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Universidade de Coimbra - UNIV-FAC-AUTOR Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação
Como estar entre os outros: O álcool como uma estratégia de Evitamento Experiencial na Ansiedade Social TITULO DISSERT
UC
/FP
CE
Fabiana Tomé (e-mail: [email protected]) - UNIV-FAC-AUTOR
Dissertação de Mestrado em Psicologia Clínica, subespecialização em Intervenções Cognitivo-Comportamentais em Perturbações Psicológicas e da Saúde sobre a orientação da Professora Doutora Maria do Céu Salvador
Fabiana Tomé
COMO ESTAR ENTRE OS OUTROS? O ÁLCOOL COMO
UMA ESTRATÉGIA DE EVITAENTO EXPERIENCIAL
NA ANSIEDADE SOCIAL
Fabiana Rosário Tomé
Dissertação de Mestrado em Psicologia Clínica e da Saúde (Especialização em
Intervenções Cognitivo-Comportamentais nas Perturbações Psicológicas e da Saúde)
sob orientação da Professora Doutora Maria do Céu Salvador
Agradecimentos
À Professora Doutora Maria do Céu Salvador, por ter sido mais do que uma
orientadora. Obrigado Professora pelos toques de carinho, pela paciência, por todo o
apoio e boa disposição. Agradeço-lhe profundamente pela disponibilidade constante,
pela oportunidade, sabedoria e rigor que colocava em tudo, com um toque de meiguice
que lhe é tão característico. É um exemplo pessoal e profissional.
A todos os doentes que aceitaram participar nesta investigação e a cada um em
particular.
À Dra. Ana Feijão, pela oportunidade que me concedeu. Pela amabilidade e
incentivo. À Dra. Joana D´Avó pela simpatia e incansável disponibilidade, demonstrada
desde o primeiro dia que me recebeu.
Aos serviços de Saúde da Universidade de Coimbra, em especial à Dra. Ana
Melo.
À Dra. Lígia Fonseca, Dra. Margarida Robalo, Dr. Fernando Pocinho,
Professora Dr.ª Paula Castilho e ao Dr. Vasco Nogueira por facilitarem o caminho. À
Dra. Joana Godinho e à Dr.ª Fátima Carvalho pela disponibilidade.
Aos colegas de tese, pelas reuniões calorosas e lanches animados. À Filipa,
Diana e Joana pela simpatia e disponibilidade. Ao Daniel, por ter sido uma das muitas
boas descobertas desta viagem. Obrigada pela genuinidade, disponibilidade e partilha.
Pela boa disposição e por rir sempre comigo.
Às minhas meninas, à Tânia, Bárbara e a Francisca pelos momentos partilhados!
Em especial à Tânia pela longa amizade. Pelo aconchego e incentivo. Obrigada por
estares sempre ao meu lado!
Ao Zé e à Elisabeth pelo carinho e amizade, um presente valioso cujo valor não
pode ser calculado, a não ser pelo meu coração.
À minha madrinha pela malha de significações. Desde sempre uma referência e
uma presença. À Maria Inês por ser a menina dos meus olhos.
À avó Celeste pelo amor, preocupação e disponibilidade manifestada. Ao avô
Edmar pelo orgulho e carinho, pela amizade e pelas palavras reconfortantes.
Ao Vítor pelo amor e tudo o que partilhamos. Por me acompanhar e encorajar
em todos os momentos. Por estar e permitir que não estivesse.
Ao meu irmão por me ensinar a ver mais longe. Por um amor tão próprio! Pelo
apoio e preocupação.
Por fim, aos meus pais por serem o meu “porto seguro”. Por confiarem sempre em
mim e me apoiarem em todas as minhas escolhas. Por me reconfortarem nos piores
momentos, sendo uma fonte de “combustível emocional”. Obrigada pelo amor
incondicional, por serem os melhores pais do mundo. Obrigada por tudo e por nada.
À avó Fernanda, saudade e lembrança, por ser a melhor pessoa que conheci até
hoje. Por guardá-la em mim, desde sempre e para sempre!
Ao avô Rosário, saudade e memória, por uma representação tão dócil!
Nota introdutória
A relação entre ansiedade social e o consumo de álcool tem sido amplamente
estudada. Vários são os estudos que se debruçam sobre esta relação (Cludius, Stevens,
Bantin, Gerlach & Hermann, 2013; Thomas, Randall, & Carrigan, 2003; Windle &
Windle, 2012). Com o desenvolvimento da ACT, o evitamento experiencial e o
processo oposto- aceitação, tem vindo a prosperar e adaptar-se a diversas patologias
(Hayes, Strosahl, Bunting, Twohig, & Wilson, 2004).
A presente dissertação apresenta como primeiro estudo a análise da
dimensionalidade e das características psicométricas do Questionário da Aceitação e
Compromisso, na Ansiedade Social (SA-AAQ: MacKenzie & Kocovski, 2010), que
permite uma intervenção terapêutica mais direcionada e eficaz, assim como uma
avaliação dos resultados de tratamento mais fidedigna. No nosso país, não se encontrava
aferido nenhum instrumento que avaliasse a aceitação e ação na ansiedade social.
O segundo estudo desta dissertação propôs-se a estudar a relação que existe
entre as variáveis ansiedade social, aceitação na ansiedade social e álcool numa amostra
com 32 indivíduos com Perturbação de Ansiedade Social e outra amostra com 35
indivíduos com Perturbações pelo uso de álcool. Especificamente procurou averiguar-se
se a variável aceitação pode mediar a relação entre ansiedade social e as expetativas
acerca do álcool.
Os resultados do SA-AAQ demonstraram que se trata de uma escala com boas
características psicométricas ao nível da consistência interna, estabilidade temporal,
sensibilidade, validade convergente e validade discriminante da escala, possibilitando a
realização do segundo estudo com um instrumento útil e fidedigno. Os resultados
obtidos no segundo estudo apenas encontraram relação entre ansiedade social e
aceitação da ansiedade, na amostra PAS. Na amostra PUA encontraram-se relações
negativas e significativas entre as expetativas acerca do álcool e ansiedade social; e,
entre as expetativas e aceitação da ansiedade. Verificou-se ainda que a aceitação se
mostrou mediadora da relação entre ansiedade social e as expetativas acerca do álcool,
especificamente expetativas relacionadas com o escape a estados emocionais negativos
e expetativas acerca do álcool relacionadas com a diminuição de sentimentos negativos
de si mesmo e ansiedade avaliativa, pelo modelo de regressão. No entanto, o teste de
Sobel não encontrou significância.
Lista de Artigos
Os artigos incluídos nesta dissertação são os seguintes:
I. Tomé, F. & Salvador, M.C. (2014). A indisponibilidade para aceitar os eventos
internos: estudo das características psicométricas do Questionário de
Aceitação e Ação na Ansiedade Social (SA-AAQ) para adultos.
II. Tomé. F, & Salvador, M.C. (2014). Como estar entre os outros? O Álcool como
uma estratégia de Evitamento Experiencial na Ansiedade Social
Artigo I
Tomé, F. & Salvador, M.C. (2014). A indisponibilidade para aceitar os eventos
internos: estudo das características psicométricas do Questionário de Aceitação e Ação
na Ansiedade Social (SA-AAQ) para adultos. Manuscrito submetido para publicação
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A indisponibilidade para aceitar os eventos internos: estudo das características psicométricas
do Questionário de Aceitação e Ação na Ansiedade Social (SA-AAQ) para adultos
Fabiana Tomé1
Maria do Céu Salvador 1
1Universidade de Coimbra
1A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada a:
Fabiana Tomé
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação
Universidade de Coimbra
Rua do Colégio Novo, Apartado 6153
3001-802 Coimbra, Portugal
Email: [email protected]
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Resumo
Vários estudos com base na Terapia da Aceitação e do Compromisso (ACT; Hayes, Strosahl, &
Wilson, 1999) consideram o evitamento experiencial um processo psicopatológico, implicado
na etiologia e manutenção de várias perturbações psicológicas. Na Perturbação de Ansiedade
Social, este processo inflexível assume um papel basilar, sendo o seu oposto - a aceitação - o
mecanismo de mudança. Para a execução de estudos que permitam compreensibilidade do
processo, é necessário desenvolver medidas que avaliem este construto. O presente estudo teve,
então, como objetivo a adaptação e validação de um instrumento de avaliação da aceitação na
ansiedade social, nomeadamente o Questionário Aceitação e Ação na Ansiedade Social (SA-
AAQ).
O estudo foi realizado numa amostra da população geral (n=302). A dimensionalidade do SA-
AAQ foi testada através da Análise Fatorial Exploratória, que preservou a estrutura bifatorial
da versão original. A solução inicial explicou 58.74% da variabilidade das 19 variáveis
originais. Quanto às caraterísticas psicométricas, o SA-AAQ revelou bons valores de
consistência interna, quer para o Total da escala (.94), quer para os fatores aceitação (.95) e
ação (.83). Apresentou valores aceitáveis de validade convergente, divergente, estabilidade
temporal e validade discriminante.
Esta nova medida revela-se, assim, uma ferramenta importante para estudos futuros, pelos
contributos significativos que pode trazer à investigação e prática clinica.
Palavras-chave: Aceitação, Ação, Terapia da Aceitação e do Compromisso, Psicopatologia,
Ansiedade Social, Avaliação, Análise Fatorial Exploratória
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Abstract
Several studies based in the Acceptance and Commitment Therapy (ACT; Hayes,
Strosahl, & Wilson, 1999) regard the experiential avoidance like a psychopathologic process
that was implicated on the aetiology and maintenance of various psychological disorders. In
Social Anxiety Disorder (SAD), this inflexible process assumes an essential role. The opposite
of this process is acceptance, the mechanism of changed theorized by the model. To increase
the comprehensibility of this process and its monitoring in the assessment and intervention in
SAD, it is necessary to develop specific measures that evaluate the acceptance construct. This
study’s aim consisted in the adaptation and validation of an assessment measure of acceptance
in social anxiety, namely Social Anxiety – Acceptance and Action Questionnaire (SA-AAQ).
The sample was constituted by normal subjects (n=302; 143 men e 159 women). Two
additional samples were collected to study the sensibility of the SA-AAQ: a sample of
individuals with SAD (n=32); and a subsample of individuals from the general population
(n=32) randomly withdrawn from the bigger sample. An Exploratory Factor Analysis was
performed to explore t he dimensionality of the SA-AAQ, and it preserved the bifactorial
structure of original study (acceptance and action), explaining 58.75% of the variance. The SA-
AAQ indicated acceptable values of internal consistency, reasonable to very good temporal
reliability in a 4-6 interval, acceptable values of convergent and discriminant validity, and
sensitivity to differentiate subjects with SAD. Thereby, this new measure may be an important
tool due to the contributions it may bring to research and clinical practice.
KeyWords: Acceptance, Action, ACT, Psychopathology, Social Anxiety, Assessment,
Exploratory Factor Analysis
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A indisponibilidade para aceitar os eventos internos: estudo das características
psicométricas do Questionário de Aceitação e Ação na Ansiedade Social (SA-AAQ) para
adulto
O evitamento experiencial, ou tentativas de mudar a forma ou a frequência dos eventos
internos como, pensamentos, sentimentos, sensações corporais, ou memórias, e dos contextos
que os proporcionam, é um dos processos chave do modelo da inflexibilidade psicológica
(Hayes, Wilson, Gifford, Follette, & Strosahl, 1996). As suas principais formas são: a
supressão, que consiste na tentativa ativa de controlar a experiência imediata de um evento
privado negativo, e o evitamento situacional, que se baseia na tentativa de alterar as
caraterísticas antecedentes associadas a uma maior probabilidade de surgimento de
experiências privadas indesejadas (Hayes, Strosahl, Bunting, Twohig & Wilson, 2004). Esta
estratégia tóxica, amplamente utilizada pelo ser humano, resulta da natureza linguística. As
funções literais e avaliativas da linguagem humana permitem antecipar o futuro e eventos
receados, avaliar o desempenho pessoal numa determinada situação como inferior aos outros, e
rotular as respostas como patológicas e aversivas, sendo estes produtos verbais experimentados
como os eventos que representam (Hayes, Strosahl & Wilson, 1999). Além disso, como os
indivíduos não estão disponíveis para estar com experiências internas que causam sofrimento,
procuram controlar os eventos privados. No entanto, esta estratégia revela-se contraproducente,
aumentando, muitas vezes, a frequência, intensidade e o impacto destes eventos na qualidade
de vida, uma vez que o funcionamento interno não segue as regras do funcionamento externo
(Hayes et al., 1996; Orsillo, Roemer, Block-Lerner & Tull, 2004).
Neste sentido, a inflexibilidade psicológica é considerada o cerne da psicopatologia, na
qual o comportamento humano é excessiva e inapropriadamente regulado pelos processos
verbais (Hayes, Luoma, Bond, Masuda, & Lillis, 2006). A fusão com pensamentos avaliativos
e autodescritivos e a tentativa de evitar eventos internos experienciados como indesejados,
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reduzem o contato com o momento presente e, consequentemente, a probabilidade de
desempenhar ações em prol dos próprios valores (Bond et al., 2011).
Atendendo ao caráter nocivo do evitamento experiencial, a Aceitação torna-se
imprescindível para a promoção da flexibilidade psicológica. Este processo pode ser descrito
como a experiência completa das emoções e das sensações corporais, tal como são, no contexto
onde decorrem, sem as controlar ou julgar (Hayes et al., 2004). Este conceito é diferente de
tolerância por se tratar de uma escolha e envolver uma postura mais acolhedora para com a
experiência interna (Twohig, 2012). Implica notar os eventos internos vivenciados, parar com
os evitamentos ou com a manipulação dos mesmos, e aceitá-los ativa e conscientemente (Eifert
& Forsyth, 2005). Trata-se de uma estratégia de regulação emocional que promove o abandono
consciente de comportamentos que servem o evitamento experiencial (Follette, Palm &
Rasmussen Hall, 2004).
Quando o comportamento deixa de ser orientado pelo controlo ou evitamento das
experiências internas, as ações dos indivíduos servem os seus valores (Bach & Moran, 2008).
Este processo denominado de Ação com Compromisso, consiste num redireccionamento
contínuo do comportamento de modo a construir um reportório cada vez maior de
comportamento flexível e que permanece eficazmente ligado a um determinado valor (Twohig,
2012). A Ação comprometida auxilia o indivíduo a repor a sua vida no caminho certo quando,
ao deparar-se com uma divergência, escolhe redirecionar o comportamento no sentido do que
valoriza, fazendo a vida valer a pena (Hayes, Strosahl & Wilson, 2012).
