UNIVERSIDADE CATÓLICA DO SALVADOR PROGRAMA DE PÓSGRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA FAMÍLIA MESTRADO EM POLÍTICAS SOCIAIS E CIDADANIA
MILTON JORDÃO DE FREITAS PINHEIRO GOMES
PRISÃO E RESSOCIALIZAÇÃO: UM ESTUDO SOBRE O SISTEMA PENITENCIÁRIO DA BAHIA.
Salvador 2009
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
i
MILTON JORDÃO DE FREITAS PINHEIRO GOMES
PRISÃO E RESSOCIALIZAÇÃO: UM ESTUDO SOBRE O SISTEMA PENITENCIÁRIO DA BAHIA.
Dissertação apresentada ao Mestrado em Políticas Sociais e Cidadania da Universidade Católica do Salvador, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre.
Orientador: Ângela Maria Carvalho Borges, Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia.
Salvador 2009
ii
UCSal.Sistema de Bibliotecas. Setor de Cadastramento.
G633p Gomes, Milton Jordão de Freitas Pinheiro. Prisão e ressocialização: um estudo sobre o sistema penitenciário da Bahia / Milton
Jordão Pinheiro Gomes. Salvador: UCSal: Programa de PósGraduação em Ciências da Família. Mestrado em Políticas Sociais e Cidadania, 2009.
163 f.
Dissertação apresentada ao Mestrado em Políticas Sociais e Cidadania da Universidade Católica do Salvador, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre.
Orientadora: Profª Drª Ângela Maria Carvalho Borges
1. Sistema Penitenciário Bahia. 2. Prisão Ressocialização. 3. Prisão Pena Código Penal Brasileiro (CPB). 4. Cárcere Brasil Bahia. 5. Sistema penal Justificação. 6.Crimina lidade Enfrentamento Política pública. 7. Dissertação. II. Universidade Católica do Salva do..Mestrado em Políticas Sociais e Cidadania. III. T.
CDU 343.811(813.8)P(043.3)
iii
iv
Dedico este estudo:
A minha família: Jane, Milton, Rita, Tiago e Ana
v
AGRADECIMENTOS
Toda obra individual é sempre atribuída a um único autor, porém, me furto a esta lógica, pois tenho a convicção que nenhuma obra é individual. Nós somos um pouco de cada um que nos rodeia, além disso, as etapas de construção do pensamento são repletas de interseções que nos marcam, às vezes até o crepúsculo da vida.
E, nesta perspectiva, teço aqui diminutos agradecimentos que, sem estas pessoas, nada do que existe nesta dissertação seria possível.
Primeiramente, toda honra e glória a Deus, que apesar de minha distância, tem estendido a sua mão sobre mim, dandome benções, sendo
exemplo maior de amor que consigo conceber.
À Jane, a melhor definição humana de amor que conheço. Agradeço o incentivo, a insistência a as férias perdidas por mim. Este trabalho tem sua
participação direta.
À professora Ângela Borges, que com sua candura e sutileza, fizeram com que enxergasse além das fronteiras do jurídico.
À minha família, Milton Sousa Gomes, Rita Izabel Gomes, Tiago Jordão Gomes e Ana Izabel Jordão Gomes, pela devoção e amor, que
desde os remotos tempos de minha vida, me permitiram alçar os vôos necessários para hoje realizar este trabalho.
À Selma Santana por confiar sempre em meu potencial e acreditar em mim, inclusive, em algumas oportunidades, mais do que eu mesmo.
Aos colegas de escritório, Maurício Vasconcelos, Fabiano Vasconcelos, Fabiana Mueller e Wanda Pimentel, que com seu
companheirismo renovam a minha fé na amizade.
À Carla Alonso e todos da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, assim como a Isidório Orge e todos no Complexo Penitenciário
Lemos Brito pela atenção e auxílio prestado nesta pesquisa.
Por fim, não poderia esquecer, sob pena da eterna mácula da ingratidão, de agradecer a Kleber Leitão e ao Poeta Birão, por ter, em tempos
primitivos de meu pensamento, haver sido peças importantes para desenvolver idéias aqui esposadas.
vi
“Propomonos a fazer saber o que é a prisão: quem entre nela, como e por que se vai parar nela, o que se passa ali, o que é a vida dos prisioneiros, e igualmente, a do
pessoal de vigilância, o que são os prédios, a alimentação, a higiene, como funcionam, se sai dela e o que é, em nossa sociedade, ser um daqueles que saiu.”
(Manifesto do Grupo de Informações sobre a Prisão – JM. Domenach, M. Foucalt, P. VidalNequet, Paris, 8.2.1971)
vii
RESUMO
Prisão e capitalismo nutrem entre si laços antigos e sólidos. Desde os primeiros esboços do encarceramento humano como substituição às punições corporais, um dos elementos de conferiram ao cárcere o pleno desenvolvimento e a sua fixação como penarainha foi o modelo econômico que vigia à época: o capitalismo. Analisar, portanto, as relações entre prisão e capitalismo, permeando o estudo com incursão sobre o mito ressocialização do condenado é a meta principal desta Dissertação. Inaugurase o presente debate, por um viés histórico, partindo do nascimento do cárcere até a sua sedimentação na legislação e cultura ocidental. Desnudase as relações entre prisão e capitalismo (do mercantilismo à acumulação flexível), demonstrando que ao longo dos tempos um dependeu do outro para atingir metas pretendidas. Culminase o enfrentamento do tema com uma análise empírica, especialmente documental, sobre atualidades do sistema carcerário baiano, incrementando o questionamento quanto a validade desta forma de punir ante as suas metas declaradas.
Palavraschave: Penitenciário; Prisão; Cárcere; Ressocialização; Pena.
viii
ABSTRACT
Prison and capitalism have nourished longlasting ties. Since the first outlines of human imprisonment as a substitution to corporal punishments, one of the elements to confer prison the full development and its attachment as mainpenalty was the economic model then existent: capitalism. Therefore, analyzing the relations between imprisonment and capitalism, by pervading the study with an incursion over the myth of resocialization of the condemned individual is the main purpose of this Dissertation. The present debate is inaugurated by a historical bypass, starting from the birth of the jail up to its sedimentation within occidental legislation and culture. The relations between imprisonment and capitalism are then denuded (from the mercantilism to the flexible accumulation), which demonstrates that all along history one depended upon the other one in order to reach the intended goals. The approach of the theme is now in a particularly documental, empirical analysis, over the actual reality of the prison system in Bahia, by arousing the questions on the validity of this form of punishment, face to the already declared goals.
Keywords: Penitentiary; Prison; Jail; Resocialization; Penalty.
ix
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Orçamento do Ministério da Justiça, 20042008................................................. 33
Tabela 2 – Brasil: estabelecimentos prisionais estaduais, 20042007................................ 101
Tabela 3 – Evolução da População Carcerária da Bahia (20032007) ............................... 103
Tabela 4 – População carcerária total da Bahia (Presos Definitivos e Provisórios)........... 105
Tabela 5 – Fluxo de saída de presos do sistema penitenciário do Estado da Bahia, 2006 2007 ................................................................................................................ 107
Tabela 6 – Faixa Etária da População Carcerária da Bahia (20052007)........................... 109
Tabela 7 – Grau de Instrução da População Carcerária (20052007) ................................ 110
Tabela 8 – População Economicamente Ativa (PEA), Desocupados e taxa de desocupação, RMS, 2006....................................................................................................... 111
Tabela 9 – População Taxa de Desocupação da população residente em domicílios com renda per capita de até 1 SM........................................................................... 112
Tabela 10 – População Carcerária da Bahia segundo a Cor de pele/etnia, 2007............... 113
Tabela 10 – Tempo de Pena a ser cumprida no Sistema Penitenciário Baiano ................. 114
Tabela 12 – Tipos Penais e População Carcerária ............................................................ 116
Tabela 13 – Reingresso no sistema penitenciário baiano .................................................. 120
Tabela 14 – Presos Primários Condenados e Reincidentes no sistema prisional baiano (2005 – 2007) .................................................................................................. 122
Tabela 15 – Laborterapia: Trabalho Externo...................................................................... 125
Tabela 16 – Laborterapia: Trabalho Interno. ...................................................................... 126
Tabela 17 – O Trabalho na Penitenciária Lemos Brito (2007 – 2008) ............................... 132
x
LISTA DE ABREVIATURA
CP – Código Penal
DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional
LEP – Lei de Execução Penal
MJ – Ministério da Justiça
PLB – Penitenciária Lemos Brito
PRONASCI – Programa Nacional de Segurança com Cidadania
RDD – Regime Disciplinar Diferenciado
SEC Secretaria de Educação e Cultura
SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SJCDH – Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos
SSP – Secretaria de Segurança Pública
SUDESB Superintendência de Desporto da Bahia
UED – Unidade Especial Disciplinar
xi
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO.............................................................................................................. 13
2. DIREITO DE PUNIR DO ESTADO: DAS PENAS CRUÉIS À PRISÃO. ....................... 22 2.1 O DIREITO DE PUNIR E ESTRUTURA SOCIAL ................................................... 22 2.2 PRISÃO: ANTECEDENTES HISTÓRICOS E ATUALIDADES. .............................. 24 2.3 A CRIMINALIDADE E SUAS FORMAS DE CONTENÇÃO .................................... 32
3. DISCURSOS LEGITIMADORES E DESLEGITIMADORES DA PRISÃO..................... 37 3.1 DIREITO PENAL E LEGITIMAÇÃO DA PENA DE PRISÃO................................... 37 3.1.1 Teorias Retribucionistas (Absolutas) ............................................................... 39 3.1.2 Teorias Prevencionistas (Relativas) ................................................................. 43 3.1.3 Teorias Unificadoras (Ecléticas ou Mistas)...................................................... 49
3.2 TEORIAS DESLEGITIMADORAS DA PENA DE PRISÃO.......................................... 52 3.3 RESSOCIALIZAÇÃO: DICOTOMIA ENTRE O DISCURSO E A REALIDADE............ 56
4. PRISÃO E CAPITALISMO: DO MERCANTILISMO À ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL. .... 64 4.1 O NASCIMENTO E EVOLUÇÃO DA PRISÃO NA SOCIEDADE CAPITALISTA. ... 64 4.2 NOVOS TEMPOS: DO FORDISMO À ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL. REFLEXOS NO
SISTEMA PENAL................................................................................................... 76 4.3 O NASCIMENTO DO CÁRCERE: BRASIL E BAHIA.............................................. 86 4.4 A PENA DE PRISÃO NO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO (CPB) E NA LEI DE
EXECUÇÃO PENAL (LEP). ................................................................................... 93
5. POLÍTICAS E PROGRAMAS PÚBLICOS DESTINADOS AO SISTEMA PENITENCIÁRIO (CONDENADOS E EGRESSOS). .................................................... 98
5.1 O APRISIONAMENTO COMO POLÍTICA PÚBLICA DE ENFRENTAMENTO DA CRIMINALIDADE. .................................................................................................. 98
5.2 SISTEMA PENITENCIÁRIO BAIANO: REALIDADE DESCORTINADA ATRAVÉS DE NÚMEROS..................................................................................................... 102
5.2.1 População carcerária, vagas, defict e fluxo de saída do sistema penitenciário. ................................................................................................... 103
5.2.2 Grau de instrução e faixa etária...................................................................... 109 5.2.3 Cor de pele/etnia. ............................................................................................. 113 5.2.4 Tempo de pena e tipos penais mais frequentes. ........................................... 114 5.2.5 Reingresso no sistema penitenciário (fugas, abandonos e novas
condenações)................................................................................................... 119 5.2.6 Laborterapia (trabalho externo e interno) ...................................................... 124
xii
5.3 PROGRAMAS PÚBLICOS DE RESINSERÇÃO SOCIAL NO COMPLEXO PENITENCIÁRIO LEMOS BRITO. ....................................................................... 128
5.3.1 Ponto de vista dos condenados sobre cárcere, trabalho, liberdade e ressocialização. ............................................................................................... 138
5.4 A ONDA DE PRIVATIZAÇÃO E O SISTEMA CARCERÁRIO BAIANO. ............... 143
6. CONCLUSÕES........................................................................................................... 146
REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 153
13
1. INTRODUÇÃO
A contenção da criminalidade e violência é uma máxima na sociedade
brasileira. Ultimamente, periódicos nacionais estampam em suas manchetes
inúmeras notícias de crimes que causam, no seio social, mescla de consternação,
ódio e medo generalizados. Tais sentimentos impulsionaram os temas segurança
pública e sistema penitenciário a assumirem papéis centrais nas discussões mais
recentes. Nos grandes centros urbanos esta realidade é mais evidente, face maior
aglomeração populacional e diferenças econômicas abissais.
Por certo, a questão social tornase central na discussão da criminalidade.
Nunca houve por parte dos sucessivos governos nacionais qualquer preocupação
em adentrar no cerne da questão, pois sempre se enfrentou a criminalidade,
manifesta na violência do crime, por meio da violência policial, às vezes nos
estreitos limites da legalidade, noutras oportunidades (a maioria), ao arrepio da lei 1 .
Nesta última hipótese, especialmente, contando com a leniência e tácita aceitação
da sociedade. Sobre este tópico, em particular, assevera Bastos Neto (2006, p. 153):
A contenção da pobreza e seus ‘desvios’, através do uso sistemático e corriqueiro da violência física, da repressão de qualquer forma de descontentamento, ou até mesmo rebelião, se tornou algo tão natural, que ainda hoje, boa parte da população defende a violência policial contra o criminoso pobre.
O Brasil, por meio de códigos e leis penais, centrou como forma
institucionalizada de repressão ao crime punição por meio da privação da liberdade.
O Direito Penal se tornou, com isso, o mais habitual instrumento de controle social
institucionalizado ante a escalada dos índices de criminalidade, ou, como diz Costa
(2005, p.107), é “alçado como único instrumento de controle social capaz de
solucionar os problemas da criminalidade hodierna”. Por conseguinte, a solução
encontrada pelo Estado resultou no incremento e reforço do aparato policial e
penitenciário, semeando uma cultura de encarceramento, que sempre tem
questionada sua eficácia quando observados os resultados.
1 Zaffaroni e Batista (2003, p. 6970) denominam estas práticas como sendo fruto de um sistema penal subterrâneo ou paralelo.
14
Apesar desta exponencial evolução da política de aprisionamento, a
infraestrutura carcerária (número de penitenciárias, presídios e cadeias públicas)
nunca foi e nem é suficiente para abrigar o número de presos, embora os
investimentos dos governos estadual e federal tenham sido significativos,
promovendo grande crescimento do sistema penitenciário. Quiçá, o mais grave de
toda a expansão da prisãosão as condições degradantes que a maioria dos
encarcerados se veem submetidos, pouco importando a diretriz constitucional do
respeito à humanidade 2 , afinal, o preso conserva o status de cidadão (art. 5°, incisos III, V, X e LXIV).
As prisões brasileiras sempre foram tidas como locais pútridos em que
reinavam as mais diversas violações aos direitos humanos. Frequentemente se
noticiam rebeliões e motins pugnando por melhores condições e respeito à
dignidade humana. O desleixo e desrespeito do Estado ante esta realidade sempre
foi reinante, ocasionando, por exemplo, situações como o massacre do Carandiru,
em 1992. Sempre se tratou o cárcere como algo distante, isolado e sem qualquer
comunicação com a sociedade, as pessoas eram lançadas ali e a preocupação da
comunidade existia somente quando estas findavam as penas, ou seja, o dilema
seria se regressariam para a vida do crime ou se enquadrariam nos seus ditames
seculares da sociedade.
No entanto, a questão carcerária e de segurança pública têm sido alçadas a
temas de primeira ordem. Tal obsessão por leis penais e rediscussão constante da
prisão foi impulsionada, inclusive, recentemente, nos anos de 2005 e 2006, quando
ratificada a ineficácia do modelo de sistema penitenciário e a sua interação com a
sociedade livre. Eventos ocorridos em São Paulo e Rio de Janeiro, envolvendo
organizações criminosas, denominadas Primeiro Comando da Capital (PCC) e
Comando Vermelho (CV), respectivamente, em que seus líderes de dentro dos cárceres comandaram ataques a policiais, delegacias e até mesmo uma cadeia de
2 MORAES (2003, p. 128129) assim conceitua tal princípio: “a dignidade da pessoa humana é um valor espiritual inerente a pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindose em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merece todas as pessoas enquanto seres humanos”. Em adendo, LUISI (1991, p. 31) afirma sobre o referido princípio que “consiste no reconhecimento do condenado como pessoa humana, e que como tal deve ser tratado”.
15
rebeliões em presídios fatos antes inacreditáveis provocaram caos e medonestas
duas grandes metrópoles e, por conseguinte, no Brasil, que assistiu atônito a tudo
isso pela televisão.
Vivese, atualmente, tempo de revisão de conceito e busca de soluções para
tão preocupante dilema: como punir e obter êxito para com aquele que sofre a
sanção. Investir em políticas públicas que não sejam, exclusivamente, de matriz
repressiva. Reconhecer as mazelas do sistema e os erros das administrações
anteriores é uma realidade que vem sendo tratada pelo Ministério da Justiça e os
governos estaduais.
O tema desta dissertação se insere neste debate que tangencia discursos do
Direito Penal, da Sociologia e da Criminologia, se prendendo à análise do sistema
penitenciário somente. A discussão em torno do instituto da prisãopena, assim
como a investigação do seu objetivo declarado a ressocialização – se revela oportuna, principalmente, em tempos em que a privação da liberdade foi eleita como
a mais importante política de Estado para o enfrentamento do crime e contenção da
criminalidade no Brasil.
Antes, porém, é de bom alvitre esclarecer o conceito de ressocialização. Por ser o presente estudo interdisciplinar, na sua formulação contemplamse pontos de
interseção entre saberes distintos (por exemplo: o Direito e a Sociologia), que lhes
conferem diversas conceituações e interpretações. Portanto, nada melhor do que
delimitar este conceito.
A ideia de ressocialização está intimamente vinculada à pena. Nem sempre
os seus defensores a viam da mesma maneira. Cuidase, seguramente, de conceito
vago e impreciso para o Direito Penal. Talvez o seu êxito se deva a estas
características, afinal, qualquer um poderá manejar o conceito de ressocialização de
acordo com a sua ideologia pessoal, como bem diz MUÑOZCONDE (1991, p. 91).
16
Os clássicos 3 discutiram a necessidade de emenda do condenado para
regressar à sociedade. No entantonunca foi objeto central no que concerne à pena
criminal. O tema em comento, no período setecentista, foi deveras explorado por
John Howard, sheriff de Bedford, na Inglaterra, que preocupado com as condições carcerárias, empreendeu interessante estudo empírico por cárceres ingleses,
visando comprovar a necessidade de reforma do sistema penitenciário, numa
perspectiva mais humanitária (BITENCOURT, 2009, p. 4243).
Não sem razão, a ressocialização ganha maior destaque no derradeiro quartel
do século XIX 4 , com os cultores da Escola Positiva 5 , que preconizavam este ideal
marcadamente pela ótica médica (ideologia do tratamento), ou seja, transformar o criminoso em cidadão apto à convivência social. Ressalvese, não todo e qualquer criminoso, somente aquele tido readaptável à vida social, como concebeu Enrico
Ferri (1996, p. 342) 6 .
No entanto, adotarseá o ideal ressocializador na perspectiva da reintegração
social, livre da metodologia e conceituação positivistas que via no criminoso um
anátema que merecia ser objeto de tratamento para fins curativos, senão combate,
como se inimigo fosse. Ademais, todo o ideário positivista deu azo à concepção de
tipos de criminosos, resultando na criminalização de pessoas não pelo que fizeram,
mas pelo que são.
3 Adotase aqui a nomenclatura que os estudiosos do Direito Penal conferem aos primeiros doutrinadores, após Beccaria, que se filiaram aos ideais iluministas, chamada de Escola Clássica, entre eles: Francesco Carrara (Itália), Pelegrino Rossi (Itália), Karl Binding (Alemanha), Paul Anselm von Feuerbach (Alemanha), dentre outros. 4 A doutrina entende que esta mudança de paradigma no enfrentamento da questão criminal se deu após a publicação do livro L’uomo delinqüente, em 1876, de autoria do médico psiquiatra Cesare Lombroso. 5 “A corrente positivista pretendeu aplicar ao Direito os mesmos métodos de observação e investigação que se utilizavam em outras disciplinas (Biologia, Antropologia, etc). Teve como corifeus Cesare Lombroso, Enrico Ferri e Rafaele Garófolo. Esta corrente de política criminal influenciou deveras o mundo (inclusive o Brasil) com suas ideias sobre o crime e o criminoso. Reverberou o sentimento de uma sociedade movida pelo cientificismo, transformando o Direito Penal em seu objeto de deleite, nascendo daí outros ramos do estudo como a Antropologia Criminal, Sociologia Criminal, Genética Criminal, etc. 6 Ferri (1996, p.251268) estabeleceu cinco tipos de criminosos: nato ou instintivo ou por tendência congênita; louco; habitual; ocasional; e passional. Destes, reconhecia como mais próximos da boa readaptação social, o quarto e quinto tipos.
17
Temse, portanto, a ressocialização na perspectiva do modelo políticocriminal
construído pela Nova Defesa Social (ARAÚJO JÚNIOR, 1991, p. 6570), que teve
grande difusão e influência na doutrina penal pátria, em meados da década de
oitenta. Neste período foram concebidas as leis federais da Reforma da Parte Geral
do Código Penal (Lei n° 7.209/84) e de Execução Penal (Lei n°7.210). Nesta
perspectiva, cunhouse que a atividade ressocializadora a ser exercida através do
regime penitenciário, demanda colocação, à disposição do condenado, de meios e
condições que permitam, voluntariamente, não mais voltar a delinquir (ARAÚJO
JÚNIOR, 1991, p. 70). Pretende ver apartado deste conceito o ideal meramente
retributivo e repressivoue sempre permeou o discurso jurídicopenal seja clássico,
seja positivista. Ressocializar implicaria na revisão conceitual e estrutural da pena
dentro do ordenamento jurídico e na práxis, se valendo da interdisciplinaridade para
servir de reforço a esta tarefa. Contudo, um dos primados deste pensamento é o
respeito à individualidade, ou seja, à humanidade do condenado.
Assim, portanto, esta Dissertação consiste na análiseteórica e empíricado
instituto da prisão, seu objetivo declarado e das políticas ou programas que o Estado
reservou aos condenados e egressos, para ver cumprida sua meta, tomando como
exemplo o caso do sistema penitenciário do Estado da Bahia, nos anos de 2005 até
2007 e o primeiro quadrimestre de 2008. Tal estudo se pautará nas relações
incongruentes entre a realidade e o discurso legal, ou seja, a função declarada de
ressocialização e aqueloutras ocultas: seletividade e estigmatização.
Nela buscase investigar a prisão – do seu nascimento à ascensão a principal
punição no sistema capitalista – e a sua função declarada de ressocialização à luz
das abordagens formuladas, em suma, pela Criminologia Crítica, pautadas pelo
interacionismo simbólico e, principalmente, pelo materialismo histórico marxista. A
análise destas correntes do pensamento humano farseá através de um panorama
da evolução do direito penal no Brasil e do papel atribuído à prisão.
Outrossim, observarseá a evolução e características do sistema
penitenciário do Estado da Bahia, tomado como universo à pesquisa de campo.
Foram analisados as políticas e os programas penitenciários, que são desenvolvidos
neste Estado, no período de referência da pesquisa para identificar a eficácia destas
18
políticas ou programas, mantidos pelas agências estatais (Ministério da Justiça,
Secretarias de Justiça, dentre outras), assim como a efetiva manifestação da
pretendida ressocialização.
No que se refere à metodologia empregada, para se traçar o perfil do “cliente”
e eficiência do regime imposto no sistema penitenciário, a pesquisa de campo se
dirigiu à colheita de estatísticas oficiais do Ministério da Justiça e Secretaria de
Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Estado da Bahia, obtidas junto ao
Infopen 7 , relativas ao período de 2005 a 2007 e o primeiro quadrimestre de 2008.
Realizaramse, também, entrevistas semiestruturadas com condenados
cumprindo pena em regime fechado e regime semiaberto, na Penitenciária Lemos
Brito, em Salvador/BA. Nesta incursão empírica, buscouse manter contato
reservado, dentro do próprio cárcere, longe da supervisão dos agentes públicos.
Objetivouse, assim, dialogar com tais pessoas com maior grau de liberdade. As
entrevistas realizadas não puderam ser gravadas porque a Direção entendeu haver
risco à segurança, havendo sido feitas observações em diário de campo.
Não se pretendeu, através de tais contatos, definir um papel ou perfil do
homem encarcerado, afinal, a amostra colhida não é significativa o suficiente para
tanto. Outrossim, a forma como foram expostas as entrevistas, sem a transcrição
textual do que aqueles condenados falaram, não objetiva podar sua livre expressão,
adequandoa ao que o investigador argumenta teoricamente. Foi feita uma síntese
de cada uma das entrevistas, que, ao máximo, é descritiva, sem qualquer valoração.
Somente não foi possível se valer de meios que possibilitassem a transcrição exata
do que fora dito pelos informantes, em virtude da proibição do estabelecimento
penitenciário – que alegou questão de segurança.
O terceiro e quarto pilares da investigação promovida constituíram em uma
pesquisa documental sobre as ações da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos
Humanos do Governo do Estado da Bahia e em entrevistas semiestruturadas com
informantes qualificados, funcionários desta Secretaria, para subsidiar a discussão
7 Sistema do Ministério da Justiça (MJ) que reúne as informações estatísticas de todos os estabelecimentos penitenciários do Brasil (disponível no sítio oficial do MJ <www.mj.gov.br>).
19
das políticas e programas públicos penitenciários fomentados e desenvolvidos pelo
referido órgão estatal.
Como se verá, a análise de tais políticas e programas públicos penitenciários
dirigidos à ressocialização, intra e extramuros, constituise em importante elemento
na argumentação teórica sobre as funções ocultas de seletividade e estigmatização
do cárcere. Assim, portanto, com este estudo, almejase desnudar nuances do
instituto da prisão que, propositalmente, são encobertas pelo manto da quimérica
ressocialização do homem.
Ademais, na esteira de argumentos teóricos sugeridos pela Criminologia
Crítica e dos dados oficiais colhidos junto ao Ministério da Justiça e Secretaria de
Justiça e Direitos Humanos do Estado da Bahia, pretendese enfrentar e apontar
que a prisão consiste num braço do Estado na promoção e manutenção do sistema
capitalista e que o seu entorno (sejam políticas e programas públicos para os
encarcerados e egressos) se contamina por estas funções ocultas.
Ao longo dos capítulos vindouros, enfrentamse estes objetivos. No
primeiro momento, debatese a própria legitimidade da prisão, enquanto pena
criminal, na doutrina penal. As ideias retribucionistas, partindo de Hegel e Kant; o
utilitarismo de Bentham, Beccaria; a coação psicológica de Feuerbach; a
ideologia preventiva de tratamento de Liszt; a prevenção geral de Jakobs e a
teoria unificadora dialética de Roxin.
Em contraposição a todo o discurso de legitimação do cárcere, de acordo com
as premissas oriundas da Criminologia Crítica, do materialismo histórico de Marx e
correntes de pensamento sociológico, trouxese como referencial teórico da crítica à
prisão autores como Pausukanis, Rusche, Kirchheirmer, Melossi, Pavarini, Zaffaroni,
Baratta, Foucault, Juarez Cirino dos Santos, Cláudio Guimarães e Vera Regina de
Andrade.
Abordouse, também, como aspecto relevante da pesquisa, o
aprofundamento da relação existente entre cárcere e capitalismo, observando a
evolução deste e sua atualidade, da estabilidade do trabalho assalariado à
20
precarização, pautandose, neste particular, nas discussões trazidas por Marx,
Polaniy, Hobsbawn, Harvey, Castel, Braveman, Bauman, Borges e Ponchman.
Especialmente, sobre as atualidades da relação mercado de trabalho x cárcere,
observouse os estudos de Wacquant e Jinkings.
Neste ponto, merece salientar que não se está a dizer ser a prisão exclusiva
do modelo capitalista, até porque, os gulags soviéticos são deveras conhecidos. Ocorre que o fenômeno da prisionização no socialismo tinha matriz a ideologia
política, distintamente do capitalismo, onde há, conforme demonstrado alhures, uma
seletividade da clientela carcerária. Outrossim, não se imputa ao capitalismo a
gênese de todo o homem em conflito com a lei penal, há situações em que as
causas para a delinquência residem noutro âmbito da vida. Não se desconhece tal
hipótese, porém, demonstrarseá seu caráter residual.
No que concerne à discussão empírica, colheuse, principalmente, na
produção científica de Julita Lemgruber, Nilo Batista Augusto Alvino de Sá, Milton
Júlio de Carvalho Filho e Zygmut Bauman.
A análise feita aqui visa reavivar temas que frequentam a literatura penal e
sociológica, sem o apego ao materialismo histórico que influenciou, principalmente,
a Criminologia Crítica; mas buscar compreender o papel da prisão em tempos pós
modernos, em sociedades pósindustriais.
A dissertação apresenta a seguinte estrutura: esta introdução, quatro
capítulos e conclusões. No primeiro capítulo, será preciso, inicialmente, discorrer
sobre o histórico da pena privativa de liberdade desde os primórdios até tempos
mais recentes, assim como a sua contextualização ante o discurso repressor e a
crescente criminalidade.
No segundo capítulo, serão abordadas as teorias que o direito concebeu
para justificar a existência do cárcere como sanção ideal, bem como aqueloutras,
forjadas no materialismo histórico marxista, que o combatem firmemente. Nesta
linha, a discussão sobre a efetividade do princípio da ressocialização frente a tais
21
teorias será enfrentada. Igualmente, a compreensão da transformação do homem
em criminoso.
O terceiro capítulo discute as reais relações entre o capitalismo e a prisão,
desde as suas origens até o presente. Procurase o entrelaçamento entre cárcere e
interesse capitalista, desde os primórdios da era mercantilista, passando pelo auge
do fordismo, no Welfare State, até a vigente acumulação flexível, configurada no capitalismo de especulação financeira. Isto é, perceber como a prisão foi, é e será
útil a este modelo econômico é imprescindível para compreensão do objeto da
pesquisa.
No quarto e último capítulo de desenvolvimento do tema, são analisadas as
entrevistas feitas com condenados; os dados, indicadores e documentação
referentes ao sistema penitenciário do Estado da Bahia e aos programas de ação da
SJCDH para os condenados egressos.
Por fim, serão expandidas as conclusões desta dissertação, construída numa
perspectiva históricocrítica da criação da prisão enquanto pena criminal e sua
relação com o modelo capitalista de produção, visando trazer ao debate as verdades
e fantasias da função ressocializadora do cárcere.
22
2. DIREITO DE PUNIR DO ESTADO: DAS PENAS CRUÉIS À PRISÃO.
2.1 O DIREITO DE PUNIR E ESTRUTURA SOCIAL
A conduta desviante convive nas estruturas sociais há muito tempo. Aliás, o
estabelecimento de padrões de comportamento são marcas indeléveis de qualquer
agrupamento humano. Fixar o limite entre o “certo” e o “errado”, “permitido” e
“proibido” é consequência da vida humana em comum. Enfim, toda sociedade
produzirá, formal ou informalmente, regras para o convívio entre os seus
componentes. Logicamente que tais ofensas à vontade da maioria (ou dos mais
fortes) significará ato passível de repreensão. Assim, à luz deste quadro, nasce o
questionamento sobre o direito de punir, que, nas palavras de Barreto (2004, p.
165), constituía “uma necessidade imposta pelo organismo social por força do seu
próprio desenvolvimento”.
A princípio, cabe asseverar que as aludidas condutas desviantes, em
longínquos tempos, significavam ofensas aos postulados divinos ou totêmicos, mais
adiante, acintes à vontade do soberano, e, modernamente, contrariedade ao Direito,
havendo a evolução de sua classificação, de pecado à infração penal.
Em resumo, todo o direito penal positivo atravessa regularmente os seguintes estágios: primeiro, domina o princípio da vindicta privada, a cujo lado também se faz valer, conforme o caráter nacional, ou etnológico, a expiação religiosa; depois, como fase transitória, aparece a compositio, a acomodação daquela vingança por meio da multa pecuniária; e logo após, um sistema de direito penal público e privado; finalmente, vem o domínio do direito social de punir, estabelecese o princípio da punição pública. (BARRETO, 2004, p. 178).
A história registra inúmeras formas de punição destinadas àqueles que agiam
contrariamente às normas criadas pelo seu grupo social. O enfrentamento do desvio
atualmente este fenômeno é nominado de criminalidade é mais complexo do que
nos tempos de Hamurabi 8 , bem como a forma de punição não é semelhante
8 Ver item 2.2, p. 24.
23
(BRUNO, 1963, p. 6790; FRAGOSO, 1995, p.2532; GARCIA, 1967, p. 1219;
OLIVEIRA, 2000, p.3545; MIOTTO, 1975, p. 1322).
De fato, como asseverou Barreto (2004, p. 171):
O que é verdade do direito em geral, acentuase com maior peso quanto ao direito de punir, cujo processus histórico tem sido mais rápido e mais cheio de transformações, trazendo, contudo, ainda hoje na face sinais evidentes de sua origem bárbara e traços que recordam a sua velha mãe: a necessidade brutal e intransigente.
O discurso oficial do Direito requer, atualmente, que o infrator legal tenha
oportunidade de tornarse “sociável” novamente. Contudo, nem sempre se constatou
este desiderato nas punições da Antiguidade ou do Medievo. Em suma, as formas
de se punir estavam sempre atreladas à violação da incolumidade física ou
extermínio da vida, tinham como tônica externar o desgosto do ofendido ante a
conduta infamante perpetrada pelo agressor, ou seja, mera retribuição, sem
pretensão de atingir qualquer finalidade senão pagar o mal injusto do crime com o
mal justo da pena.
A ideia de se privar a liberdade do infrator criminal, aparentemente, surge com
o iluminismo, quando se desenvolve um ideal de humanidade, exigindose do
Estado respeito aos direitos fundamentais do cidadão.
A mudança no tratamento da questão criminal, quando ao invés de pensar no
extermínio do homem ou da inflição de sofrimento como forma ideal e adequada de
se promover a Justiça, melhor dizendo, como aparato da Justiça Penal,
necessariamente, não se deveu a uma mudança paradigmática da filosofia dos
Estados remodelados pelas novas luzes. Entrementes notase que um dos maiores
impulsos, a aceitação da privação da liberdade como forma de punir se deveu à
necessidade advinda com a promoção e desenvolvimento do modelo capitalista de
produção.
Não é demais citar tal constatação feita por Melossi e Pavarini (2006, p, 21):
24
Num sistema de produção précapitalista, o cárcere como pena não existe. Essa afirmação é historicamente verificável, advertindose que a realidade feudal não ignora propriamente o cárcere como instituição, mas sim a pena do internamento como privação de liberdade.
Aprisionar alguém, como se pode perceber, era somente um meio de se
acautelar uma sentença condenatória, não era pena em si. Entrementes, uma vez
recepcionada como punição mais humana e mais afeita ao modelo econômico
vigente, a instituição prisão difundiuse por todo o globo, ganhando espaço na mente
e coração dos homens, entronizada e (quase) eternizada nos Códigos e Leis
vigentes.
Com efeito, a segregação da liberdade pessoal é sempre dolorosa, pois priva
o homem do convívio com os seus e traz outras consequências sociais para sua
vida futura. Até os dias de hoje estas questões são debatidas, no entanto, sem que
se tenha extraído qualquer solução para dirimílas ou mesmo para substituir a prisão
por outra forma de se punir.
De fato, existe uma grande e crescente preocupação com os efeitos de quase
duzentos e cinquenta anos de prisão como penarainha, pois seus efeitos são
sentidos em toda a extensão da sociedade. O Estado e a sociedade civil têm voltado
os olhos para soluções; não sem razão, buscase, hodiernamente, a implementação
de políticas públicas para o condenado e egresso, posto que as fórmulas até então
utilizadas foram ineficazes e reforçam ainda mais o insucesso secular do cárcere,
que é tido como um mal necessário.
2.2 PRISÃO: ANTECEDENTES HISTÓRICOS E ATUALIDADES.
Controlar o indivíduo sempre foi preocupação perene na mente dos líderes
dos mais diversos grupamentos humanos, dos mais simples aos mais complexos.
Impedir que o desviante exercesse seus anseios de forma livre, especialmente em
contraposição aos desígnios da maioria é uma realidade que se enfrenta há muito. O
direito penal nasceu daí. As penas também.
25
Punir, então, sempre foi conduta típica entre os homens. Todo ato que
desagrade uma maioria produz consequências, graves ou leves. Com isso, advém a
necessidade de se definir os limites da liberdade humana, até onde se pode agir,
quais as fronteiras do livre proceder. Enfim, devem, portanto, ser fixados os direitos
e aclaradas as punições por sua violação, como disse Liszt (2003, p. 74), “o ponto
de partida história da pena coincide com o ponto de partida da história da
humanidade”.
Novamente, Liszt (2003, p. 75) relata que nas comunidades mais primitivas, o direito de punir nasce como próprio e exclusivo da vítima ou de seus familiares, mais tarde sendo associado aos ideais religiosos de cada povo:
Nas sociedades de estrutura familial que precederam a fundação do Estado (comunidades que têm o sangue por base) encontramos duas espécies de pena, ambas igualmente primitivas: 1° a punição do membro da tribo que na sua intimidade se fez culpado para com ela ou com os companheiros; 2° a punição do estranho que veio de fora invadir o círculo do poder da vontade da sociedade ou de algum de seus membros. No primeiro caso, a pena aparecenos principalmente como privação da paz social sob todas as suas diversas formas, como proscrição. No segundo caso, aparecenos principalmente como luta contra o estrangeiro e toda sua raça, como vindita ou vingança do sangue (blutrache), exercida de tribo a tribo até que sucumba uma das partes contendoras ou a luta cesse por esgotamento das forças de ambas. Em um e outro caso, a pena revela traços acentuadamente religiosos (caráter sacro); como a paz está sob a proteção dos deuses, a vingança tem o seu fundamento no preceito divino.
Em adesão, leiase, também, Carrara (2002, p. 5354):
O sentimento inato de vingança privada foi elevado, nas sociedades primitivas, de sua natureza de desejo à altura de um direito: direito exigível, direito hereditário, direito resgatável ao arbítrio do ofendido, direito que por vários séculos foi considerado como exclusivo do ofendido e de sua família. (...) Depois, civilizandose os homens por obra da religião, assumiu esta a direção universal de seus sentimentos. Daí a ideia de que os sacerdotes deviam ser os reguladores da vingança privada. Por isso, uma vez introduzida na penalidade a concepção religiosa, e levados os juízos à forma teocrática ou semiteocrática, o conceito de vingança divina se foi substituindo ao da vingança privada.
Neste período da história humana, a pena, enquanto castigo, “era aplicada
por delegação divina, pelos sacerdotes, como penas cruéis, desumanas,
degradantes, cuja finalidade maior era a intimidação” (BITENCOURT, 2004, p. 26),
devendo se somar uma pretensa finalidade de purificação do que violou a vontade
26
dos deuses. Este traço é peculiar nas legislações do Oriente, tais como: Código de
Manu (Índia), Cinco Livros (Egito), Livro das Cinco Penas (China), Avesta (Pérsia),
Pentateuco (Israel).
Com o desenvolvimento organizacional das sociedades humanas em
Estados, a vingança divina passa a ser mediada por este, antes de se tornar monopólio, culminando na denominada vingança pública.
Nesta fase, o objetivo da repressão criminal é a segurança do soberano ou monarca pela sanção penal, que mantém as características da crueldade e da severidade, com o mesmo objetivo intimidatório (BITENCOURT: 2004, p. 27).
Um dos primeiros marcos de legislação penal é encontrado na Mesopotâmia,
precisamente, na Babilônia, do Rei Khammurabi, no 18º século A.C., que ficou
conhecido como o Código de Hamurabi. Este corpo de regras jurídicas, escrito em
pedras de basalto, estabelece condutas humanas criminosas, cominando sempre
penas duras, que, como assevera Bruno (1967, p. 75), visavam unicamente a
“vingança pública, cuja medida é geralmente o talião, e por essa medida chega a
muitas vezes excessos que repugnariam, por absurdos e iníquos, à nossa
consciência jurídica”.
Em Roma, por exemplo, há evidente evolução – não obstante a finalidade da
pena seja a mesma de outrora , como leciona Prado (2006, p. 6667):
Dentre as principais características do Direito Penal romano, devemse ressaltar as seguintes: a) a afirmação do caráter público e social do Direito Penal; (...) g) a pena entendida como uma reação pública correspondendo ao Estado a sua aplicação; h) a distinção entre crimina publica, delicta privada e a previsão dos delicta extraordinária.
Tais fatos são comprovados na Lei das XII Tábuas, promulgada em 45351
A.C., durante a República, fruto da peleja entre plebeus e patrícios, que, ao fim, fixou
limites à vindita privada, adotou princípios talionais, prescreveu formas de punição
alternativas às penas de morte e corporais (v.g.: compositio). No Império, gradualmente, houve o fortalecimento do poder público, tomando para si o
monopólio da administração da justiça e aplicação da pena criminal.
