UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE ENGENHARIA DE SÃO CARLOS
ENGENHARIA AMBIENTAL
JÚLIA FIGUEIREDO PINTO
Avaliação do potencial da Economia Circular em auxiliar na transição
rumo à Economia 4.0
São Carlos, SP
2018
JÚLIA FIGUEIREDO PINTO
Avaliação do potencial da Economia Circular em auxiliar na transição
rumo à Economia 4.0
Monografia apresentada ao curso de graduação em
Engenharia Ambiental da Escola de Engenharia de São
Carlos da Universidade de São Paulo.
Orientador: Prof. Dr. Mateus Cecílio Gerolamo
São Carlos, SP
2018
AUTORIZO A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
A Ana Carla, Fred, João e Thiago por todo suporte e compreensão durante esses anos.
E ao meu avô Carlos, que tanto gostaria de me ver formar.
AGRADECIMENTOS
Todos que passaram por minha vida contribuíram de alguma forma para este trabalho.
Agradeço a todos os mestres e pessoas inspiradoras que, ao longo da minha trajetória, me
questionaram, apoiaram, ensinaram e colaboraram para que eu buscasse cada vez mais o co-
nhecimento. Obrigada aos que me mostraram o valor das pequenas coisas, o sabor de cada
conquista, obrigada aos que vibraram e choraram juntos. Cada passo foi dado graças à ajuda
de vocês.
Sou muito grata aos meus professores do ensino fundamental e médio que me introduziram ao
mundo dos livros e me mostraram o prazer e a importância do processo de aprendizagem.
Agradeço também meus professores da USP São Carlos, que me mostraram o mundo da En-
genharia Ambiental e o poder de transformação que temos a partir de agora em nossas mãos.
Obrigada a todos meus amigos e amigas que se fizeram ou estavam presentes durante esses
anos. Obrigada especial aos amigos que fiz para a vida no CAASO, à minha turma Ambiental
012 e à Fabi, pela amizade e por estar sempre presente nesses seis anos de faculdade.
Ao meu orientador, muito obrigada por ter aceitado esse desafio, trazendo contribuições tão
importantes para este trabalho.
E não menos importante, obrigada à minha família, que me ensinou e permitiu que eu me de-
senvolvesse como pessoa, estudante e profissional. Em especial, agradeço meus pais, por me
darem todo suporte, apoio e condições necessárias para que eu estudasse, por me ouvirem e
me aconselharem, por me guiarem na vida pessoal e profissional; e aos meus irmãos, por esta-
rem presentes, por fazerem parte do meu dia-a-dia, por me questionarem e me fazerem cres-
cer. Vocês são minha inspiração. O que desenvolvi de inteligência emocional foi, em grande
parte, graças a vocês quatro.
“Eu acredito que as maiores inovações do século XXI serão na interseção da biologia com a
tecnologia. Uma nova Era está começando.” - Steve Jobs.
(ISAACSON, 2011)
RESUMO
PINTO, J. F. Avaliação do potencial da Economia Circular em auxiliar na transição ru-
mo à Economia 4.0. 2018. 100 f. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) – Escola de
Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.
Vivemos em meio a uma crise de esgotamento de recursos naturais e degradação de ecossis-
temas; aumento global de doenças como depressão, estafa e HIV; e incertezas políticas e eco-
nômicas. Scharmer (2010) defende que o sistema atual vem produzindo resultados indeseja-
dos devido ao baixo grau de conscientização dos indivíduos e, consequentemente, das organi-
zações e sociedade. Ao estudar a Evolução dos Sistemas Econômicos, o autor identifica cinco
estágios de conscientização da sociedade que refletem na economia, chamando-os de Econo-
mia 0.0, Economia 1.0, Economia 2.0, Economia 3.0 e Economia 4.0 e destacando que esta-
mos em meio à transição da Economia 3.0 para a 4.0 (SCHARMER, 2014). Paralelamente,
Ellen MacArthur Foundation (2010) utiliza o conceito de Economia Circular, originária de
diversas Escolas de Pensamento que vêm desenvolvendo abordagens alternativas de produção
com o objetivo de preservar o capital natural, otimizar o uso de recursos naturais, estimular a
efetividade e excluir impactos negativos do sistema. Desse modo, a Economia Circular visa
criar uma economia regenerativa e restaurativa por princípio. O presente trabalho busca, por
meio de uma contribuição teórica, levantar os pontos que devem ser endereçados para que a
transição para a Economia 4.0 aconteça de forma completa e, em seguida, avalia o potencial
da Economia Circular em auxiliar nesta transição. Isso se dá sob a ótica dos oito fatores-chave
propostos por Scharmer: Natureza, Trabalho, Capital, Tecnologia, Liderança, Consumo, Co-
ordenação e Posse. Conclui-se que, ao total, 27 aspectos devem ser abordados para uma tran-
sição efetiva rumo à Economia 4.0, sendo 13 deles auxiliados pela Economia Circular. Esta
endereça mais fortemente os fatores-chave Natureza, Tecnologia, Consumo, Coordenação e
Posse, enquanto outras inovações institucionais devem trabalhar pontos relacionados a Traba-
lho, Capital e Liderança a fim de que a sociedade e organizações elevem seu nível de consci-
ência e transacionem rumo a um modelo econômico ecocêntrico.
Palavras-Chave: Economia Circular. Economia 4.0. Transição. Evolução dos Sistemas
Econômicos. Sistema Econômico Eco-cêntrico. Teoria U.
ABSTRACT
PINTO, J. F. Evaluation of Circular Economy’s potential in assisting the transition from
towards Economy 4.0. 2018. 100 f. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) – Escola
de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.
We are in the middle of a crisis of natural resources’ depletion and degradation of ecosystems;
global increase of diseases such as depression, overwork and HIV; and political and economic
uncertainties. Scharmer (2010) argues that the current system has produced undesirable re-
sults due to the low level of awareness among individuals and, hence, among organizations
and society. During the study of Economic Systems’ Evolution, Scharmer identifies five stag-
es of society’s consciousness level that reflect in economics – Economy 0.0, Economy 1.0,
Economy 2.0, Economy 3.0 and Economy 4.0 –, highlighting that we are in the midst of
Economy 3.0 to 4.0 transition (SCHARMER, 2014). At the same time, Ellen MacArthur
Foundation (2010) uses the concept of Circular Economy, which was originated from Schools
of Thoughts that have developed alternative production approaches aiming to preserve natural
capital, optimize the use of natural resources, stimulate effectiveness and eliminate system’s
negative impacts. In other words, Circular Economy intents to create a regenerative and re-
storative economy by principle. This dissertation aims, as a theoretical contribution, to raise
points that must be addressed in order to fully transact into Economy 4.0 and, therefore, to
evaluate the potential of Circular Economy to support this transition. This assessment is based
on the eight key factors proposed by Scharmer: Nature, Labor, Capital, Technology, Leader-
ship, Consumption, Coordination and Ownership. In conclusion, a total of 27 aspects should
be addressed for an effective transition towards Economy 4.0, whilst 13 of them are assisted
by the Circular Economy. It addresses more strongly Nature, Technology, Consumption, Co-
ordination and Ownership key factors, while other institutional innovations should address
issues related to Labor, Capital and Leadership in order to both society and organizations raise
their level of awareness and move towards a ecocentric economic model.
Keywords: Circular Economy. Economy 4.0. Transition. Economic Systems’ Evolution.
Ecocentric Economic System. Theory U.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Auxílio da Economia Circular na transição rumo à Economia 4.0. .......................... 29
Figura 2: Estrutura do trabalho ................................................................................................. 30
Figura 3: Definições e princípios da Economia Circular. ........................................................ 36
Figura 4: Oportunidades da Economia Circular para 2030 na Europa. .................................... 39
Figura 5: Evolução dos Sistemas Econômicos. ........................................................................ 57
Figura 6: Evolução da Economia 3.0 para Economia 4.0. ....................................................... 65
Figura 7: A Economia Circular como elemento de transição para a Economia 4.0. ................ 70
Figura 8: Pontos endereçados pela Economia Circular na transição da Economia 3.0 para a
4.0. ............................................................................................................................................ 89
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Benefícios da Economia Circular. ........................................................................... 47
Quadro 2: A Matriz da Evolução Econômica. .......................................................................... 58
Quadro 3: Matriz de pontos a serem endereçados rumo à Economia 4.0. ............................... 73
Quadro 4: A Economia Circular como elemento de transição para a Natureza 4.0. ................ 75
Quadro 5: A Economia Circular como elemento de transição para o Trabalho 4.0. ................ 78
Quadro 6: A Economia Circular como elemento de transição para o Capital 4.0. ................... 78
Quadro 7: A Economia Circular como elemento de transição para a Tecnologia 4.0. ............ 80
Quadro 8: A Economia Circular como elemento de transição para a Liderança 4.0. .............. 82
Quadro 9: A Economia Circular como elemento de transição para o Consumo 4.0. ............... 83
Quadro 10: A Economia Circular como elemento de transição para a Coordenação 4.0. ....... 85
Quadro 11: A Economia Circular como elemento de transição para a Posse 4.0. ................... 87
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
3D – Três Dimensões
ACC – Ação Coletiva baseada na Conscientização
CCC – Consumo Consciente Colaborativo
CEO – Chief Executive Officer
CO2 – Dióxido de Carbono
EC – Economia Circular
FAO – Food and Agriculture Organization
HIV – Human Immunodeficiency Virus (virus da imunodeficiência humana)
MIT – Massachusetts Institute of Technology
ONGs – Organizações Não-Governamentais
PIB – Produto Interno Bruto
RESOLVE – Ferramenta Regenerate, Share, Optimise, Loop, Virtualise, Exchange
TICs – Tecnologias da Informação e Comunicação
UE – União Europeia
UNEP – United Nations Environmental Program
ZERI – Zero Emissions Research & Innitiatives
SUMÁRIO
1. Introdução ......................................................................................................................... 25
1.1. Objetivos .................................................................................................................... 28
1.2. Método de pesquisa e estrutura do texto .................................................................... 29
2. Revisão bibliográfica ........................................................................................................ 31
2.1. Economia Circular ..................................................................................................... 31
2.1.1. Princípios da Economia Circular ........................................................................ 35
2.1.2. Características da Economia Circular ................................................................ 39
2.1.3. Escolas de Pensamento ....................................................................................... 42
2.2. A Evolução dos Sistemas Econômicos ...................................................................... 49
2.2.1. A Teoria U .......................................................................................................... 49
2.2.2. Os pontos de acupuntura .................................................................................... 52
2.2.3. Da Economia 0.0 à Economia 4.0 ...................................................................... 54
3. Desenvolvimento, resultados e discussão ......................................................................... 67
3.1. Relação entre os conceitos ......................................................................................... 67
3.2. Pontos a serem endereçados rumo à Economia 4.0 ................................................... 71
3.3. A Economia Circular como elemento de transição para a Economia 4.0 .................. 75
3.4. Considerações Finais ................................................................................................. 91
5. Conclusão ......................................................................................................................... 93
Referências ............................................................................................................................... 97
25
1. Introdução
Diversos grupos científicos apontam que o modelo atual de produção industrial, com alta ex-
tração de recursos naturais, resultantes de atividades econômicas antrópicas1, tem extrapolado
a capacidade de reposição e recuperação desses recursos na Terra e excedido os limites do
planeta (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2013a, 2013b; HAWKEN; LOVINS;
LOVINS, 2018; MCDONOUGH; BRAUNGART, 2002; ROCKSTRÖM et al., 2009;
SCHARMER, 2014). População, consumo per capta e a perda de biodiversidade estão cres-
cendo a taxas antes nunca vistas (KORHONEN; HONKASALO; SEPPÄLÄ, 2018). De acor-
do com Global Footprint Network (2017), ultrapassamos nosso “orçamento ambiental” em
2017 em 70%, ou seja, foi necessário 1,7 planeta Terra para suprir a demanda econômica da-
quele ano, excedendo a capacidade de recuperação natural do planeta.
Ellen MacArthur Foundation (2013a) descreve que, desde meados do século XX, com o cres-
cimento acelerado de economias de consumo e economias extrativistas, houve crescimento
exponencial de externalidades negativas. Estas são efeitos indesejados e prejudiciais à popu-
lação causados por atividades antrópicas, e.g. aumento das emissões de CO2, perda de quali-
dade do solo, queda na qualidade de vida, poluição atmosférica, entre outros. No mais, a insti-
tuição levanta que mecanismos como regulações ou precificação de danos buscam controlar
tais externalidades negativas, enquanto (WINANS; KENDALL; DENG, 2017) defende a im-
plementação de instrumentos regulatórios e econômicos é necessária para endereçar questões
que não seriam endereçadas na ausência de uma intervenção governamental.
Além disso, a flutuação do preço de commodities – minerais ou agrícolas – cria incertezas no
mercado, aumenta riscos relacionados a novos investimentos e afeta diretamente os custos de
produção que utilizam matérias-primas e energia baratas e de fácil acesso. Segundo Ellen
MacArthur Foundation (2013b), este cenário pode causar altos prejuízos ambientais e econô-
micos. A Comissão Europeia acredita que pode surgir novamente um “price shock” no mer-
cado internacional, fenômeno resultante da demanda crescente por insumos e oferta restrita
dos mesmos, levando ao aumento de preços e a vulnerabilidade do mercado – situação seme-
lhante à crise do petróleo de 1970 (EUROPEAN COMMISSION, 2014).
Murray, Skene e Haynes (2017) destacam que passamos por um período de crescimento inin-
terrupto e com baixa inflação (até 2008), que, auxiliados pela globalização de mercados de
1 Atividades econômicas resultados de intervenção humana.
26
capital, melhorias em tecnologias da informação, produção off shore, entre outros, fez com
que houvesse um aumento exponencial no consumo de eletroeletrônicos, roupas e bens de
consumo. Isso contrasta, entretanto, com a atual necessidade de redução do consumo e extra-
ção de recursos naturais. Esses e outros fatores que serão abordados ao longo deste trabalho
afetam direta e indiretamente cenários econômicos, ambientais e socioculturais.
Diante disso, Otto Scharmer aponta que o sistema atual, apesar de ser mantido e alimentado
pelos próprios indivíduos e instituições, produz resultados que são indesejados por todos
(SCHARMER, 2010). Exemplos são a crise financeira global em 2008, a crise do petróleo em
1970, prejuízos ambientais gerados por grandes indústrias, doenças e crises de ansiedade, en-
tre outras. Segundo o autor, a principal causa deste contexto é a falta de conexão com a ver-
dadeira e mais profunda consciência do indivíduo, que pode ser estendida a organizações e
sociedades.
Nasce então a necessidade de acessar um nível de consciência mais profundo e mudar a per-
cepção do mundo atual para que seja possível adaptar-se aos novos desafios institucionais,
que afloram diante de um sistema que está próximo ao colapso (SCHARMER, 2010). A Teo-
ria U defende que o indivíduo deve passar por uma trajetória de autoconhecimento para au-
mentar seu grau de conscientização interna e percepção sobre sistema em que está inserido.
Expandindo essa teoria para aplicação em sociedade e organizações, Scharmer (2014) desen-
volve o conceito Economia 0.0, Economia 1.0, Economia 2.0, Economia 3.0 e Economia 4.0,
abordando o desenvolvimento do nível de consciência da sociedade e a evolução do sistema
econômico e do capitalismo ao longo dos séculos. Para isso, o autor estabelece oito fatores-
chave a partir dos quais desenvolve a análise: Natureza, Trabalho, Capital, Tecnologia, Lide-
rança, Consumo, Coordenação e Posse.
O Estágio 0.0 é caracterizado pelo sistema comunal, durante a Era Pré-Moderna, onde a eco-
nomia e o trabalho eram baseados na autossuficiência e dependente principalmente do capital
natural. O Estágio 1.0 se dá na época de Estados controladores e economia mercantilista, com
dependência do capital humano e escravidão. A Economia 2.0, por sua vez, é baseada no livre
mercado, desenvolve o capital industrial e desenvolve-se na era da primeira Revolução Indus-
trial, tendo commodities como base da economia. A Economia 3.0 é caracterizada pela eco-
nomia social de mercado, onde há regulamentação e estabelecimento de redes de negociação,
com capital principalmente financeiro. E por fim, o Estágio 4.0 é resultado do capital criativo
cultural, compartilhamento de ecossistemas e recursos comuns e incentivo ao empreendedo-
rismo social e privado.
27
Tal abordagem defende que a sociedade está em constante mudança e, atualmente, se encami-
nha para um modelo mais integrado, tecnológico, colaborativo e de consciência mais elevada
– transição da Economia 3.0 para a Economia 4.0. A sociedade avança para um estágio de
consciência mais profundo, observando a escassez dos recursos naturais, esgotamento da for-
ça de trabalho, e, principalmente, a insuficiência e incapacidade da tecnologia e automação
centradas no sistema em resolver problemas globais e complexos, como as mudanças climáti-
cas. Parte-se para um estágio de conscientização ecocêntrica, voltado para o todo e não para o
benefício individual, onde o diálogo, consumo consciente, empreendedorismo, trabalho em
rede, integração de stakeholders, cidadãos, setores da indústria e sociedade desenvolvem pa-
peis importantes para resolução de problemas globais de forma consciente e intencional.
Scharmer defende que a abordagem de silos não tem sido suficiente para resolver os diversos
desafios que surgem da Sociedade 3.0 devido sua complexidade e profundidade da causa do
problema. Assim, a solução deve ser arquitetada integrando sociedade e seus hábitos de con-
sumo, produtores, indústria, governos e lideranças (SCHARMER, 2010).
Paralelamente, o sistema de produção atual é baseado na extração, produção, consumo e des-
carte, sendo amparado pela mão-de-obra barata, produção em massa, fácil e alta disponibili-
dade de recursos naturais e energia, baixa internalização das externalidades negativas2, entre
outros fatores (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2013a). Entretanto, as fontes de
matérias-primas são finitas e, uma vez que toda a matéria é deslocada para o final do sistema,
evidencia-se a escassez dos recursos naturais e ao aumento do volume de rejeitos para dispo-
sição em aterros. Sendo assim, a Economia Circular propõe um novo modelo econômico de
uso dos bens naturais que assegure seu uso prolongado e responsável, baseando-se no concei-
to “extrair, transformar, reutilizar” (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2017a?).
A Economia Circular gera inovações e induz corporações a criarem externalidades positivas
no lugar de negativas, convida a sociedade a repensar seu modo de consumo, propõe novos
modelos de gerenciamento de recursos naturais e sua recuperação, defende o uso de energias
renováveis, entre outras características (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2015a,
2015b). Peschl et. al. (2010) acredita que não devemos reformular e reestruturar processos,
mas sim repensá-los e redesenhá-los de forma que se tornem efetivos e radicalmente inovado-
res, e não somente eficientes. Planing (2015) afirma que a “situação atual está favorável para
2 Quando instituições que geram externalidades negativas se responsabilizam e tomam ações para solucionar os
problemas causados por elas mesmas ou suas atividades.
28
tomar ações no sentido da Economia Circular” e Yuan, Bi e Moriguichi3 (2006, apud
KIRCHHERR; REIKE; HEKKERT, 2017) defendem que a Economia Circular “requer uma
reforma completa de todo o sistema de atividades humanas”, na qual (LOWE; EVANS, 1995)
acredita que parte da solução é composta por conceitos de Economia Circular como manufa-
tura consciente, design for environment, virtualização de produtos, ecologia industrial, reuso
de energia4, entre outros.
Para Scharmer (2014, p. 83) não há “desafio de pesquisa mais importante atualmente do que
inventar e testar inovações institucionais que darão poder, escala e sustentação à Economia
4.0”. Sendo assim, torna-se necessário encontrar meios, criar ferramentas e buscar soluções
sistêmicas que possibilitem e potencializem a transição para uma sociedade cocriativa e de
economia ecocêntrica.
Portanto, este trabalho busca identificar teoricamente os aspectos que devem ser abordados
para uma transição completa rumo à Economia 4.0 e analisar se e como a Economia Circular
pode auxiliar na transição da Economia 3.0 para a Economia 4.0. Assim, evidencia-se os pon-
tos endereçados pela Economia Circular e elucida-se pontos que ainda precisariam ser desen-
volvidos por outras iniciativas e inovações institucionais a fim de sustentar, potencializar e
concretizar a trajetória rumo à Economia 4.0. A Figura 1 a seguir ilustra a proposição da Eco-
nomia Circular como elemento auxiliador na transição para a Economia 4.0 dentro da Evolu-
ção dos Sistemas Econômicos.
1.1. Objetivos
Acredita-se que o modelo de Economia Circular pode contribuir para o processo de mudança
rumo à Economia 4.0. Assim, este trabalho busca identificar os pontos que devem ser ende-
reçados na transição da Economia 3.0 para a Economia 4.0 sob a ótica dos oito fatores-
chave para, então, avaliar o potencial da Economia Circular em auxiliar na transição
rumo à Economia 4.0. Os objetivos específicos do trabalho são:
a) Realizar revisão bibliográfica sobre o modelo de Economia Circular;
b) Realizar revisão bibliográfica sobre conceito de Economia 4.0;
3 Yuan, Z., Bi, J., Moriguichi, Y. The circular economy: a new development strategy in China. Journal of
Industrial Ecology, vol 10 (1–2), p. 4–8. 2006. 4 É importante destacar que energia não pode ser reciclada, somente utilizada em cascata para usos em tempera-
tura e pressão menores (KORHONEN; HONKASALO; SEPPÄLÄ, 2018). Dessa forma, no presente trabalho,
quando surgirem expressões sobre reuso de energia, refere-se a seu uso em cadeia.