De acordo com o modelo de Herbert e Cardaciotto (2005), a inflexibilidade psicológica
revela-se determinante no desenvolvimento e manutenção da Perturbação de Ansiedade Social
(PAS). Os autores postulam que as situações sociais, no contexto da predisposição genética ou
apreendida para a ansiedade social, produzem, simultaneamente ativação fisiológica e
cognitiva. Quando os pensamentos e sentimentos relacionados com ansiedade são
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desencadeados, verifica-se um aumento da consciência interna e uma diminuição na atenção
aos estímulos externos. É nesta fase que os níveis de aceitação se revelam cruciais, já que os
efeitos do aumento da atenção auto foçada dependem dos níveis de aceitação. Assim, num
contexto de elevada aceitação, a ativação fisiológica e cognitiva seria apenas observada, não
havendo, por isso, tentativas de controlo ou evitamento, sendo o impacto sobre o desempenho
comportamental, por conseguinte, mínimo. Já num contexto de reduzida aceitação, o indivíduo
recorre a um conjunto de estratégias de evitamento experiencial com propósito de alterar a
forma e a frequência dos pensamentos e sentimentos. Porém, estas estratégias tornam as
experiências ainda mais salientes, formando-se, assim, um ciclo vicioso que conduz ao
aumento da ativação, aumento da consciência e mais esforços no sentido de controlar a
experiência interna. Por consequência, torna-se frequente evitar situações, o desempenho em
situações sociais é afetado e o próprio reportório comportamental fica limitado.
Resumindo, a aceitação constitui-se também como um processo comportamental
importante na manutenção da PAS e na intervenção nesta perturbação, implicando que o
mecanismo de mudança seria o reforço de uma posição, a partir da qual os eventos internos são
vistos como, respostas universais transitórias e naturais que surgem a partir das nossas
interações com o meio ambiente (Orsillo et al., 2004). Efetivamente, numa revisão de vários
estudos, Swain, Hancock, Hainsworth & Bowman (2013) verificaram que os resultados de uma
intervenção ACT junto de populações com PAS se revelam favoráveis e, ainda, que uma
proporção substancial de indivíduos atinge a remissão total até ao fim do tratamento.
A par do interesse pelas terapias de terceira geração, têm sido desenvolvidos uma ampla
gama de instrumentos de avaliação neste domínio. Um dos mais utilizados é o Questionário de
Aceitação e Ação-II (Acceptance and Action Questionnaire: AAQ – II; Bond et al., 2011), que
tem sido adaptado a populações específicas e a certas patologias nomeadamente, dor crónica
(Chronic Pain Acceptance Questionnaire: CPAQ; McCracken, Vowles, & Eccleston, 2004),
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epilepsia (Acceptance and Action Epilepsy Questionnaire: AAEpQ; Lundgren, Dahl, & Hayes,
2008), diabetes (Acceptance and Action Diabetes Questionnaire: AADQ; Gregg, Callaghan,
Hayes, & Glenn-Lawson, 2007), imagem corporal (Body Image Acceptance and Action
Questionnaire: BI-AAQ; Sandoz, 2010; Sandoz, Wilson, Merwin, & Kellum, 2013), sintomas
psicóticos (Voices Acceptance & Action Scale: VAAS; Shawyer, Ratcliff, Mackinnon, Farhall,
Hayes, & Copolov, 2007) e ansiedade social (Social Anxiety - Acceptance and Action
Questionnaire: SA-AAQ: MacKenzie & Kocovski, 2010). Em Portugal, foram já estudados o
AAQ-II (Pinto-Gouveia & Gregório, 2013) que avalia o evitamento experiencial e a
inflexibilidade psicológica; o BI-AAQ (Ferreira, Pinto-Gouveia, & Duarte, 2011) que mede o
grau de aceitação dos pensamentos e sentimentos negativos relacionados com a imagem
corporal; e também o AAQ-TS (Carvalho, Cunha & Pinto-Gouveia, 2013) que está a ser alvo
de validação para a população portuguesa e tem como objetivo avaliar a flexibilidade
psicológica em sintomas da PTSD.
Apesar de nos últimos anos, o interesse pela influência do evitamento experiencial e da
ausência de ações comprometidas na PAS começar a prosperar, é necessário adaptar e validar
medidas específicas relacionadas com aceitação e ação na ansiedade social, que permitam uma
avaliação detalhada e compreensível. O Questionário de Aceitação e Ação na ansiedade social
(SA-AAQ) (MacKenzie & Kocovski, 2010) é o único instrumento que serve este propósito.
Tendo por base o AAQ, foi concebido como uma medida específica de aceitação dos sintomas
de ansiedade social. O SA-AAQ é um instrumento de autorresposta que procura avaliar a
aceitação e ação em situações sociais. É constituído por 19 itens (e.g., “Preocupa-me poder não
conseguir controlar a minha ansiedade social”), respondidos numa escala tipo Likert de 7
pontos, onde 1 corresponde a “nunca verdadeiro” e 7 corresponde a “sempre verdadeiro”. Treze
itens integraram o fator aceitação e os restantes seis, o fator ação, sendo que os itens do fator
ação são cotados de forma inversa. O resultado global oscila entre os 19 e 133 pontos.
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Resultados mais elevados significam maiores níveis de aceitação da ansiedade social. O
questionário demonstrou boas caraterísticas psicométricas, incluindo uma excelente
consistência interna (α=.94). Encontra-se correlacionado positivamente com outras medidas de
aceitação e mindfulness, e negativamente correlacionado com medidas de ansiedade social e
sintomas depressivos. A análise em componentes principais com rotação Promax conduziu a
uma estrutura bifatorial (fator aceitação e fator ação); contudo, a elevada correlação entre as
subescalas do SA-AAQ (r =.70, p <.001) sugeriu que os fatores mediam constructos
semelhantes. Por este motivo, as autoras optaram por uma estrutura unidimensional. O SA-
AAQ revelou sensibilidade aos sintomas de ansiedade social, constituindo-se como um bom
preditor da PAS. Na versão portuguesa para adolescentes, foi replicada a estrutura fatorial
original e obtidos valores de consistência interna razoáveis a bons, boa estabilidade temporal,
boa validade convergente e discriminante, e boa sensibilidade (Vieira, Martins, Salvador,
MacKenzie, Kocovski, 2014). O SA-AAQ não se encontra estudado para a população adulta
em Portugal, sendo este o objetivo da presente investigação. Pretendeu-se, assim, estudar a sua
estrutura dimensional, analisar as suas caraterísticas psicométricas e elaborar os dados
normativos para a população adulta portuguesa. Esperava obter-se uma estrutura bifatorial à
semelhança do estudo realizado com adolescentes para a população portuguesa, bons valores de
consistência interna e estabilidade temporal, boa validade convergente e discriminante, e boa
sensibilidade.
Material e Método
Participantes
Amostra 1: A amostra utilizada para estudar as caraterísticas psicométricas do SA-AAQ
ficou constituída por um total de 302 indivíduos, 143 do género masculino (47.4%) e 159 do
género feminino (52.6%), com idades compreendidas entre os 18 e 65 anos (M= 28.38; DP=
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11.09). Quanto à ocupação, 151 indivíduos eram estudantes universitários (50%) e os restantes
151 trabalhadores (50%). Ao nível do estatuto socioeconómico, 90 indivíduos encontravam-se
no nível baixo (30%), 43 indivíduos no nível médio a alto (14%), 18 indivíduos estavam
desempregados ou reformados (6%) e 151 eram estudantes (50%). Relativamente à
escolaridade, 43 indivíduos concluíram o ensino básico (14.2%), 167 indivíduos completaram o
ensino secundário (55.3%) e 92 indivíduos concluíram o ensino superior (30.5%). A idade
revelou diferenças estatisticamente significativas em relação ao género (t(300) = -2.381; p =.018),
tendo os sujeitos do sexo masculino uma idade significativamente superior (M = 29.97) aos
sujeitos do sexo feminino (M = 26.95). Não foram encontradas diferenças estatisticamente
significativas no nível socioeconómico (χ2(3) = 7.047; p =.070) e a escolaridade (χ2
(2) = 4.837; p
=.089) em relação ao género.
Amostra 2: A amostra usada na análise da estabilidade temporal do SA-AAQ era
constituía por 84 sujeitos (52 do sexo feminino e 32 do sexo masculino). Foi recolhida após um
intervalo de 4 a 6 semanas, da primeira passagem.
Amostra 3: A amostra da população clínica utilizada no estudo da validade
discriminante era constituída por 32 indivíduos adultos (25 do sexo feminino e 7 do sexo
masculino) com PAS, com idades compreendidas entre os 18 e 59 anos (M = 26.78, DP =
9.22). Relativamente às comorbilidades, 6 indivíduos preencheram também critérios para a
Perturbação de Pânico (18.80%), 2 para Agorafobia (6.30%), 5 para a Perturbação de
Ansiedade Generalizada (15.60%), 2 para a Perturbação Obsessivo-Compulsiva (6.30%), 4
para Fobia Especifica (12.50%) e 1 para a Perturbação Pós-Stress Traumático (3.10%). No que
respeita às perturbações de humor, 8 indivíduos encontram-se, atualmente, deprimidos (25%).
Não se verificaram diferenças significativas entre os géneros em relação à idade (t(30) =.762; p
=.452) e ao nível socioeconómico (χ2(3) = 1.280; p =.734).
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Amostra 4: A subamostra da população geral utilizada no estudo da sensibilidade foi
aleatoriamente retirada da amostra geral utilizada na aferição, tendo apenas sido controlado o
número de indivíduos do sexo feminino e do sexo masculino, recolhidos dessa amostra para o
emparelhamento com amostra clínica em termos de género. Esta subamostra ficou constituída
por 32 indivíduos adultos (25 do sexo feminino e 7 do sexo masculino), com idades
compreendidas entre os 18 e 53 anos (M = 28.19; DP = 10.11). A idade não revelou diferenças
estatisticamente significativas em relação ao género (t(30)= .813; p = .423). Também não se
verificam diferenças significativas entre os géneros em relação ao nível socioeconómico (χ2(3)=
.904; p = .825).
Instrumentos
Questionário de Aceitação e Ação na Ansiedade Social (SA-AAQ: Social Anxiety -
Acceptance and Action Questionnaire; MacKenzie & Kocovski, 2010). É um instrumento de
autorresposta que procura avaliar a aceitação e a ação em situações sociais. É constituído por
19 itens (e.g., “Preocupa-me poder não conseguir controlar a minha ansiedade social”),
respondidos numa escala tipo Likert de 7 pontos, onde 1 corresponde a “nunca verdadeiro” e 7
corresponde a “sempre verdadeiro”. Os itens distribuem-se por dois fatores: a subescala
Aceitação com treze itens, e a subescala Ação com seis itens cotados de modo inverso.
Resultados mais elevados significam maiores níveis de aceitação da ansiedade social, sem
tentar controlar ou evitar a mesma. O SA-AAQ revelou uma elevada consistência interna (α
=.94) e boa validade convergente, no estudo original.
Escala de Ansiedade e Evitamento em Situações de Desempenho e Interação Social
(EAESDIS; Pinto-Gouveia, Cunha, & Salvador, 2003). É uma medida de autorresposta que
avalia os níveis de ansiedade social e evitamento em situações de desempenho e interações
sociais. Contempla 44 itens e duas subescalas: a subescala de desconforto/ansiedade e a
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subescala de evitamento (e.g. “ir a uma festa”). Ambas são respondidas por uma escala tipo
Likert de 4 pontos, onde 0 equivale a “nenhum”/ “nunca” e 4 a “severo”/ “quase sempre”. Para
cada uma das 44 situações sociais descritas, os respondentes indicam o grau de ansiedade que a
situação provoca e a frequência com que a evitam. Valores mais elevados traduzem-se em
maior desconforto e evitamentos em situações sociais. Os valores de consistência interna
revelaram-se elevados na escala original (α =.95 na subescala desconforto/ansiedade; α =.94 na
subescala evitamento). Também se verificou boa estabilidade temporal (r =.83 na subescala de
evitamento; r =.86, na subescala de desconforto/ansiedade) e boa validade convergente e
divergente. Na presente amostra, os valores de consistência interna também se revelaram
elevados (α =.95 na subescala desconforto/ansiedade; α =.95 na subescala evitamento).
Escalas de Ansiedade, Depressão e Stress de 21 itens (DASS-21: Depression Anxiety
Stress Scales; Lovibond, & Lovibond, 1995; versão portuguesa por Pais-Ribeiro, Honrado, &
Leal, 2004). A DASS-21 é a primeira medida de autorresposta que avalia sintomas de
Ansiedade, Depressão e Stress. Esta versão reduzida da escala original comtempla 21 itens. Os
itens são respondidos através de uma escala tipo Likert de 4 pontos (0 corresponde a “não se
aplicou nada a mim” e 3 “aplicou-se a mim a maior parte das vezes”) e remetem para sintomas
emocionais negativos, distribuídos de modo equivalente por três subescalas: depressão (e.g.,
“senti que a vida não tinha sentido”), ansiedade (e.g., “senti dificuldades em respirar”) e stress
(e.g., “senti que estava a utilizar muita energia nervosa”). As pontuações de cada subescala
variam entre 0 e 21 pontos, sendo que valores mais elevados traduzem-se em níveis mais
elevados de depressão, ansiedade e stress, ou seja, estados afetivos mais negativos.
Relativamente à consistência interna por fator, verificou-se elevada consistência interna quer na
versão original, quer na versão portuguesa; com alfas entre .74 e .91. Possui também boa
validade convergente e discriminante. Na presente amostra, os valores de consistência interna
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foram semelhantes aos da escala original e da versão portuguesa: α = .88 na depressão, α =.83
na ansiedade e α = .88 no stress.
Inventário de Expectativas e Crenças Pessoais acerca do Álcool (IECPA; Pinto-
Gouveia, Costa Borges, Rocha Almeida, Ramalheira, & Robalo, 1993). O IECPA é uma
medida de autorresposta que avalia as expectativas pessoais acerca dos efeitos positivos
decorrentes do consumo moderado de bebidas alcoólicas. É constituída por 61 itens
respondidos através de uma escala tipo Likert de 5 pontos (0 corresponde a “não concordo” e 5
“concordo muitíssimo”). Maiores níveis de ingestão de bebidas alcoólicas correspondem a
maiores expectativas positivas acerca dos efeitos do álcool. O IECPA permite a obtenção de
um resultado total e de resultados correspondentes a seis fatores: Efeitos Globais Positivos e
Facilitação das Interações Sociais (e.g., “quando bebo é mais fácil dizer o que penso”),
Ativação e Prazer Sexual (e.g., “o meu desejo sexual aumenta depois de beber”), Efeitos
Positivos na Atividade e Humor (e.g., “depois de beber o trabalho rende mais”), Escape e
Estados Emocionais Negativos (e.g., “o álcool faz-me esquecer os desgostos”), Desinibição
Sexual (e.g., “depois de beber fico sexualmente mais desinibido”) e Diminuição de
Sentimentos Negativos de Si Mesmo e Ansiedade Avaliativa (e.g., “sinto-me menos sozinho
depois de beber”). Apresenta elevada consistência interna na versão original (α=.89) e boa
estabilidade temporal (r =.764). Na amostra do presente estudo, a escala também apresenta
muito boa consistência interna (α =.98).