27
Na Grécia não houve considerável inovação. Assim como os romanos, eles
não tinham um código penal ou sistema penal mais sofisticado, ainda persistiam
punições corporais e a morte. No entanto, ali nasceram importantes questionamentos
que, no futuro, deram azo a mudanças quanto às penas. Discutiuse deveras sobre a
natureza do direito de punir e a sua finalidade, por exemplo, encontrase em Sócrates
a sistematização da teoria retributiva, em Aristóteles, comezinha ideia de uma função
de prevenção geral, e em Platão, o debate da pena como instrumento de defesa
social (BRUNO, 1967, p. 7879; OLIVEIRA, 1998, p. 4445).
Assim, portanto, as penas na Antiguidade, em sua maioria, visavam atingir o
corpo do condenado, não obstante a grandiosidade do Império Romano e o
desenvolvimento que ali teve o Direito, ou mesmo, os inúmeros pensadores que a
Grécia ofertou ao mundo ocidental. Porém, estas civilizações são importantes por
estabelecer, de fato, que a questão criminal é matéria de ordem pública, sua
aplicação é exclusiva do Estado.
Com o declínio do Império Romano, o mundo ocidental ingressa numa nova
fase, a Idade Média, que, também, descortina a face mais fria e cruel do direito de
punir. A punição calcada na extremada violência ao corpo, atentando,
majoritariamente, contra a vida do infrator, foi marca indelével das leis e dos
costumes medievais – este período é retratado nos manuais como sendo o do direito
penal do terror. Como bem descreve Bruno (1967, 8889):
Nesse longo e sombrio período da história penal, o absolutismo do poder público, com a preocupação da defesa do príncipe e da religião, cujos interesses se confundiam, e que introduziu o critério da razão de Estado de Direito Penal, o arbítrio judiciário, praticamente sem limites, não só na determinação da pena, como ainda, muitas vezes, na definição dos crimes, criavam em volta da justiça punitiva uma atmosfera de incerteza, insegurança e justificado terror. Justificado por esse regime injusto e cruel, assente sobre a iníqua com a pena capital aplicada com monstruosa frequência e executada por meios brutais e atrozes, como a forca, a fogueira, a roda, o afogamento, a estrangulação, o arrastamento, o arrancamento das vísceras, o enterramento em vida, o esquartejamento; as torturas, em que a imaginação se exercitava na invenção dos meios mais engenhosos de fazer sofrer, multiplicar e prolongar o sofrimento; as mutilações, como as de pés, mãos, línguas, lábios, nariz, orelhas, castração; os açoites.
28
Com o advento do Iluminismo e a consolidação do Capitalismo, a ideia de
cuidar da questão penal através da prisão tornase central, como disse Foucault
(1998b, p. 14), “as práticas punitivas se tornaram pudicas”. Pois esta atendia, com
plenitude, os objetivos pretendidos pela filosofia do novo modelo político e
econômico do Estado Burguês, inaugurando assim tempos contemporâneos:
A acumulação de capital era necessária para a expansão do comércio e da manufatura, mas estava sendo obstacularizada pela resistência que as novas condições permitiam. Os capitalistas foram obrigados a apelar ao Estado para garantir a redução dos salários e a produtividade do capital. (RUSCHE e KIRCHHEIMER, 2004, p. 47)
Até meados do século XVII a prisão não era tida como pena principal, como
se infere do que fora dito antes, usavase somente como meio de reter o acusado
até o momento em que fosse julgado. Era vigente o brocardo latino: Carcer enim ad homines nona ed puniendos haberi debet 9 .
Somese que muitos foram os reclames contra as punições corporais,.
Ademais, o novo modelo econômico impunha aos governantes necessidades para
seu pleno e perfeito funcionamento.
Prender o indivíduo é uma prática que remonta às origens da sociedade. Contudo, apenas nos últimos trezentos e cinquenta anos aproximadamente, a custódia surge como um importante instrumento do Estado para lidar com os delinquentes. No início, a detenção foi um período nebuloso, um estágio em direção ao processo legal, onde o suspeito aguardava o carrasco. Jousse, jurista francês sustentou que, no final de 1771, a detenção não era um método punitivo, mas um meio de deter o suspeito antes do julgamento. Apenas no século XIX a detenção atingiu a atual eminência como sanção penal principal (SELLIN, 1932 apud SYKES, 1958). (GOMES e CHAMOUND, 2006)
Concomitantemente aos reclames de ordem política pugnando por mudanças
no modelo punitivo, interesses de natureza econômica para definitiva consagração
do capitalismo, convergiram em torno da prisão.
Como se empreendeu, no século XVII, medidas que expurgavam homens,
mulheres e crianças do campo, tirandolhes o mínimo sustento que tinham, criouse,
9 As prisões existem apenas para prender os homens e não para punilos.
29
assim, uma turba totalmente desfiliada da rede de sociabilidade. Portanto, tornando
os “vagabundos”.
Entretanto, é de bom alvitre explanar que nem todo vagabundo derivou de tal
fato, “a maior parte deles vem da plebe quando as circunstâncias sociais e
individuais jogamnos nas estradas” (CASTEL, 2005, p. 133), por outro lado, outros
optam por desfiliarse de per si. Esta figura peculiar da realidade européia, desde a Idade Média, é definida por Castel (2005, 128) nos seguintes termos:
Mas, realmente, quem são os vagabundos? Perigosos, predadores que vagueiam pelas margens da ordem social, vivendo de roubos e ameaçando bens e a segurança das pessoas? É assim que são apresentados e isto é que justifica um tratamento fora do comum: romperam o pacto social – trabalho, família, moralidade, religião – e são inimigos da ordem pública.
Ante esta realidade, os Estados Europeus, optaram por tratar desta questão
por meio de políticas repressivas, visando moldar o caráter humano desta turba,
fazendo crer ser o trabalho o meio mais enobrecedor vigente. Mais uma vez, invoca
se o escólio de Castel (2005, p. 136137):
A condenação do vagabundo é o caminho mais curto entre a impossibilidade de suportar uma situação e a impossibilidade de transformá la profundamente. Nas sociedades préindustriais, a questão social levantada pela indigência válida e móvel não pode ser tratada senão como questão de polícia.
Mas, não foram somente os “vagabundos” a serem alvo do direito penal sob
égide do capitalismo, como asseveram Melossi e Pavarini (2006, p. 55):
Os pobres, os jovens, as mulheres prostitutas enchem, no século XVII, as casas de correção. São eles as categorias sociais que devem ser educadas ou reeducadas na laboriosa vida burguesa, nos bons costumes. Eles não devem aprender, mas sim ser convencidos.
Na Inglaterra, nasceu a house of correction, um misto de prisão e reformatório, era destinado a criminosos e vagabundos. Viviase, naquele momento
histórico, o florescer do modelo capitalista, e se fazia preciso combater o ócio,
criando uma classe para poder atender à nova demanda. Vejase, como ilustração
disto, a descrição de Bitencourt (1993, p. 24) sobre as referidas instituições inglesas:
30
A suposta finalidade da instituição, dirigida com mão de ferro, consistia a reforma dos delinquentes por meio do trabalho e da disciplina. O sistema orientavase pela convicção, como todas as ideias que inspiraram o penitenciarismo clássico, de que o trabalho e a férrea disciplina são um meio indiscutível para reforma do recluso. Ademais, pretendia desestimular a outros a vadiagem e a ociosidade. (...). O trabalho que se desenvolvia era do ramo têxtil, tal como a época exigia. Esta experiência deve ter alcançado notável êxito, já que em pouco tempo surgiram em vários lugares da Inglaterra houses of correction ou bidwells, tal como eram denominadas, indistintamente.
Frisese que este novo modelo punitivo se dissemina por todo território
europeu, em cada nação adotandose uma instituição similar, por exemplo:
Criaramse em Amsterdam, no ano de 1596, casas de correção para homens (Rasphius), em 1597, outra prisão, a Spinhis, para mulheres, e em 1600 uma seção especial para jovens. (BITENCOURT, 1993, p. 25)
Por seu turno, na Itália nasceu o Hospício de San Felipe Néri, em 1667, que, inicialmente, era dedicado à reforma de infantes. Em França, foram criados os Hôpitaus Généraux, com os mesmos fundamentos e objetivos.
As house of correction, workhouses, Rasphius, Spinhis, Hôpitaus Généraux, bem como os demais estabelecimentos similares, tinham uma função, que consistia
em domesticar o homem para servir ao novel modelo econômico. Criavase uma
cultura, e este aparelho repressivo vinha consagrar este rito de passagem, do
bucolismo feudal ao frenético ritmo do capital. Leiase o que revelam Melossi e
Pavarini (2006, p. 45):
Assim, fica claro o motivo pelo qual, quando se trata de colocar o problema da gestão de um setor da força de trabalho, que é necessário disciplinar e inserir compulsoriamente no mundo da manufatura, tendese a escolher aquele processo produtivo que tornava o operário mais dócil e menos munido de um saber e de uma habilidade próprios que lhes fornecessem meios de resistência.
Seguem ainda os supracitados autores italianos:
O que importa é que a casa de trabalho estava destinada ao ‘tipo criminológico’, característico desse período, que nasce ao mesmo tempo que o capitalismo, e que tende a se desenvolver simultaneamente com ele. O trabalho era considerado particularmente adequado para os ociosos e os preguiçosos (os quais, como consequência dessa atividade, às vezes literalmente quebravam a espinha dorsal). Era esse também o motivo com o qual se justificava a escolha do método de trabalho mais cansativo. (2006, p. 43)
31
Melossi, ao prefaciar o livro “Miséria Governada pelo Sistema Penal”, de
Alessandro Gregori (2006, p. 13), encerra, com firmeza, este quadro evolutivo da
prisão, assim:
Os cárceres tiveram antepassado a “casa de trabalho”, espécie de manufatura reservada às massas que, expulsas dos campos, afluíram para as cidades, dando lugar a fenômenos que preocupavam as elites mercantis (e protocapitalistas) da época: banditismo, mendicância, pequenos furtos e, last but not least, recuso a trabalhar nas condições impostas por essas elites. A casa de trabalho – um “protocárcere” que seria depois tomado como modelo da forma moderna do cárcere no período iluminista, isto é, quando ocorreu a verdadeira “invenção penitenciária” – não parecia ser outra coisa senão uma instituição de adestramento forçado das massas ao modo de produção capitalista; afinal, para elas, esse modo de produção era uma absoluta novidade (e nesse sentido, a casa de trabalho era uma instituição “subalterna”à fábrica).
A concepção da prisão como pena criminal foi marcada por interesses
humanitários e econômicos (estes de forma mais preponderantes, citese). A partir
daí, o cárcere foi adotado por quase que a totalidade das legislações penais das
nações européias, em seguida, difundiuse por todo o globo.
Hodiernamente, as funções do cárcere são amplamente questionadas, afinal,
o resultado o que se vê não é nada alentador. Um dos maiores problemas
consiste na superpopulação carcerária, que se torna um entrave ao desenvolvimento
dos ideais mais primitivos, que impulsionaram a prisão de acessório a principal nas
legislações penais mundo afora.
Talvez, se pode argumentar que o incremento da política de encarceramento
das massas se deva ao aumento da criminalidade, ou, no mínimo, da prática de
crimes mais violentos. Entretanto, isso não pode prosperar. Este mesmo fenômeno
ocorrera na década de noventa em muitos países da Europa e nos Estados Unidos
da América.
O fato de a população carcerária ter quadruplicado em duas décadas não se explica pelo aumento da criminalidade violenta, mas sim pela extensão do recurso ao aprisionamento para uma gama de crimes e delitos a começar por infrações menores na legislação dos entorpecentes e pelos atentados à ordem pública. (WACQUANT, 2003, p. 21)
32
Desta forma, exigese, pelo menos, que se proceda a um profundo reexame
da utilização indiscriminada do cárcere (para tudo e contra todos), minimamente,
devendo se avaliar os seus práticos resultados – se brecou a crescente
criminalidade, restabeleceu a paz pública, regenerou os encarcerados, etc. Porém, nada disso tem sido relevante para o novo modelo de Estado Penal, que surge no
século XX, onde o que importa é “punir com eficácia e intransigência”
(WACQUANT, 2001, p. 50).
2.3 A CRIMINALIDADE E SUAS FORMAS DE CONTENÇÃO
A violência urbana é tema de última hora, sempre está a frequentar as
manchetes de jornais e telejornais, assim como é objeto de audiências públicas dos
Poderes Executivo e Legislativo, seminários, palestras, simpósios. Enfim, sem
qualquer dúvida, é um grave problema tanto para o leigo como para o acadêmico.
Naturalmente, como fruto desta preocupação da sociedade, buscase sempre
uma solução imediata, que faça com que a violência desmedida, bem como a taxa
de criminalidade desapareçam com uma velocidade incomum.
A alteração do arsenal legislativo é sempre a primeira opção. Pensase que
mudando uma lei, tornandoa draconiana, suprimindo garantias, estabelecendo
limites entre “bem” e “mal” poderá se reduzir a produção de violência e delitos.
Nesta perspectiva, no Brasil, as políticas criminais repressivas, oriundas do
Movimento de Lei e Ordem 10 , surgem como saída imediata e resposta vigorosa para
tais mazelas da sociedade moderna. Nisso, a prisão surge como punição ideal,
afinal, a pena capital (morte) fere postulado fundamental da Constituição Federal: o
ideal de humanidade.
10 Segundo Araújo Júnior (1991, p. 7074), os movimentos de lei e ordem são reflexo de medidas repressivas que visam conter e combater a criminalidade através do recrudescimento das penas e do aparato policial.
33
Vivese, nos dias atuais, uma esquizofrenia constante, temse medo de tudo e
todos. As leis penais têm se multiplicado; junto com as forças policiais militar e civil,
se encontram as guardas municipais. A cada ano a segurança pública ganha espaço
nos debates das casas legislativas, havendo, inclusive, reclame insistente de
acréscimos de verbas nos orçamentos governamentais.
Vejase que o Fundo Penitenciário Nacional 11 (FPN), que é gerido pelo
Ministério da Justiça, investiu em modernização do sistema penitenciário, no período
de 2004 a 2006, R$ 649.623.017,00 12 . Apesar deste considerável investimento,
existem graves problemas e temse que nada está resolvido.
Salientese, também, que a dotação orçamentária que o Congresso Nacional
tem destinado ao Ministério da Justiça, desde 2004, tem sido bem impressionante,
conforme se comprova dos relatórios de execução orçamentária 13 :
Tabela 1 – Orçamento do Ministério da Justiça, 20042008
Ano Orçamento (R$)
2004 1.384.389.716,00
2005 1.870.582.002,00
2006 1.620.253.540,00
2007 2.096.793.945,00
2008 3.780.092.323,00
Fonte: Elaboração própria com base nos relatórios de execução orçamentária do Ministério da Justiça.
Tal orçamento, logicamente, não é exclusivo de melhorias e/ou construções
de novos estabelecimentos penitenciários, mas também é destinado a todo o
aparato da segurança pública, (v.g.: polícia federal, polícia rodoviária federal, etc),
11 Conforme definição do Ministério da Justiça: “O Fundo Penitenciário Nacional foi criado pela Lei Complementar nº 79, de 7 de janeiro de 1994, com a finalidade de proporcionar recursos e meios para financiar e apoiar as atividades de modernização e aprimoramento do Sistema Penitenciário Brasileiro. O Funpen encontra regulamentação no Decreto nº 1.093, de 3 de março de 1994”. Disponível em: < http://www.mj.gov.br/data/Pages/MJC0BE0432ITEMID962415EA0D314F48ACAFD9ED8FB27E6EPT BRIE.htm> Acessado em 13.07.08 12 Informações colhidas no sítio oficial do Ministério da Justiça <www.mj.gov.br>. 13 Fundo Penitenciário Nacional. Disponível em: < http://www.mj.gov.br/data/Pages/MJ5F415D03ITEMIDA7399733ADB9444790A20E74472A98EBPTB RIE.htm> Acessado em 13.7.08.
34
modernização do judiciário, despesas com pessoal e outros programas de
competência do Ministério da Justiça. Porém, deste último orçamento, por exemplo,
algo em torno de 20%, que significam R$ 600 milhões, são exclusivamente
destinados ao Programa Nacional de Segurança Pública e ao sistema penitenciário.
No entanto, não se deve esquecer que a gestão das unidades prisionais no
Brasil é feita pelos Estados Federados, ou seja, há contingente de verbas dos
próprios Estados para este fim. Este papel somente foi incorporado no orçamento da
União recentemente, com a construção de presídios e penitenciárias federais.
Obviamente, o Governo Federal sempre auxiliou aos Estados, seja com a criação de
programas e/ou projetos em parceria com os Estados.
Em 2007, os Governadores de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e
Espírito Santo se reuniram visando criar o denominado “Gabinete de Gestão
Integrada de Segurança Pública”, também para pressionar o Governo Federal
promover acréscimos nas verbas destinadas às políticas de segurança pública e
penitenciária, conforme noticiou o Valor Econômico 14 .
No Paraná, por exemplo, o orçamento de 2008 será R$ 1,2 Bilhão, o dobro,
quando comparado com a gestão anterior, em 2003 15 , que somava R$ 623 milhões.
O Secretário de Segurança Pública Luiz Fernando Delazari, comenta que “está mais que comprovada a prioridade que este governo estabeleceu para a segurança pública. Multiplicamos em seis vezes o nosso orçamento, tudo para dar à população do Paraná uma polícia preparada, bem equipada e bem paga”.
A realidade também não é diferente no Estado da Bahia. Os temas
Segurança Pública e Sistema Penitenciário passam a integrar a agenda dos
sucessivos governos, sendo a cada ano, acrescido o volume de investimentos neste
setor. De 2003 a 2006, os repasses federais de verba destinadas à segurança foram
14 Valor Econômico. Disponível em: <http://www.valoronline.com.br/valoronline/Geral/brasil/Governadores+do+Sudeste+pedem+aumento +de+verbas+federais+para+seguranca+publica,,,5,4095367.html> Acessado em 08.07.2008. 15 Disponível em: <http://www.agenciadenoticias.pr.gov.br/modules/news/article.php?storyid=36845> Acessado em 8.7.2008.
35
em torno de R$ 48,7 milhões 16 , voltados para a qualificação e valorização dos
funcionários da segurança pública, investimentos na construção e reforma de
presídios e penitenciárias, aquisição de viaturas e aparelhos de alta tecnologia.
O Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça
(DEPEN/MJ) publicou dados consolidados do sistema penitenciário dos Estados
brasileiros e inferese o aumento dos investimentos na Bahia, ao constatar que em
2006 existiam 16 unidades penitenciárias, contemplando 6.762 vagas, passando,
no ano seguinte, para 21 unidades penitenciárias e 7.104 vagas. Ou seja, um
crescimento assaz considerável.
Mais recentemente, no final do mês de junho de 2008, o Governo da Bahia
recebeu R$ 35 milhões do Programa Nacional de Segurança com Cidadania
(PRONASCI), e receberá ainda mais R$ 36 milhões a serem percebidos do Governo
Federal até o final do ano 17 .
Além da necessidade de maiores gastos, os governos, estadual e federal, têm
enfrentado inúmeros problemas para gerir a segurança pública e o sistema
penitenciário. Seja por que os grupos criminosos se organizaram sobremaneira,
alguns, inclusive, se infiltraram nas estruturas do Estado e ante a ausência deste,
passaram a atuar mais livre e destemidamente.
De fato, a solução não perpassa por meras ações policiais ou construção de
presídios e penitenciárias, mas por reformas nas políticas de Estado, em diversas
áreas, especialmente, a social, face o defict que existe hoje no país.
Em nosso País, por exemplo, muitas leis penais puramente repressivas estão a todo o momento sendo sancionadas, como as leis de crimes hediondos, a prisão temporária, a criminalização do porte de arma, a lei de combate ao crime organizado, etc, sempre para satisfazer a opinião pública (previamente manipulada pelos meios de comunicação), sem que se atente para a boa técnica legislativa e, o que é pior, para a sua constitucionalidade. E, mais: o encarceramento como base para a repressão. (MOREIRA, 2008)
16 Jornal Local. Disponível em: < http://www.jornalocal.com.br/noticias/?id=895> Acessado em 13.7.08. 17 PRONASCI. Disponível em: <http://www.correiodabahia.com.br/aquisalvador/noticia.asp?codigo=156409> Acessado em 8.7.2008.
36
Nesse sentido, o Ministério da Justiça tem fomentado a diversificação das
punições criminais. Ou por meio de penas alternativas, como forma de contornar o
problema do excesso populacional do cárcere, que resulta em maior degradação do
condenado e retorno ao “mundo do crime”. Como assevera o Gomes apud Moreira (2008) esta espécie de punição tem as seguintes metas:
1) Diminuir a superlotação dos presídios, sem perder de vista a eficácia preventiva geral e especial da pena; 2) Reduzir os custos do sistema penitenciário; 3) Favorecer a ressocialização do autor do fato pelas vias alternativas, evitandose o pernicioso contato carcerário, bem como a decorrente estigmatização; 4) Reduzir a reincidência; 5) Preservar, sempre que possível, os interesses da vítima.
Na Bahia, por exemplo, foi aprovada a Lei Estadual n° 11.042/2008, que
instituiu dez novas centrais de acompanhamento e fiscalização às penas
alternativas, que tem como função interiorizar e difundir a aplicação desta espécie
menos aflitiva de punição.
Apesar de todos estes esforços de contenção da criminalidade, a prisão ainda
tem sido a arma mais utilizada, principalmente, para combater o grosso dos crimes
que são cometidos.
Assim, portanto, novas formas de contenção do fenômeno da criminalidade
devem ser contempladas, inclusive, como maneira lúcida de frear o excessivo
encarceramento que o Poder Judiciário – na maioria das vezes, a pedido do
Ministério Público tem promovido, sem observar, cautelosamente, as
consequências futuras.
Conforme se demonstrará, a utilização quase que exclusiva da prisão, assim
como a escassez de programas e políticas públicas para condenados e egressos, é
ineficaz para conter os índices de criminalidade, ao revés, serve como instrumento
de sua reprodução.
37
3. DISCURSOS LEGITIMADORES E DESLEGITIMADORES DA PRISÃO
3.1 DIREITO PENAL E LEGITIMAÇÃO DA PENA DE PRISÃO.
A pena privativa de liberdade se constitui uma realidade nas legislações
penais, desde o século XVIII. No entanto, antes de se encetar debate sobre suas
funções declaradas e as que, propositalmente, são ocultadas, conforme se infere
dos discursos oficiais de Política Criminal, mister se faz expor algumas teorias que
servem como esteio a este instituto do direito penal simbólico 18 .
A pena de prisão nasce do chamado direito de punir (ius puniedi), assim, portanto, é necessário compreender as transformações que esta faculdade estatal
sofreu, especialmente, na passagem da Idade Moderna para a Contemporânea.
A punição, na Antiguidade, sempre foi atribuída ao divino ou sobrenatural,
também era direito exclusivo da vítima ou dos seus familiares. Com o
desenvolvimento das civilizações, o arsenal punitivo passou a ser visto como meio
de controle da sociedade, trasladando o fundamento do direito de punir (divino ou
sobrenatural) e a titularidade para os interesses do Estado.
Assim, aperfeiçoandose as leis, lançavase ali o embrião do Direito Penal.
Logicamente, com as definições de condutas proibidas (crimes ou delitos) existia um
castigo (pena), que, em suma, visava atingir o corpo do homem, seja por meio de
mutilações, torturas ou até mesmo a própria morte.
Exatamente no período Absolutista, quando a Europa se via dividida em
monarquias e todo o poder era devido ao monarca, o direito penal teve função de
manter este poder, servindo, de fato, como “braço armado” do Estado.
18 Esta denominação tem origem nas alterações iluministas sobre o Direito Penal do século XVIII, que perduram até os dias de hoje.
38
A gravidade dos suplícios em nome da vingança pública, se fez sentir em vários países. Como relata João Bernardino Gonzaga, na Itália ‘chegouse a criar uma forma de execução que durava o número simbólico de quarenta dias. Dias após dia, tudo meticulosamente estudado, cortavase um pedaço do corpo do paciente, de modo a que somente no quadragésimo dia ele afinal expirasse. As execuções se faziam em praça pública, aos olhos do povo. Para lá transportavase o sentenciado em carroça, o que constituía, tradicionalmente, sinal de ignomínia. Era proclamado ao público o crime cometido e, a seguir, passavase à longa imposição de tormentos’. (MARQUES, 2000, p. 47)
A punição, neste período, é marcadamente uma demonstração de poder do
monarca. Ela não se fundava em nenhum postulado científico, consistia tão somente
numa exposição pública das partes do corpo do condenado e retratava a força
absoluta do poder, com o objetivoo de incutir temor na população (cf. MARQUES,
2000, p. 48).
No final do século XVIII, o clamor por mudanças legislativas era ainda contido,
quando Cesar de Bonesa, Marquês de Beccaria, publica “Dos delitos e das penas”,
uma crítica iluminista franca e direta às penas cruéis e de morte. Este livro foi
editado em momento propício, quando não mais se poderia manter o poder único e
exclusivo das monarquias, especialmente, na seara punitiva, marcada por
severidade e terror. Assim sendo, serviu de esteio para as novas legislações
européias da Ibéria ao Império Prussiano, inaugurando uma fase que os autores
denominavam de “Direito Penal Moderno ou Simbólico”.
Esta mudança foi assim identificada por Foucault (1998, p. 12):
A punição pouco a pouco deixou de ser uma cena. E tudo o que pudesse implicar em espetáculo desde então terá um cunho negativo; e como as funções da cerimônia penal deixavam pouco a pouco de ser compreendidas, ficou a suspeita de que tal rito que dava um “fecho” ao crime mantinha com ele afinidades espúrias: igualandoo, ou mesmo ultrapassandoo em selvageria, acostumando os espectadores a uma ferocidade ou que todos queriam vêlos afastados, mostrandolhes a frequência dos crimes, fazendo do carrasco se parecer com criminosos, os juízes aos assassinos, invertendo no último momento os papéis, fazendo do suplicado um objeto de piedade e admiração.
Nesse diapasão, podese dizer que toda a Europa inaugura essa nova fase.
Uma gama de garantias passa a fazer parte dos códigos, em especial, a vedação de
punições cruéis, infamantes e de morte. Desta maneira, a privação de liberdade, por
39
exclusão, seria a melhor hipótese para reprimir os ditos criminosos, respeitando os
seus mais fundamentais direitos (à dignidade, incolumidade física e vida):
O corpo encontrase ai em posição de instrumento ou de intermediário; qualquer intervenção sobre ele pelo enclausuramento, pelo trabalho obrigatório visa privar o indivíduo de sua liberdade considerada ao mesmo tempo como um direito e como um bem. (...) O sofrimento físico, a dor do corpo não são mais os elementos constitutivos da pena. O castigo passou de uma arte das sensações insuportáveis a uma economia dos direitos suspensos. (FOUCAULT, 1998, p. 14)
A prisão necessitava de fundamentação teórica, face ao rigor científico que se
apoderava da Europa, principalmente devido às contribuições iluministas.
Naturalmente, o que se quis foi legitimar o instituto da prisão, por um discurso
científico (filosófico e jurídico), tanto que a cada mudança social (e do aparato
jurídico) surge uma teoria para legitimála.
Assim, portanto, têmse, hodiernamente, três correntes teóricas: absoluta, também denominada retribucionista, vinculadas à expiação; relativas, que se divide em prevenção geral e especial; e, finalmente, as ecléticas ou unificadoras da pena.
3.1.1 Teorias Retribucionistas (Absolutas)
As teorias retribucionistas se arrimam na compensação ao crime cometido
através da pena imposta àquele que o cometeu. Através delas, sustentase que a
pena seria uma expiação do delito perpetrado. De forma sintética e simples: a pena é o mal justo ao mal injusto que é o crime.
A retribuição embora presente nas sociedades, desde a Antiguidade
(BRUNO, 1984, p. 36/37) obteve grande expressão no Estado Absolutista, o que
se infere das espetaculosas execuções e maneira como eram administradas as
punições. Naquele período, salientese, a justificativa da pena residia na vontade do
monarca e na expressão da vontade de Deus:
40
As características mais significativas do Estado Absolutista eram a identidade entre o soberano e o Estado, a unidade moral e o Direito, entre o Estado e a religião, além da metafísica afirmação de que o poder do soberano eralhe concedido diretamente por Deus. (...) A ideia de que então se tinha da pena era a de ser um castigo como o qual se expiava o mal (pecado) cometido. De certa forma, no regime do Estado absolutista, impunhase uma pena a quem, agindo contra o soberano, rebelavase também, em sentido mais que figurado, contra o próprio Deus. (BITENCOURT, 2004, p. 73)
Embora o retribucionismo tenha raízes no período do Absolutismo, com o
advento do capitalismo e do iluminismo, esta teoria servia como esteio da nova
pena (a prisão). Entretanto, acrescendo o esteio jusfilosófico, marca da época das
Luzes, afinal, “com esta concepção liberal de Estado, a pena já não pode continuar mantendo seu fundamento baseado na já dissolvida identidade entre Deus e o soberano, religião e Estado” (BITENCOURT, 2004, p. 74).
Inferese, enfim, desta teoria que, de fato, não há pretensão além da própria
compensação do mal injusto pelo mal justo, ou seja, a pena esgotase em si
mesma 19 . Nesse particular, vejase o que dizia Bettiol (2003, p. 150):
O homem deve ser punido, porque sua natureza moral postula uma punição pelo crime, para além de qualquer consideração utilitarística ou finalística. A ideia retributiva não pode ser minimizada, ou violentada na medida em que é a expressão de um dever ser que não admite compromissos de qualidade. Punitur quia peccatum é a expressão que ainda sintetiza com perfeição a necessidade de que a pena – como valor encontre em si mesma a sua razão de ser.
Com efeito, o retribucionismo preconiza o ideal de proporcionalidade entre o
delito e a pena, muito embora, nem sempre, em algumas situações, este
fundamento seja o mais adequado para melhor solução. Na verdade, a pena
retributiva ao se encerrar em si mesma, se revela como o próprio fim, inexiste outro
objetivo com sua aplicação, senão sancionar alguém por haver violado ou ferido a
Lei. Como assevera Queiroz (2001, p. 4546),
19 Como assevera Figueredo Dias (1999: p. 91): “Não se desconhece como, para o grupo de teorias agora em consideração, a essência da pena criminal reside na retribuição, expiação, reparação ou compensação do mal do crime e nesta essência se esgota”
41
a pena não serve para nada, pois sua legitimação decorre do simples fato de haver sido cometido um delito. A pena se justifica, assim, quia peccatum est (punese porque pecou), nisto esgotando o seu conteúdo.
Dentre muitas correntes defensoras deste pensar, destacamse duas: a kantiana e a hegeliana. A primeira delas é extraída da construção teórica da filosofia de Immanuel Kant (17241804), que concebia a pena como imperativo categórico,
forma única de se materializar a justiça. Para o filósofo alemão, o Direito Penal se
prestava a estabelecer um rol de condutas proibidas, que significavam limites ao
exercício da liberdade do homem em sociedade. Assim, se porventura, algum dos
cidadãos provocasse a ofensa a um destes postulados legais, somente através da
imposição da pena a Justiça se faria. Contudo, inadmitia Kant que houvesse
exceção à regra sob pena de ver toda a sociedade contaminada pela mácula da
injustiça, materializada no perdão ou na não aplicação da devida sanção. Convém
reproduzir a síntese de Puig (2007, p. 59) sobre o pensamento kantiano:
É bastante expressivo o famoso exemplo de Kant de uma ilha cuja população decidisse dissolverse e dispersarse pelo mundo, e na qual se formulasse a questão de se deveria manter a punição pendente dos delinquentes, questão esta a que o autor alemão responde da seguinte forma: ainda que resultasse de todo inútil para tal sociedade – posto que a mesma deixaria de existir – deverseia executar até o último assassino que se encontrasse na prisão, unicamente, ‘para que todos compreendessem o valor de seus atos’. Vêse aqui claramente uma consequência fundamental da concepção retributiva: segundo a mesma, a pena deve ser imposta ao delito cometido, ainda que resulte desnecessária para o bem da sociedade.
Em reforço, conclui assim Bitencourt (2004, p. 77):
A pena jurídica, poena forensis, afirma Kant – não pode nunca ser aplicada como um simples meio de procurar outro bem, nem em benefício do culpado ou da sociedade; mas deve sempre ser contra o culpado pela simples razão de haver delinquido.
A outra corrente, representada por Hegel (17701831), inaugura a chamada
retribuição jurídica, que:
Considera o crime como negação do direito e a pena negação da negação, como ‘anulação do crime, que de outro modo continuaria a valer’ e, por isso, como ‘restabelecimento do direito’. E acrescenta que inquinar esta consideração absoluta da pena com quaisquer fins de prevenção seria como ‘levantar pau contra um cão e tratar o ser humano não segundo sua honra e liberdade, mas como um cão (DIAS: 1999, p. 92).
42
Conforme afirma Pessina (2006, p.171):
O fim último da pena é negar o delito, não no significado vulgar de fazer algo que não tenha sido realizado, (...) mas no sentido de anular a desordem contida na aparição do delito, reafirmando soberania do Direito sobre o indivíduo.
Portanto, ao revés de Kant, Hegel pretender imprimir na pena retributiva a
ideia de que, ao invés de um mal, imporseá justiça através da pena, que estaria,
assim, afastandose da forma irracional que se revela na vingança, característica da
retribuição. Para o mencionado filósofo, a liberdade e a racionalidade são a base do
Direito, que é a vontade geral. Assim, o crime, enquanto vontade irracional e
particular, precisa ser neutralizado pela vontade geral racional. No dizer de
Raymond Polin apud Marques (2000, p. 62):
O essencial na pena não é seu elo de ligação com a pessoa lesada, mas sua relação lógica com a Justiça. O crime, como expressão da violação do direito, na qual se inclui a do próprio criminoso. Por isso, a vontade manifestada no crime é contraditória em si mesma. Com a punição, então, visase suprimir a existência empírica do crime, reafirmando, dessa forma, o Direito.
A pena em Hegel carrega, também, conteúdo talional. Exigese que a
reprimenda seja na medida da lesão causada, portanto, “o quantum ou a intensidade da negação do Direito, assim também será o quantum ou intensidade da nova negação que é a pena” (BUSATO, 2003, p. 208; PESSINA, 2006, p. 173174).
De maneira similar ao pensamento kantiano, a pena em Hegel não trazia
nenhuma finalidade, porque “se degrada a personalidade de quem a recebe”
(BUSATO, 2003, p. 208).
Estas são as duas correntes mais influentes das Teorias Retribucionistas,
muito embora existissem outros autores, tais como Carrara (a pena é consequência do desejo de reação face a violação do direito), Binding (pena como retribuição do mal por outro mal), Mezger (irrogação de mal que se adapta à gravidade do fato cometido contra a ordem jurídica), Welzel (retribuição justa ao valor dos atos praticados, em que se afirma um juízo éticosocial, sendo tolerada como expiação
43
justa de um ato injusto), que, não obstantes ilustres para o Direito Penal, neste particular, não lograram êxito de superar os postulados Kant ou Hegel.
Em muitos dos citados autores, notase uma revisão das ideias centrais das
principais correntes assinaladas retribucionistas, sem, contudo, haver inovação que
lhes distanciasse. Outrossim, é de matiz retribucionista a antiga ética cristã, onde a
punição do pecado se funda no castigo, havendo, assim, a sua expiação (COSTA,
2007, p. 4546; BUSATO, 2003, p. 209210; BITENCOURT, 2004, p. 80).
3.1.2 Teorias Prevencionistas (Relativas)
As teorias prevencionistas, ou relativas, nascem de dissenso em relação ao
pensamento estrito do retribucionismo, onde a pena serviria, de forma exclusiva,
para satisfação do Direito ou da Justiça 20 , sendo vazia no que tange ao sentido ou
fim atribuído à punição.
Buscase, então, com a prevenção conferir à pena um sentido, um fim, um
desiderato. Este escopo deve ser ter como meta de utilidade à sociedade, ou seja, o
criminoso deve ser submetido a uma pena que lhe oriente a permitir reingresso no
seio social. Como assevera Puig (2007, 6364):
Tratase de uma função utilitária, que não se funda em postulados religiosos, morais ou mesmo idealistas, mas na consideração de que a pena é necessária para a manutenção de determinados bens sociais (grifo original).
E prossegue:
A pena não se justificaria como mero castigo pelo mal, como pura resposta retributiva perante o delito (já) cometido, senão como instrumento dirigido à prevenção de futuros crimes. Enquanto a retribuição visa o passado, a prevenção visa o futuro. Na terminologia clássica (que desde Protágoras, passando por Platão e Sêneca, chega até Grocio) não se pune quia peccatum est, sed ne peccetur. (grifos do autor)
20 No modelo kantiano, justiça deve ser interpretada à luz da moral.
44
Um dos arautos do prevencionismo contemporâneo foi Cesare Bonsena,
Marquês de Beccaria, que, conforme dito antes, com seu livro “Dos delitos e das
penas”, inaugurou nova fase na política criminal européia (talvez, mundial). Entendia
ele que as penas deveriam ser moderadas, não por compaixão ao condenado, mas,
por força do racionalismo iluminista:
Os berros de um desgraçado nas torturas poderão tirar do seio do passado, que não retorna mais, uma ação já praticada? Não. Os castigos têm por finalidade única obstar o culpado de tornarse futuramente prejudicial à sociedade e afastar os seus patrícios do caminho do crime (BECCARIA, 1983, p. 43)
Inclusive, interessante notar a reflexão que Beccaria (1983, p. 4647) faz
sobre a funcionalidade da pena capital, quando comparada com a prisão, calcada
na prevenção:
O espetáculo atroz, porém momentâneo, da morte de um criminoso, é freio menos poderoso para o crime, do que o exemplo de um homem a quem se tira a sua liberdade, que fica até certo ponto como uma besta de carga e que paga com trabalhos penosos o prejuízo que causou à sociedade. Essa íntima reflexão do espectador: “Se eu praticasse um delito, estaria toda a minha existência condenada a essa miserável condição – essa ideia tétrica causaria mais assombro aos espíritos de que o temor da morte, que se entrevê apenas um momento numa obscura distância que diminui o seu horror.
Outro expoente, contemporâneo de Beccaria (17381794), foi Jeremy Betham
(17481832), que, também, aderiu aos postulados prevencionistas. Ressaltese que
Bentham é tido como um dos maiores defensores do utilitarismo, tanto que dedicou
boa parcela da sua vida ao desenvolvimento da Penalogia, sempre à procura de
modelos punitivos que harmonizassem a dignidade humana (leiase, proteção a
incolumidade física) com vigilância, controle e reforma do condenado 21 . No seu
“Tratado das Penas Legais”, Bentham dizia dever ser o fim das penas:
O modo geral de prevenir os crimes é declarar a pena que lhe corresponde, e fazêla executar, na acepção geral e verdadeira serve de exemplo. O castigo em que o réu padece é um painel que todo homem pode ver o retrato do que lhe teria acontecido, se infelizmente incorresse no mesmo crime. Este é o fim principal das penas, é o escudo com que elas se defendem. Considerando o delito que passou na razão de um fato isolado, que não torna a aparecer, a pena teria sido inútil; seria ajuntar um mal a outro mal; mas quando se observa que um delito impune deixaria o
21 O próprio Jeremy Bentham desenvolveu uma estrutura prisional que primava pela plena vigilância, denominda de panóptico.
45
caminho livre não só ao réu, mas a todos os mais que tivessem os mesmos motivos e ocasiões para se abalançarem ao crime, logo se conhece que a pena aplicada a um indivíduo é o modo de conservar o todo. (BENTHAM, 2002, p. 234)
Não poderia deixar de somar aos excertos citados, o que asseverou Liszt
(2005, p. 39):
A pena correta, isto é, justa, é a pena necessária. A Justiça, no direito penal, significa atenderse a uma medida de pena necessária segundo a ideia da vontade. (...) O absoluto vínculo da potestade punitiva à ideia do escopo é o ideal da justiça.
O discurso da teoria da prevenção objetiva se valer da pena como forma de
controlar os indivíduos que serão punidos e aqueles que compõem a sociedade.
Assim, portanto, fica evidente que a teoria prevencionista se distancia da
retribucionista porque seu objetivo vai além da própria pena, ademais, visa ainda
corrigir o criminoso. Muito embora, a pena ainda seja considerada como mal
necessário, igualmente para os retribucionistas (BITENCOURT, 2004, p. 81).
Convém ressaltar que os ideais de prevenção se dividem em duas vertentes: prevenção geral e especial, que, em tópicos próprios, serão devidamente analisadas.
3.1.2.1 prevenção geral.
Esta corrente é firmada na função preventiva que a punição imposta aos
delitos, devido ao princípio da legalidade 22 , exerceria sobre a comunidade,
pretendendo obter sua fidelidade em relação ao cumprimento das leis.
