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Uma casa pra morar, uma água pra beber e outra pra regar; muito alimento pra dar e vender!

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Ano 8 • nº2054

Rubim

Com seus quintais verdinhos e bem cuidados, a comunidade do Assentamento Jerusalém, próximo ao distrito de Rubim, no Vale do Jequitinhonha, reflete bem como o acesso à terra e à água foi imprescindível para a mudança na vida de cada uma das 80 famílias que ali residem. Um exemplo disso é a história de Ilma dos Santos Rocha e Adelson Pereira da Cruz. Os dois agricultores passaram a juventude na casa de parentes, em Palmópolis, município vizinho de Rubim, também no Baixo Jequitinhonha, e sempre ajudaram no trato das variedades cultivadas em seus pedacinhos de terra.

As casas eram diferentes, mas a situação era a mesma: falta de água e longas caminhadas para buscar o elemento básico à sobrevivência e às plantações. Filha mais nova dentre 12 irmãos, além de cuidar da produção de feijão para venda, Ilma também se ocupava dos afazeres domésticos

junto à mãe. "A gente até tinha uma barraginha, mas a água não dava para o ano todo e era só para os animais, plantas e uso doméstico. Não era boa pra beber. Essa a gente pegava mais distante, levava muito tempo", relembra. Contexto parecido era o de Adelson, que vivia na chácara de seu avô. Com esperança de mudar essa realidade e construir uma vida com a sua então namorada Ilma, foi trabalhar na área de construção civil, em São Paulo. "Fui pra cidade grande em busca de melhorias, mas só encontrei dificuldades. Depois de um ano e meio o serviço acabou, e eu não tinha condições de bancar o custo alto de vida na capital paulista. Além disso, a violência e a bandidagem me incomodavam muito", conta. Foi assim que o jovem agricultor voltou à terra natal, retomou os trabalhos na roça de sua família e firmou o

relacionamento com Ilma. Em 2002, os dois se integraram ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), e passaram a ocupar um acampamento provisório na Comunidade do Baixão, próximo a Rubim. Viveram lá por sete anos, junto a outros quarenta agricultores. Foi ali que Ilma deu à luz a seus filhos Wanderson e Warley, de 11 e 7 anos de idade, respectivamente. "A vida no acampamento era muito boa, aquele povo todo junto, todos se ajudando... Era animado! Tínhamos uma horta comunitária de onde tirávamos o nosso alimento, tudo fresquinho, sem agrotóxico...", relata.

Agosto/2014

Ilma e seus canteiros econômicos de alface e coentro

Família reunida em frente à cisterna-calçadão

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Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Articulação Semiárido Brasileiro – Minas Gerais

Com a terra veio a água A vida já estava boa com a oferta de alimentos orgânicos variados no próprio acampamento, muita cooperação e solidariedade. Mas ficou ainda melhor a partir de 2009, quando o casal conquistou um pedaço de terra cedido pela reforma agrária no Assentamento Jerusalém. Em 2012, após morarem em tenda de lona e barraco de adobe, construíram uma casa adequada para receber as tecnologias sociais do Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) e do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), da Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA). "Mesmo com o lote nosso, ainda não tínhamos água pra beber e plantar. A gente dependia do vizinho pra cultivar nossas hortaliças e fruteiras. E água de beber a gente contava com a generosidade de amigos em Rubim. Era uma andança longa com o jegue pra encher as latas nas casas deles". Com a chegada dos programas ao assentamento, Ilma foi escolhida para participar dos cursos de Gerenciamento de Recursos Hídricos (GRH), de Gerenciamento de Água para Produção de Alimentos (GAPA) e de Capacitação sobre Manejo de Sistemas Simplificados de Água para Produção (SISMA).

A construção da cisterna de placas e da cisterna-calçadão, em 2012, deu outro rumo para a vida desses dois lutadores. Com o conhecimento adquirido nos cursos, mantêm ainda seis canteiros, sendo três deles econômicos, que ficam úmidos o ano todo. Dessa forma passaram de sobreviventes do Semiárido mineiro a cidadãos atuantes e fornecedores de alface, couve, coentro e pimentão para a feira de agricultores de Rubim. Tudo cultivado sem o uso de agrotóxicos e fertilizantes. Se o solo precisa de uma vitamina, usam a terra vermelha e o esterco de gado. Veneno, nem pensar! Semiárido da farturaAlém do cultivo da horta, a água ainda serve para manter uma roça com cenoura, quiabo, beterraba, coco, urucum, limão, pimenta de cheiro, mamão, mandioca, milho e feijão. Tudo para colorir a refeição diária dos quatro. As idas à cidade hoje se restringem apenas aos dias de venda na feira e a algumas compras de batata, arroz e macarrão. Quando algum vizinho precisa completar o prato e bate à porta do casal, eles têm de sobra pra compartilhar.

A chegada dessas tecnologias, além de prover água e alimento de qualidade e diversificar a renda da família, também criou um novo significado de relacionamento com a terra. Se antes se acreditava que a vida e o trabalho na cidade grande poderiam melhorar a condição das pessoas, hoje Ilma e Adelson comprovam o contrário, que é possível e prazeroso viver do que a terra do Semiárido nos dá. É uma atividade que envolve toda a família e que passa por gerações. "Os meninos estudam de dia e, nos horários livres, nos ajudam na horta. É isso que eu esperava pra eles. Construindo um futuro perto da natureza e longe da insegurança da cidade grande", diz Adelson, experiente no assunto.

Realização Apoio

Adelson e Ilma exibem as verduras fresquinhas

As crianças ajudam na colheita