Escala de Ansiedade em Situações de Interação Social – SIAS: Social Interaction
Anxiety Scale (Mattick & Clarke, 1998; versão portuguesa por Pinto Gouveia & Salvador,
2001). É um instrumento de autorresposta que avalia ansiedade decorrente das relações
interpessoais. É constituída por 19 itens (e.g., “Quando me expresso, preocupa-me que possa
parecer esquisito”) respondidos através de uma escala tipo Likert de 4 pontos (0 corresponde
“não é nada caraterístico da minha maneira de ser” e 4 “é extremamente característico da minha
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maneira de ser”). Resultados mais elevados traduzem maiores níveis de ansiedade em situações
de interação social. Quer a versão original, quer a versão portuguesa apresentam boas
caraterísticas psicométricas. No que diz respeito à fidelidade, a escala revelou elevada
consistência interna na versão original (α =.94) e na versão portuguesa (α =.90), e boa
estabilidade temporal. Também apresentou validade convergente aceitável. Nesta amostra, o
valor de consistência interna foi muito elevado (α =.88).
Entrevista Estruturada para as Perturbações de Ansiedade para o DSM-IV- ADIS-IV:
Anxiety Disorders Interview Schedule for DSM-IV (Di Nardo, Brown, & Barlow,1994; Pinto-
Gouveia & Galhardo, 2001). É uma das mais utilizadas entrevistas semi-estruturada para o
diagnóstico dos distúrbios de ansiedade. Fornece uma informação detalhada sobre aspetos
clinicamente relevantes dos distúrbios, tais como aspetos situacionais e cognitivos que geram
ansiedade, intensidade da ansiedade, classificação do grau de evitamento, acontecimentos
precipitantes e história do problema. Avalia as perturbações de ansiedade do DSM, e as
perturbações com mais frequência associadas a estas (depressão major e distimia), cujo
objetivo último é o estabelecimento do diagnóstico diferencial entre as diversas perturbações de
ansiedade, de acordo com os critérios presentes no DSM-IV. Inclui também secções para o
diagnóstico de perturbações do humor, somatoformes e de abuso de substâncias, dada a sua
elevada comorbilidade com as perturbações ansiosas. Ao nível as caraterísticas psicométricas,
apresenta boa a excelente fidedignidade apresentando valores de kappa entre .60 e .86
(DiNardo, Moras, Barlow, Rapee, & Brown, 1993). Embora esta entrevista se baseie nos
critérios da DSM-IV (APA, 2002), aquando da administração da mesma, houve o cuidado por
parte dos entrevistadores de proceder a modificações decorrentes de alterações incluídas no
DSM-5 (APA, 2013).
14
Procedimento
Uma vez que a tradução do SA-AAQ já se encontrava efetuada para adolescentes (Vieira
et al., 2014), apenas refraseamos as instruções e os itens para adequar a linguagem a uma
população adulta. Esta adaptação consistiu basicamente na passagem da primeira pessoa para a
terceira pessoa do singular. Após esta adaptação, foi efetuado o procedimento de validade
facial. No geral, os 30 sujeitos de nacionalidade portuguesa que responderam, demonstraram
uma boa compreensão das instruções dos itens, pelo que não se procedeu a nenhuma alteração
no fraseamento dos itens.
Após a escolha da bateria de instrumentos necessária para o estudo, a recolha dos dados
respeitou os princípios deontológicos para o efeito. Para além da bateria de instrumentos, o
protocolo de investigação incluía uma folha de rosto que explicava os objetivos, assegurava o
anonimato e garantia a confidencialidade das respostas; o consentimento informado dos
participantes, e uma ficha de recolha de dados demográficos. Com o propósito de controlar
possíveis contaminações das respostas, a ordem dos questionários foi contrabalançada. Numa
segunda fase, o SA-AAQ voltou a ser administrado a 84 sujeitos da amostra já recolhida com o
objetivo de explorar a sua estabilidade temporal.
A amostra clínica foi obtida em Hospitais, Clínicas privadas e Serviços de Ação Social.
Adicionalmente foram selecionados alunos através de um screening: tendo passado um
questionário de ansiedade social (SIAS) a estudantes universitários, selecionaram-se os
indivíduos com pontuações acima do ponto de corte. Todos os indivíduos selecionados por este
método foram submetidos a uma entrevista clínica estruturada (ADIS-IV) e quando confirmado
o diagnóstico do DSM-IV-TR (APA, 2002) para a PAS, eram selecionados para integrar a
amostra clínica.
15
Estratégia Analítica
Para verificar se a amostra cumpria os requisitos mínimos para a execução de uma análise
fatorial, utilizaram-se os pressupostos de Hill e Hill (2000) que referem que o número mínimo
de respostas válidas (N) por variável (K) para a execução de uma análise fatorial é 50, se K ≤ 5;
10 x k, se 5 < K ≤ 15 e 5 x K, se K > 15. Neste caso, para os 19 itens do SA-AAQ (k = 19), o
número mínimo de respostas válidas é 95 (5 x 19). Concluída a recolha dos dados, procedeu-se
ao tratamento estatístico dos mesmos através do programa SPSS (Statistical Package for the
Social Sciences - versão 20.0) para o Windows. A normalidade foi avaliada pelo teste
de Kolmogorov-Smirnov e os desvios pela assimetria (skeweness) e pelo achatamento
(kurtosis). A análise das observações aberrantes (outliers) foi feita através da representação
gráfica dos resultados (diagramas de caixas).
Para testar a validade da Análise Fatorial Exploratória (AFE) dos 19 itens do SA-AAQ,
utilizou-se o critério de adequação da amostragem de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e o teste de
esfericidade de Bartlett. Na interpretação dos resultados obtidos através do teste de KMO usou-
se a classificação sugerida por Hutcheson e Sofroniou (1999 cit in Field, 2009), considerando o
valor como inaceitável sempre que inferior a .50; medíocre entre .51 e .70; bom entre .71 e .80;
muito bom entre .81 e .89 e excelente acima de .90. Para a análise de dimensionalidade da
escala de Aceitação e Ação (SA-AAQ), optou-se pela AFE utilizando a Factoração alfa como
método de extração. Este método de extração é o mais apropriado para a validação do construto
de um instrumento de avaliação psicológica, uma vez que coloca ênfase na covariância ou
comunalidades das variáveis e porque gera fatores assumidos como as causas hipotéticas das
correlações entre as variáveis (Tabachnick & Fidell, 2013). Foi ainda utilizada rotação oblimin
por se considerar a mais indicada quando se postula que os fatores estão correlacionados
(Tabachnick & Fidell, 2013). Utilizou-se o critério de Kaiser para retenção dos fatores. Este
critério postula que os fatores a reter foram aqueles que apresentaram um eigenvalue superior a
16
1, por explicarem mais variância (Maroco, 2010). Normalmente, para a interpretação das
comunalidades dos itens considera-se como referência valores superoires .40 (Field, 2013). No
entanto, Stevens (1986) referiu ser frequente encontrarem-se valores baixos (inferiores a .40)
quando o número de itens é menor do que 20. Segundo Comrey e Lee (1992 cit in Tabachnick
& Fidell, 2013), as saturações fatoriais são pobres entre .32 e .44; razoáveis entre .45 e .54;
boas entre .55 e .62; muito boas entre .63 e .70 e excelentes acima de .71.
A qualidade dos itens foi examinada pelo cálculo da correlação de cada item com o total
da escala. Para a avaliação da magnitude das correlações, foram considerados como referência
os valores estipulados por Pestana e Gageiro (2005), que sugerem que um quociente de
correlação inferior a .20 revela uma associação muito baixa; um valor entre .21 e .39 uma
associação baixa; entre .40 e .69 moderada; entre .70 e .89 elevada e superior a .90 uma
associação muito elevada. Procedeu-se também à análise da consistência interna através do
cálculo do alfa de Cronbach, medida de fidelidade mais usada (Field, 2013; Pestana & Gageiro,
2005). Os valores estipulados por Pestana e Gageiro (2005) foram considerados como
referência para avaliar o índice de consistência interna. Consideram valores inferiores a .60
como inadmissíveis; entre .61 e .70 como fracos; entre .71 e .80 como razoáveis; entre .81 e .90
como bons e superiores a .90 como muito bons.
A fidelidade é a capacidade de uma medida produzir resultados consistentes em
diferentes condições (Field, 2009) dando informação acerca da exatidão que podemos ter na
informação obtida (Almeida & Freire, 2008). Pode ser avaliada pela consistência (interna) e
pela estabilidade temporal (teste-reteste).
A validade de constructo entende a relação direta entre a componente teórica das
variáveis (DeVellis, 2003), tendo-se verificado a validade convergente e discriminante, através
do coeficiente de correlação paramétrico de Pearson.
17
Para estudar a influência das variáveis sociodemográficas ao nível do género realizaram-
se teste-t e testes Qui-Quadrado. Também para estudar a influência das variáveis
sociodemográficas na distribuição das variáveis do SA-AAQ, usou-se a análise univariada da
variância (ANOVA).
Resultados
Análises Preliminares
A caraterização da distribuição dos valores da amostra foi analisada através do teste de
Kolmogorov-Smirnov. Apesar das variáveis não se dispersarem segundo uma distribuição
normal (K-S(302) = 0.068, p =.002), as medidas de assimetria (Skeweness = -.33) e achatamento
(Kurtosis = -.48), indicam que não existem violações à normalidade das variáveis (Almeida &
Freire, 2008).
Estrutura Fatorial do SA-AAQ
A medida de Kaiser-Mayer-Olkin (.94) confirmou adequabilidade e o teste de
esfericidade de Bartlett (χ² = 4179.113, p <.001) demonstrou que a matriz de intercorrelações
foi significativamente diferente de uma matriz de identidade.
Para a análise de dimensionalidade da escala de Aceitação e Ação (SA-AAQ), optou-se
pela Análise Fatorial Exploratória (AFE) utilizando a Factoração alfa como método de
extração. A solução inicial permitiu extrair dois fatores com eigenvalues superiores a 1 que
explicaram 58.74% da variabilidade das 19 variáveis originais. Apesar das autoras terem
optado por uma estrutura unidimensional, os nossos resultados apontaram para uma estrutura
bidimensional com uma correlação moderada entre os dois fatores (r =.44, p <.000),
contrariamente ao que foi encontrado na escala original (r =.70, p <.001) . O primeiro fator,
aceitação explicou 47,86% da variância. O segundo fator, ação explicou 10,87% da variância.
18
As saturações dos itens no respetivo fator encontram-se entre .41 e .84. Todos os itens
apresentaram valores de comunalidades superiores a .40, exceto os itens 9 e 11. Estes valores
encontram-se descritos no Quadro 1.
Nota. SA-AAQ = Questionário de Aceitação e Ação na Ansiedade Social. h2 = Comunalidades.
Estudo dos itens da escala
O estudo dos itens do SA-AAQ encontra-se no Quadro 2 onde são apresentadas médias
(M), desvios-padrão (DP), correlação item-total da escala (r), alfa de Cronbach (α) se o item
for removido (N = 302) e correlação teste-reteste (t-rt) (n = 84).
Quadro 1
Análise de Componentes Principais – Solução Fatorial e Comunalidades (h2)
Itens do SA-AAQ Fator
Aceitação
Fator
Ação h2
13. Luta interna com a ansiedade social .84 .06 .76
14. Fusão com pensamentos sobre ansiedade social .84 .10 .79
16. Autocritica da ansiedade social .83 .04 .72
12. Ruminação em relação ansiedade social .83 .04 .72
15. Desejo de suprimir pensamentos sobre ansiedade social .82 .03 .71
8. Preocupação por não controlar a ansiedade social .81 -.04 .63
7. Preocupação com ansiedade em situações sociais .80 -.04 .61
18.Avaliações sobre os pensamentos relacionados com
ansiedade social .77 .01 .60
19. Avaliação negativa da ansiedade social .76 -.02 .57
10. Supressão da ansiedade social para ter ações nas direções
valorizadas. .76 .09 .52
17. Avaliação negativa de pensamentos relacionados com
ansiedade social .75 .04 .59
6. Sacrifício desejado em prol de não sentir ansiedade .68 .06 .50
5. Ansiedade social impede ações em direções valorizadas .68 .05 .43
2. Não evitamento de situações mesmo com ansiedade social -.06 .84 .66
4. Ansiedade não impede viver a vida .04 .79 .66
3. Realização de tarefas apesar da ansiedade social .01 .78 .63
1. Sensação de controlo sobre a vida apesar da ansiedade
social .06 .74 .59
9. Persistir com os objetivos mesmo quando há ansiedade
social -.06 .50 .23
11. Ansiedade Social não interfere nas direções de vida .12 .42 .23
19
Nota. SA-AAQ=Questionário de Aceitação e Ação na Ansiedade Social).
**p<. 001
Quadro2
Médias (M), Desvios-Padrão (DP), Correlação Item-Total (r), Alpha de Cronbach se o item
for removido (α) e Correlação Teste-Reteste para cada item e para o total (t-rt)(N=84)
Itens do SA-AAQ M DP r α t-rt
1. Sensação de controlo sobre a vida apesar da
ansiedade social. 4.94 1,45 .52 .939 .40**
2. Não evitamento de situações mesmo com
ansiedade social 5.18 1.36 .45 .940 .43**
3. Realização de tarefas apesar da ansiedade social 4.92 1.57 .50 .939 .50**
4. Ansiedade não impede viver a vida 5.30 1.36 .53 .939 .41**
5. Ansiedade social impede ações em direções
valorizadas 4.77 1.71 .62 .937 .39**
6. Sacrifício desejado em prol de não sentir
ansiedade. 5.27 1.70 .69 .936 .59**
7. Preocupação com ansiedade em situações sociais 4.87 1.69 .72 .935 .63**
8. Preocupação por não controlar a ansiedade social 4.71 1.79 .74 .935 .54**
9. Persistir com os objetivos mesmo quando há
ansiedade social 5.00 1.59 .27 .943 .28**
10. Supressão da ansiedade social para ter ações
nas direções valorizadas. 4.59 1.81 .65 .937 .52**
11. Ansiedade Social não interfere nas direções de
vida 4.58 1.82 .39 .942 .31**
12. Ruminação em relação ansiedade social 5.08 1.68 .80 .934 .64**
13. Luta interna com a ansiedade social 5.22 1.70 .82 .934 .61**
14. Fusão com pensamentos sobre ansiedade social 5.21 1.69 .84 .933 .61**
15.Desejo de suprimir pensamentos sobre
ansiedade social 4.92 1.85 .79 .934 .66**
16. Autocritica da ansiedade social 5.20 1.88 .79 .934 .71**
17.Avaliação negativa de pensamentos
relacionados com ansiedade social 5.28 1.78 .73 .935 .58**
18. Avaliações sobre os pensamentos relacionados
com ansiedade social 5.16 1.66 .72 .935 .69**
19. Avaliação negativa da ansiedade social 5.07 1.66 .70 .936 .68**
Total 95.26 22.10 .940 .82**
20
Todos os itens revelaram possuir correlações item-total positivas e moderadas, à
exceção dos itens 9 (“Consigo continuar a tentar atingir objetivos importantes mesmo quando
me sinto ansioso(a) em situações sociais”) e 11 (“A minha ansiedade social não interfere com a
maneira como quero viver a minha vida ”). Os mesmos itens foram também os únicos que
apresentaram correlações teste-reteste baixas; todos os outros revelaram correlações
moderadas. É de salientar que não existindo vantagem em retirar qualquer item porque a sua
remoção não aumentaria o valor da consistência interna do instrumento, foram mantidos todos
os itens da escala.