A prevenção geral tem suas raízes fincadas na “teoria da coação psicológica”
de Paul Johann Anselm Ritter Von Feuerbach (17751833), que é considerado o
fundador do moderno direito penal alemão. Em síntese, consiste na intimidação do
22 Pode ser assim resumido: “Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (vide artigos 1º, Código Penal, e 5°, inciso XXXIX, CF/88).
46
potencial criminoso através da imposição de penas severas. Noutros termos, o
prazer de se cometer o ilícito, advindo do fundamento psicológico da sensualidade
que é ínsita neste , seria obstado pela certeza de punição (dor, aflição) por um mal
maior: a pena (ROXIN, 2006, p. 8990). Como exemplifica DIAS (1999, p. 99100):
A alma do criminoso potencial seria assim arena onde se digladiam as motivações conducentes ao crime e as contramotivações derivadas do conhecimento do mal da pena, em definitivo importando que estas últimas sejam suficientemente poderosas para vencer as primeiras e, deste modo, contribuirem eficazmente para a prevenção.
A ideia de coação psicológica funciona como uma constante ameaça, feita
através da edição de leis penais duras. Porém, para surtir o efeito almejado,
deverá sempre contar com o efetivo cumprimento. Extraise, enfim, que a sua
única finalidade termina por ser a própria intimação, sem que possa se atribuir
qualquer outro fim à pena. Por tais razões, denominase esta doutrina de
prevenção geral negativa.
Por outro lado, a prevenção geral tem uma vertente chamada de positiva.
Este corrente parte da premissa de funcionalidade do direito penal (por conseguinte,
da pena, também) ao sistema social. Hodiernamente, Günter Jakobs é quem
representa e sustenta esta finalidade à pena criminal. Não se deve deixar de
recordar que o discurso de Hans Welzel (1997, p. 16) sobre juízo éticosocial e
Direito Penal é um dos pilares deste modelo punitivo ora defendido por Jakobs,
embora aquele se filie aos retribucionistas modernos 23 .
A pena tem a missão de manter a norma como modelo de orientação às
pessoas, não mais como meio dissuasório de comportamentos proibidos, expurga
se o caráter cogente de sua função, ou seja, distanciase das ideias de Feuerbach.
Em síntese:
A reação punitiva (a pena) tem como função principal restabelecer a confiança e reparar ou prevenir os efetivos negativos que a violação da norma (seu descumprimento) produz para a estabilidade do sistema e para a integração social. (QUEIROZ, 2006, p. 89)
23 Neste particular, interessa apontar que Zaffaroni e Batista (2003, p. 116), entendem que Welzel seria ícone duma corrente de prevenção geral positiva, por eles denominada de eticizante, distinguindo de Jakobs, que integraria outra chamada de sistêmica.
47
Trabalhase com a fidelidade do homem à norma, afinal, deverá ponderar
racionalmente sobre prós e contras em violála. A função do Direito Penal (e da
pena) será a de devolver ao sistema social conspurcado com o delito, que é tido
como ofensa à lei instituída, a normalidade.
Assim, na prevenção geral positiva em Jakobs, à guisa de conclusão, a pena:
Serve precisamente para que as expectativas normativamente fundadas não fiquem anuladas por sua defraudação, no caso concreto; para sua manutenção “contrafática”, isto é, para sua manutenção, apesar da definição como defeituosa da conduta do autor, e não da expectativa de que este se comportasse conforme a norma. A pena, portanto, consiste em uma contradição da violação da norma que se executa a custa de seu autor. (RAMOS, 2003, p. 89)
Inclusive, devese dizer, que para Mir Puig apud Mayrink (2007, p. 55), a prevenção geral, na perspectiva de Jakobs, seria uma remodelagem da retribuição.
3.1.2.2 Prevenção Especial.
A prevenção especial, ao contrário da geral, que se volta para a
coletividade, é concebida exclusivamente para determinada pessoa que cometeu
um delito (PUIG, 2007, p. 66). Assim, previnese que o delinquente volte,
novamente, a cometer futuros crimes. A finalidade da pena é de conter este
ímpeto na pessoa do criminoso.
Como informa Bitencourt (2004, p. 86) muitas são as correntes que a
defendem, desde a Escola Positiva (positivismo criminológico) de Ferri, Lombroso e
Garófalo, na Itália do fim do século XIX; a Escola Correcionalista da Espanha,
liderada por Dorado Monteiro; a Escola Moderna Alemã de Franz Von Liszt, que foi
embrião da União Internacional do Direito Penal (UIDP); e mais recentemente com
Marc Ancel e a Nova Defesa Social, que foi um movimento de proporções globais.
Destes, registrese, os mais influentes foram os dois últimos.
48
Em suma, a prevenção especial se calcará numa intervenção penal que vise
a ressocialização do homem, para tanto, moldando a aplicação às suas
peculiaridades. Na ótica de seus cultores, a função da pena é servir de instrumento
de defesa social, ou seja, deverá se incumbir a pena de proteger a sociedade, para
tanto, servindo de meio de contenção daqueles que ofendem as leis penais. A pena
se transmuta de castigo e passa a ser tratamento, que objetiva promover a
adaptação social do criminoso (URZÚA, 2005, p. 6869).
A teoria da prevenção especial parte da consideração que o autor de um delito é portador de um desvio social que demanda uma correção. A correção que compete à pena como função está relacionada às diferentes características pessoais dos sujeitos. Haverá, então, distintos momentos de reagir. (BUSATO, 2003, p. 221)
Tal qual a prevenção geral, a especial pode ser negativa ou positiva. Dizse
negativa quando a missão da punição criminal reside na profilaxia social, o
criminoso passa a ser visto como um anátema, um inimigo de toda a sociedade,
assim passando a se administrar em seu desfavor medidas que visem a exclusiva
segregação por tempo indeterminado, até mesmo em definitivo, nalguns casos,
propondo a sua execução.
O delinquente é considerado um doente, pelo que seu estudo deve estar submetido a critérios clínicos. A pena, portanto, de conotações retributivas deve ceder passo às medidas de segurança que se relacionam com a periculosidade do sujeito, mas não com a gravidade do delito. (BUSATO, 2003, p. 222)
Em muitos modelos de sistemas criados com esteio na prevenção especial,
erigiuse um arcabouço ideológico voltado para a chamada defesa social,
substituindo, pouco a pouco, penas por medidas indeterminadas, sob o manto de
que as tendências criminais (internas) não podem ser combatidas por penas com
tempo préfixado. Ou seja, pretendeuse a relativização de princípios e valores
jurídicopenais no que tange àqueles rotulados de “incorrigíveis”, “não
readaptáveis”, até se regressar a um conceito – absurdo – de criminoso nato
(QUEIROZ, 2006, p. 93).
A prevenção especial positiva se funda no princípio da ressocialização, sendo
que a execução da pena deveria ser feita com marcante interdisciplinaridade,
49
visando a recuperação do condenado. Muito embora, a matriz seja idêntica à
negativa, nesta existe maior respeito ao princípio da dignidade humana, por mais
que se tenha o criminoso/condenado como sendo um perigoso. Não sem razão Dias (1999, p. 104) afirmar ser esta também prevenção de socialização.
3.1.3 Teorias Unificadoras (Ecléticas ou Mistas).
Atualmente, as teorias ecléticas se revelam como a alternativa de correção
de equívocos das teorias absolutas e relativas, sendo, inclusive, deveras adotada
pelas legislações penais 24 . Como aponta Queiroz (2006, p. 96):
A justificação da pena depende, há um tempo, da justiça de seus preceitos e da sua necessidade para a preservação das condições essenciais da vida em sociedade (proteção de bens jurídicos). Buscase, assim, unir a justiça e utilidade, razão pela qual a pena somente será legítima à medida que seja contemporaneamente justa e útil. Por conseguinte, a pena ainda que justa, não será legítima se for desnecessária (inútil), tanto quanto se, embora necessária (útil), não for justa. Semelhante perspectiva se caracteriza, pois, por um conceito pluridimensional da pena que, apesar de orientado pela ideia de retribuição, a ela não se limita.
Consoante se infere do trecho acima reproduzido, objetivam as teorias
unitárias simplificar os postulados das outras duas matizes teóricas, congregando
pontos positivos de cada uma delas, embora, a princípio soe inconsistente tal
proposição, afinal, o retribucionismo é o oposto do prevencionismo. Assim, poder
seia, indagar como conciliar distintos valores e finalidade que se conferem à pena
criminal. Quiçá, como resposta, Molina apud Busato (2003, p. 239) afirma:
Reclamam uma pena proporcionada à culpabilidade, no marco da culpabilidade, se bem que dentro deste âmbito admitem que possam operar os princípios preventivos; o que a efeitos da graduação da pena significa: a pena ajustada a um fim, mas só no marco que oferece a ‘retribuição justa’; a pena justa ou dita de outro modo: a retribuição será o ‘limite máximo’ da prevenção.
24 O Brasil, por exemplo, inseriu no art. 59, Código Penal, função unificadora à pena (repressão e prevenção)
50
A construção de uma teoria dos fins da pena eclética implica na admissão de
uma doutrina diacrônica: a ameaça abstrata (lei penal) é manifestação da prevenção
geral; após, no instante em que o Poder Judiciário fosse impor a pena,
fundamentado na culpabilidade do agente, atribuirseia efeito retributivo; por fim,
quando da execução, orientandose por valores políticocriminais de
ressocialização, a prevenção especial (DIAS, 1999, p. 109).
Zaffaroni e Batista (2003, p. 140141) afirmam que tais teorias mistas, além
de incoerentes do plano da construção teórica, se revelam mais autoritárias que as
próprias teorias puras e configuram a “entrega do direito penal à arbitrariedade e
consequente renúncia à sua função mais importante” (a solução do conflito
jurídicopenal).
Dentre as várias correntes de teóricos que reafirmam as teorias mistas como
sendo a solução para as mazelas da retribuição e prevenção, destacase o
pensamento de Claus Roxin, através da denominada “Teoria Dialética Unificadora”,
consoante aponta Queiroz (2006, p. 97) 25 , que assevera:
Para Roxin, a finalidade básica do direito penal é a prevenção geral subsidiária de delitos (positivanegativa). Prevenção geral porque fim da norma penal é, essencialmente, dissuadir as pessoas do cometimento de delitos e, consequentemente, atuarem conforme o direito; subsidiária porque o direito penal somente deve ter lugar quando fracassem outras formas de prevenção e controles sociais (...). Mas não apenas prevenção negativa, pois, segundo Roxin, cabe ao direito penal também fortalecer a consciência jurídica da comunidade, intervindo, assim, positivamente.
Arremata Queiroz (2006, p. 97), dizendo que, para Roxin, a prevenção especial é o último fim da pena, no sentido de intimidar o condenado a não reincidir. O próprio autor alemão fundamenta a sua teoria unificadora, nos seguintes termos:
As teorias monistas, quer atendam à culpabilidade [retribuição], à prevenção geral ou à especial, são necessariamente falsas, porque quando se trata da
25 Neste particular, na doutrina penal brasileira, há divergência quanto à classificação, pois em BITENCOURT (2004, p. 90), percebese que o autor faz críticas às teorias mistas, se valendo do texto de Roxin. Além disso, o rotula como sendo defensor de uma teoria da prevenção geral, que, inclusive, adiciona o termo limitadora (BITENCOURT, 2004, p. 94). Neste trabalho, entendese que o referido autor não anda bem, sem desmerecer sua autoridade, ao divergir dos demais, especialmente, porque o próprio Claus Roxin (2006, p. 103), em seu manual, sustenta que a teoria das penas deve congregar valores preventivos gerais e especiais, o que, enseja, na adoção duma teoria de cariz misto.
51
relação do particular com a comunidade e com o Estado, a realização estrita de um só princípio ordenador tem forçosamente como consequência a arbitrariedade e a falta de verdade.(...) Vimos, de início, quais os seus resultados nas teorias das penas: a intimidação unilateral, o tratamento do delinquente sem restrições e no sentido da adaptação social e a ampla retribuição da culpabilidade obedecendo a um mandado metafísico, convertem o direito penal em um lugar de força protetora e constritiva, num instrumento de opressão que escraviza a mentalidade. A história do direito penal, é de resto, claramente ilustrativa a este respeito. (1998, 4344)
Também, não pretende o autor alemão fazer uma adição de todas as teorias
legitimadoras existentes como solução a este secular problema do fim das penas.
Pugnase por uma teoria que se aproxime da realidade social, não permaneça
somente num mundo de abstração, mas que possa ser utilizada como forma de
resolver a inidoneidade daquele que violou as normas de convivência da
comunidade, e que esta pessoa possa ser submetida ao tratamento mais adequado
sem que sua intimidade seja conspurcada, afinal, é integrante desta mesma
comunidade.
Destacase, ainda, que a punição somente virá a ter efeito se necessária ao
sistema social. Reconhecese que esta aproximação entre ideia do homem e
realidade é o maior ponto de conflito, por isso adotase a prevenção geral, que
primará por fixar padrões mínimos de condutas proibidas, sempre vinculada aos
preceitos constitucionais de uma comunidade.
Por conseguinte, em sede de aplicação prática do Direito Penal, a punição
iria ser regulada pelos interesses do sistema social, ou seja, a prevenção especial
estaria voltada para um ideal de ressocialização, pautada em parâmetros
constitucionais, que impediriam abusos e exageros no tratamento do condenado.
Interessante, também, deste conceito roxiniano é que o tratamento penal (punição)
deve estar limitado, sem ver ou ter o desviante (criminoso) como inimigo a ser
vencido, pois, é tão interessante para ele como para a comunidade que a pena a ser
imposta não o fira. E, principalmente, preserve os ideais de humanidade, entre eles,
a intimidade, posto que servirá de elemento impulsionador da recuperação da
idoneidade do mesmo.
52
Mas, enfim, podese dizer que o maior mérito da teoria unificadora dialética
de Roxin, segundo a doutrina brasileira, reside em afastar do seu conceito eclético a
ideia de retribuição 26 . Ou seja, somente combina as espécies de prevenção (geral e
especial), o que, também é defendido por Dias (1999, p. 111 e 135), inclusive como
modelo ideal a ser seguido em Portugal.
3.2 TEORIAS DESLEGITIMADORAS DA PENA DE PRISÃO.
A sugestão de Beccaria de se adotar o encarceramento das pessoas como
forma generalizada de se punir ecoou por todo o globo, como já assinalado antes;
porém, é verdade que não é uma unanimidade. Desde a década de sessenta, no
século XX, alguns pensadores reveem o aprisionamento humano, desnudando as
suas negativas repercussões para a vida do preso e da sociedade. Cada vez mais
se percebe a distância entre o discurso e a realidade.
Nesse sentido, a Criminologia Crítica 27 28 reúne pensadores de distintas
vertentes, origens profissionais e nacionalidades, propondo a ruptura com o
modelo punitivo vigente. Concluíram que o Estado não é ente legitimado para
poder usurpar a dor da vítima e impor ao indivíduo infrator o sofrimento (castigo)
que ele (Estado) acha e entende como necessário. Em síntese, as práticas
26 Em sentido contrário, anota Selma Pereira de Santana (2006, p. 325), citando Anabela Rodrigues, que Roxin, embora afaste o princípio da compensação de culpa e ao estabelecer a culpa como limite máximo da pena, não consegue verse livre de críticas da sua teoria do fim das penas ser tida como versão modernizada da retribuição. 27 É digno registrarse ou Vale ressaltar que é comum que se adotem nomenclaturas diversas: criminologia radical, nova criminologia, criminologia de reação social, política criminal alternativa, etc. Na verdade, os pensadores que integram a corrente criminológica, necessariamente, não formam um grupo voltado para tal objeto; contudo, a similitude de ideais e convergência de ideias – o que não exclui divergências pontuais – é a marca desta vertente crítica ao establishment. Leiase: ARAÚJO, João Marcelo (org.). Sistema penal para o terceiro milênio – Atos do colóquio Marc Ancel. Rio de Janeiro: Editora Revan, 1991. 28 Importante contribuição à teoria criminológica da pena se encontra na construção de Howard Becker do labelling approach (teoria do etiquetamento), fruto do interacionismo simbólico da Escola de Chicago, que constrói um mundo a partir da percepção do rotulado, analisando as regras sociais e aplicação prática destas regras (SANTOS, 1981, p. 1314), ver também tópico infra.
53
punitivas estatais são seletivas e reproduzem a criminalidade que se arvorou deter
(QUEIROZ, 2001, p. 60) 29 .
As principais críticas à pena criminal se manifestam, segundo Santos (2005,
p. 14), em duas vertentes distintas: a teoria negativa ou agnóstica da pena, elaborada por Eugênio Raúl Zaffaroni, e Nilo Batista; e na teoria materialística ou dialética da pena, representada, principalmente, por Pausukanis, Rusche,
Krichheimer, Melossi, Pavarini, Baratta; no Brasil, por Juarez Cirino dos Santos e
Vera Regina Pereira de Andrade. Embora estas teorias divirjam quanto aos
métodos, têm um propósito comum em desconstruir o ideário punitivo atual.
A teoria negativa ou agnóstica da pena se pauta em se contrapor ao avanço
do Estado de polícia, inserto nas estruturas do Estado democrático de direito,
comprovado no fracasso das teorias positivas das penas. Portanto, pretendese,
com a negação de tais teorias, fixar horizontes ao direito penal por meio de
agências judiciais que sirvam de redução do poder punitivo estatal.
Dizem os defensores desta teoria que “a pena é uma coerção, que impõe
uma privação de direitos ou uma dor, mas não repara, nem restitui, nem tampouco
detém as lesões em curso ou neutraliza perigos iminentes” (ZAFFARONI, 2003, p.
99). Extraise o seu conceito por exclusão: a pena constitui exercício de poder.
Tratase de um conceito de pena que é negativo por duas razões: a) não concede qualquer função positiva à pena; b) é obtido por exclusão (tratase de coerção estatal que não entra no modelo reparador nem no administrativo direto). É agnóstico quanto à sua função, pois confessa não conhecêla. Essa teoria negativa e agnóstica da pena permite incorporar as leis penais latentes e eventuais ao horizonte do direito penal e, por conseguinte, fazer delas sua matéria, assim como desautoriza os elementos discursivos negativos do direito penal dominante. (grifos dos autores) (ZAFFARONI, 2003, p. 99100)
29 Não interessa, nesta pesquisa, incursionar sobre as correntes abolicionistas, que negam legitimidade do sistema e comungam dos mesmos valores dos postulados críticos da criminologia. No entanto, radicalizam quanto à necessidade da existência do direito e sistema penal, propondo, em suma, a total extinção de ambos, substituindoos por outras instâncias de solução de conflitos. Neste tópico, somente limitarseá a discussão sobre a pena, especialmente, a prisão. Para maior aprofundamento sobre o abolicionismo: ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. Tradução de Vânia Romano Pedrosa e Amir Lopes da Conceição. Rio de Janeiro: Editora Revan, 1991; PASSETTI, Edson (org.). Curso livre de abolicionismo penal. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2004; PASSETTI, Edson. Anarquismos e sociedade controle. São Paulo: Cortez, 2003.
54
Com este pensar, Nilo Batista e Eugênio Raúl Zaffaroni declaram
francamente a falácia das teorias positivas da pena, porque se revelam como
incapazes de cumprir suas promessas e ofertar soluções adequadas ao modelo
democrático assumido pela maioria dos Estados modernos, afinal, a punição tem
fundamento político. Portanto, apesar de existirem as leis penais, a sua
interpretação e aplicação justa são pontos eficazes na contenção da excessiva
seleção e criminalização de classes sociais vulneráveis (ZAFFARONI, 2003, p. 108).
A construção desta teoria é bem próxima da realidade ou por meio dela,
propõese a desconstrução do sistema de injustiças e abusos às classes
vulneráveis sem que requeiram mudanças estruturais do sistema penal 30 ou da
legislação vigente. Pugnase, para tanto, a construção de um novo Direito Penal:
A partir de uma teoria negativa de toda função manifesta do poder punitivo e agnóstica a respeito de sua função latente: a pena (a e todo o poder punitivo) é um fato de poder que o poder dos juristas pode limitar e conter, mas não eliminar. Uma teoria do direito penal que o programe para limitar e reduzir o poder punitivo até o limite do poder das agências jurídicas é racional porque se orienta para o único objetivo possível dentro de seu âmbito decisório programável. Não se pretende legitimar o poder de outros, mas legitimar e ampliar o poder jurídico, o único cujo exercício é capaz de verse orientado, tendo em vista que as agências jurídicas não dispõem diretamente de qualquer outro. (ZAFFARONI, 2003, p. 109110)
Notese que na construção desta teoria os autores não investigam a prisão,
especificamente, que, por certo, lhes renderia outra série de argumentos em
desfavor do modelo vigente. O referencial adotado é distinto da orientação
materialista, pois não se pretende mudar o sistema, somente conter os excessos,
embora se reconheça que estes ainda se farão presentes 31 . Ressalvese que estes
sempre negam legitimidade ao direito de punir do Estado, somente admitem a sua
existência e vigência e constroem a sua teoria dentro desta perspectiva.
O discurso de origem marxista, concebido na crítica materialista à pena
criminal, objetiva por analisar as repercussões do Direito Penal forjado pela ideologia
30 Leiase: as agências estatais que cuidam da vigilância e aplicação da lei penal (polícia, ministério público, instituições totais) 31 Santos (2005, p. 18) tece críticas ao abandono de importantes referenciais da Criminologia Crítica pelos autores para confecção da teoria negativa ou agnóstica da pena.
55
capitalista. E nisso, a pena, como consequência jurídica do crime, é ferramenta
essencial de controle social dos homens.
Rusche e Kirhheimer (2004, p. 20) já diziam que “todo sistema de produção
tende a descobrir formas punitivas que correspondem às suas relações de
produção”. E o capitalismo, como sistema produtivo não fugiu à regra. Adotouse
como padrão, o encarceramento dos homens. O pagamento do crime se daria na
usurpação do tempo livre. Segundo Santos (2005, p. 19), seria a pena de prisão a
forma de retribuição equivalente devido:
Aos seus fundamentos materiais e ideológicos das sociedades fundadas na relação capital/trabalho assalariado, porque existe como ‘forma de equivalência’ jurídica fundada nas relações de trabalho das sociedades capitalistas contemporâneas.
Ou, ainda, como pontuou Pausukanis (1989, p. 158):
A privação da liberdade, ditada pela sentença do tribunal, por um certo período de tempo é a forma específica pela qual o direito penal moderno, burguêscapitalista, realiza o princípio da reparação equivalente. Essa forma está inconscientemente, embora profundamente, ligada à representação do homem abstrato e do trabalho humano abstrato avaliados em tempo. Não foi por acaso que esta modalidade de apenamento foi implantada e tida como natural precisamente no século XIX, ou seja, em uma época na qual a burguesia pôde desenvolver e aprimorar todas as suas características. (...) Para que a ideia de possibilidade de reparar o delito com a privação de um quantum de liberdade pudesse nascer foi necessário que todas as formas concretas de riquezas social estivessem reduzidas à forma mais abstrata e simples – o trabalho humano medido em tempo.
E, apesar de haver escrito sua obra na década de vinte, retrata hipótese
similar aos dias de hoje sobre a pena, delinquente e ressocialização:
As questões sobre a reforma penitenciária só interessam a um pequeno grupo de especialistas. Ao contrário, a questão que, para o público, se o encontra no centro de suas atenções é a de saber se a sentença corresponde ou não à gravidade do delito. Para a opinião pública, desde que o tribunal tenha determinado corretamente o equivalente, tudo está regulamentado, e o destino ulterior do delinquente não interessa quase a ninguém.
A despeito disto, a escolha pela prisão devese à adoção de política de
controle social através da violência, ademais, os efeitos desta espécie de pena são
56
antagônicos àqueles que declarados pelo sistema penal, conforme adverte
Guimarães (2007, p. 7071):
Assim, ao invés de combaterse a injustiça social, pedra de arrimo da violência estrutural – essencial ao capitalismo – e causa de grande parte das mazelas sociais, combatese através do sistema penal sua consequência, qual seja, a crescente e incontrolável onda de violência criminal, haja vista que seria, no mínimo, um paradoxo, que o poder combatesse algo que é pressuposto de sua existência. (...) Ademais, é exatamente no cárcere, em razão dos efeitos produzidos serem contrários aos oficialmente almejados – prevenção geral e especial – que se consolidam as carreiras criminosas, vez que há a introjeção da cultura delinquencial, ou seja, os detentos e reclusos em razão do longo tempo expostos aos malefícios imanentes à privação da liberdade acabam por assumir atitudes, modelos de comportamentos e valores característicos da subcultura carcerária.
Finalmente, temse em Baratta (1997, p. 190) a perfeita conclusão da crítica
materialista a esta problemática:
Em suma, é impossível enfrentar o problema da marginalização criminal sem incidir na estrutura da sociedade capitalista, que tem necessidade de desempregados, que tem necessidade por motivos ideológicos e econômicos, de uma marginalização criminal.
Seguramente, “a pena como retribuição equivalente representa forma de punição específica e característica da sociedade capitalista, que deve perdurar
enquanto subsistir a sociedade de produtores de mercadorias” (SANTOS, 2005, p.
24), o que revela predicados de seletividade e desigualdade inerentes ao direito e ao
sistema penal.
3.3 RESSOCIALIZAÇÃO: DICOTOMIA ENTRE O DISCURSO E A REALIDADE.
De acordo com o exposto, extraise que o ideal reinante, inclusive na
Constituição Federal de 1988, é de que pena privativa de liberdade possa promover
a ressocialização do criminoso já condenado.
57
Com efeito, o ideal de ressocialização constitui uma quimera. O histórico da
prisão credencia que se decrete a sua falência. Aliás, declarase este ideal, no
entanto, ocultamse outros mais perversos, que implicam no oposto.
Para compreender que o discurso dos que defendem a prisão é falso, porque
irrealizável, é preciso fazer algumas digressões para chegar à conclusão de que o
cárcere serve como forma de se estigmatizar pessoas, que foram previamente
selecionadas pelo sistema punitivo.
Toda estrutura social moderna é dividida em classes econômicas. O sistema
de produção capitalista vigente termina por criar lacunas cada vez maiores entre
elas, implicando em uma grande diferença sócioeconômica e cultural. Devido a
estes choques de interesses entre as classes, há evidente proscrição de condutas
comuns a certos grupos sociais (independendo de serem de classes dominantes ou
dominadas, contudo, as diferenças revelamse mais entre as segundas). Tais
condutas passam a ser repudiadas (punidas) pelo grupo social mais forte, por serem
contrárias ao seu padrão e interesses; portanto, nasce a “conduta desviante” (DIAS
E ANDRADE, 1997, p.4852; CUÑARO, 1992, p. 2730).
Esta, necessariamente, não tem natureza delitiva, embora algumas delas
integrem as leis penais. No instante em que determinada conduta humana passa a
ser tida como nociva ao tecido social, utilizase a produção de leis criminais para
poder segregar os infratores e tentar assim se evitar a repetição do indesejável.
Acionase assim o Sistema Penal (SP). Complementa Andrade (2003, p. 423)
conceituandoo e apontando seus limites:
O sistema penal não se reduz ao complexo estático de normas penais, mas é concebido como processo articulado e dinâmico de criminalização ao qual concorrem todas as agências do controle social formal, desde o Legislador (criminalização primária), passando pela Polícia, Ministério Público e a Justiça (criminalização secundária) até o sistema penitenciário e os mecanismos de controle social informal (família, escola, mercado de trabalho, mídia).
A conduta passará a ser um rótulo para aqueles que a praticam algo que os
discernirá dos “normais” (nos padrões estabelecidos em sociedade); caso esta
conduta componha o grupo integrante das leis penais, o sujeito está selecionado a
58
integrálo (BISSOLI FILHO, 1998, p.180). Surge a rotulação e seleção de
determinados grupos (frisese, que, em regra, sempre são os mais débeis) 32 .
Ressalvese que a vulnerabilidade destes não é necessariamente por causa da lei,
afinal, vivese sob a égide do postulado capitalista da igualdade jurídica; contudo, a
ruptura desta isonomia dáse na distribuição e aplicação da justiça criminal
Consoante exposto, passará o selecionado a sofrer uma criminalização
primária (prática de ato tido como crime), então, ele será submetido a um outro
processo: o contato com as agências de controle e vigilância: a Polícia, o Ministério
Público, o Poder Judiciário e os Estabelecimentos Penitenciários (BISSOLI FILHO,
1998, p. 181182).
Como se percebe, a marca de criminoso faz parte daquele submetido a estes
processos, pois a integração social primária é de repúdio pela sua conduta,
seguindo de exposição e segregação, conduzindo o sujeito a uma aceitação de sua
realidade nova (PAVARINI, 1995, p. 118).
Sem dúvida, o rotulado passa a se ver como foi identificado pela sociedade
um delinquente, como foi tratado pelas agências de controle social formal. Ademais,
os ritos da polícia judiciária 33 , do sumário de culpa (processo penal) e o trato na
prisão (pelos detentos e funcionários) levam a esta adoção da carreira criminal.
32 Assim diz Andrade (2003, p. 41): “Uma conduta não é criminal ‘em si’ (qualidade negativa ou nocividade inerente) nem seu autor um criminoso por concretos traços de sua personalidade ou influências do meio ambiente. A criminalidade se revela, principalmente, como um status atribuído a determinados indivíduos mediante um duplo processo: a ‘definição’ legal de crime, que atribui à conduta o caráter criminal, e a ‘seleção’ que etiqueta e estigmatiza um autor como criminoso entre todos aqueles que praticam tais condutas.(...) Por isso, mais apropriado que falar da criminalização (e do criminalizado), e esta é uma das várias maneiras de construir a realidade social”. E prossegue: “Esta tese, da qual provém sua própria denominação (‘etiquetamento’, ‘rotulação’), se encontra definitivamente formulada na obra de Becker (1971, p. 19), nos seguintes termos: ‘os grupos sociais criam o desvio ao fazer as regras cuja infração constitui o desvio e aplicar ditas regras a certas pessoas em particular e qualificálas de marginais (estranhos). Desde esse ponto de vista, o desvio não é uma qualidade do ato cometido pela pessoa, senão uma consequência da aplicação que os outros fazem das regras e sanções para um ‘ofensor’. O desviante é uma pessoa a quem se pode aplicar com êxito dita qualificação (etiqueta); a conduta desviante é a conduta assim chamada pela gente’. 33 Polícia Judiciária seria as Polícias Civil e Federal, instituições constitucionalmente encarregadas de investigar delitos, cumprir mandados judiciais, instaurar inquéritos policiais, efetuar registros de criminosos, etc.
59
Goffman (1992, p.23, 69) já tratava deste assunto ao analisar a vida em
prisão e instituições totais. O rótulo vira estigma. O preso nunca mais é visto como
um cidadão comum; distintamente da vida extramuros, às normas a que é
submetido, o lento processo penal enseja a uma ausência de escolhas e aceitação
tácita desta nova realidade.
Símbolos de estigma, ou seja, signos que são especialmente efetivos para despertar a atenção sobre uma degradante discrepância de identidade que quebra o que poderia, de outra forma, ser um retrato global coerente, com uma redução consequente em nossa valorização do indivíduo. (GOFFMAN, 1988, p. 53)
A prisão é um estigma que persiste e provoca menoscabo da imagem do
condenado ou do egresso. Qualquer deste terá sempre a desconfiança alheia
pensando sobre si, se, porventura, ainda é um criminoso, agora melhor preparado,
inclusive, ou, se, por absurdo (uma exceção), foi ressocializado. Como afirma
Mayrink (2007, p.49), a macrossociedade teme que o liberado [egresso do cárcere] reincida e não acredita em sua mudança de postura crítica em relação a ela.
Há no inconsciente coletivo a ideia de que a prisão não ressocializa,
entretanto, conscientemente, ela é sustentada por quem lhe censura
inconscientemente. Um paradoxo. Semelhante à ideia de resocializar alguém, privandolhe a oportunidade de relacionarse com outros seres humanos.
É possível se indagar se o sistema punitivo na prisão é a decisão mais
acertada. Assim como, se a reclusão de alguém seria, verdadeiramente, a melhor
forma de se “ressocializar”. A resposta parece ser negativa. Cervini (1991, p. 30) diz
que é praticamente impossível educar alguém a ser livre prendendoo. É um fato.
Uma verdade. Salientese que, aliado ao grave quadro revelado, o tratamento
carcerário é extremamente prejudicial ao ideal de reinserção social. Ou, como disse
Baratta (1997, p. 186) tecendo comentários sobre a relação entre sociedade e preso:
Antes de tudo, esta relação é uma relação entre quem exclui (sociedade) e quem é excluído (preso). Toda técnica pedagógica de reinserção do detido choca contra a mesma natureza desta relação de exclusão. Não se pode, ao mesmo tempo, excluir e incluir.
60
A vida intramuros impõe uma nova realidade ao condenado Existem regras
de convivência próprias entre os presos e dos presos para com o corpo diretivo. Há,
por certo, uma cultura do encarceramento, que afasta deveras alguém da vida em
liberdade (MUÑOZCONDE, 1999, p. 97102). Na perspectiva de Santos (2005, p.
28), a prisão só ensina a viver na prisão. E prossegue asseverando que ela “prisionaliza o preso que, depois de aprender a viver na prisão, retorna para as mesmas condições sociais adversas que determinaram a criminalização anterior”
(SANTOS, 2005, p. 28).
Temse visto que é quase impossível se valer da prisão como forma de
ressocializar ou reintegrar. Cabe, ainda, apontar que tais metas, tão anunciadas nas
legislações criminais de várias nações, contudo, são falsas premissas. O sistema
penitenciário não é concebido para tal fim. Aliás, com perspicácia, afirma Muñoz
Conde (1999, p. 91) que “o termo ressocialização se converteu em uma palavra da
moda que todo mundo emprega, sem que ninguém saiba muito bem o que é, que se
quer dizer com ela”.
Conforme dito anteriormente, o homem selecionado ao ser preso e
processado passa por um processo de criminalização, nascendo dali um estigma,
ele passa a ser visto pelos demais membros da sociedade como um celerado, um
marginal, o verdadeiro “criminoso nato”. Este primeiro processo, ganha contornos
mais definidos com uma eventual condenação, configurandose, assim, a
criminalização secundária. Poderseia dizer que a sentença criminal condenatória é
a certidão de nascimento do selecionado e estigmatizado.
Aquele “criminoso”, que ainda – formalmente tinha a seu favor o princípio da
inocência, passa a ser a confirmação do que todos previam: o inimigo social, o
anátema. Inclusive, esta perspectiva não é somente da sociedade para o
condenando, mas é compartilhada, pois o próprio condenado assume o papel que a
sociedade lhe atribui de criminoso.
Assim, a exclusão e seleção que o Direito Penal faz utilizando a prisão,
direcionado, em suma maioria, às populações mais debilitadas economicamente – ou
como afirmam Zaffaroni e Batista (2005, p. 47) os mais vulneráveis ao sistema penal –
61
criam entre estes grupos a marginalização. E mais, o estigma permanece, mesmo
após de cumprida a pena. Tais funções do cárcere são “reproduções das relações
sociais e manutenção da estrutura vertical da sociedade” (Baratta, 1997, p. 175).
Portanto, resta esclarecido que a verdade do cárcere é mais dura do poderia
parecer. Os condenados enfrentam preconceitos que, em muitos casos, os impedem
de voltar a sentiremse cidadãos, optando, por vezes, pela carreira criminosa.
Alessandro Baratta (1997) sustenta que deve ser implementada uma maior
integração cárceresociedade, assim como a despenalização de algumas condutas,
a criação e proposição de novas formas de se punir, sem, contudo, ferir a dignidade
humana. Assim ensinava o professor italiano que “parece importante insistir no princípio político da abertura do cárcere para a sociedade e, reciprocamente, da abertura da sociedade ao cárcere” (BARATTA, 1991, p. 254).
A pena de prisão tem se prestado, na maioria das vezes, para servir de local
onde devem ser enviados os celerados; porém, esta aparente desídia é substituta da
raiva e ódio. Benevistes apud Messuti (2003, p. 19) “assinala que a origem do termo em grego era poine, que correspondia exatamente ao significado de vingança, ódio: a retribuição destinada a compensar um crime, a expiação de sangue”. Ou, como
reclamava Ernest Von Beling (2007, p. 8384), já no liminar século XX:
Pena é textualmente retribuição (é retribuição in malam partem, assim como “prêmio” o é in bonam partem). A ideia de retribuição imprime sua marca nos direitos penais existentes. Quando na história jurídica universal a pena substituiu a vingança, não surgiu em lugar da retribuição algo diferente, mas apenas em lugar da retribuição instintiva, ilimitada e apaixonada, nasceu uma retribuição aperfeiçoada (“objetivada”).
Pretendese manter o cárcere como ele é, porque não se quer “ressocializar”
ou “reintegrar”. Estes são verbos empregados num discurso falso, que se
demonstrou vazio porque é divergente da realidade.
Concluise, portanto, que a função da pena tem sido retributiva, como era
desde os primórdios da história humana. Ou seja, o sentimento de vingança, na sua
essência, não mudou. Qualquer avanço somente será possível se houver um
62
rompimento com a perversa realidade da prisão, na esteira do que ensinou Baratta
(1997), se inovar no tratamento da questão criminal e penitenciária.
Outro ponto que merece enfoque nesta discussão sobre a ressocialização
reside nos limites que terá o Estado para impor o programa destinado a tal escopo,
uma vez que as nações adotaram o modelo do Estado Democrático de Direito, o que
implica em assunção irrestrita do princípio da dignidade da pessoa humana.
A Constituição Federal do Brasil traz, no seu art. 1°, inciso III, o dever de
propalar e defender sempre a humanidade 34 . O conceito de ressocialização é ainda
algo deveras abstrato que não se definiu com clareza necessária, podendo esbarrar
neste postulado constitucional.
O que, portanto, deve ser tido por ressocializar? Quais seriam as suas
fronteiras? Tais questões devem ser respondidas levandose sempre em
consideração que se vive numa democracia, onde é lícito se adotar posturas
internas sem que isso implique em eventual ofensa às normas e leis instituídas pelo
próprio Estado. Indagase isto, pois houve, há e haverá sempre interesse em se ter
o criminoso encarcerado como “marionete” do sistema penal, afinal, o seu
afastamento do meio social deveuse, por assim dizer, a uma falta para com os
valores petrificados em normas penais.
Então, temse, no senso comum, que ele somente poderá retornar ao
convívio social se devidamente submetido a uma punição que, preferencialmente, o
“ressocialize”, o docilze, como diria Foucault, torneo “bonzinho” de novo, façao acreditar, convictamente, que errou e se arrepende do mal por ele provocado.
Até onde poderá, num Estado Democrático de Direito, se submeter,
compulsoriamente, aquele que cometeu um delito à alteração da própria
personalidade? Assevera Nuvolone (1981, p. 266) ao discutir esta questão na
esfera do Direito Penal italiano que:
34 Talvez seja o maior legado do iluminismo depois da racionalidade.
63
O castigo pelo crime é legítimo, mas a modificação de uma personalidade não doente, para “normalizála”, segundo as linhas vetoras da maioria, poderia não ser legítima, porquanto incidiria no direito que cada um tem de ser o que é.
Somese, ainda, a este impasse os meios que se imporiam para atingir tal
meta, que, seguramente, ofenderiam a dignidade da pessoa humana, em especial, o
direito à intimidade e ao princípio da lesividade ou ofensividade 35 .
Portanto, temse evidenciado que o ideal de ressocialização é uma quimera
desejada pelos cultores da prisão enquanto pena, sonhada pelos idealistas deste
modelo vigente, porém, algo nunca atingido como fruto da punição pelo
encarceramento, muito embora, seja possível se colher impressões e exemplos de
alguns poucos que, após determinado período de encarceramento, regressaram
devidamente “ressocializados”. No entanto, estes integram a exceção, e não a regra.
35 Como conceitua Queiroz (2006, p. 59): “Somente podem ser erigidos à categoria de criminosos comportamentos lesivos de bem jurídico alheio (por isso também conhecido como princípio de exclusiva proteção de bens jurídicos), público ou particular, entendendose como tal os pressupostos existenciais e instrumentais de que a pessoa necessita para a sua autorrealização na vida social, não comportando a criminalização de condutas que não ofenda, seriamente, bem jurídico determinado ou que representem má disposição de interesse próprio (...)”.
64
4. PRISÃO E CAPITALISMO: DO MERCANTILISMO À ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL.
4.1 O NASCIMENTO E EVOLUÇÃO DA PRISÃO NA SOCIEDADE CAPITALISTA.
A adoção do direito penal como forma institucionalizada de controle social se
consolidou desde a formação dos estados nacionais europeus. A presença das leis
já se fazia sentir, pouco a pouco, como algo relevante naquelas sociedades, apesar
de se viver sob a supremacia da vontade do soberano, o absolutismo.
