UMA ANÁLISE SOBRE AS AÇÕES DO ESTADO NO ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA FAMILIAR
SILVIO DA COSTA MAGALHÃES FILHO 1 LUZINETE DA SILVA MAGALHÃES2
Resumo O estudo teve por objetivo verificar como os mecanismos de enfrentamento da violência doméstica familiar, podem contribuir para a redução de novos casos e proteção da vítima. A investigação foi conduzida por uma abordagem teórico-empírica em que as análises estatísticas envolveram a literatura existente e os dados oficiais dos órgãos de controle. Os resultados evidenciaram que ainda são alarmantes os casos de incidência e reincidência de violência doméstica e familiar, e que as vítimas que são, em sua maioria, parceiras dos agressores, ou inseridas no rol familiar dos mesmos.
Palavras-chave: Lei Maria da Penha; Violência doméstica; Prevenção.
Abstract
The study aimed to verify how the coping mechanisms of family domestic violence can contribute to the reduction of new cases and protection of the victim. The research was conducted by a theoretical-empirical approach in which the statistical analyzes involved the existing literature and the official data of the control bodies. The results showed that there are still alarming cases of incidence and recurrence of domestic and family violence, and that the victims, who are mostly partners of the aggressors, or inserted in their family role.
Keywords: Maria da Penha Law; Domestic Violence; Prevention.
1
Contador. Mestrando em Ciências Contábeis – FUCAPE Business School (FUCAPE) – E-mail: [email protected]
² Assistente Social. Mestranda em Política Social – Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) – E-mail:
1. INTRODUÇÃO
A violência doméstica e familiar tem atraído ações do Estado Brasileiro na
formulação de diversos aparatos legislativos bem como na tomada de políticas públicas com
o fim de combater a repetição de atos desse tipo ou modalidade de violência. Trata-se de
um reflexo proveniente da formação dos Estados Nacionais que se deu pela manifestação
da vontade de seus nacionais, justamente com a finalidade de regulamentação e pacificação
da sociedade como um todo (TAQUETTE, 2007).
A violência contra as mulheres é reconhecida como um problema de saúde
pública e uma violação dos direitos humanos de alcance mundial, fazendo parte da agenda
de discussão pela comunidade acadêmica, organização sociais, meios de comunicação e
pela sociedade em geral (KRANTZ, 2005). É um fator de risco importante para a saúde das
mulheres, com consequências de grande alcance tanto para sua saúde física e mental.
Para Farias et al. (2015), a violência doméstica contra mulher é considerada um
problema de saúde pública, em razão de sua dimensão e amplitude, é uma das formas de
violência mais cruel e complexa que ocorre dentro do lar, ambiente este, que deveria ser um
local seguro e harmonioso, muitas vezes é transformado em um cenário de intensos
conflitos. No entanto cabe dizer que os casos de violência doméstica por longos anos na
sociedade brasileira foram resolvidos pelos próprios particulares e familiares envolvidos pela
situação de agressividade, já que tais situações eram julgados e processados pelo direito
penal comum e lei geral abstrata a esse respeito.
Nesse sentido emergiu-se a necessidade de movimentos sociais com o objetivo
de discussão imparcial sobre o assunto, assim, de forma tênue, com formação de grupos de
conscientização contra a violência intra-familiar é possível destacar um dos primeiros grupos
de reflexão destinados a homens agressores se iniciou nos espaços do Centro Especial de
Orientação à Mulher Zuzu Angel (CEOM), uma ONG parceira da Prefeitura Municipal de
São Gonçalo, Estado do Rio. Criado ainda em 1999, sete anos antes da Lei Maria da Penha
(BRASIL, 2006), o grupo pode ser considerado uma referência na luta pelos direitos da
mulher na sociedade brasileira. Desde aquele ano o Judiciário de São Gonçalo propõe a
participação em grupos como alternativa para suspensão do processo ou mesmo do
cumprimento da pena (BIANCHINI; CYMROT; GOMES, 2013).