Fidelidade
A consistência interna do total da escala e de ambas as dimensões teóricas que a
compõem foi avaliada através do cálculo de alfa de Cronbach. Os valores revelaram-se muito
bons para o total (.94) e bons para o fator Aceitação (.95) e para o fator Ação (.83).
A estabilidade temporal do SA-AAQ foi estudada utilizando uma subamostra de 84
sujeitos, num intervalo de 4-6 semanas. Os resultados corresponderam a um coeficiente de
correlação de Pearson de .82 para o total; enquanto, o fator aceitação obteve um valor de .77 e
o fator ação de .53. Estes valores sugerem padrões de resposta consistentes ao longo do tempo.
Validade
A validade convergente desta escala foi avaliada através de Matrizes de correlação de
Pearson entre o total e os fatores do SA-AAQ e a Escala de Ansiedade e Evitamento em
Situações de Desempenho e Interação Social (EAESDIS). A validade discriminante foi
avaliada pela correlação entre o total e os fatores do SA-AAQ e as medidas de Ansiedade,
Depressão e Stress (DASS-21). No Quadro 3 encontram-se as correlações entre as medidas.
21
Relativamente à validade convergente, a análise da magnitude das correlações revelou
associações estatisticamente significativas negativas e moderadas, à exceção da correlação
encontrada entre EAESDIS-Ansiedade e SA-AAQ-Ação (r = -.31; p ≤.001) que se revelou
baixa.
Nota. SA-AAQ=Questionário de Aceitação e Ação na Ansiedade Social. EAESDIS =Escala de
Ansiedade e Evitamento em Situações de Desempenho e Interação Social. EAESDIS-A=Escala de
Ansiedade da EASESDIS. EAESDIS-E=Escala de Evitamento da EAESDIS. DASS=Escalas de
Ansiedade, Depressão e Stress. DASS-ans=Escala Ansiedade da DASS. DASS-stress= Escala Stress da
DASS. DASS-dep=Escala de Depressão da DASS.
**p<. 001
Quanto à validade discriminante, as correlações entre o total do SA-AAQ e os seus dois
fatores com as Escalas de Ansiedade, Depressão e Stress (DASS-21), revelaram-se
estatisticamente significativas mas baixas, à exceção das correlações entre o total do SA-AAQ
com DASS-ans e DASS-dep, e entre o SA-AAQ-Aceitação e DASS-dep, que se revelaram
moderadas.
Sensibilidade
A sensibilidade do SA-AAQ foi avaliada comparando os valores do seu total e fatores
em duas amostras: uma amostra clínica com indivíduos com PAS e uma subamostra da
população geral. Foram encontradas diferenças estatisticamente significativas quer para SA-
AAQ total (t(62) = 6.100, p <.001), quer para cada um dos dois fatores, aceitação (t(62) = 6.125, p
Quadro 3
Matriz de Correlações entre o Total do SA-AAQ e Fatores, o EAESDIS Total e Subescalas, e
as Subescalas Ansiedade, Stress e Depressão da DASS-21
SA-AAQ EAESDIS-A EAESDIS-E DASS-ans DASS-stress DASS-dep
Aceitação -.47** -.51** -.37** -.36** -.48**
Ação -.31** -.44** -.36** -.21** -.38**
Total -.48** -.56** -.42** -.37** -.52**
22
<.001 ) e ação (t(62)= 3.605, p <.001), sendo que os indivíduos da amostra clínica se
distinguiram dos indivíduos normais apresentando valores mais baixos de aceitação.
Dados normativos
No Quadro 4 encontram-se as médias e desvios-padrão para o total da SA-AAQ e para
os dois fatores que o compõem, separadamente por género, por ano de escolaridade e por nível
socioeconómico, na amostra da população geral.
Os resultados de diversas análises de variância revelaram um efeito estatisticamente
significativo da idade em relação ao fator aceitação do SA-AAQ (F (1, 300) = -4.186; p =.042),
obtendo os indivíduos com mais de 30 anos valores mais elevados de aceitação. No que
concerne aos resultados obtidos em função do género verificaram-se efeitos estatisticamente
significativos em relação ao SA-AAQ total (F (1, 300) = 4.708; p =.031) e ao fator aceitação (F (1,
300) = -4.418; p =.036), auferindo os homens maiores níveis de aceitação em relação às
mulheres. Relativamente à escolaridade, não foram encontradas diferenças. Por fim, no nível
socioeconómico verificaram-se diferenças em relação ao SA-AAQ total (F (3, 298) =3.402;
p=.018) e ao fator aceitação (F (3, 298) = 3.235; p =.023), obtendo os indivíduos do nível
médio/alto maiores níveis de aceitação, em ambos.
23
Nota. SA-AAQ= Questionário de Aceitação e Ação na Ansiedade Social. F (ANOVA).
Quadro 4
Médias (M) e Desvios-Padrão (DP) da Pontuação do Total e Fatores do SA-AAQ para a
Amostra Total e por Género, Escolaridade e Nível Socioeconómico. Testes t e Chi-quadrado
para análise das diferenças.
Fatores do SA-AAQ
SA-AAQ- Total Aceitação Ação
N M (DP) M (DP) M (DP)
Total 302 90.20 (20.90) 60.27 (16.99) 29.92 (6.79)
Idades
<30 203 88.74 (21.11) 58.88 (16.99) 29.86 (6.71)
>30 99 93.17(20.24) 63.12 (16.72) 30.05 (6.98)
F(1, 300) 3.007 4.186* .051
Género
Masculino 143 92.93 (19.75) 62.43 (15.92) 30.50 (6.49)
Feminino 159 87.74 (21.65) 58.33 (17.73) 29.40 (7.03)
F(1, 300) 4.708* 4.418* 1.987
Escolaridade
Ensino Básico 45 88.00 (17.06) 61.33 (9.24) 26.66 (8.50)
Ensino Secundário 165 84.42 (15.86) 57.92 (16.44) 26.50 (8.04)
Ensino Superior 92 86.50 (23.92) 58.00 (19.00) 28.50 (7.72)
F(2, 299) 3.149 2.663 2.949
Nível socioeconómico
Baixo 90 90.03 (20.20) 60.70 (17.39) 29.33 (7.14)
Médio/Alto 43 97.07 (20.16) 65.67 (15.95) 31.39 (6.67)
Desempregados/Re
formados 18 78.94 (17.71) 51.50 (16.27 27.44 (3.81)
Estudantes 151 89.68 (21.35) 59.52 (16.75) 30.15 (6.82)
F(3, 298) 3.402* 3.235* 1.771
24
Discussão
A aceitação, um dos processos mais importantes na flexibilidade psicológica, tem sido
alvo de um progressivo interesse na comunidade científica. Ainda que em número reduzido, os
estudos sobre a eficácia de intervenções baseadas na ACT (Hayes et al., 1999) aplicadas à PAS
têm revelado resultados promissores (Block & Wulfert, 2000; Brandy & Whitman, 2012;
Dalrymple, 2005; Kocovski, Fleming & Rector, 2009). A realização de investigação rigorosa
nesta área implica que estejam disponíveis instrumentos que avaliem a aceitação. Apesar do
Questionário da Aceitação e Compromisso (AAQ-II; Bond et al., 2011) estar adaptado para a
população portuguesa e avaliar o evitamento experiencial ou a falta de aceitação pelos eventos
internos (pensamentos, sentimentos e sensações físicas), o facto de ser muito generalista
empobrece a compreensão da aceitação perante dificuldades socias.
Assim, o objetivo do presente estudo consistiu na adaptação e validação de um
instrumento fidedigno, o Questionário da Aceitação e Ação na Ansiedade Social (SA-AAQ;
MacKenzie & Kocovski, 2010), de momento, a única escala que mede aceitação dos sintomas
de ansiedade social. Na versão portuguesa do SA-AAQ, a AFE revelou-se, em parte, idêntica à
original. A solução fatorial inicial após rotação oblimin, permitiu extrair dois fatores que
explicaram 58.74 % da variância. A versão original apontava também, inicialmente para dois
fatores mas, como estes apresentavam uma correlação elevada (r =.70, p <.001), as autoras
optaram por uma escala unifatorial, concluindo que estariam a medir o mesmo construto
(MacKenzie & Kocovski, 2010). Na nossa amostra, a correlação moderada entre os fatores (r
=.40, p <.001) reforçou, tratar-se de constructos relacionados, mas distintos de flexibilidade
psicológica. O mesmo se verificou na versão portuguesa para adolescentes, uma vez que a
correlação entre ambos se revelou ainda mais baixa (r =.25, p <.001) (Vieira et al, 2014).
Esta medida ficou constituída por 19 itens, distribuídos por dois fatores, a aceitação e
ação. O fator aceitação incluiu 13 itens e explicou 47.86% da variância, enquanto o fator ação
25
aglomerou os restantes 6 itens e explicou 10.87% da variância. Os valores explicativos foram
semelhantes aos encontrados no estudo efetuado com adolescentes. O estudo dos itens revelou
que todos apresentavam uma correlação item-total e correlação teste-reteste positiva e
moderada, à exceção do item 9 e 11. O item 9 não cumpriu ainda o critério de correlação item-
total >.30. Estas caraterísticas problemáticas poderiam sugerir a eliminação destes dois itens.
Contudo, uma vez que a sua remoção não aumentaria a consistência interna do SA-AAQ, foi
decidido mante-los. Em relação à consistência interna, os valores revelaram-se bons a muito
bons, o que permitiu concluir que os itens do instrumento mediam os constructos teóricos de
base. Na adaptação portuguesa para adolescentes encontraram-se valores semelhantes, à
exceção do fator ação, cujo valor se revelou razoável (Vieira et al, 2014). A análise da
estabilidade temporal num intervalo de 4-6 meses do SA-AAQ comprovou, à semelhança do
que foi verificado na amostra de adolescentes, que se trata de um instrumento consistente e
estável ao longo do tempo.
Para explorar a sua validade convergente, o presente estudo examinou a relação entre o
SA-AAQ e outras medidas teoricamente relacionadas (ansiedade social). No geral, encontrou-
se uma boa validade convergente (expressa em correlações negativas moderadas e
estatisticamente significativas), embora a correlação entre o fator Ação e EAESDIS-ansiedade
tenha sido baixa. Este resultado não era esperado uma vez que de acordo com o modelo Herbert
e Cardaciotto (2005), quanto maior a ansiedade social, maior a falta de ação comprometida
devido aos baixos níveis de aceitação. No entanto, a correlação entre o fator Ação e EAESDIS-
ansiedade apresenta-se inferior à correlação entre o fator ação e a subescala de evitamento do
EAESDIS. Esta diferença poderá estar relacionada com o facto de a falta de ação
comprometida resultar diretamente em evitamento (Bach & Moran, 2008), justificando-se uma
relação significativa entre estas duas variáveis mais do que entre ação e ansiedade social.
26
Embora o coeficiente de correlação entre o SA-AAQ e a DASS apresente, como
esperado, magnitudes de correlação mais baixas em relação às que foram encontradas entre o
SA-AAQ e as medidas de ansiedade social na validade convergente, as correlações são,
contudo, significativas e algumas moderadas, quer para o total da escala, quer para o fator
aceitação. Mesmo as correlações mais baixas que se verificaram têm uma magnitude próxima
de valores moderados. As associações moderadas encontraram-se entre o total do SA-AAQ e as
escalas de ansiedade e depressão, assim como com fator aceitação e a escala depressão. Para
além da frequente comorbilidade entre a ansiedade social e a depressão (APA, 2013; Brown,
Campbell, Lehman, Grisham & Mancill, 2001; Mineka, Watson & Clark, 1998), a partilha de
sintomas comuns e a similaridade ao nível da experiencia do afeto negativo (Clark & Watson,
1991) poderão constituir-se como hipóteses para explicar a correlação moderada encontrada.
Por outro lado os sintomas expressos nos itens quer da subescala de ansiedade, quer da
subescala de stress são maioritariamente de ativação fisiológica e dificuldade em relaxar,
aspetos comuns a outras perturbações, incluindo a PAS.
Relativamente à sensibilidade, o SA-AAQ revelou-se útil e com boa capacidade na
distinção de indivíduos com PAS de indivíduos da população normal. De uma forma geral, os
resultados indicam que são os doentes com PAS que têm níveis de aceitação e ação mais baixos
(Herbert & Cardaciotto, 2005), o que já e havia verificado na versão para adolescentes (Martins
et al, 2014).
No estudo dos dados normativos verificou-se que, de um modo geral, o sexo masculino
apresenta valores mais elevados de aceitação em relação ansiedade social do que o sexo
feminino, sendo esta diferença estatisticamente significativa. Atendendo ao facto do SA-AAQ
ter sido desenvolvido para avaliar a aceitação na ansiedade social e os níveis de aceitação e
ação com compromisso se apresentarem correlacionados negativamente com os níveis de
ansiedade social, os resultados obtidos estão de acordo com a literatura que refere que a
27
ansiedade social é mais elevada no sexo feminino (APA, 2013; Schneier, Johnson, Hornig,
Liebowitz & Weissman, 1992; Wittchen, Fuetsch, Sonntag, Muller & Liebowitz, 2000). No
nosso estudo, a distribuição das pontuações diferiu também por idades, obtendo os indivíduos
com mais de trinta anos, níveis mais elevados de aceitação; e, por nível socioeconómico, em
que indivíduos que integram o nível médio-alto, apresentam maiores níveis de aceitação.
Apesar dos resultados obtidos, o presente estudo apresenta algumas limitações. Em
primeiro lugar, uma das limitações prende-se com a análise fatorial (AFE) realizada.
Efetivamente, uma análise fatorial confirmatória revelar-se-ia mais adequada ao estudo da
dimensionalidade da escala, pelo que recomendamos que este estudo seja levado a cabo no
futuro para confirmar qual o modelo que melhor se adequa aos dados. Outra limitação está
relacionada com a amostra da população geral utilizada que, embora abranja as diferentes zonas
do país, não é representativa da população portuguesa. Por outro lado, seria ainda pertinente se
os respondentes fossem induzidos a uma situação social ativadora antes de preencherem o
questionário, por forma a obter resultados mais fidedignos. Por fim, é importante ter em conta a
dimensão reduzida da amostra clínica, que dificulta a generalização dos dados e implica uma
interpretação prudente dos resultados. Portanto, seria pertinente que dimensão dos grupos
utilizada no presente estudo fosse maior, de modo a corresponderem estritamente à
representação da amostra.
Não obstante às limitações apontadas, o presente estudo revela-se útil pelas vantagens
que o instrumento estudado proporciona. Parece-nos importante referir como implicações
principais, o papel extremamente relevante que poderá desempenhar na prática clínica e
investigação de adultos com baixos níveis de aceitação na PAS, ao permitir uma intervenção
terapêutica mais direcionada e eficaz, assim como uma avaliação dos resultados de tratamento
mais fidedigna. De acordo com Herbert & Cardaciotto (2005), é fundamental que a intervenção
na ansiedade social seja sustentada nos processos de aceitação e ação comprometida, o oposto
28
dos processos de evitamento experiencial e ausência de ação comprometida que promovem a
inflexibilidade psicológica e/ou a manutenção e desenvolvimento da psicopatologia.