No entanto, com o seu declínio e a ascensão dos burgueses ao poder, o que
implicou numa mudança de rumo do modelo econômico vigente, se impuseram
mudanças de costumes, pensamento e até mesmo comportamentos. Assim, o
descortinar deste novel período inaugurou transformações profundas e intensas nas
sociedades européias e, por repercussão, em todo o globo terrestre.
Consoante anunciado ao longo desta dissertação, não poderiam mais se
manter as práticas punitivas que atravessaram os séculos: as sanções corporais,
cruéis e a capital. Exigiase uma nova forma que contemplasse o respeito aos
direitos mais comezinhos do ser humano. E, na prisão, achouse algo além disso.
As raízes do cárcere estão fincadas muito tempo antes da sua existência
propriamente dita, enquanto instituição exclusivamente destinada aos condenados
da justiça criminal. No primeiro momento, a prisão esteve diretamente a serviço do
modelo econômico capitalista embrionário, pois foi alavanca para moldar as mentes
com o valor de que, a partir dali, o trabalho seria o elo do homem à sociedade, não
mais a terra.
O homem passaria a ser visto como fonte de trabalho e a sua única forma de
sobreviver à miséria e a fome seria por meio da mercancia desta energia em troca
de dinheiro.
65
Os séculos XVI, XVII e XVIII serviram como período preparatório para o
ingresso definitivo do capitalismo como modelo econômico reitor dos Estados.
Conviveuse nestes trezentos anos com as mais diversas realidades, países que
conseguiram impor limite ao poder dos seus reis e rainhas e outros que tiveram que
conviver com isto.
De fato, o que se pode constatar como elemento incomum das nações
européias era que a maioria da população vivia da terra, ou seja, a força produtiva
estava no campo, como expôs Hobsbawm (2004, p. 28):
O mundo em 1789 era essencialmente rural e é impossível entendêlo sem assimilar este fato fundamental. (...) De fato, fora algumas áreas comerciais e industriais bastante desenvolvidas, seria difícil encontrar um grande Estado europeu no qual ao menos quatro de cada cinco habitantes não fossem camponeses. E até mesmo na Inglaterra, a população urbana só veio a ultrapassar a população rural pela primeira vez em 1851.
Na última década do século XVIII somente duas cidades européias se
destacavam, Londres, com uma população em torno de um milhão de pessoas e
Paris, com a metade (HOBSBAWN, 2004, p. 28). Por certo, alguns traços do
feudalismo permaneciam em regiões do continente europeu, no que concerne ao
desenvolvimento da economia agrícola.
Na Inglaterra, este pensamento foi superado rapidamente, pois ainda este
período se destacara pelo desenvolvimento de uma agricultura puramente
capitalista 36 . Além disso, com o controle das colônias norteamericanas, que
exportavam matériaprima com preço de custo mais barato e em grande quantidade.
Importantes rotas econômicas foram criadas, sendo cruciais para a difusão
destes produtos por toda a Europa, incrementando e integrando os mercados.
Concomitantemente, em reforço, desenvolviase o pensamento científico, o
iluminismo, que se voltou, em grande parte, aos interesses comerciais e industriais
(HOBSBAWM, 2004, p. 40).
36 Polanyi (2000, p. 52) revela que, na Inglaterra, já no século XV, o capitalismo tinha semeadas suas raízes: A indústria caseira já se difundia na segunda metade do século XV, e um século mais tarde ela já era um aspecto marcante no campo.
66
Não obstante este ambiente se construía em prol do sistema capitalista, que
mais adiante seria projetado na Revolução Industrial em 1848. As economias
européias se encaminhavam para uma nova sociedade, regida pelos mercados, de
forma livre e autorregulável, embora isso fosse contido há mais de duzentos anos:
A partir do século XVI, os mercados passaram a ser mais numerosos e importantes. Na verdade, sob o sistema mercantil, eles se tornaram a preocupação principal dos governos. Entretanto, não havia ainda sinal de que os mercados passariam a controlar a sociedade humana.
O mercantilismo, que preconizava o máximo acúmulo de riqueza possível,
estimulou o comércio europeu com a descoberta das Américas e a maior exploração
comercial da África e Ásia. A cada dia chegavam aos portos produtos até então
desconhecidos, que passaram a compor o diaadia da população européia, como o
açúcar, por exemplo. Digase que o crescimento do mercantilismo, nos séculos XV e
XVI, foi fundamental para mitigar as barreiras protecionistas que eram praxe das
municipalidades, desde a Idade Medieval. Começa a ser estimulada a criação de um
mercado nacional e não mais local.
Naquele momento, onde havia rígido controle das atividades econômicas,
marcadas pelos monopólios das atividades comerciais, se valorizava bastante o
comércio local entre os distritos mais próximos. Não havia integração deste com o
de longa distância. Inferese, portanto, deste quadro pósmedievo que os mercados
eram isolados e contidos por regras provinciais. Coube à nova formatação que os
Estados assumissem estimular a integração dos mercados locais, ainda
permanecendo forte proteção, agora, desta feita, ao novo mercado nacional.
Desta maneira, ao se promover o crescimento da atividade comercial,
buscouse ofertar alternativa às economias essencialmente agrárias da Europa.
Portanto, as condições básicas para o desenvolvimento do capitalismo estavam bem
calcadas na estrutura dos Estados europeus (POLANYI, 2000).
Restava somente adequar a mentalidade do homem à sociedade do porvir: o
capitalismo. O mendigo e o camponês não se encaixavam no perfil ideal para a futura
realidade. Foi preciso adotar medidas duras contra estas figuras para talhar o proletário.
67
Desde o século XIV, a sociedade européia convive com a figura do mendigo, que simbolizou aquele que estava fora da rede de proteção social da Idade Média,
sendo que este vivia sem rumo certo, dependente da caridade alheia, em especial,
da Igreja Católica.
A miséria vista como um problema social passa, também, a ser administrada
pelas autoridades legais, além das eclesiásticas (CASTEL, 2005, p. 72). No entanto,
uma distinção passa a ser fundamental para gozar da caridade cristã da Igreja e
sociedade civil: a utilidade do mendigo, pois se pudesse trabalhar perdia a simpatia
daqueles, sendo, definitivamente, expulso desta rede de proteção social.
As inúmeras crises econômicas, aliadas ao crescimento populacional
forçaram que se buscasse pôr termo à mendicância, buscando assim a reforma dos
capazes de trabalhar e dos jovens, restando somente os enfermos e inválidos como
sujeitos às benesses da caridade cristã. A partir daí, deflagrase por todo o
continente uma verdadeira luta contra a mendicância, que passa a se chamar, vagabundagem, impondose uma política de encerramento. Esta política, afirma Castel (2005, p. 75), visava resgatar o ideal de pertencimento comunitário, visto que
os mendigos representavam povo independente, desconhecedor das leis, religião,
autoridade, enfim, dos valores da comunidade.
Dentre as políticas públicas que foram adotadas para acelerar o avanço rumo
ao capitalismo, a principal delas ocorreu na Inglaterra, com a expulsão de grande
massa de camponeses com o processo de cercamento dos campos e a
transformação destes em pastos para caprinos. Simultaneamente, como estímulo da
nova cultura econômica, optouse por uma rígida legislação contra a vadiagem,
como assinala Marx (1973, p. 179):
Todos os homens assim privados de seus meios de vida não poderiam ser absorvidos pela manufatura nascente tão prontamente quanto ficavam disponíveis. De outra parte, bruscamente, arrancados de seu gênero de vida habitual, não se podiam ajustar da noite para o dia à disciplina da nova situação. Muitos dentre eles se fizerem ladrões, bandidos, vagabundos, uns por tendência natural, outros – os mais numerosos – por força das circunstâncias. É por isso que, pelo fim do século XV e durante todo o século XVI houve em toda a Europa ocidental uma legislação sanguinária contra a vadiagem. Os avós dos operários atuais foram primeiramente punidos por se
68
deixarem transformar em vagabundos e miseráveis. A legislação os tratou como criminosos voluntários, supondo que dependia unicamente de suas boas vontades continuar a trabalhar nas condições que não existiam mais.
Castel (2005) expõe o vagabundo como um parasita social, alguém sem
pertencimento comunitário, sem trabalho, que, pouco a pouco foi combatido como
criminoso, principalmente, após os progressos iluministas. Relata ainda que a
primeira medida de combate ao vagabundo era o banimento. Porém, constatouse
que esta era uma fantasiosa e ineficaz forma de se enfrentálos, pois somente
trasladavase o problema.
Na França, registra a história que, desde 1556, existem decretos reais
impondo pena de morte contra aqueles tidos como vagabundos, até mesmo o
Código Penal Napoleônico reprimiu esta figura da sociedade européia. Algumas
sanções, como trabalhos forçados em obras públicas, condenações às galeras e
internações nos chamados hospitais gerais compunham o arsenal punitivo do
Estado francês contra o vagabundo. Sobre esta última espécie de punição, que,
claramente, é um antecedente da prisão, assevera Castel (2005, p. 126) que “o
trabalho em instituições fechadas sempre foi um fiasco. O hospital geral não
ressocializou a ‘nação libertina e preguiçosa’ dos indigentes válidos”.
A Inglaterra do século XIV contemplava severo combate à vagabundagem,
principalmente por meio de éditos reais que impunham de sanções corporais até a
escravidão. Porém, foi através do isolamento de vagabundos e criminosos de
pequena monta para submissão a trabalhos forçados, que, em meados do século
XVI, nasceu a instituição que deu origem à moderna prisão, precisamente, em 1555,
na cidade de Londres surgia a Birdwell:
Por solicitação de alguns expoentes do clero inglês, alarmados com as proporções alcançadas pela mendicância em Londres, o rei autorizou o uso do castelo de Birdwell para acolher vagabundos, os ociosos, os ladrões e os autores de delitos de menor importância. O objetivo da instituição, que era dirigida com mão de ferro, era reformar os internos através do trabalho obrigatório e disciplina. Além disso, ela deveria desencorajar outras pessoas a seguirem o caminho da vagabundagem e do ócio, e assegurar o próprio autossustento através do trabalho, a sua principal meta. (...) A experiência deve ter sido coroada com sucesso, pois, em pouco tempo, house of correction, chamadas indistintamente de birdwells, sugiram em diversas partes da Inglaterra (MELOSSI, 2006, p. 36).
69
Esta inovação se encaixava com perfeição nos interesses dos capitalistas,
porque serviu como coerção para fabricar fileira de homens que se submeteriam a
quaisquer condições de trabalho, desde que estivessem em liberdade.
O mercado livre de trabalho, à época, praticava altos salários, afinal, a mão
deobra disponível e qualificada para o trabalho era diminuta, a exceção da própria
Inglaterra, que com sua política de cercamento dos campos, criou o excedente da
mãodeobra.
Assim, portanto, como a máxima capitalista reside na obtenção de mais valia,
era preciso se desenvolver algum mecanismo capaz de influir na realidade,
provocando um aumento da oferta da força de trabalho, o que, naturalmente,
acarretaria diminuição dos salários.
Desta maneira, como diziam Rusche e Kirchheimer (2004, p. 47), “os
capitalistas foram obrigados a apelar ao Estado para garantir a redução dos salários
e produtividade do capital”. A forma encontrada foi por meio de incremento das
punições contra os vagabundos, especialmente, através das casas de correção, o
que acarretou na criação de um exército de reserva.
Ou seja, aqueles que eram submetidos às condições degradantes das casas
de correção preferiam trabalhar livremente com salários irrisórios a cumprir novo
período de reclusão novamente. Esta seria uma das suas principais funções. O
objetivo do incremento do reforço punitivo era controlar a força do trabalho, enfim,
domesticála.
O melhor exemplo destas formas primitivas do cárcere, também denominadas
de ‘casas de trabalho’, se detectou na Holanda, que no século XVII, se destacava
como país que mais desenvolvia o capitalismo. Ali foram criados dois
estabelecimentos, um para homens (rasphius) e outro para mulheres (sphinhaus). Ambos congregavam ideais que nortearam casas de assistência aos pobres,
oficinas de trabalhos e instituições de caráter penal.
70
A meta a ser cumprida era a “reciclagem” da força inútil de trabalho em útil
aos interesses sociais do capitalismo holandês. Pretendiase que aqueles
submetidos a determinado tempo de trabalhos forçados, pudessem, ao sair,
motivaremse a procurar por um espaço no mercado de trabalho.
O modus operandi consistia em impor uma série de trabalhos pesados. Aliás, era marca registrada destas casas de trabalho a adoção de técnicas ultrapassadas,
que primavam por exigir dos trabalhadores grande dispêndio de força física, que
além de soarem mais perversas, promoviam altos lucros, com baixos custos.
Frisese que o objetivo das casas de correção residia também na produção de
dividendos para o Estado, o que, em algumas oportunidades, causou embates com
comerciantes, que pugnavam sua extinção por ser concorrência prejudicial.
A instituição tinha base celular, porém, em cada cela conviviam diversos detentos. O trabalho era praticado na cela ou no grande pátio central, segundo a estação do ano. Tratavase de uma aplicação do modelo produtivo então dominante: a manufatura. A casa de trabalho holandesa era conhecida por toda parte pelo termo Rasphius, porque a atividade de trabalho fundamental que ali se desenvolvia consistia em raspar, com uma serra de várias lâminas, um certo tipo de madeira até transformála em pó, do qual os tintureiros retiravam o pigmento usado para tingir os fios. Esse processo de pulverização da madeira podia ser feito, basicamente, de dois modos: com uma pedra de moinho, e este era o método comumente usado por quem empregava este trabalho livre, ou, na maneira já descrita, na casa de trabalho. A duríssima madeira, importada da América do Sul, (Pau Brasil) era colocada sobre um cavalete e dois trabalhadores internos a pulverizavam, manejando as duas extremidades de uma serra muito pesada. O trabalho era considerado particularmente adequado para os ociosos e os preguiçosos (os quais, como consequência dessa atividade, às vezes literalmente quebravam a espinha dorsal). Era esse também o motivo com o qual se justificava a escolha do método de trabalho mais cansativo. É interessante notar que aqueles que compravam o pó de madeira da Rasp hius reclamavam da sua má qualidade se comparada com o pó produzido no moinho. (MELOSSI, 2006, p. 43)
As casas de trabalho holandesas tinham um públicoalvo composto por vadios
e mendigos aptos (saudáveis), desempregados, prostitutas, ladrões, inclusive, à
medida que ganhavam credibilidade, alguns cidadãos chegaram a internar as suas
próprias crianças (RUSCHE, 2004, p. 69).
A experiência holandesa termina por impulsionar o surgimento dessas casas
em outros países, como Alemanha (Zuchthaus e Spinnhaus, Bremen, 1609), França
71
(Hospital Geral de Paris, 1656), Itália (Hospício de San Filipo Neri, Florença, 1667).
Muitos desses novos institutos copiaram os regulamentos e até mesmo o projeto
arquitetônico original dos Países Baixos.
Notase que tanto ocapitalismo quanto a prisão, ambos em fases
embrionárias, se entrelaçavam, cresciam juntamente:
O desenvolvimento do regime de produção capitalista e do cárcere, enquanto principal forma de controle social daquele, não se afasta dessa característica geral, trazendo, isto sim, uma outra característica de crucial importância: a concomitância em que tais instituições foram se expandindo, o que pode ser considerado mesmo como uma interdependência existencial. (...) Uma das questões cruciais para o correto entendimento do aparecimento e desenvolvimento concomitante da pena privativa de liberdade e da sociedade capitalista em seu primeiro momento, o mercantilismo, passa, necessariamente, pela mudança de concepção sobre a necessidade de trabalho daqueles que se configuravam como sua força produtora. (GUIMARÃES, 2007, p. 116117)
O encarceramento de massas, simbolizada na conversão dos vagabundos em
trabalhador, foi a saída encontrada para promover considerável redução salarial,
através de criação do excedente de mãodeobra, bem como para domesticar os
novos trabalhadores, disciplinandoos sob os férreos termos capitalistas.
Naturalmente que este não foi fato isolado, contou com importante reforço da
religião, em especial, o protestantismo, que exortava o trabalho e a produção do
lucro, sendo o primeiro mandamento dirigido aos proletários e o outro aos
capitalistas (WEBER, 2002).
Nos países católicos, o aprisionamento era oriundo do direito canônico,
despido dos interesses burgueses; mas, concessões e reformas teóricas no
catolicismo defendido até então foram necessárias para ajustálos à nova realidade.
Sintetizam Rusche e Kirchheimer (2004, p. 62) esta mudança nos seguintes termos:
O fato de ambas as doutrinas religiosas, a velha e a nova, colaborarem para o desenvolvimento da nova instituição prova que pontos de vista puramente ideológicos ocuparam lugar secundário em relação às motivações econômicas enquanto força motriz de todo o movimento.
Este momento do grande salto do capitalismo é assim relatado por Bauman
(2003, p. 30):
72
O moderno arranjo – capitalista – do convívio humano tinha forma de Jano: uma face era emancipatória, a outra coercitiva, cada uma voltada para um setor diferente da sociedade. (...) Para dizêlo de maneira curta e grossa: a emancipação de alguns exigia a supressão de outros. E foi isso exatamente que aconteceu: esse acontecimento entrou para a história com o nome um tanto eufemístico de ‘revolução industrial’. As ‘massas’ tiradas da velha e rígida rotina (a rede de interação comunitária governada pelo hábito) para serem espremidas na nova rígida rotina (o chão da fábrica governado pelo desempenho de tarefas), quando sua supressão serviria melhor à causa da emancipação dos seus supressores.
Portanto, a inserção da prisão como pena definitiva era mera questão de
tempo. Por longos anos, impunhamse punições como as galés 37 e deportações
para colônias 38 ; mas, estas, à medida que o mundo se tornava mais avançado,
enfim, “menor”, perdiam sua função, tornavamse vazias.
Nesse sentido, a construção de prisões, locais próprios para criminosos, seria
a saída para solucionar este impasse, afinal, os trabalhadores estavam
domesticados e os valores humanistas/iluministas, que foram alimento na derrubada
do Antigo Regime, vedavam aplicação de penas aflitivas.
A sociedade capitalista não poderia mais abrir mão de ter ao seu lado o
cárcere, ele servia como elemento inconsciente que prendia o homem aos valores
do trabalho assalariado. Como resume Jinkings (2007, p. 7):
É este direcionamento que guia a administração carcerária até os dias de hoje: o detento deve ter condições de existência bastante inferiores ao mais pobre trabalhador livre para que ‘o crime não compense’.
37 Os condenados serviam como remadores de navios. Este trabalho passou a ser aplicado aos criminosos já condenados porque os homens livres não tinham interesse, pois era extremamente arriscado, principalmente, num período de intensas guerras marítimas. A motivação desta punição era exclusivamente de cunho econômico (RUSCHE, 2004, p. 85). 38 Esta forma de punir era muito comum aos países Ibéricos, principalmente, no século XV. A Inglaterra também se utilizou da deportação para poder promover a colonização de suas colônias ultramar, porque as colônias precisaram de mãodeobra, vez que não obtiveram êxito com a escravização dos nativos, que por vezes fugiam ou morriam em virtude de guerras e doenças. A deportação de homens deixa de ser vantajosa às colônias com a chegada dos escravos negros. A partir daí medidas foram sendo implementadas para encerrar com o envio de criminosos, o que, efetivamente, teve termo com a Revolução e Independência dos Estados Unidos da América (RUSCHE, 2004, p.9094).
73
As casas de correção não avançaram muito além do século XVIII, passaram
por uma transformação crucial, a partir daquele momento, o isolamento era
exclusivo dos criminosos.
Com a formação de um mercado de trabalho propício ao capital, produzindo
se uma cultura direcionada ao trabalho, alimentada por um sedento excedente
populacional, extinguiase a necessidade de casas de correção, tanto que o seu
declínio deveuse principalmente a dois fatores. concorrência com mercado livre de
trabalhadores e alto defict por força da evolução tecnológica da indústria, que fez sucumbir a manufatura.
O modelo de instituição carcerária que marcou a contemporaneidade surge
oficialmente nos Estados Unidos da América, como revela Jinkings (2007, p.8):
Do outro lado do Oceano Atlântico, nos EUA do final do século XVIII, foram fundadas prisões que se tornariam, rapidamente, modelos a serem seguidos. A prisão de confinamento solitário, gerida pelos quakers, tinha como base o isolamento celular, com o trabalho solitário na cela e a religião para buscar a transformação do detento em trabalhador honesto, aqui os internos não tinham contato entre si. Este sistema diminuiu sobremaneira os custos com vigilância, mas, por outro lado, não permitia a organização de trabalho coletivo entre os detentos. No isolamento total, a ideia é de que o trabalho não precisa ser produtivo, mas um instrumento para educar e transformar os detentos em pessoas submissas à disciplina do trabalho, qualquer que seja este, realizado numa fábrica ou numa penitenciária. O cárcere do tipo confinamento solitário é a materialização do sonho benthamiano de arquitetura da instituição penal. Este sistema se mostra como modelo das relações sociais burguesas: o isolamento do detento explicita o desejo burguês do operário nãoorganizado, a disciplina e a falta de concorrência oferecem ao empresário uma situação ideal de disponibilidade de força de trabalho, a educação do internado está voltada à sua sujeição à autoridade e à dependência em relação ao proprietário.
A princípio, quatro fatores foram os alicerces da prisão moderna: isolamento (a separação do corpo social era visto como predicado de correção), trabalho (método eficiente de correção, pois cria o hábito regular), religião (a reconciliação do pecador com Deus era o caminho para a reconciliação com a sociedade), educação (ensinamento dos valores sociais e morais vigentes para o preso).
A história da pena/prisão é conturbada, pois, desde a sua adoção, a falência
da meta que se dispôs cumprir fora declarada como impossível; assim, a
segregação humana para fins de correção ou ressocialização é uma premissa falsa.
74
Porém, o debate encetado ao longo dos séculos sobre a punição sempre
gira ao redor da prisão, nunca houve a sua superação. Buscouse reformála
sempre. A sua reinvenção nunca deixou de contemplar os mesmos valores que
informam a sua criação.
Desta forma, servirá sempre o cárcere ao seu mestre − o capital, e produzirá
idêntico resultado àquele que se quis mudar através da sua reforma. Como aponta
Sozzo (2007, p. 93), referindose ao instituto carcerário:
A perpétua e onipresente ‘reforma penitenciária’ que ao longo do tempo e espaço tem gestado mutações no projeto normalizador/disciplinante/correcional, modificando certos aspectos de discursos e práticas que a compõe, agregando outros, mas sem gerar nenhuma ruptura a respeito de seus princípios fundacionais.
Aliás, Michel Foucalt (p. 131132), na década de setenta, já sustentava
esta posição:
Minha hipótese é que a prisão esteve, desde sua origem, ligada a um projeto de transformação dos indivíduos. Habitualmente se acredita que a prisão era uma espécie de depósito de criminosos, depósito cujos inconvenientes se teriam constatado por seu funcionamento, de tal forma que se teria dito ser necessário reformar as prisões, fazer delas um instrumento de transformação dos indivíduos. Isto não é verdade: os textos, os programas, as declarações de intenção estão aí para mostrar. Desde o começo, a prisão devia ser um instrumento tão aperfeiçoado quanto à escola, à caserna, ou o hospital, e agir com precisão sobre os indivíduos. Desde 1820, se constata que a prisão, longe de transformar os criminosos em gente honesta, serve apenas para fabricar novos criminosos ou para afundálos ainda mais na criminalidade. Foi então que houve, como sempre nos mecanismos de poder, uma utilização estratégica daquilo que era um incoveniente. A prisão fabrica delinquentes, mas os delinquentes são úteis tanto no domínio econômico como no político. Os delinquentes servem para alguma coisa.
Em síntese, se demonstra que a maior função do cárcere é a de servir aos
anseios do sistema capitalista, consoante assevera Alessandro de Giorgi (2006, p. 44):
Do ponto de vista da economia política da pena, a contribuição das instituições e das tecnologias da pena foi, nesse sentido, fundamental: a penitenciária nasce e se consolida como instituição subalterna à fábrica, e como mecanismo pronto a atender as exigências do nascente sistema de produção industrial. A estrutura penitenciária, sob o perfil tanto organizativo quanto ideológico, não pode ser compreendida se, paralelamente, não for observada a estrutura dos locais de produção; é o conceito de disciplina do trabalho que deve ser proposto aqui como termo que faz a mediação entre cárcere e fábrica.
75
Portanto, assim nasceu a prisão; da soma de reclames dos pensadores
iluministas contra as penas cruéis e corporais, e, principalmente, pelas escolhas
políticas do Estado em favor das necessidades capitalistas de se criar um mercado
de trabalho que possibilitasse obtenção de maior lucratividade. Então, a docilização
da força de trabalho e criação do exército de reserva forjaram as funções reais do
encarceramento:
As necessidades disciplinantes do tempo são as próprias vinculadas à formação da força de trabalho, ou melhor, da produção do trabalho como mercadoria. Esta necessidade obriga a pensar na prática institucional como aquela em que, nos estreitos espaços de exclusão, seja possível educar coercitivamente aquele fator de produção que é o trabalho à disciplina do capital. (PAVARINI, 1995, p.27)
Ou, ainda, como diria Bauman (1999, p. 117):
Fossem quais fossem seus outros propósitos imediatos, as casas panópticas de confinamento eram antes e acima de tudo fábricas de trabalho disciplinado. O mais comum era serem também soluções instantâneas para aquela tarefa suprema – colocavam os internos imediatamente para trabalhar e em especial nos tipos de trabalho menos desejado pelos ‘trabalhadores livres’ e que era menos provável executarem por livre e espontânea vontade, por mais atraentes que fossem as recompensas prometidas. Fosse qual fosse o seu propósito declarado a longo prazo, as instituições eram, francamente, na maioria, casas de trabalho.
Este foi o primeiro momento, pois assim que o mercado de trabalho se
revelou autossuficiente para produzir mãodeobra, o labor intramuros deixa de ser
meta da prisão, como pontuou Jinkings (2007, p. 10):
Portanto, o nexo histórico entre cárcere e fábrica ilustra como o primeiro foi fundamental na ‘domesticação’, como proletários, de uma massa de camponeses indóceis recém expulsa dos campos. Nesse sentido, o cárcere produziu um setor de marginalizados úteis em situações de superexploração de força de trabalho carcerária. Ao mesmo tempo, o cárcere deixa de ser local de trabalho, principalmente, porque também numa conjuntura de desemprego, os trabalhadores não querem mais essa competição.
Deve servir de alerta que a prisão é uma arma utilizada tal como um dia foi a
pena de morte, a sua real função dependerá dos rumos que indiquem o sistema
econômico vigente. Nas primeiras fases do capitalismo ela se prestou, conforme
detalhado anteriormente, à promoção de um melhor ambiente de desenvolvimento
76
do capitalismo. Não sem razão, a prisão serviu como instrumento de disciplina e
docilização de corpos, especialmente, por meio das regras internas da vida
intramuros. Esta cultura de conformismo, que servia como mordaça, se impunha
tanto àquele custodiado, quanto ao homem livre, sendo que este é pressionado para
não se ver na condição daquele (SOZZO, 2007, p. 91).
Portanto, qualquer mutação no capitalismo, por certo, promoverá significativa
alteração nas funções reais do cárcere, não obstante, cinicamente, se proponha
sempre à ressocialização humana através dele.
4.2 NOVOS TEMPOS: DO FORDISMO À ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL. REFLEXOS NO SISTEMA PENAL.
Conforme se tem esboçado, o capitalismo se consagrou como modelo
econômico vigente e desde a sua consolidação vem passando por transformações
constantes.
Como leciona Braveman (1987, p. 54), “a produção capitalista exige
intercâmbio de relações, mercadorias e dinheiro, mas sua diferença específica é a compra e venda da força de trabalho”.
A relação patrão versus empregado sempre foi e será conflitante, afinal, este deseja a valorização de sua força de trabalho, enquanto aquele lutará por diminuição
de custos e a mais valia. Esta, com efeito, é a lógica do capitalismo. Como dizem Marx e Engels (1978, p. 64):
O operário abandona o capitalista ao qual se aluga, tão logo o queira, e o capitalista o despede quando lhe apraz, desde que dele não mais de extraia nenhum tipo de lucro ou não obtenha o lucro almejado. Mas, o operário, cujo único recurso é a venda de sua força de trabalho não pode abandonar toda a classe dos compradores, isto é, a classe capitalista, sem renunciar à vida. (grifos originais).
77
O capitalista, detentor dos meios de produção, aluga a força de trabalho do
proletário, que se valoriza de acordo com a demanda do mercado, ou seja, se
houver carência ela encarece, se houver excesso, é desvalorizada.
Atualmente, podese afirmar que o mercado de trabalho é competitivo no que
concerne às habilidades pessoais dos trabalhadores, bem como no preço cobrado
por sua força, pois existe mais mãodeobra do que demanda de postos de trabalho.
Portanto, vence aquele que for mais habilitado e cujo valor não extrapole a
larga margem de lucro do capitalista. O trabalhador deve ser produtivo, o que
implicará na sua alienação no processo de produção, ele estará “cego” para poder
cumprir as metas, batêlas, ultrapassálas, tudo para que não venha a ser
substituído por outro nas mesmas condições que ele.
Marx e Engels (1978, p. 80) alertavam sobre a alienação, aduzindo os riscos
advindos dela:
O resultado é que quanto mais trabalha, menos recebe de salário, pela simples razão de que à medida que concorre com seus companheiros de trabalho faz deles seus concorrentes, que se vendem em condições tão más quanto as deles; de tal forma que, em última análise, é a si próprio que ele faz concorrência, como membro que é da classe operária. (grifos originais).
Desta maneira, como assevera Braveman (1987, p. 59), tornouse:
Fundamental para o capitalista que o controle sobre o processo de trabalho passe das mãos do trabalhador para as suas próprias. Esta transição apresentase na história como a alienação progressiva de produção do trabalhador; para o capitalista, apresentase como o problema de gerência. (grifos do autor)
Naturalmente, ante este quadro percebese que os trabalhadores estão em
desvantagem, pois por não disporem dos meios de produção, são forçados a
vender a única coisa que têm: a sua força de trabalho. E, estando sozinhos, são
presas mais fácies para os interesses do capitalista. Atento a este fator, o embate
daquele que detém os meios de produção consiste na desmobilização da classe
trabalhadora, o incentivo ao individualismo, o acirramento da competição como
meio de impedir uma coesão em prol dos interesses comuns dos trabalhadores
78
(v.g.: pagamento de horasextras, diminuição da jornada de trabalho, melhor saláriomínimo, etc.).
Já não é novidade que “os interesses do capital e os interesses do trabalho
assalariado são diametralmente opostos” (MARX e ENGELS, 1978, p. 75). Assim,
portanto, o capitalismo passa a ganhar espaço através da compra de força de
trabalho voltada para produção de mercadorias que haveriam de circular no
mercado, produzindo a riqueza para o capitalista.
No limiar do século XX, após as revoluções industriais, o avanço tecnológico
permitiu que nascesse a sociedade de massas. O principal agente de difusão desta
nova cultura foi Henry Ford, pensando num novo modelo capitalista, onde o
trabalhador pudesse ter poder de consumo daquilo que produzia. Um estilo de
vida, isso era o fordismo. Não era simplesmente uma maneira diferente de se
promover o capitalismo, porém, significava profunda mudança cultural. Como
ensina Harvey (1993, p. 131):
O fordismo do pósguerra tem de ser visto menos como um mero sistema de produção de massa do que como um modo de vida total”. Produção em massa significava padronização do produto e consumo em massa, o que implicava toda uma nova estética e mercadificação da cultura que muitos neoconservadores como Daniel Bell mais tarde considerariam prejudicial à preservação de ética do trabalho e de outras supostas virtudes capitalistas.
O fordismo foi implantado como um projeto que “dependia da assunção pela
nação Estado de um papel muito especial no sistema geral de regulamentação
social” (HARVEY, 1993, p. 130).
Nos países desenvolvidos, as políticas públicas visavam atingir a todos os
cidadãos, principalmente, no que concerne aos empregos. Havia a meta do pleno
emprego, o índice de desemprego era mínimo, quase zero. Em outras palavras, o
mundo do trabalho abarcava quase que todos os cidadãos, portanto, todos estavam
incluídos nos sistemas de proteção social, eram tempos do welfare state ou estado de bemestar social (HARVEY, 1993, p. 125).
79
Contudo, este modelo, nascido no começo do século passado, atingiu o ápice
no pósguerra, durando somente até meados da década de setenta, quando é
substituído por um capitalismo de mercado de capitais.
Muitos acontecimentos ensejaram a mudança do fordismo por um modelo de
acumulação flexível. Foi, podese dizer, uma conjuntura de fatores que ensejou esta
virada na forma de se fazer o capitalismo:
Havia problemas com a rigidez dos investimentos de capital fixo de larga escala e longo prazo em sistema de produção em massa que impediam a flexibilidade de planejamento e presumiam crescimento estável em mercados de consumo invariantes. Havia problemas de rigidez nos mercados, na alocação e nos contratos de trabalho (especialmente no chamado setor “monopolista”). E toda tentativa de superar esses problemas de rigidez encontrava a força aparentemente invencível do poder profundamente entrincheirado da classe trabalhadora (...). A rigidez do compromisso do Estado foi se intensificando à medida que programas de assistência (seguridade social, direitos de pensão, etc.) aumentavam sob a pressão para manter a legitimidade num momento em que a rigidez na produção restringia expansões da base fiscal para gastos públicos. (HARVEY, 1993, p. 135136).
O quadro descrito acima traduz a tensão que permeou a mudança do
sistema fordista para a acumulação flexível, inaugurando uma forma de se fazer
capitalismo que remonta às origens, de volta ao liberalismo. O capitalista quebrou
os grilhões que lhe prendiam ao Estado. Bauman (1998, p, 50) sintetiza o momento
vivido assim:
Atualmente, ‘racionalizar’ significa cortar e não criar empregos, e o progresso tecnológico e administrativo é avaliado pelo ‘emagrecimento’ da força de trabalho, fechamento de divisões e redução de funcionários. Modernizar a maneira como a empresa é dirigida consiste em tornar o trabalho mais ‘flexível’ – desfazerse de mãodeobra e abandonar linhas e locais de produção de uma hora para outra, sempre que uma relva mais verde se divise em outra parte, sempre possibilidades comerciais mais lucrativas, ou mãodeobra mais submissa e menos dispendiosa, acenem ao longe.
Arremata, logo em seguida, o sociólogo polonês (1998, p. 51):
Poucos de nós lembram hoje de que o estado de bemestar foi, originalmente, concebido como um instrumento manejado pelo Estado a fim de reabilitar os temporariamente inaptos e estimular os que estavam aptos a se empenharem mais, protegendoos do medo de perder a aptidão no meio do processo (...).Isso era verdade – ou poderia a ser – na época em que a indústria proporcionava trabalho, subsistência e segurança à maioria da população. O estado de bemestar tinha de arcar com os custos marginais
80
da corrida do capital pelo lucro, e tornar a mãodeobra deixada para trás empregável novamente – um esforço que o próprio capital não empreenderia ou não poderia empreender. Hoje, com um crescente setor da população que provavelmente nunca reingressará na produção e que, portanto, não apresentaria interesse presente ou futuro para os que dirigem a economia, a ‘margem’ já não é marginal e o colapso das vantagens do capital ainda o faz parecer menos marginal – maior, mais inconveniente e embaraçoso – do que o é. A nova perspectiva se expressa na frase da moda: ‘Estado de bemestar? Já não podemos custeálo.
Borges (2000, p. 182183) resume o dilema aqui debatido:
Soberano, o capital livrase de todas as amarras e limites sociais construídos nos últimos séculos e, principalmente, no pósguerra, e assume, sem disfarces, a sua verdadeira índole: conquistador, saqueador, sem controles institucionais ou sociais. Na sua reprodução, leva partes inteiras da economia a caírem no que, há poucas décadas atrás, era chamado de economia clandestina, de economia submersa. E não se trata de apenas atividades marginais, nem de atividades tangenciais ao crime, ou socialmente assim reconhecidas. È o coração mesmo do processo de acumulação contemporâneo que se torna opaco, ilegível, incomensurável, intransparente: hoje controlase tão pouco o capital financeiro quanto o tráfico de drogas ou armas.
O cenário que se tem traçado aponta uma realidade mundial: o alto índice de
desemprego. Esta realidade não é casual, adveio de políticas macroeconômicas
neoliberais que visavam a “desvalorização dos custos de contratação,
desregulamentação do mercado de trabalho e a flexibilização das normas de
relacionamento entre capital e trabalho” (POCHMANN, 2001, p. 85).
Não obstante isto há que se adicionar a relevância da globalização para
engrossar as fileiras dos desempregados, afinal, como a economia dos Estados
nacionais não têm mais fronteiras, facilita que as grandes empresas, tendo em vista
melhores condições (digase, menores custos), deixem um país em direção a outro,
criando de uma hora para outra uma nova população de desempregados.
Outrossim, a tecnologia tem auxiliado no sentido de cada vez mais tornar o
trabalhador figura prescindível dentro das linhas de produção.
Desta forma, ante uma epidemia de desemprego, o resultado natural será a
exclusão do mercado de trabalho e rede de proteção social. A falta de renda cria um
abismo, que cresce quando esta aumenta. O sistema capitalista exige que para se
81
ter acesso à educação, saúde, lazer, etc., qualquer cidadão deverá possuir dinheiro. Caso este não tenha como obter renda, será excluído:
A irrevogabilidade da exclusão é uma consequência direta, embora prevista, da decomposição do Estado social – como uma rede de instituições estabelecidas, mas talvez mais significativamente como um ideal e um projeto segundo os quais as realidades são avaliadas e as ações estimuladas. (...) Em vez de ser a condição de estar ‘desempregado’ (termo que implica um afastamento da norma que é ‘estar empregado’, uma aflição temporária que pode e deve ser curada), estar sem emprego parece cada vez mais um estado de ‘redundância’ – ser rejeitado, rotulado de supérfluo, inútil, não empregável e destinado a permanecer ‘economicamente inativo’. Estar sem emprego implica ser descartável, talvez até ser descartado de uma vez por todas, destinado ao lixo do ‘progresso econômico’ – essa mudança que se reduz, em última instância, a fazer o mesmo trabalho e obter os mesmos resultados econômicos, porém, como uma força de trabalho mais reduzida e com ‘custos de mãodeobra’menores que antes (BAUMAN, p. 75)
A exclusão da rede de proteção social e do mercado de trabalho afasta o
cidadão, colocandoo à margem da vida em sociedade. Apesar de integrála
formalmente, perde a voz, sobre si pairam as trevas. Hoje, estar trabalhando é
produzir, poder consumir, é estar inserido no contexto social, é poder usufruir, com
plenitude, da cidadania, o que, novamente, constata Bauman (2005, p. 67):
As instituições do ‘Estado de bemestar’ são desmanteladas aos poucos e ficam defasadas, enquanto restrições antes impostas às atividades comerciais e ao livre jogo da competição do mercado e suas consequências removidas. As funções protetoras do Estado se reduzem para atingir uma pequena minoria tenda a ser dos nãoempregáveis e dos inválidos, embora até mesmo essa minoria tenda a ser reclassificada e passar de assunto do serviço social para uma questão de lei e ordem – a incapacidade de participar do mercado tende a ser cada vez mais criminalizada. O Estado lava as mãos à vulnerabilidade e à incerteza provenientes da lógica (ou da ilogicidade) do mercado livre, agora redefinida como assunto privado, questão que os indivíduos devem tratar e enfrentar com os recursos de suas posses particulares.
O desemprego, no capitalismo, não tem solução. No máximo, podese
minorálo, por algum tempo. O seu combate implica em choque direto com algumas
políticas que sustentam o modelo de acumulação flexível. É mister um incentivo ao
crescimento econômico visando a criação de novos postos de trabalho,
desconcentração de renda para que surjam mais consumidores, a realização de
reforma agrária para conter o êxodo rural, e, por fim, o retorno do estado de bem
estar (principalmente, educação). Adicionese ainda como solução uma reforma no
82
direito do trabalho, para que se evite a precarização e a flexibilização das normas da
relação patrão versus empregado (CASTEL, 2004, p. 62).
Nos dias atuais, o hiato entre ricos e pobres enseja a mantença deste status quo. Inexistem chances reais de ascensão social, uma vez que há pouca oportunidade de emprego ou trabalho, tornandose mais árdua a possibilidade de
alguém emergir da base da pirâmide social para o seu vértice. À medida que o
tempo passa, aumenta o número de pessoas que se encontram nesta situação.
Offe e Hinrich (1989, p. 43) asseveram que “as crises econômicas se definem
por provocarem o desemprego e o subemprego como fenômeno de massas”.
Aduzem ainda os autores que este fenômeno não ocorreu ao acaso, ele é
estruturado, pois limitará o acesso de determinados grupos de pessoas ao tão
sonhado mercado de trabalho. Aqueles que forem excluídos sobreviverão de
subempregos, no mundo da informalidade econômica, quando não forem
despejados como mãodeobra para a criminalidade. Geralmente, estes grupos de
excluídos são os mais vulneráveis nas sociedades, os “grupos vulneráveis” (v.g.: mulheres, jovens, negros, imigrantes, homossexuais, dentre outros).