No entanto ainda que a sociedade buscasse soluções para abrandar, contornar
ou mesmo eliminar fatos análogos, certo é que não havia antes da promulgação da Lei
Maria da Penha políticas públicas de proteção às vítimas de violência domestica e tampouco
se tratavam da relação de pessoas do mesmo sexo. Em razão da generalidade, as vítimas,
que, ao denunciarem os agressores precisavam retornar para suas próprias casas em
convívio com os mesmos, que já haviam saído do estado de detenção na delegacia por ter
efetuado o pagamento da fiança, o que estimulava o circulo vicioso de impunidade, medo de
denuncias e falta de amparo às vítimas.
A Constituição Federal de 1988 no § 8º do artigo 226 já assegurou a assistência
à família na pessoa de cada um dos que a integram destacando a importância de criar
mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. Para coibir a violência
doméstica e familiar contra a mulher e estabelecer medidas de assistência e proteção às
mulheres em situação de violência doméstica e familiar foi sancionada a Lei nº 11.340, de 7
de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha).
No entanto mesmo após implantação da Lei Maria da Penha, o Brasil ainda vive
índices alarmantes de violência contra a mulher. As pesquisas sobre a violência contra a
mulher no Brasil bem como a inserção da discussão dessa temática na pela comunidade
acadêmica e através dos diversos meios de comunicação contribuíram para dar visibilidade
ao tema, como também auxiliaram na compreensão do mesmo (CAVALCANTI et al., 2015).
O presente artigo pretende avaliar como a efetividade dos mecanismos eletrônicos de
enfrentamento da violência doméstica familiar podem contribuir para a redução de novos
casos e proteção da vítima.
2. AÇÕES DO ESTADO NO ENFRENTAMENTO DA VIOLENCIA DOMÉSTICA
2.1. Criação de medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência
doméstica e familiar
A Lei nº 11.340/2006, sancionada com a finalidade de coibir e prevenir a violência
doméstica e familiar contra a mulher representa um marco na luta contra a violência
doméstica e familiar, sendo reconhecida pelas Nações Unidas como uma das legislações
mais avançadas do mundo no tratamento dessa matéria (UNIFEM, 2009).
Entre as inovações que apresenta, o enfrentamento da temática da violência
doméstica e familiar no Brasil ganhou nova roupagem mediante participação efetiva dos
Poderes Públicos instituídos com o aparado jurídico e político da Lei Maria da Penha. Além
dos já expostos acima, a Lei incorporou diversas obrigações aos entes públicos e judiciais
voltados a efetiva proteção das vítimas de violência desse molde:
Os benefícios alcançados pelas mulheres com a Lei Maria da Penha são inúmeros. A Lei criou um mecanismo judicial específico - os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra as Mulheres com competência cível e criminal; inovou com uma série de medidas protetivas de urgência para as vítimas de violência doméstica; reforçou a atuação das Delegacias de Atendimento à Mulher, da Defensoria Pública e do Ministério Público e da rede de serviços de atenção à mulher em situação de violência domestica e familiar; previu uma série de medidas de caráter social,
preventivo, protetivo e repressivo; definiu as diretrizes das políticas públicas e ações integradas para a prevenção e erradicação da violência doméstica contra as mulheres, tais como: implementação de redes de serviços interinstitucionais, promoção de estudos e estatísticas, avaliação dos resultados, implementação de centros de atendimento multidisciplinar, delegacias especializadas, casas abrigo e realização de campanhas educativas, capacitação permanente dos integrantes dos órgãos envolvidos na questão, celebração de convênios e parcerias e a inclusão de conteúdos de equidade de gênero nos currículos escolares [...] e inverte a lógica da hierarquia de poder em nossa sociedade a fim de privilegiar as mulheres e dotá-las de maior cidadania e conscientização dos reconhecidos recursos para agir e se posicionar, no âmbito familiar e social, garantindo sua emancipação e autonomia.