29
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Artigo II
Tomé. F, & Salvador, M.C. (2014). Como estar entre os outros? O Álcool como uma
estratégia de Evitamento Experiencial na Ansiedade Social. Manuscrito em preparação.
1
Como estar entre os outros? O Álcool como uma estratégia de Evitamento Experiencial na
Ansiedade Social
Fabiana Tomé1
Maria do Céu Salvador 1
1Universidade de Coimbra
A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada a:
Fabiana Tomé
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação
Universidade de Coimbra
Rua do Colégio Novo, Apartado 6153
3001-802 Coimbra, Portugal
Email: [email protected]
2
Resumo
A relação entre a ansiedade social e o consumo de álcool é amplamente conhecida
(Kushner, Abrams, & Borchardt, 2000; Thomas, Randall, & Carrigan, 2003). Os efeitos
farmacológicos e psicológicos do álcool reduzem os sintomas aversivos de ansiedade, podendo
originar um consumo continuado e, até mesmo dependência.
Segundo Levin e colaboradores (2012), a relação entre o sofrimento psicológico e os problemas
com o álcool pode ser explicada pelo evitamento experiencial. Especificamente, individuos
com ansiedade social utilizam, muitas vezes, o álcool como estratégia de controlo da ansiedade
social, antes e durante os eventos sociais (Heimberg & Becker, 2002).
Perante estes dados, o objetivo do presente estudo consistiu em explorar o papel da aceitação
nas expetativas acerca do álcool, em individuos com ansiedade social. Foram, assim,
constituidas duas amostras: uma amostra de 35 indivíduos com diagnóstico de perturbação pelo
uso de álcool (PUA) e outra com 32 indivíduos com diagnóstico de perturbação de ansiedade
social (PAS). Os participantes completaram uma entrevista estruturada para as perturbações de
ansiedade DSM-IV (ADIS-IV) e uma bateria de questionários.
Os resultados encontrados foram diferentes para cada uma das amostras, sendo que a
amostra constituída por indivíduos com PAS não permitiu a realização de análises mediadoras,
dada a ausência de relação entre as variáveis. Por sua vez, os resultados obtidos na amostra
PUA corroboraram a nosso objetivo principal. A aceitação revelou-se, assim, preditora da
relação entre ansiedade social e as expectativas acerca dos efeitos do álcool, especificamente
relacionadas com a diminuição de sentimentos negativos de si mesmo e ansiedade avaliativa, e
com o escape a estados negativo. Mais uma vez, o evitamento experiencial é tido como cerne
desta relação psicopatológica.
Palavras-chave: ansiedade social, álcool, aceitação, evitamento experiencial.
3
Abstract
The relationship between social anxiety and alcohol is widely known (Kushner, Abrams, &
Borchardt, 2000; Thomas, Randall, & Carrigan, 2003). The pharmacological and psychological
effects reduce the aversive symptoms of anxiety, may reinforce consunption and even abuse
and addiction. According Levin and collaborators (2012), the relationship between
psychological suffering and alcohol problems can be explained by experiential avoidance.
Specifically, individuals with social anxiety often use alcohol as a control strategy before and
during social situatins (Heimberg & Becker, 2002). Before these data, the aim of this study was
to explore the role of acceptance in expectations about alcohol in individuals with social
anxiety. We thus constituted two samples: a sample of 35 individuals with alcohol use disorder
(AUD) and another sample with 35 individuls with social anxiety disorder (SAD). Participants
completed a structured interview for disorders anxiety DSM-IV (ADIS-IV) and and a set of
self-report questionnaires.
The findings were different in each sample, where the sample of individuals with SAD did not
allow the mediation analysis, given the absence of associations between the variables. On the
other hand, results in the AUD confirmed our hypothesis. Acceptance was revealed as a
predictor of the relationship between social anxiety and expectations about alcohol effects,
specifically related with decreasing of negative feelings and evaluation anxity, and escape from
negative feelings. Experiential avoidance is thought as the core of this psychopathological
relationship.
Keywords: social anxiety, alcohol, acceptance and experiential avoidance.
4
Ansiedade social, o consumo de álcool e as expetativas relacionadas com o álcool
A Perturbação de Ansiedade Social (PAS), definida por um medo acentuado e
ansiedade de uma ou mais situações sociais em que o indivíduo está exposto ao escrutínio de
outros, é a terceira perturbação psiquiátrica mais comum, depois da perturbação depressiva
major e do abuso de álcool (APA, 2013). Apresenta uma prevalência ao longo do ciclo de vida
na ordem dos 12.5 % (Klessler et al., 2005) e prevalência-ano estimada para a população
europeia de 2,3% (APA, 2013). O cerne do medo faz com que as situações sejam evitadas ou
enfrentadas com ansiedade e medo, desproporcional à ameaça real, causando sofrimento e
interferindo significativamente nas várias áreas de funcionamento (APA, 2013). Para além
disso, a PAS surge frequentemente comórbida com as perturbações pelo uso de álcool (APA,
2013; Kushner, Abrams, & Borchardt, 2000; Thomas, Randall, & Carrigan, 2003; Turner,
Beidel, Dancu & Keys, 1986).
Muitos são os estudos que relacionam a Ansiedade Social e o consumo de álcool. No
entanto, está longe de ser encontrada unanimidade quanto à direccionalidade desta relação
(Kushner et al., 2000; Stockwell & Bolderston, 1987). A ansiedade social encontra-se associada
ao consumo problemático de álcool (Carrigan & Randall, 2003; Crum & Pratt, 2001), sendo
que aproximadamente, 28% dos indivíduos com ansiedade social preenche critérios de
prevalência ao longo da vida para perturbações pelo uso de álcool (Schneier, Foose, Hasin,
Heimberg, Liu, Grant, & Blanco, 2010). Os sintomas de ansiedade social têm a capacidade de
incitar o uso de álcool, cujos efeitos farmacológicos e psicológicos reduzem os sintomas
aversivos de ansiedade. Os indivíduos ficam, assim, motivados, para fazer um uso persistente e
frequente do álcool, por reforço negativo (APA, 2013; Ham, Hope, White & Rivers, 2002;
Kushner et al., 2000; Steele & Josephs, 1988). Assim, quando promovido pela ansiedade social,
o uso do álcool pode originar um consumo continuado e, até mesmo provocar dependência
(Kushner et al., 2000), tanto que um estudo de Crum & Pratt (2001) revelou que indivíduos
5
com PAS apresentaram um risco duas vezes maior de abuso ou dependência de álcool, em
relação a indivíduos sem ansiedade social.
Estudos realizados com amostras clínicas demonstraram que é mais frequente serem as
perturbações de ansiedade a antecederem o início do consumo e dependência de álcool (Bibb &
Chambless, 1986; Swendsen, Merikangas, Canino, Kessler, Rubio-Stipec & Angst, 1998). Um
estudo de Turner, Beidel, Dancu & Keys (1986) verificou que 46% dos indivíduos com PAS
utiliza o álcool para se sentir mais sociável nas festas e 50% para aliviar ansiedade
antecipatória em relação aos eventos sociais. Thomas, Randall & Carrigan (2003) realizaram
um estudo clínico que lhes permitiu constatar não só que os indivíduos com ansiedade social
bebem para se sentirem mais confortáveis nas situações sociais, como evitam situações sociais
nas quais o consumo de álcool não está disponível.
A teoria das expectativas (Brown, Goldman, Inn & Lynn, 1980) é muitas vezes utilizada
para explicar como a ansiedade social pode ser um fator de risco para o consumo de álcool.
Especificamente, as expectativas em relação ao álcool traduzem-se em convicções que os
indivíduos têm acerca dos efeitos do álcool. Atendendo a esta teoria, indivíduos que se
encontram motivados para ter bom desempenho nas interações sociais, mas têm dúvidas acerca
da sua capacidade para fazê-lo, começam a manifestar sintomatologia ansiosa, que poderá
servir para ativar expectativas relacionadas com o álcool e o poder destas na facilitação social e
redução da ansiedade social (Sabourin & Stewart, 2007). Desta forma, expectativas positivas de
resultados em relação ao consumo de álcool, quando combinadas com baixas expectativas
acerca dos efeitos negativos do álcool (debilitação física e cognitiva ou efeitos depressivos) e
baixa autoeficácia para evitar o consumo excessivo em situações sociais, conduzem ao
consumo excessivo (Burke & Stephens, 1999).
Por outro lado, é muito frequente em bebedores excessivos, o consumo de álcool surgir
relacionado com ansiedade. Um estudo com doentes em tratamento para o álcool mostrou que
6
15 a 20% têm critérios para a perturbação de ansiedade social (Lepine & Pelissolo, 1998). O
consumo de álcool interfere com a vida social e laboral dos indivíduos, podendo, mesmo,
desencadear sintomatologia ansiógena. A perda do emprego, o divórcio ou até um internamento
são acontecimentos frequentes na vida destes indivíduos, assumindo-se, assim, como fatores
indutores de ansiedade (Kushner, Sher, & Beitman, 1990). Portanto, a normal adaptação a
consequências negativas nomeadamente, no trabalho ou a nível relacional, despoleta sintomas
de ansiedade e vulnerabilidade (Kushner et al., 2000).
O papel da Aceitação vs. Evitamento experiencial na Ansiedade Social
De acordo com o modelo clínico da ACT, o cerne da psicopatologia é o processo da
inflexibilidade psicológica, na qual o comportamento humano é excessivo e inapropriadamente
regulado pelos processos verbais (Hayes, Luoma, Bond, Masuda, & Lillis, 2006). Um dos
processos mais importantes no desenvolvimento e manutenção do sofrimento psicológico é o
evitamento experiencial, processo comportamental que consiste na indisponibilidade para
contatar com eventos internos como, pensamentos, sentimentos, sensações corporais, ou
memórias (Hayes, Wilson, Gifford, Follette, & Strosahl, 1996). As duas principais formas são a
supressão que consiste na tentativa ativa de controlar a experiência imediata de um evento
privado negativo, e o evitamento situacional que se baseia na tentativa de alterar as
caraterísticas antecedentes associadas com maior probabilidade de surgimento de experiências
privadas indesejadas (Hayes, Strosahl, Bunting, Twohig, & Wilson, 2004). No entanto, a
investigação tem vindo a demonstrar que a tentativa de regular os eventos privados pelo
controlo ou supressão aumenta, muitas vezes, a frequência, intensidade e o impacto destes
eventos na qualidade de vida (Hayes et al., 1996; Orsillo, Roemer, Block-Lerner & Tull, 2004).
Assim, a Terapia da Aceitação e Compromisso tem como principal objetivo promover a
flexibilidade psicológica, que consiste na capacidade de contactar plenamente com o momento
7
presente, como ser humano consciente, e persistir ou modificar os comportamentos que servem
os valores pessoais (Hayes, et al., 2004). Para alcançar a Flexibilidade Psicológica, a ACT
consagra seis processos de mudança que se relacionam e interagem entre si: Aceitação,
Desfusão, Contacto com o Momento, Eu como Contexto, Valores e Compromisso com a Ação
(Hayes, 2004). Assim, se os indivíduos com PAS conseguirem evitar o contato com contextos
de avaliação social, começam a adotar medidas que lhe permitam evitar ou escapar de eventos
privados aversivos. A curto-prazo o evitamento pode revelar-se adaptativo; no entanto, a longo
prazo revela-se contraproducente, acarretando riscos sociais, psicológicos e de saúde (Hayes et
al., 1996). Portanto, o foco das abordagens baseadas na ACT para indivíduos com evitamento
social passa por incentivá-los à exposição terapêutica e à ativação de eventos receados.
No contexto da Terapia da Aceitação e Compromisso, Herbert e Cardaciotto (2005)
apresentam um modelo aplicado à Perturbação de Ansiedade Social (Figura 1).
Figura.1 Modelo da Aceitação de Herbert & Cardaciotto (2005) para a Perturbação de Ansiedade Social
Os autores postulam que os indivíduos com predisposição genética ou apreendida para a
ansiedade social ficam ativados em situações sociais, ocorrendo ativação fisiológica e
cognitiva. Quando os pensamentos e emoções relacionados com a ansiedade são espoletados,
os mesmos desencadeiam um aumento da atenção nos estímulos internos e uma correspondente
Situação Social Ativação
fisiológica e
cognições
relacionadas com
ativação social
Atenção
aumentada das
cognições e
ativação
fisiológica Predisposição
genética
Evitamento
Baixo nível de
aceitação
Interferência
8
diminuição da atenção nas pistas externas. É nesta fase que os níveis de aceitação se revelam
cruciais, já que os efeitos do aumento da atenção autofocada dependem dos níveis de aceitação.
Assim, num contexto de elevada aceitação, a ativação fisiológica e cognitiva seria apenas
observada, não havendo, por isso, tentativas de controlo ou evitamento, sendo o impacto sobre
o desempenho comportamental, por conseguinte, mínimo. Já num contexto de reduzida
aceitação, o indivíduo recorre a um conjunto de estratégias de evitamento experiencial com
propósito de alterar a forma e a frequência dos pensamentos e sentimentos. Porém, estas
estratégias tornam as experiências ainda mais salientes (e.g., aumento da ansiedade), formando-
se, assim, um ciclo vicioso que conduz ao aumento da ativação, aumento da consciência e mais
esforços no sentido de controlar a experiência interna. Por consequência, torna-se frequente
evitar situações, o desempenho em situações sociais é afetado e o próprio reportório
comportamental fica limitado.
O papel da aceitação nas expectativas e consumo de álcool
Nos últimos anos, o desenvolvimento da ACT fomentou o interesse pela sua aplicação a
diversas perturbações. As perturbações pelo uso de álcool e problemas relacionados com álcool
têm sido uma área que começa a ser alvo de investimento. Porém, ainda não são muitos os
estudos que se debruçam sobre estas variáveis.
Segundo a literatura, adultos com história de abuso ou dependência de álcool
apresentam elevados níveis de evitamento experiencial, em relação a indivíduos sem algum
destes diagnósticos (Levin et al. 2012). A par destas ilações têm-se desenvolvido programas de
intervenção baseados no modelo ACT para as perturbações pelo uso de álcool (Heffner, Eifert,
Parker, Hernandez & Sperry, 2003; Wilson, Hayes, & Byrd, 2000). Levin e colaboradores
(2012) constataram ainda que a relação entre sofrimento psicológico e os problemas com o
álcool pode ser explicada pelo evitamento experiencial, uma vez que o álcool é utilizado para
evitar, suprimir ou controlar os pensamentos e sentimentos dolorosos, ao mesmo tempo que
9
diminui a sensibilidade a fatores importantes do ambiente. O mesmo estudo verificou que
indivíduos com perturbação pelo uso de álcool apresentam maiores níveis de evitamento
experiencial, em relação a indivíduos sem problemas com álcool.