29
c) Estudar uma possível relação entre os dois conceitos;
d) Desenvolver uma matriz dos pontos a serem endereçados rumo à Economia 4.0 para
cada um dos oito fatores-chave e
e) Identificar a contribuição da Economia Circular na transição para Economia 4.0 e pon-
tuar suas evidências.
Figura 1: Auxílio da Economia Circular na transição rumo à Economia 4.0.
Fonte: A autora.
1.2. Método de pesquisa e estrutura do texto
Este trabalho é estruturado de acordo com os conceitos propostos por Whetten (2003) para o
desenvolvimento de uma contribuição teórica, uma vez que este é um estudo de escopo teóri-
co que visa contribuir para a análise da transição da Economia 3.0 para a 4.0 e o impacto da
Economia Circular nessa mudança.
Segundo Whetten (2003), uma teoria, para que seja completa, bem fundamentada e aceita,
deve ser composta por quatro elementos: o quê, como, por quê e quem-onde-quando. O pri-
meiro elemento deve abordar quais as variáveis, conceitos e outros fatores são necessários
para o entendimento do fenômeno em questão e o segundo elemento deve apresentar como
esses conceitos estão relacionados. Ambos “o quê” e “como” representam o domínio e des-
crevem a teoria e seu conteúdo. O “por quê” constitui a justificativa da teoria, sua relevância e
as relações de causalidades dentro das dinâmicas socioeconômicas do estudo. Este deve trazer
proposições lógicas e explicar a teoria a fim de “desafiar e estender o conhecimento existen-
te”, fundamentando-se nos “o quês” e “comos” e permitindo que tais proposições sejam pas-
síveis de serem testadas e pesquisadas dentro das limitações especificadas no estudo. Por fim,
o quarto elemento “quem-onde-quando” representa a delimitação do escopo da contribuição
30
teórica, devendo-se indicar local, período/data, público, entre outras características que dizem
respeito ao contexto de realização da pesquisa, além de permitir um ciclo de feedback e vali-
dação da teoria por meio de sua aplicação ou teste no mesmo ou em novos contextos.
Diante disso, após a introdução, justificativa e objetivos abordados no capítulo anterior, ini-
cia-se a apresentação dos “o quês” na revisão bibliográfica de ambos os conceitos – Economia
Circular e Economia 4.0. Em Economia Circular (Item 2.1) é apresentado seu histórico, prin-
cipais características e conceitos e as escolas de pensamentos atuantes no mercado. Em segui-
da, no Item 2.2, estuda-se a Evolução dos Sistemas Econômicos – suas origens na Teoria U,
os pontos de acupuntura e desconexões do sistema e os conceitos de Economia 0.0, 1.0, 2.0,
3.0 e Economia 4.0.
No Item Desenvolvimento, resultados e discussão aborda-se os elementos “como”, “por quê”
e “quem-onde-quando”. Primeiramente, em Relação entre os conceitos busca-se entender se e
como os conceitos de Economia Circular e Economia 4.0 estão relacionados. Em seguida, no
Item 3.2 propõe-se uma matriz para identificar e evidenciar pontos relevantes à transição ru-
mo à Economia 4.0 para os oito fatores-chave propostos por Scharmer, além de apresentar as
delimitações do escopo do trabalho. E então, aplica-se a matriz de forma teórica para Econo-
mia Circular no Item 3.3, buscando identificar a contribuição da Economia Circular na trajetó-
ria para a Economia 4.0, validar a proposição do estudo e apresentar e discutir os resultados,
evidenciando pontos não tocados pela Economia Circular e observando oportunidades para
outras inovações institucionais colaborarem na transição para a Economia 4.0. A Figura 2
ilustra de forma visual como o presente trabalho está estruturado.
Figura 2: Estrutura do trabalho
Fonte: A autora.
31
2. Revisão bibliográfica
Para melhor entendimento deste trabalho, serão apresentados alguns conceitos e as origens
tanto do modelo de Economia Circular quanto de Economia 4.0. Para o primeiro, vale desta-
car a aproximação dos limites ecossistêmicos, princípios e características da Economia Circu-
lar. Também serão abordadas as atuais escolas de pensamento do modelo.
Em relação ao conceito de Economia 4.0, inicia-se com sua origem na Teoria U, discutindo a
necessidade de conscientização do indivíduo e identificação das atuais falhas e resultados
indesejados gerados pelo atual sistema. A partir disso, expande-se o conceito para organiza-
ções e sociedades e ilumina-se os modelos de Economia 0.0, Economia 1.0, Economia 2.0 e
Economia 3.0 para então chegar ao conceito de Economia 4.0.
2.1. Economia Circular
O conceito de Economia Circular na academia ainda é superficial e de pouco desenvolvimen-
to teórico, uma vez que sua origem vem essencialmente e quase exclusivamente de profissio-
nais do meio político, corporativo, de fundações, consultoria, entre outros (KORHONEN;
HONKASALO; SEPPÄLÄ, 2018; MURRAY; SKENE; HAYNES, 2017). Dessa forma, o
conceito é largamente utilizado em empresas e também em países da União Europeia, como
Holanda, França, Suécia, Finlândia e Alemanha, e nos Estados Unidos, Canadá, Japão, Reino
Unido, China (KORHONEN; HONKASALO; SEPPÄLÄ, 2018).
Segundo Winans, Kendal e Deng (2017), não há claras evidências do surgimento do conceito
de Economia Circular. Murray, Skene e Haynes (2017) cita autores e figuras importantes que,
introduziram de certa forma o conceito, datados de 1848, década de 1960, 1970 e 1980, entre
outros, destacando que o que todos tem em comum são a abordagem do conceito de ciclo fe-
chado. Para Winans, Kendall e Deng (2017), pode-se dizer que alguns dos autores de Escolas
de Pensamentos, como John Lyle, William McDonough, Michael Braungart, Walter Stahel, e
até sob inspiração do Clube de Roma com a publicação Limits to Growth, influenciaram e
substanciaram o conceito de Economia Circular (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION,
2015b; MCDONOUGH; BRAUNGART, 2002; MEADOWS, 1972).
Baseando-se na definição de Desenvolvimento Sustentável de satisfazer as “necessidades das
gerações presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas pró-
prias necessidades” (WORLD COMMISSION ON ENVIRONMENT AND
32
DEVELOPMENT, 1987, p. 41), os autores Korhonen; Honkasalo; Seppälä (2018, p. 39) pro-
põe a seguinte definição para o conceito de Economia Circular:
A economia circular é uma economia construída a partir de sistemas sociais
de produção-consumo que maximiza o serviço produzido a partir do fluxo
linear natureza-sociedade-natureza e fluxo de energia. Isso se dá usando flu-
xos cíclicos de materiais, fontes de energia renováveis e fluxos de energia ti-
po cascata. [...] A economia circular limita o fluxo de produção a um nível
que a natureza tolera e utiliza ciclos ecossistêmicos em ciclos econômicos
respeitando suas taxas naturais de reprodução.
Para os autores Kirchherr, Reike e Hekkert (2017, p. 229), o conceito de Economia Circular
está frequentemente ligado aos 3R (reduzir, reutilizar e reciclar), porém sem destacar a neces-
sidade de uma mudança sistêmica e transacionar de um modelo linear para circular. Os mes-
mos definem Economia Circular como “sistema econômico que substitui o conceito de fim de
vida por meio da redução, reuso alternativo, reciclagem e recuperação de materiais na produ-
ção, distribuição e consumo”.
Como citado anteriormente, o conceito de Economia Circular vem sendo desenhado também
por atores de fora do ramo acadêmico, uma vez que é vista como um meio para que negócios
operacionalizem e implementem o conceito de desenvolvimento sustentável (KIRCHHERR;
REIKE; HEKKERT, 2017). Dessa forma, a fundação Ellen MacArthur, foi criada em 2010
com o objetivo de “inspirar uma geração a repensar, redesenhar e construir um futuro positi-
vo” (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2013b, p. 1), trazendo uma nova proposição
de economia de mercado dentro do conceito de Economia Circular e consolidando diversos
autores e algumas definições. Esta propõe uma economia em que todos os bens utilizados na
produção hoje farão parte da matéria prima da produção do amanhã, criando um ciclo virtuoso
que garante a prosperidade e reuso dos materiais e energia em um contexto onde os recursos
disponíveis no mundo são finitos (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2013a).
O Comitê de Auditoria Ambiental de Londres defende que a Economia Circular cria uma
economia mais robusta por meio da valorização dos produtos e dos materiais que os com-
põem, se afastando do modelo atual de economia linear (HOUSE OF COMMONS, 2014).
Esta é baseada no conceito extrair – produzir – descartar, enquanto a Economia Circular
substitui o descarte pelo reuso, recuperação dos materiais, processo de remanufatura e reci-
clagem, criando o conceito “extrair – produzir – reutilizar”. Segundo Murray, Skene e
Haynes (2017), o modelo linear deteriora o meio ambiente por meio de processos de extração
33
de recursos naturais agressivo, como a mineração, e por meio da perda de valor do capital
natural causada pela poluição de resíduos.
Geissdoerfer et al.5 (2017, apud KIRCHHERR; REIKE; HEKKERT, 2017) e Schut et al.
6
(2015, apud KIRCHHERR; REIKE; HEKKERT, 2017) acreditam que a definição de Econo-
mia Circular mais notável apresentada foi a proposta pela Ellen MacArthur Foundation. Para
a fundação, a característica principal da Economia Circular é ser regenerativa e restaurativa
por princípio e design, garantindo que os produtos, materiais e componentes tenham o mais
alto nível de utilidade e valor o tempo todo. Ou seja: que estes sejam, desde o princípio, dese-
nhados e concebidos para que permaneçam o máximo possível na cadeia de valor em sua
forma de mais alta utilidade (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2013a).
Para Murray, Skene e Haynes (2017), entende-se por restaurativo não só a prevenção, mas
também reparação de danos e redução de poluição por meio da criação de sistemas dentro da
própria indústria. Desse modo, é possível criar um ciclo de vida do produto em que o design,
extração, produção, uso e reuso estejam totalmente interligados e sejam intencionalmente de-
senhados para que matéria e energia tenham seu maior aproveitamento e, ao fim da vida útil,
sejam recuperados (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2013a).
Por conceito, a Economia Circular é um ciclo que “preserva e aprimora o capital natural, oti-
miza a produção de recursos e minimiza riscos sistêmicos administrando estoques finitos e
fluxos renováveis”, podendo ser replicável em qualquer escala minimizando danos à econo-
mia e ao meio ambiente (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2017a?). Assim, esse mo-
delo econômico “extrair, transformar, reutilizar”, se bem estruturado e planejado, se torna
uma alternativa atraente e viável para empresas, uma vez que utiliza menos recursos naturais,
respeita os limites físicos e biológicos da Terra e gera valor para o negócio.
Como se pode perceber, a Economia Circular é abrangente e engloba intencionalmente diver-
sos conceitos, tornando-se conceito guarda-chuva e transdisciplinar. As chamadas Escolas de
Pensamento da Economia Circular têm suas raízes no final de 1970 (ELLEN MACARTHUR
FOUNDATION, 2017b) e, segundo a Fundação, o conceito abraça sete diferentes escolas que
serão abordadas as diante (a saber: Design Regenerativo, Economia de Performance, Cradle
to Cradle, Ecologia Industrial, Biomimética, Blue Economy e Capitalismo Natural), que têm,
5Geissdoerfer, M., et al., 2017. The circular economy – a new sustainability paradigm. Journal of Cleaner Pro-
duction, v. 143, 757–768. 6 Schut, E., Crielaard, M., Mesman, M., 2015. Circular Economy in the Dutch Construction Sector: A Perspec-
tive for the Market and Government.
34
entretanto, princípios e características em comum. Essas são a base para uma economia mais
circular, onde a criação de valor é dissociada do consumo de recursos finitos e potencializada
pelos mecanismos de recuperação e circulação dos materiais nos ciclos biológico e técnico.
Para melhor distinguir os ciclos de matéria, a Ellen MacArthur Foundation (2013b) usa o
conceito de ciclo biológico e técnico, delineando a origem e o fim da matéria na cadeia produ-
tiva e sua capacidade de recirculação e reintrodução no sistema. Os chamados nutrientes bio-
lógicos são provenientes dos ciclos bio-geo-químicos da Terra e constituem o ciclo biológico
de materiais renováveis, sendo nutrientes regenerados por processos naturais da biosfera. Os
nutrientes técnicos, por sua vez, devem ser projetados e recirculados de forma que garanta a
maior utilidade possível de seu material na cadeia de valor, evitando a disposição em aterros.
Dessa forma, o fechamento do ciclo técnico depende do gerenciamento efetivo dos recursos
finitos, onde nutrientes técnicos devem ser recuperados e reintroduzidos na cadeia produtiva
(ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2013a; MCDONOUGH; BRAUNGART, 2002;
RIBEIRO; KRUGLIANSKAS, 2014).
É importante destacar que, para que haja sucesso na Economia Circular, só deve haver efetivo
consumo dos nutrientes do ciclo biológico e sua posterior reinserção na biosfera, enquanto o
consumo dos nutrientes técnicos deve ser substituído somente por seu uso e reuso. Isso se
deve ao fato de que, se os nutrientes biológicos forem manejados corretamente, estes serão
regenerados naturalmente por processos biológicos, ou com ajuda do homem, e se tornam
recursos infinitos. Por outro lado, não é possível repor nutrientes técnicos na biosfera, deven-
do-se maximizar sua utilização na cadeia de valor e recuperá-los por intervenção humana e
adição de energia. Nutrientes técnicos são recursos finitos e, se mal geridos após o consumo,
serão encaminhados para disposição final em aterros e não retornarão mais à cadeia produtiva
(RIBEIRO; KRUGLIANSKAS, 2014).
O modelo econômico linear é um modelo que não se sustenta ao longo dos anos, transferindo
toda a matéria de uma ponta a outra do sistema, sem se preocupar com a disponibilidade de
matéria prima na ponta inicial e nem com a disposição dos resíduos na ponta final do sistema.
Garantir eficiência e maior aproveitamento dos materiais e energia é importante, porém, ainda
assim não garante a manutenção do modelo produtivo em longo prazo. No mais, os recursos
naturais estão se esgotando e as áreas disponíveis para aterros são cada vez mais escassas ou
perigosas (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2013b; RIBEIRO; KRUGLIANSKAS,
2014; SCHARMER, 2014), o que torna necessário fechar o ciclo da cadeia produtiva e proje-
tar processos capazes de regenerar e recuperar matéria prima.
35
2.1.1. Princípios da Economia Circular
Apresentados os aspectos gerais da Economia Circular, abaixo são explicitados seus três prin-
cípios, baseados nos desafios enfrentados pela economia industrial atual (ELLEN
MACARTHUR FOUNDATION, 2013a). Para (KORHONEN; HONKASALO; SEPPÄLÄ,
2018), a Economia Circular busca estender a utilização de resíduos e subprodutos por meio da
reciclagem e criação de alto valor no uso e aplicação dos materiais embutidos nos produtos e
isso se faz possível através da aplicação dos três princípios a seguir (ilustrados pela Figura 3),
segundo a ELLEN MACARTHUR FOUNDATION (2013a).
a) Preservar e aumentar o capital natural por meio do controle do estoque finito de
nutrientes técnicos e equilibrando os fluxos de recursos renováveis.
Ao escolher os recursos pra produção, a Economia Circular tem o dever de utilizar
tecnologias e processos que permitam eficiência, efetividade e reutilização. Serviços
devem ser priorizados frente a produtos, aumentando sua utilização e o número de
usuários, e sempre que possível, com entregas virtuais (i.e. produtos de mídia online
no lugar de mídia física). Desse modo, com um fluxo de nutrientes biológicos equili-
brado, é possível aumentar o capital natural, criando condições para regeneração (i.e.
tempo de regeneração do solo) e, no caso de nutrientes técnicos, sua utilização terá
maior aproveitamento com o controle consciente do estoque finito e aplicações de tec-
nologias na produção favoráveis à recuperação.
b) Otimizar a produção de recursos fazendo com que produtos, componentes e ma-
teriais circulem no mais alto nível de utilidade o tempo todo, tanto no ciclo técni-
co quanto no biológico.
O design de produtos deve ser pensado desde o começo para facilitar e permitir rema-
nufatura, restauração, reciclagem. Deve-se evitar produtos de composição híbrida
(mistura de muitos materiais que não podem ser posteriormente separados para recu-
peração), peças de difícil desmontagem, baixa qualidade, entre outros. Os componen-
tes biológicos e tecnológicos devem circular o máximo possível dentro da cadeia antes
de serem descartados. Isso é chamado de “poder dos círculos internos”, onde os com-
ponentes circulam internamente, onde o reuso, remanufatura e reparo demandam me-
nos recursos e energia, contribuindo para a economia e evitando a perda de qualidade
dos materiais (KORHONEN; HONKASALO; SEPPÄLÄ, 2018).
36
Figura 3: Definições e princípios da Economia Circular.
Fonte: Ellen MacArthur Foundation (2015a, p.6).
37
Para os nutrientes biológicos, como na Figura 3, deve-se priorizar o reaproveitamento
do material no mesmo estado e, quando tal fato não for mais possível, utilizar-se da
extração de matérias, digestão anaeróbia (com produção de energia por biogás) e, con-
sequentemente, permitir a regeneração dos componentes por decomposição na biosfe-
ra. Assim, esses se transformam novamente em componentes valiosos para novas pro-
duções. Referente ao ciclo técnico, o maior valor se concentra no primeiro circulo in-
terno, o de compartilhamento do recurso e/ou produto no seu estado atual. Nota-se que
o produto deve ser sempre utilizado, e não consumido, prolongando sua vida por meio
de atividades como manutenção e restauração do produto.
O próximo inner loop é o poder da reutilização e redistribuição dos componentes, co-
mo em produtos modulares, que suas partes podem ser reinseridas na fabricação de
partes e peças de novos produtos. Como próxima opção, deve-se adotar a renovação
dos componentes, onde se aplica mais energia e mais trabalho para estes serem rema-
nufaturados. E, como última alternativa, deve-se reciclá-los, uma vez que pode haver
perda de qualidade dos componentes devido às condições físico-químicas do processo
de reciclagem. A escola de pensamento Cradle to Cradle (Berço a Berço) chama essa
queda na qualidade do produto de downcycling (MCDONOUGH; BRAUNGART,
2002).
Em contraponto, Sung (2015, p. 1) apresenta a definição de upcycling como o “pro-
cesso em que materiais usados são convertidos em algo de maior valor e/ou qualidade
em sua segunda vida”. Dessa forma, é considerado um dos melhores meios para redu-
zir o uso de materiais e energia e ainda contribuir para a produção e desenvolvimento
sustentável.
E por fim, vale ressaltar que o valor dos círculos internos, tanto biológico quanto téc-
nico, não se dá somente ao material de seus componentes, mas também aos processos,
energia e trabalho neles investidos. Se um produto é diretamente encaminhado para
aterro, não serão desperdiçados somente seus componentes, mas toda a estrutura neles
investida que apresenta grande valor econômico para a sociedade.
c) Estimular a efetividade do sistema revelando e excluindo as externalidades nega-
tivas desde o princípio.
O último princípio da Economia Circular é a capacidade de identificar todas as exter-
nalidades, positivas e negativas, do sistema e excluir as externalidades negativas do
projeto desde sua criação. O sistema deve ser eficiente, reduzir prejuízos e otimizar
todos os recursos energéticos, materiais e laborais. Novamente o design tem uma con-
38
tribuição importante para eliminar os impactos negativos, escolhendo materiais menos
prejudiciais ao meio ambiente, eliminando o uso de substâncias tóxicas e possibilitan-
do formas de reutilização, recuperação e reciclagem dos componentes.
Porém, nesse tópico, mais importante que o design é entender as reais necessidades de
um produto e propor conceitos que as atendam, tornando o sistema efetivo. Isso pode
se dar por meio do compartilhamento de produtos, do fornecimento de serviços e, por
vezes, substituição ou extinção de produtos. No mais, sempre que possível, deve-se
recorrer a entregas virtuais, preservando o equilíbrio do fluxo de nutrientes biológicos
e minimizando o uso de nutrientes técnicos.
Walter Stahel, fundador do Product Life Institute e pai do conceito de Economia de Perfor-
mance, abordado a frente, resume em uma frase a importância e a ordem de relevância dos
círculos internos: “Não conserte o que não está quebrado, não remanufature algo que possa
ser consertado e não recicle um produto que possa ser remanufaturado” (ALLWOOD; CLIFT,
2011).
Um estudo da McKinsey, SUN e Ellen MacArthur Foundation, apresentado na Figura 4 a
seguir, identificou que, atualmente, os custos com recursos primários, financeiros e com ex-
ternalidades negativas para os mercados de mobilidade, alimentação e ambiente construído
são de € 7,2 trilhões. Até 2030, seguindo o atual caminho da economia linear, tais custos po-
derão reduzir para € 6,3 trilhões. Entretanto, se tomarmos o caminho da Economia Circular
para o desenvolvimento, pode-se economizar ainda cerca de € 900 bilhões de benefícios lí-
quidos, o que representaria um gasto de € 5,4 trilhões em 2030 para o mesmo cenário. Dessa
forma, seria possível gerar até € 1,8 trilhões de benefícios para a sociedade, ambiente e eco-
nomia até o ano de 2030, além de oportunidades de regeneração, renovação e inovação na
indústria (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2015a).