Com a promulgação do referido aparato legislativo, a violência intra-familiar deixou
de ser tratada entre particulares envolvidos em sua vitimização, haja vista que o Estado
passou a reconhecer esse mal social e se ativar no enfrentamento, mediante medidas
jurídicas para garantir a segurança das vítimas mediante construção e disponibilização de
abrigos, além de maior responsabilização penal dos agressores.
Dentre as mudanças alcançadas no cenário jurídico pós Lei 11.340/2006 foram
inseridas varias medidas protetivas às vítimas de violência intra-familiar. Dentre elas, pode-
se citar a renuncia da mulher, o atendimento perante a autoridade policial, a entrega da
intimação ao agressor, a possibilidade da prisão em flagrante e a notificação da vítima.
Antes da vigência do aparato legal em comento, a vítima poderia desistir da denuncia
perante a autoridade policial, o que muitas vezes era feito, gerando com isso impunidade.
Depois da vigência, a desistência da representação somente poderá ser feita perante a
autoridade policial.
A lei possibilitou um atendimento diferenciado e especializado perante a autoridade
policial, que, antes, o delegado agia perante a violência intra-familiar da mesma forma como
em outra agressão comum entre pessoas, mediante confecção de TCC – Termo
Circunstanciado de Ocorrência. De acordo com o artigo 21 da Lei, a mulher será notificada
pessoalmente dos atos do processo relativos ao agressor, sem prejuízo da intimação do
advogado ou defensor público, além disso, não poderá entregar a notificação ao agressor.
Tratam-se de inovações no mundo jurídico, posto que antes a vítima ficava alheio ao
que se passava dos atos processuais, o que gerava sensações de insegurança e
impunidade. Quanto a entrega de notificação, antes da lei, o agressor se sentida afrontado
quando a própria vítima lhe entreva a notificação da noticia crime perante a autoridade
policial, o que muitas vezes se revertia em revolta dele para com a vítima por meio de novas
agressões. Com a lei, a mulher não poderá mais entregar a notificação ao agressor,
cabendo ao Poder Público fazê-lo, o que se reveste de impessoalidade e maior poder
psicológico de coação penal.
A inovação no mundo jurídico da Lei Maria da Penha ganhou respaldo do Supremo
Tribunal Federal, que considerou a lei constitucional e ao afastar a aplicabilidade da Lei
9099/95 aos casos de violência intra-familiar.Até na seara da Justiça do Trabalho a Lei
impactou efeitos, ao conceder direitos à estabilidade ao emprego por até 6 meses, quando
necessário o afastamento ao labor, se a empregada sofrer que violência domestica familiar
e teve que se afastar do trabalho decorrente disso, ou seja, decorrente dos efeitos da
violência sofrida. É o que está previsto no artigo 9º, §2º, da Lei 11.340/06, dispositivo legal
que foi aplicado pelo Juiz da 2ª Vara do Trabalho de Taboão da Serra, Estado de São
Paulo. Leia o relatório e fundamentação confeccionado pelo magistrado nos autos do
processo n. 1000025-12.2013.5.02.0502, julgado em 04 de abril de 2013.
Contudo, mesmo com a incorporação das citadas medidas jurídicas, não diminuíram
os índices e tampouco os casos de incidência violência doméstica e familiar em território
nacional. O relato dos casos de violência atual da violência domestica e familiar e as
medidas adotadas pelo poder publico serão analisadas no capítulo seguinte, onde descreve
os relatos, constatações e sínteses do diagnóstico final da situação da violência intra-familiar
no Brasil. Com a finalidade de investigar a situação da violência contra a mulher no Brasil e
apurar denúncias de omissão por parte do poder público com relação à aplicação de
instrumentos instituídos em lei para proteger as mulheres em situação de violência. Dados
do relatório constatou diversos tipos e modalidades de violência, ao total de vinte:
Como em 2001, cerca de uma em cada cinco mulheres [...] afirmaram já ter sofrido alguma vez “algum tipo de violência de parte de algum homem, conhecido ou desconhecido”. Diante de 20 modalidades de violência citadas, no entanto, duas em cada cinco mulheres (40%) já teriam sofrido alguma, ao menos uma vez na vida, sobreturo algum tipo de controle ou cerceamento (24%), alguma violência psíquica ou verbal (23%), ou alguma ameaça ou violência física propriamente dita (24%). Comparando-se a 2001, quando apenas 12 modalidades de violência haviam sido investigadas, a taxa de mulheres que já sofreram alguma violência caiu de 43% para 34% - mais especificamente a taxa agregada de violência ou ameaças físicas oscilou de 28% para 24% e a de violências psíquicas caiu de 27% para 21%(RITA, 2013, p. 21).