O consumo de álcool como uma estratégia de evitamento experiencial na Ansiedade Social
A Terapia de Aceitação e Compromisso postula que subjacente a qualquer perturbação
de ansiedade está a indisponibilidade para experimentar os eventos internos (Hayes et al.,
1996). Em conformidade, o modelo de Aceitação de Herbert e Cardaciotto (2005) para a PAS,
conceptualiza que um contexto de baixa aceitação irá contribuir para o uso de uma grande
variedade de estratégias de controlo da experiência interna, a fim de mudar a forma e/ou a
frequência dos pensamentos e sentimentos. De acordo com Heimberg & Becker (2002),
indivíduos com Ansiedade Social utilizam frequentemente o álcool como uma estratégia para
controlar a ansiedade social, antes ou durante os eventos sociais. O consumo de álcool, usado
como uma medida de proteção face aos medos sociais, reduz, assim, os sintomas desagradáveis
de ansiedade, ao mesmo tempo que encoraja o aumento da frequência do consumo (Kushner et
al., 2000). O uso de substâncias, por si só, é uma estratégia eficaz, na mudança experimental, a
curto prazo devido aos efeitos psicoativos que provoca (Hayes et al., 1996), permitindo
abrandar a tensão, a ansiedade e outras emoções negativas.
Do nosso ponto de vista, o álcool poderá ser adotado como uma estratégia de
evitamento experiencial, por parte de indivíduos com Perturbação de Ansiedade Social, na
medida em que evita o contato com pensamentos, sensações e sentimentos relacionados com as
situações sociais e antecipação das mesmas. No entanto, a literatura é escassa no que concerne
a esta relação, não havendo nenhum estudo que a corrobore. Desta forma, o objetivo da
presente investigação constituiu-se num estudo exploratório para investigar o papel da
aceitação nas expetativas pessoais acerca do álcool, em indivíduos com ansiedade social.
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Esperavam-se relações significativas entre ansiedade social, aceitação e expetativas pessoais
acerca do álcool. Esperava-se ainda que aceitação mediasse a relação entre ansiedade social e
as expetativas pessoais acerca do álcool, em duas amostras clínicas.
Material e Método
Participantes
Para levar a cabo o objetivo acima mencionado, o presente estudo constitui-se por duas
amostras clínicas: uma amostra de indivíduos com Perturbação de Ansiedade Social (PAS) e
uma amostra de indivíduos com Perturbação pelo uso de Álcool (PUA).
Amostra PAS: A amostra da população clínica ficou constituída por 32 indivíduos
adultos (25 do sexo feminino e 7 do sexo masculino) com PAS, com idades compreendidas
entre os 18 e 59 anos (M = 26.78, DP = 9.22). Relativamente às comorbilidades, 6 indivíduos
preencheram também critérios para a Perturbação de Pânico (18.80%), 2 para Agorafobia
(6.30%), 5 para a Perturbação de Ansiedade Generalizada (15.60%), 2 para a Perturbação
Obsessivo-Compulsiva (6.30%), 4 para Fobia Especifica (12.50%) e 1 para a Perturbação Pós-
Stress Traumático (3.10%). No que respeita às perturbações de humor, 8 indivíduos (25%)
preencheram critérios para perturbação depressiva major. Cerca de metade de 48% dos
indivíduos que constituem esta amostra encontravam-se medicados. Não foi encontrada
nenhuma comorbilidade com Perturbação pelo uso de Álcool, embora 24 indivíduos
consumissem álcool (75%). Não se verificaram diferenças significativas entre os géneros em
relação à idade (t (30) =.762; p =.452) e ao nível socioeconómico (χ2 (3) = 1.280; p =.734).
Amostra PUA: A amostra clínica de indivíduos adultos com PUA fica constituída por 35
indivíduos adultos, 26 do sexo masculino (74.3%) e 9 do género feminino (25.7%), com idades
compreendidas entre os 18 e 60 anos (M= 45.34; DP= 8.04). Em relação às comorbilidades, 1
11
indivíduos preencheu também critérios para a Perturbação de Pânico (2.9%), 1 para Agorafobia (2.9%),
2 para a Perturbação de Ansiedade Generalizada (5.7%), 5 para a Perturbação de Ansiedade Social
(14.3%), 6 para a Fobia Especifica (17.1%) e 2 para a Perturbação Pós-Stress Traumático (5.7%). No
que respeita às perturbações de humor, 8 indivíduos encontravam-se deprimidos (22.5%) e 2
preencheram critérios para a Distimíca. Não foram encontradas diferenças significativas entre os
géneros em relação à idade (t (33) =.664; p =.511) e ao nível socioeconómico (χ2 (1) =.075; p
=.784).
Instrumentos
Entrevista Estruturada para as Perturbações de Ansiedade para o DSM-IV- ADIS-IV:
Anxiety Disorders Interview Schedule for DSM-IV (Di Nardo, Brown, & Barlow,1994). É uma
das mais utilizadas entrevistas semi-estruturada para o diagnóstico das perturbações de
ansiedade. Fornece uma informação detalhada sobre aspetos clinicamente relevantes das
perturbações, tais como aspetos situacionais e cognitivos que geram ansiedade, intensidade da
ansiedade, classificação do grau de evitamento, acontecimentos precipitantes e história do
problema. Avalia as perturbações de ansiedade do DSM de acordo com os critérios presentes
no DSM-IV (APA, 2002); inclui secções para o diagnóstico de perturbações do humor,
somatoformes e de abuso de substâncias, dada a sua elevada comorbilidade com as
perturbações ansiosas. Ao nível as caraterísticas psicométricas, apresenta boa a excelente
fidedignidade, apresentando valores de kappa entre .60 e .86 (DiNardo, Moras, Barlow, Rapee,
& Brown, 1993). Embora esta entrevista se baseie nos critérios da DSM-IV, aquando da
administração da mesma, houve o cuidado por parte dos entrevistadores de avaliar a
Agorafobia e a Perturbação de Ansiedade Social restrita ao Desempenho à luz da DSM-5
(APA, 2013). A PAS restrita ao Desempenho constitui-se critério de exclusão na integração da
amostra da população clínica.
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Questionário de Aceitação e Ação na Fobia Social (SA-AAQ: Social Anxiety -
Acceptance and Action Questionnaire; MacKenzie & Kocovski, 2010). É um instrumento de
autorresposta que procura avaliar a aceitação e ação em situações sociais. É constituído por 19
itens (e.g., “Preocupa-me poder não conseguir controlar a minha ansiedade social”),
respondidos numa escala tipo Likert de 7 pontos, onde 1 corresponde a “nunca verdadeiro” e 7
corresponde a “sempre verdadeiro”. Os itens distribuem-se por dois fatores, aceitação que
comtempla 13 itens e ação que é constituída pelos restantes 6 itens, cotados de forma inversa. O
resultado global oscila entre os 19 e 133 pontos. Resultados mais elevados significam maiores
níveis de aceitação da ansiedade social, sem tentar controlar ou evitar a mesma. O SA-AAQ
revelou uma elevada consistência interna (α =.94) e boa validade convergente, no estudo
original. A versão portuguesa também registou elevada consistência interna (α =.94), boa
validade convergente e discriminante, assim como boa estabilidade temporal (r=.82) e
sensibilidade. Nas nossas amostras, os valores de consistência interna foram de .91 na amostra
PUA e de .88 na amostra PAS.
Escala de Ansiedade em Situações de Interação Social (SIAS: Social Interaction
Anxiety Scale; Mattick & Clarke, 1998; versão portuguesa por Pinto Gouveia & Salvador,
2001). É um instrumento de autorresposta que avalia ansiedade decorrente das relações
interpessoais. É constituída por 19 itens (e.g., “Quando me expresso, preocupa-me que possa
parecer esquisito”) respondidos através de uma escala tipo Likert de 4 pontos (0 corresponde
“não é nada caraterístico da minha maneira de ser” e 4 “é extremamente característico da minha
maneira de ser”). As pontuações oscilam entre 0 e 76 pontos, sendo que resultados elevados
traduzem maiores níveis de ansiedade em situações de interação social. Quer a versão original,
quer a versão portuguesa apresentam boas caraterísticas psicométricas. Os valores de
consistência interna do estudo original foi de .94, enquanto na versão portuguesa de .90. A
estabilidade temporal, assim como as validades também se revelaram aceitáveis em ambas. No
13
presente estudo também se verificou elevada consistência interna em ambas as amostras (α=.86
na amostra PUA; α=.88 na amostra PAS).
Escalas de Ansiedade, Depressão e Stress de 21 itens (DASS-21: Depression Anxiety
Stress Scales; Lovibond, & Lovibond, 1995; versão portuguesa por Pais-Ribeiro, Honrado, &
Leal, 2004). A DASS-21 é a 1ª medida de autorresposta que avalia sintomas de Ansiedade,
Depressão e Stress. Esta versão reduzida da escala original comtempla 21 itens. Os itens são
respondidos através de uma escala tipo Likert de 4 pontos (0 corresponde a “não se aplicou
nada a mim” e 3 “aplicou-se a mim a maior parte das vezes”) e remetem para sintomas
emocionais negativos, distribuídos de modo equivalente por três subescalas: depressão (e.g.,
“senti que a vida não tinha sentido”), ansiedade (e.g., “senti dificuldades em respirar”) e stress
(e.g., “senti que estava a utilizar muita energia nervosa”). Valores mais elevados traduzem-se
em estados afetivos mais negativos. Relativamente à consistência interna por fator, verificou-se
elevada a muito elevada consistência interna em ambas as versões; entre α= .74 e α= .94. O
instrumento também possui validade convergente e discriminante. Nas nossas amostras, os
valores de consistência interna foram igualmente elevados a muito elevados (.73 a .94), sendo
que só foi utilizada a escala da depressão, que obteve uma consistência interna de .94 amostra
PUA, e .91 na amostra PAS.
Inventário de Expectativas e Crenças Pessoais acerca do Álcool (IECPA; Pinto-
Gouveia, J., Costa Borges, J., Rocha Almeida, J., Ramalheira, C., & Robalo, M., 1993). É uma
medida de autorresposta que avalia as expectativas pessoais acerca dos efeitos positivos
decorrentes do consumo moderado de bebidas alcoólicas. É constituída por 61 itens
respondidos através de uma escala tipo Likert de 5 pontos (0 corresponde a “não concordo” e 5
“concordo muitíssimo”). Maiores níveis de ingestão de bebidas alcoólicas correspondem a
maiores expectativas positivas acerca dos efeitos do álcool. O IECPA permite a obtenção de
um resultado total e de resultados correspondentes a seis fatores: Efeitos Globais Positivos e
14
Facilitação das Interações Sociais (e.g., “quando bebo é mais fácil dizer o que penso”),
Ativação e Prazer Sexual (e.g., “o meu desejo sexual aumenta depois de beber”), Efeitos
Positivos na Atividade e Humor (e.g., “depois de beber o trabalho rende mais”), Escape e
Estados Emocionais Negativos (e.g., “o álcool faz-me esquecer os desgostos”), Desinibição
Sexual (e.g., “depois de beber fico sexualmente mais desinibido”) e Diminuição de
Sentimentos Negativos de Si Mesmo e Ansiedade Avaliativa (e.g., “sinto-me menos sozinho
depois de beber”). Apresenta elevada consistência interna na versão original (α =.89) e boa
estabilidade temporal (r =.77). No presente estudo, também foram encontrados valores muito
elevados de consistência interna (α =.95 na amostra PUA; α =.99 na amostra PAS).
Procedimento
A realização do presente estudo implicou a constituição duas amostras clínicas: uma de
indivíduos com Perturbação de Ansiedade Social e outra de indivíduos com Perturbações pelo
uso de Álcool, recolhidas em Hospitais, Clínicas privadas e Serviços de Ação Social.Os
princípios deontológicos subjacentes à realização deste tipo de investigação foram respeitados.
Foram efetuados pedidos de autorização junto dos diretores e/ou conselhos de administração,
conforme o requerido pela identidade. Após parecer favorável, contactaram-se os psicólogos
que procederam à identificação dos doentes. Depois da sua identificação, a recolha de
informação teve dois momentos distintos. O primeiro momento consistiu numa entrevista
estruturada (ADIS-IV), precedida da explicitação dos objetivos do estudo e da garantia de
confidencialidade e anonimato. A administração da entrevista durou sensivelmente 1h. Numa
segunda fase era pedido aos sujeitos que completassem a bateria de questionários de
autorresposta. De salientar que a ordem do preenchimento dos questionários foi balanceada, por
forma a controlar possíveis contaminações das respostas.
Adicionalmente foram selecionados alunos através de um screening: selecionaram-se os
indivíduos com pontuações acima do ponto de corte no SIAS, e todos os indivíduos
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selecionados por este método foram submetidos a uma entrevista clínica estruturada (ADIS-IV)
e quando confirmado o diagnóstico do DSM-IV-TR (APA, 2002) para a PAS, eram
selecionados para integrar a amostra clínica. Relativamente às condições clínicas, os indivíduos
com Perturbação de Ansiedade Social podiam encontrar-se em qualquer fase de avaliação ou
tratamento, desde que fossem preenchidos os critérios para o diagnóstico. Já no caso do grupo
com Perturbações pelo uso de Álcool, optou-se, preferencialmente, pelos indivíduos que se
encontravam na segunda e terceira semana de tratamento, quando já realizada a desintoxicação.
Para ambas as amostras, os critérios de inclusão foram: a) idade superior a 18 anos; b)
diagnóstico principal de PAS. Por sua vez, os critérios de exclusão referem-se: a) idade inferior
a 18 anos; b) evidente dificuldade no preenchimento do protocolo; c) evidência clara do
preenchimento aleatório dos itens; d) existência de outro diagnóstico principal que não o acima
indicado, inclusive PAS especificador de desempenho.
Estratégia analítica
Posteriormente à recolha dos dados procedeu-se ao tratamento estatístico dos mesmos
através do programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences - versão 20.0).
A aderência à normalidade foi avaliada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov e os desvios
pela assimetria (skeweness) e pelo achatamento (kurtosis). A análise das observações aberrantes
(outliers) foi feita através da representação gráfica dos resultados (diagramas de caixas).
Para a realização de matrizes de correlação, usou-se o teste paramétrico de Pearson.
Consideraram-se como valores de referência para avaliação da magnitude os valores
estipulados por Pestana e Gageiro (2005), que sugerem que um quociente de correlação inferior
a .20 revela uma associação muito baixa; um valor entre .21 e .39 uma associação baixa; entre
.40 e .69 moderada; entre .70 e .89 elevada e superior a .90 uma associação muito elevada.
Para a realização das regressões, foram tidas em consideração os pressupostos
referenciados por Pestana e Gageiro (2005): linearidade, homocedasticidade (medido através
16
do teste de Goldfield e Quandt), autocorrelação (medido através do teste de Durbin-Watson) e
normalidade dos resíduos. Relativamente ao número de variáveis preditoras nas regressões
múltiplas, usou-se o critério estabelecido por Field (2009) que exige 10 casos por preditor,
tendo as amostras em estudo N superior.