Tal estudo, apesar de ser aplicado à Europa, pode ser estendido e interpretado com a mesma
lógica para outros países, demonstrando que a Economia Circular traz benefícios financeiros
se comparado ao atual sistema linear de produção, além dos já esperados benefícios ambien-
tais, e supera os danos gerados pelo efeito rebote. A Comissão Europeia (EUROPEAN
COMMISSION, 2014), por sua vez, estima que haverá uma redução na necessidade de novos
materiais de 17 a 24% até o ano de 2030 por meio de melhorias de eficiência na utilização dos
recursos. E ainda afirma que, com uma melhor utilização dos recursos naturais, pode-se pou-
par até € 630 milhões por ano na indústria europeia e gerar mais de 180 mil novos empregos
diretos com a implementação da Economia Circular.
39
Figura 4: Oportunidades da Economia Circular para 2030 na Europa.
Fonte: Ellen MacArthur Foundation (2015a, p. 11).
A China, por exemplo, tem se tornado um país de grande interesse para pesquisas em Econo-
mia Circular. O conceito se popularizou no país com a maior população mundial na década de
1990 e, nos anos 2000, adotou a Economia Circular como a principal ferramenta para mudan-
ças ambientais e desenvolvimento econômico para os próximos 10 anos, usando mecanismos
para desenvolvimento de produtos e de novas tecnologias, atualização de equipamentos e me-
lhoria do gerenciamento da indústria (MURRAY; SKENE; HAYNES, 2017; WINANS;
KENDALL; DENG, 2017).
2.1.2. Características da Economia Circular
A seguir, descreve-se as características fundamentais que devem integrar idealmente qualquer
sistema circular segundo a Ellen MacArthur Foundation (2013b).
a) Excluir as perdas desde o princípio
Segundo Ribeiro e Kruglianskas (2014), resíduo é algo criado pela humanidade.
McDonough e Braungart (2002) também defendem que na natureza tudo é
reaproveitado – o suposto resíduo de uma árvore, por exemplo, serve de alimento para
decomposição do solo, que servirá por sua vez de adubo para outras árvores. No fim,
tudo na natureza é cíclico, e o “sistema linear” é uma criação do homem.
Cerca de 80% dos impactos ambientais do ciclo de vida de produtos são determinados
no momento de sua concepção (ROYAL SOCIETY OF ARTS, 2013, p. 10), o que faz
40
do designer um importante contribuinte para redução de externalidades negativas e,
principalmente, resíduos. O mesmo autor diz: “resíduos são falhas do projeto” (p.7).
Entretanto, é importante ressaltar que eficiência por si só não é suficiente para a
transição para uma economia mais circular. Ela não resolverá o problema da finitude
dos recursos naturais (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2013b), cabendo aos
consumidores, designers e empresas a habilidade crítica de identificar as reais
necessidades que devem ser atendidas e, então desenvolver produtos que garantam a
efetividade do sistema, cumprindo com sua finalidade e, preferencialmente,
compartilhando recursos.
b) Criar resiliência por meio do estímulo à diversidade
Ellen MacArthur Foundation (2013b) defende que a diversidade é a principal caracte-
rística para garantir a versatilidade e resiliência de diversos sistemas, sejam eles ambi-
entais (i.e. diversidade na cadeia alimentar) ou econômicos (i.e. empresas grandes e
pequenas, onde a primeira garante volume de mercado e eficiência em épocas próspe-
ras e a segunda, flexibilidade de modelos de negócios para adaptação a crises). Ribeiro
e Kruglianskas (2014) adicionam ainda que as características diversas de produtos,
como modularidade, versatilidade e adaptabilidade, dão maior vida útil a eles no mer-
cado.
c) Fontes de energia renováveis movem a economia
Segundo (KORHONEN; HONKASALO; SEPPÄLÄ, 2018), aproximadamente 75%
da produção global de energia é baseada em fontes não renováveis e intensiva emissão
de combustíveis fósseis. Dessa forma, uma das razões para adoção da energia renová-
vel é diminuir a dependência de recursos dos sistemas, garantir a resiliência desses em
épocas de crise, evitar a emissão de contaminantes e poluentes e promover a recicla-
gem natural (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2013a; KORHONEN;
HONKASALO; SEPPÄLÄ, 2018). Assim como os componentes biológicos, a energia
renovável é consumida, mas retorna para a biosfera possibilitando seu uso posterior. E,
como característica da diversidade, uma gama de opções de energias renováveis ga-
rante que, em caso de crises energéticas, o sistema será suficientemente resiliente para
operar, contando com diferentes fontes de energia.
d) Pensar de forma sistêmica
Ellen MacArthur Foundation (2015a) diz que diversos elementos no mundo real inte-
gram “sistemas complexos nos quais diferentes partes estão fortemente ligadas a cada
uma das outras, com algumas consequências surpreendentes”, sendo mais fortes jun-
41
tas, interligadas e integradas. Assim, para que a alteração no sistema e mudança rumo
à Economia Circular seja efetiva, tal interconectividade deve ser levada em considera-
ção. Ribeiro e Kruglianskas (2014) ainda reforçam que deve haver um foco especial
na interconectividade dos fluxos de matéria e energia, considerando não só suas rela-
ções de cada parte com o todo, mas também com outras partes.
Dessa forma, a Economia Circular busca otimizar sistemas no lugar de componentes,
obtendo maior valor a partir do redesign da manufatura e fornecimento de serviços, do
que somente a partir da maior eficiência nos processos (MURRAY; SKENE;
HAYNES, 2017).
e) “Waste is food” e mecanismos de feedback
Na Economia Circular não há desperdícios. Portanto, tudo que é resíduo de um pro-
cesso, deve alimentar outro processo (waste is food), tanto no ciclo biológico ou técni-
co (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2013a). Isso torna o sistema restaurati-
vo, alimentando diversos ciclos e prolongando a vida do componente na cadeia de va-
lor. Tal conceito funciona muito bem nos chamados Parques Eco-Industriais, onde,
por meio da ecologia industrial, empresas compartilham recursos e subprodutos
(MURRAY; SKENE; HAYNES, 2017).
Para que os preços cumpram com seu papel de passar mensagens ao consumidor, estes
devem refletir custos reais do processo, incluindo custos de produção e eventuais ex-
ternalidades negativas causados pelo sistema. Outros mecanismos de feedback tam-
bém devem existir para alimentar e aprimorar o funcionamento do modelo circular,
como uso de tecnologias para identificar tendências e preferências do consumidor.
Desse modo, a transparência deve ser exercitada e aplicada a todo o processo, sendo
necessário remover “subsídios perversos” de produtos e matéria-prima que dificultem
a transição para a Economia Circular (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION,
2015a), como subsídios para combustíveis fósseis.
A Economia Circular ainda propõe novas ações para o consumo de produtos e recursos que
ajudam na transição para um modelo circular (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION,
2015a). Elas convidam o produtor, consumidor e órgãos legislativos a repensarem o modo de
fazer negócios, facilitando o compartilhamento, apoiando o uso de energias renováveis, entre
outros, por meio da ferramenta RESOLVE (Regenerate, Share, Optimise, Loop, Virtualise,
Exchange), apresentada a seguir:
42
a) Regenerar: apoiar o uso de energia e materiais renováveis, recuperar, reter e restaurar
a saúde dos ecossistemas e devolver recursos biológicos recuperados à biosfera.
b) Share (compartilhar): compartilhar bens, reutilizar e usar produtos de segunda mão e
prolongar a vida dos produtos por meio de práticas como manutenção, mas garantindo
que os produtos terão durabilidade e capacidade de atualização para tal.
c) Otimizar: aumentar o desempenho, eficiência e efetividade do produto; remover resí-
duos durante a produção e na cadeia de suprimentos; e alavancar o uso de tecnologias
como big data, automação, sensoriamento e direção remota.
d) Loop (círculos): remanufaturar produtos e/ou componentes, reciclar materiais, usar di-
gestão anaeróbia e extrair substancias bioquímicas de resíduos orgânicos e retornar pa-
ra o ciclo biológico.
e) Virtualizar: desmaterializar direta e indiretamente produtos, como por exemplo, prio-
rizar livros, filmes, mídia, reuniões e compras online no lugar de materiais físicos ou
compras e reuniões presenciais.
f) Exchange (trocar): substituir materiais não renováveis antigos por novos materiais
mais avançados e renováveis, usar e incentivar novas tecnologias (como impressora
3D – três dimensões – para modularidade, por exemplo) e optar por novos produtos
e/ou serviços que seguem os princípios da Economia Circular.
2.1.3. Escolas de Pensamento
Segundo Korhonen; Honkasalo; Seppälä (2018), o conceito de Economia Circular é “vaga-
mente baseado em uma coleção fragmentada de ideias derivadas de alguns campos científicos,
emergentes e conceitos semicientíficos”. Assim, o autor destaca diversos conceitos, sendo
Ecologia Industrial, Simbiose Industrial, Cradle-to-Cradle design, Biomimética, Economia de
Performance, Capitalismo Natural, Resiliência do Sistema Social-Ecológico, Conceito de Ze-
ro Emissions, Sistemas Produto-Serviço, Produção mais Limpa, dentre outros.
Alguns deles são chamados pela Ellen MacArthur Foundation de Escolas de Pensamento e
serão abordados a seguir. São conceitos que abrangem pensamentos e visões distintas de mo-
delos de negócios, e abordam diferentes meios para resolução de problemas atuais de escassez
de recursos. Entretanto, todos convergem, em grandes termos, para as mesmas ideias centrais
de construção de ciclos fechados, observação da natureza e eliminação de desperdícios, carac-
terísticas centrais da Economia Circular (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2015a).
Ainda segundo (KORHONEN; HONKASALO; SEPPÄLÄ, 2018), as escolas de pensamento
43
que mais influenciaram o conceito de Economia Circular tenha sido Cradle-to-Cradle e Eco-
logia Industrial, entretanto, o conceito ainda não é claro e de difícil compreensão.
Murray, Skene e Haynes (2017) destacam que uma das principais diferenças entre o conceito
de Economia Circular e as Escolas de Pensamento é que a primeira surgiu principalmente de
legislações e políticas (e.g. China), enquanto as escolas surgiram de grupos acadêmicos. Esta
pode ser, então, uma das justificativas para a baixa representatividade de artigos acadêmicos
de Economia Circular.
a) Design Regenerativo
Um professor americano na década de 1970 desenvolveu um conceito onde todos os sistemas,
podem e deveriam ser manejados de forma que o ele próprio gerasse os insumos materiais e
energéticos necessários para se manter. Tal modelo já se aplicava para a agricultura, mas de-
veria ir além disso. Tal conceito se tornou conhecido como Design Regenerativo, em que um
sistema deveria, desde seu projeto, ser concebido para se “recriar” e ser autossuficiente
(ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2013a).
O professor e idealizador John T. Lyle fundamentou uma das características base para a Eco-
nomia Circular, que mais tarde deram origem a conceitos como Economia de Performance e
Cradle to Cradle (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2017b?).
b) Performance Economy (Economia de Performance)
O arquiteto e economista Walter Stahel foi quem, pela primeira vez, em 1976, esboçou o con-
ceito de economia circular, apresentado como uma visão de economia em ciclos. Stahel apon-
tou seus possíveis impactos na geração de emprego, redução de recursos, diminuição e pre-
venção de resíduos e possibilidade de competitividade econômica, além de apresentar pela
primeira vez o conceito de “ciclo fechado” e Cradle to Cradle (ELLEN MACARTHUR
FOUNDATION, 2013a).
O Product Life Institute, criado por Stahel e fundado na Suíça, possui quatro objetivos princi-
pais: extensão da vida do produto, bens de vida longa, atividades de recondicionamento e pre-
venção de desperdício. Também defende a implementação de uma “economia de serviço fun-
cional”, onde serviços devem atender as necessidades dos consumidores e serem então substi-
tuídos por produtos. Mais tarde o conceito ficou conhecido como Economia de Performance
(ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2017b?).
44
c) Cradle to Cradle (Berço a Berço)
O conceito Cradle to Cradle nasceu na década de 1990, resultado da parceria do químico
alemão Michael Braungart com o arquiteto americano Bill McDonough, se tornando mais
tarde um processo de certificação. A filosofia se baseia no conceito de ciclo fechado, defen-
dendo que “resíduo é igual alimento” (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2017b?).
Além disso, Cradle to Cradle faz uso da discriminação dos nutrientes em biológicos e técni-
cos, já apresentados, focando não só na eficiência dos processos, mas também na efetividade e
impactos positivos que podem ser alavancados por meio do design consciente do produto
(ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2017b?; MCDONOUGH; BRAUNGART, 2002).
Por meio do design, é possível proporcionar inovação, qualidade, durabilidade, segurança
(eliminação de materiais tóxicos) e, principalmente, potencializar a recirculação dos materiais
e componentes dentro da cadeia de valor, projetando-os para a remanufatura. Além disso, o
conceito de Berço a Berço defende o uso de energia de fontes renováveis (preferencialmente
solar), celebra o a diversidade dos ecossistemas e promove cuidados no gerenciamento de
insumos, como, por exemplo, suprimento de água nos processos (MCDONOUGH;
BRAUNGART, 2002).
d) Ecologia Industrial
Lowe e Evans (1995) descrevem Ecologia Industrial como uma ferramenta de gestão ambien-
tal para casar inputs e outputs de sistemas industriais, respeitando a capacidade ambiental e
regional. Dessa forma, Ecologia Industrial guia a transformação da indústria para o desenvol-
vimento sustentável, movendo do modelo econômico para o linear, integrando e harmonizan-
do a indústria com meio ambiente, compartilhando assim muitos aspectos comuns com o con-
ceito de Economia Circular (LOWE; EVANS, 1995; MURRAY; SKENE; HAYNES, 2017).
Segundo Allwood e Clift (2011), a Ecologia Industrial busca entender, por meio da engenha-
ria química, o ecossistema industrial de forma integrada e, assim, eliminar subprodutos inde-
sejáveis a partir da observação do sistema e seus fluxos de materiais e energia. Reid Lifset e
Thomas Graedel estudaram os processos industriais a fim de estabelecer ciclos fechados, onde
as restrições ecológicas locais devem ser respeitadas, considerando e moldando os impactos
negativos e positivos para aproximar o funcionamento do sistema industrial do funcionamento
e modelo de ciclos observado na natureza (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION,
2017b?).
45
e) Biomimética
A Biomimética é “uma abordagem para inovação que busca soluções sustentáveis para os
desafios humanos por meio da formulação de padrões e estratégias já testadas pelo tempo de
experiência da natureza” (BIOMIMICRY INSTITUTE, 2018). A idealizadora do conceito e
autora do livro, Janine Benyus, argumenta que a biomimética estuda e imita os melhores de-
signs e processos naturais para criar produtos, processos e políticas para que humanos se
adaptem à “vida na Terra” em longo prazo (BIOMIMICRY INSTITUTE, 2018; ELLEN
MACARTHUR FOUNDATION, 2017b?).
O conceito se baseia em três princípios fundamentais: 1) natureza como modelo, 2) natureza
como medida e a 3) natureza como mentora (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION,
2013a). Assim, é possível estudar e simular modelos da natureza utilizando um padrão ecoló-
gico para o que é sustentabilidade e aprendendo com o mundo natural.
Murray, Skene e Haynes (2017, p. 377) por outro lado, defendem que este é um argumento
fraco do ponto de vista da sustentabilidade, visto que não é possível que a tecnologia reprodu-
za o que a natureza é capaz de fazer. Uma solução seria praticar “bioparticipação”, em que
“aprendemos a cumprir nosso papel na biosfera, ao invés de imitar aspectos dela, enquanto
fazemos uso da tecnologia”.
f) Blue Economy (Economia Azul)
A Blue Economy é um movimento que coloca em ação a filosofia ZERI - Zero Emissions Re-
search & Innitiatives do empresário Gunter Pauli. ZERI é uma plataforma open source para
“mentes criativas” postarem suas soluções para desafios globais. Incentivando o empreende-
dorismo, pessoas podem deixar suas ideias disponíveis para o mundo, devendo ser baseadas
em 21 princípios que giram em torno de 1) uma economia onde não há desperdício e da 2)
observação e imitação dos processos naturais (PAULI, 2018a).
Blue Economy vem para consolidar os estudos de caso da plataforma em um relatório e incen-
tivar movimentos, investimentos e soluções locais para a implementação de uma economia
circular, onde não existem resíduos, soluções são baseadas na natureza e processos usam
energias renováveis (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2017b?). O movimento é
aplicável a qualquer modelo de negócio, focando nos recursos naturais e economia locais,
produzindo produtos de alta qualidade, baixo custo e gerando empregos, além de produzir
46
efeitos cascata de impactos positivos e oportunidades de mercado competitivas (PAULI,
2018b).
g) Capitalismo Natural
O Capitalismo Natural é o primeiro conceito a abordar novos modelos econômicos circulares
do ponto de vista do lucro. A escola defende que a próxima revolução industrial já está acon-
tecendo e é possível que interesses econômicos e ambientais se sobreponham, onde os negó-
cios podem atender às necessidades do consumidor, aumentar os lucros e ainda ajudar a resol-
ver problemas ambientais (HAWKEN; LOVINS; LOVINS, 2018, 2007).
Desenvolvido por Paul Hawken, Amory Lovins e Hunter Lovins, o livro “Capitalismo Natu-
ral: Criando a próxima revolução industrial” é baseado em quatro princípios que são interliga-
dos: 1) aumentar a produtividade dos recursos, 2) redesenhar a indústria em modelos biológi-
cos, com ciclos fechados e sem desperdícios, 3) deslocar a venda de produtos para modelos de
fornecimento de serviços; 4) reinvestir no capital natural (HAWKEN; LOVINS; LOVINS,
2018, 2007).
~
Com base no que foi apresentado, pode-se dizer que a Economia Circular é derivada de diver-
sos outros conceitos que compartilham dos mesmos objetivos: criar modelos de negócios em
que não haja desperdícios e os ciclos sejam fechados; fazer uso consciente, equilibrado, efici-
ente e efetivo dos recursos naturais, respeitando e valorizando os nutrientes biológicos e téc-
nicos; aumentar a vida útil de produtos por meio da recirculação de cadeias internas de valor;
promover diversidade nos sistemas e eliminar as externalidades negativas.
A Economia Circular é, ao mesmo tempo, uma nova estratégia para empresas adotarem práti-
cas rumo ao desenvolvimento sustentável e uma oportunidade para diminuir custos de produ-
ção por meio do reuso de materiais, eficiência energética e seu uso em cascata, além de evitar
penalidades regulatórias (LOWE; EVANS, 1995; MURRAY; SKENE; HAYNES, 2017).
Diante disso, cabe às empresas, indústrias e designers selecionar as melhores tecnologias,
ferramentas de design, insumos e processos que melhor se encaixem em seus modelos de pro-
dução. No mais, esses novos (ou adaptados) modelos de negócios serão capazes de promover
uma economia que irá aumentar e preservar o capital natural, gerar empregos e produzir ex-
ternalidades positivas para a sociedade. E cabe aos consumidores e outros atores sociais a
47
transformação e conscientização para que haja demanda e deslocamento da economia linear
atual para uma economia mais circular.
Entretanto, Murray, Skene e Haynes (2017) descrevem que ainda não está claro como a Eco-
nomia Circular pode endereçar fatores sociais do desenvolvimento sustentável, como igualda-
de geracional, de gênero, racial, religiosa, igualdade de oportunidades, financeira, entre ou-
tras. Tal fato é confirmado por Kirchherr, Reike e Hekkert (2017), que destacam que somente
13% das publicações levantadas em seu estudo sobre Economia Circular abrangem holistica-
mente os três pilares do desenvolvimento sustentável.
Apesar disso, a transição para a Economia Circular pode trazer diversos benefícios para dife-
rentes stakeholders, sendo alguns deles descritos no Quadro 1 abaixo.
Quadro 1: Benefícios da Economia Circular.
Atores Benefícios da Economia Circular
Economia Reduções de custo com matéria-prima, gestão de resíduos e de emissões;
Redução de riscos na volatilidade e suprimento de materiais no mercado;
Criação de oportunidades de novos negócios e crescimento nos setores pri-
mário, secundário e terciário;
Redução das externalidades e
Estabelecimento de sistemas econômicos mais resilientes.
Consumi-
dores
Melhoria da qualidade dos produtos;
Redução da obsolescência programada;
Maior possibilidade de escolha e
Benefícios secundários - por exemplo, novas funções dos produtos.
Empresas Potencial de lucro em novos negócios
Novas formas de relacionamento com clientes;
Oportunidades em novos modelos de negócio
Novas oportunidades de financiamento;
Criação de resiliência e vantagem competitiva;
Redução custos e riscos com matérias primas;
Redução nos gastos com legislação e regulação ambiental;
Ganhos diretos com recuperação/ reciclagem dos materiais que eram descar-
tados;
48
Possibilidade de green marketing para novos produtos e serviços;
Redução da complexidade dos produtos e ciclos de vida mais gerenciáveis e
Estímulo à inovação e ecodesign.