Veja pelos dados coletados – registraram-se dados de apenas uma década - que
houve uma diminuição dos casos de violência doméstica de 2001 a 2010, mas que os
números oscilam e ainda preocupam.
O Gráfico acima, extraído do IPEA e exposto pela Organização Social Compromisso
e Atitude pela Lei Maria da Penha, demonstra que após vigência da Lei Maria da Penha, em
2006, houve uma diminuição dos casos de morte de mulher decorrente de violência familiar
em 2007, mas que os índices voltaram a elevar-se e subir a patamares maiores do que em
2001, cinco anos antes da Lei.
Analisando o período que compreende de 1980 até 2012, as taxas de mortalidade
entre meninas e mulheres com idades entre 15 e 29 anos permaneceram elevadas em
relação ao total da população feminina, passando de 3,6 mortes/100 mil mulheres em 1980
para 7,7 mortes/100 mil mulheres em 2012 (CASTILHOS, 2016).
Com o objetivo de acompanhar e monitorar a violência doméstica e familiar foi criado
alguns mecanismos de acompanhamento e monitoramento tais como: o 0800 da violência
da mulher, o sistema integrado de proteção às vítimas de violência e o Monitoramento
Eletrônico.
2.2. Mecanismos de Controle e assistência às mulheres em situação de violência doméstica
e familiar
2.2.1. Do 0800 da violência da mulher
Como demonstrado, os números, índices e repetição de casos envolvendo violência
intra-familiar preocupam as autoridades e a sociedade como um todo, haja vista que não há
registro efetivo de diminuição dos casos de violência mesmo com a gama de medidas
legislativas e executivas já tomadas. Tais fatos e dados produzem, ato reflexo, um
retrocesso social ao país como um todo.
Diante disso, foi criado o Centro de Atendimento da Mulher, pelo canal telefônico de
“Disque Denúncias” n. “180”. Sua criação deu-se mesmo antes da Lei Maria da Penha por
iniciativa da Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres, e embasado por dados
obtidos pela Lei 10.778/2013, que estabelece notificação compulsória no território nacional
em caso de violência contra mulher que for atendida em serviços hospitalares.
Conforme informações obtidas do Relatório da CPMICVM, acerca da Centra de
Atendimento, pode-se compreender melhor sua finalidade e dados estatísticos correlatos:
A Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 – da Secretaria de Políticas para as Mulheres foi criada em 2005 com o objetivo de orientar as mulheres em situação de risco e de violência sobre seus direitos e sobre onde buscar ajuda. De abril de 2005 a dezembro de 2015 registrou 4.823.140 ligações com variadas solicitações: informações, reclamações, elogios, sugestões, serviços e denúncias de violência. Em 2015 quando completou 10 anos de funcionamento, foram registrados 749.024 atendimentos. Foram, em média, 62.418 atendimentos por mês e 2.052 por dia. Essa quantidade foi 54,40% superior ao número de atendimentos realizados em 2014 (485.105). Dos atendimentos realizados em 2015, 41,09% corresponderam à prestação de informações; 9,56%, a encaminhamentos para serviços especializados de atendimento à mulher; 38,54%, a encaminhamentos para outros serviços de teleatendimento (telefonia), tais como: 190 da Policia Militar, 197 da Polícia Civil, Disque 100 da Secretaria de Direitos Humanos. (BRASIL, 2015, p. 2).