Uma vez que se pretendeu analisar o efeito mediador de variáveis modificáveis
(changeble variable) entre uma variável independente e uma variável dependente, realizou-se
uma mediação (Jose, 2013). Procurou perceber-se se a presença da variável mediadora (na
regressão) diminuía a magnitude da relação entre uma variável independente e variável
dependente (Abbad & Torres, 2002). Para a verificação das condições necessárias para uma
variável poder ser considera um mediador e, consequentemente, averiguação da significância
da mediação, seguiu-se o modelo dos 4 passos (Kenny, 2014; PSU, 2012): (i) estabelecimento
da existência de um efeito a mediar, através de uma regressão linear simples entre a variável
independente e variável dependente (trajetória c), (ii) cálculo do poder preditivo da variável
independente nas variáveis mediadoras, através de uma regressão linear simples (trajetória a),
(iii) cálculo do poder preditivo das variáveis mediadoras na variável dependente através de uma
regressão linear simples (trajetória b); e (iv) cálculo do poder preditivo da variável
independente e das variáveis mediadoras na variável dependente, através de uma regressão
linear múltipla (trajetória c’).
Resultados
Análises Preliminares
Na amostra PAS, as variáveis dispersaram-se segundo uma distribuição normal (K-
S(32)= 0.130, p=.181), conforme também corroborou as medidas de assimetria (Skeweness= -
.47) e achatamento (Kurtosis= -.28). Na amostra PUA, apesar das variáveis não se dispersarem
segundo uma distribuição normal (K-S(35)= 0.153, p=.037), as medidas de assimetria
(Skeweness= -.31) e achatamento (Kurtosis= -.61), indicaram a não existência de violações à
17
normalidade das variáveis. Embora existisse uma observação aberrante moderada (outlier),
optou-se por não se retirar da amostra, uma vez que não foram encontradas diferenças
significativas entre os resultados, com ou sem essa observação. Não se verificaram não-
respostas (missings).
A análise dos gráficos de dispersão dos resíduos mostrou que os resíduos foram
distribuídos normalmente, obtendo linearidade e homocedasticidade. O teste de Durbin-Watson
também apresentou bons resultados. No geral, os dados mostraram-se, assim, adequados para a
realização de análises de regressão.
No anexo 1 apresentam-se as médias, desvios-padrão e os valores de consistência
interna para as duas amostras. Na comparação entre os grupos verificaram-se diferenças; na
variável género (χ2 (1) = 18.371; p <.001), onde os indivíduos com PAS eram maioritariamente
do sexo feminino, enquanto a maioria dos indivíduos com PUA eram do sexo masculino; na
variável idade (t (65) = 8.804; p <.001), tendo os indivíduos da amostra PUA apresentado idades
mais elevadas; e, na variável nível socioeconómico (χ2 (3) = 41.319; p <.001), em que a maioria
dos indivíduos da amostra PAS era estudante, enquanto na amostra PUA, a grande maioria dos
indivíduos se situava no nível socioecónomico baixo.
O uso de álcool na Perturbação de Ansiedade Social e a ansiedade social nas Perturbações
pelo Uso de Álcool
A literatura científica aponta para uma elevada comorbilidade entre ansiedade social e o
consumo de álcool. Neste sentido, apresentam-se em seguida as frequências de indivíduos das
duas amostras clínicas em que esta associação se verificou. Na amostra PAS, como não
dispúnhamos de uma medida objetiva de consumo de álcool, considerámos pertinente
apresentar a percentagem de indivíduos cuja pontuação no IECPA se situou acima da média em
qualquer um dos fatores que compõem o inventário. Por outro, considerando a amostra PUA,
18
apresentar-se-ão os dados relativos às pontuações na medida de ansiedade social. Estes dados
permitirão uma melhor compreensibilidade dos dados resultantes das análises subsequentes.
Na amostra PAS, 28% dos indivíduos pontuaram acima do ponto de corte no fator
“efeitos globais positivos e facilitador das interações sociais”, 25% pontuaram no fator
“ativação e prazer sexual”, 12.5% pontuaram no fator “efeitos positivos na atividade e humor”,
22% pontuaram no fator “escape a estados emocionais negativos”, 19% pontuaram no fator
“desinibição sexual” e 25% pontuaram no fator “diminuição de sentimentos negativos de si
mesmo e ansiedade avaliativa”. No geral, 88% dos indivíduos apontam beber por alguma das
expectativas avaliadas pelo inventário.
Na amostra PUA, a percentagem de indivíduos que se situou acima do ponto de corte na
medida de ansiedade social rondou os 16 %, a mesma percentagem de indivíduos desta amostra
que preenche critérios para PAS, avaliados pela ADIS-IV.
Associação entre Ansiedade Social, Aceitação e Expectativas em relação ao álcool
Com o objetivo de estudar a relação entre ansiedade social, aceitação em situações de
ansiedade social e expetativas acerca dos efeitos do álcool calcularam-se coeficientes de
correlação de Pearson, procurando analisar-se as associações entre as variáveis em estudo (cf.
Quadro 2). Na amostra PAS, contrariamente ao que seria esperado dada a elevada
comorbilidade esperada entre a ansiedade social e o consumo de álcool, não foi encontrada
nenhuma associação significativa entre a medida de ansiedade social e a de expetativas acerca
do efeito do álcool. Também não foram encontrados quaisquer coeficientes de correlação
significativos entre a medida de aceitação da ansiedade social e a medida de expetativas acerca
dos efeitos do álcool, exceto a associação negativa significativa entre o fator aceitação e o fator
desinibição sexual do IECPA (r = .36; p ≤ .05).
19
Nota. SIAS=Escala de Ansiedade em Situações de Interação Social. SA-AAQ=Questionário de
Aceitação e Ação na Ansiedade Social. IECPA=Inventário de Expectativas e Crenças Pessoais Acerca
do Álcool;. Fator 1-Efeitos Globais Positivos e Facilitador das Interações Sociais. Fator-Ativação e
Prazer Sexual. Fator 3-Efeitos Positivos na Atividade e Humor. Fator 4-Escape a Estados Emocionais
Negativos.Fator 5-Desinibição Sexual. Fator 6-Diminuição de Sentimentos Negativos de Si mesmo e
Ansiedade Avaliativa.
*p <.05 ** p <.01
Relativamente à amostra PUA, a medida de ansiedade social (SIAS) mostrou
correlacionar-se de modo significativo com o fator 4 do IECPA- Escape e Estados Emocionais
Negativos; Fator 5 - Desinibição sexual; Fator 6 - Diminuição de Sentimentos Negativos de Si
Mesmo e Ansiedade Avaliativa. O total do SA-AAQ correlacionou-se significativamente com
Quadro 2
Correlações da relação entre ansiedade social, aceitação, depressão e expetativas acerca dos
efeitos do álcool para os dois grupos em estudo
Medidas SIAS SA-AAQ
Total
Aceitação Ação DASS-dep
Grupos
SIAS PAS - -.47 -.46** -.47** .32
PUA - -.34* -.30 -.25 .30
IECPA – FATOR 1 PAS -.31 -.23 -.33 .10 .09
PUA .28 .37* -.43* -.04 -.13
IECPA – FATOR 2 PAS -.32 -.23 -.31 .07 .10
PUA .30 -.38* -.43* -.06 -.22
IECPA – FATOR 3 PAS -.26 -.23 -.29 .00 .14
PUA .25 -.43* -.45** -.15 -.12
IECPA – FATOR 4 PAS -.16 -.22 -.27 -.01 .26
PUA .38* -.49** -.54** -.12 .00
IECPA – FATOR 5 PAS -.30 -.27 -.36* .04 -.14
PUA .41* -.29 -.39* .08 -.19
IECPA – FATOR 6 PAS -.15 -.26 -.32 .00 .13
PUA .42* -.52** -.58** -.09 .04
DASS-dep PAS .32 -.29 -.19 -.40 -
PUA .30 -.23 -.20 -.18 -
20
todas as medidas, o mesmo acontecendo com o fator aceitação. Por sua vez, o fator ação não se
associou significativamente a nenhuma variável, à exceção da relação com o SIAS.
O papel da aceitação na relação entre ansiedade social e expetativas acerca dos efeitos do
álcool
Amostra PAS.
Atendendo as correlações obtidas entre as variáveis em estudo, apenas nos propusemos
a realizar uma análise de mediação para a predição do fator 5 do IEPCA. Procurou-se, assim,
avaliar a influência da aceitação nas expetativas positivas acerca dos efeitos álcool, na amostra
de indivíduos com PAS. Para levar a cabo este objetivo, realizou-se um modelo de regressão
linear, com a variável ansiedade social como variável independente, as expetativas acerca do
álcool como variável dependente e a aceitação como mediadora. A variável depressão não foi
controlada por não se correlacionar significativamente com nenhuma outra variável. Por sua
vez, a variável género foi controlada, dado que haviam sido encontradas diferenças
significativas para a medida de ansiedade social (SIAS). Porém, ao realizar-se a trajetória c
para o fator 5 (desinibição sexual), concluímos que ansiedade social, quando controlada a
variável género, não explica as expectativas pessoais acerca do álcool (R2 =.009, F (1, 30) =
.284, p = .598; ΔR2 = .009, F(1, 30), p = .598; β = -.09, p = .598), pelo que não se continuou com as
análises de mediação.
Amostra PUA.
O objetivo do presente estudo consistiu em avaliar o papel da aceitação na relação entre
ansiedade social e expetativas positivas acerca do álcool. Realizaram-se modelos de regressão
linear com as variáveis que se correlacionavam significativamente entre si (cf. Quadro 3), tendo
a ansiedade social, assumido o papel de variável independente, as expetativas acerca dos efeitos
21
do álcool o papel de variável dependente e, sendo a aceitação a variável mediadora. Como
medida de aceitação (variável mediadora) optamos pela utilização do SA-AAQ aceitação e não
pelo total desta escala, nem a subescala de ação por esta última se tratar de uma medida que
analisa a ação de acordo com os valores e objetivos de vida. É importante esclarecer que a
depressão não foi controlada, por não se encontrar correlacionada significativamente com
nenhuma das variáveis em análise.
Começou por se analisar a predição das expectativas acerca do álcool (os seis fatores do
IECPA) pela ansiedade social (c). Verificou-se que esta variável apenas predizia o fator 4
(Escape a Estados Emocionais Negativos), o fator 5 (Desinibição Sexual) e o fator 6 (Diminuição de
Sentimentos Negativos de Si mesmo e Ansiedade Avaliativa).
Aceitação como mediadora entre a ansiedade social e as expetativas do álcool
relacionadas com escape a estados emocionais negativos
Conforme explanado anteriormente, usaram-se os procedimentos indicados por Baron e
Kenny (1986) para a realização da mediação.
Como mencionado, a ansiedade social (SIAS) foi preditor significativo das expetativas
acerca do álcool relacionadas com o escape a estados emocionais negativos (IECPA)
(trajetória c) (R2 = .142, F(1, 33) = 5.45, p = .026; β = .38, p = .026), explicando 14%.
Adicionalmente, foi analisado o poder preditivo da ansiedade social (SIAS) sobre a
aceitação (SA-AAQ) (trajetória a.) A ansiedade social não se revelou um preditor significativo
na explicação da aceitação (R2 = .087, F(1, 33) = 3.153, p = .085; β = .30, p = .085). Este
resultado no cálculo da trajetória seria, em princípio, impeditivo de continuar as restantes
análises. No entanto, a amostra em questão era reduzida, o valor de significância é altamente
dependente do N da amostra e o valor específico nesta regressão não estava muito longe da
significância. Por estes motivos optamos por realizar as restantes análises para explorar a
22
mediação. Num 3º passo, a análise da predição das expetativas acerca do álcool pela aceitação
(trajetória b) revelou que esta foi um preditor significativo (R2 = .294, F(1, 33) = 13.755, p =
.001; β = -.54, p = .001). A aceitação explicou 29% das expetativas do álcool relacionadas com
o escape a estados emocionais negativos. Para concluir, realizou-se uma mediação com a
ansiedade social (SIAS) como variável independente, o Escape a estados emocionais negativos
(IECPA_fator4) como a única variável dependente e a aceitação como variável mediadora
(trajetória c’). Na mediação, a aceitação (SA-AAQ) revelou-se o único preditor significativo
(Modelo 2: R2 = .345, F(1, 32) = 8.445, p = .001; ΔR2 = .204, ΔF(1, 28) = 9.959, p = .003; β = -
.47, p = .003), explicando 20.4% das expectativas acerca do álcool relacionadas com Escape a
estados emocionais negativos (IECPA_fator4) e eliminando o anterior poder explicativo da
ansiedade social (SIAS) (β =23.7; p=.123).
Por fim, foi calculado o teste de Sobel que não se revelou significativo (z = .02, p = .985),
sugerindo que a mediação não é significativa. Sendo o valor de p influenciado pelo tamanho da
amostra, sugerimos que este valor se deve ao tamanho reduzido da nossa amostra (N = 35) e
acreditamos que o aumento do número de indivíduos da amostra tornaria esta mediação
significativa.
Figura 1. A relação entre a Ansiedade Social (SIAS) e as Expectativas acerca do Álcool
(IECPA) mediada pela aceitação da ansiedade social (SA-AAQ); A= relação entre a
variável independente e a mediadora, B= relação entre a variável mediadora e a variável
dependente, C=efeito direto da variável independente na variável dependente. SIAS
Escala de Ansiedade em Situações de Interação Social; SA-AAQ=Questionário de
A: β =-.30
C: β =.38*
C’ β:=.24
B: β =-.54*
23
Aceitação e Ação na Ansiedade Social. IECPA=fator 4 Inventário de Expectativas e
Crenças Pessoais Acerca do Álcool - escape a estados emocionais negativos pela
ansiedade social.
Aceitação como mediadora entre a ansiedade social e as expetativas do álcool
relacionadas com a desinibição sexual
A ansiedade social (SIAS) revelou-se também um preditor significativo das expetativas
acerca do álcool relacionadas com o escape a estados emocionais negativos (IECPA - fator 5)
(trajetória c) explicando 17% referida expectativa) (R2 =.166, F (1, 33) = 6.579, p =.015;
β =.41, p =.015). O poder preditivo da ansiedade social (SIAS) sobre a aceitação (SA-AAQ)
(trajetória a) havia já sido apresentado na seção anterior. Adicionalmente, a análise da predição
das expetativas acerca do álcool pela aceitação (trajetória b) revelou que esta foi um preditor
significativo (R2 = .148, F(1, 33) = 5.746, p = .022; β = -.39, p = .022). A aceitação explicou 15%
das expetativas do álcool relacionadas com desinibição sexual. Por fim, realizou-se uma
mediação com a ansiedade social (SIAS) como variável independente, a desinibição sexual
(IECPA_fator5) como a única variável dependente e aceitação como variável mediadora
(trajetória c’). Na mediação, a ansiedade social (SIAS) perdeu o seu poder preditor após a
introdução da variável mediadora (β =.32, p =.05). Também esta (aceitação) não se revelou um
preditor significativo, embora o modelo o seja (Modelo 2: R2 =.243, F (1, 32) = 3.243, p =.081;
ΔR2 =.077, ΔF (1, 28) = 3.245, p =.081; β = -.29, p =.081).
B: β=-.39*
C: β=. 41*
C’: β=.32
A: β=-.30
24
Figura 2. A relação entre a Ansiedade Social (SIAS) e as Expectativas acerca do Álcool
(IECPA) mediada pela aceitação da ansiedade social (SA-AAQ); A= relação entre a
variável independente e a mediadora, B= relação entre a variável mediadora e a variável
dependente, C=efeito direto da variável independente na variável dependente.