Sociedade Geração de empregos;
Aumento do senso de comunidade, cooperação e participação através da
economia compartilhada;
Benefícios socioculturais e de bem-estar;
Meio Am-
biente
Redução no uso de matéria-prima virgem;
Aumento do tempo de vida de matéria-prima por meio da eficiência no uso
dos materiais e sua recuperação ao longo da cadeia;
Diminuição da geração de resíduos e consequente alocação em aterros sani-
tários;
Diminuição na geração de emissões;
Fonte: Adaptado de Korhonen, Honkasalo e Seppälä (2018); Ribeiro e Kruglianskas (2014) e Sung (2015)
Entretanto, para que essa transição seja efetiva e traga resultados desejados, é necessária uma
mudança de cultura e de visão de negócios em toda a cadeia do ciclo de vida do produto, in-
cluindo todos os interessados e afetados pelo processo. Mudanças devem ocorrer na concep-
ção de produtos, nos processos de produção, criar oportunidades e formas de transformação
dos resíduos em recursos, novos modelos de negócios e de mercado e também novos padrões
de comportamento dos consumidores (EUROPEAN COMMISSION, 2014). A European
Commission (2014) aponta ainda que deve haver uma mudança sistêmica e inovadora em
diferentes níveis de organizações, sociedade, tecnologia, finanças e políticas, para que essa
transformação seja completa.
49
2.2. A Evolução dos Sistemas Econômicos
Otto Scharmer é um cientista alemão, conferencista sênior no Massachusetts Institute of
Technology (MIT), que vem se dedicando a pesquisas sobre tecnologias sociais7 que promo-
vam mudanças sistêmicas e inovações profundas. Autor dos livros “Teoria U: Como liderar
pela percepção e realização do futuro emergente” (2010) e “Liderar a partir do futuro que
emerge: Evolução do sistema econômico egocêntrico para o ecocêntrico” (2014), Scharmer
desenvolve conceitos que promovem o entendimento do campo social em que estamos inseri-
dos, fazendo análises profundas sobre o comportamento humano, social e econômico. No
primeiro livro, pauta-se a conscientização do indivíduo, por meio da imersão no processo de
presencing e, no segundo livro, busca-se identificar padrões na evolução econômica da socie-
dade ao longo dos séculos por meio de diferentes níveis de conscientização da sociedade e de
organizações.
O foco desta seção é entender o processo de conscientização individual (Teoria U) e coletivo
(Evolução dos Sistemas Econômicos) para assim identificar os elementos necessários para a
transição da Economia 3.0 para a Economia 4.0.
2.2.1. A Teoria U
Korten8 (2009 apud PESCHL et al., 2010) e Taylor
9 (2008 apud PESCHL et al., 2010) ale-
gam que estamos “no meio de uma crise” generalizada, envolvendo o sistema financeiro, mu-
danças climáticas, extinção de espécies, pobreza e fome a nível global e aumento de conflitos
por recursos naturais e água. Scharmer (2014, 2010) também defende que vivemos em época
de dificuldades econômicas, políticas, sociais e ambientais onde são produzidos resultados
que muitas vezes não são desejados por todos, como desastres ambientais, doenças globais
(depressão, obesidade, doenças tropicais, vírus da imunodeficiência humana - HIV, etc.), cri-
ses financeiras e instabilidade econômicas, como, por exemplo, variações no preço de com-
modities e fragilidades políticas ou mesmo ambientais.
7 Tecnologias sociais são “produtos, técnicas e/ou metodologias reaplicáveis, desenvolvidas na interação com a
comunidade e que representem efetivas soluções de transformação social” (PORTAL BRASIL, 2010). A Teoria
U se autodenomina uma tecnologia social que, através do processo de presencing, permite extrair os fatos neces-
sários, sem julgamentos, para gerar profunda mudança interna capaz de deslocar o local a partir do qual opera-
mos (SCHARMER, 2010). 8 KORTEN, D. Agenda for a new economy: from phantom wealth to real wealth. San Francisco: Berrett-
Koehler, 2009 9 TAYLOR, G. Evolution’s edge: thte coming colapse and transformation of our world. Gabriola Island: New
Society, 2008.
50
Esses problemas são endereçados com soluções locais, por vezes regionais ou globais, mas
que visam combater somente uma frente de um problema muito maior. São soluções paliati-
vas, ou temporárias, para problemas que deveriam ser discutidos mais a fundo, com mais ato-
res e buscando e analisando a causa-raiz do problema (SCHARMER, 2010).
O autor ainda destaca incapacidade da liderança atual de enxergar problemas e desafios glo-
bais de forma integrada e sistêmica, propondo soluções que trazem consequências cada vez
piores e resultados insustentáveis. A abordagem de silos não funciona para trazer soluções
atuais e articuladas, individualizando problemas sistemáticos e tratando sintomas separada-
mente, com um “setor social responsável por cada sintoma”. Exemplos são as divisões de
departamentos, Organizações Não-Governamentais (ONGs), carreiras e cargos muito especí-
ficos para problemas que deveriam ser analisados de forma holística (SCHARMER, 2010).
O autor observa ainda que vivemos em época de fracassos institucionais que provocam lacu-
nas nas áreas ecológica, social e espiritual, que não são endereçados conscientemente pelos
atores do sistema e criam o que denomina de divisores ecológico, social e espiritual-cultural.
O vazio interior causado pelo divisor espiritual-cultural leva ao maior consumo de bens e,
consequentemente, exaustão dos recursos naturais (divisor ecológico), que, por sua vez, leva
aos divisores socioeconômicos.
O divisor espiritual-cultural diz respeito à desconexão da pessoa com seu próprio grau de
consciência, bem-estar e felicidade onde, apesar do padrão de vida material ter melhorado
rapidamente em alguns países, questões como estafa e depressão continuaram aumentando
nos últimos 50 anos (DIENER; SELIGMAN10
, 2004 apud SCHARMER, 2014). As taxas de
suicídio têm aumentado e se tornado uma das maiores causas de morte, o que representa so-
mente a ponta de um sistema que violenta o próprio ser humano (SCHARMER, 2014) e, por
fim, pessoas estão desconectadas com seu propósito, ignorando seus sentimentos e pensamen-
tos, e agindo de forma que o sistema e a situação pedem, mas não da forma que acreditam ser
melhor (SCHARMER, 2014).
Na esfera ecológica, Scharmer (2014) destaca diversas falhas no relacionamento homem-
natureza que se referem ao esgotamento dos recursos naturais e consumo de 70% a mais de
recursos do que o planeta é capaz de se recompor, sendo necessário três planetas Terra para
suprir as necessidades do homem em 2050 (GLOBAL FOOTPRINT NETWORK, 2017;
10
DIENER, E.; SELIGMAN, M. Beyond Money: toward na economy of wellbeing. Psychological Science in
the Public Interest, v.5, n.1, p.31, 2004.
51
SCHARMER, 2014); diminuição de 1/3 das áreas férteis aráveis e cultiváveis desde 1970
(UNEP - UNITED NATIONS ENVIRONMENTAL PROGRAM, 2005); poluição de lençóis
freáticos e ao mesmo tempo aumento em seis vezes da demanda por água doce – até 2025,
estima-se que 2/3 da população mundial viverá em áreas de escassez de água (UNEP, 2005);
cerca de 60% dos ecossistemas analisados pela Avaliação Ecossistêmica do Milênio foram
degradados ou estavam sendo manejados de forma insustentável (UNEP, 2005); estima-se que
os benefícios dos serviços ecossistêmicos11
cheguem a US$ 70 trilhões por ano, porém estes
são mal administrados (UNEP, 2005).
E por fim, no divisor socioeconômico, Scharmer (2014) defende que a sociedade está mais
consciente dessas falhas depois da crise econômica de 2008, porém ainda destaca discrepân-
cias em relação à renda, concentração de riqueza, entre outros. Uma das evidências é 10% da
população mundial receber metade de toda a renda gerada globalmente (DAVIES et al12
. ,
2007 apud SCHARMER, 2014), enquanto 1% da população detém 40% da riqueza global
frente à metade da população mundial que possui 1% dos bens (MILANOVIC13
, 2006 apud
SCHARMER, 2014). E, espantosamente, as necessidades básicas das pessoas ainda não são
devidamente supridas, uma vez que mais de 10% da população sofre de fome, sendo que 98%
dessas pessoas se encontram em países em desenvolvimento (FAO14
, 2012 apud
SCHARMER, 2014).
A Teoria U é, portanto, um processo desenvolvido por Otto Scharmer que busca tornar o ato
da tomada de decisão mais consciente, com um nível de atenção elevado, promovendo o auto-
conhecimento e identificação da situação em que o indivíduo se encontra para ser capaz de
mudar seu local de operação. Partindo da percepção do ambiente no entorno, o processo passa
pela identificação do nosso chamado ponto cego e então torna o indivíduo apto a tomar ações
e prototipar soluções para os problemas que enfrenta. Assim, o processo do U torna o indiví-
duo capaz de tomar melhores decisões por meio do deslocamento de seu lugar de operação.
Nosso ponto de operação é nossa fonte mais profunda de inspiração, que deve ser genuíno e
conhecido por nós, e nosso nível mais profundo de consciência é vivenciado quando “perce-
11
Benefícios prestados pelos ecossistemas à vida humana. 12
DAVIES, J.B. et al. Estimating the level and distribution of global household wealth. Cambridge: Nation-
al Bureau of Economic Research, 2009.2009. 13
MILANOVIC, B. Global income inequality: what it is and why it matters. Economic & Social Affairs, DE-
SA Working Paper, nº26 (ST/ESA/2006/DWP/26). Disponível
em:<http://www.un.org/esa/desa/papers/2006/wp26_2006.pdf>. Acesso em: 5 fev. 2018. 14
FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS. The State of food insecu-
rity in the world. 2012. Disponível em:<http://www.fao.org/3/a-i4646e.pdf>. Acesso em: 5 fev. 2018.
52
bemos e concretizamos a mais elevada possibilidade futura de uma pessoa – atuando com
base na presença daquilo que deseja emergir”, definido por SCHARMER (2014, p.21) como
presencing15
. Vale notar que o U apresenta elementos cíclicos e lineares, permitindo que o
ponto final da jornada seja em local diferente do ponto de partida, representando o desenvol-
vimento e conscientização ao longo do processo.
Scharmer chama essa jornada de uma nova tecnologia social para endereçar, de forma sistê-
mica e consciente, os desafios globais enfrentados, trazendo resultados desejados por todos
(SCHARMER, 2010), ajudando indivíduos e lideranças a melhorar a qualidade de seus resul-
tados produzidos. Se o modelo for extrapolado para sistemas, a qualidade dos resultados do
sistema naturalmente será diretamente proporcional à conscientização dos participantes que
operam esse sistema (SCHARMER, 2014, p. 19). Com isso, Scharmer busca em seu segundo
livro “Liderar a partir do futuro que emerge” compreender a evolução dos sistemas econômi-
cos por meio do processo de conscientização do U aplicado a transformações de indivíduos,
sociedade e organizações.
2.2.2. Os pontos de acupuntura
Scharmer (2014), em um segundo momento, faz uma profunda análise da economia e socie-
dade ao longo dos séculos sob diversos pontos de acupuntura – pontos de desconexão estrutu-
ral e limites do sistema – divididos na questão ecológica, questão de renda, financeira, tecno-
lógica, liderança, consumo, governança e direitos de posse. Essa análise, entre outras funções,
busca auxiliar líderes a compreender melhor o ecossistema e os movimentos históricos da
sociedade e economia, além de dar embasamento para tomar decisões agregadoras, intencio-
nalmente positivas, evitando erros do passado e identificando as tendências que emergem do
futuro.
Todos apresentam sintomas aparentes na superfície que levam a limites sistêmicos onde, a
partir deste ponto, pode ocorrer uma quebra de continuidade e então surgir necessidade imi-
nente de mudança, promovendo o deslocamento do ponto de operação para um novo estágio.
(SCHARMER, 2010). Abaixo, são apresentadas as desconexões estruturais e seus limites sis-
têmicos (SCHARMER, 2014, p.48):
15
A palavra vem da combinação em inglês de sensing (sensibilizar-se – com o significado de sentir ou perceber
as possibilidade futuras) e presence (presença – no sentido de estar no momento presente). É o auge do U, ponto
em que a partir dele a pessoa pode tomar decisões conscientes e prototipar soluções desejadas.
53
Ecossistemas atingiram o limite para extração de bens naturais, resultado da dissocia-
ção entre o crescimento ilimitado e os recursos naturais finitos. Desse modo, atinge-se
o limite sistêmico em que o crescimento deve ser limitado e a administração dos re-
cursos naturais deve ser feita de acordo com as condições finitas do planeta para que
seja possível continuar com atividades econômicas baseadas em recursos naturais;
O desequilíbrio na distribuição de renda esbarra nos limites da desigualdade quando
necessidades básicas de parte da sociedade não são atendidas, desrespeitando os direi-
tos humanos básicos. O sintoma superficial é o fato de 1% de a população mundial de-
ter 40% da riqueza, o que leva ao limite sistêmico da necessidade de cumprimento dos
direitos humanos básicos;
Scharmer defende que há dissociação entre economia real e financeira16
, o que beira os
limites da especulação no momento em que menos de 1,4% de todas as transações
mundial são provenientes do comércio real. Ou seja, existe uma lacuna estrutural entre
a economia financeira (câmbios e especulações de bolsa de valores), que movimenta
US$ 1,5 quadrilhão, e a economia real (transações de comércio), a qual movimenta
0,02 quadrilhão de dólares;
A tecnologia por sua vez sofre da síndrome dos paliativos tecnológicos17
, focando na
mitigação os sintomas sociais por meio da criação de novas “parafernálias tecnológi-
cas”. Entretanto, não visa propor soluções sustentáveis nem criar de soluções sistêmi-
cas voltadas para as causas fundamentais dos problemas enfrentados;
A desconexão da liderança é causada pelo distanciamento entre os tomadores de deci-
sões e os afetados pelas próprias decisões, gerando silos institucionais. As decisões
top-down tradicionais não conseguem mais gerar resultados que todos querem devido
à dissociação entre antigas ferramentas da liderança e os desafios atuais. Isso resulta
em um limite sistêmico regido pela autogovernança direta, distribuída e dialógica18
;
Os limites do consumismo são resultados do sintoma superficial da estafa, depressão e
aumento do consumismo sem consequente aumento do bem-estar. Observa-se que o
Produto Interno Bruto (PIB) de países é desconexo desses fatores, o que cria a neces-
sidade de promover novas formas de compreensão de felicidade, saúde e bem-estar
que não seja sob a ótica do processo econômico e consumismo.
16
Valores de transações do mercado de câmbio internacional (economia/capital financeiro especulativo) superam
em valores de transações de comércio internacional (economia real) (SCHARMER, 2014). 17
Uso da tecnologia para resolução de problemas sem entender suas causas fundamentais (SCHARMER, 2014). 18
Liderança top-down que opera em silos tradicionais institucionais (SCHARMER, 2014).
54
A falha na governança esbarra na incapacidade de governos enfrentarem os desafios
sistêmicos, onde partes se dissociam do todo. Para sanar essa lacuna, é necessário criar
mecanismos colaborativos de governança e reconfigurar as fronteiras de competição e
cooperação entre países.
E por fim, os sintomas como utilização excessiva de recursos escassos, exemplificado
pela Tragédia dos Comuns19
, representam divergências entre as formas atuais de posse
e a melhor utilização social atual. Recursos naturais deveriam ser garantidos para as
futuras gerações como ativos sociais ou recursos comuns – direitos de posse para uso
comum entre propriedades pública e privada.
Desse modo, identificar os pontos de acupuntura garante um maior entendimento dos fluxos
de comunicação, de bens e de poder no estágio em questão. Se utilizadas as ferramentas da
Teoria U, é possível buscar a transformação interior mais profunda, no nível individual, social
ou organizacional, para identificar qual melhor caminho a seguir e decisão a ser tomada. So-
mente a partir da mudança da qualidade da atenção que as pessoas dedicam às ações que rea-
lizam é que possível mudar o comportamento do sistema, seja individualmente ou coletiva-
mente (SCHARMER, 2010). Assim, líderes e instituições devem guiar o rumo a ser tomado
pela economia para que os melhores resultados sejam produzidos, descolocando o ponto de
operação do sistema. Como cita Arnold Tonybee (SCHARMER, 2014, p.54): “a mudança
estrutural ocorre quando a elite de uma sociedade não tem mais como reagir com criatividade
a importantes desafios sociais e, em consequência, antigas formações sociais são substituídas
por novas”.
2.2.3. Da Economia 0.0 à Economia 4.0
Em seu segundo livro, Scharmer faz uma análise da evolução do capitalismo baseando-se nos
desafios e pontos de acupuntura enfrentados durante a evolução econômica. Com isso, o autor
identifica diferentes etapas da evolução da sociedade e características em comum e as classifi-
ca de acordo com seu estado de consciência e ideologia predominante na época estudada,
chamando-as de Sociedade 1.0, Sociedade 2.0, Sociedade 3.0 e Sociedade 4.0. É importante
observar que aspectos de uma época podem se fazer presentes em outra, não havendo uma
delimitação rígida e exclusiva para cada etapa da Sociedade. Tal evolução é melhor abordada
a seguir (SCHARMER, 2014, p. 55).
19
O uso de recursos comuns de forma individualizada e irrestrita em uma comunidade acaba por comprometer
sua disponibilidade, prejudicando toda a comunidade (HARDIN, 1968).
55
Na Sociedade 1.0, organizações são centradas na hierarquia e o poder do estado é o predomi-
nante, sendo baseada em uma figura centralizadora, que detém todo o poder decisório, orien-
tada pelo Estado e que preza pela estabilidade. Esse modelo do desenvolvimento social se
remete à época dos czar, imperadores e ditadores nas Rússia, China e Europa até aproxima-
damente o século XVIII, por exemplo. Entretanto, é possível encontrar evidências ainda no
século XXI. Esse modelo não permite que haja dinamismo e liberdade por parte da população,
contendo a iniciativa individual. No mais, o poder na Sociedade 1.0 é coercitivo, baseado na
punição e força militar, com ideologia mercantilista e fortes interesses comerciais e financei-
ros e nível de consciência que Scharmer chama de “tradicional”.
Ao atingir a estabilidade, Scharmer defende que a sociedade foi em busca do crescimento,
evoluindo para o estágio 2.0, baseando-se na competição, mentalidade neoliberal e neoclássi-
ca e voltada para o livre mercado – laissez-faire. Com isso, surgem mercados mais dinâmicos,
empreendimentos, direitos de propriedade e um sistema bancário que proporciona acesso ao
capital. A sociedade sai do foco único e exclusivo do Estado e cria o setor privado. A consci-
entização passa a ser “egossistêmica”, onde os atores despertam interesses próprios para atuar
e influenciar a economia. Ao mesmo tempo, explode a Revolução Industrial do século XIX,
de enorme crescimento econômico e dinamismo, que provoca, entretanto, a geração de exter-
nalidades negativas, como exploração desenfreada de recursos naturais, trabalho escravo e
infantil, maior desigualdade econômica, entre outros. A remuneração é baseada no mercado,
concedendo incentivos (cenouras) aos criadores de bons resultados.
No processo evolutivo de sanar os efeitos prejudiciais da Sociedade 2.0, a evolução para a 3.0
cria medidas para “restringir o mecanismo de mercado em áreas nas quais as externalidades
negativas são disfuncionais e inaceitáveis” (SCHARMER, 2014, p. 58). Isso gera estruturas
voltada para os stakeholders e para a economia social de mercado, organizadas em grupos de
interesse que criam, negociam e implementam medidas como direitos trabalhistas, legislação
de previdência social e proteção ambiental, bancos centrais para proteção da moeda nacional,
entre outras. Com isso, surge o terceiro setor (sociedade civil e ONGs, além do setor públi-
co/Estado e setor privado/empreendedor) para garantir a conscientização de todos os atores,
estabelecendo parcerias e transformando a fonte de poder baseada em normas e valores e não
mais baseada no mercado. A fonte de poder se torna normativa e baseada em valores e a ideo-
logia dominante é a socialdemocrata ou progressista.
Entretanto, a Sociedade 3.0 não consegue reagir rapidamente aos problemas globais que sur-
gem (crise do petróleo, mudanças de fatores demográficos, escassez de recursos naturais, por
56
exemplo) e, com o tempo, soluções antes criadas se tornam problemas para a evolução do
sistema, como subsídios para combustíveis fósseis que impedem a transição para energias
renováveis. Todos esses fatores representam limitações da Sociedade 3.0: favorecimento de
determinados grupos de interesse e criação de conflitos de interesse; ações reativas (e não
proativas) às externalidades negativas; e dificuldades em criar externalidades positivas inten-
cionalmente. Com isso, a Sociedade 4.0 busca maior interação setorial (cocriação) e maior
conscientização, com mentalidade e ação centrada no ecossistema.
Desse modo, Scharmer (2014) entende que nos encontramos, ou deveríamos transacionar da
Sociedade 3.0 para 4.0, onde resultados seriam produzidos intencionalmente, com nível de
consciência mais elevado. A Sociedade 4.0 é baseada no bem ecossistêmico e centrada no
todo que emerge, criando ações coletivas baseadas na conscientização e interligando setores
público – privado – civil.