Do total de atendimentos de 2015, 10,23% (76.651) corresponderam a relatos de
violência, dos quais 58,86% foram cometidos contra mulheres negras. Esses dados
demonstram a importância da inclusão de indicadores de raça e gênero nos registros
administrativos referentes à violência contra as mulheres. Dentre os relatos, 50,16%
corresponderam à violência física; 30,33%, violência psicológica; 7,25%, violência moral;
2,10%, violência patrimonial; 4,54%, violência sexual; 5,17%, cárcere privado; e 0,46%,
tráfico de pessoas (BRASIL, 2015).
2.2.2. Do sistema integrado de proteção às vítimas de violência
Atualmente o Estado Brasileiro dispõe de um serviço integrado de proteção à vítima
de violência domestica e familiar. As ações do Governo buscam abranger não só a vítima
como também testemunhas, mediante construção e disponibilização de abrigos,
atendimento médico diferenciado e rápido, serviço de notificação compulsória, além de
outras ações de cunho psicológico e assistencial. Com efeito, a sistemática de proteção das
vítimas de violência doméstica e familiar passou a ser centro das atenções do governo, que
passou não só a reprimir o agressor, como também dar suporte protetivo à vítima e
testemunha de fatos relacionados.
Citado aparato legislativo foi necessário em razão da falta de noticias crime
envolvendo a violência doméstica, mesmo antes da Lei Maria da Penha, uma vez muitas
vítimas não denunciavam seus agressores, que eram seus próprios parceiros sexuais.
Atualmente, com o “Disque 180” as vítimas estão mais abertas a denuncias. No que tange
ao atendimento médico e emergência à vítimas de violência sexual, foi promulgada a Lei
12.845/2013, que dispõe acerca do tratamento hospitalar especializado e imediato,
envolvendo ações de cuidado, informação, profilaxia, e de coleta de material para fins
probatórios e de informações patológicas.
Observe que o disposto acima trata-se de lei recente em nosso ordenamento jurídico
e está contida no rol de ações do Estado Brasileiro contra a violência sexual. Interessante
observar que, ao teor desta lei, não se faz distinção entre violência sexual contra mulheres,
mas comporta violência sexual à todo gênero, masculino ou feminino, ou seja, os homens
também podem ser vítima de violência sexual. Todo esse contexto está diretamente
relacionado à proteção das vítimas de violência intra-familiar, ao que as mulheres vítimas de
agressão passaram a contar com casas de apoio para que não retornassem a suas casas
em que habitava o agressor ou que o mesmo tivesse livre acesso, ponde possivelmente
seriam vítimas de nova agressão.
Vários Estados da Federação já adotaram o procedimento da Lei 12.483/2011 e
incorporam no rol de suas políticas medidas de proteção às vítimas de violência intra-
familiar, a exemplo do Estado do Mato Grosso do Sul, retro mencionado, que também
estabeleceu a Central de Denuncias pelo canal telefônico 180. O Estado de Mato Grosso,
por sua vez, construiu casas de apoio com a finalidade especifica de abrigar mulheres
vítimas de agressão familiar, que estão dispostas em lugares sigilosos na capital cuiabana.
Nas regiões interioranas, também há disponibilização de abrigos.
2.2.3. Monitoramento eletrônico no combate à violência doméstica
Conforme visto acima, mesmo após a vigência da Lei Maria da Penha, somada
com diversas ações institucionais tanto por parte do Governo Federal seguidas e
implementadas pelos Estados Federados, não diminuíram os casos de incidência de
violência intra-familiar. Diante disso, urge que sejam tomadas diversas medidas políticas e
jurídicas, no enfrentamento dessa questão – ao que aponta o uso de monitoramento por
algemas ou tornozeleiras eletrônicas - a fim de somar ao conjunto de ações já
implementadas.