SIAS=Escala de Ansiedade em Situações de Interação Social. SA-AAQ=Questionário
de Aceitação e Ação na Ansiedade Social. e IECPA – fator 5 Inventário de Expectativas
e Crenças Pessoais Acerca do Álcool – desinibição sexual.
Aceitação como mediadora entre a ansiedade social e as expetativas do álcool
relacionadas com a diminuição de sentimentos negativos de si mesmo e ansiedade
avaliativa
A ansiedade social (SIAS) revelou-se ainda um preditor significativo das expetativas
acerca do álcool relacionadas com o escape a estados emocionais negativos (IECPA - fator 6)
(trajetória c), explicando 17% desta expectativa (R2 =.174, F (1, 33) = 6.937, p =.013;
β =.42, p =.013).
Foi depois analisado o poder preditivo da ansiedade social (SIAS) sobre a aceitação (SA-
AAQ) (trajetória a), já explicitada anteriormente. No respeitante à trajetória b, a análise da
predição das expetativas acerca do álcool pela aceitação revelou que esta foi um preditor
significativo (R2 =.342, F (1, 33) = 17.123, p =.000; β = -.58, p =.001). A aceitação explicou
34% das expetativas do álcool relacionadas com a diminuição de sentimentos negativos de si
mesmo e ansiedade avaliativa (IECPA_fator6).
Por fim, realizou-se uma mediação com a ansiedade social (SIAS) como variável
independente, a diminuição de sentimentos negativos de si mesmo e ansiedade avaliativa
(IECPA_fator6) como a única variável dependente e aceitação como variável mediadora –
(trajetória c’). Na mediação, a aceitação (SA-AAQ) revelou-se o único preditor significativo
(Modelo 2: R2 =.407, F (1, 32) = 10.978, p =.000; ΔR2 =.233, ΔF (1, 28) = 12.585, p =.001; β = -
.51, p =.001), explicando 23% das expectativas acerca do álcool relacionadas com a diminuição
de sentimentos negativos de si mesmo e ansiedade avaliativa (IECPA_fator6) e fazendo com
que a ansiedade social (SIAS) perdesse o seu valor preditivo (β =.27, p =.070). Por fim, foi
25
calculado o teste de Sobel que não se revelou significativo (z =.02, p =.986), sugerindo que a
mediação não é significativa.
Figura 3. A relação entre a Ansiedade Social (SIAS) e as Expectativas
acerca do Álcool (IECPA) mediada pela aceitação a ansieade social (SA-
AAQ). A= relação entre a variável independente e a mediadora. B= relação
entre variável mediadora e a variável dependente. C=efeito direto da
variável independente na variável dependente. SIAS=Escala de Ansiedade
em Situações de Interação Social. SA-AAQ=Questionário de Aceitação e
Ação na AnsieSocial. IECPA – fator 6=Inventário de Expectativas e
Crenças Pessoais Acerca do Álcool 6–Diminuição de Sentimentos
Negativos de Si mesmo e Ansiedade Avaliativa.
Discussão
A aceitação refere-se à experiência completa das emoções e das sensações
corporais, tal como são, no contexto onde decorrem, sem as controlar ou julgar (Hayes et al.,
2004). É um processo de flexibilidade psicológica que ocorre quando os indivíduos estão
disponíveis para sentir os eventos internos vivenciados, parar com os evitamentos ou com a
manipulação dos mesmos, e aceitá-los ativa e conscientemente (Eifert & Forsyth, 2005). A
investigação tem demonstrado que uma intervenção ACT melhora a qualidade de vida dos
indivíduos e a intervenção terapêutica na PAS tem, de certa forma, acompanhado os
desenvolvimentos da ACT. Especificamente, a investigação têm dado especial atenção ao papel
B: β= . 58**
C: β= .42*
C’: β=.27
A: β= .30
26
do evitamento experiencial vs aceitação, na manutenção e desenvolvimento desta perturbação,
tendo como principal objetivo a promoção da aceitação das experiências ansiógenas e o
compromisso de viver de acordo com os próprios valores (Brady & Whitman, 2012; Twohig,
Masuda, Varra, & Hayes, 2005). Segundo Heimberg & Becker (2002), indivíduos com
Ansiedade Social utilizam frequentemente o álcool como uma estratégia para controlar a
ansiedade social, antes ou durante os eventos sociais. O uso de substâncias, por si só, é uma
estratégia eficaz, a curto prazo, na mudança experimental devido aos efeitos psicoativos ou de
“auto medicação” que provoca (Hayes et al., 1996), permitindo abrandar o alívio e o
decréscimo da ansiedade e outras emoções negativas.
Assim, o presente estudo pretendeu explorar a relação entre a ansiedade social e as
expetativas acerca dos efeitos álcool, tendo como variável mediadora desta relação a aceitação.
A exploração dos resultados começou com a análise dos indivíduos das amostras
relativamente ao uso do álcool e à ansiedade social, que se assumiam particularmente
relevantes na compreensibilidade do presente estudo. Uma vez que não dispúnhamos de
qualquer medida de consumo, apenas utilizámos uma medida de Expectativas e Crenças
Pessoais acerca do Álcool (IEPCA), cujos valores elevados se associam a maiores níveis de
ingestão de bebidas alcoólicas (Pinto-Gouveia et al., 1993). Na amostra PAS é importante
realçar que nenhum dos indivíduos preencheu critérios para perturbação pelo uso de álcool e
que as classificações na escala de resposta do IECPA foram, em geral, baixas. No entanto,
apenas 22% dos indivíduos responderam não concordar com nenhum dos motivos para beber
apresentados no questionário, o que pode apontar para indivíduos que, ou não bebem, ou não
bebem pelas expectativas expressas no questionário. Por outro lado, a percentagem de
indivíduos que se encontrava acima do ponto de corte em qualquer um dos fatores do IECPA
(entre 12,5 e 28%), vai de encontro à percentagem indivíduos que consomem álcool associado
à PAS e que a literatura remete para taxas na ordem dos 20 a 75% (Montgomery, 1995;
27
Schneier et al., 2010). De facto, à exceção do fator 3 (“efeitos positivos na atividade e humor”),
em todos os restantes fatores, a percentagem de indivíduos que bebe com base naquelas
expetativas encontra-se dentro deste intervalo. Destes fatores, principalmente o fator 4 (“escape
a estados emocionais negativos”) e o fator 6 (“diminuição de estados de sentimentos negativos
de si mesmo e ansiedade avaliativa”) estão associados ao evitamento experiencial (e.g “o álcool
faz-me esquecer os problemas”; “beber diminui os meus os meus sentimentos de inferioridade
e de incapacidade”). Estes dados apontam no sentido de estes indivíduos beberem por
acreditarem que o álcool diminuirá estados emocionais negativos, o que está claramente de
acordo com o objetivo do evitamento experiencial típico de indivíduos com perturbação de
ansiedade social (Heimberg & Becker, 2002). Relativamente à amostra PUA, apenas 16% dos
indivíduos se posicionaram acima do ponto de corte, na medida de ansiedade social (SIAS).
Estes valores, ainda que representativos, em amostras reduzidas como era o caso do presente
estudo, podem ter reduzido a probabilidade de serem encontrados resultados mais
representativos.
As correlações observadas entre as várias medidas são distintas em ambas as amostras.
Na amostra PAS, contrariamente ao que seria esperado, não se verificaram associações
significativas entre a medida de ansiedade social (SIAS) e as expectativas acerca dos efeitos do
álcool (IECPA). Embora vários estudos científicos apontem para esta relação (APA, 2013,
(Cludius, Stevens, Bantin, Gerlach & Hermann, 2013; Thomas, Randall, & Carrigan, 2003;
Windle & Windle, 2012), na nossa amostra, a mesma não foi verificada. Primeiramente, este
resultado pode dever-se à elevada percentagem de mulheres (78%), que são apontadas como
bebendo menos que os homens e tendo menos problemas relacionados com o álcool (Nolen-
Hoeksema, 2004). Para além disso, e como já mencionado, as pontuações dos itens do
questionário foram, em geral, baixas, tendo, obviamente, gerado baixas pontuações totais,
podendo os dados não ter apresentado a dispersão suficiente para se encontrarem associações
28
significativas. Por outro lado, atendendo às particularidades deste diagnóstico, é provável que
os indivíduos tenham respondido em função da desejabilidade social, devido ao medo da
avaliação negativa por parte do entrevistador. Seria importante que outros estudos abordassem
este tema, pedindo ao terapeuta do indivíduo que passasse ele a entrevista diagnóstica, o que
poderia diminuir a probabilidade de respostas por desejabilidade social.
Ainda, neste estudo de correlações, não se verificaram associações entre ansiedade
social e depressão, embora a literatura aponte para uma elevada comorbilidade entre ambas
(APA, 2013; Gilbert, 2000). Consideramos que uma razão para este resultado poderá
relacionar-se como facto de uma percentagem considerável destes indivíduos se encontrar
medicado. Finalmente, como seria de esperar, a ansiedade social estabeleceu relações
significativas com a aceitação da ansiedade social, conforme prevê o modelo de Herbert e
Cardiciotto (2005), o que implica que indivíduos com elevados níveis de ansiedade social
recorram a um conjunto de estratégias de evitamento experiencial com propósito de alterar a
forma e a frequência dos pensamentos e sentimentos, conforme revelam os itens.
Na amostra PUA verificou-se uma relação positiva e significativa entre as expetativas
acerca do álcool no fator 4 e 6 com a ansiedade social. Como já referenciado, estes fatores
incluem itens que se traduzem em crenças acerca dos efeitos do álcool, que se referem e servem
o evitamento experiencial. Este resultado parece apontar para um maior consumo de álcool com
o objetivo de reduzir estados emocionais negativos (evitamento experiencial) aquando da
experiência de ansiedade social. Num contexto social em que o indivíduo se encontra motivado
para passar uma imagem positiva aos olhos dos outros, ao mesmo tempo que acredita não
possuir capacidades para fazê-lo, a sintomatologia ansiosa aumenta e poderão ser ativadas
expetativas acerca dos efeitos do álcool (Sabourin & Stewart, 2007), levando a que os
indivíduos bebam como “automedicação” capaz de atenuar os efeitos aversivos da ansiedade.
Esta relação, poderá ser tão mais provável, quanto os indivíduos sejam já bebedores excessivos.
29
Assim, expectativas positivas de resultados em relação ao consumo de álcool, quando
combinadas com baixas expectativas acerca dos efeitos negativos do álcool (debilitação física e
cognitiva ou efeitos depressivos) conduzem ao consumo excessivo (Burke & Stephens, 1999).
Um dado curioso observado na amostra PUA foi a fraca expressividade da associação
entre ansiedade social e aceitação. Com base em estudos recentes, verificou-se que associação
entre ansiedade social e aceitação da ansiedade social é inferior à associação encontrada entre
aceitação da ansiedade social e vergonha interna (Coelho, 2014).
De acordo com o nosso objetivo, esperava-se que aceitação da ansiedade social
mediasse a relação entre ansiedade social e as expetativas acerca do álcool. Relativamente à
amostra PAS, os dados conseguidos não corroboraram a hipótese inicial, o que pode dever-se a
particularidades da amostra recolhida, pelo que recomendamos a continuidade do estudo com
amostras maiores e mais heterogéneas. Por sua vez, a amostra PUA permitiu-nos corroborar a
nossa hipótese, de que aceitação se assume como mediadora da relação entre ansiedade social e
as expetativas acerca dos efeitos do álcool. Portanto, também na relação entre a ansiedade
social e o álcool, os baixos níveis de aceitação têm um papel fulcral, o que enfatiza, uma vez
mais, o papel que este processo e o seu oposto – evitamento experiencial, possuem no
desenvolvimento e manutenção da psicopatologia, assim como na intervenção terapêutica.
Do nosso conhecimento este é o primeiro estudo que examina esta relação e atendendo
aos dados encontrados, parece-nos importante aprofundar o papel da aceitação e ansiedade
social nas perturbações pelo uso de álcool.
Conclusões
Este é o primeiro estudo português a o examinar o impacto da aceitação na relação entre
ansiedade social e o consumo de álcool. Este estudo contém algumas limitações.
Primeiramente, amostra é muito reduzida, o que poderá ter limitado a expressividade de alguns
resultados; além do mais, eram amostras homogéneas, o que dificultou o registo de
30
variabilidade; também careceu de um instrumento que medisse a vergonha interna e o consumo
de álcool, o que teria sido muito pertinente na compreensão da presente associação; por fim, o
facto de ser um estudo transversal, que não permitiu avaliar a causalidade das inferências
devido ao problema de circularidade. Assim, seria adequado a realização de estudos
longitudinais, que utilizassem amostras maiores e aplicassem os instrumentos referidos.
31
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38
Anexos
Nota.SAAQQuestionário de Aceitação e Ação na ansiedade social; SIAS-EscaAnsiedade
em Situações de Interação Social; IECPA-Inventário de Expectativas e Crenças Pessoais
acerca do Álcool; Fator 1-Efeitos Globais Positivos e Facilitação das Interações Sociais;
Fator 2-Ativação e Prazer Sexual; Fator 3-Efeitos Positivos na Atividade e Humor; Fator 4-
Escape e Estados Emocionais Negativos; Fator 5-Desinibição sexual; Fator 6-Diminuição
de Sentimentos Negativos de Si Mesmo e Ansiedade Avaliativa; DASS- Escalas de
Ansiedade, Depressão e Stress; DASS-ans-Escala Ansiedade da DASS; DASS-stress-
Escala Stress da DASS; DASS-dep-Escala de depressão da DASS.
Quadro 1
Médias (M) e desvios-padrão (DP) e valores do alfa de Cronbach para os dois
grupos
Grupos M (DP) α
SA-AAQ Aceitação PAS 36.03 (13.00) .90
PUA 55.89 (16.87) .94
SA-AAQ Ação PAS 22.63 (5.88) .66
PUA 27.29 (7.25) .83
SA-AAQ total PAS 58.66 (16.35) .88
PUA 83.17 (20.22) .91
SIAS PAS 54.41 (10.74) .88
PUA 19.91 (11.65) .86
IEPCA – Fator 1 PAS 54.63 (24.28) .98
PUA 77.94 (20.76) .92
IEPCA- Fator 2 PAS 19.44 (9.45) .95
PUA 25.03 (8.78) .79
IEPCA- Fator 3 PAS 25.06 (9.95) .93
PUA 37.46 (11.00) .80
IEPCA- Fator 4 PAS 19.50 (8.36) .92
PUA 33.69 (10.14) .85
IEPCA- Fator 5 PAS 6.16 (3.13) .90
PUA 7.57 (3.62) .70
IEPCA- Fator 6 PAS 18.03(7.63) .91
PUA 28.80 (9.03) .80
DASS-ans PAS 54.41 (10.74) .90
PUA 3.06 (3.49) .73
DASS-dep PAS 11.50 (5.99) .91
PUA 3.31 (5.36) .94
DASS-stress PAS 12.09 (5.11) .86
PUA 5.37 (5.53) .80
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