União homoafetiva: iniciada uma nova odisseia a caminho do respeito e da
pluralidade
Jonathan Reginnie de Sena Lima1
Resumo
Este texto tem por objetivo demonstrar a importância do reconhecimento do
instituto da união homoafetiva para a formação de uma sociedade mais democrática e
pluralista.
Palavras-chave
União homoafetiva, união estável, igualdade, direito constitucional.
Introdução
É com orgulho que venho a escrever sobre um dos temas mais importantes,
complexos e polêmicos surgidos no desabrochar deste século. Nascido como fruto do
reconhecimento e entendimento mais refinado da dignidade do ser humano e explorado
conforme expressão legítima da força dos direitos advindos das tensões sociais, o
reconhecimento da união homoafetiva veio a provocar enormes desconfortos e críticas
frente às esferas jurídicas e, em especial, à esfera religiosa. Alguns pontos acerca deste
entendimento guardam importantes princípios que devem ser analisados em sua
complexidade e não de maneira irreal e desvinculada do contexto socioeconômico que
está inserido.
Reflexões necessárias
É necessário que se façam sérias análises acerca da constituição social do Brasil
a fim de que possamos traçar mais claramente as diretrizes que vieram fundamentando
práxis nas mais diversas épocas de nossa história. É preciso dizer que a história de uma
nação é feita de rupturas e permanências e, longe de tentar fazer uma análise axiológica,
1 Acadêmico nas Graduações de Bacharelado em Direito pela Faculdade Metropolitana da Grande Recife
(FMGR) e em Licenciatura Plena em Pedagogia pela Universidade Federal Rural de Pernambuco
(UFRPE).
tentaremos, à luz da jus filosofia e dos princípios constitucionais observar este
fenômeno social.
Sabendo-se um pouco sobre a matriz sociológica brasileira, é possível dizer que
sua estrutura é proveniente de uma cultura machista, patrimonialista, racista, alijada por
diversos preconceitos, predominantemente burguesa e farta de instrumentos e
instituições discriminatórias, onde as classes mais fortes têm o objetivo de manter seu
status quo em detrimento das demais classes.
Nesse panorama, os “mais fortes”, ou seja, os pertencentes às classes dominantes
têm o interesse de manter a ordem e a paz social, pautados na manutenção formal das
estruturas sem que haja muita mobilidade social ou grandes desvios. Esta lógica
mantém relação fundamental com os princípios amplamente difundidos e reproduzidos
com imensa naturalidade galgada sob a égide do respeito a uma lógica prejudicial
(quando não perniciosa) de intolerância e de uma superioridade quase genocida.
Pensar em um avanço tão fantástico (que a meu ver é o maior desta década no
sentido de almejar a igualdade e o respeito ao pluralismo na construção de uma
realidade efetivamente democrática) como foi esse ato institucional de reconhecer esta
maneira de organização social é dar voz aos que vieram sendo, por séculos, silenciados;
é poder sustentar que jurídica e socialmente é possível assumir sua orientação sexual
sem que haja possibilidade técnica ou jurídica de causar qualquer constrangimento que,
além de ilegal, é imoral e sem sentido, posto que a sociedade do século XXI passa por
sérias transformações e ressignificações.
Longe dos dogmatismos mais hipócritas e ahistóricos, esse reconhecimento toma
uma roupagem de respeito às individualidades e à diversidade sexual, de tal maneira
que, para se pensar em uma sociedade mais igualitária, é necessário iniciar uma postura
anti-preconceituosa, extirpando todos os tipos de discriminação que, diga-se de
passagem, encontra-se às claras e têm raízes históricas tão profundas quanto nefastas.
Assim, é tomando um caráter de acolhimento, de inclusão social a grupos sociais
que há tanto sofrem o desdém da sociedade patriarcal, machista e conservadora de uma
moral falida, arcaica e caquética que se mantém num status quo sustentado como
condição sine qua non para a sustentação de uma sociedade que, haja vista pelo período
de transição, não se suporta mais pelos antigos ditados da religião ou de uma política
repressora ou de padronizações sociais muito específicas e amplamente prejudiciais ao
desenvolvimento da igualdade tão almejada.
As camadas sociais "minoritárias" (assim nominadas por não pertencerem à
classe dominante que se denomina majoritária pela influência socioeconômica que julga
ter), antes sufocadas, hoje tornam a embrenhar-se em tensões sociais cada vez mais
fundamentadas e com um grau de adesão cada vez mais alto, indo bravamente contra o
controle centrípeto de um Estado ditador de condutas.
Longe do argumento caquético e frágil de um possível "estímulo à
homossexualidade", essa decisão afirma o lugar que há muito vem sendo usurpado dos
casais homossexuais na busca efetiva dos seus direitos. É absolutamente aterrador que
muitos daqueles que se dizem progressistas para as causas sociais, continuem ainda
pregando a mesma história fundamentalista e eminentemente preconceituosa, buscando
na religião ou numa moral decadente frente ao período de transição pelo qual estamos
passando um argumento que fundamente o sentimento de aversão à realidade social
caracterizada pela homofobia.
Alguns hão de dizer que a prática de acolhimento desta nova organização social
haverá por incentivar a homossexualidade na população, mas, ao contrário do que se
pensa, o reconhecimento e inserção (da maneira forçada como se procedeu), nada mais
é do que produto de lutas, mas, infelizmente, não deriva de uma mudança ideológica ou
de comportamento e sim de uma tentativa de nova padronização. Cada prática de ação,
cada política pública construída pelo ou para o Estado busca resultar numa imposição de
padrões bem definidos a um grupo social específico.
Assim como as mulheres foram inseridas no seio da sociedade, que ainda não se
encontra pronta a colocá-la no estágio de inclusão social, através de lutas e conquistas
muito isoladas, mutatis mutandi, a passos curtos e seguros, me parece ser também que
com o grupo dos homossexuais a luta está apenas no começo e que o seu
reconhecimento é apenas o primeiro passo de uma longa caminhada sob o alvo da
inclusão.
Diferencio aqui inserção de inclusão por um critério subjetivo no qual incluir vai
muito além de por algo/alguém em algum lugar (aqui incluir é agrupar objetos num
mesmo espaço ou conjunto sem que se proponha uma relação ou observação de
diferenças). Em contraposição, incluir é dotar o objeto de interações sociais, criando
uma série de relações com o propósito de desenvolver habilidades, competências,
observando as particularidades e as potencialidades de cada ser humano, independente
de critérios reducionistas excludentes que, de certa maneira, rotulam e impedem o
desenvolvimento pleno do ser em questão.
Conclusão
A opção sexual, a cor, classe socioeconômica, modo de expressar-se entre tantos
outros não podem constituir barreiras à evolução material e espiritual do ser humano.
Ninguém pode pensar que padrões (cuja obrigatoriedade é assegurada por instrumentos
munidos de muita força e mobilidade social) devam ser seguidos cegamente, pois
apenas questionando os padrões impostos poderemos ter uma noção de que, em nossas
dúvidas, poderemos ser levados a um resultado mais verdadeiro, mesmo que nos
provoque inicialmente desconfortos e quebre nossos paradigmas de maneira radical e
decisiva.
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