As Sociedades, em resposta aos desafios e desequilíbrios enfrentados em cada um dos está-
gios, produziu reações atualizando a lógica de seu modelo econômico, estruturando novos
mecanismos de coordenação (estruturas hierárquicas, modelos de mercado, criação de redes e
conscientização) e da evolução do seu nível de consciência. Assim, como reflexo da reestrutu-
ração econômica frente às dificuldades estruturais de cada estágio social, Scharmer (2014)
identificou cinco estágios dentro da Evolução dos Sistemas Econômicos de acordo com os
pontos de acupuntura apresentados, a Economia 0.0, Economia 1.0, Economia 2.0, Economia
3.0 e Economia 4.0.
A Evolução dos Sistemas Econômicos é dinâmica, e, como dito, características de um estágio
podem estar presentes simultaneamente em outros estágios, sem delimitar e tornar caracterís-
ticas do capitalismo, da economia e da sociedade exclusivos daquela fase. Uma Economia
pode apresentar elementos de um estágio anterior ou até mesmo já apresentar características
de um estágio futuro e, à medida que o modelo evolui, novas características são desenvolvi-
das, mas antigas ainda podem ser preservadas. A Figura 5 busca representar, de forma simpli-
ficada, o complexo processo evolutivo dos Sistemas Econômicos, ilustrando seus fatores ex-
clusivos, aspectos concomitantes com apenas um único estágio e/ou com vários estágios (so-
breposições).
57
Figura 5: Evolução dos Sistemas Econômicos.
Fonte: A autora.
Scharmer (2014) analisa os cinco estágios da evolução econômica sob a perspectiva dos oito
pontos de acupuntura resultantes da desconexão estrutural do sistema, sendo esses: Natureza,
Trabalho, Capital, Tecnologia, Liderança, Consumismo, Coordenação e Posse. Dessa forma, o
autor elabora a Matriz da Evolução Econômica, representada no Quadro 2. A matriz simboliza
a jornada do desenvolvimento econômico e as possibilidades futuras – Economia 4.0 – e, co-
mo citado, um determinado estágio pode apresentar características de outros estágios evoluti-
vos, sejam eles passados ou futuros. Todas as combinações (390.625 possíveis) terão pontos
fortes e pontos cegos e, por isso, viver uma jornada pelo U, individual ou coletivamente, é
essencial para a evolução de uma sociedade para outra que produza resultados desejados e
supere as lacunas existentes no momento. A evolução dos estágios 0.0 a 4.0 e suas caracterís-
ticas serão abordadas a seguir, sob a perspectiva de cada fator-chave.
Natureza
A natureza, no estágio 0.0, representava a função de “mãe” – provedora da vida e elemento
essencial à sobrevivência dos povos por meio da caça e coleta de alimentos. Com a revolução
agrícola, o homem passa a enxergar a natureza como recurso (Economia 1.0), aumentando seu
impacto no meio ambiente. Ao longo dos séculos XVIII, XIX e XX, com a Revolução Indus-
trial (Economia 2.0), recursos naturais são tratados como commodities para alimentar as in-
dústrias têxtil e metalúrgica, fontes de energia, entre outros. Surge então na Economia 3.0,
normas e leis ambientais que a sociedade produz como resposta às externalidades negativas da
Economia 2.0 e as commodities passaram a ser elementos regulados (SCHARMER, 2014).
58
Quadro 2: A Matriz da Evolução Econômica.
Estágio Natureza Trabalho Capital Tecnologia Liderança Consumo Coordenação Posse
0.0 - Comunal:
Conscientiza-
ção pré-
moderna
Mãe Natureza Autossufici-
ência
Capital natural Sabedoria nativa Comunidade Sobrevivência Comunidade Comunal
1.0 - Centrado
no Estado:
mercantilizan-
do, capitalismo
do estado,
conscientização
tradicional
Recursos Servidão,
escravidão
Capital huma-
no
Ferramentas: revolu-
ção agrícola
Autoritária
(chicotes)
Tradicional
(orientado por
necessidades)
Hierarquia e
controle
Pública
2.0 - Livre
mercado: lais-
sez-faire, cons-
cientização
egocêntrica
Commodities
(terra, maté-
rias-primas)
Trabalho co-
mo commodity
Capital indus-
trial
Máquinas: 1ª Revo-
lução Industrial (car-
vão, vapor, ferrovias)
Incentivos
(cenouras)
Consumismo
(consumo de
massas)
Mercados e
competição
Privada: com-
pra e venda da
posse privada
nos mercados
3.0 - Social de
mercado: regu-
lamentado,
conscientização
centrada nos
stakeholders
Commodities
(reguladas)
Trabalho co-
mo commodity
regulada
Capital finan-
ceiro
Automação centrada
no sistema: 2ª Revo-
lução Industrial (pe-
tróleo, motor de
combustão, produtos
químicos)
Participativa
(normas)
Consumo
consciente
coletivo
Redes de ne-
gociação
Mista: pública
e privada
4.0 - Cocriati-
vo: distribuído,
direto, dialógi-
co, conscienti-
zação ecocên-
trica
Ecossistema e
recursos co-
muns
Empreendedo-
rismo social e
privado
Capital criati-
vo cultural
(ciente das
externalida-
des)
Tecnologias centra-
das no ser humano:
3ª Revolução Indus-
trial (energia renová-
vel e tecnologia da
informação)
Cocriativa
(presença
coletiva)
Consumo
Consciente
Colaborativo
(CCC)
Ação Coletiva
baseada na
Conscientiza-
ção (ACC)
Acesso com-
partilhado a
serviços e
recursos co-
muns
Fonte: Scharmer (2014, p. 81).
59
SCHARMER (2014, p. 87) defende que “commodities são produtos produzidos para o merca-
do com a finalidade de ser consumido”. Entretanto, recursos naturais não são produzidos pelo
homem e muito menos deveriam ser consumidos. Desse modo, na Economia 4.0, recursos
naturais não deveriam ser tratados como commodities, mas sim serem recursos comuns a to-
dos. Precisamos fechar novamente o ciclo de uso dos recursos naturais, uma vez que “toda
atividade econômica surge da natureza e a ela retorna” (SCHARMER, 2014, p. 86), surgindo
a necessidade de criar processos de design de ciclo fechado e processos de produção baseados
na experiência da natureza, ambos projetados intencionalmente para não gerar resíduos e rein-
troduzir todo o material na cadeia. No estágio atual, nenhuma dessas características é imple-
mentada, uma vez que os processos industriais produzem resíduos, grande parte da energia
utilizada não é renovável e o sistema é baseado em monoculturas e polos industriais que ma-
ximizam somente parte da produção, deixando o sistema vulnerável a crises e com baixa resi-
liência.
Trabalho
Na Economia 0.0, o trabalho era totalmente focado para produção ou obtenção de alimentos
para subsistência. Na evolução para o estágio 1.0, tal trabalho era realizado por escravos ou
servos com relação de dependência com seus senhores e, com a Revolução Industrial (Eco-
nomia 2.0), o trabalho passa a ser commodity – trabalhadores vendem seu tempo a um empre-
gador a um valor baixo. Novamente, na transição da Economia 2.0 para a 3.0, surgem entida-
des regularizadoras para relações empregador–empregado a fim de melhorar as condições de
trabalho e a vida dos trabalhadores (sindicatos, leis trabalhistas, previdência social, entre ou-
tros), tornando o trabalho uma “commodity regulada”.
Scharmer (2014) afirma que o significado do trabalho foi se perdendo com a divisão de tare-
fas ao longo da jornada 0.0 a 3.0. Trabalha-se por dinheiro, bonificações ou recompensas (ce-
nouras, como no estágio 2.0) e não se relaciona o trabalho à paixão pelo que se faz. O traba-
lho, assim, deve se reconectar ao empreendedorismo por meio da criatividade, propósito e
cocriação do futuro que emerge, trazendo mudanças positivas para a sociedade e gerando em-
pregos sem esbarrar nos limites de consumo dos recursos naturais. Alguns fatores são impor-
tantes para promover tal reconexão do trabalho com propósito (SCHARMER, 2014, p. 94):
espaços que permitem a inovação; proposição de desafios para o aprendizado; mecanismos de
sensibilização para contextualizar a o cenário mais amplo; capital; tecnologia; e estabelecer de
uma comunidade global em rede para criar coletivamente protótipos para a Sociedade 4.0.
60
Capital
Scharmer apresenta diferentes formas existentes de capital, sendo elas capital físico, humano,
industrial, financeiro, social ou espiritual. O autor ainda defende que, ao longo da evolução
econômica, o capital apresentou diferentes significados, que acabaram por distorcer seu con-
ceito. Na Economia 0.0, o capital era essencialmente natural. Com a evolução para a Econo-
mia 1.0, o capital humano desenvolveu capital físico para manipulação dos recursos naturais
(ferramentas para agricultura e habilidades artesanais) e, com a acumulação do capital físico,
humano e financeiro, evolui-se para a Economia 2.0, onde a revolução industrial trouxe à tona
o capital industrial – maquinário pesado, linhas de produção e habilidades humanas individu-
ais. Novamente a sociedade se reestrutura para o acúmulo de capital e, na Economia 3.0, o
capital financeiro se desvincula cada vez mais da economia real no século XX20
resultado da
relativamente fácil mobilidade do capital financeiro (mudança de proprietário e de local muito
rápida, i. e. transações financeiras globais) em conjunto com a limitação espacial do capital
humano e físico (dificuldade de deslocamento de bens físicos, como fábricas, e mão-de-obra)
(SCHARMER, 2014). Desse modo, devido às transações bancárias, juros compostos, especu-
lações, entre outros, o capital financeiro tende a crescer exponencialmente, enquanto o capital
físico tende à degradação por sua limitação de mobilidade, tempo de uso e finitude. Assim, a
economia real deixa de receber investimentos frente à preferência por investimentos no capi-
tal financeiro e não consegue operar e crescer para atender determinados setores, como o so-
cial.
Na transição da Economia 3.0 para a 4.0, o capital tem o dever de, por meio de investimentos,
“impulsionar o processo transformativo da criação de valor” (SCHARMER, 2014, p. 104).
Assim, o capital se tornará ciente das externalidades que cria. No mais, no estágio 4.0, o di-
nheiro não deve ser mais tratado como uma commodity regulada, mas sim ser um possibilita-
dor intencional da concretização da criatividade e das ações empreendedoras em comunida-
des. Assim, o dinheiro e o capital 4.0 seriam vetores da economia para criar externalidades
positivas locais, permitindo a criação de produtos e serviços que atendem as reais necessida-
des regionais preferencialmente por meio do empreendedorismo. Dessa forma, a economia
ecossistêmica criativa deverá garantir o reinvestimento do dinheiro e do capital financeiro em
20
Valores das transações de cambio internacionais (capital financeiro) chegam a ser 75 vezes maiores (ordem de
US$ 1,5 quadrilhão) que o valor das transações do comércio real internacional (SCHARMER, 2014).
61
outras formas de capital não monetários, como o capital natural, humano, social e cultu-
ral/criativo.
Tecnologia
Para que haja criação de valor nas atividades econômicas, há necessidade de aplicação do
conhecimento e de ferramentas (tecnologias) para transformar processos. No estágio 0.0, a
tecnologia era a sabedoria dos povos de controlar a natureza. Na evolução para o estágio 1.0,
há a criação de ferramentas para aprimorar as atividades humanas exercidas fisicamente com
o próprio corpo. No estágio 2.0, ferramentas evoluem para maquinários, como motores à va-
por, máquinas têxteis, metalúrgicas e linhas de produção, para desenvolvimento e aceleração
das mais diversas atividades da indústria por meio da implementação da energia e de sistemas
automatizados. Ao transacionar para a Economia 3.0, o homem desenvolve a indústria quími-
ca e as tecnologias giram em torno do motor à combustão, da energia proveniente do petróleo
e da automação de fábricas por meio de algoritmos, que vem a substituir o capital humano.
A Tecnologia 4.0 passa a empoderar experiências humanas individuais e coletivas e por meio
da conscientização dos indivíduos. As novas tecnologias da informação e comunicação (TICs)
permitem duplicar e estender funções cognitivas e comunicativas da sociedade, fortalecendo
conexões e fluxos de comunicação entre pessoas, pessoas-máquinas e máquinas-máquinas.
Outro fator a ser endereçado rumo à Economia 4.0 é reconectar os investimentos em pesquisa
e desenvolvimento às reais necessidades sociais, sem que sejam motivados por lucratividade
ou decisões políticas. E por fim, a Terceira Revolução Industrial deve fomentar o processo
criativo e evitar que os usuários se tornem receptores passivos, que inibirá a produção de cria-
tividade e, consequentemente, a geração de capital. Exemplos de tecnologias 4.0 criativas são
plataformas de opensourcing, onde usuários podem contribuir ativamente para a criação de
determinada ferramenta de forma aberta e online.
Liderança
Um líder deve identificar, perceber e concretizar o futuro. Scharmer (2014) expõe que a estru-
tura do corpo social coletivo na qual a liderança é exercida mudou ao longo dos estágios da
Matriz da Evolução Econômica. Na Economia 0.0, a liderança era comunitária e, ao evoluir
para a Economia 1.0, a estrutura abaixo do líder passa a ser hierárquica e autoritária, onde o
líder concentra o poder e exerce seu autoritarismo por meio de punições ou “chicotes”. No
estágio 2.0, a estrutura da liderança passa a ser dividida em diversas pirâmides hierárquicas e
independentes por meio da competição descentralização causada pelo segundo ator do siste-
62
ma, o mercado. Já na Economia 3.0, a estrutura da liderança passa a ser mais participativa,
com a colaboração de diversos grupos de interesse que negociam e dialogam entre si.
O sistema atual já opera no modelo 4.0 – o mundo “eco” –, com ecossistemas globais, entre-
tanto, a liderança ainda opera no estagio 2.0, com pensamento egocêntrico e conscientização
limitada. A liderança e os indivíduos não estão preparados para lidar com ecossistemas glo-
balmente interdependentes, visto que ainda operam em nível institucional e não global. Desse
modo, a liderança precisa expandir sua consciência e passar a operar de modo ecocêntrico,
incluindo principalmente o modo de escuta adequado para criar e comunicar uma visão conec-
tada com o todo e com a realidade. Assim, lideres poderão escutar, ver e compreender a situa-
ção atual, trazendo todos os stakeholders para participação nesse processo de compartilha-
mento e diálogo. Para isso, se deve fazer o uso de ferramentas de cossensibilização – para que
todo o sistema possa pensar e agir junto sobre os problemas a serem enfrentados – e de espa-
ços para prototipar e explorar o futuro que emerge, produzindo assim resultados desejados e
conscientes. Esse ambiente permite que a liderança 4.0 tenha capacidade de ajudar todo o
ecossistema e indivíduos a verem e criarem sentido (cossensibilização), a se conectarem com
a fonte (coinspiração) e a prototiparem novas possibilidades (cocriação) (SCHARMER,
2014).
Consumo
Scharmer (2014, p.126) cita que “o propósito definitivo de uma economia é atender as neces-
sidades de seus membros”. Desse modo, da mesma forma que sem os recursos naturais não
seria possível criar produtos por meio da transformação da matéria prima, de nada valeria a
criação de valor sem o consumo dos mesmos produtos. O consumo no estágio 0.0 era baseado
na sobrevivência, atendendo às necessidades imediatas da população local. A revolução agrí-
cola do estágio 1.0 torna a produção mais metódica e intencional, abrindo possibilidades para
maior consumo, geração de estoque e atendimento de necessidades futuras. Tal fato é acentu-
ado na Economia 2.0, que leva à produção e consumo em massa, com a incorporação de pu-
blicidades, estratégias e design de produtos. A Economia 3.0, por sua vez, aprimora esses fa-
tores e incorpora o marketing e o branding à administração de produtos, levando ao consu-
mismo global, desenfreado e sem precedentes (SCHARMER, 2014). Entretanto, surgem tam-
bém mecanismos de defesa do consumidor, regulamentações, entre outros meios para prote-
ção dos interesses dos consumidores.
63
Scharmer (2014) defende que o primeiro aspecto da Economia 3.0 a ser combatido rumo à
Economia 4.0 referente ao consumo é o fato de que as necessidades dos clientes finais não ser
o que dita a produção, e sim a criação de um falso sentimento de necessidade dele, causando
uma desconexão sistêmica. No sistema atual, o consumidor é alvo da atividade econômica e
campanhas de marketing, e não parceiro e motivo delas. Assim, a criação de valor do estagio
4.0 deveria ser marcada pelo posicionamento do consumidor e suas necessidades no inicio da
produção, o que tornaria o processo muito mais transparente, inclusivo e com diálogo, e mi-
nimizaria externalidades negativas. Outra tendência para o consumo 4.0 é a transição da cons-
cientização egossistêmica para a ecossistêmica, onde o consumidor repensa seus hábitos de
consumo para gerar o bem-estar de todos, e não só seu próprio, de maneira coletiva, conscien-
te e intencional. Exemplos são boicote de algumas marcas, priorização de produtos locais ou
menos agressivos ao menos ambiente, entre outras iniciativas. E por fim, para que a transição
para o consumo 4.0 seja efetivo, é necessário desvincular a necessidade de compra e de deten-
ção de bens e produtos do conceito de bem-estar.
Coordenação
Com a evolução da sociedade, a divisão de trabalho (seja por meio de processos ou divisão
geográfica – local, regional e global) se tornou o modo mais produtivo para atender às neces-
sidades crescentes do mercado. Entretanto, tal divisão dificulta a observação do todo e do
contexto em constante mudança. A coordenação no estágio 0.0 era realizada em nível de co-
munidade, enquanto no estágio 1.0, a coordenação das atividades era feita a nível hierárquico,
com planejamento e economia centralizada. Já no estágio 2.0, a coordenação era guiada pelo
mercado e pela competição, principalmente devido à ascensão do mercado liberal e na Eco-
nomia 3.0, a negociação e o diálogo tomam conta da coordenação entre os diferentes grupos
de interesse, criando uma rede para diálogos e estabelecimento de normas.
Rumo a Coordenação 4.0, é importante desmistificar que a binaridade do sistema é a única
alternativa possível Scharmer (2014) – antagonismo capitalismo versus socialismo, mercados
versus governos. O modelo a Matriz da Evolução Econômica dá a possibilidade de realizar
390.625 interações e, assim, modelos não deveriam ser excludentes e sim garantir combina-
ções de diversas soluções. O que o autor chama de filosofia “ambos-e” deve ser implementa-
da, dando mais diversidade e resiliência ao sistema e garantir que os atores cooperem de ma-
neira conjunta e estreita, como por exemplo, a presença de governos, setor privado e socieda-
de civil. Outra característica importante da coordenação 4.0 é o fato de que uma economia,
diferentemente de uma empresa, deve ter uma liderança diferenciada, que se responsabiliza e
64
presta contas pelas externalidades, positivas e negativas, que gera. E por fim, é também dever
da coordenação criar um mecanismo que promova a capacidade do sistema de se sentir, se ver
e se regenerar – a ação coletiva baseada na conscientização (ACC) –, juntamente com a cria-
ção de ambientes que facilitem essa jornada do U de forma coletiva.
Posse
Segundo Scharmer (2014), a posse é resultado da combinação de dois fatores: conjunto de
direitos e conjunto de responsabilidades. Tais direitos evoluem de acordo com sua legitimida-
de, que por sua vez, é resultado do senso de equilíbrio justo entre os direitos e as responsabi-
lidades dos membros de determinada comunidade. Eles podem se fazer cumprir por meio de
medidas legais, incluindo direito e responsabilidade pelo acesso, utilização, administração,
exclusão e direito de venda (alienação) (SCHARMER, 2014). Na Economia 0.0, o direito de
posse era na forma comunal, de livre acesso, por meio do compartilhamento dos direitos, res-
ponsabilidades e recursos comuns com todos da comunidade. O estágio 1.0 passa a formalizar
direitos de posse, sendo estes atribuídos ao Estado, devendo-se garantir acesso público e, por
definição, seu consumo não deve prejudicar ou reduzir o benefício à outra pessoa. O estágio
2.0 traz à tona a propriedade privada, com bens excludentes e rivais que podem ser vendidos
no mercado. E, finalmente, o estágio 3.0 torna o sistema uma mescla entre posses privadas e
bens públicos.
Finalmente o direito de propriedade no estágio 4.0 é baseado no acesso compartilhado a servi-
ços e recursos comuns, com o objetivo de equilibrar os direitos de propriedade com o bem-
estar da sociedade. Scharmer (2014) afirma que há um crescente reconhecimento de que qual-
quer forma de posse privada deveria incluir as responsabilidades pelas externalidades negati-
vas geradas a stakeholders que podem ser afetados, o que ilustra a tendência ao acesso com-
partilhado e assunção de responsabilidades sob a propriedade. Parte do esgotamento dos re-
cursos naturais pelas economias anteriores é resultado da falta de direitos de propriedade
transparentes e que prestassem contas sobre a utilização demasiada dos recursos naturais es-
cassos. Barnes21
(2006 apud SCHARMER, 2014, p. 145) em seu livro “Capitalism 3.0” suge-
re a criação de uma terceira categoria de direitos de propriedade que é “capaz de estender os
direitos de propriedade públicos e privados existentes” e baseada nos recursos comuns. Desse
modo, os direitos de posse seriam institucionalizados por meio de trustes a fim de prestar con-
21
BARNES, P. Capitalism 3.0: a guide to reclaiming the commons by Peter Barnes. San Francisco: Berret-
Koehler, 2006. v.61.