Nesse contexto, o Relatório da CPMIVCM – Comissão Parlamentar Mista de
Inquérito de Violência Contra Mulheres – o Canal de Atendimento n. 180, a Procuradoria da
Mulher no Senado Federal a Secretaria de Política para Mulheres, o fortalecimento da lei de
proteção às vítimas e testemunhas são exemplos dessas medidas políticas e jurídicas.
Paralelo a tais medidas e ao somar junto com as mesmas, argumenta-se que o uso do
monitoramento eletrônico por algemas aos agressores pode se tornar um meio, no contexto
processo penal, eficiente para coadunar com as medidas políticas e jurídicas já existentes.
As ações de segurança pública e justiça são competência estadual – como assim
dispõe a Constituição Federal em seu artigo 22 - e o uso do monitoramento eletrônico para
atos de violência contra a mulher tem sido implementado por alguns Estados da Federação,
sendo que outros, ainda estudam sua implementação. A medida faz parte do pacto nacional
de enfrentamento à violência contra mulheres (BRASIL, 2014). Em análise do dispositivo
legal, depreende-se que o monitoramento eletrônico por algemas, com emprego
especificamente no combate à violência doméstica já faz parte do cenário jurídico brasileiro.
Nesse contexto, o Estado do Rio Grande do Sul empregado o “projeto piloto” de implantação
dessa sistemática com o objetivo de dar mais segurança às mulheres em situação de risco
de violência e fazer com que o portador do equipamento eletrônico respeite a distância
estabelecida pela medida protetiva em favor da vítima (ALRS, 2011).
Com a propriedade de que o próprio termo anuncia, o monitoramento eletrônico
pelo uso de algemas se consubstancia na fiscalização à distância por uso de equipamento
eletrônico acoplado ao corpo do indivíduo – que permite saber, a cada momento, quando e
onde se encontra o individuo – em execução penal, em acompanhamento de medida
protetiva ou medida cautelar diversa de prisão. Acerca da tecnologia utilizada no aparelho,
Sena de Jesus (2011), destaca que:
São três as tecnologias utilizadas para o monitoramento eletrônico: a) O sistema passivo, mediante o qual, os usuários são periodicamente acionados pela central de monitoramento por meio de telefone ou pagers para garantir que eles se encontram onde deveriam estar, conforme a determinação judicial. A identificação do indivíduo ocorre por meio de senhas ou biometria, como impressão digital, mapeamento da íris ou reconhecimento de voz. b) O sistema ativo, mediante o qual, um dispositivo é instalado em local determinado e transmite o sinal para uma estação (central) de monitoramento (usado no Brasil). Assim, se o usuário se afastar do local determinado acima da distância estabelecida, a central é acionada. c) E, por fim, o Sistema de Posicionamento Global (GPS), que consiste em três componentes: Satélites, Estações de terra conectadas em rede e dispositivos móveis. A tecnologia elimina a necessidade de dispositivos instalados em locais predeterminados (SENA DE JESUS, 2011).
A tecnologia utilizada no monitoramento eletrônico por meio de algemas é a do item
“c)” da exposição doutrinária acima, haja vista que a finalidade é saber a exata localização
do indivíduo. O aparelho permite não só saber a exata localização do indivíduo pelo sistema
GPS, como também é capaz de detectar se ele se aproxima da vítima - em desrespeito à
determinação judicial de manter distância – como também aciona uma central de
monitoramento composta por policiais e agentes de segurança pública. De acordo com
Sena de Jesus (2011) A mulher vai portar um dispositivo, que ela poderá levar na bolsa, por
exemplo, e em caso do homem monitorado ultrapassar o perímetro determinado pela
Justiça, a central de monitoramento da Superintendência dos Serviços Penitenciários do Rio
Grande do Sul (Susepe) será avisada e acionará a polícia em tempo real.