Tal política de segregação é chamada pelos referidos autores de “fechamento
social”, pautada exclusivamente em padrões de status criados no seio da sociedade. Necessariamente, não precisa de apoio institucional do Estado, é algo que nasce no
próprio mercado de trabalho (OFFE e HINRICH, 1989, p. 63).
Esta seleção do mercado de trabalho nunca deixará de existir, pois este
nunca absorverá a demanda existente. Contudo, criticamse os parâmetros
estabelecidos, que se pautam em valores distintos dos necessários para se formar
um bom profissional.
À guisa de conclusão, é pertinente reproduzir a arguta observação feita por
Borges (2002, p. 7) sobre os efeitos da vulnerabilidade social, fruto da precarização
e desestruturação do trabalho no Brasil, porém, que podem servir também para
outras realidades:
83
O acesso a um emprego – e a qualidade desse emprego – tornaramse cruciais para a determinação do grau de integração social, das condições de vida e do acesso a bens e serviços da maioria da população, onde os efeitos desagregadores da ausência – ou perda – do emprego não podem mais ser eficazmente atenuados por outras esferas da vida social e onde uma maior precarização dos empregos se traduz, imediatamente, na elevação do grau de vulnerabilidade social.
Além disso, como consequência lógica congelase uma maior ascensão
social, tornandose privilégio de poucos. Mas, a regra passa a ser a mobilidade
descendente por parte dos grupos mais atingidos pelas mudanças do mercado de
trabalho (BORGES, 2002, p. 8).
Restou evidenciado que a transformação que o capital financeiro produziu
sobre o mercado de trabalho tem reflexos em todo o tecido social, causando
naqueles que foram e ainda são abarcados pelas mudanças a inequívoca exclusão
(da rede de proteção social).
A mudança que passou o capitalismo remodela as estruturas ideológicas da
prisão. Até aqui, ficou demonstrado que a segregação é fruto direto das
necessidades políticas do modelo econômico recémadotado. Toda estrutura
carcerária se arrima nos interesses do capitalismo. Destarte, se este muda de rumo,
naturalmente aquela também se inclinará noutro sentido. Não sem razão afirma
Jinkings (2007, 10):
Recentemente, por outro lado, com a formação de uma grande massa de pessoas excluídas, a função educativa do cárcere estará talvez definitivamente superada. Não há mais necessidade de transformar o homem e produzir o trabalhador. Bastará limitar essas massas a guetos controlados policialmente para disciplinálas. Assim, a crescente substituição, a partir de meados da década de 1970, de políticas de controle como a liberdade vigiada, a liberdade condicional e o regime semiaberto, por um regime de encarceramento, se explica pelo fim do mito do pleno emprego keynesiano, pelo consequente crescimento do subemprego e do desemprego causados pela “racionalização” dos meios de produção, pela elevação dos índices de produtividade das empresas, com o uso de menos força de trabalho, e pela consequente geração de uma massa marginalizada que necessita ser controlada. Tal regime de controle baseado no encarceramento se materializa no crescimento contínuo, desde a metade da década de 1970 até os dias de hoje, da população encarcerada no mundo, especialmente, nos EUA.
Foi dito antes que o pósguerra revelou ao mundo uma sociedade moderna
que objetivou a inclusão dos cidadãos, através da aquisição do status de cidadão,
84
conceito este que conjuga direitos individuais (liberdade de ir e vir, de expressão, de
profissão, de fé), políticos e sociais. Viase, por toda a Europa, um mundo em que
quase a totalidade do corpo social estava empregada. Havia uma sólida rede de
assistência social. O modo de produção era o fordismo, que preconizava o estímulo
ao consumo através de boa remuneração dos trabalhadores, políticas
governamentais corporativas e, principalmente, estabilidade no emprego. Era o
tempo do Welfare State.
Contudo, após a década de setenta, houve uma mudança nos rumos do
capitalismo. Aquela sociedade inclusiva deu vazão à exclusão. O avanço tecnológico
e a crescente globalização, a abertura de novos mercados, significaram redução de
mãodeobra, que implica em incremento no número de desempregados. Aliese à
mudança cultural, que criticava os padrões modernistas, com o objetivo de unificar o
pensamento. A meta, agora, é a diversidade, o hedonismo desenfreado e
autorrealização. Como bem expõe Young (2002, p. 28):
A vida urbana estava mudando, movida numa corrente de consumismo dirigida pelo mercado: a sociedade consumo emergente, com sua multiplicidade de escolhas, prometia não apenas a satisfação dos desejos imediatos, mas também a geração de uma expressão característica do final do século XX – estilos de vida.
Nisso formamse dois grandes grupos: incluídos e excluídos (da rede de
proteção). E, entres estes existem várias divisões; seja por etnia, às vezes lugar
onde se mora, como se veste, o que se ouve, etc. Em reforço, conclui novamente
Young (2002, p. 31) que:
A dialética da exclusão está em curso, uma amplificação do desvio que acentua progressivamente à marginalidade, num processo empírico que envolve tanto a sociedade mais ampla como, crucialmente, seus próprios autores, os quais, na melhor hipótese, se metem na armadilha de uma série de empregos sem nenhuma perspectiva, ou, na pior, de uma subclasse de ociosidade e desespero.
Atento a estas mudanças, é salutar reproduzir o vaticínio de Bauman (1998,
p. 26) enfocando a nova ótica punitiva da sociedade excludente:
A busca da pureza moderna expressouse diariamente com a ação punitiva contra as classes perigosas; a busca da pureza pós moderna expressase diariamente com a ação punitiva contra os
85
moradores das ruas pobres e das áreas urbanas proibidas, os vagabundos, os indolentes.
O conceito de desvio estará calcado em dois prismas: um na própria exclusão
em si, outro na tentativa de grupos em promover a inclusão e se virem numa luta
contra outros que se opõem. A mudança de paradigma traz reflexos imediatos no
sistema penal, nas causas da criminalidade e na forma de controle do desvio. Há um
incremento no uso do encarceramento como meio de se promover o controle dos
excluídos, incidindo, basicamente, naqueles mais vulneráveis à violência
institucionalizada.
A prisão que antes servia de forma de difusão da cultura capitalista muda o
rumo, sendo mero elemento de segregação daqueles que não ascendem ao grupo
dos incluídos. Esvaziase qualquer função de ressocialização ou reeducação que,
porventura, se quis impor no passado.
Conforme dito e ressaltado, também, por Bauman (1998, p. 55), a
criminalidade crescente é produto da sociedade de consumidores. Vejase que o
frequente estímulo ao consumo é indistinto, atinge e conquista a todos, havendo,
portanto, uma necessidade de se consumir. Como existem grandes distorções
econômicas, alguns grupos serão privados da satisfação deste anseio incutido,
sendo, por vezes, conduzidos ao desvio.
Caberá, nesta nova fase, à prisão servir de reforço à exclusão destes
criminosos, dos que desviam, ou como bem adjetiva o professor polonês, os
consumidores falhos. Temse, neste novo período, a ideia de classes de
criminosos, não mais o ideal de classes perigosas, punese pelo que a pessoa é,
e não pelo que fez.
A falta de políticas públicas para intervir no mercado de trabalho, para dar
freios aos impulsos do capitalista, ou mesmo, para oportunizar chances reais
àqueles que são excluídos tem sido suprida por políticas inspiradas no movimento
de lei e ordem. O tema do momento é a segurança. O medo de sair de casa e não
86
voltar aumenta ainda mais o hiato entre ricos e pobres, o estigma de marginal se
encaixa perfeitamente neste.
Nisso, a prisão reafirmase como solução para tais percalços. O
encarceramento das populações pobres é usado como política de Estado para
resolver os impasses advindos do desemprego e exclusão social. Wacqüant (2001,
p. 76) assevera que:
A mão invisível do mercado e o punho de ferro do Estado, combinandose e complementandose, fazem as classes baixas aceitarem o trabalho assalariado dessocializado e a instabilidade social que ele traz em seu bojo. Com isso, após um longo eclipse, a prisão retornou ao pelotão de frente das instituições responsáveis pela manutenção da ordem social.
Os caminhos abertos pela acumulação flexível promoveram câmbio em todos
os setores da sociedade, alterando a estrutura secular da prisão, que hoje, não tem
como meta preparar o “soldado de reserva”, função, hodiernamente, do próprio
mercado, como revela Bauman (1999, p. 123):
O que sugere a acentuada aceleração da punição através do encarceramento, em outras palavras, é que há novos e amplos setores da população visados por uma razão ou outra como uma ameaça à ordem social e que sua expulsão forçada do intercâmbio social através da prisão é vista como um método eficiente de neutralizar a ameaça ou acalmar a ansiedade pública provocada por essa ameaça.
O cárcere se revela. É o ponto máximo da exclusão da rede de
proteção.Tornase a certificação institucional de que o homem está à margem da
sociedade produtiva. Seu retorno ou sua redenção, que cada vez se torna mais
difícil de ocorrer, não está prevista no novo projeto capitalista.
4.3 O NASCIMENTO DO CÁRCERE: BRASIL E BAHIA.
Desenvolveuse, neste capítulo, uma análise da pena de prisão que
perpassava pela enumeração de fatos históricos que deram conta da sua afirmação
na sociedade capitalista contemporânea. Naturalmente, o mesmo deverá ser feito
87
em relação à realidade brasileira. No Brasil 39 , o cárcere é erigido à pena principal no
Código Penal do Império, sancionado em 16 de dezembro de 1830, muito em razão
da forte influência do Iluminismo, como se aduz das “Annotações Theoricas e
Práticas ao Código Criminal”, de Alves Júnior (1864, p. 8586):
A tortura, as mutilações e as mãos cortadas foram banidas. Ainda, é verdade, resta a prisão como meio de impedir o homem de commeter o crime; mas o que alcança a humanidade com privarse por certo tempo do homem, para sempre talvez, no caso de prisão pertétua? Na 1ª hypothese, fica livre por algum tempo do autor de certos males, mas não crê que elles se não reproduzão logo que cesse o impedimento physico. Na 2ª hypothese, em lugar de ganhar o estado um cidadão, o perde para sempre, e no entanto, a missão do estado é, não aniquilar os homens, e sim tornar melhores e aproveitalos.(...) É preciso que a prisão não faça murchar o futuro do homem, e sim o habilite a gozálo, no trilho opposto ao que até então tinha seguido.
No trecho reproduzido, apesar de redigido em 1864, a grande preocupação
de Alves Júnior (1864) é de que o homem possa ser emendado, ou seja, “se torne
melhor do que quando entrou”: o ideal de ressocialização, derivada do pensamento
utilitarista benthamiano 40 . Aliás, o Código Criminal do Império foi marcado por
influências iluministas 41 , contemplando avanços como a adoção dos princípios da
legalidade 42 e culpabilidade 43 ; embora os escravos fossem severamente punidos e a
pena de morte não fosse proscrita, somente os seus acessórios cruéis e infamantes.
Uma das primeiras prisões brasileiras somente foi construída em 1850,
denominada de Casa de Correição da Corte 44 , inspirada no projeto auburniano.
Previa o silêncio absoluto e utilizavase do trabalho como forma de “extrair dos
corpos dos condenados o máximo de seu tempo e forças, obrigandoos a bons
39 Neste estudo, somente será analisada a legislação referente a pena de prisão a partir da independência do Brasil, em 1822. 40 Bernardo Vasconcelos, autor do projeto do Código Criminal de 1830, era influenciado pelas ideias de Bentham, pois, segundo Zaffaroni e Batista (2003, 432), ele “leu Bentham e valeuse intensamente das opiniões dele em seu projeto; muitas delas foram ter ao código imperial”. 41 Discutese, hoje, as influências que teve o Código Criminal brasileiro, apontam Zaffaroni e Batista (2003, p. 430433) que as principais foram os Códigos Naopleônico e Bávaro, as ideias de Jeremy Bentham, Eduardo Livingston e Mello Freire. 42 Exige que todo o crime e pena sejam previamente previstos em lei. 43 Vedava a condenação sem a responsabilização subjetiva do agente. 44 Atualmente, chamase de Complexo Frei Caneca, no Rio de Janeiro (RJ).
88
hábitos” (PORTO, 2008, p. 14). Inclusive, era compulsória a tosa de cabelos, o uso
de roupas listradas, açoites e acorrentamentos.
A Casa de Correição tem projeto arquitetônico inspirado no panóptico de Jeremy Bentham, como retrata Porto (2008, p. 15):
Nesse sistema, as celas possuem duas janelas, uma voltada para o interior e a outra para o exterior, permitindo que a luz atravesse o ambiente de lado a lado. A arquitetura dessa composição é marcada pela formação de anéis nas extremidades, em que ficam as celas, e por uma torre central, com visão ampla do ambiente.
O Código Penal de 1890, o primeiro editado na vigência da república, também
contemplou, no seu art. 43, sete espécies de penas, sendo que quatro delas são
privativas de liberdade. Conservouse, ainda, o banimento, a multa, a interdição de
direito e suspensão e perda de emprego público. Vedouse a existência de penas
infamantes, estabelecendo como limite máximo às penas de prisão 30 anos (art. 44).
Como anotou Silva (2004, p. 30), “a liberdade é o bem jurídico preferido para
incidência e organização das penas”.
A pena de prisão e trabalho forçado era destinada aos mendigos vadios,
infratores e aos capoeiras 45 reincidentes (art. 393, 400 e 403, do Código Penal de
1890). Ou seja, o Brasil tentou criar regras similares àquelas já referidas neste
estudo sobre as casas de correção do século XVII e XVIII, que eclodiram por toda a
Europa. O decreto n° 145, de 12 de julho de 1893, autorizou os Estados, às próprias
expensas, construírem colônias correcionais agrícolas, onde seriam montadas
fábricas ou oficinas para realização dos trabalhos forçados dos condenados.
O governo de São Paulo, através de lei n° 844, de 10 de outubro de 1902,
fundou uma colônia correcional na Ilha dos Porcos, que, em 1914, foi transferida
para Taubaté, passando a denominarse de Instituto Correcional. A lei n° 947, de
24 de dezembro de 1902, autorizou a União a criar colônias no Distrito Federal,
com as finalidades acima assinaladas. Foi assim que em 1908, aprovado o
45 O termo era atribuído pejorativamente aos praticantes da capoeira, espécie de luta criada por negros escravos, que foi criminalizada em 1890. Somente em 1937 houve a descriminalização e em 1972, o Conselho Nacional do Desporto a reconhece como um esporte.
89
decreto n° 6.994, inaugurouse a Colônia Correcional de Dois Rios, no Rio de
Janeiro (SILVA, 2004, p. 119120).
Curioso notar que, apesar da pena de prisão e trabalho forçado existir na lei
penal desde 1830, esta nunca pôde, de fato, ser testada, pois o Brasil não dispunha
de unidades penitenciárias apropriadas para tal fim. Somente em, no Estado de São
Paulo, foi construída uma capaz de se aplicar “mais ou menos” a referida pena. Em
síntese, “nunca foi possível avaliar, praticamente, o merecimento deste sistema”
(SILVA, 2004, p. 80).
Oportuna análise sobre o mesmo problema fez Soares (2004, p. 144), nos
seus comentários ao Código:
Não temos penitenciárias preparadas para o regime penitenciário do Código. As existentes nos Estados e no Distrito Federal, construídas no tempo do Império, obedecem ao sistema de Auburn, em voga naquela época, passando por mais adiantado em ciência penitenciária e aconselhado pela comissão nomeada para o estudo do assunto. Em Niterói, há construído, no Fonseca, um raio que obedece a um plano de construção panóptica de uma penitenciária auburniana. E ficou nisto. As penitenciárias de Pernambuco, Bahia, São Paulo, a Casa de Correção da Capital Federal, todas auburnianas, não se prestam à prática do regime progressivo idealizado pelo Código. Concluímos, portanto, que a reforma penitenciária é questão de atualidade que impõese ao nosso legislador.
Não obstante a existência de pena privativa de liberdade e trabalho forçado
que era destinada à determinadas pessoas, o art. 53, do Código, estabelecia que
“ao condenado será dado, nos estabelecimentos onde tiver de cumprir a pena,
trabalho adaptado às suas habilitações e precedentes ocupações”.
Inferese que a lei penal brasileira, no que concerne às penas, estava
intimamente vinculada à massificação do capitalismo, os seus dispositivos punitivos
eram voltados para a docilização das massas de encarcerados dentro dos moldes
do referido modelo econômico. Interessante reproduzir alguns conceitos esboçados
por Silva (2004, p. 167168):
O trabalho carcerário – problema dos mais graves no domínio da ciência penitenciária – deve ser organizado de modo que o sentenciado, ao ser restituído à liberdade, se ache habilitado a prover, honestamente, pelo exercício de um ofício ou profissão à própria subsistência. (...) Quanto maior for a adaptação, maior será a eficácia do trabalho como meio corretivo.
90
E, arremata a questão, assumindo o vínculo aos interesses de implementação
do capitalismo, pontuando que “como todo trabalho, também o carcerário precisa ser
recompensado. Está isso no próprio interesse do Estado” (SILVA, p. 173).
O Código Penal de 1890 foi concebido às pressas para atender a transição da
monarquia para república. Em virtude deste fato, a nova lei penal apresentou uma
série de falhas e lacunas, que foram, pouco a pouco, sendo retificadas e supridas,
respectivamente, por leis esparsas. Pouco tempo depois, havia reclames por mais
uma reforma na legislação.
Com a ascensão de Getúlio Vargas, na década de trinta, instituiuse comissão
para conceber um novo Código Penal, o que veio a ocorrer no final de 1940. Este
novo diploma simplificou a aplicação da pena de prisão, ao invés de quatro
espécies, eram duas (reclusão e detenção), cuja distinção residia somente em razão
da gravidade do delito e perda de alguns direitos (por exemplo: dizia o parágrafo
único do art. 31 que o condenado à pena de detenção poderia escolher o tipo de
trabalho, nas conformidades de suas aptidões e ocupações anteriores). Porém, não
desapareceu a obrigação do condenado ser submetido ao trabalho, não o de caráter
forçado, ou seja, a punição feria somente a liberdade, não mais se impunha o labor
compulsório, como nas primeiras experiências penitenciárias pátrias.
Neste período, em termos de prisão, estavam deveras em voga as colônias
agrícolas ou fabris, espelhandose no exemplo do Presídio de Witzwill, na Suíça,
que desenvolvia atividades comerciais e se mantinha, com saúde financeira,
segundo relata Garcia (p. 434).
A doutrina penitenciária exultava a “nova” maravilha, o trabalho prisional:
O trabalho é uma imperiosa necessidade no cárcere. Um provérbio em língua inglesa judiciosamente informa que a mente desocupada é o domínio do demônio. Para ser possível a regeneração do delinquente, é indispensável que se entregue a atividades úteis, que lhe constituam meio de cura, tolhendoo de voltar aos seus antigos maus pensamentos, às suas perversas maquinações, e que lhe favoreçam a obtenção de meios para viver honestamente depois que saiu do cárcere. (...) O trabalho penal visando a regeneração do delinquente, deve também colimar a sua ressocialização, no sentido de que lhe torne acessível mais tarde viver como elementos prestantes, integrado à comunhão social. (GARCIA, p. 441442)
91
Mais recentemente, em 1977, o Código Penal de 1940 sofreu mudanças
específicas sobre às penas e sua execução. Entrementes, a reforma de 1984,
alterou toda parte geral do Código, através da Lei n° 7.209 e se instituiu a Lei de
Execução Penal, sob n° 7.210.
A nova parte geral, ainda vigente, consagra como penarainha a privação de
liberdade. Em sede de execução, o trabalho prisional é mantido como um misto de
direito e dever do condenado. Mantémse intocável a máxima de ressocialização
através do cárcere, embora, autores modernos como Mayrink (2007, p. 84) assim se
manifestem publicamente:
Convencime de que nosso caminho, no terceiro milênio, será no sentido de aumentar o espectro das penas e medidas formais alternativas à pena de prisão, ao lado de uma política social realística e eficiente de inclusão social, pois o mal da prisão é a própria prisão. (grifos do autor)
Feita a evolução do instituto da prisão no Brasil, parece de bom alvitre
recordar um pouco da história penitenciária da Bahia. Com a edição da Lei de 1° de
outubro de 1828, nascia a “Casa de Prisão com Trabalho”, que somente veio a ser
construída três anos depois, em 1831.
Cuidavase de estabelecimento destinando a servir como uma penitenciária.
Contudo, demonstram os parcos registros históricos existentes, que a “Casa de
Prisão com Trabalho” tinha outra função, a de retirar de circulação pessoas
indesejáveis, que tiravam o bonito colorido da capital baiana (vadios, mendigos,
escravos). Sua população majoritária era composta de negros e mulatos.
Embora a unidade prisional contemplasse em sua estrutura física cinco
oficinas de trabalho, uma das características marcantes deste estabelecimento era a
insalubridade e as degradantes condições de custódia, contrariando flagrantemente
os ideais que nortearam o Legislador quando da edição do Código do Império de
1830 (SANTANA, 2006, p. 89). Somente em 1902, mudouse o nome do referido
estabelecimento para Penitenciária da Bahia, sendo que durante o período de sua
existência registrouse aproximadamente cinco mil pessoas que por ali passaram.
92
No fim do século XIX, a partir do Decreto Lei n° 115, de 16 de agosto de
1895, foram criadas as Secretarias de Segurança Pública e Justiça, bem como
instituído o Sistema Penitenciário da Bahia.
A Penitenciária José Gabriel Lemos Brito 46 foi construída na antiga Feira do
Curtume, atual bairro da Baixa do Fiscal, onde funciona o Hospital de Custódia e
Tratamento. Em 1951, o estabelecimento foi transferido para uma nova área,
distante do centro de Salvador o bairro da Mata Escura , e ampliada
consideravelmente. O seu principal pavilhão foi concebido com base nas linhas
arquitetônicas do panóptico de Jeremy Bentham 47 , sendo que hodiernamente, este
prédio foi desativado, ante a falência da proposta benthamiana – assim como as
suas péssimas condições de utilização, afinal, desde a década de setenta que não
se faz nenhuma reforma importante nas estruturas físicas do complexo.
O conjunto arquitetônico da Penitenciária Lemos Brito tem seu projeto original concebido sob a influência das realizações panópticas, concepção esta de J. Bentham que, no final do século XVIII, publica o célebre panopticon, no qual descreve a figura arquitetônica ideal para permitir a aplicação de dois novos modelos de “tratamento”: o grande fechamento de um lado, a boa reeducação de outro.
Na década de setenta, somente exista a Penitenciária Lemos Brito, com
capacidade de 600 vagas, e a Casa de Detenção, sediada num antigo Forte, Largo
do Santo Antônio, que tinha 200 vagas. Ainda compunham o sistema penitenciário
daquela época, o Presídio de Mulheres (localizado no mesmo Forte da Casa de
Detenção) e o Manicômio Judiciário. Dez anos mais tarde, são construídos a Casa
de Albergado e Egressos, a Penitenciária Feminina, o Presídio São Salvador – que
substituiu a Casa de Detenção, inicialmente, contando com 540 vagas , e o Presídio
Regional de Feira de Santana. A década de noventa é marcada pelo planejamento
de interiorização do sistema penitenciário baiano (AGUIAR, 2001).
Atualmente, a Bahia tem 22 (vinte e dois) estabelecimentos penitenciários
entre eles; penitenciária 48 , presídio 49 , hospitais de custódia e tratamento 50 , central
46 Em 1939, passou a denominarse somente de Penitenciária Lemos Brito. 47 Vide Capítulo 4, supra. 48 Local destinado aos presos definitivos, que são aqueles cuja condenação transitou em julgado. Ou seja, é o local adequado para cumprimento de pena.
93
médica penitenciária 51 , sendo que 9 (nove) destes são sediados em Salvador e
13 (treze) no interior do Estado: Feira de Santana (01), Jequié (01), Teixeira de
Freitas (01), Ilhéus (01), Vitória da Conquista (01), Esplanada (01), Simões Filho
(01), Paulo Afonso (01), Valença (01), Juazeiro (01), Serrinha (01), Itabuna (01) e
Lauro de Freitas (01).
O Complexo Penitenciário Lemos Brito é o maior e mais importante, tem sede
na capital baiana, conta com a Penitenciária Lemos Brito (PLB), formada por cinco
pavilhões; o Presídio Feminino – que ocasionalmente funciona como penitenciária; o
Presídio São Salvador (Casa de Detenção); o Centro de Observações Penais
(COP); Central Médica Penitenciária (CMP); e a Unidade Especial Disciplinar (UED).
Compõe também o complexo, a Casa de Albergado e Egressos, onde são
cumpridas as penas em regime aberto. Ainda, em Salvador, está sediada, no bairro
de Castelo Branco, a Colônia Lafayete Coutinho, antigo Reformatório Penal Agrícola
de Pedra Preta 52 , onde são cumpridas as penas do regime semiaberto.
4.4 A PENA DE PRISÃO NO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO (CPB) E NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL (LEP).
O legislador brasileiro da Reforma de 1984 apesar de haver ocorrido sob a
égide do derradeiro governo militar trouxe importantes mudanças para o
ordenamento jurídico nacional, porque não se revelou como um diploma
essencialmente draconiano.
No entanto, tanto a Nova Parte Geral do Código Penal, quanto a Lei de
Execução Penal foram inspiradas na necessidade de reduzir índices de
49 Local destinado aos presos provisórios, que são aqueles que ainda respondem a uma ação penal. 50 Local destinado aos inimputáveis, que são pessoas que cometeram atos ilícitos, contudo, são enfermos mentais ou têm distúrbios mentais. 51 Estabelecimento de saúde destinado à população carcerária. 52 No período da ditadura militar esta unidade foi utilizada como palcos de torturas e prisões arbitrárias.
94
criminalidade e rever o tratamento penitenciário ao condenado, conforme se infere
da Exposição de Motivos da Lei n°7.209/84 (Alteração do Código Penal):
Apesar desses inegáveis aperfeiçoamentos [referese às leis que antecederam a reforma], a legislação penal continua inadequada às exigências da sociedade brasileira. A pressão dos índices de criminalidade e suas novas espécies, a constância da medida repressiva como resposta básica ao delito, a rejeição social dos apenados e seus reflexos no incremento da reincidência, a sofisticação tecnológica, que altera a fisionomia da criminalidade contemporânea, são fatores que exigem o aprimoramento dos instrumentos jurídicos de contenção do crime, ainda, os mesmos concebidos pelos juristas na primeira metade do século [XX].
Resta evidente que os argumentos que sedimentaram a reforma da lei
criminal, em meados da década de oitenta, são semelhantes ao discurso vigente. No
que concerne à prisão, foilhe outorgada papel de principal pena a ser imposta 53 ,
muito embora, o quanto lançado na Exposição de Motivos do Código Penal indique
que a política criminal brasileira adotaria rumo oposto, inspirada nos postulados da
Nova Defesa Social.
Nesse sentido, criouse a pena restritiva de direitos 54 55 (também
denominadas de substitutivas ou alternativas), pena de multa 56 , a suspensão
condicional da pena (sursis) 57 , o livramento condicional 58 e a reabilitação 59 .
53 Dizse isso com arrimo no art. 32, inciso I, CP, que estabelece as espécies de pena e traz a prisão como a primeira delas. Ademais, alertese que a pena privativa de liberdade é aplicada à imensa maioria dos tipos penais trazidos tanto na parte especial do Código como das leis especiais penais. Ou seja, não obstante discursarse contra a prisão (pontos 2629, da Exposição de Motivos), ela, seguramente, é a base do modelo punitivo brasileiro. 54 Vide artigos 4348. 55 É necessário pontuar que as penas restritivas de direito são substitutivas da pena de prisão. Portanto, não existem isoladamente, e para sua aplicação, dependem da constatação da existência de determinados requisitos (art. 44, CP). A reforma de 1984 fixou que a substituição somente teria efeito aos delitos cujas penas impostas não fossem maiores do que 1 (um) ano. Porém, com o advento da Lei n° 9.714/98, que alterou o quanto disposto sobre estas penas no Código Penal, este patamar foi elevado para 4 (quatro) anos, sendo que não se aplica aos crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa. Atualmente, o Ministério da Justiça tem incentivado, verdadeiramente, como uma política criminal de Estado, a aplicação das penas restritivas de direito. Inclusive, como forma de combate ao uso indiscriminado do cárcere. Podese dizer que os resultados, analisandose dez anos após a vigência da mencionada (da?) lei n° 9.714/98, são satisfatórios. Para maiores detalhes, recomendase consultar Gomes (2008). 56 Vide artigos 4952. 57 Vide artigos 7782. 58 Vide artigos 8390. 59 Vide artigos 9395.
95
A Lei n° 7.210/84 (Lei de Execução Penal), além destes institutos, trouxe a
permissão de saída 60 e as saídas temporárias 61 . Somemse, também, outros
dispositivos que permitem ao condenado a redução do tempo de pena (remição 62 ) e
severidade do regime de privação da liberdade (progressão de regime penal 63 ).
Este mesmo diploma, em seus primeiros artigos, desfila uma série de direitos do
condenado, reforçando o ideal de ressocialização como meta a ser atingida por meio
do tratamento penitenciário 64 .
Utilizouse, assim como nos outros códigos que o antecederam, o trabalho como elemento capaz de promover o elo com os valores sociais supostamente
perdidos com o cometimento do crime:
32. O trabalho, amparado pela Previdência Social, será obrigatório em todos os regimes e se desenvolverá segundo as aptidões ou ofício anterior do preso, nos termos das exigências estabelecidas. (Exposição de Motivos da Nova Parte Geral do Código Penal)
Dessumese, portanto, que, apesar de se proclamar não ser a pena privativa
de liberdade melhor resposta ao delito, conforme dito acima, no seu entorno
desenvolveuse uma série de institutos que visavam reduzir, gradativamente, o
malefício que provoca àquele que é submetido ao encarceramento. Ou seja, as
alterações legais de 1984 não tinham por escopo superar a prisão, contudo, buscar
mitigar sua aplicação e retificar os equívocos provados ao longo do tempo, por meio
das experiências empíricas de estudos penitenciários:
26. Uma política criminal orientada no sentido de proteger a sociedade terá de restringir a pena privativa da liberdade aos casos de reconhecida necessidade, como meio eficaz de impedir a ação criminógena cada vez maior do cárcere. Esta filosofia importa obviamente na busca de sanções outras para delinquentes sem periculosidade ou crimes menos graves. Não se trata de combater ou condenar a pena privativa da liberdade como resposta penal básica ao delito. Tal como no Brasil, a pena de prisão se encontra no âmago dos sistemas penais de todo o mundo. O que por ora se discute é a sua limitação aos casos de reconhecida necessidade.
60 Vide artigos 120121.
61 Vide artigos 122125.
62 Vide artigos 126130.
63 Vide artigo 112.
64 Vide artigos 1026
96
27. As críticas feitas a todos os países que empregam à pena privativa da liberdade fundamentamse em fatos de crescente importância social, tais como o tipo de tratamento penal frequentemente inadequado e quase sempre pernicioso, a inutilidade dos métodos até agora empregados no tratamento de delinquentes habituais e multirreincidentes, os elevados custos da construção e manutenção dos estabelecimentos penais, as consequências maléficas para os infratores primários, ocasionais ou responsáveis por delitos de pequena significação, sujeitos, na intimidade do cárcere, a sevícias, corrupção e perda paulatina da aptidão para o trabalho.
Assim, portanto, denotase que a prisão ainda é paradigma da punição no
Brasil. A lei instituída define que privação da liberdade poderá ser mediante reclusão
ou detenção 65 e que a execução poderá ocorrer em três regimes: fechado,
semiaberto ou aberto.
O regime fechado é o mais severo que existe. Os estabelecimentos
reservados são aqueles de segurança máxima e média, sendo que o condenado
deverá cumprir a pena intramuros (art. 34, Código Penal). O semiaberto promove
uma maior interação entre o condenado e a sociedade, tanto que o art. 35, do
Código Penal, estabelece que deve ser executada a pena em colônias agrícolas ou
industriais. O regime aberto é o mais brando, pugna a autorresponsabilidade entre o
Estado e o condenado, pois, nesta hipótese, a pena será cumprida na Casa de
Albergado, onde este ficará livre durante o dia e regressará ao estabelecimento
penitenciário para pernoitar e ficar o fim de semana (art. 36, Código Penal).
Aliás, o seu incremento é notório, especialmente, pelo desenvolvimento duma
nova forma de se aprisionar, inserida através da Lei n° 10.792/2003, que alterou a
Lei de Execução Penal, criando o Regime Disciplinar Diferenciado 66 (RDD). O RDD
consiste na máxima forma de isolamento do preso. Este somente tem direito as
suas visitas semanais, por duas horas, excluindose a presença de crianças; duas
horas diárias de sol, após o recolhimento à cela. O novo regime poderá ser aplicado
aos presos definitivos e provisórios, nos termos dos parágrafos 2° e 3°, do art. 52, da
65 As penas de reclusão e detenção são espécies da privação da liberdade. Apesar de haver intenso reclame da unificação, a Reforma da Parte Geral do CP em 1984 não atendeu a tais apelos. Há sim distinção formal entre reclusão e detenção, sendo a primeira é reservada aos delitos mais graves e poderá ser aplicada em quaisquer dos regimes penais. Quanto a detenção, é tida como punição mais adequada aos crimes menos graves e poderá ser imposta somente aos regimes semiaberto e aberto, em regra geral (BITENCOURT, 2008, p. 451). 66 Vide artigo 52, da Lei de Execução Penal.
97
Lei de Execução Penal. Na Bahia, segundo informações oficiais da Secretaria de
Justiça Cidadania e Direitos Humanos, existe somente uma unidade prisional que
atende às especificidades desde novo modelo de prisão, a UED 67 , em Salvador.
Com efeito, evidente que a legislação penal pátria revela incongruências
políticocriminais, ora retrocede ao recrudescer o sistema punitivo, ora avança ao
conceber alternativas à prisão. Não há, seguramente, uma lógica que direcione a
criação e/ou revogação de leis; não há diretrizes firmes da atividade parlamentar que
orientem a política criminal nacional num rumo, o que, por certo, traz prejuízos
àqueles que são selecionados pelo sistema penal.
67 UED. Disponível em: <http://www.sjcdh.ba.gov.br/sap/unidades_prisionais.htm#UNIDADE_ESEPCIAL_DISCIPLINAR___(N OVO)> Acessado em 27.07.08
98
5. POLÍTICAS E PROGRAMAS PÚBLICOS DESTINADOS AO SISTEMA PENITENCIÁRIO (CONDENADOS E EGRESSOS).
5.1 O APRISIONAMENTO COMO POLÍTICA PÚBLICA DE ENFRENTAMENTO DA CRIMINALIDADE.
No primeiro capítulo deste estudo, assinalouse quão relevante os temas
“segurança pública” e “sistema penitenciário” têm se tornado na sociedade brasileira.
Não sem razão, os orçamentos públicos do governo federal e da maioria dos
estaduais têm se direcionado para estes setores, cada vez mais vertendo milhões de
reais para aquisição de armas, viaturas, construção de novas prisões, contratação e
treinamento de novos policiais. Enfim, responder à altura dos índices de
criminalidade figura como um dos objetivos principais de qualquer governante
brasileiro, atualmente.
Apesar de se falar na prisão como sendo o último recurso criminal contra
quem ofende às regras do Estado, a realidade revelase de maneira distinta.
Macaulay (2006, p. 22) afirma que o sistema prisional tem três objetivos: proteger o
público − incapacitando os criminosos, punilos e reabilitálos. Entretanto, estes
objetivos não estão sendo cumpridos, principalmente, por conta do cárcere trazer
consigo, além da privação da liberdade, “formas cruéis, desumanas e degradantes
de punição e tratamento, desde torturas, surras, comida estragada, negação de
cuidados médicos e falta de acesso à assistência jurídica” (MACAULAY, 2006, p.23).
O que, seguramente, se apresenta como a perversão do que seria a pena justa.
O endurecimento do tratamento penal é uma máxima capitaneada pelos
Estados Unidos da América, que mantém, aproximadamente, dois milhões de
pessoas encarceradas 68 . O debate sobre o acerto desta política gira em torno de ser
68 Podese destacar como exemplos desse endurecimento: a manutenção da pena de morte na maioria dos Estados, a lei dos thress stkies (aplicação de pena perpétua na hipótese de três condenações criminais), trhut sentencing (obrigação de cumprimento de, pelo menos, 85% da pena imposta em sentença) e mandatory minimums (obrigação legal da aplicação de penas severas e elevadas a determinados crimes).
99
costeffective para o Estado, noutros termos, há boa relação custobenefício. As vultosas somas investidas nas prisões seriam justificadas por melhora de índices
sociais e redução da criminalidade.
Contudo, pesquisas apontam o contrário. Entre 1991 e 1998, os Estados
americanos que mais investiram nesta política de encarceramento em massa,
chegando a um aumento de 72% da população carcerária, apresentou somente
decréscimo de 13% nas taxas de criminalidade. Enquanto que outros que tiveram
aumento de 30% da população carcerária obtiveram declínio de 17% na taxa de
criminalidade (LEMGRUBER, 2002, p. 164).
Portanto, incrementar políticas públicas voltadas para o encarceramento não
significa que a segurança pública será restaurada. Entrementes, é certo que haverá
considerável aumento no orçamento público destinado a este setor.
Macaulay (2006, p. 23) ao analisar o sistema prisional e sua efetividade e
eficácia destaca outras formas de pena criminal que poderiam ser incrementadas
no Brasil:
Há diferentes formas de os criminosos ‘quitarem sua dívida com a sociedade’ e é altamente questionável se essa dívida deve ser paga em uma economia de dor e degradação ou por outras formas de reparação como a multa, o serviço à comunidade ou ainda por meio de recentes inovações como a justiça restaurativa, na qual, o criminoso deve reparar o dano causado à vítima por meio de pagamento dos danos ou pedido de desculpas.
No entanto, segundo matéria publicada no jornal Estado de São Paulo 69 , em
24 de julho de 2008, no ano de 2007 haviam 423.737 pessoas custodiadas no Brasil
e outras 422.522 cumpriam as chamadas penas alternativas, ratificando a prioridade
atribuída ao encarceramento.
69 Cidades Geral. Disponível em: http://www.estadao.com.br/geral/not_ger211167,0.htm> Acessado em 27.07.08
100
Entretanto, informa o periódico paulista que, de acordo com as projeções do
Ministério da Justiça após dez anos de intensa promoção da aplicação das penas
alternativas por este órgão –, em 2008, ocorreu a inversão do quadro:
Pela primeira vez, o número de pessoas cumprindo penas e medidas alternativas no Brasil disparou em relação aos presos. Os dados, não consolidados oficialmente, foram obtidos pelo jornal O Estado de S. Paulo com exclusividade e se referem ao primeiro semestre deste ano. Até 30 de junho, 498.729 pessoas cumpriam pena ou medida em liberdade (PMA), 13,4% a mais dos que os 439.737 encarcerados, segundo dados do Infopen, sistema de estatísticas do Departamento Penitenciário Nacional (Depen).
Salientese que esta forma alternativa de punição se circunscreve, em regra,
aos tipos penais cujas penas não sejam superiores a quatro anos, a exceção dos
crimes considerados culposos que não têm limites para a sua aplicação, e os crimes
dolosos que não promovam violência ou grave ameaça à pessoa. Também, o
reincidente em delito doloso somente fará jus à substituição da prisão pela pena
alternativa se não for específico (ou seja, não tenha cometido o mesmo delito) e nos
outros casos, se a medida se mostrar socialmente recomendável (artigo 44, § 3°,
Código Penal).
Categoricamente, diz Macaulay (2006, p. 25) que o “desencarceramento, isto
é, a redução deliberada do número de criminosos mantidos em custódia tem
ocorrido de forma lenta no Brasil”. E conclui pontuando assim:
Um sistema prisional em permanente expansão não é a solução mais efetiva para o problema da criminalidade e violência social no Brasil. O número crescente de presídios não irá necessariamente possibilitar ao Estado retomar o controle dos estabelecimentos prisionais. O que o Brasil precisa é de um conjunto de reformas em diferentes fronts, desde o Código Penal e de Processo Penal passando pelo debate público sobre respostas efetivas e pela maior integração dos sistemas de segurança pública, para que o sistema prisional não seja visto como um depósito de mazelas sociais, mas sim como um conjunto de respostas possíveis à criminalidade e como um sistema que deveria ser usado com mais atenção e discernimento (MACAULAY, 2006, p. 28).
Lemgruber (2002, p. 179) endossa a assertiva anterior, sugerindo uma via
alternativa à prisão e sua utilização excepcional:
Se, em outros países, não se consegue demonstrar que o encarceramento é justificável em termos de custobenefício, há muito pouco realismo em se
101
supor que, no Brasil, a mera multiplicação de prisões e de presos, com um gigantesco aumento de gastos, poderia produzir resultados compensadores no controle da criminalidade. Mais realista é investir na diversificação de formas e dos recursos punitivos à disposição da justiça, reservando a pena privativa de liberdade para aqueles que, efetivamente, precisam ser afastados do convívio social.