65
tas a todos os stakeholders, presentes e futuros, e atuariam como administradores responsáveis
e éticos. No mais, Scharmer expõe ideias que vão no sentido de que o compartilhamento é a
tendência para um mundo mais transparente, “limpo, revigorante, urbano e pós-moderno”;
que atende às necessidades e dá experiências aos usuários, e não mais proprietários, sem acu-
mularem “tralhas” (SCHARMER, 2014, p. 146).
Com esse sistema evolutivo em mente, Scharmer (2014) identificou, ao longo da evolução da
sociedade, fatores que foram decisivos para o desenvolvimento dos estágios apresentados,
representando destaques e características essenciais à produção. Na Economia 0.0, o fator
crítico era a natureza, ponto crucial para a produção e sobrevivência na época. Em seguida, no
estágio 1.0, o trabalho, juntamente com os recursos naturais, se tornam um fator decisivo ao
desenvolvimento da sociedade tradicional. Além da natureza e trabalho, na Economia 2.0 o
capital industrial entra como outro grande ator fundamental para a prosperidade e aumento da
produção. E, por fim, no estágio 3.0, a tecnologia surge como o quarto fator de destaque para
a evolução da economia, ao lado das commodities reguladas, do trabalho como commodity
regulada e do capital financeiro. Entretanto, o autor relata que na Economia 4.0 todos os oito
fatores-chave são cruciais para o desenvolvimento de uma sociedade cocriativa e de conscien-
tização ecocêntrica, visto que podem representar gargalos à evolução econômica se não forem
devidamente endereçados.
Assim, pode-se resumir a evolução da Economia 3.0 para a 4.0, elucidando todos os fatores-
chave da Matriz da Evolução Econômica, na Figura 6 a seguir.
Figura 6: Evolução da Economia 3.0 para Economia 4.0.
Fonte: A autora.
66
~
Scharmer afirma que estamos produzindo resultados indesejados por estarmos desconectados
com o ambiente em nossa volta e com nossa sabedoria interior. Para começarmos a produzir
resultados positivos intencionalmente, seja na esfera do indivíduo, de organizações ou socie-
dade, é necessário que passemos por um processo de transformação e de elevação do nível de
consciência, chamado de processo de U. Por meio dele, somos capazes de atingir nosso nível
mais profundo de conexão e conhecimento interior, chamado de presencing. Ao passar por
esse processo, somos capazes de compreender o ambiente à nossa volta, de interiorizar as
demandas emergentes e prototipar ações conscientes que trarão resultados positivos e almeja-
dos.
Ao identificar as lacunas dos sistemas e classifica-las em divisores ecológicos, sociais e espi-
rituais-culturais, Scharmer desenvolve pontos de acupuntura que devem ser tratados, uma vez
que, atingido o limite desse fator-chave, a sociedade deve se reestruturar para um novo está-
gio de conscientização e organização dos atores.
O autor ainda identifica que, ao se reorganizar, a sociedade criar novos estágios de modelos
econômicos dentro do capitalismo, o que o faz estruturar a Matriz da Evolução Econômica de
acordo com os oito fatores-chave para o desenvolvimento. Segundo Scharmer (2014), nos
encontramos na transição da Sociedade e Economia 3.0 para a 4.0, onde expandimos nosso
nível de consciência ecossistêmico e centrado nos stakeholders para a consciência ecossistê-
mica. Nesse estágio, é possível enxergar os recursos naturais como elementos que precisam
ser preservados em prol do bem-estar comum, tornar o trabalho uma operação alavancada
pelo propósito do indivíduo e atender as necessidades reais da sociedade; construir lideranças
cocriativas, tecnologias centradas no humano, relações de consumo conscientes e ações de
coordenação coletivas e conscientes, além de mudar conceitos de posse e capital.
Entretanto, entende-se que tal afirmação pode não ser verdadeira para o contexto Brasileiro,
uma vez que apresentamos ainda fortes características que transacionam entre a Economia 2.0
e 3.0, como início da transação para automação centrada no sistema, consumo em massa, con-
cessão de incentivos, mercados e competição. Entretanto, já é possível observar alguns aspec-
tos que surgem da Economia 4.0 e conscientização ecossistêmica, como empreendedorismo,
surgimento de consumidores mais conscientes, tecnologias 4.0 e busca do uso de energias
renováveis e acesso compartilhado a serviços e recursos.
67
3. Desenvolvimento, resultados e discussão
Baseando-se no conceito de Whetten (2003), apresentou-se na Revisão Bibliográfica, sobre-
tudo, os “o quês” desta contribuição teórica. Assim, neste capítulo será desenvolvido o “co-
mo” a Economia Circular e a transição para a Economia Circular estão relacionadas e o “por
quê” a Economia Circular tem potencial para endereçar essa transição. Além disso, delimita-
se o escopo da ferramenta desenvolvida e propõe-se aplicações para tal, caracterizando o es-
copo da pesquisa – “quem-onde-quando”.
3.1. Relação entre os conceitos
Por Economia Circular entendeu-se que este é um conceito guarda-chuva transdisciplinar,
nascido de diversas escolas de pensamento datadas desde 1970 e que expõe que o sistema
linear atual de produção (extrair, produzir e descartar) não se sustenta em longo prazo. Dessa
forma, a Ellen MacArthur Foundation consolida diversas filosofias e escolas de pensamento
que apresentam grande contribuição para o conceito de Economia Circular: uma economia
regenerativa e restaurativa por princípio que garante que os produtos, materiais e componen-
tes tenham o mais alto nível de utilidade e valor o tempo todo (ELLEN MACARTHUR
FOUNDATION, 2013). Segundo Murray, Skene e Haynes (2017), o conceito de Economia
Circular é o esforço mais recente em integrar atividade econômica com bem-estar ambiental
de forma sustentável, e isso se dá por meio de planejamento, produção, extração de recursos e
design de produtos, gestão de matéria-prima e resíduos a fim de maximizar o valor de ecossis-
temas e satisfazer as necessidades da população.
Por meio das escolas e das características da Economia Circular é possível criar, intencional-
mente, modelos de negócios circulares, eliminando perdas e resíduos desde o início da con-
cepção do produto, criando resiliência por meio do estímulo à diversidade, utilizando de fon-
tes de energia renováveis, promovendo o pensamento sistêmico e mecanismos de feedback e
reaproveitando recursos.
Pode-se dizer, a priori, que a Economia Circular é uma iniciativa dentro de um sistema eco-
nômico que busca conscientemente e intencionalmente endereçar alguns dos pontos dos divi-
sores levantados por Scharmer (2010). Segundo Sukhdev (2012), as empresas são as institui-
ções mais relevantes atualmente, representando cerca de 70% da geração de empregos e apro-
ximadamente 60% do PIB global, tendo assim grandes responsabilidades sobre os impactos
ambientais, sociais e econômicos que geram. Dessa forma, Planing (2015) defende que um
68
dos exemplos clássico de inovação em empresas se da sob aspetos de Economia Circular, uma
vez que (PIGNEUR; OSTERWALDER, 2010) definem inovação em modelo de negócios
como “a criação de valor para companhias, consumidores e sociedade”. Para Murray, Skene e
Haynes (2017), a Economia Circular é um modo de conceituar e operacionalizar meios para
ecodesign, Produção mais Limpa, Ecologia Industrial, entre outros, para promover o desen-
volvimento regional e preservação natural. Entretanto, o autor afirma ainda haver limitações e
tensões para sua aplicação na área dos negócios.
A Economia Circular enxerga que o ritmo de extração de matéria-prima, o uso ineficaz dos
recursos nas indústrias e a alta geração e disposição de resíduos poderão ser os fatores limi-
tantes para o desenvolvimento econômico e bem-estar da população, como apontado pelo
autor. Assim, propõe modelos e ferramentas – como a ferramenta RESOLVE apresentada na
revisão bibliográfica – que abordam alguns dos elementos necessários para transacionar para
a Economia 4.0, endereçando principalmente questões tecnológicas, energéticas, de comparti-
lhamento de bens e também à extração de recursos naturais.
Ellen MacArthur Foundation (2015a) afirma que qualquer sistema que vê mais valor no con-
sumo do que na restauração dos recursos está fadado a grandes perdas na cadeia de valor, per-
dendo materiais do ciclo biológico e técnico, desperdiçando energia e trabalho e deixando de
agregar valor ao produto. Simultaneamente, como levantado por Scharmer (2014), as disrup-
turas e divisores levam a um estado de vazio interior, perda de sentido da vida e do trabalho,
desvio de princípios, desmotivação, descrença no sistema, entre outros sintomas, que têm co-
mo consequência a necessidade de preencher o vazio existencial por meio do consumo mate-
rial. Entretanto, essa atividade agrava e sobrecarrega o divisor ecológico, aumentando o fluxo
de matéria entre países menos desenvolvidos e desenvolvidos e, por conseguinte, agravando o
fator social e econômico. Em sumo, todos os fatores estão ligados e têm influências negativas
diretas.
Ao mesmo tempo em que a Economia Circular endereça as lacunas dos divisores ecológicos
por meio dos princípios 1) Preservar e aumentar o capital natural e 2) Otimizar a produção
de recursos fazendo com que produtos se mantenham no mais alto nível de utilidade, seu ter-
ceiro princípio apresenta alta sinergia com a ideia de Scharmer de que devemos elevar nosso
nível de consciência, tanto a nível individual quanto a nível de organizações e sociedade: di-
minuir a geração de externalidades negativas e aumentar e potencializar externalidades posi-
tivas do sistema de forma programada e intencional.
69
As externalidades negativas cresceram exponencialmente com a aceleração do consumo e
extração de recursos naturais (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2015a). Sistemas
lineares contribuem para a instabilidade e incerteza da economia global, ameaçam a produti-
vidade de indústrias, colocam países em situações de risco – por meio da perda de biodiversi-
dade, degradação do solo, exposição a mudanças climáticas, etc. –, poluem o meio ambiente,
fazem uso de sustâncias tóxicas e acabam com as reservas naturais. Esse conjunto de fatores
faz com que o sistema e tomadores de decisão percam o controle sobre sua influência no mer-
cado e as consequências negativas que isso pode vir a gerar para diferentes países. Isso con-
firma a atuação em silos e a falta de conexão da liderança para lidar com problemas globais
sistêmicos apontados por Scharmer (2010).
Como levantando em literatura, a European Commission (2014) reforça que é necessária a
participação de diferentes organizações da sociedade, do ramo da tecnologia, finanças e polí-
ticas, para que haja uma mudança sistêmica, inovadora e efetiva no sentido da implementação
da Economia Circular. Paralelamente, Scharmer também defende que para que a transição
rumo à Economia 4.0 seja concretizada, é crucial a participação de atores da sociedade civil,
setor público e privado, mas, mais importante que isso, é a integração dessas organizações
para resolução dos desafios que emergem no futuro.
Com isso em mente, acredita-se que a Economia Circular apresenta sim potencial para ajudar
na transição da Economia 3.0 para a 4.0, a princípio em aspectos como natureza, tecnologia,
consumo e posse (Figura 7). Isso se deve ao fato que, além de endereçar em primeira mão a
escassez dos recursos naturais com soluções de ciclo fechado (relacionado aos limites da natu-
reza), ela ainda propõe tecnologias de produção com energias renováveis, mudança de hábitos
de consumo e mudança do conceito de posse de produtos para utilização de serviços, entre
outras abordagens, que estão direta ou indiretamente relacionadas aos fatores-chave na Evolu-
ção Econômica.
Desse modo, a fim de validar essa proposição, o trabalho dispõe da criação de uma ferramenta
para, primeiro, identificar os pontos a serem endereçados – levantados na literatura de Schar-
mer (2010, 2014) – para que haja efetiva transição da Economia 3.0 para a 4.0. Em seguida,
busca-se avaliar quais desses pontos podem ter potencial contribuição da Economia Circular –
exemplificando-os teoricamente – e quais pontos devem ser endereçados por outras inovações
institucionais a fim de intensificar a transição para a Economia 4.0 e garantir que esta seja
completa.
70
Figura 7: A Economia Circular como elemento de transição para a Economia 4.0.
Fonte: A autora.
71
3.2. Pontos a serem endereçados rumo à Economia 4.0
Como parte da metodologia, busca-se avaliar as principais características da Economia 3.0 e
da Economia 4.0, observando pontos que devem ser endereçados para cada um dos fatores-
chave e, assim, consolidá-los em uma matriz. Tais pontos foram levantados ao longo da revi-
são bibliográfica da Evolução dos Sistemas Econômicos, principalmente durante a leitura do
livro “Liderar a partir do futuro que emerge: A evolução do sistema econômico egocêntrico
para o ecocêntrico” (SCHARMER, 2014). O autor Scharmer (2014, p.83) levanta os seguintes
questionamentos para cada um dos fatores-chave das Economias a fim de orientar a discussão
da Economia 3.0 rumo à Economia 4.0:
1. Natureza: Como repensar a economia e a natureza partindo da mentalidade
do “pegar, fazer e jogar” até chegar a um design integrado de ciclo fechado no qual
tudo o que retiramos do planeta é retornado com a mesma qualidade ou até com uma
qualidade superior?
2. Trabalho: Como podemos voltar a vincular o trabalho – a profissão que esco-
lhemos – ao Trabalho – aquilo que adoramos fazer?
3. Capital: Como podemos voltar a associar a economia financeira com a eco-
nomia real reciclando o capital financeiro para promover e cultivar os recursos co-
muns ecológicos, sociais e culturais?
4. Tecnologia: Como podemos proporcionar um amplo acesso às tecnologias
essenciais da Terceira Revolução Industrial, combinando a tecnologia da informa-
ção, a energia regenerativa, e as tecnologias sociais para promover a criatividade in-
dividual e coletiva?
5. Liderança: Como podemos desenvolver uma capacidade de liderança coletiva
para inovar no âmbito do sistema como um todo?
6. Consumo: Como podemos reequilibrar o campo econômico de atuação para
que os consumidores possam se engajar no consumo colaborativo e consciente e
atuar como parceiros igualitários em uma economia voltada para promover o bem-
estar de todos?
7. Coordenação: Como podemos dar um fim à guerra das partes contra o todo
mudando o modo de consciência da conscientização egossistêmica à ecossistêmica?
8. Posse: Quais inovações nos direitos de propriedade poderiam dar voz as ge-
rações futuras e facilitar as melhores utilizações sociais dos recursos comuns escas-
sos?
Com isso, desenvolveu-se a “Matriz de pontos a serem endereçados rumo à Economia 4.0”,
produto desse trabalho e apresentada no Quadro 3, que orientará a avaliação qualitativa do
72
potencial da Economia Circular como elemento auxiliador para transição para a Economia
4.0.
Como recomendação de trabalho futuros, primeiramente destaca-se a necessidade de mais
desenvolvimento científico em torno do conceito de Economia Circular, como já citado em
literatura, e também Teoria U e Evolução dos Sistemas Econômicos, buscando e consolidando
evidências para enquadramento do atual estágio de consciência da sociedade no Brasil. No
mais, é também necessária a validação dessa ferramenta em casos reais de aplicação do mode-
lo de Economia Circular em organizações, visto que isso não compunha o escopo deste traba-
lho teórico. E por fim, cabe observar e aplicar a ferramenta a outras inovações organizacionais
e iniciativas que possam vir a contribuir e potencializar a transição rumo à Economia 4.0.
Desse modo, identifica-se possibilidades e ações complementares que tem potencial de auxili-
ar a sociedade e economia a operarem de forma mais consciente, ecocêntrica e cocriativa,
produzindo resultados intencionalmente positivos e benéficos para todos.
Ressalta-se que a ferramenta foi desenvolvida de forma teórica e sua aplicação deve ser con-
textualizada e embasada de acordo com o país, situação econômica e entre outras característi-
cas que podem diferir em resultados quando aplicada em outras circunstâncias.
73
Quadro 3: Matriz de pontos a serem endereçados rumo à Economia 4.0.
Fatores-chave Economia 3.0 Pontos a serem endereçados rumo à Economia 4.0 Economia 4.0
1. Natureza Commodities
reguladas
1.1. Transformar a cadeia de uso dos recursos naturais em um processo circular, e não linear
1.2. Deixar de considerar os recursos naturais como commodities
1.3. Basear a criação dos processos econômicos nos processos naturais (resíduo zero, energia solar, diversidade e
simbiose)
1.4. Designs de ciclo fechado
Ecossistema e
recursos comuns
2. Trabalho Trabalho (com-
modity regulada)
2.1. Reconectar o trabalho com o propósito
2.2. Fomentar o empreendedorismo
2.3. Criar espaços e mecanismos capacitadores para inovação
2.4. Propor desafios para a aprendizagem
2.5. Implantação de uma comunidade global em rede para criação coletiva de protótipos para a Sociedade 4.0
Empreendedo-
rismo social e
privado
3. Capital Capital financeiro
(cego a externali-
dades)
3.1. Uso do dinheiro para fomentar a criatividade a fim de gerar capital e criar valor
3.2. Garantir o reinvestimento do dinheiro e do capital financeiro em outras formas de capital não-monetárias:
capital humano, natural, social e cultural/criativo
Capital Criativo
4. Tecnologia Automação cen-
trada no sistema
4.1. Empoderar as experiências humanas individuais e coletivas e por meio da conscientização dos indivíduos
4.2. Criar um processo profundo de transformação de mentalidade e conscientização para que então as tecnologi-
as possam resolver efetivamente os problemas atuais
4.3. Reconectar os investimentos em pesquisa e desenvolvimento às reais necessidades sociais
4.4. Criar tecnologias que fomentem o processo criativo
4.5. Incentivar o uso de energia renovável e Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs)
Tecnologia cen-
trada no humano;
Energia renová-
vel; TICs
74
Quadro 3: Matriz de pontos a serem endereçados rumo à Economia 4.0 (continuação)
Fatores-chave Economia 3.0 Pontos a serem endereçados rumo à Economia 4.0 Economia 4.0
5. Liderança Participativa
(normas)
5.1. Desenvolver um novo método de escuta que conecte o indivíduo com a realidade atual
5.2. Usar ferramentas de cocriação e criação de espaços de prototipagem para ajudar todo o ecossistema e indiví-
duos a verem e criarem sentido (cossensibilização), a se conectarem com a fonte (coinspiração) e a prototiparem
novas possibilidades (cocriação)
Cocriativa (pre-
sença coletiva)
6. Consumo Consumo consci-
ente seletivo
6.1. Posicionar o consumidor no início do processo produtivo para atender suas necessidades
6.2. Cocriar hábitos de consumo conscientes, coletivos e intencionais
6.3. Desvincular o conceito de bem-estar do consumo de produtos
Consumo consci-
ente colaborativo
(CCC)
7. Coordenação Redes de negocia-
ção
7.1. Implementar a filosofia “ambos-e”, dando mais diversidade e resiliência ao sistema e garantindo que os ato-
res cooperem de maneira conjunta e estreita
7.2. Liderança econômica deve prestar contas de suas externalidades positivas e negativas
7.3. Criar um mecanismo de coordenação e ambientes que permitam a ação coletiva baseada na conscientização e
no coletivo
Ação coletiva
baseada na cons-
cientização (ACC)
8. Posse Mista (pública e
privada)
8.1. Posse privada deveria incluir as responsabilidades externalidades negativas geradas a stakeholders que po-
dem ser afetados
8.2. Institucionalização dos direitos de posse por meio de trustes a fim de prestar contas a todos os stakeholders
8.3. Priorização do uso compartilhado à posse
Acesso comparti-
lhado a recursos
comuns
Fonte: Adaptado de Scharmer (2014).
75
3.3. A Economia Circular como elemento de transição para a Economia 4.0
A seguir, estuda-se a contribuição teórica e ideal da Economia Circular ponto a ponto na ma-
triz elaborada, sob a ótica dos oito fatores-chave da Economia 4.0. Tal abordagem foi feita
observando as características, princípios e evidências encontrados durante a revisão bibliográ-
fica de Economia Circular.
Natureza
A Economia Circular toca três dos quatro pontos necessários para a transição rumo ao estágio
4.0 de relação com a Natureza, como pode ser observado a seguir no Quadro 4.
Quadro 4: A Economia Circular como elemento de transição para a Natureza 4.0.
Fatores-chave Pontos a serem endereçados rumo
à Economia 4.0
Economia
Circular Evidências
Natureza 4.0
Ecossistema e
recursos comuns
1.1. Transformar a cadeia de uso dos
recursos naturais em um processo
circular, e não linear
1.1. Sim 1.1. Princípio básico da Economia
Circular
(ELLEN MACARTHUR
FOUNDATION, 2015a)
1.2. Deixar de considerar os recursos
naturais como commodities
1.2. Não 1.2.
(DICIONÁRIO MICHAELIS,
2018; SCHARMER, 2014)
1.3. Basear a criação dos processos
econômicos nos processos naturais
(resíduo zero, energia solar, diversi-
dade e simbiose)
1.3. Sim 1.3. Características da Economia
Circular; Biomimética
(BIOMIMICRY INSTITUTE,
2018; ELLEN MACARTHUR
FOUNDATION, 2017b;
KORHONEN; HONKASALO;
SEPPÄLÄ, 2018; LOWE;
EVANS, 1995; MURRAY;
SKENE; HAYNES, 2017;
PAULI, 2018)
1.4. Designs de ciclo fechado 1.4. Sim 1.4. Eliminação de desperdícios
desde o princípio; Cradle to
Cradle.(ELLEN MACARTHUR
FOUNDATION, 2013a; LOWE;
EVANS, 1995; MCDONOUGH;
BRAUNGART, 2002)
Fonte: A autora.