A monitoração eletrônica de presos e indiciados, como meio alternativo à prisão já
está prevista em Lei e devidamente regulamentado pelo Decreto n. 7.627, de 04 de
novembro de 2011, assim, o uso do aparelho eletrônico de monitoramento é legal em nosso
ordenamento jurídico, ao que pode entrar em uso em casos fáticos que avocam sua
incidência. O equipamento de monitoração eletrônica somente irá funcionar com ordem
judicial. Após decisão do juiz da vara de violência doméstica e familiar determinar o uso da
tornozeleira é que os da segurança pública estadual colocam o equipamento no agressor
(BRASIL, 2011).
O monitoramento por sistema eletrônico de algemas digitais com GPS possui
diversas vantagens no enfrentamento à violência doméstica familiar, posto que além do
monitoramento do individuo agressor também possui o caráter psicológico ressocializador,
já que irá destacar o individuo que pratica tais atos, refletindo na negação de sua conduta
em meio social (GRECO, 2010).
Necessário observar também que as vantagens do monitoramento eletrônico
ultrapassam perspectiva punitiva e ressocializadora, como também auxilia na recuperação
da paz social e psicológica da vítima. Com efeito, os objetivos do aparato punitivo do Estado
– o Direito Penal – não se limita aos objetivos meramente punitivos, mas também de
ressocialização e prevenção ao crime.
Igualmente, possibilita maior segurança à vítima, já que permite avisar por meio
de um sinal sonoro a presença do agressor, caso este ultrapasse o limite de distância
arbitrado pelo magistrado. Ainda, caso ao agressor que for beneficiado - com propriedade o
termo beneficiado, pois, conforme o § 2º, da Lei do Estado do Rio Grande do Sul que
introduz o uso equipamento de monitoração eletrônica, o agressor que fizer uso
terá preferência na participação nos serviços de educação ou reabilitação.
CONCLUSÃO
Cada vez mais, a violência contra a mulher é reconhecida como uma grande
preocupação de saúde pública e uma violação dos direitos humanos, apresentando efeitos
devastadores para a saúde da mulher, bem como para outros aspectos do seu bem-estar
físico e mental, se tornando uma questão de saúde, jurídica, econômica, educacional, de
desenvolvimento e, acima de tudo, de direitos humanos.
O estudo teve por objetivo verificar como os mecanismos de enfrentamento da
violência doméstica familiar, podem contribuir para a redução de novos casos e proteção da
vítima. Foi identificado que a existência da violência doméstica contra a mulher é um
fenômeno geral porque a impunidade impera e mostra a incapacidade do Estado em
proteger e garantir à mulher seus Direitos Constitucionais.
Os resultados evidenciaram que mesmo após 10 anos de promulgação da Lei
Maria da Penha ainda são alarmantes os casos de incidência e reincidência de violência
doméstica e familiar, e que as vítimas que são, em sua maioria, parceiras dos agressores,
ou inseridas no rol familiar dos mesmos. Por outro lado, é importante observar que os
mecanismos de controle e monitoramento da violência doméstica contra a mulher vem
contribuindo diretamente para a resolução dos casos e acima de tudo para que a mulher ou
qualquer interessado em ajudar possa denunciar e por um fim nessa onda de sofrimento,
demonstrando que, em briga de marido e mulher, se mete a colher sim.
Nesse sentido é importante assumir a questão da violência doméstica familiar
contra a mulher como uma questão social que demanda um desenvolvimento de uma nova
cultura na sociedade, e isso vai além de campanhas publicitárias. É preciso mudar na base
e garantir que a mulher tenha seus direitos respeitados e acima de tudo que a lei se faça
valer, e isso será possível principalmente através de Educação.
Garantir a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de
irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou
etnia; e o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os
conteúdos relativos aos direitos humanos, à equidade de gênero e de raça ou etnia e ao
problema da violência doméstica e familiar contra a mulher, já estão previstos na Lei Maria
da Penha, no entanto, observa-se que tais políticas ainda não são implementadas em sua
totalidade.
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