No Brasil, a prisão ainda é a política pública de combate a criminalidade que
o Estado se utiliza com maior frequência. A título de exemplo, observese que nos
anos de 2004 a 2007, o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) 70 ,
apresentou os seguintes dados consolidados de todos os estabelecimentos
prisionais estaduais no Brasil:
Tabela 2 – Brasil: estabelecimentos prisionais estaduais, 20042007
Especificação 2004 2005 2006 2007
Total de Estabelecimentos 1.006 1.051 1.094
População do Sistema Penitenciário 262.710 296.919 339.580 366.576
Vagas do Sistema Penitenciário 200.417 206.559 236.148 249.515
Secretaria de Segurança Pública 73.648 64.483 61.656 56.014
População Prisional do Estado 336.358 361.402 401.236 422.590
Fonte: DEPEN – Censo Penitenciário.
Há uma política de encarceramento sendo amplamente aplicada. No ano de
2004, a taxa de cidadãos encarcerados a cada cem mil habitantes era de 183,8 71 ,
num curto período de três anos, elevouse ao patamar de 229,57 72 .
Nos próximos itens, farseá análise desta realidade, pautada em incursões
empíricas, feitas através da coleta dos dados mais recentes do sistema
penitenciário baiano; da exposição das experiências de programas que envolvem
trabalho e estudo intra e extramuros já desenvolvidas e em desenvolvimento no Estado da Bahia; e, da análise das informações obtidas em entrevistas com
70 Disponível em: <http://www.mj.gov.br/Depen/sistema/consolidado%202007.pdf> Acesso em 09.072007. 71 URVIO: Revista Latinoamericana de Seguridad Ciudadana. Quito: FLACSO Ecuador, 2007, p. 51. 72 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Dados Consolidados
102
funcionários da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Estado da
Bahia e com condenados que cumprem pena em regimes fechado e semiaberto.
5.2 SISTEMA PENITENCIÁRIO BAIANO: REALIDADE DESCORTINADA ATRAVÉS DE NÚMEROS.
No presente tópico serão enfrentados os dados estatísticos colhidos junto ao
Ministério da Justiça (MJ) e Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do
Estado da Bahia (SJCDH), referentes ao sistema penitenciário baiano.
Ressaltese que, por iniciativa do MJ, a partir de 2005, os dados oriundos das
unidades prisionais brasileiras, que detalham o perfil do condenado, vêm sendo
coletados com muito mais rigor, o que auxilia qualquer estudo sobre o cárcere e
políticas públicas a serem definidas pelo Estado.
Nos últimos anos a Bahia tem exibido uma crescente população carcerária.
Segundo dados do Ministério da Justiça (LEMGRUBER, 2002, p. 175), a taxa de
encarceramento, em 2001, era de 37,2 presos a cada 100 mil habitantes, sendo
esta terceira menor taxa do Brasil. Seis anos depois, em 2007, constatase um
aumento de 165%, ou seja, este número foi de 98,85 presos a cada 100 mil
habitantes, sendo esta a quinta menor taxa do país (DEPEN, 2008).
No ano de 2000, haviam, no estado da Bahia, 14 (catorze) estabelecimentos
penitenciários, disponibilizando 3.968 vagas e com uma população de 4.528 presos.
Em 2007, elevaramse para 21 (vinte e um) os estabelecimentos 73 , com 7.104 vagas
e população de 8.260 segregados. Estes números apontam que, ao longo de sete
anos, aumentouse em 50% o número de unidades prisionais, enquanto registrouse
um crescimento de 79% no número de vagas e houve um acréscimo ainda maior da
massa carcerária (82%).
73 Em 2008, foi construída a Colônia de Simões Filhos, somandose, agora, 22 estabelecimentos prisionais na Bahia.
103
Ressaltese que estes dados somente cuidam do contingente de presos sob
a guarda da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (SJCDH).
Excluemse, portanto, aqueles custodiados em delegacias, sob vigilância da
Secretaria de Segurança Pública, que, por exemplo, em 2007, totalizaram 5.659
presos, equivalentes a 40,6% do total de presos no Estado da Bahia.
Antes de se adentrar na investigação empírica, deve ser dito que a pesquisa
ocorre num momento em que houve uma mudança de ordem política do Estado da
Bahia. Em 2006, o Partido dos Trabalhadores (PT) assumiu o comando do governo
estadual após dezesseis anos de comando do Partido da Frente Liberal (PFL) –
hodiernamente, denominado de Democratas (DEM), na verdade. No plano do
debate político, cuidamse de agremiações de ideais e propostas opostas, dizemse
de esquerda e direita, respectivamente. Resta somente perceber se a mudança
ocorreu unicamente no plano político ou se as formas e práticas quanto ao sistema
carcerário foram modificadas.
5.2.1 População carcerária, vagas, defict e fluxo de saída do sistema penitenciário.
Notese que houve sensível aumento na população carcerária baiana, nos
últimos seis anos. Embora houvessem sido feitos investimentos, o defict de vagas para o sistema penitenciário é uma constante.
Tabela 3 – Evolução da População Carcerária da Bahia (20032007)
Ano População Incremento relativo Vagas Incremento
relativo Defict
de vagas Deficit %
2003 5.317 4.364 953 21,8
2004 5.883 10,6 4.726 8,3 1.157 24,5
2005 7.244 23,1 5.256 11,2 1.988 37,8
2006 7.743 6,9 6.762 28,7 981 14,5
2007 8.260 6,7 7.104 5,1 1.156 16,3 20032007 2.943 55,4 2.740 62,8 203 7,4
Fonte: Ministério da Justiça (Dados Consolidados 20042007)
104
A tabela 4 demonstra que houve crescimento de 62,8% nas vagas no sistema
penitenciário da Bahia, de 2003 a 2007. Ao se estabelecer comparativo entre o
quadro nacional que, no mesmo período, cresceu apenas 39%, inferese o firme
direcionamento do Governo Estadual e Poder Judiciário baianos, desse período, no
sentido da consolidação de uma política pública, na esfera criminal, destinada ao
encarceramentoàs pessoas.
Observandose os dados do primeiro quadrimestre de 2008, inferese que
houve sensível crescimento de 7% da população carcerária do Estado, embora o
número de vagas tenha permanecido o mesmo que o ano anterior.
Devese apontar que até o ano 2005, quando foi registrado o maior defict de vagas do sistema, existiam 16 unidades prisionais no estado da Bahia. No ano
seguinte, duas novas unidades passaram a funcionar, diminuindo
consideravelmente, de 37,8% para 13% (conferir: 14,5% em 2006).
Entretanto, o defict novamente cresceu para 16,3%, em 2007, não obstante o
considerável acréscimo de estabelecimentos penitenciários, de 18 para 21, além do
aumento de 5% no número de vagas. Os números do primeiro quadrimestre de
2008 indicam que este defict continua a crescer (24,4%), revelando um permanente
descompasso entre o número de presos e as vagas existentes no sistema.
A consequência disto será a superpopulação carcerária, que inviabiliza êxito
de ações pedagógicas sobre os presos, transformando o cárcere em um depósito
de gente, como se ali estivesse sendo lançado o excesso sem utilidade social, como
se infere da reflexão de Bauman (2005, p. 107):
O sistema penal fornece esses contênieres. No sucinto e preciso resumo de David Garland sobre a transformação atual, as prisões, que na era da reciclagem, ‘funcionavam como a extremidade do setor correcional’, hoje são ‘concebidas de modo muito mais explícito como um mecanismo de exclusão e controle’. São os muros, e não o que acontece dentro deles, que ‘agora são vistos como o elemento mais importante e valioso da instituição’. Na melhor das hipóteses, a intenção de ‘reabilitar’, ‘reformar’, ‘reeducar’ e devolver a ovelha desgarrada ao rebanho é ocasionalmente louvada da boca para fora – e, quando isso acontece, se contrapõe ao coro raivoso clamando por sangue, com os principais tablóides no papel de maestros e a liderança política fazendo todos os solos. De forma explícita o principal e
105
talvez único propósito das prisões não é ser apenas um depósito de lixo qualquer, mas o depósito final, definitivo.
Este excedente populacional é prejudicial à instalação e execução de
programas públicos que visem a reinserção social do condenado, porque,
naturalmente, traduzirseá na criação de condenados que nunca poderão ser
atingidos por estes programas, como se provará em tópico infra.
Observese ainda que, na Bahia, a prisão, ao contrário do que seria sua
lógica, não é usada somente como pena definitiva. Muito se vale o Poder Judiciário
das prisões provisórias (v.g.: flagrante, preventiva, temporárias, etc), como se infere da tabela a seguir:
Tabela 4 – População carcerária total da Bahia (Presos Definitivos e Provisórios)
Ano Presos SJCDH (definitivo)
Presos SJCDH (provisório)
Presos SSP (provisório) Total provisório Total
2004 2.930 2.953 4.601 7.554 10.434
2005 3.622 3.622 ... 7.244
2006 3.897 3.846 5.252 9.098 12.995
2007 4.594 3.666 5.659 9.325 13.919
Fonte: Elaboração própria com base nos Dados Consolidados do DEPEN de 2004 e Relatório de 2008.
Tal realidade se desnuda como alarmante quando se constata que há uma
antecipação da imposição da pena de prisão, por meio da segregação cautelar 74 .
Em 2004, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) informou ao Ministério da
Justiça 75 , que a Bahia tinha 28% de presos definitivos; 28% de presos provisórios
custodiados pela SJCDH; e expressivos 44% de presos provisórios em
repartições da SSP.
Em 2005, como somente a SJCDH prestou as informações devidas, não é
possível avaliar o percentual de presos provisórios, mas, em 2006, os condenados
74 Na maioria dos casos, cuidase de prisão em flagrante e preventiva. 75 Segundo planilha dos Dados Consolidados de 2004, não se informou o número de mulheres sob custódia da SSP.
106
em definitivo eram apenas 30% da população de presos do Estado da Bahia; 29,6%
dela era formada por presos provisórios mantidos em estabelecimentos da SJCDH e
40,4% de detentos em delegacias e cadeias públicas da SSP.
No ano seguinte (2007), houve um pequeno acréscimo no número de presos
provisórios, sendo que aqueles mantidos pela SJCDH significavam 26,3% e os da
SSP, 40,7%; por fim, os presos definitivos atingiram o patamar de 33%. Esse
quadro se mantém em 2008: até abril, registrouse que 26,8% são presos
provisórios sob vigilância da SJCDH, enquanto 38,7% pela SSP; restando, enfim,
34,5%, de custodiados em definitivo. O que traça um quadro preocupante de que
dois terços dos custodiados não foram ainda julgados pelo Poder Judiciário.
É evidente que o Poder Judiciário tem se valido deveras das várias espécies
de prisão provisória, apesar dos últimos números registrarem uma redução de 6,5%
de presos provisórios, também chamados de presos sem condenação, no período
de 2004 a 2008. Como esta ainda é uma redução recente e diminuta, ainda não é
possível avaliar se ela indica uma tendência da Justiça Criminal à diminuição do uso
da prisãoprocessual.
Por certo, múltiplos são os fatores que podem influir para o decréscimo da
população carcerária de presos provisórios. O próprio fomento às penas alternativas
e a interiorização das centrais que fiscalizam o seu cumprimento é uma hipótese,
entrementes, a presente pesquisa não objetivou incursionar sobre este dado.
Depreendese da leitura destes dados, portanto, que no período de 2004 ao
primeiro quadrimestre de 2008 houve um sensível crescimento (6,5%) no número de
presos definitivos no Estado, mas que ainda assim permanece o uso indiscriminado
das medidas acautelatórias, bem como a morosidade da máquina judiciária em
promover apreciação das ações penais. Além disso, apesar do expressivo
acréscimo de vagas no sistema penitenciário baiano no mesmo lapso (54,4%), a
SJCDH não conseguiu absorver grande parcela dos presos sob custódia na SSP.
Salientese, ainda, que nos dois últimos anos, como se vê na Tabela 5, o
fluxo de saída do sistema é insuficiente (11,5%, em 2006 e 17%, em 2007) quando
107
somando ao ingresso de novos condenados (6,5%, em 2006 e 6%, em 2007) e com
o defict de vagas. Reforçase o natural colapso do sistema penitenciário baiano, o que só reafirma uma firme política de encarceramento, especialmente, por medidas
acautelatórias.
Tabela 5 – Fluxo de saída de presos do sistema penitenciário do Estado da Bahia, 20062007
Motivo de saída Número de Presos 2006 2007
Livramento Condicional 334 898 Indulto Natal 38 27 Alvará de Soltura 594 666 Extinção de Pena 37 71 Total 1.006 1.662
Fonte: Elaboração própria, com base nos Relatórios da SJCDH.
O encarceramento provisório é um grave problema identificado por meio da
análise das tabelas acima reproduzidas. Afinal, cuidase de pessoas que são
submetidas ao confinamento, sem que, necessariamente, façam jus a tal medida
repressiva estatal. Há uma ruptura de laços familiares, sociais, laborais, enfim,
antecipase a culpa, senão jurídica, a social. Não há como fugir desta realidade, o
lançamento do acusado na prisão, mesmo a título provisório, causa tremendo efeito
em sua vida.
Assevera Ferrajoli (2006, p. 511), que toda prisão sem julgamento ofende o sentimento comum de justiça, sendo entendido como um ato de força e arbítrio. Traduz a aceitação e difusão da prisão provisória um descompasso entre realidade
judiciária e o modelo de processo penal adotado (acusatório), sem mencionar o
abuso constante às garantias constitucionais do cidadão.
A prisão provisória é um dos primeiros passos para a consolidação da
criminalização do homem, pois, embora inexista ainda a condenação, padece o
custodiado dos malefícios que a prisão provoca. Ademais, digno de nota que não se
pode, nesta hipótese, se falar sequer em tratamento penitenciário, afinal, a
segregação cautelar visa atingir os escopos do processo, nada além.
108
Tal qual afirma ANDRADE (2003, p. 54), a clientela do sistema penal é
formada por pessoas pobres (desvalidas economicamente), não por razões
científicas (criminosos natos), mas porque tem maiores chances e oportunidades de serem criminalizados. Com o uso indiscriminado da prisão provisória como meio de
contenção dos índices de criminalidade, naturalmente, os cárceres são preenchidos
por estas pessoas. Além do que, persiste forte estigma, porque uma vez preso,
reverbera neste a imagem de criminoso, que é visto assim por sua família, vizinhos,
comunidade local, o ambiente de trabalho. Enfim, a custódia cautelar é meio
eficiente na produção da futura massa carcerária, seja pelo fato que deu causa à
prisão, senão, por associação pelos agentes de controle formal (Polícia, Ministério
Público e Juízes) pelo simples fato deste homem já haver “passado pelo sistema”.
Nesse sentido, impressiona a inferência de ANDRADE (2003, p. 53) sobre a
forma de seleção do sistema penal:
Isto significa, enfim, que impunidade e criminalização, em vez de serem condicionadas pelas variáveis que formalmente vinculam a tomada de decisões (os códigos legais e instrumental dogmático) dos agentes do controle social formal (Polícia, Ministério Público e Juízes) e que deveriam reenviar à conduta praticada, são condicionadas por variáveis latentes e não legalmente reconhecidas que reenviam à “pessoa” do autor (e da vítima). Assim, a regularidade a que obedece a distribuição seletiva da criminalidade tem sido atribuída às leis de um código social (second code, basic rules) latente integrado por mecanismos de seleção dentre os quais tem se destacado a importância central dos “estereótipos” de autores e vítimas além da “teoria de todos os dias” (teorias do senso comum) dos quais são portadores os agentes do controle social formal e informal (a opinião pública) além de processos derivados da estrutura organizacional e comunicativa do sistema penal.
Os índices trazidos a lume merecem atenção, principalmente, por parte do
Poder Judiciário, que, por meio de decisões, tem alimentado o sistema penal,
antecipando a criminalização de acusados, por meio da sua prisão provisória. Não
sem lógica, o acréscimo de unidades prisionais no interior do Estado se deu em
virtude desta demanda de vagas para presos provisórios.
Cada vez mais, ano após ano, o número de cidadãos com passagem pelo
cárcere aumenta. Estes passam a carregar consigo o estigma de preso – que para o inconsciente coletivo está associado a condenado e a bandido, criminoso nos
registros junto ao Poder Judiciário, às demais agências de controle formal
109
(principalmente, a Polícia), bem como perante a sua comunidade, sem que se
vislumbre um câmbio deste quadro.
5.2.2 Grau de instrução e faixa etária.
Constatase, na tabela abaixo, que o cárcere é destinado aos mais jovens.
Inferese esta conclusão ao se observar que os dados fornecidos pela SJCDH
indicam como sendo base da massa carcerária homens e mulheres que estão na
faixa etária de 18 a 35 anos ao longo dos três anos estudados, notase que
significam quase dois terços dos presos provisórios e definitivos. Estas faixas
etárias (18 a 24 e 25 a 35 anos) são, também, base da população economicamente
ativa, o que é relevante no que tange à inserção destes futuros egressos no
mercado de trabalho.
Tabela 6 – Faixa Etária da População Carcerária da Bahia (20052007)
Faixa Etária (Anos) Presos SJCDH (%) 2005 2006 [1] 2007
1824 28,6 28,2 30,6 2534 30,8 46,4 44,8 3560 9,9 23,9 23,5 Maior de 60 1,0 1,0 0,9 Não Informado 29,5 0,5 0,3 Total 100,0 100,0 100,0 [1] O Ministério da Justiça constou que somente 17 unidades prisionais informaram estes dados, ou seja. 94% do total, significando uma população de 7743 pessoas.
Fonte: Elaboração própria, com base nos Relatórios do Ministério da Justiça.
No período de janeiro a abril de 2008, a realidade permanece quase a
mesma, 0,4% dos encarcerados são tidos como jovens 76 (18 a 24 anos), enquanto
o restante do contingente populacional se encontra na idade adulta, sendo 44,6% na
76 Adotase o conceito da UNESCO, que define como sendo jovem o ser humano com 15 a 24 anos de idade.
110
faixa etária de 25 a 34 anos (adultos jovens); 24,9% de 35 a 60 anos e apenas 0,9%
de pessoas maiores de 60 anos.
O recente perfil da população carcerária baiana, de acordo com dados da
SJCDH, demonstra que a prisão contempla entre os seus eleitos, majoritariamente,
pessoas muito jovens e com baixo nível de instrução escolar. Deve se observar que
78% não concluíram o ensino fundamental.
Tabela 7 – Grau de Instrução da População Carcerária (20052007)
Grau de Instrução Presos SJCDH (%)
2005 2006[1] 2007 Analfabeto 8,8 16,4 15,8 Alfabetizado 12,2 17,4 19,0 Ensino Fundamental Incompleto 30,8 46,7 43,2 Ensino Fundamental Completo 6,5 7,3 8,4 Ensino Médio Incompleto 6,9 6,2 7,1 Ensino Médio Completo 7,2 4,7 5,2 Ensino Superior Incompleto 1,5 0,4 0,5 Ensino Superior Completo 1,5 0,3 0,3 Pósgraduado (completo/incompleto) 0,0 0,0 0,0 Não Informado 24,7 0,6 0,4 Total 100,0 100,0 100,0 [1] O Ministério da Justiça constou que somente 17 unidades prisionais informaram estes dados, ou seja. 94% do total, significando uma população de 7743 pessoas. Fonte: Elaboração própria, com base nos Relatórios do Ministério da Justiça.
Os dados do primeiro quadrimestre de 2008 também realçam a mesma
realidade dos períodos anteriores analisados: 77,8% da massa carcerária é
integrada, majoritariamente, por homens e mulheres que não chegaram sequer a
concluir o ensino fundamental. Por certo, eis evidente óbice ao ideal de reinserção
social desses indivíduos, haja vista a contínua elevação da escolaridade da
população ocupada na Bahia (e, em especial, na Região Metropolitana de
Salvador), as crescentes exigências dos empregadores e, também, a crescente
dificuldade de inserção também dos mais escolarizados, acompanhada da
precarização dos empregos existentes.
Atualmente, na Região Metropolitana de Salvador (RMS), com um
contingente expressivo de jovens com curso médio completo e com grande oferta
de vagas nos cursos de nível superior, já há em profusão pessoas deveras
111
qualificadas que se encontram desempregadas. Este fenômeno, que se desenrola
desde a década de noventa, termina por diminuir os postos de trabalho(s) para
aqueles que são menos qualificados, pois, os desempregados portadores de
diploma de nível superior acabam em competir com os portadores de nível médio e,
mesmo, do fundamental (BORGES, 2006).
Na discussão sobre as chances de inserção no mercado de trabalho desses
presos após o cumprimento da pena é importante estabelecer um comparativo entre
este perfil etário e de baixa escolaridade e os recentes dados do IBGE sobre a taxa
de desocupação na RMS:
Tabela 8 – População Economicamente Ativa (PEA), Desocupados e taxa de desocupação, RMS, 2006
RMS – 2006 PEA DESOC TX DESOC
De 18 a 24 anos 380.159 125.842 33,1
De 25 a 29 anos 302.137 50.214 16,6
De 30 a 34 anos 251.476 28.904 11,5
Fonte: IBGE/PNAD
Observese que entre os jovens (1824 anos), 33,1% são desocupados e que
os encarcerados não foram contabilizados para fins desta pesquisa do IBGE. Assim,
portanto, mais uma vez, deve se ponderar sobre a oportunidade de reinserção dos
jovens egressos frente a um quadro tão desfavorável até mesmo para aqueles que
se encontram em liberdade e sem qualquer histórico de condenação criminal.
Analisandose, ainda na mesma pesquisa, os dados relativos às pessoas
residentes em domicílios com renda percapita de até um salário mínimo, constata se que nas classes mais depauperadas – de onde se origina grande parte dos
presos, a taxa de desocupação entre jovens é maior do que a média geral, como se
vê na Tabela 9.
112
Tabela 9 – População Taxa de Desocupação da população residente em domicílios com renda per capita de até 1 SM
Classes de idade PEA DESOC TX DESOC
De 18 a 24 anos 223.003 93.452 41,9 De 25 a 29 anos 144.343 37.394 25,9 De 30 a 34 anos 127.147 23.255 18,3 Fonte: IBGE/PNAD
Inclusive, consoante diz Jinkings (2007, p. 17), similarmente aos EUA, a taxa
de desemprego do Brasil provavelmente seria acrescida se a população carcerária
fosse contabilizada 77 .
As tabelas 6 e 7 apenas corroboram o quanto delineado ao longo desta
dissertação: a prisão é formada por pobres e, majoritariamente, jovens. É possível,
por meio de sua leitura, concluir que o grosso da massa carcerária sequer terminou
o nível médio do ensino regular, um óbice natural à colocação no mercado de
trabalho. Outrossim, ao se estabelecer comparativo da tabela 7 com as de números
8 e 9, ratificase que cada vez mais será árduo reposicionamento nalgum posto de
trabalho, afinal, há grande contingente de jovens de baixa renda – que não têm passagem pelo sistema – em situação de desemprego.
Caso não haja desenvolvimento de programas ou políticas públicas
destinados aos egressos, sua chance de verse reinserido na rotina veloz da
sociedade (ou seja, no mercado de trabalho) é quase nula. Em condições de
igualdade, este homem ou mulher estigmatizado será sempre preterido, nem
tanto pela associação à figura do criminoso, e sim pelo seu despreparo –
notadamente, a falta de qualificação educacional para lidar com a intensa
competitividade do mercado.
77 Jinkings, Isabella. Ob cit, p. 17: Nesse sentido, podemse relacionar as baixas taxas de desemprego norteamericanas nas décadas de 1980 e 1990 com o crescimento desproporcional do encarceramento. O baixo índice de desemprego teria sido resultado não somente das políticas de flexibilização do mercado de trabalho, mas do encarceramento (e óbvio ocultamento nas taxas de desemprego) de parte significativa da população pobre norteamericana. A taxa de desemprego dos EUA seria, pelo menos, dois pontos percentuais mais alta se incluísse a população carcerária. No caso dos negros, sobretudo, a taxa de desemprego oficial estaria subestimada em um terço. Assim, nos EUA, “a gestão do desemprego e da precariedade social parece ter passado, em suma, do universo das políticas sociais para o da política criminal.” (DE GIORGI, 2006, p. 53) Além disso, é interessante lembrar que o contingente de trabalhadores empregados na indústria da segurança também é um número bastante considerável.
113
Portanto, à luz dos dados oficiais, temse como falsa a premissa de que o
cárcere serve como ambiente para que o condenado possa ser mantido para, anos
após, retornar ao convívio em sociedade ressocializado. É uma quimera querer emprestar tão nobre função à prisão, que, na sua própria concepção (a segregação),
é antagônica à lógica de interação numa sociedade que, constantemente, se
transmuta.
5.2.3 Cor de pele/etnia.
Há um clichê que se repete constantemente, em que se assevera ser a prisão
reservada aos chamados três “pês” (pretos, pobres e prostitutas). Naturalmente, que na Bahia, especialmente em Salvador, a reserva ao primeiro “pê” tenderá a ser maior,
afinal, a história descreve maciça presença de escravos negros africanos, desde o
século XVI e, hoje, negros e mestiços representam quase 80% da população da
Região Metropolitana, proporção que é ainda
mais elevada entre os segmentos mais pobres.
Por oportuno, registrese que ao
contrário do que ocorre nas pesquisas do IBGE,
onde a cor é autodeclarada, nos dados abaixo,
oriundos dos registros administrativos do
Ministério da Justiça, a atribuição de cor da
pele, geralmente, é feita por funcionários da
administração penitenciária, sendo portanto,
incomparáveis com os primeiros.
Os dados de 2007 mostram que a maioria dos custodiados são negros e
pardos (estes outrora chamados de mulatos), representando, em média, 80%, da
população carcerária, quadro semelhante ao encontrado na primeira prisão
construída na Bahia, segundo registros históricos do século XIX, conforme
exposto supra (4.3).
Tabela 10 – População Carcerária da Bahia segundo a Cor de pele/etnia, 2007
Cor de Pele 2007
Branca 12,6 Negra 17,4 Parda 68,0 Indígena 0,0 Amarela 0,1 Outras 1,9 Não Informado 0,0 Total 100,0 Fonte: Elaboração própria, com base nos Relatórios do Ministério da Justiça.
114
No conjunto, os dados apresentados permitem inferir que a prisão seleciona
pessoas de baixa renda e jovens, em sua maioria, um exército de negros e pardos,
no Estado da Bahia 78 , especialmente devido à formação histórica do povo baiano.
Tendo em vista que a pesquisa empreendida não pretendeu incursionar nos
debates sobre raça ou etnia, este tópico somente tem como função retratar esta
realidade, sem promover maiores análises sobre existência ou não de discriminação
ou seleção prévia de negros pelo sistema prisional.
5.2.4 Tempo de pena e tipos penais mais frequentes.
Importante aspecto a ser analisado, no que concerne à pena de prisão.
Resulta na observação da quantidade de tempo imposta como punição.
Tabela 11 – Tempo de Pena a ser cumprida no Sistema Penitenciário Baiano
Tempo de Pena Porcentagem da População SJCDH (%) 2005 2006 [1] 2007
Até 4 anos 16,8 15,9 19,8 Mais de 4 até 8 anos 31,4 28,2 34,7 Mais de 8 até 15 anos 21,8 26,7 21,8 Mais de 15 até 20 anos 12,1 13,3 12,6 Mais de 20 até 30 anos 8,2 7,3 7,7 Mais 30 até 50 anos 2,9 2,8 3,1 Mais de 50 até 100 anos 0,1 0,1 0,3 Não Informado 6,7 5,7 0,0 Total 100,0 100,00 100,00 [1] O Ministério da Justiça constou que somente 17 unidades prisionais informaram estes dados, ou seja, 94% do total, significando uma população de 7743 pessoas.
Fonte: Elaboração própria, com base nos Relatórios do Ministério da Justiça.
78 Anteriormente foi comentado sobre o clichê dos três “pês”, porém, nem sempre será possível constatálo, afinal, como o fizeram Gomes e Chamon (2007) ao investigar a realidade de um estabelecimento penitenciário no Vale do Paraíba, São Paulo, onde se detectou que 62% da sua população era de brancos. Na pesquisa coordenada pelo Dr. Edson José Biondi, em que foi analisado, por cinco anos, o perfil da população carcerária do Estado do Rio de Janeiro, constatouse maioria de brancos (46,6% do sexo masculino, 42,6%, sexo feminino) (RIO DE JANEIRO, 2006, p. 30).
115
Percebese que, em média, a maioria das condenações não ultrapassa 8
anos, significando, ao longo do período analisado, mais da metade da população
carcerária. Desta porcentagem, um terço cumpre pena em tempo inferior a 4 anos,
que poderia ser abreviado, visto que os efeitos do aprisionamento são mais efetivos
e deletérios junto àqueles submetidos à privação da liberdade por curto período 79 .
Registrese que nos próximos anos poderá haver substancial crescimento da
população com penas maiores do que 4 até 8 anos, porque a Nova Lei Antidrogas 80 ,
que entrou em vigor em setembro de 2006 promoveu o aumento da punição mínima
para o tráfico de drogas (art. 33), de 3 para 5 cinco anos e vedou qualquer hipótese
de substituição para penas restritivas de direito (alternativas), como vinha sendo
sedimentado pela jurisprudência dos Tribunais Superiores (art. 44, Lei
n°11.343/2006).
É preocupação antiga, no discurso da Criminologia Crítica 81 , a política de
repressão ao consumo e venda de substâncias entorpecentes, consideradas como drogas ilícitas. O Brasil, recentemente, editou novel diploma legal endurecendo as penas e definindo a prisão como pena única para a punição daqueles que
cometerem delito de tráfico e/ou condutas assemelhadas. Tendo em vista que a lei
data de 2006, há perspectiva de que nos anos vindouros os delitos patrimoniais
percam o primeiro posto entre os crimes mais cometidos, ou pelo menos o dividam
com os condenados sob timbre da nova Lei Antidrogas.
Ressalvese, ainda, que, abstratamente, se admite punição por meio da
prisão à penas inferiores a dois anos, o que é contraproducente para fins de ressocialização, fato este percebido desde o século XIX, por Franz von Listz 82 .
79 A privação da liberdade significa uma ruptura radical com a liberdade, com os laços sociais, profissionais e familiares. Assim sendo, a sua aplicação àqueles por curto período de tempo provoca muito mais efeitos nocivos do que aos demais cujas penas são mais severas. Inclusive, ainda no século XIX, Franz Von Liszt (2003, p. 153) criticava a existência de pequenas penas de prisão, asseverando que “elas não corrigem, não intimidam, nem põe o delinquente fora do estado de prejudicar, ao contrário, muitas vezes encaminham definitivamente para o crime o delinquente novel”. 80 Lei n° 11.343/2006. 81 Ver: OLMO, Rosa del. Las Drogas y sus discursos. In: PIERANGELI, José Henrique (org.). Direito Criminal, volume 5. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. 82 Segundo Bitencourt (2009, p. 63), uma das características do pensamento de Liszt, no que tange às penas, residia na luta pela “eliminação ou substituição das penas privativas de liberdade de curta
116
Também devem ser analisados, cuidadosamente, os tipos penais que têm
sido objeto de prisões provisórias e definitivas por parte do Poder Judiciário para se
apreender a necessidade ou não da custódia, considerandose os efeitos do
encarceramento no homem e a meta ressocializadora do sistema. No que concerne
a estes, farseá divisão de acordo com o objeto de proteção da norma penal:
a) Vida (art. 121 até 128, CP e Genocídio); b) Incolumidade física (art. 129, §§ 1°, 2° e 3°, CP, Lei de Tortura); c) Liberdade (art. 148, CP) d) Propriedade sem violência ou ameaça à pessoa (art. 155, 171, 180 CP); e) Propriedade com violência e ameaça à pessoa (art. 157, 158 e 159); f) Tráfico de drogas; g) Crimes sexuais (art. 213, 214, 218, CP); h) Coletividade (Estatuto de Desarmamento, art. 288 e 273, CP); i) Fé Pública (art. 297 a 334, CP); j) Administração Pública (art. 312 a 337ª, CP); k) Outros crimes.
Tabela 12 – Tipos Penais e População Carcerária Tipos Penais Porcentagem da População SJCDH (%)
2005 2006 [1] 2007 Grupo A 20,60 20,00 18,06 Grupo B 0,01 0,04 0,07 Grupo C 0,33 0,20 0,24 Grupo D 9,25 8,60 11,08 Grupo E 26,46 34,00 34,28 Grupo F 13,05 17,00 16,80 Grupo G 2,50 8,00 9,60 Grupo H 4,15 3,70 5,20 Grupo I 0,25 0,60 0,40 Grupo J 0,20 0,14 0,17 Grupo K 4,30 7,00 4,10 Não Informado 19,80 0,71 0,00 Total 100,00 100,00 100,00 [1] O Ministério da Justiça constou que somente 17 unidades prisionais informaram estes dados, ou seja, 94% do total, significando uma população de 7743 pessoas.
Fonte: Elaboração própria, com base nos Relatórios do Ministério da Justiça.
duração”, o que, digase, “representa o início de uma busca incessante de alternativas às penas privativas de liberdade de curta duração, começando efetivamente a desenvolver uma verdadeira política criminal liberal”. Não sem razão, o Código Penal contempla a hipótese legal da suspensão condicional da pena (art. 77 e ss.), para condenação não superiores a dois anos.
117
Fica evidente que quatro grandes grupos se destacam: os crimes contra a
vida (A), os crimes contra o patrimônio sem (D) e com (E) violência ou grave
ameaça à pessoa e o tráfico de drogas (F), que somados representam em torno de
80% de toda população carcerária custodiada pela SJCDH.
Frisese que os crimes que formam os Grupos D, H, I, J, que totalizam
uma média de 20% do sistema penitenciário baiano, admitem a substituição de
pena de prisão por restritiva de direito (alternativas), o que, seguramente, pode
servir como medida mais propensa à reinserção para criminosos de pequena
monta e, principalmente, diminuição considerável da população carcerária, pois
este percentual é superior ao deficit de vagas do sistema carcerário baiano, que foi de 16,3%.
Inclusive, merece registro que, em se tratando de crimes patrimoniais
cometidos com violência, aquele que mais se destaca é o roubo (art. 157, caput, § 1° e § 2°, do Código Penal), e não outros que revelem maior “periculosidade” do
agente, considerados como hediondos 83 , v.g.: o latrocínio (7,00%), extorsão
mediante sequestro (0,33%) e a extorsão seguida de morte (0%), dados de 2007.
Afirmouse algures que o sistema penal é seletivo, volta o seu arsenal
punitivo para as classes mais debilitadas economicamente. Isso se comprova, por
meio da leitura dos números sobre tipos penais, que há uma seletividade.
O sistema penal é apresentado como igualitário, atingindo igualmente as pessoas em função de suas condutas, quando na verdade seu funcionamento é seletivo, atingindo apenas determinadas pessoas, integrantes de determinados grupos sociais, a pretexto de suas condutas (as exceções, além de confirmarem a regra, são aparatosamente usadas para a reafirmação do caráter igualitário). (BATISTA, 2002, p. 2526
Sobre o mesmo aspecto, Wacquant (2001, p. 119) compreende que a política
penal severa, muito defendida atualmente, é consectária da falência das políticas
sociais e modelo de estado providência. Ante esta novel realidade, a seletividade
que era direcionada para os mais pobres, tornouse exclusiva:
83 Vide art. 1º, Lei n° 8.072/90.
118
O tratamento carcerário da miséria (re)produz sem cessar as condições de sua própria extensão: quanto mais se encarceram pobres, mais estes permanecem pobres, mais estes têm certeza, se não ocorrer nenhum imprevisto, de permanecerem pobres por bastante tempo e, por conseguinte, mais oferecem um alvo cômodo à política de criminalização da miséria. A gestão penal da insegurança social alimentase assim de seu próprio fracasso programado. (WACQUANT, 2001, p. 145)
Zaffaroni e Batista (2003, p. 48) apontam que a criminalização de alguém é
fruto da prévia existência de leis penais, porém, tem maior aplicação junto aos que
têm maior grau de vulnerabilidade, ou seja, são menos favorecidos. Embora existam
crimes que tangenciam condutas mais comuns às classes mais abastadas, como
dos delitos de “colarinho branco”, as agências estatais (polícia, ministério público)
ocupadas com a fiscalização do cumprimento de leis são impotentes na sua
persecução, o que, salientese, não quer dizer que não ocorram prisões e
condenações por estes crimes. Entretanto, o aparato punitivo é inclinado para
determinadas figuras sociais que preenchem o estereótipo criminal, segundo os
mencionados autores, configuradas nas:
Pessoas em posição social desvantajosa e, por conseguinte, com educação primitiva, cujos eventuais delitos, em geral, apenas podem ser obras toscas, o que só faz reforçar ainda mais os preconceitos racistas e de classe, à medida que a comunicação oculta o resto dos ilícitos cometidos por outras pessoas de maneira menos grosseira e mostra as obras toscas como os únicos delitos.
E arrematam, extraindo conclusão que ao se comparar com os índices e
números do sistema penitenciário baiano atestam a efetiva seleção de pessoas
ora debatida:
Isto leva à conclusão pública de que a delinquência se restringe aos segmentos subalternos da sociedade, e este conceito acaba sendo assumido por equivocados pensamentos humanistas que afirmam serem a pobreza, a educação deficiente, etc, as causas do delito (...) (ZAFFARONI e BATISTA, 2003, p. 48).
119
5.2.5 Reingresso no sistema penitenciário (fugas, abandonos e novas condenações).
Todo o discurso da legitimidade do sistema prisional é assentado na
perspectiva de mudança daquele que é submetido ao cárcere poder voltar ao
convívio social e reintegrarse. Assim, naturalmente, merecem especial atenção os
índices de reingresso no sistema. No âmbito da SJCDH contabilizase unicamente o
registro de retorno, sem, contudo, apontar a razão, seja, por exemplo, por recaptura
ou nova condenação.
A população carcerária, caracterizase em suma, por pessoas que têm uma
experiência prisional anterior. Os números colhidos junto aos órgãos oficiais
demonstram este preocupante dado, que lança por terra a função de reintegração
social. Por exemplo, no período de três anos, temse a taxa de reingresso em
26,5%, que se pode dizer como alta, levandose em consideração os princípios que
norteiam a instituição da prisão. Contudo, facilmente compreensível ao se constatar
com as verdadeiras funções do cárcere anteriormente expostas.
Este número quer dizer que de integralidade populacional um quarto termina
sempre retornando, seja por novos delitos ou recapturas. Muito embora, neste caso,
mereça destaque que, dentro do sistema penitenciário controlado pela SJCDH, o
número de fugas é bem diminuto, o que demonstra que o aprisionamento nos
moldes estatuídos não deve ser o meio mais hábil de promoção da ressocialização.
A tabela abaixo traz o número mensal de presos admitidos e que têm prévia
passagem pelos estabelecimentos penitenciários na Bahia (para internos provisórios
e definitivos), nos anos de 2005 a 2007. Inferese que há frequência na carreira
criminal, pois ao longo dos anos há tendência de retorno de pessoas que estiveram
encarceradas previamente, ou seja, já marcadas pelo sistema.
120
Tabela 13 – Reingresso no sistema penitenciário baiano Meses Número de Presos
2005 2006 2007 Janeiro 538 746 Fevereiro 21 561 682 Março 536 581 1186 Abril 432 604 1142 Maio 479 590 1112 Junho 397 563 1086 Julho 428 591 1076 Agosto 437 604 1081 Setembro 472 600 1149 Outubro 438 606 1149 Novembro 454 687 1099 Dezembro 460 624 1105
Fonte: Elaboração própria, com base nos Relatórios da SJCDH.
Vejase que, no final de 2007, da população carcerária total 84 , 13% foi fruto
de reingresso, representando, assim, uma estatística elevada à luz dos valores de
recuperação e reintegração do interno. Em 2006, este número era de 8%, enquanto
no ano anterior, era aproximadamente de 6,4%, apontando, portanto, evolução da
taxa de criminalidade e maior expansão do aparato de controle penal.
A Tabela de reingresso é muito influenciada pelos presos provisórios que têm
maior número de entrada e saída ao longo do ano. Não obstante, tal aspecto
chama a atenção do grande contingente populacional que é marcado pelo sistema
penitenciário que, por certo, provoca efeitos imediatos nas vidas destes presos, seja
dentro ou fora dos muros da prisão.
Outro fator que deve ser analisado mais detidamente dentro do sistema
penitenciário baiano, temse estampado nas informações da Tabela 14, abaixo
transcrita. Ali se expõe o índice de reiteração da atividade criminosa, configurada na
reincidência penal ou múltiplas condenações, outra forma comum de reingresso.
Antes de se enfrentar analiticamente os dados da tabela supramencionada,
importa estabelecer os conceitos de primariedade ou portador de bons antecedentes,
reincidência e portador de maus antecedentes, dentro da técnica jurídica.