76
O princípio básico da Economia Circular é a proposição de uma cadeia circular, onde os re-
cursos naturais são mantidos em seu mais alto nível de utilidade e valor de na cadeia produti-
va. Desse modo, é possível recuperar e regenerar os nutrientes biológicos e técnicos, reintro-
duzindo-os na cadeia e aumentando sua disponibilidade para outros fins, tornando a produção
e o uso dos produtos um processo circular, endereçando claramente o ponto 1.1.
A discussão sobre o ponto 1.2 torna-se complexa uma vez que Scharmer (2014, p. 87) é preci-
so quando define commodities como “produtos produzidos para o mercado com a finalidade
de ser consumido” – o que consequentemente exclui os recursos naturais da definição de
commodity, visto que estes não são produzidos pelo homem e não deveriam ser consumidos.
Assim, Scharmer defende que, para que seja possível transacionar para a Economia 4.0, o
ecossistema e os recursos naturais devem ser bens comuns e compartilhados, não devendo
estar inclusos no debate de commodities.
Por outro lado, o Dicionário Michaelis (2018) define commodity como:
1. Mercadoria em estado bruto ou produto básico de grande importância no comér-
cio internacional, como café, cereais, algodão etc., cujo preço é controlado por bol-
sas internacionais.
2. Qualquer produto em estado bruto relativo à agropecuária ou à extração mineral
ou vegetal, de produção em larga escala mundial, dirigido para o comércio interna-
cional.
Portanto, percebe-se que os recursos naturais podem ou não ser definidos como commodities
e, entretanto, não foi encontrada uma definição de commodity por parte do conceito de Eco-
nomia Circular da Ellen MacArthur Foundation. Essa se refere diversas vezes aos recursos
naturais e seus derivados como commodities, chamando atenção para a volatilidade dos preços
das commodities, necessidade de regulação dos mesmos, produção e introdução de novas
commodities por meio da matéria proveniente da digestão anaeróbia, entre outros. Desse mo-
do, conclui-se que, diferentemente do conceito de Scharmer, a Economia Circular enxerga os
recursos naturais como commodities, mas coloca ponderações e sugere regulamentações e
recomendações para que seu consumo seja mais controlado e menos prejudicial para o meio
ambiente e economia.
As características da Economia Circular, apresentadas no tópico 2.1.2 abordam o ponto 1.3 a
ser endereçado rumo à Natureza 4.0. A Economia Circular estimula a diversidade para a cria-
ção de resiliência, defende o uso de energias renováveis para o processo de produção, exige
77
um pensamento sistêmico para resolução de problemas complexos e tem como objetivo proje-
tar produtos resíduo-zero e, caso haja produção de resíduos, este deve ser incorporado em
outro processo (BIOMIMICRY INSTITUTE, 2018; ELLEN MACARTHUR
FOUNDATION, 2017b; KORHONEN; HONKASALO; SEPPÄLÄ, 2018; LOWE; EVANS,
1995; MURRAY; SKENE; HAYNES, 2017; PAULI, 2018). A escola de pensamento de Bi-
omimética aborda exatamente este ponto levantado por Scharmer para transacionar para o
estágio 4.0, baseando-se na experiência da natureza e nos processos naturais para criar proces-
sos econômicos de sucesso (BIOMIMICRY INSTITUTE, 2018).
E por fim, o item 1.4 também é um tópico que a Economia Circular endereça rumo à Natureza
4.0, quando, em suas características, defende que as perdas devem ser excluídas desde o prin-
cípio do projeto e que “waste is food”, eliminando desperdícios (KORHONEN;
HONKASALO; SEPPÄLÄ, 2018; LOWE; EVANS, 1995; MCDONOUGH; BRAUNGART,
2002). Assim, a Economia Circular projeta e aconselha que, desde o princípio, componentes
de produtos sejam reintroduzidos em outras cadeias, fechando assim o ciclo. Outra escola de
pensamento que deu origem à Economia Circular e aborda exatamente o conceito de design
de ciclo fechado é o Cradle to Cradle.
Trabalho
A Economia Circular, em geral, não aborda a questão do trabalho sob a ótica da Economia 4.0
– empreendedorismo social e privado (Quadro 5). De acordo com a literatura levantada, não
encontrou-se evidências de a Economia Circular tem como objetivo criar relações de recone-
xão do trabalho com o propósito, criar espaços e mecanismos para inovação e nem propor
desafios para aprendizagem em conjunto que tangem o contexto de trabalho com propósito de
acordo com o modelo proposto por Scharmer (2014). Entretanto, como consequência de ações
da Economia Circular, esta pode criar ambientes favoráveis a tais práticas, como observado
em Korhonen, Honkasalo e Seppälä (2018).
Por outro lado, uma escola de pensamento ligada à Economia Circular busca implementar
uma comunidade global em rede para criação coletiva de protótipos que possam apoiar a tran-
sição para uma Sociedade 4.0. Como levantado na revisão de literatura, a plataforma Blue
Economy busca consolidar estudos de caso e incentivar investimentos, empreendedores e so-
luções locais em Economia Circular, criando uma rede colaborativa para solucionar desafios
globais e fomentar protótipos rumo a uma Sociedade e Economia 4.0 baseada na Economia
Circular, abordando o ponto 2.5 (PAULI, 2016, 2018).
78
Quadro 5: A Economia Circular como elemento de transição para o Trabalho 4.0.
Fatores-chave Pontos a serem endereçados rumo à Economia
4.0
Economia
Circular Evidências
Trabalho 4.0
Empreendedorismo
social e privado
2.1. Reconectar o trabalho com o propósito 2.1. Não 2.1.
2.2. Fomentar o empreendedorismo 2.2. Não 2.2.
2.3. Criar espaços e mecanismos capacitadores
para inovação
2.3. Não 2.3.
2.4. Propor desafios para a aprendizagem 2.4. Não 2.4.
2.5. Implantação de uma comunidade global em
rede para criação coletiva de protótipos para a
Sociedade 4.0
2.5. Sim 2.5. Blue Econo-
my (PAULI,
2016)
Fonte: A autora.
Capital
O Quadro 6 evidencia a falta de vínculo concreto da Economia Circular com o Capital 4.0:
Quadro 6: A Economia Circular como elemento de transição para o Capital 4.0.
Fatores-chave Pontos a serem endereçados rumo à Economia
4.0
Economia
Circular Evidências
Capital 4.0
Capital Criativo
3.1. Uso do dinheiro para fomentar a criatividade
a fim de gerar capital e criar de valor
3.1. Não 3.1.
3.2. Garantir o reinvestimento do dinheiro e do
capital financeiro em outras formas de capital
não-monetárias: capital humano, natural, social e
cultural/criativo
3.2. Não 3.2.
Fonte: A autora.
Da mesma forma que acontece no Trabalho 4.0, pode-se dizer que a Economia Circular não
apresenta ações concretas para estimular a transição para o Capital 4.0. Porém, alguns resulta-
dos de iniciativas de Economia Circular, como descrito por Sung (2015) em sua revisão sobre
Upcycling, podem ter consequências indiretas que alavancam a busca para o Capital Criativo,
como: incentivo à criatividade por meio do design de produtos inovadores e que agregam va-
lor a seus componentes, tendo em mente a reinserção dos mesmos na cadeia produtiva (3.1);
investimentos e retorno de capital para produção e comunidade locais por meio de ciclos fe-
chados menores, aumentando a reutilização, renovação e reciclagem e evitando a internacio-
nalização da cadeia de produção (3.2).
79
Tecnologia
A seguir, o Quadro 7 apresenta a contribuição da Economia Circular como elemento de tran-
sição para a Tecnologia 4.0.
O papel da Economia Circular em criar tecnologias centradas no ser humano não é tão eviden-
te, mas está fortemente ligado a seus princípios. Se olhado a fundo, todos os princípios bus-
cam mudar a forma que o ser humano idealiza, produz e se relaciona com os recursos naturais
e produtos por meio da mudança de mentalidade. Esta mudança de mindset deve estar presen-
te tanto no começo quanto no final da cadeia produtiva, ou seja, na contribuição para o design
de produtos e também ao enxergar valor na recuperação, remanufatura e reciclagem dos com-
ponentes.
Os dois primeiros princípios da Economia Circular apoiam o ponto 4.2 para a transição para a
Tecnologia 4.0, onde, a partir da conscientização dos stakeholders envolvidos no ciclo de vida
do produto (produtores, vendedores, consumidores, recicladores, entre outros), vê-se necessá-
rio o desenvolvimento de tecnologias que permitem a recuperação do valor agregado nos
componentes e materiais dado à crescente escassez dos recursos naturais (ELLEN
MACARTHUR FOUNDATION, 2013a; MCDONOUGH; BRAUNGART, 2002). Em outras
palavras, com o crescente consumo e extração de recursos naturais, a sociedade toma consci-
ência do valor agregado aos produtos que seriam descartados, sendo suportados por princípios
da Economia Circular, e desenvolve tecnologias para resolver o problema de recuperação des-
ses produtos. Além de começar a desenvolver tecnologias para desenhá-los sem desperdícios.
O princípio três da Economia Circular – estimular a efetividade do sistema revelando e exclu-
indo as externalidades negativas desde o princípio – está mais ligado ao ponto 4.3., uma vez
que este busca tornar os sistemas efetivos e analisa a real necessidade de um produto, propon-
do eventualmente sua substituição por um serviço. Assim, a Economia Circular consegue en-
dereçar a Tecnologia 4.0 direcionando investimentos em pesquisa e desenvolvimento às reais
necessidades sociais, propondo a criação de serviços compartilhados para atender algumas
necessidades sem existir obrigatoriamente a posse de um produto para satisfação da mesma,
buscando entender fluxos que potencializem e tornem processos dentro e entre indústrias, por
exemplo (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2013a; KORHONEN; HONKASALO;
SEPPÄLÄ, 2018; LOWE; EVANS, 1995).
80
Quadro 7: A Economia Circular como elemento de transição para a Tecnologia 4.0.
Fatores-chave Pontos a serem endereçados rumo à Eco-
nomia 4.0
Economia
Circular Evidências
Tecnologia 4.0
Tecnologia cen-
trada no humano;
Energia renová-
vel; TICs
4.1. Empoderar as experiências humanas indi-
viduais e coletivas e por meio da conscientiza-
ção dos indivíduos
4.1. Não 4.1.
4.2. Criar um processo profundo de transfor-
mação de mentalidade e conscientização para
que então as tecnologias possam resolver
efetivamente os problemas atuais
4.2. Sim 4.2. Conscientização
de todos os stakehol-
ders envolvidos no
ciclo de vida do produ-
to (ELLEN
MACARTHUR
FOUNDATION,
2013a;
MCDONOUGH;
BRAUNGART, 2002)
4.3. Reconectar os investimentos em pesquisa
e desenvolvimento às reais necessidades soci-
ais
4.3. Sim 4.3. Busca da efetivi-
dade dos produtos
(ELLEN
MACARTHUR
FOUNDATION,
2013a; KORHONEN;
HONKASALO;
SEPPÄLÄ, 2018;
LOWE; EVANS,
1995)
4.4. Criar tecnologias que fomentem o proces-
so criativo
4.4. Não 4.4.
4.5. Incentivar o uso de energia renovável e
Tecnologias da Informação e Comunicação
(TICs)
4.5. Sim 4.5. Uso de energia
renovável nos proces-
sos e alguns elementos
de TICs (ELLEN
MACARTHUR
FOUNDATION,
2015a; KORHONEN;
HONKASALO;
SEPPÄLÄ, 2018;
LOWE; EVANS,
1995)
Fonte: A autora.
81
Em relação à criação de tecnologias que fomentem o processo criativo, a Economia Circular
não apresenta iniciativas concretas que vão nesse sentido. Entretanto, a necessidade de mu-
dança no design de produtos por estimular indiretamente esta contribuição rumo à Economia
4.0. E por fim, a característica mais evidente de relação da Economia Circular com a Tecno-
logia 4.0 é a fomentação do uso de energia renovável nos processos produtivos, aplicando a
característica “waste is food”, no caso de digestão anaeróbia para produção de energia, ou
implementando energias renováveis (eólica, hídrica, solar, etc.) para garantir a resiliência do
sistema e aproveitar a disponibilidade desses recursos com sabedoria (ELLEN
MACARTHUR FOUNDATION, 2015a; KORHONEN; HONKASALO; SEPPÄLÄ, 2018;
LOWE; EVANS, 1995).
Ellen MacArthur Foundation (2015b) ainda destaca que as tecnologias de informação e novas
tecnologias no ramo da indústria podem alavancar a aplicação do modelo econômico de Eco-
nomia Circular em larga escala. Isso se dá por meio do compartilhamento de informação efi-
ciente e rápido, da geração de dados de forma colaborativa, possibilidade de rastreamento de
materiais e consequente controle da logística reversa, entre outros. A tecnologia tem propor-
cionado novos modelos de negócios e escalabilidade que não eram possíveis há alguns anos
atrás, como compartilhamento de produtos, virtualização de materiais, logística reversa, ras-
treamento de materiais, entre outros. Porém, tal implementação dependerá da mudança de
comportamento do consumidor (PLANING, 2015) e elevação do seu nível de consciência.
Assim, é possível dizer que a Tecnologia 4.0 também será uma grande facilitadora da imple-
mentação da Economia Circular, e não só a Economia Circular será um elemento que auxilia
na transição para a Tecnologia 4.0.
Liderança
Na revisão de literatura do presente trabalho também não foram encontradas evidências de
que a Economia Circular influencie os processos necessários para a mudança rumo à Lideran-
ça Cocriativa na Economia 4.0 segundo os moldes de liderança apresentador por Scharmer
(2014) (Quadro 8).
Entretanto, a Ellen MacArthur Foundation realiza conferências internacionais em torno de
debates sobre o modelo econômico de Economia Circular e como implementá-lo da melhor
forma nos órgãos e empresas parceiros (e.g. Summit organizado pela Ellen MacArthur
82
Foundation em 201722
; workshops de aceleração do grupo CE10023
). Tais fóruns influenciam
a liderança internacional para criação de novas soluções em Economia Circular e provocam
reflexões e debates em torno do tema, mas não seguem o modelo proposto para atingir a lide-
rança cocriativa de Scharmer, visto que não foram identificadas presença de ferramentas de
cocriação e espaços de prototipagem e desenvolvimento de métodos de escuta com a realidade
atual.
Quadro 8: A Economia Circular como elemento de transição para a Liderança 4.0.
Fatores-
chave
Pontos a serem endereçados rumo à Economia 4.0 Economia
Circular Evidências
Liderança 4.0
Cocriativa
(presença
coletiva)
5.1. Desenvolver um novo método de escuta que o
conecte com a realidade atual
5.1. Não 5.1
5.2. Usar ferramentas de cocriação e criação de espaços
de prototipagem para ajudar todo o ecossistema e indi-
víduos a verem e criarem sentido (cossensibilização), a
se conectarem com a fonte (coinspiração) e a prototipa-
rem novas possibilidades (cocriação)
5.2. Não 5.2.
Fonte: A autora.
Consumo
A Economia Circular, apesar de ser mais focada no processo criativo e produtivo de bens, tem
importante reflexo na relação consumidor-produto ou consumidor-serviço e, indiretamente,
provoca hábitos de consumo que podem influenciar modos de consumo consciente colabora-
tivo na Economia 4.0 (Quadro 9). Como apontado por Korhonen, Honkasalo e Seppälä
(2018), uma nova cultura de consumo é crucial para reduzir os insumos de matéria-prima e
energia do modelo linear.
Apesar de parte do relatório de Brundland convidar sociedade e empresas para adotarem uma
abordagem holística em relação a questões de consumo (MURRAY; SKENE; HAYNES,
2017), Korhonen, Honkasalo e Seppälä (2018) não apontam a mudança de hábitos dos con-
sumidores (ponto 6.2) como um objetivo da Economia Circular dentre os objetivos ambien-
tais, sociais e econômicos para promover o desenvolvimento sustentável. O consumo consci-
22
2017 Summit by the Ellen MacArthur Foundation. Disponível em
<https://www.ellenmacarthurfoundation.org/summit>. Acessado em 11/4/2018. 23
CE100 Brazil é um programa que busca fornecer ferramentas, meios de suporte e interação entre empresas
para facilitar o processo de implementação da Economia Circular no mercado. Disponível em:
<https://www.ellenmacarthurfoundation.org/news/ellen-macarthur-foundation-launches-ce100-brazil>. Acessado
em 11/4/2018.
83
ente acaba sendo uma consequência de todo um projeto e design de produto que culmina no
uso prolongado do produto, na conscientização sobre o ciclo de vida e educação para seu reu-
so, remanufatura, reciclagem, entre outros. A Economia Circular por si só não apresenta práti-
cas concretas que buscam modificar o hábito do consumidor, mas, por meio da experiência e
uso do produto, pode ser que acarrete em futuros hábitos de consumo consciente. Sendo as-
sim, para que se atinja o consumo consciente colaborativo por meio da mudança de hábitos de
consumo, é necessário desenvolver um trabalho robusto e concreto em torno do tema. Planing
(2015) chama atenção para o fato de que fornecer somente informações racionais sobre o de-
sempenho econômico e ecológico do produto não serão suficientes para mudar os hábitos dos
consumidores a longo prazo e adiciona que o comportamento do consumidor é guiado pela
inconsciência e motivos enraizados.
Quadro 9: A Economia Circular como elemento de transição para o Consumo 4.0.
Fatores-chave Pontos a serem endereçados rumo à Economia
4.0
Economia
Circular Evidências
Consumo 4.0
Consumo cons-
ciente colabora-
tivo (CCC)
6.1. Posicionar o consumidor no início do processo
produtivo para atender suas necessidades
6.1. Sim
6.1. Design de
produtos; Cradle to
Cradle (ELLEN
MACARTHUR
FOUNDATION,
2013b;
MCDONOUGH;
BRAUNGART,
2002)
6.2. Cocriar hábitos de consumo conscientes, cole-
tivos e intencionais
6.2. Não (KORHONEN;
HONKASALO;
SEPPÄLÄ, 2018)
6.3. Desvincular o conceito de bem-estar do con-
sumo de produtos
6.3. Sim 6.3. Economia de
Performance; Efeti-
vidade (ELLEN
MACARTHUR
FOUNDATION,
2017b; SUNG,
2015)
Fonte: A autora.
Por outro lado, a Economia Circular toca diretamente o ponto 6.1. quando, no momento de
design de produto focado em seu ciclo de vida e reaproveitamento de materiais, envolve dife-
84
rentes stakeholders, incluindo consumidores, para desenvolver um produto efetivo, que atenda
as necessidades do consumidor e intencionalmente preserve o meio ambiente. A escola de
pensamento Cradle to Cradle segue essa prática, abordando-a e expondo diversos exemplos
no livro de mesmo nome (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2013b; MCDONOUGH;
BRAUNGART, 2002). Peschl et al. (2010) ainda defende que o processo de open innova-
tion24
garante que os resultados desejados durante o design do produto sejam atingidos mais
rapidamente, uma vez que os atuais e futuros consumidores já estão envolvidos no processo
de criação, além de que ideias valiosas podem vir tanto de dentro, quanto de fora de empresas.
E por fim, a Economia Circular propõe a criação de novos modelos de negócios, onde os in-
divíduos devem dar preferência ao acesso a serviços no lugar de possuir produtos, tornando-se
assim usuários e não donos (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION; MCKINSEY &
COMPANY, 2014). A urbanização, por exemplo, é uma facilitadora desse modelo de negó-
cios que, graças à concentração populacional, possibilita o compartilhamento de serviços e
bens de forma rápida e em escala, além de facilitar a logística reversa de produtos. Desse mo-
do, a oportunidade e vantagens econômicas da implementação de serviços, sua escalabilidade
e vantagens ambientais contribuem para que tal modelo circular seja amplamente e rapida-
mente adotado (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2015b). Assim, o bem estar será
proporcionado pelos serviços e não pela posse e consumo de produtos.
Planing (2015) reforça que, ao adotar a economia colaborativa, é possível aumentar a capaci-
dade de utilização e eficiência dos produtos, otimizando o uso dos recursos naturais e substi-
tuindo o acesso do produto por certa performance que satisfaça o consumidor. O autor ainda
estrutura quatro tipos de modelo de negócios do ponto de vista do consumidor que estão ali-
nhados com o ponto 6.3. da matriz, sendo eles: 1) modelo baseado na posse, onde o consumi-
dor compra o produto e detém o direito de usá-lo (comprar uma máquina de lavar roupa, por
exemplo); 2) modelo baseado no uso ou acesso ao produto, quando o consumidor compra o
direito de uso do produto por certo tempo (alugar uma máquina de lavar roupa por determina-
do tempo); 3) modelo baseado em performance, onde o consumidor paga por uma performan-
ce pré-definida, mas não delimitada ao produto (i.e. aluguel de uma máquina de lavar por x
ciclos de lavagem); e por fim 4) modelo baseado em resultados por meio da compra de deter-
24
Processo que permite alcançar as demandas e necessidades de stakeholders por meio de processos participati-
vos de design (PESCHL et al., 2010)
85
minado resultado final, como por exemplo um serviço de lavagem de roupas, com retirada e
devolução.
Coordenação
No Quadro 10 é apresentada a relação da Economia Circular com a Coordenação para a Eco-
nomia 4.0.
