo para
coleta e sistematização. Essas questões deverão ser elaboradas, incorporadas ao modelo e
apresentadas em um estudo subsequente. Mesmo assim, os resultados foram coerentes com
a situação de disponibilidade hídrica do estado de São Paulo e considera-se que o objetivo
principal do presente estudo tenha sido atendido.
5 AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem às agências CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico), CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior) e FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) pelos apoios
concedidos em diferentes fases da pesquisa que deu origem a este trabalho. Os autores
agradecem também à Caliper Corporation pela doação da licença educacional do software
Maptitude utilizado neste estudo.
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Aigner, D., Lovell, C.A.K. e Schmidt, P. (1977) Formulation and estimation of stochastic
frontier production function models. Journal of Econometrics, 6(1), 21–37.
Arrow, K., Bolin, B., Constanza, R. (1995) Economic Growth, Carrying Capacity and the
Environment. Science, 268, 520-521
Battese, G. E. e Coelli, T.J. (1995) A Model for Technical Inefficiency Effects in a Stochastic
Frontier Production Function for Panel Data. Empirical Economics, 20, 325–332.
Brown, M.T. e Herendeen, R.A. (1996) Embodied energy analysis and EMERGY analysis:
A comparative view. Ecological Economics, 19(3), 219–235.
Coelli, T., Perelman, S. e Romano, E. (1999) Accounting for Environmental Influences in
Stochastic Frontier Models: With Application to International Airlines. Journal of
Productivity Analysis, 11, 251–273.
Galli, A. (2012) Assessing the global environmental consequences of economic growth
through the Ecological Footprint: A focus on China and India. Ecological Indicators, 17,
99–107.
Hossaini, N. e Hewage, K. (2013) Emergy accounting for regional studies: Case study of
Canada and its provinces. Journal of Environmental Management, 118, 177–185.
Jondrow, J., I. Materov, K. Lovell e P. Schmidt, (1982) “On the Estimation of Technical
Inefficiency in the Stochastic Frontier Production Function Model,” Journal of
Econometrics, 19, 233-238.
Kitzes, J., Galli, A., Bagliani, M., Barrett, J., Dige, G., Ede, S., Erb, K., Giljum, S., Haberl,
H., Hails, C., Jolia-Ferrier, L., Jungwirth, S., Lenzen, M., Lewis, K., Loh, J., Marchettini,
N., Messinger, H., Milne, K., Miles, R., Monfreda, C., Moran, D., Nakano, K., Pyhälä, A.,
Rees, W., Simmons, C., Wackernagel, M., Wada, Y., Walsh, C., Wiedmann, T., (2009). A
Research Agenda for Improving National Ecological Footprint Accounts. Ecological
Economics, 68, 1991-2007
Kumbhakar, S.C. e Lovell, C. a. K. (2000) Stochastic frontier analysis, Cambridge,
Cambridge University Press.
Kourtit, K., e Nijkamp, P. (2013). In Praise of Megacities in a Global World. Regional
Science Policy and Practice, 5, 167–182.
Lei, K., Wang, Z. e Ton, S. (2008) Holistic Emergy Analysis of Macao. Ecological
Engineering, 32(1), 30–43.
Manzato, G. G., Arentze, T. A., Timmermans, H. J., e Ettema, D. (2011). Spatial Attributes
Mediating Regional Carrying Capacity for Office Firm Sectors: A Stochastic Frontier
Approach. In Transportation Research Board 90th Annual Meeting (No. 11-1811).
Meeusen, W. e van den Broeck, J. (1977) Efficiency Estimation from Cobb-Douglas
Production Functions with Composed Error. International Economic Review, 18(2), 435–
444.
Nakajima, E.S. e Ortega, E. (2016) Carrying Capacity using Emergy and a new calculation
of the Ecological Footprint. Ecological Indicators, 60, 1200–1207.
Odum, E.P. (1969) The strategy of Ecosystem Development. Science, 164, 262–270.
Odum, H.T. (1973) Energy, Ecology, and Economics. Ambio, 220–227.
Odum, H.T., (1988) Self-Organization, Transformity, and Informa- tion. Science 242, 1132–
1139.
Odum, H.T., (1996) Environment Accounting: Emergy and Environment Decision
Making. JohnWiley, New York.
Odum, H.T. (2002) Explanations of ecological relationships with energy systems concepts.
Ecological modelling, 158, 201–211.
Pearce, D., Markandya, A. e Barbier, E., (1989). Blueprint for a Green Economy.
Earthscan, London.
Pearce, D. (1994) Valuing the Environment: Past Practice, Future Prospect. CSerge Working
Paper PA 94-02. London: University College Centre for Social and Economic Research on
the Global Environment.
Rees, W.E. (1992) Ecological Footprints and appropriated carrying capacity: what urban
economics leaves out. Environment and Urbanization, 4(2), 121–130.
Rees, W.E. (1996) Revisiting carrying capacity: Area-based indicators of sustainability.
Population and Environment, 17(3), 195–215.
Rodrigues da Silva, A. N.; Costa, M. S. e Macedo, M. H. (2008) Multiple Views of
Sustainable Urban Mobility: The Case of Brazil. Transport Policy, 15(6), 350-360
Rodríguez-Pose, A. e Ketterer, T. D. (2012) Do local amenities affect the appeal of regions
in Europe for migrants? Journal of Regional Science, 52, 535–561
Schmidt, P. e Lovell, C.A.K. (1979) Estimating technical and allocative inefficiency relative
to stochastic production and cost frontiers. Journal of Econometrics, 9(3), 343–366.
Solow, R. (1986) On the intergeneration‟s allocation of natural resources. Scandinavian
Journal of Economics 88, 141-149.
UN (2015) United Nations, Department of Economic and Social Affairs, Population
Division. World Urbanization Prospects: The 2014 Revision, (ST/ESA/SER.A/366).
Victor, P. A. (1991) Indicators of sustainable development: Some lessons from capital
theory. Ecological Economics, 4, 191-213.
Wackernagel, M. e Rees, W.E. (1997). Perceptual and structural barriers to investing in
natural capital: Economics f rom an ecological footprint perspective. Ecological Economics,
20(1), 3–24.
Wackernagel, M., Onisto, L., Bello, P., Linares, A. C., Falfán, I. S. L., Garcıa, J. M. e
Guerrero, M. G. S. (1999). National natural capital accounting with the ecological footprint
concept. Ecological economics, 29(3), 375-390.
WCED (1987) World Commission on Environment and Development. Our Common
Future. Oxford , Oxford University Press.
Zhao, S., Li, Z. e Li, W. (2005). A modified method of ecological footprint calculation and
its application. Ecological Modelling, 185(1), 65–75.
Top Related