84 Ver Tabela 6, p. 104.
121
Dizse primário ou portador de bons antecedentes, quele condenado que
nunca teve contra si imposta outra condenação, mesmo que, existam inquéritos ou
processos criminais em curso. Ou seja, é considerada primariedade pela
inexistência de antecedentes (nos termos do art. 59, CP), condenações com trânsito
em julgado que sejam anteriores. Neste sentido flui a jurisprudência mais crítica do
Supremo Tribunal Federal 85 . Descartase, para este fim, a consideração de
processos ou procedimento em curso, face o princípio constitucional da inocência
(art. 5°, inciso LVII, CF/88).
Por esse turno, o conceito de reincidência está grafado nos artigos 63 e 64 do
Código Penal 86 , que consiste na comissão de novel delito após haver transitado em
julgado sentença condenatória por crime anterior. Quer dizer, o agente cometeu um
crime e por ele foi condenado. No curso do cumprimento desta pena ou dentro de
cinco anos após a sua extinção, ele infringe, mais uma vez, a lei penal. Assim
sendo, quando da apreciação judicial deste novo fato, deverá ser considerado quantum de acréscimo à pena em virtude da recidiva 87 .
85 E M E N T A: HABEAS CORPUS INJUSTIFICADA EXACERBAÇÃO DA PENA COM BASE NA MERA EXISTÊNCIA DE INQUÉRITOS OU DE PROCESSOS PENAIS AINDA EM CURSO AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO PENAL IRRECORRÍVEL PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA NÃO CULPABILIDADE (CF, ART. 5º, LVII) PEDIDO DEFERIDO, EM PARTE. O princípio constitucional da nãoculpabilidade, inscrito no art. 5º, LVII, da Carta Política não permite que se formule, contra o réu, juízo negativo de maus antecedentes, fundado na mera instauração de inquéritos policiais em andamento, ou na existência de processos penais em curso, ou, até mesmo, na ocorrência de condenações criminais ainda sujeitas a recurso, revelandose arbitrária a exacerbação da pena, quando apoiada em situações processuais indefinidas, pois somente títulos penais condenatórios, revestidos da autoridade da coisa julgada, podem legitimar tratamento jurídico desfavorável ao sentenciado. Doutrina. Precedentes. 86 Art. 63 Verificase a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.
Art. 64 Para efeito de reincidência:
I não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação;
II não se consideram os crimes militares próprios e políticos. 87 O instituto penal da reincidência, desde muito, é objeto de crítica por parte de setores mais liberais do pensamento penal brasileiro. Para SANTOS (2005, p. 120121) “o reconhecimento oficial da ‘ação criminógena’ (EM, n.26), demonstrada pela pesquisa criminológica universal, exige redefinição do conceito de reincidência criminal, excluindo a hipótese formal irrelevante da reincidência ficta, incapaz de indicar a indefinível presunção de periculosidade, e definindo a situação concreta relevante da reincidência real como produto da ação criminógena da pena (e do processo de criminalização) sobre o condenado, por falha do projeto técnicocorretivo da prisão. (...) Em conclusão, nenhuma das hipóteses de reincidência real ou de reincidência ficta indica situação de rebeldia contra a ordem social garantida pelo Direito Penal: a reincidência real deveria ser circunstância atenuante e a reincidência ficta é, de fato, um indiferente penal”. Traz ainda SANTOS (2005, p. 121) a ofensa ao
122
No que tange aos portadores de maus antecedentes − é um conceito obtido
por exclusão, qual seja, são aqueles que têm contra si decisão judicial transitada em
julgado, que não se coaduna no conceito legal de reincidência 88 .
Tabela 14 – Presos Primários Condenados e Reincidentes no sistema prisional baiano (2005 – 2007)
Status Número de Presos
2005 2006 2007 Presos Primários com Uma condenação anterior 1.100 990 3.629 Presos Primários com Mais de uma condenação anterior 248 220 305
Presos Reincidentes 460 684 1.105
Fonte: Elaboração própria, com base nos Relatórios do Ministério da Justiça.
Resta, portanto, evidenciado que o tratamento prisional é ineficaz para conter
a reincidência criminal, segundo os números apresentados pelo Ministério da
Justiça. À guisa de exemplo, em 2007, dentro do universo de 8.620 custodiados,
5.039 foram condenados em outra oportunidade, configurando assim 61% da
população. Destes, 1.410 já tiveram anterior passagem pelo cárcere. Portanto, dos
presos definitivos (4.954), 28,5% reincidiram após haver cumprido no passado. Fora
de qualquer dúvida, uma alta taxa, que demonstra existirem imperfeições nesta
forma de punição.
Como assevera Gomes (2008, p. 194) ao comentar os índices de reincidência
do sistema penitenciário do Brasil apresentado pelo Governo Federal, variável entre
70% e 85%:
princípio constitucional do no bis in idem como sendo um dos argumentos hábeis a desconstituir a reincidência no ordenamento jurídicopenal. Neste particular, a 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul tem firme posicionamento em defesa da inconstitucionalidade da reincidência face esta argumentação. Porém, os Tribunais Superiores afastam este pensar ao reconhecer a constitucionalidade deste instituto. 88 O Superior Tribunal de Justiça editou súmula exigindo que não fosse confundido pelos juízes e tribunais os conceitos de reincidência e maus antecedentes. Vejase: STJ Súmula nº 241 (23/08/2000 DJ 15.09.2000): Reincidência Circunstância Agravante Circunstância Judicial. A reincidência penal não pode ser considerada como circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial.
123
Dessa forma, fica patente que a utilização da prisão não tem cumprido a sua função preventiva especial reclamada pela pena que, embora não possa ser medida única e exclusivamente por meio de índices de retorno ao crime por parte daqueles egressos do sistema carcerário, tem, neste ponto nevrálgico, um fortíssimo indicativo deste fracasso.
Ou seja, o cárcere como medida principal de combate à criminalidade serve
como instrumento de replicar infratores, novos e velhos, ou como diria Foucault
(1998b, p. 221), “as prisões não diminuem a taxa de criminalidade: podese
aumentálas, multiplicálas ou transformálas, a quantidade de crimes e criminosos
permanece estável, ou, ainda pior, aumenta.”
Sentencia Thompson (2007, p. 99) sobre a reincidência e as funções
declaradas da prisão:
A recidiva implica a prova incontestável de que a instituição falhou no objetivo regeneração (assim como na meta intimidação): submetido ao tratamento, com frequência por vários, muitos anos, o indivíduo continuou tão criminoso como antes.
Ao longo deste período (20052007), registraramse ainda a ocorrência de 62
fugas dos três regimes, 45 abandonos de cumprimento de pena em regime
semiaberto e aberto e 62 reinclusões no sistema 89 . Os dados de 2008, embora não
sejam ainda definitivos, se demonstram graves, indicam 166 fugas e 93 abandonos
em apenas quatro meses, ambos do regime semiaberto, sendo que somente se
conseguiu fazer 35 reinclusões.
As informações acima confirmam, portanto, que “a detenção provoca
reincidência; depois de sair da prisão, se têm mais chance que antes de voltar para
ela, os condenados são em proporção considerável, antigos detentos” (FOUCAULT,
1998b, p. 221).
89 A reinclusão significa a recaptura do fugitivo ou de quem abandonou o cumprimento da pena.
124
5.2.6 Laborterapia (trabalho externo e interno)
A vida intramuros reserva poucas atividades ao preso, a principal delas é o
trabalho, que além de servir como meio de reduzir a pena – por meio do instituto da
remição 90 , serve como uma redenção do condenado para retornar aos moldes
vigentes na sociedade. O trabalho na Lei de Execução Penal é “dever social e condição
de dignidade humana. Terá finalidade educativa e produtiva” (vide artigo 28).
Como diz Bitencourt (2009, p. 503), “é a melhor forma de ocupar o tempo
ocioso do condenado e diminuir os efeitos criminógenos da prisão, e a despeito de
ser obrigatório, é um direitodever do apenado”. Ademais, é nítida a persistente ideia de que ele redime. Enfim, de que é o caminho mais rápido para a almejada
ressocialização.
Não obstante o labor carcerário tenha suma importância, tanto no sistema
baiano, como no restante do país, há, ainda, insuficiência de postos. Ou seja, nem
todo custodiado tem efetivamente direito ao trabalho. Este tema, inclusive, foi
adredemente explorado no Relatório “Situação do Sistema Carcerário Brasileiro”,
realizado pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias − Câmara dos Deputados
em parceria com a Pastoral Carcerária – CNBB, em julho de 2006, sendo
formuladas, sobre este tema, as seguintes propostas:
Que o Estado estabeleça convênios com o Sistema “S” – SESC, SENAI, SENAT para profissionalização dos internos. Criação de programas sociais que possibilitem ao egresso real integração na sociedade com acompanhamento médico, psicológico e econômico. Criação de programas que possibilitem a formação de uma população carcerária útil e produtiva para a sociedade.
90 A remição é instituto concebido em sede de execução penal que estabelece que a cada três dias trabalhados, será abatido um dia de pena, para fins de livramento condicional (art. 126130, LEP). No entanto, a jurisprudência nacional pacificou entendimento que a remição pode ser também utilizada para progressão de regime. Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça editou a súmula 341, que estende os benefícios da remição aos que estudam.
125
A Pastoral Carcerária fez um relatório próprio e qualificou a realidade
baiana assim: DA FALTA DE ATIVIDADES LABORATIVAS PARA OS PRESOS RESSOCIALIZAÇÃO: Com exceção do Conjunto Penal de Jequié, onde um número maior de presos trabalha, na maioria das unidades da Bahia, pouquíssimos presos têm acesso ao trabalho. Atividades de ressocialização dos presos ainda são um sonho na Bahia. (PASTORAL CARCERÁRIA DA BAHIA, 2007)
As recentes estatísticas do sistema carcerário comprovam a lacuna
identificada pelos parlamentares e clérigos. No modelo vigente o trabalho se divide
em externo e interno; o primeiro mais afeto aos presos que cumprem pena no
regime semiaberto e aberto e, excepcionalmente (c. f. art. 36, LEP), para aqueles do
regime fechado.
Atualmente, o trabalho prisional é explorado, basicamente, por empresas
privadas, embora, no passado, o próprio Estado tenha abrigado, na administração
direta e indireta, alguns condenados. Esta forma se revela como importante, pois
propicia ao condenado maior contato e interação com a sociedade livre.
Tabela 15 – Laborterapia: Trabalho Externo.
Trabalho externo Número de Presos
2005 2006 [1] 2007 Empresa Privada 190 12 177 Administração Direta 3 9 0 Administração Indireta 24 0 0 Total 216 21 177 [1] O Ministério da Justiça constou que somente 17 unidades prisionais informaram estes dados, ou seja, 94% do total, significando uma população de 7743 pessoas.
Fonte: Elaboração própria, com base nos Relatórios do Ministério da Justiça.
O trabalho interno se verifica entre os presos submetidos ao regime
fechado e semiaberto, sendo comum a profusão de artesanato e “apoio ao
estabelecimento penal” – que consiste em realizar tarefas de limpeza e pequenos
consertos nas unidades.
126
Tabela 16 – Laborterapia: Trabalho Interno.
Trabalho interno Número de Presos
2005 2006 [1] 2007 Artesanato 504 778 1.077 Apoio ao Estabelecimento Penal 442 608 542 Atividade Rural 37 265 35 Outros 80 1.385 796 Total 1.063 3.036 2.450 [1] O Ministério da Justiça constou que somente 17 unidades prisionais informaram estes dados, ou seja, 94% do total, significando uma população de 7743 pessoas. Fonte: Elaboração própria, com base nos Relatórios do Ministério da Justiça.
Merece registro o fato de que o trabalho carcerário se destina,
majoritariamente, aos que cumprem pena em definitivo, embora existam presos
provisórios que exerçam atividade laboral.
De todo o contingente populacional, percebese que houve um crescimento
do número de envolvidos nestas atividades de 2005 para 2006, de 17,7% para
39,5%. Porém, de 2006 para 2007, houve considerável decréscimo de postos de
trabalho externo e interno, uma queda de 7,7%. Os primeiros índices de 2008 (jan
abr) demonstram retomada de novas frentes de trabalho, especialmente as
remuneradas, que, aproximadamente, quintuplicaram, de 177 para 883 pessoas. Em
relação ao ano anterior, também se confirma aumento de 4,6% da população
carcerária que exerce atividade laboral.
Esta oscilação do número de presos com atividades laborais revela que o
trabalho dos presos ainda não está estruturalmente incorporado ao sistema, não se
constituindo, portanto, em componente de uma política pública voltada para viabilizar
e assegurar a ressocialização, apregoada como uma das metas do sistema
penitenciário.
Destacase deveras o aumento da iniciativa privada na exploração da mão
deobra carcerária, preferencialmente, àqueles que cumprem pena em regime
fechado. Explicase este interesse por algumas razões, − a parceria entre Estado e
empresa é benéfica a esta porque os custos de produção são bem diminuídos, pois
aquele lhe cede o local para funcionamento da produção e energia sem qualquer
ônus; a relação entre preso e empresa não cria vínculo trabalhista, além disso, há
127
um teto mínimo de remuneração fixado em três quartos do salário mínimo vigente,
sendo somente o empresário compelido a recolher as contribuições previdenciárias,
a teor do art. 29 e 30, da Lei n°7.210/84.
A mãodeobra prisional vê o trabalho como uma ocupação que lhe traz boa
estima perante o corpo funcional e a Justiça de Execução Penal; também, pode
diminuir sua pena através da remição 91 ; e a remuneração lhe serve como forma de
sustentar a família e a si próprio, durante o período de encarceramento.
Por outro lado, há constante decréscimo de utilização da força de trabalho
dos presos em apoio ao estabelecimento prisional (prestação de pequenos reparos,
serviços de limpeza, serviços gerais, etc). Entendese este fenômeno uma inversão na administração penitenciária brasileira, que sempre se serviu dos custodiados
para tais afazeres como uma consequência da crescente terceirização dos serviços
de competência do Estado 92 .
O quadro fático é grave, pois se cobra do encarcerado a disposição e o
trabalho, porém, dificilmente se conseguirá criar novos postos e frentes de trabalho.
A realidade do sistema prisional brasileiro (e baiano) é de escassas oportunidades
de incorporação dos presos à atividade produtiva, dentro ou fora das penitenciárias.
Outra crítica a ser feita reside no tipo de atividades exploradas, nenhuma
delas, ou quase nenhuma, tem aplicabilidade na vida futura de um egresso. São
passageiras e inúteis para a vida extramuros. Não há empresas de tecnologia ou
serviço que possibilitem melhor inserção no mercado de trabalho externo. Conclui
se, assim, que o mercado de trabalho prisional é composto por empresas que optam
por uma redução de custo, marcadamente, pela admissão de mãodeobra menos
qualificada e desenvolvimento de atividade mais braçal e menor relevância
econômica. Isso, com efeito, é desvantagem que o egresso leva consigo quando do
seu retorno à sociedade.
91 Vide nota de rodapé n° 91. 92 Do ano de 2006, quando 608 presos exerciam estas atividades caiu este número para 542, em 2007, e até o mês de abril/2008, 415.
128
5.3 PROGRAMAS PÚBLICOS DE RESINSERÇÃO SOCIAL NO COMPLEXO PENITENCIÁRIO LEMOS BRITO.
Conforme exposto anteriormente, uma das funções declaradas do cárcere é a
ressocialização, que, no modelo penitenciário vigente, é simbolizada pelo
incremento e reforço da correção por meio do trabalho e educação. Nesse sentido,
a Lei de Execução Penal (LEP) garante ao preso alguns direitos, que inspiram as
frentes de trabalho para os presos:
Art. 10 A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Parágrafo único A assistência estendese ao egresso. Art. 11 A assistência será: I material; Il à saúde; III jurídica; IV educacional; V social; VI religiosa. Art. 13 O estabelecimento disporá de instalações e serviços que atendam aos presos nas suas necessidades pessoais, além de locais destinados à venda de produtos e objetos permitidos e não fornecidos pela Administração. Art. 14 A assistência à saúde do preso e do internado, de caráter preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico. Art. 17 A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado. Art. 22 A assistência social tem por finalidade amparar o preso e o internado e preparálos para o retorno à liberdade: V promover a orientação do assistido, na fase final do cumprimento da pena, e do liberando, de modo a facilitar o seu retorno à liberdade
A ideologia de ressocializar por meio do trabalho é realidade nacional, como
se vê na própria Lei de Execução Penal, no entanto, não há uma política pública
do Estado brasileiro para o sistema penitenciário. Na verdade, cada unidade da
federação desenvolve suas próprias políticas (ou programas ou projetos)
destinadas ao sistema carcerário, de forma independente e desarticulada.
Provavelmente, por tal quebrantamento inexista, de fato, uma política de Estado e,
somente, programas isolados.
Na Bahia, a maioria dos programas existentes tem como objetivo estimular
desenvolvimentos de atividades ligadas ao trabalho, afinal, este é o elo do preso
com a sociedade. O outro pilar é a educação, − embora somente se verifiquem
cursos de ensino fundamental e médio. A SJCDH, responsável por zelar pela
129
administração penitenciária, tem investido em programas para desenvolvimento de
atividades laborais e educacionais.
Cumpre registrar que há ânsia de se estimular mais programas que se voltem
ao ideal de ressocialização. Em entrevista feita junto à coordenação de laborterapia
da SJCDH, informouse que este órgão público enfrentava uma mudança de
mentalidade. Inicialmente, para se poder discutir e desenvolver estratégias de
ressocialização foi preciso promover a qualificação daqueles que trabalham em
contato direto com os condenados: os agentes penitenciários. Para tanto, criouse a
Escola Penitenciária, que tem como meta requalificar o corpo técnico provocando
sua constante valorização e enfrentando temas conflitantes desta atividade.
Em 2007, foram firmados convênios com o Serviço Nacional de
Aprendizagem Comercial (SENAC) e Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
(SENAI) para realização de 78 cursos profissionalizantes. No entanto, este esforço
conseguirá, no máximo, atender a um público estimado de 1305 custodiados, o
equivalente a apenas 15,8% da população carcerária daquele ano.
A maioria dos cursos do SENAI cingese à construção civil (assentador de
piso, pedreiro polivalente, eletricista predial, pintura em madeira) 93 , enquanto os do
SENAC são afetos a serviços (barbeiro, manicure, mega hair, preparação de abará e acarajé, garçom e relações humanas, higiene e manipulação de alimentos) e artes
(pintura em tela, escultura em porcelana, velas artesanais).
Carvalho Filho (2004) já reclamava ações como estas, que por meio do
empreendedorismo promovem maior capacitação do futuro egresso para realocação
num mercado de trabalho extremamente competitivo:
É importante que haja uma maior reflexão sobre o que significa capacitar para o trabalho, no momento em que a economia mundial reduz drasticamente os postos formais de trabalho. A capacitação para o trabalho autônomo, empreendedor e sustentável é muito mais eficaz no sentido de oportunizar a geração mais imediata de ocupação e consequentemente de renda.
93 Além destes são oferecidos: fabricação de brinquedos, pintura em tecido, jardinagem, costura industrial, panificação e mecânico de motor. Este último, inclusive, não será mais realizado, ante a falta de equipamentos e estrutura adequados.
130
Além destes, funcionam nas dependências da Penitenciária Lemos Brito
(PLB) 8 oficinas de trabalho (Vasourart, Ducarro, Salomon, Requinte Móveis,
Premoldart, Himalaia, Renascer e Frastec), fruto de parceria entre o Estado e a
iniciativa particular, que empregaram, até junho de 2008, apenas 70 internos.
Uma conhecida marca de equipamentos esportivos explorava o trabalho
prisional na Bahia. Em 2007, foram computados 122 costuradores de bola. No
entanto, as atividades da empresa na PLB (e outros estabelecimentos penitenciários
da Bahia) foram encerradas em 2008. A sua saída paulatina do sistema carcerário
baiano ocasionou uma queda considerável nos postos de trabalho disponíveis no
sistema − na capital e interior, uma vez que ela era responsável, sozinha, por nada
menos que 34,4% das vagas do “mercado de trabalho carcerário”. Assim, apenas
no primeiro semestre de 2008, registrouse um defict de 38% de vagas oferecidas e
preenchidas, quando comparado ao mês de janeiro do mesmo ano.
Conforme dito alhures, é patente, portanto, que a integração do homem
condenado ao trabalho prisional tenha sido feita pela participação ativa da
iniciativa privada, que, dos aproximados 160 empregadores, se encontram
empresas, pessoas físicas, igrejas, etc. No ano anterior, somente três entidades
faziam parte do Estado − os Correios, que admitiu vinte e seis condenados e as
Secretarias municipais de Agricultura e Saúde de Ilhéus, que juntas absorveram
quatro. Ou seja, 3% de toda a população carcerária empregada. As empresas
privadas que têm em seus quadros condenados, em maioria, são afetas aos
terceiro setor prestação de serviços.
Naturalmente, não se pode esperar que o Estado abrace a todos que
cumprem penas; porém, é evidente a necessidade de um maior incentivo e
participação na abertura de frentes de trabalho, para cumprir metas que o ele se
obrigou visando a ressocialização.
Salientese, ainda, que a obtenção de trabalho por um condenado não
significa que ele será devidamente realocado no mercado de trabalho após a
obtenção da liberdade, pois o interesse maior de sua contratação devese às
facilidades e menor custo do que o trabalhador livre. Assim, findo o seu tempo de
131
pena, principalmente para os condenados ao regime fechado, perdese a vaga, e
voltase à estaca zero: o desemprego.
Não sem razão, há crescente estímulo por parte da SJCDH ao denominado
empreendedorismo, haja vista os cursos profissionalizantes ofertados. O trabalho
intramuros reverbera a realidade externa, onde a flexibilização conduziu ao
incremento da precarização do labor assalariado e ao desemprego. A alternativa do
empreendedorismo tem sido colocada como alternativa para os que não conseguem
uma inserção no mercado de trabalho.
No caso do egresso, além das dificuldades de reingresso ao mercado formal
de trabalho que padece um desempregado, ele enfrenta ainda o rótulo de ex presidiário, muito associado à imagem de criminoso nato, sempre marginalizado. Logicamente, exceções existirão.
Com efeito, há insuficiência de vagas, quando comparado ao número de
pessoas que integram o sistema carcerário baiano (item 5.1.6 supra). Inclusive,
algumas alternativas têm sido utilizadas para dar vazão a esta realidade −
atividades como a limpeza da própria cela, de áreas comuns, enfim, manutenção
das unidades, têm servido como postos de trabalho. Embora não se remunere por
isso, operase a remição, além de servir como prova de “boa conduta carcerária”, o
que o coloca mais próximo de futura vaga no trabalho remunerado.
Segundo dados oficiais da administração da Penitenciária Lemos Brito, no
primeiro semestre de 2008, 35% dos seus internos estavam exercendo atividade
laboral, sem ou com remuneração. No entanto, este aparente resultado exitoso ao
ser comparado com o ano anterior, revelase como decepcionante, pois houve
decréscimo de 30,5% em todas as espécies de postos de trabalho e aumento da
população carcerária.
132
Tabela 17 – O Trabalho na Penitenciária Lemos Brito (2007 – 2008)
Tipo de Trabalho Número de Presos que trabalham
2007 2008 94
Artesanato 514 438 Manutenção da Unidade 33 28 Empresa Privada (Remunerada) 258 93 Total 805 559
Fonte: Elaboração própria, com base nos nas informações fornecidas pela SJCDH.
Analisando os dados do labor prisional na Penitenciária Lemos Brito (PLB),
no ano de 2007, observase, de janeiro a dezembro, aumento de 25% de internos
em atividades laborais remuneradas. Nos seis meses iniciais de 2008, a mesma
realidade não se reflete, mas, uma queda acentuada de 55%. Das nove empresas
parceiras, com oficinas na PLB, sete promoveram redução de pessoal e uma delas
– a maior – como foi dito, passou a não mais explorar a mãodeobra carcerária.
Este é um dado preocupante, afinal, se constata uma crescente população
carcerária. De dez/2007 até abril/2008 foi de 8,1%, com uma taxa de saída diminuta
de 2,6%, o que causa excesso de ingresso no sistema, alargando o grande defict de vagas e postos de trabalho existentes – o que contraria os ideais de transformação
do homem criminoso em sociável, preconizados na Lei de Execução Penal.
Investese, também, em programas que promovam a educação, já que
grande parcela dos internos nem mesmo completou o ensino médio. A maior
dificuldade encontrada reside na ausência de locais apropriados para servir como
salas de aula ou bibliotecas, por esta razão muitas unidades não conseguem manter
frequência necessária às escolas dentro das unidades penitenciárias 95 .
De acordo com dados fornecidos pelas unidades prisionais, em 2007, 11,6%
da população carcerária da Bahia foi atendida como aluna nas diversas escolas
existentes intramuros. Em média, as taxas de evasão foram pontuais, como nos
conjuntos penais de Feira de Santana, Jequié, Juazeiro e na Colônia Lafayete
94 Os dados referentes a 2008 são somente referentes aos meses de janeiro até junho. 95 As escolas penitenciárias, no âmbito do estabelecimento prisional, são criadas pela SJCDH, que contrata professores para lecionar aos internos.
133
Coutinho, e nos demais houve grande adesão. Na PLB o crescimento ao longo do
ano foi de 39%.
Por certo, a tendência será de evolução do contingente de alunos e escolas,
principalmente, com a edição da Súmula 341 do STJ 96 , que admite a remição por
meio de estudo 97 . Um simples exemplo temse na colheita de dados de 2008, antes
das férias escolares, no mês de março, que aponta existirem 1267 alunos
matriculados; 20,8% a mais que no mesmo período do ano anterior.
Os menores índices de alunos matriculados se constata nas unidades que
custodiam presos provisórios, enquanto nas que têm presos definitivos os índices
são maiores. No contexto global, os condenados matriculados constituem 12% da
população carcerária total. Citese que, no primeiro semestre de 2008, havia registro
de 60 professores contratados, embora em nove unidades nenhum deles atuasse
por por não haver sido instalada a escola.
Recentemente, algumas iniciativas pontuais vêm sendo implementadas, a
partir de 2007, no sistema penitenciário baiano. No Conjunto Penal de Itabuna,
desenvolvese uma oficina de música com 20 internos; o Centro Cultural Itabunense
tem um projeto que objetiva montar um curso para maestro; a Superintendência de
Desporto da Bahia (SUDESB) tem um projeto que visa implantar a prática de
atividades desportivas nas diversas unidades do Estado. Há, ainda, convênio da
SJCDH com a Secretaria de Educação e Cultura (SEC) para promover a instalação
de “Pontos de Leitura”, que seriam montados no pátio de cada unidade prisional e
serviriam tanto para os internos como para os agentes penitenciários.
O Ministério da Justiça em parceria com as Secretarias de Justiça dos
Estados desenvolveram um projeto que mescla educação e trabalho, denominado
“Arca das Letras”. Esta iniciativa nasce de ação interministerial (Ministérios da
Cultura, Justiça e Meio ambiente), visando a instalação de pequenas bibliotecas em
96 Verbete: "A frequência à curso de ensino formal é causa de remição de parte do tempo de execução de pena sob regime fechado ou semiaberto". 97 No Estado da Bahia, segundo informações da SJCDH, temse fixado que a cada doze horas de estudo, abaterseá um dia de pena.
134
comunidades rurais. Caberá aos custodiados, escolhidos mediante aptidão para o
serviço e interesse, a confecção das arcas, onde serão colocados os livros. Na
Bahia, este programa funciona com um grupo de 21 pessoas, sendo que uma delas
será o coordenador. Todo o trabalho desenvolvido neste programa é remunerado 98 .
Quase a totalidade dos programas e projetos desenvolvidos pela SJCDH é
direcionada para aqueles que ainda cumprem a pena e são pautados pelas
conhecidas regras de labor e educação. Entretanto, a maior dificuldade de quem
passa pelo cárcere é o retorno ao convívio social, pois, geralmente, o re
enquadramento é árduo, pela própria escassez de emprego no mercado livre de
trabalho, e a ruptura dos laços familiares, profissionais e sociais, que, na maioria
dos casos, é abrupta e prolongada pela rotulação de expresidiário ou, ainda, que
faz parte do “mundo do crime” − uma qualidade negativa vista como inerente ao
egresso. Enfim, múltiplos fatores podem servir como percalço à reinserção social.
O Governo do Estado da Bahia, desde 2003, busca construir um programa
que possa servir para preencher esta lacuna, que é facilmente identificada. Ainda
naquele ano, foi concebido o “Menos presos, mais cidadãos”, que contemplava em
uma de suas vertentes os egressos. Basicamente, consistia no cadastramento de
empresas que empregassem recémliberados, seja por livramento condicional ou
cumprimento da pena, arcando com parte da remuneração (até R$ 200,00 –
duzentos reais) deste por um ano.
Com a mudança na cúpula da SJCDH, o antigo projeto foi remodelado. A
primeira mudança foi o nome, passando a ser denominado: “Liberdade e
Cidadania”. O programa se arrima no cultivo da responsabilidade social do setor
privado, que consiste num modelo gerencial que pretende obter e manter a
sustentabilidade econômica, qualificando eticamente a empresa e a sociedade.
Pretendese construir um conceito de cidadania empresarial, ou seja, promover a
maior interação entre empresariado e projeto de natureza social, um compromisso
com melhor e maior qualidade da vida em sociedade. O programa já está em
andamento, havendo iniciado o curso de formação dos futuros egressos.
98 O coordenador perceberá R$622,00 (seiscentos e vinte e dois reais), enquanto os demais a metade.
135
Para a execução deste programa a SJCH firmou convênio com a Fundação
Dom Avelar Brandão Vilela, entidade da Arquidiocese de São Salvador Bahia, e a
Pastoral Carcerária. Existem dois eixos de ações para promoção do acesso dos
egressos ao mercado de trabalho: incentivo ao emprego formal; implementação de
projetos de geração de ocupação e renda (empreendedorismo).
O “Liberdade e Cidadania” tem como públicoalvo os egressos, que
cumpriram a pena ou estejam em livramento condicional, e condenados que têm
direito ao trabalho externo. O objetivo do programa é promover a reintegração
produtiva do egresso, direcionada e acompanhada, por meio de sua inserção no
mercado de trabalho. O Estado incentiva as empresas privadas a participarem deste
programa arcando com 50% dos vencimentos dos egressos, limitado a R$ 320,00
(trezentos e vinte reais), por um período máximo de um ano.
Os egressos serão escolhidos após consultas ao Serviço Social do
Conselho Penitenciário, Vara de Execuções Penais, SOS Presídios, Agente da
Pastoral Carcerária ou Patronato de Presos e Egressos. Em seguida, submetido
a atendimento por equipe multidisciplinar para refinar o grupo ideal para
participar do programa.
Assim, portanto, definido o grupo, os egressos serão submetidos a um curso,
onde lhes será apresentado o projeto, expondo seus objetivos e metas. Após, serão
realizadas sessões para verificação de habilidades interpessoais, visando resgate
do bom convívio familiar, social e profissional.
O curso é chamado de “Preparando para a Liberdade” e conta com
profissionais da área jurídica, sociológica, e psicológica. Enfrenta temas recorrentes
para os egressos e serve de acomodação ao futuro status. Outra função do curso é traçar perfil psicológico e profissional do egresso, para, no momento posterior,
preparálo para os desafios do mercado de trabalho, por meio de dinâmicas e
oficinas, simulando situações vindouras como abertura de negócio, planejamento de
ações, apresentação, dentre outras.
136
O programa ainda contempla duas fases, a inserção do egresso no mercado
de trabalho, que poderá ocorrer por meio de empresas que aderiram, e prospecção
de atividade empreendedora. Uma vez que o egresso obtiver a colocação
profissional, a coordenação irá manter acompanhamento, avaliação de seu
desempenho e, ao final, prestar contas, encerrandose, assim, o papel do Estado
para com aquele homem. Esta interação entre Estado, representado na
coordenação do programa, é deveras importante como ação preventiva de futura
recidiva, afinal, aponta Sá (1987, p. 26):
Assim é de crucial importância o fato do egresso ter família que o acolha ou não, e a forma como se dá essa acolhida; a aceitação junto aos seus grupos de amizade e de trabalho; a confiança ou desconfiança com que é acolhido; as oportunidades de emprego, de autossustentação.
O “Liberdade e Cidadania” é um programa que ainda tem reduzida
abrangência no contingente populacional do sistema penitenciário baiano (somente
vinte vagas), por isso não se poder tecer maior análise, vez que não existem
resultados de sua primeira edição. Apesar disso, os seus postulados e a forma
como foi construído, indicam uma transição da segregação à liberdade, que
possibilita ao egresso o autoconhecimento, a conscientização sobre seu papel, e
apoio para enfretamento do estigma que paira sobre si e da disputa no mercado de
trabalho.
Outrossim, está em discussão, e, futuramente, poderá ser ferramenta útil
junto a este programa, o Projeto de Lei Estadual n°16.851/2007, de autoria do
Deputado Estadual Fernando Torres, que pretende obrigar as empresas
tercerizadas, que mantém contrato com o Governo do Estado da Bahia, a reservar,
no mínimo, 1% da sua mãodeobra para egressos (aqueles que cumpriram pena ou
estão em livramento condicional).
Pires e Gatti (2006) anotam experiência similar no projeto Reciclando Papéis
e Vidas, envolvendo egressos da Penitenciária de Brasília, que, num primeiro
momento eram descrentes com a empreitada, porém, ao final, os resultados foram
compensadores. Entretanto, o maior entrave para a reinserção social reside na
137
“recuperação da autoestima, dos vínculos familiares que se têm, da superação das
‘regras da cadeia’ e recuperação da confiança” (PIRES e GATTI, 2006, p. 64).
Implicitamente, a discussão sobre a vida em liberdade auxilia vencer um
grave equívoco alimentado pelo sistema penitenciário: o bom preso será bom
cidadão. A mudança do mundo sem liberdade para o mundo da liberdade requer
este período de adaptação, pois “o mundo da prisão é completamente diferente,
em muitos pontos antagônicos, daquele existente extramuros” (THOMPSON,
1980, p. 12).
Como afirma, categoricamente, Augusto Thompson (1980, p. 1314):
Gostaria de anotar que, se adaptação à prisão não significa adaptação à vida livre, há fortes indícios de que adaptação à prisão implica em desadaptação à vida livre. Dostoieviski, através da dolorosa experiência como prisioneiro, extraiu a conclusão de que o convicto ‘regenerado’ é apenas uma múmia ressequida e meio louca. E Papillon atribuiu seu sucesso de adaptação à vida livre exatamente à circunstância de ter sido sempre, o inverso de um ‘bom’ preso.
O sucesso do programa “Liberdade e Cidadania” consistirá em fazer os
futuros egressos desaprenderem tudo que até ali criam ser o modelo
comportamental para a liberdade, pois o “bom preso” só é útil dentro da prisão.
Na esteira do que dizia Alessandro Baratta (1991), assegura Sá (2007, p.
117) que “a reintegração social do preso se viabilizará na medida em que se
promover uma aproximação entre ele e a sociedade”. Deste modo, este programa
pode ser uma ferramenta útil para que possa “o cárcere se abrir para a sociedade e
esta se abrir para o cárcere” (SÁ, 2007, p. 117), mas no atual estágio nada pode ser
dito quanto aos seus resultados efetivos, nem sobre o envolvimento de empresas e
sociedade civil.
O Estado da Bahia, tal qual o Brasil, não se ocupa em tratar a questão do
condenado e egresso por meio de políticas – e não meros programas ou projetos –
públicas de reinserção social. Há resistência em se instituir planejamento
direcionado a suprir as mazelas e lacunas desnudadas por meio da análise das
estatísticas oficiais do sistema penitenciário.
138
5.3.1 Ponto de vista dos condenados sobre cárcere, trabalho, liberdade e ressocialização.
Nos tópicos anteriores foram explorados os dados de todo o sistema e os
programas que são desenvolvidos pela SJCDH. Naturalmente, além das
investigações documentais, para se comprovar a eficiência e eficácia do modelo
punitivo adotado, devese ouvir quem padece o encarceramento. E, desta imensa
massa carcerária, buscouse o acesso àqueles que se encontram engajados no
“mercado de trabalho carcerário” ou integrados à escola, simbolizando os pilares da
prisão transformadora.
Explicase tal opção porque tanto o labor como a educação são as duas
vertentes escolhidas como formas de ressocialização (e diminuição de pena). Foram
colhidas as impressões deles em relação ao sistema penitenciário, a justiça criminal,
a vida intramuros e ao trabalho prisional.
No entanto, perde a presente pesquisa um pouco da pujança que teria, em
virtude de não haver sido possível reprodução das palavras dos condenados
entrevistados, porquanto vedado o ingresso intramuros com gravador.
E.M.S. cumpre pena em regime fechado. Foi condenado a 23 anospelo crime
de homicídio e roubo. É pai de dois filhos, estudou até a 8ª série, e antes do
cárcere percebia em torno de um saláriomínimo. Ao dialogar sobre a sua
condenação, em nenhum momento se disse injustiçado. Atribui seu ingresso no
“mundo do crime” por necessidade econômica, e devido ao uso de drogas roubou
para sustentar o vício.
Ele cumpre pena há 8 anos e desde 2004 trabalha no cárcere. Iniciou através
do artesanato, e em seguida obteve vaga na oficina Ducarro. Neste interregno
participou de dois cursos: um de fabricação de brinquedos e outro de assentamento
de piso. Assevera que os cursos lhe foram deveras úteis, pois sinalizam perspectiva
de obter rendimentos no mundo externo. Se sente qualificado para enfrentar o
mercado de trabalho, por meio do próprio negócio.
139
Muito embora se entenda como “ressocializado”, E.M.S se sente
envergonhado perante seus entes próximos e diz ser do seu desejo reverter este
quadro abandonando qualquer vínculo futuro com o crime e dedicandose ao labor e
ao estudo.
J.R.S.C. foi condenado por dois roubos, totalizando uma pena de 12 anos e 5
meses, estando custodiado desde o ano de 2000. Antes de ser preso era técnico de
dedetização numa empresa privada. Percebia em torno de dois salários mínimos e
meio, é casado e tem cinco filhos. Ao tempo do delito era usuário de drogas.
A história de vida no cárcere de J.R.S.C. é, no mínimo, curiosa. Ele foi
condenado a um dos roubos – o qual admite haver cometido, sendolhe imposta
pena em regime semiaberto. Naquele estabelecimento, fez um curso e iniciou a
trabalhar. Posteriormente, foi contratado por uma empresa e chegou a perceber o
equivalente a três saláriosmínimos. Informa que naquele ambiente de trabalho não
percebeu qualquer discriminação por sua condição de condenado, inclusive, revela
que os seus patrões tinham muita confiança em si.
Ocorre que ele termina por se envolver com alguém que lhe imputa prática de
novo roubo – ele nega peremptoriamente este delito e sentese injustiçado. Como
fruto desta nova condenação, regride de regime, do semiaberto para o fechado –
onde, hoje, cumpre pena.
Num primeiro instante, a sua família o relegou, porém, com o passar do
tempo, as visitas foram se tornando regulares. Atualmente, encontra resistência por
parte da família de sua esposa. Pensa, ao sair do cárcere, abrir um negócio próprio
valendose dos ensinamentos que obteve nos cursos que participou.
J.R.S.C. afirma, categoricamente, que a prisão para ele é uma barreira que
foi vencida, se arrepende e envergonha do primeiro crime (o único que assume),
porém, não se sente diminuído por isso, se diz ciente de que o expresidiário sofre
restrições, mas espera não encontrálas, como ocorria no seu antigo trabalho.
140
J.C.S. é natural da cidade de Entre Rios, interior da Bahia. Cumpre pena de 8
anos por roubo, foi preso em 2003 e estudou até a 4ª série. Nunca tinha usado
drogas, e ganhava, antes de ser preso, em torno de dois salários
mínimos.Trabalhava com perfuração de poços de petróleo para uma empresa
terceirizada da Petrobrás.
Informa que desde que se viu encarcerado começou a trabalhar no
artesanato. Até hoje não fez nenhum curso, somente participa da escola. Para ele,
sua prisão foi fruto de injustiça, porém, destaca que, apesar das suas graves
mazelas (citando a gestão de saúde), teve ali boas oportunidades.
Diz que sua família não vem lhe visitar em virtude das condições econômicas
precárias e que, quando obteve direito à saída temporária, foi bem recebido por
todos eles em sua cidade natal. Contudo, assegura que embora deseje voltar a
residir em Entre Rios, não trabalhará lá e sim em cidades circunvizinhas, pois teme
ser visto como “criminoso”, uma pessoa sempre vista com reservas pelos outros.
Reclama J.C.S. que a “justiça” não dá oportunidade às pessoas de demonstrar
quem elas são e que, após a condenação, ela as esquece e humilha. Indagado
sobre o significado do que é prisão, disse que era um submundo, uma escola para
coisas boas e ruins.
E.S. sofreu uma condenação de 9 anos, por roubo. É natural de Pojuca/BA.
Iniciou dizendo ser a sua condenação injusta, que havia sido preso antes, em 1997,
por outro fato, sugerindo que a sua nova prisão motivouse na anterior passagem
pela Polícia. Exercia a função de operador de jato de areia, em empresa terceirizada
da Petrobrás, percebendo não mais do que um saláriomínimo e meio.