Quadro 10: A Economia Circular como elemento de transição para a Coordenação 4.0.
Fatores-chave Pontos a serem endereçados rumo à Eco-
nomia 4.0
Economia
Circular Evidências
Coordenação
4.0
Ação coletiva
baseada na
conscientização
(ACC)
7.1. Implementar a filosofia “ambos-e”, dando
mais diversidade e resiliência ao sistema e
garantindo que os atores cooperem de maneira
conjunta e estreita
7.1. Sim 7.1. Criar resiliência por
meio do estímulo à diversi-
dade; pensamento sistêmico
(ELLEN MACARTHUR
FOUNDATION, 2015a;
LOWE; EVANS, 1995;
WINANS; KENDALL;
DENG, 2017)
7.2. Liderança econômica deve prestar contas
de suas externalidades positivas e negativas
7.2. Não 7.2
7.3. Criar um mecanismo de coordenação e
ambientes que permitam a ação coletiva base-
ada na conscientização e no coletivo
7.3. Sim 7.3 Rede inter-
organizacional e rede de
gestão ambiental. Parques
Eco-industriais
(KORHONEN;
HONKASALO; SEPPÄLÄ,
2018; LOWE; EVANS,
1995)
Fonte: A autora.
As características da Economia Circular são certeiras em relação à criação de resiliência por
meio do estímulo à diversidade, seja para sistemas ambientais, econômicos ou de ecologia
industrial (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2015a; LOWE; EVANS, 1995). Além
disso, o pensamento sistêmico garante a inclusão e interligação de partes desconexas, prati-
cando a filosofia “ambos-e”.
Apesar de a Economia Circular ser oriunda principalmente de meios não acadêmicos e sim de
meios regulatórios e de empresas e consultorias (KIRCHHERR; REIKE; HEKKERT, 2017;
KORHONEN; HONKASALO; SEPPÄLÄ, 2018; MURRAY; SKENE; HAYNES, 2017;
86
WINANS; KENDALL; DENG, 2017), não foi encontrado em literatura registros de que a
Economia Circular apresente práticas concretas para a prestação de contas sobre externalida-
des positivas e negativas de lideranças econômicas (7.2). Entretanto, ainda assim, incentiva
em seu terceiro princípio que haja identificação e eliminação das externalidades negativas,
tanto por parte das lideranças econômicas, quanto por parte das empresas – desconsideradas
na literatura de Scharmer (2014).
E, por fim, referente à criação um mecanismo de coordenação e ambientes que permitam a
ação coletiva baseada na conscientização e no coletivo (ponto 7.3), acredita-se que Parques
Eco-Industriais possam contribuir para a criação de um mecanismo de coordenação e gestão
de fluxos para o benefício comum (LOWE; EVANS, 1995). Korhonen, Honkasalo e Seppälä
(2018) ainda citam que a Economia Circular pode ser uma oportunidade de criação de rede
inter-organizacional e ambiental para promoção da gestão sustentável entre empresas-
consumidores e empresas-empresas.
Posse
A relação entre a Economia Circular e o último fator-chave pode ser observada no Quadro 11.
Novamente não foram encontradas evidências de que a Economia Circular cite a instituciona-
lização dos direitos de posse por meio da criação de trustes para prestação de conta aos
stakeholders (8.2). Ainda assim, algumas iniciativas de Economia Circular podem levar a
prestação de contas e mais transparência para com os consumidores, sociedade, entre outros
atores, como consequência da necessidade de comunicação das atividades desenvolvidas
(ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2015a, 2015b).
No terceiro princípio da Economia Circular, segundo a Ellen MacAarthur Foundation
(2015a), é colocada a necessidade de revelar e excluir as externalidades desde o início da con-
cepção dos produtos, o que naturalmente resulta na responsabilização das externalidades ge-
radas aos stakeholders pelo produtor (8.1). E, em relação ao ponto 8.3, a Economia Circular
atua fortemente na priorização do uso compartilhado de bens e desenvolvimento de serviços
frente à posse e desenvolvimento de produtos, possuindo grande interface com o Consumo
4.0 apresentado anteriormente (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2015a; ELLEN
MACARTHUR FOUNDATION; MCKINSEY & COMPANY, 2014; KORHONEN;
HONKASALO; SEPPÄLÄ, 2018).
87
Quadro 11: A Economia Circular como elemento de transição para a Posse 4.0.
Fatores-chave Pontos a serem endereçados rumo à Eco-
nomia 4.0
Economia
Circular
Evidências
Posse 4.0
Acesso compar-
tilhado a recur-
sos comuns
8.1. Posse privada deveria incluir as responsa-
bilidades das externalidades negativas geradas
a stakeholders que podem ser afetados
8.1. Sim
8.1. Identificar e
eliminar as exter-
nalidades negativas
desde o princípio
(ELLEN
MACARTHUR
FOUNDATION,
2015a)
8.2. Institucionalização dos direitos de posse
por meio de trustes a fim de prestar contas a
todos os stakeholders
8.2. Não 8.2.
8.3. Priorização do uso compartilhado à posse 8.3. Sim 8.3. Uso comparti-
lhado; priorização
de serviços a pro-
dutos (ELLEN
MACARTHUR
FOUNDATION,
2015a;
KORHONEN;
HONKASALO;
SEPPÄLÄ, 2018)
Fonte: A autora.
Em seu reporte, Ellen Macarthur Foundation e Mckinsey & Company (2014) afirmam que
uma nova cultura de consumo é importante para o desenvolvimento da Economia Circular.
Porém, Korhonen, Honkasalo e Seppälä (2018) argumentam que não existe embasamento
científico para tal afirmação. Estes enxergam um novo modelo de consumo regido por grupos
de usuários e comunidades que compartilham funções, serviços e produtos físicos, onde novos
modelos de negócios devem adotar meios de aluguel de produtos, logística reversa, entre ou-
tros serviços.
~
Como observado na Figura 8 a seguir, dentre os 27 pontos a serem endereçados para a transi-
ção da Economia 3.0 para a Economia 4.0, a Economia Circular toca mais fortemente 13 de-
les, distribuídos principalmente entre os fatores-chave Natureza (três entre quatro fatores),
88
Tecnologia (três entre cinco), Consumo, Coordenação (dois de três fatores) e Posse (dois de
três fatores cada). Endereçar o primeiro fator-chave é intrínseco aos conceitos de Economia
Circular, buscando fechar a cadeia produtiva e orientar o design de produtos para tal, além de
fomentar processos baseados na natureza, como energia renovável, diversidades e simbiose. O
único ponto em que há contradição é no entendimento de commodity, onde Scharmer defende
que recursos naturais devem deixar de ser considerados como tal, enquanto publicações de
Economia Circular continuam citando o uso de commodities, mas como recursos naturais que
devem ser geridos adequadamente.
Em segundo lugar, a Economia Circular aborda questões rumo à Tecnologia 4.0 no que tange
a transformação da mentalidade e conscientização para que tecnologias resolvam efetivamen-
te problemas – como, por exemplo, a proposição de tecnologias que atendam às necessidades
do consumidor prestando serviços no lugar de possuí-los, virtualização de materiais, entre
outros. Outro fator em que a Economia Circular colabora é na reconexão e realocação de in-
vestimentos de pesquisa e desenvolvimento voltados às necessidades sociais, que serão ende-
reçados a partir do momento em que se enxerga a necessidade de criação de um produto e,
então, projeta-se sua efetividade. E por fim, a Economia Circular já prevê o uso de energia
renovável para seus processos, atendendo o último item rumo à Tecnologia.
Também de acordo com seus princípios e características, a Economia Circular busca posicio-
nar o consumidor no início do processo produtivo a fim de garantir que suas necessidades
serão efetivamente atendidas, buscando produtos, serviços, materiais e soluções adequadas –
vide Cradle to Cradle. Consequentemente, ao buscar atender necessidades dos consumidores
e fornecer soluções e não mais produtos, a Economia Circular desvincula o conceito de bem-
estar da posse, que indiretamente influencia também em hábitos de consumos mais conscien-
tes, coletivos, compartilhados e intencionais.
Ao contrário do que era esperado, a Economia Circular representa um papel importante rumo
à Coordenação 4.0, uma vez que promove a criação de redes inter-organizacionais e de gestão
de sustentabilidade por meio de Parques Eco-Industriais e criação de ecossistemas que bus-
cam o compartilhamento e a gestão de insumos e resíduos de forma conjunta. Além disso,
ainda promove a resiliência e diversidade do sistema por meio da filosofia “ambos-e”. Assim,
a Economia Circular toca 2/3 dos pontos rumo a Ação Coletiva baseada na Conscientização.
89
Figura 8: Pontos endereçados pela Economia Circular na transição da Economia 3.0 para a 4.0.
Fonte: A Autora.
O fator-chave Posse é endereçado em dois de seus três pontos referentes à transição para a
Economia 4.0 por meio da Economia Circular. O primeiro é ligado à identificação e elimina-
ção das externalidades negativas nos processos, evitando assim prejuízos aos atores envolvi-
dos no ciclo de vida dos produtos e responsabilizando empresas pelos danos causados ao am-
biente e sociedade. E o segundo ponto, fundamental à Economia Circular, é favorecer servi-
ços compartilhados a fim de maximizar os insumos e uso de produtos.
No mais, um dos cinco aspectos do Trabalho 4.0 é auxiliado pela Economia Circular. Por
meio da criação de uma comunidade global por meio da Escola de Pensamento Blue Economy
para compartilhamento e cocriação coletiva de protótipos para a Sociedade 4.0 a Economia
Circular auxilia a transição rumo à Economia 4.0. No mais, ainda há pontos que não são ende-
reçados diretamente pela Economia Circular, mas que sofrem influência indireta das ativida-
des de modelo circular.
E, por fim, não foram encontradas evidências em literatura sobre o auxílio da Economia Cir-
cular nos fatores-chave de Capital e Liderança 4.0 dentro dos aspectos de Scharmer. Entretan-
to, isso não significa que outras iniciativas, que não a Economia Circular, não possam auxiliar
na transição rumo à Economia 4.0, tornando esse processo de mudança mais completo e holís-
tico. Exemplos são novas certificações, como B Corp, Cradle to Cradle, iniciativas como Ca-
pitalismo Consciente, iniciativas de microcrédito, entre outras.
3/4
1/5
0
3/5
0
2/3 2/3 2/3
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
Pontos endereçados pela Economia Circular
13/27
90
91
3.4. Considerações Finais
Como levantado ao longo deste trabalho, Korhonen, Honkasalo e Seppälä, (2018) apontam
claros objetivos da Economia Circular dentro dos aspectos ambiental, econômico e social do
desenvolvimento sustentável. Como objetivo ambiental, a Economia Circular deve reduzir as
entradas de energia e materiais virgens e reduzir a geração de resíduos e emissões no sistema
de produção-consumo por meio da aplicação e ciclos de materiais e uso de energias renová-
veis. Na esfera econômica, busca reduzir os custos de energia e matéria-prima, reduzir custos
de gestão de resíduos e controle de emissões e reduzir os custos para legislação e tributação
ambiental, além de promover a inovação de produtos e criar oportunidades de marcado para
novos negócios. E por fim, no que tange o aspecto social, a Economia Circular deve fomentar
a economia compartilhada, gerando mais empregos, proporcionado tomadas de decisão mais
democráticas e promover o uso mais eficiente da capacidade física existente dos materiais
através da cooperação e criação do senso de comunidade para o usuário.
Entretanto, como apontado por Kirchherr, Reike e Hekkert (2017), o principal objetivo é pri-
meiro econômico, depois ambiental e o aspecto social é raramente abordado. Winans, Kendall
e Deng (2017) afirmam que, para que iniciativas de Economia Circular sejam sustentáveis em
sua implementação, é necessário que sejam integradas top-down e bottom-up, além de ressal-
tar que instrumentos regulatórios e econômicos (como subsídios e incentivos fiscais) funcio-
nam bem quando governos apresentam objetivos claros para curto e longo prazo.
E, por fim, como a Economia Circular é um conceito relativamente novo, ainda pode haver
limitações em sua aplicação (MURRAY; SKENE; HAYNES, 2017) e conceitos, especial-
mente ao que se refere a questões termodinâmicas, limites do Sistema de Economia Circular,
impactos de biocombustíveis, avaliação do ciclo de vida, desafios com o governo para pro-
mover gestão e coordenação de fluxos de matéria e energia, entre outros (KORHONEN;
HONKASALO; SEPPÄLÄ, 2018). No mais, Kirchherr, Reike e Hekkert (2017) afirmam
que, por vezes, consumidores e modelos de negócios não são vistos como facilitadores e pro-
motores de uma economia mais circular, enquanto Winans, Kendall e Deng (2017) argumen-
tam que o envolvimento de stakeholders em uma visão compartilhada pode superar as barrei-
ras econômicas e técnicas enfrentadas durante a implementação da Economia Circular. Os
autores ainda afirmam que a Ellen MacArthur Foundation e a McKinsey & Company estão
criando mecanismos para promover inovação social e tecnológica nessa área.
92
Diante disso, evidencia-se a necessidade de desenvolver e aprofundar o conteúdo acadêmico
em torno do conceito de Economia Circular a fim de esclarecer aspectos observados por prati-
cantes da Economia Circular – empresas, legisladores, consultores, entre outros. Da mesma
forma, é necessário ampliar o conteúdo produzido em torno da Evolução dos Sistemas
Econômicos desenvolvido por Scharmer (2014), a fim de identificar e levantar mais evidên-
cias sobre o atual estado de conscientização da sociedade. E, além disso, desenvolver conteú-
do científico para avaliar o estágio em que se encontra o Brasil, visto que ainda apresentamos
muitos aspectos da Economia 2.0 e 3.0.
Ao longo da Revisão Bibliográfica e apresentação dos resultados teóricos deste trabalho, é
possível observar que a Economia Circular tem potencial para auxiliar alguns pontos na tran-
sição da Economia 3.0 para a 4.0. Assim, considera-se importante identificar outras inovações
institucionais que possam auxiliar outros fatores-chave para a transição rumo à Economia 4.0,
promovendo uma mudança holística. No mais, considera-se interessante também aplicar a
ferramenta em instituições que já apliquem a Economia Circular a fim de verificar na prática
os pontos aqui levantados de forma teórica.
93
5. Conclusão
O presente trabalho buscou analisar quais os pontos que devem ser endereçados para que
ocorra uma transição efetiva da Economia 3.0 para a 4.0 e, baseando-se na ferramenta desen-
volvida, avaliar o potencial da Economia Circular em auxiliar na transição rumo à Economia
4.0. Para isso, realizou-se revisão bibliográfica em torno de ambos os conceitos, abordando
suas origens, principais características e, posteriormente, identificando suas possíveis correla-
ções.
Diversas referências em literatura foram encontradas em relação à escassez dos recursos natu-
rais e aos riscos que a extração desenfreada e mal planejada traz para a economia, meio ambi-
ente e bem estar futuro da população. A instabilidade no preço das commodities, alto consumo
de recursos minerais, desmatamento, uso ineficiente da água e do solo, entre outros fatores,
geram externalidades negativas que não podem mais ser absorvidas e recuperadas pelo plane-
ta. É necessário repensar o sistema produtivo e sua fonte de recursos a fim de garantir que
haverá disponibilidade de capital natural para o desenvolvimento de futuras gerações e ativi-
dades econômicas.
Dessa forma, surge a partir dos anos 1970, as denominadas escolas de pensamento pela Ellen
MacArthur Foundation, que iniciam a busca pela eficiência e efetividade de produtos, procu-
ram usar menos materiais tóxicos, inspiram-se na natureza para desenvolvimento de produtos,
usam energias renováveis, fomentam a diversidade, promovem uma economia de ciclo fecha-
do com reuso, remanufatura e reciclagem, entre outros aspectos. Em 2010, a Ellen MacArthur
Foundation consolida essas abordagens e unificando os princípios e características da Econo-
mia Circular alicerçados na preservação do capital natural, otimização de recursos e excluindo
externalidades negativas do sistema. Com isso, a Fundação busca impulsionar uma economia
que seja regenerativa e restaurativa por princípio, transformando o modelo de produção linear
em um modelo circular, onde a matéria-prima é extraída, produzida e reutilizada. A Economia
Circular cria e gera valor em torno dos produtos e materiais que são produzidos, busca mantê-
los em seu mais alto grau de valor pelo maior tempo possível (ELLEN MACARTHUR
FOUNDATION, 2015a).
Em seguida, na revisão da Evolução dos Sistemas Econômicos, de Otto Scharmer, observa-se
que o sistema produz resultados indesejados de forma inconsciente, sendo necessário que in-
divíduos, organizações e sociedade passem por uma jornada de conscientização para produzi-
rem resultados lúcidos e positivos para todos os atores do sistema. Essa jornada de conexão
94
com o ponto de operação é denominada Teoria U, que, se expandida para a sociedade e orga-
nizações, identifica-se cinco grandes estados de consciência coletivos ao longo da história do
capitalismo que refletem em características da economia. São estes: sociedade e economia
voltada para a subsistência (Economia 0.0), sociedade centrada no estado e economia mercan-
tilista (Economia 1.0), livre mercado e sociedade de conscientização egocêntrica (Economia
2.0), economia social de mercado e baseada nos stakeholders (Economia 3.0) e economia
cocriativa, dialógica e ecocêntrica (Economia 4.0). Scharmer levanta falhas sistêmicas e con-
sequentes pontos de acupuntura que deveriam ser endereçados, além de defender que, entre
um estágio e outro, havia fatores limitantes que faziam com que a sociedade se reorganizasse
de forma a evoluir para o próximo nível de consciência. Entretanto características de diferen-
tes estágios podem coexistir, possibilitando 390.625 combinações no sistema (SCHARMER,
2014).
Ao estudar a Economia 4.0 e as características de seus oito fatores-chave – Natureza, Traba-
lho, Capital, Tecnologia, Liderança, Consumo, Coordenação e Posse –, identificou-se por
meio da ferramenta desenvolvida, 27 elementos a serem endereçados rumo à transição da
Economia 3.0 para a Economia 4.0. Alguns deles são: necessidade de transformação da cadeia
de uso de recursos naturais em processo circular; fomentar o empreendedorismo; garantir o
uso o dinheiro para gerar capital e criar valor em torno de ideias criativas e de capital não-
monetário; incentivar o uso de energias renováveis; desenvolver ferramentas de cocriação e
prototipagem para o processo do U; cocriar hábitos de consumo consciente, coletivos e inten-
cionais; desenvolver diversidade e resiliência no sistema; e priorizar o uso compartilhado à
posse.
Conclui-se que há relação entre os conceitos de Economia Circular e Economia 4.0, uma vez
que ambos visualizam a proximidade de limites ecossistêmicos, defendem a necessidade de
reduzir o uso de recursos naturais, acreditam na integração de diferentes atores para sanar
problemas sistêmicos, sustentam o uso de energias renováveis, apoiam o uso compartilhado
de bens, entre outros fatores harmônicos. Aplicando a ferramenta a fim de verificar a efetiva
contribuição da Economia Circular na transição para Economia 4.0, percebeu-se que essa en-
dereça mais fortemente os fatores-chave Natureza, Tecnologia, Consumo, Coordenação e
Posse. Trabalho 4.0 apresenta um aspecto que pode ser auxiliado pela Economia Circular,
endereçando, assim, um total de 13 pontos. Porém, Liderança e Capital não apresentam rela-
ção direta com a Economia Circular, apesar de que se acredita que a Economia Circular ainda
possa influenciar indiretamente alguns aspectos.
95
Entretanto, visto que a Economia Circular não endereça todos os pontos necessários para uma
transição completa para a Economia 4.0, torna-se necessário que outras inovações institucio-
nais também contribuam para esse processo de transição. Desse modo, propõe-se duas linhas
para estudos futuros: explorar outras inovações institucionais que auxiliem na transição da
Economia 3.0 para 4.0 e aplicar a ferramenta desenvolvida neste trabalho; e aplicar a ferra-
menta desenvolvida em empresas e organizações que trabalham dentro do modelo de Econo-
mia Circular para verificar se os pontos abordados teoricamente pela Economia Circular se
aplicam na prática na transição para a Economia 4.0.
Ellen MacArthur Foundation (2013a) julga que nos encontramos no momento certo para que a
transição rumo ao modelo circular se concretize, uma vez que a escassez dos recursos naturais
está sensibilizando e pressionando tomadores de decisões, governos e empresas a repensar
modelos lineares de matéria e energia. Peschl et al. (2010) por sua vez, defende que, para que
não se perca a oportunidade de mudança na Economia Circular, são necessárias atitudes e
abordagens radicais. Portanto, acredita-se que, a fim de que a transição da Economia 3.0 para
a Economia 4.0 auxiliada pela Economia Circular seja efetiva e traga os resultados esperados,
é necessária uma mudança intencional e consciente de cultura e de visão de negócios em toda
a cadeia do ciclo de vida do produto, incluindo diversos atores para que a transformação seja
sistêmica, inovadora e completa. Atores esses que devem ser de níveis organizacionais, da
sociedade, ramo tecnológico, da área de finanças e políticas. E as mudanças, por sua vez, de-
vem ocorrer na concepção de produtos, nos processos de produção, criação de oportunidades
e formas de transformação dos resíduos em recursos, incentivo de novas tecnologias e fontes
renováveis de energia, permitindo que novos modelos de negócios e de mercado surjam, jun-
tamente com novos padrões de comportamento dos consumidores.
96
97
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