A nova condenação ocorreu em 2005 e desde que chegou ao cárcere
encontrou como trabalho prisional, o artesanato. Porém, não crê que lhe será
deveras útil uma vez livre. A prisão foi marco negativo para ele, pois perdeu o
emprego, sua companheira com poucos meses o abandonou, levando consigo o
filho do casal, e sua família não tem como visitarlhe, por razões financeiras.
141
A expectativa de E.S. é de reaver a liberdade, mas não cogita voltar a
Pojuca/BA, pois se sente perseguido por ser visto como alguém ligado a atividades
criminosas. Diz que pretende afastarse de qualquer coisa que o vincule ao crime,
para mostrar para si próprio, devido aos horrores que enfrentou, que é capaz disso.
Para ele, a prisão é submundo, mas que tem como se regenerar, pois “você tem
que ver seu lado”.
O angolano A.I.C.E. foi condenado por tráfico internacional de drogas e se
encontra preso desde 2006. Disse que era residente em São Paulo, porém, se
encontrava irregular no Brasil. É pai de uma criança, cuja mãe é brasileira. Antes
de ser preso fazia artesanato nas ruas da capital paulista. Diz que o crime, para
ele, não valeu a pena e que a prisão no Brasil era muito dura, ainda assim quer
ficar no país.
J.R.A., natural de Ilhéus/BA, foi condenado a uma pena de 5 anos e 4 meses,
por haver praticado roubo. Informou que trabalhava como cabeleireiro, ganhava em
torno de um salário mínino e havia estudado até a 1ª série. Assim que foi
recambiado de Ilhéus para Salvador, iniciou a trabalhar no artesanato e como
cabeleireiro. Entende que a sua condenação foi justa e que reavalia a conduta como
equivocada, porém, não se sente envergonhado. Os laços familiares, a princípio,
foram abalados, no entanto, com o passar do tempo, se sentem aptos a recebêlos
de volta. Porém, acha que a sociedade nunca o aceitará.
Afirma que a prisão em sua vida foi algo necessário, uma “obra divina”. Hoje,
convertido, pensa, após sair, tornarse cantor gospel. Diz contar com apoio dos seus pares, membros da igreja evangélica que faz parte.
E.C.S. foi condenado a 7 anos e 9 meses, acusado de roubo. Para ele, que é
natural de Guanambi/BA, a condenação foi justa e o que lhe serve de alimento é a
esperança. Segundo afirma, as pessoas acham que o cárcere não regenera.
Mesmo assim, quer voltar a residir na sua cidade natal, com a sua família, que o
tem recebido bem em suas saídas temporárias, embora ainda se sinta abatido com
a própria condenação. Disse, também, que assim que ingressou no cárcere
participou de atividades laborais, não obstante nada lhe acrescentou, pois já tem
142
profissão definida (mecânico). Fez constar que existe proposta de emprego para
ele, o que reforçaria sua esperança num regresso menos árduo.
As experiências pessoais acima reportadas, à exceção das duas primeiras,
foram colhidas de internos que cumprem pena em regime semiaberto que, pouco
a pouco, se descortina à liberdade. Os discursos se entrelaçam no medo do
porvir, uma possível repulsa social, especialmente para aqueles que vivem em
cidades do interior.
A vida intramuros, para a maioria, é uma terrível experiência em que opera
uma transformação no ser humano. A partir dali, eles devem ser irrepreensíveis,
extremamente corretos, sob pena de sempre recair no “mundo do crime”. Notese,
outrossim, que o trabalho nem sempre é visto como forma de qualificação pessoal
ou meio de se realocar no mercado de trabalho externo (livre); porém, como uma
forma de estar ocupado e obter direitos, como à redução da pena.
Os entrevistados que estavam submetidos ao regime semiaberto estavam
somente matriculados na escola, não lhe oportunizaram qualquer opção de trabalho,
salvo o artesanato; o que contraria a máxima do sistema onde quem estar por sair
deveria ter grau mais acentuado de “socialização”.
A prisão é vista como um submundo, uma nova realidade que tem regras
próprias e também porque ali é, de fato, escola para o crime. O alegado
“esquecimento” da Justiça e as péssimas condições de habitação, saúde e
alimentação reiteram para o condenado um menoscabo por sua própria imagem e
pessoa, assim como reforçam sentimentos de raiva e ódio por não serem vistos
como seres humanos.
Muitos dos entrevistados deixaram evidente que o cárcere serve àquele que
pretende viver sob as regras vigentes da sociedade (insertos na legalidade) e aos
demais que pretendem incursionar pelo “mundo do crime” (à margem da
legalidade). Esta é uma opção delicada, que cada condenado enfrentará ao passar
a conviver sob as regras da prisão. O que poderia ser construído, para melhor
assessorálos nesta escolha seria a promoção de esperança de sucesso na vida
143
secular (dentro dos limites da legalidade), que passará por maior grau de interação
entre externo (sociedade) e interno (presos).
Caso contrário, se permanecer o afastamento e a falsa crença de que por
meio da segregação, nos moldes vigentes, aprendese a se exercer a liberdade, as
chances de reversão dos efeitos negativos da prisão sobre homem e, por
conseguinte, a sociedade são assaz exíguas, para que não se diga, nenhuma.
É necessária mudança de paradigma no que concerne à pena criminal;
reconhecer a ausência de função positiva da prisão sobre o homem e sociedade,
para a partir daí, buscarse uma forma mais sincera e menos violenta de sanção.
5.4 A ONDA DE PRIVATIZAÇÃO E O SISTEMA CARCERÁRIO BAIANO.
Os Estados Unidos da América, na década de noventa, iniciaram um
programa de privatização de prisões, que chamou a atenção de outros países,
dentre eles, o Brasil. O tão propalado fracasso do tratamento prisional pelo Estado
também inspirou governos a pensarem que a alternativa mais adequada, inclusive,
para fins de economia de custos fosse a entrega das prisões ao particular.
Entrementes descortinase a verdadeira intenção com esta nova política para
o cárcere, ao se constatar que “o modelo de parceria prevalecente nos EUA é o da
remuneração das empresas com base nos números de presos custodiados. Cadeias
superlotadas propiciam taxas de retorno mais generosas a seus administradores”
(MINHOTO, 2008). Assim, no sistema capitalista, o particular não investirá sem que
haja o retorno devido para o investimento.
Experiências negativas, como o massacre do Carandiru, servem de esteio ao
discurso privatista, aliado à alegada ineficiência pública para poder cumprir com as
metas e funções que se destinaria ao cárcere, além de suposto custo mais baixo
(RODRIGUES, 1995, p. 2531).
144
Porém, este último argumento é refutado por Lemgruber (2002), que informa
que os empresários têm buscado a redução de custos para que as prisões
terceirizadas sejam mais lucrativas, o que promove queda de qualidade,
principalmente, da mãodeobra especializada.
Adverte Lemgruber (2002, p. 174) que “privatizar prisões é permitir que o
dinheiro dos impostos encha o bolso de aventureiros e que nosso já combalido
sistema de justiça criminal se torne refém de interesses de quem lucra com o crime”.
A privatização soou no Brasil como o futuro das prisões, no entanto, a
realidade tem demonstrado que pouco se mudou. Não obstante, como revela Sá
(2003), as prisões privatizadas se mostraram, a princípio, mais “humanizadas”, seja
pela arquitetura, conservação do espaço e corpo funcional mais propenso às
práticas de ressocialização. A obtenção do lucro com o encarceramento tem
demonstrado a verdadeira face do negócio que é a privatização da prisão.
Na Bahia, existem, atualmente, as unidades prisionais de Valença (01),
Juazeiro (01), Serrinha (01), Itabuna (01) e Lauro de Freitas (01). Funcionam em
regime de cogestão com uma empresa particular, tendo o Estado a obrigação de
construir a estrutura física, sendo que compete à empresa a sua administração e
exploração. A exceção do diretor geral, diretor adjunto e o chefe de segurança que
são funcionários públicos, todos os demais funcionários que integram são da
iniciativa privada, cuja contratação cabe à empresa gestora.
Segundo a SJCDH, estas unidades abrigam 1.789 presos, sendo o custo de
cada um deles estimado em R$ 1.500,00 (hum mil e quinhentos reais). Todas estas
unidades têm número definido de custodiados, não podendo haver superlotação,
sob pena de configurar quebra contratual, o que implica em maior dispêndio de
verbas públicas.
Podese dizer que a experiência baiana apresenta pontos positivos e
negativos. Os números demonstram que a maioria destas unidades em cogestão
tem altos índices de presos envolvidos em atividades laborais e educacionais; há
145
uma rede de serviços (médico, psicológico e assistência jurídica) úteis ao
custodiado, que não são tão comuns nas prisões públicas.
Contudo, a maioria delas tem uma população sempre aquém do seu limite e
carecem sempre de investimentos estruturais e de pessoal, o que implica em custos
adicionais e incremento dos efeitos negativos da prisionização sobre os
condenados. Notese, também, que o custo de manutenção das unidades em co
gestão é deveras alto, pois em média um preso detido em prisões públicas, no
Brasil, sai aos cofres públicos entre R$ 600,00 (seiscentos reais) e R$ 1.000,00
(hum mil reais) (GOMES, 2008, p. 200201).
A solução do modelo carcerário adotado pelo Brasil não perpassa pela
entrega das chaves à iniciativa privada; mas, a uma mudança de cultura, a utilização
em menor escala da prisão e a sua maior interação com a sociedade livre.
146
6. CONCLUSÕES.
O epílogo é um momento importante em qualquer trabalho acadêmico, as
conclusões são ápice do labor empreendido. No entanto, nem sempre significam
esgotamento do tema objeto do estudo ou que as hipóteses alçadas tenham sido
comprovadas. Na presente dissertação, as inferências expendidas traduzem que o
debate sobre Prisão e Ressocialização não se encerrará, pelo menos, até que
aquela seja superada e que, apesar dos mais de duzentos anos de sua existência,
revelase sempre como assunto candente. Ao invés de assertivas, que definiriam os
destinos da pesquisa como fronteiras, nasceram indagações, estímulos a uma
constante revisão e releitura do debate encetado.
A prisão, longe de qualquer dúvida, é a reação jurídica ao delito que o Brasil
adotou como principal. Quase que à totalidade das penas criminais sejam elas
fixadas no Código Penal ou em leis especiais cominase à privação de liberdade. O
Estado ao adotála cuidou de promover a sua legitimação jurídica, por meio do
reconhecimento na Constituição Federal e na legislação federal vigente. E o fez, sob
argumentação política tributária do iluminismo, ser a privação de liberdade maneira
racional e mais humana de se punir. O Direito Penal se incumbiu de construir teorias
que alicerçaram a prisão servindo como base teórica de sua legitimidade.
O atual Código Penal, no artigo 59, estabelece que a pena criminal deverá
atender aos critérios de repressão e prevenção. Com isso, impõese à prisão o
dever de ressocialização do condenado.
Os recentes índices de criminalidade têm impulsionado o Estado a rediscutir o
tema Segurança Pública e, também, abordar o sistema penitenciário com mais
contumácia. O medo e a incerteza compõem um quadro que revitaliza o papel da
prisão como instrumento de combate ao criminoso e ao crime.
Todo o discurso que se erige ante este novo quadro é marcado por uma
irracional ânsia por soluções rápidas e eficazes a problemas antigos da realidade
147
brasileira, que emergem com mais pujança e visibilidade. Tratamse questões de
ordem social por meio da repressão policial. Substituiuse o Estado Social pelo Penal.
Neste combate, propositalmente concebido sob prisma maniqueísta (“bem” versus “mal”), se utiliza o Estado do Direito Penal como a forma de controle social institucionalizada mais efetiva. Este ramo das ciências jurídicas, por sua natureza, é
seletivo, pois a criminalização primária (descrição de conduta proibida em lei) já se
constitui como meio de definir aqueles que simbolizam o “mal”: os criminosos.
Evidenciase, então, que a cominação legal de condutas proibidas pode ser
associada a determinados grupos.
O Estado define, por meio de lei, quem são os delinqüentes. Eles não
nascem, são forjados, politicamente, de acordo com os interesses preponderantes
para a criação da legislação criminal. E, a estes, na maioria dos casos, destinase
a prisão. Naturalmente, falase do grosso daqueles que cometem crimes. Existem,
por certo, uns e outros que movidos por emoções ou outros sentimentos
enveredam por este caminho, sem passarem pela seleção aqui exposta. Inclusive
estes, havendo “passado pelo sistema penal”, se igualam àqueles selecionados, sob um único estigma.
A privação de liberdade é utilizada, de forma indiscriminada, como solução
frente à escalada dos níveis de criminalidade. Pensase que a sua contenção dar
seá por meio de incremento das formas de repressão e punição, entrementes, a
realidade não condiz com esta lógica. Cada vez mais, à medida que se investe nesta
política repressiva, marcada pelo encarceramento em massa, os resultados
apresentados não justificam a sua manutenção. Ocorre, em muitos casos, o inverso.
Ademais, o cárcere ao invés de promover ressocialização, função que se declara
como sua, termina por reproduzir a própria criminalidade.
A concepção de prisão como ambiente inóspito se traduz na ruptura da vida
em liberdade, com a quebra de laços de vínculo social, como família e emprego; na
mortificação da individualidade (a adequação obrigatória aos padrões standart, o “bom preso”); nos excessos praticados em nome da disciplina pela administração
(surras e abusos de poder); as péssimas condições de salubridade e acomodações
148
desagradáveis; enfim, todo um conjunto de práticas que são diametralmente opostas
ao que se tem por viver em liberdade.
Assim, pensase, levianamente, em transformar o homem que delinque em ser
humano útil à sociedade. Mas, a soma destes fatores potencializa a especialização
nos caminhos da delinquência. Aqueles que se afastam tornamse exceções.
O projeto prisional nasce, no século XVIII, com as casas de correção inglesas,
que objetivavam desenvolver naquela sociedade a cultura do trabalho. O
encarceramento era dirigido a vagabundos, pequenos criminosos e delinquentes
juvenis. Ou seja, a custódia serviria como forma de se compelir estes sujeitos, que
ainda não se encaixavam nos interesses gerais do capitalismo incipiente, a “desejar”
viver para o trabalho. Servia, também, para infligir temor àqueles que mesmo não
querendo se submeter ao trabalho livre optavam por ele como forma de esquivarse
do encarceramento e trabalho forçado.
Uma vez que se havia transformado a antiga população campesina em
industrial e urbana, restou à prisão a função de custodiar os criminosos. Porém, não
se desgarrou de sua vinculação com o modelo econômico que motivara a existência
da ancestral casa de correção.
O cárcere passa a servir aos interesses capitalistas, no liberalismo como
sinônimo de repressão aos anarquistas e sindicalistas, no welfare state cuidando da produção do exército de reserva e, hodiernamente, servindo de depósito de
pessoas, um aterro de seres humanos descartáveis.
A relação entre cárcere e capitalismo se evidencia até o presente e,
dificilmente, aquele se desvencilhará deste. Necessário, também, salientar que a
prisão foi utilizada nas sociedades comunistas como pena. No entanto o fomento era
distinto: político, em suma maioria. Porém, com a queda do Muro de Berlim e do
regime soviético podese dizer (excepcionandose Cuba, China e Coréia do Norte)
que o mundo é capitalista. E, foi neste modelo econômico, que o cárcere se amoldou
e criou sólidas raízes.
149
Curiosamente, aliado ao discurso punitivo de massificação da prisão, temse
insistido que é possível obterse a ressocialização do criminoso. Desde a sua
primitiva formatação, atribuise à prisão pecha de pena mais humanitária. Talvez,
adotada como referencial as severas sanções da antiguidade ou medievo. Não sem
razão, cunhouse o ideal de ressocialização por meio da prisão. Quer dizer, o
criminoso é alguém que se desviou dos padrões comportamentais vigentes e que,
por isso sofrerá o castigo tido como justo. A punição deverá ser marcada pela
transformação compulsória do criminoso que foi condenado, a meta é têlo como útil
à sociedade.
A base deste conceito de ressocialização é centrada, basicamente, em dois
pilares: educação e trabalho. A maioria dos sistemas penitenciários tem
desenvolvido projetos que envolvam um ou outro. Na Bahia, existe uma série de
programas voltados para fomento do trabalho e estudo intramuros.
A quimera ressocializadora cruzou séculos sendo presente em qualquer
discurso oficial sobre a prisão. Dizse, inclusive, que esta é um mal necessário.
Sabese que esta função dificilmente se promoverá; porém, crêse, com leviandade,
como possível.
No entanto, foi preciso que teóricos da Criminologia Crítica rompessem com
este paradigma, diagnosticando o cárcere como ele é: seletivo e estigmatizante. A
realidade do tratamento penitenciário revela que, nas atuais condições (digase, que
não se distanciam muito das primitivas), indica que em raros casos darseá a
almejada ressocialização. É um conceito irrealizável. Seja porque as condições
existentes não bastam ou porque não se pode impor nova socialização a ninguém.
Poderseia indagar se estaria em crise o sistema penitenciário. A resposta a
este questionamento é negativa. O sistema penitenciário foi concebido para servir ao
capitalismo, não aos homens que a ele são submetidos. Não há crise. Nem colapso.
A prisão é um estigma sobre o homem. Tratase de marca invisível,
porém, vista por toda a sociedade e por ele próprio, ao ponto de não se crer
como possível o seu afastamento do “mundo do crime”. Ou seja, apesar de se
150
proclamar os fins do modelo punitivo com a ressocialização, os meios
empregados apontam em sentido diverso.
Com efeito, demonstrouse que tudo o que se aponta como mazela da
prisão é condição ínsita à sua existência. Ou seja, o debate, para se poder evoluir,
deve ser conduzido no sentido da superação do cárcere enquanto pena criminal.
Quiçá, esta etapa soe assaz radical. Assim, portanto, como recomenda Barata
(1991), o caminho mais próximo seja propiciar maior interação entre a prisão e a
sociedade. O objetivo da custódia é que o condenado regresse ao convívio social.
Desta forma, somente se pode ensinar alguém preso a viver em liberdade se as
zonas de intersecção se tornem maiores.
A colheita dos dados oficiais do sistema penitenciário baiano ratifica as
observações expendidas acerca das funções ocultas do instituto prisão. Seleciona
se um perfil de “cliente”, que conforme se extrai da leitura crítica de tais índices, o
escolhido é um homem ou mulher; em suma, jovem, com baixa escolaridade,
geralmente negro ou pardo e de baixa renda. A resposta ofertada pelos condenados
entrevistados demonstra e expõe a segunda função oculta do cárcere, consistindo
na preocupação que estes têm em relação ao estigma de criminoso que lhes é
atribuído pela sociedade.
Não há uma política pública de Estado para enfrentar a questão de frente.
Existem experiências e programas que vão artesanalmente se prestando ao
combate dos males que advém do cárcere, tanto para o egresso, como para a
sociedade. A maioria dos programas públicos destinados ao cárcere, que incentiva o
labor prisional e o estímulo à educação, revelase incapaz de atingir a totalidade dos
aprisionados. O trabalho intramuros, para a maioria dos condenados, não tem
utilidade futura; como exemplo o artesanato e o “apoio ao estabelecimento” servem
como ocupação do tempo ocioso e o abatimento da pena por meio da remição. As
atividades laborais que são remuneradas somente servem ao condenado durante o
seu tempo de clausura, pois as empresas que exploram o trabalho prisional não
absorvem os egressos.
151
Recentemente, a SJCDH revitalizou um programa dirigido aos futuros
egressos (denominado “Liberdade e Cidadania”), que tem por escopo preparálos e
acompanhálos nos primeiros passos na vida extramuros. O objetivo é de promover
um retorno menos tortuoso à sociedade, contando com uma assessoria que lhe
possibilite sentirse amparado e não tão sozinho. Soa, a princípio, como uma
evolução ante os tradicionais programas desenvolvidos, muito embora, ainda, não
se possa tecer maiores ponderações sobre os resultados práticos, em virtude da
primeira edição do programa haver sido lançado neste ano.
Os projetos e programas que têm a educação como objeto central padecem
por falta de profissionais do ensino e estrutura física para abrigar (as?) às escolas
primárias e cursos de alfabetização.
A saída da prisão é sempre repleta de dúvidas e temores, principalmente porque
paira sobre o futuro egresso o estigma de ser alguém ligado ao “mundo do crime”.
Vencer esta barreira é uma luta árdua e necessária para a efetiva reinserção
social, pois “representa o resultado da pedagogia da ociosidade, da improdutividade,
do terror, e da contraditoriedade, empregada no sistema penitenciário brasileiro. A
saída desses homens e mulheres da prisão dáse sem nenhum planejamento
prévio” (CARVALHO FILHO, 2004).
Os moldes atuais do sistema penitenciário baiano somente reforçam a já
conhecida história de “fracasso” da prisão. A superlotação das unidades, o paulatino
crescimento populacional carcerário, o alto índice de reincidência, a falta de
perspectiva futura para a imensa maioria dos condenados são ingredientes deste
preocupante quadro.
Outrossim, nem mesmo a onda de privatização de estabelecimentos
carcerários, importada dos Estados Unidos da América e Europa, se demonstra
como solução ideal para fins de ressocialização do condenado. E, nem mesmo, é
menos custosa aos cofres públicos.
152
O projeto capitalista da prisão prevê todas estas mazelas transcritas, assim
como no mundo livre temse como previsível a grande massa de desempregados e
diferenças sociais. O cárcere é hoje remodelado para servir como grande depósito
de indesejáveis. Geralmente, aqueles expurgados da rede de proteção social e do
mundo do trabalho. O que conduz Carvalho Filho (2004) a concluir que “a
improdutividade do sistema penitenciário é produtiva! Produz sujeitos objetiva e
subjetivamente sequelados e por isso de alguma forma produz a reincidência
criminal e assim amplia os índices de violência urbana”.
Romper com este conceito é mister para se empreender no cárcere um
câmbio de metas e de realidade. Devemse reconhecer as funções ocultas como
latentes a seleção e estigmatização – e os efeitos negativos do aprisionamento na
vida humana. Nessa perspectiva, a construção de políticas públicas penitenciárias,
que possibilitem real engajamento e envolvimento do condenado com a sociedade,
se faz necessárias para poder diminuir as dificuldades que este encontrará no porvir.
Nem sempre o epílogo significa o exaurimento do tema. No presente estudo
sobre Prisão e Ressocialização, pautado no sistema penitenciário baiano,
constatamse as tão anunciadas lacunas e falhas da prisão e abrese mais uma via
para se discutir as alterações no modelo punitivo, para que a prisão deixe ser
apenas tomando por empréstimo palavras de Dostoieviski a “casa dos mortos”.
153
REFERÊNCIAS
AGUIAR, Ubirajara Batista de. O sistema penitenciário baiano: a ressocialização e as práticas organizacionais. 2001. Dissertação (Mestrado Profissional em Administração) – Escola de Administração, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2001.
______. O sistema penitenciário e os direitos humanos: a ressocialização e as práticas organizacionais. Bahia Análise & Dados, Salvador, v. 14, n. 1, jun., 2004. Disponível em: <http://www.sei.ba.gov.br/publicacoes/publicacoes_sei/bahia_analise/analise_dados/ pdf/direitos_humanos/18_ubirajara_aquiar.pdf >Acesso em: 28 jul. 2008.
ALVES JÚNIOR, Tomas. Annotações theoricas e práticas ao código criminal, Rio de Janeiro: F. L. Pinto, 18641883. v.1
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão de segurança jurídica: do controle da violência à violência do controle penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.
______. Sistema penal máximo x cidadania mínima: códigos da violência na era da globalização. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.
ARAÚJO, João Marcelo (Org.). Sistema penal para o terceiro milênio: atos do colóquio Marc Ancel. Rio de Janeiro: Revan, 1991.
ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. Tradução de Sérgio Bath. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
BAHIA. Secretaria da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos. Plano Diretor do Sistema Penitenciário do Estado da Bahia. Salvador, [2006].
BARATTA, Alessandro. Resocialización o control social: por um concepto crítico de “reintegracíon social” del condenado. In: ARAUJO JÚNIOR, João Marcelo de (Org.). Sistema penal para o terceiro milênio: atos do colóquio Marc Ancel. Rio de Janeiro: Revan, 1991.
154
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. Tradução de Juarez Cirino dos Santos. Rio de Janeiro: Revan, 1997.
BARRETO, Tobias. Estudos de direito; obra facsimilar. Prefácio de José Arnaldo da Fonseca. Brasília: Senado Federal, 2004. (História do direito brasileiro. Direito penal; 5)
BASTOS NETO, Osvaldo. Introdução à segurança pública como segurança social: uma hermenêutica do crime. Salvador: Dinâmica, 2006.
BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 1990.
BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Tradução de Plínio Dentsien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
______. Globalização: as conseqüências humanas. Tradução de Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.
______. O malestar da pósmodernidade. Tradução de Mauro Gama, Cláudia Martinelli Gama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
______. Tempos líquidos. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
______. Vidas desperdiçadas. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de Torrieri Guimarães. São Paulo: Hemus, 1983.
BELING, Ernest Von. A ação punível e a pena. Tradução de Maria Carbajal. São Paulo: Rideel, 2007.
BENTHAM, Jeremy. Tratado das penas legais e tratado dos sofismas políticos. Leme, SP: Edijur, 2002.
155
BETTIOL, Guiseppe. O problema penal. Tradução e notas de Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: LZN Editora, 2003.
BERGALLI, Roberto. Criminologia em América Latina: cambio social: normatividad y comportamientos desviados. Buenos Aires: Ediciones Pannedille, 1972.
BISSOLI FILHO, Francisco. Estigmas da criminalização: dos antecedentes à reincidência criminal. Florianópolis: Obra Jurídica, 1998.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.
______. Tratado de direito penal: parte geral, volume 1. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
______. Tratado de direito penal: parte geral, volume 1. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
BORGES, Ângela. O capital e a mão invisível do trabalho: notas debates sobre a centralidade do trabalho no capitalismo contemporâneo. Caderno CRH, Salvador, n. 33, p. 179196, jul./dez. 2000.
______. Mercado de trabalho e vulnerabilidade social. Trabalho apresentado no SEMINÁRIO “TRABALHO E VULNERABILIDADE”, 2002, Salvador. Fórum Permanente de Discussão Sociedade Brasileira: Processos de Vulnerabilidade e de Extensão Social. Escola de Serviço Social da UCSal, Salvador/Bahia.
______. Educação e mercado de trabalho: elementos para discutir o desemprego e a precarização dos trabalhadores escolarizados. Gestão em Ação, Salvador: Programa de Pósgraduação da Faculdade de Educação da UFBA, v. 9, n. 1, p.85 102, jan./abr., 2006.
BRASIL. (Constituição). Constituição da Republica Federativa do Brasil, 1988. promulgada em 5 de outubro de 1988. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. 168 p. (Série Legislação Brasileira).
______. DecretoLei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal.
______. DecretoLei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal.
156
______. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal.
BRAVEMAN, Harry. Trabalho e força do trabalho. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.
BRUNO, Aníbal. Direito penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967. t.1
______. Direito penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. t.3
BUSATO, Paulo César; HUAPAYA, Sandro Montes. Introdução ao direito penal: fundamentos para um sistema penal democrático. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2003.
CARRARA, Francesco. Programa do curso de direito criminal, parte geral. Tradução de Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: LZN Editora, 2002. v.2
CARVALHO FILHO, Milton Júlio de. Te prepara para sair: síntese analítica sobre a situação dos egressos do sistema penitenciário brasileiro. [2004] Disponível em: <www.carceraria.org.br/pub/publicacoes/33604d3f75bcb544d130f191f30e7c2c.doc> Acesso em: 09 jul. 2008.
CASTEL, Robert. Las trampas de exclusión. Buenos Aires: Topia, 2004.
______. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. 5.ed. Tradução de Iraci D. Poleti. Petrópolis: Vozes, 2005.
______. A insegurança social: o que é ser protegido? Tradução: Lúcia M. Endlich Orth. Petrópolis: Vozes, 2005.
CAVALCANTI, Eduardo Medeiros. Crime e sociedade complexa: uma abordagem interdisciplinar sobre o processo de criminalização. Campinas: LZN Editora, 2005.
CERVINI, Raul. Los procesos de decriminalizacion. 2. ed. Montevidéu: Editorial Universidad, 1993.
CHIES, Luis Antônio Bogo; VARELA, Adriana Batista. A ambigüidade do trabalho prisional num contexto de encarceramento feminino: o círculo vicioso da exclusão. 2007. Trabalho apresentado no XIII Congresso Brasileiro de Sociologia, 29 de maio a 01 de junho de 2007, Recife, Pernambuco.
157
COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito penal, volume 3: parte geral: conseqüências jurídicas do injusto. 7.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
COSTA, Yasmim Maria Rodrigues Madeira da. O significado ideológico do sistema punitivo brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 2006.
CUÑARO, Miguel Langon. Criminologia sociológica. Montevidéu: Fundación de Cultura Universitária, 1992.
DE GIORGI, Alessandro. A miséria governada através do sistema penal. Tradução de Sérgio Lamarão. Rio de Janeiro: Instituto Carioca de Criminologia: Revan, 2006. (Pensamento criminológico ; 12)
DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões fundamentais do direito penal revisitadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
______; ANDRADE, Manoel Costa. Criminologia: o homem delinqüente e a sociedade criminógena. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1997.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 13. ed. Tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 1998a.
______. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 17. ed. Tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 1998b.
FRAGOSO, Heleno C. Lições de direito penal: parte geral. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995.
GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 1956. v.1
GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo: UNESP, 1994.
GOFFMAN, Erwing. Estigma: notas sobre a manipulação de identidade deteriorada. Tradução de Márcia Bandeira de Mello Leite Nunes. Rio de Janeiro: LTC, 1988.
_____. Manicômios, prisões e conventos. Tradução de Dante Moreira Leite. São Paulo: Percpectiva, 1999.
158
GOMES, Geder Luiz Rocha. A substituição da prisão: alternativas penais: legitimidade e adequação. Salvador: JusPODIVM, 2008.
GOMES, Jean Gmack; CHAMOM, Edna Maria Querido de Oliveira. Resocialização a partir da ótica de seus atores. CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA, 13., 2007, Recife. Anais... Recife: [ S.n.], 2007.
GUIMARÃES, Cláudio Alberto Gabriel. Funções da pena privativa de liberdade no sistema penal capitalista. Rio de Janeiro: Revan, 2007.
HARVEY, David. A condição pósmoderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 1993.
HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções: Europa 17891848. 18. ed. Tradução de Maria Tereza Lopes Teixeira e Marcos Penchel. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004.
LISZT, Franz von. Tratado de direito penal allemão: obra facsimilar. Tradução de José Hygins Duarte Pereira. Campinas: Russel, 2003. v.1
______. A teoria finalista no direito penal. 2. ed. Tradução de Rolando Maria da Luz. Campinas, SP: LZN Editora, 2005.
LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. Porto Alegre: Safe, 1991.
LYRA, Raphaela Barbosa Neves. Trabalho prisional: mãodeobra explorada x política pública protetiva. Estudo do Trabalho, Ano I, n. 2, p. 120, maio, 2008. Disponível em: <http://www.estudosdotrabalho.org/PDFs_rret2/Artigo9_2.pdf> Acesso em: 28 jul. 2008.
KRAYCHETE, Elsa Sousa; BORGES, Ângela Maria. Mercado de trabalho, desigualdade e pobreza. 2007. Trabalho apresentado no XIII Congresso Brasileiro de Sociologia, 29 de maio a 01 de junho de 2007, Recife, Pernambuco.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Karl Marx e Friedrich Engels. São Paulo: Edições Sociais, 1978.
MARX, Karl. O capital: edição resumida por Julian Borchardt. 3. ed. Tradução de Ronaldo Alves Schmidt. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.
159
MARSHALL, T.H. Cidadania, classe social e status. Tradução de Meton Porto Gadelha. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.
MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da pena. São Paulo: J. de Oliveira, 2000.
MELOSSI, Dario; PAVARINI, Massimo. Cárcere e fábrica: as origens do sistema penitenciário: séculos XVIXIX. Tradução de Sérgio Lamarão. Rio de Janeiro: Instituto Carioca de Criminologia; Revan, 2006.
MESUTTI, Ana. O tempo como pena. Tradução de Tadeu Antônio Dix Silva e Maria Clara Veronesi de Toledo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
MINHOTO, Laurindo. O negócio das prisões. Estado de São Paulo, São Paulo, 9 maio 2008.
MIRABETE, Júlio Fabrini. Execução penal: comentários à Lei n° 7.210, e 117 1984. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2004.
MIOTTO, Arminda Bergami. Curso de direito penitenciário. São Paulo: Saraiva, 1975.
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 2ª ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2003.
MOREIRA, Rômulo. Penas alternativas. Disponível em: <http://br.monografias.com/trabalhos/penasalternativasjusticacriminal bahia/penasalternativasjusticacriminalbahia2.shtml#_Toc141393789>. Acesso em: 8 jul. 2008.
MUÑOZCONDE, Francisco. Derecho penal y control social. 2. ed. Santa Fé de Bogotá: Editorial Temis, 1999.
NERY, Déa Carla Pereira. Teoria da pena e sua finalidade no direito penal brasileiro. Disponível em: < http://www.direitonet.com.br/textos/x/12/87/1287/DN_Teorias_da_pena_e_sua_finali dade_no_Direito_Penal_Brasileiro.doc>. Acesso em: 13 jul. 2008.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
160
NUVOLONE, Pietro. O sistema do direito penal. Tradução de Ada Pellegrini Grinover e notas de René Ariel Dotti. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981.
OFFE, Claus; HINRICH, Karl. Economia social do mercado de trabalho: diferencial primário e secundário de poder. In: ______ (Org.). Trabalho e sociedade: problemas estruturais e perspectivas para o futuro da “sociedade do trabalho”. Tradução de Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989. Biblioteca Tempo universitário; 85. Serie Estudos alemães)
OLIVEIRA, Edmundo. Comentários ao código penal: parte geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
PASSETTI, Edson. Anarquismos e sociedade controle. São Paulo: Cortez, 2003.
______ (Org.). Curso livre de abolicionismo penal. Rio de Janeiro: Revan, 2004.
PAUSUKANIS, Eugeny Bronislanovich. A teoria geral do direito e o marxismo. Tradução de Paulo Bessa. Rio de Janeiro: Renovar, 1989.
PAVARINI, Massimo. Los confines de la cárcel. Montevideo: Carlos Alvarez Editor, 1995.
PASTORAL CARCERÁRIA DA BAHIA. Relatório sobre sistema carcerário da Bahia. 2007. Disponível em: <http://www.carceraria.org.br/pub/publicacoes/538356da2d831aa7caca3939a14f314 d.pdf>. Acesso em: 04 ago. 2008.
PESSINA, Enrico. Teoria do delito e da pena. Tradução de Fernanda Lobo. São Paulo: Rideel, 2006.
PIRES, Armando de Azevedo Caldeira; GATTI, Théresè Hoffman. A reinserção social e os egressos do sistema prisional por meio de políticas públicas, da educação, do trabalho e da comunidade. Inclusão Social, Brasília, v.1, n. 2, p.58 65, abr./set., 2006.
POCHMANN, Márcio. O emprego na globalização: a nova divisão internacional do trabalho e os caminhos que o Brasil escolheu. São Paulo: Boitempo, 2001.
161
POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens de nossa época. 11. ed. Tradução de Fanny Wrobel. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000.
PORTO, Roberto. O crime organizado e sistema prisional. São Paulo: Atlas, 2008.
PUIG, Santiago Mir. Direito penal: fundamentos e teoria do delito. Tradução de Cláudia Viana Garcia e José Carlos Nobre Porciúncula. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito penal: introdução crítica. São Paulo: Saraiva, 2001.
______. Direito penal: parte geral. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
RAMOS, Enrique Peñaranda; GONZALEZ, Carlos Suarez; MELIÁ, Manuel Cancio. Um novo sistema do direito penal: considerações sobre a teoria de Günther Jakobs. Tradução de André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. Barueri, SP: Manoel, 2003.
RIO DE JANEIRO. Secretaria de Estado e Administração Penitenciária. Perfil biopsicossocial das pessoas condenadas que ingressaram no sistema penitenciário do Estado do Rio de Janeiro: um estudo de cinco anos. Superintendência de Saúde; colaboração Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: CNPCP/DEPEN/MJ, 2006.
RODRIGUES, Geisa de Assis. Privatização de prisões: um debate necessário. In: ARAUJO JÚNIOR, João Marcelo de (Org). Privatização das prisões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.
ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general, tomo I: fundamentos. La estructura de la teoria del delito. Tradução DiegoManuel Luzón Peña, Miguel Diaz y Garcia Conlledo e Javier de Vicente Remesal. 2. ed. alemana. Madrid: CIVITAS, 2006.
______. Problemas fundamentais de direito penal. 3. ed. Tradução de Ana Paula dos Santos Natscheradetz, Maria Fernanda Palma, Ana Isabel de Figueredo. Coimbra: Vega, 1998.
RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. Tradução Gizlene Neder. Rio de Janeiro: Revan, ICC, 2004.
162
SÁ, Alvino Augusto de. Reincidência criminal: sob enfoque da psicologia clínica preventiva. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária, 1987.
______. A “ressocialização” de presos e a terceirização de presídios: impressões colhidas por um psicólogo em visita a dois presídios terceirizados. Revista da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, Brasília, Ano 11, v. 21, p. 1323, jan./jun., 2003.
______. Criminologia clínica e psicologia criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
SANTANA, Gilson Carlos da Silva. A explosão demográfica nos cárceres de Salvador: uma negação do direito à ressocialização?. Disponível em: <http://www.frb.br/ciente/2006_2/DIR/DIR._Gilton_Santana__Rev._Denise_02.01.07 _.pdf> Acesso em: 09 jul. 2007.
SANTANA, Selma Pereira de. A reparação como conseqüência jurídicopenal autônoma do delito. Dissertação para Doutoramento em Ciências Jurídico criminais, Faculdade de Direito da Universidade Coimbra, Coimbra, 2006.
SANTOS, Juarez Cirino dos. A criminologia da repressão: uma crítica ao positivismo em criminologia. Rio de Janeiro: Forense, 1979.
______. A criminologia radical. Rio de Janeiro: Forense, 1981. SANTOS, Juarez Cirino dos. Teoria da pena: fundamentos políticos e aplicação judicial. Curitiba: ICPC; Lumen Júris, 2005.
SILVA, Antônio José da Costa e. Código penal dos Estados Unidos do Brasil commentado : obra facsimilar. Brasília: Senado Federal: Superior Tribunal de Justiça, 2004. v.2 (História do direito brasileiro. Direito penal ; 7)
SOARES, Oscar de Macedo. Código penal da República dos Estados Unidos do Brasil: obra facsimilar. Brasília: Senado Federal, 2004.
SOZZO, Máximo. Metamorfosis de la prisión? Proyecto normalizador, populismo punitivo y “prisióndepósito” en Argentina. URVIO: revista latinoamericana de seguridad ciudadana, Quito, n. 1, p.88116, mayo, 2007. Disponível em: <http://www.flacso.org.ec/docs/urvio1.pdf> Acesso em: 12 jun. 2008.
THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980.
163
______. Quem são os criminosos? o crime e o criminoso: entes políticos. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007.
URZÚA, Enrique Cury. Derecho penal, parte general. 8. ed. Santiago: Ediciones Universidad Católica de Chile, 2005.
WACQUANT, Löic. A penalização da miséria e o avanço do neoliberalismo. In: SANTANA, Marco Aurélio; RAMALHO, José Ramalho (Org.). Além da fábrica: trabalhadores, sindicatos e a nova questão social. São Paulo: Boitempo, 2003.
WACQUANT, Löic. As prisões da miséria. Tradução de André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
WACQUANT, Löic. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. 2. ed. Tradução de Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Revan, 2003.
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo: Martins Claret, 2002.
WELZEL, Hans. Derecho penal alemán. Tradução de Juan Busto Ramírez e Sérgio Yañez Pérez. 11. ed. Santiago do Chile: Editorial Jurídica do Chile, 1997.
WESTERN, Bruce; BECKETT, Katherine; HARDING, David. Sistema penal e mercado de trabalho nos Estados Unidos. Discursos Sediciosos: crime, direito e sociedade, Rio de Janeiro, v. 7, n. 11, p. 4152, 2003.
YOUNG, Jock. A sociedade excludente: exclusão social, criminalidade e diferença na modernidade recente. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Revan, ICC, 2002.
ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. Tradução de Vânia Romano Pedrosa e Amir Lopes da Conceição. Rio de Janeiro: Revan, 1991
______; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito penal brasileiro: primeiro volume: teoria geral do direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 2003.
______. El sistema penal em los paises de América Latina. ARAUJO JUNIOR, João Marcelo de (Org.). Sistema penal para o terceiro milênio: atos do colóquio Marc Ancel. Rio de Janeiro: Revan, 1991.
Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas
Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemáticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterináriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MúsicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuímicaBaixar livros de Saúde ColetivaBaixar livros de Serviço SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo